Reforma Protestante - Hist Completa + FILMES

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HENRIQUE VIII PART|C|PAçAO CONTRARREFORMA

Fim dos lacos


5 FEMININA A reação violenta
reilgtosos para Mulheres que defenderam e o surgimento da
autonomia política o Protestantismo lnquisição
,

I NDICE
6 PRIMORDIOS 20 REFORMA ANGLICANA
O desenvolvimento da lgreja Católica e Henrique Vlll, rei da lnglaterra, rompeu com o
os primeiros teóricos contrários às Catolicismo e centralizou seu reinado
práticas religiosas
22 EVOLUçÃO
11 NA ÉpOCn Posteriormente, d iferentes vertentes
A Reforma Protestante só foi possível surgiram. Conheça mais sobre elas
devido às mudanças sociais que
abalaram as estruturas existentes 25 REAçÃO On TGREJA
A Contrarreforma aplicou medidas violentas
14 PRINCIPAL PREGADOR para conter o avanço do Protestantismo
A vida e as ideias do monge excomungado
por contrariar a instituição religiosa 28 MITOS E VERDADES
Descubra o que é real (ou não) sobre a
17 AS TESES história da Reforma Protestante
0 que Martinho Lutero questionou em
seus escritos sobre as indulgências? 30 REFLEXOS
0s ensinamentos de Lutero inspiraram
personalidades e reverberam até hoje

32 PARTTCTPAçAO FEMTNTNA
A história de Catarina von Bora e outras
mulheres que apoiaram o movimento

34 CULTURA
Obras de arte que abordam o tema a
partir de diferentes perspectivas
f,**\

CAPA
PRODUÇÃO GRÁFICA
ANA PAULA I\IALDONADO
E OTÁVIO I\1ATÌIAZZO NETO

IIVIAGEM
FINE ART PHOTOGRAPHìC/
GFTTY IMAGES
x
evolu AO

hegando ao terri- Uma religião creseente construído basílicas, concedido pri-


tório de Cesareia De acordo com a história bíblica, Pedro vilégios para o clero e isentar algreja
de Filipe, |esus foi um dospilares do Cristianismo epre- de impostos. fá seu filho - fuliano, o
perguntou a seus gou na região de |erusalém e Anüoquia Apóstata -, reabriu os templos pagãos,
discípulos: 'No di- (atual Türquia). Por meio dos apóstolos mas, depois da disputa entre fiéis, fez
zer do povo, quem é o Filho do Homem?' edos primeiros cristãos, a religião se es- com que as práticas se tornassem se-
Responderam: 'Uns dizem que é |oão palhou pelo Oriente Médio e se expan- melhantes às tradiçoes cristãs, pro-
Batista; outros, Elias; outros, |eremias diu durante toda a Idade Média. movendo condutas como a caridade
ou um dos profetasi Disse-lhes |esus: 'E É de conhecimento histórico que, por e adotando uma estrutura hierárquica.
vós quem dizeis que eu sou?lSimão Pe- não aceitarem o imperador romano Entre 692 e 1303. a Igreja se expan-
dro respondeu: 'Tu és o Cristo, o Filho como um ser divino e acreditarem diu entre os germânicos e eslavos, in-
de Deus úvoll Jesus então lhe disse: 'Fe- apenas em fesus, alguns cristãos foram fluenciando eventos sociais, culturais
liz és, Simão, filho de fonas, porque não perseguidos em pequenos períodos da e políticos, mas diversos acontecimen-
foi a carne nem o sangue que te revelou História. Apesar da ameaça, muitos se tos marcaram seu desenvolvimento e
isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu converteram buscando a vida eterna provocaram rompimentos.
te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pe- prometida. Assim, aos poucos, a Igreja "O surgimento da lgreja Ortodoxa
dra edificarei a minha Igreja; as portas organizou seu clero, formou sua hierar- Oriental, a partir do cisma ocorrido
do inferno não prevalecerão contra ela. quia de bispos e começou a influenciar em 1054, se deu por questões como
Eu te darei as chaves do Reino dos céus: províncias, principalmente as locali- o uso de imagens, que não eram acei-
tudo o que ligares naterra seráligado nos zadas em áreas rurais, pois algumas tas pelos orientais, a questão das duas
céus, e tudo o que desligares na terra será funções dos sacerdotes eram cuidar naturezas de Cristo e como se relacio-
desligado nos céus"l E assim, segundo o de doentes e pobres que encontravam. nam, o celibato dos sacerdotes, que
Evangelho de Mateus, fez Pedro - apesar Constantino foi o imperador romano não é requerido como obrigatório
de ter negado conhecer Cristo três vezes responsável por legitimar o Cristianis- pelos orientais. No entanto, as dis-
e, posteriormente, no episódio daressur- mo, mas sem torná-lo a religião oficial, putas entre as duas grandes cidades
reição, ser perdoado. apesar de ter financiado a instituição, do Império Romano, Roma e Cons-

6 I MOMENÍ)S DA HISToRIA REFoRMA PRoTESTANÌE


Diferente do que muitas
pessoas imaginam, antes de
Lutero, outros teóricos criticaram
as práticas religiosas

TEXTo E PEseursA Éntcn ncutnn


ENTREVTSTA ÉRtrn Rlrnno
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

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tantinopla, foi fundamental para que


ocorresse a divisão. A separação dos
protestantes no século XVI também
tem questões teológicas, como a cen-
tralidade da Bíblia em detrimento do
magistério clerical e da tradição, a sal-
vação apenas pela graça de Deus sem
o concurso humano com boas obras,
a não aceitação do poder do Papa so-
bre toda a cristandade. Porém, há de
se lembrar que nessa época se firma-
rram os chamados'Estados Nacionaisl
que enfatizavam o poder centraliza-
do sobre uma nação, se afastando das
divisões feudais e de senhores locais.
Esse Estado, maior e mais poderoso,
política e economicamente, tinha tam-
bém poder para enfrentar o papado
e lutar contra as remessas de verbas
para o Vaticano. Além do mais, havia
a disputa entre esses Estados e o Sa-
cro Império, reminiscência do antigo
Império Romano, que era um baluarte
na defesa de Roma'l explica Silas Luiz
de Souza, historiador e especialista em
ciências da religião.
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7
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Tempos medievais XII, com o objetivo de perseguir o mo- mau, indo contra algreja monoteísta.
fá na Idade Média, os senhores feu- vimento cristão do Catarismo etambém Valdo, por suâvez, havia se convertido
dais tinham influência sobre bispados. os valdenses, grupo liderado pelo rico após ouvir sobre a vida de Santo Aleixo
Ainda foi nessa época em que surgi- comerciante Pedro Valdo, que havia des- e notado que deveria vender tudo o que
ram as primeiras universidades e or- feito de boa parte de seus bens, pregado tinha, doar aos pobres e, assim, encon-
dens religiosas, como é o caso de São o desapego material pelo território fran- trar um espaço no céu. "Impressionado
Francisco de Assis, São Domingos de cês e atraído muitos desfavorecidos eco- pela vida do santo e pelas palavras do
Gusmão e outras. nomicamente deüdo ao seu discurso. mestre em teologia, a primeira reação
Após esse período, com a expansão do Os dizeres de Valdo - que, posterior- de Valdo teria sido dispor-se dos bens,
Islamismo, üeram as Cruzadas e a ten- mente, influenciaram Martinho Lute- vendendo o que adquirira com usura e
tativa de conquista das terras sagradas. ro - começaram a incomodar a Igreja passar aviver de esmolas", escreve Lau-
Aos soldados e homens comuns, o papa apartir do momento em que passou a ra Maria Silva Thomé na monografia
prometia graças especiais, o perdão dos questionar o poder dos clérigos, que, As Heresias e Seus Reflexos Sociais: Pe-
pecados e a üda eterna. Porém, quem à época, julgavam quem deveria ser dro Valdo e Os Valdenses (1160-1250).
conquistasse o território também pode- subordinado a Deus ou não, quem Por isso, um de seus atos mais notáveis
ria usufruir das riquezas obtidas. Era a merecia a salvação divina. Por isso, as foi procurar um tradutor que flzesse
busca pela propriedade, pela expansão confissões passaram a ser praticadas uma versão dos evangelhos em lingua-
do comércio e pelo perdão divino. pelos próprios valdenses, pois acre- gem provençal. Estudando essas obras,
Entre 1095 eI2gl,oito cruzadas oficiais ditavam que os padres agiam mais desenvolveu a vontade de levar a vida
foram organizadas por países europeus. preocupados com a riqteza material. como pregador e na pobreza. Isso atraiu
Entretanto, novas yertentes religiosas Assim, o papa Inocêncio III organizou uma pequena comunidade, que com-
ganharam força e cientistas/teóricos uma cruzada contra os albigenses, os partilhava tudo o que possuía e cami-
começaram a questionar os dizeres bí- "hereges" da região de Albi, na França. nhava, de dois em dois, parapregaï apa-
blicos, as pregações religiosas e os inte- E adiúnhe só: quem lutasse conquis- lavra diüna segundo sua interpretação.
resses morais e econômicos da Igreja. taria o perdão dos pecados e um lugar lâ emII79, Pedro se apresentou no III
Diferente do que havia ocorrido séculos no Paraíso. Dessa maneira, senhores Concílio de Latrão para a assembleia e o
antes, eram os católicos que perseguiam feudais, nobres e camponeses se orga- papaAlexandre III. O evento havia sido
quem divergia de suas ideias. nizaram para um massacre sangrento, convocado, segundo Thomé, para"aca-
que deixou milhares de mortos. bar com os restos do cisma, combater as
Gruzada Albigense Mas se engana quem imagina que Pe- heresias albigense e valdense, e restabe-
O episódio que dá nome a esse subtítulo dro Valdo era o único a questionar o lecer a disciplina eclesiástica que muito
éüsto como um dos mais repressores poder da Igreja Católica ou seus ideais. sofrera com o longo cisma'l Os valden-
de que se tem registro histórico. Esta O Catarismo, por exemplo, concebia a ses propunham que algreja retornasse
cruzada ocorreu na França no século ideia de dois deuses: um bom e outro a sua simplicidade e ao culto sem luxo.

MoMENTos ol rrstónn REFoRMA PRoTESTANTE | 9


Porém, não conquistaram a autoriza- Wycliffe foi seu livro De officio regis, Universidade de Praga em 1409. Tão
ção papal parapregr e, descumprindo que influenciou a reforma da lgreja,na logo, a Igreja Católica passou a criti-
o tratado, voltaram a evangelizar, pro, Inglaterra, sob o governo de Henrique cá-lo e banir as cerimônias religiosas
vocando reações úolentas também na VIII, tornando a instituição religiosa na cidade enquanto fan estivesse ali.
Itiília, Alemanha e países üzinhos. subordinada ao Estado. Mesmo assim, Em 1414, foi convocado para o Con-
'A Cruzada contra os albigenses divi- posteriormente, foi declarado herético cílio de Constança, que tinha como
diu a nobreza, pois tendo sido convo- em meados de 1415 e teve seus escritos objetivo julgar casos de heresia, cujo
cada após o assassinato de pedro de queimados. Porém, seu legado impac- crime Huss foi acusado. Apesar de
Castelnau, legado papal, em 1208, do tou o tcheco ]an Huss, que fazia forte possuir um salvo-conduto do rei Se-
qual teria sido mandante o conde de oposição à venda de indulgências, à gismundo de Luxemburgo parâ que
Toulouse, Raimundo IV que apoiava acumulação de riqueza da Igreja e à pudesse defender seus ideais, foi preso
os hereges, não teve aceita a convoca- restrição da comunhâo somente aos por cerca de 70 dias até o seu julga-
ção pelo Rei da França, nem por seus membros eclesiásticos. mento. Na ocasião, pïopuseram que
pares, ficando sua execução a cargo dos Apesar de vir de uma família humilde renegasse suas ideias, mas ele resistiu.
pequenos senhores. Esses agem com da Boêmia, onde hoje fica a República Assim, no dia 6 de julho de 1415, foi
grande violência, matando velhos, Tcheca, formou-se professor de teolo- condenado à morte na fogueira.
mulheres e crianças, o que provoca a gia em 1398 na Universidade de praga, Apesar da reação violenta da Igreja Ca-
reação do povo do Languedoc. Essas tornando-se padre em 1400. Ele era tólica contraesses reformadores, eles
coisas se estendem até a intervenção de um estudioso das doutrinas de Wy- foram capazes de influenciar Martinho
Luis VIII da França em7226,cessando cliffe e pregava a ideia de uma Igreja Lutero anos depois, cujo grande legado
completamente somente com o tratado pobre, bem como da Bíblia como o foi dar início
à Reforma Protestante.
de Paris em 1229", relata a autora. caminho de orientação a ser seguido.
Suas ideias sensibilizaram os nobres CONSUTTORIA

Gontrários tchecos, pois grande parte das terras Silas Luiz de Souza, historiador e especialista em
cjências da religião
Além de Pedro Valdo, outro nome pertenciam aos alemães, assim, as pre- FONTE
reformador de destaque foi o inglês gações eram uma forma de enfrentar MonogÌafia Ás Heresias e Seus Reflexos Socialsj pedro
iohn Wycliffe. Ele estudou teologia, os germânicos. Devido a esse posi- Valdo e Os Valdenses (7760-7250), da historiadora Laura
l\4aria Silva Thomé;
filosofia e legislação canônica na Uni- cionamento, foi eleito como reitor da BÍblia, l\4ateus (16:13-19).
versidade de Oxford, e também era
conhecido por ser um defensor dos
interesses nacionais contra as imposi- Popular
ções do papa, além, claro, de apontar John Wycliffe defendia a
diferenças entre as normas da Igreja e ideia de que a Bíblia deve-
os ensinamentos originais de Cristo. /-\ ria ser um item pertencente
Para ele, o Estado deveriapossuirtodas as t* a todos os cristãos e dispo-
propriedades do clero e ser o responsável
nÍvel na lÍngua nativa dos
pelo seu sustento financeiro, tornando o
povos. Assim, iniciou uma
rei superior ao papa. Wycliffe ainda cri,
ticava a venda de indulgências e a vida tradução do livro sagrado
luxuosa levada por padres e bispos. para o inglês, traduzindo o
Como era de se esperar, suas ideias se Novo Testamento, enquanto
espalharam pelas igrejas londrinas e fi- seu amigo, Nicholas de He-
zeram sucesso entre os nobres. E, assim reford, se dedicou ao Antigo.
como com os valdenses, foi censura- Em 1388, a população teve
do em 1377, quando foi intimado a se
acesso à Bíblia neste idio-
apresentar ao bispo de Londres, episó-
o
z. ma. Mesmo assim, os mais
o dio em que foi acusado de blasÍêmia e
pobres continuaram afasta-
heresia. Inclusive uma bula havia sido
o
O dos das escrituras devido
expedida pelo papa Gregório XI contra
ê
U o teólogo, porém, por ter apoio na corte aos altos custos para pro-
e no parlamento, sequer teve efeito. dução e pela maioria ainda
= A maior consequência dos escritos de ser analfabeta.
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10 I MOMENïOS On UtStónte REFoR|\,4A PROTESTANTE


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A Reforma Protestante confrontou não só a hegemonia religiosa da lgreja


Católica: a sociedade medieval também estava prestes a passar por mudanças
TEXTO E ENTREVISTAS KARINA ALONSO/COLABORADORA I DESIGN ANA PAULA MALDONADO
eudos, reinos, nobr eza, campone- clero. A mudança começa com o surgimento
ses e cavaleiros: assim era a socie- da burguesia: nova classe social formada por
dade no início do século XV. Os comerciantes que viviam nas cidades, chama-
dez séculos da Baixa ldade Média das burgos. Por não se encaixarem no modelo
foram caractettzados pela eco- social da época e com o contexto da ampliação
nomia rural, o enfraquecimento das práticas do comércio, manifestam-se novas demandas.
comerciais e pelo grande poder da Igreja Ca- Paralelamente, a burguesia começou a criti-
tólica, além do sistema de produção feudal e da car à Igreja Católica, principalmente em relação
sociedade dividida em hierarquias. O ambiente à condenação do lucro excessivo e a defesa do
europeu era um prelúdio de que a Idade Média preço justo para as transações comerciais. "Os
estava prestes a chegar ao fim. comerciantes se sentiam inibidos para extrair
a máxima lucratividade nos negócios, pois vi,
Economia e submissão viam ameaçados com a pregaçáo do inferno",
No feudalismo, "predominava uma rígida explica Luciano Gomes dos Santos, professor
hierarquia social baseada em vínculos de de- de Antropologia, Cultura Religiosa e SocioÌogia
pendência", conta Esdras Cordeiro Chavante, da Faculdade Padre Arnaldo ]anssen. Por isso,
doutorando em História pela universidade Esta- surge a necessidade de desenvolvervalores reli-
dual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). giosos que se adequassem à expansão comercial
Os feudos, dados por reis ou outros nobres, eram eà transição do feudalismo para o capitalismo.
aprincipal fonte de riqueza e prestígio social, e
deveriam ser administrados e protegidos pelo Fim do monopólio
senhor feudal. Cabiam aos senhores feudais ad,
ministrálos e protegêJos, além de dividi-los en- criou a prensa de tipos móveis e facilitou a im-
tre outros nobres, para estabelecer as relações de pressão de livros que, ate então, era uma ativida-
suserania, com quem cedia a terra, e vassalagem, de restrita à Igreja. Sérgio explica que a Bíblia foi
entre os que recebiam o terreno. o primeiro livro impresso e, com o aumento da
De acordo com Esdras, quem trabalhaya den- publicação de outros títulos, houve maior necessi-
tro dessas cidades muradas era chamado de servo dade de aprofundamento de estudos, o que resul-
e estava ligado à terra por diversos compromissos tou no surgimento de escolas e universidades. A
e obrigações, devendo produzir, para si e para o criação de novas instituições de ensino promoveu
senhor feudal, e pagar tributos e taxas. Esta estru- o fim de um monopólio que aindaficavarestrito à
tura, porém, entrou em crise no final do século Igreja. Sendo assim, foi possível iniciar a dissemi-
XV com o aparecimento de "uma conjugação de nação de conhecimentos diferentes dos religiosos.
fatores que desestruturou a sociedade europeia, Foi esse contexto que proporcionou movi-
dentre eles a peste negra e conflitos entre grupos mentos como o Humanismo e o Renascimento
dominantes e a população em geral", explica. O Cultural, conhecidos por criticarem a insti-
aumento das despesas era inversamente propor- tuição católica. De acordo com o professor de
cional aos ganhos da nobreza, que aumentou os Antropologia, antes era impossível contrariar o
tributos para compensar o ônus. pensamento institucional do clero. A partir de
então, foram difundidos ideais como a noção do
Uma nova classe social indivíduo, o pensamento especulativo e a repre-
Segundo Sérgio Luiz Martins, professor de sentação da realidade humana na arte. "Essas
História do Colégio Marista Arquidiocesano novas ideias impulsionaram a Reforma Protes-
de São Paulo, na sociedade medieval, as classes tante na liberdade da interpretação bíblica e de
estavam, de alguma forma, envolvidas com o uma Igreja livre da hierarquia clerical", explica.

12 MoMENTos DA HrsróRlA REFoR|\4A PRoTESTANTE


Em busca da salvação
No final da Baixa Idade Média, parte da Eu- Descentralização
ropa estava em um cenário de destruição pós dentro da lgreia
guerras, fome e peste negra, o que aumentou o No início do século XV, existiam três papas
medo da população. De acordo com Esdras, as rivais dentro da lgreja Católica, em três ci-
pessoas buscaram respostas na vida religiosa e dades diferentes: Roma, Avinhão e Pisa.
espiritual, como a salvação da alma e o conso- Durante o chamado "Grande Cisma", cada
lo diante de tantas tragédias. "Paraalcançar a papa se considerava legítimo e excomungou
salvação, os fiéis deveriam cumprir e praticar os outros dois rivais.
ritos, ordenanças e sacramentos cada vez mais Enlre 1,41,4 e 1417, João XXlll, o segun-
complexos e mecânicos", explica. do papa de Pisa, convocou o Concílio de
Aqueles que buscaram abrigo na Igreja co- Constança, que resultou na deposição dos
meçaram a criticar seu foco nas questões po- outros papas e na eleição de Martinho V
líticas e econômicas e a preocupaçào com o como único no cargo, além de decretar a
poder, enquanto a assistência espiritual, princi- supremacia dos concílios e a condenação
palmente dos mais pobres, era deixada de lado. de pré-reformadores como John Wycliffe,
Outro ponto de discordância era o luxo e a ex- Jan Huss e Jerônimo de Praga.
travagância dos membros do clero, enquanto a
realidade da sociedade beirava à miséria. Entre a religião e a política
O contexto político da Baixa Idade Média era
definido pela relação de suserania e vassalagem.
Apesar de o poder ser centralizado, havia uma
relação de fidelidade pelo contrato entre senho-
res feudais e vassalos. Cabia ao suserano dar o
pedaço de terra, proteger militarmente e prestar
assistência política, enquanto o "funcionário"
deveria prestar serviço militar e comparecer ao
tribunal presidido por seu chefe.
Segundo Luciano, o contexto político da
época "era marcado pela influência da Igreja
Católica com sede em Roma, que utilizava o
latim como língua oficial e interferia nos reinos
estrangeiros com seus ensinamentos religiosos
e morais". Sendo assim, havia a ideia de uma
instituição universal que defendia a unidade
do mundo cristão.
Aos poucos, foram surgindo os Estados CONSULTORIAS
Esdras Coldeiro Chavante,
modernos que, segundo Esdras, buscavam a doutorando em História
consolidação da soberania dos reinos, concen- pêlâ Universidade Estadual
Paulista Júlio de l\4esquìta Filho
U) trando o poder nas mãos do rei em detrimento (UNESP);
zo Luciano Gomes dos Santos,
dos poderes locais dos senhores feudais e das professor de Antropologia,
o interferências da Igreja. Esta interferência dimi- Cultura Religiosa e Sociologia
C) da Facuìdade Padre Arnaldo
ô nuiu com o surgimento de ideais nacionalistas Janssen de Belo Horizonte:
U
dentro dos novos Estados porque cada um pos- Sérgio Luiz MaÍtins, professor
de História do Colégio N4arista
= suía língua, cultura e características próprias. Arquidiocesano de São Paulo.
=

MoMENTos DA HISTóRIA REFORI\IA PROTESTANTE I 13


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indo além, escrevendo os grandes tra- Elr'l92l, uma assembleia realizada na então decidiu retornar aWittenberg e co-
tados da Reforma: A liberdade do Cris- cidade de Worms buscou novamente meçar a pregar suas ideias, por meio dos
tão, O Cativeiro Babilônico da Igreja a retratação do ex-monge, que voltou S erm o a d e Inv o c av it. Também organizou

de Roma e À Nobreza Cristã da Nação a recusar, afirmando que apenas iria um formato de confissão baseado na mis-
Alemã -, Lutero foi excomungado. se retratar se proYassem a ele seus sa e comunhão. Enquanto desenvolüa
Apesar de a Igreja Católica perma- erros por meio dos dizeres da Bíblia. os aspectos de sua igreja, participou de
necer como doutrina dominante na Dessa forma, foi banido do Sacro Im- fugas de freiras e padres, sendo a mais
Europa, ela encontrava em territórios pério Romano-Germânico. Exilado marcante a do Convento de Nimbschen,
que possuíam maiores conflitos inter- no Castelo de Wartburgo, sob prote- em 1523, onde conheceu Catarina von
nos e fragmentação - a exemplo do ção do príncipe Frederico III, fez sua Bora, com a qual casou dois anos depois.
germânico - um espaço para novas mais célebre tradução da Bíblia para O matrimônio de Martinho com Catari-
ideias. Ao encontrarem no Protestan- o alemão. Enquanto isso, conventos e na representou o mais profundo aspec-
tismo uma forma de abolir o clero da monastérios da região passaram por to do rompimento com o Catolicismo,
ordem política e social, alguns mem- certo esvaziamento, muitos daqueles permitindo que outros padres e freiras
bros da rcaleza europeia passaram a que deixaram a vida sacerdotal Cató- adeptos da Reforma Protestante se casas-
acompanhar de perto o movimento lica se tornaram seguidores de Lutero. sem. Da união com von Bora, úeram seis
reformista, até mesmo se apoderan- filhos: |ohannes, Elisabeth, Magdalena,
do dessa mensagem religiosa de li- Regresso e fim Martin, Paul e Margaretha. Foi cercado
bertação. Com a ajuda da imprensa Por mais que a ideia de libertação da Igre- por eles, por seus discípulos e adoradores,
desenvolvida por Gutenberg, Lutero ja Católica tenha se espalhado pelo nor- que Lutero moÍïeu, em 18 de fevereiro de
propagou sua doutrina de separação te da Europa, Lutero notou concepções 1546, sendo sepultado na emblemática
do Catolicismo. mais radicais começando a sobressair. Ele igreja do Castelo de Wittenberg.

t6 I MoMENToS DA HtsróRtA REFoRMA PRoTESTANTE


O que
Descubra qual
era o conteúdo
e as principais
ideias expostas
dizia
pelo monge
agostiniano em
suas 95 Teses Lutero?
dia 31 de outubro de l5l7 é a sacramental a partir da confissão e satisfação.

usualmente lembrado pela Para o monge, tratava-se algo interno, do próprio


publicaçáo das 95 Teses pre- conflito do cristão com o pecado.
gadas por Martinho Lutero . Da quinta a sétima tese, ele destaca que o

na porta da Igreja do Castelo papa só poderia libertar as pessoas de puniçóes


de Wittenberg na Alemanha. No entanto, da- criadas por ele mesmo ou pelos cânones, e não
dos históricos revelam que o intuito do monge da real culpa do pecado. Além disso, somente
agostiniano não era dividir os religiosos, mas deveriam ser atribuídas aos vivos e destaca: "De
iniciar um debate sobre a cobrança de indul- um modo ignorante e injusto agem os sacerdo-
gências e os rumos da Igreja Católica (hie- tes que aos moribundos aplicam penitências
rarquizaçâo e democratização das escrituras) canônicas tendo em vista o purgatório"'
- e é justamente isso que seus escritos mais Nas teses seguintes, escreveu sobre a con-
famosos abordam! cepção que os cristãos têm de céu, inferno e
purgatório. Para ele, não foi provado por ne-
Posição contÍáÍia nhuma razáo ou escritura que as almas dos
Lutero era receoso quanto à possibilida- falecidos estavam seguras após o pagamento
de de que as indulgências pudessem retirar da indulgência. Por isso, considerava que a
o carâter sincero da penitência e do perdão. maior parte da população era enganada com
"Um tal receio aumentou quando, precisa- a promessa da remissão total. Somente Deus
mente nesse ano de 15L7, substituiu o pároco teria poder para perdoá-los.
de Wittenberg: nessa sua tarefa constatava, na 'A todo e qualquer cristão verdadeiro é con-
prâtica do ofício da confissão, o modo com cedido, como dom de Deus, o participar em
os penitentes - pouco motivados a fazerem todos os benefícios de Cristo e da Igreja, mesmo
sinceramente penitência - se apresentavam no sem cartas de indulgências". Assim, não seria
confessionário, munidos de uma indulgência necessário pagar umvalor monetário para ad-
que tinham comprado em Jüterborg, próxi- quirir o que era ofertado pelas divindades.
mo de Wittenberg, onde o dominicano Tetzel, Iá na metade do texto, alertou para que exis-
subcomissionário na venda das indulgências, tisse prudência na pregação de indulgências
opeïaya", revela o texto do livreto As 95 Teses apostólicas. Isso porque, em sua opinião, o
de Martinho Lutero: Controvérsia em torno da hábito faria com que povo pensasse que elas
questão das Indulgências. seriam preferíveis às outras obras de caridade,
O monge desejava que os cristãos alcanças- tornando o arrependimento mais difícil.
sem o verdadeiro arrependimento, pensando Posteriormente, abordou o papel do papa,
não ser possível substitui-lo pelo pagamento afirmando que, se o sumo sacerdote conhe-
das indulgências, pois, assim, seriam vítimas cesse o que foi pregado em seu nome, "prefe-
de uma falsa segurança sobre seu futuro. riria a basílica de S. Pedro reduzida a cinzas a
vê-la edificada com a pele, a carne e os ossos
As teses das suas ovelhas". E reforça a ideia de que o
Lutero iniciou seu texto fazendo referência a verdadeiro tesouro da igreja é o Evangelho.
uma passagem do Evangelho de Mateus: "Desde Lutero finalizou seu texto dizendo que era pre-
FONTE

LivÌeto Ás 95 Teses de Martinho então começou |esus a pregar e a dizer: Arrepen- ciso estimular os cristãos a empenharem-se no
Lutero: Controvérsia em torno
dei-vos porque é chegado o reino dos céus" (4:17). discipulado de Cristo e a alimentar a confiança
da questão das lndulgências,
organÌzaÇão, tradução e Assim, explica que Cristo desejou que toda avida deentrar no céu "mais por nurnerosas tribulações
introdução de Dimas de
Almeida. dos fiéis fosse sinônimo de penitência, mas não do que por uma ilusória segurânça dapaz".

18 | MoMENToS DA HtsróRlA REFoRMA PRoTESTANTE


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MoMENToS DA HIsTóRn REFORMA PROTESIANIÊ I 19


Saiba mais o Ox
sobre a
dinastia Tudor
e seu legado
re lgrao
e polítrca
com a Reforma
Anglicana

contexto das reformas religio- poder de sua família e a aliança anglo-espa-


sas foi repleto de problemas nhola contra a França. A união foi celebrada
econômicos, sociais e políticos, em 1501, mas não foi consumada porque Ca-
e não faltaram motivos para tarina ficou viúva meses depois.
surgirem disputas de poder en- Coube então ao sucessor do trono, Henri-
tre monarcas ea lgreja Católica. Henrique VIII, que VIII, consolidar o poder de sua dinastia.
rei da Inglaterra, foi responsável por uma das Alegando que o casamento do irmão não tinha
principais rupturas com o Catolicismo e apro- sido consumado, o novo rei conseguiu aapro-
veitou o momento para centralizar seu reinado. vação da Igreja Católica para se casar com a
princesa espanhola.
Uma nova dinastia
Inglaterra, final do século XV. Para colocar Questão dinástica
fim na Guerra das Duas Rosas e na disputa O primogênito de Henrique nasceu em
pelo trono inglês, Henrique VII, da Casa Lan- 1511, mas morreu logo depois. Catarina pas-
caster, casa-se com Isabel de York e formam a sou por outras gestações, mas apenas a filha
Casa Tudor. A1guns meses depois, nasce Ar- Maria sobreviveu à infância. Henrique, po-
tur, primogênito do casal. rém, precisava ter um filho homem para evitar
Ainda na infância, o Príncipe de Gales teve que o poder inglês passasse para as mãos de
o casamento planejado com Catarina de Ara- Carlos V então rei da Espanha, Imperador do
gão, princesa da Espanha, para fortalecer o Sacro Império e sobrinho de Catarina.

20 I MOMENToS DA HISTÓRÁ REFoRMA PRoTESÏANIE


TEXTO E ENTREVTSTAS KARTNA ALONSO/COLABORADORA I DESTGN ANA PAULA N4ALDONADO

Ao ver seu poder ameaçado, o rei acusou para o parlamento o Ato de Supremacia, em
sua esposa de negar-lhe o desejo de ter um fi- 1534, colocando em prática a ruptura entre
lho homem e passou a ter um relacionamento a monarquia inglesa e a Igreja Católica. Se-
extraconjugal com a dama de companhia de gundo o documento, o rei decidira sobre as
Catarina, Ana Bolena. Outra medida foi pedir questões religiosas e seria o responsável por
para que o papa Clemente VII anulasse seu nomear os cargos eclesiásticos, limitando a
casamento, alegando que a rainha poderia ter influência da instituiçáo sobre as questões do
consumado seu casamento anterior. governo britânico.
O papa, porém, encontrava-se em uma Outra medida adotada foi o confisco dos
situação difícil: se aceitasse a anulação, sig- bens da lgreja, entre eles as terras em que fi-
nificaria virar as costas para a Espanha, que cavam os mosteiros. Os lotes foram vendidos
estava auxiliando a Igreja contra os avanços de para nobres, comerciantes e fazendeiros ligados
Lutero no Sacro Império Romano-Germânico. ao comércio e às atividades econômicas. Não
Diante do dilema, Clemente VII optou por houve, porém, mudanças em relação ao culto, o
negar o pedido do rei inglês que fortalece o argumento de a reforma ter sido
r ealizada p ar a centr alizar o p o der do s ob erano.
Dupla motivação A consolidação do Anglicanismo como religião
Inglaterra e Roma já enfrentavam problemas só veio anos depois, no reinado de Elizabeth I.
políticos desde a Guerra dos Cem Anos, encer-
rada em 1453. Durante o Cisma do Ocidente e a Desdobramentos
crise católica, os detentores de poder nalgreja De acordo com Esdras Chavante, os con-
estavam mais alinhados aos franceses, além de flitos entre católicos e protestantes só foram
terem sérias críticas relacionadas às atitudes do resolvidos décadas depois, com a chamadaPaz
clero desde o final do século XV. Os questiona- de Vestefalia em 1648. O documentou encer-
mentos não eram restritos apenas à doutrina da rou o período da reforma religiosa e delimitou
igreja Católica: incluíam também os costumes as fronteiras políticas e religiosas.
luxuosos dos eclesiásticos durante a crise eco- A maior consequência do período, porém,
nômica na sociedade inglesa. foi a aplicação do direito baseado em recipro-
Segundo Esdras Chavante, doutorando em cidades e tratados regulatórios entre os Esta-
História pela Universidade Estadual Paulista dos, deixando de lado as questões religiosas e
|úlio de Mesquita Filho (UNESP), por muito priorizando o reconhecimento da soberania.
tempo acreditou-se que Henrique VIII pediu O reflexo foi o regime de tolerância responsá-
a anulação do casamento apenas Por conta dos vel por acabar com anos de combates religio-
problemas nas gestações de Catarina. Atual- sos, aplicado ainda no século XXI.
mente, porém, há umavertente que aponta seu
desejo prévio em romper com a Igreja Católica Herdeiros
e ampliar seus poderes políticos e religiosos. Apesar de Henrique Vlll acusar Catarina de
A negativa do papa seria um pretexto para Aragão de não lhe dar um filho homem, a
colocar seu plano em prática. questão também aconteceu em seus outros
casamentos. Após a condenação de Ana
lnicio do absolutismo Bolena, sua segunda esposa, à forca por
Ao ter seu pedido negado, Henrique VIII traição extraconjugal, o rei se casou mais
CONSULTORIAS
Esdras Cordeiro Chavante,
anulou seu casamento por conta própria e des- quatro vezes, mas só teve um herdeiro mas- doutorando em História
pela Universidade Estadual
posou Ana Bolena, sendo, em seguida, exco- culino em sua terceira união. Paulista Júlio de lvlesquita Filho
mungado pelo papa. O rei, então, apresentou (UNESP),

MoMENÌos DA HlsróRta REFoRtvlA pnorrsrnrut I 21


Galvino
Após a derrota e o fi.m da vida do pre- Oposição
cursor do Protestantismo na Suíça, A primeira ideia contrária ao Calvi-
alguns cantões se mantiveram fiéis à nismo dentro da Reforma Protestan-
doutrina de Zuínglio, como Berna, te na Holanda foi organizada pelo
Zuriqte e Basileia. Jânaregiáo de Ge- teólogo Jacó Armínio, no início do
nebra, em 1536, chegava um doutor
século XVll. Pelo Arminianismo, o
em Direito que acabou perseguido na
homem seria capaz de procurar a
França por ser a voz do movimento
protestante - ou huguenote - por lá. salvação divina, sendo que Deus
não era o autor do pecado nem o
foão Calvino redigiu a obra Institui-
ções da Religião Cristã no mesmo ano, homem autômato, enquanto Calvino
apresentando as bases para o que ficou defendia que o homem era tão cor-
conhecido como Calúnismo. rompido que somente a graça divina
Com o auxflio de Guilherme Farel, um predestinava os escolhidos à salva-
pregador protestante fervoroso que
ção. Apesar da morte de Armínio em
persuadiu Calvino a ficar em Gene-
1609, seus seguidores buscaram
bra - e mesmo a retornar, após ter sido
realizar as reformas dentro da dou-
banido por tentar expulsar suíços que
não fossem favoráveis à sua doutrina trina calvinista, mas foram persegui-

-, o francês levou o cantão genebrino dos até 1625. Anos depois, exerceu
a ser o principal centro protestante da influência sobre uma ala da lgreja
Europa. Muito disso por conta da rigi- Anglicana e também sobre o mo-
dez na implementação de suas ideias, vimento metodista no século XVlll.
difundidas em um governo teocrático.
Entre as várias reformas realizadas por
Calvino estavam a abolição da música Escócia
instrumental nas missas, a retirada de As ideias de Calvino atravessaram o
útrais e imagens das igrejas e até mes- Mar do Norte e penetraram na Ilha da
mo o fim das comemorações da Páscoa século XIV com a Casa de Habsburgo Grã-Bretanha. Mais ao norte, em terri-
e do Natal. no poder. Assim, as ideias de Zuínglio tório escocês, os barões e a classe mé-
Entre os princípios calvinistas, está o também foram implantadas ao sul do dia urbana juntaram ao reformador
se
de que Deus é soberano e os escolhidos território, entre a população de língua calvinista fohn Knox para derrubar os
para a salvação já são predestinados a francesa, antes da doutrina calvinista líderes da Igreja Católica, desafiando a
isso. O trabalho também évalorizado, se tornar base religiosa para Guilherme coroa (Escócia e Inglaterra ainda eram
sendo assim um gatilho para a apro- de Orange declarara independência da reinos separados). Além de seguidor
ximação dessa doutrinâ com o princí- Holanda, em 1581, enquanto Bélgica e das ideias do teólogo francês, com o
pio capitalista, que ganhava espaço na Luxemburgo permaneceram católicas. qual teve contato em sua estadia em
Alemanha, Inglaterra, França e outros Outro reformador de forte influência Genebra, Knox foi discípulo de Geor-
países do norte da Europa. Foi assim no Protestantismo dos Países Baixos ge Wishart, introdutor da doutrina
que os ideais de Calvino se difundiram foi o polonês foão Laski (ou |an Laski, zuingliana em território escocês, que
pelo continente, contando com a ajuda no idioma original), sacerdote refor- foi morto queimado em 1546.
de outros líderes religiosos. mador que organizou igrejas protes- Orientado por Knox, em 1560, o Par-
tantes na Inglaterra, na região da Frí- lamento da Escócia adotou princípios
Países Baixos sia (norte da Holanda) e criou a Igreja do Presbiterianismo e derrubaram o
Orientada pelo Calvinismo, a Igreja Calvinista na Polônia. Ele também foi Catolicismo. Aiém disso, estruturaram
Reformadora Holandesa surgiu em influenciado porZuínglio e Erasmo de algreja da Escócia, também conheci-
1570, embora o cenário na região já Roterdã, sendo um importante nome da como Kirk. Baseado na Confissão
fosse favorável a reformadores desde o na segunda geração da Reforma. de Fé, de inspiração calvinista, no Li-

MoMENToS ol r.rrsróRn REFoRMA PRoTESTANTE I 23


vro da Disciplina e no Liwo da Oração
Comum, e organizado em presbitério, Reformadores Íadicais
com sistema representativo similar ao Durante o período da reforma de Lu-
desenvolüdo em Genebra, o país se tor- tero, Zuínglio e Calvino, grupos bus-
nou o segundo maior reduto protestante caram uma mudança mais radical
da Europa. No entanto, a figura do rei, nos dogmas religiosos. Foram todos
contrária a tal religião, seguiu como um generalizados como anabatistas, mas
antagonista ao movimento. Durante o a vertente oficial intitulada assim teve
período, o Rei Jaime VI uniu as coroas
como líderes Georg Blaurock, Conrad
da Inglaterra e Escócia, assim aproxi-
Grebel e Felix Manz. Os anabatistas
mando o Alglicanismo como religião
pregavam o fim de uma hÌerarquia e
oficial. Em 1638, seu sucessor, Carlos
I, obrigou os escoceses a seguirem os de uma teologia sistematizada, apli-
rituais anglicanos dentro da Kirk, mas cada no dia a dia, baseando-se no
encontrou forte oposição. Houve per- Novo Testamento da Bíblia, além de
seguição religiosa - tendo muitos pres- defender a incompatibilidade entre
biterianos emigrado para as colônias da Cristianismo e violência. 0 grupo,
América do Norte.
assim como os outros chamados ge-
nericamente de anabatistas, sofreu
lnglaterra
Assim como os escoceses) os seguidores
perseguições - tanto de católicos
de Calvino em território inglês foram como de protestantes -, mas ainda
perseguidos. Muito disso foi causado influenciou denominações religiosas,
pelo surgimento de outra igreja: a An- tais como os quackers e os batistas,
glicana. Devido à aproximação do rei que reuniram dissidentes ingleses
com a burguesia, um forte movimento refugiados na Holanda, liderados por
de separação da Igreja Católica cresceu
John Smyth e Thomas Helwys.
no início do século XVI. Apesar da aju-
da inicial de Henrique VIII em frear o eEstado, liderado por Robert Browne,
desenvolúmento protestante, seu desejo eram os congregacionais separatistas,
de ter um sucessor homem o fez pro- sem relações com a igreja oficial.
curar mais de um casamento, gerando ração de um credo, entre os quais o Neste cenário de desenvolvimento do
uma rixa entre ele e o papa Clemente próprio John Knox. Ainda que o An- Puritanismo, o Anglicanismo perdeu
ViI, pois tal ideia iria contra os princí- glicanismo tivesse enfim progredido sua força após a chegada de Oliver
pios da Igreja Romana. Tendo controle em uma maior elaboração, um grupo Cromwell ao poder depois de uma guer-
sobre o Parlamento, forçou uma refor- interno ainda o considerava próximo ra civiÌ. No protetorado do congregacio-
ma religiosa, criando o Anglicanismo, demais da doutrina católica. Eram os nalista, os presbiterianos também foram
onde o rei seria a figura máxima da hie- puritanos, que seguiam a interpre- expulsos do Parlamento. Após a morte
rarquia (leia mais na página 20). tação de William Ames e William do ditador, foi retomado o regime mo-
Para o desenvolvimento do pensa- Perkins dos escritos de foão Calvino. nárquico e o sistema episcopal também
mento teológico da Igreja da Ingla- Mesmo entre os puritanos, ocorreram retornou. Da mesma forma, veio uma
terra, Eduardo VI, filho de Henrique divisões. Enquanto seguidores de Tho- perseguição religiosa que motivou a ida
VIII, foi persuadido pelo regente, Du- mas Cartwright, professor de Teologia dos puritanos para a América.
a
zo que de Somerset, a separar ainda mais na Universidade de Cambrigde, bus-
a religiào inglesa da romana, pois, na cavam uma aproximação ao Presbite-
o
o prâtica, havia pouca diferença. Des-
FONTE
rianismo, a ala que adotou as ideias de
Site operamundi.uol"com.br;
u tacaram-se assim Richard Hooker,
Õ Henry facob desenvolveu o Congre- Livros O Cristlanismo atrayés dos séculos - uma hístória
Matthew Parker e Thomas Cranmer. gacionalismo Puritano. fá um grupo da igreja crìstã, de Earle E. Cairns. Vida Nova, 1995;
= Vários teólogos auxiliaram a elabo- John Knox - o PatrÌarca do Prest)iteríanÌsmo, de Waldyr
que defendia a separação entre lgreja Carvalho Luz. Cultura Cristã. 2001
=

24 | MoMENToS on xlstónta REFoRMA PRoïESTANTE


Reforma Protestante "O trabalho do concílio, basicamente,
rapidamente se provou foi o de procurar dentro das tradições
uma ameaça para o católicas alternativas que pudessem
poder estabelecido da ser usadas para combater a crescente
Igreja Católica. Havia expansão do Protestantismo e reafir-
um risco de perder o controle insti- mar as bases da Igrejd', conta Guilher-
tuído sobre o continente euroPeu. me. "Foi dado destaque ao catecismo
Foi apenas quando o papa Paulo III como forma de fazer o Catolicismo
criou o Concílio de Trento, Porém, voltar a se expandir", completa.
que a Igreja estabeleceu uma estra-
tégia em resposta à criação do Pro- Ordens ÍeliEiosas
testantismo. "Era impossível manter A resposta ao Protestantismo não veio
a lgreja no mesmo rumo e esperar apenas dos mandatários da lgreja, mas
que o Protestantismo não tivesse su- também dos devotos, que começaram
plantado o Catolicismo. O papa e os a organizar novas ordens para â pro-
arcebispos precisaram responder com pagaçao da palavra católica. Foi nesse
medidas internas", explica Guilherme contexto que surgiram grupos como
Martins, professor de História. os monges capuchinhos, o Carmelitas
As acusaçóes feitas por Lutero e outros Descalços e os Barnabitas. Nenhuma
líderes protestantes ressoavam por se- ordem, entretanto, atraiu tanta atenção
rem verdadeiras: a Igreja Católica apre- einfluenciou tanto os acontecimentos
sentava problemas de corrupção dos posteriores quanto os |esuítas.
bispos e padres, com avenda de indul- Todas as ordens monásticas surgi-
gências e abusos financeiros há muito das na época tinham em comum
tempo em um nível preocupante. elementos como votos de pobreza
e preocupação para com os menos
O ConcÍlio de Trento afortunados, o que era divergente
A primeira medida do concílio foi do comportamento de acúmulo de
uma decisão sobre tentar ou não uma riquezas que algumas fraternidades
aproximação das correntes protestan- mais antigas apresentavam.
tes e tentar reintegrá-las ao Catolicis- Foi a Companhia de |esus, formada
mo, o que foi recusado. Contrariando pelos discípulos de São Inácio de
as doutrinas "rebeldes'] o grupo de Loyola, que se tornou uma ferramen-
bispos reafirmou diversos elementos ta mais fortè nas mãos da Igreja Ca-
renegados por eles que eram parte da tólica, até o ponto em que se tornou
Igreja Católica, como o sistema de sa- perigosa para a o controle da mesma
cramentos e as ordens religiosas. sobre o Catolicismo.
A doutrina da transubstanciação, base Com uma organízaçáo com base nas
do sacramento da eucaristia, foi refor- ordens de cavalaria e outros gru-
çada. A ideia é que o pão e o vinho se pos militares anteriores, os |esuítas
tornam realmente na carne e no san- tinham como principal intenção a
gue de Cristo, portando sua divinda- propagação do Catolicismo para os
de. Os protestantes, em sua maioria, povos ainda não cristianizados da
divergiam da ideia, pregando a pre- África, Ásia e Américas. Rapidamente
sença real da divindade no momento o grupo ganhou influência e poder
da eucaristia sem a necessidade de sobre a forma como a política era feita
afirmar a transformação. nas colônias.

26 | MoMENros DA HtsÌóRta REFoR|\4A PRoTESTANTE


lnquisição
A Igreja contava, antes mesmo da Refor-
ma Protestante, com um aparato de re-
pressão. A Inquisição formada na França
como forma de aterrorizar pessoas que
carregavam ideias religiosas divergentes,
logo passou a atacar mesmo os menores
exemplos de paganismo, como as bruxas.
'A chegada das reformas deram aos in-
quisidores ulna nova oportunidade de
voltar à sua antiga glórial explica Gui-
therme. A tensão política entre protes-
tantes e católicos estourava regularmen-
te na forma de conflitos e até guerras, o
que dava uma chance aos tribunais da
Inquisição para condenar pessoas.
'A Inquisição se espalhou pela Europa
em diferentes formas. Na Espanha e em
Portugal, sua função era principalmente
forçar a conversão de islâmicos e judeus
da Península lbérica, enquanto na Fran-
ça e em outras nações, aperseguição aos
protestantes era mais acentuada, princi-
palmente depois que a lgreja se aliou às
monarquias para a formação da iden,
tidade'l conta o professor de História.
A conexão da Igreja com as identidade
nacional espanhola, portuguesa, fran-
cesa e dos reinos que existiam onde
hoje está aItâliafoi essencial para im-
pedir que o Catolicismo fosse suplan-
tado nessas regiões. Com a morte do
rei Henrique VIII na Inglaterra, sua
filha e primeira herdeira, Maria I, ten-
tou fazer o mesmo no país e ïeverter a
reforma que gerou a Igreja Anglicana,
mas acabou derrotada e condenada
após perseguir de maneira tão violenta
os protestantes, ganhando o apelido
de Maria Saguinária (Bloody Mary).
"No fim, o Protestantismo moldou a
identidade do próprio Catolicismo,
transformando apostura da Igreja dian-
te da corrupção que a assolava, mas ge-
rando também respostas violentas que
se tornaram os grandes pecados come-
tidos peia religião i comenta Guilherme.

MOMENToS DA HISTóRIA REFoRI\4A PRoÏESTANTE I 27


Lutero pÍeglou as 95 Teses na O Galvinismo defende
porta da lgreja de Wittenberg? o lucro do capitalismo?
Mito. Apesar de você ter lido diversas vezes no Mito. Calvinistas acreditam que Deus predest!
decorrer desta edição sobre esse fato, segun- na pessoas para a salvação. Mesmo assim, nada é
do o historiador britânico Peter Marshall, não garantido e os fìéis devem seguir os princípios de
existem evidências concretas de que o monge serem bons cristãos, trabalhar muito e caminhar
agostiniano tenha feito isso e nada escreveu so- orientados pelos valores bíblicos.
bre esse ato nos anos seguintes. Naverdade, em A relação com o capitalismo nasceu a partir do
31 de outubro de 1512 Lutero enviou suas teses desenvolvimento econômico já que os religiosos
às autoridades eclesiásticas, como amigos do enxergavam o trabalho como umavocação divi-
meio catóÌico e o arcebispo Alberto de Mainz. na e o sucesso posterior, um sinal de predestina-
Então, é provável que alguns de seus destinatá- ção. No entanto, não existem indícios a favor da
rios tenham sido os responsáveis por mandar avaÍezaou grande busca por lucros. Muito pelo
imprimir seu texto e divulgá-lo amplamente. contrário, Calvino afirmava que a riqueza não
tinha razão se não para ajudar os que necessita-
Martinho eÍa antissemita? vam, logo, os frutos colhidos só seriam dignos
Talvez. A princípio, em1523, ele publica/esas se utilizados para auxiliar o próximo.
Nasceu ludeu, em que se afasta do antijudaís-
mo da época. Porém,20 anos depois, em um O termo "protestante" não
novo texto, ressalta o ódio sobre esse povo, foi inventado poÍ Lutero?
defende a queima de sinagogas, a segregação Yerdade. A palavra - que significa "decla-
e até mesmo a expulsão. No entanto, alguns ração pública" ou "protesto" - surgiu como
historiadores não o consideram como antisse- referência a uma carta de seis príncipes lu-
mita, pois não enxergam conotação racial em teranos enviada ao imperador Carlos V. Este
seus escritos* apesar de usar um tom violento havia anulado a tolerância religiosa concedi-
ao tratar do tema. O que possivelmente o ir- da aos principados alemães como forma de
ritava era não conseguir converter os judeus reprimir a reforma da Igreja Católica iniciada
e fazê-los acreditar em suas ideias. por Martinho Lutero. No entanto, o termo só
Mesmo assim, Lutero se tornou símbolo do na- foi usado posteriormente para caracterizar
cionalismo germânico e seus escritos inspiraram os contrários à principal instituição religio-
o progïama nazista nos séculos posteriores. O sa do período. Hoje em dia, também serve
episódio da Noite dos Cristais, de 1938, foi jus- como denominação para os cristãos que não
tificada como uma homenagem ao monge. fazem parte da Igreja Católica, Ortodoxa e
Ortodoxa Oriental.
Lutero eÍa maçom?
Mito. Nada comprova que ele tenha feito par- João Galvino eÍa padre?
te da Maçonaria. O questionamento é comum Mito. Ele nunca foi ordenado sacerdote, con-
porque as pessoas costumavam comparar os tudo, a confusão se dá porque, após se afastar
itens de seu selo com o símbolo da Ordem da Igreja Católica e começar a criticá-la, pas-
Rosacruz, já que são semelhantes. Conhecida sou a ser convidado para realizar pregações
também como Rosa de Lutero, significa um em igrejas e, assim, ficou reconhecido como
caminho ao coração de Deus. A cruz,ao centro, padre. Quando jovem, desenvolveu interesse
a
U lembra a prisão, a condenação e crucificação de pela Teologia e cogitava a possibilidade de se
|esus. O vermelho é sinal de sangue, paixão e tornar um sacerdote, mas o pai o convenceu a
=
F amor, e a rosa branca transmite a ideia do amor estudar Direito. Contudo, o irmão mais velho
F
u
(, de Deus que promoveria a paz na Humanidade. de Calvino - Charles - tornou-se padre.

MOMENÌOS DA HISÌORIA REFORI\4A PROTESIANTE I 29


t-

Frutc
Lutero não criou apenas uma
nova religião: seus ensinamentos
inspi ra ra m diversas personalidades
históricas e são visíveis até hoje

TEXTO E ENTREVISTAS
KARt NA ALONSO/COLABORADORA
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

o redigir as 95 Têses e enviálas


ao arcebispo Alberto de Mainz,
Lutero talvez não tivesse ideia do
movimento que estava inician-
do. Além de abalar o poder da
até então hegemônica Igreja Católica, sua dou-
trina influenciou mudanças que deram início à
Era Moderna e, atualmente, estão presentes em
diferentes áreas da sociedade, como na educação,
na cidadania e na luta pelos direitos humanos.

Estado laico
Conforme algreja Católica foi perdendo os
poderes ideológico e político, outras institui-
ções se fortaleceram. Com o surgimento dos
Estados, ainda havia um vínculo com o Cato-
licismo como religião, mas os monarcas repre-
U)
U sentavam a autoridade máxima do governo.
Segundo Sérgio Luiz Martins, professor de
F
F
U
História do Colégio Marista Arquidiocesa-
(J
no, é nesse momento histórico que surgem
z
CÍ)
os Estados Nacionais, caracterizados pelo ab-
o
t
co
solutismo. Apesar de os reis absolutistas rei-
vindicarem o direito de governar como algo
(J
U
F
dado por Deus e serem coroados e ungidos
o
=
m
pelo representante do poder máximo da lgreja
co
Católica, a influência da instituição religiosa
U
ô ficou no campo espiritual.

30 I MoMENTos DA HISTóRIA REÉoRMA PRoTESTANTE


)s daRefor
Demoeracia Além deles, muitos outros fizeram o mesmo trajeto, iniciaram a
"O homem da Reforma é um indivíduo do- colonizaçáo dos Estados Unidos e contribuíram para o ideal de demo-
tado de uma consciência individual, um ser cracia que estava surgindo. Segundo Raquel, estas manifestações ti-
autônomo e livre", escreve Raquel Polainas na nham "as sementes dos conceitos americanos de igualdade e liberdade,
monografia A Reforma Protestante e o Pensa- conceitos que revelam alguma singularidade em contexto americano
mento Democrático Americano: A Individuali- e que encontram as suas raízes na doutrina do sacerdócio universal
zaçao da Fé e a Emancipaçao do Indivíduo na da Reforma Protestante".
Viabilização da Democracia. Foicom esta nova
percepção que um grupo de cristãos reforma- Educação
dos, chamados "peregrinos", desembatcaram Com o fim da hegemonia dalgreja Católica sobre a educação e a
em continente americano, em 1620. impressão de livros, aumenta a procura por conhecimento e por meios
William Bradford, líder da expedição, es- formais de instrução, como escolas e universidades. A mudança se alia
creveu o Mayflower Compact, estabelecendo ao racionalismo moderno que, segundo Sérgio Luiz Martins, pregava
um acordo segundo o qual os colonos con- a capacidade humana de compreender o mundo e explicá-lo por meio
cordavam em criar um governo e obedecer da racionalidade. No Brasil do século XIX, foram inseridas diversas
às regras estabelecidas. "Este contrato social instituiçÕes de ensino protestantes, algumas de iniciativas autônomas,
viria mais tarde a ganhar grande expressão, no como de Robert e Sara Kalley, e outras mantidas por denominações
âmbito das ideias políticas, nos trabalhos de estrangeiras, como os batistas, presbiterianos e metodistas. De acordo
Thomas Hobbes e |ohn Locke e é frequente- com Esdras Cordeiro Chavante, doutorando em História pela Uni-
mente referido como a primeira Constituição versidade Estadual Paulista |úlio de Mesquita FiÌho (UNESp), essas
da América", explica Raquel. entidades mantinham projetos educacionais em suas estratégias de
De caráter político, o texto antecipa valores consolidação e expansão e ainda hoje possuem forte atuação no mer-
que viriam a ser encontrados na República cado educacional.
Democrática Americana, além de ter como
objetivo proporcionar a liberdade social, re-
CONSULTORIAS
ligiosa e econômica paru a comunidade, nâo
Direitos humanos Esdras Cotdeiío Chavante,
excluindo a possibilidade de punição para doutorando em História
A garantia de uma vida digna a todas as pela Universidade Estadual
quem não seguisse as leis e os magistrados. Paulista Júlio de l\4esquita
pessoas também fez parte dos desdobra- Filho (UNESP);
Outro documento importante para as raí-
mentos da Reforma Protestante, com a rei- Sórgio Luiz MaÌtins,
zes da democracia da América foi escrito por professor de História
vindicação e o reconhecimento da liberdade do Colégio Marista
|ohn Winthrop. No discurso que pregava so- Arquidrocesano, de São
de crenças e cultos nos países europeus, Paulo
bre a caridade cristã, o peregrino salienta a
no final do século XVl. FONTE
necessidade de criar uma comunidade coesa
Esdras lembra que mais recentemente, no Monografra A Reforma
e dâvoz ao que viria a ser chamado de sonho Protestante e o Pensamento
século XX, houve relevantes ações de pro- Democráti co Ame ríca no:
americano. Posteriormente, seus ideais seriam A IndívÌdualização da
testantes pela justiça social e direitos hu- FéeaEmancipaçãoclo
utilizados por Martin Luther King |r., em sua lndÌvíduo na Viabilízação da
manos, como Nelson Mandela e Desmond Democracia, da proíessora
famosa manifestação sobre o princípio da to-
ïutu contra o apartheid. Raquel de Abreu Freire
lerância inter-racial- Vargues Polainas.

MoMENToS DA HtsróRta REFoRMA pRorEsrANTE I 31


Ír@

C aflna
o TEXTO E PESQUISA ERICA AGUIAR
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

m 1504, Hans von Bora deixou a


filha Catarina, de apenas cinco

von Bota
anos, em um convento beneditino.
Sua esposa havia falecido e ele havia
I

I acabado de se casar com umaviúva


I

que tambémtinha filhos. Assim, levar amenina a


um internato era uma solução prática e econômi-
Nascida na Alemanha, a companheira de Martinho Lutero ca. Catarina, que vinha do campo e também tinha
foi uma figura notável no progresso da Reforma Protestante outros irmãos, dentro de poucos anos, se viu órfã
também do pai e precisou ficar em Brehna, na
Alemanha, onde o convento estava estabelecido.

t
I
lnfância
A esperança era a de que a menina se tornasse
uma madre superior e tivesse uma vida melhor.
No século XVI, ser mulher não era uma tarefa
fácil, pois, fora do internato, estaria sujeita a um
casamento arranjado, à morte recente no parto,
alem de adquirir doenças com mais facilidade.
A
"Tendo acabado de completar dez anos, a
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garotinha deu adeus às suas colegas de escola
,..

rì e amigas e partiu com estranhos para viver em


o
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.l'$ um novo lar. Sem dúvida, ela tinha sido infor-
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ô mada de que seu pai tinha arranjado sua reloca-
o
É.
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t ção para Marienthron, um conyento cistercien-
u se em Nimbschen. Quando ela chegou, deve ter
a
z.
o imediatamente percebido que sua qualidade
o de vida tinha decaído muito. O convento era
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menor e tinha menos conforto. A moradia, as
ô
U
refeições e o conjunto de livros não faziamfren-
= te ao complexo beneditino bem equipado em
=
ú; Brehna, que conhecia tão bem", escreve Ruth A.
U
(5
Tucker no livro A primeira-dama da reforma:
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F a extraordinaria vida de Catarina von Bora.
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No convento, aprendeu latim e música, e
F
o também prestou votos como freira. Bora foi
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J ,1,.,;,:::r
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l um dos membros do clero a ter contato com
z .,r,. ,,.f- ï
U as 95 Teses de Lutero, publicadas em 1517. Fo-
F ':t''iiil
o
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J ram as suas ideias que estimularam ela e outras
=
u freiras a arquitetarem uma fuga em 1523, com
U u i \,.i., òn / . r:,. tt, i t'21,,,.,,t, .'aà,u . lt ,.Ì ,,rÌ', n,;r;,.. íì,./,a1,

o apoio de religiosos próximos ao teólogo. Pos-


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q, ,ìlll,lfl lll rl uütÌ :$srf. -'1L
teriormente, esses mesmos homens ajudaram a
t buscar pretendentes para as solteiras de modo
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Í a "disfarçar" a evasão do convento.

32 I MoMENToS DA HISTÓRIA REFORIVIA PROTESTANTE


Outras figuras
Margailda de Navarra: ficou conhe-
cida por atuar diretamente na Refor-
ma como escritora e defensora das
doutrinas. Era irmã do rei Francisco
I da França e acolheu em seu reino
o reformador francês João Calvino.
Apoiou a realização das cerimônias
religiosas na língua do país - não mais
o latim - e o fim do celÌbato do clero.
Katherine Zell: ajudou a estabelecer
a Reforma Protestante na comuna de
Estrasburgo, na França. Abrigou refu-
giados de conflitos, tornou-se prega-
dora e escreveu obras questionando
as dualidades teológicas do perÍodo.
Renée de França: filha do rei fran-
cês Luís Xll, também ficou conheci,
da como Renata. lnfluenciada pela
própria tia, recebeu diversos nobres
e escritores em sua residência que
a inclinaram a favor da Reforma Pro-
testante. Seus hábitos irritaram a
lnquisicão e ela foi embora da Pe-
nÍnsula ltálica, deixando as novas
crenÇas religiosas para trás.

Contam os relatos da épocas que Catarina guidos por defender as ideias luteranas. Bora
seapaixonou por um "vigarista" que a abando, era responsável pelas finanças e participava de
nou posteriormente. E, como já não encontrava algumas discussões, conforme é possível ver
mais pretendentes - diferente das outras freiras nos textos de Lutero e seus alunos. Ela não era
- casou-se como Lutero em1525. Na época, ele uma mulher submissa, mas forte e ousada. Agiu
jâhaviasido excomungado, mas mesmo assim, como fazendeira e fabricante de cerveja em
o casamento da ex-freira com o ex-padre não uma pensão, mesmo com uma família grande
era bem visto pela sociedade. Para alguns estu- e a responsabilidade de cuidar dos filhos.
diosos, o matrimônio significou uma das mu- Sua rotina cheia de tarefas era mal vista por
danças importantes na reforma: a liberação do pessoas próximas ao marido, já que a preocupação
casamento de líderes religiosos, mas, segundo era considerada um pecado entre os protestantes. FONTE

muitos, não existia amor entre os dois. Livto A primeira-dama da


Catarina faleceu em 1552, seis anos após seu reforma: a extraordinárÌa vída de
marido, depois de deixar Wittenberg diversas Catarina von Bora, de Ruth A.
Tucker (Editora Thomas Nelson
Rotina vezes devido às guerras, doenças e dificuldades Brasil);

funtos, tiveram seis filhos. E a casa dos financeiras. O final de sua vida não foi fácil, Resenha Uma Mulher e Um
Sobrenorne //ustre: a "PrímeÌra-
dois, em Wittenberg, na Alemanha, também desamparada financeiramente, perdeu a tutela Dama" da Reforma, Calarina
Von Bora (Lutero), publicada na
servia como abrigo a cristãos que eram perse- dos filhos, parte de seus bens e chegou a falir. Revista Especialidades.

MoMENïos DA HtsróRtA REFoR|\4A PRoTESTANTË | 33


Além dos
livros
FITMES
didáticos SERIE LIVRO

A outra The Tudors As Guerras Gamponesas


Ano: 2008 Ano:2007 -2OtO Autor: Friedrich Engels
Classificação indicativa: 1-4 anos Classificação indicativa: anos 1_8 Editora: Martins Fontes
A trama do filme gira em torno das A série televisiva inspirada na Di- Ano: 1975
irmás Anne, interpretada por Natalie nastia Tudor retrata os primeiros Esta obra representa a base para a inter-
Portman, e Mary, vivida por Scarlett anos do tumultuado reinado inglês pretação sobre o materialismo histórico da
|ohansson. Convencidas de que deve- de HenriqueVIII, interpretado por Reforma Protestante. O teórico socialista
riam conquistar o coração do monarca |onathan Rhys Meyers. A trama é trata sobre conceitos católicos, luteranos e
paratrazer status para a família, partem repleta de paixões, intrigas e dispu- anabatistas, como representações das lutas
para a corte inglesa, onde começam a tas políticas. de classe presentes na sociedade da época.
disputa. Mary é aprimeira a conquistar
o reiHenry Tudor,representado por Eric DOCUMENTÁRP
Bana, mas suagtavideznão faz com que
Anne desistade seu objetivo. Martin Luther: The Idea that Ghanged the World
Ano:2OL7
Lutero Classificação indicativa: l-2 anos
Ano: 2003 O documentário aborda, de forma leve, alguns dos aspectos davida de Martinho
Classificação indicatíva: 14 anos Lutero e os impactos de suas teses, tanto na sociedade da época quanto atualmente.
Interpretado por |oseph Fiennes, Mar-
tim Lutero sofre um acidente e acredita
ter recebido um chamado. Aflito com
as práticas adotadas pela lgreja Católi-
ca, expõe suas 95 teses em um templo
cristão e passa a ser perseguido. Lutero
é pressionado e excomungado do Cato,

licismo, mas se recusa a negar seu posi-


cionamento e inicia uma batalha para
pregar seus ideais.

Editora-chefeVivianeCampos EditoraCarolinãFirmíno RedaçãoÉricaAguiareÉrikaAlfaro DesignAnaPaulaMaldonadoEstagiáriosLídiapardini(design) Tratamentodri


imagem Edson lukawa (Editor especial) Colaboradores Fabio Toìedo, Karina Alonso e Rafael Gu'marães (redação) supo.te otávio Mattiazo Neto
{crjaçãte desenvolvimenic
deproduto),AlexandreÀ4artinsdoCarmo(TecnologiaerevisãogÍáfica) lmpressãoGRAFILARGTáfica

Presidente Almeida Diretor Executivo Pedío José Chiquito Gerente Editorial À.4ara De Santi Êndereços BAURU Rua Gustavo Maciel, I 9-26, CEp I 701 2-l I 0, Bauru
.João Carl05 de

3 1, Conj. 2 j e 22, Bloco A, CEp 04548-904, Vita Olímpia, Sác


5P caixa Postal 471, cEP
1 701 5-970, 8auru, 5P Fone (1 4) 3235-3878, Fax (l 4) 3235-3879 SÃo PAULO Rua Ìenerife, No

Paulo, Sg Fone/Fax 3048-2900 Atendimento ao leitor (14) 3235-3885 De segunda a sexta, das 8h às 18h E-maìl [email protected] caixa postal 47't, cEp 1701s
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