Cópia de @perigosasnacionais Ei, Voce! - J.F. LEMOS

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Ei, Você!
ELA PRECISAVA DELE, MAS NÃO SABIA.

ELE A DESEJAVA, MAS RELUTAVA.

J. F. Lemos

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Ao meu amor, sem o qual este projeto teria


sido finalizado muito antes. Você é a luz da
minha existência.
Jamais quero viver esta vida sem você ao meu
lado.
Afinal, se não for para amar loucamente,
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prefiro não amar.

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PRÓLOGO

— POR FAVOR, PARE! — peço com a


garganta arranhada de tanto gritar.

Meu pai me encara, em pé, à minha frente. Suas


narinas alargadas não escondiam sua irritação.
— Você estará desperdiçando sua vida indo atrás
disso — afirma, com a voz alta.
Pela sua postura reta, era notável a tensão que
percorria todo o seu corpo. Os vincos ao redor de
seus olhos esbugalhados, os lábios comprimidos em
uma linha fina, os punhos cerrados, que pendiam ao
lado de seus quadris, ondulavam de raiva contida,
conforme ele contraía os músculos de seu braço
repetidamente.
Eu tento explicar mais uma vez.
— Você acha que eu não tentei te agradar? —
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pergunto retórica. — Foi o que mais tentei durante


toda minha vida. Entretanto, não consigo mais
insistir nisso. Sempre foi o seu sonho, não o meu
— repito já exausta, sentindo como se alfinetes
estivessem penetrando meu crânio.
Pensei que pedir desculpas pela décima vez
suavizaria nossa conversa, mas eu deveria saber
melhor. Quando meu pai entrava neste estado
profundo de raiva, ele não ouvia ninguém: nem a
mim, nem a minha mãe, parada a poucos passos de
nós. Ele não ouvia nem sua própria razão.
Tomada pela coragem, continuo.
— Já fiz minha inscrição, estou decidida. Não
tenho mais a motivação que tinha antes para
acordar de manhã e passar pelas portas da Saint-
Jones. Me sinto sem ar só de pensar em fazer isso
novamente.
— Não — retruca ele imediatamente — Não vou
aceitar isso, Anna!
Cambaleio para trás, como se um golpe tivesse
me atingido no estômago. Se bem que, talvez, neste
momento seja o meu coração que esteja precisando
de reparos. Sinto meus olhos queimando pelas
lágrimas contidas.
— Pai, por que é tão difícil entender o que estou
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tentando te falar? Te pedir? Não estou fazendo isso


para te magoar, estou fazendo isso por mim, pela
primeira vez, estou tomando o controle da minha
vida e das minhas escolhas.
Ele bufa e balança a cabeça em discordância,
imediata.
O único barulho no ambiente era o soar dos meus
passos no piso de madeira, conforme eu me
aproximava e parava em sua frente. Seus olhos
estavam vermelhos. Sei que este não é o momento
para insistir, sei que ele está prestes a explodir, mas
é a primeira vez que não darei o braço a torcer, que
não me curvarei à sua vontade, como sempre fiz.
Estendo minha mão e toco em seu braço. Ele
estremece com o contato, assim como eu.
— Pai, por favor — peço a ele, buscando e
encontrando seu olhar. Coloco toda a gentileza
nestas palavras, implorando por sua compreensão.
Ele respira fundo, antes de desviar o olhar para
minha mãe, que nos observa a uma distância
segura, e, depois de um tempo, ele se volta para
mim. Não vejo bondade em seus olhos, quando
recua um passo, e meu braço pende no ar.
Sei que fracassei, antes mesmo dele abrir a boca.
— Não consigo mais lidar com esta merda.
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Elizabeth, converse com sua filha. Estou atrasado


para uma reunião — avisa e me dá as costas.
Fico estática e sem respostas. Em seguida, escuto
um estrondo quando ele bate a porta ao deixar o
apartamento. Meu pai sempre foi expert em
conversar somente sobre o que lhe era conveniente.
Se eu desejasse sua atenção, eu a ganharia, claro, se
o assunto lhe agradasse, ou se minha opinião
condissesse com a dele. Isso tudo, nos breves cinco
minutos em que eu teria sua atenção, porque com
qualquer assunto longo demais, detalhado demais,
enfeitado demais, eu a perderia. Sempre objetivo.
Curto e grosso. Se eu não concordasse... — respiro
fundo. — Bom, isso nunca havia acontecido até
hoje. Ele sempre foi enérgico, porém, nunca o vi
tão transtornado, pelo menos não diretamente
comigo.
Minha mãe, ainda presente na sala, não aparenta
estar muito melhor do que eu. Por um minuto,
acredito que virá me abraçar, me consolar, me dizer
que tudo ficará bem. Que meu pai é difícil, mas que
me ama. Que ele precisa de tempo para entender
tudo que foi dito hoje. Ou que ela me compreende,
e, que indiferente o caminho que escolher
percorrer, ela apoia minha decisão.
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Porém, quando ela se aproxima de mim, nada


disso acontece. Me dá um leve aperto nos ombros,
que quase não sinto por causa de suas mãos
pequenas. Seus olhos estão em mim, mas não me
veem. Ela não sabe lidar com a angústia que me
toma e com o sofrimento que está estampado em
meu rosto. Então, não me surpreendo quando ela
abaixa a cabeça e sai andando em direção às
escadas que levam ao seu quarto, me deixando
sozinha com a confusão de sentimentos que me
avassala.
Ela nem precisava me dizer em palavras. Eu só
queria que ela me envolvesse em seus braços e me
deixasse desmoronar contra seu peito, que me
confortasse com o seu calor, assim, eu não me
sentiria sozinha. Ou pior, não me sentiria um nada.
Meus lábios tremem, minhas mãos tremem, meu
corpo todo treme quando eu abro mão do controle e
deixo a emoção vir à tona. Desiludida, me vejo
sentada no chão, puxando minhas pernas de
encontro ao peito. Envolvo-as com meus braços,
enquanto me impulsiono para frente e para trás,
embalando-me como eu fazia quando criança,
sozinha no chão do meu quarto, após ser
repreendida por alguma coisa que eu havia feito.
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Sinto as lágrimas, que eu estava contendo,


escorrerem pelo meu rosto e caírem em meus
braços.
E eu as deixo cair, as deixo cair.

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UM

ACORDO NA ESCURIDÃO, COM UM


GRITO NA GARGANTA. Me sento, deixando os
lençóis emaranhados escorregarem ao meu redor.
Minha respiração saía em arquejos ásperos,
difíceis. Seco o rosto com a colcha e descanso a
cabeça sobre os joelhos dobrados. Ainda sonolenta,
tateio o criado-mudo, até alcançar meu celular e,
através das fendas dos meus olhos, vejo que são
cinco da manhã.
Mais uma noite interrompida.
Respiro profundamente e volto a me deitar
embaixo dos lençóis, fechando os olhos. Os
músculos tensos das costas e das pernas não
permitiam que eu esticasse meu corpo.
Deixo escapar um suspiro trêmulo.
As imagens do dia que mudou minha vida ainda
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estão gravadas em minha memória.


Droga.
Sempre o mesmo sonho.
Sinto movimentos na colcha, seguido por
lambidas em meu braço e abro um meio sorriso,
puxando Fúria para perto do meu peito e
começando a acariciar sua barriga. Minha pequena
maltês de um quilo e meio sempre me animava.
Após alguns minutos, mais calma, consigo
levantar e decido começar a me arrumar para o
trabalho. Vou ao banheiro e depois me visto com
minha roupa habitual, calça jeans skinny azul, blusa
branca de manga curta e uma sapatilha. Pego meu
lenço de cabelo no armário e o coloco na mochila.
Depois, prendo meu longo cabelo loiro em uma
trança grossa e solta, e vou para a cozinha,
bocejando.
Há um ano divido um apartamento no Brooklyn
com Igor, meu melhor amigo e colega de trabalho.
O imóvel é apertado. Tem dois quartos, um
banheiro, cozinha com lavanderia e uma pequena
sala. Na cozinha, ligo a cafeteira, coloco café e me
acomodo em uma das banquetas, apoiando os
cotovelos na bancada que faz divisória com a sala,
esperando o café ser passado. Pela janela, vejo que
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ainda está escuro.


Nosso apartamento é no último andar de um
antigo prédio industrial de arenito localizado em
uma rua de paralelepípedos. Quando nos mudamos
para cá, estava inabitável. O dono do prédio dividiu
o lugar em pequenos apartamentos, e os
interessados tinham que estar desesperados para
alugar, o que era nossa situação. Precisávamos nos
mudar o quanto antes, e, como Igor ainda pagava
seus empréstimos estudantis, não tinha reservas. Eu
me ofereci para pagar o aluguel sozinha com as
minhas economias. Ele recusou. No final, fizemos
as contas e concluímos que teríamos o suficiente
para nos manter.
Quando viemos conhecer o lugar, foi realmente
desanimador. O gesso estava esburacado, havia
mofo nas paredes e manchas no piso. Eu estava
decidida a recusar, e pela cara de Igor, ele
concordava comigo, enquanto acompanhava o
corretor de imóveis em direção aos quartos. O
cheiro forte me obrigou a ir em direção às janelas.
Ao puxar as cortinas, o pó do tecido me fez tossir
tanto que senti lágrimas nos olhos. Tateando o
vidro à minha frente, encontrei um puxador e o
empurrei com força desesperada por um pouco de
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ar. Logo, senti o vento bater em meu rosto e pude


respirar tranquilamente. Bem devagar, abri minhas
pálpebras. Ao piscar tive a sensação de que havia
areia em meus olhos, mas os mantive abertos,
desfrutando da minha descoberta. Eu não havia
aberto uma janela, mas sim uma porta; logo à
minha frente, estava um grande terraço de madeira.
Avancei com cuidado até a beirada. Olhando ao
redor, enxergava prédios e, atrás deles, outros ainda
mais altos. Mais ao longe, como em uma pintura,
estavam os arcos da ponte do Brooklyn com seus
enormes e longos cabos de sustentação. A vista era
de tirar o fôlego. Eu soube naquele instante que
queria ficar com o lugar. Ao ouvir o suspiro de Igor
ao meu lado, tive a certeza de que ele concordava
comigo. Foram dias e noites trabalhando com meu
amigo, para transformar o apartamento. Pintamos
as paredes em amarelo-queimado e vermelho-
escuro, lixamos o piso e compramos os móveis.
Agora, olhando para nossa sala, vejo um sofá
vermelho-vinho de dois lugares e almofadas da
mesma cor, duas poltronas bege, posicionadas em
frente a uma pequena janela com cortinas off-white,
uma mesa de centro baixa e uma estante de livros
de madeira escura com uma televisão no centro.
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Nossa cozinha em L é modesta, com armários


aéreos e terrestres de madeira, um fogão e uma
geladeira. Todo o apartamento é simples, mas
confortável. Nossos quartos também seguem esse
padrão: somente o necessário, uma cama, dois
criados-mudos, uma penteadeira, uma escrivaninha
e um armário.
Perdida em pensamentos, me assusto ao ouvir a
máquina de café apitar. Sirvo uma xícara e me
dirijo ao banheiro. Paro na frente da porta
entreaberta do quarto de Igor e a empurro com
cuidado. Como eu suspeitava, está vazio. Ele deve
ter passado a noite fora novamente, pois sua cama
continua igual a ontem à noite, que continua igual à
noite anterior a esta.
Bebo um gole e outro do líquido escuro que tanto
amo, enquanto faço uma maquiagem simples.
Cinco minutos depois, estou pronta para sair. Vou
até a minha cama e me despeço de Fúria, que, por
incrível que pareça, continua na mesma posição em
que a deixei poucos minutos atrás, dormindo de
barriga para cima, a cabeça levemente inclinada e a
língua entre os dentes. Ela sempre deixa a língua
entre os dentes e eu amo isso nela. Faço um pouco
de carinho na sua barriga, coloco comida e água
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para ela no comedouro na sala, e deixo o


apartamento.
No depósito do prédio, busco minha bicicleta,
visto o capacete e saio para rua. São quase seis da
manhã e o dia está amanhecendo ao longe. Estamos
no final de maio, a paisagem está colorida, e as
ruas, floridas. É minha época favorita do ano,
quando a primavera abre as portas para o verão.
Sinto o perfume das flores e vejo a cor viva das
plantas, como se estivessem comemorando sua
libertação após todos os meses de privação que
tiveram nos longos meses de inverno.
Começo a pedalar em direção ao bairro Chelsea.
Trabalho na Lilly’s Bakery há dois anos. No
primeiro ano, durante só um turno, já que eu estava
dividindo meu tempo entre o trabalho e a faculdade
de gastronomia. O lugar virou um tipo de refúgio,
me acolheu, me ensinou e deixou mais forte. Chego
a perder a noção das horas quando estou
misturando, amassando, temperando e assando uma
receita atrás da outra ao longo do dia.
Enquanto pedalo, minha mente vaga novamente
para o meu sonho e para os meus pais. Tento achar
algum motivo para eu ter recorrentemente o mesmo
sonho nos últimos anos.
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Argh! Eu já deveria ter superado isso.


Próximo ao meu aniversário de vinte e quatro
anos, minha avó me deu de presente minha
inscrição na Culinary Institute of America, umas
das melhores escolas de culinária de Manhattan e
dos Estados Unidos. Ao fazer esta escolha,
abandonei meu emprego no escritório de advocacia
da família, o Saint-Jones Dispute Resolution
Services, e troquei uma vida de conforto e luxo por
uma completamente diferente. Hoje, percebo que
talvez esta minha decisão tenha sido o maior
desapontamento dos meus pais. Desde então, criou-
se um abismo tão grande em nosso relacionamento
que, até hoje, não conseguimos superá-lo.
Quando chego à ponte do Brooklyn, paro um
instante para observar a paisagem. Ao fundo, o céu
começava a clarear, em tons de laranja e amarelo,
expandindo-se na imensidão de azul. O sol surge,
ainda tímido, entre as nuvens, iluminando os
prédios altos da cidade com feixes de luz. Do outro
lado da ponte, os arranha-céus de Manhattan quase
tocam as nuvens com suas estruturas de aço e
vidros cintilantes. Sob a claridade matinal,
competiam por seu lugar ao sol.
Volto a pedalar e chego ao trabalho pouco antes
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das seis e meia. Ao entrar pelo portão lateral dos


funcionários, percebo que Lilly já estava aqui.
— Bom dia, Lilly — eu a cumprimento
rapidamente, enquanto caminho para o bicicletário
nos fundos.
— Bom dia, Anna — responde ela.
Guardo minhas coisas no armário, retiro meu
capacete, visto meu avental e acessórios de trabalho
e vou para a cozinha, amarrando meu lenço
amarelo e o prendendo à cabeça.
O cheiro no ambiente já está delicioso, como em
todas as manhãs.
— Acordou cedo novamente, o que teremos
hoje? — pergunto parando à sua frente, do outro
lado da mesa.
A cozinha é enorme. Em estilo industrial, de
madeira e aço, e paredes de tijolos avermelhados.
Com três fornos, dois fogões, dois lava-louças, uma
mesa grande central, com panelas e frigideiras de
aço que pendiam do teto e vários armários.
Lilly levanta seus olhos gentis para mim.
— No forno estão assando alguns pães doces
com açúcar gratinado, e agora estou finalizando
algumas tiras de queijo parmesão e orégano — me
responde, abrindo a massa com um rolo.
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— Ótimo. No que posso ajudar?


Ela corta as tiras com precisão e as salpica com
orégano. Depois, retira as luvas.
— Preciso que faça alguns cookies e tortas para
colocarmos no balcão; o restante está bem
abastecido — diz levando a massa ao forno. — Já
terminei aqui, vou rapidinho tomar um banho e
volto em seguida.
Ela se vira e caminha em direção à escada que
leva ao seu apartamento, no andar de cima da
confeitaria. Lilly tem trinta e cinco anos, é uma
morena de estatura mediana, bronzeada, de porte
atlético. Seu cabelo geralmente está preso em um
coque, com uma franja emoldurando seus olhos
azuis. Dedicou sua vida à gastronomia. Ela foi uma
de minhas professoras na universidade. Além de ser
uma grande chefe, é uma grande conselheira e
amiga, que sempre me deu muitas oportunidades e
me incentivou quando eu precisava de um
empurrãozinho extra.
Coloco meus fones de ouvido e começo a
preparar as receitas ao som de I remember you, do
Skid Row. Sou de fato enlouquecida por rock
antigo, como Led Zeppelin, AC/DC e Eagles. Estou
finalizando a decoração de uma das tortas, quando
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sinto alguém me abraçar por trás. Me sobressalto,


deixando cair um pouco da cobertura no chão.
Ao me virar, me deparo com um par de olhos
azuis que conheço muito bem.
— Quer me matar de susto, Igor. — falo, tirando
meus fones de ouvido e me agachando para limpar
a sujeira.
— Você estava tão linda concentrada que não
resisti, baby — Igor me responde com um sorriso
presunçoso no rosto.
Ele se abaixa para me ajudar e eu me aproveito
para importuná-lo.
— Duas noites seguidas sem dormir em casa.
Deve ser alguém muito especial.
— Ou, quem sabe, sejam duas pessoas muito
especiais — retruca, entrando na brincadeira.
Paro o que estou fazendo e o encaro. Igor faz o
mesmo. Vejo um lampejo de bom humor iluminar
seus olhos, quando, em sintonia, começamos a rir.
Balanço a cabeça.
— Você não tem jeito. Tenho pena da mulher
que for te colocar na vida digna, ela vai ter muito
trabalho.
Me levanto juntando os panos sujos e em seguida
os levo à lavanderia.
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— Vou me trocar e te ajudo — responde Igor,


indo para os fundos.
De todos os meus colegas da gastronomia,
aquele do qual mais me aproximei foi Igor. Ele é
sobrinho de Lilly e, se não tivesse um talento fora
do comum para massas, salgados e carnes, poderia
facilmente ser modelo. Tem a mesma idade que eu,
vinte e seis anos, acredito que um metro e noventa
e cinco de altura, distribuídos em um corpo magro
e definido. Seu rosto é quadrado, com maxilar
marcado, um sorriso que facilmente abaixa várias
calcinhas, sobrancelhas grossas e uma boca com
lábios cheios. Seu cabelo loiro vai até a altura dos
ombros, e, no momento, eu o vejo prendendo-o
com uma borrachinha e o cobrindo com seu lenço
preto usual. Alguns fios se desprendem do nó e
caem soltos no seu rosto, o que, na minha opinião,
o deixa ainda mais bonito.
Igor era um gato, mas o que tinha de beleza
tinha de safado.
Termino de decorar a torta e começo a abastecer
o balcão. Ligo a máquina de café, confiro tudo e
me certifico de que estamos prontos para mais um
dia.
— Já comeu alguma coisa hoje? — pergunta
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Igor, vindo da cozinha.


— Não.
— Ainda sem apetite?
— Sim — respondo, pesadamente. — Não sei se
são os pesadelos ou se estou pegando alguma
virose.
Sento-me na cadeira atrás do caixa. Igor para em
minha frente.
— Às vezes, eu acordo com o som da sua voz na
madrugada. Havia melhorado durante um tempo,
mas tenho escutado com mais frequência nas
últimas semanas — ele ergue meu queixo para eu
encarar seu olhar preocupado — não leve isso
como ofensa, mas você está com uma péssima
aparência. Talvez deva ir ao médico só para ter
certeza que não é nada.
Ele tem razão. Cada manhã acordo com olheiras
mais profundas, e meu rosto estampa o cansaço que
sinto por todo o corpo por causa da insônia. O sono
simplesmente não vem; fico rolando durante horas
antes de conseguir desconectar minha mente.
— Você tem razão; se não passar nos próximos
dias, irei ao médico.
Ele me abraça e começa a fazer um carinho em
círculos com as mãos em minhas costas.
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Ao fundo, escuto o som de passos e sei que Lilly


está retornando.
— Cheirosa e pronta para arrasar — ela diz ao se
aproximar animada e beijar nossas cabeças, para
depois, sumir para a cozinha, deixando um rastro
do seu perfume de baunilha no ar.
Em seguida, chegam Abby, a garçonete, que é
uma baixinha ruiva de vinte anos, curvilínea, de
uma alegria contagiante; e John, que trabalha no
caixa e é o braço direito de Lilly na administração
da confeitaria. John tem trinta anos, cabelos negros,
um piercing na sobrancelha e alguns na orelha. Seu
corpo tatuado, à primeira vista, causa medo nas
pessoas, mas é só passar cinco minutos em sua
presença para perceber que ele não machucaria
sequer a uma formiga.
Às oito em ponto, viramos a placa e começamos
mais um dia. A Lilly’s Bakery é conhecida
principalmente por seus cookies de chocolate, de
castanha e de baunilha. Eles são enormes, derretem
na boca, crocantes por fora e macios por dentro.
São os favoritos dos clientes e, por isso, precisamos
reabastecê-los com frequência.
As horas passam voando. Perto do meio-dia, me
sento cansada da movimentação intensa da manhã.
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Quando olho no relógio, para minha felicidade, está


perto do meu intervalo. Pulo da cadeira só com o
pensamento de sentir o sol em minha pele por
alguns minutos.
— Está quase no meu horário de almoço; vou
sair um pouco antes, tomar um ar fresco e esticar as
pernas — aviso a Igor.
— Certo, baby — responde ele, concentrado no
trabalho.
Pego minhas coisas e caminho para a rua.

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DOIS

ESTÁ UM DIA TÃO LINDO, que inicialmente


pensei em passar meu tempo caminhando pelas
calçadas observando as construções que tanto amo
ou descansar em um banco, à sombra bebendo algo
gelado. Enquanto caminho, ligo para Ethan, meu
noivo. O telefone chama algumas vezes antes de
cair na caixa de mensagens. Desligo, não deixando
mensagem de voz. Ontem foi a festa de celebração
de cinquenta anos da Saint-Jones, e imagino que
ele deve ter chegado de madrugada e preferido
dormir até mais tarde.

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Ethan trabalha com meu pai há muitos anos.


Nossas famílias são amigas desde sempre,
frequentam os mesmos círculos sociais, saem nas
mesmas colunas dos jornais e possuem muito,
muito dinheiro. Fomos vizinhos de porta na
infância, colegas na escola, depois nos tornamos
grandes amigos durante nossos anos na faculdade.
Quando nos afastamos de nossas famílias,
acabamos nos apoiando um no outro, e de uma
grande amizade surgiu algo mais. Tinha dezoito
anos quando começamos a namorar e ficamos
noivos no dia de nossa formatura. Ele foi meu
primeiro e único namorado. Estava com saudades,
já fazia cinco dias que não nos víamos.
Seu apartamento ficava perto daqui, no
Meatpacking District. Por isso, pego algo para
comer no caminho e decido lhe fazer uma surpresa.
Vinte minutos depois, estou abrindo a porta com a
minha chave extra. Deposito a comida japonesa na
geladeira e ando em direção ao seu quarto, mas
mudo meu percurso quando escuto sua voz vindo
do escritório.
Com um sorriso no rosto caminho para lá. Ouço
sua voz, novamente, antes de chegar à porta.
— Não se preocupe, vou conversar com ela.
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Me aproximo em silêncio, empurrando devagar a


porta entre aberta. Eu o vejo sentado atrás da mesa
do escritório já vestido com seu terno cinza e
camisa branca. Como suspeitei, ele está ao telefone.
Ethan mora no quadragésimo quarto andar do
prédio. Seu apartamento tem uma vista privilegiada
do rio Hudson. O escritório é moderno, com
paredes cinza escuro, uma grande prateleira de
livros até o teto atrás de sua mesa, duas poltronas
pretas à frente, um sofá também preto ao fundo,
tapete claro e alguns quadros em preto e branco nas
paredes. Sua cadeira está voltada para as enormes
janelas; ao fundo vê-se a cidade de New Jersey.
— Não posso acabar tudo por telefone, assim, do
nada — enfatiza ele. — Preciso de um tempo para
avaliar a melhor maneira de fazer isso sem que a
machuque.
Ao mesmo tempo que fala leva a mão ao rosto,
massageando a região dos olhos. Sei que seus olhos
estão fechados, pois sempre repete este gesto,
quando está nervoso ou estressado.
— Trabalho para o pai dela, não posso
simplesmente terminar. Preciso me preocupar com
minha carreira — diz antes de acrescentar — e com
a sua também!
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Havia empurrado a porta e dado alguns passos


em sua direção, quando suas palavras me atingem e
paro de repente.
Sua respiração demonstra que esta ficando
impaciente.
— Só peço um pouco mais de tempo. Você sabe
que eu sou louco por você, que quero ficar com
você — assegura a alguém. — Agora tenho que
desligar, nos vemos depois no escritório — informa
pouco antes de encerrar a ligação, atirando o
aparelho sobre a escrivaninha com força.
Estou simplesmente, travada no meio do seu
escritório, quando sua cadeira gira e seus olhos
castanhos se expandem, surpresos, ao me descobrir
ali.
Acho que cheguei em má hora.
Ethan esfrega as mãos no seu rosto com força
antes de caminhar até mim.
— Anna, não sabia que estava aí!
Não me diga!
Não estranhe Ethan me chamar pelo meu
primeiro nome. Eu até tentei alguns apelidos
carinhosos no começo, mas ele é muito sério para
este tipo de coisa. Quando chega mais perto, se
inclina para me beijar nos lábios e eu recuo um
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passo, o analisando a uma curta distância. Parado à


minha frente, vejo que minha aparição, repentina, o
deixa nervoso.
Ethan Anderson é cara muito bonito. Com um
metro e oitenta de altura, um rosto harmônico,
olhos castanhos e cabelo escuro curto, da mesma
cor de sua barba rala. Sua pele é clara e ele tem um
corpo bonito para quem passa mais de doze horas
por dia dentro de um escritório.
Ou, pelo menos, foi o que sempre acreditei.
Eu, por outro lado, sempre fui muito confiante
com o que vi no espelho. Tenho um metro e
sessenta e cinco de altura, pele levemente
bronzeada e longos cabelos loiros naturais, que
chegam até a altura da minha lombar. Meu rosto
em forma de coração é agraciado com algumas
sardas abaixo, um nariz pequeno, grandes olhos
verdes claros, emoldurados por longos cílios e
lábios carnudos. Peso cinquenta e sete quilos,
distribuídos em corpo definido pelas minhas
corridas matinais e por pedalar ao trabalho.
— Anna — repete Ethan, chamando minha
atenção.
Ele se aproxima com cautela, levando suas mãos,
hesitantes, até os meus ombros. Sinto seu olhar em
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mim, antes do contato de sua pele contra a minha,


que pela primeira vez parece estranha. Não sei por
que, mas permito que ele passe seus braços ao meu
redor, me puxando para um abraço. Um momento
depois, ele se afasta e eu continuo sem reação.
Outro momento depois, ele nos conduz e quando
pisco, me vejo sentada ao seu lado no sofá. Sua
pele branca está ainda mais pálida, quando ele toma
coragem e olha para mim.
— Pela sua reação não existe a menor
possibilidade de não ter ouvido o que falei há
instantes. Também não insultarei sua inteligência.
Por isso, primeiro, lhe devo um pedido de
desculpas — começa, sua voz baixa e cautelosa. —
Sinto muito pelo que vou lhe dizer a seguir, mas
não posso mais prolongar está conversa.
Aperto minhas mãos umas nas outras,
pressentindo que não vá gostar das suas próximas
palavras.
— Por favor, Anna, preciso que me olhe nos
olhos por um momento.
Mesmo com dificuldade, faço o que ele me pede.
Quando vê que tem minha total atenção, ele limpa a
garganta.
— Há alguns meses tenho notado que nosso
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relacionamento não está evoluindo, e que,


infelizmente, estamos cada vez mais afastados um
do outro. Minha carreira está em ascensão,
consumindo todo o meu tempo, e você abandonou a
sua para tentar algo, hum... — ele para, parecendo
escolher suas palavras — ... diferente. Pensei que
seria temporário, mas acredito que eu possa ter me
enganado quanto a isso.
Pensativo, Ethan abaixa a cabeça, e sinto como
se tivesse levado um tapa na cara. Por incrível que
pareça, esta afirmação me magoa mais do que o
que escutei da porta do seu escritório.
Ele parece não perceber, pois continua falando.
— Conheci alguém — Pausa. — Seu nome é
Cinthia — Pausa mais longa. — Ela começou a
trabalhar comigo há poucos meses é a nova
associada do escritório.
Ele me observa atentamente.
— Sei o que deve estar imaginando; não, eu não
te traí com ela — me afirma sem convicção.
Estreito os olhos e pendo, levemente, minha
cabeça para o lado. Ele sempre foi péssimo em
mentir e ele estava mentindo agora. Percebendo seu
erro, levanta e começa a andar de um lado para o
outro da sala, soltando arquejos altos.
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— Ok, isso não é completamente verdade —


admite depois de um tempo.
Ah, sério? Não havia percebido!
— Na noite passada, bebemos demais e acabei a
beijando. Somente um beijo, já no final da noite —
esclarece, enquanto leva as mãos à cabeça,
bagunçando seus cabelos. — Não faço ideia do
que estou fazendo ou sentindo, estou trabalhando
tanto que não tenho mais cabeça para nada —
suspira, e desaba novamente ao meu lado. — Desde
que você virou as costas para o escritório, temos
nos afastado mais e mais, como se estivéssemos
indo para caminhos diferentes e me sinto perdido
no meio disso tudo.
Ele leva a cabeça entre os joelhos.
— É como se eu estivesse me perdendo e te
perdendo também — fala com a voz abafada.
Consigo compreender seu raciocínio, mas
continuo calada. Nunca imaginei que teria esta
conversa com ele na vida e não sei o que lhe dizer.
Sempre me senti segura neste relacionamento.
Segura ao lado de Ethan. Sempre confiei que o que
tínhamos era suficiente, que ele fosse meu para
sempre. E aqui estou eu, oito anos depois. Sabia
que não nos olhávamos mais como dois pombinhos
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apaixonados, mas conhecíamos os defeitos um do


outro e ainda nos amávamos, apesar deles. Nosso
amor não era caloroso como nos primeiros dias,
mas era sólido. A base para uma vida inteira juntos.
Pelo menos, era o que eu pensava.
— Anna, preciso que fale comigo, por favor —
suplica, erguendo seus olhos novamente até
encontrar os meus.
É visível a confusão estampada em seu rosto.
Mas, no meio de tudo isso, só existe uma coisa que
preciso saber, que realmente importa e que faz toda
a diferença.
— Você ainda me ama? — pergunto
diretamente.
Ele fica reto e vejo a resposta que seus olhos
denunciam. Mesmo assim, ele finge pensar e após
alguns segundos me responde.
— Queria ter uma resposta concreta para esta
pergunta. Sei te amo, mas não sei se ainda sou
apaixonado por você — ele diz e desvia dos meus
olhos.
Em meu íntimo, sei que ele não está falando isso
para me magoar. Também sei que está, finalmente,
me contando a verdade. Entretanto, isso não faz
com que eu me sinta melhor ou evite a ardência que
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começo a sentir em meus olhos, agora marejados.


Aperto meus lábios, me esforçando para não
chorar.
— Jamais quis te magoar. Jamais imaginei que
um dia teria dúvidas em relação ao que nós dois
tínhamos... — ele balança a cabeça — temos.
Mesmo quando tudo estava errado no mundo, nós
sempre dávamos um jeito de fazer melhorar. Me
sinto em agonia comigo mesmo, me culpando por
te causar esta dor e me sinto péssimo por não ter
me aberto contigo antes sobre estes sentimentos.
Disparo-lhe um olhar cético.
— Nunca escondemos nada um do outro. Por
que não veio falar comigo quando sentiu que algo
estava mudando? — pergunto, buscando alguma
explicação.
Sinto as lágrimas rolarem livres pelo meu
rosto. Em meio à visão embaçada, eu as sinto cair
em minhas mãos.
— E..., e... — ele gagueja — eu não sei. Não sou
o tipo de cara que trai. Também não sou o tipo de
cara que magoa alguém de propósito. Você me
conhece, precisa acreditar em mim quanto a isso.
Eu achava que o conhecia.
Como estava enganada.
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Durante nosso relacionamento, Ethan sempre foi


meu amigo, meu confidente, meu parceiro. Difícil
relacionar o homem que eu amo profundamente,
com a pessoa sentada à minha frente.
Ele leva suas mãos ao meu rosto, secando
minhas lágrimas com os dedos e o enquadra em
suas mãos como costumava fazer quando ia me
beijar. Desta vez, sei que não fará isso.
— Deus, como eu me odeio neste momento. Te
ver chorar está acabando comigo — diz com a voz
embargada.
Saber que ele também está sofrendo deveria
minimizar minha angústia. Porém, dentro de mim é
como se meu coração tivesse sido jogado sob uma
britadeira. Para piorar, estou prestes a ter um ataque
de ansiedade. Mesmo que eu inspire fundo, o ar
parece não ser suficiente para encher meus
pulmões.
Eu preciso sair daqui.
Saio do seu alcance e começo a limpar meu
rosto. Ao me colocar em pé, oscilo um pouco, me
sentindo bastante zonza.
Ethan se levanta, prontamente, e me segura pelos
braços.
— Você está bem? — pergunta próximo à minha
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cabeça.
— Sim, sim — confirmo me desvencilhando.
O contato de sua pele intensifica a minha dor.
— Você não parece bem, Anna. Por favor,
vamos sentar e conversar mais um pouco. Tenho
tanto que te contar ainda, muito a explicar.
Eu finco meus pés no chão, negando com a
cabeça.
— Não, estou perfeitamente bem — minto para
ele. — Eu escutei o que falou ao telefone ou, pelo
menos, o que ouvi foi suficiente. — Minha voz sai
mais brusca que o normal, mas neste momento não
me importo; quero que sinta a mágoa que me
domina, a aflição que parece estar em todas as
juntas de meu corpo.
Ele abre a boca para falar, mas não lhe dou a
chance de intervir.
— Não posso te obrigar a me amar, por mais que
doa dizer isso quando eu amo você. Amo há tanto
tempo, que não sei o que é não amar você.
Fungo em meio as lágrimas, que agora caem
feito uma cascata.
— Não sei como não percebi antes — admito. —
Deveria ter notado que algo estava mudando, pelo
modo como falava comigo ou pela maneira como
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me tocava. Talvez eu tenha errado sendo


negligente. Talvez você devesse ter se aberto
comigo antes. Talvez pudéssemos ter uma chance
de consertar tudo isso — reflito mais para mim do
que para ele — mas nada disso altera o fato de que,
com certeza, não deveria ter beijado outra boca que
não a minha.
Ele abaixa a cabeça.
— Sei o que você está querendo me dizer —
disparo a ele.
Nervosa, tiro o anel que levo na mão direita. Ele
desliza facilmente pelo meu dedo anelar. Pego sua
mão e o deposito em sua palma, fechando-a ao
redor dele. Seu olhar estava perdido analisando
meus movimentos.
— Este anel era o símbolo do nosso amor. Até
hoje nunca quis tirá-lo do meu dedo, porém, não
tem mais sentido eu ficar com ele depois do que me
falou hoje.
Engulo meu choro.
— Estou te deixando livre agora. Um dia fomos
amigos, antes de sermos algo mais. Espero que, um
dia, possamos encontrar um caminho de volta para
sermos amigos novamente, pois neste momento não
consigo ser sua amiga, não consigo te entender, e
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não consigo imaginar o que está passando, quando


me sinto traída e destruída pela pessoa em que mais
confiava.
Faço uma pausa, buscando ar.
— Mesmo assim, espero que encontre o que
procura e que seja feliz com sua escolha; nem
mesmo agora, eu consigo lhe desejar algum mal.
Quando termino, me permito perder poucos
segundos memorizando seu rosto, que me observa
atônito, como se não conseguisse acompanhar a
velocidade com a qual tudo estava se desenrolando.
Fecho os olhos tentando bloquear a dor, tentando
não ouvir sua voz que sussurra meu nome, me
convidando, mais uma vez, a sentar e conversar
com ele. Quando os abro, vejo a agonia atravessar
seus olhos, com a percepção de que nossa história
chegou ao fim.
Ele pisca, pendendo a cabeça para trás.
Tenho que ir embora, mas não sou capaz disso,
sem antes me despedir dele. Preciso deste último
momento ao seu lado. Encurto a distância parando
a poucos centímetros de seu corpo. Envolvo meus
braços em sua cintura e o abraço, e permito que ele
me abrace de volta. Ele baixa a cabeça na altura dos
meus ombros e escuto sua respiração falhar, tanto
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quando a minha está falhando agora.


Ele se segura em mim por tempo demais, e
talvez eu também.
Então, retrocedo.
Sem coragem para encarar seus olhos
novamente, saio do seu escritório. Na sala, deixo a
cópia de minha chave. Novas lágrimas caem,
enquanto saio do seu apartamento.

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TRÊS

CAMINHO PELAS RUA SEM RUMO,


repassando, mentalmente, a conversa. Pelo menos
meus olhos estão secos. Quando massageio as
têmporas, sinto como se tivesse acabado de tirar o
capacete mais apertado do mundo de minha cabeça.
Todas as partes do meu crânio latejam de dor.
Meus pés protestaram, quando me sentei na
espreguiçadeira do terraço, e retirei as sapatilhas,
massageando os pés com as mãos. Não sei bem
como cheguei em casa. Tudo está confuso em
minha cabeça. Sentada, fecho os olhos e me deixo

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envolver pelo aroma das flores. Ao longo dos


meses, transformamos o terraço em um pequeno
paraíso. Plantamos primaveras, em forma de
trepadeira, que cresceram e hoje adornam o local
com suas cores rosadas; também temos uma
pequena horta vertical no lado esquerdo. Era nosso
oásis em uma cidade de pedra, aço e vidro.
Era também meu lugar preferido. No verão, eu e
Igor nos encontrávamos aqui depois do trabalho e
nos esparramávamos nas espreguiçadeiras para
beber, dividir comida e conversar. Algumas vezes,
convidávamos alguns amigos, e, outras vezes,
Ethan se juntava a nós. Nos divertíamos, enquanto
o mundo seguia seu curso.
Uma brisa levanta meu cabelo e o som de risadas
me acorda.
Abro os olhos e percebo que anoiteceu. Devo ter
caído no sono, sem perceber. Risadas vinham da
rua abaixo, onde pessoas caminhavam de volta para
casa depois de um dia de trabalho. Luzes
cintilavam das janelas, carros buzinavam, cachorros
latiam.
Me coloco sentada e ouço um barulho ao lado.
— Jesus! — Grito assustada.
Igor sorri, relaxado, da espreguiçadeira ao lado,
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com Fúria em seu colo.


Coloco a mão em meu coração, que parece que
vai sair pela boca.
—Você tem que parar com isso — eu o
repreendo.
— Por quê? São tão bonitinhos os sons que faz
assustada — brinca comigo.
Deito novamente.
— Este seu cão tem sérios problemas
“linguinais”, pois não consegue ficar sem lamber
nada por um minuto — fala com Fúria em seus
braços, que tenta com todas as forças se aproximar
do seu rosto.
Espreguiço-me, calmamente.
— Que horas são? — pergunto ainda sonolenta.
Ele logo me responde.
— Sete e meia.
— Nossa! Perdi a noção das horas.
Depois de alguns segundos, um pensamento me
atinge e solto uma respiração mais pesada.
— Me desculpe, deixei vocês na mão hoje à
tarde — me dou um tapa mentalmente — hoje, de
fato, não está sendo um bom dia.
— Como não voltou para o trabalho, te liguei no
início da tarde e, como não me atendeu, liguei para
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Ethan — ele faz uma pausa. — Ele me falou que


vocês tinham discutido e, antes do final da ligação,
me pediu para cuidar de você. Na hora não entendi
na hora, mas preocupado, avisei a Lilly que sairia
mais cedo. Quando cheguei em casa, te encontrei
adormecida. Você tem dormido tão pouco e parecia
tão relaxada que não me atrevi a te acordar.
Abaixo o rosto e começo a mexer nos meus fios
de cabelo.
— Desculpe não ter avisado; isso nem passou
pela minha cabeça. Eu só queria.... só precisava...
— tento encontrar uma explicação.
Aff. Desisto!
— Nem eu sei bem do que eu preciso —
confidencio em voz baixa. Passei as últimas horas
me remoendo, tentando encontrar motivos e razões
para tudo que aconteceu hoje; neste instante, temo
que meu raciocínio tenha virado geleia.
Fúria consegue se soltar dos braços de Igor e
vem em minha direção. Pego-a no colo e lhe dou
um beijo, enfiando meu nariz nos seus pelos
brancos, a deixando lamber a tristeza que sinto
dentro de mim.
Ethan se deita de lado e me pergunta:
— O que aconteceu?
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Não sou boa em fazer jogos e também não sei


mentir. Portanto, conto tudo a ele, que ouve meu
desabafo até o final. Depois ele se levanta e
caminha até o parapeito do prédio, fechando suas
mãos na grade de ferro. De costas para mim, vejo
os músculos de suas costas saltarem com a força
com que aperta o metal.
Sua voz saiu mais grossa que o normal ao falar.
— Se ele te traiu com uma vagabunda qualquer,
vou quebrar a cara daquele desgraçado. Sempre os
que se fazem de mocinhos são os piores.
Igor estava praticamente bufando as palavras.
— Não... ou melhor... sim — respondo me
atrapalhando.
— Sim ou não, Anna? — pergunta de pronto,
virando-se para mim.
Posso ver a irritação em seu rosto bonito.
— Ele beijou outra mulher ontem à noite.
O maxilar de Igor trava, e me adianto.
— Não considero isso o pior de tudo — digo, me
levantando e colocando Fúria em cima das
almofadas.
Caminho e paro ao seu lado, repousando meus
braços na grade e inclinando meu peso contra o
metal, observando o horizonte.
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— Ele acredita que abandonei minha carreira


quando decidi sair do escritório e que a culinária
seria temporária em minha vida. Sempre pensei que
ele acreditasse em mim e neste sonho que tenho
batalhado tanto. A dor de saber que isso não é
verdade foi pior do que eu saber de sua traição.
Olho para ele.
— Primeiro foram meus pais, e agora Ethan —
solto um riso nervoso. — Me pergunto quem será o
próximo?
Dou de ombros, me sentindo uma derrotada.
Doeu saber que meus pais não acreditaram em
mim, e agora dói ainda mais incluir Ethan neste
grupo. É como se todas pessoas próximas de mim
estivessem se afastando, enquanto sigo meu
coração.
Por que não posso ter as duas coisas?
— Ele não sabe do que está falando, gata. A
maioria das pessoas passa a vida desejando ter seu
talento para algo e a outra metade gostaria de ter
sua coragem. Você é uma mulher linda, incrível e
inteligente. Não se diminua porque alguém não
conseguiu ver algo porque não se esforçou o
suficiente. Entendeu? — afirma, meu amigo ao
meu lado.
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Busco seu olhar, carinhoso, ao me dizer estas


palavras e meus lábios se repuxam levemente para
cima.
— Não sei o que eu faria sem você.
— Para sua sorte, você nunca precisará descobrir
— afirma, com convicção, piscando para mim,
como sempre faz.
Seu olhar recai em minhas mãos, buscando algo
que durante anos esteve em meu dedo.
— Devolvi a aliança. Não havia mais motivos
para mantê-la.
Igor desvia o olhar e depois de um momento me
diz:
— Já sei do que você precisa.
Eu me aproveito da situação.
— Filmes de romance, sorvete, pipoca e uma
caixa de lenços?
Ele ri alto.
— Podemos fazer isso também. Mas primeiro,
precisamos de álcool, muito álcool. Não existe nada
que algumas margaritas não melhorem.
Solto uma gargalhada.
— Vou sair para comprar tudo, enquanto isso,
tome um banho e tente relaxar.
Igor beija o topo da minha cabeça e se retira,
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deixando-me sozinha com minha mente inquieta.


Há pouco tempo, eu morava em um dos prédios
mais altos da cidade. Uma penthouse com um pé
direito alto e janelas que iam do teto até o chão,
com uma vista esplêndida do Central Park. Todo
luxo, conforto e beleza que o dinheiro podia
comprar. E, apesar de financeiramente não me
faltar nada, o mais importante não estava ali.
Dentro deste meu pequeno apartamento, me sinto
mais em casa do que jamais me senti lá. Aqui me
sinto livre, posso ser eu mesma, cometer meus
próprios erros, traçar o meu próprio caminho, sem
julgamentos.
Minha vida, minhas escolhas.
Para mim, o relacionamento de meus pais
sempre pareceu divergente, baseado em uma
relação de posição e poder. Meu pai controlava
tudo e minha mãe se deixava controlar. E apesar de
nunca demonstrarem seus sentimentos em minha
frente, sempre acreditei que, ao seu modo, eram
felizes. Penso em vovó e vovô, e em como eram
diferentes. Sempre calorosos, se tocando e
demonstrando afeto. Lembro todas as
oportunidades em que eles vieram nos visitar, e das
vezes que eu ia visitá-los. Estas lembranças me
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levam a Incline Village, na Califórnia. Mesmo tão


distante daqui as imagens nunca deixaram minha
memória. Fecho os olhos e consigo visualizar as
montanhas, os lagos e os altos pinheiros. Se me
esforçar um pouco mais, consigo quase sentir o
cheiro da grama cortada e da natureza abundante.
Estas sensações trazem um sorriso ao meu rosto,
que só aumenta quando me pego pensando em
Noah. Sinto uma saudade apertar meu peito, pois
faz anos que não nos vemos. Noah não era qualquer
pessoa, para mim, ele foi a minha pessoa favorita
durante grande parte da minha vida.
Uma das minhas lembranças favoritas é de
quando ele me ensinou a pescar. Eu disse a ele que
isso era coisa de menino, e ele me disse que era
besteira. Eu disse a ele que não queria me molhar,
ele disse que ficaríamos no píer. Eu disse a ele que
tinha medo da água e que não sabia nadar, e ele me
disse que ele me protegeria e me resgataria se eu
caísse na água. Foi uma tarde inesquecível. No
final do dia, o balde estava cheio de pequenos
peixes, e meus braços, doloridos. Noah, me ajudou
a levantar, ajeitou meu vestido e ergueu o balde,
sem muito esforço. Eu devia ter uns dez anos na
época. Alguns homens são protetores natos, e Noah
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era um deles.
Solto uma respiração profunda e por fim, decido
concordar com Igor e tomar um longo banho de
banheira.

HORAS MAIS TARDES, ESTOU SENTADA


NO SOFÁ DA SALA, embriagada, soluçando, com
a cabeça repousada no colo de Igor, assistindo ao
filme P.S Eu te amo — spoiler alert.
Ele acariciava meus cabelos.
— Por quê? Por que Gerry tinha que morrer? —
pergunto aos prantos. — Ele deixou — eeek — a
Holly sozinha — eeek — So-zi-nha-aaaa!!!
Estava soluçando e chorando ao mesmo tempo.
Era lamentável.
— Eu sei, eu sei — Igor concordava comigo.
— É tão injusto — continuo fungando.
— Mas, olha o lado bom, ele, pelo menos,
deixou algumas cartas para ela.
Dou um tapa em sua perna e me sento no sofá,
irritada.
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— Caaartas! — minha voz sai fina e irritante. —


Vocês homens são tão insensíveis — eeek — pro
inferno com as cartas. Ele não tinha nada que
morrer — eeek — o amor deles tinha que durar
para sempre.
Ele me observava com divertimento.
— Adoro quanto você fica irritada.
— Não estou irritada — digo contrariada.
Ele balança a cabeça, achando graça.
— Você fica, realmente, muito fofa.
— Grrrrr — eeek — odeio ser fofa.
Faço um movimento, e Igor se contrai ao meu
lado, preparando-se para se defender de outro
possível golpe, mas relaxa quando vê que tudo que
quero é repousar novamente minha cabeça em seu
colo.
— Pelo menos, parou de chorar por um instante
— Igor observa.
Eu tateio procurando sua mão e, quando a
encontro, a coloco de volta em minha cabeça. Ele
entende e os carinhos recomeçam.
— Nada dura para sempre — eeek — nem nos
filmes. É um saco.
Confesso, me mexendo no sofá, procurando ficar
mais confortável.
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— Me lembre de escolhermos filmes com finais


felizes na sua próxima crise.
— Não estou em — eeek — crise — digo a ele
afundando um pouco mais meu rosto na almofada.
Grandes chances de eu estar, levemente,
embriagada, ou esta almofada, de repente, ficou a
coisa mais confortável do mundo.
— Não, claro que não está — concorda mais
uma vez, ainda acariciando meus cabelos.
— Prefiro acreditar que existam finais felizes —
digo bocejando.
Não escuto sua resposta, pois sou vencida pelo
sono e me rendo a ele. Recordo vagamente ser
carregada até o meu quarto e ser deitada em minha
cama. Antes de “apagar”, penso ter escutado:
“Você ainda terá seu final feliz, baby”.

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QUATRO

ESCUTO O TELEFONE TOCAR E O ATENDO.


— Srta. Anna, você me pediu para lembrá-la da reunião
às dez — me informa, Bianca, minha secretária ao telefone.
— Obrigada, Bianca — agradeço e desligo o telefone.
Massageio a cabeça. Estou no meio da manhã e já a sinto
pulsando.
Na minha mesa, dentro de uma enorme pasta, está o
caso da cantora Alexa Ward, nossa cliente, e do seu, até
então esposo, Javier Martins. Estou trabalhando neste caso
há semanas, tentando encontrar maneiras de dissolver a
união da melhor forma para nossa cliente. Alexa estava no
auge de sua carreira, quando se apaixonou pelo seu
dançarino, Javier, e em poucos meses se casaram em Las
Vegas. Por sorte, seu empresário conseguiu convencê-la a
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fazer um contrato pré-nupcial, sem este documento o


processo seria muito diferente.
Ela nos procurou há três semanas, aos prantos, e meu pai
a direcionou diretamente para mim. Escutei seu desabafo
durante horas, segurei suas mãos, senti suas dores. A dor de
um amor quebrado, de um coração partido. Ela me mostrou
fotos de Javier a traindo, com várias mulheres. Loiras,
morenas, ruivas, altas, baixas, magras e curvilíneas. Parei de
contar depois de um tempo.
Se para mim estava difícil ver as imagens, imagino como
deve ter sido para ela.
Alexa havia contratado um detetive particular para seguir
seu marido, que andava disperso. E seu maior medo era que
o caso estampasse as capas de revistas de fofoca, tirando o
foco de sua música e o colocando em sua vida pessoal.
Senti empatia por ela. Era uma mulher jovem, linda,
talentosa e forte. E não queria ser julgada por ser menos do
que isso.
Enquanto ela desmoronava, meu pai estava em pé atrás
dela, apertando seu ombro, dizendo-lhe palavras
reconfortantes, informando que iríamos cuidar de tudo para
ela. Ele me encarava, fixamente, enquanto falava isso. Ou
seja, eu teria que achar um jeito de resolver tudo para ela.
Um jeito em que ela ficasse satisfeita, e que nós, de quebra,
ganhássemos muito dinheiro.
Separação nunca é fácil. No caso dela, existiam muitas
variáveis a considerar. Além do patrimônio, havia seus
contratos, imagem na mídia, sua carreira, seus familiares.
Ainda mais por este divórcio ser litigioso, afinal, Javier, não
queria parar de beber a água diretamente da fonte, ou seja,

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ele não assinaria os papéis sem algo em troca. Alexa estava


disposta a pagar para resolver seu problema. Como ela tinha
muito, o preço não era alto, e encerraria o caso. Eu já havia
entrado em contato com o advogado de Javier e oferecido
um ótimo acordo, com uma alta soma em dinheiro e mais
uma pensão generosa. Era uma proposta irrecusável, na
minha opinião, e tenho certeza que o advogado o
aconselharia a aceitar. Ele ficou de me dar a resposta final
na reunião de hoje.
Levanto e começo a arrumar os papéis em minha mesa. O
contrato já está pronto para ser assinado. Estou confiante
que tudo estará resolvido até o horário do almoço.
Escuto baterem na minha porta. Levanto a cabeça para
ver meu pai entrando em minha sala.
— Preparada? — me pergunta colocando as mãos nos
bolsos de sua calça social preta.
— Sim. Tenho tudo pronto. Estou confiante de que eles
aceitarão o acordo que estamos propondo — falo enquanto
confiro novamente se tenho tudo de que preciso em mãos.
— Confiante? Não é o que eu esperava, Anna! — A voz de
meu pai me causa um arrepio.
Um vinco surge em minha testa e o encaro.
— Não?
— Certeza seria uma palavra mais apropriada — ele
observa. — Afinal, estamos falando de milhões de dólares
aqui e de uma comissão de 20%.
Vejo o brilho em seus olhos, como se ele já estivesse
contabilizando o dinheiro e fazendo planos com algo que
ainda não era concreto. Engulo seco, enquanto ele se dirige
às enormes janelas de minha sala, com vista para o centro
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de Manhattan. Do septuagésimo nono andar, os prédios a


nossa volta parecem minúsculos.
Após um momento, ele parece relaxar um pouco.
— Sabe, um dia isso tudo será seu — fala de costas para
mim.
Como eu poderia esquecer, se ele me lembra disso a cada
oportunidade.
— Você nasceu para isso, para este trabalho, para esta
empresa. Eu sempre soube que seria assim.
Ele se vira.
Eu continuo calada. Com meu pai, continuar calada é
mais seguro do que falar algo que contrarie seu
pensamento.
— Sempre sonhei com isso. Dentro de alguns anos
poderei me aposentar, tranquilamente, e deixar você assumir
o negócio da família.
Minha respiração fica apertada e sinto um leve tremor em
minhas mãos. As fecho em um movimento rápido, para que
ele não perceba minha instabilidade. Há algum tempo decidi
que este processo seria meu último. Entretanto, ainda não
tive coragem de contar isso ao meu pai. Ele não percebe a
mudança em minha postura e fico feliz por conseguir
esconder meus reais sentimentos. Estou planejando esta
conversa há semanas e este não é o momento para isso.
Ele continua divagando.
— Sim, um final feliz para uma família feliz.
Família feliz? Infelizmente, deixei de ver meu pai como pai
faz alguns anos. Ele manda e desmanda, ele julga e aponta.
Ele me joga de um lado para outro o dia inteiro. Apago um
incêndio atrás de outro e tranquilizo meus colegas de

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trabalho, quando eles entram chocados pela minha porta por


causa de algo que ele falou. Em casa só conversamos sobre
o trabalho, no trabalho só conversamos sobre o trabalho. Faz
anos que sinto que tudo que temos em comum é o trabalho,
que tudo que ele quer de mim, se limita ao âmbito
profissional. Não me sinto quista por ser simplesmente sua
filha, e esta aflição é um dos fatores mais relevantes na
minha decisão de me afastar daqui.
Perdida em meus pensamentos, não o escuto se
aproximar. Sinto quando coloca sua mão em meu ombro.
Sinto o peso sobre meu corpo. Não o peso de sua mão, mas
o peso da responsabilidade que ele quer que eu assuma.
— Então, te pergunto novamente. Preparada para hoje?
— meu pai me encarava, não me dando chance para
responder qualquer coisa que não o que queria escutar.
Tenho que continuar com a máscara que escolhi usar por
mais um tempo; por isso, coloco minha mão em cima da
dele e confirmo o que ele precisa escutar.
— Sim, vamos ganhar — digo confiante.
Ele sorri com o canto da boca.
— Não esperava nada menos de ti, minha filha.
Depois ele deixa minha sala, e eu me sento na cadeira,
atordoada. Eu me curvo e coloco a cabeça entre meus
joelhos. Todo meu corpo treme, sinto falta de ar e uma dor
crescente em meu peito; é como se eu...

Acordo assustada. Meu coração parece que vai


sair pela minha boca seca. Minha respiração é curta
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e rápida. Sinto falta de ar. Já senti isso antes e por


isso me obrigo a inspirar e expirar devagar, várias
vezes, pelo tempo que for necessário, para baixar
meus batimentos cardíacos.
Eu estou deitada em meu quarto, foi só um
sonho.
Eu estou deitada em meu quarto, foi só um
sonho.
Eu estou deitada em meu quarto, foi só um
sonho.
Repito vez após outra, até me acalmar.
Toco meus lábios e os sinto rachados. Colocando
as cobertas de lado, me levanto e ando até a
cozinha, precisando beber água. Pego a jarra na
geladeira e um copo e me sento na poltrona da sala.
Em poucos goles acabo o primeiro copo, depois o
segundo, e no terceiro sinto que bebi o suficiente.
Repouso no encosto e tento relaxar. Atrás de mim,
o sol começa a surgir pelo vidro da janela e
iluminar nossa sala e cozinha.
São seis e meia da manhã de domingo e não
tenho que trabalhar. Porém, sei que não conseguirei
voltar a dormir. Volto ao quarto e coloco um short,
uma regata e tênis de corrida. Pego meu celular e
saio do apartamento. Coloco meus fones de ouvido
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e escolho um rock antigo, aumentando o volume


para o máximo. Começo a corrida com um trote
leve em direção ao Skyline e ao Dumbo.
“Não esperava menos de ti”
Estas palavras até hoje me atingem, e a imagem
de meus pais surge clara em minha mente. Daniel
Saint-Jones, meu pai, é um homem muito atraente.
Mesmo aos cinquenta e cinco anos continuava
exalando poder e charme. Sua pele clara
contrastava com seus cabelos pretos curtos. Um
rosto masculino, expressivo e olhos de um azul-
escuro profundo, como um oceano em um dia de
tempestade. Ele carrega um dos sobrenomes mais
tradicionais da América. É também um dos
advogados de maior sucesso de Manhattan,
especialista em divórcio. Muitos de seus clientes
estampavam as capas de revistas que circulam
todos os dias nas ruas da cidade. Minha mãe,
Elizabeth, também tem formação em direto, porém
nunca a exerceu. Ela continuava jovem para os seus
cinquenta e quatro anos. Tem longos cabelos loiros
platinados, um pouco abaixo dos ombros, lindos
olhos verde-claros, lábios cheios e um rosto em
formato de coração. Quando tinha dezoito anos,
conheceu meu pai e, como ela sempre me contou,
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foi amor à primeira vista. Vinda de uma família


empreendedora, que enriqueceu, ela nunca
precisou, realmente, se preocupar com dinheiro.
O escritório da minha família, o Saint-Jones
Dispute Resolution Services, é um dos mais
renomados da cidade e um dos mais difíceis para se
conseguir uma vaga de estágio após terminar a
faculdade. Vaga que abandonei dois anos atrás.
Conforme avanço pelas ruas, sinto os aromas de
pães e das padarias chegarem ao meu olfato. O
pânico do sonho se dissolve conforme avanço em
minhas passadas.
Durante toda minha vida, poucas coisas fizeram
sentido, mas a culinária sempre foi uma delas.
Desde pequena amava brincar de faz de conta, e no
meu faz de conta favorito eu cozinhava. Vestia
minha touca, colocava o meu avental e misturava
ingredientes aleatoriamente. Combinava manteiga,
ovos, leite, farinha em proporções completamente
desproporcionais e aleatórias. Não preciso dizer
que meus bolos demoraram para crescer e dar certo.
Mas eu não desistia, e a cada dia tentava de novo, e
de novo, até entender que existia certa lógica no
processo. Sempre foi meu hobby favorito. Com o
passar dos anos ele se tornou um tipo de terapia que
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extraía o peso dos meus dias e aliviava minha alma.


Até que chegou o momento em que entendi que a
culinária representava muito mais do que isso, e eu
precisei fazer uma escolha.
Entro correndo no parque.
Ao chegar ao Skyline de Manhattan, paro e me
inclino para a frente para recuperar o fôlego,
frustrada comigo mesma e com o fato de me sentir
deste jeito.
O sol já estava alto no céu. Brilhante e animador.
Por ser filha única e saber o quanto eles
desejavam mais um filho, de preferência um
homem, deixei o sonho deles influenciar minhas
escolhas e atitudes por muitos anos. Por não querer
decepcioná-los e também por não ter a maturidade
necessária, deixei-me levar pela vontade de meus
pais e pelos planos que eles haviam traçado e
construído para mim. E assim fiz durante muitos e
muitos anos. Às vezes, fico pensando se seria
diferente se eles tivessem tido mais um filho e
como seria ter um irmão com quem conversar, com
quem dividir este sentimento.
Será que seria diferente?
Desde pequena fui moldada para ser uma Jones,
para dar continuidade ao trabalho do meu pai.
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Sempre tive notas excelentes na escola, o que


facilitou minha entrada no curso de direto em
Harvard, escola que formou todos os homens da
família. Graduei-me com honras em cinco anos.
Após a formatura deixei de ser assistente no
escritório e comecei a trabalhar como associada.
Tinha minha própria sala, meus próprios clientes e
uma equipe sob o meu comando. Apenas dois anos
depois, eu já sabia que não queria esta vida para
mim. Cresci com o peso do legado dos negócios da
família sobre meus ombros e já na adolescência fiz
uma escolha que não imaginava o quando
impactaria minha vida no decorrer dos anos. Para
ser justa, percebo hoje que, na época, escolhi o
caminho mais fácil. Porque dar continuidade a um
negócio milionário, era confortável e era mais
seguro. Também não resisti à vontade deles.
Embarquei na jornada e a abracei. Demorei para
conseguir separar a minha vontade das expectativas
deles.
Como geralmente acontece, foi necessário um
surto para eu acordar. Ouviu o peso de minhas
palavras e a verdade no tom de minha voz. Ela me
apoiou de imediato e, sem eu pedir, me deu de
presente minha graduação em gastronomia.
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Tentando tirar meus pais da cabeça, me coloco


em movimento. Pego um atalho por entre as
árvores que me leva de volta para a rua e para casa
mais rapidamente. Quando chego à frente no nosso
prédio, estou esgotada. Sento nos degraus da
entrada e me inclino para frente, descansando os
braços sobre as pernas e abaixando a cabeça por um
momento. O suor pinga do meu corpo, deixando
marcas no cimento. Os músculos de minhas pernas
estão fadigados. Meu corpo reclama do esforço,
mas, pelo menos, agora, consigo respirar.

AS SEMANAS SEGUINTES PASSAM SEM


GRANDES ALTERAÇÕES. Continuo indo
trabalhar todos os dias e, durante as noites e nos
finais de semana, me nego a sair do apartamento.
Simplesmente porque não tenho vontade. Também
não tenho notícias de Ethan, e não busco ter.
Quanto menos contato tiver com ele, mais fácil será
superar tudo. Os pesadelos ainda me acordam em
algumas noites, e tenho corrido mais que o normal
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ultimamente. O lado bom é que minhas calças estão


folgadas.
Depois de quatro semanas Igor decidiu intervir.
Estava sentada no sofá com Fúria ao meu lado,
comendo um enorme balde de pipoca e assistindo à
Netflix, quando ele veio do quarto ao telefone e
parou em frente a televisão.
— Combinado. Isso, no sábado, eu mesmo a levo
até o aeroporto — fala ao telefone, me encarando.
Mexo-me no sofá, me esticando para os lados,
para tentar continuar a assistir ao filme. Afinal,
estava na cena em que Darcy e Elizabeth se
declaram um para o outro, ou seja, o melhor
momento de Orgulho e Preconceito, e Igor estava,
simplesmente, atrapalhando meu momento de
fossa. Até Fúria rosna para ele ao meu lado. Não
que estivesse concordando comigo, afinal, ela rosna
até para sua sombra, mas neste momento quero
acreditar que ela me apoia.
Gesticulo para ele sair da frente.
— Não se preocupe, avisei Lilly. Anna precisa
desesperadamente de férias.
Rindo, ele desliga o telefone e cruza os braços na
frente do corpo.
— Arrume suas malas, gata. Você irá visitar sua
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avó amanhã — me comunica.


Retraio-me com o som autoritário de sua voz,
agarrando o meu pote de pipoca, como quem diz:
“daqui não saio e daqui ninguém me tira”.
Confusa, pergunto:
— Oi? — pergunto sem entender.
Ele sorri cruzando os braços.
— Eu e Nana já cuidamos de tudo. Sua
passagem está comprada, falarei com Lilly sobre
suas férias e até Fúria irá com você. Pacote
completo.
Olho para baixo, buscando Fúria, que está
deitada no meu colo, atenta à minha mão,
esperando alguma pipoca escapar de meus dedos
para abocanhá-la. Ela me encara de volta, como
quem também não entendeu coisa alguma.
— Califórnia. Amanhã. Faça as malas — avisa
simplesmente, voltando para seu quarto.
Não sei se gosto muito deste Igor todo mandão.
Penso em me levantar e ir atrás dele pedindo
algumas explicações. Afinal, quem ligou para
quem? Quem eles pensam que são para tomar
decisões a respeito de minha vida sem ao menos me
consultar? Ao mesmo tempo, o sofá está tão
confortável que não quero me dar ao trabalho de
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levantar; só o pensamento já me cansa. Eu o xingo


mentalmente, esperando que, de alguma forma, isso
possa atingi-lo.
Abocanho mais um punhado de pipocas e
percebo que o filme acabou. Estão passando os
créditos finais.
Droga, perdi a melhor parte.
Entre uma bocada e outra me dou conta de que
não tomo banho há dois dias; meu cabelo está todo
ensebado, minha camiseta suja da massa com
molho de tomate que comi no almoço de ontem.
Não depilo minhas pernas, ou qualquer outra parte
do meu corpo há semanas. Puxo minha camiseta, e,
bom, é um fato, estou fedendo. Mas porque deveria
me importar? Não é como se algum príncipe
encantado fosse arrombar minha porta para me
resgatar da minha torre. Por um breve momento,
olho de canto em direção à porta, sabe, só para ter
certeza. A encaro por segundos a mais do que uma
pessoa normal, antes de afundar no sofá e voltar a
comer.
É, estou começando a ver minha vida como uma
película.
Talvez, só talvez, tipo bem pouquinho mesmo,
eles tenham razão. E a possibilidade de voltar para
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Incline Village sempre me anima.


O que eu tenho a perder, afinal?
Decidida, pego Fúria e me levanto, virando o
pote, espalhando pipoca pelo chão da sala. Fúria
estava prestes a pular quando a pego no ar e a
levanto, rodopiando-a no alto, em meio a um mar
de pipocas de manteiga, que grudam na sola dos
meus pés descalços.
Minha bola de pelos brancas se contorce toda,
querendo ir para o chão.
— Amanhã vamos à Califórnia! — exclamo,
com um sorriso que não sentia há muito tempo em
meus lábios.

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CINCO

INCLINE VILLAGE SEMPRE FOI MEU


LUGAR FAVORITO no mundo. Localizada à
margem norte de Lake Tahoe na Califórnia, esta
cidade cercada de montanhas, lagos e de natureza
exorbitante é a cidade natal da família de minha
mãe. Desde pequena, meus pais me enviaram para
cá nas férias escolares. Eu esperava ansiosa por
estes momentos.
Meu voo chega no horário previsto, e no
desembarque avisto vovó Nana acenando para
mim. Minha avó é a melhor pessoa que conheço e

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seu coração é o mais puro de todos. Ela e meu avô


construíram um império juntos, são donos de uma
grande rede de mercados, o Greens & Beans.
Tornaram-se milionários e, mesmo assim, ela
continua a mesma vó Nana que conheço desde
sempre, amorosa, carinhosa, atenciosa. Curiosa, um
dia, perguntei-lhe como ela e minha mãe poderiam
ser tão diferentes uma da outra. Ela me explicou,
então, que Elizabeth é uma pessoa incrível a seu
modo e que o fato de ela ser diferente de mim ou
dela não a torna pior nem melhor. Somos únicas a
nosso modo.
— Oi, pequena — cumprimenta Nana, me
abraçando e beijando minhas bochechas.
Retribuo seu abraço e respondo com carinho.
— Senti saudades, vovó.
Sinto algo se mexer em minha bolsa. Vovó olha
para baixo e abre um sorriso doce.
— Vejo que trouxe Fúria junto com você. Estes
dias, com certeza, serão divertidos — afirma
acariciando seus pelos. — Venha, vamos tomar um
café da manhã na Gracie’s e depois vamos para
casa.
Ela se vira e eu sigo ao seu lado.
No carro, coloco Fúria em meu colo e abro o
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vidro para que possa curtir um pouco do vento no


seu rosto. Está um dia lindo, quente, mas não
abafado e com poucas nuvens no céu. Acertei em
cheio ao escolher minha roupa hoje, um vestido
curto solto de verão amarelo-claro de alças finas e
sandálias baixas.
Ao nos aproximarmos do centro da cidade, vejo
que nada mudou. Na rua principal, continuam o
salão de cabelos da Gaby, o restaurante do Rauf’s, a
pizzaria do Elizandro e meu restaurante favorito, o
Gracie`s. Gracie e minha avó são melhores amigas
desde sempre, estudaram juntas, se casaram, foram
madrinhas uma da outra e dividiram a vida juntas.
Desde que vovô faleceu há poucos anos e Gracie
perdeu seu marido e filha em um acidente de carro
no ano passado, elas se aproximaram ainda mais.
Estacionamos o carro e entramos no restaurante.
Sinto meu estômago roncar com o cheiro de
comida e me dou conta de que faz horas que não
como nada. O ambiente está exatamente como me
lembro. As mesas e cadeiras de madeira escura, os
letreiros em neon vermelho com o nome do
restaurante atrás do bar, as banquetas altas de ferro
e assento marrom, as luminárias em forma de
lampiões, as paredes de um verde-musgo, e minha
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parte favorita, o deck com vista para o lago. Vamos


para lá e escolhemos uma mesa. Depois de nos
acomodarmos, retiro Fúria de dentro da bolsa de
transporte e a coloco no chão prendendo sua coleira
ao pé da mesa. Ela logo se alonga e lambe minha
mão em agradecimento.
Vovó, que observa tudo em silêncio, faz um som
ao limpar a garganta, chamando minha atenção.
— Ca-ham!
Já falei o quanto Nana é sutil?
Não?
Bom, é porque ela não é.
— E então, vai me contar por que resolveu se
exilar do mundo nas últimas quatro semanas e seu
amigo achou prudente me ligar para te socorrer? —
pergunta inclinando a cabeça para o lado.
Senti saudades do modo direto de abordagem de
vovó.
— Eu e Ethan terminamos.
Retrato a ela minhas últimas semanas. Escutando
minha própria voz, percebo o quanto devo parecer
miserável e triste para os outros, pois,
involuntariamente, me fechei em um casulo nas
últimas semanas. Este casulo não era para me
afastar do mundo e sim para eu compreender o que
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estava se passando dentro de mim mesma. Não que


quatro semanas tivessem feito milagres, mas eu já
conseguia perceber as falhas que levaram à nossa
ruptura. A falta de diálogo, a falta de procura de
ambas as partes. Até o sexo que antes era frequente
e bom estava ruim. Acho, que nossa última vez foi
umas duas semanas antes de terminarmos.
Espero por uma brincadeira, uma frase
sarcástica, ou, uma pequena cutucada, e quando
isso não acontece, levanto minha cabeça e a vejo
me analisando. Vovó não aparenta ter seus setenta
anos. Ela possui os mesmos olhos verde-claros que
eu e minha mãe herdamos, a mesma pele morena e
cabelos loiros agora esbranquiçados, presos em um
coque alto. Pequenas marcas aparecem ao redor de
seus olhos e boca, mas nada que diminua seus
encantos. Sempre foi muito ativa, o que explica
estar em forma física, cheia de vida e disposição
para a sua idade.
— Sinto muito, pequena. Sei o quanto você
gostava daquele rapaz — diz dando um sorriso
leve.
Meu lábio se repuxa um pouco, grata pela sua
compreensão.
— Desculpem incomodar, gostariam de pedir
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algo? — Pergunta-nos uma voz masculina.


Ergo minha cabeça, e meus olhos não estavam
preparados para o que encontraria. Diante de mim
estava o homem mais lindo em que eu já havia
colocado os olhos. Ele tinha o corpo de um
trabalhador braçal, magro e rígido. Sem dúvida,
havia músculos de verdade por baixo dos pedaços
de pano que estava usando.
Ao notar que o estava encarando de boca aberta,
um meio sorriso surgiu, brincalhão, em seus lábios
sensuais. Quando consegui voltar a raciocinar e me
preparei para responder, senti um puxão embaixo
da mesa.
Ah não!
Fúria se solta da coleira e corre em direção à
ponta do deck, onde vários passarinhos estão
comendo migalhas de pão. Nem penso duas vezes
antes de disparar em direção a ela. Fúria não
calcula bem a velocidade, porque, quando tenta
parar, escorrega e cai no lago e eu, obviamente,
feito louca, pulo no lago logo atrás dela.
Consigo pegar Fúria em pouco tempo e quando
começo a nadar para a margem, sinto duas mãos
em minha cintura.
— Opa, opa, pode tirar suas mãos de mim! —
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grito para o dono das mãos estranhas que me


tocam.
— Calma aí mocinha, só estou tentando te ajudar
aqui! Agora fica quietinha e me deixa bancar o
salva-vidas.
Reconheço a voz de instantes atrás, e sim, o cara
mais lindo do mundo está com as mãos em minha
cintura, dentro do lago, me rebocando. Já que ele se
deu ao trabalho, “por que não, né?”, e me deixo
levar por ele. Fúria não tem medo de água, mas
treme o caminho todo, acredito que pelo susto da
queda.
Tadinha.
Nana nos encontra na margem e tira Fúria de
meus braços quando chegamos à terra seca.
— Este animal está mais para o demônio da
tasmânia do que para cachorro. O que você dá para
ela comer, pequena? — pergunta Nana, retórica. —
Vou levá-la para o deck para que possa se secar e te
encontro depois — avisa, afastando-se.
Deixo-me levar pela exaustão e me deito de
costas na areia, fechando meus olhos e soltando
uma gargalhada alta. Fúria pode não ser um
cachorro normal, mas ela é a melhor parceria que
eu poderia encontrar. Completamente sensorial.
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Sempre sabe quando estou para baixo, triste ou com


algo me incomodando. Nunca me sinto sozinha ao
seu lado. Permito sentir o sol tocando minha pele,
me aquecendo, me... — sinto a sensação,
abruptamente, bloqueada.
Revoltada, abro os olhos e vejo alguém de braços
cruzados me encarando.
— Ei, será que poderia sair da frente! — reclamo
me apoiando nos cotovelos e colocando uma das
mãos sobre os olhos para bloquear a claridade.
O estranho se agacha em minha frente,
equilibrando-se na ponta dos pés e se divertindo
com um sorriso torto nos lábios. Por um momento,
esqueço o que queria falar e tudo ao meu redor
congela. Pois, a verdade, é que estou perdida dentro
do par de olhos castanhos mais calorosos que já vi.
Olho para o céu e mentalizo um sinal de positivo
para o cara lá de cima. Ele realmente se esforçou
quando estava criando este ser maravilhoso que
está na minha frente.
Penso se bati a cabeça na queda ou algo do tipo,
mas não consigo lembrar. Devo estar sofrendo
algum efeito letárgico da queda.
Sinto que ele continua me encarando e pisco,
voltando ao mundo real.
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— Terra chamando, está tudo bem com você,


Anna? — pergunta o estranho, sem desviar os olhos
de mim.
Seu olhar era tão hipnotizante que me atrapalho
toda.
— N..., não... Quero dizer, sim, está tudo bem.
Desculpe, ainda estou processando os
acontecimentos.
Nossos olhares se encontram e ficam presos,
momentaneamente, um no outro. Então me lembro
que ele me chamou pelo meu nome.
Estreito os olhos.
— Você me conhece? — pergunto intrigada,
estudando seu rosto.
Ele me observa por um momento, vejo sua boca
se curvar, e ouço sua risada logo em seguida.
Juro, que foi a risada mais linda que já saiu da
boca de alguém.
— Anna, sou eu, Noah. Noah Collins, te
conheço, basicamente, desde que você usava
fraldas — diz ainda se divertindo.
— N-o-a-h! Repito seu nome, pausadamente —
feito uma retardada.
A última vez que vi Noah foi há dez anos quando
se inscreveu na Marinha e decidiu seguir carreira
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militar. Na época, ele tinha vinte anos, e até então


éramos como cão e gato, sempre brigando e
discutindo por qualquer motivo, mas nunca ficamos
um dia sem nos ver quando eu estava na cidade.
Apesar de tudo, preferia passar um dia ao lado do
Noah rabugento do que ao lado de qualquer outra
pessoa. Agora, olhando para ele, mal o reconheço.
Ele parece ter crescido em todos os lugares certos.
Mesmo agachado percebo que é muito mais alto do
que me recordo. Devia ter no mínimo um metro e
noventa. Sua roupa molhada colada ao corpo
deixava pouco para a minha imaginação, mostrando
o quando ele estava maravilhoso, malhado e
definido. Quando leva a mão aos cabelos e os
bagunça para retirar o excesso de água, visualizo
uma parte de uma tatuagem no bíceps, que continua
para cima do ombro e peito. Sua camiseta branca
não esconde que se trata de um desenho grande e
imediatamente desejo vê-lo por inteiro.
Este breve pensamento me assusta.
Quando ele volta a me encarar, fico sem
palavras. Seu cabelo curto e castanho está todo
bagunçado, sexy pra caramba. Seu rosto está mais
bronzeado, seus lábios mais cheios, e, quando ele
prende o lábio inferior entre os dentes, sinto uma
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pontada em meu interior. Seu rosto não tem nada


do menino que conheci. Está mais quadrado, com o
maxilar marcado, cílios longos e sobrancelhas
grossas arqueadas. A única coisa que eu reconheço
nele são os olhos. Noah sempre teve olhos
magníficos. Sua íris é de um âmbar tão claro, que
parecem raios do sol. Mesmo quando ele
infernizava minha vida e não se desculpava, era seu
olhar que me dizia que ele sentia muito.
Quando dou por mim, me jogo em cima dele e o
envolvo em um abraço forte. O movimento faz com
que ambos tombemos juntos na areia.
— Tudo bem, tudo bem, me deixa respirar, Anna
— me pede rindo, retribuindo meu abraço.
— Seu doido, por que se atirou no lago atrás de
mim? — Não sei por que perguntei isso ou por que
me atirei em cima dele ou por que estou adorando
sentir suas mãos ao meu redor. Mas, nada disso
importa. Tudo que importa é que ele é Noah!
Entre uma risada e outra, ele me responde:
— A última vez que te vi você não sabia nadar,
e..., bom, está um dia meio quente, sempre é bom
um motivo para se refrescar — responde
brincalhão.
Afasto-me dele gargalhando, porque é óbvio que
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falando assim eu me lembraria que ele é o Noah.


Ele se levanta e me oferece a mão, me puxando
para cima, sem esforço. Seus olhos se detêm por
alguns minutos a mais na frente do meu vestido e,
acompanhando seu olhar, percebo que meus
mamilos podem ser notados através do fino tecido.
Meu corpo parece responder a ele com vontade
própria, assim como meus pensamentos; agindo
com a maior naturalidade possível diante da
situação, cruzo os braços em frente ao corpo para
esconder minha excitação.
Noah desvia o rosto tentando disfarçar. Sigo seu
olhar e vejo vovó segurando Fúria com Gracie no
restaurante. Ambas estão sorrindo de forma
estranha e acenando para a gente.
Noah faz uma carreta ao ver as duas juntas.
— É melhor a gente ir até lá. Estas duas juntas
são um perigo.
Ele caminha em direção a elas. Sigo atrás dele e
sinto que minhas roupas e meu cabelo já estão um
pouco mais secos.
Ao chegar até elas, Gracie logo me toma em um
abraço.
— Anna, você fica mais linda cada vez que a
vejo — expressa ela com admiração.
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— Que isso, Gracie, você e vovó que são as


verdadeiras belezas deste lugar. Só pode ser o ar
das montanhas — retribuo o abraço, porque Gracie
sempre foi muito especial para mim. Ela tem a
idade de vovó, é um pouco gordinha, mas nada que
a deixe menos graciosa. Seus olhos são castanhos,
os cabelos brancos estão cortados curtos,
encaracolados. Seus óculos a deixam com uma
aparência ainda mais fofa.
— Percebo que os anos que passou sem nos
visitar não tiraram seu bom humor. Gosto disso.
Como acabou se molhando, eu e Nana, achamos
melhor separar o café da manhã para vocês levarem
para casa — ela se vira para Noah e aponta um
dedo para ele — e você, rapazinho, vá se trocar
para continuar a trabalhar.
Noah finge estar ofendido e não move um
músculo.
— Vou lá na cozinha buscar a comida —
informa Gracie se afastando e estreitando os olhos
para Noah.
Pego Fúria do colo de vovó. Seu pelo branco está
todo molhado e cheio de nós. Ela logo lambe meus
rosto, quando se acomoda em meus braços.
— Vejo porque escolheu este nome para ela —
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diz Noah ainda ao nosso lado.


Sorrio para ele.
— Sim, no começo não sabia que nome escolher,
mas, na primeira semana ela destruiu grande parte
dos meus sapatos e das minhas roupas, urinou por
todo meu apartamento, e por mais que eu tentasse
fazê-la se lembrar do local do banheiro, ela não
aprendia. Caminhei literalmente sobre merda
durante vários dias — conto me lembrando dos
tensos primeiros dias — além de ela latir para todos
os vizinhos sempre que alguém passava em frente à
nossa porta ou mesmo quando ela ouvia algum
carro na rua. Visitas foram suspensas por um bom
tempo, até eu e ela chegarmos a um acordo. Achei
conveniente — respondo, acariciando seus pelos.
Ele ri.
— Imagino que sim. Sua visita à cidade é curta
ou planeja ficar por um tempo? — Noah me
pergunta com interesse.
Minha saída de Nova York não foi planejada.
Tenho a passagem de volta já comprada para daqui
a duas semanas. Penso em responder isso a ele.
Mas, ao mesmo tempo, é como se algo tivesse me
puxado para este lugar, neste momento específico.
— Ainda não sei quanto tempo irei ficar.
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Noah parece compreender meu dilema e


simplesmente assente.
Gracie retorna, neste momento, entregando uma
sacola para vovó.
— Coloquei tudo de que mais gosta, querida.
Bem-vinda de volta — me diz novamente — Noah,
a comida não vai se levar às mesas por si só —
reclama Gracie a Noah.
Noah revira os olhos.
— Vou voltar ao trabalho escravo ou não serei
deixado em paz — Noah cutuca Gracie de volta,
em um gesto brincalhão.
— Espero te ver por aí, Anna – anuncia ao se
afastar.
Noah é o único parente vivo de Gracie. E assim
como vovó é para mim meu porto seguro, Gracie é,
para ele, o seu. A ligação entre eles é muito
parecida com a minha e de Nana. É visível o amor
no olhar de Gracie e admiração no de Noah.
Agradecemos e nos despedimos. Ao caminhar
para o carro, meu olhar fica preso segundos a mais
do que o necessário nas costas de Noah, no modo
como seu jeans fica bem em suas pernas, colados
em sua bunda firme, ou no modo como sua camisa
parece pequena, para cobrir aqueles ombros largos.
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Sinto um breve arrepio perpassar minha espinha.

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SEIS

DENTRO DO CARRO, já conto os segundos


para começar.

Três...
Dois..
Um.
— Vejo que reconheceu Noah — diz Nana,
como quem não quer nada.
Finjo demência olhando para fora da janela do
carro.
— Realmente aquele rapaz cresceu bem nos

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últimos anos — continua ela.


Tento me concentrar na paisagem, e... olha, será
que aquilo é um esquilo?
Desculpe, falso alarme.
Volto a me recostar no banco do carro.
— Não concorda comigo, pequena? — pergunta
vovó, ao volante.
Sinto a provocação da sua pergunta na hora.
Mesmo não querendo, me sinto enrubescer, quando
ela me analisa pelo canto dos olhos. Devo estar
batendo algum tipo de recorde, pois minhas
bochechas estão pegando fogo.
Qual é o meu problema?
Nunca fui dessas garotas encabuladas antes.
Sempre levei de boa este tipo de brincadeira. Mais
uma vez, acho que estou sofrendo de jetlag ou algo
do tipo. É óbvio que minha pequena inspeção de
poucos minutos atrás não passou despercebida. Por
sorte, a casa de vovó não é muito longe do centro
da cidade. Cerca de cinco minutos depois estamos
chegando ao portão. A propriedade é cercada de
grandes muros de pedras, o caminho até a entrada é
adornado por árvores, pinheiros, rosas e frésias
amarelas. A construção em pedras acinzentadas tem
grandes janelas e muitas chaminés. Vovó vive
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sozinha aqui há muitos anos e, apesar de a casa ser


enorme, só mantém uma pequena equipe que cuida
para que tudo funcione adequadamente.
Estacionamos, entramos na casa e é como se
nunca tivesse deixado este lugar. A escadaria desce
dos dois lados do saguão, o piso de madeira claro
reflete o imponente lustre central de cristal. Vamos
à sala e tudo está como me recordo. Os móveis
claros, os detalhes de madeira nos acabamentos, os
revestimentos de pedra, os vasos de rosas, hoje
amarelas, que vovó colhe todos os dias. Tudo,
absolutamente tudo neste lugar me encanta.
Nos acomodamos em frente à lareira e logo Fúria
pula do meu colo e começa a correr pelo sala. Em
seguida, Marie, a cozinheira de vovó, entra na sala
com vários pratos e os dispõe na mesa de centro.
— Bem-vinda de volta, srta. Anna. — me
cumprimenta.
— Olá Marie, obrigada, é muito bom estar de
volta — respondo.
Marie sempre esteve ao lado de vovó. Acredito
que deva ter uns cinquenta anos, nunca perguntei.
Ela traz vários pratos em seu braço, nos quais
distribui os waffles, tortas e pães que Gracie
separou. Nana deve ter ligado para ela enquanto eu
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e Noah estávamos conversando na areia.


Após organizar a mesa, deixa-nos para buscar o
café.
— Meu Deus, Gracie se superou! — digo
animada com meus pratos favoritos do restaurante
na minha frente.
— Ela também se lembrou da calda de frutas
vermelhas — acrescenta vovó, tirando da última
sacola um frasco com um líquido vermelho-sangue
e o colocando na mesa.
Pequenos gestos como esse me deixam sem
palavras. Estas pessoas, que vejo com menos
frequência do que gostaria, me conhecem mais que
minha própria família. Isso deveria me deixar triste,
mas, na verdade, tem o efeito contrário; deveria ter
vindo para cá muito antes.
Vovó observa meu silêncio.
— Algum problema? — me pergunta Nana.
Relaxando no sofá respondo.
— De forma alguma. Só estou feliz de estar aqui
com você.
Marie entra com café, nos serve e pergunta se
pode levar Fúria para o quintal. Respondo que sim,
rezando para que ela se comporte. Quando estamos
a sós novamente, vovó me encara com preocupação
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no seu lindo rosto.


— Eu deveria ter te ligado antes. Não sabia que
você estava tão desanimada. Ninguém tem que
enfrentar todos os problemas sozinha, pequena.
Você tem que deixar as pessoas que amam você
chegarem até você.
Sei do que ela está falando e sei que não se refere
só ao que ocorreu com Ethan. Vovó viu de perto
meu afastamento de meus pais. Ela tentou interferir
em meu favor inúmeras vezes, mas não permiti.
Não quero que meus problemas influenciem sua
relação com eles. Neste momento, ela deve estar
pensando que em uma situação como esta as
pessoas normalmente correm para seus familiares
mais próximos e não para os que estão do outro
lado do país.
Respiro fundo.
— Eu achava que estava tudo bem. Acho que, o
término com Ethan meio que trouxe sentimentos
antigos à tona — admito o que nós duas já
sabemos.
Vovó assente com a cabeça.
— Aqueles dois são orgulhosos demais. Um dia,
eles voltarão atrás, minha menina — diz, tentando
me tranquilizar.
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Desde pequena, vovó me chama de muitas


formas carinhosas; minha preferida é pequena. Ela
diz que desde o dia em que colocou seus olhos em
mim foi como se sua vida se enchesse de luz e
naquele momento ela soube que me amaria e me
protegeria para sempre. E desde então é o que mais
ela tem feito. Seu amor e sua fé em mim são sem
limites.
— Espero que sim — reflito. — Penso neles com
frequência. Tento ao máximo não me deixar afetar
pelo modo como as coisas aconteceram e pelas
palavras que foram ditas. Entretanto, alguns dias
são piores que outros e, somando-se o que ocorreu
com Ethan — meneio a cabeça e concluo — talvez,
eu não tenha lidado muito bem com tudo, afinal.
Ela concorda em silêncio.
— Foi tão de repente. Um dia estava tudo bem e
no outro mudou — digo pensativa. — Ainda não
encontrei todas as respostas para as minhas
perguntas, mas, ultimamente, tenho me questionado
sobre o que eu e Ethan tínhamos. E, por fim,
acredito que nos amávamos, mas tenho que
concordar com ele, que não éramos mais
apaixonados um pelo outro. Não existia aquela
química, aquela sintonia, ou mesmo, aquela
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explosão. Era mais uma relação de amizade que


qualquer outra coisa. Talvez seja disso que eu sinta
mais falta. De apenas conversar com ele, perguntar
como foi seu dia, de contar como foi o meu, de
sentarmos para jantar e rirmos juntos — observo a
ela. — Ainda não me acostumei a não o ter em
minha vida. O espaço que ele deixou aberto
continua aberto. Entende, vovó? — pergunto,
olhando para ela.
— Claro que sim, pequena.
Ela deve estar pensando no vovô agora. Logo
após ele nos deixar, eu tinha medo de que vovó
fosse perder um pouco do seu jeito alegre de
encarar a vida, entrar em uma depressão ou algo do
tipo. Eles foram o primeiro amor um do outro e
conquistaram tudo na vida juntos, como iguais e
parceiros. As poucas vezes em que os vi discutindo,
logo se entendiam. Ter presenciado a existência
deste tipo de amor me deu outra perspectiva sobre o
tema, e alguma esperança. Uma bem diferente da
que eu vivenciava na casa dos meus pais. Vovó
nunca chorou após o enterro, pois sempre disse que
ela teve a sorte de encontrar seu grande amor e de
compartilhar sua história com ele.
Olho ao redor da sala
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— Esta casa me traz muitas lembranças. Lembro


que aqui falei minhas primeiras palavras — digo
apontando para a frente da lareira.
— Não creio que “gaga” seja uma palavra,
Anna — se diverte ela.
— Bom, eu mostrava grande potencial já com
um ano e meio, eu era um bebê prodígio.
Rimos uma para a outra.
— Nesta casa aprendi a andar de bicicleta com o
vovô, cozinhei meu primeiro cupcake contigo. Este
lugar é cheio das melhores memórias e amor.
Sempre me sinto cercada de amor aqui.
— Você foi uma das maiores felicidades na
minha vida e do seu avô. Sempre encheu esta casa
de alegria.
— Sinto tanto a falta dele — confidencio a ela.
— Eu também, minha menina, eu também —
responde com emoção.
Em nossos olhares, presos um ao outro, sinto o
peso das palavras e sei que vovô sempre será nosso
anjo da guarda, guiando-nos pela estrada da vida.
Quem sabe, minha vinda para cá tenha o toque
dele? Quem sabe, ele não tenha orquestrado todos
estes acontecimentos? Estou pensando nisso
enquanto terminamos nosso café.
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Ainda estava lambendo o garfo com a calda de


morango, quando Nana se levantou.
— Está um dia lindo e temos muito o que fazer.
Eu tenho um jardim para cuidar e você uma mala
para desfazer. Seu quarto de sempre já está
preparado — me comunica e me dá as costas,
dando tchauzinho com as mãos, indo em direção ao
jardim.
Nana, sendo Nana.
Fico mais alguns minutos na sala, depois subo as
escadas em direção à última porta do corredor do
lado direito. Abro a porta e aprecio este quarto que,
ao longo dos anos, passou por tantas
transformações quanto eu. Foi de rosa com papel de
parede de unicórnios, para amarelo com mesa para
um notebook. Hoje está em tons pastéis de verde e
detalhes em madeira. Uma grande cama localizada
no centro com cabeceira para livros, uma porta
lateral que leva a um banheiro e uma outra porta
que leva a uma sacada. Abro a porta da sacada e
vou até o parapeito. Me apoio nele e observo Marie
com Fúria no quintal. Ela está correndo em círculos
a toda velocidade, tonteando a Marie, que ri e
parece não se importar.
Minha pequena bola de pelos está feliz por estar
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aqui, assim como eu estou.

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SETE

RISADAS E CONVERSAS ECOAM DA


COZINHA, onde Nana e Marie estão conversando.
— Bom dia — cumprimento as duas.
— Dormiu bem, pequena? — pergunta vovó.
— Maravilhosamente bem. Não me lembro da
última vez que dormi até tão tarde — respondo
indo até a cafeteira.
São quase onze da manhã. Devia estar realmente
cansada para ter dormido tanto. É um luxo que
nunca me dou. Não gosto de perder tantas horas do
meu dia. Mas o lado bom é que me sinto

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recarregada e cheia de energia para gastar.


— Imaginei, por isso quis te acordar — Nana me
dá um sorriso, com o canto dos lábios.
Escuto alguns latidos e pela janela vejo Fúria ao
lado de Peter, o jardineiro. O homem, grisalho, esta
ajoelhado, cuidando das plantas. Rega, poda e
arranca as folhas mortas, com ritmo e precisão.
Fúria esta agarrada à sua calça, os dentes fechados
no tecido, puxando com esforço, enquanto rosna.
Quando ela solta, volta a latir. E, abanando o
rabinho, volta a morder. Ele parecia não se
importar.
Já falei que ela era um anjinho, certo?
— Hum, acho que vou lá fora pegar minha
pequena monstra.
Marie intervém, da pia onde está lavando a
louça.
— Não é necessário. Peter não se importa e até
gosta da companhia.
Olho para eles novamente, e ela está correta.
Peter está se divertindo. Até finge que vai pegar
Fúria, que se afasta, e quando ele se vira, ela volta a
morder.
— Ok, mas me lembre de comprar uma calça
nova para ele depois.
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Este comentário enche a cozinha de gargalhadas.


Um tempo depois, Nana pergunta:
— Gostaria de comer algo?
— Ainda não.
Ela comprime os lábios. Minha resposta não a
agrada e ela logo desconversa.
— Já comecei a preparar o almoço, almôndegas
de carne — diz da bancada, onde está temperando e
amassando a carne. Eu amo suas almôndegas. Só
de pensar já fico com água na boca. Lambo meus
lábios. O gesto traz um brilho de alegria para os
olhos de vovó, que sorri para mim.
— Só posso dizer que sou uma garota de sorte —
respondo a ela.
Nana pisca para mim.
O café fica pronto e me sirvo uma xícara. O
aroma forte e pungente da bebida de que tanto
gosto me deixa ainda mais desperta. Sento em uma
das cadeiras e observo Nana e Marie, que
continuam a conversar. Do jardim, Fúria não dá
folga a Peter, que continua a cuidar dos canteiros
floridos.
Termino o café e alongo as pernas.
— Vou dar uma corrida ao redor do lago —
aviso pouco antes de sair.
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Ando pelo jardim até chegar a parte de terra que


circunda o lago. Algumas partes do caminho são de
terra escura, outras de pedras, e outras de madeira.
O sol, já alto, refletindo na superfície do imenso
lago azul-esverdeado, mais escuro em algumas
partes por causa das sombras das nuvens do céu.
No centro, havia pequenas ilhas. Nas margens, o
lago era adornado por pedras acinzentadas e
natureza baixa. Mais ao fundo, viam-se montanhas
imponentes com seus topos cobertos de neve,
mesmo no verão. A imagem à minha frente parece
um quadro pintado por um artista. Um artista
extremamente talentoso.
Começo meu trote. Estou tão cheia de energia
que minha pele parece pinicar.
Quando eu era criança, vinha até aqui com Noah
e apostávamos quem conseguiria fazer as pedras
quicarem mais longe na superfície do lago.
Sorrio com a lembrança.

— Por quê as meninas são tão chatas? — Noah me


perguntou, sentado em um tronco de árvore caído,
brincando com algumas pedrinhas entre seus dedos.
Virei-me para ele.

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— Por que você acha que todas as meninas são chatas?


— retruco.
— Ué, porque elas simplesmente são. — me diz, como se
este comentário esclarecesse muita coisa.
Irritada, eu me aproximo dele.
— Eu não sou chata não — esclareço, levando as mãos
aos quadris.
Ele levantou sua cabeça para me encarar. Parecia pensar
na resposta.
Bufo, um pouco alto, demonstrando minha impaciência.
— É. para uma menina, até que você é legalzinha —
conclui depois de muitos minutos.
— Legalzinha. Vou te mostrar quem é legalzinha. Vem
aqui, seu tapado — digo correndo até ele.
Noah previu meu movimento, levantou-se antes de eu
chegar até ele e começou a correr pela areia. Eu corri atrás
dele, mas não por muito tempo. Como estávamos descalços,
algumas pedras machucavam meus pés. A sola dos pés de
Noah devia ser tão dura quanto sua cabeça oca e por isso
ele conseguia correr mais rápido do que eu, como se não
sentisse nenhum desconforto.
Ele me provocava a distância e eu tentei ao máximo
alcançá-lo. Até cheguei a jogar algumas pedras em sua
direção, tentando em vão acertar sua cabeça.
Isso o fez intensificar suas risadas.
Uuuuuuurrrrhhhhh.
Como ele era irritante.
Odeio ele, odeio ele, odeioooo ele.
Quando o perdi de vista, me virei roxa de raiva e, batendo
os pés, marchei para a casa de vovó.

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A lembrança faz eu pensar no dia de ontem e em


como Noah estava fascinante, molhado, na minha
frente. Ontem à noite um pensamento indecente
atrapalhou meu sono. Em como seria o corpo
embaixo daquelas roupas, no chuveiro. A água
fluindo, deslizando por todas as partes que eu
analisei tão de perto. Minha mente me
proporcionou imagens perturbadoramente vívidas.
Balanço a cabeça tentando expulsar estas imagens
da minha imaginação. Então, lembrei-me da
sensação de seus dedos tocando minha pele, o que
tornou isso ainda mais difícil.
Mesmo quando eu e Ethan estávamos na fase de
descobrir as partes boas um no outro, no início de
nosso namoro, nunca me considerei fogosa. Não
que eu tivesse muita experiência, ele foi meu
primeiro e único. Talvez em algumas ocasiões, com
uma lingerie mais provocante, uma maquiagem
mais marcada, um batom mais escuro. Mas, nunca
fiquei fantasiando sobre Ethan, nem seco, nem
molhado. Noah mexeu comigo mais do que eu
estava preparada para admitir.
Há minha frente, o tempo estava bom, e uma
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leve brisa de verão refrescava a cobertura de um dia


de sol escaldante.
No final da corrida, vejo a casa ao lado da de
Nana com uma placa de venda. Curiosa, mudo o
percurso e avanço em direção a ela. Era linda, com
paredes revestidas de madeira escura acinzentada,
enormes janelões escuros por toda construção e
telhado preto. Era uma construção moderna, com
um deck de madeira enorme nos fundos. Circulo a
casa, e na frente havia outro deck, menor, e uma
garagem para carros à direita. Um caminho de
pedras e cascalhos ligava a casa e a garagem até o
portão. Subo os degraus, com cuidado, a madeira
estalando contra o meu peso. Ando até uma das
janelas e me agacho para enxergar o interior, mas
não consigo ver nada. As janelas estavam
bloqueadas por dentro.
O local não parecida abandonado, mas precisava
de reparos. Ao redor existiam enormes pinheiros.
Seus topos cheios faziam sombra, e os pequenos
feixes de luz que atravessam suas folhas deixam o
jardim parecido com um bosque iluminado. Nunca
havia reparado nesta construção antes, mas se eu
pudesse escolher um estilo de casa para morar seria
como este. Pensativa, volto para o caminho e, em
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menos de um minuto, estou entrando na cozinha de


Nana.
Um cheiro maravilhoso me atinge.
— Vovó, sabe de quem é a propriedade ao lado,
a que está à venda? — pergunto a ela, enquanto
pego uma garrafinha de água na geladeira e a levo
aos lábios.
O líquido é bem-vindo em minha garganta seca.
— Era a casa de veraneio da família Richard.
Soube que eles se divorciaram no início do ano.
Colocaram a casa para venda há algumas semanas.
Por quê? — me pergunta do fogão.
— Curiosidade — respondo, intrigada.
Tomo mais alguns goles.
— Hoje à tarde irei ao centro; gostaria de me
acompanhar? — a voz de Nana, me chama atenção.
— Adoraria — respondo, imediatamente.
— Mais uns quinze minutos e o almoço estará
pronto.
— Ótimo, porque estou faminta — respondo
animada.
Pelo jeito meu apetite estava retornando.

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ESTAMOS CAMINHANDO PELA CALÇADA


À TARDE, comendo um sorvete. Nossos cabelos
estavam soltos e escovados, depois de sairmos do
salão da Gaby. Ri tanto hoje, como não o fazia há
séculos. Uma única ida ao salão e já sei de todas as
fofocas da cidade. Quem casou com quem, quem
separou, quem teve filho. Quando paramos para
atravessar a rua até o carro de Nana, vejo uma
pequena imobiliária em frente à vaga que
estacionamos que me chama a atenção.
Atravessamos a rua e me aproximo. Meus olhos
vagam pelos anúncios de imóveis a venda na
vitrine. Meu coração dá um salto, quando encontro
o que estava procurando.
— Gostaria de entrar? — pergunta Nana ao meu
lado.
Gostaria? Penso por um instante.
Quanto mais tempo eu olho a foto em minha
frente, mas eu quero responder que sim. Porém, ao
mesmo tempo, resisto. Afinal, o que eu faria com
uma casa na Califórnia? Minha vida está em
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Manhattan, meu emprego esta lá, meus amigos,


minha fam... meneio a cabeça. Minha família.
Pensar neles ainda me causava dor.
Recuo alguns passos.
— Hoje não, vovó — respondo a ela e voltamos
para casa.

CRIAMOS UMA ROTINA NOS PRÓXIMOS


DIAS. De manhã cedo vou correr. Na volta, sempre
passo alguns minutos sentada no deck da casa ao
lado. Um dia fiquei curiosa de como seria ver o
nascer do sol daqui e quis ver com os próprios
olhos. Acordei de madrugada e ainda no escuro,
enrolei um cobertor em meus ombros e com o
auxilio de uma lanterna, cheguei até os degraus e
me sentei. Então, esperei. Bebericando minha
caneca de café, aguardei até os primeiros raios
surgirem no horizonte. Era surpreendente observar
quantas cores compõem o nascer do sol. Havia
laranja, amarelo, violeta, um pouco de vermelho.
Palavras não fariam jus à experiência. Era muito
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mais do que uma bela visão.


Volto para casa quando o sol está alto e começo
a preparar o café da manhã. Tenho cozinhado
várias receitas. Tantas que a geladeira esta repleta
de opções: Brownie’s, pães, tortas e bolos. Com o
passar dos dias, minha aparência volta a ser
saudável. As olheiras diminuem, minha pele está
mais vistosa e meu apetite retornou. Meu corpo está
se recuperando e minha mente está em paz. Com
isso, pude refletir sobre questões antigas e
compreender que, sem querer, culpei meus pais por
muita coisa, quando eu mesma não fiz nada para
mudar os resultados. Eu não insisti, desisti, e
também não os procurei. Estava com o coração tão
cheio de ressentimentos que não percebi meu erro.
Tenho consciência disso hoje. Incline Village
estava me curando aos poucos. Pena que dentro de
poucos dias iria embora. Minha passagem de volta
para Nova York estava marcada para dali a dois
dias. Eu não me sentia preparada para deixar este
lugar.
Durante uma de nossas tardes no centro, Nana e
eu paramos em frente à imobiliária novamente.
Todos os dias vínhamos até aqui, e todos os dias
Nana me convidava a entrar e todos os dias eu
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declinava seu convite. Pelo menos, até hoje. A


constatação de que meu tempo era limitado mudou
algo em mim.
— Hoje eu gostaria de entrar vovó. Vem
comigo? — pergunto a ela, decidida.
Seus olhos arregalaram e, na mesma hora, ela me
puxou pelo braço, e me arrastou em direção à porta.
Por dentro, o espaço era pequeno e organizado. A
sala era estreita e profunda, com paredes claras,
algumas plantas, duas mesas, computadores,
poltronas e uma grande mesa redonda próxima à
porta e à vitrine. Uma mulher jovem e magra de
uns vinte e cinco anos se aproxima e nos
cumprimenta.
— Bem-vindas a Village Imóveis, eu sou a
Bianca, como posso ajudá-las — nos cumprimenta
solícita.
— Gostaríamos de ver uma propriedade —
respondo, um pouco nervosa.
— Claro — concorda, levando-nos até a mesa e
puxando as cadeiras — vocês têm alguma
preferência? Tamanho? Localidade? Estilo?
Sentamos, e ela logo dispões vários folders sobre
a mesa.
— Na verdade, tenho interesse em algo
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específico — respondo.
Quando localizo o que procuro, trago a imagem
para mais perto de mim.
— É está aqui — digo, hipnotizada.
— Ah, a propriedade dos Richard — me diz,
prendendo uma mexa de seu cabelo curto, de corte
moderno, atrás da orelha — uma das mais belas
propriedades em nosso catálogo. Está localizada em
uma parte mais reservada da cidade. Possui ótima
posição solar, e, dizem que a costa aonde está
erguida, tem a melhor vista do pôr do sol da região.
Eu sabia, eu o tinha visto nos últimos dias. O sol
se pondo, conseguia ser ainda mais surpreendente
que ele nascendo. A foto, em minhas mãos, era de
alguns anos atrás. A casa estava em seu auge.
Parecia ter sido recém-construída.
— Gostaria de conhecer a propriedade? — a voz
de Bianca chama minha atenção.
Minha resposta sai rápida.
— Com certeza.
Ela se levanta, não perdendo a oportunidade.
— Ótimo. Vocês estão de carro ou gostariam de
vir comigo no meu?
— Estamos de carro, seguimos você — Nana
responde por mim.
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— Certo. Só vou pegar as chaves e já partimos.


Bianca vai para a sua mesa, abre uma gaveta e
volta com um molho de chaves em sua mão.

HORAS MAIS TARDE, ESTOU SENTADA


sozinha no deck dos fundos. Foi loucura, eu sei,
mas eu não consigo parar de sorrir. Sinto câimbra
no rosto de tanto que não consigo parar de sorrir.
— Eu comprei uma casa! — berro e minha voz
ecoa pelas árvores.
Eu sempre tive uma boa reserva de dinheiro.
Ganhei uma parte dos meus pais e conquistei a
outra com o meu trabalho, fiz bons investimentos e
o valor foi se multiplicando. Logo eu tocaria nesta
reserva pela primeira vez.
Não é nada grande comparado ao apartamento
dos meus pais ou a casa de minha avó. Tem três
quartos no segundo piso, três banheiros, uma
cozinha grande, uma lavanderia, um pequeno
escritório e uma sala com lareira. Toda casa é bem
iluminada por janelões, que, como suspeitei, estão
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bloqueados por grandes placas de madeira.


Amanhã, depois de assinar os papéis irei, a uma
loja de ferramentas, procurar algo que possa para
removê-las.
Amanhã! Amanhã vamos assinar os papéis e ela
será, oficialmente, minha!
Ainda não consigo acreditar.
Também não consigo parar de sorrir. Já nem me
importo mais com a câimbra em meu rosto, quando
me sinto dominada pela euforia.

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OITO

TOCO A CAMPAINHA E AGUARDO. Pouco


depois, aparece um jovem rapaz carregando uma
caixa sobre o ombro direito. Ele aparentava ter uns
dezoito anos. Forte, magro, de cabelo escuro curto,
barba rala e um sorriso simpático.
Com cuidado, acomoda a caixa no balcão e vem
ao meu encontro.
— Olá, moça bonita, eu sou o Mattew, como
posso ajudá-la?
Sorrio com o elogio.
— Estou procurando algum tipo de ferramenta

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para remover as placas de madeira que estão


pregadas às minhas janelas, ou melhor, as janelas
da minha casa — corrijo a tempo.
Ele assente.
— Temos algumas opções, por favor, me
acompanhe.
Ele sai pela portinha do balcão e eu o sigo até as
prateleiras que estão enfileiradas mais ao fundo.
Ele me mostra uma série de ferramentas: martelos,
chaves de fenda e alicates. E fico feito uma barata
tonta tentando acompanhar sua explicação.
Um pouco confusa, pergunto a ele:
— Qual delas acredita que eu consiga manejar
com mais facilidade?
Ele faz uma careta, seus olhos descendo pelo
meu corpo.
— Você? — diz, descrente.
Fiquei um tanto ofendida pelo seu comentário.
Tudo bem que nunca manejei um martelo antes,
mas que dificuldade teria isso?
Abro a boca para responder, mas sou
interrompida por uma voz grossa que deixa os
pelos dos meus braços arrepiados na hora.
— Nenhuma destas ferramentas foram feitas
para serem empunhadas por mulheres, Anna!
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Nunca antes escutar meu nome me trouxe a


sensação de borboletas no estômago.
Droga de hormônios!
Preciso começar a correr novamente e gastar a
energia acumulada.
Com calma giro sobre os calcanhares.
— Não? — pergunto a Noah.
Assim que ele entra completamente no meu
campo de visão, fico embasbacada na hora.
— É para isso que servem os homens — Noah
concluí parado à minha frente.
Ele estava relaxado com as mãos nos bolsos de
sua calça social. Vestia um terno preto que só pode
ter sido feito sob medida, porque abraçava seu
corpo com perfeição. Era testosterona pura em
forma de homem. Nem que eu tentasse conseguiria
desgrudar meus olhos dele e parar de admirar cada
parte sedutora de seu corpo. Definitivamente, não
estava preparada para isso; deslumbrada, meu
cérebro entrava em curto-circuito. A gravata de
Noah estava frouxa, e a camisa desabotoada
revelava um pouco do seu peitoral bronzeado e liso.
O casaco largado por cima do seu ombro, como se
tivesse sido atirado ali, com descuido. O maxilar,
limpo após a barba da manhã. Seu cabelo estava
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um pouco bagunçado, como se ele tivesse acabado


de passar a mão pelos fios escuros.
Não me lembro de alguma vez ter visto um
homem tão sedutor.
Ele me observava com um olhar
perturbadoramente íntimo, fazendo-me pensar se
ele era capaz de ler minha mente. Com os
pensamentos que fluíam por ela neste instante, eu
torcia para que não.
Eu só conseguia pensar: “Uau!”
— Obrigado — ele me agradece, com um sorriso
convencido naqueles lábios indecentes.
Ruborizo na mesma hora. Devo ter verbalizado
meus pensamentos em voz alta.
Noah, solta uma gargalhada, que faz seu corpo
tremer.
Eu estava morrendo de vergonha. Era oficial, eu
não tinha qualquer controle sobre meus
pensamentos, perto desse homem.
Quando ele, finalmente, para de ri, volta-se para
mim e aponta para as ferramentas.
— O que pretende com isso, afinal? — quer
saber Noah.
Quase o agradeço por tirar o foco do meu
constrangimento.
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— Preciso remover algumas placas de madeira


das minhas janelas.
Ele enruga a testa.
— Suas janelas?
Me dou um tapa mentalmente.
— Ah, eu deveria ter começado com esta
informação, não? — Respondo coçando a cabeça.
— Eu, meio que, comprei uma casa.
Ele arregala os olhos.
— Sério? — ele pergunta espantado.
Sei que é loucura, ainda mais quando escuto isso
da boca de outra pessoa. Nana estava ao meu lado
quando tomei a decisão, e no seu rosto não existia
nenhuma dúvida. Era como se ela já soubesse que
eu iria comprá-la. Ela ficou radiante e já pediu para
ser construído um caminho de pedras com um
portãozinho de ferro, ligando as duas propriedades.
Estamos fazendo planos para eu vir mais vezes para
cá. Toda vez que lembro que partirei logo, sinto um
aperto em meu coração. É como se a cidade
estivesse me enviando sinais para ficar. E eu estou
cada vez mais tentada a escutá-la.
Noah continua me encarrando, e me dou conta de
que eu não havia lhe dado uma resposta.
— Sim, comprei a antiga residência da família
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Richard.
Ele demora um pouco a entender. Mas quando
compreende, sua face se transforma, e ele abre um
sorriso genuíno, mostrando todos seus dentes
brancos perfeitos. Em poucos passos ele me toma
nos seus braços, me erguendo do chão, e planta um
beijo estalado em minha bochecha.
— Mas isso é ótimo — ele me diz eufórico.
Coloco minhas mãos em seus ombros largos,
sentindo seus músculos através do tecido. Ele me
faz rodopiar dentro da loja, no meio de um
corredor, entre as prateleiras. Eu me deixo levar
pelo momento e jogo minha cabeça para trás.
Quando paramos, ficamos presos nos olhares um
do outro e meu sorriso vai diminuindo quando noto
a intensidade do momento. Fico rígida em seus
braços. Ele percebe minha mudança e me coloca no
chão, devagar, afastando-se em seguida.
Nervosa, coloco uma mexa de cabelo atrás da
orelha.
— O que nos traz de volta a este momento.
Minhas janelas estão bloqueadas e preciso de algo
para solucionar o problema — digo apontando para
as ferramentas.
— Creio que eu já tenha deixado claro que isso
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não é trabalho para uma mulher. Para sua sorte tem


um homem disponível, bem aqui.
Ele está sorridente.
— Perfeito — digo aliviada, pois não saberia por
onde começar.
Viro-me para Mattew e lhe pergunto:
— Quanto você cobra a hora?
Ele parece não entender e quando estava prestes
a falar, uma garganta raspa ao nosso lado. Quando
volto-me para Noah, ele está encarando Mattew de
forma esquisita.
— Homem errado, Anna. Mattew mal começou a
desenvolver os músculos — afirma e aponta o
dedão para si.
Meneio a cabeça e arqueio as sobrancelhas.
— Não quero atrapalhar seu dia — digo olhando
para suas roupas.
Ele dá de ombros.
— Acabei de voltar de uma reunião. Odeio usar
terno e gravata, mas às vezes é necessário. Não
tenho mais nenhum compromisso hoje. Só vou ao
meu escritório vestir algo menos formal e podemos
partir — ele se vira para Mattew. — Leve Anna
para a recepção e sirva um café para ela.
Noah estende o braço e toca em meus ombros.
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Seu toque é familiar e gostoso.


— Não demorarei — promete, me dando um
leve sorriso antes de se afastar.
Escuto suas passadas no chão de concreto,
enquanto encaro novamente sua bunda.
Será que alguma vez vou ter controle e não ficar
babando sempre que ele me der suas costas?
Estava com o corpo inclinado para trás, espiando
Noah atrás da prateleira. Quase me desequilibro e
deixo cair uma chave de fenda, quando a voz de
Mattew soa ao meu lado.
— Então, como gosta do seu café?
Me volto a ele com o rosto queimando e com
vergonha respondo:
— Puro e sem açúcar — digo abaixando os olhos
e entregando-lhe a ferramenta.
Sigo-o balançando a cabeça, precisava lembrar a
mim mesma que Noah era somente um amigo.

ESTOU SENTADA EM UMA POLTRONA,


bem confortável, de couro marrom ao lado da porta
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de entrada. Já havia terminado meu café e estava


observando o movimento da loja. Mattew não
parou de atender desde que me acomodou aqui. O
estabelecimento tinha o piso de concreto e o teto
em vigas de madeira grossas. Na recepção, existia
um grande balcão de vidro e, atrás dele, um painel
repleto de ferramentas.
Mandei uma rápida mensagem a Nana, avisando
que ela não precisava vir me buscar, que eu havia
encontrado uma carona. Quando ela me perguntou
quem não respondi. Já conhecia a capacidade dela
de romantizar tudo e preferi não incentivar sua
imaginação. Era só uma carona e uma ajuda de um
amigo, repetia a mim mesma.
Estava com a cabeça virada para os fundos
quando Noah surgiu por uma das portas. Ele trocou
de roupa e optou por uma calça jeans azul justa,
botas marrons e a mesma camisa que estava
vestindo antes, agora dobrada em seu cotovelo. Em
uma das mãos, carregava uma grande maleta de
couro.
Alcançou-me em pouco tempo.
— O que achou da loja? — pergunta interessado.
— Movimentada. Acredito que o Mattew precisa
de ajuda — respondo me levantando.
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— Nã! — diz com desdém — ele é jovem,


consegue dar conta. Tive que dar folga para o Tim.
A esposa dele entrou em trabalho de parto ontem de
noite.
Nossa! As notícias correm rápido nas cidades
pequenas. Todo mundo sabe da vida de todo
mundo mesmo. A menos....
Arregalo os olhos.
— A loja é sua — afirmo, impressionada.
Ele balança a cabeça se divertindo de minha
descoberta.
— Não fazia ideia.
— Deu para perceber — ele brinca.
Repuxo os lábios e levo minha mão em direção a
sua cintura para lhe dar um beliscão, como
fazíamos quando crianças. Mas ele interrompe o
movimento segurando meu pulso.
— Você sempre tão previsível — diz com a voz
baixa, os olhos presos nos meus.
— E você, sempre tão irritante — retruco.
Seu sorriso se expande em divertimento.
Estamos tão próximos que nossas cabeças estão a
um palmo de distância.
— Noah — chama uma voz.
Quando me viro vejo Bianca parada na entrada
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da loja, usando um vestido curto marrom, preso na


cintura por um cinto largo e botas de salto alto.
Seus cabelos castanhos curtos, estão presos com
alguns fios caindo por seu rosto. Ela está maquiada
e seus olhos castanhos parecem maiores marcados
de preto.
— Bianca — Noah cumprimenta sem
entusiasmo. Toda descontração de segundos a trás é
substituída pela frieza com que ele lhe dirigiu estas
palavras.
O olhar de Bianca dispara entre eu e Noah,
enquanto se aproxima, rebolando mais do que o
necessário.
— Preciso da sua ajuda novamente; o interruptor
da cozinha da minha casa continua dando curtos —
pede suave a ele.
— Estou de saída, e Tim, só volta em três dias.
Mattew poderá ajudá-la em algum horário amanhã.
Só marcar com ele — Noah aponta para o balcão.
Ela faz biquinho.
— Mas, Mattew já foi nas últimas duas vezes e
não consertou. Será que você poderia me ajudar
como fez daquela primeira vez?
Bianca morde o lábio inferior, comendo o corpo
de Noah com o olhar.
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Que menina mais descarada.


Garota ele não quer ir.
Alôôôôô!!!
— Infelizmente, estou de saída. E prevejo que
andarei muito, muito ocupado nas próximas
semanas, talvez até nos próximos meses — avisa
com os lábios espremidos. — Seria melhor agendar
com o Mattew e resolver o problema o quanto
antes.
Deixo uma risada baixa escapar pelos lábios.
Oops!
Bianca, me fuzila com seu olhar.
— Vamos querida? — pergunta Noah.
Eu olho para os lados procurando com quem ele
esta falando agora. Noah se aproxima e escorrega
seu braço ao redor da minha cintura, puxando-me
para mais perto. Minha blusa se levanta um pouco e
sinto sua mão fazendo carinhos em minha barriga,
deixando-me superconsciente do contato de cada
um de seus dedos em minha pele. Ergo meu rosto
para perguntar o que diabos ele está fazendo,
quando percebo que seus olhos percorrem todo o
comprimento de meu corpo. Sua atenção sobre
minha pele, como se fossem suas mãos. Mesmo
com todo o movimento a nossa volta, a intimidade
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do momento bloqueia todo o resto.


Inesperadamente, sou tomada por um desejo que se
inflama, atingindo todo meu corpo e se alastrando
em chama ardente.
Desvio o rosto, para que ele não veja o efeito que
causa em mim. Noah, continua com as carícias,
quando me diz, próximo ao ouvido:
— Ainda não te disse, mas você está linda hoje.
— E se volta para Bianca — nos vemos por aí —
diz me rebocando.
Ele não me dá chance de responder, e eu não
tenho coragem de encarar Bianca depois de toda
esta encenação. Deixo que ele me arraste para fora
da loja, com as mãos ainda em minha cintura.
Caminhamos alguns passos até chegar a uma
grande Range Rover preta. Ele abre a porta para
mim e eu entro rapidamente. Escuto-o fechar a
minha porta, depositar sua maleta no porta-malas e
logo em seguida abrir a do lado do motorista.
Dentro do veículo, ele joga a cabeça para trás e
solta uma risada que parecia estar presa em sua
garganta. Seu corpo chacoalha tanto que sinto o
carro balançar. Quando se acalma, percebo as
lágrimas que se formaram nos cantos dos seus
olhos.
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Fecho o cenho, aguardando uma explicação.


— Muito obrigado por isso — agradece
colocando a chave na ignição e colocando o carro
em movimento.
— Oi? Continuo sem entender aqui — observo a
ele.
Seus olhos cintilam em zombaria.
— Ah é, desculpa — concorda comigo.
Porém, em vez de explicar, volta a gargalhar.
— Noah!
Ele percebe minha irritação.
— Desculpa, desculpa, mas não podia deixar de
aproveitar o momento. Ando me sentindo meio
perseguido nos últimos meses — me confessa.
Imaginando o porquê, estreito os olhos para ele.
— Ok, ok. Pode tirar este olhar do bonequinho
Chuck dessa sua linda cara. Não combina com
você.
— Ele sempre funcionou antes — lembro a ele.
Ele desvia o olhar da estrada, por alguns
segundos, e me dá um sorriso sensual.
— Algumas coisas mudaram bastante nos
últimos anos, Anna.
Conheço Noah bem o bastante para saber que
estava sendo evasivo e que suas palavras tinham
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um significado oculto.
Porém, curiosa volto ao assunto.
— O que aconteceu entre você e Bianca? Ela é
uma mulher linda — digo o óbvio, porque ela era
mesmo.
Ele contrai os lábios antes de responder.
— Um dia, infelizmente, fui até sua casa para
verificar o interruptor da cozinha. Ele estava com
problemas. Ela se aproveitou da situação e deixou
bem claro seu interesse por mim, tanto naquele dia,
quanto em todos os outros em que nos esbarramos
depois. Mas, apesar de linda, ela é desrespeitosa e
mal-educada. E isso não me atrai em uma mulher.
— Ela foi supersimpática comigo ontem e hoje
de manhã — digo pensativa.
Se bem, que depois de hoje, duvido muito que
volte a ser.
— Acredito que sim; afinal, você estava
comprando uma casa com ela.
Bom, não a conheço para julgar. E continuo
irritada com a cena toda. Por isso, dou um soco em
seu braço e imediatamente puxo meu braço de volta
e fecho minha mão de dor. Seu braço não
costumava ser tão duro, ou tão grande, ou tão forte.
— Ai, caramba!
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Ele continua a sorrir, agora às minhas custas.


— Antigamente, costumava doer em você
quando eu te batia.
— Acredite, nunca doeu, querida — Noah diz
me zoando.
— Pode parar com isso agora mesmo! — digo
seca.
Ele continua com um sorriso irritante nos lábios,
enquanto dirige com os olhos fixos na estrada.
Já estamos próximos da minha casa.
— Senti falta disso — confessa Noah.
— Do quê? — pergunto, analisando minha mão,
procurando algum osso quebrado.
Ele direciona seus olhos calorosos para mim e
diz:
— De ter você por perto para me irritar.
Vire-me pronta para dar outro soco nele, mas
repenso, lembro-me da dor e volto ao meu lugar.
Cruzo os braços, bufando.
Minha mão ainda lateja.
— Pois fique sabendo que eu não senti —
garanto a ele, olhando pela janela lateral.
Escuto sua risada gostosa.
Que mentirosa eu sou, pois, a verdade é que,
mesmo sem saber, eu estava morrendo de saudades
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dele.

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NOVE

RECORDO QUE A PORTA DA FRENTE


ESTAVA emperrada ontem e quando me volto a
Noah para informá-lo, o vejo abrindo-a sem
dificuldade alguma.
Também, todos aqueles músculos devem servir
para alguma coisa.
Ligo o interruptor, ao lado da porta, e a casa
estava igual como me lembro. As lâmpadas
amareladas, não clareavam o suficiente para eu
averiguar grandes detalhes, além de um pouco de
pó. Mas o cheiro de mofo estava proeminente,

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devido ao tempo em que ficou fechada.


Noah solta sua maleta de ferramentas no chão e
eu me sobressalto com o barulho.
— Está abafado demais aqui dentro — diz,
limpando o suor em na testa. Logo em seguida,
pega meu pulso e me puxa pelo braço,
posicionando-me ao lado dele, então busca algumas
ferramentas em sua maleta e me pede para segurá-
las.
— Agora, seja uma ajudante boazinha.
Noah pisca para mim.
— Grrrrr. Precisa ser tão mandão sempre.
Reviro os olhos para ele, mas obedeço e fico
parada onde ele me colocou.
Nas próximas horas, Noah remove uma proteção
atrás da outra. Foram quatro na sala, quatro na
cozinha, duas no escritório, duas no quarto
principal e uma em cada um dos outros ambientes.
Quando finalizamos, minha blusa amarelo-clara
está colada em meu corpo suado. Noah não está
muito melhor, sua camisa branca está,
praticamente, transparente. Ofegante, paro em pé
no meio da minha sala, que parece bem maior
agora, iluminada pela luz do dia. Com a claridade,
percebo as rachaduras que sobem pelas paredes e
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vão até o gesso, grande parte do piso de madeira


está condenado, as aberturas estão com ferrugem
nas dobradiças.
A cada canto que passo olhos vejo coisas que
não havia reparado ontem.
— Vai precisar de uma grande reforma — penso
em voz alta.
— Havia rumores pela cidade de que a família
Richard não estava bem financeiramente. Só não
imaginava que estivessem tão mal.
— É – concordo pensativa.
Teria feito diferença se eu tivesse visto a casa
neste estado?
— Arrependida? — questiona Noah, lendo meus
pensamentos.
Balanço a cabeça.
— Nenhum pouco. Ia querer reformar de
qualquer maneira — respondo, dando de ombros.
Seus lábios se convertem para cima.
— Conheço uma empresa especializada em
reformas; posso te passar o contato se desejar. Eles
são, realmente, ótimos. Os melhores da região.
Fico esperançosa.
— Seria ótimo.
Noah esfrega o queixo com os dedos.
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— Além do mais, o dono é um cara muito legal;


acho melhor te passar o contato dele direto para
conversarem.
Pego o celular no bolso de trás do meu short
jeans.
— Pode ser, pode me dar o número?
Só deu tempo de eu desbloquear o aparelho, para
Noah tomá-lo de minhas mãos. Ele logo começou a
digitar. Eu fico sem reação. Quando termina,
devolve o aparelho. Na tela está escrito, Noah
Collins.
Faço uma careta.
— Rá-rá — finjo uma risada — isso não tem
graça, Noah!
— Não é para ter mesmo. Aperta chamar aí.
Desta vez, vi seu movimento e tentei recuar,
mas, novamente, Noah foi mais rápido e iniciou a
ligação.
Ele estava insuportável.
— O que você pensa que está.... — interrompo a
frase quando escuto um telefone tocar.
Com uma tranquilidade irritante, assim como ele
todo, Noah saca seu aparelho da calça e atende na
minha frente.
— Noah Collins, da cons-tru-to-ra Collins.
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Agora querida Anna, como eu poderia ajudar a


senhorita? — Cada palavra era enfatizada, não
dando lugar a má interpretação.
Não sei se eu rio ou se bato nele de novo.
— Você é uma peste — digo optando pela
primeira opção. — Uma loja de ferramentas e uma
construtora. Nada mal, Noah Collins, nada mal
mesmo — guardo o celular de volta no bolso da
calça.
Ele dá de ombros. Eu reviro os olhos.
— Então, senhor profissional da construção, ó
grande senhor das ferragens de Incline Village,
poderia, por favor, fazer uma avaliação da minha
humilde residência — peço de modo exagerado.
Ele cruza os braços fortes, o que deixa seus
bíceps enormes.
— Agora, quem está sendo irritante aqui? —
pergunta erguendo a sobrancelha.
— Eu sei, aprendi com o melhor — respondo o
empurrando, para começarmos o trabalho.
Nos próximos minutos caminhamos pela casa.
Noah toma nota no seu celular de algumas
melhorias que ele indica e de outras que eu gostaria
de adicionar. Segundo ele, para minha sorte, a
estrutura está muito boa e seria tranquilo colocar
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tudo em ordem. O telhado precisa ser consertado,


pois vimos algumas manchas de goteira no piso. Já
descobrimos como ele apodreceu. O encanamento
precisa de manutenção, as aberturas lixadas e
lubrificadas. Grande parte do gesso precisa ser
substituída. As paredes rebocadas e pintadas, e,
praticamente, todo o piso refeito. Noah me informa
que tem uma pessoa na sua equipe que trabalha
com projetos de móveis e ambientes, e, por isso,
digo a ele como gostaria que fosse cada ambiente.
Quais cores, revestimentos e acabamentos me
agradam. Como não tenho muito conhecimento, ele
pegou meu contato de e-mail, para que a pessoa
possa me enviar opções.
Atravessamos as portas duplas de vidro dos
fundos e nos acomodamos nas escadas do deck, que
levam ao gramado. A sombra dos pinheiros e a
brisa do final da tarde, fazem delícias contra a
minha pele.
Sentada, finalmente consigo relaxar.
— Em quanto tempo pensa em se mudar? —
pergunta ao meu lado.
Ele está com seus braços apoiados em suas
coxas, segurando o telefone nas mãos, olhando para
mim. Desvio de seus olhos dourados, com medo de
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me perder dentro deles, se continuar olhando-os por


muito tempo.
Me via desejando isso, sem controle, nas últimas
horas.
Respiro fundo, e depois digo:
— Noah, volto para Manhattan depois de
amanhã.
Pela minha visão periférica, vejo quando abaixa
o telefone e encara o horizonte.
— Não sabia. Achei que o fato de ter comprado a
casa fosse um sinal de que iria ficar por aqui.
Sinto ressentimento em sua voz.
— Pretendo vir com mais frequência. Comprar a
casa foi impulsivo, segui, puramente, meu instinto.
Não pensei na hora no que isso representaria para a
minha vida — faço uma pausa. — É como se ela
estivesse aqui à minha espera. Doido né?
Ele me abre um meio sorriso.
— Talvez, mas algumas loucuras valem a pena
— complementa ele.
Ficamos em silêncio por alguns segundos,
desfrutando da companhia um do outro.
— Posso te fazer uma pergunta pessoal?
Eu acho graça.
— E desde quando isso te impediu? — lembro a
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ele. — Manda aí! — o incentivo.


Ele repousa o telefone ao lado do quadril e une
suas mãos, pensativo, como se estivesse pensando
sobre algum assunto específico.
Eu o cutuco com o cotovelo.
— Qual é Noah, sou eu, pode me perguntar o
que quiser.
Ele estuda meu rosto por alguns segundos.
— Nana contou a Gracie que você está indo bem
em Nova York, trabalhando no que gosta e morando
com um cara — ele finge pensar, olhando para o
céu e apertando seu queixo. — Acho que o nome
do cara é Igor, se não me engano.
Por dentro estou sorrindo, enquanto que por fora,
mantenho minha fachada.
— Sim — respondo somente.
Ele me encara.
— E então?
— E então o quê?
Seus lábios se contraem e ele sorri quando
percebe o que estou fazendo.
— Você não vai facilitar, não é?
Nego com a cabeça. Ele solta uma risada baixa.
— Já que quer ouvir as palavras, estou tentando
te perguntar se Igor, é, hum, sabe, seu namorado —
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me pergunta, sem jeito.


Acho tão fofinho quando ele se atropela com as
palavras. Não é sempre que eu tenho a
oportunidade de vê-lo encabulado.
— Igor não é meu namorado, é meu colega de
trabalho, e com quem divido meu apartamento em
Nova York. Meu namorado seria Ethan, que
atualizou o status do nosso relacionamento para ex-
namorado, ou melhor, ex-noivo.
— Problemas no paraíso?
Dou de ombros.
— Está mais para não problemas. Terminamos
há algumas semanas; estava com ele desde os meus
dezoito anos. Acho que algumas coisas não são
para darem certo.
— Sinto muito, Anna — diz compreensivo.
Seus olhos buscam os meus e começo a sentir de
novo a eletricidade que existe entre nós. Por isso,
decido mudar de assunto.
— Então, você é um grande empresário de
sucesso e construtor nos dias de semanas e nos
finais de semana, garçom no Gracie’s. Mais
alguma função que eu deva conhecer? Ou algum
superpoder?
As covinhas surgem no seu rosto. E elas são tão
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adoráveis que dá vontade de mordê-las.


— Você parece impressionada.
— E estou.
Ele faz uma careta.
— Não o estou adulando. Você venceu por
mérito próprio, isso é admirável.
Ele fica deslumbrado pelo elogio inesperado.
— Tenho muitas habilidades Anna, mas só
demonstro para os mais íntimos. Talvez, um dia,
possa demonstrá-las a você, se for uma garota de
sorte — pisca, flertando comigo.
Eu tento não me sentir afetada pelo seu charme.
A esta altura ele já sabe que mexe comigo.
Provavelmente sabe que mexe com todo espécime
feminino do planeta terra.
— Isso funciona com todas as mulheres? —
pergunto curiosa.
— A pergunta é se funciona com você? —
retruca, sem cerimônias.
Boa. Virou o jogo.
— Você está desviando da pergunta? —
respondo na defensiva.
— Assim como você.
Ponto para ele.
Noah sempre conseguiu me irritar, me deixar
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louca e geralmente sem respostas. Talvez me irritar


seja seu superpoder, no final das contas. Ele sabe
ser bem evasivo e nunca soube muito sobre sua
vida privada, ainda mais no quesito mulheres.
Sempre foi muito fechado quanto a isso. Antes de
ele ir para a Marinha, nunca o vi com alguma
namorada, mas ouvi muitos boatos de que ele
pegava geral. Não devia ser difícil; afinal, ele tinha
uma legião de garotas que o seguiam e disputavam
sua atenção. Mulheres nunca foram e acredito que
nunca seriam um problema para ele.
E, como estou realmente intrigada, insisto.
— Qual é, dê alguma informação para esta
garota aqui. Alguma namorada, ficante, amiga com
benefícios?
Tento soar o mais desinteressada possível. Mas,
o sorriso, presunçoso, em seu rosto, me diz que não
fui muito convincente.
— Curiosa ou com ciúmes?
Homens. Aff!
— É impossível que não saiba que você é lindo,
e que não tenha consciência do efeito que causa nas
mulheres — despejo a verdade, nua e crua. —
Aliás, tenho certeza que sabe. Por isso, fica
largando estas piadinhas o tempo todo. Porém, você
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esquece que eu te conheço bem antes destes


músculos todos aparecerem — aponto para seu
corpo — e, sim, estou curiosa. Se você está
solteiro, tenho certeza de que é por uma escolha
sua.
Noah parece não acreditar no que acabei de falar.
O brilho zombeiro nos seus olhos é inconfundível.
Nem eu mesma estou acreditando. Não me lembro
de tê-lo elogiado tanto em uma única frase na vida.
Ou melhor, não me lembro de alguma vez ter
rasgados tantos elogios à sua pessoa. Era muito
mais provável que eu estivesse procurando objetos
para jogar contra sua cabeça.
Lindo? Oi?
Músculos? Dããã.
É, devo estar sofrendo de desidratação, melhor
buscar uma água.
Levanto e, momentaneamente, minhas pernas
fraquejam. Noah me alcança com duas passadas
rápidas, segurando-me pelos cotovelos. Sou
envolvida pelo seu cheiro e cambaleio contra seu
peito. Embriagada, precisando de mais contato.
Minha razão brigando com meu coração. Um me
dizendo que este é o cara que conheço desde
sempre. O outro querendo desvendar todos os
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mistérios do Noah à minha frente.


E, neste momento, minha razão está sendo
escanteada.
— Anna, está tudo bem?— pergunta segurando-
me em seus braços.
Quando ergo meu rosto, visualizo o seu, a
centímetros do meu.
Faço que sim com a cabeça. Incapaz de emitir
palavras.
Bem, bem devagar, ele se afasta. Talvez, foi
impressão minha, mas achei que sua respiração
estava baixa e entrecortada ao me soltar. Sei que
perdi o fôlego ao ver meu reflexo em suas íris
douradas. Ele me fez esquecer de respirar, me fez
esquecer de tudo, por alguns segundos.
— Anna — me chama novamente.
— Sim — respondo baixinho.
— Perguntei se está tudo bem?
Me chacoalho mentalmente, voltando a vida.
— Sim, porque não estaria? — respondo me
afastando.
Ele parece pensar em muitos motivos, mas os
reserva para si.
— Ainda estará por aqui amanhã?
— Sim.
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Aparentemente, sim era minha nova resposta


para tudo.
— O cinema da cidade está reprisando alguns
clássicos. O que acha de irmos, pelos velhos
tempo?
Finjo pensar.
— Isso inclui pipoca e a sorvete?
Ele assente.
— Posso escolher o filme que eu quiser?
Ele assente novamente e eu abro um sorriso.
— Bom saber que algumas coisas permanecem
iguais. Adoraria ir então.
O sorriso que ele me dá me convenceria a ir a
qualquer lugar com ele.
— Às sete está bom para você?
— Sim, pedirei para Nana me levar; quero
comprar algumas lembranças na cidade antes.
— Ok.
Ele me observa como se quisesse me dizer
alguma coisa. Mas, em vez disso, se afasta ainda
mais.
— Bom, vou indo. Tenho que voltar para a loja e
também passar na construtora.
Olho no relógio e fico apavorada.
— Agora me sinto mal por ocupar toda sua tarde
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— digo a ele. Nem percebi que já era tão tarde.


— Ei, não sinta, eu não me importei — diz
levantando meu rosto com um dedo.
Ele sorri para mim, o que me faz sorrir para ele.
— Até amanhã, Anna.
— Até amanhã, Noah.
Ele me beija na bochecha e sinto brevemente o
calor dos seus lábios. Então se vira para ir embora.
Sinto minha pele formigar onde me tocou.
— E, Anna? — chama meu nome, antes de
entrar na casa.
— Sim — respondo distraída.
— Estou solteiro e completamente disponível.
Meu coração salta um batimento, e sinto que
todo meu sangue deve ter vindo parar no meu rosto,
de tão quente que fico.
Eu perguntei, não foi?
E ele respondeu.
Para minha sorte, ele se vira e, finalmente, vai
embora. Respiro fundo e me sento, novamente. A
madeira estala contra o meu peso.
Beleza, mais uma coisa para colocar na lista de
reparos.

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DEZ

À NOITE, QUANDO DESÇO DO QUARTO,


encontro vovó na sala bebendo uma xícara de chá
antes do jantar. Fúria está deitada em seu colo de
pernas para cima, ganhando carinho.
Paro na entrada da sala, desconfiada.
— Alguém drogou minha cachorra?
Vovó ri.
— Também estou estranhando — diz
acariciando-a.
Ela está completamente rendida, com a linguinha
rosa para fora. Nunca trouxe Fúria para cá. Ganhe-a

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de Ethan quando me mudei para o apartamento. Ele


achou que seria bom eu ter uma companhia para
não me sentir sozinha nas noites em que ele
trabalhava ou nos finais de semana em que tinha
que viajar. Com a correria da faculdade e do
trabalho, muitas vezes acabava negligenciando-a,
sem tempo para levá-la para passear, e com isso,
acabava ficando muito tempo dentro do
apartamento. Aqui ela tem um jardim para correr e
pessoas para brincar com ela.
Eu me sirvo de uma xícara de chá e me sento em
frente à vovó. Fúria, na hora, vem para meu colo.
— Noah te trouxe para casa? — me pergunta
Nana.
Sorrio contra a xícara. A sutileza de vovó era
singular.
— Sim.
— Sim, e ...? — ela aguarda mais informações.
— E nada.
Volto a beber o chá. Ela mantém seu olhar em
mim, como se estivesse tentando ver através da
porcelana branca da xícara atrás da qual estou
tentando me esconder.
Limpo a garganta.
— O que achou da casa? — pergunto, mudando
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o tema da conversa.
Ela bufa baixinho.
— Você sabe o que achei da casa — diz
contrariada.
— Sei que sim, mas poderia repetir, por
favorzinho — peço gentilmente, piscando os olhos
para ela.
Ela balança a cabeça achando graça.
— Não é segredo que eu sempre sonhei que um
dia você vivesse perto de mim. Quando os Richard
compraram o terreno e começaram a erguer a casa,
me arrependi de não tê-lo comprado antes — ela
me encara. — Seria um belo presente para eu lhe
dar.
Chega a me emocionar o quanto vovó sempre
pensava em mim.
— Eu teria adorado.
— Por outro lado, fico feliz por não ter feito isso,
pois o destino, de alguma forma, se encarregou de
trazê-la para casa.
Eu hesito.
— Minha casa é em Manhattan, vovó — lembro
a ela.
Ela bebe um gole de chá.
— Já parou para pensar que ela poderia ser em
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outro lugar?
Estreitos meus olhos.
— O que quer dizer com isso?
— Sua casa poderia ser em qualquer lugar —
vovó repousa sua xícara na mesa de centro. — Ela
poderia ser aqui, nesta cidade, agora.
Seu olhar era amoroso.
Como assim?
— Mas, mas... — pensamentos me atingem, um
atrás do outro — e meu emprego? E meus amigos?
E meu apartamento?
— Existem oportunidades de emprego aqui
também, Noah está aqui e é um de seus amigos
mais antigos e acredito que Igor não teria problema
nenhum em morar sozinho.
Nana parece já ter pensado sobre tudo isso.
— Tenho um pressentimento dentro de mim,
desde o dia em que a vi interessada naquela casa —
ela faz uma pausa. — Sabe, consigo vê-la sendo
feliz aqui. Sei o quanto ama esta cidade, o quando
se sente conectada a ela, assim como eu sempre me
senti. Se fecho os olhos, consigo te imaginar
entrando pela porta da minha cozinha todas as
manhãs e tomando café da manhã comigo.
Vovó me pega desprevenida e me deixa sem
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respostas.
— Pequena, a vida pode ser sempre mais. Ela
pode ser mais do que uma rotina, um emprego, um
apartamento em uma das capitais mais badaladas
do mundo. Ela pode ser mais do que fazer algo que
goste, ao lado de quem você goste.
Um vinco surge ao redor dos meus olhos.
Isso não é o que todos buscam?
— Sei o que está pensando você sempre foi
péssima em esconder seus pensamentos. — Nana
sorri. – Quero acreditar que, ao longo dos anos, eu
tenha lhe ensinado que a vida pode ser excepcional.
Você pode trabalhar em algo que faça você evoluir,
que te desafie, que te questione, que te intrigue.
Além disso, você precisa viver em um local que te
traga tranquilidade e paz. E, por fim, os verdadeiros
amigos — ela observa —estes a gente não perde
nunca.
Sinto meus olhos ficarem marejados.
— A magia da vida acontece quando
descobrimos nosso propósito.
Ela me repetiu esta frase durante minha vida
inteira, mas parece que só agora ela esta fazendo
algum sentido para mim.
Nana volta beber seu chá.
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— Você se lembra como eu e seu avô


começamos a empresa, certo? — pergunta, mesmo
sabendo a resposta.
É claro que sei. Já ouvi esta história milhares de
vezes. Eles trabalhavam em um mercado. Foi onde
se conheceram. Ela como caixa e ele como gerente,
mas o mercado fechou e eles ficaram
desempregados. Vovô logo achou outro emprego
em uma loja de eletrodomésticos, mas vovó não.
Para ajudar com as despesas da casa, vovó
começou a preparar pequenas receitas e vende-las
para os amigos e vizinhos. As receitas fizeram tanto
sucesso que em poucas semanas os pedidos eram
maiores do que ela conseguiria produzir sozinha.
Vovô teve que largar seu emprego para ajudá-la na
entrega e logística, e de pouco em pouco, surgiu a
Greens & Beans. O negócio tomou uma proporção
maior e eles compraram uma pequena mercearia no
centro da cidade para expor seus produtos. Vovô
era ótimo gestor e viu o potencial de adicionar
outros ganhos ao negócio. Foi abrindo mercados
maiores, em locais diferentes, agregando outras
marcas e outros produtos. Comida, bebida,
eletrodomésticos, móveis, roupas. Atualmente, a
rede de mercados vendia todos tipos de produtos.
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Para otimizar e atender a demanda, as receitas


passaram a ser vendidas em caixas no formato de
misturas pré-prontas. Em toda unidade, existia um
corredor específico para os produtos criados por
ela. Este era o maior diferencial deles perante a
concorrência.
Confirmo com a cabeça.
— Seu avô e eu sempre tentamos ver os altos e
baixos da vida como oportunidades. Pensa comigo:
foi necessário eu perder meu emprego para investir
em meu próprio negócio. Foi necessário seu avô
perder o dele para se arriscar. Foi necessário ele
sair de algo no que ele era excelente para que ele
pudesse descobrir como seria ser excepcional. Eu
precisava criar novas receitas para colocar nas
prateleiras e com isso, sempre saía da minha zona
de conforto, sempre perguntava a mim mesma:
“Qual meu próximo passo, o que mais posso
oferecer?”.
Estava inquieta, acompanhando seu raciocínio.
Pensando, sentindo, me questionando.
— Claro que as coisas poderiam ter dado muito
errado, mas o risco faz parte de qualquer
crescimento. Nenhum passo para o desconhecido é
confortável. É um tanto aterrorizante não ter o
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controle do nosso futuro ligado a uma coisa, mas


sim a uma certeza que vem do nosso interior, ou a
uma habilidade.
Ela fica pensativa.
— Acredito que, quando encontramos o caminho
certo e o trilhamos, fazendo aquilo que fomos
destinados a fazer, todo o resto se encaixa. E então
a magia acontece. Tudo ganha um sentido muito
maior e muito mais bonito.
Eu estava hipnotizada por suas palavras, que me
serviam como luva, deixando-me reflexiva.
Vovó me observa, séria.
— Pequena, posso lhe fazer um pedido?
— Qualquer coisa vovó.
Ela sorri.
— Quero que deixe sua mente aberta para isso.
Quero que pense mais adiante. Quero que se veja
daqui há cinco, dez, vinte, trinta anos — diz com os
olhos concentrados em mim.
— E, como faço isso?
Seu sorriso se expande.
— Não é um caminho fácil, mas sempre existe
um começo. Comece hoje mesmo. Quando colocar
a cabeça no travesseiro, feche os olhos e tente
escutar seus desejos. Abra sua mente e deixa-a
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viajar, imaginando o local em que você gostaria de


viver todos os seus dias e um emprego que lhe
traga realização. Perca um tempo se perguntando se
é o que você está fazendo hoje. Porque se não for,
você está desperdiçando sua energia em algo que
nunca alimentará sua alma.
Nana faz uma pausa.
— Por último, imagine-se vivendo neste local,
criando raízes, ao lado de uma pessoa que te ama, e
que você ama. Mais adiante, imagine o fruto deste
amor.
Levanto meus olhos para encarar os de Nana
emocionados.
— Ouça seu coração, ele fará com que todos os
seus sonhos se tornem realidade. Acredito que o
primeiro passo você já tenha dado sem ao menos
perceber.
— A casa — reflito em voz alta.
Ela concorda.
— Prometa-me, pequena, que fará isso não por
mim, mas por você. Se dê este tempo, este presente,
desacelere, escute sua voz interior, conheça mais a
você mesma, descubra o que te faz feliz.
Emocionada, respondo:
— Prometo, vovó.
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Nana seca uma lágrima de seu rosto, bebe um


gole de chá e começa a me contar sobre seu dia.
Estou tão aflita que não consigo prestar atenção em
suas palavras.

ESTOU DEITADA EM MINHA CAMA, E A


CONVERSA com Nana não sai de meus
pensamentos. Seria tão mais fácil se assim que eu
fechasse os olhos, as respostas surgisse e me
mostrassem o caminho a seguir. Sei que não é
assim que acontece, mas não deixa de ser
angustiante. E cada minuto em que eu fico
remoendo isso, torna as coisas ainda pior. Segundos
viram minutos, que se transformam em horas, e
nada acontece. Sinto-me abandonada pelo meu
espírito, ao mesmo tempo, estou agitada demais
para dormir, e frustrada com a minha mente
teimosa que não funciona, justamente quando mais
preciso dela.
Irritada, jogo as cobertas para o lado e me
levanto. Fico caminhado em círculos pelo quarto, o
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que, para facilitar minha vida, acorda Fúria. Ela não


sabe que estamos no meio da maldita madrugada e
me pede atenção. Sua alegria é tão genuína que até
me anima um pouco, e por isso brinco com ela,
atirando sua bolinha azul na parede, várias vezes, e
mais vezes depois disso. Ela corre atrás do
brinquedo com entusiasmo, e sei que despertei um
animal endiabrado. Quando meu braço protesta do
esforço, encosto na parede e escorrego até o chão.
Puxo minhas pernas para próximo do peito e
repouso minha cabeça nos joelhos dobrados.
Vamos lá mente brilhante, me dê uma ajudinha
aqui!
Primeiro, concentrando em minha respiração e
deixo meus pensamentos livres vagarem sem
obstrução. Desisto quando percebo que não
funcionará, pois minha mente esta confusa, o que
torna meus pensamentos desordenados. Por isso,
tento uma nova estratégia e repenso a conversa com
vovó. Ela esta me fazendo questionar coisas que eu
acreditava já saber a resposta.
Sei que quero seguir na gastronomia, pois
cozinhar não é um trabalho para mim. É uma
paixão, que me transcende, que traz o melhor de
mim à tona. Porém a gastronomia em si não é um
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emprego, é uma área muito ampla. Ela me permite


cozinhar, me permite elaborar receitas, me permite
formular tabelas nutricionais. Sempre pensei que
qualquer emprego neste ramo me faria feliz.
Trabalhar na Lilly’s me faz muito feliz. É um
trabalho que executo bem, mas será que ele por si
só me completa? Será que foi para isso que eu
estudei? O que construí até agora? Qual meu
objetivo profissional? Foi para isso que sai da casa
dos meus pais? Será que eu permiti me acomodar
novamente?
Tantas perguntas. Parece que abri minha caixa
de pandora pessoal e agora estou sendo consumida
por dúvidas.
Ando até a janela e abro a cortina. Está escuro lá
fora; mas o céu estrelado e a lua cheia clareiam o
topo das árvores ao meu redor. Este lugar é tão
calmo, tão bonito e cheio de paz. Incline Village
sempre teve meu coração. É muito fácil me
imaginar vivendo aqui, criando raízes, cercada por
tanta beleza. Ter a neve como companhia no
inverno e a brisa como companhia no verão.
Poderia acordar todos os dias com a vista do lago e
poderia ir dormir, vendo o reflexo da lua na água.
Não me cansaria disso nunca.
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Eu poderia achar alguém. Acredito que daqui há


algum tempo eu vou estar preparada para entregar
meu coração a um novo amor. Ele está se
remendando aos poucos; quase me sinto inteira
novamente. Fecho meus olhos e respiro fundo.
Sinto meu batimento acelerar, quando uma imagem
específica toma meus pensamentos. Um homem de
cabelos escuros curtos, tronco largo, pernas
grossas, tatuagens e fascinantes olhos dourados.
Em seu colo ele carrega uma criança pequena,
cujos olhos eram verde- claros como os meus.

NA COZINHA, NA MANHÃ SEGUINTE,


MINHA CABEÇA LATEJA. Não consegui pregar
os olhos na noite passada, ainda mais depois de
incluir um certo alguém no cenário. Então, quando
a luz do sol bateu na janela do meu quarto, eu
decidi cozinhar. Não consigo parar de avaliar tudo.
Amo Manhattan e amo Incline Village. Ambas têm
pessoas que importam. Se bem que, atualmente,
Incline Village, soma mais pontinhos neste quesito.
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Na mesa, disponho os ingredientes: farinhas,


ovos, manteiga, açúcar, leite, doce de leite,
chocolate, algumas frutas, fermento, e outros mais.
Amo meu apartamento apertado no Brooklyn, o
terraço adornado de flores. Amo minha casa aqui,
mesmo com cheiro de mofo e goteiras, é o tipo de
casa que sempre almejei para quando eu formar
uma família. Quebro os ovos e os bato. Adiciono
açúcar e bato. Adiciono manteiga e bato. Adiciono
farinha e bato. Vou terminando uma receita atrás da
outra. O forno nunca chega a desligar, pois eu o
aciono novamente. E mais uma vez, até chegar ao
meio da tarde e eu estar com o balcão repleto de
comida. Fiz uma torta de baunilha com recheio de
morango, um pão de banana, um bolo de maçã,
cupcakes de chocolate, e minha receita favorita,
meu muffin de baunilha com recheio de doce de
leite. Estou devorando, este último, e lambendo os
dedos enquanto me sento para descansar as pernas.
Desde pequena sempre cozinhei para extravasar
as emoções. Cozinhava quando estava nervosa ou
estressada ou quanto precisava clarear minhas
convicções. Cozinhei por três dias seguidos na casa
de Lilly quando saí da casa de meus pais. Cozinhei
por dois dias quando eu e Ethan terminamos. Agora
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estou cozinhando feito uma louca novamente.


Todas receitas fáceis, que já domino, que por mais
que eu ame fazê-las, não me desafiam.
Misturar ingredientes mexe com algo na minha
essência. É a parte que mais gosto de todo o
processo de uma receita. A antecipação de quando
estamos incorporando os ingredientes, um a um,
sentindo seus aromas individuais, estudando sua
estrutura. Para depois provar a combinação deles
juntos, criando algo novo, único. E, por fim, aquela
sensação quando damos a primeira mordida e o
sabor explode na boca. É esta a parte que mais
antecipo de qualquer criação. A prova, a
descoberta, o despertar do nosso sistema olfativo,
quando tentamos adivinhar os ingredientes e muitas
vezes somos surpreendidos por eles.
Então é isso!
Deixo o muffin escapar pelos meus dedos.
Finalmente compreendi o que vovó já deve ter
percebido muito antes de mim.
Como sempre.
Eu quero ser extraordinária. E a mais
extraordinária que eu posso ser é ser eu mesma. É
acreditar no meu talento, deixando os receios e os
medos de lado. É viver cada dia descobrindo algo
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mais sobre mim e sobre o que me faz feliz e


escolher seguir por este caminho, de braços abertos.
Levando meu amor pela comida, deixando minha
criatividade e meu instinto me guiarem.
Escuto um barulho na porta da cozinha. Nana
está escorada no batente me observando.
Há quando tempo será que ela estava ali?
Vejo seu rosto relaxar. Eu não preciso dizer
nada, que ela sabe que encontrei minha magia. Eu
estava coberta de farinha quando ela caminhou em
minha direção e logo me envolveu em seus braços
protetores.
— Obrigada, vovó.

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ONZE

ENQUANTO CAMINHO PELA RUA


PRINCIPAL DA CIDADE, penso no sentido da
vida. Nas minhas escolhas, nas minhas alegrias, nas
minhas tristezas, nas minhas dores. Tudo que passei
até aqui, me transformou na mulher que sou hoje.
Sem presa, comtemplo a vida à minha frente,
cumprimento cada pessoa que passa ao meu lado,
admiro cada esquina e cada lâmpada amarelada de
cada poste de luz antigo na calçada. Parece que um
peso foi retirado dos meus ombros. Estou vibrando,
tanto que optei por um vestido de tricô vermelho de

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mangas longas e decote acentuado, deixando meu


ombro direito a mostra. Ele vai até o meio das
minhas coxas, que parecem mais torneadas graças
às plataformas de salto alto. Minha maquiagem é
leve, e meus cabelos estão soltos ao vento.
Hoje foi um dia revelador. Mais do que uma
mudança na minha carreira, eu estava mudando
totalmente minha vida. Estava me firmando nesta
cidade, abrindo-me há algo novo que eu ainda nem
havia estruturado, mas todo meu ser, dizia para me
jogar nesta experiência e me permitir vivê-la.
Por quanto tempo isso permaneceria?
Não sei e também não estava preocupada.
Pela primeira vez, quero tirar um tempo para
mim, colocar minhas ambições no papel e
estruturar um plano de como alcançá-las. E planejo
fazer isso curtindo cada etapa, sem pressa, sem
atropelar nada.
Ainda não informei a Igor que não voltarei no
voo de amanhã, mas Nana já cancelou minha
passagem. Aliás, foi a primeira coisa que ela fez.
Se minha felicidade é grande, a de Nana não cabe
em seu corpo; ela já avisou todos da casa que
ficarei. Pode-se dizer que, pelos abraços que recebi,
eles mais do que gostaram das mudanças nos
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planos.
Chego na frente do cinema um pouco antes do
horário combinado com Noah. Levo um dedo aos
lábios ao analisar os cartazes. As opções fazem a
escolha ser quase impossível. Uma linda mulher é
um clássico e tem Julia Roberts, que por si só é um
motivo para rever o filme. Amor além da vida é
outro clássico, sobre o verdadeiro significado de
amar alguém. Ele é real. Um amor de almas gêmeas
que se amam em sua beleza, em sua loucura e em
sua essência, ultrapassando as barreiras do tempo e
do espaço. Estava decidida a escolhê-lo, quando
dou alguns passos para a direita e vejo o cartaz
seguinte, e simplesmente não tenho mais dúvidas.
No caminho para a bilheteria tropeço e sou
socorrida por uma parede de músculos. Noah
envolve minha cintura com seus braços,
espremendo minhas bochechas contra seu peito.
— Não sei por que, mas ultimamente, você anda
caindo, literalmente, nos meus braços, mocinha —
diz com sua voz debochada.
Bato contra seu peito, que mais parece mármore,
e o empurro com força, tentando me soltar. O
esforço é inútil. Noah é muito mais forte do que eu.
O máximo que eu consigo é mover minha cabeça
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para trás e olhar para cima.


E nossa mão do céu.
Não era justo um homem ter um rosto como
aquele. Acompanho os olhos intensos, que parecem
não conseguir desgrudar da minha boca. Sua barba
rala faz as covinhas do seu rosto serem ainda mais
adoráveis, quando ele sorri tão próximo de mim.
Escuto ao longe ele me dizer algo em voz baixa,
mas estou tão compenetrada no movimento de seus
lábios, que de perto parecem ainda mais cheios,
macios, convidativos, que não escuto. Nesta
proximidade, consigo sentir seu batimento
cardíaco, acelerado tanto quanto o meu, e seu hálito
mentolado quando solta a respiração contra meu
rosto. E, por um segundo, me deixo levar por uma
nova sensação. Por este desejo desconhecido que
percorre meu corpo. Que me faz querer coisas que
nunca quis antes. Como passar meus braços ao
redor do seu pescoço, aproximar ainda mais nossos
corpos, e selar....
Opa, calminha ai!
Pisco, para sair da fantasia que criei em minha
cabeça. O que não é fácil, quando a imagem em
minha frente continua a mesma, e os pensamentos
em minha cabeça não desvanecem. Pelo contrário,
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ficam ainda mais profundos.


Noah era a personificação do pecado, de tão
bonito.
Ele solta a respiração, o que me faz arrepiar da
ponta dos pés aos fios de cabelo. Uma vontade
enorme de sentir o sabor dos seus lábios dominava
minha mente. Sentir seus braços quentes e
masculinos me cercando, me dominando, não
estava ajudando em nada a apaziguar meus
pensamentos. Usando todo meu autocontrole,
coloco a mão em seu peito e empurro seu corpo
levemente para trás. Desta vez, ele se move com
facilidade, como se estivesse tão atordoado como
eu. Quando nos separamos, finalmente consigo
pensar claramente. Logo penso em algo para aliviar
a tensão da situação.
— Sabe, você tem razão?
Ele me encara boquiaberto, pois dificilmente
concordo com ele.
— Tenho é?
Encolho os ombros, e um sorriso me escapa
quanto ele arqueia uma sobrancelha para mim.
— Você tem braços grandes e fortes, não é tão
ruim assim ser envolvida por eles — digo,
passando meus dedos de leve pelo seu bíceps.
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Ele faz uma cara incrédula.


— Você acha?
Noah estava espantado, e com isso eu me dobro
de tanto rir. Seu rosto amolece, diminuindo o
sorriso quando percebe que estou tirando com sua
cara.
— Você é realmente uma praguinha, alguém já
lhe disse isso?
Ele fecha a cara.
— Sim, você, várias vezes.
Continuo a rir. Ele parece ficar mais sério.
— Pode rir agora, mas talvez, um dia você
desejará ter estes braços em volta de você.
Com isso, minha risada cessa e quase me
engasgo.
— Talvez, mas hoje me contento só com sua
humilde companhia. Vamos, que o filme já vai
começar.
Não dou tempo para ele responder e o puxo pela
camiseta polo preta em direção à bilheteria. Ele
estava um pedaço de mau caminho, mesmo casual,
de bermuda preta e tênis esportivo. As mulheres
vivam suas cabeças para Noah, soltando suspiros
baixos, enquanto avançávamos pelo corredor. Não
me surpreendi, porque coisas deste tipo sempre
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aconteceram, mas pela primeira vez me sinto


incomodada.
Entramos na sala de cinema, em meia luz, e
escolhemos as poltronas mais ao fundo. Eu seguro
um balde de pipoca salgada e ele um balde de
pipoca doce. Como nos velhos tempos, iremos
revezar os baldes durante o filme. Quando as luzes
se apagam e a tela se ilumina, fico com receio que
o momento que compartilhamos mais cedo possa
vir a nós deixar desconfortáveis um com o outro; e
quando isso não ocorre, eu relaxo.
A Cidade dos anjos é um dos meus filmes
favoritos de todos os tempos, apesar de devastador.
Conta a história de um anjo, um ser celestial, que
abre a mão de sua imortalidade para viver um amor
com uma humana. Um sentimento que o faz pensar
se amar com intensidade, mesmo que por um breve
momento, é mais importante do que contemplar a
eternidade sem provar estas emoções. Pego um
punhado de pipoca e levo a boca. Meus olhos estão
grudados na tela à nossa frente.
Afinal, viver um amor vale mais do que uma
existência eterna mesmo vazia?
Ainda não conheci um amor que me levasse à
loucura, que me tirasse dos eixos. Que bagunçasse
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a minha vida da melhor maneira. Não somente um


amor que me completasse, mas que fizesse eu me
sentir como sua igual. Onde eu pudesse continuar
sendo eu mesma e ele continuar sendo ele. Pego
mais um punhado de pipocas. Enquanto mastigo
um sorriso atinge meus lábios. Sim, por este tipo de
amor eu arriscaria tudo. Mesmo que ele não fosse
eterno, eu preferiria ter vivido isso por um dia, a
nunca ter experimentado sua magnitude.
Quando o filme termina, meu rosto está inchado,
vermelho e coberto de lágrimas. Estou fungando
sentada no meu assento. Infelizmente, o amor de
Seth por Maggie foi surpreendido pelo infortúnio
da vida real. Mas tenho certeza de que ele viverá
para sempre. Este tipo de amor não acaba, ele é
eterno. Os créditos finais estão passando, quando
consigo me recompor. Noah foi muito solícito ao
esperar eu me acalmar, antes de se levantar e me
estender sua mão. Eu a aceito e me coloco de pé,
alisando meu vestido, deixando cair vários restos
de pipoca no chão.
Quando termino, ele parece me olhar
encantando. Depois sorri para mim do alto de seus
centímetros a mais de altura.
— Se me lembro bem, este encontro incluía
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sorvete? — lembro a ele.


Seu sorriso se expande.
— Está admitindo que isso é encontro então? —
me questiona com uma zombaria camarada.
Era? Não era?
— Se me der sorvete, pode chamar como quiser
— digo, já caminhando para o corredor.
Escuto suas passadas e sua risada, deliciosa,
quando corre para me alcançar.

— VOCÊ TEM O PIOR GOSTO PARA


SORVETES da história da humanidade! — afirma
Noah, lambendo sua casquinha.
— Ná... Você que não tem criatividade, sempre
escolhe os sabores mais óbvios. Dã, chocolate e
creme — digo lambendo o meu sorvete de limão
com pistache.
Seus olhos se prendem em minha língua, o que
quase me faz engasgar. Consigo engolir, com certa
dificuldade, para depois limpar a garganta.
— Quer provar um pouco? — ofereço a ele a
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minha casquinha.
Ele assente. Com a pazinha, misturo os sabores e
levo até a sua boca. Ele abre os lábios, leva sua
mão até o meu pulso e aceita a delícia gelada. É
uma visão tão erótica que sinto o poder sóbrio e
bruto do seu magnetismo muito próximo do meu
corpo. Os cílios escuros emolduravam o brilho de
diversão que surge nos olhos de Noah, e um
espasmo de desejo sexual me atinge.
Ele dá um sorriso perverso, tão obscenamente
sexy, que mal consigo fechar os olhos.
Droga. Se concentra, Anna.
Foco, garota, foco!
Sem trocarmos palavras, voltamos a caminhar.
Andamos até o píer com uma vista esplêndida do
lago aos pés da montanha, e paramos no guarde-
reio.
Noah apoia seus braços, casualmente, contra o
ferro.
— Tenho algo para confessar — digo a ele.
— O que você fez desta vez? — questiona,
absorto, admirando a vista.
— Eu decidi ficar por aqui, quero dizer, ficar por
um tempo — confesso brincando com meus dedos,
um tanto nervosa. Falar sobre isso com Nana foi
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tão fácil e tranquilo, com Noah é como se eu


sentisse que este fato mudaria tudo.
Ele vira seu corpo de frente para mim, apoiando-
se com o quadril na proteção.
— Por quanto tempo?
Seu olhar estava em mim, com intensidade.
— Indefinido — respondo, somente.
Ele parece refletir.
— Então, dará continuidade à reforma?
Concordo com a cabeça.
— Isso quer dizer que nos veremos com mais
frequência?
Assinto novamente. Ele sorri, diabolicamente, e
se aproxima, de maneira tão sutil, que quase não
noto o movimento.
— Como são muitos detalhes a decidir, acredito
que o mais sensato seria nos vermos com
frequência para não sair nada errado — ele desvia o
olhar, pensativo. — É, definitivamente, teríamos
que nos ver todos os dias — diz ao voltar seu rosto
para o meu.
Sinto sua respiração roçar meus cabelos. Olho
para os lados, precisando de um minuto para
encará-lo. A constatação de que é noite e que
estamos sozinhos não ajuda a aquietar meu
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nervosismo. Só estamos eu, Noah e as estrelas


acima de nós. Não sei se foi o filme ou o que, mas
eu estou completamente envolvida neste cenário
romântico e no cara à minha frente.
Estava fantasiando novamente, e, não sei como,
acabei com as minhas costas pressionadas contra o
metal gelado; e dois braços me cercando,
prendendo-me entre seu corpo quente e a proteção
de ferro. Sinto palpitações só com sua proximidade.
Meu corpo esta febril, quente e frio ao mesmo
tempo, e eu mal consigo respirar. Quando ergo
meus olhos, consto que um minuto não faria
diferença. Seu olhar, que sempre foi como um
brilho agitado, se transformou em fogo. E ele não
fez questão de esconder nada, quando seus olhos
desceram pelo meu rosto e param em minha boca.
Desta vez, o desejo estava implícito no modo como
prende seu lábio inferior entre os dentes. Eu me
sentia em transe, e meu corpo se inclina para frente,
em direção ao seu, buscando seu calor.
Corpo traiçoeiro.
Noah solta um rosnado baixo na garganta e eu
me envergonho do meu descontrole. Era
humanamente impossível resistir aos seus encantos.
Resistir a toda esta potência muscular bruta,
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direcionada a uma mulher, e a todo o carisma e


sensualidade abrasadora, usados para garantir que
ela não quisesse escapar.
Estava funcionando. Pois eu não queria escapar.
Eu o encarava encantada. A febre que estou
sentindo queimando em cada centímetro de minha
pele, parece estar percorrendo as veias de Noah.
Seus braços estão tão tensos que consigo vê-las
saltadas. Ele parecia prestes a perder o controle,
quando, de repente, se afasta de mim. Noah tinha
mais autocontrole do que eu, que havia me
entregado a ele como em uma bandeja de prata.
Depois de um momento ele deixa escapar um
suspiro.
— Isso vai ser interessante.
A distância não diminuiu seu desejo por mim,
evidente agora através do tecido de sua bermuda.
Foi difícil olhar para outra direção. Ele solta uma
risada aguda e me puxa pela cintura, plantando um
beijo molhado no meu rosto, próximo aos meus
lábios.
Eu podia abrir um buraco no chão e me enterrar
dentro de vergonha.
— Vem, vamos te levar para casa.
Noah me puxa pelo braço, entrelaçando nossas
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mãos que se unem perfeitamente.


A ida até a casa de Nana acontece em silêncio.
Graças ao bom Deus.
Quando ele para o carro, eu me despeço
rapidamente, não dando chance para nenhuma troca
de palavras. Abro e fecho a porta, e praticamente
corro em direção à segurança das paredes de
concreto. No quarto, toco o local onde seus lábios
me beijaram. A pele sensível do meu rosto ainda
conseguia sentir a barba rala de Noah.
Não importava o quanto eu quisesse negar, eu
queria Noah Collins muito mais do que a um
amigo.

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DOZE

ESTOU INQUIETA, COMO SE HOUVESSE


VIRADO uma chave em minha cabeça. Hoje seria
o dia em que eu voltaria a Manhattan. Meu voo
pousaria em New York no início da noite e Igor me
pegaria no aeroporto, e a vida continuaria do jeito
que conheço. A oportunidade de escrever meus
próximos capítulos, faz minha pele pinicar,
pedindo-me, quase implorando, para eu colocar as
mãos na massa. Coisa que pretendo fazer muito em
breve, mas primeiro pretendo dar continuidade à
reforma da minha casa.

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Noah me mandou uma mensagem informando


que estava avaliando todos os custos e que em
breve entraria em contato, com os orçamentos e
prazos. Está cada vez mais difícil não me deixar
afetar por este homem, que não para de me
impressionar e encantar, em todos os sentidos.
Pensei em responder, convidando-o para passar o
dia comigo, mas recém nos vimos ontem, e não
quero soar desesperada.
Precisando tirá-lo de meu sistema, ligo para Igor.
Faz um tempinho que não nos falamos, e nos
últimos dias, só trocando mensagens por telefone.
Estou sentada no gramado dos fundos da minha
casa, brincando com Fúria, que está completamente
imunda da lama que havia na beira do lago.
Alguém vai ter que tomar banho depois.
Ele atende após poucas chamadas.
— E aí, gata. Já está com saudades? — pergunta
com seu humor habitual.
— Sim, morrendo, tanto que não aguento mais.
Oh baby, oh baby — brinco, rindo ao telefone.
Igor ri do outro lado da linha e noto o quanto
senti sua falta.
— É por isso que preciso de você aqui, meus
dias são bem mais divertidos contigo por perto.
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— Pode ter certeza que os meus também —


admito porque é verdade.
Deito na grama, curtindo a sensação.
— E aí, já fez as malas? Animada para voltar?
— Então, por isso que estou ligando. Houve uma
pequena mudança nos planos.
— Que mudanças — pergunta sem perceber a
alteração em minha voz.
Eu tomo uma respiração profunda, antes de
continuar.
— Decidi ficar por aqui por mais um tempo.
Ele logo responde.
— Claro, acho que consigo mais alguns dias com
a Lilly.
Preciso ser mais clara.
— Igor, serão mais do que uns dias a mais. Não
sei bem quando ou se voltarei – admito.
Fico em silêncio esperando a resposta dele que
não chega.
— Ainda está aí? — pergunto segurando o
aparelho com força contra meu ouvido.
Para meu alívio ele responde.
— Sim — ele solta uma respiração — isso foi
inesperado. Tem algo a ver com as últimas notícias
sobre Ethan?
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Fico confusa.
— Ethan? Por que teria a ver com Ethan?
Ele solta um suspiro.
— Você não sabe então.
— Olha, não sei se isso foi uma afirmação ou
uma pergunta, mas a última vez que ouvi ou vi
Ethan foi no dia que terminamos.
Escuto Igor largar algo pesado no chão, e o
rangido de sua cama ao se sentar nela. Começo a
ficar preocupada.
— Igor, aconteceu alguma coisa com Ethan?
Ele hesita, antes de responder.
— Infelizmente não. Você sabe o quanto eu
adoraria quebrar a cara daquele mané depois de
como agiu contigo. Escutando você agora ainda
não sei se você é você de novo. E agora ainda para
piorar...
Ele não completa a frase e fica em silêncio de
novo. E eu começo a ficar impaciente.
— Igor, fala logo o que aconteceu?
Desta vez sua resposta vem rápida.
— Acredite ou não, nosso “querido” amigo irá
casar. Ele e Cinthia publicaram o noivado na
coluna social do New York Post e marcaram a data
para daqui a nove meses. Pelo que pude entender
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da matéria, Cinthia é uma das maiores herdeiras da


cidade e está crescendo rapidamente como
advogava no escritório do seu pai.
Noivo? Casar? Sou pega de surpresa por todas
estas informações. Desde que terminamos,
passaram-se somente cinco semanas. Isso é um
tempo relativamente curto para começar um novo
relacionamento, se apaixonar, o que dirá para se
casar. A menos que não seja um relacionamento tão
novo assim, o que quer dizer...
— Anna... Anna... droga, sabia que não deveria
ter te falado nada — ouço a preocupação em sua
voz.
Escuto ele tropeçar em algo do outro lado da
linha.
— Só estou... — começo a explicar, avaliando
meus sentimentos.
Balanço a cabeça.
— É só... muita informação. Vai levar um
tempo para cair a ficha.
Pensativa, sinto Fúria cutucar meu braço com o
focinho. Eu o levanto para que ela possa acomodar
sua cabeça em minha barriga.
— Você está bem com isso? — a voz de Igor soa
delicada como se estivesse com medo de me
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machucar.
Se estou bem com isso? É uma boa pergunta.
A cada dia penso com menos frequência em
Ethan, ou em nós. Deitada aqui, eu me dou conta de
que ele não passou pela minha cabeça nos últimos
dias. De fato, nosso relacionamento não estava
legal. Eu me esforçava muito mais, ligava mais,
procurava mais. A cada dia vou percebendo com
mais clareza que nosso amor tinha acabado mesmo
com o tempo, infelizmente da maneira errada. Mas,
indiferente a isso, no final, tudo terminou como
deveria, e hoje estou aqui, deitada no gramado da
minha casa.
Consigo ver as coisas com clareza, após dias
cinzentos.
— Ethan merece ser feliz e não éramos a
felicidade um do outro; em algum momento, ele
iria seguir em frente. Vou aprender a lidar com
isso, porque não posso me preocupar com algo que
não tenho o controle, mas posso cuidar de mim, que
negligenciei por tanto tempo. É por isso que estou
ligando. Quero que saiba que eu agradeço por você
ser um amigo tão bom e leal. Por ter percebido meu
desespero, ter visto que eu precisava de ajuda e ter
ligado para vovó. A cada dia estou melhor. É como
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se eu tivesse encontrado um pedaço de mim que


nem eu sabia que estava faltando.
Escuto alívio em sua voz quando me diz:
— Então seus planos mudaram.
Movo a cabeça, concordando, mesmo que ele
não possa ver.
— Então meus planos mudaram. E também, eu
meio que, comprei uma casa.
Um, dois...
— Como assim, comprou a porra de uma casa!
— grita ao telefone.
Tive que afastar o aparelho da orelha.
— Comprei, não consegui evitar.
— Uau, você não faz as coisas pela metade, gata
— ele ri — pode ser que tenha a ver com aquele
período do mês? Você sabe, as vezes você fica
meio maluca.
— Igor, que coisa mais insensível de se dizer —
respondo fingindo irritação — Embora seja
verdade.
Rimos em harmonia.
— Vou começar a reforma em breve. É em
frente ao lago, do lado da casa de Nana.
— Hum, nada má a vista, pelo que me lembro.
Igor me acompanhou para cá em uma ou duas
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visitas curtas. Quase todo o tempo passamos dentro


da casa de vovó, comendo sua comida e a irritando.
Lembro que tenho um pedido para lhe fazer.
— Também preciso de um favor. Será que
poderia conversar com Lilly por mim? — A parte
mais difícil da minha decisão é saber que irei deixá-
los na mão, e que não irei vê-los todos os dias — só
posso esperar pela sua compreensão.
Ele logo me tranquiliza.
— Não se preocupe com isso. Lilly sempre
torceu pela tua felicidade.
— E não vamos esquecer que ela é uma santa,
por nos aturar nos últimos anos — complemento
descontraída.
Ele ri do outro lado da linha, concordando.
— Também te enviarei todo mês uma soma para
ajudar com os custos do apartamento — digo a ele.
Ele faz uma pausa, antes de falar contrariado.
— Não é necessário, mas sei que enviará o
dinheiro de qualquer forma.
— Sim, isso não é negociável. Pelo menos até
conseguir um outro colega de quarto, ou quem sabe
uma namorada?
— Pode parar! Só porque você está nessa vibe de
mudanças, não quer dizer que eu também esteja.
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Nem vem querendo rogar praga para cima de mim.


Não aguento, adoro provocá-lo.
— Bom, e agora? Quais os próximos planos? —
questiona ele.
— Estou dando tempo ao tempo. Quero dar
início a reforma, e depois focar em minha carreira.
Continuamos conversando por mais alguns
minutos e depois desligamos. Ao me sentar na
grama, vejo que minha blusa branca esta
completamente suja de barro e procuro Fúria com o
olhar. Quando a vejo, rio de nossa situação, pois ela
está tão marrom quanto a terra. Abanando seu
rabinho para mim como me convidando para
brincar.
— Agora eu sei por que anda tão calma; esta
gastando toda sua energia correndo por aí — digo a
ela em voz alta, pegando-a no colo.
Admiro o imenso lago à nossa frente, há poucos
passos de onde estamos. Está uma tarde quente, um
dia claro e lindo de sol, com poucas nuvens no céu,
e a água é um convite para se refrescar neste calor.
— Que tal um banho de lago para tentarmos te
deixar branquinha de novo? — pergunto para Fúria.
Ela lambe meu rosto, o que para mim é um “com
certeza”. Caminho em direção ao pequeno píer na
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margem do lago. Acomodo Fúria no chão de


madeira e após olhar para os lados e não ver nada
além de uma floresta abundante, decido ser ousada.
Tiro a camiseta suja pela cabeça, as sapatilhas e a
calça jeans. Sem as roupas, sinto o ar quente e
ameno do dia, beijar minha barriga exposta.
Acomodo minhas roupas junto de Fúria na ponta
do píer e, no momento, não me importo com o fato
de que provavelmente minha lingerie branca ficará
encardida. Inclino-me em direção a água, e
mergulho com vontade no lago. A água
imediatamente faz pressão em meu corpo,
deixando-me leve. A sensação é maravilhosa,
mesmo a água estando levemente gelada.
Quando eu era pequena sempre quis fazer isso,
todavia, como não sabia nadar e por medo eu me
mantinha longe da água. Tive aulas de natação na
escola, e com os anos, muita prática e dedicação,
aprendi. Dou mais algumas braçadas amando a
sensação, quando escuto Fúria latindo no píer.
— Está bem, estou voltando — berro nadando
em direção a ela.
Pego-a nos braços, e, onde estou, mais próximo
da margem, o nível da água fica um pouco abaixo
dos meus seios. Começo a molhá-la e tento limpar
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um pouco da terra de seus pelos. Após alguns


minutos, percebo que não estou tento muito
sucesso, pois aparentemente a lama grudou em seus
pelos.
— Pelo visto, não vamos conseguir nos limpar,
mas, pelo menos, não estamos mais com calor.
Brinco com ela em meus braços. De vez em
quando, eu a solto um pouco, para que nade em
minha volta e de volta para meus braços. Fúria, sem
dúvida, foi o melhor presente que já ganhei até
hoje.
— Vocês duas leram meus pensamentos — soa
uma voz.
Ouço passos se aproximando, fazendo ranger a
madeira, e não preciso me virar para saber que é
Noah. Só escutar sua voz rouca e já me tenciono
toda. Eu me viro e deparo com ele tirando seus
tênis. No primeiro momento, não entendo seus
motivos. Tento recordar se tínhamos combinado de
nos ver, mas não consigo me lembrar. E quando ele
começa a tirar a camisa, bom, dai realmente fico
desconcentrada. Devagar, bem devagar meus olhos
descem e depois sobem pelo seu peito. Engulo em
seco. Aos dezoito, ele já era bonito. Lembro de tê-
lo visto sem camisa muitas vezes quando ele
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nadava no lago, ou nas nossas brincadeiras. Aos


vinte e oito, era maravilhoso. Seu peito era
esculpido, seu peitoral firme, o abdômen trincado.
Meus olhos vão descendo pela linha V de sua
barriga e, quando dou por mim, estou literalmente
encarando uma região específica de suas calças.
Noah pigarreia com força.
— Meus olhos estão um pouco mais para cima,
Anna.
Por mais que eu queira, não conseguia parar de
admirá-lo. É como se meu cérebro estivesse
memorizando cada centímetro do seu corpo, cada
curva. Vou subindo meus olhos. Vejo braços
bronzeados e fortes e percebi que ele estava
entretido com meu nervosismo.
Estava certa quanto à tatuagem de Noah ser
grande. Ela tem duas asas pretas, uma em cada lado
de seu peito. E, no braço direito, vê-se um anjo,
também em cores negras, sustentado por uma rosa
branca com pétalas caindo. As duas imagens me
deixam tristes e fascinadas ao mesmo tempo. Sinto
vontade de passar meus dedos, acompanhando cada
contorno, e perguntar o motivo que o levou a
gravá-las em sua pele tão linda.
Noah leva suas mãos à calça Jeans e começa a
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desabotoá-la e este gesto me tira do transe.


— Meu Deus, por favor, não! — grito mais alto
do que pretendia.
Ele para e me encara. Ali estava, diversão e
alegria nos olhos de âmbar.
— Ah, então, está tudo bem com sua voz? — diz
roçando suas coxas fortes contra seu jeans justos,
conforme se aproxima da beirada do píer — por
alguns segundos pensei que tinha algum problema
com ela.
Ele para e me encara. Sinto seus olhos
queimando em minha pele, enquanto ele os desce
pelo meu cabelo molhado, pelo meu rosto pingando
de água e, acompanhando os pingos, se demoram
em meus peitos. Olho para baixo e vejo minha
lingerie, antes branca, completamente transparente,
não sendo capaz de esconder minha excitação.
Somente com aquele olhar me sinto nua. Os olhos
de Noah encontram os meus, e ele me lança um
olhar preguiçoso antes de parar na beira, ainda de
calça jeans, graças ao bom Deus, e mergulhar.
Eu podia jurar ter visto um brilho faminto e letal
em seus olhos, tanto que puxo Fúria para junto do
meu peito, a fim de me proteger. Se antes Noah
tinha alguma dúvida de minha atração por ele,
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agora não tinha mais.


Começo a tremer na base. Sim, eu estou nervosa
por estar seminua com um dos meus amigos de
infância no lago. Porque, primeiro: não somos mais
crianças. Segundo: Deveria ser proibido para um
homem ter aquela aparência. Terceiro: Na verdade,
não me vem à cabeça nenhum terceiro motivo, mas
penso que deveria existir.
Observo suas braçadas longas e a movimentação
da água.
— Fui até a casa de sua avó te procurar para
decidirmos o início da reforma, e Marie me falou
onde eu poderia te encontrar.
Maldita Marie.
Abençoada Marie.
Não consigo me decidir.
Seu cabelo castanho curto está molhado,
bagunçado, e pingando em seu rosto. Não sei como,
eu o acho ainda mais bonito, tão perto de mim,
agora com a luz do dia realçando todo seu
esplendor.
Só consigo pensar: sexy, sexy, sexy.
— Ela falou, é? — pergunto, fingindo que sua
proximidade não me afeta.
— Sim, mas a surpresa de quando eu te encontrei
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foi muito, muito melhor —confessa com seus olhos


dilatados, parando a uns trinta centímetros de mim.
Fúria começa a latir para ele, e ele a tira dos
meus braços, em um único movimento, e com
muita facilidade a coloca no píer. Instantaneamente
ela para de latir, se chacoalha e se deita no chão de
madeira, com a cabeça apoiada nos pés.
Traidora. Será que Noah tem poder sobre todos
os espécimes femininos?
— Acho que ela está começando a gostar de mim
afinal — avisa se aproximando de novo — então,
onde estávamos? — pergunta levando um dedo aos
lábios e fingindo pensar no assunto. Só este
movimento faz os músculos de seus braços se
contraírem, e eu estou concentrada demais neles
para responder sua pergunta.
Glória a Deus, senhor!
Não me lembro de ter verbalizado as palavras,
mas o que quer que eu tivesse dito, me deletou. Ele
se aproxima mais um passo.
— Sim, estava te falando da minha grata
surpresa ao te encontrar aqui, hoje, dentro deste
lago.
— Ah, bem, e o que queria me falar mesmo? —
respondo simplesmente, e seu sorriso se amplia.
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— Não que eu ache isso muito importante agora,


mas te enviei o orçamento por e-mail, avisando que
posso dar um jeito de começar a reforma dentro de,
no máximo, quinze dias — avisa muito, muito
perto, mesmo, de mim.
À medida que ele vem ao meu encontro eu vou
para trás. Até sentir minhas costas baterem no píer
e perceber que não tenho mais espaço para recuar.
Olho para os lados e sinto braços, que conheço
muito bem, me cercando. Novamente sou
aprisionada por Noah. Se bem que esta seja uma
prisão da qual eu não desejo sair. Lentamente tomo
coragem e levanto meu rosto para encará-lo. Seus
olhos incríveis pareciam brilhar. Minha pulsação
acelera e preciso fechar minhas mãos ao lado do
meu corpo, para evitar tocá-lo.
Será que a água do lado esquentou?
Eu me sinto pegando fogo.
Com uma lentidão angustiante, ele leva a mão ao
meu rosto e passa suavemente seu dedo, da minha
mandíbula até a boca. Seu polegar desliza sobre
meus lábios, pedindo passagem em silêncio. Eu os
afasto, sem resistência. Ele analisa meu rosto como
se ele fosse uma obra de arte. Sem pressa, como se
quisesse memorizar este momento para sempre.
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Tenho certeza que ele percebe minhas leves sardas


sem a maquiagem para escondê-las e minhas íris
verdes com pequenos pontos dourados destacados
pela luz do sol. Sinto seus olhos se prenderem em
meus lábios, e noto quando ele molha os seus com
a língua e, não sei como, sei que ele quer me beijar.
— Você é a coisa mais linda que eu já vi, Anna
— diz com a voz ainda rouca, como um ronronar
de um amante, acariciando cada parte do meu
corpo.
Pode ser loucura, mas neste momento tudo que
penso é que quero que ele me beije e que quero
beijá-lo. Nunca senti esta atração louca por nenhum
outro homem e não sei como lidar com estes
sentimentos que estão mexendo com a minha
cabeça e despertando sensações em meu corpo.
— Anna, você está aí?
Fecho meus olhos e solto o ar, que estava
segurando, com dificuldade. Reconheço a voz de
Nana, seguida por seus passos conforme avança em
nossa direção. A interrupção me dá forças para sair
dos seus braços.
— Estou aqui vovó — respondo me virando para
encontrá-la.
Vovó olha para mim, depois para Noah, depois
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para mim de novo, e então para Noah novamente,


que esbanja um enorme sorriso delator, e
finalmente para nossas roupas no chão. Ela franze a
testa.
— Desculpe, estou interrompendo algo? —
pergunta-nos, desconfiada.
— Não seja boba vovó, já estava mesmo saindo
do lago – minto, um pouco agradecida por ela ter
nos interrompido e um pouco frustrada por ela ter
nos interrompido.
Caminho em direção à margem quando me
lembro que estou só de lingerie. Paro e me volto
para Noah. Penso em pedir para ele se virar e
contar com sua gentileza para eu poder sair do lago
com um pouco de dignidade, mas o modo como me
encarava me dizia que mesmo que eu pedisse ele
não faria isso. Respiro fundo, e peço a vovó que me
alcance a minha blusa. Para minha sorte, ela o faz
sem perguntas adicionais; com toda a dignidade
que me resta, saio do lago segurando a blusa na
frente do meu peito e cobrindo a maior parte da
frente do meu corpo.
Quanto às costas? Bom, uma garota não pode
contar com mais sorte ainda, não é?
Vou pagando calcinha até vovó.
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— Podemos ir — falo, e lembro de não ter


respondido sobre a reforma a Noah.
Não foi difícil localizar ele dentro do lago.
— Sobre a reforma, analiso hoje à noite e te
respondo, ok?
Ele, simplesmente, assente, com um sorriso
endiabrado nos lábios. Seu peitoral totalmente
exposto, molhado, quase me fez pular de volta na
água. Sem confiar nos meus instintos, me despeço
com pressa.
— Combinado, então. Vamos indo, vovó.
Tchauzinho, Noah — digo pegando minhas calças
do chão, e carregando Fúria da melhor maneira que
consigo.
Caminhamos em silêncio, entre o curto trajeto
entre as nossas casas.
Quando chegamos à casa de vovó, entramos e
me encosto na porta fechada de madeira. Fecho os
olhos e respiro com mais tranquilidade, colocando
um pouco de ar para dentro dos pulmões. Quando
me sinto relaxar, abro os olhos para ver Nana me
encarando de braços cruzados.
— Nem começa, vovó, não aconteceu nada. Vou
levar Fúria para cima, dar um banho nela e depois
de eu tomar banho, desço para conversarmos.
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Subo as escadas correndo. Entro no banheiro do


meu quarto, fecho a porta e ligo a torneira da
banheira. Enquanto a espero encher, vou até o
espelho e encaro meu reflexo.
Meu cabelo está úmido e desgrenhado, meu rosto
sujo de lama em algumas partes, minha pele está
vermelha, minha lingerie totalmente destruída, do
mesmo modo que está transparente, meus mamilos
duros, completamente visíveis através da renda.
Mas o que mais me chama a atenção são meus
olhos, que estão reluzindo, vivos, em um tom de
verde que nunca vi antes, com as pupilas dilatas.
Pareço enfeitiçada. E o nome do feitiço tem nome e
sobrenome: Noah Collins.
Sei o que aconteceria no lago se vovó não tivesse
aparecido. Meu corpo sofre em aflição pelo desejo
reprimido. Minha lógica, que deveria levantar uma
barreira entre meu desejo e a minha razão, está
sendo completamente inútil. Eu me sinto fervendo
em todas as partes.
Primeiro, dou um banho rápido em Fúria e
depois tomo um banho de chuveiro, gelado. Seco
Fúria e me enrolo em uma toalha.
Quando volto para o quarto, escuto o barulho de
mensagem recebida no telefone e ando até o bolso
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de minha calça. Quase deixo o aparelho cair,


quando vejo que a mensagem é de Noah. Clico na
tela, que se abre para mim:

“Esta tarde foi inesperada, porém, inesquecível, Anna.


Nunca conseguirei remover as imagens de minha cabeça.
Não que eu fosse querer isso de qualquer modo.

P.S: Aguardo sua confirmação de quando poderei


começar a obra.
Não vejo a hora de trabalhar ‘com’ você!”

Deito na cama, meu peito subindo e descendo


rapidamente.
Ai, papai!
Onde é que fui me meter.

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TREZE

ANTES DE DESCER AS ESCADAS e


enfrentar vovó e sua perguntas, vou até o meu
notebook e confiro o e-mail de Noah. A planilha
que me enviou é apresenta todos os custos
discriminados, de matéria-prima, mão de obra,
também contém indicadores de eventuais custos
adicionais e prazos de entrega. Estranho o valor,
pois, vendo pessoalmente tudo que precisa ser
reformado, acreditei que seria bem mais. Porém,
como não tenho conhecimento nessa área,
simplesmente respondo concordando com a soma e

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perguntando quando poderia me encontrar para


assinarmos o contrato e definirmos a forma de
pagamento. Mesmo com a compra da casa e a
reforma, ainda assim eu continuaria com uma
grande reserva de dinheiro no banco.
Desço para o jantar e encontro vovó na cozinha.
Ela está de costa para mim, mexendo em uma
panela no fogão.
— Ocasião especial hoje, vovó? pergunto
abraçando-a por trás e acomodando meu queixo em
seu ombro.
Da minha posição, e pelos ingredientes no
balcão, presumo que esteja fazendo um Yakisoba
de frango e legumes.
— Tenho notícias importantes a compartilhar.
Beijo seu rosto e vou até a cadeira alta em frente
ao balcão. Sento de frente para ela, beliscando
alguns feijões de vagam que ela já refogou e
salgou.
— Por isso me procurou hoje a tarde? —
Pergunto mordiscando.
— O que estava fazendo com Noah....
Não deixo ela terminado. Levanto um dedo no
ar, a interrompendo de me perguntar coisas que
nem eu sei explicar.
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— Sem perguntas, lembra — estreito meus olhos


para ela — Mas, agora que estou aqui, que notícias
seriam estas?
Ela sabe que estou desviando de sua pergunta.
Mesmo assim, desliga o fogão, vem até onde estou
e puxa uma cadeira sentando-se de frente para mim.
— Primeiro: não consigo explicar em palavras a
alegria que você colocou dentro do meu coração ao
decidir viver aqui, nesta cidade, comigo — fala
animada — a cada dia te vejo sorrir mais, com mais
energia e mais alegria. Lembra-me a pequena da
infância, que me seguia para cima e para baixo
desta casa.
Sorrio para ela, pois eu me lembro também.
— Sei que não posso tomar todo o crédito;
acredito que um certo alguém tenha uma parcela
grande nisso — pisca para mim.
Reviro os olhos.
Ela faz uma pausa.
— Tenho que confessar algo — ela abaixa a
cabeça, antes de continuar — minha atitude não foi
completamente altruísta.
Eu a estudava.
— No dia em que conversamos, eu sabia que
estaria te influenciando na decisão de morar aqui.
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Tenho noção da importância que minhas palavras


têm nas suas escolhas.
Seu tom era controlado, para eu não
compreender nada errado.
— Sonho com o dia em que teria esta conversa
contigo há muitos anos — ela me dá um sorriso
suave — vi você crescer e desabrochar diante dos
meus olhos e preciso te falar que eu tenho muito,
muito orgulho de você.
Tombo a cabeça e abro um sorriso que chega aos
meus olhos.
— Somando-se a isso, você é uma das pessoas
mais talentosas e brilhantes que já tive o prazer de
ver trabalhar. A facilidade que você possui para
criar, manipular, articular receitas é um dom. Um
dom muito especial e muito bonito.
Olhamos uma para a outra e ela parece um pouco
nervosa.
— E, por isso, nada me faria mais feliz do que te
oferecer a posição de chefe de criação no Greens &
Beans.
Penso ter ouvido errado.
— Chefe de criação?
Um vinco surge em minha testa.
— Isso — ela confirma.
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Não entendi errado. Olho bem em seus olhos.


— O que exatamente seria esta função?
Ela pensa por um momento.
— É a pessoa responsável por todas as receitas
que vendemos em nossas caixas. Basicamente você
estaria elaborando novas receitas e as colocando na
mesa de milhares de famílias. Como quando uma
pessoa compra uma caixa do nosso mix para fazer
um muffin de banana para o café da manhã, ou uma
caixa do mix do bolo de nozes para o chá da tarde.
Lembro que uma vez vovó me disse que suas
receitas eram de família, foram passadas para ela de
geração a geração. Ela centralizou o conhecimento
e o aplicou em suas misturas pré-prontas. Qualquer
um poderia cozinhar as receitas, através de um
passo a passo simples, que em sua maioria só
incluía adicionar ovos e leite.
Chefe de criação?
Chefe de criação?
Por que esta função não me é estranha?
Arregalo os olhos.
— Mas, vovó, é você quem sempre elaborou as
receitas! — esclareço a ela, que parece ter se
esquecido deste detalhe.
— Tenho plena convicção disso, pequena. É o
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que sempre mais gostei de fazer, entretanto... — ela


faz uma pausa, parecer pensar e no final desiste da
ideia — enfim, hoje a maior parte do meu tempo é
dedicado a administração da empresa, junto com
minha equipe de conselheiros. Cozinhar acabou
ficando em segundo lugar.
Sinto um pesar em sua voz, mesmo ela mantendo
um sorriso no rosto.
Porque ela está me oferecendo seu cargo na
empresa?
Nego fortemente com a cabeça antes de falar:
— Não posso aceitar, não posso tirar isso de
você
Vejo seu sorriso falhar com meu comentário.
— Você não pode tomar algo que estão te
oferecendo de boa vontade — contradiz com
carinho — cozinhar sempre foi e sempre será uma
parte especial da minha vida. Entretanto todo bom
comandante sabe quando é a hora certa de passar o
leme. E, quando encontramos a pessoa certa para o
trabalho, esta mudança não é algo doloroso, mas,
sim, prazeroso — continua — sempre sonhei que
este dia chegaria e enfim posso compartilhar isso
contigo. Acredite quando digo: você está pronta.
Estou confusa.
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— Como isso é possível? Durante anos eu fiz o


que era esperado de mim. Eu me perdi. Levei muito
tempo para compreender o que me fazia feliz e
mais um tanto para escolher esta felicidade. Não
sou a melhor pessoa para este cargo.
Vovó não aceita meu comentário, negando com a
cabeça.
— Justamente por isso você é. Você lutou pelo
que quis, você se comprometeu, você se doou. Não
escolheu a opção mais fácil, nem o caminho mais
curto. Você reconheceu sua infelicidade e começou
de novo, arriscou e apostou em seu talento. Isso é
muito mais do que a maioria das pessoas está
disposta a fazer. E, se ainda não a convenci, posso
te garantir que todas suas comidas que
experimentei nos últimos dias são maravilhosas.
Você sabe a técnica, você conhece os ingredientes,
e estas qualidades muitos profissionais também
possuem. Então me responda: Por que sua comida é
mais especial que as outras que já provei?
Eu a encaro, tentando encontrar a resposta em
seus olhos verdes, mas tudo que encontro ali é
amor. Percebendo minha inquietação, Nana, me
ajuda.
— Paixão, pequena. Paixão não se compra ou se
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consegue na faculdade. Paixão é fogo, é arte, é


criatividade, é dedicação. Você coloca paixão na
sua comida e, por isso, ela é tão especial.
Escutar isso me deixa emocionada.
— E então, pequena? Você me daria a honra de
aceitar minha proposta de trabalho? Aqui nesta
cidade temos um escritório, que é de onde
administro a empresa na maior parte do tempo, é
onde me reúno com meu conselho quando não
preciso ir para Nova York. Aqui também temos uma
cozinha completa de criação — conclui com um
sorriso.
Vejo duas alternativas: Uma, é não aceitar sua
proposta, por medo de decepcioná-la ou mesmo,
acabar caindo nos mesmos erros do passado. A
outra é aceitar e usar esta oportunidade para tentar
encontrar meu caminho dentro da culinária. A
primeira só eu posso evitar, e a segunda me
colocaria mais perto da realização de minhas
ambições e sonhos.
Decidida, eu me volto a ela.
— Tenho algumas condições.
Ela me dá um meio sorriso, zombeiro.
— Estranharia se não tivesse.
Sorrio de volta.
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— Somente posso aceitar, e isso é de


fundamental importância, se prometer me avaliar
como a qualquer outra pessoa. Não quero
benefícios.
Ela abre a boca para responder, mas eu ainda não
terminei.
— Também preciso que me dê carta branca para
fazer algo diferente. Além disso, faço questão de
passar por uma avaliação. Somente após isso, e se
meu trabalho for do seu agrado, eu me sentirei
segura o bastante para aceitar sua proposta —
concluo.
Mesmo que seja a oportunidade de trabalho da
minha vida, eu tenho que merecê-la e trabalhar por
ela. Não quero ganhar esta chance só por ser sua
neta. Devo receber esta oportunidade por ser a
pessoa mais qualificada. Como vovó sempre me
ensinou: “Todo esforço é recompensado”.
Seus olhos buscam o meu e ela compreende.
— Está bem, pequena. Quando quer fazer isso?
O quanto antes.
Sinto meus dedos coçando para começar. Já
tenho algo no fundo da minha mente. Só preciso
comprar todos os ingredientes necessários. Ainda
hoje, irei ao centro atrás de tudo.
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— Amanhã, amanhã podemos começar —


afirmo, excitada.

NA MANHÃ SEGUINTE, ESTOU PRONTA


PARA O DESAFIO. Após outra noite em claro,
meu corpo está cansado, mas minha mente agitada
me rendeu ótimas ideias. Em vez de seguir com a
linha de produtos que vovó criou, irei propor uma
nova linha de produtos, completamente diferente de
tudo que já existe atualmente na empresa. Uma
linha pronta para o consumo imediato. Produtos
saborosos, nutritivos e sem os conservantes usuais
do mercado. Uma linha gourmet, que mantenha
antigas tradições, mas que seja capaz de atingir à
nova geração, com um nome atrevido, ingredientes-
chaves e surpreendentes, que entreguem, além de
qualidade, uma sensação. Penso em chamá-la
“Prove primeiro, fuxique depois”. Convidativo,
moderno e ousado.
Após ir à feira e ao mercado, estou pronta para
começar.
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Decidi cozinhar três produtos, todos com base no


mesmo ingrediente principal, o coco. O primeiro,
Cocovida: Um leite vegetal de coco, com
especiarias. O segundo, CocoCheekh: Um iogurte
natural de leite de coco, óleo de coco, lâminas de
coco, mel, sementes de chia e fava de baunilha. E o
último, CocoBomb: Um mousse de chocolate,
usando o iogurte natural, tâmaras, cacau, chocolate
amargo 85% cacau, algumas frutas vermelhas e flor
de sal.
Começo pelo leite de coco, receita que será a
base de todas as outras. Peguei o coco, retirei a
água, depois o coloquei no forno, por uns quinze
minutos, para facilitar o processo de remoção da
casca. Com a polpa em mãos, levei ao
liquidificador e a bati com água morna por alguns
minutos. Após, filtrei a mistura espessa e removi a
polpa. Reservei em uma jarra grande. O iogurte
veio em seguida: Aqueci o leite em uma panela,
adicionei adoçante culinário natural, um pouco de
goma xantana e óleo de coco. Mexi até engrossar.
Depois adicionei a mistura, a fava de baunilha e
sementes de chia. Por último, a kombuchá, para
fermentar. Servi em taças, decorei com lâminas de
coco, que dourei no forno, e adocei com mel. Levei
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à geladeira. Para o mousse, misturei o iogurte com


as tâmaras, o cacau em pó e o chocolate derretido.
Depois coloquei em taças, decorei com frutas
vermelhas e flor de sal, e também levei à geladeira.
Pronto, agora era só esperar.
Estava limpando o mármore quando escuto
baterem na porta. Levanto a cabeça e vejo Noah
parado na porta que leva ao jardim. Sua posição
relaxada me indicava que ele estava me observando
trabalhar em silêncio.
— Bom dia — cumprimento, detrás do balcão.
— Nunca tinha te visto cozinhar — observa
Noah.
— Ah é verdade — respondo, somente, por não
saber o que responder.
Ele estava com os óculos de sol, estilo aviador,
no topo de sua cabeça. Usava uma camisa azul
escura e jeans escuro. Seus braços estavam
cruzados, e seu rosto, fixo, em mim. Mesmo a
vários passos de distância, conseguia sentir a
atração que emanava dele. Noah se aproxima, sem
nunca desviar os olhos, até parar à minha frente e
meu coração começa a bater em um ritmo irregular.
Ele leva a mão até meu rosto e ajeita uma mexa de
cabelo atrás de minha orelha. Os calos dos seus
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dedos me causam arrepios. Depois, lentamente, ele


leva o dedo polegar até o canto de minha boca,
esfregando de leve.
— Você está com um pouco de sujeira aqui —
sua voz veio forte e masculina.
Quando ergo minha cabeça, prendo meus olhos
aos seus e me sinto desmanchar. Suas pupilas estão
dilatadas, como se ele quisesse me tocar, me despir
e me provar. Não eram olhos gentis; aquele não era
um olhar de amigo. Ele desamarra meu avental
branco com destreza, e o tira pela minha cabeça,
junto com meu lenço de cabelo. Meus cabelos caem
soltos em cascata as minhas costas. Escuto o
barulho dos panos caindo ao chão, ao nosso lado.
Seus olhos percorrem o comprimento do meu corpo
numa leitura preguiçosa, e um sorriso diminuto
assombra seus lábios, antes de seu olhar encontrar o
meu, novamente. O que seus olhos me diziam
naquele único instante foi tudo o que eu precisava
ouvir.
Com habilidade, ele me levanta pelos quadris e
me acomoda sentada no mármore gelado. O frio da
pedra, logo foi substituído pelo calor, de seu
enorme corpo, posicionado no meio das minhas
pernas. Nossos olhares estavam na mesma altura,
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presos um ao outro, com intensidade. A cada


respiração, eu inalava seu calor e seu perfume. Meu
coração parecia hesitar a cada batida, fraco demais,
rápido demais. A sensação era desconhecida,
assustadora e agradável de uma forma
desconcertante. Noah afasta a mão do meu corpo e
deixa os dedos correrem pelo meu queixo e
pescoço.
Não estou piscando, mal respiro.
Meu corpo estava vibrando em antecipação,
quando ele abaixa sua cabeça e aproxima sua boca,
em um lento, firme, delicado e sucinto beijo. Ele se
afasta e me examina, estreitando os olhos. Estava
deixando clara sua vontade e ao mesmo tempo me
permitindo tomar a decisão que mudaria todo nosso
relacionamento. Sem qualquer dúvida quanto ao
que desejo, levo minhas mãos à sua cintura e puxo
seu corpo contra o meu. O beijo se inflama. Gemo
contra seus lábios, tragando o seu ar e saboreando
sua essência, conforme ele beija devagar, mas
profundamente. Passo meus braços ao redor do seu
pescoço e ele segura minha cabeça com firmeza,
me explorando, me conhecendo, em um beijo
certeiro, longo e sem pressa, transformando meus
tremores em excitação. Sinto sua língua pedindo
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passagem, e abro minha boca em uma rendição


consentida. Nunca havia beijado assim, com esta
entrega, sentindo a energia que fluía através de
nossos corpos. Eu me sinto amolecer, e ele me puxa
pelos quadris, colando-me contra a dureza de seu
corpo. O beijo se transforma de lento e curioso em
agressivo, de uma sedução elegante em algo
primitivo e selvagem.
A excitação se rompe em uma explosão. Era
como descobrir, de repente, uma parte,
absolutamente, nova de mim mesma. Uma parte
que ansiava por ele, que precisava dele, que me
fazia sentir mais viva do que qualquer outra.
Entorpecida, deslizo minhas mãos pelos seus
braços e depois por sua barriga, sentindo os
músculos de seu abdômen contraindo-se ao meu
toque. Eu o aperto e o puxo com força contra mim
e, ao fazer isso, pude sentir o efeito que exercia
sobre ele. Com uma vibração rouca na garganta,
Noah encerra o beijo e segura minha cabeça entre
suas mãos. Seu hálito mentolado fazia carinho
contra minha pele, em respirações rápidas e curtas.
Meus lábios formigavam, minha pele doía e
latejava.
— Queria poder me desculpar por te atacar deste
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jeito, mas estaria mentindo se fizesse isso — diz ao


erguer os olhos, agora gentis, para mim.
Dou um meio sorrio.
— Não encontrará protestos da minha parte —
respondo a ele.
Seu sorriso lindo se abre à minha frente e ele me
dá um leve beijo nos lábios.
— Queria fazer isso desde que te vi no Maggie’s.
Simplesmente, não consegui me controlar quando
te vi trabalhando. Cozinhar nunca antes foi tão
sexy.
Solto uma risada alta.
Depois, levo minhas mãos ao seu rosto e faço
carinho em sua pele; o sinto relaxar contra meu
toque, fechando os olhos. Sua sinceridade me faz
querer confessar algo a ele também.
— Estava pensando neste beijo mais do que eu
gostaria nos últimos dias.
Ele abre seus olhos.
— Posso te garantir que já imaginei este
momento, há muito, muito, tempo atrás — ele toca
meus lábios, com seu polegar. — Você é muito
mais doce do que em meus sonhos.
Ele une nossos lábios em um beijo mais terno.
— Muito mais macia — confessa contra meus
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lábios.
Eu o envolvo com meus braços, querendo
aprofundar o beijo novamente, mas ele não se
move.
— E completamente viciante — garante entre
um beijo e outro.
Ele recua.
— Esperei por isso por tanto tempo e quero fazer
as coisas da forma correta.
— Ou podemos continuar de onde paramos —
digo, puxando-o pela camisa.
Não sei da onde surgiu este ser ousado que
habita meu corpo neste momento.
É vergonhoso, eu sei.
Noah tinha total controle sobre mim.
Ele joga sua cabeça para trás.
— Não me lembro de você ser tão atrevida.
— Como sempre, você traz o melhor de mim à
tona.
Ele se diverte à minha frente e me tira de cima
do mármore, ajeitando meu vestido, depois me
prende em um abraço. Em pé à minha frente, ele é
muitos centímetros mais alto do que eu, e acomoda
seu queixo na minha cabeça. Eu afundo contra seu
peito, sentido os batimentos do seu coração.
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— Quero fazer isso do jeito certo. Quero que me


conheça por completo. Quero que veja o homem
que sou, além do amigo, que sempre conheceu.
— Está pedindo permissão para me cortejar e me
seduzir?
Ele abaixa sua cabeça e beija meus lábios, depois
meu rosto e meu pescoço.
— Pedindo não, estou te informando que farei
isso. A parte da sedução, com certeza, está em
meus planos.
Noah volta a me beijar e eu me perco nele.

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QUATORZE

NOAH ME BEIJOU, E DEVOROU, POR


VÁRIOS MINUTOS. Eu estava sem fôlego,
quando ele foi embora. Meus lábios inchados e
minha pele do pescoço irritada pela atenção
dedicada. Foi nosso primeiro beijo e, ao mesmo
tempo, foi o melhor beijo de todos.
Estava rindo sozinha, quando surgiu uma
lembrança. Eu devia ter por volta de doze anos e
Noah, quatorze. Estávamos na cozinha de Nana; eu
misturando os ingredientes do nosso bolo de
chocolate favorito, e Noah sentado ao meu lado, me

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observando, me irritando e não ajudando em,


absolutamente, nada

— Acho que a Tracy tem uma queda por você — digo.


Tracy era a garota mais popular da escola de Noah.
Sempre que eu vinha para cá, Noah preferia ficar comigo.
Como a cidade era pequena, volta e meia nos
encontrávamos com ela. Mais cedo esbarramos com ela em
um dos corredores do mercado. Tracy me lançou um olhar
mortal quando nos viu juntos. Cumprimentou Noah e me
ignorou. Depois saiu rebolando com sua minissaia,
empinando o nariz.
Particularmente, eu não gostava muito dela.
— Acho que você está louca — me responde, com
desinteresse.
— Não estou, não — retruquei — e você sabe disso!
— Não sei de nada — disse com desdém.
Teimoso. Já falei o quanto ele é teimoso?
A cada verão, Noah ficava mais bonito, mais masculino.
Seu corpo ganhando forma. Quando andamos pela rua,
várias mulheres viravam o rosto para ele, que parecia não
perceber a atenção. Sua cabeça estava sempre no mundo da
lua.
Olho para ele com a mão na farinha e penso em virar o
saco em cima de sua cabeça, mas seria um desperdício de
farinha; então, respiro fundo e volto a misturar.
Depois de um tempo, ele se recosta na cadeira e cruza os
braços.
— Você já foi beijada? — pergunta, assim, do nada, na
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lata.
Não sei porque, fiquei tímida com a pergunta e sinto meu
sangue nas bochechas, agora quentes.
— Por que quer saber isso? — pergunto, olhando para a
tigela, com grande interesse.
— Ué, por que não? — revida ele.
Paro de mexer e levanto a cabeça. Seus olhos cintilam de
divertimento por me deixar constrangida.
— Por que será? — respondo, agitada, jogando farinha
pela cozinha — talvez porque seja um assunto íntimo que
não seja da sua conta, ou porque você é meu amigo e não
deveria me perguntar isso. Além do fato de que isso é um
assunto mais delicado para as mulheres. O primeiro beijo é
sagrado. Tem que ser especial, mágico, tem que ter
significado — respondo sonhadora.
Ele estreita os olhos para mim.
— Então não.
Estava perdida em meu mundo de fantasia.
— Perdão, o que disse?
— Então não foi beijada – Noah repetiu.
— Não disse isso — desconverso.
Noah meneia a cabeça e abre um sorriso convencido.
— Não precisou — diz apoiando seus braços na mesa e
repetindo minhas palavras com trejeitos —“Tem que ser
especial, mágico, tem que ter significado”, e um monte de
blá, blá, blá. Isso e mais a sua cara da cor de um tomate
maduro, entregaram seu segredinho.
— Bem, eu ... — não consegui responder e fiquei de
boquiaberta à sua frente.
Para um cara um tanto tapado, Noah até que é

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observador.
— Eu poderia te ajudar com este problema — oferece-se
prestativo.
Idiota.
Chego a me assustar as vezes, com a frequência com que
este pensamento passa por minha cabeça quando estamos
juntos.
— Claro, porque você é muito experiente — cutuco para
irritá-lo.
Ele dá de ombros, e quem fica irritada sou eu. Termino a
mistura e a despejo em uma travessa e a levo ao forno.
Quando estou limpando as mãos, ele se aproxima e para
do meu lado.
— Digamos que tenho, sim, um pouco de experiência
nisso. Odiaria saber que, quando a hora chegar, você não
saberá o que fazer e eu não fiz nada para te ajudar quanto a
isso. Sorte sua que sou um amigo tão prestativo e altruísta.
Altruísta?
Você?
Sei.
Eu devia estar ficando maluca, pois estava começando a
achar que ele estava falando sério.
Coloco as mãos na cintura.
— Por que faria isso? Se quer tanto beijar alguém, a
Tracy está mais do que disposta a isso — lembro a ele.
Ele morde o lábio inferior e evita meu olhar. Então
entendo tudo.
— Você já a beijou! — grito para ele.
— Xiu — digo, olhando para os lados e fazendo sinal para
eu abaixar o volume — quer falar mais baixo, sua maluca.

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Sua avó e Nana estavam na sala, bebendo chá.


— Por isso ela me olha como se eu fosse o diabo — falo e
o cutuco no peito com meu dedo — o que você fez com a
pobre garota?
Ele não me responde e justo agora escolheu ficar calado.
— Quer saber? Eu não quero saber. Agradeço a oferta,
mas não. Obrigada! — respondo, recusando seu beijo.
Decido que é mais interessante limpar a bancada do que
continuar aquela conversa maluca.
— Qual é, Anna! É só um beijinho — diz insistindo no
assunto.
Fico irritada.
Não quero ser mais uma linha em seu caderninho; Noah
deveria saber disso. A puberdade deve estar afetando-o, o
levando a misturar todas as coisas em sua cabeça de vento.
Nunca contei a ele, mas eu tinha este sonho, bem no
fundo da mente, de como deve ser a sensação quando bocas
perfeitas se encaixam. Quero sentir borboletas no estômago.
Quero ser abraçada pela cintura com ternura. E quando o
beijo terminar, quero me sentir tonta, por quase ter perdido
meu fôlego.
Não estava gostando do rumo desta conversa. Por isso,
quando termino de limpar a bancada, vejo o saco de farinha
e tenho uma ideia. De costas para ele, pego um punhado de
farinha e me viro com cara de travessa.
Noah se sobressalta, e seus olhos vão descendo do meu
sorriso até parar em minha mão direita.
Quando volta a me encarar, seus olhos estão alarmados.
— Você não ousaria — me adverte.
Tombo minha cabeça para o lado.

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— Não ousaria o quê? Tipo, fazer isso? — aviso pouco


antes de jogar farinha na cara dele.
Ele fechou os olhos, mas sua cara e cabelo ficaram
brancos. Eu me pego rindo alto.
Quando ele abre os olhos, não vejo mais nenhum sorriso
em seus lábios ou divertimento em seus olhos.
— Oh-Oh! — me afasto para trás.
Ele vem em minha direção e me alcança. Ainda me
segurando, ele se estica e sei que pegou a farinha com a
outra mão.
Grande ideia, Anna, realmente a melhor de todas.
Fecho meus olhos pouco antes de sentir a farinha cair em
minha cabeça e se espalhar pelo meu corpo. E é
infinitamente mais farinha do que o que joguei nele.
Quando termina, é ele quem está rindo.
Abro, furiosa, meus olhos em meio a imensidão branca.
Ele se dobra de rir à minha frente.
E, é um fato, desejo matá-lo!
Pego o resto do pacote que ele deixou em cima da
bancada e parto para cima dele. Ele pressentiu e começou a
correr antes de eu alcançá-lo.
Saímos em direção ao jardim, comigo berrando atrás dele.
— Você me paga, Noah Collins. Eu odeio você! Odeio
você!

Muitas coisas não aconteceram como eu desejei


depois disso. Eu não o alcancei naquele dia. Meu

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primeiro beijo aconteceu dois anos depois, com um


colega de classe, Chuck. Não foi mágico, não foi
especial. Não senti borboletas no estômago, só os
dentes dele se chocando contra os meus e sua boca
investindo contra a minha desengonçada. A parte
de perder o fôlego aconteceu, mas não porque eu
me senti tonta ou algo do tipo, mas porque ele
sugava todo meu ar, tentando me engolir com sua
boca. Dizer que foi horrível é elogio perto do que
aconteceu. Foi um desastre do início ao fim.
Já o beijo de hoje em Noah, foi..., foi... ainda não
consigo definir com palavras. Toco meu pescoço
coberto por uma blusa gola alta preta e ainda
consigo sentir seus lábios ali. Mesmo agora, de
noite, na frente de Nana, enquanto ela prova
minhas criações, me atento a sensação de seu beijo
em minha pele.
Nana degusta tudo em seu tempo. Sentindo a
cremosidade do leite, a consistência do iogurte e a
textura do mousse. Muitas vezes, ergue a cabeça
como que para comentar algo, mas volta a
abocanhar mais um pedaço, apreciando a comida,
reflexiva.
Enquanto ela come, eu descrevo o conceito por
trás de tudo. A idealização de um mercado novo e
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do porquê de ter escolhido o coco como principal


fonte.
— É uma fruta rica em nutrientes, que
poderíamos diversificar em muitos produtos, como
manteiga de coco, óleo de coco, farinha de coco,
leite condensado de coco. Inúmeras possibilidades
de uma única fonte. Seria nosso primeiro passo,
dentro de um mercado mais natural, orgânico, e
também de um público muito mais exigente.
Por isso, a aprovação de vovó é tão importante.
Estou sonhando alto aqui. Também estou tranquila,
pois provei os produtos, coloquei meu coração nas
receitas e confio no potencial.
Quando termina, vovó engole e limpa sua boca
na toalha.
Estou nervosa quando pergunto:
— E, então? O que achou?
Ela limpa sua garganta.
— As receitas estão perfeitas, como eu sabia que
estariam — diz, com um sorriso hesitante.
— Mas?
Ela respira fundo.
— Seria uma grande mudança, nunca
trabalhamos com produtos prontos. Teríamos que
terceirizar a produção para alguma fábrica de
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confiança, teríamos que viabilizar a matéria-prima,


verificar custos, enfim, muitas coisas que não
conhecemos ou dominamos. Seria um risco que
teríamos que calcular.
Eu solto um suspiro, um pouco desanimada.
— Ah, entendo.
Ela me encara.
— Você entendeu errado, pequena — ela aponta
para as criações na mesa — é exatamente o que eu
esperava de ti, algo que nem mesma eu tenha
pensando, algo que vá inovar a marca e agregar
valor.
Eu relaxo um pouco.
— Tudo isso aqui é genial. Você pensou em
todos os detalhes, até no melhor aproveitamento da
matéria-prima. Por isso, preciso de você em minha
equipe, não existe pessoa mais qualificada para este
cargo que você.
O sorriso volta aos meus lábios.
— Acredito que agora resolvemos a questão do
seu emprego — diz, arqueando uma sobrancelha.
Ela se levanta e me oferece sua mão direita.
— Bem-vinda a Greens & Beans!
Eu aperto sua mão.
— Espero não a desapontá-la, vovó.
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— Tenho certeza de que isso jamais acontecerá,


e que irá me surpreender muito ao longo dos anos.
Quero te apresentar a empresa, primeiro aqui,
depois a matriz de Nova York. Solicitarei uma
reunião com minha equipe para darmos andamento
neste seu projeto maravilhoso. Enquanto isso,
quero que tire esta semana para planejar a reforma
da sua casa. Por agora... — diz indo até a geladeira
e pegando uma espumante — vamos comemorar.
Ela me entrega a garrafa, que estouro com
facilidade. Despejo o conteúdo rosado em duas
taças, pegando uma e entregando a outra a Nana.
— Por favor, faça as honras — peço a ela.
Ambas estamos segurando nossas taças e
olhando uma para a outra.
— Um brinde ao amor; à família e à comida.
Que nossa paixão continue a nos mover na direção
certa.
— Perfeito — respondo ao brindar e levar a taça
aos lábios.
Durante a noite, jantamos um filé Saint-Peter ao
molho de ervas finas e batatas rústicas. Duas
espumantes mais tarde, nos damos por vencidas e
vamos dormir.
No meio da noite, abro os olhos e me sinto
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estranha. Sinto um enjoo instantâneo e tenho que ir


correndo para o banheiro e vomito tudo na privada.
Após alguns minutos começo a me sentir melhor.
Puxo a descarga e me sento na tampa da privada.
Depois lavo meus rosto e observo meu reflexo
cansado no espelho.
Nunca mais beberia novamente!
Volto para a cama, deito-me ao lado de Fúria e
desejo sonhar com um par de olhos cor chocolate
bem quente.

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QUINZE

ACORDO UMA PILHA DE NERVOS, pois


verei Noah hoje. Depois de me deixar com gostinho
de quero mais na cozinha ontem, combinamos de
nos encontrar na minha casa para tratar do início da
obra. Fechamos o valor e o prazo; dentro de
aproximadamente trinta dias, tudo estará finalizado.
Levo mais tempo que o normal me arrumando.
Escolho uma roupa prática, mas, ao mesmo tempo,
um pouco sensual. Opto por um short jeans curto
que realça minha cintura fina, uma regata branca
com decote V, que deixa a renda do meu sutiã

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verde-claro um pouco a mostra e um par de botas


velhas de cano baixo marrom. Amarro meu cabelo
liso em um rabo de cavalo alto e faço uma
maquiagem básica, passando somente um pouco de
gloss rosinha nos lábios e máscara nos cílios.
Olhando para o espelho, aprovo o resultado.
Brinco um pouco com Fúria no quintal enquanto
devoro um pedaço de bolo amanteigado que fiz
ontem de manhã. Coloco alguns pedaços em um
pote, para mais tarde, e as sete em ponto estou no
chalé esperando Noah chegar. Enquanto espero,
aproveito para abrir todas as portas e janelas. Estou
abrindo a última janela da sala, quando o sinto atrás
de mim. Estou tão conectada a ele que meu corpo o
sente assim que entra no ambiente. Sua mão toca na
minha cintura, e seus dedos roçam minha pele,
quando ergue um pouco da minha blusa, me
fazendo um leve carinho com o dedão. Meu corpo,
automaticamente, inclina para trás, buscando o seu.
Sinto sua barba rala, quando planta beijos curtos e
molhados na curvatura do meu pescoço. Eu tombo
a cabeça para o lado, adorando a sensação que ele
causa em mim. Noah me gira e me deixa cara a
cara com suas covinhas.
— Bom dia, linda — cumprimenta, quase
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ronronando.
— Bom dia, Noah.
Ele faz um beiço.
— Nada de lindo?
Eu acho graça.
— Acho que não precisamos alimentar seu ego,
ele já é gigante por si só — digo tocando seu nariz.
Ele pisca.
— Vamos concordar em discordar. Precisamos
alimentar meu ego e muitas outras coisas.
Noah morde o lábio inferior e eu me contraio
mais em baixo.
— Vem cá, mocinha. — pede antes de me
enlaçar e selar nossos lábios.
O beijo é melhor do que o de ontem, intenso,
nossas línguas dançando em harmonia. Nossas
mãos, um pouco mais ousadas, começavam a
explorar um pouco mais o corpo um do outro.
Paramos somente quando escutamos o barulho de
um carro, seguido por vozes masculinas.
Noah estava me abraçando pela cintura, quando
três homens altos e fortes entram pela porta da
minha casa. Ele fez as apresentações, sem perder o
contato.
— Gabriel, Samuel e Isaque, esta é minha Anna.
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Anna, este é o pessoal que trabalhará na reforma da


casa.
A Anna dele?
Ainda não sabia como me sentia em relação a
isso.
Feitas as apresentações, Noah dita algumas
ordens, e os três homens nos deixam novamente
sozinhos no meio da sala.
— Fiz uma lista com as prioridades.
Noah busca um papel no bolso traseiro de sua
calça jeans.
Bilhete sortudo!
— Claro — respondo, ainda pensando no
bilhete contra sua bunda durinha.
Ele abre o papel e vai apontando suas anotações.
— Primeiro, vamos consertar o telhado, depois
os encanamentos, os pisos, depois o reboco nas
paredes, as aberturas e, por último, a pintura.
Ajudarei os rapazes no telhado hoje. Entrementes,
vou deixar algumas latas de tinta com você para
que possa escolher as cores com que pintaremos as
paredes no final.
— Ótimo — respondo e bato palminhas,
querendo logo começar.
Sigo Noah até a caminhonete e o ajudo a
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descarregar os equipamentos e as latas de tintas.


Nas horas seguintes eu escuto ele e seus homens
martelando, serrando e trabalhando no telhado.
Enquanto isso, pego o rolinho e vou colorindo as
paredes da sala em vários tons diferentes. Escolho
tons de verde, amarelo, creme e marrom que são as
cores que mais harmonizam com o local e a
natureza no lado de fora. Com as cores aplicadas às
paredes à minha frente, tenho uma boa noção do
que eu quero, e acabo optando por um tom de
marrom claro para a cozinha, bege rose para os
quartos, tons de verde-musgo para a sala,
valorizando as pedras que revestem a lareira. O
escritório revestiremos com papel de parede. Os
banheiros e a lavanderia pintaremos de branco. No
planejamento de Noah constam ainda alguns
revestimentos que trataremos mais adiante. Com a
parte de fora não preciso me preocupar, visto ser
toda revestida de largas pranchas de madeiras, que
serão lixadas e pintadas com verniz, mantendo sua
cor original, mais escura.
Perto do meio-dia, escuto os homens de Noah
saindo para almoçar, e decido descansar um pouco,
também. Pego o pote com alguns pedaços de bolo e
me sento no deck, convidando o Noah para se
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juntar a mim.
— Noah, caso esteja como fome, tenho bolo aqui
— grito, para que ele me escute de cima do telhado.
— Opa, já estou descendo.
Levo um pedaço de bolo aos lábios e o escuto
descendo a escada atrás de mim.
— Está fazendo mais calor do que imaginei que
faria hoje — reclama Noah.
Volto-me ao som de seus passos e vejo todo
esplendor de Noah sem camisa, suado, sujo, e
completamente másculo, caminhando em minha
direção, enquanto limpa o suor de sua testa com o
antebraço.
Santa mãe de Deus!
Será que já é Natal ou eu tô ganhando meu
presente adiantado?
Era como se eu estivesse vendo-o em câmera
lenta. Seu abdômen bronzeado tem gominhos. As
asas em seu peito parecem se movimentar com o
balanço de seu tórax. A pequena trilha de pelos que
desce pela sua barriga é convidativa, e sua calça
jeans velha, de cintura baixa e rasgada no joelho,
está deixando pouco para minha imaginação. Não
vejo nenhuma roupa de baixo, e só a simples ideia
de ele não usar nenhuma traz umidade para o meio
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de minhas pernas.
Parecia miragem de tão tentador.
Quando me alcança, Noah toma o bolo de
minhas mãos e dá uma mordida lambendo seus
lábios para recolher as últimas migalhas.
Hipnotizada, reparo até no movimento de sua
garganta enquanto engole devagar.
— Delicioso, Anna — afirma ao se acomodar ao
meu lado.
Sua barriga não tinha nenhum pneuzinho.
Não me pergunte porque fiz esta constatação.
Só posso estar sofrendo de um caso, grave, de
paixonite aguda.
Me forço a voltar a racionalizar.
— Você está se exibindo, não é? — digo
apontando para seu tronco sem camisa.
Ele franze a testa, antes de deixar escapar um
sorriso, nos cantos dos lábios.
— Com certeza, estou — admite sem vergonha
alguma.
Ele abocanha mais um pedaço do bolo.
Assim, tão próximo, que consigo sentir seu
cheiro, e ele tinha um cheiro incrível, uma mistura
perfeita de amadeirado com almiscarado, que
combinava com ele. Por algum motivo imagino
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Noah em meio à floresta, cortando carvalhos, bem


à vontade, de botas, jeans e sem camisa.
Droga, tenho que parar de ter estas fantasias.
Terra chamando Anna!
Tenho de fazer algo para parar de pensar em
Noah com poucas roupas ou a ausência delas.
— Ah, deixa eu te contar a novidade. Você está
olhando para a mais nova chefe de criações da
Greens & Beans — informo apontando para mim
mesma, animada.
Ele para de comer e me encara.
— Por isso estava tão concentrada cozinhando
ontem?
Concordo com a cabeça.
— Quando vovó me ofereceu o cargo, quis fazer
por merecer esta oportunidade. O que viu na
cozinha ontem eram minhas primeiras criações.
Nana gostou do projeto e o levará ao restante da
equipe. Tudo que posso fazer é torcer para que
gostem tanto quanto eu.
Ele me olha fascinado.
— Tenho certeza que você vai ser brilhante —
sua voz era sincera.
Puxo minhas pernas até a barriga, abraçando-as.
Depois, deito minha cabeça de lado nos joelhos
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para encará-lo. Seus olhos me observavam, serenos,


e tomo coragem para perguntar algo que sempre
tive curiosidade.
Ele me pediu para conhecê-lo. E eu pretendia
arrancar cada segredo que conseguisse dele.
— Faz algum tempo que quero perguntar sobre a
Marinha. Se estiver tudo bem por você, gostaria de
escutar sobre esta parte da sua vida, da qual quase
nada eu sei.
Noah não esperava por isso. Ele reflete por um
momento, antes de apoiar seu peso nos cotovelos,
contra a madeira. Noah não parecia em dúvida
sobre me contar mas ele tomava seu tempo
pensando em como iria fazer isso. Quando se sente
seguro, me diz calmamente:
— Foram quase dez anos. Fui para lá com o
intuito de me tornar alguém melhor, alguém mais
forte e independente. Um homem digno, que fosse
motivo de orgulho para as pessoas ao seu redor.
Seu rosto busca o meu com um misto de
emoções. Posso ver a dor, a mágoa, o ódio, e o
amor nos seus olhos. É uma mistura de
sentimentos. Noah está abrindo seu coração na
minha frente, não me escondendo nada.
Eu assinto fascinada.
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— Passei anos acordando cedo, treinando e


aprimorando minhas habilidades. Especializei-me
na parte mecânica, em como as coisas
funcionavam. Com o tempo, fui me aperfeiçoando
e me tornei capaz de consertar todos os circuitos do
navio. Entendia mais de máquinas do que de
pessoas e estava tudo bem assim — relembra ele.
— Não vou mentir e dizer que foi fácil. Foi
extremamente árduo e, mesmo tendo colegas e
companheiros na mesma situação, extremamente
solitário. Houve dias em que quase foi difícil
demais. Para mim desistir nunca foi uma opção,
afinal eu me propus aquilo, eu queria provar que eu
era capaz, que conseguia sozinho. Aos poucos, fui
crescendo dentro do esquadrão e ganhando o
respeito e as posições com fruto do meu esforço e
trabalho. Cheguei a ser chefe de máquinas de um
porta-aviões.
Noah faz uma pausa.
— Estava para completar dez anos de serviço
quando recebi a ligação de Gracie me informando
que meu avô e minha mãe haviam sofrido um
acidente de carro e me pedindo, desesperadamente,
para voltar. Nunca vou esquecer este dia ou o
sentimento de impotência que brotou em meu peito
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diante daquela situação — conta com a voz pesada.


— Estava a quilômetros de distância de casa, no
meio do oceano Atlântico, dando o melhor para
meu país, e, ao mesmo tempo, era como se
estivesse falhando com minha família.
Era notável o quanto este assunto ainda lhe trazia
grande sofrimento e me sinto péssima pela minha
curiosidade ter causado isso.
— Desculpe por te fazer reviver estas
lembranças; não queria te causar nenhuma dor.
— Você nunca poderia me causar dor minha
linda — diz unindo nossas mãos e plantando um
beijo na minha palma.
Sorrio com a demonstração de carinho. O que
parece incentivá-lo a continuar.
— Voltei para casa no dia seguinte. Meu
comandante não queria me liberar e me informou
que se eu saísse naquele momento não poderia mais
retornar. A partir daquele momento não existia
outra escolha; minha família precisava de mim, e
estava na hora de eu voltar. Só não sabia que
chegaria tarde de mais — fala com pesar.
Suas pálpebras tremem momentaneamente.
— Nana me falou do acidente. Sobre como o
motorista bêbado atravessou o sinal vermelho e
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bateu no carro em que estavam sua mãe e seu avó.


Ele concorda com a cabeça.
— Vovô estava dirigindo e o impacto foi do lado
do motorista. Ele não teve chance alguma e morreu
na hora. Minha mãe ficou presa nas ferragens, mas
conseguiu ser socorrida com vida e ser levada ao
hospital. Sofreu fraturas na coluna, nos braços e
pernas. Teve seu pulmão perfurado e traumatismo
craniano. Quando cheguei, ela estava em coma. Já a
tinham operado e as chances de vida eram muito
pequenas. Eu nunca perdi a esperança de vê-la
sorrir para mim novamente ou de escutar sua voz.
Fiquei ao lado de sua cama por três dias seguidos,
sem dormir. Sentia ela partindo um pouco a cada
dia. A mulher que me criou sozinha, a mais forte
que eu conhecia, estava perdendo sua primeira e
mais importante batalha. No quarto dia, ela não
acordou mais. Segurei sua mão durante o tempo
todo, queria que ela soubesse que não estava
sozinha — fala com um olhar perdido no lago.
Maggie Collins, a mãe de Noah, engravidou
quando tinha dezessete anos. O pai de Noah não
aceitou a gravidez e deixou claro que não queria a
criança. Quando Noah nasceu ele a abandonou e
Maggie decidiu criar Noah sozinha, com a ajuda de
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Gracie e John, seus avós. Noah não falava sobre o


pai. Nunca. Por isso, jamais toquei neste assunto
com ele. Entretanto, me lembro do quanto isso
sempre lhe trouxe ressentimentos.
Não posso imaginar a dor que foi perder pessoas
tão próximas.
— Acho que ela estava esperando você chegar
para se despedir. Eles eram pessoas, genuinamente,
maravilhosas, Noah — digo com sinceridade.
— As melhores. Também me deixaram minha
maior lição — ele me encara — nunca deixar a
vida para depois. E, desde então, é isso que eu
tenho feito.
Suas palavras me deixam ainda mais confusa em
relação ao que sinto por ele. Noah está muito
diferente do rapaz de quem me despedi há tanto
tempo. Aquele garoto era inseguro de si, do seu
valor e do seu potencial. O homem que está em
minha frente transpira segurança, sensualidade e
poder.
— Acredite em mim quando digo isso. Não
deixarei nenhuma oportunidade me escapar, não
mais — finaliza com seus olhos âmbar queimando
em mim.
Durante nossa conversa, acabamos nos
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aproximando e meu quadril está colado no corpo


suado de Noah. Olho para seus lábios e umedeço os
meus. Um choque percorre meu corpo. Quero sentir
o gosto de seus lábios novamente, e seu toque em
meu corpo. Apoio minha mão na madeira para virar
meu quadril em sua direção, quando sinto uma
fisgada e logo em seguida uma dor profunda,
repentina.
— Aí! — grito, puxando minha mão para frente.
Tonteio por um momento, pois não estava
preparada para ver a enorme quantidade de sangue
que escorre e agora pinga de minha palma.
— Meu Deus, Anna! — diz Noah preocupado,
levando suas mãos à bainha de minha regata e
tentando puxá-la para cima.
— Peraí! — digo alarmada. — Que diabos pensa
que está fazendo?
Idiota, isso não é hora para isso!
Ele continuava insistindo.
— Olha para mim, estou sem minha camiseta e
preciso de algo para estancar o sangramento.
Ok, prefiro pensar que suas intenções são
genuínas.
Paro de lutar e ele tem o máximo de cuidado ao
passar a regata pela minha cabeça e, quando me vê
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livre do tecido que me cobria, seus olhos se


arregalam. Sem nenhuma discrição, fuzilam o
volume abaixo do meu rosto. Ele, definitivamente,
notou minha lingerie de renda verde-clara, que
escolhi porque sei o quanto valorizava meus seios,
deixando-os mais empinados, cheios e redondos.
Daria tudo para que estivéssemos em outro lugar
agora. Um no qual eu adoraria ganhar esta atenção
e causar esta reação. Mas agora não era hora para
isso.
— Noah, minha mão não está sangrando menos
porque você está encarando meus peitos. Vamos
logo com isso! — falo irritada e cheia de dor.
Noah dá um estalo e se coloca em movimento.
Rasga minha regata e, com uma tira, envolve o
corte, o prendendo com um nó firme. Eu solto um
resmungo de dor.
Noah se move para o lado, procurando algo, e
me diz:
— Temos que ir para o hospital. Você se cortou
com um prego e não quero assustá-la, mas acredito
que precisará de pontos.
Ele me pega pelos cotovelos e ergue do chão.
Eu só conseguia pensar em algo para acabar com
a dor.
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— Certo, só precisamos pegar minha bolsa na


sala, meus documentos estão lá dentro.
Andamos rápido, pegamos minhas coisas, e
Noah me leva em direção à sua caminhoneta. Ele
dirige em silêncio feito um louco, ultrapassando
vários carros e até me assusto quando escuto sua
voz.
— Sei que não é uma boa hora para falar isso,
não que eu pudesse controlar meus pensamentos
com você de lingerie ao meu lado, mas quero que
saiba que, a partir de hoje, verde é minha nova cor
favorita — fala com seus olhos travessos se
alternando entre mim e a estrada.
Levanto meus braços na altura do peito e, ao
fazer isso, sinto pontadas mais agudas de dor e faço
uma careta. O pano em minha mão está ficando
ensopado de sangue.
— Apenas dirija Noah!

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DEZESSEIS

CHEGAMOS AO HOSPITAL EM MINUTOS.


Na recepção, logo sou atendida por uma enfermeira
chamada Mila que remove o pano para dar uma
olhada em meu corte.
— Venha comigo, você precisará de alguns
pontos e posso ir realizando a triagem enquanto
aguardamos pela médica na emergência.
Eu a sigo pelos corredores, movimentados, até
entrarmos em uma sala branca com várias macas.
Uma médica loira está atendendo um menino e me
dá um breve sorriso quando nos vê, indicando com

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a cabeça uma maca. Mila me pede para sentar em


uma cadeira e apoiar meu braço. Estou suando frio.
Sinto fisgadas de dor na palma da mão e uma
náusea forte causada cheiro de sangue.
— Olhe para o lado e respire fundo, ajudará —
avisa Mila sentando-se á minha frente, procurando
me confortar no meu estado. — A doutora já irá lhe
atender, enquanto isso farei algumas perguntas, ok?
— me tranquiliza logo em seguida.
Concordo.
— Preciso do seu nome completo, idade e tipo
sanguíneo, por favor — pergunta com o formulário
em mãos.
— Anna Elizabeth Jones, vinte e seis anos,
sangue A+.
Ela preenche os dados. Em seguida mede minha
pressão.
— Dez por seis — informa. — Está um pouco
baixa; isso também deve estar lhe deixando mais
indisposta.
— Sim — concordo — na verdade, não estou me
sentindo muito bem há algumas semanas. Já
deveria ter verificado isso, e feito alguns exames de
rotina, mas acabei postergando — solto uma risada
nervosa — bom, a vida tem um jeito engraçado de
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nos obrigar a fazer as coisas, não é?


Ela abre um sorriso e anota as informações.
— Alguma doença na família?
— Não que eu saiba.
— Toma algum medicamento?
— Só meu anticoncepcional.
— Está grávida ou existe alguma possibilidade
que esteja?
Quase rio da sua pergunta; afinal, engravidar
envolve sexo, o que não estou praticando
ultimamente. Abro a boca para responder que,
obviamente não estava quando me tento a lembrar
da última vez que fiquei menstruada. Meu ciclo
sempre foi regulado, e com todas as reviravoltas
que ocorreram não parei para atentar a este detalhe.
Quando dou por mim, noto que não fiquei
menstruada no último dia quinze, e que estava
quase um mês atrasada.
Como não percebi isso antes?
— Hã, eu, eu... — tento responder a ela, mas
minha boca não se move.
Ela coloca uma mão em meu ombro.
— Está tudo bem, fique calma, respire fundo. —
me tranquiliza — incluirei nos exames um teste de
gravidez para descartarmos esta possibilidade, caso
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precise de algum medicamento ou procedimento.


Grávida?
Era só o que me faltava.
Minha náusea se intensifica e sinto que estou
prestes a botar as tripas para fora.
— Está mais pálida que antes — diz levando a
mão à minha testa — e gelada também. Seria
melhor você se deitar.
Faço que não com a cabeça.
— Estou muito enjoada, vou vomitar.
Mila me deixa, momentaneamente, e surge com
um balde em minha frente, bem a tempo de eu
despejar todo conteúdo do meu estômago dentro
dele.
Imediatamente começo a me sentir melhor.
— Está se sentindo melhor agora? — questiona
colocando um pano gelado em minha nuca.
— Sim, obrigada — respondo descansando
minha cabeça na maca.
Passam-se alguns minutos até eu sentir uma mão
em meu ombro e, ao me virar vejo a médica loira
em pé ao meu lado.
— Olá, Anna, me chamo Anelise — me
cumprimenta, se acomodando ao meu lado. —
Posso dar uma olhada em sua mão?
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Faço que sim com a cabeça, me sentindo de


repente muito cansada.
— Faz tempo que se machucou?
— Foi há poucos minutos.
Ela vira minha palma para cima e solto um
grunhido baixo de dor entre os dentes.
— À primeira vista, não foi um corte profundo;
mesmo assim, precisará de alguns pontos. O lado
bom é que não vejo nenhuma infecção.
Administrarei um sedativo para que eu possa
limpar seu ferimento sem lhe causar mais dores —
diz pegando uma agulha e injetando um líquido
Ela volta a agulha para mim e segura firme
minha mão.
Estou suando frio quando sinto a picada e meu
mundo escurece.

SINTO ALGUÉM ACARICIANDO MEU


BRAÇO. Ao fundo escuto chamarem meu nome,
mas o toque em minha mão é tão gostoso que não
quero acordar.
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— Anna.
Noah?
— Minha linda, você precisa acordar agora.
Noah está aqui.
Começo a abrir as pálpebras. Aos poucos, tomo
consciência de que estou deitada olhando para o
teto. Pisco algumas vezes para me acostumar com a
claridade e meu olhar vai ganhando foco. Estou em
um quarto de hospital. Noah está ao meu lado,
sentado em uma cadeira e segurando minha mão.
Olho para o outro lado e vejo que minha mão
esquerda está enfaixada com uma gaze. Trago-a
para mais perto do rosto.
Noah vê minha inquietude e se adianta.
— A médica administrou um sedativo, limpou o
ferimento e fez três pontos. Você não deve se
lembrar, porque apagou durante o procedimento.
Está neste quarto a algumas horas, em observação.
Neste momento, a porta se abre e a doutora
Anelise entra no quarto.
— Olá, Anna, que bom que acordou —
cumprimenta alegre enquanto caminha até próximo
a cama — Este rapaz estava louco de preocupação
com você. — avisa apontando para Noah. —
Limpamos e suturamos o corte. Estou te receitando
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um analgésico caso tenha dor ou febre nos


próximos cinco dias.
Ela prescreve uma receita.
— Gostaria de vê-la dentro de sete dias para
remover os pontos e até lá já teremos os resultados
dos exames que solicitamos.
— Ok — respondo, simplesmente.
Ela me estende a receita e seu cartão.
— No caso de qualquer anormalidade antes deste
período, não hesite em me procurar.
— Obrigada — agradeço de verdade.
— Já autorizei sua alta e você pode ir para casa
quando estiver pronta.
Faço um gesto afirmativo com a cabeça. Ela se
despede e se retira do quarto. Logo, procuro Noah e
peço baixinho.
— Pode me levar para casa, por favor?
— Claro, deixa-me ajudá-la a descer da cama.
Noah se coloca ao meu lado e me ajuda a
levantar. Percebo duas coisas ao fazer isso.
Primeiro: que Noah está vestindo um avental azul
de hospital na parte de cima do seu corpo.
Segundo: Assim que me sento, o lençol que antes
me cobria desce, e estou novamente olhando para
meu sutiã verde.
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Noah ri.
— Vou procurar um avental para você também.
— Isso seria ótimo — concordo rindo também.
Quando fico sozinha, minhas preocupações
retornam com força total.
Como não percebi que meu ciclo estava
atrasado? Como pude ser tão descuidada? Não
posso estar grávida! Simplesmente não posso!
Sempre usamos camisinha...
Meus pensamentos não faziam sentido e só são
interrompidos quando Noah retorna. Depois de me
ajudar a me cobrir, ele passa seus braços ao redor
de minha cintura, me amparando e andamos lado a
lado igual a dois pares de jarros azuis em direção a
saída.

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DEZESSETE

FATO! NUNCA FUI TÃO MIMADA NA


VIDA como nos dias seguintes à minha volta do
hospital. Vovó está trabalhando em casa e vem me
ver de hora em hora. Marie sempre inventa uma
desculpa para vir até o meu quarto e perguntar se
preciso de alguma coisa. Fúria não sai do meu colo
por nada no mundo. Noah me envia várias
mensagens ao longo do dia. Ele está liderando a
reforma e, por mais que eu queira dar uma espiada,
me proibiu fortemente de ir lá antes de tirar os
pontos, com algumas ameaças inclusive.

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Por ora, e para minha sanidade, decidi não me


preocupar com os exames do hospital. Ocupo meus
dias caminhando, brincando com Fúria e
pesquisando sobre a Greens & Beans. Quanto mais
informação tenho, mais orgulho sinto de meus
avós. A empresa tinha várias unidades espalhadas
pelos Estados Unidos e competia com grandes
redes. As criações de Nana ofereciam o gosto e a
qualidade dos produtos caseiros, com a praticidade
dos produtos modernos. Nana foi audaciosa em sua
geração, e havia chegado a minha hora. Nos
próximos dias Nana me levaria para conhecer o
escritório da empresa de Incline Village.
Deitada na cama acordo com o barulho de uma
mensagem.
— “Planos para amanhã à noite? Gostaria de jantar
comigo?

Abro um sorriso quando vejo que é de Noah.


— “Claro, que horas? Onde te encontro?”

Ele responde na mesma hora.


— “Esteja pronta às seis; passo aí para te pegar”

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Controlador. Não sei se amo isso nele, ou se


odeio. Mas as chances são de que eu ame; afinal,
não existe parte de Noah que eu odeie.
No dia seguinte, deixo meus cabelos soltos.
Estou usando uma calça jeans azul justa de cintura
alta, que favorece meu bumbum e silhueta, uma
blusa frente única de alcinhas preta e sandálias de
salto alto, que destacam minhas pernas. No rosto
passo uma base dourada leve, com blush marrom,
máscaras e um batom nude. Minha pele está
iluminada, e minha roupa favorecendo todos os
meus pontos fortes.
No horário combinado o carro de Noah entra
pelos portões da propriedade. Poucos segundos
depois, sua caminhoneta preta está parando em
frente à porta onde o estou aguardando. Quando
desce do carro ele está delicioso como o pecado,
usando seus óculos de sol, short jeans e uma camisa
polo branca. Ele irradiava uma vitalidade sexy
enquanto me devorava com os olhos. Quando
chega até mim, inclina-se e planta um beijo
demorado em minha boca, deixando-me sedenta
por ele.
Nossos olhares se encontram.
— Você está simplesmente linda — me elogia,
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com olhos calorosos.


— Obrigada, você também não está nada mal.
Meu comentário traz um brilho de diversão aos
seus olhos. Ele tinha conhecimento do seu
magnetismo. Guiando-me pelo braço, me conduz
pela lombar até o seu carro. Ele abre a porta para
mim e me espera entrar, antes de ir para o lado do
motorista. Quando dá a partida, volta-se para mim e
diz:
— Preciso deixar alguns papéis na construtora no
caminho, tudo bem por você?
— Claro. Vou adorar conhecer o lugar.
Enquanto ele dirige, observo os músculos do seu
braço conforme ele troca as marchas. Tento,
realmente tento, olhar para o outro lado, mas não
consigo. Noah, graças a Deus, está concentrado na
estrada e não percebe o quanto me abala, mesmo
sem fazer nada. Durante o percurso, tive vontade de
me aproximar e colocar minha mão no seu joelho,
mas é claro que me contive.
Não podia atacar o garoto assim, certo?
Sua boca se distendeu em um sorriso, como se
soubesse, pelo meu silêncio, a batalha interna que
travava comigo mesmo.
— Quer escutar alguma coisa? — pergunta me
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distraindo.
— Tem algum rock antigo?
Ele sorri e liga o som. Imediatamente começa a
tocar In These Arms, do Bon Jovi. Eu quase morro,
ali mesmo, nos primeiros acordes da música, que é
perfeita para descrever como me sinto ao seu lado.
Será que ele também se sentia assim?
Me volto para a janela e tento focar minha
atenção na paisagem lá fora. Alguns minutos mais
tarde, estamos chegando ao pé da montanha
Course. A construtora de Noah era um grande
depósito de metal, concreto e madeira. Na placa da
frente lia-se: Construtora Collins. Noah aciona o
portão que se abre à nossa frente. Entramos e ele
estaciona dentro do depósito.
— Já volto, só vou deixar isso no escritório.
Fique à vontade para olhar o quanto quiser — avisa
e pega uma pasta com uma montanha de papéis no
banco de trás e sai do carro.
Curiosa, desço da Range Rover. O interior do
depósito contava com inúmeros materiais de
construção agrupados por seções: tijolos, cimento,
madeira, ferro, areia. Era enorme e organizado.
Todo o piso era de concreto compactado. Em um
dos cantos, viam-se algumas máquinas e no outro
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lado havia algumas salas com escritórios e


banheiros. No segundo piso, uma grande sala com
vidros transparentes estava com as luzes ligadas.
Deve ser a sala de Noah.
Em qualquer direção que eu olhasse, era notável
seu esforço e comprometimento. Escuto seus
passos se aproximando.
— Nada mal, não é? — diz com um sorriso
convencido.
Balanço a cabeça achando graça.
— Nada mal mesmo.
— Quando voltei, senti que precisava trabalhar
em algo que construísse, se é que me entende —
diz, dando de ombros. — Bom, eu te prometi um
jantar, e eu sempre cumpro minhas promessas.
Rindo, voltamos para a caminhonete.
Cinco minutos depois, subimos um pouco mais a
montanha, por uma estrada de chão estreita, e
paramos em frente a um portão com um aviso:
“Propriedade privada”. Uma cerca protegia o
terreno; por isso, não sabia o que me aguardava do
lado de dentro.
Estou ficando mais nervosa a cada minuto.
Conforme avançamos, consigo ver uma casa ao
fundo, estilo chalé, com uma parte do telhado alta e
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outra mais baixa, toda revestida em madeira escura


polida, com algumas janelas quadradas e telhado
igualmente negro. Havia um córrego que
acompanhava a curvatura da montanha e cortava a
propriedade; neste exato momento, estávamos
atravessando-o por sob uma pequena ponte de
madeira. O chalé foi construído bem no centro do
terreno, em uma espécie de cantina, adornado por
um grande gramado verde-escuro com folhas secas,
algumas pedras acinzentadas e muitos pinheiros. A
construção era protegido pelas montanhas e
agraciado pela natureza
Noah para o carro próximo a um caminho de
pedras e desce batendo sua porta. Quando vou abrir
a minha, ele se adianta e a abre para mim,
oferecendo-me sua mão.
— Madame, deixe-me fazer as honras — soa
cavalheiro.
Mesmo sabendo que consigo sair da
caminhonete perfeitamente bem sozinha, tem algo
em seu convite, em seu rosto, e na sua voz, que me
controla. Olhando em seus olhos, coloco a minha
mão na sua e aceito sua ajuda.
— Obrigada, mas não era necessário.
— Era sim e isso aqui também é — avisa, antes
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de me erguer em seus braços como se eu não


pesasse nada.
Ele fecha a porta, com um pontapé certeiro.
— Noah, você está louco, sou completamente
capaz de caminhar sozinha — digo meio irritada,
meio excitada.
Sendo realista, muito mais excitada que
qualquer outra coisa.
— Tenho certeza que sim — sussurra ao meu
ouvido — mas eu não queria que estragasse estes
saltos incríveis nas pedras.
É uma desculpa muito ruim, e, mesmo assim, me
acomodo melhor, colocando meus braços ao redor
de seu pescoço e curtindo o passeio conforme
caminha em direção à entrada. Ele sobre os três
degraus e então me desce dos seus braços, com
uma lentidão excruciante, fazendo meus seios
rasparem contra suas roupas, enviando sensações
exóticas para meu íntimo. Quando toco o chão, fico
ainda um pouco mais baixa que ele, mesmo de salto
alto.
— Então, vai me mostrar o lugar? — pergunto
colocando minhas mãos no bolso da calça.
Noah parecia ter outras vontades em mente,
quando concordou e girou a maçaneta. Entramos e
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o interior era aconchegante. O chalé era dividido


por um pé direito alto em cima da sala, de onde
desciam dois lustres rústicos, e por um mezanino
em cima da cozinha. No primeiro andar, as paredes
da sala eram em tons azuis-escuros, com uma
lareira de pedras no canto, um sofá de couro preto e
poltronas que combinavam com as paredes. Ao
centro, um tapete, uma mesa baixa de metal e uma
televisão na parede. Mais atrás, abria-se uma outra
porta dupla que levava aos fundos. A pequena
cozinha era toda em tons de cinza, desde as paredes
até os móveis, somente o piso era mais escuro.
Também havia duas portas fechadas, que acredito
levavam ao banheiro e a lavanderia. A escada que
dava acesso ao segundo andar, também era de
madeira polida; alguns quadros decorando a parede.
No andar de cima, viam-se uma enorme cama
central de ferro antigo, um roupeiro e uma pequena
estante de livros na outra extremidade. O chalé era
completamente rústico, másculo; completamente a
cara do Noah.
Além de lindo, Noah ainda era organizado.
Ele era perfeito demais para ser verdade.
Começo a me sentir transtornada com este
homem esplendoroso.
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— Sua casa é encantadora — elogio, engolindo


com dificuldades.
— Obrigado.
— Foi você quem a construiu?
Ele fica radiante ao concordar.
— Este foi meu primeiro projeto depois de sair
da Marinha. Ergui estas paredes sozinho. Gostei
tanto que decidi fazer disso um negócio — diz
retirando os óculos de sol.
E tudo piorou quando eu vi as duas safiras
douradas, cintilando para mim. Eu me sentia
inquieta quando ele me olhava daquele jeito. Com
seus olhos fazendo uma leitura do meu rosto, do
meu corpo; talvez até, da minha respiração. O fogo
que existia ali era capaz de derreter até a lagoa mais
congelada.
Minha barriga escolhe este momento para
protestar, o que quebra o feitiço e nos faz rir,
lembrando-o de suas obrigações como anfitrião.
Noah nos conduz até as portas duplas do outro lado
da sala.
Se, pela frente, o lugar já era incrível, nos fundos
era majestoso. Noah construiu um grande deck,
com uma área de lazer externa. De um lado, uma
churrasqueira, poltronas, uma pequena mesa de
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jantar para dois; do outro, uma jacuzzi que


acomodava tranquilamente umas quatro pessoas.
Uma pequena escada dava acesso ao gramado que
se entendia até a borda do riacho. Escuto o barulho
de uma queda d’água e estreitando meus olhos,
consigo ver uma cachoeira acima do topo das
árvores. As gotículas de água no ar, criavam um
arco-íris em meio a natureza.
Era tanta beleza que fico estupefata.
— Uau...
— Incrível, não é? — concorda, orgulhoso, ao
meu lado.
— Acho que é uma das coisas mais lindas que
meus olhos já viram — confesso baixinho, ainda
admirada que possa existir um lugar como este.
— Eu também.
Lentamente meus olhos sobem até encontrar os
seus, que, pelo modo como me observavam,
acredito não terem desviado de mim. Então, Noah
se aproxima e dá um beijo cálido nos lábios.
— Vamos encher esta barriga então, mocinha —
diz piscando para mim.
Noah começa os preparativos, acendendo a
churrasqueira, enquanto eu me sento em uma das
poltronas. Depois ele vai para dentro e volta com
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uma garrafa de vinho tinto e duas taças. Abre a


garrafa e despeja o líquido escuro nelas,
entregando-me uma.
— Um brinde a termos nos encontrado
novamente.
Tomo um gole. O líquido escuro, espesso, com
aroma de frutas, era delicioso. Passo a língua nos
lábios, saboreando as gotas que ficaram ali e,
quando me volto a Noah, o vejo engolindo em seco,
seus olhos vidrados, focados em minha boca.
Melhor eu puxar alguma conversa, ou pularemos
o jantar.
— O que o chef preparou para hoje?
Ele me dá um sorriso descarado e imagino o
cardápio que passa pela sua cabeça.
— Carne com batatas, mas podemos mudá-lo se
assim desejar — diz sugestivo.
Me sinto enrubescer e engasgo com o vinho.
Noah, se diverte e me dá tapinhas nas costas.
— Calma, Anna, estou brincando. Hoje serão
somente as batatas e a carne.
Eu lhe dei um olhar cético.
Ele beija seus dedos e os leva ao peito.
— Palavra de escoteiro — promete ao me fazer
um cafuné no pescoço — a menos que você tenha
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outros planos — acrescenta sussurrando.


Sinto a tentação me tontear e antes que eu ceda a
ela, respondo:
— Carne e batatas está perfeito.
Noah pisca para mim e se afasta para dentro do
chalé. Só assim sinto minha respiração voltar ao
normal. Quando retorna, começa a prepara o jantar
na grelha.
Com o fogo já aceso, Noah pergunta:
— No outro dia te contei um pouco sobre meu
passado e hoje eu gostaria de escutar o que andou
fazendo nestes últimos anos.
Solto uma respiração pesada.
— É uma longa história; tem certeza que quer
mesmo falar sobre isso agora? — pergunto,
arqueando as sobrancelhas.
Noah se vira.
— Se não se importar, não tem nada que eu
queira saber mais do que a seu respeito, Anna.
Seu olhar era sincero. Eu não conseguia negar
nada a ele; tomo mais um gole do vinho,
precisando de um tempo para voltar ao passado e
resgatar os sentimentos que deixei enterrados lá.
Noah me mostrou suas cicatrizes; agora era a
minha vez de compartilhar as minhas com ele.
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Então começo do princípio de tudo.


— Eu vivia dentro de uma bolha em Nova York.
Desde pequena, sempre esperaram grandes coisas
de mim. Boas notas, boas atitudes, bom
comportamento — estremeço só de lembrar das
vezes que chorei por não atingir as expectativas que
me eram impostas — fiz tudo ao meu alcance para
realizar o sonho de meus pais. Formei-me no
ensino médio, depois entrei em Harvard por mérito
próprio e me formei como uma das melhores da
turma. Trabalhava no escritório da família, atendia
os melhores clientes e pouco antes de sair, havia
ganhado o maior caso que a firma já havia
trabalhado até então. Além disso, estava noiva de
um cara de quem gostavam e cuja família
provavam.
Noah ouvia atento a minha história.
— Eu acreditava que era feliz. Com o tempo,
notei que, quanto mais felizes eles ficavam, mais
infeliz eu me tornava — olho para o horizonte e
continuo. — Um dia cheguei em casa e desabei.
Meu corpo se entregou à exaustão, não
respondendo mais; minha cabeça estava uma
tremenda confusão que eu não compreendia o que
estava acontecendo comigo; eu me olhava no
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espelho e não reconhecia minha imagem. Por fora


eu parecia bem, mas por dentro eu me sentia oca.
Não sei se consegue entender?
Noah concorda com a cabeça.
— Mais do que eu gostaria.
Eu hesito por um momento, quando tenho que ir
mais fundo nas lembranças.
— Era para ser uma noite como outra qualquer.
Eu tirei meu terno de trabalho, me livrei dos saltos
altos e removi minha maquiagem. Só que, diferente
das outras noites, minhas mãos tremiam; na
verdade meu corpo todo tremia. Eu puxava ar para
dentro dos meus pulmões, mas não conseguia
respirar. Sentia calafrios, tonturas, e minha cabeça
parecia que ia explodir, tamanha a dor — com a
mão trêmula, repouso a taça em cima da mesa ao
meu lado, não confiando em mim mesma para
segurá-la agora. — Não compreendi na hora que eu
estava tendo um ataque de ansiedade.
Limpo minhas mãos, suadas, na calça. Noah não
se moveu e continua a me observar a distância, o
que era bom, porque se ele me tocasse agora, eu
iria desmoronar. Me forço a continuar.
— Tinha quase vinte e quatro anos na época e
possuía tudo que o dinheiro poderia comprar; ao
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meu alcance, na palma das minhas mãos, e eu não


estava infeliz. Não amava meu trabalho, não tinha
amigos verdadeiros, minha família e eu só
trocávamos palavras quando relacionadas ao
trabalho, ou a algum evento de que teríamos que
participar. Não falávamos sobre planos para a vida,
não ríamos de histórias de família, nem
conversávamos sobre o tempo. Não viajávamos de
férias, ou melhor, não existiam férias na verdade. A
vida era o trabalho.
— Meu noivo me compreendia até onde era
terreno comum para ele; por isso, não percebeu o
que se passava dentro de mim, toda esta confusão
que eu sentia. Eu também não o alertei. Sempre fui
muito reservada. A única pessoa que viu além da
minha fachada e que conseguiu me alcançar, apesar
da barreira de fantasia que eu havia erguido com
minha felicidade fictícia, foi Nana.
Meus olhos começam a ficar embaçados e só
preciso piscar para Noah vir até o meu lado. Fecho
as pálpebras e sinto quando ele se acomoda ao meu
lado e coloca seus braços em volta dos meus,
puxando minha cabeça em direção ao seu ombro.
Ele não me disse uma palavra, e nem precisava,
quando estava oferecendo a si mesmo.
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— Eu chorei como nunca antes naquela noite.


Deixei as lágrimas levarem embora a minha
angústia e desejei que os tremores do meu corpo
fossem capazes de quebrar as correntes que me
mantinham presa à ilusão que eu havia criado para
minha vida. Eu estava sentada no chão do banheiro,
dentro do box, com a água caindo em minha
cabeça, enquanto repetia para mim mesma: “Eu
não era esta pessoa. Eu não queria esta vida”. Foi
a primeira vez em que me permiti desmoronar.
Noah continuava firma ao meu lado, suas mãos e
seu corpo me confortando. Era tão gostoso que
demorei um pouco para voltar a falar.
— Quando me aprontei para dormir, refleti sobre
quais eram os prazeres da minha vida. Foi até
engraçado, pois eu não vi a vida sendo prazerosa
por um longo tempo — solto uma risada baixa. —
O que eu faria então? Esta era a questão. Quanto
mais eu pensava, mais crescia uma sensação dentro
de mim, era como se finalmente tivesse alinhado os
fios que teciam minha existência. Naquela noite
liguei para Nana e, quando me atendeu, eu disse
que precisava de sua ajuda.
Aquela ligação mudou tudo.
— Na manhã seguinte, contei aos meus pais
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minha decisão de abandonar a advocacia e


comuniquei que iria me inscrever no curso de
gastronomia. Falar que eles não me apoiaram é raso
demais, afinal, faz dois anos que não os vejo ou
ouço suas vozes.
Houve um longo silêncio; então Noah pergunta:
— E quanto a Ethan?
Penso um pouco antes de responder.
— Eu confiava nele, eu o amava, e, por não
conhecer outra coisa, achava que ele representava
minha felicidade. Sempre apoiamos um ao outro,
pelo menos, até ele mudar de ideia. Isso catalisou
meu isolamento e, indiretamente, também
precipitou minha vinda para cá. Ethan era a última
ligação, com o eu do meu passado. Com aquela
menina que seguia a vida em linha reta, como se
seu futuro já estivesse predeterminado desde o seu
nascimento. Romper está última ligação foi difícil e
trouxe à tona sentimentos que eu pensava já ter
superado. Entretanto, descobri que estava
enganada.
— Só para constar, este tal de Ethan é um
completo babaca.
Abro os olhos e um sorriso se forma em meus
lábios.
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— Você e Igor parecem concordar neste ponto.


Ele sorri e relaxo ao seu lado.
— Sinto muito pelo que você teve que passar, e
pela dor que isso te causou. Às vezes, é necessário
dar dois passos para trás, para dar um para a frente.
Além do mais, seria egoísmo dizer que, se isso a
trouxe até os meus braços hoje, agradeço ao seu ex
babaca por não ter valorizado o que ele tinha. Por
que, agora eu farei isso por ele — ele me beija,
lentamente, nos lábios, sugando minha dor.
Imediatamente me sinto mais leve.
Noah se levanta e continua a preparar o jantar,
distribuindo os bifes e as babatas na grelha.
— Lembre-me de agradecer a ele agradecer se
um dia o conhecer — pede de costas para mim.
Bebo mais um gole do vinho.
— Se for para agradecer a alguém, estas pessoas
seriam Igor e vovó, que me arrastaram para cá,
mesmo contra a minha vontade.
Ele se vira e diz:
— Anotado. Farei isso.
Sinto a promessa em sua voz.

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DEZOITO

EXISTE ALGO ESPECIAL NO FATO DE


ALGUÉM cozinhar para você. Saber que
escolheram os ingredientes, que prepararam e
planejaram a ocasião querendo te satisfazer, faz
com que este momento seja grandioso. Noah serve
dois pratos e se acomoda ao meu lado. Ele corta a
minha carne em pedaços pequenos, visto que eu
não conseguiria com uma das mãos enfaixada.
Espeto e levo um dos pedaços à boca, e
competências ao chefe, aquele bife, quente,
suculento e levemente defumado, que derretia na

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boca, estava divino. Fechei os olhos sentindo o


sabor explodindo na boca.
Deixo escapar um gemido baixo, que faz Noah
interromper o movimento do seu garfo. Em
seguida, limpo a boca na toalha.
— Delicioso, Noah.
Ele meneia a cabeça. O sol vai se escondendo
atrás das montanhas, criando um cenário
romântico, pintado em tons de violeta, rosa e
laranja. Comemos em silêncio, até ambos estarmos
satisfeitos. Nossos olhares se cruzam por cima de
mesa, é como se nossos corpos buscassem um ao
outro.
— Como descobriu este lugar?
Noah larga seus talheres e toma um gole do
vinho.
— Quando eu era menino, adorava subir a
montanha de bicicleta e um dia, me deparei com
isso aqui. Era meu pequeno refúgio, meu maior
segredo. Quando voltei, comprei as terras e construí
a casa. Isso que estamos aproveitando hoje, esta
paz e harmonia, é o que eu precisava em um lar.
Assinto.
— Nossa, estou cheia. Fazia tempo que eu não
comia tanto — digo, dando tapinhas na minha
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barriga.
— Espero que tenha reservado espaço para a
sobremesa — me adverte, com divertimento nos
olhos.
Respondo de imediato.
— Mulheres sempre têm espaço para isso, Noah
— reprimo ele.
Rindo ele se levanta.
— Volto já.
Ele recolhe os pratos e os leva para dentro.
Depois volta com um pedaço de bolo de chocolate
que coloca em minha frente. Apesar de parecer
delicioso, com todas as camadas apetitosas, jamais
conseguiria terminar aquilo sozinha.
— Jesus, mas isso é enorme — aviso,
endireitando-me na cadeira.
Ele me mostra duas colheres e me entrega uma.
A outra leva ao bolo e saboreia devagar. Ambos
sorrimos um para o outro, ao atacarmos a
sobremesa. Durante nosso jantar escorreu e
algumas lâmpadas se ligaram automaticamente no
lado de fora, criando um ambiente em luz baixa,
extremamente íntimo.
Noah se acomoda na poltrona e me observa
fascinado comer os últimos pedaços da sobremesa.
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Em certo momento o vejo relaxar e beber mais um


gole de vinho. Ele continuou segurando o copo,
com destreza, os dedos curvados ao redor do vidro.
Não consegui evitar ficar olhando. Ele parecia
perdido em seus pensamentos. Já eu, imaginei o
toque daqueles dedos calejados em mim
novamente, o que me fez ser invadida por um calor
vigoroso.
Quando, realmente, não aguentei mais comer,
afastei o prato de mim, empurrando para longe com
as mãos.
— Agora é real, oficial, não aguento comer mais
nada — aviso, me sentindo estufada.
Ele mexe o copo diante dos lábios, sorrindo
sobre a borda.
— Na Marinha adquiri o costume de observar as
estrelas — começa Noah, ao se levantar e se
assombrar sobre mim, apoiando suas mãos nos
braços da minha cadeira. — gostaria muito de olhar
as estrelas com você esta noite, minha linda —
Noah me faz o convite com seu rosto na altura dos
meus olhos, sorrindo como se estivesse
arquitetando um plano. Estávamos tão próximos
que eu fiquei desconcentrada ao sentir minha
respiração acelerar. Embora a postura dele fosse
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relaxada e tranquila, Noah era tão maior que eu que


tive a sensação de estar fisicamente dominada. A
surpresa foi que eu queria ser dominada, mas só por
ele.
Lentamente, movo minha cabeça, concordando.
Ele por fim se afasta, me levantando da cadeira
junto consigo. Minha cabeça ficou muito próxima
do seu pescoço e, bom Senhor, tinha esquecido que
ele cheirava tão bem.
Me arrepio toda.
— Você está com frio?
Assinto. Melhor ele acreditar que é frio do que
meus nervos levando a melhor sobre mim. Noah
some para dentro de casa e volta com um cobertor
em seu braço. Ele o acomoda na cadeira ao nosso
lado e se agacha à minha frente. Só compreendi sua
intenção, quando senti seus dedos tocando meu
tornozelo e abrindo as fivelas da minha sandália.
— Deixe-me fazer isso— digo nervosa.
Seu toque causa novos arrepios no meu corpo.
Ele continua seu trabalho, fazendo carinho em
círculos em minhas canelas com os polegares.
— Estragaria meu prazer se fizesse isso —
responde, soltando as fivelas.
Apoio-me em suas costas para ele retirar a
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sandália, que levou ao chão. Então, começou tudo


de novo no outro pé. Mordo os lábios de tão erótico
que é ver esse homem enorme abaixado à minha
frente. A imagem era tão exótica que eu estava
ficando, perigosamente, excitada. Terminado o
serviço, Noah remove os próprios calçados, planta
um beijo em meus lábios, pega o cobertor com uma
das mãos e a outra entrelaça na minha, nos levando
às escadas e depois para o gramado. Tive a
impressão de que o lugar da minha mão era na dele,
com seu polegar sobre o meu. Nossas palmas se
encaixavam gentilmente.
A luz da lua cheia nos agraciando com sua
presença, conforme avançávamos, deixando a
sombra de nossos corpos no gramado. A imagem
era de um casal apaixonado, caminhando de mãos
dadas, lado a lado. Poucos passos depois, Noah
para e estende o cobertor. Acomoda-se e bate no
chão ao seu lado, me convidando para me juntar a
ele.
Cruzo os braços e o encaro em alerta.
— Achei que o cobertor fosse para me proteger
do frio.
Seus lábios se contraem como se quisesse rir,
mas não o faz.
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— Tenho algo melhor que um cobertor para isso.


Agora, traz esta bunda linda para cá.
O brilho em seus olhos sugeria uma observação
maliciosa. Meus pensamentos ficam nebulosos e
meu pulso acelera loucamente. Mesmo assim,
obedeci, e a passos lentos me acomodei ao seu
lado. Não sei por que imaginei que ele fosse me
atacar após isso, e quando ele não faz isso, é uma
agonia. Houve um momento de silêncio em que o
único barulho era o de nossas respirações, antes de
Noah se deitar levando as mãos para detrás da
cabeça, examinando a imensidão do céu sobre nós.
— Muitas noites sozinho podem fazer um
homem perder seus valores, ou repensá-los — sua
voz era como um sussurro noite adentro. — Não
importa onde estivéssemos, após um longo dia, eu
me via deitado no meio do nada, olhando para
cima, admirando o universo e repensando minhas
escolhas.
Eu deito de costas ao seu lado. O céu estava
escuro, repleto de estrelas douradas.
De repente, Noah, se vira de lado e me puxa pela
cintura até eu ficar de lado também, encarando-o,
olhos nos olhos. Sua mão veio até o meu rosto, a
ponta de seu dedo médio acompanhando o contorno
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dos meus lábios. Ele me tocava com absoluta


concentração, como um explorador que tivesse
descoberto um artefato raro e frágil.
Esta constatação me faz fechar os olhos com
medo de que ele perceba o que eu não conseguia
mais esconder.
— Anna, abra os olhos para mim — seu pedido
soou como uma necessidade.
Quando crio coragem e abro minhas pálpebras, o
que vejo em seu rosto é um misto de carinho e
tesão. Seus lábios estão umedecidos e entreabertos,
me convidando a prová-los. Seus olhos furiosos
não deixam dúvidas de duas intenções. Era desejo
puro estampado em seu rosto. Umedeço meus
lábios, em um gesto automático.
— Preciso te beijar agora, minha linda.
Seus lábios me tocam de maneira suave,
primeiro beijando meu lábio superior, depois o
inferior, me convidando a abri-los. Sinto cada parte
do meu corpo quando a língua de Noah entra em
minha boca, aprofundando o beijo. Os lábios
úmidos me provavam, me tentavam, me levavam à
loucura.
Um choque me atinge, acelerando meu coração
para um ritmo frenético. Ele me beija repetidas
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vezes, beijos longos e indecentes, cheios de fricção


quente, escorregadia e sedosa. Arfo ao sentir a
abrasão do queixo e do rosto barbeado, da explosão
insistente de sua língua. Eu nunca tinha estado
deste modo tão desesperadoramente físico, sem
consciência de nada.
Só precisando.
Desejando.
Ansiando.
Nada jamais tinha sido tão gostoso quanto aquela
boca, aquele corpo e as mãos dele. Seus dedos se
contraem contra a base da minha coluna e ele me
puxa para mais perto, até nossos corpos se colarem.
Noah se move, deitando-me de costas no cobertor e
cobrindo meu corpo com o seu, sem nunca
abandonar meus lábios. Esta nova posição me
permite senti-lo. Ele me pressiona bem onde mais
necessito e deixo um gemido, involuntário, escapar
pelos meus lábios.
Nossas bocas se separam momentaneamente e
ambos estamos ofegantes.
— Você é tão gostosa, não vejo a hora de poder
te sentir toda — diz pouco antes de voltar seus
lábios aos meus e mover seus quadris em minha
direção, numa pulsação perigosa.
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Sinto meu desejo descontrolado, crescendo, a


medida que seu quadril me atinge vez após outra,
me vejo desmanchando embaixo nele.
— Espera — sussurro contra seus lábios,
tentando, em vão, afastá-lo.
Noah não se move.
— Ainda não — responde, a voz ainda mais
grossa.
Seu gosto, o balançar de seus quadris, o toque
sensual de suas mãos, tudo se acumulou, liberando
sensações de êxtase em uma direção. Eu estremeci
de encontro a ele, soltando um gritinho baixo. O
surto foi tão poderoso que não conseguia
acompanhar meus próprios batimentos cardíacos.
Eu me contraí e me agarrei à sua camisa. Noah
prolongou meu prazer, mantendo o ritmo mais
calmo, sabendo exatamente o que estava fazendo.
Quando os últimos tremores deixaram meu corpo,
dissolvendo-se como os brilhos incandescentes
acima de nós, eu choraminguei e murchei embaixo
dele.
Oh, meu Deus!
Noah mordisca a pele macia do meu pescoço, do
meu queixo, dos meus lábios, esperando eu
recuperar a consciência.
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Ao fundo, eu volto a escutar o barulho da


cachoeira e o som da água batendo contra as
rochas. Era o cenário mais romântico que alguém já
havia preparado para mim.
— Eu, eu... — gaguejo ainda inebriada em
sensações.
Noah me silencia com um beijo molhado
evaporando meus pensamentos ou qualquer lógica
da minha mente. Quando se afasta, busca meus
olhos, me encarando de forma inquietante. Ele
estava sexy, excitado, bagunçado e com as roupas
amarrotadas.
Meu Noah, era uma verdadeira tentação.
Meu Noah?
O mero pensamento me assusta.
De onde surgiu esta necessidade de posse?
— Mesmo nos meus melhores dias, jamais
conseguiria recriar a sensação de te beijar. — Noah
me confessa baixinho, acariciando meus cabelos.
— Eu buscava nas estrelas uma resposta para
minhas dúvidas, e o engraçado é que eu sempre
soube onde encontraria todas elas.
Estávamos tão próximos que era impossível não
notar que ele continuava excitado.
— Eu acho que estou te devendo agora — digo
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envergonhada.
Ele me deu um suspiro trêmulo.
— Eu concordo, mas, por hoje, só quero
continuar a te beijar.
Não tenho tempo para pensar, quando ele volta a
unir nossos lábios e eu me agarro a ele novamente.

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DEZENOVE

UMA FRASE, três palavras e quinze letras, foi


o necessário para mudar minha vida.

Eu estava grávida.
Voltei para o hospital para remover meus pontos,
e sai de lá perturbada.
Grávida? Como eu poderia estar grávida?
Bom, a resposta era meio óbvia.
Dã!
Levo as mãos à cabeça, quase agarrando meus
cabelos.

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Não consegui voltar para a casa de Nana e não


tive coragem de buscar o conforto dos braços de
Noah. Por isso, fugi para o lugar onde sempre me
refugiava quando criança. Subi as escadas de ferro
da velha caixa d’água da cidade e estou sentada no
chão de madeira, há vários metros além do topo das
árvores. A lua é minha única companhia; até o
vento resolveu ser tímido esta noite e não apareceu.
O choque ainda não passou.

— Srta. Anna Elizabeth Jones — ouço me chamarem.


Sigo a enfermeira em direção ao consultório.
— Sente-se, por favor, a doutora Anelise não irá demorar
— informa fechando a porta.
O consultório era amplo, branco, com uma pequena
escrivaninha repleta de fotos de família, um computador,
uma cadeira, duas poltronas, uma maca ao fundo e quadros
de decoração nas paredes.
A porta se abre e a doutora entra usando um jaleco
branco com seu nome.
— Olá novamente, Anna, vejo que desta vez estamos em
uma situação mais confortável — cumprimenta me avaliando
de cima a baixo, ao me estender sua mão direita.
Não sei se ela estava se referindo ao fato de, na última
vez, eu estar suja de sangue ou se foi o sutiã à mostra.
— Sim, bem, o que posso dizer, além de que gosto de
impressionar as pessoas — respondo, entrando no seu jogo.

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Ela sorri, contorna a mesa e se senta analisando uma


pilha de papéis.
— Você relatou que estava se sentindo indisposta há
alguns dias, correto? — pergunta ainda voltada para os
resultados.
— Sim.
Ela vai folhando os papéis, lendo os laudos de cada
página.
- Isso é perfeitamente normal em sua situação. O quadro
deve melhorar após as primeiras doze semanas.
Oi? Será que perdi alguma coisa.
Não acompanhando seu raciocínio, pergunto:
— Perdão, doze semanas?
Ela levanta os olhos dos papéis.
— Sim, normalmente as mulheres ficam enjoadas nos
primeiros meses da gestação — afirma, tranquilamente.
— Estou grávida? — pergunto atônica.
Ele olha novamente para os exames.
— Sim, não consigo afirmar precisamente, mas acredito
que ainda esteja nas primeiras semanas da gestação.
A primeira coisa que passa pela minha cabeça é: como?
Minha última relação sexual foi com Ethan alguns dias antes
de terminarmos, ou seja, há várias semanas e, além disso,
sempre usamos camisinha.
— Camisinhas são eficazes 98% do tempo — me
responde.
Devo ter verbalizado meu pensamento.
A doutora me pergunta com cautela.
— Presumo que não seja uma gravidez planejada?
Nego com a cabeça.

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— Não mesmo, nunca me passou pela cabeça ser mãe —


respondo com sinceridade demais.
Ela me observa atentamente.
— Neste caso existem algumas opções: você pode optar
por interromper a gravidez, como também colocar o bebe
para adoção. Muitas mulheres não são capazes de gerar uma
vida e esperam a vida inteira por esta oportunidade.
Apresso-me em esclarecer.
— Não, quero dizer, nunca faria isso. Só nunca havia
pensado a fundo sobre este assunto até hoje, pois sempre
imaginei que seria algo que aconteceria comigo daqui a
muitos anos. Não estava contando com isso em um futuro
próximo — solto uma respiração pesada. — Vou precisar de
um tempo para me acostumar com esta novidade.
Ela assente, mais tranquila.
— Entendi, isso é mais normal do que você pensa. Mesmo
as mulheres que sonham com este momento a vida inteira
precisam de um período de adaptação, para administrar a
ideia. Não é só o seu corpo que mudará, mas sim toda a vida
que conhece hoje. Porém, sendo eu mãe de três meninos,
posso te garantir, Anna, que esta é uma daquelas mudanças
boas. Pode não conseguir ver isso agora, mas logo verá —
diz tentando me acalmar.
Isso deve ser verdade ou ninguém desejaria ter filhos.
— Caso não tenha nenhum obstetra, irei te indicar uma
colega minha, a Dra. Jane Miller — informa anotando as
informações em um pedaço de papel e me entregando
depois.
Ela afasta a cadeira.
— Com isso resolvido, agora vamos dar uma olhada no

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corte em sua mão.


Ando até a maca de pernas bambas. Ela remove o
curativo, analisa meu corte e a cicatrização.
— Perfeito, nenhum sinal de infecção; vou remover os
pontos agora.
Cada ponto removido me causava coceira.
— A cicatriz é pequena e com o passar do tempo irá
clarear — afirma a doutora, finalizando com um curativo
menor.
Ao nos despedirmos, o abraço dela parece durar uma
eternidade.
— Vai dar tudo certo, você vai ver. De vez em quando, a
vida nos surpreende com um plano diferente do que nós
havíamos traçado. Mas não é por ser diferente que é pior. Às
vezes, ele é necessário, só não sabemos disso ainda — fala
tranquilamente.
Quando deixei seu consultório, eu queria muito acreditar
em suas palavras.

Vai dar tudo certo, ela me disse.


Ok!
Só que... tipo... como?
Estou perdida em um turbilhão de dúvidas e
questionamentos, quando escuto um barulho na
escada. Meu coração se aperta, pois sei quem está
subindo. A única pessoa que saberia me encontrar
aqui. O cabelo castanho de Noah aparece primeiro

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no topo da escada, depois seu corpo inteiro, quando


aparece, maravilhoso como sempre, à minha frente.
Ele me dá o sorriso mais terno, e eu tento
corresponder, mas pela expressão em seu rosto sei
que não fingi bem o suficiente.
— Nana me ligou — Noah diz, repuxando o
lábio.
Vovó! Ela deve estar louca da vida comigo.
Como pude esquecer de avisá-la?
— Ela te ligou algumas vezes e você não a
atendeu. Também não tive muita sorte neste quesito
— diz com uma careta, apontando para meu
celular.
— Desculpe — respondo com a voz baixa.
— Ei, o que aconteceu? — pergunta, mais alerta.
Abro a boca responde e contar-lhe tudo, mas
nada sai. Existe um nó em minha garganta, me
impedindo. Como posso falar sobre algo que nem
mesmo eu compreendo? Ao invés de responder, eu
desabo. Choro com força, minhas lágrimas se
transformando em um rio descontrolado. Sinto a
pressão em minha garganta, como seu eu quisesse
berrar e perguntar para Deus: “Por quê?”, “Qual o
sentido de tudo isso?”.
A dor só diminui, quando Noah se senta, no
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chão, ao meu lado e me puxa para o seu colo, me


embalando.
— Ei, ei, mocinha — chama, afetuosamente.
Eu escondo meu rosto em seu peito.
— Estou aqui, pode desabar, não vou deixá-la
cair.
Eu choro mais ainda pelo seu conforto e
gentileza. Noah beija meus cabelos, meu rosto, faz
carinho em minhas costas e diz coisas lindas ao
meu ouvido. Ele me permite colocar tudo para fora,
tanto que sua camisa cinza fica encharcada. Tanto,
que chega um ponto que, as lágrimas cessam e a
queimação em minha garganta e no meu nariz
diminuem.
Ele levanta meu rosto com seus dedos,
cuidadosamente. Seus olhos não apresentam aquele
dourado que tanto amo; estão mais frios e escuros,
preocupados.
— O que aconteceu, minha linda?
A vontade de chorar retorna com força total ao
escutar o carinho de sua voz. Tento afastar meu
rosto de seu toque, mas ele me retém com firmeza,
não me dando chance de fugir desta vez. Tomo um
tempo para mim e quando me sinto preparada o
suficiente, olho bem dentro dos seus olhos.
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— Estou grávida, Noah — confidencio a ele.


Noah congela por uns três segundos, antes de
continuar a me confortar com suas mãos e a me
embalar com seu corpo. Se eu não tivesse visto
seus olhos se exaltarem por um breve instante,
poderia dizer que ele não me ouviu. O meio sorriso
que deu logo em seguida me confirmou que ele
havia escutado alto e claro e entendido meu
desespero. O mesmo meio sorriso que me dava
sempre que acontecia algo que o deixava sem
palavras. Como quando éramos crianças.
Estávamos eu, Noah, Nana e Gracie no grande píer
da cidade. Um pequeno parque de diversão foi
montado para o festival de verão, e estávamos nos
divertindo em uma tarde de domingo ensolarada.
Fui comprar sorvete e, quando estava retornando
com meu cone, fui empurrada por alguém e acabei
esbarrando em um garoto, um pouco mais alto que
eu, que passava ao lado. Sem querer, acabei por
manchar sua camisa branca de verde e amarelo. Me
senti muito mal por toda situação.

— Desculpe — disse a ele rapidamente, tentando limpar a


sujeira de sua camisa.
Ele me empurrou para longe. Cambaleei e cai de bunda
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sentada no chão.
— Sai daqui menina idiota.
Virou-se e saiu andando. Eu fiquei onde estava. Plantada
no chão me sentindo, realmente, o que ele me chamou. Não
sei quando tempo passou até Noah me encontrar, mas o
bastante para o resto do sorvete derreter em minhas mãos.
— Anna, onde é que você se enfiou? Todo mundo está te
procurando.
Ele andava rápido até parar em minha frente com as
mãos na cintura.
— Você acha que eu sou uma idiota? — perguntei,
chorando.
— Só quando implica comigo — respondeu prontamente.
Olhei para ele incrédula. Se meu melhor amigo me
achava uma idiota, é porque, provavelmente, eu era mesmo.
— Então devo ser mesmo — digo, fungando.
Abaixei os braços e deixei o resto do meu sorvete cair no
chão.
— Ai, meu Deus, estava brincando, garota — diz
atrapalhado, juntando a sujeira que eu fiz do chão. — Não
sou amigo de gente idiota, logo você não pode ser idiota,
porque é minha amiga.
Um pequeno sorriso volta ao meu rosto.
— Sua melhor amiga.
— Como quiser.
— Admite, vai.
— Admitir o que?
Revivo os olhos.
— Que você gosta de mim, ué!
Suas bochechas ficaram um pouco mais vermelhas que o

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normal.
— Não vou admitir nada. Você vem como cada conversa,
hein? — diz desconversando.
Ele começa a caminhar e vou saltitante ao seu lado.
— Você gosta de mim que eu sei.
Ele balança a sua cabeça.
— O cara não pode ser legal que as meninas já ficam
cheias de ideia.
Escuto sua voz, mas ela não tira o sorriso do meu rosto. E
o meio sorriso que vi em seu rosto tem mais valor que o
sorriso inteiro de qualquer outra pessoa.

Pisco olhando para o Noah do presente.


— Desculpe ter largado a notícia assim, do nada
— digo contra seu peito.
— Não precisa se desculpar — ele solta uma
risada nervosa — acho que congelei por um
segundo ou dois.
Foram três.
Sim, eu contei.
Lhe dou um singelo sorriso.
— Sei bem como é a sensação.
Ambos ficamos em silêncio. O mais
impressionante de tudo é que Noah não está indo
embora e correndo na direção oposta. Ele escutou e
continua aqui, ainda mais grudado a mim.
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O que me leva a perguntar:


— Noah, por que continua aqui?
Ele levanta as sobrancelhas.
— Deveria estar em outro lugar?
Achei que isso fosse óbvio, mas, aparentemente,
não.
— Acabei de te dizer que estou grávida.
Ele continua tranquilo.
— Sim, eu escutei.
O que me irrita.
— Estou grávida do filho de outro homem —
esclareço, preto no branco.
Seu lábio se curva levemente para cima.
— Isso é meio óbvio, já que eu e você, você
sabe, ainda não... — ele gesticula — você sabe.
Como ele pode estar levando tudo isso tão na
boa? Será que não percebe o curso drástico que
minha vida acaba de tomar? Que nos próximos
meses serei uma incubadora humana? Que todo
meu mundo virou de pernas para o ar? Que eu não
terei mais tempo para mim, para minha carreira,
quem dirá para ele? Que eu vou ser mãe, e que
ele.... Balanço minha cabeça. Tantas preocupações,
mas nenhuma delas cabe a Noah, que não é o pai
desta criança, e que tem uma vida inteira pela
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frente. Uma que envolva seus próprios sonhos,


projetos, suas vontades e ambições, após anos
longe de casa. Uma que envolva ele encontrar uma
pessoa sem amarras que o ajude a conquistar estes
objetivos. Uma vida que, basicamente, a partir de
agora, não me envolve mais.
Com extrema dificuldade eu saio do seu enlace e
me coloco em pé. Noah me acompanha e me puxa
para perto.
— Noah — chamo seu nome, contra seu peito.
Ele abaixa sua cabeça para encontrar meus olhos.
— Noah — repito novamente — ainda não sei o
que fazer a respeito disso tudo, mas sei que não
quero te colocar em uma situação que você não
pediu para estar. Nada disso é justo, ainda mais
agora que nos reencontramos, ainda mais agora que
eu... — não termino a frase. Não posso contar-lhe
estou me apaixonando por ele.
Ele não afrouxa o aperto, como se tivesse medo
de eu correr para longo assim que me soltar.
— Posso te assegurar que neste instante, estou no
lugar em que eu quero estar — diz com seriedade.
Seus olhos, amorosos, fazem tudo ser ainda mais
difícil. Minha maior vontade é de me agarrar a ele e
não soltar nunca mais, porque estou com medo.
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Medo do que está por vir, do que terei de enfrentar,


e um medo enorme de prendê-lo a mim pelos
motivos errados, e acabarmos perdendo tudo de
lindo que um dia construímos e compartilhamos.
Eu jamais me perdoaria por isso.
Mesmo contrariando tudo que desejo, toco seu
peito com a palma de minha mão e me afasto dele.
— Acredito que o melhor seria pararmos isso,
enquanto ainda está no começo e não estamos
profundamente ligamos um ao outro.
Esta foi a primeira mentira que contei a ele.
— Preciso de um tempo — digo, com dor no
coração.
Noah estreita os olhos.
— Um tempo de nós?
Eu concordo com a cabeça. Ele vira seu rosto
para cima e respira fundo, ainda calmo à minha
frente. Eu tento me explicar melhor.
— Sei que estou sendo individualista, incoerente,
inconsequente, irracional...
Ele me dá um pequeno sorriso e eu paro de falar.
— Não precisa ficar se mutilando com palavras
— diz com bom humor — você esta confusa,
precisa de um tempo e vou respeitar seu pedido.
Enrugo a testa.
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—Você não está chateado? — questiono sem


entender.
— Não — responde, prontamente.
Limpo a garganta.
— Sei que não tenho o direito de perguntar, mas
posso saber por quê?
Ele me olha com afeição e ajeita uma mexa do
meu cabelo.
— Talvez eu não tenha sido claro até agora. Mas
eu não vou a lugar algum, Anna. O meu lugar é ao
seu lado, e assim que você chegar a esta mesma
conclusão, sabe onde me encontrar.
Noah vence a distância que nos separa e me beija
com urgência, roubando meu fôlego. Então se vira
e começa a descer as escadas. Meu coração se
debate contra meu peito, querendo correr atrás dele,
pedindo que fique comigo, que me abrace de novo
e que faça a dor ir embora.
Olho para a lua e rezo para ter feito a coisa certa,
por mais que meu coração grite em letras
maiúsculas: GAROTA BURRA! BURRA! BURRA!

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VINTE

QUANDO ABRO OS OLHOS NO DIA


SEGUINTE, vejo uma bandeja com ovos, frutas,
iogurte e café, disposta na mesa ao lado da cama, e
vovó sentada com Fúria em seu colo, na poltrona
perto da janela; sua cara estava fechada.
— Bom dia — cumprimento, me espreguiçando.
— Você me deixou preocupada, ontem. Se Noah
não tivesse me ligado me tranquilizando, teria
colocado a polícia atrás de você — diz, alertando
para eu nunca mais repetir o gesto.
Ela parece chateada, o que me desarma por

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completo.
— Sinto muito — digo me afundando nos
travesseiros — ontem foi um dia difícil.
Seu rosto se suaviza um pouco.
— Não interessa, nunca mais faça isso. Meu
coração não é mais tão jovem assim e não pretendo
morrer de preocupação.
Seu comentário brincalhão me faz sorrir.
— Ai vovó, o que eu faria sem você?
Ela sorri com ternura para mim, aliviando o
clima no quarto.
— Pequena, o que aconteceu?
Meu sorriso diminui ao me lembrar do dia
anterior. Recosto-me de costas na cabeceira da
cama.
— Como sabe, fui a médica ontem — começo a
contar a ela.
Ela assente.
— Algum problema com o corte na mão?
— Não, está tudo certo, este não é o problema —
digo desviando meus olhos para a janela.
Pela claridade, já deve ter passado do meio-dia.
Mesmo preocupada, ela me permitiu descansar.
— Então, o que é?
Eu me volto para ela.
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— No dia em que fiz os pontos, fiz também uma


bateria de exames, e, bem, não existe maneira
menos impactante de contar isso... então lá vai... eu
estou grávida!
A notícia não parece novidade para ela, que
simplesmente sorri com o canto dos lábios.
— Talvez seja a hora de eu te contar uma
história — avisa vovó — sabe, seu avô e eu sempre
quisemos ser pais. Antes de eu engravidar de sua
mãe, tive dois abortos espontâneos.
Fico em choque.
— Nunca soube disso.
Ela faz um gesto de desdém com as mãos.
— Foi há muito tempo. Foram tempo difíceis.
Seu avô não queria que eu engravidasse
novamente, pois era muito arriscado. Eu tinha
ovários policísticos, o que dificultava minha
fertilização. Mas eu sempre tive uma grande
vontade de ser mãe. Quando soube que estava
grávida pela terceira vez, senti que esta gestação
seria diferente. Que aquele bebê era especial e que
desta vez daria certo. Eu estava certa, apesar de ter
que ficar de repouso durante a maior parte do
tempo — diz e continua.
— Eu enlouquecia seu avô. Hora eu brigava com
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ele por qualquer coisa, hora eu chorava, hora eu o


amava, hora eu o odiava — relembra. — No início
tive muitos enjoos e indisposição, mas eu amei ser
capaz de gerar uma vida. E eu ainda amo ser mãe.
Olho para de canto para ela, intrigada.
Ela balança a cabeça.
— Sei o que deve estar pensando. Como eu
posso amar ser mãe se minha filha, que mal fala
comigo, está a quilômetros de distância de mim,
certo?
Concordo em silêncio.
Ela pensa por um momento antes de responder.
— Sua mãe foi uma criança muito amada e um
pouco mimada, devo admitir. Desde pequena foi
muito determinada. Houve um tempo em que ela
amava esta cidade e este lugar. Jamais imaginaria
que chegaria o dia em que ela iria embora. Mas ela
cresceu, mudou e fez suas escolhas, que a levaram
para longe de mim.
Sinto um pesar em sua voz.
Vovó nunca deixou transparecer antes o quanto
as escolhas de minha mãe a afetaram
profundamente.
— Nunca interferi nas suas escolhas, mas sempre
lhe estendi minha mão quando ela precisasse. Pois
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criamos os filhos para o mundo e os amamos pelo


que são e não pelo que não são ou pelo que
achamos que deveriam ser — suas palavras mexem
comigo.
Como eu queria ter tido este tipo de
compreensão de meus pais.
Vovó faz uma pausa antes de continuar.
— Amo Elizabeth com todas as forças, com tudo
que tenho e sou. Também amo você da mesma
maneira, pequena. São duas pessoas completamente
diferentes uma da outra, que recebem e oferecem
amor de formas distintas. E uma das coisas que a
gente só entende com o passar dos anos é que, só
porque alguém não nos ama da forma que
desejamos não significa que não nos ame, com
tudo que tem.
Suas palavras me tocam, fico de pé e caminho
até ela; a sua frente me agacho e levo minha mão
até a sua, com carinho.
— Anna — chama, unindo nossas mãos no seu
colo — devo admitir que eu suspeitava que
estivesse grávida há alguns dias. Eu a observo a
vida inteira e percebi as pequenas mudanças. Seu
apetite, sua indisposição, seu mal estar de
madrugada. Ouvi tudo em silêncio. Sei que não
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planejou este bebê e sei que pode achar que não


está pronta para ser mãe, mas ninguém nunca
realmente está. Você aprenderá muito mais do que
ensinará este ser que se forma em seu útero. Esta
sementinha vai crescer e vai transformar você na
sua melhor versão.
Meus olhos ficam marejados.
— Não precisa chorar, pequena. Você será uma
mãe incrível, não tenho dúvidas disso. Confie em
você. Além disso, jamais se sentirá sozinha. Eu
estarei ao seu lado durante todo o caminho —
tranquiliza.
— Estou com tanto medo — confesso, com a
voz arranhada.
Medo do desconhecido, do futuro não planejado.
Medo pelo meu bebê, por não ter tomado os
primeiros cuidados, tomado as vitaminas
necessárias ou sequer ter feito um pré-natal. Mas
nenhum deles se compara com o medo de falhar
como mãe.
— Não deixe o medo tirar o melhor de você.
Você pode fazer isso e pode fazer muito mais.
Você esta vivendo uma das experiências mais
excepcionais na vida de uma mulher, esta gerando
uma vida; aproveite cada momento, pois ele passa
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rápido demais — Nana me aconselha.


Deito minha cabeça em seu colo, ao lado de
Fúria que lambe meu rosto. Nunca pensei sobre a
maternidade e nunca fui destas mulheres que
sonham a vida inteira em ser mães. O receio de
repetir os mesmos erros de meus pais, tira o melhor
de mim. E neste momento é tudo que eu passa pela
minha cabeça.

APÓS TRÊS DIAS NÃO ME SINTO NEM UM


POUQUINHO MELHOR. Meu apetite parece ter
desaparecido. Fico em minha cama a maior parte
do tempo, e só saio para dar uma caminhada com
Fúria. Depois volto a me esconder do mundo,
embaixo das cobertas, dentro das paredes do meu
quarto.
Noah me manda mensagem todos os dias.
Sempre termina seus textos me afirmando que esta
com saudades e me lembrando que eu sei onde
encontrá-lo, quando estiver pronta. Ele parecia não
entender por que eu tive que afastá-lo. Ele merecia
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ser livre para encontrar uma mulher adequada a ele.


Uma mulher que não estivesse grávida do filho de
outro homem.
Ainda não caiu a ficha de que eu serei mãe. Eu
não me sentia diferente. Ainda me sentia como a
mesma Anna de sempre, só que tomada de
preocupações e desesperada por respostas. Estava
perdida, como se eu tivesse perdido meu propósito.
Ao meu lado, meu telefone sinaliza, outra
mensagem de Noah.
Eu a ignoro e abafo um grito contra o
travesseiro.
Eu sentia irritada por ele não entender.

UMA SEMANA DEPOIS ESTOU


REALMENTE, totalmente, descontroladamente,
tomada pelos meus hormônios. Estava difícil
conviver comigo mesma devido ao meu mau
humor.
Noah não me escrevia há dois dias. Quarenta e
oito horas sem nenhum sinal de vida. Dois mil,
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oitocentos e oitenta minutos sem um “Olá, tudo


bem, como vai?”
Está se perguntando como eu sei disso? Bom, eu
perdi meu tempo fazendo os cálculos. Afinal, não é
como se eu tivesse muito o que fazer ultimamente.
Quem ele pensa que é para me deixar louca me
enviando uma mensagem atrás da outra, durante
dias, para então, puff, simplesmente sumir da face
da terra?
Estava tão angustiada que até levantei da cama.
Na cozinha eu sovava a massa do pão com força,
durante os últimos trinta minutos. Vovó e Marie
observavam a distância eu descontar minhas
frustações na massa. Quando elas tentaram se
aproximar, eu rosnei para elas. Desde então, estão
plantadas na entrada da cozinha cochichando.
O que mais elas queriam? Eu saí do quarto, não
sai?
Soco o pão com mais força que o normal, o que
faz voar farinha por todos os lados e volto a
amassar com vontade.
Não posso acreditar que ele tenha desistido de
mim. Como se fosse simples e fácil, como acionar
o disjuntor de uma tomada. Como se os dias que
passamos juntos não tivessem significado nada para
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ele. Nadaaaaaaaaaaaa. Podia jurar ter visto um


brilho diferente em seu olhar. Senti pelo modo
como me tocava, como se eu fosse uma flor rara,
que ele me queria.
Não, não.
Balanço a cabeça.
Sei, bem no fundo tenho certeza que ele me
queria. Ele me beijava como se o mundo fosse
acabar, como se nunca tivesse o bastante. Como se
eu fosse água fresca em meio a um deserto. Tocava
meu corpo como se me idolatrasse. Ele se divertia
com as minhas piadas, prestava atenção enquanto
eu falava. Ele me conhecia e sempre estava
disposto a me conhecer ainda mais.
Então, por que, porque, ele tinha escolhido me
deixar justo neste momento?
Só que ele não se afastou; eu o empurrei ele para
longe. Eu pedi um tempo. Um tempo de nós. Um
tempo que eu não queria, mas, na hora, não estava
pensando com clareza. A verdade, é que esta
bagunça não é o que está me consumindo nos
últimos dias. Várias vezes me pego tocando em
minha barriga, ainda inexistente. Contando a ela
histórias da minha infância, da minha adolescência.
Falando sobre culinária, sobre o nosso futuro lar,
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sobre como vai ser bom crescer nesta cidade. Conto


como conheci seu pai e que, apesar de tudo, ele é
um ótimo homem. Sem perceber, eu aceitei esta
criança na minha vida, e já me via correndo atrás
dela no jardim de casa.
Então por que o aperto em meu peito não ia
embora? Por que era tão difícil respirar? Por que
não paro de pensar em Noah? Por que ele
atormenta meus dias e minhas noites?
Paro de amassar o pão.
Ah.... Meu.... Deus....
Eu não estou apaixonado por ele.
Balanço a cabeça.
Não... eu amo Noah! Eu o amo tanto que sua
ausência me causa dor!
Então, o que diabos estou fazendo aqui, sovando
esta massa de pão que nem crescer vai? Afasto-me
da mesa. Já perdi muito tempo e não posso perder
nem mais um minuto sequer. Preciso dizer a ele
como me sinto, preciso tentar desfazer a besteira
que fiz dias atrás.

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ERA FINAL DA TARDE QUANDO SAÍ DO


CARRO e entrei na loja de Ferramentas Collins.
Minha coragem, agora abalada, tão próxima de
Noah. Queria estar bonita para quando ele me visse
novamente. Optei por um vestido soltinho curto, de
alças e sandálias baixas. Meu cabelo estava solto,
descendo em cachos pelas minhas costas. Minha
maquiagem, leve e natural.
Minhas mãos estão suando, quando toco a
campainha para ser atendida. Mattew aparece logo
em seguida.
— Olá, mocinha, procurando ferramentas para
derrubar alguma parede hoje? — me cumprimenta,
zuando.
Solto uma risada nervosa.
— Infelizmente, nenhuma parede hoje. Gostaria
de falar com Noah, ele está?
Ele pensa.
— Ouvi sua voz agora há pouco no escritório.
Vem comigo, que eu te levo até ele.
Ele ergue o balcão para eu passar. Andamos por
um curto corredor antes de parar em frente a uma
porta branca. Do lado de dentro, a voz de Noah
zoava alta e ele parecia exaltado. Mattew bate de
leve na porta e gira a maçaneta.
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Quando a porta se abre eu fico estática. Noah


esta sentado em sua cadeira, atrás da escrivaninha.
Bianca esta a sua frente, vestindo o que deveria ser
uma minissaia, só que mais curta, saltos altos e uma
blusa amarrada na cintura. Seu corpo curvado para
frente, suas mãos apoiadas nos braços de seu
cadeira. Ela esta oferecendo uma vista privilegiada
da sua comissão de frente.
Noah pisca ao me ver, parece não acreditar que
estou ali.
— Hã... olá, Noah... Bianca. — cumprimento os
dois sem jeito.
Bianca se endireita, empinando ainda mais seus
peitos.
— Olá, Anna, bom te ver de novo — me
cumprimenta com uma mentira.
Bianca me dá um sorriso vitorioso e Noah parece
cada vez mais pálido.
Fico enojada.
Volto-me para Noah.
— Não sabia que estava acompanhado, ou não
teria entrado. Podem continuar de onde estavam —
olho para Mattew — pode me levar de volta, por
favor?
Ele só concorda em silêncio, boquiaberto.
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É, eu também estava.
Quando nos afastamos, escuto a voz grossa de
Noah se exaltando e a de Bianca tentando acalmá-
lo. Sinto as lágrimas se formando no fundo dos
meus olhos e me concentro em segurá-las, pelo
menos até chegar à segurança do meu carro.

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VINTE E UM

DIRIJO RÁPIDO, AS LÁGRIMAS CAINDO


DO MEU ROSTO.

Meu coração em frangalhos.


Estúpida, estúpida.
Bato em minha cabeça.
Como pude me enganar de novo?
Como me permiti ir tão fundo em tão pouco
tempo?
Noah, por quê?
Piso mais fundo no acelerador.

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Burra, burra.
Chego há minha casa em poucos minutos. Estou
tentando abrir a porta da frente quando escuto o
barulho de pneus. Olho por cima do ombro e vejo a
caminhonete de Noah entrando na propriedade, a
toda velocidade.
Droga! Droga! Droga!
Preciso ser mais rápida; sem querer me
atrapalho com as chaves e as deixo cair no chão. Eu
me agacho para apanhá-las e escuto a porta de sua
caminhoneta ser batida com força.
— Anna — ele grita meu nome.
Finalmente, consigo acertar a fechadura, giro a
maçaneta, e enfim, abro a porta. Entro rápido e a
empurro para fechar. Estava quase conseguindo,
quando Noah impede o movimento com o seu pé.
— Anna, me deixe entrar — pede com a voz
exasperada.
— Não!
Empurro a porta com toda força que tenho, mas
ela não se mexe. As lágrimas continuam a cair. Não
consigo segurá-las. Ter ele tão próximo e escutar
sua voz está acabando comigo. Jamais imaginei que
existisse dor maior do que aquela que senti quando
me afastei dos meus pais ou de Ethan. Mas agora,
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descubro que existe.


— Deixa de ser teimosa e me deixa entrar — diz,
forçando a porta com cuidado.
Sinto que estou perdendo a força.
— Por favor, vá embora — suplico.
Ele xinga baixinho.
— Anna, eu vou entrar, quer você queira ou não,
e eu vou conversar contigo, quer você queira, ou
não também — adverte, com a voz grossa.
Nego em silêncio com a cabeça.
— Não adianta negar, minha linda — avisa do
outro lado da porta.
Eu solto uma risada nervosa, odiando-o por ler
meus pensamentos com uma precisão
impressionante. Noah se vale da minha distração
para conseguir abrir espaço suficiente para passar.
Eu me sinto minúscula, diante dele.
Noah está puto. As veias do seu pescoço
saltadas, seu maxilar travado, sua respiração rápida,
e seus olhos vidrados estão fixos em mim.
Oh-Oh!
— Noah, não deveria ter aparecido sem avisar.
Devia ter imaginado que ...
— Pro inferno com tudo isso! — diz me
interrompendo.
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Ele caminha reto, determinado, em minha


direção, sem sequer piscar.
— Não precisa se sentir mal; não tínhamos nada
exclusivo, nem oficial; foram só alguns beijos —
tento manter a conversa leviana mesmo que doa
pronunciar estas palavras.
Ele me alcança e me segura pelas mãos.
— Você não está falando coisa com coisa — diz
próximo, olhando para baixo — você se arrumou
para mim?
Concordo em silêncio não entendendo a
mudança de assunto.
Seus dedos calejados, fortes e firmes, foram
carinhosos quando ele levou minha mão a boca e
beijou a palma. Os lábios de Noah eram macios,
mornos, e meus joelhos tremeram ao seu toque.
Beijou-me com cuidado de modo que fez um calor
latejar bem no fundo do meu corpo. Fitei aqueles
olhos dourados e maliciosos, pouco antes de sentir
seus lábios subindo pelo meu antebraço até chegar
à minha clavícula.
Algo tão gostoso deveria ser proibido.
Tenho plena consciência de que se eu virar
minha cabeça, Noah irá me beijar e eu quero tanto
este beijo. Não, querer não é o verbo correto. Eu
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preciso deste beijo, como eu preciso do ar para


respirar.
— Noah, eu...
Ele me silencia com um dedo nos meus lábios.
Gentilmente me leva contra a parede, quase
colando seu corpo ao meu. Sua boca se aproxima
do meu pescoço e, quando me toca com os lábios
ali, fecho os olhos me perdendo nas novas
sensações. Seus dedos vão subindo pela lateral do
meu corpo, passando pela barriga e pela lateral dos
meus seios; onde ele me toca, sinto a pele pegando
fogo.
Ele leva uma mão aos meus cabelos os
envolvendo, inclina minha cabeça e, com a outra,
levanta meu queixo.
Um sorriso tomou conta de seus lábios.
— Minha linda, acredite em mim quando digo
que o que temos é bem oficial, e bem, bem
exclusivo.
Então ele toma minha boca para si.
Reagi com desamparo, agarrando a frente de sua
camisa com as mãos. Aquilo era tão diferente de
beijar. Era ao mesmo tempo macio, urgente e
implacável. Ele era inacreditavelmente duro. Todo
ele. Noah estava no controle, pressionando meus
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quadris contra os dele. A boca dele se arrastava


sobre meus lábios, sua língua buscava a minha,
com investidas profundas. Senti-lo foi mais do que
minha razão podia suportar. Eu estremeci, sem
conseguir me conter, os músculos vibrando de
prazer.
Ele soltou um rugido na garganta e segurando-
me com força, ergueu-me em seu colo, fechando
minhas pernas em volta de sua cintura. Era
arrebatadoramente erótico ser empalada daquele
jeito. Esta nova posição me permitiu senti-lo, duro.
Ele me pressionou bem onde mais ansiava e um
gemido escapou de meus lábios.
Minhas mãos envolvem o pescoço de Noah,
puxando-o para mais perto, esmagando meu corpo
contra o dele. Suas mãos percorrem minhas costas,
brincando com meu cabelo, segurando minha
cintura como se ele não conseguisse tocar o
suficiente do meu corpo de uma só vez. Meu
coração deu um solavanco e entrou em um ritmo
assustador. Vagamente, percebi que ele estava
reunindo informações, registrando todos os pulsos e
tremores nos lugares em que eu era mais sensível.
Levo meus braços aos seus cabelos, beijando-o
com toda movo meus quadris contra os seus,
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causando a fricção que ambos precisamos. Nossas


línguas dançavam em perfeita harmonia, e acredito
que vou entrar em combustão quando sinto sua mão
acariciando um de meus seios por sob o vestido,
envolvendo-o e apertando o mamilo de leve. Solto
outro gemido quando faz isso e ele para de me
beijar, resmungando, ao perder o contato de nossos
corpos.
Ainda com os olhos presos aos meus, leva sua
mão a alça do meu vestido e a abaixa pelos meus
ombros e braços, roçando seus dedos pela minha
pele exposta. Deixando meus seios inchados à sua
mercê. A respiração de Noah falha quando ele
descobre que eu não estou usando sutiã. Com uma
lentidão indecente, a mão dele desliza sobre a
forma arredondada do meio seio. O bico ereto e
tenso clama por atenção, e Noah o acaricia e
pressiona com perícia, e eu me sinto perdendo os
sentidos.
— Perfeita demais — diz com desespero.
Esta necessidade que sinto dele me domina.
Meus mamilos estão duros de desejo, e quando ele
me toca com seus lábios é minha perdição.
Primeiro me lambe e me aperta com as mãos ao
mesmo tempo. Sinto seu quadril se mover contra o
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meu com mais urgência, como se ele soubesse onde


mais preciso ser tocada e, quando ele morde de leve
meu mamilo, eu explodo em seus braços, perdendo-
me ao gozar de forma intensa. Meu corpo se
entrega completamente a ele. É como se eu sentisse
tudo ao mesmo tempo. Cada batida do meu
coração, cada respiração contra minha pele, cada
toque. Anseio por suas mãos em mim, pelo contato.
É uma necessidade que não consigo controlar.
Noah sobe seus lábios pelo meu pescoço
enquanto me acalmo em seus braços. Meu coração
bate rápido contra seu peito e minha respiração está
aos poucos voltando ao normal. Ele encontra
novamente meus lábios me saboreando com
delicadeza. Sem a pressa e a necessidade que nos
devorava minutos atrás. Sua língua busca e
encontra a minha quando seus lábios macios
exploram os meus.
Devagar, ele vai se afastando e me coloca no
chão. Quando meus pés tocam a madeira, ele ajeita
o meu vestido, cobrindo as partes antes expostas, e
me puxa para seus enormes braços. Depois, segura
meu rosto com uma das mãos.
— Nunca mais diga que não somos exclusivos,
ok?
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Faço que sim com a cabeça. Minhas mãos contra


seu peito sentem seu coração batendo
descompensado como o meu.
Ele sorri.
— Com isso esclarecido, agora deixe-me mostrar
a você tudo que já fizemos na sua casa.
Logo concordo. Não sei explicar o que acabou de
acontecer. E, definitivamente, não estou pronta para
conversar sobre isso, quando ainda sinto um desejo
abrasador em meu âmago. Caminhamos lado a
lado, e de cômodo em cômodo ele me mostra o que
foi feito nos últimos dias. Eles terminaram o
telhado e o encanamento. As estruturas externas e
as aberturas já foram lixadas e rebocadas. As portas
internas também. O piso parece ter sido pintado
recentemente, a cor de madeira acinzentada está
realçada e dava para sentir o cheiro do verniz no ar.
Estou impressionada com o quanto evoluiu em tão
pouco tempo.
— Vem comigo, tem mais uma coisa que quero
te mostrar no jardim.
Ele beija deliciosamente meus lábios e me
conduz pelas portas duplas da cozinha. Descemos a
escada e caminhamos até uma árvore. Preso a um
galho grosso está um balanço de bambu trançado,
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com almofadas verde-escuras.


— Você se lembrou! — digo, emocionada.
Ter um balanço sempre foi um grande desejo
meu quando menina.
Ele sorri e me acomoda sentada, para depois
começar a me embalar. A sensação é maravilhosa.
Sinto meu coração quase explodindo por Noah
estar aqui comigo, por ele ter me dado este
presente. Estou feliz e me permito esta felicidade,
sem analisar nada, só deixando que ela flua. Deixo
que me embale por quanto tempo desejar. Então ele
contorna o balanço, segura as cordas com as mãos e
para o movimento.
Olho para cima.
— Quero esclarecer o que viu no meu escritório
hoje — pede, olhando para baixo.
Nego com a cabeça, com medo de estragar o
momento.
— Não precisa esclarecer nada.
Ele coloca seu dedo embaixo do meu queixo e o
levanta.
— Anna, eu quero fazer isso.
Vejo a sinceridade em seu olhar e, por fim,
concordo.
Ele me leva até o tronco da árvore, apoia-se nela
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com as costas e escorrega até o chão, puxando-me


em seguida para sentar em seu colo. Não me
lembro de já ter me sentido tão confortável antes.
Nos encaixamos perfeitamente.
Então ele me diz:
— Bianca, sempre apareceu vez ou outra na loja,
com problemas ridículos, como você mesma já
presenciou. Desta vez ela passou dos limites;
esperou Mattew estar atendendo e entrou de
fininho, sem permissão em meu escritório. Estava
pedindo para ela sair quando você chegou —
enquanto fala, suas mãos fazem carinho em meus
braços. — Ela não nos incomodará novamente,
nunca ninguém nos incomodará novamente —
garante com convicção.
Amo cada palavra que ele diz, mas mesmo
assim, preciso perguntar.
— Noah, por que você quer ficar comigo quando
pode ter alguém como Bianca, que é livre e ainda
por cima parece uma modelo da Victoria’s Secret?
Ele faz uma careta e joga a pergunta de volta
para mim:
— Por que é tão difícil aceitar que eu quero ficar
com você?
Não sei, talvez porque seja perfeito demais. E em
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tudo que é perfeito demais é difícil acreditar.


Ergo meus olhos e meu coração dá um salto.
Seus lábios se aproximam dos meus e me tomam
sem pressa, abrindo-me com carinho, nossas
línguas se tocando e se acariciando. Quando penso
em puxá-lo para mais perto, ele se afasta, colando
sua testa na minha e abrindo os olhos para olhar
dentro da imensidão verde-clara dos meus.
Sorrimos um para o outro.
— Ainda preciso responder sua pergunta? —
pergunta, com um sussurro.
Nego com a cabeça.
Como sempre, Noah é capaz de me convencer de
qualquer coisa com um simples toque. E quando
me beija, tenho certeza de que ele pode ter o que
quiser de mim. Uno nossas mãos, notando, mais
uma vez, o quanto a minha é pequena comparada
com a dele.
Noah pega uma mecha do meu cabelo entre seus
dedos.
— Agora que você entendeu que estamos nisso
juntos, e que não irei a lugar algum, quero saber o
que está se passando nesta sua cabecinha?
Eu solto uma respiração profunda.
— É uma loucura. Quando recebi a notícia,
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queria gritar com o mundo. Perguntei-me um


bilhão de vezes por que isso estava acontecendo
comigo, ainda mais agora, quando tudo parecia
andar nos trilhos novamente. Pensei que precisava
ficar sozinha para colocar meus pensamentos em
ordem, para descobrir como faria isso dar certo,
quais seriam meus próximos passos, sabe? Mas,
mas... não fui muito útil nos últimos dias —
confesso, envergonhada.
— Por que não?
Chegou o momento de eu entregar um pedaço do
meu coração a ele.
— Porque eu senti sua falta. Porque eu descobri
que sou egoísta quando o assunto é você, não te
quero longe de mim. Já me sinto,
desesperadamente, conectada a você, ao que temos.
Eu não tenho nenhum controle sobre isso, sobre
este sentimento que cresce aqui dentro e toma conta
dos meus pensamentos — esclareço batendo contra
meu peito. — Quando dei por mim, simplesmente
corri ao seu encontro, eu precisava te ver.
Ele me abre um sorriso fofo.
— Também senti sua falta.
— Meus últimos dias não foram legais —
confesso a ele.
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— Que bom, porque os meus foram uma merda.


Seu comentário me faz soltar uma risada.
— Sei que isso faz de mim uma pessoa não
muito boa, mas fico feliz por isso.
Ele gargalha alto.
— Já sabe de quanto tempo está grávida?
— Ainda não, mas sei que estou no início.
Ele se afasta um pouco.
— Ethan já sabe? — pergunta com a sobrancelha
arqueada.
O fato de ele saber que o único que poderia ser o
pai é Ethan me balança ainda mais.
— Ainda não tive tempo de contar para ele.
Ainda mais agora que ele está noivo de outra
pessoa.
Isso vai ser difícil.
— Ele tem o direito de saber. — a voz de Noah é
calma, mas sinto a censura nela.
Ele está certo.
— Eu sei e vou contar para ele. Prometo que
farei isso logo que possível. Não pretendia voltar
para Nova York tão cedo, e não posso fazer isso
por telefone — respondo já sabendo o que tem de
ser feito.
Ele acena com a cabeça.
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— Ninguém merece receber a notícia de que vai


ser pai por telefone.
Levo minhas mãos a seu rosto, e, quando o
acaricio, Noah relaxa sob meu toque e fecha os
olhos. Ele é tão lindo que me perco a admirar sua
beleza. Toco seus lábios fartos com meus dedos,
contorno o desenho de suas sobrancelhas e passo os
dedos pelas suas pálpebras. Ele é um homem
deslumbrante.
— Obrigada por ter vindo atrás de mim hoje.
Ainda relaxado, ele responde:
— Sei que você não tem consciência disso, mas
esperei por este momento minha vida inteira. Ter
você em meus braços é o que eu sempre quis. É
cafona, pra caralho, dizer que é um sonho, mas é a
melhor forma de descrevê-lo.
Abro um sorriso, porque estar em seus braços
está sendo um sonho para mim também. Ele pega
minha mão e a leva ao seu peito.
— Sente isso?
Assinto, sentindo a palpitação de seu coração e o
movimento de seu peito. Quando ele me encara,
seus olhos me dizem em silêncio o que nunca
falamos um para o outro.
— Desde que me lembro, meu coração bate por
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você.
Amoleço ao ouvir isso e olho para baixo, onde
nossas mãos estão unidas.
— Quando éramos crianças, eu era um tonto e
não percebi isso. Acho que por isso pegava tanto no
seu pé — ele abre um sorriso enorme. — Mais
tarde, na adolescência, comecei a ter pensamentos,
um tanto intensos, e às vezes indecentes, e percebi
que já era apaixonado por você. Foi um choque e
tanto, tenho que confessar.
Noah solta uma risada nervosa.
— Minha insegurança era tanta que nunca
considerei te confessar isso, até porque eu tinha
tanto medo de perder sua amizade. A dúvida do que
aconteceria se eu me abrisse para você e não fosse
correspondido.... — ele pensa um momento —
acabaria comigo. E, se você se afastasse de mim
por este motivo, se eu não pudesse mais conversar
contigo, andar contigo, rir contigo, seria ainda pior.
— Jamais permitiria isso. Quem mais iria te
importunar se nos afastássemos — brinco com ele.
Ele acha graça.
— Mas, tudo mudou no dia em que você trouxe
Ethan para cá. Fiquei com muita raiva, que depois
se tornou ciúme inflamado. Eu te coloquei em um
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pedestal, inatingível, e ali estava um cara colocando


as mãos dele em você; ali estava você, sorrindo
para ele. Por fim, escolhi manter meus sentimentos
para mim. Você parecia feliz e eu tinha perdido
muitas oportunidades.
Como seria se Noah tivesse me dito estas coisas
dez anos atrás. Será que teríamos ficado juntos?
Será que ele teria ido para a Marinha? Eu teria
conhecido Ethan? Meu relacionamento com meus
pais seria diferente? Não me permito pensar nisso
por muito tempo, pois nada disso importa. Estamos
juntos agora; nossa tempo é o hoje e eu me sinto
abençoada por nossos destinos terem se cruzado de
modo tão especial.
— O mais engraçado é que, naquela época, eu
achava que ele era uma melhor opção. O cara
aparentava ter dinheiro; ouvi de Gracie que
estudava em Harvard... Afinal, quem era eu
comparado a ele? O que eu poderia te oferecer que
ele não podia? — perguntava sem esperar por
respostas — eu desejei estar feliz por você, mas
não poderia continuar aqui vendo sua felicidade ao
lado de outro cara. Imaginar isso acontecendo ano
após ano, facilitou minha decisão de ir embora de
vez. Desejei viver um dia de cada vez, esperando
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este sentimento ir embora.


Encontro seus olhos.
— E adivinha, minha linda?
— Hm.
Ele abre um sorriso radiante.
— Ele nunca foi embora.
Sinto-me enrubescer tamanha intensidade de seu
olhar.
— Quando voltei, o fiz sem pretensão alguma,
eu meio que havia perdido a esperança de encontrar
a felicidade de novo. Então imagina minha surpresa
quando vejo você entrando no restaurante da
Gracie’s semanas atrás. Tive que piscar os olhos
mais de uma vez, pois achava que estava tendo uma
alucinação — brinca ele — e depois que te resgatei
do lago e te vi naquele vestido amarelo, molhado e
colado ao seu corpo — grum-grum, pigarreia — de
jeito nenhum eu iria te deixar ir embora novamente.
Antes de me avisar que ficaria na cidade, eu estava
trabalhando em um plano para te fisgar de vez. Um
que envolvesse usar todos meus talentos, caso
necessário. Seu sorriso tornou-se diabólico, quando
mordeu seu lábio inferior.
Eu ria, divertindo-me de sua expressões.
— Mas não precisei colocá-lo em prática. E por
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isso tenho sido bonzinho e me comportado como


um cavalheiro.
— Ouso discordar — respondo corando, ao
lembrar tudo que ele já fez com suas mãos e com
sua boca.
Noah se inclina para frente e toca minha testa
com a sua, novamente.
— Eu, simplesmente, preciso de você em minha
vida. E, mais do que isso, eu conheço você, eu
quero você. Eu sempre vou escolher você, Anna,
minha linda, Anna.
A força de suas palavras e o modo como me
sinto ao escutá-las, é como se eu tivesse esperado
minha vida inteira por ele. Por este homem com
olhos que, neste instante, brilhavam claros como o
sol.
— Você é linda, sempre foi linda, e está mais
linda ainda agora. Esta criança tem muita sorte por
ter você como mãe e, se você deixar, quero te
ajudar com o que puder e fazer parte da vida de
vocês.
Era tudo que eu precisava ouvir, mas que não
ousava perguntar. Não é correto comparar, mas ele
é tão diferente de Ethan. Com Ethan era como
navegar por águas calmas, sem grandes
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expectativas. Noah é uma tempestade completa,


que vem e toma tudo que quer. Os sentimentos são
intensos tão novos, que não consigo compreendê-
los ainda. Deixam-me vulneráveis a ele, ao mesmo
tempo, que me fazem mais forte. Não há dúvidas,
de que estou apaixonada por ele.
— É tudo que mais quero — confesso.
— Nunca tive um pai presente em minha vida e
não sei como poderei te ajudar com isso. Assim,
como você, tenho minhas ressalvas quanto a este
assunto — diz pendendo a cabeça para o lado. —
Mesmo assim, eu quero fazer parte disso. Quero
descobrir tudo que há para descobrir ao seu lado.
Posso não ser o pai desta criança, mas quero ser o
que você me permitir ser para ela.
Foi uma das coisas mais lindas que alguém já me
disse.
Seguro seu rosto, com carinho, em minhas mãos.
— Nunca quis pertencer a alguém antes, mas eu
quero ser sua Noah Collins — sussurro contra seus
lábios.
— Ótimo, porque eu já sou seu faz tempo, Anna
Elizabeth Jones.
Cada batida do meu coração me aproximava
mais dele. Tudo o que sempre quis estava em
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minhas mãos. Quero conversar com ele, conhecer


todos seus sonhos e todos os seus medos. Quero rir
com ele, ir dormir e acordar ao lado dele. Quero
criar meu filho ao lado dele. Quero entregar minha
vida a ele.
Confio meu coração a Noah, e sei que ele jamais
o desmerecerá.

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VINTE E DOIS

LIGO PARA ETHAN E COMBINO encontrá-


lo dentro de duas semanas. Inventei que gostaria de
devolver algumas coisas suas que ficaram em meu
apartamento. Sei que é uma desculpa boba, mas foi
a que se apresentou no momento.
Enquanto isso, ocupo meu tempo com outras
prioridades. Hoje estou indo conhecer a sede da
Greens & Beans, de Incline Village, onde
trabalharei.
O prédio de três andares, revestido de tijolos
vermelhos e grandes janelas quadradas brancas,

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fica em uma rua paralela à principal, à margem de


um lago. Em frente há uma placa com letreiro em
caixa alta, verde, enorme, onde está escrito: Greens
& Beans Co. Quando entramos, me sinto
minúscula. No interior havia um pé direito alto e ao
fundo várias salas distribuídas pelos três andares da
construção. Todo ambiente era iluminado, com
salas enormes e paredes de vidro que entregavam
uma bela vista do lado de fora. No primeiro andar,
em uma ilha central, está a secretária; atrás dela, os
elevadores. No lado esquerdo, há pequena recepção
com poltronas brancas, folhagens e móveis baixos.
Do outro lado, grandes cabos de aço descem do teto
até chão. Preso a eles estavam várias fotografias em
preto e branco. Eu me aproximo das imagens e
reconheço que são fotos que retratam a história da
companhia. Desde o princípio, em uma casa
simples, até a estrutura que possui hoje. Localizado
no centro, está um mapa dos Estados Unidos com
vários pontos em vermelho; cada marca
representava uma filial da companhia.
Termino minha inspeção e me junto à vovó;
então caminhamos em direção aos elevadores e
seguimos até o terceiro andar. A postura de Nana
era tranquila; já eu sentia o suor escorrendo pelas
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minhas costas.
Não posso decepcioná-la!
Não!
Eu não iria decepcioná-la!
As portas se abrem e saímos. Estamos em um
corredor, com somente duas salas, uma de cada
lado. A direita, ficava um escritório completo, com
uma mesa, computador, poltronas e sofá brancos,
prateleiras, e, ao fundo, uma mesa de reuniões de
madeira, grande o bastante para acomodar umas
oito pessoas. Do outro lado, outro escritório, mas
esta sala era diferente. Abro a porta de vidro e entro
no ambiente. Ao fundo, uma cozinha completa,
toda em inox com geladeira, freezer, fornos, micro-
ondas. Passo meus dedos pela superfície lisa,
sentindo o frio do metal. Nas prateleiras, vários
tipos de farinhas, condimentos, temperos, grãos e
essências. Em uma das paredes, uma pequena horta
vertical estava fixada ao lado da porta que levava a
uma pequena sacada externa.
Vovó está observando tudo em silêncio.
— É perfeito — digo, agradecida pela
oportunidade.
Nana pega o regador e caminha até às plantas e
começar a molhá-las.
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— Aqui sempre foi o meu refúgio na empresa;


passei anos de minha vida nesta sala e só tenho
lembranças boas deste lugar. Infelizmente, foi
negligenciado nos últimos anos. Pequena, você não
sabe a felicidade que sinto ao saber que é você
quem estará aqui, criando, cuidando, cultivando
todos os dias.
Aproximo-me dela.
— Percebo seu toque em todos os lugares vovó;
sei o quanto se dedicou a isso — falo ajudando-a
com as plantas.
— Sim, e agora é a sua vez. Divirta-se, siga seu
instinto e sinta a energia deste lugar. A magia será
criada pelas suas mãos. Este é o melhor conselho
que posso lhe dar.
— Obrigada. Farei isso — confirmo a ela.
Ela termina com a água e limpa as mãos.
— Estarei ali na outra sala. Não tenha pressa;
isso aqui não é uma competição. Até o final do dia
já terei seu crachá para acesso ao prédio e aos
elevadores.
Eu assinto.
Ela me dá um breve sorriso, antes de me deixar
sozinha. Perco alguns minutos, ligando o
computador, descobrindo minha senha, conhecendo
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o sistema e os programas. Depois abro as gavetas e


verifico quais utensílios tenho à minha disposição,
quais ingredientes e o que falta. Vovó me disse
para fazer uma lista e enviar para a secretária, que
solicitaria todos os materiais para mim. Aproveito
para descobrir os dias da feira da cidade e o local
pois, prefiro eu mesma, escolher os insumos.
Ao meio-dia almoçamos no refeitório do
primeiro andar no qual eu não havia reparado
quando entramos. Neste primeiro dia, preferi me
situar no meu ambiente de trabalho e me apresentar
aos meus colegas. Nos próximos, colocarei a mão
na massa. Literalmente.
Mal posso esperar.
Estava super cansada quando chegamos em casa
no final do dia. Falo por telefone com Noah, que
me lembra minha consulta na obstetra no dia
seguinte. Tenho tido alguns lapsos de memória; por
isso, ele tem me ajudado com meus compromissos.
Já disse que ele é um fofo?
Noah faz questão de me levar e me acompanhar
durante a consulta. Estou tão ligada a ele, que um
dia longe dele, já parece uma eternidade. Não quero
nem pensar nos dias em que passaremos afastados
quando eu for para Nova York.
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Adormeço com Fúria em meus braços e, quando


acordo, estamos na mesma posição. A melhor parte
da gravidez é meu sono, que tem sido pesado e
profundo; por isso, tenho dormido como uma
pedra. A pior parte é a fome, que sinto o tempo
todo. Levanto e vou para a cozinha preparar o café
da manhã. Coloco meus fones, escolho uma música
e preparo a massa do pão que pensei ontem; em
poucos minutos está no forno. Faço, também, ovos
mexidos e passo o café.
Enquanto espero, meu celular apita.
— “Chegando em 15 minutos”.

Convidei Noah para tomar café da manhã


comigo. Como a consulta é só às dez, ainda tenho
duas horas até lá.
Digito em resposta.
—“Estou te esperando”.

Tiro meu avental e subo as escadas correndo


para terminar de me arrumar. Quando desço, Noah
está estacionando sua Range Rover na frente de
casa.
Saio para o pátio.
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Seu cabelo está molhado, como se tivesse


acabado sair do banho; está vestindo uma calça
jeans, uma camisa azul enrolada até o seu cotovelo,
com os primeiros botões abertos. Nos pés suas
tradicionais botas pretas gastas.
Quando se aproxima, ele me pega pela cintura e
me ergue, plantando um beijo estalado em meus
lábios.
— Ei.
— Ei, você — respondo com a voz abafada por
seus lábios.
Seus lábios me deixam sem ar em segundos,
como somente ele sabe fazer. Me explorando e
saboreando. Sem pressa. Quando me coloca de
volta no chão, continuo agarrada a ele, não
querendo soltá-lo.
— Senti saudades.
— Também senti — responde acariciando a base
do meu pescoço com os dedos.
Da cozinha escuto o timer do forno e puxando-o
pela mão, eu o convido a entrar. Encontramos Nana
sentada na bancada da cozinha, lendo o jornal. Ela
ergue os olhos do papel e os direciona, primeiro,
para as nossas mãos unidas e, depois, para a outra
mão de Noah que repousa em minha cintura.
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A interrogação está estampada em sua cara.


Antecipo-me antes que ela diga algo inadequado.
— Vovó, acho que já conhece Noah.
— Conheço Noah, neto da Gracie, uma graça de
menino. Mas este rapaz com as mãos em minha
neta, eu gostaria de conhecer melhor.
Valeu a tentativa.
Para minha sorte, Noah recebe suas palavras com
divertimento e solta uma risada. Ele caminha até
vovó e a abraça do nada. É até engraçado ver Nana
sendo surpreendida pelo gesto e congelando antes
de dar uns tapinhas em suas costas, como quem diz:
“Tudo bem, pode me soltar agora, rapaz.”
Para a felicidade de Nana, ele logo a liberta.
— Pelo que me contaram lhe devo um
agradecimento — se dirige a Nana.
Nana franze o cenho e inclina a cabeça para o
lado, buscando-me com os olhos.
Dou de ombros.
— Deve? — Nana pergunta, desconfiada.
— Obrigado por trazer minha garota de volta
para casa.
— Sua garota? — pergunta Nana.
Noah não responde sua pergunta, mas vem ao
meu encontro e me segura pelas mãos. Seu toque
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era caloroso e ele toca minha testa na sua. Sinto que


poderia ficar horas me perdendo dentro dos seus
olhos.
— Sim, minha garota. Minha namorada, se
quiser colocar um rótulo; o fato é que você é minha
— me diz sorrindo, mostrando-me suas covinhas.
Noah era, quase, a personificação dos meus
melhores sonhos, só que ainda melhor.
— Sou sua — concordo — e você é meu.
— Sempre fui seu.
Ficamos presos em nosso universo paralelo, em
um mundo onde só existem Noah e eu, nossos
sentimentos e nossos desejos, quando escutamos
Fúria latindo, descendo as escadas. Ela chega à
porta da cozinha e já preparo os ouvidos para suas
latidas quando ela perceber Noah. Mas, para meu
total espanto, ela anda até ele como uma dama, na
ponta dos pés, e o cheira, para depois abanar seu
rapinho e pedir colo. Fico abismada.
Ela é uma vendida.
Noah se abaixa e a pega no colo. Me abraçando
pela cintura, planta um beijo em meu pescoço
quando se posiciona atrás de mim. Fúria aproveita
para lamber minha cara.
Vejo amor nos olhos de Nana que observa tudo.
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— Já estava na hora, rapaz — diz diretamente


para Noah.
Noah concorda.
— Estava na hora certa.
Começo a sentir o cheiro de pão queimado.
Ai, caramba.
Vou correndo até o forno. Quando o abro, uma
fumaça negra domina o ambiente, e o cheiro de
queimado fica mais proeminente.
— Espero que gostem do pão mais crocante —
digo a todos.
Nosso café da manhã é divertido, como o café da
manhã de todas as famílias deve ser. Noah conta
para Nana um pouco mais sobre sua construtora, e
falamos do andamento da reforma na minha casa.
Vovó nos faz perguntas demais. Do tipo que avós
deveriam ser proibidas de fazer.
Para o bem da relação familiar, você sabe...
Quando terminamos o café, ajudamos a lavar a
louça e deixamos a casa em direção ao consultório
da médica. Enquanto dirige, Noah leva uma de suas
mãos à minha coxa e faz movimentos suaves.
— Ansiosa? — pergunta, voltado para a estrada.
Estou um misto de ansiedade, nervosismo e
preocupação.
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— Sim.
— Tudo vai ficar bem, minha linda — afirma,
lendo meus pensamentos novamente.
Eu umedeço meus lábios, secos, antes de
responder:
— Só quero que o bebê esteja bem e seja
saudável.
Noah me observa compreensivo.
— Ele vai ser. Fique tranquila, estamos quase
chegando.
O consultório da Dra. Jane Miller ficava no
mesmo hospital em que ficava o da Dra. Anelise.
Estacionamos, e Noah me ajuda a descer do carro.
Entramos de mãos dadas. No balcão de
atendimento, informo meu nome e nos sentamos
para aguardar. Noah continuava com seus carinhos
em minha perna, nunca deixando de me tocar.
Após poucos minutos sou chamada por uma
enfermeira.
— Srta. Jones.
Seguimos atrás dela até uma sala no final do
corredor. Do outro lado da porta aguardava-nos
uma senhora de aproximadamente uns cinquenta e
cinco anos, baixa, de óculos, olhos castanhos e
cabelos castanhos presos em um coque baixo. Seu
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sorriso era receptivo e tranquilizador.


Ela me estende a mão.
— Prazer, sou a Dra. Jane Miller.
Seu consultório era todo branco, iluminado pela
luz que atravessava as cortinas quase transparentes.
No meio da sala existia uma divisória, e do outro
lado um sofá e uma mesa com computador. Quando
nos sentamos, reparei na grande quantidade de
fotos de famílias e bebês que decoravam o
ambiente. Em breve, muito em breve eu também
teria um bebê em meus braços. Quando olhei para a
frente a doutora, sorria para mim, e eu sorri de
volta.
— Então, Srta. Jones. O que posso fazer por
você? — pergunta a doutora, solicita.
— Estou grávida.
Um leve aceno com a cabeça.
— Fico feliz por saber disso, pois eu não poderia
lhe ajudar de muitas outras formas.
Noah e eu soltamos uma risada baixa.
Gostei da médica.
— O que sabe sobre sua gravidez até o
momento?
Relato como acabei no hospital, o que me levou
aos exames e a descoberta da gravides. Aproveito
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para despejar todas as minhas preocupações.


— Tomei anticoncepcional durante muitos anos,
inclusive durante o período em que não sabia da
existência deste bebê, bebi álcool em algumas
ocasiões — pensando bem — para ser sincera, em
muitas ocasiões. Pesquisei na internet e vi que já
deveria estar tomando ácido fólico e também já
deveria ter feito meu pré-natal.
Jane me encara, ajeitando seus óculos.
— Devo supor que a gravidez não foi planejada.
Confirmo.
— Primeiro, não vamos fazer suposições. Hoje
faremos alguns exames para verificar se está tudo
bem com você e com o bebê. Certo?
— Certo.
— Sabe de quantas semanas está grávida?
— Não, só me informaram que estou no começo
da gestação.
Ela anota as informações.
— Certo, agora vamos fazer o exame do toque e
uma ecografia. Por favor, venha comigo.
Eu a sigo para trás da divisória, que vimos ao
entrar. Havia uma maca de exames ginecológicos
cercada de diversos aparelhos, uma mesa baixa
com prateleiras contra a parede, uma balança e uma
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cadeira.
— Tire toda sua roupa e coloque este avental —
anuncia, entregando-me uma sacola de plástico e
me dando um pouco de privacidade para remover
minhas roupas.
Alguns segundos depois estou sentada nervosa,
praticamente nua na ponta da maca, brincando com
meus dedos. A doutora volta e me pede para subir
na balança.
— Qual seu peso habitual? — questiona a
doutora.
— Normalmente por volta de cinquenta e sete
quilos.
Ela mexe em alguns pesos e anota.
— Você está com cinquenta e cinco. Teve
muitos enjoos no início da gravidez?
— Poucos, somente um ou dois.
Ela assente.
— Perder peso é normal para algumas mulheres;
não vamos nos preocupar com isso.
Em seguida, desço da balança e ela me pede para
deitar na maca, onde mede minha pressão.
— 12X7, excelente.
Com muita gentileza, ela remove a parte de cima
do avental e examina meus seios. Sempre me senti
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desconfortável nestes tipos de exames, mas estou


tão preocupada com o bebê que meu desconforto
está em segundo plano, no momento.
Terminado em cima, ela vai para a parte de
baixo.
— Esta é a parte menos agradável — avisa,
tentando me acalmar. — Agora, vou precisar que
relaxe um pouco.
Tento relaxar o máximo que consigo, puxando o
ar e o exalando com calma, enquanto ela veste as
luvas e passa lubrificante em dois dedos; depois
realiza o exame de toque. Terminado esse remove
as luvas, tapa minhas pernas com outro lençol e
ergue o avental até expor a parte baixa de minha
barriga.
— Gostaria de chamar seu companheiro para o
restante do exame?
Faço que sim com a cabeça, travada demais para
falar. Ela chama Noah, que aparece em poucos
segundos. Noah não aparentava estar nervoso; sua
convicção de que estava tudo bem continuava
inabalável e eu estava grata por ele ser meu porto
seguro nesse momento. Ele para próximo à minha
cabeça, de frente para o monitor, e envolve minha
mão.
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A doutora deposita um gel morno em minha


barriga e depois pressiona o ultrassom em meu
ventre. Fecho os olhos e aguardo em silêncio,
concentrando-me para ouvir o que tanto desejo. Os
segundos parecem uma eternidade, mas quando a
doutora pressiona o aparelho com um pouco mais
de força, o som mais sublime invade meus nervos
sensoriais e sou tomada por uma emoção instintiva.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum,
tum-tum.
O som vai ficando mais alto, constante, claro,
preenchendo o ambiente. Uma lágrima escorrega
pelas pálpebras fechadas e sinto os lábios de Noah
beijando minha testa. Seus lábios úmidos me fazem
abrir os olhos para encarar os dele, também
emocionados.
— Posso confirmar que você está com quatorze
semanas. Seu bebê está com seis centímetros e pesa
aproximadamente quinze gramas. O
desenvolvimento está dentro do normal. Veja, aqui
estão as mãos e os pés, aqui está o pescoço e a
cabeça — nos mostra no monitor. — O coração
está forte, como podem ouvir.
Observo o monitor.
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— Não tem nada de errado com ele?


A doutora se volta para mim, sorrindo.
— Você tem um bebê completamente saudável,
Anna, pode ficar tranquila.
Deito a cabeça na maca e agradeço ao cara lá de
cima.
— Vocês gostariam de saber o sexo do bebê?
Olho para Noah, que ainda está segurando minha
mão e acariciando meus cabelos. Ele está ao meu
lado me apoiando, mas deixa claro que a escolha é
minha.
— Adoraríamos — respondo, ainda com os
olhos presos nos deles.
— A esta altura não consigo afirmar com
precisão, pois o bebê está com as pernas fechadas,
mas acredito que terão um menino.
Não posso descrever minha reação, mas, se foi
parecida com a de Noah, foi maravilhosa. Ele ficou
deslumbrado. Seus olhos faiscaram e um sorriso se
apossou de seu rosto. Pela primeira vez, penso em
como eu gostaria que este bebê fosse de Noah. Este
cara ao meu lado era meu parceiro em todos os
sentidos, e eu compreendi, pelo modo como me
encarava, que ele já havia aceitado o papel de pai
para meu bebe, muito antes de hoje. Era nosso
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bebê, nosso filho. Um dia daríamos um irmãozinho


ou irmãzinha a ele. Se eu pudesse escolher, iria
querer um filho que fosse a cópia de Noah, com os
seus olhos, seu cabelo, seu tom de pele e suas
covinhas. A clareza e a certeza, com que consigo
ver meu futuro com ele é de outro mundo. Não só
estou apaixonada por este cara, como sou
completamente e perdidamente louca por ele.
Calminha aí hormônios malucos.
Uma gravidez de cada vez.

A DOUTORA ME PEDIU PARA VOLTAR


CADA TRINTA dias para fazer o
acompanhamento e me deu uma imagem impressa
do ultrassom que estou segurando em minhas mãos.
Na volta, não consigo parar de admirá-la tamanha
perfeição. Noah e eu almoçamos juntos no centro.
Depois ele me deixa no trabalho e vai para a
construtora. No escritório, passo o dia cozinhando
para conhecer os equipamentos. As primeiras
fornadas eu queimei, mas, depois de aprofundar
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minha relação com o forno, tudo estava dominado.


No final do dia, estava finalizando uma receita de
granola, quando Nana entra pela porta.
— Oi, pequena.
— Oi.
— Receita nova? — Nana pergunta.
Quando me endireito para lhe responder, sinto
uma pontada de dor na lombar.
Anotação mental: não ficar horas curvadas
sobre o balcão.
— Sim — digo alongando as costas. — Depois
de usar o coco nas primeiras receitas, pensei em
agora usar grãos. É um tipo de granola caseira. Fiz
com flocos de aveia, castanha de caju quebradas,
frutas secas, chia, chips de coco, nibs de cacau,
pedaços de chocolate amargo e adocei com um
pouco de néctar de coco. Dourei no forno, depois
que eu e ele entramos em um acordo — digo
estreitando meus olhos para o equipamento, que me
deu tanta dor de cabeça.
Ela pega um punhado e leva a boca. Seus olhos
se arregalam.
— Esta seria uma versão doce; estou pensando
em criar uma salgada também, usando sementes de
girassol e abóbora, amêndoas defumadas, castanhas
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do pará e flocos de quinoa. Talvez alguns outros


ingredientes; tenho que testar na prática para ter
certeza — digo pensativa, levando um dedo aos
lábios.
Ela termina de engolir e me responde:
— Isso aqui está uma delícia — afirma, pegando
uma xícara e despejando várias colheradas nela. —
Ficaríamos ricas vendendo só isso aqui.
Eu rio
— Calma, vovó, já temos muito com que
trabalhar agora. Quem sabe mais adiante, este possa
ser nosso próximo projeto.
Apoio as mãos no balcão enquanto vovó manda
a ver na Granola. Ela concorda ainda com a boca
cheia, quase se engasgando.
— Gostaria de um café para acompanhar?
Ela termina de engolir, com certa dificuldade, e
me responde.
— Por favor.
— Certo, espera lá fora que já levo para você.
Ela enche a xícara com mais algumas colheradas
antes de se dirigir às cadeiras externas. Após
terminar os dois cafés, eu me junto a ela. Quando
estou acomodada, Nana me pergunta:
— Como foi a consulta, gostou da médica?
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Assopro o líquido quente, para esfriar, antes de


responder.
— Adorei a doutora Jane e inexplicável seria a
melhor maneira de descrever a consulta.
Tiro do bolso do avental a imagem do bebê e
entrego para ela.
— Ele é saudável e perfeito.
Nana segura a imagem.
— Ele? É um menino?
— A doutora acha que sim, mas não pode
confirmar ainda.
Vovó passa os dedos pela fotografia,
contornando os traços com carinho.
— Meu primeiro bisneto. Já pensou em um
nome?
Não pensei, mas deveria ter pensado, não é?
— Ainda não — respondo honestamente.
— Enquanto isso, como devemos chamá-lo
então?
Boa pergunta. Tenho que começar a pensar
nisso.
Neste meio tempo, quem sabe, poderíamos
chamá-lo de...
— Pacotinho? — digo arqueando as
sobrancelhas.
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— Pacotinho? Vovó repete meu gesto.


Estamos ambas encarando uma a outra com
caretas estranhas. Se fosse um concurso de quem
está mais ridícula, ambas seriamos finalistas. No
final, ela consegue manter uma só sobrancelha
erguida, coisa que eu jamais consegui fazer, e com
isso desmancho minha expressão.
— Pacotinho? — Nana pondera. — Até que soa
original. Gostei. Só espero que tenha um nome
melhor até ele nascer. Ou o pobre coitado vai sofrer
bullying na escola — avisa com divertimento.
— Prometo trabalhar nisso — garanto a ela.
— E de quantas semanas estamos?
— Iniciamos a décima quarta.
Conversamos mais sobre o pacotinho; depois
falamos dos meus primeiros dias no trabalho. Já
localizei a feira orgânica e decidi passar lá bem
cedo de manhã antes de vir para o trabalho;
principalmente agora que estou determinada a criar
a melhor geleia de frutas sem açúcar que já foi
inventada, na história das geleias, sem açúcar, de
toda humanidade.
Durante os próximos dias, visito várias lojas com
Nana a fim de escolher os móveis para minha casa.
Descobri que, apesar de ser uma cidade pequena,
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Incline Village oferecia tudo que eu preciso.


Comprei os móveis soltos para sala, cozinha, quarto
e escritório. Fomos a outra loja onde comprei
eletrodomésticos. Em outra vimos tudo que preciso
para cama, mesa e banho. A decoração foi a parte
mais difícil; eu queria tudo, queria os quadros, as
flores, as velas, os jarros, os tapetes. Tive que me
controlar e comprar somente o necessário. Tudo
por um preço excelente, ainda porque foi vovó que
negociou. Não é ã toa que ela era rica, afinal,
ninguém sabia pechinchar como ela.
Entre uma conversa e outra, falamos de nossa ida
para Nova York onde ficaremos por duas semanas.
Além dos assuntos particulares, óbvios, temos
compromissos a cumprir junto à empresa, que fará
um coquetel para lançar os produtos da linha
“Prove primeiro, fuxique depois”. Terei uma
semana para apresentar meu projeto para a equipe
de marketing, logística e produção. Deveria estar
nervosa por Nana ter me dado esta oportunidade,
mas me sinto agitada, pensando que ainda tenho
três noites com Noah e pretendo aproveitá-las ao
máximo.

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VINTE E TRÊS

ÀS SEIS DA TARDE, ESTOU SENTADA EM


UMA COLCHA no gramado dos fundos de minha
casa, com um belo espécime masculino ao meu
lado. Estamos comendo frutas, bolos e pães,
curtindo o final de tarde agradável em um
piquenique surpresa que preparei para ele.
Noah estava relaxado ao meu lado e até me
assusto quando me pede do nada:
— Descreva seu encontro perfeito
— De onde surgiu isso? — respondo achando
graça.

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Ele abre um sorriso enigmático, e eu decido


entrar na brincadeira, curiosa para ver aonde ele
quer chegar. Limpo minhas mãos uma na outra e
me ajeito em posição de índio.
— Tudo começaria com um belo dia de inverno
— começo a história.
— Sempre achei que você fosse uma garota mais
da primavera — observa Noah.
— Xiu, minha história, meu encontro perfeito —
repreendo-o e pego uma uva da cesta.
— Você está com algum cara antigo ou com um
novo cara?
Noah mergulha o pão em um potinho com uma
mistura de azeite de oliva, berinjela e azeitonas,
que eu mesma preparei.
— Definitivamente com um novo cara —
respondo, chupando a uva.
Seus olhos ficam hipnotizados pelo movimento
dos meus lábios. Eu me aproveito, lambendo meus
dedos, mesmo sem necessidade.
Ele pigarreia e volta à conversa.
— E o que você e o cara novo estão fazendo?
Noah morde o pão denso e delicioso. Seus lábios
macios se movem com lentidão. Ele estava me
punindo, e eu não dava a mínima. Poderia observá-
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lo comer o dia inteiro.


Entretanto, estou gostando desde jogo de faz de
conta e penso antes de responder.
— Estamos viajando.
— Uma viagem de carro?
Concordo com a cabeça.
— Estamos indo esquiar em Vail, no Colorado.
Mas, de repente, uma nevasca nos atinge, fechando
as estradas, e somos obrigados a parar em uma
cidade pequena, no meio das montanhas, e nos
hospedar em um hotel rústico, antigo, porém muito
aconchegante e quente.
Ele fica pensativo.
— Parece bonito.
Minha mente fervilhava com uma sequência de
imagens.
— Eu e o cara, ainda não, você sabe, chegamos
aos finalmente, e o hotel tem somente um quarto
disponível, que aceitamos, prontamente — fico um
pouco vermelha. Não sei se pela história ou por
pensar em quando eu e Noah daremos este passo
em nosso relacionamento. — Cavalheiro, ele me
ajuda com as malas e subimos para o quarto. Como
sou um amorzinho, deixo ele tomar banho primeiro,
enquanto espero na biblioteca no primeiro piso.
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Não vejo o tempo passar lendo um romance,


aconchegada em uma poltrona em frente à lareira,
ouvindo o estalar da lenha de carvalho, observando,
uma vez ou outra, as chamas dançarem. Só paro
quando sinto lábios macios tocando meu rosto.
Quase derrubo o livro no chão com o susto da
interrupção bem-vinda.
Noah me lança um olhar especulativo.
— Por que não os lábios? Ele é tímido?
— Normalmente, não. Mas, lembre, ele está
sendo um cavalheiro — observo, com o canto do
olho.
Ele volta a mordiscar o pão.
— Gosto desse cara — responde com um sorriso
convencido.
Rindo, continuo.
— Subo para o quarto e tomo um longo banho.
Ensaboo todo meu corpo com uma esponja,
deixando minha pele bem suave e macia — digo
deslizando um morango pelo meu braço, passando
pela minha clavícula até a minha boca.
Noah nem pisca.
— Como o hotel tem calefação e está gostoso,
coloco um vestido verde-escuro, longo de mangas
compridas, bem cavado nas costas.
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Ele se remexe, parecendo um pouco


desconfortável em seu jeans.
— O cara... hum... gosta de verde? — pergunta
atrapalhado.
Estou me divertindo mais do que eu esperava.
— Recentemente, descobri que é sua cor favorita
— digo, colocando um pouco mais de lenha na
fogueira. — Enfim, desço para o restaurante e a
expressão que vejo em seu rosto vale cada segundo
que perdi me arrumando.
Olho para baixo e seu jeans começa a ganhar
volume, o que me motiva a continuar.
— No restaurante, tomamos uns drinques
enquanto aguardamos nossa mesa. Depois
dividimos um romântico jantar. Na mesa ao lado da
nossa há um casal idoso que parece estar junto há,
pelo menos, cinco décadas. Eu e o cara, tentamos
adivinhar o segredo de um casamento tão longo.
Ele diz que é muito sexo bom. Eu digo a ele que é
estar com alguém que te faça rir todos os dias. Ele
diz que pode fazer as duas coisas.
Escuto sua risada gostosa.
— Tenho que concordar com este cara. Ele é
bastante seguro se si, não é?
— É sim, e eu adoro isso nele — confesso. —
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Depois do jantar, ele me convida para dançar em


frente às janelas, assistindo aos flocos de neve
descendo do céu no lado de fora. Em uma jukebox
ele escolhe uma música e logo os acordes de Joy of
my life, de John Fogerty, saem pelas caixas de som.
— Ele sabe dançar?
Faço que sim com a cabeça tentando não me
sentir afetada pela fantasia de um dia dançar com
Noah.
— E depois? — pergunta Noah, interessado.
Mordo os lábios, antes de responder.
— Ah, depois ele faz coisas deliciosas comigo.
Isso faz seus olhos se acenderem.
— Quão deliciosas?
— Hum — deixo escapar um suspiro.
Eu estava caindo em meu próprio jogo e quase
me atirando em cima do pecado ao meu lado.
Me chacoalho, voltando a realidade.
— Que tal? Como me saí?
Eu pensei que ele acharia graça da minha
criatividade, porém, me encarava de modo
perturbado. Ele parecia esperar pelos detalhes mais
íntimos que escolhi ocultar de propósito. Não havia
necessidade de eu alimentar ainda mais o fogo que
queimava dentro de mim.
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Noah sorriu diante da brusca mudança de


assunto.
— Não quer saber como seria meu encontro
perfeito? — questiona arqueando as sobrancelhas.
Senti a ousadia de sua pergunta.
— Você quer que eu tente adivinhar?
Ele faz que sim com a cabeça. Então, entro no
jogo novamente.
— Acho que seria em um dia de verão na praia.
Ele fica pensativo.
— É, pode ser, o que mais?
— Você estaria com uma garota.
Ele ri alto.
— Com certeza, meu dia perfeito envolveria uma
garota.
Ele busca mais um pedaço de pão na cesta.
— Vocês passariam o dia na praia. Chegariam
cedo, se deitariam nas espreguiçadeiras, ela pediria
uma espumante ou um vinho rose, com frutas na
taça, e você uma cerveja gelada. Ela seria linda e se
deitaria ao sol para se bronzear. Você não sendo
bobo, aproveitaria para admirá-la e passaria
protetor solar nas costas dela quando ela pedisse.
Garota de sorte.
Ele para de comer e me interrompe.
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— Ela não precisaria pedir. Eu me ofereceria


muito antes disso — diz piscando.
Olho para ele irritada. Ele levanta as palmas em
sinal de paz. Eu continuo.
— Então, onde eu estava? — finjo não lembrar
— ah, sim. Vocês estão na praia. Na hora do
almoço, pedem uma porção de camarão e repetem
as bebidas. Você decide ir verificar a temperatura
da água, e ela aproveita a oportunidade para
apreciar seu corpo, só de sunga preta.
Ele faz uma careta.
— Sunga? Acho que você quis dizer bermuda.
Faço que tanto faz com as mãos.
— Sunga ou bermuda. O que importa é que ela
gosta do que vê.
Um sorriso maroto e convencido toma seus
lábios.
— Gosta, é?
Sua cara de safado, me diz; vem neném-neném,
neném-neném, vem neném-neném, neném-neném,
vem. O que me lembra do seu corpo sem camisa. O
que me lembra de todos aqueles músculos. Quase
me perco ali, com as recordações, mas as deixo de
lado, lá no cantinho das lembranças gostosas da
vida, bem no topo, que é o lugar dela, e continuo.
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— Ela também adora as tuas tatuagens e deseja


passar os dedos por elas. Sim, sim. Ela acha sexy
pra caramba — digo, me entregando.
Noah se estica para pegar uma uva, e seus dedos,
roçam minha perna descoberta. Mesmo este
pequeno toque me faz sentir, como se um raio me
atingisse, arrepiando os pelos do meu braço.
Ele percebe, mas volta a se deitar e apreciar a
fruta.
— E depois? — pergunta, querendo que eu
continue.
O toque dele me fez perder o raciocínio. Por isso
a encurto a história.
— Depois você a levaria para a casa dela, diria
que o dia foi maravilhoso. Daria um beijo de boa
noite e iria embora em sua caminhoneta, enquanto
ela lhe acenaria da porta de casa. — concluo,
rapidamente, pegando o último morango do pote.
Noah me observa deitado ao meu lado.
— Você acertou em quase tudo, exceto a última
parte — observa.
Viro-me para encará-lo.
— Você não a levaria para casa? — pergunto,
afastando o morango dos lábios.
— Levaria, mas não para a casa dela.
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Deixo o morango cair da minha mão, quando ele


se senta e me ergue com facilidade, acomodando-
me em seu colo. Esta posição me fazia senti-lo
pronto embaixo de mim. Os encontros perfeitos o
afetaram, assim como fizeram comigo. Tudo que
estamos vivendo nos últimos dias têm deixado
meus hormônios à flor da pele. Estou usando um
vestido tomara que caia branco, curto, mais justo
no busto e mais soltinho na parte de baixo. Noah
desliza as mãos ao longo das minhas pernas, apalpa
as minhas nádegas e leva seu rosto ao meu pescoço,
respirando meu perfume.
— Acho que cansei de falar sobre encontros
perfeitos — diz com a voz rouca.
— Não gostou? — respondo, arfando em
antecipação.
Ele pressiona seu quadril contra o meu, e sinto
toda sua extensão.
— Gostei um pouco demais, eu diria — brinca
comigo, afastando meu cabelo, deixando meu
pescoço exposto — E eu acho que você sabe disso.
Eu dei um olhar inocente para ele.
Ele sorriu.
— Acertei então? — pergunto passando meus
braços por seus ombros e brincando com seus
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cabelos.
— Em parte.
— Por quê? — fico curiosa.
Noah me dá um leve beijo na clavícula e vai
subindo pelo meu pescoço. É tão bom que esqueço
a pergunta que fiz e aperto sua cabeça contra minha
pele. Sinto o sorriso se formar em seus lábios,
conforme vai subindo e subindo até me beijar no
canto da boca, bem próximo aos lábios, que eu
umedeço, já pronta para ele. Ele se afasta e vejo
meu reflexo na imensidão dourada de sua íris.
— Porque, Anna, meu encontro perfeito, ou meu
dia perfeito, ou qualquer coisa perfeita, não
envolveria um lugar. Envolveria uma pessoa.
Era uma loucura o quando eu adorava sua voz. A
rouquidão parecia alcançar lugares impossíveis
dentro de mim.
— E, para que não haja dúvidas, esta pessoa é
você. Ninguém mais além de você. Agora deixe-me
demonstrar a você.
Ele me deu um último olhar, antes de molhar
seus lábios e tomar minha boca na sua.
Mordiscando, me pedindo passagem, bom demais
para resistir. Não que eu oferecesse qualquer tipo
de resistência. Abro meus lábios e sua língua logo
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invade minha boca, me lembrando do quanto


somos bons nisso. A articulação úmida de cada
beijo, de cada impacto suculento, de cada atrito, me
fazia desmoronar de encontro a ele, meu corpo
inteiro saturado de desejo.
Noah me acariciava por cima do vestido. Seus
dedos passeavam pelo meu corpo com habilidade.
Com uma mão, envolvia meu seio e apertava o
mamilo, e com a outra me mantinha presa a ele pela
cintura, forçando-me a senti-lo em seu estado mais
primitivo.
— Você não faz ideia do que eu gostaria de fazer
com você — confessa com a voz abafada pelos
nossos beijos.
Minha vontade é de berrar para ele me fazer de
pirulito e me lamber todinha. Mas, o que sai dos
meus lábios é:
— Você pode fazer tudo que quiser comigo.
Muito mais contida, certo?
Neste momento não me importo que estejamos
ao ar livre e que possamos ser interrompidos a
qualquer momento, ou mesmo que alguém possa
nos ver. Tudo o que importa é que ele não pare de
me tocar, de me beijar, de me fazer tremer sob seu
corpo. Meu desejo toma conta de mim, deixando-
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me completamente irracional.
— Uma verdadeira tentação — diz lambendo
meus lábios. — Mesmo sabendo que não deveria,
não consigo me segurar. Você está me
enlouquecendo. Estou sonhando há dias com isso.
Ele volta a unir nossos lábios, desta vez com
mais urgência. Beijos longos, mordidas, lambidas,
até eu estar embriagada com as sensações. Cada
carícia de suas mãos mandava uma flechada de
prazer para o fundo do meu abdômen. Eu suplicava
em silêncio por mais, precisando de mais, querendo
mais. Como se pudesse ler meus pensamentos, ele
leva sua mão até minha coxa e vai subindo pela
minha perna, e eu fico em alerta. Meus braços
envolvem seu pescoço com mais força, puxando
sua cabeça contra a minha, e ele solta um som
baixo e selvagem.
O beijo fica mais lascivo e escaldante, de
derreter o cérebro. Finalmente ele me toca por cima
da calcinha. Eu vibro contra ele. Sinto seus dedos
calejados me acariciando e pressionando no meu
centro de prazer, e eu gemo seu nome contra seus
lábios, movendo meu quadril contra o seu. Ele
afasta minha calcinha, tocando minha pele sensível
e úmida. Eu gemo novamente, quando sinto a
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invasão de seus dedos me abrindo. Sinto sua


respiração acelerar, os músculos brutais de seus
braços se contraindo me mantendo no lugar, a
medida que ele enfia um dedo em mim, depois
outro. Eu vou perdendo os sentidos, e fecho os
olhos, fraca, enquanto seus dedos deslizam
facilmente para dentro e para fora de meu corpo,
seu polegar tocando delicadamente meu clitóris, em
cada investida.
Nunca, nunca, antes o contato de outro corpo foi
tão bom.
A cada investida, as juntas de seus dedos
atingiam um lugar enlouquecedor lá dentro. Eu
arremetia contra seus dedos, descontrolada. O
prazer era desorientador... debilitante...
incapacitante. Quando ele intensificou o ritmo e me
pressionou com mais força, eu gozei, meu grito
sendo engolido pelos seus lábios. Ele continuou as
carícias de modo mais suave, até eu parar de tremer
em seu colo.
Ele coloca minha calcinha de volta no lugar e me
dá um beijo lento e profundo. Quando abro os
olhos, os dele estão queimando de desejo vivo, à
minha frente. Pela sua pupila eu percebia que não
recuava sem esforço.
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— O que você está fazendo comigo? —


pergunta, retoricamente.
Mais uma vez estou devendo para ele.
Quantos orgasmos já? Cinco, dez, quinze?
Quem se importa com isso, quando ele volta a
me beijar.
— Quando você voltar, eu vou entrar dentro
deste seu corpinho delicioso, Anna. E não sairei de
dentro dele por um longo, longo tempo — sinto
seus lábios em meu pescoço me tonteando, e a
força de suas palavras me atinge até os meus ossos
— sim, minha linda, isso é uma promessa.
Ai, papai!

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VINTE E QUATRO

MINHAS MÃOS ESTÃO SUADAS E SINTO


O PÂNICO ME INVADINDO, quando bato na
porta do apartamento de Ethan, dias depois. Nana
está comigo, ao meu lado, enquanto Noah ficou em
Incline Village para finalizar a reforma. Respiro
fundo mais uma vez, antes da porta do apartamento
se abrir revelando uma mulher magra, baixa, loira
platinada, de olhos verdes. Seu cabelo liso estava
preso em um rabo de cavalo e ela vestia um vestido
tubinho preto e saltos altos. Impossível não
constatar o quanto ela era parecida comigo. Uma

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versão mais artificial que minha mãe certamente


aprovaria.
— Você deve ser Anna. Sou Cinthia, N-O-I-V-A
de Ethan — cumprimenta oferecendo sua mão e
enfatizando sua posição.
— Sim, prazer, sou a Anna, e esta é minha avó
Catherine. — dou espaço a Nana cumprimentá-la.
Em seguida, Cinthia nos convida a entrar.
É estranho estar aqui novamente, ainda mais
nesta situação. Quando namorávamos, passávamos
grande parte do nosso tempo neste apartamento,
visto que o meu era menor, e que Igor, volta e
meia, fazia seu abate por lá. Eu costumava
considerar este lugar minha casa. Agora, em pé na
sala de Ethan, sentia-me deslocada. Parece que
séculos se passaram, e hoje este era o lar de outra
pessoa. Haviam porta-retratos com fotos de Ethan e
Cinthia pela sala, almofadas coloridas no sofá
cinza, algumas flores em cima dos aparadores,
cortinas nas janelas. Pequenos detalhes a que Ethan
nunca deu importância e que remetiam à figura
feminina parada em minha frente delicada, bonita e
elegante.
Ainda estava observando as mudanças quando
escuto Ethan descendo as escalas. Sei que ele deve
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estar nervoso, assim como eu estou. Quando à em


minha frente, ele me lança um breve sorriso, que
não chega aos seus olhos. Mesmo não querendo, eu
o analiso por inteiro.
Escuto alguém raspando a garganta ao meu lado
e vejo vovó lançando-me olhares estranhos.
Reviro os olhos.
— Olá — eu o cumprimento com um abraço,
como nos velhos tempos.
— Oi, Anna.
Seu abraço é o mesmo de sempre, firme e breve.
Cinthia surge ao lado de Ethan, quando nos
afastamos, e entrelaça sua mão na dele. O que acho
bonitinho. Devo ter demonstrado isso com o rosto,
pois vovó faz o mesmo comigo me afastando, e
seguimos atrás dos pombinhos até a sala.
Ao nos sentarmos, um silêncio toma conta do
ambiente; neste momento sinto o peso da situação,
e o desconforto de Ethan é quase palpável. Coitado
não sabia o que fazer. Não devia estar sendo fácil
para ele ter seu passado e seu presente reunidos na
sala de sua casa.
Decido puxar a conversa de modo sutil.
— Então, fiquei sabendo da notícia do noivado
de vocês e gostaria de parabenizá-los.
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Bom, não tão sutil assim.


Ethan estreita os olhos para mim, descrente, já
Cinthia parece ganhar vida ao seu lado.
— Obrigada, estamos tão felizes e desejamos
oficializar o casamento o quanto antes — responde
com entusiasmo.
Olho nos olhos de Ethan para que veja minha
sinceridade.
— De verdade, estou feliz por vocês. Embora
não tenha dado certo entre nós, não lhe desejo
nenhum mal, você sabe disso, certo?
— Agradeço e digo o mesmo a você.
Pego a caixa que trouxe comigo.
— Não havia muitas no meu apartamento, só
algumas camisetas e produtos de higiene pessoal.
Também havia alguns papéis seus em cima da
escrivaninha que coloquei aqui.
Entrego a caixa a Ethan.
— Obrigado. Mas você não precisava ter feito
este esforço, visto que nenhuma destas coisas era
importante — observa à minha frente.
Sei disso, mas foi o motivo que inventei para
vir até aqui do nada. Embora tenha procurado na
internet alguma fórmula mágica de como lhe dar
esta notícia, não a encontrei. Infelizmente, não
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existem livros sobre “como contar ao seu ex-noivo


que ele vai ser pai, quando ele está noivo de outra
mulher”.
Nunca existiria maneira fácil de fazer isso.
Por isso respiro fundo e lá vai:
— Ethan, estou grávida — digo com calma,
enunciando cada palavra, para que não haja dúvida.
— Perdão, como? — Ethan diz, sacudindo sua
cabeça.
Como eu esperava, ele congela. Cinthia até tenta
falar, abrindo e fechando a boca várias vezes, mas
desiste e se prefere se manter em silêncio,
cabisbaixa.
— É seu filho, caso esteja se perguntando. Por
isso estou aqui hoje.
Ele me observa, um tanto apavorado. Vejo as
dúvidas atravessando seu rosto, conforme processa
a informação.
— Mas... mas.... mas sempre usamos camisinha
— Ethan gagueja.
Solto uma risada baixa.
— Aparentemente elas nem sempre funcionam.
Acredite, pensei a mesma coisa que você quando
descobri semanas atrás.
— Semanas atrás? — repete para mim.
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Cinthia tenta confortá-lo, acariciando seus


ombros. Mas ela esta fazendo um péssimo trabalho,
pois seu estado é pior que o de Ethan. Ela estava
branca e gotas de suor começam a se formar em sua
testa.
— Ethan — eu o chamo e aguardo até ele olhar
para mim. Quando sei que tenho sua total atenção,
continuo. — Descobri há poucas semanas e sabia
que tinha que vir lhe contar o quanto antes. No
início fiquei tão atordoada com a notícia quanto
você está agora. Nunca falamos sobre filhos e não
planejamos isso. Mas, mesmo não sendo planejado,
eu quero este bebê e decidi tê-lo. Não vim aqui para
lhe exigir nada, e sim para te contar pessoalmente.
Sempre fomos amigos, até muito antes de sermos
algo mais — digo tento tranquilizá-lo. — Você
poderá se envolver o quanto quiser; porém é meu
desejo que meu filho saiba quem é seu pai.
Ele continua me acompanhando em silêncio.
— Também preciso te contar que decidi viver
em Incline Village. Vovó me ofereceu um cargo na
Greens & Beans e eu o aceitei. É lá que terei este
bebê.
Esta última informação traz Ethan de volta à
vida. Ele se levanta, de repente, deixando as mãos
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de Cinthia no ar. Então começa a andar de um lado


para o outro da sala. Parece que estou tendo um
déjà-vu.
Se fosse qualquer outro momento, seria até
engraçado.
Vovó me acerta com o cotovelo e eu reclamo;
demoro a entender que devo ter verbalizado meu
pensamento em voz alta novamente. Tento fazer
uma anotação mental para parar de fazer isso.
Ethan parece um pouco perturbado, quando se
volta a mim.
— Primeiro me diz que está grávida, depois que
o filho é meu. E então, que vai se mudar para o
outro lado do país? Anna, é coisa demais,
informação demais, mudanças demais.
Ele fica mais pálido e para seus movimentos.
— Meu Deus! Eu vou ser pai! — a ficha
finalmente caiu.
Ethan respira fundo e prende os olhos em mim.
— Você não pode se mudar, ainda mais nesta
situação. O melhor é ficar em Nova York, onde terá
meu total apoio.
Lhe dou um singelo sorriso.
— Agradeço sua preocupação e estava contanto
com isso — ele concorda em silêncio. —
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Reconheço que são muitas mudanças, mas todas


elas têm me feito bem e estou feliz. Sinceramente,
não me lembro de ter me sentido tão plena em
minha vida como estou agora. Tenho família e
amigos em Incline Village, e estou segura da
escolha que estou fazendo. Não pense que estou
lidando com este assunto de forma leviana, estou
pensando no que é melhor para mim e para este
bebê.
Seu rosto murcha um pouco mais, quando escuta
as minhas palavras. Para que tenhamos qualquer
chance de criar este bebê em harmonia, preciso ser
o mais verdadeira possível com ele.
Ethan passa a mão pelos cabelos, quase os
arrancando, resmunga baixinho e volta a se sentar
ao lado de Cinthia, inconformado.
— Como... vai ser possível eu vou acompanhar a
gestação você estando em um lugar e eu em outro?
— pergunta, tenso.
Ethan sempre foi responsável com tudo em sua
vida. Desde o momento que decidi contar a ele,
soube como reagiria quanto tivesse conhecimento
de que seria pai.
— Irei te manter informado de tudo que quiser
saber relacionado ao bebê, pois nós o fizemos
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juntos. Sempre que quiser nos visitar, ou


acompanhar alguma consulta, ou ecografia, quero
que se sinta à vontade para me informar. Sempre
será bem-vindo em minha casa. Apesar de nossa
ruptura não ter ocorrido nos melhores termos, o
destino decidiu nos unir para o resto da vida com
esta sementinha que cresce dentro de mim.
Poderia usar este momento para lhe dizer
algumas coisas que estão presas em minha garganta
há algum tempo, como fiquei magoada e confusa;
ou como a felicidade dele com outra pessoa me
deixou desnorteada. Entretanto, quanto mais penso
no assunto, mais percebo que não existe
necessidade em verbalizar nada disso. Este assunto
ficou no passado e esta conversa era sobre o futuro.
Ethan não parecia estar nos seus melhores dias; ele
parecia esgotado, como se a vida estivesse sendo
drenada dele.
— Ao longo dos anos sempre nos demos bem, e
não existe motivos para as coisas serem diferentes
agora. Sinto muito em trazer esta notícia sem aviso
prévio, mas não podia lhe esconder o fato de que
em poucos meses você vai ser pai.
Cinthia se inclina para frente apoiando as mãos
nos joelhos e pergunta:
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— De quantos meses esta grávida?


Ela estava tão quieta que quase esqueci sua
presença.
— Estou na décima quinta semana — respondo.
Ethan olha em mim.
— Tipo quatro meses então? — afirma, após
fazer os cálculos.
Eu sorrio com o canto dos lábios.
— Isso, quase quatro meses.
Nana se pronuncia ao meu lado.
— Quero que saiba que não precisa se preocupar
com a segurança de Anna, ou com plano de saúde
para ela ou o bebê. Já tomei todas as providências.
Aqui está o endereço novo dela — Nana entrega
um papel a Ethan. — Ela viverá na casa ao lado da
minha propriedade.
Ele estreita os olhos.
— Você comprou uma casa? — pergunta, sem
acreditar.
Eu assinto.
— Comprei e a estou reformando. Começamos
há algumas semanas; está quase finalizada agora.
Ele solta um palavrão baixo.
— Parece que nem te conheço mais — desabafa,
inconformado com a situação.
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Existe razão em suas palavras; de fato não me


conhecia mais. Ele não precisava aceitar isso. Só
preciso que foque nesta criança e em como faremos
isso funcionar.
Por isso, trago de volta o assunto que me
trouxe aqui.
— Você gostaria de saber o sexo do bebê?
Ele assente, e vejo um lampejo, mesmo pequeno,
de felicidade em seu rosto.
— Já é possível saber isso?
— Ainda não posso afirmar com certeza, mas
uma grande chance de que seja um menino.
Procuro em minha bolsa a cópia do ultrassom
que fiz e entrego a ele.
— Um menino — repete baixinho.
O silêncio retorna à sala.
— Você gostaria de me perguntar mais alguma
coisa?
Ele nega com a cabeça baixa, ainda preso à
imagem em suas mãos. Cinthia está olhando para o
nada, perdida em seus próprios pensamentos.
Ambos parecem precisar de um momento de
privacidade para conversar sobre tudo isso. Procuro
Nana com o olhar, que me confirma com a cabeça
que está pensando o mesmo que eu “a mensagem
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foi entregue, é hora de irmos embora”.


Levantamos do sofá.
— Não queremos tomar mais do seu tempo —
digo, entrelaçando os dedos na frente do corpo.
Ethan e Cintia também se levantam.
— Não há necessidade de ir embora tão rápido.
Sorrio pela sua gentileza.
— Tenho muito o que fazer em Manhattan nos
próximos dias.
Nana interfere.
— Anna, está se preparando para o lançando de
um novo projeto. Faremos um coquetel aqui em
Nova York na próxima semana.
Ethan me observa pensativo.
— Você se manteve bastante ocupada nas
últimas semanas.
Acertou na mosca. Mas não lhe direi que minha
principal ocupação nada tem a ver com trabalho,
mas com um homem lindo de olhos cor de
chocolate que fez meu coração derreter.
— Sim — respondo, brevemente.
— O evento será na próxima quinta-feira, no
terraço da Greens & Beans às cinco, caso queira
prestigiar o trabalho de Anna — informa Nana a
Ethan.
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Lanço um olhar questionador a ela: “Porque deu


esta informação?”.
Ela dá de ombros, como quem diz: “Sei lá”
Ethan interrompe nossa conversa particular.
— Farei todo possível para estar lá — diz, e
pergunta em seguida. — É um evento particular ou
posso convidar alguns amigos?
— É um evento fechado, mas tomarei todas as
providências para que você e seus amigos sejam
bem-vindos —responde Nana.
— Certo.
Cintia observa tudo em silêncio, mas seus olhos
diziam tudo. Ela estava incomodada com o
interesse de Ethan. Bom, isso realmente não era
problema meu, e já passou nosso tempo de ir
embora.
— Ok. Se precisar de alguma coisa, ligue-me a
hora que quiser. Você tem meu número — digo a
Ethan.
Ele concorda.
— O mesmo vale para você.
— Nós realmente temos que ir — diz vovó
fingindo olhar as horas no relógio de pulso.
Cá entre nós, não temos nenhum compromisso
mais tarde.
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Mesmo conhecendo a saída como a palma de


minha mão, por educação aguardo que Cinthia nos
mostre o caminho.
Na porta me volto a eles.
— Obrigada por nos receberem. E novamente
desculpe-me por trazer esta notícia. Sei que pode
não parecer isso agora, mas vai dar tudo certo.
Me vejo dando o mesmo conselho que recebi
dias atrás.
Ambos concordam e nos despedimos com
abraços rápidos. Saímos do apartamento, e, no
elevador vovó e eu soltamos o ar que estava preso
em nossos pulmões. Respiramos fundo algumas
vezes, liberando um pouco da tensão.
— Bom, não foi tão ruim assim — comento.
Nana solta uma risada nervosa, que logo
acompanho. Estamos ambas rindo de maneira
estranha, quando o elevador atinge o térreo e a
porta automática se abre. Um casal idoso nos
observava espantado; devem estar pensando
“Gente maluca”.
Não poderiam estar mais certos.

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VINTE E CINCO

DENTRO DO TÁXI CONSIGO RELAXAR


UM POUCO. Fecho os olhos e encosto minha nuca
no banco, deixando o leve balanço do veículo me
acalmar. Ver Cinthia e Ethan não me trouxe
nenhum sentimento antigo de volta ou o
arrependimento pelo que acontecera. As coisas são
como são por algum motivo. Ele está mais magro e
aparenta estar cansado. Isso me preocupa um
pouco. Como sempre trabalhou demais, volta e
meia eu cozinhava algumas coisas e deixava tudo
pronto em sua geladeira. Também o ajudava na

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organização do seu dia a dia e do apartamento,


evitando ao máximo envolve-lo nas pequenas
coisas. Nós dois tínhamos uma rotina. Quase todas
as noites dormíamos juntos, na maioria das vezes
no apartamento dele. Eu acordava mais cedo, fazia
seu café da manhã, escrevia um recado fofo em
uma folha de papel e a colocava embaixo do prato.
Dava-lhe um beijo de bom-dia na cama e ia para o
trabalho. Passávamos o dia sem nos falar; só
mandávamos mensagem perguntando sobre o
jantar, que um de nós sempre trazia da rua.
Dormíamos separados somente quando ele tinha
alguma reunião ou evento importante, ou quando
eu tinha que ficar até mais tarde no Lilly’s
trabalhando em alguma encomenda especial.
Nos últimos tempos estávamos passando mais
tempo afastados do que juntos em função do grande
volume de trabalho de Ethan. Quando eu deixei o
escritório, papai passou para ele a maior parte de
meus clientes, e ele estava atolado de serviço. Em
casa, ficava a maior parte do tempo no escritório;
quando víamos um filme, passava a maior parte do
tempo no celular. Parecia que ele nunca estava
presente ao meu lado. Seu corpo estava ali, mas sua
cabeça não.
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Como eu suspeitava, Cinthia era uma mulher


linda. Consigo ver o que chamou a atenção dele. O
cabelo alinhado, a maquiagem perfeita, a roupa
elegante. Ela era o que a maioria dos homens
buscava em uma mulher, um modelo de beleza e
requinte. Bem diferente de mim, que odiava usar
vestidos tubinhos e ternos para o trabalho. Umas
das melhores partes de trabalhar na cozinha era
poder usar uma roupa confortável todos os dias.
Em determinado momento, sinto vovó tocar em
meu braço.
— Chegamos, pequena.
Abro os olhos e percebo que estamos parados em
frente ao Lilly’s. Pagamos o táxi e descemos.
Estamos no meio da tarde e estou faminta. Ao
cruzarmos a porta, o sino emite um barulho que
chama a atenção de John, parado atrás do caixa. Ele
levanta a cabeça e logo seus lábios me
cumprimentam com um sorriso. Abby aparece atrás
dele, vinda da cozinha, e seguindo o som da porta,
seus olhos me encontram.
— Aiiiiii..., Anna! — diz animada caminhando
rápido em minha direção.
Em poucos segundos, seus braços me cercam e
ela me dá um abraço forte, que eu retribuo.
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— Abby.
Depois cumprimento John, que vem logo atrás.
— Senti saudades de vocês. Como estão todos?
— pergunto a eles.
— Veja por você mesma — responde uma voz
atrás de mim.
Faz semanas que só escuto a voz dele pelo
telefone. Já estou sorrindo quando me viro, e os
braços de Igor me erguem do chão. Como senti
saudade dele. Do cara que sempre me tratou com
respeito, que me ofereceu seu ombro para eu
chorar, que se mudou comigo quando eu precisei
encontrar um novo lar, que compartilha comigo o
amor pela comida. Um amigo que me ajudou a
encontrar forças para lutar minhas batalhas e não as
lutava por mim. Em cada receita compartilhada, em
cada troca de experiências, ele me ajudou a
reencontrar a Anna escondida nas profundezas de
minha alma. A menina que fazia cookies quando
era pequena, cresceu e hoje faz cookies esperando
tocar o coração de alguém, que no futuro vai sonhar
em fazer cookies também.
Ele me coloca devagar no chão; com as mãos
dele ainda em minha cintura, escuto alguém
pigarrear atrás de nós.
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— Ca-ham. Outras pessoas também gostariam de


cumprimentar a Anna Igor!
Lilly. Ela ainda está usando o avental da cozinha
e, ao abraçá-la, sinto o maravilhoso cheiro de
baunilha em seu cabelo. Lilly foi, em muitos
momentos da minha vida, como uma mãe para
mim. Ela não só me deu as ferramentas para eu
trabalhar, como me apontou o caminho. Os dias em
que dormi no sofá de sua casa com Igor dormindo
em um colchonete ao lado, no chão, não foram os
mais confortáveis, mas foram dias que jamais
esquecerei. As jantas e as risadas soltas que
compartilhamos ficarão para sempre em minha
memória. E por tudo isso sempre lhe serei grata.
Aqui com eles sinto um pouco do peso que
estava carregando em meus ombros se dissolvendo.
— Como senti saudades! — confesso-lhes com
brilho nos olhos.
— Nós também — respondem Abby e John.
— Posso garantir que senti mais — brinca Igor
plantando um beijo em minha cabeça.
Lilly logo o acerta com o cotovelo, fazendo
todos nós cairmos na gargalhada. Nana aproveita
para cumprimentá-los. Nas próximas horas, fico
sabendo que pouco coisa mudou, além do fato de
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John e Abby estarem se tocando com mais


frequência e se olhando apaixonados. Não preciso
perguntar para saber que levaram a relação para um
nível acima da amizade ou de colegas de trabalho.
Pelo que me lembro, eles se gostaram desde
sempre.
Faço um breve resumo da minha vida em Incline
Village, da reforma e do meu novo emprego na
Greens & Beans. Falo sobre a nova linha de
produtos que estou trabalhando e do coquetel de
lançamento. Passo o resto da tarde rindo ao lado
deles, ora ajudando um pouco na cozinha, entenda-
se comendo muito mais que ajudando, ora
colaborando ao servir algumas mesas ou
simplesmente conversando com Igor como nos
velhos tempos. Alguns clientes me reconhecem e
trocamos novidades. Enquanto me divirto com
meus amigos, vovó fica no celular resolvendo
algumas questões da empresa.
Estar com eles era acolhedor. Casa não tem a ver
com uma construção, com um lugar, mas com as
pessoas. E estas pessoas sempre serão uma segunda
casa para mim, mesmo que eu não pertença mais a
este lugar. Meu lugar é ao lado do homem mais
gentil de todos do qual meu coração está morrendo
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de saudades. Não faz vinte e quatro horas que senti


seus lábios pela última vez e já quero prová-los
novamente.
A tarde passa voando. Quando vejo, estamos
entrando no apartamento que compartilho com
Igor, no final do dia. Antes paramos em um
mercado e compramos os ingredientes para o jantar
que Igor fará para nós.
Ao chegar decido tomar um banho. Tiro a roupa,
que fica amontoada no chão, e, enquanto espero a
banheira encher, me observo nua no espelho. Meu
corpo magro mudou pouca coisa. Minhas escápulas
ainda estão em evidência, meus braços e rosto
continuam iguais. Mais para baixo, percebo um
pouco mais de curvas em minha cintura e quadris.
Minha barriga continua lisa, talvez com o ventre
um pouco mais pronunciado. O que parece sofrer a
maior transformação em meu corpo são os meus
seios. Estão mais fartos e empinados.
Com a banheira cheia, recostando-me na borda e
fecho meus olhos. Deixo a água quente relaxar
meus músculos e envolver meu corpo. Sinto uma
beliscada em meus seios quando a água os cobre e
levo minhas mãos a eles. A leve fricção de meus
dedos me causa um aperto mais embaixo, e noto o
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quanto estão sensíveis ao toque. Ao apertar o bico,


estremeço levemente e sou tomada por um desejo,
repentino. Por instinto, afasto-as e penso em Noah.
Em Noah parado de pé no píer sem camisa. Em
sua barriga tanquinho e nos poucos pelos claros que
levam ao paraíso que me atormenta há tantos dias.
Lembro de suas mãos grandes me tocando e me
prensando contra a parede com seu corpo forte. No
toque delas deslizando pelo meu corpo, em seus
lábios beijando meu pescoço. Minhas mãos
escorregam mais para baixo, passando pela minha
barriga e parando no meu centro de calor. Com a
mão em meu clitóris, começo a fazer movimentos
circulares. Com as minhas pálpebras fechadas
visualizo claramente Noah caminhando em minha
direção, suado e sujo no final do dia; penso em
como desejo lamber toda sujeira do seu corpo com
minha língua. Penso em Noah me fazendo suspirar
ao prender meus mamilos em seus dentes e me
atormentando com seus dedos calejados, entrando e
saindo do meu corpo, sem piedade. E em como ele
é bom nisso. Conforme meus dedos trabalham em
meu corpo e minha mente em Noah, um calor vai
tomando conta de tudo. Com meu corpo tremendo
em êxtase, não demoro a atingir o clímax, gritando
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seu nome ao gozar.


A sensação é tão imponente que minha
respiração falha e meus batimentos ficam
descompassados. Noah parece correr dentro de
minhas veias, embaixo de minha pele, e esta
absolutamente infiltrado em meu coração,
impregnado em todos os aspectos de minha vida.
Nunca senti antes está necessidade feroz por
alguém. Ao mesmo tempo que me assusta, me atrai
a ele como um magneto.
Quando me acalmo, termino de me lavar. Vou
para o quarto, coloco meu pijama, penteio meus
cabelos e volto para sala de pantufa. Igor já
começou o nosso jantar, pois um cheiro
maravilhoso toma conta da casa. Nana está sentada
na banqueta à sua frente, e ambos estavam
conversando e se divertindo, quando me aproximei,
sentando-me na banqueta vazia ao lado dela.
— Posso saber o que é tão engraçado assim? —
pergunto, beliscando uma azeitona.
— Só estávamos conversando sobre o seu banho
— responde Igor.
— Meu banho? — pergunto sem entender.
Ele me observa, segurando uma risada.
— Sim. Daqui pareceu que estava muito....
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muito... quente. — diz com descaramento.


Arqueio as sobrancelhas sem entender nada. Igor
continua a me olhar de forma esquisita e me viro
para Nana que está com o rosto vermelho feito um
tomate, concentrada em seu copo de vinho, como
se ele fosse a coisa mais interessante do mundo, no
momento.
Apoiando as mãos na bancada, Igor pergunta.
— Quando ia me contar a respeito de N-O-A-H?
Noah? Como ele sabe sobre Noah?
Olho para Nana, mas ela continua concentrada
em sua bebida. Leva alguns segundos para a ficha
cair. Na hora em que compreendo, sinto um calor
subir pela minha coluna e enrubescer meu rosto.
Abaixo minha cabeça até tocar no mármore gelado
do balcão com minha testa, para esconder minha
vergonha.
— Ah! Meu! Deus! — digo pausadamente.
— Isso, mesmo; embora Deus não seja a palavra
que escutamos daqui; certo, Nana? — cutuca Igor.
Para minha sorte vovó continua fingindo
demência ao meu lado ou eu poderia abrir a porta
do terraço e pular do prédio para fugir do
constrangimento.
Igor ri alto se divertindo da minha desgraça.
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Demônios!
Ele nunca vai esquecer disso.
— Agora, vamos falar de Noah, que me parece
ser um homem bem interessante — insiste Igor,
dando as costas para mexer a panela.
Agora que sei que ele está de costas para mim,
crio coragem para erguer minha cabeça devagar.
Igor e Nana estão se divertindo com a percepção do
que fiz no banheiro. Nunca antes me dei liberdade
para ser tão fogosa perto deles; não fazia ideia do
que estava acontecendo comigo, só sabia que eu
não conseguia controlar. Quando Igor se volta a
mim vejo sua cara e explodo numa risada que em
poucos segundos se transforma em três. Chego a
chorar de tanto rir e a sentir fortes dores em meu
abdômen.
Seco as lágrimas nos cantos dos olhos.
— Juro que poderia morrer de vergonha agora —
admito-lhes.
Igor me tranquiliza.
— Não faça isso! — pede brincando e
acrescenta. — O que foi isso, gata? Nunca ouvi
nada parecido com aquilo em todos os anos que
com Ethan ou mesmo sozinha. Estou muito curioso
em relação a este tal de “Noah” — enfatiza,
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colocando o nome de Noah em aspas com as mãos.


Vovó que estivera quieta até então, resolveu,
finalmente, se pronunciar.
— Vamos lá, pequena, nos conte o que está
dentro do seu coração — pede com carinho, me
incentivando a falar.
Nana me conhece melhor que ninguém. Nunca
precisei verbalizar para que ela soubesse o que está
passando dentro de mim, e tenho certeza de que ela
sabe dos meus reais sentimentos por Noah. Está
mais que óbvio que eles arquitetaram esta cena toda
enquanto eu estava no banho.
Sei que estão se aproveitando do meu
“episódio”.
Já que estou na chuva, melhor se molhar. Não é
o que dizem afinal?
— Noah é... — começo a falar sobre olhares
atentos, mas logo paro.
Como posso colocar em uma palavra o que ele
significa para mim? Amigo, namorado, confidente,
parceiro, meu passado, meu futuro. O homem mais
perfeito de todos. Palavras parecem insuficientes
para descrevê-lo; mesmo assim, eu tento.
— Ele é muito especial e único. Foi meu melhor
amigo durante a infância e a adolescência. Você
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nunca o conheceu pessoalmente, porque ele estava


fora da cidade até poucos meses atrás — respondo
a Igor, que escuta atentamente.
É muito difícil abrir meu coração, mesmo para
eles. Sempre preferi ser reservada. Porém o
sentimento que tenho por Noah está estampado em
minha cara. Não existe chance de eu conseguir
escondê-lo.
— Estamos juntos, de todas as formas possíveis
— olho para os dois com olhos apaixonados. — E
eu sei que eu estou perdidamente,
enlouquecidamente, completamente, apaixonada
por ele.
Dizer estas palavras, pela primeira vez, em voz
alta faz todo este sentimento dentro de mim ser
ainda mais impactante. Igor e Nana param de rir ao
escutar e compreender minha afirmação.
Igor limpa sua garganta e pergunta:
— Tem certeza, gata?
Seus olhos buscam e estudam os meus.
— Absoluta — confirmo, repuxando os lábios.
Vejo seu rosto suavizar ao escutar minha
resposta.
— E como isso aconteceu? — ele acrescenta.
Dou de ombros, porque não sei responder,
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simplesmente aconteceu. Noah chegou tão de


repente e logo se apossou de grande parte da minha
vida e de mim que não sei quando comecei a amá-
lo. Talvez eu já o amasse muito antes de eu
perceber que era amor.
Nana diz:
— Noah é uma ótima pessoa e um homem muito
honrado. Eu o conheço minha vida inteira e não
poderia desejar alguém melhor para ti. Vejo o
modo como ele te olha, como se preocupa e como
cuida de você. E sei que este rapaz também te ama,
pequena.
Meus olhos ficam marejados. Logo depois, sinto
dois braços fortes me abraçando por trás.
— Foi mal, gata! Achei que você tinha achado
um homem para se divertir, mas vejo que estamos
falando de um homem que parece te merecer, se é
que existe tal pessoa no planeta — fala com
carinho.
— Se existe, acredito que eu o encontrei —
respondo emocionada. — Noah é bom demais para
mim, ele é tão, tão... — paro por um instante —
intenso. Isso, Noah é intenso.
Igor e vovó voltam a se olhar, e as risadas
retornam ainda mais altas que antes.
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Intenso?
Sério, Anna?
Estou lhes dando munição para ficarem tirando
sarro da minha cara para a vida toda.
Penso em esconder meu rosto de novo, mas, para
minha sorte, Igor bagunça meus cabelos e volta
para o fogão, deixando-me em paz para rir de mim
mesma.
Mais tarde, o jantar fica pronto, nos servimos e
vamos para sala comer. Eu e Igor sentamos no sofá
e Nana em uma das poltronas. O cheiro da massa
de queijo que Igor preparou está divino. E de fato
estava, pois devoro tudo em minutos. Quando
terminamos, Igor recolhe nossos pratos e os leva
para cozinha. Aproveito para me aconchegar no
sofá e apoio meus pés na mesa de centro. Sinto
falta de Fúria, que, nesta hora, estaria enrolada em
meu colo, pedindo carinho.
Igor retorna segurando duas taças de vinho tinto
e me alcança uma. Levo minha mão à taça e paro
no meio do movimento ao me dar conta de que não
posso beber. Ainda não contei a Igor que estou
grávida. Fazer isso por mensagem ou telefone, não
pareceu certo. Eu queria ver a reação de seus olhos
quando eu lhe desse a notícia. O dia passou tão
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depressa e me diverti tanto que não surgiu uma


oportunidade para isso, mas com ele à minha frente
agora não poderia haver momento mais oportuno.
Igor percebe minha hesitação e um sorriso tímido
surge em seu rosto.
— É verdade, então? Vou ser dindo? — pergunta
diretamente a mim.
Vejo meu amigo repousando as taças em cima da
mesinha de centro e se acomodando ao meu lado,
envolvendo minhas mãos com as suas.
— E então, gata, vou ser dindo? — reforça a
pergunta a mim.
Seus olhos estavam brilhando de entusiasmo.
Olho para nossas mãos unidas e para a felicidade
em seu rosto; era por isso que eu queria lhe contar
pessoalmente. Igor sorri com os olhos. Assim como
Nana, acredito que ele tenha notado pequenas
mudanças em mim, que eu mesma, por estar
distraída, não percebi.
— Sim, você vai ser dindo.
— Sabia! — grita ao se ajoelhar à minha frente e
levar sua cabeça à minha barriga, plantando um
beijo nela — você aí dentro, não sabe a sorte que
tem. O melhor dindo do mundo está de joelhos por
você e você ainda nem nasceu. Tenho muita coisa
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para te contar, te mostrar, te ensinar...


Sorrindo, procuro Nana, que levanta sua taça em
minha direção fazendo um brinde a este momento.
Um brinde à amizade e à vida que cresce dentro de
mim. Um brinde ao amor.

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VINTE E SEIS

A SEDE DO GREENS & BEANS EM


MANHATTAN fica no bairro Chelsea, em um
prédio alto de tijolos à vista com grandes janelas e
esquadrias de ferro. Quando atravessamos as portas
de entrada, um dos seguranças cumprimenta vovó
com um aceno de cabeça. Eu sigo logo atrás dela,
acompanhando seus passos, em direção aos
elevadores. Optei por um look mais formal para
esta reunião e, por isso, estou usando uma blusa
branca com gola fechada, saia lápis cinza cintura
alta e salto alto fino preto. Em minhas mãos, seguro

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uma pasta com o planejamento que apresentarei


logo a seguir. Quando chegamos ao último andar,
as portas se abrem, e à nossa frente está parada uma
mulher alta, magra, de pele morena e cabelos
negros como a noite.
— Bem-vindas, Sra. Catherine e Srta. Anna.
— Olá, Érika — cumprimenta vovó.
Então esta é a Érika de quem tanto ouvi falar.
Quando aperto sua mão, percebo que seus olhos
são tão escuros quanto seus cabelos, que parecem
duas esferas ônix.
— Prazer, Érika, ouvi falar muito de você —
aviso apertando sua mão.
Ela sorri e me retribui o cumprimento.
— Digo o mesmo, Srta. Jones.
— Só Anna, por favor.
Érika assente e a seguimos.
Todo o escritório era aberto com poucas
divisórias de vidro. Já na recepção. a logomarca da
empresa podia ser vista fixada na parede do fundo.
A estrutura era parecida com a do prédio em Incline
Village, só que mais administrativo do que
funcional. Reparo que toda a decoração segue a
linha rústica e industrial, com encanamento
aparente, piso de madeira bruta acinzentado, mesas
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de madeira escura, algumas de metais e paredes


estilo demolição. À proporção que avançamos, as
pessoas se colocam de pé e cumprimentam vovó
com um sorriso alegre no rosto. Ela retribui todos
os cumprimentos.
Adentramos um escritório decorado no mesmo
estilo, com alguns armários de metal, um sofá
branco no canto e uma mesa de centro baixa; vovó
se dirige para atrás da grande mesa de mármore
branco. Eu me sento na poltrona de frente para a
mesa dela, Érika se acomoda ao meu lado. Pela
primeira vez vejo Nana não como minha avó
materna, mas como a fundadora desta companhia.
Uma pessoa que cativa respeito, que as pessoas
usam como modelo e inspiração.
Impossível não constatar quanto este ambiente
de trabalho é diferente do escritório de papai. Sim,
eles também o respeitavam, mas ele não dava
abertura para as pessoas se aproximarem; ele
tampouco sabia o nome de todos empregados ou
perguntava por suas famílias, como vi Nana fazer.
Vovó se importa com as pessoas. Ela me disse uma
vez que um dos segredos para o sucesso é ter
pessoas felizes trabalhando contigo e não para ti.
Pessoas felizes produzem mais e produzem melhor.
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Érika foi a primeira a falar.


— Espero que a viagem de vocês tenha sido
agradável.
—Tanto quanto possível — responde Nana.
Nana odiava voar e só o fazia quando realmente
necessário.
Toc-toc!
Viro em direção ao som e vejo um homem
moreno abrindo a porta. Alguém bate na porta. Ele
adentra o recinto, antes mesmo de ser convidado.
Ele caminha em linha reta para Nana e a
cumprimenta com um abraço demorado e
carinhoso. Eu começo a ficar encucada.
— Desta vez foi tempo demais, Catherine —
repreende-a.
Ele se afasta e os olhos verdes de Nana estão
fixos no rosto deste homem, que parece a afetar
profundamente. Olho para o lado, e Érika está com
a cabeça abaixada mexendo no celular, talvez
querendo lhes dar privacidade. Eu, por outro lado,
continuo a encará-los.
— Estou aqui agora — Nana responde baixo a
ele.
— E quanto tempo será desta vez? — ele retruca,
em tom de repreensão.
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Acho que estou perdendo alguma coisa.


— Ca-ham — pigarreio alto.
Isso parece chamar a atenção de ambos, pois
vovó se volta para mim com o rosto ruborizado. Eu
estava com as minhas sobrancelhas franzidas
quando o estranho sorriu para mim.
— Acredito que você deva ser Anna — dirige-se
a mim.
— Sim, e você deveria ser quem mesmo? —
pergunto-lhe, cruzando os braços no peito.
Em vez de responder ele solta uma risada e se
aproxima.
— Seus traços são muito parecidos com o de
Catherine, mas se não fosse isso, seu senso de
humor teria entregado que é sua famosa neta.
Famosa neta?
Seu comentário me faz pensar que ele é íntimo
de Nana e que a conhece bem. Descruzo meus
braços e aceito seus cumprimentos.
— Pierry Aubry — se apresenta ao darmos as
mãos.
Tão próximo, percebo que é mais velho do que
pareceu à primeira vista. Deve estar na casa dos
sessenta ou setenta anos, mas está em ótima forma
física. O terno que usa deixa nítido que ele se
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cuidava. Seus olhos são de um tom acinzentado,


que combinavam com seus cabelos. Sua barba rala
marcava os traços masculinos de seu rosto. Era um
homem muito bonito.
Ao meu lado, Érika larga o telefone.
— Pierry é o responsável pela distribuição de
nossas lojas; por isso o convidei para a reunião.
— Claro — concorda vovó, que ainda não se
recuperou da visita repentina.
Pierry, finalmente, solta minha mão e nos
dirigimos à mesa de reuniões. Eu sento ao lado de
Érika e Pierry ao lado de Nana.
— Anna, quando estiver pronta pode começar —
encoraja Érika com um sorriso, simpático, no rosto.
Meus olhos procuram por vovó, que neste
momento está bloqueando todo sex-appeal ao seu
lado, e se concentrando em mim. Em seus olhos, eu
encontro o que preciso, e me coloco em pé,
pegando os papéis para começar. Por ser a diretora,
vovó marcou o coquetel de lançamento dos
produtos; Érika e Pierry estão seguindo suas
instruções e estão trabalhando nele nos últimos
dias. Mesmo a tendo ao meu lado, eu tenho de
convencê-los a comprar minha ideia. Por isso, me
preparei. Preciso fazê-los acreditar no projeto, não
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por eu ser neta de Nana, mas porque é um bom


investimento para a empresa.
Vou até a ponta da mesa e conecto meu pendrive
ao projetor de imagens, que em segundos está
reproduzindo meu material na parede ao fundo.
Bora lá, garota!
Hora do show!
— Bom, eu havia planejado começar a reunião
me apresentando, mas visto que isso não é mais
necessário podemos ir direto ao assunto — começo
tentando soar descontraída mesmo nervosa. — Pelo
que sei, todos vocês já receberam uma amostra dos
produtos, e um arquivo com os ingredientes,
receitas e meu plano para introduzi-lo no nicho de
mercado que tenho como alvo e que ainda não
atuamos.
Eles concordaram e continuo.
— A Greens & Beans tem um histórico de
receitas pré-prontas. Ela é reconhecida por isso, faz
parte de sua tradição, e acredito que poderemos
incluir muitos outros produtos no futuro como pães
integrais de grãos, massas de pizza e pães de
queijo. Entretanto, na pesquisa que realizei
constatei que existe um mercado gigante que não
estamos explorando, onde não somos ativos — faço
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uma pausa e enfatizo olhando para todos — o


mercado dos produtos prontos para o consumo!
Foco em Érika.
— A primeira preocupação que tive é com a
viabilidade. Antes mesmo de falarmos sobre
processo, aprovação, ou mesmo embalagem e
armazenamento, devemos avaliar se a produção é
algo viável.
Sei que estou tocando em um dos pontos em que
Érika me questionaria, quando ela repuxa o canto
do lábio levemente para cima.
— A matéria-prima tem que estar disponível. O
custo dela tem que estar dentro de nossas
expectativas. A qualidade do produto não pode ser
inconstante.
Passo o display e a imagem de um coco surge na
tela.
— Existem muitas fontes de insumos hoje na
natureza que podem ser enquadradas no que listei
acima, mas escolhi o coco por um único motivo.
Espalmo as minhas mãos na mesa e abro um
sorriso convencido.
— Não querendo me gabar, nem nada disso, mas
eu sou excepcionalmente maravilhosa manipulando
o coco em receitas.
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Pisco para eles.


Eles sorriem e o ambiente fica mais
descontraído, permitindo-me soltar mais.
Passo para o próximo slide.
— Como sabem, eu já pensei em um slogan:
“Prove primeiro, fuxique depois”. Chamativo?
Sim. Apelativo? Também. E o mais importante, ele
instiga a curiosidade nas pessoas. Criei três
produtos, inicialmente, todos eles tendo o coco
como base. E o melhor, o resíduo de uma receita é
ingrediente de outra. Ou seja, todo o produto é
aproveitado, sem desperdícios.
A próxima imagem é uma foto do primeiro
produto, com informações sobre ingredientes,
receita e modo de preparo. Utilizei esta forma de
apresentação para os demais produtos.
— CocoVida: É um leite vegetal que pode ser
usado em receitas, smoothies, mingaus, cafés,
proteínas, ou seja, ele é versátil. Um curinga para
todas as receitas.
Clico para o próximo slide.
— CocoCheekh: Um iogurte natural, sem aquele
gosto amargo, e sem aquela textura dura e sem
graça. Um produto, de fato, cremoso e denso, com
toque de baunilha e mel. E com a crocância das
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sementes de chia e lâminas de coco. Saudável, mas


atrevido ao mesmo tempo.
Passo para o próximo.
— CocoBomb: Uma mousse de chocolate, que
tem como base o nosso leite vegetal, adoçado por
tâmaras, e chocolate 70%, mais encorpado, com
gosto de cacau bem acentuado, mas, ao mesmo
tempo, um toque doce das frutas vermelhas que é
realçado pela flor de sal.
Paro em pé de frente para eles e passo para o
próximo slide.
— Todos estes produtos seriam o início de um
novo ciclo. O layout teria que ser algo chamativo;
imaginei o uso das cores roxa, amarela e branco. Os
potes teriam que ser de materiais biodegradáveis, já
que estamos falando de uma linha ecológica. As
embalagens poderiam conter receitas divertidas e
criativas, utilizando os produtos. Teríamos que
analisar a logística de distribuição, armazenamento,
manutenção e validade. Também, teríamos que ter
uma nova linha de produção e um novo espaço
dentro dos pontos de venda.
Faço uma pausa e bebo um gole de água.
— Tenho consciência de que estou lhes
apresentando algo novo, que exigirá um esforço
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maior e um alto investimento. Como também


acredito que seria a hora perfeita para tentarmos
algo que nunca foi feito antes. Além disso, existem
muitos outros produtos que poderemos desenvolver
com base no mesmo ingrediente principal: farinha
de coco, óleo de coco, manteiga de coco, açúcar de
coco, sorvete de coco, wraps de coco, enfim, a
linha tem enorme potencial.
Estou quase no final da apresentação e coloco
meu coração nas próximas palavras.
— Eu acredito neste projeto. Sinto que é o
caminho certo para a empresa neste momento.
Estou 110% focada e comprometida com seu
sucesso — olho para todos eles — tenho certeza de
que ninguém chega a lugar algum sozinho e, para
isso dar certo, precisa ser um trabalho de equipe.
Quero deixar registrado desde já que eu me sentiria
privilegiada em poder trabalhar ao lado de cada um
de vocês e fazer este projeto ganhar vida.
Quanto termino sinto-me satisfeita com a
apresentação e espero pelos comentários.
Ele parecem impactados.
Pierry é o primeiro a se pronunciar.
— Agora entendo porque esperou tanto por ela
— diz se virando para Nana.
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Vovó assente e se volta para Érika.


— E então, o que você acha Érika?
Érika está pensativa, não parece impressionada
com minhas palavras, quando me pergunta:
— O que pensou para a apresentação dos
produtos no coquetel?
Quando Nana me falou que estava cogitando um
coquetel de lançamento e apresentação dos
produtos, no terraço do prédio da empresa, toda
ideia se formou em minha mente. Por isso,
respondo a ela com facilidade.
— Pelo que me informaram, o terraço abriga
umas duzentas pessoas. Pensei em uma decoração
toda em folhas de palmeiras e verde, muito verde.
Os produtos poderiam ser apresentados das formas
mais dinâmicas possíveis. O leite vegetal,
poderíamos servi-lo em shakes de proteínas ou em
cafés quentes e gelados ou adicionando-o nas
nossas próprias receitas pré-prontas; assim também
estaríamos alavancando os produtos mais antigos.
Poderíamos verificar se algumas marcas de
proteínas e cafés se interessariam em uma parceria
no evento; com isso ganharíamos em divulgação. O
iogurte natural poderíamos oferecer com frutas e
geleias. E para o CocoBomb pensei em uma
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pequena fonte, com taças onde as pessoas poderiam


se servir, como se fossem pegar uma bebida, mas,
em vez disso pegariam uma mousse mais espessa.
Ao lado da fonte, poderíamos dispor adicionais
como chocolates em pedaços saborizados de menta,
laranja, cereja, para enriquecer o produto. Também
poderíamos oferecer a mousse em uma fórmula
congelada, tipo sorvete, com cobertura de chocolate
e lascas de coco ou castanhas para decorar.
Acredito em formas diferentes de apresentação, que
possam mostrar a diversidade de uso dos produtos.
Quero que, além de gostoso, ele seja divertido para
comer. Claro, vocês podem ter ideias melhores do
que estas, já que possuem um conhecimento maior
do que o meu, e muito mais experiência.
Érika me olhava chocada. Devagar, seus olhos
voltaram ao normal e ela abre um sorriso para mim.
— Pelo visto você pensou bastante no assunto.
Eu concordo com a cabeça.
— Vai ser muito bom ter alguém como você na
equipe, Anna — Érika me elogia.
Eu me sinto mais leve e ela continua.
— Podemos e usaremos muitas de suas ideias.
Temos cinco dias até o evento e os convites já
foram enviados. Estamos pensando em algo para
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mais ou menos cento e cinquenta pessoas


influentes. A única coisa que me preocupa é que
teremos que reproduzir suas receitas; para isso, eu
preciso de profissionais experientes. Nosso pessoal
hoje não esta treinado para esta linha de produção e
temos que contratar um pessoal apto para isso.
Eu tenho a solução.
— Conheço duas pessoas que poderiam me
ajudar a cozinhar.
Nana intervém.
— Anna, você não pode ficar na cozinha, preciso
de você ao meu lado.
Verdade, ela já havia me dito isso.
— Mesmo assim, tenho certeza de que eles
podem reproduzir as receitas com exatidão.
Érica me encara.
— Confia neles?
— Totalmente.
Vejo seu semblante relaxar.
— Preciso do contato deles para marcamos uma
reunião o quanto antes.
— Claro — confirmo rapidamente, já dando
pulinhos internos de alegria.
Com tudo alinhado, terminamos a reunião alguns
minutos depois. Quando fico sozinha com Nana,
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ando até a janela e aprecio a vista de cima da


cidade em que vivi grande parte da minha vida.
Escuto Nana afundar na poltrona ao lado da janela.
— Agora podemos falar sobre Pierry? —
pergunto a ela.
Como fui cega ao me esquecer que minha avó é
uma mulher linda. É óbvio que ela teria homens em
sua vida.
— É complicado — responde depois de um
tempo.
— As melhores histórias geralmente são.
Caminho até a poltrona ao seu lado e me espero.
Não quero que ela compartilhe comigo nada que
não queira, mas quero deixar claro que estou aqui
caso ela sinta vontade de desabafar. O que ela faz
depois de alguns segundos.
— Pierry sempre foi um grande amigo de nossa
família e um dos melhores amigos de seu avô.
Quando ele faleceu, Pierry estava ali para juntar os
pedaços.
Isso me levou a perguntar:
— Vocês se envolveram depois que vovô
faleceu?
Ela respira fundo.
— Não logo depois. Pierry morava em Incline
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Village na época, sempre frequentou nossa casa,


jantava conosco, passava os finais de semana com a
gente. Como eu disse, sempre foi um bom amigo.
Ele trabalha na empresa desde o princípio, era o
braço direito de seu avô. Nunca deu a entender que
poderia ter segundas intenções comigo, pelo menos
não até meses atrás.
Continuo a incentivando a continuar.
— Logo que me vi sozinha, ele passou a me
visitar com mais frequência. Ele tirou a dor da
perda e, aos poucos, foi transformando algo ruim,
em lembranças repletas de alegria, amizade e amor.
— Sinto-me culpada agora por não ter estado
aqui neste momento.
Ela faz que não com a cabeça.
— Não seja boba. Eu estava de luto e somente eu
poderia me ajudar naquele estado.
— Mesmo assim, prometa-me que me chamará
sempre que precisar de alguém no futuro?
Ela me da um sorriso terno.
— Prometo, pequena. Posso continuar o resto da
história agora? — questiona.
— Claro.
Ela sorri de volta.
— Uma noite estávamos jantando em minha
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casa. Era uma ocasião como outra qualquer, eu


cozinhava, bebíamos vinho, ríamos de algumas
besteiras. Sempre me senti confortável na presença
de Pierry. Depois do jantar, enquanto eu lavava a
louça ele veio até o meu lado e desligou a água.
Colocou a mão em minha cintura e me beijou. Era
tão bom ser beijada de novo que eu me vi
retribuindo o beijo. Dormimos juntos naquela noite
e durante várias noites nas semanas seguintes, até
que paramos.
Ela não parece feliz ao relatar isso.
— Pararam por quê?
Vovó soltou um ar pesado.
— Depois de perder seu avô, eu me sentia oca
por dentro e acreditei que nunca mais pudesse
desejar outro homem. Até que me envolvi com
Pierry. Certa noite, ele disse que me amava, que
sempre me amou a distância e, por isso, nunca se
casou. Ele se sentia sujo por desejar a mulher de
seu melhor amigo e por não conseguir desejar
outras. — Ela se volta para mim — é importante eu
adicionar que ele foi fiel à amizade com seu avô e
nunca deixou transparecer seu sentimento por mim
— e volta à posição anterior — naquela noite, ele
me confidenciou que não queria mais esperar, que
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queria me amar do jeito certo, queria namorar


comigo, casar comigo, passar o resto da vida
comigo. Eu não soube o que lhe responder.
Vovó baixa a cabeça.
— Foi rápido demais? Ele te assustou?
Ela me deu um sorriso triste e
inquestionavelmente doloroso.
— Não, pequena, Pierry jamais me assustaria. Eu
já sabia que estava envolvida emocionalmente com
ele; só não sabia que estava amando de novo na
época. Foram tantos anos ao lado do seu avô. Como
eu poderia saber o que era amar outra pessoa? —
pergunta como em monólogo consigo mesma. —
Por um tempo senti que estava traindo sua
lembrança e isso me angustiava. Depois, percebi
que era muito mais aflição minha do que qualquer
outra coisa; afinal, seu avô iria querer que eu fosse
feliz, após sua partida.
Eu concordo com ela.
— Sim, ele iria querer isso.
Ela acrescenta.
— Ainda mais se fosse com alguém da total
confiança dele.
— Sim, ainda mais se ele aprovasse o homem
que escolheu. Então, por que não estão mais
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juntos?
— Como eu não respondi naquela noite, ele foi
embora e se mudou para cá e hoje administra suas
funções na empresa daqui. Toda vez que venho
para cá e ele me abraça... — ela busca forças — é
como se eu ainda pudesse sentir tudo como nos dias
que passamos juntos.
Vovó estava ainda era apaixonada por ele.
— Por que não diz isso a ele?
Nana, simplesmente, sorri.
— Não existe lógica no amor, certo, pequena?
Olha você e Noah, por exemplo, tudo que tiveram
que atravessar para, finalmente, estarem juntos.
Só de ouvir o nome dele já abro um sorriso
enorme.
— Nosso tempo há de chegar. Eu sinto que ele
ainda me ama, e eu sei que ele sabe que eu o amo
também. Iremos nos encontrar de novo ali na frente
e poderemos continuar de onde paramos. Este
tempo não é em vão; ele foi necessário para eu
fazer as pazes com meu passado e me abrir para o
futuro. Ele fez que eu compreendesse que sempre
amarei seu avô, que ele foi o grande amor da minha
vida, mas que eu também posso viver outro grande
amor. Meu coração ainda está batendo, afinal.
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Sua voz era serena e sincera


— Claro que sim, vovó.

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VINTE E SETE

SE ALGUÉM ME DISSESSE QUE OS


PRÓXIMOS DIAS seriam difíceis, eu teria
acreditado. Mas, quando Igor conhece Érika, meus
dias vão de difíceis para infernais em questão de
minutos. No mesmo dia da reunião, convidei Igor e
Lilly para o projeto. Já se passaram dois dias,
longos, muito longos, desde então.
Faltava um dia para o coquetel e todos os
preparativos estavam sendo finalizados.
Decoradores, floristas, recepcionistas, garçons, DJ,
Érika mobilizou um time para que a noite fosse

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perfeita. Falando em Érika, seu humor era quase


palpável. Igor a atormentava pelo simples prazer do
ato. Desde o primeiro instante em que colocou os
olhos nela eu já sabia que teria que controlar meu
amigo com rédeas curtas. Os olhos de Igor
grudaram em Érika pior que chiclete em cabelo. Ele
não conseguiu disfarçar a atração deste então;
afinal, ela era exótica, confiante, segura de si, e
ignorava o charme dele, sem o menor esforço,
deixando-o louco e fazendo com que a quisesse
ainda mais. Ela não era uma pessoa que deixasse
transparecer suas emoções; por isso, e pelo fato de
eu não a conhecer há muito tempo, não sabia se ela
compartilhava do interesse de meu amigo.
Mas uma coisa era certa, eles estavam me
deixando maluca! Implicavam com tudo,
exatamente tudo. Brigavam sobre como deveria ser
a apresentação dos produtos, os formatos dos
vidros que iríamos utilizar, o tamanho da fonte.
Eles não precisavam ter motivos para discutir e
batiam boca o tempo todo. Respirar perto do outro
já era motivo de discórdia.
Érika estava soltando fogo pela boca.
Quem eu queria enganar, eu já estava quase
soltando fogo pela boca, parada no meio da
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cozinha, observando um apontar o dedo para o


outro. Em algumas ocasiões tentei interferir, mas só
ganhei rosnados; então estou sentada, assoprando
meu cabelo do rosto, enquanto eles continuam
tentando se matar.
— Ahhhhhhh, você é um babaca. Um babaca
com B maiúsculo. Impossível trabalhar deste jeito.
Anna, por favor, tente colocar um pouco de juízo
dentro da cabeça de vento de seu amigo. Eu preciso
de um ar — Érika afirma, enquanto caminha para a
porta da cozinha.
— Aproveita e procura um pouco de bom senso
também — desdenha Igor, de trás da bancada.
Érika não para, mas ergue o dedo do meio para
ele, mostrando que ouvira suas palavras, antes de
sumir de vista e me deixar sozinha com meu amigo,
que estava vermelho de aflição.
Eu não fazia ideia do por que estavam brigando
desta vez. Me distrai contando carneirinhos há
quinze minutos atrás, aguardando este espetáculo
terminar. Sei do talento de Igor para irritar as
pessoas, e, pior, ele faz isso por puro divertimento,
pois, assim que ela deixou o ambiente, ele soltou
uma risada.
— Ela me adora, sim ela me adora — Igor fala
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para si mesmo, alimentando seu ego, que já é


enorme.
Levanto-me esticando as pernas depois do longo
tempo sentada.
— Ela vai é te matar se continuar com isso —
falo, me aproximando.
Ele me dá um olhar incrédulo.
— Vai nada. Não viu o modo como ela olha para
este corpinho aqui? — questiona, apontando para
si. — Ela me quer, gata. Só está lutando contra seu
desejo por mim.
Revivo os olhos.
Sabe o que é o pior? Eu vi o modo como ambos
olham um para o outro; dá vontade de vomitar.
Dou um tapa nele, trazendo-o de volta para o
trabalho.
— Não te chamei aqui para irritar a Érika e sim
para me ajudar. Poderia tirar seus interesses
pessoais do caminho, pelo menos até depois do
coquetel — digo, com olhar suplicante. — Eu
realmente, preciso, muito, muito, muito mesmo que
tudo saia perfeito aqui.
Vejo seu sorriso diminuir quanto entende o grão
importante esta oportunidade é para mim.
— Desculpe, gata. Sei que estou insistindo
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demais, mas você sabe o quando gosto deste jogo.


Solto o ar pesadamente.
— Eu sei, mas isso aqui não é um jogo para
mim. Estou tendo a chance da minha vida, de fazer
algo único, algo novo, algo completamente a minha
cara dentro do trabalho com que sempre sonhei.
— Eu sei — responde a minha frente.
— Vovó confiou em mim; não posso falhar com
ela.
Ele concorda com a cabeça.
— E não irá — ele busca meus olhos. — Não
deixarei isso acontecer, ok?
Eu assinto.
— Desculpe as brigas com a Érika, mas posso te
garantir que a culpa é mais dela do que minha por
ser tão intransigente.
Olho para ele atravessada.
Se isso é um pedido de desculpa, é o pior de
todos os tempos.
Ele joga a cabeça para trás e solta uma risada.
— Não adianta tentar, você não consegue ficar
braba comigo. Mas, prometo moderar até ter
terminado o serviço aqui.
— O coquetel é amanhã, e eu estou uma pilha de
nervos. Preciso que sua atenção esteja no lugar
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certo. Poderia fazer isso, por mim, por favor?


Ele sorri.
— Prometo, t-e-n-t-a-r não implicar tanto com a
Érika.
Desta vez quem sorri sou eu, e dou outro tapa em
seu braço.
— Não te pediria nada maior do que isso.
Ele pisca para mim.
— Até terminar o evento, depois não posso
prometer — alerta ele.
Como sei que é o melhor que vou conseguir, me
contento, e voltamos a trabalhar.

A mão de Noah percorria o fino e frágil tecido do meu


vestido, e eu me segurei firme em seus ombros, esperando,
ansiando; quando seu polegar áspero encontrou meu mamilo
intumescido, minha visão ficou turva.
Estou em um lugar desconhecido, mas isso não tinha
importância, ainda mais quando Noah me pressionava contra
a porta de madeira com seu corpo duro e inflexível. Ele
murmurou algo em meu ouvido, uma sugestão diabólica e
explícita do que pretendia fazer e como, exatamente, iria
fazê-lo.
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Eu só murmurava baixinho concordando: sim, sim, sim!


Noah levantou meu vestido dourado até a cintura e
deslizou a palma de sua mão pela minha coxa descoberta. A
língua dele estava em minha boca, seu beijo não me dava
tempo de pensar em mais nada. Era tão bom, profundo e
insanamente habilidoso. Eu o beijo com a mesma paixão e
entrega, como se seus lábios fossem a última coisa que eu
provaria antes de morrer. Meus dedos apertavam os fios
sedosos de seu cabelo, e ele rosnava palavras indecentes
contra minha boca, enquanto tomava meu seio com a palma
de uma mão e a outra deslizava para baixo, margeando a
curvatura da minha coxa, me levantando e envolvendo
minha perna em sua cintura. Escutei meu sapato cair no
chão, enquanto ele continuava a devorar meus lábios. Sentia
o calor de sua mão e o toque dos seus dedos, quando ele
me tocava por sob o tecido, entre as pernas abertas.
Eu tremia. Meu corpo entregue a ele estava prestes a ter
um espasmo.
Ele abaixava as alças do meu vestido e beijava meus
ombros e seios desnudos. Eu gemia, quando ele contornou
meu seio com sua mão, antes de abocanhar o mamilo,
saboreando-o e me atiçando até ser impossível eu continuar
parada. Noah se afastou, brevemente, e seus olhos
brilhavam sob a luz íntima do ambiente. Seus lábios
formavam um sorriso perverso antes de um de seus dedos
rasgar minha calcinha e deslizar com destreza para dentro
de mim.
Eu fiquei sem ar.
Ele voltou a me beijar, com uma habilidade bruta e
impiedosa. Suas mãos deixaram meu corpo por um curto

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período e quando ele me ergueu novamente em seus braços


e me imprensou mais forte contra a porta, eu o senti, duro,
pronto, grande, másculo e sem nenhuma barreira, cutucando
minha entrada, úmida.
Com um movimento, ele me deslizou para baixo do seu
quadril, puxando-me enquanto penetrava meu corpo com
uma estocada certeira. Eu gritei, descontrolada, quando ele
começou o movimento de vai e vem. Todos meus
pensamentos se fundiram a Noah e no prazer delicioso que
ele me provocava em cada nova penetração. Eu o sentia por
todo meu corpo, nenhuma parte permanecia intocada ou
negligenciada. Ele me incitava e me tentava, descobria e
desembrulhava, tomando liberdades com o meu corpo. Eu
me segurei firme contra seus ombros, enquanto ele mudava
de posição e me trazia para mais perto dele. Um suspiro
escapou de meus lábios quando ele me penetrou mais
fundo. Eu me contrai e me agitei mais a cada movimento.
Ele continuava a me tocar, provocar, e a me invadir, até que
tudo virou prazer, quando gritamos juntos, de êxtase.

Abro os olhos de repente. Estava escuro; pisco


algumas vezes para me situar. Meu centro latejava,
os meus lábios formigavam.
O que foi isso?
Engulo em seco e me sento na cama. No espelho
à minha frente, eu me via sentada em minha cama
em Nova York, nua, descabelada e excitada. Ainda
bem que Nana não estava aqui e Igor passou a noite
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fora de novo. Ou eles teriam escutado, novamente,


outro de meus momentos de privacidade.
Foi só um sonho.
Delicioso.
Mas, mesmo assim, um sonho.
Noah está conectado a mim. Apesar da distância,
eu conseguia senti-lo. Sua ausência me causava
dor. Meu coração doía de saudades dele. Ainda
faltavam três dias para nos reencontrarmos, três
dias para finalmente ficarmos juntos. Meu corpo
ansiava por sua promessa “Quando você voltar, eu
vou entrar dentro deste seu corpinho delicioso,
Anna. E não sairei de dentro dele por um longo,
longo tempo”.
Pego meu celular; são quase seis da manhã.
Decido enviar uma mensagem para ele.

"Pensando em você sempre,


Sua Anna."

Então, começo a me preparar para o evento, que


será no início da noite.

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VINTE E OITO

NO TERRAÇO DA EMPRESA TUDO


ESTAVA PRONTO. O espaço estava decorado por
um pergolado de madeira em demolição adornado
por folhas de palmeiras verdes que desciam em
cascata em direção ao chão. Havia grandes
folhagens, bistrôs altos, banquetas, sofás e
poltronas espalhados. No centro, uma fonte em
mármore da qual jorrava um líquido espesso
marrom escuro. As ilhas já estavam posicionadas,
cada convidado teria a experiência de personalizar
o produto ao seu gosto, escolhendo entre os

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inúmeros adicionais disponíveis. Uma serviria o


leite vegetal; a outra, o iogurte natural. Entre as
opções tinham-se proteínas, frutas, nuts, granolas e
chips de chocolate. A mousse de chocolate poderia
ser servida diretamente da fonte, ou consumida em
forma de picolés com cobertura de castanha e
chocolate, que iríamos servir ao longo da noite. No
biombo de entrada, o slogan de nossa campanha
estava marcado em meio à decoração: “Prove
primeiro, fuxique depois”.
O ambiente esta iluminado por alguns pontos de
luz; quando caminho até o peitoral do prédio, sou
banhada pela luz da lua cheia. Ergo minha cabeça
para um céu repleto de estrelas que está acima de
mim. Meus olhos estão vagando pela imensidão
escura, quando escuto passos se aproximando.
— Pronta para hoje, gata?
Escuto a voz de Igor e me viro devagar. Ele
estava lindo, de smoking preto, camisa preta e
gravata borboleta. Érika iria ter um treco quando o
visse assim. Torço para estar presente para registrar
o momento. Quando me vê por inteira, seus olhos
se arregalam, e percebo que está impressionado. Sei
que estou bonita. Perdi horas me arrumando para
esta ocasião. Não sei se foi por causa do sonho,
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mas optei por usar um vestido dourado de seda,


frente única, longo. Meu cabelo está preso em um
coque bagunçado e alguns cachos caem soltos pelas
minhas costas. Delineei os olhos com marrom-
claro, pesei a mão no rímel preto e usei uma
quantidade generosa de sombra dourada. Escolhi
um tom rosa claro para os lábios e apliquei brilho
generosamente. Era mais maquiagem do que eu
costumava usar, mas achei que combinava com
uma ocasião como a de hoje.
O efeito geral me fazia sentir sexy, confiante e
elegante. Exatamente o que eu queria.
— Uauuuu — diz, pausadamente.
Sorrio.
— Estou bem? — pergunto dando uma voltinha.
— Acho que terei de mudar de função hoje e
bancar o guarda-costas. Os homens vão cair
matando quando te virem assim — brinca ao se
aproximar.
Ele beija minha cabeça e eu o abraço pela
cintura.
— Deixa de ser bobo.
— Falando sério, você está um arraso, gata.
Noah é um cara de muita sorte.
— Ele é mesmo.
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— Quando é que vou conhecê-lo? — pergunta


erguendo uma sobrancelha.
— Logo. Prometo que será logo.
— Finalmente encontrei vocês; estava
procurando por todos os cantos. — somos
surpreendidos por Érika, que aparece mais linda do
que nunca a nossa frente.
Seu vestido justo vermelho deixa todas suas
curvas em evidência. Seu cabelo preto está solto,
liso, penteado para trás e caindo por suas costas até
a cintura. A maquiagem marcada deixa seus olhos
negros mais escuros e seus lábios chamativos,
pintados de vermelho. Ao meu lado, Igor engole
em seco. E dou uma risada interna. Como
suspeitava, ele terá grandes problemas em disfarçar
sua atração por ela esta noite.
— Bom, estamos aqui — respondo a Érika.
Ela não diz nada de volta, pois sua atenção está
no cara bonito parado ao meu lado. Tenho certeza
de que ela nem escutou minha voz. Eles pareciam
estar precisando de um momento a sós e sentindo
que estou sobrando aqui, começo a dar algumas
passadas para longe e logo estou fora de vista.
Antes, olhei para trás uma última vez e eles ainda
não haviam se mexido.
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Encontro Nana na cozinha. Ela está vestida com


um conjuntinho de terno e saia branca, com Pierry
ao seu lado. Pelo modo como repousa a mão em
suas costas, fica fácil imaginar onde ela estava na
noite passada, quando me ligou avisando que não
iria dormir em casa.
Espero que eles tenham resolvido as coisas.
Olho ao redor e fico mais tranquila quando
confirmo que tudo está pronto. Todos os
profissionais estão em seus postos e prontos para o
trabalho.
Vai dar tudo certo.
Vai dar tudo certo.
Vai dar tudo certo.
Repito esta frase vez após vez, para que não haja
margem de erro.
Sinto alguém enroscando seus dedos aos meus.
— Não que você precise ouvir isso de novo, mas
eu tenho de repetir. Estou muito orgulhosa de você,
pequena.
Sorrio para Nana.
Tenho certeza de que se eu não estivesse tão
nervosa, estaria emocionada. Os convidados
começam a chegar, e eu e Nana nos olhamos uma
última vez, antes de nos juntarmos a eles.
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A festa estava animada. As pessoas riam ao


nosso redor, bebiam seus shakes e provavam a
mousse. Nana e eu participamos de uma sequência,
que parecia interminável, de apresentações e de
conversas sobre os produtos, o mercado e
amenidades. Desconhecia meu talento de puxar
conversa fiada ou de contornar tão bem os assuntos
para os negócios, como eu me vi fazendo hoje.
Novamente, era algo tão natural que estava
desabrochando de mim.
Érika reuniu um grupo interessante de pessoas e
me vi envolvida pelos assuntos. Ao longo da noite,
a dor nos meus pés se tornou insuportável. Minha
sandália de salto doze, maravilhosa, foi sem dúvida
a melhor escolha para compor o look, mas agora
ela estava me matando de dor e minha vontade era
picá-la em pedacinhos. Depois de horas em pé, vejo
uma oportunidade para descansar, peço licença e
caminho até um dos sofás perto do peitoral do
prédio, tirando os saltos ao sentar.
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O alívio é tanto que quase choro de felicidade.


Estava massageando meus pés quando vejo um
par de sapatos sociais pretos surgir em minha
frente. Levanto minha cabeça e me assusto quando
meus olhos encontram os de Ethan. Ele estava
segurando um copo.
Seus olhos me estudavam.
— Ooooo... olá — gaguejo, depois do choque
inicial.
Ethan usava um terno azul-escuro, com uma
camisa branca, aberta nos primeiros botões, e sem
gravata. A armação prata de seus óculos combina
com o look, e seu cabelo escuro estava
despenteado. Pela sua aparência cansada, suponho
que tenha vindo direto do trabalho.
— Não esperava me ver aqui? Acreditei ter sido
convidado no outro dia — pergunta, na defensiva.
Claro que me lembro, só que me esqueci por
completo. Sendo sincera, achei que ele não fosse
aparecer. Mesmo assim, dirijo-lhe um sorriso
educado.
— Claro que sim, fico feliz que tenha vindo.
Ele joga a cabeça para trás e ri. O que é estranho,
pois ele geralmente é mais contido.
— Agradeço a tentativa, mas seus olhos sempre
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foram transparentes demais — responde,


desmascarando-me. Depois bebe um gole de sua
bebida e volta seu rosto para os arranha-céus à
nossa frente. — Tinha que ver com meus próprios
olhos, eu acho.
Ethan dá de ombros.
— Ver o que com seus próprios olhos? —
pergunto sem entender.
Ele faz uma longa pausa.
— Seu sucesso, seu talento, sua capacidade de
conquistar tudo por si mesma. Talvez tudo isso e
mais um monte de coisas em que nunca prestei
atenção e que deixei passar despercebidas ao longo
dos anos que estivemos juntos. — Pausa para outro
gole — isso aqui é realmente delicioso — elogia.
— Ah — respondo sem reação.
— Engraçado como só parei para pensar nisso
tudo quando terminamos.
Sua atitude, seus comentários, eu continuava sem
entender.
Ethan tomba seu rosto ao me analisar
descaradamente.
— Aliás, você está linda neste vestido. Quem
não sabe, jamais diria que está grávida.
— São apenas poucas semanas, ainda não dá
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para perceber.
Depois disso, ficamos em silêncio.
Ethan continua me analisando, e eu evito seu
olhar.
— Anna, o que estamos fazendo?
Olho ao redor.
— Neste momento, estou trabalhando, quanto a
você, não sei bem o que veio fazer aqui —
respondo com a verdade.
Seus lábios se curvam levemente para cima.
— Achei que fosse óbvio — ele levanta o copo.
— Vim pelo café — diz antes de tomar mais um
gole.
Eu não estava para brincadeiras, e, vendo a
minha cara fechada ele entende.
— Anna, você não pode aparecer aqui, me dizer
que esta grávida de um filho meu e esperar que eu
não faça nada — começa sério. — Pensei muito
sobre tudo e, ao meu ver, não deveríamos criar este
filho com você em um lugar e eu em outro.
Aonde ele queria chegar com isso?
— Eu vejo isso tudo como uma nova chance para
fazermos as coisas da forma correta, afinal, o
melhor para este bebê é que eu e você estejamos
juntos.
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Ah!
Então era isso.
Ele leva uma das mãos aos cabelos antes de se
encostar na proteção do prédio, e olhar para mim.
— Pensei muito no que me disse, e estou
disposto a tentar mais uma vez, eu e você, pelo
bebê.
Penso ter ouvido errado.
— Você está disposto?
Eu assente.
— Pelo bebê — me responde Ethan.
Não ouvi errado, mas mesmo assim pergunto,
ainda incrédula:
— Pelo bebê?
— Sim, quero dizer, poderíamos pelo menos
tentar, não acha?
Sacudo a cabeça antes de rir de nervoso. Este
cenário nunca passou pela minha cabeça. Ethan
querendo voltar comigo é algo que nunca cogitei.
— Você está noivo — lembro a ele.
— Eu sei, mas...
Meneio a cabeça.
— Não me venha com um “mas” agora —
interrompo, colocando-me de pé. Descalça a sua
frente, eu ficava vários centímetros mais baixa que
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ele, mas não menos valente — você fez sua escolha


e eu fiz a minha. Este bebê não muda isso. Você é o
pai desta criança e o quero presente na vida dela,
mas coloque na sua cabeça, que aquilo que eu e
você tínhamos como casal não existe mais, acabou.
Já era! Existe eu e existe você. E esta tudo ótimo
assim. Nós estamos bem, eu e o bebê, eu e você, e
preciso que continue assim, ok?
Só não acrescentei que eu precisava disso para a
minha própria sanidade.
Ele não estava feliz quando me respondeu de mal
gosto.
— Ok. Por enquanto vamos tentar do seu jeito.
Eu respiro aliviada.
— Obrigada.
Ethan abriu a boca para falar algo, mas congelou,
quando seus olhos dispararam para algo atrás de
mim.
— Anna!
Escuto meu nome; meu corpo se retrai com o
som da voz que atormenta meu sono. Dois anos é
um tempo longo demais sem ouvir a voz do meu
pai, mas eu poderia reconhecê-la mesmo se
passassem décadas. Com calma, me viro para
encará-lo. Seu cabelo está com alguns fios brancos
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a mais. Fora isso ele não mudou nada desde a


última vez que conversamos. Esta vestindo um
terno cinza claro, fechado em um botão, camisa
branca, gravata azul e sapatos sociais. Assim como
Ethan, ele deve ter vindo direto do trabalho para cá.
A última vez que chequei eram onze horas da noite
e isso foi a minutos atrás. Realmente, alguns
hábitos não mudam, mesmo com o passar dos anos.
— Pai — consigo dizer.
Ele ouve minha voz e me dirige um sorriso
pequeno, tímido, que mal chega aos lábios. Meu pai
encurta a distancia e em poucos passos, está à
minha frente, soltando sua pasta preta no chão.
— Belo evento que você montou aqui — elogia.
Se eu mesma não o tivesse escutado, não teria
acreditado. Meu pai não distribui elogios gratuitos.
— Obrigada, toda a equipe se esforçou muito.
— Modesta como sempre — lembra ele.
Balanço a cabeça.
— Não estava esperando vê-lo por aqui — digo
com sinceridade.
Ele parece magoado, antes de me responder:
— Não estava em meus planos — confirmou
minhas suspeitas. — Ethan passou em minha sala
poucas horas atrás e me falou sobre este evento e
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sobre algumas novidades — seus olhos descem


para minha barriga.
Senti um frio atingir minha espinha. Ainda
estava trabalhando, sem sucesso, na maneira que
contaria a meus pais que seriam avós.
Volto-me a Ethan, que ergue as mãos em sinal de
paz.
— Em minha defesa, eu achei que eles já
soubessem.
Fico chateada. Eu deveria ser a pessoa a dar esta
notícia para ele e mamãe. Pensei em fazer isso
todos os dias desde que cheguei aqui, mas eu me
via perdendo a coragem e arrumando desculpas.
Sou medrosa quando o assunto são meus pais.
Sempre me sinto pisando em ovos perto deles. Em
seus olhos, eu via mágoa. Não é a mesma mágoa de
quando falei que pararia de trabalhar, nem a mesma
mágoa de quando falei que iria me mudar. É
diferente e mais profunda do que as farpas que
trocamos anos atrás.
Eu abaixo a cabeça, envergonhada.
— Realmente não tenho desculpas para isso. Se
ajudar, quero que saiba que eu queria muito contar
para você e mamãe; eu só não sabia como —
confesso encarando meus pés.
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Sinto seu braço tocar meu ombro e ergo meus


olhos para ele.
— Eu não estou te culpando. Não vim aqui hoje
para te culpar de nada. Eu entendo por que não o
fez.
Enrugo meus olhos. Como assim, entende?
Abro a boca para perguntar, mas ele se antecipa.
— Quantos dias ficará na cidade?
Perdida, respondo:
— Hoje e mais duas noites.
Ele concorda.
— Gostaria de jantar comigo e com sua mãe
amanhã à noite?
Sua pergunta foi, totalmente, inesperada. E,
mesmo assim, me pego respondendo sem precisar
pensar.
— Eu adoraria.
Ele sorri, desta vez com um sorriso genuíno.
— Ethan, você também está convidado — diz
por sobre meu ombro.
— Pode contar comigo, senhor — responde
Ethan, atrás de mim.
Nos olhos de meu pai vejo alegria. Algo que não
via há muito tempo.
— Pequena — a voz de Nana me atinge.
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Antes de virar, seco a pequena lágrima que


escorreu pelo meu rosto. Nana observa meus olhos
úmidos, a mão de meu pai em meu ombro, e Ethan
parado a uma curta distância. Posso ver que está
pronta para entrar em uma briga por mim, se
necessário.
— Está tudo bem? — pergunta se aproximando,
cautelosa.
— Tudo ótimo, vovó — digo a ela.
Meu pai e vovó se entreolham.
— Catherine — ele a cumprimenta com a
cabeça.
— Daniel — ela cumprimenta de volta.
Meu pai dá um leve aperto no ombro antes de me
soltar.
— Às sete está bom para você?
— Sim, estarei lá — respondo a ele.
Meu pai e Ethan trocam olhares.
— Ethan, você me acompanha?
Mesmo parecendo não querer, Ethan concorda.
Percebo sua indecisão em como agir para se
despedir de mim; por fim, decide por me dar um
leve aceno com a cabeça antes de seguir meu pai.
Ainda estou tentando processar tudo, quando
Nana chega mais perto.
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— O que foi isso?


— Bem que eu gostaria de saber — digo com
sinceridade.
Não querendo estragar meu momento, decido
analisar a situação amanhã. A nossa frente o
coquetel já acabou. Todos os convidados,
finalmente, foram para outro lugar. Hoje foi um dia
importante; mais que importante. Se tudo der certo,
e confio que vai dar, hoje foi o primeiro degrau no
caminho do meu sucesso.
Quando meus olhos passam pela porta do
banheiro, posso quase jurar de ter visto o vestido
vermelho longo de Érika e o cabelo loiro de Igor,
entrando no pequeno espaço, antes de a porta se
fechar.
É, ele prometeu se controlar até o evento
terminar.
E, sejamos justos, o evento já terminou.
Ele cumpriu sua promessa.
Só espero que ambos saibam onde estão se
metendo.
— Que noite, vovó. Que noite.

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VINTE E NOVE

AO PASSAR PELA PORTA GIRATÓRIA E


CUMPRIMENTAR o porteiro, um filme passa em
minha cabeça. Quantas vezes andei por este enorme
saguão buscando a aprovação dos meus pais. Das
apresentações de balé às aulas de etiqueta até a
formatura em Harvard. Quantas vezes voltei para
casa e tudo que recebi foi um aceno de cabeça,
seguido das palavras: “não esperava menos de ti”.
“Não esperavam menos de mim”
Por que esta frase não sai de minha cabeça e até
hoje me importuna tanto?

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E, ao mesmo tempo, lembro a mágoa nos olhos


do meu pai ontem à noite e do sorriso sincero que
me deu quando aceitei seu convite. Chega a ser
angustiante a discordância entre estas duas pessoas.
De um lado, o homem enérgico que me criou com
rédeas curtas e, de outro, o homem carismático que
me convidou para jantar. Sinto uma leve tensão em
minha mão quando aperto o botão do elevador e um
embrulho se forma em meu estômago. Sempre me
senti deslocada neste lugar. Nunca fui boa o
suficiente para eles ou, pelo menos, nunca acreditei
que fosse. E aqui estava eu.
Sem contar a noite de ontem, fazia dois anos que
não via meus pais. Dois anos desde a última vez
que trocamos palavras e eu informei que estava
saindo de casa e indo morar com Lilly. Eles
simplesmente não se importaram o suficiente para
tentar me impedir. “A vida é sua. Desperdice como
quiser” foram as últimas palavras que ouvi de meu
pai. Elas foram curtas, mas rasgaram uma parte de
mim que pertencia e me prendia à minha família.
Não nos comunicamos depois disso. Palavras foram
ditas, e feridas foram abertas. Não sabem de nada
de minha vida, ou do quanto precisei deles nos
primeiros dias. Do quanto ansiei por um abraço,
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mesmo que fosse com indiferença. Chego ao


trigésimo quinto andar mais rápido do que estou
preparada. As portas do elevador se abrem, e
poucos passos depois estou em frente à porta do
apartamento.
Toco a campainha e em pouco tempo sou
atendida por Maria, a empregada da família.
— Srta. Anna, bem-vinda de volta —
cumprimenta, carinhosa como sempre.
Entro e sou informada de que meus pais já estão
me aguardando na sala de estar. Com dificuldade,
consigo mover um pé em frente ao outro, sentindo
o suor escorrer pelas minhas costas, a medida que
avanço pela penthouse. Na sala, os vejo sentados
tranquilamente com Igor a sua frente; descontraídos
com algum assunto, trocando palavras e sorrisos,
enquanto meu pai folheia o jornal e minha mãe
bebe seu chá, entre uma palavra e outra. Parece que
entrei no apartamento errado. A cena em minha
frente não tem nada em comum com a imagem
gelada que tenho dos encontros sociais que já
compartilhamos.
Ao meu lado, Maria pigarreia, então, três pares
de olhos me observam atentamente.
Chegou o momento.
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— Sr. e Sra. Jones, a Srta. Anna — avisa Maria,


para logo após deixar o ambiente.
Papai se levanta, largando o jornal na mesa de
centro. Ethan também se coloca de pé. Mamãe
descruza as pernas, repousa o seu chá na mesa de
centro e também fica em pé, ajeitando seu vestido
bege. Ela está ainda mais linda do que eu me
lembrava. Seu cabelo, branco como a neve, está
solto e ela está usando uma maquiagem leve, que
valoriza os olhos verdes, iguais aos meus.
Conforme avanço, nervosa pela atenção
direcionada a mim, um sorriso vai se formando em
seu rosto.
Ela parecia genuinamente feliz por me ver.
Paro próximo a Ethan e, sem saber como agir,
acabo dando um oi a distância.
— Ãhn, olá — cumprimento a todos.
Ethan ri ao aproximar e me dá um beijo no rosto
antes de voltar a se sentar.
Alguém decidiu como me cumprimentar, afinal.
Após dos cumprimentos, voltamos a sentar.
Daqui consigo ver a porta do meu antigo quarto, no
segundo andar. Da vida que deixei para trás e que
jamais poderia ter de volta, não que eu quisesse, de
qualquer modo; eu não me encaixava neste mundo,
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não fui feita para ele.


As palavras de minha mãe me trazem se volta à
sala.
— Você está linda, Anna.
Arrumei-me mais que o normal e até escovei
meus cabelos, optando por deixá-los soltos. Estou
usando um vestido ¾ cor marsala justo, com uma
fivela na cintura e sandálias de salto baixo. De certa
forma, mesmo agora, eu buscava a aprovação deles.
— Obrigada — respondo a ela.
Ela sorri para mim.
— Ficamos sabendo da novidade por Ethan —
mamãe afirma, conduzindo a conversa.
Começamos a noite indo direto ao assunto, pelo
jeito.
— É, eu estou grávida.
— E Ethan é o pai, certo? — continua minha
mãe.
Olho para Ethan, sentando tranquilamente ao
meu lado, e ele responde por mim.
— Sim.
— Já sabem o sexo do bebê? — pergunta meu
pai, se envolvendo na conversa, inclinando-se mais
para frente.
Ethan, novamente, toma a palavra.
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— É grande a chance de que seja um menino;


Anna está na décima quinta semana.
Mesmo atordoado, percebi que Ethan tinha
gravado as informações que compartilhei com ele
no outro dia.
Meu pai e minha mãe trocam um olhar antes de
se voltarem para mim.
— E vocês estão... hum... vão criar o filho
juntos? — pergunta minha mãe escolhendo as
palavras.
Eu e Ethan respondemos quase ao mesmo tempo.
— Sim — diz Ethan.
— Não — respondo, logo atrás.
Sinto o olhar de Ethan em mim, me
interrogando.
— Não? — ele me questiona.
Olho para meus pais.
— Não, nós não estamos juntos, e sim, vamos
criar esta criança em conjunto. Ainda estamos
discutindo os detalhes, mas já conversamos sobre
isso e chegamos a um consenso — afirmo, olhando
diretamente para ele.
Ele demora, mas, por fim, concorda comigo.
— Sim, nós vamos encontrar um jeito.
Suas palavras tem um duplo sentido, mas prefiro
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não dar importância a isso.


Felizmente minha mãe faz uma nova
intervenção.
— E como você tem estado?
Sua pergunta faz renascer um sentimento
adormecido dentro de mim, de revolta, de raiva, de
dor.
— Como eu tenho estado? — retruco com
indignação. — Você quer saber como eu tenho
estado nos últimos dias, nas últimas semanas, ou,
quem sabe, talvez, esteja interessada nos últimos
dois anos?
As palavras a atingem, e seu corpo fica rígido.
Ela não esperava escutar isso de mim, da filha
educada, que sempre obedeceu.
Só que esta filha não existia mais.
Meu pai balança a cabeça e diz:
— Elizabeth, merecemos isso.
Fico mais revoltada ainda.
— Acho que merecem muito mais. No dia em
que saí deste apartamento, algo se quebrou dentro
de mim. Família é algo sagrado que devemos
valorizar acima de tudo, e cada um de nós é
especial de forma única, mesmo que não
concordemos uns com os outros sempre. Família
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escuta, família apoia, família ama, família perdoa e


família não te vira as costas.
Digo tudo a eles, pois esta é minha oportunidade
de tirar tudo que tenho guardado há tanto tempo
dentro do peito. Este sentimento que carrego
comigo e que deixei que me consumisse por um
período da minha vida.
Continuo.
— Vocês não fizeram isso — pausa — e agora
esperam que eu venha aqui, como se nada tivesse
acontecido e os coloque a par da minha vida? —
pergunto, irônica.
Deixo minha máscara cair. Não quero e não
preciso esconder minha mágoa. Meu pai é o
primeiro a quebrar o silêncio.
— Não, não esperamos isso. Mas, apesar de
todos os nossos erros, sabemos a filha que temos e
criamos, conhecemos seu coração e contamos com
sua bondade para que, um dia, possa nos perdoar e
nos dar uma nova chance — diz com sinceridade.
— Minha filha, não somos mais as pessoas que
éramos dois anos atrás.
Minha mãe repousa a mão na perna de meu pai e
ele entrelaça seus dedos aos dela. Um gesto de
carinho que presenciei em raríssimas ocasiões.
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Ela se vira para mim e diz:


— Estamos fazendo terapia há algum tempo e
aos poucos conseguimos compreender o que a
afastou de nós e o que nos afastou de você.
Estamos trabalhando nisso. Não temos orgulho de
não a termos procurado antes, mas estávamos
prestes a fazer isso, quando recebemos a notícia de
Ethan.
Por isso, as pequenas mudanças. Os olhares mais
suaves, os gestos carinhosos. Meu pai indo me
procurar, este convite para estar aqui hoje. Em
vinte e quatro horas já percebo as pequenas
transformações no comportamento deles.
Isso me amolece.
Respiro fundo algumas vezes.
Quando me volto a eles, o sorriso em seus rostos
me toca e me faz acreditar que eu posso conversar
com eles e que desta vez eles irão me escutar.
— Vocês têm alguma noção do quanto precisei
de vocês? Do quanto a sua rejeição me causou
pesadelos que me faziam acordar suada e gritando
noite após noite? Ou do quanto eu me sentia
oprimida, cobrada e julgada dentro destas paredes?
Perdida dentro da minha própria pele — faço uma
pausa, buscando forças para continuar. — Quando,
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finalmente, a vida fez sentido para mim, e eu


busquei em meus pais, as pessoas que mais me
amam no mundo, a compreensão que lhes dei a
vida inteira, não fui atendida. Muito pelo contrário,
fui pesada e considerada inadequada para esta
família.
Os olhos de minha mãe se enchem de lágrimas.
— Anna, por favor, não direcione esta mágoa à
sua mãe; ela quis te procurar, mas meu orgulho a
impediu. Eu sou o culpado por tudo isso —
justifica meu pai.
Sinto um ódio tomar conta de mim e uno minhas
mãos, as unhas quase cortando a carne, de tanto
esforço que faço para me manter calma.
— Seu orgulho a impediu? Ah, que alívio em
ouvir isso — ironizo. — Agora você é dono dela
para permitir ou não algo? Ela é minha mãe,
deveria ter me procurado, deveria ter estendido a
mão para mim. Eu precisava dela — grito,
apontando um dedo instável em sua direção.
Mesmo através dos meus olhos úmidos, vejo
minha mãe sofrendo pela minha mágoa.
Bom, eu também me sentiria envergonhada no
lugar dela.
— Anna, o que podemos fazer para consertar
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isso? — pergunta meu pai.


Eu não tenho esta resposta.
— Eu, não.... não sei — respondo com a
garganta embargada, as palavras saindo com
dificuldade.
Minha mãe se levanta do sofá e senta-se ao meu
lado. Ela levanta sua mão e hesita por um breve
momento antes de repousá-la na minha. Com o
contato, as lágrimas que eu estava segurando
transbordam, caindo pelo meu rosto. Senti tanta
falta do seu toque, senti tanta saudade deles, que
não posso permitir que a raiva do meu passado leve
o melhor, mesmo agora.
À minha frente, minha mãe me diz.
— Filha, por favor, nos dê uma nova chance —
me pede com olhos suplicantes, e eu me sinto
estremecida pela dor que vejo neles. — Sei que não
vamos conseguir apagar os erros que cometemos,
mas nos dê a oportunidade de remendar o que for
possível remendar e de estar ao seu lado a partir de
hoje.
Ela faz uma pausa.
— Seu pai voltou para casa orgulhoso do seu
trabalho ontem, e eu gostaria de poder presenciar
isso também. Ver seu novo trabalho, estar ao seu
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lado, apoiando-a em suas decisões. Ainda mais


agora com um bebê a caminho. Eu posso e quero te
ajudar. Quero estar presente na vida do meu neto.
Sou tocada por suas palavras, principalmente por
ter escutado que meu pai estava orgulhoso de mim.
Por isso, eu o encaro.
— Você está orgulhoso de mim? — pergunto
ainda descrente.
Seu peito se estufa, e um leve sorriso se forma
em seu rosto.
— Muito orgulhoso. Sempre soube do seu
potencial. Você era a pessoa mais dedicada ao
escritório, doava-se 100%. Focada como ninguém.
Acho que por isso não acreditei quando me disse
que sairia ou que não estava feliz. Como alguém
que era tão boa naquilo poderia não ser feliz? —
ele balança a cabeça. — Eu não entendia. Lutei
contra, sei disso. Mas lutei acreditando que estava
fazendo o melhor por ti. Precisa acreditar em mim,
quando digo isso, minha filha — afirma, olhando
bem dentro dos meus olhos.
Em meu interior nunca tive dúvidas disso.
Como já falei, ele era exigente, mas nunca cruel.
Ele faz uma pausa.
— Não consegui ver além do que queria ver.
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Acreditei estar fazendo a coisa certa ao trabalhar


para deixar um império para você, assim como o
meu pai deixou para mim. Só que, diferentemente
de mim, você não ambicionava este império.
Acabei criando e colocando minhas expectativas
em cima da minha filha. Hoje, sei que eram minhas
expectativas e meus sonhos. E que você tem direito
aos seus sonhos.
Penso em responder, mas ele ainda não terminou.
Por isso, aguardo seu tempo.
Ele olha para suas mãos antes de continuar.
— Não quero justificar nada com isso, mas quero
que saiba que meu pai era ausente comigo. Rígido,
fechado, frio. Acreditava estar me dando o melhor,
enquanto trabalhava sem parar para pagar meus
estudos, nossa comida e o conforto de nosso lar. Os
melhores tutores, a melhor escola, a melhor
universidade. Ele nunca foi presente e, quando era,
tratava minha mãe e a mim com descuido e
desprezo — ele solta uma risada baixa e olha para
mim. — Engraçado como o ciclo se repete.
Eu estreito os meus lábios em um sorriso torto,
concordando em silêncio.
— Ontem cheguei com Ethan ao coquetel e te
observei a distância por um tempo. Vi seu sorriso
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conversando com as pessoas, o brilho de felicidade


que emanava de ti cada vez que falava e a cada
elogio que recebia. Provei seus produtos e os
elogios eram sinceros — enfatiza com orgulho. —
Descobri que minha filha tem muitos talentos,
muito mais do que eu tenho, ou sua mãe. E, vendo
sua felicidade, senti uma pontada de ciúmes por
não estar fazendo parte dela. Apesar de me sentir
orgulhoso por ter uma filha tão forte e
independente, quero que ela converse comigo,
troque ideias comigo, divida comigo seus projetos.
Quero fazer parte da sua vida e do seu sucesso.
Entendi que você não precisa de mim na sua vida
profissional. Mas espero que precise na pessoal,
como eu e sua mãe precisamos de você na nossa.
Novas lágrimas rolam pelo meu rosto. Meu pai
está me dizendo tudo que eu quis ouvir dois anos
atrás. Minha mãe seca uma lágrima e acaricia
minha bochecha, antes de falar com a voz
embargada.
— Sabemos por que não nos procurou para nos
contar sobre a gravidez. Você tinha seus motivos.
Tudo que pedimos é que nos deixe fazer parte de
sua vida novamente.
Quando termina, sinto os olhares de todos em
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mim. Meu pai e minha mãe estão confiantes, e


Ethan está observando tudo atentamente. Mais que
todos, ele sabe o quanto fazer as pazes com meus
pais sempre foi um dos meus desejos mais
profundos. Eles estão me pedindo a mesma coisa
que eu pedi a eles. Que me permitam ser quem eu
quero ser e que me aceitem por isso. Meus pais não
mudarão quem eles são, mas estão mudando suas
atitudes em relação a mim, para que possamos
tentar ser uma família novamente. E, se eles estão
dispostos a trabalhar nisso, eu também posso me
esforçar.
Limpo a garganta.
— Acredito que não faria mal a ninguém a gente
tentar — digo.
— Não, não faria, minha filha — acrescenta
minha mãe acariciando meu rosto.
Começo a me sentir mais à vontade à medida que
o tempo passa, e continuamos a conversar. Meu pai
me atualiza sobre o escritório, discute alguns casos
com Ethan, e até pede minha opinião em algumas
questões. E, apesar de estarmos falando sobre
trabalho, não sinto que isso seja o foco. O foco está
em ele escutar de fato o que estou falando. O jantar
fica pronto e vamos para a sala de jantar. Durante a
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refeição, conto a eles que me mudei para Incline


Village e do cargo que assumi na Greens & Beans.
Falo das mudanças que desejo implantar na
empresa e do mercado que almejamos conquistar.
Meu pai acredita no plano que elaborei e que é
muito provável que eu tenha sucesso.
Já a minha mudança não é um assunto tão fácil.
Eles se preocupam em como criarei meu filho
sozinha.
Ethan entra na conversa.
— Esta também é minha maior preocupação.
Olho torto para ele, pois isso já foi resolvido.
Logo, trato de acalmar meus pais.
— Não estarei sozinha; prometo a vocês que não
há nada com que se preocupar.
Conto da casa que comprei e os convido para me
visitar; eles prometem que irão em um futuro
próximo No final da noite, estou em pé ao lado da
porta, pronta para me despedir deles. Meu pai e
minha mãe estão abraçados e Ethan está ao meu
lado.
— Obrigada por hoje; foi uma noite muito
especial e importante para mim — agradeço pelo
convite.
— Nós que agradecemos, filha — diz meu pai.
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Ele me puxa para o abraço. O perfume de jasmim


de mamãe me traz lembranças da infância.
Despedimo-nos em seguida, e Ethan se oferece
para me acompanhar até o táxi. Dentro do elevador,
ele se apoia na parede e olha para o teto, pensativo,
antes de baixar o rosto para mim.
— Acho que tomei a decisão errada alguns
meses atrás.
— Qual decisão? — pergunto a ele, procurando
meu celular dentro da bolsa para enviar uma
mensagem a Noah.
Ele tira as mãos dos bolsos.
— Ao terminar. Ao questionar o que tínhamos.
Ao me deixar levar pela ocasião — fala
rapidamente. — Anna, tenho estado miserável
desde que me deixou. Minha vida está uma
bagunça e nada mais faz sentido. Pensei que aquilo
que sentia por Cinthia fosse amor, mas hoje vejo
que não era. Pensei que o que eu sentia por você
tivesse morrido, mas não morreu.
Ele vem até mim, e eu continuo parada, olhando
para ele.
Ele abaixa sua cabeça.
— Eu ainda te amo. Eu quero ter você de volta
em minha vida. Com este bebê a caminho, não há
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momento mais perfeito para estarmos juntos.


Se eu tivesse escutado tudo isso semanas atrás,
eu seria a mulher mais feliz do mundo e eu teria
voltado correndo para seus braços. Mas, tendo
sentido o que eu tenho sentido por Noah e com
Noah, não existe mais volta. Coloco a mão no peito
de Ethan e sinto sua respiração pesada ao afastá-lo
de mim.
Meu toque o deixa nervoso.
— Ethan, desculpe, mas não podemos — digo
olhando em seus olhos.
Ele franze a testa.
— Por que não? Pela Cinthia? Eu termino com
ela ainda hoje.
Nego com a cabeça.
— Não, não é pela Cinthia. É por mim; eu não
sinto mais o que sentia por você.
Vejo mágoa em seus olhos, mas o que ele
queria? Que eu o esperasse para sempre? Nem
estaríamos tendo esta conversa se o destino não
tivesse mexido seus pauzinhos e bagunçado a nossa
vida.
Relutante, ele se afasta um pouco.
— Existe outra pessoa? — pergunta receoso.
Penso em mentir para ele, mas logo desisto e
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pressinto que ele conhecerá Noah muito em breve.


— Sim, existe outra pessoa — respondo com
sinceridade.
Ele se afasta mais e volta para seu lado do
elevador.
— Ele sabe do bebê? pergunta, com os olhos
estreitos.
Quase rio por ele achar que eu estaria com
alguém ocultando este fato.
— Sim — respondo, brevemente.
O elevador chega ao térreo.
Saio logo evitando continuar esta conversa.
Ethan caminha ao meu lado até a frente do prédio e
aguarda enquanto chamo um táxi na rua. Assim que
um para ele toma a iniciativa e abre a porta do carro
para mim.
Antes de eu entrar, ele me segura pelo braço,
fazendo-me encará-lo.
— Gostaria de te acompanhar na próxima
consulta ao médico. Isso é, se estiver tudo bem por
você.
Eu lhe dou um sorriso tranquilo.
— Claro, será em algumas semanas. Envio uma
mensagem com dia e a hora. Agora tenho que ir;
até mais Ethan — digo a ele.
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Puxo meu braço e entro no táxi.


Ethan fecha a porta, e o veículo se coloca em
movimento.

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TRINTA

NO DIA SEGUINTE ACORDAMOS CEDO E


APROVEITAMOS PARA fazer algumas compras
para o bebê. Roupinhas, sapatinhos, roupa de cama,
mamadeira, carinho. Vovó empilha várias coisas no
carrinho de compras. Perco a noção das horas
quando entramos na terceira loja. Nunca a vi tão
consumista e sempre que tento interferir, falando
que é demais, ela rebate dizendo que é necessário;
quando tento interferir de novo, ela lembra que é
seu primeiro neto. E não tenho argumentos quanto
a isso. Por isso, deixo que continue me arrastando

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de loja em loja e comprando tudo que deseja. Mal


sinto meus pés, quando chegamos de noite ao
apartamento. Sempre odiei shoppings, e depois
desse dia minha opinião sobre eles não mudou.
Anotação mental: Nunca mais ir às compras com
vovó.
Tipo nunca!
Na manhã seguinte estou sentada no escritório
com Nana, aguardando Pierry e Érika, para
analisarmos os resultados do evento. Eles pediram
um dia para levantar os dados, como eu e Nana
iriamos retornar no dia seguinte para Incline
Village, marcamos a reunião para hoje.
Estou me servindo um café quando eles entram
pela porta de vidro. Cumprimentamo-nos e, após
uma conversa curta, seguimos para a mesa de
reunião. Assopro meu café entre um gole e outro,
tentando controlar minha ansiedade.
Érika começa indicando com a mão uma pilha de
papéis que entrega para vovó.
— Todos os relatórios que me solicitou estão aí.
Presença no evento, nível de aceitação, satisfação
com o produto, interesse de compra — diz,
empilhando os papéis.
Nana acompanhava com a cabeça, analisando os
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relatórios com atenção. Impaciente, eu me estico


toda, tentando olhar o que estava escrito nas folhas
de papel.
— Foi positivo? — pergunto vendo gráficos e
mais gráficos à minha frente.
Vovó levanta os olhos dos papéis.
— Gostaria de ver por você mesma? — me
questiona.
Eu confirmo.
— Sim.
Ela vira os papéis em minha direção. Vejo
números e planilhas, mas não os compreendo. Por
isso, enrugo a testa.
— O nível de aceitação foi maior do que o
calculado. Até agora recebemos pedidos para os
próximos seis meses. Precisamos montar uma
equipe para administrar esta nova linda de produtos
e gerenciar a produção — vovó me esclarece.
Recosto-me na cadeira.
— Uau — digo, absorvendo a informação.
Escuto risadas à minha volta.
— Nosso público estava esperando ansioso por
isso — afirma Pierry.
Olho para ele.
— Por quê?
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Vovó troca olhares com todos exceto comigo, e


percebo que compartilham um segredo que
desconheço. Pierry, Érika e Nana assentem em
comum acordo, então vovó, olha em minha direção.
— Nunca compartilhei isso com ninguém fora os
profissionais desta sala, mas nos últimos tempos
estava passando por um bloqueio criativo. Fazia
alguns anos que não lançávamos nenhum produto
novo no mercado, e a empresa estava sofrendo pela
minha incapacidade de criação — diz com pesar
em sua voz. — Perder seu avô deixou muitas
feridas, mas a maior de todas é que perdi a vontade
de continuar a empresa; afinal ela sempre foi um
sonho nosso e não somente meu. E, de repente, eu
me vi sozinha para administrar tudo isso.
Sabendo o quanto ama a empresa, jamais
imaginei que um dia ouviria isso dela.
— Esta empresa já está consolidada no mercado;
as pessoas nos procuram, pois sabem da qualidade
dos produtos que oferecemos. E os clientes, fiéis,
cobram novidades, esperam novos lançamentos. E
quando vi que não conseguia... — ela faz uma
pausa — eu tentei contratar novos profissionais
para o cargo, mas a busca foi frustrante e não
resultou em nada. Eu não vi paixão em nenhum
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deles. Eles não amavam a culinária como eu amo,


como nós amamos — diz com um sorriso nos
olhos. —– Por isso não contratei ninguém, não
lançamos novos produtos e acabamos estagnados
no mercado. Quando estava cogitando vender a
empresa, recebi sua ligação.
Os olhos de vovó ganham vida ao se lembrar
disso.
— Você se lembra? — pergunta olhando para
mim.
— Como se fosse ontem.
— Aquela ligação mudou minha perspectiva,
pequena.
— Aquela ligação mudou minha vida, vovó.
Ficamos olhando uma para a outra por um
momento.

— Isso são horas de ligar, pequena! — Diz vovó do outro


lado da linha.
— Vovó, preciso de sua ajuda?
Já era tarde mais eu não sabia para quem mais recorrer.
— O que aconteceu? — sua voz soou preocupada.
Eu respirava com força, mas o ar parecia não ficar nos
meus pulmões.
— Acabo de descobrir que minha vida é uma mentira.
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— Por quê diz isso?


— Estou infeliz. Não gosto da pessoal que me tornei e não
gosto das escolhas que optei. Esta vida... estas roupas...
esta profissão... não é meu sonho; estou vivendo o sonho de
outra pessoa. Colocando minha energia no lugar errado —
faço uma pausa. — Vovó, eu não consigo respirar.
Sinto as lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto,
mas engulo o choro.
— Pequena, do que você precisa?
— Me ajude a respirar, vovó! Me ajude a respirar!

Nana me acalmou com suas palavras e ficou


comigo no telefone até eu parar de chorar. Contei a
ela que havia decidido largar meu emprego e que
voltaria para a faculdade, desta vez para cursar algo
que eu amasse. Ela disse que pagaria o curso antes
mesmo de eu dizer-lhe qual seria. Lembro de tudo
isso como se fosse ontem. A história ainda mais
vívida em minha mente, por eu a ter contato a Noah
algumas semanas atrás.
— Depois de nossa conversa, decidi continuar,
pois você me deu a motivação de que eu precisava
e a esperança de que, um dia, está empresa voltaria
a ser administrada em família.
Posso sentir o carinho que ela coloca em todas as
palavras.
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— Você trabalhou muito, formou-se, ficou


independente. Você se transformou de menina em
mulher. E, para minha grande sorte, um dia recebi a
ligação de seu amigo, me pedindo para resgatá-la, e
eu, como não sou boba, aproveitei a oportunidade.
Nana pisca para mim, o que faz Érika que está ao
meu lado, abafar um riso na manga de seu blazer.
— Sempre provei suas receitas, mesmo quando
era pequena e assava cookies no forno da minha
cozinha. Você sempre teve esta paixão, este fogo
dentro de você; esta criatividade que me deixa
embasbacada até hoje. Esta facilidade com que
mistura e combina ingredientes que nunca
presenciei em mais ninguém. Nem eu mesma tinha
tanta aptidão para esta carreira — diz com
sinceridade. — Quando decidiu se firmar ao meu
lado e vi o seu empenho criando este projeto, eu já
sabia que seria um grande sucesso, pois como eu
sempre digo....
— Todo esforço é recompensado — completo a
frase por ela.
Nana abre um sorriso.
— Depois de muitos anos a Greens & Beans
estava finalmente lançando não um, mas três
produtos originais — relata com alegria. — Os
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comerciantes enlouqueceram como mostram os


gráficos — diz alcançando-me os papéis.
Eu fico em choque ao constatar que participei de
algo tão impactante para a empresa, mesmo sem
saber. Nossa equipe havia feito um excelente
trabalho.
— O crédito não é só meu. Todos os envolvidos
se esforçaram para este resultado.
— Claro que sim. Nenhum resultado se atinge
sozinho. E sinto mais orgulho ainda por você saber
disso sem eu precisar lhe ensinar. Entretanto, a
mente criativa por trás de tudo isso é você. O
conceito é seu. A ideia é sua. Os produtos foram
criados por suas mãos. Por isso, quero que aceite
este reconhecimento.
Ainda não estou acreditando quando digo a eles.
— Não sei o que dizer.
Levanto os olhos dos papéis para ela.
— Não precisa dizer nada. Não estou te pedindo
para administrar a empresa comigo. Pelo menos
ainda não — diz com um toque de brincadeira, mas
com um fundo de verdade.
Arregalo meus olhos. Só a breve menção de
administrar uma empresa deste tamanho me faz
tremer na base. Nana joga a cabeça para trás e ri
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alto voltando-se para Érika e Pierry.


— Falei que ela ainda não estava preparada —
confessa aos dois.
— Vejo que estava certa — concorda Érika.
Pierry continua a rir e vovó me tranquiliza.
— Isso é uma conversa para daqui a alguns anos,
por hora, quero que veja por si mesma o quanto
você é especial não só para mim, como para esta
empresa e para toda nossa equipe. Todos estão
empolgados em trabalhar contigo e escrever o
próximo capítulo em nossa história.
Quero fazer parte disso tanto quanto ela.
— Você fez tudo isso ser possível — lembro a
ela.
— Não, pequena — discorda, pegando minhas
mãos. — Nós fizemos isso possível.
Érika prometeu emoldurar os gráficos em um
quadro para eu pendurar em minha sala em Incline
Village. Assim, sempre que eu precisar de
inspiração, ela estará na altura de meus olhos.
— Daqui a alguns meses poderemos introduzir
novos produtos na linha, como farinha de coco,
óleo de coco, manteiga de coco, visto que teremos a
matéria-prima em abundância. Acha que pode
trabalhar nisso como seu próximo projeto? —
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pergunta Érika.
— Com certeza — concordo empolgada.
No final do dia, voltamos ao apartamento para
nossa última noite na cidade. Pensei que Igor
passaria a noite conosco, mas, assim que chegamos,
vejo que ele está pronto para sair. Colocou seu
melhor perfume e caprichou no look. Calça jeans
cintura baixa, sapato esportivo e camisa preta
aberta em alguns botões, que deixava à mostra um
pouco do seu peito liso.
— Vai sair? — pergunto largando as chaves no
balcão e me aproximando.
— Sim. Coisa de última hora — diz do banheiro,
com casualidade.
Ele estava prendendo seu cabelo em uma
borrachinha baixa, coisa que só fazia quando se
preparava para caçar. Havia alguma coisa sobre
homens com cabelo mais comprido que deixava as
mulheres loucas e Igor sabia disso, tanto que jamais
cogitava cortar sua madeixas.
Casualidade porcaria nenhuma.
— Aham, sei. E, por acaso, esta coisa de última
hora tem longos cabelos pretos e corpo escultural?
— pergunto cruzando meus braços e erguendo as
sobrancelhas.
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— Ãhn...
Ele tenta encontrar algo para me convencer do
contrário, mas sabe que não pode me enrolar e por
isso não responde. Vendo-o ele sem jeito,
aproveito-me para me vingar do episódio da
banheira; caminho em sua direção, bancando a
sentimental.
— Pensei que ficaríamos por aqui hoje,
assistiríamos um filme ruim e daríamos risada
fáceis, afinal é meu último dia na cidade. Faz tanto
tempo que não passamos um tempo juntos que
pensei que fosse o que você queria também — faço
beiço para intensificar meu drama.
Internamente estou me segurando para não rir.
Igor parece em cima da balança. De um lado seu
sentido protetor e do outro seu desejo. Um brigando
com o outro. Por fim, ele para de arrumar o cabelo
e volta-se para mim.
— Podemos fazer isso também, sei que não
tenho estado muito presente nos últimos dias.
Igor abaixa os olhos e busca seu telefone no
bolso da calça. Quando começa a digitar, não
consigo mais me segurar e solto uma gargalhada.
Ele me observa apavorado, sem entender nada.
Deve estar culpando os hormônios novamente.
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Eu estava começando a concordar com ele neste


ponto.
— Estou brincando, seu bobo. Claro que pode
sair. — eu o incentivo dando um tapinha em seu
ombro.
— Sua danadinha — responde se divertindo.
Conversamos mais um pouco e depois ele vai
embora. Pego uma água e me afundo no sofá.
Pouco depois vovó surge na sala. Ela trocou de
roupa e está toda arrumada para sair também. Não
tenho mais energia para fazer outra cena.
— Tá bom, tá bom, pode ir — digo me adiando e
fazendo sinal de desdém.
Sorrindo, ela me manda um beijo antes de abrir a
porta.
Ligo a TV e procuro um romance no netflix.
Quando vejo o cartaz de Diário de uma paixão,
aperto o play.
— Pelo visto hoje, seremos eu, o pacotinho e o
Noah.
Acho bem propício.
Hoje vou me contentar com o Noah da ficção, e
amanhã terei o Noah da vida real.
T-o-d-i-n-h-o para mim!

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TRINTA E UM

NOSSO VOO PARA INCHILE VILLAGE


ATRASA, E POR ISSO, quando pousamos já
estamos no meio da tarde. Um motorista nos leva
até a casa de Nana e nos ajuda a descarregar todas
as caixas que compramos. Vou ter que fazer
malabarismos para que tudo caiba no quarto do
bebê. Minha vontade, assim que chego, é de correr
imediatamente até Noah, mas ele me proibiu de
chegar antes das sete; prometendo que valeria a
pena pela surpresa que estava preparando para
mim. Não me importaria nem um pouco, se a

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surpresa fosse Noah recém-saído do banho, só com


uma toalha enrolada em seu quadril. Sinto meus
dedos formigarem só de imaginar a cena.
Abro a porta da casa de Nana, e Fúria vem
correndo feito louca em minha direção. Pego-a em
meus braços e ela me lambe o rosto
ininterruptamente.
— Também estava com saudades — digo à
minha pequena bola de pelos.
Subo as escadas e acomodo as compras da
melhor maneira possível. Ainda faltavam duas
horas até eu ver Noah e, impaciente, começo a me
arrumar, pois hoje estou determinada a deixá-lo
sem fôlego. Tomo um banho relaxante de banheira
com alguns sais e florais; depilo minhas pernas e
outras partes, faço uma esfoliação na pele e hidrato
meus cabelos. Duas horas depois, estou pronta
diante do espelho. Escolhi um vestido de tiras finas
de seda verde-claro curto, que deixa minhas pernas
a mostra; ele é decotado nas costas. As sandálias de
salto médio douradas que completam o visual,
deixam minhas pernas mais torneadas. Ondulei
levemente meus cabelos e agora eles batem na
metade de minhas costas. Fiz uma maquiagem
simples, somente um pouco de gloss, blush e
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máscara.
O sol está baixando quando me aproximo da
minha casa. De longe, já conseguia ver as
mudanças. Do lado de fora, as paredes de madeiras
e os revestimentos em pedras pareciam brilhar,
graças ao verniz fresco. O telhado, estava limpo e
uniforme, sem nenhum buraco ou telha faltando, à
vista. A vegetação baixa ao redor e os pinheiros
criavam uma espécie harmonia perfeita; era como
se a construção fosse um adendo perfeito ao local, a
natureza ali presente e não algo construído. A casa
parecia pertencer a este local.
Devagar, abro a porta da frente, para logo em
seguida ficar sem palavras. Noah ligou a lareira e
ondas de luz dourada clareiam todas as paredes da
sala em tons de verde-musgo. Minha mobília
chegou, e o sofá claro e as poltronas marrons
ficaram perfeitas. Um tapete e uma mesa baixa de
centro dão uma sensação maior de aconchego. Noto
o aparador e o espelho de parede pendurado ao lado
da porta, a mesa de jantar e as cadeiras de mogno
escuro, com um pequeno lustre rústico. Vou para a
cozinha, parando no meio do caminho para conferir
o escritório pela porta aberta. Este espaço ainda
está vazio, mas as longas prateleiras para livros já
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foram instaladas. Na cozinha, fico ainda mais


apaixonada. Todas as paredes, de um marrom-
claro, estão com prateleiras e móveis rústicos,
mármore claro e ferros de sustentação. No centro,
uma ilha com fogão e utensílios aéreos. Sempre
desejei ter uma cozinha exatamente como esta. Na
verdade, esta aqui é ainda mais melhor do que a dos
meus sonhos. Atravesso a porta dos fundos parando
poucos passos depois. O deck inteiro está
iluminado com pequenas lâmpadas aéreas. Parada
aqui e olhando para cima, tenho a sensação de estar
em meio a um enxame de vaga-lumes em uma noite
escura.
Noah pensou em tudo, em cada detalhe. Este
homem tão maravilhoso, tão gentil e altruísta, está
parado no gramado observando o pôr do sol de
costas para mim. Ele está usando uma camisa
branca com as mangas enroladas até o cotovelo,
suas típicas calças jeans justas e botas marrons.
Caminho, lentamente, em sua direção, nervosa,
ansiosa, apaixonada, e feliz, admirando todas as
partes do homem que tem meu coração. Quando
estou a poucos passos, ele se vira para mim.
Eu fico descompensada com o homem à minha
frente. A luz do pôr do sol deixa seus cabelos
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castanhos, iluminados com luzes douradas naturais;


sua pele morena ainda mais realçada pela luz do
final da tarde. Seus olhos dourados parecem
cintilar. Seus lábios sensuais formam um sorriso
que me faz ter vontade de tirar todas as suas roupas,
naquele instante. Neste momento, em que ficamos
ambos olhando um para o outro, parece que tudo ao
nosso redor desaparece. Bloqueio o barulho do
vento atingindo o topo das árvores, dos pássaros
que voam próximo ao lago ou da movimentação da
água na margem. Tudo que consigo escutar é o som
do meu coração batendo acelerado em meu peito.
Ele se aproxima lentamente de mim, um passo de
cada vez. Seus olhos percorrem o comprimento do
meu corpo numa leitura preguiçosa, e um sorriso
diminuto assombra seus lábios antes de seu olhar
encontrar o meu. Ele dá as últimas três passadas e
me alcança, enlaçando-me pela cintura com tanta
força que me arrebata do chão e a velocidade do
encontro o fez girar um semicírculo. Mergulhei o
rosto na pele quente e perfumada do seu pescoço,
respirando-a, absorvendo-a. Com delicadeza, ele
me coloca de volta no chão. Leva uma mão ao meu
rosto e com o outro braço me envolve a cintura.
O olhar dele era amoroso e possessivo como se
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estivesse se contendo.
— Ei — cumprimenta encostando sua testa na
minha.
— Ei, você — respondo, sorrindo, sentindo sua
respiração.
Sua mão fazia carinho no meu rosto; os calos dos
seus dedos resvalavam contra a suavidade de minha
bochecha. Seus lábios cheios se entreabrem, e
aqueles olhos dourados percorrem minhas feições
como se estivessem gravando este momento.
Ninguém nunca olhou para mim do modo que
Noah olhava neste instante.
Ele umedece seus lábios e eu umedeço os meus,
e juntos, em uma sincronia perfeita, nos tocamos,
não podendo esperar um só segundo a mais. Nossos
lábios se encontram e Noah aprofunda o beijo, me
pegando pela nuca e pela cintura e me prendendo
contra seu corpo forte. Meus braços vão para seu
cabelo, e eu o toco nos braços, na cintura, em todos
os lugares que eu consigo alcançar. Não importa o
quanto eu o toque, não é suficiente. Noah segura
meu rosto em concha, me dá um beijo no nariz, no
queixo, nas pálpebras, e me diz:
— Não faz ideia do quanto senti sua falta.
— Se for uma parte do que eu senti de você,
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tenho pena da dor que te causei.


Seus lábios se curvam e em seguida roçam meu
pescoço quando murmura contra minha pele.
— Tenho tantos planos para você hoje, minha
linda — diz plantando beijos molhados em meu
pescoço. — Mas, primeiro, tenho uma pergunta
para te fazer.
— Sim — respondo entregue a ele.
— Sei que não estamos no Colorado, não é
inverno, nem está nevando ou tocando John
Forgety, mas eu gostaria de saber se você me daria
a honra desta dança, milady?
Noah me dá um sorriso completo ao se afastar e
se curvar, convidando-me. Eu logo a aceito e ele
me puxa para seus braços como se eu não pesasse
nada; então começamos uma dança fluída, sem
pressa, no meio do meu jardim, com o sol e a lua
como testemunhas.
— Você está usando minha cor favorita hoje —
sussurra ao meu ouvido.
Solto uma risadinha.
— Eu sei, escolhi este vestido pensando em ti.
Os olhos de Noah se estreitam, quando ele para a
dança e respira fundo.
— Anna, eu...
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Interrompo seus lábios com um dedo. Sei o que


Noah quer me falar e me perguntar, mas não quero
conversar sobre isso agora. Na verdade, não quero
conversar sobre nada agora.
— Noah... — começo lhe dizendo — temos todo
tempo do mundo para eu te falar sobre as duas
últimas semanas. Entretanto, neste instante, tudo
que eu quero é você. Eu não só quero você, como
estou loucamente apaixonada por você. E, se você
não me levar para aquele quarto ali em cima logo,
para eu lhe mostrar o quando senti sua falta, vou
entrar em combustão.
O sorriso mais lindo e travesso se forma em seus
lábios, e sei que o ganhei quando ele me estende
sua mão convidativa.
— Anna, gostaria de ver como ficou seu quarto?
— pergunta com olhos felinos.
— Até que enfim.
Caminhamos rapidamente em direção ao quarto,
trocando sorrisos, toques e olhares durante todo o
caminho. Quando passamos pelo batente da porta
vejo, os móveis que escolhi dias atrás; confirmo
que ficaram ainda mais lindos em minha casa. A
cama de casal no centro do quatro era enorme,
estilo colonial, com dois criados-mudos e dois
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abajures nas laterais. Uma colcha bege e almofadas


verdes a cobriam. À esquerda, um guarda-roupa e
uma porta que leva para o banheiro da suíte. À
direita, uma janela, que agora banhava o quarto
com a luz alaranjada do final de tarde.
Com os olhos brilhando volto-me a Noah.
Parados de frente um para o outro não me sinto
nervosa. Levo minha mão ao seu peito e fecho os
olhos para sentir seu coração. Pego sua mão e
coloco em meu peito para que ele possa sentir o
meu também. Quando volto a abrir os olhos e
nossos olhares se encontram, ele me abraça e com
um movimento fluído me levanta. Minhas pernas se
enrolam em sua cintura, e ele se vira, me apoiando
na parede do quarto. Uma de suas mãos envolve
meu cabelo, inclinando minha cabeça; então sua
boca encontra a minha. O gosto de Noah era tão
bom que quase gozei ali.
Ele se pressiona com mais força contra mim, sua
ereção esticando a calça e encontrando meu clitóris
com facilidade. Gemi quando ele se esfregou para
cima e para baixo. O fino tecido da minha calcinha
fio dental preta permitiu que a fricção de nossos
corpos provocasse fagulhas em meu corpo.
Noah murmura em minha boca.
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— Sente o que faz comigo? O que sempre fez


comigo?
Ele emite um som baixo e rouco, mordiscando
meu lábio inferior. Este som mexe com algo em
meu íntimo e me sentindo corajosa; interrompo
nosso beijo.
— Eu... quero sentir você — peço em meio à
respiração acelerada, buscando ar a cada arfada.
Sinto seus braços hesitantes quando ele me
coloca no chão. Durante dias ele me atormentou. E
durante dias, penso em como retribuir a ele. De pé
à sua frente, vejo seus olhos ardendo de desejo. Sua
respiração fica mais rápida ainda, quando meus
dedos alcançam o primeiro botão de sua camisa
branca e eu o abro devagar. Com calma e sob o
olhar atento de Noah, vou abrindo os demais
botões, até o último. Com a camisa totalmente
aberta consigo contemplar a beleza de sua pele
bronzeada. O abdômen marcado e a trilha de pelos
de sua linha V, que levam para onde mais anseio
tocar. Mordo meu lábio inferior diante desta visão.
Noah grunhe baixinho, chamando minha
atenção.
— Anna, estou por um fio aqui — adverte ele.
Mais motivada ainda, tiro devagar sua camisa
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pelos ombros, raspando minha mão por sua pele


lisa. Sem a camisa, suas tatuagens estão à vista e
finalmente posso tocá-las. Primeiro levo meus
dedos à tatuagem de seu peito, as asas negras
abertas, uma do lado esquerdo e outra do lado
direito. Ela é ainda mais impressionante de perto e
vejo todos os detalhes das penas e contornos.
Maravilhada, levo meus lábios e planto beijos
molhados em sua pele, acompanhando cada traço.
Em seguida, beijo o anjo tatuado em seu braço e
cada uma das pétalas brancas.
Noah se abala sobre meu toque, o que me
estimula a continuar, e sussurro contra sua pele.
— Uma hora vou querer saber a história por trás
delas.
Em seguida, beijo sua clavícula, seu pescoço e
vou descendo pelo seu peito, mordiscando cada
músculo que se contrai, aqui e ali e cada vez mais
para baixo, e mais para baixo, até ficar de joelhos a
sua frente. Olhando para cima, vejo que Noah está
com os braços tensionados ao lado do corpo e com
as mãos cerradas, lutando para se segurar e me
deixar ter este breve controle. Sei que logo ele irá
tomá-lo de mim, e mal consigo me conter de
antecipação.
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Seu jeans está estourando de tão apertado, e,


enfeitiçada, deslizo minhas mãos até cobrir o
volume com meus dedos. Quando meus dedos se
apertam ao seu redor, ele grunhe mais alto e, com
um movimento rápido, ergue-me em seus braços
novamente e me leva para a cama. Colocando-me
suavemente no centro, fala com a voz rouca.
— Acredito com todas as forças que você está
querendo me torturar hoje.
Amei o quanto soou carente, como se esperasse
por este momento desde sempre. E eu senti como
seu eu estivesse esperando por ele uma eternidade.
— Mas eu quero te dar prazer — suplico-lhe.
Ele paira sobre mim.
— Acredite, linda, ainda nem entrei em você e
nunca tive tanto prazer em toda minha vida. Mal
posso esperar para ver você toda — Noah enterra o
nariz no meu cabelo e mordisca minha orelha. —
Mal posso esperar para provar você.
Prendo a respiração enquanto ele beija meu
pescoço, plantando uma trilha de beijos molhados
em minha pele exposta até o decote do meu
vestido. Ele leva a mão ao meu decote e com um
pequeno movimento baixa as alças do vestido
expondo meus seios redondos e sensíveis. Ele se
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afasta brevemente para olhar meu corpo e


concentrando-se em meus seios, inclina-se
lambendo da linha do topo do peito até o decote.
Começo a estremecer, e minha pele se arrepia.
Meus mamilos estão duros, implorando pela sua
boca. Usando o polegar ele aperta o mamilo
esquerdo, com força, enquanto leva os lábios ao
direito. Seus olhos me observam constantemente, e,
quando percebe minha resposta aos seus toques, ele
os intensifica, repetindo a ação no outro seio. Meus
olhos se fecham.
Fico perdida quando ele continua sua exploração
mais para baixo.
E então mais para baixo.
Meu vestido está todo enrolado em minha
cintura, e, erguendo meus quadris, ele o remove
pelas minhas pernas. Quando Noah me vê só de
calcinha preta, ele se ajoelha no chão do quarto e
me puxa para beirada da cama. Após plantar um
beijo gentil em minha calcinha, começa a deslizá-la
pelas minhas pernas, plantando beijos à medida que
o tecido escorrega pela minha pele. Ele se coloca
entre minhas pernas e, com as mãos, pede para me
abrir para ele. Ardendo de desejo, eu obedeço e
quando estou completamente exposta, ele se inclina
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e leva seus lábios carnudos ao meu centro, girando


com a língua enquanto aplica a quantidade perfeita
de pressão. Era tão malditamente pecaminoso que
entrelaço minhas mãos em seus cabelos e coloco
mais pressão ainda, completamente entregue.
— Noah! — murmuro, agarrando as cobertas da
cama em desespero. — Ai, meu Deus!
Ele suga e lambe, e suga e lambe novamente, que
já estou quase no limite quando adiciona um dedo,
e depois outro. Eu os sinto entrando em meu corpo
e saindo, e entrando de novo, me abrindo para ele.
É tão deleitoso e intenso que começo a tremer e a
tencionar. Meu corpo se contorcendo, se
contraindo, sentindo a antecipação em todos os
lugares, cada vez mais e mais. Minhas costas
arqueiam para fora da cama, involuntariamente,
sem que consiga me controlar. Noah usa sua mão
para me segura enquanto empurra sua língua para
dentro de mim.
É tudo demais.
E ao mesmo tempo não é suficiente.
Eu não consigo mais controlar.
Atinjo o clímax gemendo seu nome entre meus
lábios.
Ainda estava ofegante quando Noah vem para
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cima de mim e planta um beijo em meus lábios. Ele


acaricia meu rosto, quando nossas línguas se tocam,
e com um beijo casto se afasta. De pé à minha
frente, Noah leva suas mãos à calça jeans. Apoio
meus cotovelos no colchão para observá-lo por
completo e mordo meu lábio inferior em frenesi.
Com determinação naquele lindo rosto, abaixa suas
calças e vejo o tecido cair ao chão, aos seus pés.
Finalmente, tive a resposta sobre Noah e sua
roupa íntima.
E não, ele não usava roupa de baixo.
A visão da perfeição de seu corpo nu fez meu
corpo saciado voltar à vida. Ele não era meu
primeiro, mas pelo modo como me observava eu
tinha certeza de que ele seria o meu último. Noah
era um homem lindo, mas sem roupa percebi o
quanto lindo ele era. Seu corpo era marcado por
músculos em todas partes. Mais para baixo, seu
pênis era o pacote completo. Ridiculamente grosso
e rígido, já se erguia por completo, chegando ao seu
umbigo.
Senhor, tenha piedade de mim.
Ou melhor, obrigada, obrigada, obrigada.
Umedeço meus lábios e afasto minhas coxas
quando ele se aproxima, engatinhando sobre mim.
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Entrelaçando nossas mãos em cima de minha


cabeça, ele se acomoda sobre mim. Então beija
meus lábios e em seguida, levanta a cabeça para
olhar em meus olhos. Nosso olhar estava travado
um no outro quando o sinto em minha entrada. Me
testando e espalhando minha umidade por seu
comprimento. Lentamente, ele empurra para dentro
de mim, e eu consigo ver sua pupila dilatar mais e
mais.
— Porra! — murmura Noah.
Ele continuou empurrando para dentro de mim,
eu estava molhada, encharcada até, tão pronta
quando poderia estar. Ele estava me alargando ao
máximo, a sensação beirava entre a dor e o prazer.
Entrou e saiu algumas vezes, sendo cuidadoso e me
relaxando o suficiente para eu aceita seu tamanho
sem me machucar. Depois de me penetrar até o
último centímetro, ele parou e me olhou
maravilhado. Sua pele estava úmida do esforço que
fazia ao se conter, esperando meu corpo o aceitar.
— Você vai ter que se acostumar comigo —
sussurrou em meu ouvido.
Eu anuí, como se estivesse em transe. Ele
sussurrou palavras pedindo para eu relaxar, que ele
cuidaria de mim. Quando meu corpo se entregou,
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ele começou a se mover para dentro e para fora


com mais ritmo e mais intensidade. Os impulsos
antes gentis se tornaram fortes. O ritmo lento se
transformou em frenético. A única coisa que não
mudou foi o modo como Noah me olhava, como se
fosse capaz de ver dentro de minha alma. Ele
prestava atenção em cada respiração minha, em
cada batida do meu coração, procurando o ângulo
certo, o movimento perfeito. Quando encontrou, eu
gritei, entregue.
— Você gosta assim, minha linda?
— Sim! Sim! — eu gritava consumida de desejo.
Ele me deu um sorriso convencido, enquanto
continuava a arremeter. Eu passei os braços ao
redor do pescoço dele, arquejando, e deixei escapar
um ronronar de prazer, enquanto ele ia cada vez
mais fundo. Eu conseguia sentir cada centímetro
dele dentro de mim. Meus quadris iam de encontro
ao seu peso. Noah era sólido, pesado e me
empalava com estocadas disciplinadas. Seus
avanços rápidos me levaram a um estágio de
plenitude. Puxei seus cabelos quando me inclinei
para mais perto, e a nova posição o fez ir ainda
mais fundo, roçando meu ponto G a cada investida.
Quando eu gemi, ele me beijou, parecendo precisar
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engolir meu gozo.


Não aguentando mais, sussurrei entre os dentes.
— Eu vou....
— Eu vou...
— Noah... — Gritei seu nome ao me contrair ao
redor dele e atingir o clímax pela segunda vez,
ainda mais forte que a primeira.
Noah acelerou ainda mais, chupando e mordendo
meu pescoço, fazendo com que meu orgasmo se
perdurasse por mais tempo. Ele veio para cima de
mim me puxando para junto dele. Meus músculos
pulsavam e meus olhos semicerrados o encarravam.
Noah intensificou ainda mais o ritmo, entrou mais
uma vez, e outra mais, se enterrando o mais
profundamente possível dentro de mim, soltando
um gemido quando gozou.
Seu peito subia e descia enquanto ele tentava se
acalmar, com seu corpo ainda dentro do meu. Ele
se apoiou em seus cotovelos e seus olhos se
fixaram em mim. Sua testa suada, sua boca
inchada, seus cabelos despenteados. Ele estava uma
bagunça, e eu nunca o achei mais sexy do que
agora. Seu beijo era cheio de ternura, ao separar
meus lábios; me demonstrando com sua doce boca
o quando me amava. Este turbilhão de sentimentos
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dentro de mim traz lágrimas aos meus olhos, que


transbordam e escorrem pelo meu rosto a medida
que ele continua a me beijar profundamente.
Sentindo a umidade, seus lábios secam minhas
lágrimas com sua língua.
Meu coração explode por meus lábios, quando
digo em voz alta o que não consigo conter mais só
para mim.
— Eu amo você.
Sinto o sorriso que se forma em seus lábios,
contra minha pele, quando ele escuta estas três
palavras e seus lábios seguem descendo por meu
rosto até parar em meus lábios, e beija-os
lentamente.
No meio de minhas pernas, eu o sinto ganhar
vida novamente, rígido, dentro do meu corpo e
imediatamente eu o quero de novo. Meu corpo se
contrai em antecipação. Noah geme, agarrando meu
quadril com ardor. Começa a se movimentar de
repente, com longas investidas, para frente e para
trás. Consigo sentir todo seu cumprimento
conforme ele me toma sem presa, mas com força.
Suas mãos percorrem o meu corpo, beliscam meus
seios e descem até o local pulsante no meio de
minhas pernas, fazendo movimentos circulares e
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aplicando a pressão exata para me levar à loucura


novamente. Nossas respirações se tornam
irregulares, e minha necessidade por ele se torna
voraz.
Eu o quero tanto que chega a ser irracional.
Encostando a testa na minha, range os dentes,
impulsionando mais rápido e mais fundo. Sinto a
sensação de plenitude de como dois corpos unidos
devem ser. Uma conexão invisível, que eu não
conseguia explicar, mas que eu conseguia sentir em
cada poro do meu corpo. Gemidos escapam
involuntariamente de meus lábios e uma pressão
insuportável se forma em minhas costas. Eu me
entrego fechando os olhos, meu corpo em êxtase.
Sinto o corpo de Noah se render junto ao meu, e
com um grito, gozamos juntos.
Noah, ainda ofegante, nos gira colocando-se de
costas no colchão, acomodando-me no centro das
asas negras de seu peito largo e me acalmo junto ao
som de seu coração. Suas mãos em minhas costas e
em meus cabelos bagunçados. Ele ainda estava
dentro de mim, eu podia sentir seu calor escorregar
entre minhas coxas. Mas, nenhum de nós estava
pronto para perder esta conexão.
Noah ergue meu queixo com carinho.
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— Eu sempre amei você, só você, minha doce


Anna.
Em seus braços, saciada e feliz, me entrego à
exaustão.

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TRINTA E DOIS

SENTI A CLARIDADE E AOS POUCOS


ABRI MEUS OLHOS. Descubro que deixamos a
cortina aberta na noite anterior; o sol nascente
começa a romper no horizonte, banhando o quarto
com raios de luzes quentes. Ao tentar me mexer,
sinto dois braços fortes me prendendo na cintura e
noto que ainda estou deixada no peito sólido de
Noah. Seu rosto estava sereno como se ele estivesse
tendo um sonho bom. Com cuidado, apoio meu
queixo em seu peito e admiro sua existência.
Ontem à noite falei que o amava pela primeira

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vez. Foi mágico, carregado de emoção, com nós


dois unidos, nos perdendo um no outro, respirando
o ar um do outro. Foi como ser atingida por todos
os sentimentos de uma única vez. Nunca
experimentei algo tão indescritível ou tão poderoso.
Achei que este tipo de coisa era fantasia. Mas, aqui
estou eu, vivendo meu próprio conto de fadas.
Repentinamente, uma certeza me atinge.
Era ele.
Ele era meu parceiro.
Quase rio, quando penso que ele meio que me
pediu em casamento uma vez.

— A gente deveria se casar quando crescer — Noah me


disse de onde estava, sentado em cima de uma pedra
grande.
— Por quê? — pergunto sentada ao seu lado observando
os passarinhos tocando o lago.
— Porque eu não gosto das outras meninas, elas são
chatas e você não é.
Eu devia ter uns oito anos e Noah dez.
— Eu também acho chato os meninos da minha escola.
— Eles também não querem jogar bola com você e ficam
dando gritinhos a toda hora? — pergunta, dividindo comigo
sua frustração.
Nego com a cabeça.
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— Não, meus colegas ficam puxando meu cabelo e


colando chiclete em minha cadeira. São uns bobões. Por isso
gosto de você. Você me irrita, mas até que é legal.
Ele concorda.
— Bem coisa de criança — resmunga para mim.
Olho para ele.
— Oh cabeça de batata, não sei se notou, mas nós somos
crianças — observo.
— Não, eu já sou um adolescente — afirma estufando o
peito.
Ergo meus braços para lhe dar um tapa no braço.
— Ei, garota! — berra para mim, desviando do golpe. —
Poderia muito bem ter acertado meu olho.
Eu rio alto.
— Acredito que os olhos ficam mais para cima, Sherlock
Holmes.
Devagar a cara emburrada dá lugar a um sorriso.
— E tem isso também. Não consigo ficar brabo contigo
por muito tempo.
— Discordo quanto a isso. Metade do tempo eu gosto de
ti e metade do tempo te odeio.
— Odeia nada. Somos amigos. Amigos não se odeiam.
Fico pensativa.
— É, até que eu gosto de ser sua amiga.
Ele se coloca em pé.
— É o que estou tentando te dizer; por isso, devemos nos
casar.
E me vejo concordando com ele.
— É, acho importante a gente ser amigo da pessoa com
que escolhermos casar.

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— Então, está decidido — Noah diz se aproximando.


Eu fico de pé e me volto para ele.
— Temos que firmar um acordo — aviso a ele.
Cuspo na minha mão, e Noah cospe na dele. E, assim,
selamos o compromisso.
— Eca, isso é nojento — reprime Noah, com uma careta
— não sei por que me obriga a fazer isso toda vez. Eca, eca,
eca!
— Um acordo deve ser selado com cuspe — respondo
limpando a mão na calça.
Ele também limpa as dele na sua roupa.
— Ok, mas continua sendo nojento. Vamos ter que
conversar sobre isso quando a gente casar.

Estou sorrindo deitada em seu peito quente,


pensando em casamento.
Opa!
Um passo de cada vez, garota.
Com o mínimo de movimento possível, consigo
sair de seu enlaço e cambaleio até o banheiro.
Depois de ter terminado ali, escovo os dentes e
prendo meus cabelos em uma trança lateral. Ao
voltar para o quarto, Noah esta acordando. Ainda
em meia fase, ele se estica e se senta na beira do
colchão, leva suas mãos aos cabelos e rosto; o
lençol escorrega por seu tórax, cobrindo
parcialmente sua nudez.
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Ele era realmente uma obra de arte.


Suspirando caminho até a beira da cama.
Quando abre os olhos, ele dirige um sorriso
devastador para mim. Pela cintura me traz de
encontro a si e apoia sua cabeça em minha barriga.
O envolvo em um abraço. Ele passa os braços em
minha cintura, plantando um beijo em minha
barriga exposta, e seus olhos buscam os meus.
— Sempre soube que com você seria diferente
— confessa.
Emoldurando seu rosto com minhas mãos, levo
meus lábios aos dele e lhe dou um beijo doce.
— Não sei como, mas também sabia que com
você seria diferente. Não é minha primeira vez,
mas sinto como se fosse.
— É nossa primeira vez, Anna. Tudo com você
parece certo; esperei minha vida inteira para ter
você em meus braços, para sentir sua pele com
minhas mãos. Para te beijar e te amar. E agora que
eu senti você, que eu provei seu gosto...
Eu sinto o mesmo.
— Ontem à noite, foi simplesmente...
Não consigo terminar a frase.
— Jamais vou deixá-la ir. Sabe disso, não é?
Você é minha.
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Nunca concordei com algo com tanta certeza.


— Sim, e você é meu.
A intensidade de seu olhar faz um calor subir
pelo meu pescoço e se espalhar em minhas
bochechas. Ele me ergue pela bunda e me deita
suavemente na cama, deitando-se gentilmente em
cima de mim. Quando se acomoda, posso senti-lo
duro em minhas coxas. Seus olhos estão brilhando
dourados de excitação, o que me faz querê-lo
dentro de mim neste instante. Afasto minhas pernas
ao seu redor e o envolvo pela cintura, puxando-o
em minha direção e o convidando a me tomar de
novo, e de novo, mas ele se apoia nos cotovelos,
sustentando seu peso nos braços e me beija,
mordendo meu lábio inferior e lambendo o
superior. Fico derretida com seus beijos, sentindo
seu corpo contrair sob mim.
Estava virando uma devassa.
Tenho certeza de que nunca vou me cansar disso,
nunca vou me saciar dele.
— Nunca foi assim, sabia — diz mordiscando
minha pele, beijando a curva do meu seio, deixando
um rastro úmido e cálido, o que me faz soltar
pequenos gemidos. — Nunca quis tanto algo.
Nunca tive esta necessidade física de alguém. Tudo
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que mais quero neste instante é afastar suas pernas,


me enterrar bem fundo em você, e fazer amor
contigo de novo, e depois de novo, de forma lenta,
penetrando-a completamente com calma e depois
tomando tudo que quiser me dar.
Minha respiração acelera.
— Então me toma — digo, rendida.
— Não posso — responde e continua a descer
pelo meu corpo, parando em minha barriga.
— Como assim, não pode? É claro que pode —
esclareço, um pouco irritada, excitada demais pelos
seus toques e beijos.
Eu me ergo um pouco e o vejo de joelhos na
cama, pairando à minha frente, acariciando minha
barriga. Sua masculinidade está pronta, grossa, com
as veias saltando. Em seu peito, as assas de sua
tatuagem se expandem e retraem conforme o
ondular de sua respiração. Umedeço meus lábios e
mordisco o inferior, sem conseguir esconder o
quanto a imagem à minha frente me agrada.
Noah emite um ruído rouco. Quando encontro
seu olhar, vejo tensão e divertimento, as
sobrancelhas arqueadas, me analisando.
— Você é lindo — elogio, quase babando.
Ou talvez, babando, só um pouquinho.
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Noah vem para cima e seus lábios me devoram;


em poucos segundos, sua respiração fica tão
irregular quando a minha. Sinto sua barba por
fazer, arranhar minha pele e eu amo a sensação.
— Você será minha perdição — diz contra meus
lábios, ofegante.
Tento trazê-lo para perto de mim, para onde mais
preciso, mas ele não se move. Continuo tentando
por um tempo, até abrir meus olhos, irritada.
— Qual o problema? — pergunto enroscada
nele.
Ergo meu quadril me esfregando contra ele e o
sinto pronto para mim. Então repito o movimento
com um pouco mais de pressão. Noah solta um
palavrão ao se erguer e me prender pelas mãos ao
colchão.
— Pode, por favor, ficar paradinha, por um
momento — pede com dificuldade.
— Preciso de você — digo suplicante.
Nunca me imaginei como aquelas mulheres que
imploravam por sexo, mas é o que me via fazendo,
neste momento.
— Minha linda, sinta meu corpo, eu estou
queimando de desejo por você, me contento para
não me enterrar dentro do seu corpo e senti-la
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apertada ao meu redor; é tudo que mais quero fazer


agora, mas não farei isso, por dois motivos — diz,
erguendo dois dedos em minha frente.
Faço uma careta.
— Espero que eles sejam muito bons — digo
frustrada.
Tomando minha perna em suas mãos, ele
começa uma massagem suave e deliciosa em minha
panturrilha, que me deixa arrepiada, e, quando
penso que ele não vai responder, me diz:
— Primeiro: Você é apertada demais, o que não
é um problema, mas um bônus, e deve estar
sensível depois de ontem à noite, pois a tomei com
mais força do que pretendia — seu sorriso safado
me dizia que ele não lamentava nada. — Não
consegui me conter, você é a coisa mais deliciosa
que já provei — finaliza levando meus dedos dos
pés aos lábios e os chupando.
Eu adoro a sensação e um espasmo me atinge lá
embaixo.
— Mas eu te quero tanto — choramingo.
Sua próxima ação quase me faz gozar. Ele
umedece seus dedos em sua boca e os leva até o
meu centro, circulando, administrando a pressão
exata para me dar choques de prazer, que se
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espalhavam por todo meu corpo. E, quando peço


por mais, ele introduz lentamente um dedo em
mim.
Solto um gritinho.
Talvez eu esteja um pouco dolorida afinal.
Sorrindo ele remove o dedo e continua
brincando, circulando, apertando, me fazendo
esquecer a dor. Quando aumenta a pressão e a
velocidade, desmancho-me em sua frente, fazendo
meu corpo se arquear sobre a cama com a sensação.
Meus olhos estão semicerrados, mas o vejo levar os
dedos aos seus lábios, fechando os olhos e soltando
um gemido baixo, sentindo o gosto do meu prazer
em seus dedos.
É a coisa mais erótica que já presenciei na vida.
— Como eu disse, estou viciado em seu gosto.
Estou abalada demais para responder; por isso
deito de costas e fecho os olhos. Sinto suas mãos
em meu ventre e seus lábios plantando beijos em
minha barriga. Este gesto, diferentemente dos
outros, não me deixa excitada, mas faz meu
coração bater em descompasso, emocionada.
— O segundo motivo é que precisamos alimentar
vocês. Ontem me deixei levar pela minha
necessidade, mas hoje vocês vêm em primeiro
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lugar — sussurra contra minha pele.


Abro os olhos para ver Noah analisando minha
barriga com suas grandes mãos.
— Acredito que tenha crescido nos últimos dias.
— Sim, tenho notando pequenas mudanças.
Ele me estuda.
— Seu quadril está um pouco mais largo, sua
bunda está maior — subindo os olhos pelo meu
corpo, ele para em meus seios — e seus seios, eles
já eram perfeitos antes, e eu já era louco por eles,
mas agora... — informa me tocando e apertando o
mamilo —você está mais sensível e eu quero fazê-
la gozar de novo só te lambendo aqui — diz me
provocando com seus dedos.
Eu fico impaciente na hora.
— Eu gostaria muito — admito rendida, indo ao
seu encontro.
— Gostaria, é? — pergunta com um sorriso
torto, tirando suas mãos de meu corpo.
Convencido.
Ele sabe o que faz comigo.
Noah ri alto e eu tento me levantar,
envergonhada. Ele não permite, prendendo-me de
novo na cama e me olhando com fervor.
— Meu amor, não pense por um segundo que eu
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não a quero. Olhe bem para mim — diz


gesticulando para baixo. — Permita que eu me
satisfaça cuidando de você hoje. Quero te
alimentar, te mimar, te dar um banho, te encher de
beijos e de carinho. Quero conversar com você.
Estava louco de saudades. Estes dias longe foram
longos demais.
O imito, ficando de joelhos no colchão à sua
frente. Ele afasta uma mecha do meu cabelo com a
mão e eu levanto meus braços o abraçando pelo
pescoço. Enquanto eu descanso minha cabeça em
seu peito, ele beija meus cabelos e me envolve em
seus braços. A emoção que vi em seus olhos, o
modo como seu corpo responde ao meu toque,
como nos encaixamos perfeitamente. Nunca
acreditei em destino, mas tenho certeza de que
Noah foi feito para mim.
— Eu amo você — digo contra seu peito.
Ele me afasta pelos ombros e me olha com
fascinação, suas narinas se expandem quando
respira fundo antes de me pedir.
— Por favor, fale de novo.
Tocando seu rosto e me perdendo em seus lindos
olhos, eu o faço.
— Eu amo você, Noah Collins. Amo com tudo
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que sou, e amo com tudo que tenho.


Noah fecha os olhos, saboreando o momento e
quando os abre, consigo ver seu coração neles,
refletindo sua essência.
— Você é o amor de minha vida. Esperei quase
trinta anos para te ter, e se eu tivesse que esperar
mais trinta anos, eu esperaria. Esperaria minha vida
inteira para passar uma única noite ao seu lado.
Noah me beija, separando nossos lábios e
buscando e encontrando minha língua com a sua.
Quando nos afastamos, ele se levanta e me puxa
para a ponta da cama, me erguendo em seus braços
em seguida.
— Mas antes de tudo, acho que precisamos de
um banho — brinca piscando para mim.
Rindo em seus braços, deixo ele me levar para o
banheiro, sem nenhuma objeção.

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TRINTA E TRÊS

MAIS TARDE ESTOU SENTADA NA


COZINHA, admirando tanto a reforma, quanto o
peito musculoso do meu homem sem camisa.
Tá bem, tá bem! Confesso que não estava
admirando a reforma coisíssima nenhuma. Tem
algo mais sexy que um homem na frente do fogão
cozinhando para você?
— Se continuar me olhando assim, não poderei
cumprir minha promessa, Anna — avisa com a
cabeça baixa, mexendo os ovos.
Eu mordo o lábio.

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— Por que você tem que ser, simplesmente, tão


diabolicamente lindo? Não é nada justo com o resto
da humanidade, sabia?
E é todo meu.
Cada pedacinho, meu, meu, meu.
Yummy.
Arqueando as sobrancelhas, pergunta.
— Diabolicamente lindo, é? — repete, achando
graça.
— Aham — respondo sonhadora.
Noah solta uma risada gostosa.
— O que achou da reforma?
Olho ao redor.
— Quando entrei ontem à noite, fiquei sem
palavras. Apesar de ter escolhido tudo, e mesmo
com uma noção de como ficaria, ver tudo pronto
foi muito diferente. As cores, a mobília, a
decoração — viro para ele. — Não tenho palavras
para te agradecer, pelo seu tempo, pela sua
dedicação, por ter encarado este projeto comigo.
Por estar ao meu lado, construindo minha casa dos
sonhos.
Enquanto Noah desliga o fogão e despeja nossos
ovos em um prato, me levanto e vou até ele.
Quando se vira eu o abraço cintura encostando meu
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queixo em seu peito.


— Obrigada — sussurro.
— Estou sempre à disposição para você, minha
linda; agora vamos alimentar vocês. Senta à mesa
lá fora que já levo seu prato — avisa dando um
tapinha em minha bunda.
Feliz, obedeço.
No deck o clima já começava a esquentar e
escolho um lugar a sombra; Noah aparece logo em
seguida com dois pratos. Começamos a comer em
silêncio. Solto um suspiro e outro entre as garfadas,
porque está delicioso.
Noah termina o seu rapidamente; após engolir o
último pedaço, pede:
— Agora me conta os detalhes sobre Nova York
Já lhe dissera brevemente algumas coisas por
telefone. Falamos sobre o trabalho, as pessoas que
conheci, a equipe. Sobre o sucesso do coquetel, o
sucesso dos produtos e como me sinto, finalmente,
alguma realização profissional. Descrevo melhor
Pierry e me aprofundo contando sobre
relacionamento dele com Nana e do quanto acredito
que logo ele estará mais presente em nossas vidas.
Conto como foi a reação de Ethan ao saber que
seria pai, da sua visita no coquetel e da janta na
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casa dos meus pais.


— Ethan está diferente. Ele ficou surpreso no
primeiro momento, mas depois se prontificou a
estar ao meu lado durante toda a gravidez e depois
que o bebê nascer. Apesar de tudo, sei que ele vai
se esforçar para ser um bom pai. Ao modo dele
pelo menos, um pouco ausente, mas vai tentar —
faço uma pausa. — Ah, conheci sua noiva também
— digo pensativa.
Noah me observa.
— Algum problema?
Dou de ombros.
— Não sei. Parece faltar alguma coisa ali. Ou
talvez, eu esteja vendo coisa onde não existe.
Descrevo, de forma simplificada, sua tentativa de
reatar comigo.
— Receber a notícia de que seria pai
esculhambou com sua vida organizada. Acabou
misturando o que tínhamos com seu senso de
responsabilidade.
Ele nega.
— Não concordo, eu acho que ele percebeu que
fez merda e agora te quer de volta.
Solto uma risada baixa, porque apesar de não
querer concordar, também estou pensando a mesma
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coisa. Noah me puxa e me traz para seu colo, onde


me aninho contra seu peito.
Ele me diz contra meus cabelos.
— Mas, para o azar dele, você não está mais à
disposição.
Beijo seu peito, concordando.
— E, com os seus pais, como foi? — pergunta.
Penso um pouco antes responder relembrando
aquela noite.
— Voltar lá foi inicialmente apavorante. Quase
me senti de novo a menininha que era governada
por eles e por aquele ambiente. Só que, havia algo
no sorriso do meu pai naquela noite que me deixou
inquieta e curiosa.
Brinco com meus dedos em seu peito.
— Fisicamente, eles não mudaram nada, mas as
duas pessoas que me receberam naquela noite não
eram as mesmas que me deram as costas quando
parti. Eu me senti filha deles, senti que se
importavam comigo. Que eu importava — respiro
fundo. — Ficaram tristes por não ter sido eu a dar a
notícia da gravidez, mas entenderam por que não o
fiz. Querem fazer parte da minha vida novamente e
eu quero fazer parte da deles. Quero que sejamos
uma família. Eu mereço isso, e este bebê merece a
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chance de conhecer seus avós, de tê-los presentes


em sua vida, nem nenhum prejulgamento.
Ergo meus olhos buscando os dele.
— A vida é muito rápida para que
desperdicemos nosso tempo e energia no que foi
feito ou dito; estou interessada no hoje e no
amanhã.
Ele me fita, sério.
— Entendo, perfeitamente — responde com a
voz carregada.
Noah deve estar pensando em sua família, mais
especificamente, em seu pai, e me sinto culpada por
fazê-lo reviver isso.
— Noah — chamo sua atenção — sei que não
gosta de falar sobre seu pai, por isso nunca
perguntei nada sobre. Mas, gostaria que me
deixasse conhecer esta parte do seu passado.
Ele solta uma respiração longa e fica em silêncio
por um tempo. Quando penso ter pedido demais e
estava prestes a mudar de assunto, escuto sua voz.
— Todas as feridas já cicatrizaram há muitos
anos. Meu pai... — ele começa, mas para, soltando
uma gargalhada nervosa em seguida — nunca me
acostumei com esta palavra... pai. É estranho eu
falar isso em voz alta.
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Seu lábio treme levemente.


— Seu nome é Paul Smith. Sei que minha mãe o
amava, e sei que ele despedaçou o coração dela.
Minha vó até hoje comenta que minha mãe nunca
voltou a amar outro homem depois dele, ela nunca
mais conseguiu confiar seu coração a outra pessoa.
Amando Noah do modo como eu o amo, eu
também não sei se conseguiria voltar a amar outra
pessoa, caso algo desse errado entre nós.
Deus, não consigo nem cogitar isso.
— Ela era uma mulher muito linda — digo,
lembrando-me de seus longos cabelos negros e pele
clara.
Ele fecha os olhos.
— Sim, ela era. E sei que minha aparência
jamais a deixava esquecer-se dele — complementa
com pesar, como se estivesse revivendo uma
lembrança.
Dou um breve beijo em seus lábios.
— Por favor, continue.
Seus olhos se abrem, amolecidos, com o meu
pedido.
— Quando eu tinha doze anos, eu estava
passando por uma fase bastante rebelde.
Reviro os olhos.
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— Eu não sabia se gostava de você ou se te


odiava. Mas me lembro como se fosse ontem da
fase dos doze anos. E eu, definitivamente, te odiava
naquela época.
Brinco com ele, aliviando a tensão.
Ele ri, como eu esperava, depois continua:
— Eu magoei minha mãe. Disse coisas que não
devia a ela e fiz acusações sem sentido. Em uma
delas, falei que eu era adotado. Neste dia, minha
mãe se sentou ao meu lado, na minha pequena
cama de solteiro, contra a parede, com os olhos
vermelhos e inchados de tanto chorar. Naquela
noite, ela abriu uma caixa que eu nunca havia visto
até aquele momento. Dentro dela tirou diversas
fotos, que me alcançou. Algumas fotos eram dela e
do meu pai juntos; em outras, eles estavam com
amigos. Entre elas, estava uma com ela sorridente e
feliz ao lado do meu pai, grávida de mim. Em
outra, eles estavam parados na frente da casa de
Maggie. Ela me segurava em seus braços, e meu
pai estava ao seu lado, mas, ao contrário dela, ele
não sorria para a câmera. Eu devia ter poucos dias
de vida naquela foto. Quanto mais fotos ela me
mostrava, mais vergonha de mim eu sentia.
Naquela noite, eu vi o retrato de meu pai pela
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primeira vez e, por ironia do destino, tenho a


mesma estrutura óssea, a mesma cor de pele e a
mesma cor de olhos e cabelos dele. Sou uma cópia
do homem que nunca me quis. Cópia do homem
que mais a magoou, que a abandonou quando ela
mais precisava dele. Até hoje tenho a fotografia
guardada em minha carteira. Eu costumava olhar
para ela todos os dias.
Ele acaricia meus braços.
— Hoje, já faz anos que não preciso vê-la.
Olhando para o lago, ele continua com a voz
calma.
— Nunca conheci meu pai pessoalmente, e
depois daquela noite nunca mais voltei a perguntar
a respeito dele. Não por falta de curiosidade,
porque eu sempre quis saber mais para entender por
que ele não me quis, sempre tive muitas dúvidas
que nunca foram respondidas. Afinal, o que eu fiz
de errado para afastá-lo de nós? — ele respira
fundo. — Mas, por respeito à minha mãe, que me
deu o mundo, guardei tudo isso dentro de mim.
Ele se volta para mim.
— Deve ter sido muito difícil crescer com este
sentimento e sem seu pai por perto.
— Nisso acho que tive sorte. Vovô sempre foi
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uma figura paterna muito presente. Ensinou-me


tudo que eu precisava saber sobre crescer e me
tornar um bom homem; me deu muitas palmadas
quando eu não seguia suas regras. Você não
imagina o quanto apanhei — diz se lembrando.
Sorrio
— Lembro do quanto você era uma praga.
Ele concorda.
— Quando fiquei mais velho, e com mais
consciência do mundo, entendi o esforço
sobrenatural que minha mãe fazia por mim todos os
dias, de quanto ela abriu mão da própria felicidade
por mim. Com esta percepção, veio também o
senso de responsabilidade. Mas, para isso, eu tinha
que colocar meus sentimentos em ordem, tinha que
deixar de ser menino e virar homem; e bom, o
resto, você já sabe.
Eu assinto.
— Eu tinha muitas inseguranças, físicas e
emocionais. Nunca consegui fazer mais do que
beijar uma menina, ou passar uma noite divertida
com outra. Sem emoções, sem compromisso ou
promessas. Nunca iludi ninguém e nunca prometi o
que não poderia dar. Jamais quis causar em uma
mulher a dor que minha mãe carregou por tanto
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tempo. Existia um bloqueio neste sentido. Até você


surgir, nunca desejei ultrapassá-lo.
Viro-me em seu colo, colocando as minhas mãos
no seu peito, tocando com carinho, o contorno de
sua tatuagem com os dedos.
— O que elas representam?
Noah leva sua mão até a minha.
— Um dia, o porta-aviões atracou em uma ilha
na América Central e descemos do navio para
beber umas cervejas, depois de semanas ao mar.
Mais tarde naquela noite, bêbados, todos decidimos
tatuar alguma coisa. Quando chegou minha vez, eu
vi o desenho destas duas asas e perguntei para o
tatuador seu significado. Ele me respondeu que
asas são um símbolo de liberdade e de fuga.
Representam a vontade de ser capaz de voar por si
próprio, o desejo de atingir o impossível.
Eu fitei o desenho, carregado de tinta preta.
— Combina com você — confesso a ele.
As asas, altas, começavam perto dos ombros e
desciam até a altura dos mamilos, unindo-se no
centro em um V. Ocupavam toda parte de cima de
seu tórax. Pretas, com alguns sombreamentos, eram
impressionantes. Toda a onipotência dos traços
bruscos do centro, se contrapondo à delicadeza das
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penas celestiais.
Levo minha mão ao seu braço, tocando a outra
tatuagem.
— O anjo representa sua mãe?
Ele concorda, e diz:
— Fiz alguns anos depois, logo depois do
acidente. Anjos são guardiões de nossa alma. Eu a
sinto ela comigo em cada escolha que faço, em
cada curva do meu caminho. As rosas representam
sua pureza, seu amor e sua beleza.
Visto de perto percebo que o anjo era uma figura
feminina, de cabelos compridos negros que
desciam por suas costas, e em seus braços via-se
um pequeno bebê. Seus braços o envolviam como
se o protegessem de todo mal. Seu tórax estava nu,
adornado por roseiras brancas que subiam pelas
suas pernas.
— Ela sempre estará contigo. Tanto aqui em seu
braço, como aqui — digo, levando minha mão de
volta a seu coração — você é um bom homem
Noah, não precisa mais provar nada a ninguém. É a
melhor pessoa que eu conheço, e eu amo todas as
partes de você. Amo suas inseguranças, que te
motivaram a melhorar, amo as cicatrizes que te
deixaram forte, e amo seu coração puro. Amo o
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quanto se entrega a mim, o quanto me permite amar


você. Jamais irei machucá-lo, e quero cuidar de
você até sermos velhinhos, caducos, que ficam
reclamando de tudo, o tempo todo.
Ele ri.
— Como nos velhos tempos, então — brinca
comigo.
Ainda rindo, eu o beijo e ele me abraça mais
forte.
— O que acha de darmos um pulo na casa de
Nana e pegar Fúria? Está tão quieto que até me
preocupo — digo ao me levantar e ajeitar a roupa
— achei que ela derrubaria a porta ao amanhecer,
por eu não ter voltado para sua casa ontem.
Quando o encaro vejo culpa em seus olhos.
— O que você fez? — cutuco seu peito com os
dedos.
Ele coça a cabeça com um sorriso culpado.
— Eu posso ter deixado um recado para ela não
nos incomodar.
— Aff. Se prepara, que vovó não tem filtro.
Ele morde o lábio, e, por um segundo, quase
desisto de ir até Nana, desejando arrastá-lo de volta
para o quarto.

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TRINTA E QUATRO

ENCONTRAMOS NANA NA SALA,


ASSISTINDO À TELEVISÃO, com Fúria deitada
em seu colo. Ao nos ver, retira os óculos e nos
observa com curiosidade. Ignoro seu olhar e pego
Fúria em meus braços. Minha pequena
“monstrinha” lambe meu rosto, até eu sentar no
sofá ao lado de Noah. Depois, ela pula para o colo
dele pedindo atenção.
Acho que perdi meu favoritismo, afinal de
contas.
Nana raspa a garganta.

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Arregalo meus olhos para ela, perguntando em


silêncio: “O que?”. E ela gesticula com a cabeça
para Noah ao meu lado, distraído com Fúria que
tenta morder seus dedos. Reviro os olhos como
quem diz: “Não quero falar sobre isso agora”. Ela
continua me encarando tipo: “Mas eu quero”. Eu
balanço a cabeça e olho para o homem do meu
lado, que ainda não faz ideia do trator que esta
prestes a passar por cima dele.
Nana dá um sorriso perverso antes de dizer:
— Recebi seu recado, Noah — diz nos
avaliando, minuciosamente. — Fico feliz que
tenham conseguido descansar bastante.
É, vovó vai direto na jugular.
Noah se diverte ao meu lado, e envolve-me com
seu braço, atraindo-me para mais perto de si, até
minha coxa estar colada na dele.
— Descansamos sim, senhora — responde
tranquilamente.
Começo a ficar vermelha.
— Por favor, me chame de Nana — retruca. —
Afinal, somos todos parte da família agora — diz
estudando Noah.
Noah logo responde, com seriedade.
— Anna é tudo para mim.
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Se alguém me contasse, há alguns meses, que eu


mudaria de estado, de emprego, sofreria com o
término do meu noivado, ficaria grávida, para logo
depois encontrar o amor de minha vida, teria
perguntado qual era a pegadinha ou o nome da
película. Porque estas coisas, simplesmente, não
acontecem comigo. Noah continuava suas carícias
agora em meu pescoço e pressiono minha cabeça
em contra mão, desfrutando da sensação.
Nana comenta:
— Você sempre teve uma queda por ela.
Noah pende a cabeça.
— Eu tenho olhos rapaz; via o modo como
olhava para minha neta quando eram adolescentes.
Mesmo tão nova ela já sofreu demais e não gostaria
de vê-la sofrer mais uma vez. Espero que não
estejamos falando de uma paixonite reprimida.
Noah não se altera com suas palavras ríspidas.
— Sua neta sempre foi importante para mim —
responde, sem desviar os olhos dela. — Primeiro eu
era um menino, que admirava uma menina, uma
amiga, uma companhia. Na adolescência, meus
hormônios deixaram claro que eu a via de outra
forma, que eu queria mais do que uma amizade
com ela. Depois veio Ethan, e... — ele faz uma
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pausa — jamais interferi, pois acreditava que ela


estava feliz. A felicidade de Anna está acima de
qualquer sentimento ou necessidade minha; isso é
uma promessa que lhe faço agora.
Vovó concorda; ele continua:
— O que estamos vivendo... estar ao lado dela,
conversar com ela, brincar com ela, rir com ela. É
com ela que eu quero estar, é com ela que eu quero
construir uma família.
Ele sorri para mim.
— E o bebê? — questiona vovó.
Noah volta a olhar para ela.
— O bebê é um bônus. Ele é uma parte de Anna,
e eu amo cada parte dela. Amarei este bebê como
se fosse meu e serei tudo que ele precisar que eu
seja: amigo, professor e pai.
Noah era minha família.
Eu olhava para ele apaixonada.
— Acredito que sua busca tenha terminado,
pequena; ele é o pacote completo — diz vovó,
apontando para Noah.
— Sim, ele é — respondo, me aconchegando nos
braços de Noah.
Depois disso, a conversa muda para assuntos
mais levianos. Eu simplesmente me perdi, curtindo
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estar aqui com eles, entre uma risada e outra.


Estava cansada e quase dormindo sentada, quando
Noah me cutuca, chamando minha atenção.
— Os dias em Nova York foram intensos então?
— me questiona confuso.
Acho que perdi alguma coisa.
Nana à minha frente abre um sorriso malandro
como de quem contou o que não devia, o que me
deixa imediatamente alerta.
— Os dias em Nova York foram realmente muito
intensos. Já contou a Noah o episódio da banheira?
Ai, caramba!
— Vovó! — exclamo em advertência.
Disparo um olhar para ela. É claro, que eu não
havia contado a Noah sobre isso, e é claro que eu
não N-U-N-C-A contaria.
Deixei meus olhos transmitirem claramente essa
mensagem.
— Que episódio da banheira? — questiona
Noah, com curiosidade, ao meu lado.
— Acho que está na hora de irmos embora —
digo apressadamente.
Me coloco de pé e, rapidamente, pego Fúria.
— Tchauzinho, vovó, nos vemos amanhã, ou
talvez não, ou quem sabe quando a senhora
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aprender a ter bons modos.


Mostro a língua para ela, puxo Noah pela mão e
começo a puxá-lo, em direção à saída. Dou meu
melhor olhar assassino a Nana ao deixar a sala, mas
ela finge não notar. Escuto sua gargalhada alta
mesmo depois de fecharmos a porta.
Apresso os passos no jardim.
Noah tenta me acompanhar.
— Que episódio da banheira? — insiste de novo,
Noah.
Bato em minha testa.
Aff, vovó um dia vai me matar de vergonha.

DURANTE O MÊS SEGUINTE


CONTINUAMOS NOSSAS VIDAS e criamos
uma rotina. Trabalho, casa, amassos, beijos, sexo,
mais beijos e sexo, muito sexo. Quente, molhado,
de pirar a cabeça. Dormíamos mais em minha casa
do que na dele e passamos todas as noites juntos e
também os finais de semana. E, ainda assim,
parecia que não era o suficiente. Éramos como duas
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crianças fazendo brincadeiras, caminhando na rua,


assistindo a filmes, comendo besteiras.
Era fácil estar ao lado dele.
Nunca antes foi tão fácil dividir a vida com
alguém.
Noah era criativo e habilidoso, levando-me a
níveis inéditos de prazer. Ele adorava brincar,
provocar e me levava a experimentar posições que
nunca soube antes dele. No início, as coisas que
fazíamos me faziam ter dificuldade de encará-lo à
luz da manhã. O sexo era transcendente; a forma
como nossos corpos se conectavam, se
movimentam era como uma sintonia perfeita. E não
vou nem falar, da paciência diabólica daquelas
mãos e de todas as formas como que havia me
tocado na noite anterior. Por isso, acordo, um
pouco, ousada e inspirada esta manhã. Quando o
escuto desligar o chuveiro, estou na ponta da cama,
nua em pelo. Minha barriga já se projetava, ainda
que pequena, agora com vinte e quatro semanas, e
meus seios estavam ainda mais fartos.
Noah, aparece na porta do banheiro, e seus pés
não fazem barulho algum no piso enquanto
caminha em minha direção. Ele estava nu, exceto
pela toalha enrolada em sua cintura. Suas tatuagens
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à mostra, seu cabelo úmido, fazendo partículas de


água escorrerem pelo seu tronco esculpido, que eu
não me cansava de admirar, e que neste momento,
eu só desejava lamber.
Sou sortuda pra caramba, sei disso.
Nunca vou me cansar de olhar para ele.
Sorrio quando percebo uma protuberância
naquela área da toalha. Quando ergo meus olhos
para os ele, vejo duas safiras quentes me
encarando. Ele para e arqueia uma sobrancelha
esperando meu próximo movimento.
Como se eu precisasse de mais algum incentivo.
Vou até ele entrelaçando seu pescoço, eu o beijo
abruptamente. Seus lábios cedem e se entreabrem
diante da pressão exigida. Um beijo lascivo,
escaldante, de deixá-lo tonto. Quando me afasto,
Noah esta zonzo de paixão à minha frente. Seus
olhos intensos, brilhavam, enquanto observavam eu
me abaixar e me colocar de joelhos na altura de seu
quadril. As íris douradas claras eram as de um
felino.
Ele nem piscava.
Um arrepio toma conta de mim, enquanto desato
o nó da toalha, que cai com facilidade, e acaricio a
extensão de suas longas coxas. Os músculos se
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contraem. Fico com água na boca ao vê-lo imenso,


ereto diante de mim, brilhando com a lubrificação.
Tinha visto seu corpo nu milhares de vezes, mas
nunca deixava de me surpreender com a beleza de
sua nudez. Chego mais para a frente e envolvo seu
membro com as minhas mãos e depois o levo à
minha boca, passando delicadamente a língua por
sua ponta. Noah joga a cabeça para trás gemendo,
enquanto suas mãos se prendem, firmes, em meu
cabelo. Eu o tomei, fundo, em minha boca, até a
garganta quando ele mexeu o quadril para a frente.
Com as mãos em minha nunca, movimenta a pelve
para frente e para trás. Eu me sentia poderosa
observando-o perder o controle.
— Porra — deixa escapar, entre os dentes.
Eu o tomava e murmurava satisfeita. As
vibrações de minha garganta o faziam perder ainda
mais o controle e, por isso, aumentei o ritmo dos
meus movimentos. Tomava o seu pênis, passando
os dentes na pele da base a cabeça, enquanto aperto
sua bunda com minhas mãos. Ele fazia ruídos
profundos e guturais de prazer, antes de me puxar
para trás pelos cabelos.
Ele me deu um olhar ardente sob seus cílios
bonitos.
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Eu estava desgraçadamente excitada, quando ele


me ergueu pela cintura e me levou para a cama,
puxando-me para o centro do colchão e descendo
seus lábios sob mim. Os lábios dele estavam
quentes, macios. Cada vez que sua língua me
atinge, pequenas explosões atravessavam meu
corpo como uma onda de cafeína inundando
minhas veias.
Não havia necessidade de trocar palavras. Em
silêncio estávamos demonstrando todo nosso
sentimento. As emoções fluíam como uma
correnteza de um rio. Seus lábios foram descendo
pelo meu pescoço, mordiscando meus seios e
lambendo a minha barriga, até ele descer ainda
mais e me abrir para ele. Seus olhos eram brasa
queimando por mim, e soltei gritinhos abafados
enquanto ele lambia e comia minha doçura. As
sensações foram crescendo até meus músculos
internos começarem a se contrair
involuntariamente. Eu estava gemendo, implorando
e mordendo meus dedos, quando escutei o gemido
de sua garganta e ele voltou a me beijar. Toda
minha habilidade de raciocinar se esvaiu,
hipnotizada pelos movimentos habilidosos da
língua dele, atiçando-me até eu não conseguir ficar
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parada. Quando ele introduziu os dedos com uma


destreza íntima, tocando-me da forma que só ele
sabia tocar, eu fiquei sem ar.
Seus lábios encontram os meus, beijando-me
com uma habilidade bruta e impiedosa. Quando
nossos olhares se encontraram, meu coração
disparou. Era amor pleno estampado em seus olhos,
o mesmo amor que ele via refletido nos meus. O
amor que demonstrávamos em nossos toques e nos
mínimos detalhes que descobríamos um no outro.
Rolamos, e eu fiquei por cima. Noah abriu
minhas pernas em cima do seu quadril e eu rocei
minha entrada pelo seu comprimento, lambuzando-
o com a minha umidade. Ele me puxou para baixo,
me guiando, penetrando meu corpo até a base em
um único movimento. Gemi com a sensação de ser
invadida tão repentinamente. Nossos pensamentos
se fundindo assim, como nossos corpos. Eu o
cavalgava, enquanto seus dedos experientes me
desembrulhavam, descobriam, testavam, tentavam,
acariciavam e tomavam liberdades por todo corpo.
Eu estava à flor da pele, com ele apertando meus
mamilos, agarrando meus quadris, aumentando
nosso ritmo. Nunca conseguia me concentrar em
mais nada enquanto transávamos, a não ser no
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toque de Noah e no prazer delicioso que ele sempre


me provocava.
Eu comecei a me apertar ao redor dele, estava
muito próximo. Noah conhecia meu corpo tão bem
que agarrou com mais força meus quadris,
arremetendo ainda mais fundo. Tive que me
segurar em seus ombros para manter o equilíbrio.
De novo ele me beijou, sugando meus gemidos, até
que o mundo inteiro explodiu, e Noah gritou
obscenidades contra meus lábios, quando gozou
logo em seguida. Nossa conexão era tão crua, pura
e verdadeira; era como se algo dentro de mim
tivesse se destrancado para ele.
Depois, fiquei trêmula nos seus braços, sentindo
seu sêmen entre as minhas pernas. Meu corpo,
pesado de satisfação. Viro meu rosto para o peito
de Noah, deleitando-me com sua pele. Uma de suas
mãos acaricia meu cabelo, e a outra acompanha o
contorno de meus lábios. Levanto meus olhos para
encontrar os dele. Ficamos nos encarando até que
sorrisos surgiram em ambos os rostos.
Ele foi o primeiro a falar.
— Quando saí do banho e vi seus olhos
excitados, eu sabia que estava planejando algo —
diz próximo a mim. — Mas, como sempre, você
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me surpreende. Acho que te converti em uma


pervertida.
Eu o beijo nos lábios.
Só nos separamos porque ouvimos a campainha
tocar.
— Deve ser a Nana — digo contra seus lábios.
Noah sorri e me levanta sem esforço. Vou ao
banheiro me limpar, enquanto ele veste sua calça
jeans. No quarto, pego meu robe branco atrás da
porta e o visto, rapidamente.
Escuto a campainha tocar novamente enquanto
desço as escadas, apressada.
— Estou indo — berro dos degraus.
Com um sorriso no rosto, giro a maçaneta. Meu
sorriso se esvai quando constato que não é Nana
quem está à porta.
— Você! — digo intrigada.
Noah se junta a mim, abraçando-me pela cintura
com seus braços grandes, puxando meu corpo
contra o seu e plantando beijos em meu pescoço.
— Viu como estou cuidando bem dela, senhora?
— afirma Noah, sem olhar para a porta.
Estou em choque, sem saber o que fazer a seguir.
A pessoa à minha frente estreita os olhos para mim,
depois para Noah e, por fim, me cumprimenta.
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— Olá, Anna — diz uma voz que conheço bem.


Noah para seus carinhos e levanta os olhos.
Eu ergo os meus até seu rosto e me forço a dizer
seu nome:
— Ethan.

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TRINTA E CINCO

MEU EX-NOIVO ESTÁ PARADO À NOSSA


FRENTE, segurando um grande buquê de rosas
amarelas em uma mão, minhas favoritas, e em seu
ombro está pendurada uma pasta de couro marrom.
Ele esta vestido casualmente, de camiseta branca,
jeans e tênis azuis e seus habituais óculos de grau.
Sacudo a cabeça.
— Ethan, pensei que chegaria só amanhã — falo
sem pensar e me corrijo dando um sorriso. —
Desculpe, com o susto esqueci os bons modos —
abro mais a porta — deve estar cansado, gostaria de

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entrar?
Ele assente.
— Sim, obrigada — responde, imediatamente.
Noah e eu recuamos, e Ethan avança no
ambiente. Seus olhos passeiam pela minha sala, das
paredes aos móveis em uma leitura minuciosa.
Quando se dá por satisfeito, eles retornam a mim.
Ele estava com os lábios contraídos, quando
disse:
— É uma ótima residência.
— Obrigada.
— Trouxe isso para você. Sei que são suas
favoritas — alcançando-me as flores.
Eu as aceito um tanto sem jeito.
— Ãhn, obrigada.
Noah escolhe este momento para sair detrás de
mim e parar ao meu lado. Grande como ele é, nem
precisei anunciar sua presença.
— Prazer, sou Noah — cumprimenta oferecendo
sua mão.
Ethan retribui o aperto.
— Ethan, o ex-noivo da Anna, mas acredito que
já tenha deduzido isso — diz com certo sarcasmo.
A tensão era palpável. Eu olhava de um Noah
absolutamente tranquilo para um Ethan
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desconfortável, sem saber o que fazer com os dois.


Era testosterona demais para lidar a essa hora da
manhã.
Bom senhor eu ainda nem tomei meu café.
Para a minha sorte, meu namorado me salva de
ser uma péssima anfitriã.
— Não tem por que continuarmos esta conversa
em pé, melhor nos sentarmos — convida Noah.
Ethan concorda em silêncio.
Noah fecha a porta e coloca a mão na base da
minha coluna. Eu estava tensa enquanto ele me
conduzia e nos acomodávamos. Depositei as flores
no meu colo. Ethan largou sua pasta no chão,
sentou-se na ponta da poltrona e apoiou os braços
nas pernas após ajeitar seus óculos. Ele não parecia
estar muito melhor do que a última vez que nos
vimos; seu rosto aparentava o cansaço de algumas
noites mal dormidas.
— Desculpe aparecer antes da hora — Ethan
explica. — Descobri recentemente que tenho
muitos dias de férias em haver e resolvi me dar
alguns dias de folga no trabalho. Pareceu uma
ótima ideia usar este tempo e te fazer uma surpresa
— ele solta uma risada nervosa — só não imaginei
que a encontraria acompanhada.
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Amanhã será minha consulta com a obstetra e


Ethan irá nos acompanhar pela primeira vez.
Diferentemente de mim, Noah estava relaxado ao
meu lado. Recostado no sofá, descalço, com as
pernas cruzadas e o braço repousando em meus
ombros. Ele nem se deu ao trabalho de vestir uma
camiseta. Todo sua beleza estava à vista para quem
quisesse admirar.
O que Ethan fazia, mesmo sem querer, entre um
olhar e outro.
— Pode ficar tranquilo. Eu te convidei a minha
casa e mantenho o convide. Sempre será bem-vindo
aqui a qualquer hora — respondo a Ethan.
Ethan assente e esfrega as mãos nos joelhos,
antes de me perguntar:
— Será que podemos conversar?
— Claro — respondo e me adianto — Quer falar
sobre o bebê? Ainda não tenho grandes novidades,
mas amanhã a doutora poderá tirar qualquer dúvida
que tenha sobre o assunto.
Quando me mexo no sofá, meu roupão escorrega
pelo meu ombro esquerdo, deixando um pouco de
pele à mostra. Noto, então, do quanto estou
imprópria para receber visitas, ainda mais de
alguém que já me viu nua e neste momento está
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olhando fixamente para o pedaço de pele exposta.


Ajeito rapidamente o roupão me cobrindo e
apertando o laço na cintura. Ao meu lado, Noah
solta um resmungo baixo.
Ethan pigarreia.
— É um assunto pessoal e privado que gostaria
de tratar somente com você — Ethan me diz,
ignorando Noah.
Noah parece achar graça da situação, pois solta
uma risadinha que somente eu escuto ao seu lado e
lhe dou uma cotovelada de leve na barriga. Ele leva
a mão ao local e faz um som de protesto. O gesto
não tira o sorriso divertido do seu rosto. Por fim,
ele beija meu ombro e me diz:
— Minha linda, o que acha de ir lá para cima
trocar de roupa; enquanto isso, faço um café para
nosso visitante — ele se vira para Ethan. — Cara,
prometo que não mordo.
Noah pisca para mim; Ethan o olha atravessado.
Debochado. Eu queria toca algo na cabeça dele.
Mesmo assim, Noah estava lidando bem melhor
do que eu com toda esta situação; por isso
concordo. Enquanto ele levava um Ethan
desconfiado em direção a cozinha, eu subia as
escadas correndo. Do alto o escuto perguntar a
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Ethan: “Cara, café preto, puro, forte, está bom


para você?”. Eu precisava me apressar. Não ouvi a
resposta, pois entrei no quarto e me vesti às presas,
preocupada com os dois homens no andar de baixo.
Eu não queria pensar no que poderia ter feito
Ethan antecipar sua visita. Desde nosso encontro
em Manhattan temos trocamos algumas mensagens
amigáveis. Foi uma surpresa agradável a forma
gentil que estamos lidando com o assunto e um
com o outro. O fato de ele ter antecipado sua vinda
sem me avisar e estar aqui hoje, na minha casa,
sozinho com o Noah, me deixa levemente
preocupada. Pego as primeiras peças que encontro,
um short jeans, uma blusa de alcinhas amarela e
calço um chinelo baixo. No banheiro, lavo meu
rosto e prendo meu cabelo em um rabo de cavalo
alto. Eu me arrumo em tempo recorde, pego meu
celular e coloco no bolso de trás do shorts e saio do
quarto.
Várias imagens passavam em minha cabeça
quando chego a cozinha; nenhuma delas foi o
cenário que encontrei à minha frente. Noah estava
encostado com o ombro no batente da porta que
levava ao deck, descontraído, com uma das pernas
suportando seu peso.
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Era injusto um homem ser tão lindo sem o menor


esforço.
Ele parecia estar tento uma conversa tranquila
com Ethan, que, encostado na bancada, bebericava
seu café.
Noah leva a caneca fumegante aos lábios; e
sempre que fazia isso contraia seu bíceps. Depois
de pegar ele repetindo o gesto algumas vezes e de
vê-lo piscar discretamente para mim, notei que
fazia isso de propósito, exibindo-se e intimidando
nosso convidado.
Quem iria repreendê-lo?
Eu é que não faria isso...
Revirando os olhos, aproximo-me deles.
Noah, pede licença e vem até mim, apoiando a
caneca em algum lugar no caminho. Ele me
envolve com seus braços e, por um segundo,
esqueço de Ethan, quando seus lábios descem sobre
os meus em um beijo calmo, mas igualmente
arrasador. Meus lábios estão sensíveis quando nos
afastamos. Seus olhos buscam os meus e em
silêncio ele me diz: “Se cuida”. Eu sorrio e
respondo, sem nunca mexer os lábios: “Não vou
demorar”. Ele sorri de volta e me dá um beijo
breve antes de se afastar.
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Então, se vira para Ethan e fala:


— Foi um prazer de conhecer cara. Até a
próxima.
Noah sobe as escadas e me deixa sozinha com
nosso convidado, que por acaso não é somente meu
ex-namorado, mas também meu ex-noivo, e se isso
não bastasse também é o pai do meu filho, por
alguma brincadeira do destino, ou mais
provavelmente por causa de uma camisinha
vencida.
Se eu pudesse dar um conselho a alguém hoje,
seria: “Não confie no látex”.
Ando até Ethan com cautela, que solta uma
respiração pesada e então sorri sem jeito.
— Bom, isso não está saindo como eu planejei.
Eu sorrio de volta, achando seu constrangimento
engraçado.
— Vem, vamos lá para fora — digo passando
pela porta em direção ao gramado dos fundos.
Caminhamos em silêncio até chegarmos ao
pequeno caminho de terra que circunda o lago.
Ethan leva suas mãos aos bolsos da frente da calça
jeans, enrijecendo seus ombros e eu abraço meus
braços, quando sinto o vento atingir minha pele.
Nenhum de nós dois parecia disposto a puxar a
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conversa. Então...
— Eu...
— Eu...
Falamos ao mesmo tempo. Achando graça, digo
a ele:
— Vou deixar você começar.
Ethan sorri, depois olha para a frente por um
tempo. Não o apresso, respeitando sua velocidade.
O que quer que ele tenha para me dizer, era
importante para ele, pois veio de longe para fazê-lo.
— O engraçado de tudo isso, é que eu tinha tudo
esquematizado. Ontem, no escritório estava
conversando com seu pai quando o assunto mudou
para você e quanto mais conversávamos sobre você
mais eu queria te ver. Pedi para ele o endereço de
sua avó aqui em Incline Village; seu pai ficou
animado enquanto anotava o endereço e me desejou
boa sorte — ele busca meus olhos antes de
continuar. — Tu sabe o quanto ele sempre torceu
pela gente e foi a favor de nosso relacionamento.
Eu balanço a cabeça concordando.
— Cheguei ontem de noite e dormi em um hotel
da região. Quando acordei pela manhã, fui direto
para o endereço da casa de sua avó. Fui recebido
pela empregada que me disse onde eu poderia te
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encontrar — ele faz uma pausa — então confiante,


bati em sua porta agora há pouco. Quando você a
abriu e eu te vi com aquele roupão branco foi como
um déjà-vu, então aquele cara apareceu te
abraçando com intimidade e devo admitir que
minha confiança ficou bastante abalada.
Ethan tentava soar tranquilo, mas eu sabia
melhor que ele devia estar uma pilha de nervos. A
atitude que ele tomou não combinava com ele.
— Ethan, como eu disse sempre será bem-vindo
em minha casa, mas por que veio sem me avisar
com antecedência? — pergunto diretamente a ele.
Paramos de andar e ficamos um de frente para o
outro. Seus olhos azuis pareciam ainda mais
cansados vistos na claridade.
Ele bufa baixinho.
— Anna, te quero de volta na minha vida.
Sempre fomos ótimos juntos. Sei que não valorizei
isso, sei que fiz burrada ao me envolver com
Cinthia. É culpa minha que não estamos mais
juntos hoje. Reconheço isso, errei e falhei comigo
mesmo no processo — ele faz uma pausa. — Eu já
estava pensando em te ligar antes mesmo de você
aparecer na minha porta.
É, ele parece não culpar o látex.
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Mas todos temos direito a uma opinião diferente.


Ele dá um passo hesitante em minha direção e
tenta tocar meu ombro. Eu recuo, não permitindo o
contato.
— Então, você e Cinthia terminaram? —
pergunto estreitando meus olhos.
Ethan leva as mãos aos cabelos, frustrado.
— É complicado — responde, depois de um
tempo.
— Então descomplique — retruco batendo o pé.
Ele pensa por um momento antes de responder.
— Cinthia e eu... — ele parece buscar as
palavras certas, e mesmo levando um tempo,
considerável, o que sai de sua boca me faz querer
dar na cara dele — acho que foi um lance carnal.
Ah, como é legal ouvir isso, seu babaca. Não é
como seu eu não soubesse, mas foi sem necessidade
vir até aqui para falar isso na minha cara.
— Eu me deixei envolver e quando vi estava
noivo, de casamento marcado — interrompe meus
pensamentos, fazendo-me voltar a prestar atenção
na nossa conversa — em questão de semanas
minha vida já estava planejada para os próximos
vinte anos. E eu não sei como sair disso, estou
entrando em desespero.
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Para um cara tão inteligente, Ethan estava me


desapontando. Só não era pior, que sua decepção
consigo mesmo, pois ele estava quase arrancando
seus cabelos.
Vê-lo neste estado me sensibiliza e tento ser
mais pacienciosa.
— Você não respondeu minha pergunta —
observo a ele.
Ele demora para responder, mas, por fim, me diz:
— Sim, ainda estamos juntos.
Eu faço uma cara de reprovação ao escutar isso.
— Faria diferença se eu dissesse que
terminamos? — questiona.
Não preciso pensar muito nesta resposta.
— Não, não faria.
Ele fica abalado e eu me aproximo um pouco,
ainda mantendo uma distância considerável.
Alguém precisa colocar um pouco de juízo dentro
de sua cabeça e parece que esta pessoa terá que ser
eu.
— Ethan, você está noivo de outra mulher, uma
mulher muito bonita, que, pelo que vi, parece te
amar. Então te pergunto de novo, o que você está
fazendo aqui?
Estreito os olhos, confusa. Verdadeiramente, me
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sinto mal por ele. Eu achei que Ethan tivesse sido a


pessoa a sair por cima em nosso término, pois logo
estava com sua vida organizada; quando no final,
quem saiu menos quebrada fui eu.
— Você, eu, o bebê. Quando me contou que
estava grávida, parece que tudo fez sentido de
novo. Eu senti que era meu dever, meu destino
estar ao lado de vocês — seus olhos eram firmes
nos meus enquanto falava. — Diga-me que você
entende isso e que compartilha deste sentimento
também?
Nós dois nos encaramos por um longo momento.
— Ethan... o que eu e você tínhamos como casal
foi bom, mas terminou no dia em que deixei seu
apartamento — explico calmamente.
Ele tenta falar, mas levanto a mão, pedindo
silêncio para que eu possa terminar.
— Acredito, fielmente, que você está passando
por um período difícil. Afinal, bati em sua porta e
chacoalhei seu mundo, tirando tudo dos eixos.
Seus lábios se comprimem levemente.
— Se você não está feliz com a Cinthia, seja
sincero com ela, e exponha isso a ela. Seja
verdadeiro com seus sentimentos e suas dúvidas. Se
for o caso, termine com ela. Mas, não cometa o
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mesmo erro novamente. Você não é burro e nem


mau caráter para causar aquele tipo de dor a
alguém; isso não é algo leviano — reprimo ele. —
Você é um homem bom, trabalhador e fiel. E
lembre-se: ninguém é obrigado a ficar com alguém
que não queira.
Ele me escuta atentamente.
— Nós somos amigos há muitos anos,
conhecemos um ao outro, frente e verso. Este tipo
de amizade, de intimidade, até certo ponto, pode
confundir as coisas, complicar ainda mais. Porque
sei o quanto é difícil perceber onde o amor de um
homem e de uma mulher começa e onde a amizade
termina. A linha é muito tênue. Eu mesma levei
semanas para compreender, que eu não estava
sofrendo pelo término do noivado em si, ou pela
desconstrução dos sonhos que alimentamos juntos e
do futuro que planejamos para nós dois. Eu estava
sofrendo pela sua ausência como amigo. Sentia
falta das nossas conversas, dos seus conselhos.
Pensa comigo em como era nosso relacionamento.
Nós éramos bons juntos, mas não éramos o encaixe
um do outro. Não havia aquela explosão, aquele
sentimento que toma conta de tudo em um simples
toque, ou com um simples beijo.
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Ele pende a cabeça e sinaliza a casa.


— É isso que você tem com ele? — pergunta,
referindo-se a Noah.
Não, não era isso. Com Noah, era muito maior,
muito mais intenso. Era como se ele fosse meu ar e
sem ele eu não conseguisse respirar. Mas Ethan não
precisa ouvir isso agora, por isso, apenas concordei.
— Sim.
Ele balança a cabeça rapidamente depois olha
para o céu azul, acima de nós.
— Que bela confusão eu fiz — diz, um pouco
envergonhado.
Solto uma risada baixa.
— Sim, nisso tenho que concordar contigo.
Um sorriso se forma em seu rosto e ele consegue
rir junto comigo. Quando nos acalmamos,
vislumbro um pouco do amigo que conheci.
— Ele parece ser um cara legal — observa, com
um pouco de desdém.
— Sim, ele é. Quando o conhecer melhor, quem
sabe podem até virar amigos.
Ele torce a boca para isso.
— Muito cedo? — pergunto a ele com as
sobrancelhas arqueadas.
— Definitivamente, muito cedo.
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Voltamos a caminhar.
— Sinceramente, tente ser amigo dele. Noah é
uma pessoa incrível. Tenho certeza de que podem
se tornar amigos. Sem contar que seria
infinitamente, mais fácil lidar com tudo isso, se
todos nos entendermos bem.
— Prometo considerar — responde.
Andamos mais alguns passos e ele me pergunta.
— E como vocês estão? — pergunta apontando
para minha barriga — Notei que a barriga está
maior do que da última vez.
Levo a mão até a pequena saliência e a acaricio.
— É esta a tendência — respondo tranquila.

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TRINTA E SEIS

LIGUEI PARA NANA E TIREI O DIA DE


FOLGA. Mostrei para Ethan um lado que ele não
conhecia da cidade. Fomos à feira, caminhamos
pelo centro, tomamos sorvete, almoçamos no
Maggie’s. No final do dia, fomos até a loja de Noah
e voltamos com ele de carro para minha casa.
Convidei Ethan para ficar conosco, pois temos dois
quartos sobrando. Ele estranhou e perguntou se isso
causaria algum problema, e eu disse que não
haveria nenhum. Noah está mais querido do que eu
poderia esperar o que está facilitando as coisas para

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mim.
À noite estamos sentados nas poltronas dos
fundos, enquanto Noah assa bifes na grelha. Minha
pequena monstra de pelos brancos está deixada ao
meu lado, em cima de um cobertor, mordendo um
osso defumado. Os homens bebem cerveja direto
da garrafa e conversam sobre amenidades.
Estava acariciando minha barriga, quando escuto
me chamarem.
— Certo, Anna? — pergunta Ethan, sentado à
minha frente.
Ele trocou de roupa e está usando uma camisa
folgada azul, bermuda de tecido da mesma cor e
chinelos nos pés. Noah também está mais
confortável, todo de preto. Sua camisa, mesmo
grande, não escondia os músculos embaixo do
tecido. Nem a presença do meu ex-noivo, é capaz
de me fazer não o desejar toda vez que coloco meus
olhos neste pedaço de mau caminho. Era difícil não
me distrair quando pousava meus olhos nele.
— Anna, minha linda — chama sua voz rouca.
Mordo o lábio inferior, quando passo meus olhos
pelo formato das pernas torneadas do meu homem
e sorrio com os pensamentos indecentes que
assombram minha mente.
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Noah arqueia uma sobrancelha para mim.


Eu fico vermelha.
Ele compreende meus pensamentos, nada
inocentes, e seus olhos se estreitam, quando ele
passa a língua lentamente pelos lábios, me
provocando. Eu fico inquieta na cadeira, sentindo
um calor repentino me atingir. Dobro e desdobro as
pernas, mas o roçar da minha pele tem o efeito
oposto, e meu desejo fica ainda mais evidente.
Noah tem a audácia de rir.
Eu engasgo, provavelmente com minha baba, e
ele me estende um copo de água.
— Você é impossível — digo baixinho a ele,
pegando o colo que me oferece.
A água gelada me acalma um pouco, e depois de
alguns goles, Noah me dá um beijo antes de voltar
para a grelha.
Eu solto um suspiro e me volto a Ethan.
— Perdão, Ethan, poderia repetir, por favor.
Ele primeiro fica quieto, mas depois de um
tempo me diz:
— Eu e Noah estávamos concordando com o seu
gosto peculiar por filmes ruins.
Esta era uma de nossas “briguinhas” no passado.
Ele sempre queria assistir filmes de ação, com tiros,
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saltos e carros explodindo ou correndo em alta


velocidade. Já eu queria ver romances, com
personagens masculinos fortes e mulheres
corajosas.
Dou de ombros.
— Vamos concordar em discordar — digo aos
dois.
Ambos se olham e sorriem pela primeira vez,
concordando com alguma coisa. O restante da
noite, por incrível que pareça, é tranquila. Jantamos
em harmoniza e, após combinarmos sobre os
horários para o dia seguinte, nos retiramos para
dormir.
Quando estava me deitando Noah, me abraça e
me coloca sentada em seu colo. Então começa a
fazer cócegas em minha cintura e eu não consigo
aguentar, rindo alto. Fui obrigada a abafar uma
risada contra o travesseiro, com medo de acordar
nosso visitante. Quando ele me dá uma trégua, eu
me endireito fazendo carinho em seu rosto e
passando meus dedos pelo seu abdômen.
— Ei... você não existe — digo sorridente.
O modo como ele me olhava agora, com olhos
resplandecentes, como se eu fosse a coisa mais
preciosa de todo seu mundo, me dominava. Era
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como se eu tivesse aberto minha caixa de pandora


pessoal e tudo que continha dentro era Noah. Pois
tudo que eu penso, quero e desejo é este ser
magnífico embaixo de mim.
— Ei... eu amo você — me responde Noah.
— E eu amo você — digo, tocando com um dedo
seu nariz.
Ele me encara, e o brilho de felicidade se
transforma em travesso, quando molha os lábios e
eu não aguento mais e o beijo. O gemido que
emerge de sua garganta me deixa acesa na hora.
Não sei como, em meio aos amassos, consegui me
lembrar de que não estávamos sozinhos e, relutante,
me afasto.
— Não podemos — digo apontando com a
cabeça a porta.
Ele só sorri, quando nos rola na cama e vem para
cima de mim, abrindo minhas pernas com as suas,
com habilidade. Eu o sinto pronto tocando minha
entrada. Ele se esfrega grosseiramente em mim, me
fazendo soltar pequenos resmungos, baixinhos, em
seu pescoço.
Ele estava me tonteando.
— Jamais vou deixar de amar você, ainda mais
logo depois de dizer que me ama — Noah me beija
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me provocando e tirando de qualquer pensamento


coerente. — Não, minha linda, isso nunca
acontecerá. Acho que terei que encontrar um jeito
de abafar seus gritos.
Ele toma minha boca e eu fico logo hipnotizada
pelos movimentos generosos e habilidosos de sua
língua. De uma forma maluca, fazer amor deste
modo estava sendo muito erótico e íntimo. Ele só
se afastou para tirar minha calcinha e passar minha
camisola fina, preta, pela minha cabeça. Noah já
estava nu; afinal, ele não dormia de roupas.
Definitivamente, o melhor bônus de todos os
tempos.
Ele veio para cima de mim novamente,
rebolando seu quadril, arrancando suspiros e me
fazendo gemer em sua boca, enquanto eu me
segurava firme contra a colcha e pressionava seus
quadris até finalmente, entrar em mim. Eu senti
todo o seu comprimento me preencher de
pouquinho em pouquinho, roubando meu ar, como
sempre o fazia. Sempre que eu achava que eu não
conseguiria acomodá-lo todo, ele me provava o
contrário indo ainda mais fundo. Arfamos um
contra o outro quando seu quadril bateu contra o
meu. Seus olhos queimam em fogo vivo, quando
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ele começou a se mover com delicadeza, em um


ritmo vagaroso, arremetendo lentamente, quase
saindo todo e entrando novamente. Diabolicamente
delicioso, fez-me soltar um gemido mais alto.
Noah, sorvia cada estremecimento meu, cada apelo,
cada contração, prolongando minhas reações. Cada
vez que fazíamos amor, conseguia ser era ainda
melhor do que da última vez.
Entrelaçando os dedos aos meus, ele leva nossas
mãos unidas acima da minha cabeça, sem nunca
deixar meus lábios, me prendendo ali, enquanto me
beijava intensamente. Ele pressionou fundo uma
vez após a outra, e eu senti os primeiros espasmos
tomando conta do meu corpo e pulsando contra seu
membro, até eu não aguentar mais e atingir o
clímax. Ele absorveu meus gemidos, bebendo meu
prazer, e seu orgasmo o envolveu logo em seguida.
Éramos uma bagunça suada e grudenta quando
ele se apoiou nos cotovelos ao lado da minha
cabeça.
— Nunca vou me cansar disso — diz amoroso.
Ele me dá mais um beijo antes de rolarmos
juntos na cama; ele me deitou de lado, com a
cabeça em seu ombro e minha perna em cima da
sua. Bocejei, notando o quanto estava cansada, e
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logo adormeci em seus braços.

NO CONSULTÓRIO, NA MANHÃ
SEGUINTE, a cena era um pouco diferente. A
doutora Jane olhava desnorteada para mim, depois
para Noah, sentando ao meu lado direito, e depois
para Ethan, sentando ao meu lado esquerdo,
tentando acompanhar minhas palavras.
— Então está tentando me dizer que Ethan é o
pai do bebê?
Eu concordo.
— E Noah é seu namorado? — pergunta.
— Exato — concordo.
Noah parece discordar de mim.
— No momento namorado, mas ... — começa
Noah, mas eu toco sua perna e olho em seus olhos
pedindo para não adicionar mais informações, pois
já estava bastante confusa esta situação.
Me volto a Dra. Anelise.
— Isso — digo a ela, pela terceira vez.
Ela balança a cabeça parecendo ainda não
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acreditar.
— Isso, definitivamente, torna as coisas ainda
mais interessantes.
Todos rimos com seu comentário.
Ela me examina a seguir e faz todo o processo de
rotina com medidas, peso e toques. Quando
termina, me tranquiliza de que está tudo dentro do
esperado. Quando chega a hora do ultrassom,
convida os meninos para participarem. Noah veio
flutuando para a cabeceira da cama, e Ethan,
parecia estar desconfortável com a situação
enquanto olhava para a minha barriga arredondada.
A doutora espalhava o gel em minha pele e, quando
se dá por satisfeita, começa a apertar levemente a
cabeça de silicone, anotando algumas informações
na tela. Depois ela amplia uma imagem do meu
útero e aciona um botão para liberar o som do
batimento cardíaco do bebê pela sala.
Acredito que nunca iria deixar de chorar ao
ouvir este som.
Ethan se aproxima mais, e mais, inclinando sua
cabeça em direção ao monitor e, com um pouco de
receio, toca na tela, congelando seus dedos ali. Ele
estava fascinado, seu lábio inferior tremia
levemente.
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— Agora posso confirmar que vocês terão um


menino — avisa Jane.
Logo depois nos atualiza sobre os avanços.
Estávamos entrando na vigésima quinta semana,
com trinta centímetros e aproximadamente
seiscentas gramas.
Crescíamos saudáveis e fortes.
Noah beija minha testa, e Ethan continua
encarando o monitor de modo apaixonado. Naquele
momento, eu soube que tudo ficaria bem entre nós.
A vida sempre encontraria uma maneira de seguir
seu curso, e faríamos isso, colocando a felicidade
de nosso filho em primeiro lugar.

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Um mês depois.
- Vinte e nove semanas de gravidez -

TRINTA E SETE

— NOAH, VOCÊ NÃO DEVE TER MAIS


ROUPAS NA SUA CASA! — grito para ele, que
está deitado na cama, de lado, observando enquanto
recolho sua bagunça do chão do quarto.
Ele acha graça.
— Olha para isso aqui, está uma zona — digo
irritada.
Em segundos está à minha frente como veio ao
mundo. Se não soubesse o quanto adorava se
exibir, diria que está sem roupas por não ter nada
limpo para usar. Eu sempre ficava embasbacada
quando o via assim.
— Tenho que concordar contigo — diz
carinhosamente.
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Adoro quando concorda comigo.


— Uhum — murmuro sem sentido.
Ele me puxa para perto, esmagando meus seios
contra seu peito, para depois abaixar a cabeça em
direção ao meu pescoço.
— Não devo ter mais nenhuma roupa em casa —
diz contra minha pele.
Balanço a cabeça, e retrocedo até encarar seus
olhos astutos.
— Como assim? — pergunto piscando.
Ele sorri ao me responder.
— Simples, minha linda — responde e me beija.
— Eu não estou mais indo para a minha casa há
semanas — e me beija de novo. — Estou
praticamente vivendo em sua casa — pausa para
outro beijo — esperando minha namorada perceber
e me convidar a ficar aqui, com ela, para sempre —
aprofunda o beijo, tomando meus lábios de forma
possessiva.
Eu me entrego e levanto minhas mãos, agarrando
seus cabelos com meus dedos. Ele só se afasta, para
me olhar dentro dos meus olhos.
— E então? — me pergunta. Seu hálito quente,
mentolado, era delicioso.
Meus olhos se expandem quando percebo que já
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estamos morando juntos e não havia notado. Não


terei saudades do cérebro de grávida. Quando
maior minha barriga, mais lenta eu me tornava.
Um sorriso se forma em meu rosto.
— Estamos mesmo morando juntos — digo um
tanto apavorada e um tanto maravilhada.
Ele assente.
— Desde o primeiro dia que fizemos amor,
nunca mais nos separamos — observa ele.
Isso era verdade. Desde aquele dia passamos
todas as noites juntos e todas as manhãs acordei em
seus braços.
— Estou me tornando uma bola humana
desmiolada — digo ainda sem acreditar que não
havia percebido.
Ele se diverte do meu comentário.
— A bola humana desmiolada mais linda de
todas.
Eu dou-lhe um tapa no braço.
— Não é engraçado — reprimo.
— Tenho que discordar. Me diverti muito
fazendo bagunça dia após dia para chamar sua
atenção — diz descontraído.
Os hormônios da gravidez também não estão
ajudando. Estou mais irritada, chata, sem paciência,
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carente, feliz, triste, tudo ao mesmo tempo. Todos


os sentimentos são mais profundos e
potencializados.
— Devo estar sendo uma megera contigo —
digo afundando contra seu peito.
Ele franze o cenho, não concordando.
— Você está sendo maravilhosa.
Nego com a cabeça.
— Não, você está sendo maravilhoso — retruco
dando-lhe um beijo longo.
Ele me diz com um brilho nos olhos.
— Ah, isso é verdade. Sou maravilhoso mesmo.
Eu solto uma gargalhada alta.
Noah e sua falta de humildade.
— Então, meu Deus grego particular, você
gostaria de morar comigo?
Noah fica radiante.
— Eu já moro, minha linda, mas agradeço a
formalidade — responde antes de unir nossas bocas
em um beijo e me levar para a cama, para
comemorarmos da forma correta.

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- Trinta e três semanas de gravidez -

TRINTA E OITO

MINHA BARRIGA JÁ NÁO ESTAVA MAIS


TÃO PEQUENA; afinal eu estava carregando o
equivalente a um abacaxi dentro de mim. Aos
poucos, o sentido materno desperta mais e mais e já
me vejo carregando meu filho em meus braços e o
ensinando sobre o mundo. Ainda não havia
decidido o nome. Todas as noites eu conversava
com minha barriga, citando nome após nome em
voz alta, esperando alguma reação do meu
“pacotinho”, que me mostrasse que ele aprovava o
nome, mas não havia resposta.
Aff!
Seria tão mais fácil chamá-lo de pacotinho para
sempre.
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Era uma aflição.


Noah parecia ter uma conexão direta com o bebê,
maior até do que a minha. Sempre que ouvia sua
voz, eu o sentia se mexer dentro de mim. Noah
cantava para ele todas as noites e quando colocava
sua mão em minha barriga, o bebê sempre se mexia
chutando em resposta ao seu toque. Era lindo poder
presenciar o pai que ele estava se tornando aos
poucos. Noah ainda tinha suas reservas quanto a
isso; as vezes, o medo de cometer os mesmos erros
de seu pai, se apossava dele. Já eu não tinha
ressalvas. Noah nasceu pronto para este papel. Era
algo nato o modo como ele se preocupava e
cuidava de nós.
Estávamos nos preparando para a chegada do
novo integrante da família. Já tínhamos comprado
os móveis do quarto do bebê. Noah havia montado
o berço, e eu colado o papel de parede azul. O
quarto, finalmente, estava pronto. Não precisei me
preocupar com roupas, pois Nana e meus pais se
ocuparam disso; recebia semanalmente caixas e
mais caixas de roupinhas que, tenho certeza de que,
mesmo trocando o bebê dez vezes por dia, ainda
não usaria tudo.
Falando neles, meus pais chegariam esta noite
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para nos visitar e jantar conosco. Seria a primeira


vez que os veríamos desde de estive em Nova York
e seria a primeira vez que conheceriam Noah.
Virou um habito conversar com eles e trocávamos
mensagens com frequência. Às vezes, eu iniciava a
conversa, outras eles, mas o que importava é que
nos buscávamos. Não havia mais ressentimento ou
ódio ou a mágoa que alimentei por anos; tudo se
dissolveu e hoje posso dizer que estão no passado.
Eles estão mais presentes do que nunca, importam-
se comigo e amam meu filho.
Estava nervosa enquanto arrumava a mesa e
colocava os pratos e copos. Estava dobrando os
guardanapos quando Noah apareceu de banho
tomado. Mesmo sem perfume, seu cheiro era
delicioso quando me abraçou pela cintura, afagando
minha barriga, como se tornou costume.
Ele coloca sua cabeça no meu pescoço e beija
minha clavícula.
— Deixe que eu termino aqui, vai descansar —
sussurra em meu ouvido.
Eu me viro para ele.
— Estou bem, quero fazer isso — respondi
suavemente.
Noah ergue meu queixo com uma mão e me
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beija com ternura, como só ele sabe fazer. Quando


olha em meus olhos me diz calorosamente.
— Você está linda.
Eu sorrio, achando-me maravilhosa, com minha
calça de yoga preta e uma blusa de lã creme, de
manga longa e decote V. Ficar confortável virou
uma necessidade. Sempre gostei da imagem que vi
no espelho, mas havia algo sobre a maternidade que
despertava uma nova autoestima; nunca me achei
mais linda do que durante a gravidez.
Ouvimos a campainha tocar e ele me dá um
último beijo antes de eu ir abrir a porta; respiro
fundo, antes de girar a maçaneta e abro um sorriso.
Meus pais me encaravam do outro lado da porta.
Papai estava vestido de jeans, botas e um blusão
marrom. Minha mãe, por incrível que pareça,
estava usando algo parecido, jeans preto, bota de
cano alto preta e um blusão azul-escuro. Ela havia
deixado seus vestidos de lado e segurava uma torta
de chocolate nas mãos. Já meu pai segurava uma
garrafa de vinho tinto. Eles me deram um sorriso
gentil, e eu estava adorando vê-los tão casuais e
confortáveis.
— Sejam bem-vindos — digo abrindo mais a
porta.
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Eles me abraçaram antes de entrar. Quando


estava fechando a porta escuto Noah vindo da
cozinha. Ele passa a mão por suas calças antes
cumprimentar meu pai com um aperto de mão.
— Prazer em conhecê-lo pessoalmente, senhor;
sou Noah.
Meu pai retribui o gesto.
— Por favor, me chame de Daniel. Afinal, já
ouvi falar muito de você, rapaz — responde
apontando com a cabeça para mim.
Eu reviro os olhos.
Noah repuxa os lábios para cima e se vira para
minha mãe. Eles se cumprimentam e ele a abraça
de forma desengonçada, por causa do bolo que ela
segura nas mãos e dá um beijo em sua bochecha.
— Prazer, senhora.
Quando minha mãe prende os olhos no rosto de
Noah, ela parece ter visto um fantasma. Os olhos se
arregalam, enquanto o sorriso some do seu rosto.
Ela quase deixa a torta cair de suas mãos quando
cambaleia para trás. Eu me aproximo para ajudá-la
mas ela se recompõe sozinha. Noah me olha com a
testa trincada e eu compreendo, pois estou confusa
também. Como se pudesse ler meus pensamentos,
ela balança a cabeça, clareando seus pensamentos e
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devolve o cumprimento, com um sorriso hesitante.


— Prazer em te conhecer, Noah. Mas, por favor,
me chame de Elizabeth.
Seu olhar era estreito em direção ao meu homem,
como se o estivesse analisando, avaliando e
pensando. Eu só me perguntava porquê. Será que
estava comparando-o com Ethan ou estudando se
ele era um bom partido para mim. Talvez estivesse
impactada com sua beleza, pois Noah geralmente
causava este efeito nas pessoas; afinal, não é todos
os dias que temos um homem tão lindo a nossa
frente.
Noah me cutuca e trocamos uma mensagem
particular: “E agora?”. Meu pai também olhava
confuso para a minha mãe. Não querendo passar a
noite toda em pé a frente da porta, decido tomar
uma atitude. Sorrindo me aproximo tiro o bolo das
mãos de minha mãe. Em seguida, eu o levo para a
geladeira, enquanto Noah toma a frente e os
convida a ficarem mais confortáveis na sala.
Quando retorno, trago três taças de vinho e um
abridor. Entre tudo para o meu pai e me sento ao
lado de Noah. Ele ligou a lareira mais cedo e o
ambiente estava muito agradável. Meu pai abre o
vinho e serve as três taças, entregando uma a Noah,
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uma à minha mãe e pegando a última. Começamos


uma conversa e meu pai se mostrou muito curioso a
respeito do meu namorado, perguntando sobre seu
emprego, suas ambições e projetos. Quando o
assunto se volta para os negócios, vejo o rosto de
meu pai se iluminar ao constatar que Noah entende
bastante sobre suas empresas. Noah não precisa de
mais do que cinco minutos para ter a bênção do
meu pai. E como minha mãe ainda o olhava
hipnotizada, acredito que havia conseguido a
bênção dela também.
Mamãe me pergunta tudo que pode sobre a
gravidez; sobre como tenho me sentindo, se o bebê
está se mexendo muito, se estou conseguido dormir
bem e se tenho me sentido cansada. Ela se abre me
contando sobre o tempo que estava grávida de
mim; assim como vovó, mamãe também enjoou
muito, e, assim como eu, ela perdeu bastante peso
no início.
Depois de alguns minutos Noah pede licença e se
retira para a cozinha, para verificar como está nossa
janta. Durante a tarde preparei uma lasanha, que já
estava assando no forno. Minha mãe bebe um gole
do seu vinho e aproveita o espaço deixado por
Noah, se inclinando para mais perto de mim e me
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pergunta:
— Como foi que você e Noah se encontraram?
Eu acho graça.
— Noah era meu amigo de infância. Talvez não
se lembre porque faz muitos anos. Lembra quando
eu vinha visitar vovó e lhe contava sobre um garoto
que me infernizava a vida, mas que mesmo assim
eu chamava de meu melhor amigo? — digo
ajudando-a a recordar.
Ela pensa, antes de responder.
— Acho que me lembro. De quem ele é filho
mesmo?
Não a culpo por não se lembrar; minha mãe não
vinha tanto para cá quanto eu, por isso respondo.
— De Maggie, Maggie Collins.
Ao escutar o nome, minha mãe quase derruba a
taça de vinho no chão. Meu pai, foi rápido ao tirar a
taça de sua mão, evitando um acidente.
— Está tudo bem, querida? — meu pai pergunta
a ela, acomodando a taça na mesa de centro.
Minha mãe parece estar passando mal, mas o que
responde diz o contrário.
— Claro — diz se recompondo — só me
atrapalhei, acho que já chega de vinho para mim —
diz tentando soar descontraída. — Querida, acabei
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respingando um pouco de vinho na minha roupa,


será que poderia me apontar onde fica o banheiro?
— Primeira porta à direita — respondo
apontando o local.
Ela logo se levanta e caminha até lá. Escuto a
tranca quando fecha a porta.
Estranho, pois não vi nenhuma marca em sua
roupa. Quando retorna para a sala, seu rosto está
normal, como se ela tivesse mascarado seus
sentimentos.
A noite continua. Jantamos e a pego analisando
Noah durante um ou outro momento. Ela o fazia de
modo sutil, tentando não aparentar, mas eu percebia
cada olhada mais demorada; era como se estivesse
estudando o modo como ele se alimenta ou como
segura a taça de vinho. Pode ser loucura minha,
mas até a risada de Noah parecia causar uma reação
nela. Em determinado momento, Noah sorriu para
mim, mostrando-me suas covinhas; pela minha
visão periférica, vi minha mãe se sobressaltar. Eu
fiquei encucada por todo interesse e comecei a
achar que poderia haver algum motivo especial
para isso. Cheguei perto de quase questioná-la a
respeito, mas não o fiz.
Depois da janta, voltamos para a sala e
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retomamos a conversa. Minha mãe começou a agir


normalmente, como se seu comportamento anterior,
não tivesse sido notado. Decido deixar o assunto de
lado. Provavelmente era coisa de minha cabeça ou
os hormônios da gravidez estavam me fazendo ver
coisas onde não existiam.
Afinal, o que minha mãe e Noah poderiam ter em
comum?

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- Trinta e sete semanas de gravidez -

TRINTA E NOVE

FINALMENTE E COM MUITO ESFORÇO,


consegui concluir toda a linha de produtos “Prove
primeiro, fuxique depois”. Em breve, lançaríamos
no mercado os novos produtos. Como minha
barriga estava enorme, e a dor nas costas não me
deixava em paz, decidimos trazer Érika, Pierry e
Igor para cá, para o treinamento que ocorreria nas
próximas semanas. Igor agora trabalhava em tempo
integral para a empresa em Manhattan, chefiando
todo o departamento da nova linha.
Falando neles, Igor e Érika, até onde sei, não
estavam se entendendo. Ele se negava a me contar
o motivo e eu não tinha coragem de perguntar a
Érika; só faltava ela resmungar para mim toda vez
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que tocava no nome do meu amigo. A única coisa


que eu sei é que estavam abalados na última
reunião, distantes, mal se olhavam e só trocavam
poucas palavras, quando realmente necessário.
Sem perceber, negligenciei meu amigo nos
últimos meses. Só percebi quando o vi diante de
mim. Eu o levei para o aeroporto e ao nos
despedimos prometi que seria mais presente e,
assim que eu tivesse liberação médica, iríamos
visitá-lo.
Acredito que não seja surpresa para ninguém,
que Ethan e Cinthia tenham terminado. Ele
descobriu que não era amor, afinal. Ele cumpriu
sua promessa e sempre viajava para me
acompanhar nas ecografias. A sala ficava pequena
para Noah, Ethan e eu em todas as consultas, mas
nenhum deles abria mão de estar ao meu lado. Isso
sem contar que, às vezes, também Nana nos
acompanhava. Ela e Pierry resolveram dar uma
nova chance ao amor e voltaram a namorar. Ele
vinha nos visitar com frequência, e prevejo que
muito em breve teremos um casamento em vista.
Não quero estragar a surpresa, mas acredito que
teremos dois casamentos.
Um dia, fuçando no guarda-roupa, achei uma
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caixinha dentro de um dos bolsos do casaco de


Noah. O embrulho era simples, com papel dourado
e uma fita branca. Meu nome estava escrito nele
com a letra elegante de Noah. O formato, o
tamanho, o peso, tudo me levava a crer que o
conteúdo da caixinha era uma aliança de noivado.
Minhas pernas ficaram bambas e tive que me sentar
na ponta do colchão para me estabilizar. Em
silêncio, lágrimas desciam pelas minhas bochechas
e eu sentia borboletas no estômago. A resposta era
óbvia; eu casaria com Noah mil vezes; hoje,
amanhã e todos os dias. Desde o início ele sempre
foi o meu para sempre.
Não sei quantos minutos eu fiquei olhando para a
embalagem dourada em minhas mãos, minha
curiosidade quase levou o melhor de mim e com
muito esforço não abri o embrulho. Noah guardou
este anel por algum motivo. Não estragaria sua
surpresa. Quando ele acreditar ser a hora certa, será
a hora certa para mim também. Não existem
momentos incompletos ou imperfeitos ao seu lado.
Quando escutei o seu carro entrar na
propriedade, sequei minhas lágrimas rapidamente e
guardei a caixinha onde a encontrei. Fechei a porta
do armário e vesti meu melhor sorriso para ir
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receber meu companheiro.

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- Duas semanas depois. -

QUARENTA

TUDO ESTAVA ALINHADO, TRANQUILO


E PERFEITO; por isso não previ o que estava por
vir.

Estávamos em fevereiro. Era dia chuvoso e


congelante de fevereiro. Faltavam poucas semanas
para o parto, e era o meu desejo trabalhar até o dia
antes do nascimento do bebê. Não suportava ficar
sem fazer nada e precisava colocar minha cabeça
em outro lugar para me distrair, já que minha
ansiedade crescia à medida que minha barriga
aumentava.
Eu já não tinha mais o pique de antes, e coisas
simples como amarrar um tênis ou vestir minha
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roupa íntima se tornaram desafiadoras. Noah se


divertia com o meu sofrimento e me irritava com
tudo. Por sorte, ele nunca perdeu o bom humor ou o
modo gentil de me tratar, mesmo quando eu e era
uma megera; o que acontecia com mais frequência
do que eu gostaria de admitir.
Estacionei o carro e andei rápido até a porta de
casa. Meu cabelo estava úmido, grudado no rosto,
quando entrei e acomodei minhas coisas no
aparador.
— Noah — chamei da entrada.
Tirei meu casaco e pendurei atrás da porta.
— Na cozinha — ele gritou de volta.
Removi meus sapatos, dando graças a Deus por
quem inventou as pantufas, e acomodei os pés na
da delícia peluda. Enquanto caminhava, tomei uma
decisão: trabalharia de pantufas de agora em diante.
Da cozinha eu ouvia vozes e risos e fiquei me
perguntando quem seria a visita, já que não
tínhamos nada programado. Quando cheguei à
cozinha congelei na porta, surpresa. Noah estava
em pé atrás do balcão, e minha mãe estava sentada
em uma cadeira alta, com os cotovelos apoiados na
bancada, bebendo algo quente de uma xícara.
Noah larga algo e limpa suas mãos em uma
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toalha antes de vir até mim.


— Até que enfim chegou; já estava preocupado
por causa do mal tempo.
Ele me dá um beijo suave nos lábios.
— As estradas estão terríveis, tive que dirigir
mais devagar.
Encosto minha cabeça em seu peito e ele me
puxa para um abraço.
— Tem certeza que quer continuar a trabalhar no
seu estado?
Já tivemos esta conversa inúmeras vezes. Ele é
contra eu ainda estar trabalhando neste estágio da
gravidez, mas, ao mesmo tempo, entende que
preciso do meu trabalho ou ficaria louca dentro de
casa.
— Sim — digo contra seu peito.
Ele respira fundo.
— Bom, pelo menos eu tentei — responde a
contragosto.
Ele se afasta; ele fazia esta pergunta todos os
dias, e eu lhe dava a mesma resposta todas as
noites.
— Já preparei sua comida e temos visita.
Minha mãe estava elegante com um vestido
branco e saltos finos. Ela se levantou quando me
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aproximei.
— Olá filha — cumprimenta me dando beijos na
bochecha.
Ela parece feliz por estar aqui e eu estava feliz
também, apesar de estranhar sua visita repentina.
Noah apareceu com um prato de frutas na mão e
um copo de suco de laranja, o que fez meu
estômago se manifestar.
Ele sorri.
— Sempre com fome esse garoto — diz
brincando. — Vem, vou levar isso até a sala, lá é
mais confortável para você descansar.
Eu e minha mãe o seguimos. Escolho a poltrona
e Noah acomoda os pratos na mesinha ao meu lado,
e ajeita as almofadas nas minhas costas e coloca um
banquinho para eu apoiar meus pés. Ele me alcança
as frutas e acomoda sua mão em minha barriga.
— Vou deixá-las a sós para fofocarem, só não
falem mal de mim. — pede piscando.
Ele me dá um beijo antes de subir as escadas.
Fico encarando sua bunda perfeita, nos jeans até ele
sumir do meu campo de visão. Suspirando, pego
um pedaço de morango e dou uma mordida. O
sabor doce da fruta é tudo que preciso depois de um
dia cansativo. Chego a soltar um gemido baixo.
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Minha mãe sorri ao meu lado e deposita sua


xícara na mesa de centro da sala.
— Eu também era louca por morangos quando
estava grávida de você.
Eu me viro para ela.
— Tenho um desejo inexplicável por eles. Sonho
que o bebê vai nascer com cara de morango.
Ela ri.
— Acho que você não corre este risco.
Eu sorrio e termino de mastigar. Bebo um gole
do meu suco e pergunto:
— Não sabia que estava vindo para a cidade. Por
que não me avisou? Teria ido buscá-la no
aeroporto.
Ela abaixa os olhos.
— Eu também não sabia; tomei esta decisão
apenas poucas horas atrás e vim no primeiro voo
disponível.
Eu a encaro preocupada e pergunto com a testa
enrugada:
— Aconteceu alguma coisa com o papai?
Ela levanta seus olhos e nega com a cabeça.
— Não. Seu pai e eu estamos bem.
— Está tudo bem com Ethan?
— Até onde sei sim.
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O que poderia ser então?


Melhor parar de tentar adivinhar e deixá-la me
contar.
— Não que eu não esteja adorando sua visita —
começo — mas por que esta aqui?
Ela solta um suspiro e entrelaça os dedos em
frente ao seu corpo.
— Eu precisava vê-la minha filha; tenho tanto
para te contar, para te explicar. Existem algumas
coisas que são importantes para mim que você
saiba.
Eu assinto e mordo mais um morango, enquanto
espero por ela.
— Como sabe seu pai e eu estamos fazendo
terapia; uma das etapas do processo é estarmos em
paz com nosso passado. É compreendermos nossas
atitudes. É sermos honestos e transparentes com
aqueles que amamos para que eles possam entender
algumas escolhas e caminhos que escolhemos e
seguimos — ela faz uma pausa. — Eu não tenho
sido honesta com você e preciso começar minha
história pela época em que eu ainda morava nesta
cidade.
Minha mãe parecia nervosa.
— Você e eu somos mais parecidas do que eu
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poderia imaginar. Desde muito pequena você me


lembra a mim mesma quando criança. Sua alegria
contagiava a todos ao redor, ao mesmo tempo em
que me causava um grande medo. Tinha medo de
que você poderia sofrer o mesmo que eu sofri, de
que poderia trilhar o mesmo caminho que eu trilhei
e, por isso, fiz todo o possível para te distanciar ao
máximo deste caminho, para te mostrar que existia
outra opção; uma opção mais segura.
Seu olhar busca o meu.
— Sei que te empurrei para coisas sem saber se
era o que você queria, mas o fiz pensando em seu
bem. Vendo todo seu talento e amor pelo que faz
hoje, sinto-me uma tola, por não ter aberto meus
olhos antes e constatado sua infelicidade.
Ela desvia o olhar em direção a janela. A chuva
continuava a cair do lado de fora e ela buscava um
momento para se recompor. Eu respeito seu tempo
e espero. Quando volta a me olhar, seu rosto não
tem mais a expressão de antes.
— Eu já vivi aqui. Eu já amei este lugar. Amava
as montanhas, o lago, amava a cidade e amava as
pessoas que viviam aqui — olha para suas mãos,
antes de dizer. —Amava tanto que tiver que ir
embora justamente por isso.
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Eu apoio o prato de frutas na mesa ao lado e


depois pergunto intrigada:
— Não estou entendo mãe.
Ela repuxa os lábios em um gesto triste e olha
em direção às escadas.
— Noah é um rapaz muito bonito — diz, em vez
de responder minha pergunta.
Fico encucada com a mudança de assunto, mas
concordo, esperando tudo fazer sentido no final.
— Sim, ele é.
— E você o ama.
— Com a minha vida — respondo.
— E ele ama você também.
Balanço a cabeça, pois esta conversa fazia menos
sentido a cada minuto.
— Mãe, por que estamos falando sobre Noah e
eu?
Ela não me responde imediato.
— Antes de continuar, preciso te dizer que eu
amo seu pai. Amei quando ele era controlador, e
estou amando ainda mais agora que ele não é.
Quando me casei com ele, ele representava tudo
que eu precisava na época: segurança, conforto,
família. Não o tipo de amor que faz sua pele
queimar ou faz você cometer loucuras, mas o tipo
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de amor que é suficiente para viver ao lado de


alguém que é seu amigo e seu parceiro.
Ela estava descrevendo os dois tipos de amor que
eu já tive. Um era Noah, o outro era Ethan. Não
existia comparação entre ambos. Um eu consegui
superar o outro o mero pensamento de não
estarmos mais juntos... não, eu nem consigo cogitar
esta hipótese.
Sua voz me traz de volta a sala.
— Dito isso, preciso te dizer que eu já amei outra
vez na minha vida. Houve outro antes do seu pai —
ela dá um pequeno sorriso sem graça, como se
estivesse revivendo uma lembrança há tempos
guardada. — Apaixonei-me pela primeira vez
quando eu tinha quinze anos. Foi de repente,
avassalador e eu fiquei transtornada.
Fico curiosa.
— Amei esta pessoa por três anos em silêncio.
Ele era um de meus melhores amigos, vivíamos
juntos, andávamos com o mesmo grupo de pessoas.
Quando ele me abraçava ou esbarrava em minha
mão sem querer, eu sentia aquela coisa gostosa
dentro do peito. Aquela sensação de euforia que era
difícil conter, e, muitas vezes, eu ruborizava. Ele
era o garoto mais lindo que eu já havia visto — diz
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fechando as pálpebras. — Seus olhos tinham um


tom que nunca vi em nenhuma outra pessoa. Todas
as meninas eram loucas por ele naquela época —
complementa, com certo divertimento.
Ela abre as pálpebras e continua.
— Um dia, quase dois anos depois, tomei
coragem e decidi confidenciar a ele os meus
sentimentos. Naquele dia caprichei no visual.
Lembro de ter escolhido meu melhor vestido,
arrumado meu cabelo, e levei horas fazendo minha
maquiagem; afinal, queria estar perfeita. Era uma
noite de verão, e iríamos a uma festa com fogueira
na beira do lago. Eu tinha dezessete anos.
Lembra sonhadora.
— Em minha mente já visualizava todo nosso
futuro juntos. Faríamos faculdade na mesma
cidade, ficaríamos noivos, compraríamos uma casa
e formaríamos uma família. Só que nada disso
aconteceu.
Ela faz uma pausa.
— Quando cheguei à festa, o garoto que eu
amava estava beijando outra garota. Só que ela não
era qualquer garota, mas sim, minha melhor amiga
— relembra com pesar. — Foi como se alguém
tivesse me apunhalado e arrancado meu coração.
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Achei que não seria capaz de respirar, sentindo um


aperto na garganta. Corri até ter certeza que
ninguém me veria e caí de joelhos na areia,
derramando lágrimas pelo meu rosto e estragando
toda minha maquiagem; sabendo que havia
chegado tarde de mais.
Sua voz está embargada e ela limpa a garganta.
Busca a caneca e bebe um gole, antes de continuar.
— Eu e esta amiga éramos como unha e carne,
inseparáveis. Ela estava feliz no novo
relacionamento e me contava isso o tempo todo.
Então, fui obrigada a me acostumar com a ideia e
com a realidade de que os sonhos que havia
construído nunca poderiam se tornar realidade. Era
muito difícil no começo vê-los juntos, e eu os via o
todo tempo. Íamos ao cinema, às mesmas festas,
aos mesmos restaurantes. Fingir que isso não me
afetava foi uma das coisas mais difíceis que eu já
tive que fazer.
Eu sentia pela sua voz de que falar sobre este
assunto ainda era difícil para ela.
— Você nunca me contou nada disso antes —
comento com ela.
— Eu nunca quis contar isso a ninguém, porque
a verdade é que tenho vergonha desta história.
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Minha mãe fazia menos sentido a cada frase; por


isso pergunto:
— Por quê?
Vejo sua mão tremer levemente quando repousa
a xícara de volta na mesa de centro.
— Porque eu não fui forte o suficiente — admite
— porque, quando eu achava que estava tudo bem,
que eu finalmente havia encontrado um equilíbrio
para conviver com aquilo, eu falhei comigo mesma,
com minhas convicções e com nossa amizade —
pausa longa. Quando fala, sua voz sai vacilante. —
A verdade é que eu traí a confiança de uma pessoa
muito querida.
Ela ainda sofria. O que quer que tenha feito,
ainda a amaldiçoava; ela ainda não havia
encontrado a paz para com ela mesma. Sento-me na
poltrona com a intenção de me aproximar dela, mas
ela me impede.
— Não, fique descansando. Sei que não é o
melhor momento para eu te contar tudo isso, ainda
mais com a gravidez tão avançada.
Ela me dá um leve sorrido.
— Estou bem — garanto. — Por favor, continue
— peço a ela, apoiando meus pés novamente no
banco.
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Ela concorda com a cabeça.


— Alguns meses se passaram e, uma noite fui à
uma festa. Precisava urgentemente extravasar, pois
todo o esforço que eu fazia para manter as
aparência estava me consumindo. Acabei bebendo
demais e dançando com alguns rapazes como nunca
me permiti. Eu deixava que eles colocassem as
mãos em minha cintura e colassem nossos corpos.
Eu rebolava, estava tão bêbada, tão cheia de dor,
que não me importava mais com nada. Aceitava
todas as bebidas que me davam e eu as engolia
como se fossem água. Não sei quando, mas alguém
me ergueu e me levou para um quarto no andar de
cima. As imagens pareciam vultos e em câmera
lenta. Lembro ter sentido o algodão do lençol
contra minha pele quando me deitaram em uma
cama. Forcei meus olhos para poder ver e quase
fiquei sem ar, quando reconheci os olhos que me
encaravam preocupados. Meu salvador era o dono
do meu coração. ELE havia me salvado.
Ela para de novo, engolindo em seco. Esta parte
parece ser mais difícil do que as outras.
— Ele se aproximou de mim e me deu um beijo
terno na testa antes de se virar para sair do quarto.
Eu o segurei pelo braço o impedindo. Não sei o que
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deu em mim, de onde eu tirei coragem, mas eu


consegui me colocar de joelhos no colchão e
comecei a abaixar as alças do meu vestido na frente
dele. Eu via a dúvida estampada em seus olhos,
assim como também via desejo. Peguei sua mão e a
levei até o meu seio, a colocando ali. Ele não se
moveu imediatamente. Minha pele queimava com
seu toque. Ele ficou me encarando por muito tempo
e, quando tomei consciência da burrada que estava
cometendo, virei meu rosto, envergonhada. Quando
fui me afastar, senti seus dedos erguendo meu
queixo e seus olhos procurando e encontrando os
meus, em um frenesi que ele não mais escondia.
Quando ele tomou meus lábios eu me entreguei
totalmente a ele. Ele foi meu primeiro homem e eu
repetia para ele que o amava entre um beijo e outro.
Durante os minutos seguintes, a sensação foi
inigualável; era como estar flutuando. Quando o
momento acabou, e a nevoa se dissipou, a verdade
do que havia acontecido, do que eu havia incitado,
veio à tona. Só tive tempo de correr para o banheiro
e vomitar minhas tripas para fora.
Ela se afasta um pouco.
— Não sei como voltei para casa, o resto da
noite é um branco em minha vida; mas nunca me
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senti tão mal como na manhã seguinte. Tinha


repulsa de mim mesma. Lavei meu corpo e o
esfreguei até esfolar a pele. Minha amiga me
ligava, o garoto me mandava mensagens e eu não
conseguia responder a nenhum deles. Não
conseguia encará-los. Disse que estava indisposta e
me isolei dentro de casa por três dias. No quarto
dia, Nana me obrigou a sair da cama. Aproveitei
para esticar as pernas pelo jardim, para aliviar os
pensamentos. Mas não consegui, pois a razão do
meu tormento me encontrou.
Eu a observa mais atenta do que nunca, não
querendo perder detalhe algum.
— Ele surgiu entre as árvores, me abraçou e
tentou me beijar, mas eu o afastei com as mãos. Ele
não entendeu. Expliquei-lhe que o que acontecera
fora um erro e que não poderíamos ficar juntos.
Que tudo tinha que voltar a ser como era antes. Ele
me disse que isso era impossível, pois ele queria
ficar comigo. Eu recusei todas suas propostas, disse
que não podíamos magoar ninguém por causa da
nossa fraqueza e pedi para ele me esquecer. Ele foi
embora contrariado, mas rezei para que
pudéssemos voltar a conviver em harmonia.
Lá fora o vento soprava com força, fazendo os
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troncos e galhos das árvores balançarem.


— Nos dias seguintes, sempre que nos
encontrávamos, sua mão buscava a minha ou sua
perna enroscava na minha, embaixo da mesa. Eu
me retraia e fugia de seu toque. A namorada dele,
minha amiga, minha melhor amiga, não percebia
nada. Ela confiava em mim e eu não sabia como
lidar com isso, com esta decepção — ela faz uma
pausa. — Até que um dia tudo piorou. O garoto
bateu na porta de minha casa, bêbado uma noite, e
tentou me beijar à força; disse que me amava e que
iria terminar tudo para ficarmos juntos. Nesta noite,
percebi que as coisas nunca voltariam a ser como
antes, que eu havia arruinado tudo e que eu
precisava tomar uma atitude. Então, covarde, eu
fugi. Busquei a universidade mais distante, fiz
minha inscrição e parti. Sem explicar nada a
ninguém, mudei-me em questão de dias.
Finalmente descubro por quê minha mãe
escolheu deixar Incline Village para trás. Acredito
que nem mesmo Nana ou papai tenham
conhecimento de tudo que ela estava me contando
agora.
— Apesar de tudo, consigo imaginar o quanto
esta escolha deve ter sido difícil para você.
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Ela concorda.
— Eu precisava de um novo começo e por isso,
tive que deixá-los no passado. Mesmo sendo difícil
eu me obriguei a me abrir para novas experiências.
Quando conheci seu pai, ele me ofereceu tudo
aquilo de que eu necessitava. Aos poucos, permiti
que ele entrasse em minha vida e confiei nele. Ele
me ganhou com sua persistência.
Sorrio para ela.
— Algum momento você sentiu saudade de seus
amigos ou voltou a conversar com eles?
Ela tem um momento de indecisão, antes de
continuar.
— Depois de um tempo, tive notícias. Ele me
ligou um dia, poucos meses depois, e, não sei por
quê, eu atendi. Ele me ligava constantemente, e
aquela foi a única ligação que atendi depois que
parti — ela respira fundo. — Ele me contou que
seria pai. Primeiro, eu fiquei em choque, depois
consegui lhe dar os parabéns. Ele me disse que
havia estragado sua vida, que nunca quis aquilo e
que não sabia o que fazer. Eu respondi que não
podia ajudá-lo e desliguei. Nunca mais
conversamos depois disso; troquei meu número de
telefone e cortei o último laço que tinha com aquele
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passado.
Fico tocada pela história. Ela errou, mas este erro
lhe custou um preço alto. Mesmo agora, não era
fácil para ela estar se abrindo para mim, colocando-
se em uma posição tão vulnerável.
Então, por que ela estava fazendo isso?
É quando tenho um clique; como se toda sua
história fizesse sentido de repente. Dois amigos de
infância.... o garoto mais lindo que ela já havia
visto... olhos de um tom que nunca vira antes... sua
amiga carregava um filho.... o pai não queria o
bebê.
Noah!
Engulo em seco e com um medo que nunca tive
antes, pergunto a ela:
— Mãe, qual era o nome dos seus amigos?
Ela balança a cabeça envergonhava, mas me
responde.
— Maggie Collins e Paul Smith.
Eu levo minha mãos aos lábios, ao mesmo tempo
em que escuto um barulho do alto da escada. Com
o coração martelando no peito, a figura arrasada de
Noah se materializa à nossa frente. Ele parecia uma
bagunça enquanto lutava para processar tudo, sua
camisa abotoada de forma errada, uma meia em seu
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pé e outra ele ainda na sua mão.


Me coloco em pé o mais rapidamente que
consigo.
— Noah — exclamo eu quando vou hesitante em
sua direção.
Ele me ignora e caminha determinado em
direção à minha mãe, que se levanta do sofá com
dificuldade.
— Você — diz apontando o dedo para seu rosto.
— você é a culpada por tudo, você estragou tudo!
— Noah... — minha mãe tenta falar, mas ele a
interrompe.
— Você é a culpada por eu não ter tido um pai....
por ele não nos querer... por ter nos abandonado —
Noah caminhava pesadamente, a raiva sendo
descontada no assoalho — você é a culpada pelo
sofrimento de minha mãe, por ela nunca ter se
recuperado disso e por ela ter me criado sozinha —
ele para e a encara. — Você sabe o quanto é difícil
crescer sem um pai? O quando me culpei e me puni
por isso durante quase toda minha vida? Sabe o que
é não se permitir algum tipo de felicidade por que
você se acha desmerecedor dela? — Ele não falava,
ele gritava com ela.
Nunca o vi tão transtornado.
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Minha mãe tenta acalmá-lo.


— Noah, te juro que jamais quis causar
sofrimento em alguém.
Seus olhos não eram amorosos quando ele a
encara.
— Seus atos provam o contrário — cospe as
palavras.
Ela se cala, e eu pergunto-lhe algo que queria
perguntar há mais tempo.
— É por isso que você ficou tão abalada quando
conheceu Noah?
Seus olhos se voltam a mim e ela consente.
— Noah é a cara de Paul.
O estronde de um trovão cai do lado de fora, a
claridade adentrando a janela. Tento me aproximar
de Noah. Sua respiração era rápida e profunda. Ele
estava de punhos fechados, como se estivesse
pronto para descontar sua raiva em alguma coisa ou
alguém. Toco seu braço com cautela, e ele se
assusta, retraindo-se como um animal ferido.
Naquele momento ele não entendia que estava
doendo em mim também, que sua dor era a minha
dor. Ele não demonstrava nenhum traço do meu
parceiro e embora me encarasse com as narinas
dilatadas, com os olhos esbugalhados e com ódio,
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tanto ódio, eu não me afastei. Não o abandonaria.


Eu ficaria com ele; Noah precisava que eu ficasse.
Minha mãe tenta conversar com ele novamente.
— Noah...
Mas ele não lhe dá a chance. De súbito, caminha
em direção à porta e a abre com um puxão. A
chuva o atinge de imediato. Ele vira seu rosto
molhado para mim, e encarando o chão, me diz:
— Eu sinto muito, Anna.
Então, ele sai para a noite chuvosa e bate a porta
atrás de si.
Meu coração quase para de bater, enquanto
escuto sua caminhoneta deixar a propriedade,
arrancando e acelerando bruscamente. Minha mãe
toca meu braço, e percebo que está molhado, pelas
lágrimas que estou derramando.
— Não queria que nada disso acontecesse minha
filha. Espero que, um dia, possa me perdoar. Mas
eu precisava te contar toda a verdade.
Olho para sua mão.
— Precisava? Por quê? Porque tinha que vir aqui
e bagunçar tudo que construí e machucar as pessoas
que eu amo. Não percebe o sofrimento que isso
causou em Noah? O quanto ele ainda sofre pelo
pai?
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Ela me olhava sem entender.


— Noah não era nascido na época. Não posso ser
responsável por isso.
Preciso ser mais clara.
— Não, não te responsabilizo por isso. Mas te
culpo por ter ficado no meio da felicidade de duas
pessoas e bagunçado tudo. O resultado final
poderia ter sido diferente sem a sua interferência, a
história de Noah poderia ser diferente. Sei que você
sabe disso ou não teria vindo de tão longe para me
contar esta história e aliviar sua consciência.
Ando até a porta e começo a vestir meu casaco.
Estou fechando os botões quando ela sua voz me
atinge.
— Você tem razão.
Olho para ela depois de pegar minha bolsa.
— Sei que tenho. Agora me dá licença que
preciso remediar tudo isso. Fique à vontade para
ficar ou para ir embora. Mas se decidir ficar espero
que encontre um modo de Noah perdoá-la.
Abro a porta e sinto a chuva fustigar minha pele.
— Anna, você não pode estar pensando em sair
com esta tempestade — ela diz alarmada.
Olho para ela uma última vez antes de sair.
— Não tem escolha, eu o amo. Noah precisa
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saber que não está sozinho. Ele foi abandonado


uma vez, e não deixarei que ele se sinta assim
novamente.
Saio e caminho decidida até o meu carro. Abro a
porta e me jogo no assento, ensopada, minha roupa
grudada no corpo. Dou a partida e saio para a rua.
Lá fora, outro raio divide o céu noturno em dois,
mas eu não consigo pensar em outra coisa além de
Noah.
Onde ele estaria?
Para onde teria ido?
Estou com frio, tremendo dentro do carro quando
paro em uma sinaleira. Ao fundo, através do vidro,
outro raio rasga o céu, banhando a cidade em um
clarão luminoso e estranho.
Ligo o ar-condicionado no quente, tentando
esquentar minhas mãos.
O sinal abre, e acelero.
Decidida a encontrar Noah, não percebo a luz
amarelada que vem da minha esquerda. Quando a
noto, já é tarde demais. Escuto o barulho de freios,
e então o impacto de metal contra metal. Sou
jogada com força contra meu sinto de segurança,
lançada no ar. Meus sentidos vão me abandonando,
um a um. Não sinto minhas pernas, tento mover
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minhas mãos e descubro que tampouco consigo


fazer isso. Em vão tento abrir meus olhos, mas é
inútil. Um cheiro forte de sangue, misturado a
ferrugem e óleo me deixa nauseada e me vejo
perdendo a consciência.
Tento respirar, mas cada tragada de ar, me causa
pontadas de dor no pulmão, ardendo, queimando,
me dilacerando. Eu quero berrar mas a dor é tanta
que eu não tenho forças para gritar.
Por isso, nada faço.
E depois?
Depois, o meu mundo se apagou.

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- Dois anos depois -

EPÍLOGO
- NOAH -

DIZEM QUE A VIDA PODE MUDAR EM


UM SEGUNDO.
Eu nunca acreditei, realmente, nisso.
Bom, pelo menos, não até agora.
No meu caso, não foi um segundo, mas cinco
que transformaram o meu mundo.
Há dois anos, um caminhão bateu contra carro de
Anna. O motorista levou uma fração de segundos
para perceber que estava sem freio, cruzou o sinal
vermelho e acertou a lateral do carro, na porta do
motorista. Segundo a polícia, Anna mal teve tempo
de piscar antes de perceber o monte de metal que
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vinha ao seu encontro.


Você deve estar se perguntando se me sinto
culpado?
A resposta é: todo maldito dia da porra da minha
vida!!!
Mesmo nos meus melhores dias, não consigo
esquecer que ela só saiu de casa por minha causa.
Que ela só estava naquele cruzamento por minha
culpa. Que eu devia ter ficado com ela naquela
noite. Que eu falhei na minha promessa de protegê-
la.
Engraçado como em um instante todos os nossos
sonhos e planos passam a não ter a menor
importância. Porque, no final, tudo se resume ao
fato de que em toda a minha existência amei
somente uma garota.
Dizem que uma pessoa tem, em média, sete
relacionamentos até encontrar a pessoa certa.
O que eu acho disso?
Fodam-se as estatísticas.
Eu só precisei de uma.
Eu sempre só quis a ELA.
Quando éramos crianças, eu a infernizava, por
prazer mesmo. Lembrem-se, que eu era um
pirralho. Zoava do seu nariz pequeno, do seu modo
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de andar desengonçada, do seu tamanho diminuto,


de não pesar nem metade do meu peso, mesmo
molhada. Ela era a mais adorável das criaturas, mas
eu a deixava braba constantemente. Atormentá-la
se tornou umas de minhas atividades favoritas, e eu
planejava cada encontro, buscava formas diferentes
de irritá-la e, com o tempo, isso se tornou minha
atividade favorita. E quando eu obtinha sucesso, ela
me dava um soco no ombro. Eu fingia dor, quando
na verdade, eu adorava sentir seu toque em mim.
Louco, né?
Nunca disse que não era.
Mas, garanto, mesmo o soco dela era melhor que
o carinho de qualquer outra pessoa.
Você deve estar me achando irritante. Afinal, por
que atormentaria uma pessoa de que gostava tanto?
Eis a pergunta de um milhão.
Então, deixei-me voltar um pouco no tempo.
Porque a verdade é que naquela época nem eu sabia
que gostava dela. E foi um choque para mim
também, quando descobri isso.
Lembro, como se fosse ontem, o dia em que
percebi que eu estava caidinho por ela. Estávamos
andando de bicicleta em uma tarde de sol
escaldante. Ela não desviou de um galho e caiu
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com tudo no chão. Bufando, desci da minha


bicicleta para ajudá-la, irritado por ela estar agindo
feito uma menininha de novo. Quando chego até
ela, estava chorando baixinho, enquanto
pressionava o machucado no joelho.
Doeu até em mim, quando reparei que o corte era
grande.
E depois as coisas aconteceram como que em
câmera lenta. Ela se ajeitou melhor no chão, e seu
vestido amarelo curtinho subiu, dando-me um
vislumbre de suas pernas. E eram belas pernas. A
pele parecia seda lisa e imaculada. E, pela primeira
vez, senti um desejo ardente tomar conta de mim.
Cambaleei um pouco pois a repentina constatação
me tonteou. O decote de seu vestido, deixava
entrever a protuberância de seus seios.
Desde quando ela tinha seios?
Seus cabelos soltos eram um emaranhado de
terra e sujeira, e tudo que eu queria era passar a
mão pelos fios dourados e ajeitá-los. Não, meu
desejo era passar a mão por ela inteira.
Diabos. De onde estava vindo isso?
Notei que ela tinha sardas em torno dos olhos, e
eu queria tocá-las com minha mão. Quando ela se
virou para mim, vi duas esferas do verde mais claro
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e puro em que já colocara os olhos. Eles brilhavam


com seus pontos dourados pedindo minha ajuda.
Em vez de estender minha mão, eu estava
parado, babando por ela feito animal, ignorando seu
pedido e querendo beijá-la feito uma besta.
Se você pensou que eu iria ajudá-la depois disso,
pensou errado.
Eu estava em choque com aquela constatação;
afinal, ela era minha amiga.
Sua mão continuava estendida em minha direção,
quando eu, subitamente, me virei e subi na bicicleta
para dar o fora dali; levando comigo, minha
vergonha e uma bela ereção no meio das pernas.
Ela me perdoou no dia seguinte. Eu disse que
sofrera de um mal súbito por ver todo aquele
sangue.
Ela me chamou de babaca.
E eu adorava até mesmo isso nela.
Nunca mais a olhei somente como amiga depois
disso. Eu tinha quinze anos na época, ela tinha
treze. Foi quando minha vida mudou pela segunda
vez. A primeira foi quando eu reconheci que meu
pai havia me abandonado, mas isso é uma história
para outra hora. Todos os verões ela voltava cada
vez mais linda, e eu percebi que estava me
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apaixonando por ela. Seus cabelos cresceram até a


cintura. Seu rosto tomou forma de coração, seus
lábios encheram, seu corpo ganhou curvas nos
lugares certos.
Minha mão ansiava por tocá-la.
Era tanto desejo reprimido que eu perdi a conta
das vezes que tive que bater punheta para me
aliviar, pensando nela.
É, deprimente, eu sei.
Os calos que tive na época concordam contigo.
Mas, e quanto ao medo?
Não sabia o que era isso antes de pensar em me
expor para ela. Em deixá-la saber dos meus reais
sentimentos. Não tive medo da rejeição de meu pai,
pois eu nunca soube o que era tê-lo em minha vida.
Mas eu sabia o que significava ter Anna em minha
vida e não estava disposto a arriscar isso.
Afinal, o que um cara como eu, um pé rapado,
um zé-ninguém, poderia oferecer para uma garota
como ela, que tinha tudo? Não era somente o
dinheiro o problema. Eu era o problema. Eu e
minhas inseguranças e cicatrizes que carregava
comigo desde sempre. Meu receio em deixar
alguém entrar, e ser rejeitado novamente.
Deixa eu te confessar uma coisa: Rejeição é uma
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bosta.
E não, não melhora com o tempo.
O sentimento sempre estará ali; você aprende
que não tem controle sobre o passado, mas tem
controle sobre o futuro. E, a partir disso, passa a
escolher a intensidade com que vai deixar doer.
A frustração levou a momentos de raiva, que
imploravam por libertação. Por isso, fiz o que
qualquer cara faria. Eu peguei geral. Passei o rodo
em minhas colegas de aula, nas vizinhas, em
algumas mães de vizinhas, de colegas, eu não me
importava com idade, não tinha critérios além da
necessidade de me aliviar. Até que foi legal. Desde
que desenvolvi alguns músculos, as mulheres se
atiravam em cima de mim, e eu tirei proveito disso.
Algumas noites eram boas, outras nem tanto. Mas,
se eu não saísse, eu pensava nela, para ser sincero,
mesmo enterrado, até as bolas, dentro do corpo de
outra mulher, eu fechava meus olhos e eu a via
claramente como o dia, gravada em minha mente.
As pessoas, principalmente as mulheres, faziam
vista grossa, quando eu e Anna andávamos juntos
na rua. Quando ela me perguntava eu
desconversava. Nunca contaria para ela este lado da
minha vida.
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Ela virou um tipo de obsessão que eu precisava


ver, ter por perto, mas me proibia de tocar. Não me
sentia honrado o suficiente para colocar minhas
mãos em algo tão puro.
Esperava ansiosamente todo o verão para vê-la.
Até o dia em que ela veio para cá com Ethan. Vê-la
ao lado dele, suas mãos tocando o corpo dela, o
corpo que era meu, foi como levar uma facada no
estômago. E o pior foi perceber que ela sorria para
ele. Que ela lhe dirigia palavras de amor e carinho,
que ela gostava dele e que estava feliz.
Eu tinha vinte anos na época. Sentia-me
pressionado para tomar um rumo na vida, para não
deixar que as atitudes do meu pai moldassem as
minhas. E eu estava fazendo um belo trabalho
seguindo seus passos, colecionando calcinhas,
camas vazias e alimentando um coração gelado.
Contra a vontade de todos eu me inscrevi na
Marinha.
Não me despedi dela. Eu jamais conseguiria me
despedir dela.
E, meus amigos, o exército não é lugar para
todos. A pressão, a cobrança, a disciplina requerida
tomavam meus pensamentos, não me deixando
espaço para mais nada além do que eu precisava
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fazer para atravessar dia após dia. Concluir minhas


tarefas. No fundo eu era grato a isso, pois a
exaustão era meu único remédio contra as
lembranças dela. Servi e obedeci por dez anos, até
uma tragédia me fazer voltar. Perder minha mãe me
deixou sem chão. A mulher mais forte de todas
havia me abandonado. A mulher que me carregou
no peito com orgulho quando ninguém me quis,
que me ensinara os valores mais importantes. Ela e
meus avós eram tudo que eu tinha, e eu perdi
metade do meu mundo em um instante. Descobri
tarde demais o que eles sempre tentaram me
ensinar: Família era mesmo a base de tudo! Por
isso, decidi fixar minhas raízes novamente e ficar
perto da minha avó, agora como um homem
transformado.
As investidas femininas, não surtiam efeito. Eu
não estava mais desesperado.
Pelo menos não até ouvir a risada dela, naquele
dia. Eu não estava acreditando até seguir o som que
me causava arrepios, e eu ver com meus próprios
olhos. Tonto, pisquei várias vezes para confirmar
que eu não estava sonhando. E não, não era um
sonho. Anna estava em Incline Village, sentada a
uma mesa com sua avó, e com uma bola de pelos
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brancos aos seus pés, que parecia ser um cachorro.


Meu corpo se aproximou automaticamente;
movendo uma perna após outra, eu suava frio. Só
sabia que eu precisava chegar mais perto. Achei
que os anos teriam me preparado para vê-la
novamente. Mas, quando seus olhos encontraram
os meus, estremeci por dentro. Até hoje consigo ver
tudo que aconteceu depois disso com exatidão.
Lembro-me da sensação de tocar sua pele no lago,
do seu vestido molhado colado ao corpo, de eu ter
que me afastar pela reação que causava no meu.
Meu corpo reagiu a ela como nunca reagiu a
nenhuma outra. Minha vontade era rasgar suas
roupas, gritar que eu era seu Tarzan e ela minha
Jane. Mas lutei contra isso e decidi ser paciente;
afinal, ela estava diferente; seu sorriso estava mais
raso e ela parecia mudada. O idiota do Ethan e os
pais dela haviam apagado um pouco da luz nas
lindas esferas verdes que eu tanto amava. Portanto,
prometi a mim mesmo que eu traria aquela luz de
volta para seus olhos e para sua vida. Dias se
passaram e eu respeitei seu espaço, sua vontade,
sua velocidade, e com insistência, fui me
convidando, aos poucos, de volta para sua vida.
Para minha sorte, ela me aceitou.
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Nossos encontros casuais, nossas cutucadas que


lembravam os velhos tempos. Nossas idas ao
cinema, eu ajudando-a com sua casa, as risadas
fáceis, autênticas e verdadeiras. Tudo com ela era
sem esforço, natural, parecia certo.
Ela sempre despertou e continuava a despertar o
melhor de mim.
Foi difícil me segurar; afinal, o destino me
pregou muitos testes. Como o dia que eu a vi
somente de calcinha e sutiã dentro do lago, ou
quando tomei coragem e toquei sua pele, beijei seus
seios. Eu podia explodir nas calças de prazer só por
tocá-la, e exigia tudo de mim, concentrar todas as
minhas investidas e toques para ela, para seu
prazer. Privar-me dela, mesmo queimando de
desejo, foi um tormento. Tive que voltar a me dar
prazer com as mãos para não morrer de tensão
acumulada.
Eu senti que ela queria meu corpo, mas para mim
isso não bastava. É óbvio que eu queria que ela
fervesse por mim, como eu fervia por ela, que me
desejasse como nunca desejou outro cara, como eu
sempre a desejei. Mas eu precisava, simplesmente
precisava, saber que ela me queria como um todo.
Que ela me aceitava, imperfeito, incompleto e
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bruto.
Quando tive certeza de que a espera havia
terminado, de que ela me amava, de que havia
aberto seu coração e me deixado entrar, eu
finalmente a tomei para mim. A noite em que
fizemos amor pela primeira vez foi muito mais do
que sexo. Toda a proximidade e todo o desejo iam
muito além da condição física. Era sobre conhecer
alguém. Era sobre aquela química, aquele encaixe
perfeito. Uma conexão invisível que tive com ela, e
somente com ela, desde pequeno. Muitas vezes não
a entendia, nem conseguia explicar ou ver, mas
havia esse vínculo. Eu sabia que ela me entendia, e
isso me fez querer entendê-la também. Deitado em
cima dela, protegendo-a com meus braços, o
mundo parecia um lugar bom e gentil. Nós
estávamos tão próximos que respirávamos o
mesmo ar. Eu não conseguia parar de beijá-la, tocá-
la, descobrir do que ela gostava, o que a fazia
gemer. Eu memorizava cada mínimo detalhe.
Quando eu pressionei até o fundo, achei que fosse
gozar na hora. Ela era apertada, acomodando meu
pau como uma luva. Eu nos embalei em um ritmo
perfeito até que nossos mundos explodissem em um
gozo desigual. Era sobrenatural estar dentro dela.
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Ela era minha e eu era dela. Aquela que eu procurei


a vida inteira, aquela a quem eu dedicaria o restante
dos meus dias.
Quando ela me disse que me amava, não existia
nada mais perfeito que ela pudesse me dizer. Eu
morreria um homem feliz naquele instante, pois
tinha tudo que eu mais queria em meus braços.
Eu estava esperando o momento certo para pedi-
la em casamento. Tinha tudo planejado. Iria
convidá-la para um banho no lago e faria amor com
ela de forma lenta e profunda. E, ainda dentro dela,
formando um só, eu olharia bem fundo dentro dos
seus belos olhos verdes e lhe diria que ela era o
amor da minha existência, a mais bela criatura em
que já colocara os olhos e que nada me faria mais
feliz do que ela aceitar ser minha esposa.
Eu já tinha comprado a aliança e a escondido em
um casaco no fundo do armário. Faria questão de
ela aceitar meu nome e, conhecendo-a como
conheço, sabia como esta conversa se desenrolaria:

— Acha que vou adotar seu sobrenome? — ela me


perguntaria um pouco irritada.
— Tenho certeza — responderia com convicção.
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Ela bufaria.
E eu acharia lindo.
— Quer dizer que casarei com um homem das cavernas?

Eu sorrio agora. Porque a resposta era sim. Eu


me comportava como um homem das cavernas
quando o assunto era ela. Extremamente
possessivo. Mas, por outro lado, loucamente
apaixonado.
Com tudo que estava acontecendo com o avanço
da gravidez e seu sucesso profissional, preferi
esperar para depois que o bebê nascesse para fazer
o pedido. Pois queria que ela tivesse tudo a seu
tempo. Não queria atropelar nada e lhe dar mais
coisas para lidar quando já tinha um pote cheio
delas. Anna estava grávida de um menino. Mesmo
não sendo meu biologicamente, ele era meu filho.
Dias antes do acidente, ela havia escolhido o nome
do, até então, pacotinho. Ele se chamaria Tyler
Jones Anderson. O nome não poderia ser mais
propício, pois significava: “aquele que protege,
aquele que está protegido”.
No hospital, fizeram uma cesárea de emergência
para tentar salvá-lo, mas não conseguiram tirá-lo a
tempo. Anna teve uma hemorragia por causa da
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pancada forte e o bebê ficou sem oxigênio.


Transtornado e completamente incoerente, eu pedi
para vê-lo, mesmo assim. Talvez meu estado de dor
tenha causado comoção, pois as enfermeiras
atenderam ao meu pedido; levaram-me para uma
sala vazia e fria e me deixaram sozinho com ele,
deitado imóvel em uma mesa de metal fria, coberto
por uma toalha fina branca. Com as pernas bambas,
avancei e sentei-me ao seu lado. Minhas mãos
oscilavam quando puxei o lençol. Um rugido alto
saiu de minha garganta ao vê-lo e toda dor me
atingiu tão fortemente que quase cai para trás na
cadeira, soluçando consternado. Acariciei sua pele.
O bebê tinha a pele tão fina, as feições minúsculas
visíveis. Ele era parecido com Anna. Dava para ver
a semelhança no formato do nariz e da boca...
embora o cabelo fosse mais escuro. Fiquei o que
pareciam horas, acariciando sua pele gelada e lhe
dizendo palavras acolhedoras e bondosas. Disse-lhe
o quanto foi amado e desejado, o quanto sua falta
me causaria dor, até que alguém colocou a mão em
meu ombro e me tirou dali. Ele agora era um anjo,
vagando pelo infinito. Um ser de amor, protegendo
a todos aqueles que ficaram para trás.
Você deve estar se perguntando. Como é
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possível se recuperar disso?


Eu te respondo: Não é possível!
Quando perdemos alguém que amamos, a vida
deixa de fazer sentido por um momento. Não
importa quantos dias passem, quantos sois se ergam
no céu; é impossível esquecer a perda. A dor
diminui, o aperto dá uma folga, mas a sensação de
impotência não vai embora.
Respiro fundo uma...
Duas...
Três vezes, voltando ao presente.
Abro os olhos. Estou sentado nos fundos da
minha casa, observando o final de tarde, do deck de
madeira. O gramado se estende verde à minha
frente; a primavera fazendo as flores
desabrocharem em tons vívidos, deixando o jardim
colorido com tons de roxo, rosa e amarelo.
Atraindo borboletas, que Fúria persegue no
momento.
Para mim nunca houve ninguém como Anna, ou
além de Anna.
Nem jamais haveria.
Meu coração amou somente uma vez e eu a
amaria para sempre. Entreguei a ela o melhor de
mim, tudo de mim. Em meu peito, tatuei o seu
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nome em vermelho-sangue no meio das grandes


asas negras. Ela estaria para sempre gravada em
minha pele. Tenho plena convicção de que um
amor como este acontece uma vez só na vida. Um
encontro de duas almas destinadas a
compartilharem juntas seu tempo na terra, a
entregarem seus corpos um ao outro, a confiarem
sua essência. Seres tão perfeitos que suas almas se
fundem, não existindo uma sem o outra.
Eu sei que uma vida é muito pouco tempo para
este tipo amor.
O sol começa a baixar no horizonte, atrás das
altas montanhas. Os feixes de luz escapando e
explodindo pelo céu e pelas nuvens brancas, criam
a ilusão de uma miragem com fundo azul, como se
o Criador estivesse me abençoando com seu
esplendor. Caminhando em minha direção, com a
luz dourada às suas costas, clareando seu vestido
longo branco, está a eterna dona do meu coração.
Linda sem esforço, sem maquiagem, descalça e
com seu longo cabelo solto, esvoaçando ao vento.
As cicatrizes que sobem pelo seu braço esquerdo
não diminuem sua beleza, e ela me deixa sem
fôlego toda vez que eu coloco meus olhos nela.
Como sempre, ela está reluzindo, como um anjo.
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Talvez seja de felicidade, talvez seja o diamante


que carrega no dedo anelar de sua mão direita.
Vou ao seu encontro, me coçando para tocá-la; o
coração batendo forte contra o peito. Não cabe em
mim tudo que sinto por ela, pois com ela sinto tudo
ao mesmo tempo. Esta mulher não representava
minha vida, ela era minha vida.
Ponto!
Em poucos passos, nos encontramos e ficamos
olhando um para o outro. Seus olhos pareciam duas
pedras preciosas que brilham para mim, ainda mais
claros, vividos, esplêndidos, emoldurados por seus
longos cílios.
Ela abre a boca e me diz, com a voz suave como
o vento, tudo que preciso ouvir para saber que
estou vivo e que isso não é um sonho.
— Ei...
— Ei, você... — respondo.

FIM

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Lemos, Jéssica
Título original: Ei, você!
331 p.; 21,59 x 27,94 cm.
Copyright © 2019 de Jéssica Flach de Lemos
Primeira edição, 2019
ISBN 9781095590393

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