Higienismo CG Dissertação Falas
Higienismo CG Dissertação Falas
Higienismo CG Dissertação Falas
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CAMPINA GRANDE-PB
GRANDE
ABRIL -2010
1
CAMPINA GRANDE-PB
ABRIL -2010
2
A663d
2010 Araújo, Silvera Vieira de.
Dispensando o feioso: a construção da higiene estética de
Campina Grande (1930-1960) / Silvera Vieira de Araújo. ─ Campina
Grande, 2010.
138 f. : il. col.
CDU – 628.4.02(043)
3
Banca Examinadora
________________________________________________
Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira-PPGH/UFCG
(Orientador)
_______________________________________________
Prof. Dr. Josemir Camilo de Melo- UEPB
(Examinador -externo)
________________________________________________
Profa. Dra. Regina Coelli Gomes Nascimento-PPGH/UFCG
(Examinadora-interna)
________________________________________________
Prof. Dr. José Otávio Aguiar -PPGH/UFCG
(Suplente)
________________________________________________
Profa. Dra. Regina Behar-PPGH/UFPB
(Suplente)
4
Dedicatória
Agradecimentos
Índice de fotos
Foto 02: Praça Clementino Procópio, 1940: Museu Histórico e Geográfico de Campina
Grande.----------------------------------------------------------------------------------------------------.57
Foto 03: Largo da Matriz, 1935: Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------- ---------59
Foto 04: Rua Maciel Pinheiro, 1938: Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande.------
-------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------.60
Foto 05: Rua Maciel Pinheiro, 1940: Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande-------
------------------------------------------------------------------------------------------- -----------------60
Foto 06: O Grande Hotel, 1942: Museu Histórico e Geográfico de Campina Grande.------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 62
Foto 07: A presença da vaca na Rua Cardoso Vieira: Diário da Borborema, n. 315, 30 de
Outubro de 1958.---------------------------------------------------------------------------------------. 84
Foto 09: A “Rainha Joana”: Cristino Pimentel em livro “Pedaços da história de Campina
Grande”, 1958.------------------------------------------------------------------------------------------106
Foto 11: Delinquência infantil: Diário da Borborema, n. 158, 16 de Abril de 1958. --------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------.124
7
Resumo
Esta dissertação tem como objetivo analisar historicamente a construção da higiene estética
em Campina Grande, entre os anos de 1930 a 1960, atentando para as mudanças provocadas
na sociedade campinense frente ao discurso higienista e estético que, alicerçado pelo discurso
de modernização urbana, interferiu no cotidiano dos campinenses. Destacamos ao longo do
texto que o projeto de higienização e embelezamento da cidade foi fundamentado no desejo
de modernizar os hábitos da população, considerados arcaicos e arraigados na tradição rural.
Este projeto disciplinar tinha como objetivo tornar o homem adaptado à vida na cidade grande
e moderna. Neste sentido, analisamos a implantação de projetos de sanitarização do espaço
urbano através da construção do sistema de saneamento e abastecimento d`água de Campina
Grande, em 1939 e 1958 e a construção da rede de esgoto da cidade. Ressaltamos também o
processo de reforma urbana nessa cidade, efetivado na administração do prefeito Vergniaud
Wanderley, enquanto parte de um projeto modernizador, alicerçado nos ideais de estética
urbana e da reformulação do Código de Posturas do município, no início da década de 1950,
para adaptar os hábitos da população à vida na cidade reformada. De acordo com este projeto
disciplinar com vistas à higienização e ao embelezamento do centro urbano, destacamos o
processo de higienização social, através da eliminação dos sujeitos considerados desviantes,
pelo aspecto anti-higiênico, “feioso”, “imoral” e “delinquente”, como eram vistos e
representados; mendigos, prostitutas e “menores delinquentes” eram os sujeitos incluídos
nesta categoria de “anormal”. Teoricamente estabelecemos um diálogo com Michel Foucault
(1978) e seu conceito de disciplina, para analisar os procedimentos de disciplinarização do
uso do espaço urbano e com o conceito de burla de Michel Certeau (1994) para problematizar
a resistência da população a esses dispositivos disciplinares. Os discursos e práticas que
objetivaram a construção da higiene estética em Campina Grande contribuíram para modificar
o viver na cidade, interferindo nas formas de usar o espaço urbano, seja este público ou
privado, uma vez que essas mudanças provocaram paulatinamente a ruptura com os antigos
valores e costumes tradicionais, com o pressuposto de construir uma cidade moderna,
higiênica e bela.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the historical construction of aesthetic hygiene in Campina
Grande, between the years 1930 to 1960, focusing on the changes caused in campinense
society front of the discourse hygienist and aesthetic, to be basead on the discourse of urban
modernization, interfered in the daily of campinenses. We emphasize throughout the text that
the project of cleaning and beautifying the city was founded on the desire to modernize the
habits of the population, considered archaic and rooted in rural tradition. This project aimed to
discipline the man become adapted to life in the city big and modern. In this sense, we
analyze the implementation of projects sanitation of urban space through the construction of
system of sanitation and water supply d `Campina Grande, in 1939 and 1958, and
construction of the sewage system of the city. We emphasize also the process of urban reform
in this city, effective administration of Mayor Vergniaud Wanderley, as part of a
modernization project, founded on the ideals of urban aesthetics and the reformulation of the
postures of the city in early 1950 to adapt the habits of the population living in the city
reformed. In accordance with this project disciplines to cleaning and beautification of the
urban center, we point the process of social cleansing, through elimination of subjects
classified as deviant, by the look unsanitary, "ugly", "immoral" and "delinquent" as were seen
and represented, beggars, prostitutes and “minor delinquent” were the subjects included in
this category of "abnormal".Theoretically engaged in dialogue with Michel Foucault (1978)
and his concept of discipline, to review the procedures for disciplining the use of urban space
and the concept of fraud by Michel de Certeau (1994) to discuss the population's resistance to
these disciplinary mechanisms The discourses and practices that aimed to build hygiene
aesthetics in Campina Grande contributed to the change live in the city, intervening in ways
of using urban space, this is public or private, since these changes have led to a gradual break
with the old values and customs, with the presupposed of building a modern, hygienc and
beautiful.
Sumário
Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------10
2.2- Código de posturas para “oitenta mil almas”: civilizando os costumes, higienizando os
hábitos----------------------------------------------------------------------------------------------------- 75
3.2- Dispensando a “má-vizinhança”: higiene social e a expulsão das mulheres “sortidas” das
áreas centrais da cidade--------------------------------------------------------------------------------- 90
3.3-“Um espetáculo Horrível”: ações e discursos da classe comerciária para a exclusão dos
mendigos da área central da cidade------------------------------------------------------------------- 96
3.5- Casa da Criança Dr. João Moura, Casa do Menino e o Lar do Garoto: projeto educativo
para o combate à mendicância e à delinquência--------------------------------------------------- 119
Fontes---------------------------------------------------------------------------------------------------- 138
10
Introdução
Escrever sobre Campina Grande entre os anos de 1930 a 1960 foi um desejo que surgiu
quando cursava, como aluna especial, a disciplina “Medicalização social, identidades e
controle do corpo”. Essa disciplina, pertencente à grade curricular do Programa de Pós-
graduação em História, Cultura e Sociedade, da Universidade Federal de Campina Grande,
fora ministrada pelo Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira. Diante das discussões sobre os
projetos de higienização das cidades, me senti instigada a problematizar essas questões, tendo
como objeto de estudo a higienização de cidade de Campina Grande.
Quando comecei a desenvolver as pesquisas para o meu projeto de mestrado, percebi
que Campina Grande, durante o período de 1930 a 1960, desfrutou de um rápido crescimento
econômico relacionado ao comércio do algodão, que convergiu para o seu crescimento
populacional, principalmente, a partir do final da década de 20. Esse aspecto de cidade marcada
pelo desenvolvimento serviu de justificativa para a implementação de medidas higienistas e
estéticas no ambiente urbano, sobretudo em sua área central.
Além disso, no momento histórico supracitado, evidenciou-se no cenário nacional a
ênfase na modernização do Brasil, introduzida nos governos de Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek, nos quais a política de industrialização e modernização do país manifestava-se
mediante o investimento público em obras de infra-estrutura, tais como: saneamento, educação,
energia e rodovias. Assim, várias cidades brasileiras passaram por grandes transformações em
suas estruturas materiais, com a aquisição de sistema de abastecimento e saneamento d`água,
rede de esgoto, ampliação da rede elétrica e das linhas telefônicas e melhoramento das ruas.
Em nossa tentativa de problematizar a importância da adoção das práticas higiênicas e
estéticas em Campina Grande, questionamos: qual a relação entre o projeto estético higienista e
o desejo de modernização da cidade? Que intuitos nortearam a construção de uma cidade
moderna? A cidade moderna que se almeja construir fez parte de um discurso que está
estreitamente ligado ao conceito de progresso e modernização, caracterizando-se pelo desejo de
distanciamento em relação a tudo que diz respeito ao passado, ao mundo rural e aos hábitos
considerados tradicionais. Sobre a problemática da cidade moderna, Antônio Paulo Rezende
esclarece-nos:
Os caminhos da cidade moderna não passaram apenas pelas trilhas da
industrialização. Não houve essa relação de necessidade absoluta. A
modernidade tem suas ligações intrínsecas com a modernização. O espaço
físico da modernização, sua concretização ao acelerar a modernidade alarga
os sentimentos ditos progressistas. Na verdade, é a ideia de progresso que
11
1
Aranha (2003) analisa em “Seduções do moderno na Parayhba do Norte” a cidade moderna a partir da
incorporação dos elementos simbólicos de modernidade, entre os quais destaca: os equipamentos de uso coletivo
(sistema de transportes e comunicações) e equipamentos de higiene e/ou conforto (sistema de água encanada,
rede de esgoto e iluminação pública).
12
No cenário da modernidade, o sujeito que se define como moderno elabora sua própria
marca identitária, baseada nos valores da beleza, do novo, da higiene, da saúde, do capital e
do progresso. A valorização do discurso moderno no âmbito da cidade estimula-nos a
problematizar o conceito de modernidade e modernização, os quais mantêm uma relação de
dependência e de reciprocidade, pois “a modernidade necessita do processo de modernização,
da requisição de mudanças na economia, de maiores avanços tecnológicos alimentados pelas
produções capitalistas” (OLIVEIRA, 2002, p.24). A modernidade é marcada “pelo
predomínio da ciência e da razão prática, burocratização, organização racional do trabalho,
Ordem e Progresso, onde o Estado atua como instituição importante na gestão do processo”
(REZENDE, 1997, p. 23). A cidade, enquanto palco da modernidade produz sensibilidades,
valores, projetos e tempos modernos, que a definem como índice simbólico do moderno.
Sobre o conceito de modernização, Geoffrey Roberts explica que:
2
Freitag (2006) faz uma análise da produção de alguns autores como Zimmel, Benjamim, Max Weber
relacionada à cidade, no que se refere aos conceitos e às imagens construídos por esses autores sobre a cidade na
modernidade.
3
Waizbort (2006) dedica-se à análise da produção de Zimmel sobre a cidade moderna com base nos conceitos
que Simmel utilizou para caracterizá-la.
13
O capital é um elemento que caracteriza a cidade grande, pois as cidades grandes são o
lugar da economia monetária. Além disso, “a pontualidade, a velocidade, o cálculo, a
racionalidade, perpassam o cotidiano das grandes cidades, demarcando a característica da
economia capitalista” (WAIZBORT, 2006, p.317). Para Simmel, “a multidão é a garantia da
liberdade de ir e vir, pois o indivíduo parece incógnito” (WAIZBORT, 2006, p.319). A
multidão seria outra característica da cidade grande, que demarca a impessoalidade e o
anonimato. São corpos que vão e que vem, que andam. São corpos que vêem, mas nem
sempre são vistos. Essas seriam algumas das características básicas da cidade moderna e
grande enfatizada por Simmel e que, de certa forma tem inspirado os historiadores em suas
maneiras de representá-la.
Walter Benjamim (1892-1940) também contribui para a elaboração de imagens sobre a
cidade moderna, assim, “recorreu a literatura para traçar um quadro das transformações
ocorridas em Paris na segunda metade do século XIX” (RAMINELLI, 1997, p.195)4. Assim,
utilizando-se do flâneur de Charles Baudelaire, o autor assume “a condição de viajante da
modernidade e resolve contar-nos o que viu em suas andanças, transformando-se em
narrador” (FREITAG, 2006, p.33). O flâneur5 seria, ao mesmo tempo, um observador e
produtor de sentidos sobre a cidade.
Entre as temáticas trabalhadas por Benjamim, destaca-se o impacto provocado pela
mercantilização da força de trabalho. A velocidade com que são transmitidas as notícias nos
jornais e telégrafos. A reforma urbana realizada por Haussmann em Paris, tendo uma cidade
agitada pela construção e reconstrução do próprio capitalismo. A mercantilização do ser
humano através da prostituição. A multidão que esconde facínoras, criminosos e também as
práticas de controle dos habitantes da cidade grande (RAMINELLI, 1997).
Benjamim destaca alguns índices de modernidade apresentados pelas cidades grandes,
dentre estes, a iluminação artificial, capaz de mudar os hábitos e criar oportunidades de
circulação e consumo, o que fica evidente quando analisa as passagens de Paris. Nas
passagens, “o observador lembra-se da indústria têxtil, das lojas que exibiam luxuosas
vestimentas, das estradas de ferro, da revolução industrial, dos avanços tecnológicos, da
4
Raminelli (1997) faz uma revisão historiográfica de alguns autores que se dedicaram à temática urbana, entre
eles, Walter Benjamim que trabalha com a literatura para construir alguns conceitos sobre a cidade moderna. É
importante ressaltar que Benjamim tem como cenário a cidade de Paris.
5
De acordo com Benjamin (1991) o flâneur seria o poeta Charles Baudelaire, que, em seus poemas escritos no
momento pós-reforma urbana de Paris, registra então transformações ocorridas na cidade. Benjamim recorre aos
poemas de Baudelaire para analisar a cidade moderna.
14
escola politécnica, da velocidade dos trens, do consumo desenfreado, dos mendigos e pedintes
que poluem as passagens da miséria da classe operária” (RAMINELLI, 1997, p.98).
A cidade, para Benjamim, é vista sob vários ângulos; de um todo pelo luxo das lojas, de
outro pela miséria e prostituição, que demarca as desigualdades do capitalismo e da
modernidade. Os estudos realizados pelo pesquisador sobre a cidade são relevantes para os
historiadores da temática urbana, porque expõem múltiplas formas de abordagem da cidade,
com vários temas de estudo, e principalmente, por problematizar os usos que os homens
comuns fazem da cidade. Esses usos nem sempre condizem com o princípio de ordem pelo
qual fora planejada. Ver a cidade não apenas pela ótica do poder que a organiza, mas,
sobretudo, olhar para os hábitos cotidianos dos homens da cidade, que exprimem os
verdadeiros sentidos e imagens da cidade.
Marshall Berman, em “Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da
modernidade,” mostra-nos como o aspecto físico das cidades, em constante transformação e
renovação, constitui índice simbólico da modernidade:
6
Baudelaire, poeta Francês que registrou em seus poemas as transformações ocorridas na reforma urbana de
Paris, durante a administração do Prefeito Haussmann.
15
O planejamento das grandes cidades no início do século XX, em sua maioria, foi
orientado pelos princípios de mobilidade, fluidez do trânsito e beleza, que ajudaram a
construir a cidade-espetáculo e também norteou um novo tipo de organização espacial,
marcada essencialmente pela segmentação. Assim, percebemos que “a velha rua moderna,
com sua volátil mistura de pessoas e tráfego, negócios e residências, ricos e pobres, foi
eliminada, cedendo lugar a compartimentos separados” (BERMAN, 1986, p. 162). Esse tipo
de organização espacial da cidade é marcado pela separação dos espaços, segundo a sua
função, por exemplo, as vias para os carros, as calçadas para os pedestres; o centro comercial,
para a comercialização de produtos e bairros residenciais, para a habitação da população. Essa
organização espacial segmentada constitui uma herança da renovação urbana de Paris,
realizada na administração do prefeito Haussamann e que repercutiu em vários projetos de
reforma urbana, realizados em grandes cidades.
Em nível nacional, a cidade do Rio de Janeiro inspirou-se na reforma de Paris, para
implementar as mudanças na sua estrutura material no início do século XX. Segundo Nicolau
Sevcenko, em “História da vida privada no Brasil, v. 3,” a reforma foi realizada em três
dimensões: “modernização do porto, confiada ao engenheiro Lauro Muller; saneamento da
cidade, organizado pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz e a reforma urbana, empreendida
pelo engenheiro urbano Pereira Passos” (SEVCENKO, 1998, p. 22 e 23). No plano da estética
urbana, a inauguração da Avenida Central em 1904 simbolizou a regeneração do espaço
urbano e a construção da cidade espetáculo, marcada pelo princípio da beleza, inspirada nos
estilos de decoração franceses:
Símbolo máximo da regeneração urbana, a Avenida Central foi inspirada nos bulevares
parisienses, projetados no governo do barão Haussmann. A avenida, símbolo de modernidade,
projetou na cidade do Rio de Janeiro uma atmosfera estética baseada nos valores e padrões da
arquitetura francesa, simulando um estilo de vida que na época correspondia aos anseios de vida
moderna. Sobre a atmosfera afrancesada da Avenida, Nicolau Sevcenko comenta:
7
Sobre o conceito de experiência Thompson, considera que, “a experiência de classe pode ser demonstrada nas
relações humanas que se expressam em termos culturais: tradições, sistemas de valores, idéias e tradições que
são vivenciadas cotidianamente pelos trabalhadores” (THOMPSON, 1987, p.9,10).
17
8
Chalhoub é influenciado pela historiografia social inglesa, que tem em E. P Thompson seu maior expoente. É
interessante destacar que, Thompson trabalha com a noção de experiência enquanto vivências cotidianas da
classe operária. Essa analise do cotidiano da classe operária não remete apenas as questões estruturais do modo
de produção econômica, mas principalmente dos aspectos culturais que se manifestam no cotidiano da classe
trabalhadora. Ver: Thompson (1987, p.10,11,12).
9
Na página 22, o autor analisa a associação que políticos, cientistas e higienistas faziam entre classes pobres e
classes perigosas, ou seja, consideravam os pobres como classe suscetível ao crime, mas também propício a
doenças, que poderiam ser contagiosas.
10
Na página 45, o autor mostra-nos que, na monarquia, a difusão da ideologia da higiene é limitada por certos
mecanismos institucionais, o que foi revertido na República.
18
quarto poder. A obra de Sidney Chalhoub mostra como os organizadores do espaço urbano,
leia-se arquitetos, engenheiros, urbanistas, poder público, adotaram práticas de intervenção na
malha urbana do Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do século XX. Com intuito
de sanitarizar e embelezar a cidade, para que atingisse fisionomia moderna, fazia-se
necessário eliminar os seus elementos feiosos e infectuosos. Assim, a demolição do cortiço
Cabeça de Porco significou uma medida de combate ao que se considerava um antro de
sujeira e monstruosidade.
Em Campina Grande, a reforma urbana foi implantada na administração do prefeito
Vergniaud Wanderley, no final da década de 1930 e início da década de 1940. Diante desse
processo de transformação urbana, questionamos: qual o objetivo desta reforma? Como
Vergniaud Wanderley articulava o desejo de construção da higiene estética com a reforma
urbana e o projeto civilizatório? Nesse contexto, “mudar as condições sanitárias de uma
cidade ou aformoseá-la significava também deliberadamente interferir e erradicar os maus
hábitos e costumes dos moradores dá-lhe uma nova fisionomia e plasticidade” (SOUZA,
2003, p.140).
Rede de esgoto, sistema de abastecimento d`água e reforma urbana, no entender dos
homens de letras de Campina Grande, representavam a concretização dos ideais de progresso,
desenvolvimento e civilização. Diante dessas inovações tecnológicas inseridas no espaço
urbano, é nosso intuito problematizar as mudanças de atitudes e comportamentos por parte da
população, que segundo o discurso dos jornalistas, políticos e comerciantes, deveria
abandonar hábitos e posturas tradicionais em prol de um refinamento comportamental que
estivesse de acordo com os modos de vida numa urbs moderna. Nesse contexto,
questionamos: como o Código de Posturas do município, reformulado no início da década de
50, representou esse ideal de modernização dos hábitos dos campinenses em consonância com
os valores do higienismo e da civilidade?
É nosso intuito problematizar: como os moradores da cidade recepcionaram as medidas
normativas impostas pela municipalidade? E por que muitas destas posturas municipais
mostraram-se ineficientes? Para o estudo desta questão, dialogamos com Michel de Certeau e
seu conceito de burla, o qual define como sendo “mil maneiras de fazer, constituem mil
práticas pelos quais os usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas de
produção sócio-cultural” (CERTEAU, 1994, p. 92). Dessa forma, analisaremos os modos
como os campinenses ressignificaram essas medidas normativas.
19
A construção de uma cidade moderna fazia parte de um ideal higiênico e estético que
abarcava não apenas o aspecto físico da cidade, mas principalmente os seus habitantes, que,
numa urbs moderna, deveriam ser:
Uma cidade modelar em que não cabia o tortuoso, nem o estreito, nem o
baixo, nem o deselegante, exigia, impunha uma outra corporeidade. Na
cidade cosmopolita, suas práticas não cabiam, e para que seus corpos
tortuosos e deselegantes não maculassem o divino corpo da República,
deveriam ser simplesmente excluídos (VAGO, 2002, p. 32 e 34).
11
O Darwinismo Social, baseado na ideia da seleção natural, afirma que a evolução da sociedade estaria
assegurada pela eliminação dos caracteres defeituosos, inferiores e mais fracos através das gerações. Enfatiza,
então, que “na luta, na concorrência e na seleção, os caminhos para solucionar os problemas sociais deveriam
visar, acima de tudo, ao triunfo do indivíduo superior para depois, aperfeiçoá-lo em busca do super-homem”
(DIWAN, 2007, p.31).
12
No contexto da Antropologia Criminal, destacam-se as descrições e deduções do italiano Lombroso que se
relacionavam com “a evolução das espécies, hereditariedade, comportamento moral, anatomia, craniometria,
loucura, grau de civilização, fealdade e cor da pele” (SILVA, 2003, p.29).
21
histórica, como leis, decretos, projetos de leis, atas de sessões, jornais, fotografias. Essas
formas de apreciação do passado devem ser entendidas como produtos discursivos
engendrados pelo lugar institucional, social, momento histórico e percepção de mundo de
quem as produzem. Assim, devemos “questionar as fontes, entendê-las como filtros do
passado que nos permitem perceber alguns vestígios do tempo que se passou”
(PESAVENTO, 2003, p.72). Crônicas; textos de jornal e revista; leis; decretos; projetos de
leis e atas de sessões constituem o universo discursivo produzido por cronistas, jornalistas,
comerciantes e políticos que projetaram uma cidade moderna através de seus discursos. É
possível perceber nesses discursos as subjetividades, as intencionalidades e as perspectivas de
mundo de seus produtores. Leituras e falas interessadas expressavam ideais de modernidade,
higiene e beleza que nem sempre correspondiam à realidade da cidade, pois esta ainda
convivia com a falta de água potável, rede de esgoto, coleta regular de lixo. Discurso que,
baseado em um processo seletivo, divulga certas imagens da cidade e silencia em relação a
outras. Essa intencionalidade do discurso demonstra sua “ligação com o desejo e com o
poder” (FOUCAULT, 1996, p, 10).
Dessa forma, procuramos construir o nosso objeto de pesquisa por meio de narrativa
verossimilhante, ou seja, como algo que é construído pelo discurso das fontes utilizadas como
tendo uma aproximação com a realidade e não usando estas como se fossem o retrato fiel do
passado. A ideia não é esperar que as fontes nos digam algo sobre o passado, mas questioná-
las pelo que enunciam, mas principalmente pelo que omitem, para problematizar os elementos
externos que repercutem numa produção interessada. No trabalho de composição da narrativa
histórica, deparamos-nos com alguns desafios, que é interpretar não o que está explícito, mas
o que se esconde por trás de falas interessadas; ir além dos documentos; procurar nesse
universo fragmentado traços e pistas que possibilitem atribuir significados aos indícios dessa
realidade, para problematizar o passado com as inquietações do presente.
Castoriadis expressa que, no processo de elaboração do conhecimento histórico,
questões que estão relacionadas ao comportamento humano devem ser analisadas pelo
historiador, para que este não fique preso ao determinismo, uma vez que: “o determinismo é a
metodologia por excelência da preguiça. Quando se possui a “lei” geral deste acontecimento
particular não há necessidade alguma de se pensar sobre ele” (CASTORIADIS, 1987, p. 238).
Nessa perspectiva, à medida que concebemos a história como construção, não há como pensar
metodologicamente uma postura determinista para a interpretação das fontes, que são
representações do real, havendo a necessidade do historiador criticá-las no trabalho de
elaboração de sua narrativa.
22
Capítulo 1
( Cristino Pimentel).14
13
Campina Grande foi elevada à categoria de cidade em 11 de Outubro de 1864. No momento de sua
emancipação, a cidade possuía duas igrejas católicas- a Matriz e a do Rosário- dois açudes públicos, uma cadeia,
um cemitério, duas casas de mercado, a câmara e cerca de trezentas casas como destaca, Câmara (1998).
14
Pimentel (1952, p.32).
26
A saudade da Campina de sua infância é destaca pelo poeta15, que expressa na poesia o
“viver feliz” na cidade, no momento em que os traços rurais marcavam o seu espaço e as
transformações na sua estrutura material ainda não tinham sido efetivadas. Essas descrições
sobre a cidade tomam como referência “certos lugares, descrições de bairros, ou de
transformações em determinadas áreas, que são constantes nos relatos de memorialistas e de
textos literatos que fazem da materialidade dos núcleos urbanos um suporte de memória”
(BRESCIANNI, 2005, p. 238). As transformações do traçado urbano em Campina Grande
relacionam-se com o crescimento do comércio do algodão, convergindo para o aumento
populacional da cidade, principalmente a partir do final da década de 20. Sobre a Campina
Grande da década de 1920, o comerciante Pedro D`Aragão nos fornece algumas informações:
15
Em Pimentel (1958) pode-se encontrar a referência ao ano do seu nascimento, segundo consta que é do ano de
1897. Isso nos leva a pontuar que o período de sua infância em Campina Grande compreende os anos de 1904 a
1909.
16
Pedro D` Aragão em entrevista concedida a Ronaldo Dinoá, ver: Dinoá (1994, p.85).
27
maneiras de usar e ver a cidade, de sentir o território urbano. Diante das modificações do espaço
urbano e do desenvolvimento econômico, Campina Grande tornou-se atraente aos forasteiros
vislumbrados pelas possibilidades oferecidas em seu centro comercial. Recebendo novos
moradores, a cidade tinha seus becos, ruas e vilas multiplicadas, tornando a vida dos moradores
movimentada e cheia de novidades.
Esta cidade, que se modernizava, nos períodos de estiagem, tinha um acréscimo
populacional com a chegada dos retirantes que fugiam da seca17. Isso se explica por ser
“Campina Grande mais próxima do sertão do que a capital, e também por possuir um clima
ameno e dois açudes que abasteciam a cidade” (ALMEIDA, 1962, p. 163-164). No entanto,
muitos retirantes não tinham condições de retornar ao sertão quando a estiagem passava. Assim,
passavam a morar em casebres pobres, ou até mesmo nas ruas. E, em grande quantidade, os
mendigos acabavam por “manchar” a imagem da cidade, que, a partir da década de 20, estava
em expansão comercial. Discursivamente, as elites campinenses exaltavam o crescimento
econômico e a chegada dos símbolos de modernidade na cidade, no entanto, no contexto da
cidade “real,” era visível que nem todos eram atingidos pelos melhoramentos urbanos ou
podiam usufruir das novidades oferecidas pelo mundo moderno.
17
Queiroz (1990) representação na literatura do drama vivenciado pelos sertanejos nos períodos de estiagem e
sua fuga para as grandes cidades, o êxodo rural.
28
18
Já há ninhos na prefeitura...Accordemos a hygiene. O Século. Campina Grande, n.25, 23 jan. 1929.
19
Já há ninhos na prefeitura...Accordemos a hygiene. O Século. Campina Grande, n.25, 23 jan. 1929.
29
A falta d`água e a sujeira existente no meio das ruas favorecia as doenças, tornando
mais difícil o viver na cidade. Os tristes episódios relativos às mortes causadas pelas
epidemias que assolaram a cidade estavam vivos na lembrança dos campinenses e tornavam
mais dramático o cotidiano na urbs, diante da ameaça constante da “morte”. Nesse sentido, a
implantação do sistema de abastecimento d`água e da rede de esgoto seria um tipo de salvo
conduto contra as possíveis tragédias. Considerações feitas no jornal O Rebate, no ano de
1932, fornecem-nos informações sobre esse drama: “não temos águas correntes, e o lixo
depositado nas cercanias da cidade é conduzido pelas águas da chuva para os açudes que a
população se utiliza. As estrumeiras na opinião dos entendidos são os mais perigosos”21. O
movimento de higienização da cidade pode ser compreendido também pela implantação da
rede de esgotos, como relatou o jornal Voz da Borborema:
20
Com vistas à hygiene municipal. Brasil Novo. Campina Grande, n.18, p. 3, 9 Set. 1931.
21
O Rebate, Outubro de 1932. Fac-símile do jornal que pode encontrado em Silvestre (1993, p.206).
22
A comissão de saneamento deu inicio ontem, ao serviço de esgoto na cidade. Voz da Borborema. Campina
Grande, n. 14, 1 set. 1939.
30
cidade, na medida que esta obra contribuiu para amenizar o chamado “medo da morte”23
como deixou bem claro o jornal Voz da Borborema:
Assim, em nome de uma vida saudável, essa obra de saneamento constitui-se “A maior
realização de um governo: a solução de um problema de Campina Grande- Água e Esgotos”25.
Nessa matéria, pode-se perceber a extensão dos significados atribuídos a esta ação por aqueles
“que comungavam dos princípios de modernização, progresso e civilização ancorada nos mais
sólidos princípios de racionalidade científica” (CABRAL FILHO, 2007, p.110). Conforme o
discurso do jornal, a obra tinha o aspecto redentor para a população campinense, devido às
constantes epidemias e às dificuldades do acesso à água. Sendo, então, um discurso
interessado, que tinha por finalidade utilizar a vontade do “povo” como base de sustentação
política de uma obra. Para o engenheiro sanitário Francisco Saturnino Rodrigues de Brito,26
23
Delumeau (1989) e Ariés (2003) fazem uma discussão sobre o medo de epidemias e consequentemente da
morte no âmbito da história ocidental.
24
Administração realizadora: obras públicas. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 25, 9 out. 1937.
25
A maior realização de um governo: a solução de um problema de Campina Grande- Água e Esgotos. Voz da
Borborema. Campina Grande, 25 Jan. 1938.
26
Engenheiro civil e o mais notável sanitarista brasileiro nascido na cidade de Campos dos Goitacases, RJ, que
teve também ativa participação na vida política do país. Idealizou, projetou, construiu ou assessorou inúmeros
sistemas urbanos de abastecimento e de esgotamentos em cidades e capitais brasileiras. Integrou a comissão que
construiu a cidade de Belo Horizonte, MG, primeira cidade brasileira projetada com toda a infraestrutura para ser
a capital do estado. Republicano e positivista, interrompeu sua carreira profissional para se alistar no batalhão
Benjamin Constant, que lutou pela proclamação da república. Dirigiu os estudos de melhoramentos de Vitória,
ES (1896), e integrou a comissão de saneamento do estado de São Paulo (1897), quando organizou os projetos
de saneamento de Campinas, Ribeirão Preto, Limeira, Sorocaba e Amparo. Elaborou os projetos de saneamento
das cidades de Petrópolis, Paraíba do Sul, Itaocara e Campos, todas no Estado do Rio (1898-1901). Também
figuram entre suas principais realizações um projeto pioneiro de esgotos para Santos, SP, com estações
elevatórias elétricas e automática das águas de esgoto, o saneamento da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de
Janeiro, e a retificação do rio Tietê, em São Paulo. Escreveu vários livros e artigos técnicos entre os quais
destacaram-se Apontamentos de geometria analítica (1882), Teoria lógica da assimilação (1887),
Saneamento de Santos (1898) e Esgotos das cidades (1901). Inventor do tanque fluxível, em São Paulo (1900),
seus estudos, trabalhos e sistemas construídos ou reformados pelo mesmo fizeram com que a adoção do sistema
31
que atuou nos projetos de abastecimento d`água e saneamento das cidades do Recife, Pelotas,
Santos e Porto Alegre no final do século XIX e início do século XX , “toda a despesa feita
com a higiene é, em realidade, uma medida de economia para o indivíduo ou para a cidade,
mas custoso que a moléstia só a morte” (BRITO, 1943, p.25). Segundo o autor, foi com “a
regeneração sanitária das cidades, embora algumas delas sejam obras mal concebidas e mal
executadas, que São Paulo debelou a febre amarela e afastou o maior obstáculo a seu
desenvolvimento. Não foi matando mosquitos” (BRITO, 1943, p.19). Desse modo, a higiene
da cidade é o meio possível para a eliminação ou prevenção dos surtos epidêmicos e contribui
para o crescimento econômico das cidades, pois evita os gastos com doenças e os indivíduos
saudáveis têm maior disposição para o trabalho. Como destacou Francisco Saturnino
Rodrigues de Brito:
Assim, temos a percepção de higiene que abarca “todas” as fases da vida humana, bem
como todos os espaços e objetos que rodeiam a vida do ser humano. A cidade é formada por
um conjunto de indivíduos e para que esta seja sanitarizada é preciso que os seus indivíduos
também o sejam. Essa higiene perpassa o cuidado com o lixo, com a água que se utiliza, com
os objetos e espaços que usufruímos. Para a execução do projeto de higienização e
saneamento de uma cidade, Saturnino de Brito destacou alguns melhoramentos urbanos,
dentre os quais podemos citar:
separador absoluto fosse decretada obrigatória no país (1912). Faleceu em Pelotas, RS, no ano de 1929. Fonte:
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/FrancSat.htm, acessado em 31 de Janeiro de 2010.
32
27
Este programa geral dos melhoramentos urbanos faz parte das notas escritas pelo engenheiro para o Congresso
dos Prefeitos de Pernambuco realizado em 1918. Essas notas foram reunidas e constituem o terceiro capítulo do
livro “Urbanismo: traçado sanitário das cidades: estudos diversos” obra publicada em 1944, pela Imprensa
Nacional.
28
Estes tópicos explicativos do plano geral dos melhoramentos urbanos estão presentes no terceiro capítulo livro
“Urbanismo: traçado sanitário das cidades, estudos diversos” obra publicada em 1944, pela Imprensa Nacional.
(p.161 á 170).
33
Estes programas incidirão sobre as ruas e becos que devem ser alargados, os
quarteirões a sanear, as regras a seguir para a divisão dos terrenos em lotes e
para a edificação de casas salubres, a área a reservar para jardins e parques,
os locais pitorescos e proteger contra as devastações e construções que os
prejudiquem, as obras a fazer nas ruas e cursos d`água para facilitar o
escoamento das águas das chuvas; os mananciais a reservar para o
suprimento de água potável, evitando que se contamine, ou sejam
desprotegidos pela devastação das matas; os principais prolongamento das
ruas existentes e as ruas abrir, especialmente as que devem seguir os
thalvegis e os cursos existentes, os quais os coletores principais do
escoamento das águas, o traçado de avenidas nas margens dos cursos de
modo a impedir que os quintais cheguem até e os moradores façam das
águas servidas nocivas (BRITO, 1944, p.164-165).
De acordo com Regina Coelli Nascimento (1997), “este serviço não foi direcionado à
grande maioria da população, mas principalmente, aos comerciantes e industriais, enquanto a
população pobre continuava utilizando água dos açudes” (NASCIMENTO, 1997, p.51). Esse
sistema não contava com as técnicas de purificação d`água, devido à escassez de recursos
financeiros. O projeto Puxinanã-Grota, inaugurado em 1927, em pouco tempo, já não era
29
Anuário de Campina Grande de 1925. Gráfica do Jornal do Comércio-Recife-1925, p.99. Citado por
Nascimento (1997, p. 51).
34
suficiente para atender uma população que crescia rapidamente30. Dessa forma, o Interventor
da Paraíba, Argemiro de Figueiredo, resolveu construir um novo sistema de abastecimento
d`água, denominado Vaca Brava. Sobre o caráter simbólico de Vaca Brava, Cabral Filho
comenta que este:
30
Estas informações estão presentes CABRAL FILHO, Severino. A cidade através de suas imagens: uma
experiência modernizante em Campina Grande. (1930-1950). Tese de Doutorado, João Pessoa ,UFPB, 2007.
p.98, 99, 101 e 102. O autor analisa as fotografias sobre a construção barragem Vaca Brava presentes nos
jornais da época para problematizar essa experiência modernizante de Campina Grande.
31
Abastecimento de água e saneamento de Campina Grande: A grande aspiração de um povo, A maior
realização de um Governo”. A Voz da Borborema, Campina Grande, 9 mar. 1939. Nesta edição, o jornal relata
com riqueza de detalhes todo o conjunto VACA BRAVA, desde o processo de abastecimento de água até o
processo de purificação dos esgotos. E notável que, ao longo das matérias, há uma glorificação do idealizador do
sistema o então interventor e campinense Argemiro de Figueiredo, que celebrou um contrato com a firma
Saturnino Brito, do Rio de Janeiro.
32
Sobre esta informação conferir Evolução, Campina Grande, p. 6, 5 a 11 nov. 1959. Em nota sobre o
falecimento do Dr. Acácio de Figueiredo, o jornal faz um resumo biográfico deste, e comenta era um dos
fundadores e diretores do Voz da Borborema.
33
Filho de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito(1864-1929), Francisco Saturnino Rodrigues de Brito
Filho(1889-1977) formou-se em Engenharia Civil e de Minas pela escola de Minas de Ouro Preto-MG . No
entanto, dedicou-se principalmente à engenharia hidráulica e sanitária. Planejou e executou o saneamento da
35
Esse desejo de glorificar a pessoa do então Interventor da Paraíba justifica-se pelo interesse
político e familiar, uma vez que o dono do jornal Voz da Borborema era Acácio Figueiredo,
irmão do governador, que se utilizou do meio de comunicação, para fazer propaganda
política, prática esta institucionalizada no plano federal pelo governo Vargas, através do DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda). Como grande herói, que salva o seu povo da sede,
Argemiro de Figueiredo desfila nas páginas do jornal, como o salvador da pátria que se
comporta como detentor de uma missão divina que é tirar seu povo do sofrimento. Para
enaltecer ainda mais a obra do então governador, nada mais normal que significar a adutora
como desejo de todos os campinenses, pela possibilidade de acesso à água potável e pela
eliminação do problema dos esgotos, ao realizar o tratamento destes. Para a elite campinense,
a obra representava:
Lagoa Rodrigues de Freitas, no Rio de Janeiro, o abastecimento de água de Salvador, Bahia, Petrópolis. E
também do sistema de abastecimento de Campina Grande. (Essas informações estão contidas no site
http://www.upadi.org.br/historia1.html). Acessado em 8 de Outubro de 2009.
36
Além disso, era duvidosa a salubridade de uma água transportada de maneira anti-higiênica. O
discurso que permeou a luta pela construção do Sistema Vaca legitimou-se pela defesa do
ideal de sanitarização, estética e modernização de uma cidade que se destacava pela
exportação do algodão e se tornava, aos poucos, uma das maiores e importantes cidades do
interior do nordeste. Para os comerciantes de Campina Grande, o problema da falta d`água
era um obstáculo ao desenvolvimento da cidade e afetava diretamente as práticas comerciais,
sendo urgente a solução para esse problema:
Esse problema era motivo de debates entre os comerciantes desde os anos 1920, porque
a instalação do sistema d`água e o tratamento de esgotos só se tornaram uma realidade em
193935 com a Barragem Vaca Brava. No entanto, a água não chegou aos bairros mais pobres.
Basta considerar que a cidade possuía mais de 8 mil residências no período36 e, no entanto,
apenas “30 dentre elas passaram a contar com o serviço de água e esgoto. Ademais a
construção de chafarizes em vários pontos da cidade (em número de 55) indica que muitos
eram obrigados a se deslocar de suas casas até os pontos de distribuição do precioso líquido”
(ARANHA, 2000, p.188).
Como a Barragem Vaca Brava37 abastecia um número reduzido de casas, as pessoas que
moravam em bairros periféricos eram abastecidas por chafarizes, o que significa que nem toda
a população campinense fora beneficiada com esse sistema de abastecimento, embora essa
obra tivesse sido aclamada na época de sua construção, como a redenção de Campina Grande.
No contexto da cidade real, o grande sonho de uma população sedenta parecia estar distante
de ser concretizado.
Para os comerciantes, o acesso à água era indispensável para o desenvolvimento do
comércio, e também para a incipiente atividade industrial ligada ao setor têxtil, devido ao
intenso comércio do algodão. O sistema de abastecimento d`água e a rede de esgoto
representavam o desejo de higienização. Dessa forma, adquiria uma simbologia de prática
34
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata de
03 de Abril de 1933, p.23.
35
Sobre a instalação de água e esgotos, em Campina Grande , ver: Câmara (1998, p.130).
36
Câmara (1998, p.130).
37
Sobre o sistema Vaca Brava, ver: Saneamento. Voz da Borborema. Campina Grande, n.16, 9 mar. 1938.
37
modernizante, que a cidade necessitava naquele momento, como bem comenta Cristino
Pimentel:
Campina Grande que se desenvolve no chapadão da Borborema, cujo
progresso admira a todos que trilham suas ruas, calçadas, com essa água e
saneada, crescerá. Ganhará melhor civilização. Aperfeiçoará seu sistema de
comércio. Polirá o seu com o aumento do núcleo da gente fina que aqui
vive. 38
Assim, “o uso da água encanada na cidade advêm da imagem de purificação que lhe fora
atribuída há século, aquelas vantagens da higiene para a saúde e para a civilização dos
costumes” (SANT`ANNA, 1999, p. 297). Os comerciantes, ao reivindicarem o sistema de
abastecimento e saneamento da água, estavam apelando para a sanitarização da cidade, mas
também estavam visualizando seus próprios interesses, uma vez que a água contribuía para o
desenvolvimento das relações comerciais. Por isso, a notícia da celebração do contrato do
governo do estado com uma empresa para a construção da adutora Vaca Brava é considerada
uma importante realização para o município, e motivo de grande felicidade para os membros
da Associação Comercial de Campina Grande39, como se verifica na ata da reunião realizada
no dia 31 de Junho de 1936:
No dia 7 de Março de 1939, dois dias antes da inauguração do Sistema Vaca Brava, os
membros da Associação Comercial discutiam em reunião a possibilidade de homenagear
Argemiro de Figueiredo, personalidade, que, segundo os discursos dos comerciantes, seria o
responsável pela obra, que possibilitou o acesso à água não só para os comerciantes, mas para
a toda a sociedade campinense que sofria com a sua escassez. Sobre isto, evidencia-se:
38
Crônica de Cristino Pimentel, citada por Souza (2003, p.297).
39
A fundação da Associação Comercial de Campina Grande ocorreu no ano de 1926, sendo uma iniciativa dos
comerciantes ligados ao setor algodoeiro. Essas informações podem ser encontras nos livros das atas sessões
ordinárias e extraordinárias da entidade.
40
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata de
31 de Junho de 1936, p.88.
38
41
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata de 7
de Março de 1939.
42
Em muitas das Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial pode se verificar a
solicitação de redução de impostos ao governo estadual e municipal pelos membros da entidade.
43
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata de
28 de Junho de 1948, p.166.
44
Isto acontece em Campina Grande. O Momento. Campina Grande, n.5, p.2, 15 out. 1950.
39
O povo pobre não tendo para quem apelar, pois ninguém acredita mais nas
providências do governo, começa a se abastecer nas poluídas águas dos
açudes dos barreiros e açudes. Essa água sem tratamento está contaminada.
Ela faltamente transmitirá a febre tifóide, as desenterias bacilares,
schistosomoses e um mundo de infecções perigosas. As criancinhas pobres
irão morrer as dúzias se não houver uma medida séria por parte da saúde.46
45
Campina Grande dia e noite sem água e sem luz. Jornal de Campina. 1 nov. 1953.
46
O problema da água de Campina Grande. Jornal de Campina. 15 nov. 1953.
40
47
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata n.
2/1952 de 16 de Dezembro de 1951,
48
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata.
N.13/1952, de 24 de Julho de 1952, p.26.
41
corte do fornecimento para estes setores. Dessa forma, procuraram atuar através do envio de
“comissão de ilustres campinenses” para falar com o Presidente da República sobre o
problema e solicitar possíveis soluções, como se observa na ata da reunião do dia 17 de Abril
de 1956, quando “os Srs. Alvino Pimentel, Lopes de Andrade, Nestor do Couto e Milton
Cabral49 informam que foram recebidos pelo Presidente da República a quem expuseram a
situação de abastecimento d`água de Campina Grande”.50
Outra forma de demonstrar o apoio da entidade à causa do abastecimento d`água podia
ser percebida através das homenagens feitas pela Associação Comercial àqueles que
participaram dessa luta. Isso pode ser visualizado quando a entidade propôs uma homenagem
à “Comissão Campinense” que teria viajado ao Rio de Janeiro para solicitar providências.
Observemos:
49
Estes senhores srs Alvino Pimentel, Lopes de Andrade, Nestor do Couto e, Milton Cabral eram comerciantes e
membros da Associação Comercial, ver Atas da Associação Comercial, ( 16/2/1938 e 24/5/1975).
50
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata n.
34/56 de 17 de Abril de 1956, P.66.
51
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata de
30 de Abril de 1956, p.47-48.
42
52
Bèguin (1991) “introduzem novos aparelhos para fazer a casa funcionar” expressão utilizada pelo autor para se
referir aos aparelhos que fazem a casa funcionar em termos de conforto e higiene, destacando os aparelhos
sanitários e as redes de tubulação d`água.
53
Sobre a consolidação da teoria microbiana ver: Reis (1991); Vigarello (1996).
54
Sobre estes mecanismos sutis de controle, aos quais Foucault chama de micropoderes que estariam presentes
nas relações sexuais, familiares, e no cotidiano das pessoas. Ver: Foucault (1978).
43
adaptar-se ao uso desses novos equipamentos. Esses procedimentos de disciplina não seriam
direcionados apenas para os mais pobres, mas para todo um conjunto da população que
tivesse acesso a esses equipamentos de higiene e conforto55.
A solução do problema da falta d`água, segundo o discurso dos comerciantes veio, com
a instalação do sistema de abastecimento e saneamento do Boqueirão, inaugurado no ano de
195856. Esse evento foi marcado pelo desejo da Associação Comercial de homenagear aqueles
que contribuíram para a concretização desse ideal. Conforme observamos:
55
Conferir tal discussão em Corbin (1987). Quando o autor considera a rede de esgotos e sistema de
abastecimento como mecanismo sutil de controle da vida cotidiana da população.
56
O Diário da Borborema, exibe várias reportagens no ano de 1958 sobre a construção da adutora ver: Adutora
do Boqueirão. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 221, p.2, 5 jul. 1958; Inauguração da Adutora em
Agosto. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 227, p.2, 12 jul. 1958.
57
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata N.
52/1958; p.79-80, 5 de Abril de 1958.
58
Sobre a estátua em homenagem ao presidente JK ver: Em Campina grande á estátua do presidente. Diário da
Borborema. Campina Grande, n. 230, p.2, 16 jul. 1958.
Ano I, n. 230, 16 de Julho de 1958.
59
Em Campina Grande a estátua do presidente. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 230, p.2, 16 jul.
1958. Nesta matéria, o jornal relata as homenagens feitas a Juscelino Kubitschek pelos campinenses, dentre as
quais a estátua de bronze, o título de cidadão benemérito da cidade concedido pela Câmara Municipal.
44
Foto 01:
O mesmo jornal, que poucos dias antes anunciou que o problema da falta d`água tinha
sido resolvido com a adutora Boqueirão, logo adentrou no plano da cidade real, onde
constatou-se que nem toda a população fora beneficiada com o referido. Para este setor da
população “matar a sede,” continuou sendo uma meta a ser alcançada. Isso demonstra que, na
cidade habitada, “vivem os praticantes ordinários da cidade. Esses praticantes jogam com os
espaços que não se vêem, têm dele um conhecimento cego como no corpo-a-corpo amoroso”
(CERTEAU, 1994, p.174). Estes habitantes comuns do espaço urbano se utilizam-se de
“procedimentos multiformes, resistentes, astuciosos e teimosos que escapam à disciplina sem
ficarem mesmo assim fora do campo de onde se exerce”(CERTEAU, 1994, p.175). Essa
análise de Michel de Certeau em “A invenção do Cotidiano” é relevante por nos instigar a
problematizar os usos que os habitantes comuns fazem do espaço, e, principalmente, nos faz
pensar nas práticas de resistências que estes sujeitos elaboram para sobreviver no ambiente
que se pretende disciplinar. Para Certeau, tem-se uma idealização da cidade:
Esta cidade idealizada seria, na verdade, o espaço urbano planejado pelos urbanistas,
geógrafos, políticos que, dotados de um aparato técnico e científico, utilizam-se de um
conjunto de estratégias para racionalizar o espaço. Como nos lembra Certeau, “a cidade se
torna o tema dos legendários políticos, mas não é um campo de operações programadas e
controladas. Sob seus discursos que a ideologizam, proliferam as astúcias e as combinações
de poderes sem identidade (CERTEAU, 1994, p. 174). Distante da cidade ideal, os habitantes
do bairro Tambor logo deixaram transparecer suas queixas e reclamações, demonstrando que
o sistema Boqueirão não beneficiou a todos os cidadãos campinenses, como se proclamava na
imprensa.
Discursivamente, o Diário da Borborema enalteceu a grandiosidade da obra Boqueirão,
no entanto, podemos observar, em algumas matérias do referido jornal, que o sistema não era
tão perfeito como se apresentava, pois pouco tempo depois da inauguração publicou o Diário
da Borborema: “Campina Grande não resolveu, ainda, o seu problema de água e de luz: o
46
Certos hábitos, como a coleta regular de lixo, a rede de abastecimento d`água, o sistema
de esgoto, a retirada dos elementos pútridos das ruas e das fontes d` água, etc., representam a
tentativa de higienizar a cidade. Essas medidas implicam em um mecanismo de poder que
“produz domínios de objetos e rituais de verdade. E, tem como alvo o corpo humano, mas não
para supliciá-lo, mas para aprimorá-lo, adestrá-lo” (MACHADO, 1978, p.XVI).
61
Campina Grande não resolveu, ainda, o seu problema de água e de luz. Diário da Borborema. Campina
Grande, n. 238, p.2, 29 nov. 1958.
62
Um mês depois de inaugurada entrou em completo colapso a adutora Boqueirão. Diário da Borborema.
Campina Grande, n. 2, p.2, 3 dez.. 1958.
63
Sobre política modernizante de JK, e sua relação com o plano de metas, ver: Skidmore (1982).
64
Sobre o plano de metas, Skidmore (1982, p.207) considera que este plano priorizava o crescimento da
indústria de base, de modo que, setores como a agricultura e a educação não eram enfatizados pelo mesmo,
apenas estavam incluídos nominalmente.
47
Para Roberto Machado, “o poder não se interessa em expulsar os homens da vida social
e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações. O objetivo é tornar homens dóceis
politicamente” (MACHADO, 1978, p.XVI). A disciplina “é uma técnica, um dispositivo, um
mecanismo, um instrumento de poder, são métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma
relação de utilidade e docilidade” (MACHADO, 1978, p.XVII). O autor mostra, através do
conceito de micropoderes, que não é o Estado o órgão central e único de poder, mas que “os
poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Funcionam
como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada e ninguém escapa, a que não existe
exterior possível, fronteiras ou limites” (MACHADO, 1978, p.XIV). Dessa forma, a adoção
de medidas de higiene no meio urbano funciona como índice de normatização do
comportamento da população, segundo os preceitos do higienismo, embora se deva destacar
que nem todos se comportam de acordo com este princípio de ordem. Em relação à feira,
podemos observar essa tentativa de sanitarização das ruas centrais da cidade, quando o poder
público municipal tentou exercer o controle dos seus espaços.
Regina Coelli Nascimento, em “Disciplina e espaços: construindo a modernidade em
Campina Grande no início do século XX” (1997), ressalta as mudanças provocadas na
sociedade campinense frente ao discurso modernizador, “mostrando que o estatuto de
modernidade favoreceu para disciplinar as relações pessoais, comerciais e sociais na cidade, à
medida que interferiu no cotidiano da população” (NASCIMENTO, 1997, p.6). Para a
historiadora, houve interferência do Estado no modo de vida da população campinense nas
primeiras décadas do século XX, que resultou numa ruptura paulatina com os valores e
costumes tradicionais. A interferência do poder público no cotidiano do homem campinense
ocorreu também no ambiente da feira, espaço marcado predominantemente pelas trocas
comerciais.
Conforme expressa Regina Coelli Nascimento, na feira de Campina Grande, “de início,
predominava o comércio de produtos agrícolas, posteriormente, com o desenvolvimento da
pecuária, passaram a ser realizadas duas feiras, uma de gado na quinta-feira e outras de
gêneros alimentícios no sábado” (NASCIMENTO, 1997, p.19). A feira projetou a cidade em
nível regional, sendo um encontro entre tropeiros e boiadeiros65, que se deslocavam do
interior para o litoral. Nesse contexto, “com a ascensão da economia algodoeira, as funções da
65
Tropeiros eram os condutores de tropas de animais com mercadorias e os boiadeiros eram os que
comercializavam gado para o corte.
48
A feira de gado foi transferida para as áreas periféricas da cidade, enquanto a feira de
produtos alimentícios continuava a ser realizada aos sábados, ocupando ruas centrais como a
Maciel Pinheiro, Rua das Gameleiras e Praça Epitácio Pessoa. Nesse espaço, “os feirantes
dividiam, a sua maneira, a grande feira em pequenas feiras de frutas, verduras, peixes, carne,
calçados, doces, galinhas, flores, fumo, raízes e artesanato” (NASCIMENTO, 1997, p.24). A
feira representava um espetáculo sinistro de sujeira e mau cheiro, que incomodava a elite
campinense adepta aos valores da estética e do higienismo, como atesta o jornal Brasil Novo:
66
Considera-se, que “o prefeito Ernani Lauritzem mandou, em 1920, que se abrisse um caminho por fora da
cidade para desviar as boiadas que vinham do Curimataú. Medida adotada novamente em 1924”
(NASCIMENTO, 1997, p.19). A rua da feira seria a atual Maciel Pinheiro.
67
Ver Brasil Novo. Campina Grande, n.7, 21 fev. 1931.
49
68
Imundície. A Batalha. Campina Grande, n. 22, p, 2, 14 mar. 1935.
69
A construção do mercado central em 1941, numa área que fica por trás da Rua Vila Nova da Rainha, onde hoje
localiza-se a feira central da cidade. A feira central localizava-se na atual Rua Maciel Pinheiro antes da
construção do mercado.
70
Projeto de Lei n. 8 de 5 de Dezembro de 1947, consta no livro de leis, decretos e projetos de Lei de 1947.
Disponível nos arquivos da Câmara Municipal de Campina Grande.
50
71
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais Prefeitura Municipal de Campina
Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
72
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais. Art. 89. Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
73
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais. Art. 90. Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
74
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais. Art. 100 Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
75
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais. Art. 101 Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
76
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- das feiras municipais. Art. 102, Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
51
“Sujeira na feira de verduras”. Eis, a queixa de uma senhora campinense, publicada pelo
Diário da Borborema em sua coluna “Queixas e reclamações: de quem a culpa? Que, em tom
denunciativo, narra: “uma feirante dirigiu-se a nossa redação, reclamando contra a imundície
que impera na feira de verduras do nosso Mercado Central, pois não minha senhora essa
queixa procede. Aliás, a cidade toda está precisando de uma limpeza”77. Essa situação de
sujeira enfatizada pela feirante demonstra que as normas estabelecidas pelo Código de
Posturas não estavam sendo cumpridas e que, entre a cidade ideal e a cidade real, havia o uso
do espaço pelos sujeitos comuns, que sempre teimavam em não cumprir o regulamento
municipal. Como enfatiza Michel de Certeau, “as práticas plurais que um sistema urbano
deveriam administrar ou suprimir e que sobrevivem a seu perecimento, muito longe de ser
controlados ou eliminados pela administração panóptica, se reforçaram em uma proliferação
ilegitimada” (CERTEAU, 1994, p.175). Nesse sentido, o Código de Posturas significou uma
idealização, restrita ao plano discursivo, pois no ambiente cotidiano da cidade real, os
feirantes sempre burlavam esse conjunto de normas.
O ideal de higiene legitimava o controle dos feirantes, mas também servia para encher
os cofres públicos, pois em nome do asseio do espaço, muitos feirantes, que não cumpriam as
normas estabelecidas pelo código, eram multados. Assim, “para manter a ordem e a disciplina
social, o Estado moderno utiliza-se da lei enquanto código das relações comerciais e sociais,
controlando o comportamento em sua vida pública” (NASCIMENTO, 1997, p.33).
77
“Queixas e reclamações: de quem a culpa? Sujeira na feira de verduras”. Diário da Borborema. 30 de
Dezembro de 1958.
52
nas Boninas78. Isso se tornou norma de higiene, à medida que “os cemitérios localizados
dentro da cidade eram vistos como prejudiciais a saúde dos vivos” (REIS, 1991, p.260).
A casa dos mortos constitui outro espaço a ser legislado pelos vivos. Essa tentativa de
controle dos cemitérios ilustra a percepção médica de que “a decomposição de cadáveres
produzia gases que poluíam o ar, contaminavam os vivos, causavam doenças e epidemias. Os
mortos representavam um sério problema de saúde pública”. Para os administradores da
cidade, “uma organização civilizada do espaço urbano requeria que a morte fosse higienizada,
sobretudo que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em espaços extra-
muros” (REIS, 1991, p. 247). Recorrendo à teoria médica, João José Reis destaca que, “além
de murados, os cemitérios deviam ser cercados por árvores que purificassem o ar ambiente”
(REIS, 1991, p.260). A presença da vegetação serviria para:
78
Ver: Câmara (1998, p.116). O terreno onde era localizado o cemitério foi vendido, e foi construído o outro
Cemitério no atual bairro do Monte Santo que na época era uma região afastada do centro da cidade.
53
O cronista, deslumbrado pela beleza e imponência dos cemitérios dos grandes centros
urbanos, desejava que aqueles melhoramentos também fossem adotados nos “campos santos”
de Campina Grande. Com o intuito de remodelar “a casa dos mortos”, o cronista investe-se do
discurso da arquitetura, para instruir os responsáveis pelos melhoramentos urbanos quanto aos
procedimentos de arborização a serem implantados. A arborização sinaliza a intenção de
proporcionar elegância, imponência e conforto ao espaço do morto, mas também o desejo de
higienizar o ambiente por meio da purificação do ar.
Em Campina Grande, o poder público municipal encarregou-se de velar “pela boa
ordem e higiene dos cemitérios”80, é o que afirma o Código de Posturas do Município de
1953, em que o princípio da ordem e da higiene prevalecia como um objetivo a ser atingido,
para melhorar o aspecto higiênico da cidade. Nesse código, podemos encontrar referências ao
chamado “medo do morto”, ou seja, a preocupação em manter-se isolado do morto, diante do
temor da contaminação cadavérica. Assim, de acordo com o art. 27, não era permitido:
79
PIMENTEL, Cristino. Coisas da cidade. Voz da Borborema. Campina Grande, 20 ago. 1938.
80 80
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Secção III- dos cemitérios . Art. 35, Prefeitura Municipal de
Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
54
81
Decreto n. 11 de 1 de Fevereiro de 1958, consta no livro de leis, decretos e projetos de Lei de 1947.
Disponível nos arquivos da Procuradoria Geral do Município de Campina Grande.
82
Decreto n. 11 de 1 de Fevereiro de 1958. art. 4º da Secção II, inciso b.
55
Capítulo 2
83
O termo “geladeiras” utilizado refere-se a depósitos de madeiras onde se colocava refrescos para vender. Ver:
A hygiene e as geladeiras da cidade. O Século. Campina Grande, n. 26, 2 fev. 1929.
56
84
A hygiene e as geladeiras da cidade. O Século. Campina Grande, n. 26, 2 fev. 1929.
85
Agra (2006, p. 53) expõe que as reformas de Wanderley em Campina Grande fundamentou-se sob os
auspícios do olhar do visitante.
86
Souza (2003, p.67) em nota o autor explica esse decreto do prefeito Antônio Pereira Diniz em Arquivo de
Cristino Pimentel e diz que não há referências sobre a fonte, provavelmente foi publicado em O Rebate.
87
Ver: Câmara (1988, p.124). Nota do autor “eram recuados os prédios entre o grupo escolar e o Paço Municipal
e os que ficavam entre o Palace Hotel e a Rua Maciel Pinheiro”.
88
Ver: Câmara (1998) O autor afirma que a cadeia existia neste local, foi demolida.
57
Foto 02
Mas quem era esse reformador campinense? Vergniaud Wanderley era filho de
tradicionais famílias de proprietários de terra do sertão paraibano. Nasceu e fez seus primeiros
estudos em Campina Grande. Na capital, cursou o secundário no Liceu Paraibano e formou-
se em Direito na Faculdade de Direito do Recife. Ingressou no Ministério Público como
promotor nas cidades de Blumenau, Brusque e Itajaí, e como Juiz de Direito nas cidades de
Harmonia e Biguaçu, ambas no Estado de Santa Catarina, entre 1930 e 1935. A convite do
então governador Argemiro de Figueiredo, veio fazer parte do seu governo, inicialmente
como chefe de polícia, e posteriormente, como secretário da Agricultura. Meses depois, foi
indicado candidato a prefeito de Campina Grande, nas eleições de 1935, sendo o candidato de
consenso para apaziguar as disputas internas do Partido Progressista. Este derrotou o ex-
prefeito, Lafaiete Cavalcanti, sob a plataforma discursiva de ser homem de letras e de ter
conhecimento das cidades civilizadas do Sul89.
89
Essas informações sobre a vida de Vergniaud Wanderley podem ser encontradas em Sousa (2003), que se
utiliza de algumas fontes para obter tais informações: DINOÁ, Ronaldo. Memórias campinenses. Vol. 1.
Campina Grande: Editoração Eletrônica, 1993, p. 203-210, e Vergniaud Wanderley (depoimento, 1980). Rio de
Janeiro, FGV/CPDOC- História Oral, 1985. ConvênioUFPB-CEPDOC (mimeo). Ver: Dr. Vergniaud
Wanderley. A União. João Pessoa, n. 21, p. 3, 25 jan. 1935.
58
Considera-se que “a implementação de tais obras tinha efeitos práticos sobre o cotidiano
e os hábitos da população, dando uma dimensão política e social a um dispositivo que se
queria técnico e neutro”. Isso, porque “esses projetos burgueses serviram para reforçar
hierarquias sociais e sedimentar as segregações sociais e espaciais” (SOUZA, 2003, p.65).
Essas modificações na estrutura material da cidade foram pensadas, segundo o discurso
oficial, como “projeto que resolveria os problemas da sociedade no que se refere às áreas da
saúde e conforto” (BÉGUIN, 1991, p. 40). No entanto, essas melhorias nem sempre estiveram
ao alcance de todos. Temos também um projeto disciplinar dos higienistas com eficácia
parcial, na medida em que os moradores rejeitam ou se apropriam de forma diferente desse
projetor higienizador da cidade (SOUZA, 2003, p.66).
A reforma urbana realizada pelo prefeito Vergniaud Vanderley em Campina Grande,
entre o final da década de 30 e início da década de 40, relaciona-se com esse movimento de
remodelação, que já vinha ocorrendo nas grandes cidades brasileiras desde o final do século
XIX. Essa reforma também manifestou a preocupação com a higiene, a circulação de pessoas
e mercadorias e com senso estético. Para isso, fez-se necessária a demolição de casebres
velhos, o alargamento e o prolongamento das ruas.
Marcelo Cleobo destaca o impacto que a cidade de Campina sentiu durante as reformas
urbanísticas realizadas pelo prefeito Vergniaud Borborema Wanderley em sua administração
entre o final dos anos trinta e início da década de 1940” (CLEOBO, 2005, p.3). Para o autor,
“Vergniaud tinha uma preocupação com o ordenamento das vias públicas e com o aspecto
visual que a reforma resultaria” (CLEOBO, 2005, p.19). Tal fato representa o interesse na
construção de uma estética positiva da cidade.
Na segunda administração (1940-1945), Vergniaud deu início ao prolongamento da
Avenida Floriano Peixoto e da Rua João Lourenço Porto e realizou o calçamento integral de
59
várias ruas centrais90. Dentro do processo de urbanização, foi feita a demolição da Igreja do
Rosário para proporcionar o prolongamento e alargamento da Avenida Floriano Peixoto e sua
construção no bairro da Prata, em 1940. Além da demolição da Igreja do Rosário, foram
demolidos o Paço Municipal e o Largo da Matriz para o prolongamento da Rua Floriano
Peixoto (CÂMARA, 1998, p.158). A transferência da feira de frutas e cereais da Maciel
Pinheiro para as imediações do Mercado Público, que estava em construção no bairro das
Piabas, foi feita no ano de 1941 e no ano seguinte foram iniciadas as obras do cais circular do
Açude Velho (CLEOBO, 2005, p.21). A foto (03) ilustra a Rua Floriano Peixoto, poucos
anos antes da reforma. Nesta imagem, observamos que esse espaço ainda estava marcado pela
sinuosidade das construções, pelo não alargamento e arejamento que dificultava a mobilidade
dos meios de transportes.
Foto 03:
90
Cleobo (2004, p.20) destaca os nomes das ruas que foram atingidas pelos melhoramentos, dentre as quais:
Desembargador Trindade, João da Mata, José Bonifácio e João Tavares. Além disso, foram calçadas
parcialmente as ruas Getúlio Vargas, Siqueira Campos, Barão do Abiaí, Sólon de Lucena e Rui Barbosa.
60
Foto 04:
Foto 05:
Comparando as fotos (04) e (05), que ilustram a Rua Maciel Pinheiro, antes e depois da
reforma urbana, podemos observar na primeira foto que a rua não era retilínea, o que
dificultava a circulação dos carros, símbolos da cidade moderna. Essa foto mostra-nos que as
construções não eram alinhadas, caracterizando a rua enquanto espaço estreito e tortuoso.
61
Além disso, podemos visualizar na foto (04) a ausência de casas comerciais e pedestres
circulando pelas calçadas. A foto (05), tirada depois da reforma, evidencia que o espaço fora
reformado de acordo com os princípios de alargamento e retificação das construções, que
nortearam as reformas urbanas em várias cidades, para facilitar a circulação de pessoas e
carros, como bem se apresenta na imagem fotográfica. Essa rua, que fora retificada e
alargada, possibilitou uma nova percepção do espaço, arejado e moderno e, principalmente,
resultou em novas maneiras de usar a rua, pelo uso do automóvel e passeios pelas lojas.
A construção de espaços para abrigar os visitantes, a exemplo do Grande Hotel,
simbolizava os anseios estéticos da reforma inspirada nas marcas da arquitetura moderna da
época, o décor, sendo um dos ícones da sensibilidade moderna na cidade e configurando um
dos principais cartões postais. A inauguração desse “suntuoso” edifício de cinco pavimentos
em 1942 demarcava que “a matriz e o seu relógio passaram a dividir as atenções e os olhares
dos transeuntes com o Grande Hotel, tendo agora um rival na produção de fotografias e
quadros panorâmicos da cidade” (SOUZA, 2003, p.73). A construção do Grande Hotel
demarcou a tentativa de construir “um espetáculo” para forasteiro ver e, assim, levar uma boa
impressão da cidade. O próprio prefeito Vergniaud Wanderley, anos depois, em entrevista ao
jornalista Ronaldo Dinoá, deixou bem claro essa intenção:
Foto 06:
91
Chalhoub (1996) demonstra que o projeto higienizador introduzido no Rio de Janeiro, sedimentado na
demolição dos cortiços, atingiu as classes pobres, que foram expulsas das áreas centrais e passaram a habitar os
morros da cidade.
63
92
Sevcenko (1999, p. 23) explica que, diante do “bota-abaixo” no Rio de Janeiro, na época da reforma urbana,
os moradores dos cortiços e casebres das áreas centrais foram expulsos para as regiões periféricas e nestas
formaram o que conhecemos hoje por favela, a qual representa uma forma de resistência social ao projeto de
remodelação urbana.
64
serviu para inibir os símbolos tradicionais como o Paço Municipal, os largos e adros de
igrejas e a Praça Epitácio Pessoa, que o morador da cidade associava ao seu passado colonial,
que lembravam o domínio das velhas oligarquias e os velhos hábitos seculares. Nessa
perspectiva, a remodelação da cidade com vistas ao embelezamento e à necessidade de
facilitar a circulação significou a opção por experiências modernizantes e relacionadas com as
práticas capitalistas que privilegiam a facilidade das comunicações e locomoções no meio
urbano, bem como a adoção de medidas estéticas e higiênicas (SOUZA, 2003).
Ao enumerar as obras construídas no período de sua administração municipal,
Vergniaud Wanderley destacou alguns princípios que nortearam o projeto de reforma urbana,
dentre estes: a padronização arquitetônica, o embelezamento e a geometrização do espaço.
Nesse caso, é visível que “nas cidades modernas, manifestou-se um verdadeiro culto à
mobilidade: as ruas e avenidas são largas e longas, dispostas de maneira a facilitar a
circulação” (FOLLIS, 2004, p.49) Podemos observar no depoimento de Vergniaud
Wanderley:
Afora esses prédios, construí praças, abri ruas e avenidas, como a principal
Floriano Peixoto, pavimentei dezenas de ruas, fiz a urbanização do Açude
Velho, remodelei o centro da cidade, acabando as vielas, impondo um certo
tipo de construção que, infelizmente, não foi seguido pelas construções
posteriores (DINOÁ, 1994, p. 206).
Foi com arrojo de ver a cidade deixar de ser um burgo pobre, para se
transformar na primeira comunidade do interior do Norte do país. Por isso,
enfrentei as resistências com obstinação e energia, não dando ouvido às
ameaças e resistências por parte daqueles que se julgavam prejudicados. Fiz
cumprir o gabarito dos prédios do centro, desapropriei, comprei, botei
abaixo e prendi, a tal ponto que me chamaram violento...”(DINOÁ, 1994, p;
206).
Essa ação de remodelação do espaço urbano legitima o ideal de “estética burguesa, que
não permite as ruas sem calçamento, sem meio-fio, sem linha d`água, tudo deve ser
65
devidamente canalizado, construído, previsto” (VERAS, 1988, p.38). Para concretizar os seus
ideais de modernidade, Vergniuad não esconde que enfrentou resistências e narra com
orgulho o fato de tê-las superado, pois, sua narrativa destaca: enfrentei as resistências com
obstinação e energia, demonstrando o caráter heróico do narrador, que, para atingir seus
objetivos, todos os meios seriam dignos, inclusive, o uso da violência. Sobre o prefeito
“urbanizador”, Cassandra Veras afirma que a “a lógica de sua própria vida foi transferida para
a cidade, que teria que ser moldada, segundo a sua visão, de forma a compor uma imagem à
semelhança do ideário burguês” (VERAS, 1988, p.38). A remodelação urbana de Campina
Grande, impulsionada na administração do prefeito Vergniaud, representa na trajetória desse
político o desejo de transportar para a cidade os modelos de “civilidade” e “modernidade”:
93
Projeto de Lei n. 22, de 19 de Dezembro de 1947, Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano
de 1947, disponível no arquivo da Câmara Municipal.
66
94
Projeto de Lei n. 65, de 17 de Dezembro de 1948. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano
de 1948, disponível no arquivo da Câmara Municipal.
95
Projeto de Lei n. 88, de 29 de Dezembro de 1948. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano
de 1948, disponível no arquivo da Câmara Municipal.
96
Roncayolo (1999) considera que a abertura de ruas e a construção de avenidas em Paris no período da reforma
urbana, empreendida pelo prefeito Haussamann, justificava-se pela necessidade de facilitar a circulação de
pessoas e mercadorias na cidade, o que remete a uma lógica do capitalismo no que se refere à rapidez das
informações e das trocas comerciais.
67
que concerne às trocas e mobilidade, que “incita uma mudança que concerne também às
práticas da cidade e implica um novo uso, uma nova valorização do espaço urbano: condutas
sociais e econômicas se encontram felizmente ligadas e justificam as mudanças da paisagem”
(RONCAYOLO, 1999, p.93).
No Ofício n. 856, de 3 de novembro de 1949, enviado pelo então prefeito Elpídio de
Almeida ao presidente da Câmara Municipal, há uma exposição de motivos para a aprovação
de um projeto de lei. Nesse ofício, observa-se que as ações de investimentos públicos em
obras de alinhamento, alargamento e retificação de rua favorecem as classes produtivas;
assim, expressa:
97
Ofício n. 856, de 3 de Novembro de 1949. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano de 1949,
disponível no arquivo da Câmara Municipal
68
98
Vandalismo contra a arborização pública. O Rebate. Campina Grande, p.4, 4 out. 1949.
99
Idem, Ibidem.
100
Pereira (1999) destaca as dificuldades da aceitação do verde nas cidades de tradição portuguesa.
69
101
Crônica de Cristino Pimentel citado por Souza (2003, p. 145).
102
A demolição do correio velho. O Rebate. Campina Grande, n. 868, p. 2, 14 nov. 1950.
103
Projeto de Lei n. 650, de 31 de Dezembro de 1954. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do
ano de 1954, disponível no arquivo da Câmara Municipal.
70
tratamento que perturbe a harmonia do conjunto”. Com relação às marquises dos edifícios,
verifica-se a preocupação com a estética, quando o Código afirma que:
104
Projeto de Lei n. 650, de 31 de Dezembro de 1954. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano
de 1954, disponível no arquivo da Câmara Municipal.
105
MENEZES (1999, p. 123) demonstra o caráter disciplinador das posturas municipais decretadas no Rio de
Janeiro, no início do século XX, momento este em que a cidade passava por reformas em sua área. Essas
posturas visavam coibir os comportamentos arcaicos e anti-higiênicos de parte da população .
106
Lei n. 463, de 2 de Fevereiro de 1955. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano de 1955,
disponível no arquivo da Câmara Municipal.
71
Campina Grande o desejo de construir cidade bela, higiênica e moderna ao eliminar os signos
de pobreza, atraso e sujeira.
No ano seguinte, a criação da Comissão de planejamento e urbanismo, por meio do
Decreto n. 26, de 5 de Julho de 1956107, simbolizou a intenção de inserir um princípio de
racionalidade na cidade por meios de saberes e técnicas que objetivam planejar a expansão
desta e facilitar a circulação de pessoas e mercadorias. Assim, identificamos:
107
Decreto n. 26 de 5 de Julho de 1956. Consta no Livro de Leis, decretos e projetos de leis do ano de 1956,
disponível no arquivo da Câmara Municipal.
72
108
Urbanização e modernização. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 282, p. 2, 19 Set. 1958
109
Mapa urbano de Campina Grande, cedido pela SEPLAG (Secretaria de Planejamento e Gestão).
73
providências que deviam ser adotadas, para a construção de um centro urbano bonito,
destaca-se:
Outras providências para tornar Campina bonita, segundo o jornal, dependiam dos
habitantes: “jardins residenciais, muros construídos com senso urbanístico, ausência de lixo
nos terrenos baldios, as próprias casas e edifícios concebidos dentro das linhas arquitetônicas
modernas, o gosto da população pela limpeza, podem ser iniciativas dos particulares em
benefício da beleza e bom aspecto de uma cidade”111. Nesse sentido, o aformoseamento de
uma cidade não depende apenas da iniciativa pública, mas principalmente da ação conjunta
entre o poder público e a iniciativa particular. Em ambas as iniciativas, há uma ênfase na
adoção de traços modernos nos projetos arquitetônicos e o senso artístico na realização das
obras para tornar o espaço habitado belo e agradável.
A Lei n. 80, de 20 de Outubro de 1959, concedeu o título de Cidadão Campinense ao
engenheiro civil Giovanni Gioia, e a justificativa para isso, foi que “o Dr. Gioia tem
contribuído para tornar Campina, uma cidade moderna, aqui construindo edifícios de linhas
arquitetônicas modernas.”112 Essa ação representou o reconhecimento do poder público
municipal à contribuição individual na elegância da cidade e, principalmente, reforçou a
“presença do engenheiro, possuidor da técnica racional, na transformação da cidade que teria
que se processar baseada em preceitos racionais modernos” (FOLLIS, 2004, p. 50).
Ao final da administração Elpídio de Almeida, no ano de 1959, a campanha eleitoral
para a prefeitura da cidade polarizou-se pela disputa entre Newton Rique, 113aliado de Elpídio
de Almeida, e Severino Cabral, candidato da oposição. Nessa conjuntura política, o candidato
Newton Rique publicou em 1959 o seu plano de governo, que abrangia uma série de
providências que seriam tomadas no campo da saúde pública, educação, cultura, agricultura,
110
Embelezamento da cidade. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 242, p. 3, 31 jul. 1958.
111
Idem.
112
Lei n. 80 de 20 de Outubro de 1959. Lei n. 137 de 31 de Dezembro de 1959. Consta no Livro de Leis,
decretos e projetos de leis do ano de 1956, disponível na Procuradoria Geral do Município.
113
Nesta Campanha de 1959, Newton Rique da UDN (União Democrática Nacional) perdeu para o candidato do
PSD (Partido Social Democrata) Severino Cabral. Na campanha seguinte para a prefeitura da cidade em 1963,
Newton Rique consegue vencer, mas seu mandato durou poucos meses devido ao Golpe Militar de 1964, pelo
qual tivera seu mandato cassado. Ver: Araújo (2000).
75
assistência social, obras públicas, saneamento, habitação popular, caso o mesmo fosse eleito.
É um programa de governo que estava permeado de interesses políticos, mas constituía-se
também como uma importante fonte de informações sobre as questões que vinham sendo
discutidas na época em relação à limpeza pública, assistência social, saúde, educação e
cultura. No que se refere às obras públicas, observamos a preocupação do candidato com a
estética urbana e com a funcionalidade da cidade, ao priorizar obras, como:
O poder público municipal atuou com o intuito de promover a higienização das cidades
através de leis municipais, que, em seu conjunto, formam o código de posturas municipais, as
quais se fundamentam pelo desejo da “ordem e da disciplina no espaço público sujeito ao
olhar cada vez mais vigilante do Estado” (MENEZES, 1999, p.120.). Em Campina Grande, o
76
114
Prefeitura Municipal de Campina Grande. Mensagem apresentada à Câmara dos vereadores, em 1º de Julho
de 1956, pelo prefeito Elpídio de Almeida.1956- Impressão nas oficinas da livraria Moderna. p. 41.
115
Idem. p.41.
116
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial,
Recife, 1955.
77
habitantes não fizessem os seus despejos na superfície e no subsolo dos quintais das casas, o
que constituiria certo perigo à qualidade da saúde na cidade.
Segundo o então prefeito Plínio Lemos, em mensagem à Câmara Municipal em 1 º de
Julho de 1953117, “o serviço de limpeza pública estava desesperador, estado quase inexistente,
um velho caminhão, mal conseguindo se locomover era o único veículo que a prefeitura
dispunha para a enorme coleta do lixo de toda a cidade.” De acordo com esse discurso, o
“serviço cobrado dos particulares, existindo uma taxa paga justamente com o imposto predial,
sua ineficácia era uma clamorosa injustiça com os contribuintes.” No setor da limpeza, o
prefeito destacou que, em sua administração;
No discurso do prefeito Plínio Lemos, observamos duas questões centrais, que são a
estética urbana e a higiene. Movido pela estética, ele substitui as carrocinhas de madeiras,
velhas e imprestáveis, que, segundo o prefeito, davam uma péssima impressão da cidade ao
olhar do morador e do visitante, por carrocinhas de aço. Considerando a coleta do lixo uma
medida de higiene e profilaxia, o prefeito explicou que esse serviço foi estendido aos bairros,
o que indica que essa prática ainda não era realizada nas regiões mais periféricas. Assim, os
discursos da higiene e da estética entrelaçavam-se e reforçavam-se no intuito de modernizar a
cidade e dotá-la dos serviços compatíveis com os grandes centros urbanos.
Entre as medidas de limpeza pública de responsabilidade do poder público municipal, o
art. 33 da referida lei destaca que “a prefeitura procederá ao calçamento progressivo das ruas
em geral, no perímetro urbano, em cooperação com os moradores, da mesma forma que o
Código de Obras regular”. Desse modo, observa-se a obrigação do governo municipal em
zelar pela limpeza do espaço urbano, mas deixa claro que isso seria feito em colaboração com
a população. Cada um dos moradores seria responsável por manter a cidade limpa. O art. 34
117
Mensagem à Câmara Municipal referente ao exercício de 1952 e enviada no dia 1º de Julho de 1953, pelo
Prefeito Dr. Plínio Lemos.
78
considera que “deverá ser feita a extinção progressiva de pântanos e alagadiços no perímetro
urbano”. Para a construção de um espaço limpo, essa medida era indispensável, pois a
existência deste servia como foco de proliferação “de miasmas na cidade, visualizados nas
águas estagnadas” (FOLLIS, 2004, p. 67).
Nesta Seção II, “limpeza pública”, art. 30, podemos observar disposições que obrigavam a
população a adotar condutas “higiênicas”. Em caso de descumprimento, seria passível de
multa. Essa legislação, que passou a coibir a criação de animais no espaço urbano, justificava
que uma “cidade moderna” teria que se diferenciar do meio rural também nas suas atividades.
Assim, foi descrito:
O art. 30 deixa bem claro que a construção de uma cidade limpa dependia não apenas da
ação do poder público, mas também das práticas cotidianas da população, que deveria adotar
alguns hábitos higiênicos e modernos. A vida na urbs passou a exigir mudanças de hábitos, já
bastantes arraigados entre a população, como a criação de animais no perímetro urbano; a
prática de jogar cascas de frutas, lixo e águas servidas nas ruas e sujar as placas de numeração
de ruas. Esses costumes estariam terminantemente proibidos.
Tais proibições, expressas no art. 30, evidenciam a finalidade de controle dos hábitos e
costumes da população, por meio de um código de normas que regula a vida em sociedade.
Mas também constitui “uma espécie de polícia científica, capacitada a definir o
comportamento desviante e desenvolver instrumentos de punição, segundo os parâmetros da
modernidade” (MENESES, 1999, p.127). No art. 44 do “capítulo II- higiene pública”, seção I-
“medidas profiláticas”, verifica-se, em nome da saúde pública, a obrigação da população em
colaborar para a não proliferação de doenças contagiosas, quando expõe que “as pessoas em
cujas casas houver enfermo de moléstias epidêmicas ou contagiosas são obrigadas comunicá-
118
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial,
Recife, 1955.
79
lo às autoridade sanitárias locais do município ou estado.”119 No art. 45, foi legislado que “a
casa que estiver na situação a que se refere o artigo anterior deverá ser desinfectada, por quem
de direito, podendo ser mesmo interditada, a juízo médico, somente se lhe permitindo a
ocupação depois da devida desinfecção e licença da autoridade competente.”120
Em nome da saúde pública, o art. 47 expressava que seria terminantemente proibido:
“conservar nos domicílios, mesmo em tratamento, gatos, cães ou animais ou outros atacados
de raiva ou peste; a venda de quaisquer iguarias e gêneros alimentícios por intermédio de
pessoas portadoras de moléstias infecto-contagiosas”121. Dessa forma, observa-se medidas de
exclusão e de distanciamento em relação às pessoas portadoras de doenças contagiosas como
base de uma medida profilática. A teoria do contágio seria a base científica, que legitima a
prática da quarentena. Segundo Sidney Chalhoub, 122, isso ocorre “devido à percepção de que
a transmissão de doença ocorre devido ao contato de um indivíduo com o outro”
(CHALHOUB, 1996, p.168).
O art. 57 expressa a proibição, no centro da cidade, “de armazém de peles, couros e
artigos diversos que exalem mau cheiro, ou de qualquer outra forma que possa prejudicar a
higiene e a saúde pública.”123. Nesse contexto, evidencia-se a estratégia de higienização do
centro da cidade por parte das autoridades municipais mediante a eliminação de elementos
maus cheirosos que incomodavam os moradores e os visitantes. E, principalmente, visava à
eliminação do que poderia prejudicar a saúde pública.
O ordenamento da cidade e a sua inserção nos quadros da civilização e da higiene
colocam-se como finalidade do governo municipal que se manifesta, por exemplo, mediante
as posturas municipais, dentre as quais o art. 59, que expressa algumas proibições sob multa
de Cr$ 200,00 a Cr$ 400,00. Entre as proibições:
119
Idem
120
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- Saúde Pública” Seção I- “Medidas profiláticas.”
Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
121
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- Saúde Pública” Seção I- “Medidas profiláticas”.
Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
122
Chalhoub (1996, p.172) destaca que a prática da quarentena trazia prejuízos para os industriais e os
contagiosistas, tornaram-se suspeitos aos olhos dos apologistas da ideologia liberal.
123
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- “Saúde Pública” Seção III- “de outras medidas de
higiene”. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
80
Para a preservação das águas dos reservatórios públicos, a lei determinou a proibição da
pesca, do banho e da lavagem de roupas em fontes de água potável, sendo uma forma de
proteger a salubridade d`água a ser consumida pelos habitantes. Em defesa da saúde pública,
o art. 121 lançou algumas proibições, sob pena de multa de Cr$ 100,00 a Cr$ 200,00:
a- pescar nos açudes e poços públicos de água potável, sem prévia licença
da prefeitura, que somente concederá em tempo que não prejudique a
população nem a criação.
b- tirar as aves dentro ou nas margens dos açudes públicos;
c- entupir ou inutilizar de qualquer modo cacimbas públicas;
124
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- “Saúde Pública” Seção III- “de outras medidas de
higiene”. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
125
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- “das águas”.Prefeitura Municipal de Campina Grande:
Imprensa Industrial, Recife, 1955.
81
Na secção II- “do abatimento de gado e talho de carne” do Título V- “Saúde Pública”, o
controle e a vigilância sobre o abate e a comercialização de carne constituíram uma ação
necessária à saúde da população. Assim, expressa o art. 50: “o abatimento de gado para o
consumo público na cidade só será permitido no matadouro público, salvo excepcionalmente
mediante permissão do prefeito”. Já o art. 54 considera que, a “existência de carne imprestável
ao consumo público, exposta à venda, a prefeitura determinará a sua apreensão e cremação,
além de impor ao contraventor a multa de 500,00 a Cr$ 1.000, 00 e o dobro na
reincidência”.127 Novamente, o controle sobre o comércio de alimentos representa a
preocupação com a saúde pública como expressa, o art. 56, “as casas de comércio de gêneros
alimentícios são obrigadas a rigoroso asseio, tanto no edifício como nos utensílios de que se
servirem”128. O controle sobre a água e o comércio ambulante justificava-se pela necessidade
de impedir que a população consumisse produtos contaminados e, assim, ficasse sujeita a
doenças.
O Código de Posturas do município pretendeu educar a população quanto aos hábitos
saudáveis e combateu “os hábitos tradicionais da população que, segundo os ideais de
modernidade prejudicava a configuração de um perfil urbano moderno” (FOLLIS, 2004, p.
81). Valendo-se da teoria da higiene, o poder público municipal agiu sobre os locais
considerados insalubres, com o intuito de purificar a urbs dos miasmas e agentes invisíveis
como os micróbios, a fim de garantir a saúde da população. A seguir, veremos, por meio de
alguns indícios, que a validade do código ficou restrita ao plano discursivo, pois no cotidiano
da cidade eram visíveis, as lutas e embates em torno de sua aplicabilidade.
126
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título VII- “das águas”.Prefeitura Municipal de Campina Grande:
Imprensa Industrial, Recife, 1955.
127
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- Saúde Pública” Seção II-“do abatimento de gado e talho
de carne”. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
128
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- “Saúde Pública” Seção III- “de outras medidas de
higiene”. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
82
A existência de “barracas sem higiene” nas ruas centrais da cidade significa que nem
todos os moradores estavam observando o art. 56, do título Saúde Pública, que consta, “as
casas de comércio de gêneros alimentícios são obrigadas a rigoroso asseio, tanto no edifício,
como nos utensílios de que se servirem”130 . Em outra edição do Diário da Borborema,
verifica-se outro indício de não cumprimento das normas de higiene, quando se coloca que:
129
De quem é a culpa? queixas e reclamações, Barracas sem higiene. Diário da Borborema. Campina Grande,
n. 353, 18 de Dezembro de 1958.
130
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Título V- “Saúde Pública” Seção III- “de outras medidas de
higiene”. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial, Recife, 1955.
131
De quem é a culpa? queixas e reclamações, Com vistas à Saúde Pública. Diário da Borborema. Campina
Grande, n. 354, 19 dez. 1958.
83
Por mais que a gente se debata reclamando contra a falta de limpeza pública
da cidade, apesar de pagar-se em Campina Grande (5%) esse serviço
continua a ser o grande ausente. Mas agora é o centro da cidade, que está
infestado de sujeiras, os trabalhos de construções deixam nas ruas tijolos,
cacos de telhas, toras de madeira, etc. na Rua do Progresso, por exemplo,
bem em cima do local que o prefeito designou para realização da festa de
Natal, há um exemplo disso. É uma vergonha.
.
A infração a que se refere o jornal é o art. 30, inciso b, que pune sob multa os moradores
que tenham criação de porcos no perímetro urbano. Nesse sentido, há uma tentativa de
ordenamento da cidade, por meio de leis e decretos que visam regular os comportamentos da
população. Assim, “as elites tentaram hierarquizar espaços e intervieram em territórios,
buscando instituir valores (...) muitos moradores vão constituir outras cartografias, burlando e
132
Lei n.650 de 31 de Dezembro de 1954. Consta no livro de leis, decretos e projetos de Lei de 1954.
133
Lei n. lei n. 362, de 24 de Março de 1953. Prefeitura Municipal de Campina Grande: Imprensa Industrial,
Recife, 1955.
134
Criação de Porcos na cidade. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 56, 10 dez. 1957.
84
ressignificando essa teia de valores e códigos que se lhes tentavam impor” (SOUZA, 2006,
p.112135).
Foto 07
] A presença dessa vaca em uma rua central, como a Cardoso Vieira, demonstra que o
código não estava sendo cumprido, pois esse proibia criação de animais no perímetro urbano.
Tal imagem constituiu para as elites um atentado aos ideais de progresso, civilidade e estética,
pois a cena acima representa o desfile não apenas de uma vaca numa rua central, mas a
persistência de práticas arcaicas que se opunham aos discursos de modernização da cidade.
Portanto, a imagem fotográfica ilustra a distância existente entre a cidade planejada e a cidade
utópica, desejada, onde são visíveis as tensões e conflitos em torno dos projetos de
remodelação urbana.
Analisando alguns requerimentos emitidos por membros da Câmara Municipal de
Campina Grande, dentre estes o requerimento n. 883/57, do vereador Raimundo Asfora,
emitido na Sala de sessões no dia 14 de Junho de 1957, que representa a preocupação com a
presença do lixo nas ruas da cidade, destacamos o trecho:
135
Souza (2006) remete-se às burlas dos homens da cidade de Campina Grande entre 1920 e 1945, que
recriavam no seu cotidiano novos usos para o espaço com o qual lhes era possível, não se restringindo, portanto,
às normas que lhes eram impostas.
85
De acordo com o discurso do vereador Raimundo Asfora, Campina Grande era uma das
cidades mais suja do país. Essa colocação pode ser entendida, no plano político, como uma
estratégia para desqualificar a administração municipal, mas também apresenta uma questão a
ser discutida: a presença de lixo nas ruas, que por um lado demonstra a ineficiência do poder
público com relação à limpeza, por lado, pode demonstrar que a população não estava
cumprindo o inciso a do art. 30 do Código de Posturas.
Para Michel de Certeau, “uma cidade transeunte ou metafórica, insinua-se assim no
texto claro da cidade planejada e visível” (CERTEAU, 1994, p.172). As estratégias
discursivas que tentam organizar o espaço são cotidianamente burladas na medida em que os
habitantes da cidade, assim como os consumidores, são “inventores de trilhas nas selvas da
racionalidade funcionalista, estes traçam trajetórias indefinidas e não coerente com o espaço
construído. Táticas organizadoras de sistema. Essas trilhas continuam heterogêneas ao sistema
onde se esboçam e se infiltram as astúcias de interesses e desejos diferentes” (CERTEAU,
1994, p.97). A tática seria “o uso de ações que colocam nas brechas deixadas pela vigilância
do poder, a tática é a arte do fraco, pois a astúcia é possível ao fraco e dela depende como
último recurso” (CERTEAU, 1994, p.99).
A cidade planejada pelos administradores não era compatível com os interesses e ações
dos habitantes, que sempre teimavam em não colaborar a efetivação desse planejamento, pois,
no contexto da cidade real, proliferaram táticas que burlavam as normas pretendidas pelo
código. As mudanças na estrutura material da cidade nem sempre são acompanhadas por
alterações comportamentais desejadas pela administração municipal. Assim, comenta Lená
Meneses:
136
Requerimento n. 883/57, de 14 de Junho de 1957. Consta no livro de leis, decretos e projetos de Lei de 1957.
86
Capítulo 3
O zoneamento das casas de meretrício em regiões mais distantes do centro da cidade era
um desejo manifestado pelo prefeito do município Lafayette Cavalcanti já no ano de 1929,
como destaca o Jornal O Século em sua matéria “Um paraíso para as mulheres dadeiras”:
Em 1931, o jornal Brasil Novo apelava para a demolição de um casebre e da retirada das
mulheres “sortidas” que lá usavam seu corpo para sobreviver. Isso seria uma medida
profilática para melhorar o aspecto estético e higiênico da cidade. Desse modo, vemos
expresso em sua matéria “As caixas de Phophosforos”:
137
O Século. Campina Grande, n.27, 2 mar. 1929.
91
Para o articulista anônimo do jornal do Brasil Novo, ambientes nefastos, como as Caixas
de phosphoros, eram tolerados em subúrbios, mas não em ruas centrais de uma cidade como
Campina. Segundo o discurso do jornal, essas mulheres “imundas” e “porcas” faziam parte do
universo social marcado pela miséria, e por isso, eram definidas pelo discurso modista e
saneador, como prostitutas de “baixo-calão”. O que nos faz questionar a possível existência
de prostitutas de “alto calão” na cidade, sobre as quais o discurso moralista e saneador parecia
não combater. Ao contrário, os cabarés luxuosos eram descritos como parte integrante do
cosmopolitismo que tomara conta de Campina Grande. Assim, Luiz Peixe narra, nas páginas
do Voz da Borborema, as suas impressões sobre o Bairro Chinês:
Já não é mais novidade que se affirme com insistência ser Campina Grande
uma cidade cosmopolita. Por que Campina Grande não é só a cidade
elegante que passeia a sua opulência. ...Fomos em uma dessas noites, meia
sombra, meia luz, conhecer de perto esse famoso recanto de nossa urbs
(grifo original). O bairro chinez era, mesmo, então, um lado differente da
plácida e ingênua phisonomia desta terra; differente, porque alegre, de uma
alegria de esgares escandalosos...
Havia coréas bárbaras e esquisitas por toda a parte. Cafés cantando a
nostalgia dos abandonados e dos trahidos pela voz de bohemios e rameiras
embriagam de sonhos e illusões fanadas. Idyllios impossíveis de amores
mercadejados e uma multidão de criaturas que tresandavam a odor mixto
(sic) de cachaça e suor, desse suor que poreja da existência desgraçada dos
que luctam no vício para depois serem vencidos....
O Bairro chinez , entretanto, indifferente a dor, que enchia as suas baiúcas
de gritos lancinantes ou as risadas crystalinas que vinham de dentro de seus
cabarés (grifo original) luxuosos, que impressionou vivamente a alma do
homem inactualisado, do cavalleiro andante da phantasia com a coragem
dos santos e “ama a vida pela glória de poeta e galanteador...139
O saneamento moral da cidade é combinado com a defesa do sossego público, uma vez
que esses ambientes são marcados pela boêmia e pelas consequentes desordens, que denotam
um olhar de suspeição por parte da polícia e das autoridades. Dentre os muitos cabarés, que
compunham a chamada “zona do meretrício,” o mais famoso foi o Cassino Eldorado. Esse
ambiente era frequentado por uma elite, que parecia ver a vida pelo prisma do poder e do
dinheiro, estes seriam os conhecidos boêmios campinenses, os quais “sabiam que suas
atitudes, gestos e palavras teriam um significado diferente do de muitas outras pessoas e que
seus excessos estariam protegidos por uma forte e inamovível tradição de impunidade”
140
PEIXE. Luiz. O Bairro Chinez .... Voz da Borborema. Campina Grande, n.34, 10 nov. 1937.
141
Localização do meretrício. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 87, 26 nov. 1938.
93
(SOUZA, 2006, p, 140). O Cassino Eldorado142, com seus bares, bailes, salões de jogos e
moças sedutoras parecia atrair uma elite sedenta por diversão e prazer, mas também era um
ambiente marcado por brigas e confusões que, em muitas vezes, espalhavam-se pelas ruas,
incomodando os habitantes. Além disso, os barulhos provocados pelos boêmios, quando
saiam dos cabarés, era um atentado ao sossego público. “Assim, em tais maus lugares,
prostitutas vizinham com bêbados, e uma forma de transgressão se vê associada à outra”
(PESAVENTO, 2001, p.49). Na continuação da matéria acima citada, verifica-se o apelo ao
prefeito, quando este:
Pretende erigir o mercado público no bairro dos Currais, que fica anexo às
ruas das pensões alegres, entende-se que as pessoas prejudicadas com “a má
vizinhança” podem apelar para o digno prefeito da cidade no sentido de ser
localizado o meretrício na zona suburbana da cidade, por exemplo, lá para o
outro lado, do Açude Velho, servindo dessarte, com o afastamento dos
elementos nocivos do centro da cidade, não só com a moral, como o
acautelado decoro público.143
142
Souza (2006, p.135-145) expõe que, nestes cabarés luxuosos muitos jovens da elite envolviam-se em brigas e
confusões, valendo-se do dinheiro e do poder pensavam ficar impunes. Para isso, o autor se utiliza de processos
criminais para fundamentar sua afirmação.
143
Localização do meretrício. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 87, 26 nov. 1938.
94
144
Requerimento n. 1007/57 de 11 de Novembro de 1957, Sala de Sessões da Câmara Municipal. Consta no
livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1957, disponível no arquivo da Câmara Municipal de Campina
Grande.
145
Idem.
95
Sr. Delegado:
Apraz-me transmitir a V. S. o apelo desta Câmara Municipal, no sentido de
determinar o deslocamento para outra zona da cidade as casas de meretrício
existentes na Rua Índios Cariris( poente de cima), possibilitando, assim, que
as famílias ali residentes possam desfrutar de um clima de segurança de
maior respeito e tranquilidade146.
146
Of. 199/1957 de 12 de Novembro de 1957. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1957,
disponível no arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande.
147
Serão extintos os meretrícios localizados na zona da rodagem. Diário da Borborema. Campina Grande, n.
220, p. 1, 4 jul. 1958.
148
Idem.
149
Idem, Ibidem.
96
as medidas excludentes recaiam apenas sobre as chamadas prostitutas de baixo nível, que, na
maioria das vezes, eram alvo de discursos e medidas de exclusão.
No conjunto da reforma urbana realizada em Campina Grande a partir dos anos 30,
verificamos a atuação dos comerciantes no projeto de higienização e embelezamento da
cidade, a partir da exclusão da mendicância das áreas centrais. Sobre essa questão, um relato
impresso no jornal Brasil Novo pelo presidente da Associação Comercial, chama-nos a
atenção para uma problemática social da cidade:
150
Socorro os mendigos: uma comissão que nos procuraram – um grupo de amigos, a Prefeitura e o commercio-
A família campinense. Brasil Novo. Campina Grande, n. 13,1 abr. 1931.
151
Idem.
152
Estas informações podem ser consultadas nas Atas das sessões da Associação Comercial de Campina Grande.
Localizada na Avenida Floriano Peixoto, Centro- Campina Grande-PB.
97
O Ministro José Américo era responsável pelo envio de recursos do Governo Federal
para amenizar os efeitos da seca no Nordeste, através da Inspetoria Federal de Obras Contras
as Secas (IFOCS). O então presidente da Associação Comercial, preocupado com a presença
de possíveis flagelados da seca na cidade, solicitou ao ministro uma solução para o caso. Em
resposta à solicitação do presidente da Associação Comercial, o ministro José Américo falou
“sobre a conveniência da organização de serviços públicos, neste município e adjacências, a
fim de evitar o infiltramento nesta de flagelados, a viver da caridade pública”154. Havia o
temor por parte do comerciante de que a cidade fosse infestada por retirantes, que para
sobreviver apelassem para a caridade pública. Houve então uma preocupação em dispensar o
feioso, em afastar do centro da cidade os mendigos, como se verifica nos objetivos da
comissão que se formou com o apoio dos comerciantes para o socorro aos mendigos,
conforme o trecho a seguir:
153
Em prol dos flagelados. Brasil Novo, Campina Grande, n.5, 7 fev. 1931.
154
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata n.
11/32 de 27 de Agosto l de 1932.
98
Não se deve haver nesta cidade um só que concorde em adiar por mais
tempo a permanência dos mendigos vagando pelas ruas, juncando as
calçadas (grifo nosso), batendo a toda hora em nossa porta, lavrando, assim,
o nosso corpo de delicto em que se evidencia o nosso descaso, sendo a
maior humilhação por que se faz passar o mendigo publicamente. Os povos
civilizados não o permittem158.
155
Socorro os mendigos: uma comissão que nos procuraram – um grupo de amigos, a Prefeitura e o comercio-
A família campinense. Brasil Novo, Campina Grande, n. 13,1 abr. 1931.
156
Atualmente a entidade funciona à Rua Paulo Frontin, 204- Catolé - Campina Grande – PB.
157
Idem.
158
Socorro os mendigos: uma comissão que nos procuraram – um grupo de amigos, a Prefeitura e o commercio-
A família campinense. Brasil Novo, Campina Grande, n. 13,1 abr. 1931.
99
também enfatizada pelo jornal Brasil Novo, que também destacou o perigo do contágio que
eles representam. Assim considera:
159
Indigentes e menores abandonados. Brasil Novo. Campina Grande, n. 1, p.3, 10 jan. 1931.
160
Campanha de caridade. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, p.3, 16 jul. 1937.
161
Campanha de caridade. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, p.3, 16 jul. 1937.
100
162
Sobre a participação dos comerciantes em campanhas de caridade, ver: Brasil Novo, Campina Grande, 1 abr.
1931; Voz da Borborema, Campina Grande, 16 jul. 1937; Voz da Borborema, Campina Grande, 11 ago. 1937;
O Rebate, Campina Grande, 14 jul. 1951.
163
O Rotary International é a associação de Rotary Clubs do Mundo Inteiro. O Rotary é uma organização de
líderes de negócios e profissionais, que prestam serviços humanitários, fomentam um elevado padrão de ética em
todas as profissões, através da Prova Quádrupla e ajudam a estabelecer a paz e a boa vontade no mundo. Rotary
Club é definido como um clube de serviços à comunidade local e mundial sem fins lucrativos, não é secreto, nem
filantrópico ou social. Os rotarianos são sócios de seus respectivos Rotary Clubs, os quais, por sua vez, são
membros do Rotary International. O primeiro Rotary Club foi fundado na cidade de Chicago, Estados Unidos,
em 1905, pelo advogado Paul Percy Harris e mais três homens de negócios, Gustav Loehr, engenheiro de minas;
Hiran Shorey, alfaiat; Silvester Schiele, comerciante de carvão. A Associação Nacional de Rotary Clubs
(National Association of Rotary Clubs) foi fundada em 1910 e em 1912 seu nome mudou para Rotary
International em função da admissão do primeiro Rotary Club fora dos Estados Unidos, em Winnipeg, Canadá.
Atualmente, existem mais de 1.2 milhão de rotarianos associados a mais de 32.400 Rotary Clubs espalhados por
168 países do mundo. A Fundação Rotária do Rotary International é a principal organização não governamental
sem fins lucrativos do mundo, promovendo a paz e a compreensão mundial através de programas internacionais
humanitários, educacionais e de intercâmbio cultural. Informações fornecidas pelo site:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rotary_International. Acessado em 23 de fevereiro de 2010.
164
Estas informações foram fornecidas pelo Instituto São Vicente de Paulo em um breve relato histórico da
instituição. Essa campanha continua até os dias de hoje.
165
Sobre as campanhas de caridade noticiadas nos jornais da cidade, ver: Brasil Novo. Campina Grande, 26 jul.
1931; Brasil Novo. Campina Grande, 17 fev. 1931; Voz da Borborema. Campina Grande, 29 out. 1937; Voz da
Borborema. Campina Grande, 6 out. 1937; Voz da Borborema. Campina Grande, 9 out. 1937 Voz da
Borborema. Campina Grande, 8 set. 1937; Voz da Borborema. Campina Grande, 11 ago. 1937; Diário da
Borborema. Campina Grande, 17 mar. 1957.
101
166
Causologia do mal: venhamos ao dispensário. Brasil Novo. Campina Grande, n. 27, 26 jul. 1931.
167
Causologia do mal: venhamos ao dispensário. Brasil Novo. Campina Grande, n. 27, 26 jul. 1931.
102
Devem-se ainda realizar-se no dia 29 deste uma festa ao lar livre no risonho
povoado de Lagoa Secca e mais três festas patrocinadas pela Associação
168
Asylo dos pobres.Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, p.3, 16 jul.1937.
169
Campanha de caridade.Voz da Borborema. Campina Grande, n.4, 28 jul. 1937.
103
O Voz da Borborema em 1937 deixa bem claro que “já se encontra mais de uma centena
de velhos sob a protecção da Sociedade S. Vicente de Paula” desta cidade”171. Como se
quisesse expressar que o problema da mendicância em Campina Grande tinha sido
solucionado. No entanto, observamos em contraponto a esse discurso a resistência dos
mendigos e sua insistência em permanecer nas ruas centrais. A permanência dos mendigos
nos espaços centrais da cidade nos anos seguintes às campanhas de caridade é visível, pois
identificarmos o uso de estratégias por parte dos comerciantes para erradicar a mendicância
no início da década de 50. Dessa forma, a Associação Comercial de Campina Grande,
reconhecendo a importância de colaborar com as campanhas de caridade, discutiu em reunião
a possibilidade de prestar apoio ao serviço assistencial da diocese. Essa reunião ocorreu no
dia 15 de fevereiro de 1951 e se encontra registrada no livro de atas da entidade:
Será que Campina Grande estava quase sem pedintes, como afirmou o presidente da
Associação Comercial? Quais os interesses motivaram o presidente da entidade a pronunciar
essa afirmação? Em primeiro lugar, havia desejo de construir uma imagem positiva da cidade.
Em segundo lugar, a intenção de valorizar a atuação do Serviço Diocesano de Assistência
170
A campanha de caridade e o franco êxito alcançado pelos promotores. Voz da Borborema. Campina Grande,
n. 8, 11 ago. 1937.
171
Campanha de caridade. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 16, p.8, 8 set. 1937.
172
Livros de Atas das sessões ordinárias e extraordinárias da Associação Comercial de Campina Grande. Ata
3/1951, 15 de Fevereiro de 1951, p.5.
104
“A cidade dos perebentos”. Eis a imagem de Campina Grande que fez com que se
tivesse até medo de andar na cidade. Por que em tão pouco tempo Campina, que estava quase
sem pedintes, agora estava infestada de mendigos? Essas afirmações antagônicas sobre a
cidade demonstram as intencionalidades dos discursos. “Discurso que não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta,
o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p.10). Esse discurso,
apresentado pelo jornal leva-nos a questionar: se estamos na década do desenvolvimentismo,
a década de 50, por que há pedintes pelas ruas? A insistência dos pedintes em permanecer
pelas ruas centrais da cidade simboliza as contradições do discurso de modernização e
desenvolvimento econômico enfatizado pela imprensa local e pelos comerciantes,
evidenciando as diferenças entre a cidade ideal e a cidade real, onde a presença da
mendicância é o sinalizador das desigualdades sociais; da dificuldade em concretizar os
projetos de higiene e estética urbana, e demonstra, principalmente, que a modernização e o
crescimento econômico não eram uma realidade para estes campinenses. Eis abaixo, uma
173
A cidade e seus perebentos. Evolução. Campina Grande, n. 3, p.3, 15 á 21 jun. 1958.
105
imagem (foto 08) que sinaliza os aspectos do cotidiano campinense, que se contrapõem ao
discurso de modernidade e progresso.
Foto 08
Foto 09
A “Rainha Joana”
Além disso, “a mendicância, por si só, já é um grave problema social, que constrata com o
progresso e a ordem, mas grave é a presença dos hanseniáticos que atormenta não por viver da
caridade pública, mas pelo aspecto físico e pela ameaça do contágio” (MACHADO, 1999,
p.192). O desejo de se livrar do incômodo de presenciar o mendigo doente explica-se pela
percepção de que “o mendigo hanseniático se encena pelas ruas montando a cavalo,
estendendo seu chapéu a caridade pública, deixando à mostra de sua doença, o seu aspecto
repugnante causa alarme na população” (MACHADO, 1999, p.192 e 193).
Essa aparência dos mendigos remete à discussão sobre o valor da higiene corporal na
sociedade moderna, marcada pelos valores da aparência, onde o ver e o olfato, dizem muito
sobre o status do indivíduo. Dessa forma, tem-se a importância do banho e da higiene
corporal como um todo, principalmente a partir do século XIX. Por outro lado, ser sujo e mal
cheiroso indica que o indivíduo é pobre, havendo uma associação entre sujeira e pobreza174.
No caso dos mendigos, a falta de banho servia para justificar a imagem de elemento sujo, uma
vez que “uma limpeza é a base da higiene, pois consiste em afastar de nós toda a sujidade, e
por conseguinte, todos os micróbios” (VIGARELLO, 1996, p160). A representação do
mendigo enquanto elemento sujo e fedorento indica que “transportam os germes de todas as
doenças para sua infelicidade e de todos aqueles que se aproxima” (VIGARELLO, 1996,
p.162-163). A imagem que se tem dos pobres nos discursos higienistas é a da sujidade. Isso
se exemplifica na consideração de que “há 50 vezes mais micróbios na casa de um pobre do
que um mar de esgoto infecto” (VIGARELLO, 1996, p.161). A partir dessa percepção,
surgem várias medidas para corrigir a sujidade do pobre com o objetivo de regenerar esses
corpos doentes. De acordo com Vigarello, “a higiene do pobre se justifica pela ordem e saúde,
e para dar força e vitalidade aos operários que não tomam banho. A higiene contribui para
manter o indivíduo saudável e, consequentemente, mais produtivo” (VIGARELLO, 1996,
p.117). Nessa perspectiva de análise, as práticas de higiene como lavagem das mãos, da boca,
e a assepsia de todo o corpo tornam-se uma marca identitária da cultura, não apenas da
burguesia, mas de toda a sociedade ocidental.
Essa premissa de exclusão do outro, do feio e do sujo remonta à discussão sobre o papel
da eugenia na configuração de práticas e discursos que objetivam a regeneração da sociedade
por meio da eliminação do “inferior”. A eugenia seria um “movimento científico e social, que
tem o objetivo do aprimoramento da raça humana e preservação da pureza de determinados
grupos” (STEPA, 2005, p.25). “Construir o super-homem e perseguir a pureza da raça através
174
Corbin (1987) faz uma discussão interessante sobre a relação sujeira e pobreza, no qual o pobre é
representado sob o estigma da sujeira.
109
da eugenia foi uma obstinação de muitas nações. Sob os mais diversos argumentos
segregaram, mutilaram e executaram milhares de pessoas em todo o mundo” (DIWAN, 2007,
p.13). Pietra Diwan destaca o ideal de “purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada
geração. Se superar. Ser saudável. Ser belo. Ser forte. Todas as afirmativas anteriores estão
contidas na concepção de eugenia. Para ser o melhor, é preciso derrotar o mais fraco pela
concorrência” (DIWAN, 2007, p.21). Saúde e estética são os valores primordiais de nossa
sociedade, uma vez que são valorizados os corpos considerados saudáveis e belos:
175
Diwan (2007) dedica-se, no último capítulo ao estudo do pensamento do médico Renato Kehl (1889-1974),
maior defensor da eugenia no Brasil.
110
contágio. O isolamento e ocultamento176 dos mendigos no asilo da cidade era uma solução
urgente. Para isso, as campanhas de caridade177 tornaram-se meio possível para aumentar a
capacidade de acolhimento do asilo da cidade. Essas campanhas tinham o apoio financeiro
dos comerciantes, dos políticos e da imprensa, que, em conjunto, passaram a conclamar a
participação da sociedade em geral no sentido de eliminar a “mancha negra” da cidade.
176
Pesavento (2001) analisa o processo de exclusão dos sujeitos indesejáveis da sociedade de Porto Alegre no
momento em que a cidade passava por transformação em estrutura material. Esses sujeitos, tais como prostitutas,
vadios, criminosos, segundo a autora, sofreram um processo de exclusão, ocultamento, constituindo o lugar do
outro, do indesejável.
178
Socorro os mendigos: uma comissão que nos procuraram – um grupo de amigos, a Prefeitura e o comercio- A
família campinense. Brasil Novo. Campina Grande, n. 13,1 abr. 1931.
111
longe!!”179. É impossível sanear uma cidade “sem afastar das ruas os cancerosos e outros
doentes de males comunicativos” 180.
A formação de uma Comissão Central encarregada de promover as campanhas de
caridade em prol do Asilo de Mendicidade Deus e Caridade, segundo o jornal Voz da
Borborema, contou com a participação dos diferentes segmentos sociais, que constituíram a
comissão de honra formada pelo:
179
Mãos postas. Brasil Novo. Campina Grande, n. 3, 24 jan. 1931.
180
Indigentes e menores abandonados. Brasil Novo. Campina Grande, n. 1, 10 jan. 1931.
181
Campanha de Caridade. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, 16 jul 1937.
182
O Asilo. Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, 16 jul 1937.
183
Relatório oficial apresentado à Câmara Municipal referente ao período da administração Vergniaud
Wanderley de 1° de Janeiro a 31 de Dezembro de 1936. Arquivo do Museu Histórico de Campina Grande.
184
Causologia do mal. Brasil Novo. Campina Grande, n. 27, 26 jul. 1937. Nesta matéria o Jornal destaca as
finalidades do dispensário dos pobres ou asilo de mendicidade a ser instalado na cidade, entre os objetivos
estaria a assistência alimentar e vestuário e, principalmente, essa instituição terá finalidades morais e religiosas.
112
nada mais interessante que coibir a presença desses sujeitos indesejáveis nos símbolos de
modernização, como a Praça Clementino Procópio, a Rua Maciel Pinheiro, a Avenida
Floriano Peixoto, o Grande Hotel, etc.
Nas páginas do Voz da Borborema, observamos a mensagem de agradecimento
transmitida pela Superiora do Asilo de Mendicidade, Irmã Galzy, a todos que colaboraram
com a Campanha de Caridade, entre estes, destaca:
A ação do Sr. Cunha Lima que tem sido incansável, usando seus esforços à
Campanha da caridade. O Sr. Prefeito Bento de Figueiredo, pela bondade,
com que nos tem colaborado.Sim, é tão doce lembrar-se nas horas de
tristeza, de dificuldades , que há velhinhos e crianças que todos os dias
pedem a Deus melhores bênçãos para aqueles que lhes fazem o bem185.
Em tom religioso, a Irmã sempre enfatiza as recompensas que se tem de Deus quando se
ajuda crianças e velhinhos, desamparados e indefesos; a estes sim, é louvável toda a iniciativa
de caridade. O outro que recebe a ajuda é o coitadinho, pobrezinho, que não teve sorte na
vida. Essa é a imagem do mendigo, pobre e sofredor, a quem todo bom cristão deve socorrer.
Observa-se a caridade como sendo uma ajuda aos pobres necessitados, aos sujeitos indefesos
e vítimas da própria sorte. Nesse contexto, o prefeito Bento Figueiredo186 parecia
compreender bem o espírito de solidariedade humana, como ressalta a superiora do Asilo de
Mendicidade Deus e Caridade em nota no jornal Voz da Borborema:
188
O Asilo . Voz da Borborema. Campina Grande, n. 1, 16 jul. 1937.
190
Projeto de Lei n. 11, 10 de Dezembro de 1947. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de
1947, disponível no Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande.
191
Lei n. 534 de 23 de Julho de 1955, concede aumento da subvenção à Casa da Criança Dr. João Moura. Consta
no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1955, disponível no Arquivo da Câmara Municipal de
Campina Grande.
192
Lei. 367 de 27 de Abril de 1953 concede auxílio mensal ao Departamento de Amparo à Velhice da Igreja
Evangélica Congregacional. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1953, disponível no
Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande.
193
Lei 38 de 27 de Dezembro de 1959 concede um auxílio de 100.000,00 cruzeiros ao Lar do Garoto
Campinense. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1959, disponível no Arquivo na
Procuradoria Geral de Campina Grande.
194
Lei. 464 de 11 de Fevereiro de 1955 libera doação de um terreno à Fraternidade Espírita Luz e Verdade.
Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1955, disponível no Arquivo da Câmara Municipal
de Campina Grande.
114
Desse modo, o poder público municipal, entendia estar colaborando com a diminuição
dos problemas sociais, gerados pela pobreza extrema de uma parte da população. Em ofício
remetido ao presidente da Câmara municipal, o Bispo Diocesano e Diretor do Serviço
Diocesano de Assistência Social, D. Anselmo Pietrulla, solicitou o aumento da subvenção a
esta entidade, argumentando que esta atuava no combate à mendicância.
O bispo diocesano afirmou que “não mais se contempla em nossas ruas o espetáculo
degradante de outrora”, referindo-se à presença da mendicância. Contudo, esse discurso é
passível de questionamento na medida em que o objetivo de tal afirmativa era justificar a
eficiência da entidade para conseguir o aumento da subvenção do governo municipal. Porém,
segundo O Momento, “as nossas ruas estão cheias de mendigos, mas tanto, como antes da
campanha encetada por D. Anselmo Pietrulla, mas quanto o bastante para dar a Rainha da
195
Lei n. 32 de 16 de Março de 1959, libera doação de um terreno à Assistência Social da Assembléia de Deus.
Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1959, disponível no Arquivo na Procuradoria Geral
de Campina Grande.
196
Ofício do Serviço Diocesano de Assistência Social (D. Anselmo Pietrulla) de 27 de Novembro de 1950.
Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1950. Disponível no Arquivo da Câmara Municipal
de Campina Grande.
115
O discurso do bispo pareceu ter sido bastante convincente, pois o parecer da Comissão
de Economia e Finanças, que se mostrou favorável do Projeto de Lei, ancorou-se
principalmente no fato dessa instituição contribuir para solucionar o problema da
mendicância. Nesse sentido, é visível o interesse do poder público municipal em extinguir os
mendigos da cidade. Na visão dos poderes públicos, o mendigo é representado como pobre e
197
Isto acontece em Campina. O Momento. Campina Grande, n. 2, p. 3, 24 set. 1950.
198
Projeto de Lei. 130 de 13 de Dezembro de 1950. Fica autorizado o Prefeito Municipal a aumentar a
subvenção mensal do Serviço Diocesano de Assistência Social de Cr$ 4.000, 00 para 7.000,00 mensais. Consta
no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1950, disponível no Arquivo da Câmara Municipal de
Campina Grande.
199
Parecer ao Projeto de Lei n. 130 de 13 de Dezembro de 1950. Fica autorizado o Prefeito Municipal a
aumentar a subvenção mensal do Serviço Diocesano de Assistência Social de Cr$ 4.000, 00 para 7.000,00
mensais. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1950, disponível no Arquivo da Câmara
Municipal de Campina Grande.
116
necessitado de ajuda. O espírito cristão de ajuda aos pobres sofredores serviu para fomentar as
ações de ajuda do governo municipal às entidades assistenciais. Foi o discurso que também
embasou o parecer favorável ao aumento da subvenção ao Asilo de Mendicidade, como
observamos no trecho a seguir:
200
Parecer ao Projeto de lei n. 177 de 13 de Dezembro de 1950 que autoriza o aumento da subvenção ao Asilo
Deus e Caridade. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1950, disponível no Arquivo da
Câmara Municipal de Campina Grande.
201
Mensagem à Câmara Municipal referente ao exercício de 1952 e enviada no dia 1º de Julho de 1953, pelo
Prefeito Dr. Plínio Lemos.
117
A atividade realizada pelo setor de assistência social seria ordenada e metódica, através
da investigação social. Segundo o prefeito, o rendimento no exercício acusa os seguintes
resultados em auxílios:
O relatório do prefeito Plínio Lemos sobre sua administração deixou bem claro que a
assistência social da cidade estava ainda baseada em distribuição de “esmolas” aos pobres
necessitados, visto que eram diversos os itens distribuídos, como, colchões, telhas, tijolos,
passagens, sementes, medicamentos. Além disso, o ato de distribuir auxílios poderia gerar
sentimentos de dependência e gratidão dos beneficiados, que seriam cobrados nos períodos de
campanha eleitoral, já que não havia um programa de assistencial social voltado para a
educação e para a orientação profissional. No que se refere ao combate à mendicância, o ato
de distribuição de passagens aos indivíduos de outras cidades, que iam até Campina Grande
pedirem esmolas, exprime a proposta de expulsar esses sujeitos da cidade.
O Ofício n. 69, de 20 de dezembro de 1955, enviado pelo então prefeito da cidade
Elpídio de Almeida ao Presidente da Câmara Municipal, simboliza a tentativa de o próprio
poder público municipal racionalizar o serviço de assistência social. Segundo o prefeito, a
202
Lemos (1953, p.36).
118
cidade estava passando por uma fase de crescimento e estava se modernizando, não seria
conveniente ao governo municipal apenas distribuir auxílios às entidades assistenciais, sem
regulamentar o Serviço de Assistência Social, ou até mesmo sem desenvolver programas
assistenciais, como se verifica no texto abaixo:
Senhor presidente:
Em todo mundo civilizado é preocupação constante dos poderes públicos o
estabelecimento de serviços sociais abrangendo as modalidades de
assistência aos necessitados. A organização administrativa de Campina
Grande dispõe de um serviço de Assistência Social, a qual se limita a
distribuição de auxílios, na verdade, simples esmolas, sistema que não está
de acordo com as práticas modernas do Serviço Social. Dado o grau de
adiantamento que atingiu a nossa cidade, não é possível retardar por mais
tempo a solução do problema de tamanha relevância. Urge criar,
verdadeiramente, o nosso serviço social(...)203
203
O Ofício n. 69 de 20 de dezembro de 1955. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano de 1955,
disponível no Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande.
119
3.5- Casa da Criança Dr. João Moura, Casa do Menino e o Lar do Garoto:
projeto educativo para o combate à mendicância e à delinquência
204
Lei n. 809/55 de 20 de Dezembro de 1955. Essa lei encontra-se arquivada no livro de leis do ano de 1955,
disponível no Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande.
205
Projeto de Lei. n. 340 de 10 de Dezembro de 1951. Consta no livro de Leis, decretos e projetos de lei do ano
de 1951, disponível no Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande
120
206
Parecer ao Projeto de Lei. n. 340 de 10 de Dezembro de 1951.
207
Atualmente a entidade funciona à Rua Francisco Antônio Nascimento, 1078, Castelo Branco - Campina
Grande – PB.
208
A casa do menino. Evolução. Campina Grande, n. 3, 15-21 jun. 1958.
121
Conforme o relato do jornal, a Casa da Criança Dr. João Moura212 tinha o objetivo
inicial de acolher crianças pobres ou mendigas, para que eles não se voltassem para o mundo
do vício e do crime, a partir uma postura educativa e moralizante. Tem-se a ideia de que a
pobreza extremada que se expressa na mendicância poderia ocasionar problemas sociais,
como a violência urbana alimentada pelo vício. Será que a Casa da Criança Dr. João Moura
conseguiu erradicar o problema do “menor abandonado” em Campina Grande? Como nos
informou anteriormente o jornal Evolução, os menores ainda faziam da rua a sua casa, o que
nos faz questionar a respeito das intencionalidades de um discurso que tende a exaltar de
forma demasiada a entidade assistencial, não atentando para a complexidade do problema e
para as dificuldades enfrentadas pela instituição no seu dia a dia.
A Casa do Menino “é uma entidade ainda muito jovem e inaugurada em 1956”213. Essa
instituição, segundo o Diário da Borborema, “tem uma grande conta de serviços prestados à
209
Crianças abandonadas. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 302, p. 2, 15 de Outubro de 1958.
210
Em matéria sobre a visita de D. Alice Carneiro, esposa do político paraibano Ruy Carneiro, às instituições de
caridade da cidade, o Jornal Diário da Borborema enumera as seguintes instituições visitadas pela Sr. Carneiro:
A Casa do Menino, A Casa de caridade Frei Ibiapina; O asilo de caridade S. Vicente de Paulo; a Casa Maternal
Dr. João Moura; o pavilhão dos indigentes do Hospital Pedro I; o externato São José, a Cruz Branca e Amarela;
a creche Felix Araújo; a escola Antonio Vicente. Ver: D. Alice Carneiro em visita as nossas instituições de
caridade, donativos recebidos por diversas casas de assistência. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 285,
p.1, 23 set. 1958.
211
Casa maternal Dr. João Moura- aniversário do assento da primeira pedra do futuro abrigo de menores
desamparados de C. Grande. A Imprensa. 13 nov. 1949.
212
Atualmente a entidade funciona à Rua Dr João Moura, 487, São José - Campina Grande – PB.
213
O dever de ajudar a Casa do Menino. Diário da Borborema. Campina Grande, n.340, p, 2, 2 dez. 1958.
122
214
O dever de ajudar a Casa do Menino. Diário da Borborema. Campina Grande, n.340, p, 2, 2 dez. 1958.
215
Quase não houve almoço ontem para as crianças. Diário da Borborema. Campina Grande, p, 1, 19 set.
1958.
216
A instituição que deve ser ajudada. . Diário da Borborema. Campina Grande, p, 1, 20 set. 1958.
217
Sobre essa questão ver: Diário da Borborema. Campina Grande, 19 set. 1958 e Jornal de Campina.
Campina Grande, 21 out. 1953.
123
Foto 10:
O “clichê” ao qual se refere o redator do jornal é a fotografia que está posta abaixo e
que, segundo esse discurso, representa a dimensão do problema social enfrentado pela
sociedade campinense diante da chamada “delinquência infantil”. A criança degenerada pelo
218
Delinqüência infantil. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 158, 16 abr. 1958.
124
vício e pela corrupção mais tarde se envolverá em práticas criminosas. Eis o destino trágico
da infância na cidade.
Foto 11:
“Delinquência infantil”
219
Delinqüência infantil. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 158, 16 abr. 1958.
220
Delinqüência infantil. Diário da Borborema.Campina Grande, n. 158, 16 abr. 1958.
125
Neste contexto, as entidades assistenciais tinham como meta impedir que o menor se
envolvesse com o crime e o vício. De acordo com esse propósito, O Lar do Garoto surgiu no
final da década de 50, legitimado pelo objetivo de:
221
Vítimas inocentes. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 147, p.2, 1 abr. 1958. Nessa matéria, observa-
se o discurso que sedimenta a associação menor abandonado e delinquente, pois neste parágrafo o redator se
refere aos menores abandonados.
222
Vitimas inocentes. Diário da Borborema. Campina Grande, n. 147, p.2, 1 abr. 1958.
223
Campanha para a construção do “Lar do menino campinense- apelo ao povo da cidade para a recuperação
dos menores. Diário da Borborema. Campina Grande, n.423, 17 mar. 1959.
224
Atualmente a entidade funciona na cidade de Lagoa Seca, PB, no momento de sua fundação, Lagoa Seca era
um distrito de Campina Grande. O Lar do Garoto, atualmente é uma unidade da Fundação Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente “Alice Almeida” (Fundac), financiado e mantido pelo governo estadual. Hoje, o Lar
do Garoto Padre Otávio Santos abriga 44 adolescentes em conflito com a lei.
126
225
O Bispo abençoa a fundação do Lar do Garoto Campinense. Diário da Borborema. Campina Grande, n.423,
8 abr. 1959.
226
Assistência a menores abandonados. Diário da Borborema. Campina Grande, p. 1, 16 abr. 1959.
127
Considerações finais
conseguido com muitas dificuldades, quando se podia pagar, eram servidos pelos aguadeiros,
se não, havia a necessidade de se abastecer nos açudes. Então, o simbolismo da sede foi uma
das questões que envolveram o sistema Vaca Brava.
Em poucos anos de funcionamento, tornou-se evidente a fragilidade do sistema Vaca
Brava. Distante da concretização de um sonho, a população campinense convivia com o
pesadelo da falta d`água . Nesse ambiente de calamidade pública, havia a necessidade de um
novo herói, este surgiu do cenário nacional, Juscelino Kubitschek, o presidente da nação que
se apoiando em seu plano de metas, conseguiu a liberação de verbas federais para a
construção da adutora Boqueirão.
No século XIX, a História dita positivista teve um papel preponderante no processo de
construção de “heróis”. A nossa proposta, ao contrário, procurou problematizar a construção
de Argemiro de Figueiredo e de Juscelino Kubitschek enquanto “heróis” na questão do
saneamento de Campina Grande. Assim, ao invés de confirmar o status de “herói” desses
sujeitos, questionamos os interesses econômicos e políticos daqueles que insistiam em
mitificar a figura desses políticos.
O desejo de construção de uma cidade higiênica e bela perpassou o cuidado com o
espaço dos mortos. Como estudamos nesse ambiente passou por uma série de reformas com
objetivo de torná-lo higiênico e belo. Além disso, a sua localização fora modificada, de
acordo com as teorias científicas da época, que pregavam a edificação desses em lugares altos
e distantes dos centros urbanos. O próprio cortejo fúnebre passou a ser legislado, um conjunto
de normas foi criado com o objetivo de organizá-lo e higienizá-lo, evidenciando-se a
influência das teorias médicas da época, que prescreviam certas normas, para evitar surtos
epidêmicos, advindos da contaminação cadavérica.
Como estudamos, no primeiro capítulo, a feira constituiu outro espaço a ser legislado,
com vistas à sua higienização. Essa legislação, que se apoiava em preceitos e normas de
higiene divulgadas na época, repercutiu nas maneiras de usar o espaço da feira e simbolizou
uma tentativa disciplinar à atividade dos feirantes. No que se refere ao conceito de disciplina,
travamos um diálogo com Foucault (1978), que analisa as estratégias de disciplinarização da
sociedade pelo Estado moderno.
A recorrência a certos discursos de modernidade, progresso, civilização serviu de
justificativa para a remodelação urbana de Campina Grande iniciada na administração do
prefeito Vergniaud Wanderley e continuada nas administrações posteriores. O estudo das
práticas de higienização e estética urbana torna-se relevante na medida em que permite
discutir os pressupostos científicos que legitimaram essas ações na época. Nesse contexto,
129
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Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil, vol.3. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
STEPA, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de
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WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de George Simmel. 2º. São Paulo: USP, Curso de
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Fontes
- Leis, Projetos de Lei e Decretos, Ofícios e Requerimentos de 1947 á 1963. Estas fontes estão
disponíveis no Arquivo da Câmara Municipal de Campina Grande e na Procuradoria Geral do
Município.
• O SÉCULO, 1929.
• BRASIL NOVO, 1931.
• A VOZ DA BORBOREMA, 1937, 1938, 1939.
• A IMPRENSA, 1949.
• O REBATE, 1932, 1949,1951.
• O MOMENTO, 1950; 1953.
• JORNAL DE CAMPINA 1952, 1953,
• EVOLUÇÃO 1958; 1959.
• CORREIO DA PARAÍBA
• DIÁRIO DA BORBOREMA, 1957, 1958, 1959.
- Mensagem à Câmara Municipal enviada no dia 1º de Julho de 1956, pelo Prefeito Elpídio
Josué de Almeida.