Stella Adler - Técnica Da Representação Teatral

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NÃO SOMOS TODOS ATaRES?

Sim, de certa maneira somos. Como diz Marlon


Brando, ex-discípulo de Stella Adler, "Representar
é um fenômeno fascinante da natureza humana,
e Stella Adler nos presenteia com uma análise in-
cisiva e inteligente da técnica de atuar, que há
muito tempo aguardávamos. Espero que todos te-
nham tanto prazer em ler este livro quanto eu tive."

ARTE DA REPRESENTAÇÃO TEATRAL

se destina a atares estreantes, a veteranos desejo-


sos de reciclagem estética e profissional, bem co-
mo a todos aqueles que tenham desejo de enfren-
. tar uma platéia e com ela compartilhar a ventura
de tornar reais, vívivos, os sonhos e os anseios da
tcatrologia universal.

Mais um lançamento de categoria da


Civilização Brasileira

ISBN 85-200-0061-4
A VIDA É UM PALCO.
O PALCO É A VIDA

Um dos setores marcantes de nos-


sa atividade editorial, aqui na Civiliza-
ção Brasileira, tem sido de longa data
o dedicado às artes cênicas. Nosso ca-
tálogo inclui o que de melhor se pos-
sa encontrar em língua portuguesa so-
bre a produção, a direção e a represen-
tação teatral, com obras de autores uni-
versalmente respeitados como Kons-
tantin Stanislawski, ]erszy Grotowski ,
Eric Bentley, Lee Strasberg, Augusto
Boal, Alexander Fersen. A eles se jun-
tam, com este livro, a grande Stclla
Adler e, em breve, os famosos met-
teurs-en-scêne Peter Brook e Mcycr-
hold, este último em reedição.
Herdeira de rica tradição familiar
nos palcos do mundo , discípula de
Stanislawski e grande dama do teatro
e do cinema norte-americanos, Stcl-
la AdIer teve a generosidade e a gran-
deza humana de, em 1949, no ápice
de sua carreira, abandoná-la para de-
dicar-se exclusivamente ao ensino das
artes e técnicas da representação , se-
ja em seus próprios cursos (em Nova
York e Los Angeles) , seja na Escola
Dramática da Universidade de Yale.
Centenas e centenas de jovens
atores tiveram a sorte de se valerem
da extraordinária experiência pessoal
que ela acumulou, e do forte brilho
intelectual que emanou sempre de
sua atuação, para o desenvolvimento
de suas próprias carreiras. Um deles,
talvez o mais famoso de todos, foi o
admirável Marlon Brando, que escre-
veu comovido Prefácio a este livro de
sua professora e, hoje, grande amiga.
Mas a dedicação de Stella Adler ao tea-
tro é tamanha, que ela se dispôs, es-
crevendo este livro, a transmitir a cen-
tenas de milhares de pessoas, em to-
do o mundo, que nunca viu, e jamais
conhecerá, todo o riquíssimo cabedal
que acumulou, ao longo de tantos
anos, sobre os mistérios e os desafios
da arte de representar.
TÉCNICA DA REPRESENTA-
çÃO TEATRAL é um dos melhores
manuais que todo atar principiante,
ou toda e qualquer pessoa que tenha
desejo de fazer carreira no teatro, de-
verá ler. Inspirado nos ensinamentos
de Stanislawski, ele é um compêndio
prático, dircto, sistemático sobre o
que se deve fazer, desde a leitura ini-
cial de um texto teatral até ao levan-
tar do pano, para que atares e atrizcs
possam dar vida e credibilidade aos
papéis que lhes caibam. O teatro é
maior do que a vida, mas é nela que
se apóia, e os intérpretes serão tanto
mais competentes quanto mais se ati-
ram a ele com total mobilização de
corpo, coração e espírito',

Enio Silveira
Técnica da Representação
Teatral
Stella Adler

TÉCNICA DA REPRESENTAÇÃO
TEATRAL

Prefácio de Marlon Brando

Tradução de Marcelo Mello

civilização • brasileira
Título original: THE TECHNIQUE OF ACTING
Copyrigbt © 1988 by Stella Adler

Prefácio: Copyrigbt © 1988 by Marlon Brando

Copyrigbt © 1992 by EDITORA CMLIZAÇÃO BRASILEIRA S/A. (da tradução)

Capa: Felipe Taborda

Fotocomposição: HELVÉTICA EDITORIAL LTDA.,


em GARAMOND, corpo 11/12

ISBN: 85-200-0061-4

1992

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser


reproduzida, seja de que modo for, sem a expressa autorização da
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
Av. Río.Branco, 99 - 20'? andar
20040 Rio de Janeiro, RJ.
TeI. (021) 263-2082 - Telex. (21) 33 798 - Fax: (021) 263-61-12
Caixa Postal 2356 - 20010 Rio de Janeiro, RJ

Impresso no Brasil
Printed iri Brazíl
Para meu pai, Jacob P. Adler,
e minha mãe, Sara Adler
AGRADECIMENTOS

Este livro foi escrito com a generosa


colaboração de Irene Gilbert e Mel Gordon.

Gostaria de expressar minha apreciação ao


corpo de assistentes-executivos
do Conservatório Stella Adler por sua
dedicação ao meu trabalho.
SUMÁRIO

PREFÁCIO de Marlon Brando " 15


Introdução " 17
O Ator e a Profissão " 17
O Impulso de Representar " 19
CAPÍTULO UM: As Metas do Ator " 25
CAPÍTULO DOIS: Dando Início à Técnica " 28
Energia " 28
Alcançando a Platéia " 29
Tensão • 30
Controles Físicos " 3 O
Domínio da Fala " 32
Memória Muscular " 33
Movimento Animal " 34

CAPÍTULO TRÊS: Imaginação " 36


Consciente Coletivo " 37
Vendo com Imaginação Criadora • 38
Vendo e Descrevendo " 39
Os Fatos x A Visão do Ator • 40
Ver Especificamente • 41
Ver Rapidamente • 42
Ver o Que Atrai sua Atenção '" 42
Imagine Atividades Cotidianas da Vida e Situe-as
em Circunstâncias '" 43
Ver as Simples e Eternas Cenas da Natureza e do
Comportamento Humano em seu Cenário
Histórico '" 43

CAPÍTULO QUATRO: Circunstâncias '" 49


A Verdade do Lugar '" 49
Vivendo nas Circunstâncias '" 51
Construindo Circunstâncias Mais Amplas '" 5 3
A Atmosfera nas Circunstâncias '" 5 3

CAPÍTULO CINCO: Ações '" 54


Ações Fortes e Fracas '" 54
Explicação de uma Ação ,. 55
Natureza de uma Ação '" 56
Ação Total (Superobjetivo) '" 57
Fisicalizando '" 60
Concluindo e Não Concluindo as Ações '" -60
Ações Que Não Empregam Texto '" 61
Preparação e Entradas Convincentes '" 62
Dor e Morte '" 63
Emoção ,. 65

CAPÍTULO SEIS: Justificação '" 67


justificação Imediata ,. 67
justificações Mais Criativas '" 71
A justificação nas Circunstâncias '" 73
Justificação Interna '" 74
Respondendo Concretamente '" 7 5

CAPÍTULO SETE: Trabalhando no Palco '" 76


Adereços '" 7 6
Acelerando a Ação '" 77
Personalização '" 78
Acidentes Planejados '" 82
Vestuário '" 83
CAPÍTULO OITO: Personagem .. 84
Situação Social >I< 85
Classe >I< 86
Representando uma Profissão .. 89
Antecedentes do Personagem >I< 90
Elementos do Personagem .. 93
Atitude em Relação ao seu Parceiro >I< 96
Diálogo >I< 98
Atitude .. 99
Construindo um Enredo >I< 100-
Antecedentes .. 100
Níveis '* 101

CAPÍTULO NOVE: O Vocabulário da Ação '* -105 -


Recordar .. 105
Falar >I< 108
Bater Papo '* 109
Conversar >I< 109
Debater >I< 109
Argumentar >I< 110
Atacar '* 110
Cuidar de .. 110
Explicar • 111
Ensinar • 112
Revelar >I< 113
Denunciar >I< 113
Desafiar >I< 115
Sonhar .. 115
Filosofar r 116
Orar >I< 117
Aconselhar • 118

CAPÍTULO DEZ: A Primeira Aproximação


do Ator com o Autor '* 120
Parafraseando .. 120
Seqüências .. 123
O Problema da Grandiosidade >I< 123
CAPÍTULO ONZE: Trabalhando no
Texto $ 124
O Elemento Dialético no Texto Moderno * 124
O Monólogo * 127
A Técnica de Ensaio * 131
Etapa 1: Ingressando no Significado * 132
Etapa 2: Compreendendo o Assunto $133
Etapa 3: Compreendendo a Peça $ 133

CAPÍTULO DOZE: A Contribuição do


Ator * 134
Minha Trajetória até Stanislavski * 136
Sugestão de Cenas e Personagens para Estudar
e Trabalhar * 142

Biografia de Stella Adler * 144


PREFÁCIO

Marlon Brando

Para mim, Stella AdIer é muito mais do que uma professo-


ra da arte de interpretação teatral. Através de seu trabalho, ela
nos presta um valioso tipo de informação: como descobrir a
natureza de nossa própria mecânica emocional e, por conse-
guinte, a de terceiros. Lastimo bastante que, por não se terem
prestado a divulgações vulgares, como ocorreu com alguns su-
postos "métodos" de atuação hoje notórios, suas contribui-
ções à cultura teatral tenham permanecido em grande parte ig-
noradas, não-reconhecidas e não-apreciadas. No entanto, Stel1a
foi uma das poucas pessoas, senão a única, a ir a Paris para es-
tudar com Konstantin Stanislavskí, o agudo observador do com-
portamento humano e uma das figuras marcantes do teatro rus-
so. Regressando aos Estados Unidos, ela trouxe de lá uma per-
feita compreensão da técnica stanislavskiana e aplicou-a em suas
aulas, mal imaginando o impacto que tais cursos iriam ter so-
bre a cultura teatral em todo o mundo. Se a maioria dos ci-
neastas, em toda parte, sofreu a influência dos filmes america-
. nos, estes, por sua vez, foram fortemente marcados pelos en-
sinamentos de Stella Adler. É por isso que muitos a amam, e
todos lhe devemos bastante. Quanto a mim, sou-lhe grato pe-
las inestimáveis contribuições que deu à minha vida e me sín-

15
to feliz por ter estado ligado a ela, pessoal e profissionalmen-
te, ao longo de toda a minha existência.
Alegra-me que ela se tenha disposto a escrever este livro
sobre a arte da representação teatral, onde contribui de modo
marcante para que compreendamos a essência dessa antiga e
aparentemente instintiva técnica de atuarmos diante de tercei-
ros, algo que, hoje, já sabemos refletir aquilo que na realidade
somos. Creio, até, que uns breves comentários sobre ele não
sejam descabidos.
A mais velha profissão do mundo, pensando bem, não é
a prostituição, mas a representação, e não se pense de modo
algum que essa lembrança seja pejorativa. É verdade elemen-
tar que todos nós lançamos mão de técnicas de representação
para alcançar quaisquer fins que desejemos atingir, quer se trate
duma criança fazendo beicinho por um sorvete, ou de um po-
lítico no curso de animada peroração, determinado a alcançar
os corações e as carteiras de possíveis eleitores. Estadistas do
mundo inteiro teriam carreiras divertidamente curtas sem o au-
xílio e a sábia aplicação dessa arte de representar. Em verda-
de, a persistência do conceito de que existe uma diferença en-
tre o atar profissional e nós, que representamos pelas nossas
necessidade diárias, constituiu um enigma. É difícil imaginar
que sobreviveríamos neste mundo sem sermos atares. A re-
presentação funciona como perfeito lubrificante social, além
de instrumento para proteger nossos interesses e levarmos van-
tagem em cada aspecto da vida.
Representar é um fenômeno fascinante da natureza huma-
na, e Stella Adler nos presenteia com uma análise incisiva e in-
teligente da técnica de atuar, que há muito tempo aguardáva-
mos. Espero que todos tenham tanto prazer em ler este livro
quanto eu tive.

16
INTRODUÇÃO

o ATOR E A PROFISSÃO

"Queria que o palco fosse urna corda es-


ticada onde nenhum incompetente ousasse
caminhar. "

GÔETIlE

Goethe está falando, é claro, a partir do ponto de vista de um


autor. Este é o enorme e frustrante desafio do atar ao represen-
tar peças escritas por Goethe e outros grandes dramaturgos.
Os atares têm que comunicar idéias complexas e refinadas, co-
mo as que aparecem em Strindberg, Ibsen, Shaw e ArthurMiller.
O atar moderno deve ter virtudes que o dramaturgo, tal-
vez, não tenha, e uma delas é o instinto que o estimula a atuar.
Este instinto é mais forte do que nós sabemos ou podemos ana-
lisar. O ser total de um atar - mente, espírito, alma e aquela
incontrolável essência que é o talento - deve estar dedicado
a sua arte. Nesta vida, muitas pessoas são obrigadas a usar ape-
nas uma faceta de si mesmas. Todos os outros eus.criam uma

17
inquietação incomparável na alma do atar, e é isto o que lhe
motiva o talento ser revelado.
Há mais de um século têm havido muitos estilos em lite-
ratura: Realismo, Expressionismo, Simbolismo e assim par dian-
te. Um autor tem muitos anos para explorar tais estilos, passa-
dos e presentes. O jovem atar deve fazer todas essas mudan-
ças de estilo virem à tona no presente. Para superar os obstá-
culos, o jovem atar de hoje pode contar com uma escola de
atuação, e este talvez seja o primeiro passo que o conduza à
profissão teatral.
Freqüentemente, o atar inicia sua carreira sem modelo al-
gum. Em outros períodos do teatro, o principiante era influen-
ciado por atares de grande talento. Ele entrava no palco tra-
zendo um germe e, desse modo, lentamente aprendia seu ofí-
cio através de peritos, como Salviní e Kean. Em tempos mais
recentes, as escolas de interpretação erammuitas vezes vincu-
ladas a teatros, e o ator acabava por tornar-se parte desse tea-
tro. Primeiro tornavam-se ateres - e então diretores e tam-
bém professores. O Teatro de Arte de Moscou é um exemplo
disso.
A história dos dramaturgos revela a amplitude de seu co-
nhecimento; muitos viajavam pelo mundo, entendiam de pin-
tura, literatura e música, e dessa maneira se preparavam para
escrever peças 'de mérito. E assim muitos escritores, cenógra-
fos e figurinistas têm uma linha direta com o passado cultural
que influencia solidamente seu trabalho atual.
Em nosso momento na história, não há critérios para o atar
e, muitas vezes, nem para o professor. Desde os anos 30, to-
das as regras sociais para o atar mudaram: seu comportamen-
to, a maneira de vestir, seu discurso, Todos esses fatos cria-
ram um individualismo em cada atar que dificulta a habilida-
de do professor para julgá-lo. Ele sabe que cada ator vem des-
pido de quaisquer valores, mas que, apesar disso, seu talento
pode estar latente, ,
O.ator de hoje precisa ser ajudado. Aqui, a influência do
professor é muito específica. Ele orienta o atar quando este
começa a trabalhar com idéias. O esclarecimento do texto, o
entendimento do personagem, do estilo, da linguagem, do rit-
mo da peça - estimulam o atar a experimentar a vida e o esti-
lo do dramaturgo.

18
. Atingir esse despertar incentiva o ator a perceber que sua
alma, seu espírito e seu intelecto têm importância. Ser apenas
.um rapaz ou uma moça comum não basta. Não é suficiente para
o ator ser o que somos hoje, e, mais importante, isso não inte-
ressa à platéia.
O ator tem em si o consciente coletivo. É como se todo
o conhecimento e toda a sabedoria estivessem contidos em sua
mente. Através de sua vasta imaginação, ele herda a sabedoria
de seus ancestrais sem ter tido a experiência pessoal. O ator,
através da história, sempre teve uma compreensão profunda
e cósmica. O professor pode agora captar essa compreensão
e libertar a imaginação do atar. O ator pode então crescer e
aproximar-se da vida e do estilo de muitos dramaturgos mo-
dernos, desde Ibsen até o presente.
A imaginação do ato r agora absorve a vida do personagem.
Ele adquire a capacidade de lidar especificamente com a peça
e também com a moral, a ética, a educação, a vida familiar,
a vida sexual, a crença religiosa e a profissão do personagem.
Essa aproximação dá maior domínio ao ator e lhe permite se-
gurança interior. A união de seu espírito com sua profundida-
de interna é o caminho para essa independência na profissão.
Seu conhecimento dos seres humanos, herdado ou instintivo,
sempre virá em seu auxílio.

o IMPULSO DE REPRESENTAR

Embora o ator exerça uma profissão muito antiga e bem co-


nhecida, que existe há milhares de anos, sempre foi difícil de-
finir seu lugar na sociedade. Ele não se encaixa nem na classe
média nem na classe intelectual, não compartilhando dos ins-
tintos comerciais da primeira ou dos interesses eruditas da úl-
tima. De certo modo, o ator está numa classe própria, sendo
um artista diferente dos outros artistas, pois trabalha unicamente
com seu corpo, sua alma e sua voz como instrumentos. Con-
tudo, o lugar do ator na sua própria profissão é claro e íncon-
testável. Nele repousa a alta responsabilidade de interpretar o
conteúdo da peça, de dar vida às idéias do autor e de repre-
sentar personagens de tamanha grandeza como Édipo, Ham-
let, Hedda Gabler, Joana D'Arc e Wi1ly Loman.

19
Não será extravagante considerar que o ator, porque ele
é o intérprete, seja o elemento mais importante no teatro. E
dessa forma talvez não seja surpreendente que uma extensa
variedade de pessoas das mais diferentes condições, cujas qua-
lificações educacionais e conhecimentos tendem a variar am-
plamente, escolha a arte de representar como uma profissão.
Mesmo diferindo radicalmente em seus objetivos sociais, são
semelhantes em seu desejo de se tornar atores. Ao mesmo tem-
po que esse desejo incontrolável de representar os convence
de que podem atuar e que h-ão se tornar ateres, é provável que
tenham problemas ou bloqueios que tornem difícil o alcance
de suas metas, senão impossível. Timidez, insegurança e ten-
são são problemas freqüentes, assim como falta de disciplina,
desconhecimento de tradição e método e nenhuma consciên-
cia de controle corporal. Como almas perdidas, podem sentir-
se soltos no espaço, sem rumo definido, mas apesar disso a
ambição os lança ao palco.
Assim, vamos começar do início. Tentarei tornar tudo tão
claro quanto possível. Deixem-me começar dizendo que o sis-
tema de Konstantin Stanislavski é uma técnica de atuação e téc-
nicas sempre existiram, Porém a dele é a mais moderna, em-
bora tenha sido descoberta e formulada quase cem anos atrás.
A razão pela qual Stanislavski, o fundador do Teatro de
Arte de Moscou, criou uma nova técnica decorria duma ne-
cessidade teatral elementar: os estilos antiquados de represen-
tação não se adequavam aos novos tipos de peças escritas por
Tchekhov, Ibsen, Strindberg e outros.
Nos Estados Unidos, o sistema de Stanislavski começou
a ser conhecido simplesmente como "o Método". Por alguma
razão, seus ensinamentos rapidamente se tornaram distorcidos
na América. Não por todos os atores, mas por muitos. Colu-
nistas mexeriqueiros e redatores de revistas favoreceram essa
interpretação errônea a tal ponto que o freqüentador comum
de teatro deve ter pensado que a profissão fora inventada por
um bando de atores inarticulados - e freqüentemente debi-
lóides - exigindo seus "sentimentos reais" mesmo quando
estes nada tinham a ver com o autor ou seus personagens.
Após ter atuado e dirigido no teatro americano, tive a opor-
tunidade de estudar pessoalmente com Stanislavski em Paris,
em 1934. Fui muito estimulada por isso. E quando retornei

20
aos Estados Unidos, quis repartir essa extraordinária experiência
com outros ateres americanos.
Enquanto continuava a atuar, comecei a ensinar e dirigir,
tentando corrigir a confusão que fora feita a respeito das teo-
rias de Stanislavski. .
A arte de ensinar deve ter um alicerce forte. Meu ensino
era e é baseado não apenas nas idéias de Stanislavski, mas tam-
bém num sistema natural que está ao alcance de todos. Atuar
é um trabalho obstinado, necessitando de atenção constante
e de planejamento rigoroso. Não é algo para gênios. É para pes-
soas que trabalham passo a passo. Embora não haja propria-
mente uma receita para atuar, deve-se seguir uma seqüência
de princípios. As idéias e exercícios que exporei podem servir
ao pretendente de ator e lhe dar a coragem de lutar por seu
desenvolvimento técnico e profissional.
Antes de tudo, e+e deve se ver como um artista, identifi-
cando e superando seus erros.
É natural que o jovem ator comece deforma errada. O
ceticismo da vida cotidiana e o abandono de ideais artísticos
criam um ambiente de irreverência. Má educação e pequenês
de padrão e objetivo são os produtos de nossos tempos. Pare-
ce mais difícil para, o ator contemporâneo se disciplinar do que
para os ateres de gerações anteriores. Os atores freqüentemente
surgem. despedaçados física e emocionalmente. Por esse mo-
tivo, seu relacionamento com a vida se vê completamente amor-
tecido. Parece que não têm idéia alguma de onde estão ou pa-
ra onde estão indo-Porém, há uma necessidade básica nos se-
res humanos qu.e:' os leva a querer expandir suas personalida-
des. Existe um sinal de vida que quer progredir. Esta centelha
deve ser mantida viva. Com muito esforço, o ator pode pro-
gredir e transformar-se gradualmente, partindo da insensibili-
dade e do vazio para a maturidade estética dentro de um pé-
ríodo de tempo relativamente curto. O mais importante é que,
com treinamento apropriado, ele pode estender imensurável-
mente seus talentos, criando uma nova penetração e alcance
das funções cênicas.
No palco, espera-se que o ator faça mágica. Ele precisa criar
um personagem que cative as platéias noite após noite.
Os espectadores vão aos teatros por uma única razão: pa-
ra se divertir e se aprofundar na condição humana - para se-
rem surpreendidos, para terem uma experiência artística.

21
Mais do que qualquer outra coisa, é tarefa do ato r pene-
trar nas criações do dramaturgo - nas sutilezas e mistérios que
as idéias dele possam conter.
a primeiro conceito que um ato r precisa dominar é bem
simples: atuar significa a eliminação de barreiras humanas. Ele
deve derrubar as paredes entre si mesmo e os outros atores.
Isso lhe dará uma sensação de liberdade no palco.
a ator dá provas de uma generosidade especial ao sugerir
à platéia:
"Vou dar-lhes idéias."
"Vou dar-lhes prazer."
"Vou dançar para vocês."
"Vou expor-lhes as dores do meu coração."
Tudo isso é uma forma de talento artístico, de dar de si.
É um caso de amor com a platéia. Porém, para levar adiante
esse caso de amor, ele deve começar a pensar e atuar de novas
maneiras.
Há uma diferença entre a verdade da vida e a verdade do
teatro. E é preciso aprender a não confundi-las. Devemos apren-
der como nos expressar com intensidade, quando expressar-
mos idéias épicas do autor. A razão para isso é que "o Homem
é eterno", e ele estará eternamente debatendo com idéias. a
ator é uma parte dessa luta eterna e tem de se entregar a ela.
No século XX, já que nossa linguagem é tão moderna, não sen-
timos nossas palavras. Nossas idéias não são postas em pala-
vras que interessem às pessoas.
Vivemos num tempo em que é difícil comunicar idéias.
Todavia, o ator deve comunicar-se no mais elevado nível.
Ele deve ser o senhor de palavras e idéias.

22
Técnica da Representação
Teatral
CAPÍTULO UM

As Metas da Atar

A educação da classe média típica é para a. conformidade. Mo-


delos rígidos de sucesso e sobriedade são postos diante das
crianças desde muito cedo. Esses padrões estabelecidos de com-
portamento, que poderíamos chamar genericamente de a Nor-
ma, são obstáculos para o crescimento artístico. O modo de
pensar da classe média (Norma) torna-se uma camisa-de-força
para a imaginação. .
a medo de crítica, a loucura pelo dinheiro, o pavor do
palco, a timidez extraordinária, o sonho de estrelato e os per-
sonagens clichês são imposições feitas pelo público. Para ser
um artista, o atar deve superar esses obstáculos. Noções COr-
rentes de bom gosto, beleza e moral podem significar a morte
para o comportamento autêntico e o desempenho integral. As
pessoas acham que podem atuar, mas seu pensamento é fre-
qüentemente convencional. Como atar, você deve estabele-
cer uma nova Norma - a. Norma do atar.
Uma das primeiras tarefas do atar é se libertar das opiniões
externas. Somente quando se respeita alguém mais do que qual-
quer pessoa no mundo, é que se pode aceitar e incorporar suas
. opiniões ou críticas. Do contrário, ignorem-se as noções de ter-
ceiros sobre o que é certa para nós. Ninguém pode nos dizer
se somos jovens ou velhos, bonitos ou bem-sucedidos. Esses são

25
/

conceitos que devemos criar para nós mesmos. Muitas opiniões


sobre teatro e arte são meramente formas de falar da vida alheia.
Em minha primeira sessão com atores, sempre faço um
pedido: que cada ator cuidadosamente explique seu
OBJETIVO: Quais são sua meta e seu plano de carreira?
- O que vem primeiro, crescimento (desenvolvimen-
to) ou sucesso (dinheiro, fama, platéias)?
É bom para o jovem atar verbalizar suas necessidades e
temores, e fazer uma distinção entre a idéia que as pessoas têm
de sucesso (estrelato público) e a lenta maturidade de um grande
intérprete que pode fazer escolhas mais desenvolvidas. Além
disso, o jovem ator precisa ter-urna forte consciência de si mes-
mo e deve ser capaz de rapidámente listar seus aspectos posi-
tivos e deficiências. Um exemplo de tal lista é:

MÉRITOS DEFICIÊNCIAS

Desejo de crescimento Insegurança


Interesse em ler peças e Atraso continuado
material de formação Voz destreinada
Saúde Dicção pobre
Boa ressonância da voz Comportamento corporal
desleixado

Somente com um conhecimento verdadeiro de suas qua-


lidades e defeitos e com trabalho diário, ele poderá aprender
e libertar-se das atitudes defensivas de sua classe média. O jo-
vem ator tem que lembrar que seu alcance emocional deve ser
estendido ao máximo. Não se pode ocultar alguma coisa e ser
um atar. Tudo isso começa com o autoconhecimento.
O ator tem somente seu próprio corpo como instrumen-
to. Assim, tome nota do que precisa ser estabelecido. Como
atar, ele deve trabalhar continuamente com:
• seu corpo
• sua fala
• sua mente
Sua nova Norma é clara: a vontade de sobreviver. Sua es-
sência deve ser feita de aço. Um ator tem o direito de sobre-

26
viver, .de crescer como artista. Isso lhe impõe uma força espe-
cial, uma nova disciplina e autoconsciência. Deve saber o que
quer e ter a coragem de prosseguir.
É importante dizer em voz alta: "Eu sou eu mesmo
e tenho minhas próprias normas".

27
CAPÍTULO DOIS

Dando Início à Técnica

A profissão do atar lhe dá a oportunidade de fazer de si o má-


ximo que ele pode ser. O atar tem o trabalho. Trabalha consi-
go mesmo.
O objetivo máximo desta técnica é criar um atar que pos-
sa ser responsável por seu desenvolvimento e realização artís-
ticos.

ENERGIA

Encontre a energia de que você necessita para o seu trabalho.


Deus não lhe dará essa energia. E sem ela, seu trabalho fica ma-
çante.
Comece com uma energia vocal forte; depois você pode
modificá-la. O volume cai, mas a energia fica de pé.
O ato de ler ou falar vem das palavras na página. O enten-
dimento dessas palavras pelo atar deve ser claro e profundo.

28
EXERCÍCIO 1

Energia. da. Voz

1. Leia um editorial em voz alta todos os dias.


2. Leia ou fale três, quinze e trinta metros afastado de al-
guém para conhecer seu verdadeiro alcance.
3. Leia como se a platéia estivesse além da mesa, além da
sala, além da rua.

Quando você lê em voz alta, todos os dias, deve se ouvir


falando. Do trecho que você ler, tire todos os pontos evírgu-
las. Eles o impedem de falar naturalmente. Faça, portanto, sua
própria pontuação.

ALCANÇANDO A PLATÉIA

Num palco, embora você possa estar falando intimamente com


um parceiro, a platéia deve ouvi-lo também. Dessa maneira,
você não pode usara tom reservado que utilizaria na vida diá-
ria. Você deve atingir seu parceiro, você deve alcançar a pla-
téia. Nunca se comunique de uma forma sem vida. Sua réplica
deve ser articulada e pessoal. Os jovens atares de hoje se ex-
pressam mal. Você deve ter a facilidade de exprimir a linguagem.
Comece por ter a consciência de que todos devem ouvi-
10. Você deve alcançar fisicamente a outra pessoa. Uma vez
que você se ouça projetando e sinta a profunda ressonância
vindo dentro de sua voz, terá encontrado o tom normal para
adorar no palco.
Quando você está falando sobre grandes idéias, não pode
apresentar-se de forma insignificante. Sua voz deve ressoar na:
dimensão épica das idéias do autor. Não é necessário gritar as
palavras, mas as idéias devem mesmo alcançar além da platéia.
Sua obrigação profissional no palco é fazer com que o seu par-
ceiro e a platéia o compreendam.
Quando tiver que se comunicar com um parceiro, colo-
que uma distância de dois a quatro metros entre vocês. Isto
irá discipliná-lo a projetar sua voz de modo a ser ouvido du-

29
rante os ensaios e posteriormente em sua execução. Estar num
palco requer energia. Comunique-se com seu parceiro sem con-
tê-la. A comunicação salvará sua vida.

TENSÃO

A tensão é uma das inimigas absolutas da atuação. Você não


se mostra tenso quando está no palco. A tensão é em grande
parte o resultado de recorrer às palavras do texto e depender
delas, esquecendo-se de que o lugar e a ação, mais que as pa-
lavras, constituem o fulcro da peça.
Quando sua atenção está nas palavras, você se preocupa
na maioria das vezes consigo mesmo. A tensão o impede de
ser verdadeiro no palco, como você deve ser quanto à fala e
à ação, e o fará perder a atenção da platéia. Porém, a tensão
diminui quando você se concentra nas ações. Ao sentir que
a tensão se aproxima, localize bem as áreas de tensão. Relaxe
essas áreas. Faça isso cuidadosamente.
Você deve ser verdadeiro no que faz ou diz. Sinta a ver-
dade dentro de si. A coisa mais importante para um ator é per-
ceber sua própria verdade. O princípio de usar os músculos
é válido só para os músculos de que você precisa.

EXERCÍCIO 2

Relaxe o corpo, exceto uma das mãos. Ponha toda a tensão


nessa mão. Sente-se e permaneça nesse estado.

CONTROLES FÍSICOS

PRINCÍPIO:Primeiro você deve alcançar seu estado normal e


entender seu corpo.
Os controles físicos devem ser localizados. Como atores,
vocês devem aprender a viver com os controles físicos até que
possam usá-los sem pensar neles.

30
Como um atar é chamado a interpretar muitos tipos dife-
rentes de pessoas, você deve aprender a controlar seu corpo
de modo a que. possa executar movimentos a que não esteja
habituado e desenvolver maneiras diferentes de andar que com-
binem com o personagem que está interpretando. A técnica
para fazer isso é estabelecer alguma alteração física em seu corpo
- um joelho rígido, por exemplo, ou uma corcunda - e lo-
calizá-la, bem como os músculos que a sustentam e controlam.

EXERCÍCIO 3

Imagine que você tem um joelho rígido. Para controlá-lo, não


deixe que mais nada fique rígido.
1. Caminhe com o joelho rígido em casa.
2. Suba degraus com ele.
3. Vista-se com ele.
4. Viva com ele.
S. Marche com ele.
6. Dance com ele.
Se fizer isso algumas horas todos os dias, poderá usar esse
controle muscular para representar o papel de um personagem
que tem um joelho rígido. Certifique-se de que essa caracte-
rística não ultrapassa os limites e atinja seus outros movimen-
tos físicos.

EXERCÍCIO 4

Usando somente dois dedos de sua mão direita, mantenha o


segundo e o terceiro dedos eretos como se estivessem numa
tala. Agora:
1. Limpe a mesa.
2. Ponha o paletó.
3. Tire o paletó.
4. Vista uma suéter.
S. Coloque um avental.
Esse exercício dar-Ihe-á habilidade para localizar outras par-
tes de seu corpo onde você precise de controle muscular, co-
mo quadris ou costas.

31
Você deve estar convencido da verdade do que estejafazen-
do. Deve aprender a viver constantemente com tal controle e
também aprender a esquecê-lo. Ele deve passar a ser sua segun-
da natureza para que você fique totalmente inconsciente dele.
O controle de seu corpo e de sua voz dependem de você.
É uma tarefa trabalhosa tornar-se ato r. Quando estudei com
Stanislavski em Paris, ele quase nunca me podia receber de ma-
nhã porque todos.os dias, durante duas horas, trabalhava sua
voz na tentativa de superar uma leve tendência de ciciar. Sta-
nislavski tinha 71 anos nessa época.

DOMÍNIO DA FALA

Comparável aos controles para o corpo é o domínio da fala.

Cicios
Para causar a impressão de cicio, ponha a língua atrás dos
dentes e fale a seguinte sentença:
c 'Era uma moça muito sedutora e chamou a atenção dos

passantes ao parar e olhar a vitrine da loja."


Você deve ser capaz de localizar de onde vem o cicio.
Aprender a ciciar é o ponto de partida para aprender como do-
minar sotaques.

EXERCÍCIO 5

Pratique cicios.

Sotaques
Para adquirir sotaques:
1. É aconselhável escolher uma vogal e duas consoantes do idio-
ma que se pretende trabalhar.
2. Para sotaques regionais e idiomatismos, queremos que exerça
esse controle e o pratique na sua vida diária até poder viver
com ele.

32
EXERCÍCIO 6

Pratique um regionalismo do Nordeste brasileiro. '"


Pratique um sotaque alemão.

MEMÓRIA MUSCULAR

No momento em que puder usar as mãos e lidar com adereços


imaginários, estará no comando de um outro princípio no seu
trabalho: o princípio da verdade no palco. Você terá aprendi-
do a verdade sensorial da memória muscular.
Cada adereço tem sua própria presença e verdade.
• Caneta-tinteiro
• Óculos
• Agulha e linha
• Tesoura
• Manga rasgada
O adereço é sempre verdadeiro. O atar deve praticar de
modo a não distorcer a verdade do objeto.
O atar usa esses adereços, combina-os às vezes e serve-se
de sua imaginação para torná-los verdadeiros.
EXEMPLO:
• Osóculos, como adereço, estão limpos. Mas o atar, atra-
vés de sua imaginação, precisa limpá-los.
• Os óculos estão tortos. O atar precisa endireitá-los.
• Os óculos estão quebrados. O atar tem que consertá-los.
Em cada caso, o atar tem que usar sua imaginação para
lidar com o adereço real como se ele estivesse em mau estado.
EXEMPLO:
• Você deve abrir um pote cuja tampa foi hermeticamen-
te apertada.
• Lembre-se da força muscular necessária para abrir um
pote na vida real. Use-a no palco.
• A tampa do pote está solta. Lembre-se da força muscu-
lar necessária para abri-lo quando estava presa.

(*) Adaptação óbvia do texto original. (N. do T.)

33
A realidade que você cria no palco ao enfiar uma linha na
agulha e costurar, ou limpar seus óculos e colocá-los, não é
gerada para que a platéia acredite em você, mas a fim de que
você acredite em si próprio. A atuação teatral ocorre quando
você mesmo está convencido da verdade do que está fazen-
do. Esta é uma das essências do realismo, e ela é aperfeiçoada
fazendo-se coisas muito costumeiras.
Você aprenderá, a partir desses exercícios, a usar a verda-
de sensorial da memória muscular.

EXERCÍCIO 7

Para fortalecer a técnica da memória muscular, faça o seguinte:


1. Pegue uma agulha real.
Enfie uma linha imaginária nela.
2. Pegue uma linha real.
Enfie numa agulha imaginária.
3. Use agulha e linha reais para coser uma bainha imagi-
nária num pedaço pequeno de pano.

EXERCÍCIO 8

1. Limpe uma lama imaginária de seu sapato.


2. Tire uma pena imaginária de uma saia ou calças reais.

EXERCÍCIO 9

Há cola em sua mão. Use uma mão de cada vez, lave-a e veja
se cada dedo está limpo da cola imaginária.

MOVIMENTO ANIMAL

o objetivo dos exercícios simulando animais é libertar o ator


de sua máscara social e livrá-lo de suas inibições.

34
EXERCÍCIO 10

Imagine um animal de que você gosta. Seja capaz de fazer os


movimentos característicos desse animal e acrescente então o
som que ele faz, mas só depois que os movimentos estiverem
dominados. Não tenha medo de parecer tolo. Reaja como fa-
ria o animal. Faça esse exercício durante quinze minutos a ca-
da dia:
1. Movimentos de animal
2. Sons de animal
3. Pios de pássaro
Você aprenderá como pode usar seu corpo e voz de for-
mas diferentes.

EXERCÍCIO 11

Situe o animal num lugar determinado (circunstâncias). Por


exemplo:
1. Macaco num zoológico
2. Urso numa jaula
3. Gato na sala-de-estar

35
CAPÍTULO TRÊS

Imaginação

Os atores americanos subestimam muito a riqueza de sua cons-


ciência coletiva. Se você for um típico ator americano, terá ape-
nas uma vaga idéia do que seja tradição. Os Estados Unidos
têm estado alienados do resto do mundo ocidental, e assim,
culturalmente, você não tem ligações próximas. Você abando-
nou toda tradição e senso de história. Você tem que dar maior
valor à sua própria reserva de conhecimento e aceitar maior
participação de seu ego.
Noventa e nove por cento do que você vê e usa no palco
vêm da imaginação. Em cena, você nunca usará seu próprio
nome e personalidade, nem estará em sua própria casa. Cada
pessoa com quem fala terá sido criada pela imaginação do dra-
maturgo. Cada circunstância em que se encontre será imagi-
nária. E desse modo, cada palavra, cada ação, deve ter origem
na imaginação do ator. Se um fato não conseguir passar por
sua imaginação de ator, ele parecerá falso. Nas aulas de ofici-
na, portanto, os exercícios mais importantes são aqueles que
devem ser feitos com o uso da imaginação.

36
CONSCIENTE COLETIVO

Sua imaginação consiste na habilidade de imaginar coisas nas


quais nunca havia pensado antes. Para fazer isso sem grande
esforço, você deve estar cônscio do quão rica é sua memória,
pois a memória coletiva do Homem é tamanha que ele não se
esquece de nada que já viu ou ouviu, leu ou tocou. Você tem
lançado mão somente de uma pequenina fração do que conhe-
ce. Mas você conhece tudo. Está tudo armazenado. Uma enor-
me riqueza de material existe na cabeça do ator, e ele pode
utilizá-la nas peças em que atue.
Se você se limita somente ao momento social de sua gera-
ção, se você está preso dentro dos limites da sua esquina, se-
parado de cada objeto ou período que não diga respeito às suas
experiências pessoais, então o resultado será um desrespeito
pelo mundo em geral e uma alienação de qualquer coisa que
não seja imediatamente reconhecível como parte de seus há-
bitos cotidianos.
A importância da literatura dramática tem sido reconheci-
da ao longo dos séculos, desde a cultura grega antiga até a do
século XX, abrangendo, entre tantas outras fontes,
• todas as características 'regionais e nacionais
a. sotaques
b. recursos naturais
• a transferência e as mudanças de estilos
• os diferentes períodos de tempo
• os níveis sociais da sociedade
• os costumes e princípios de épocas passadas
• os estilos de vestuário de geração para geração
• o mobiliário diferente
• os vários gêneros de música do passado
Essa evolução social é que transformou uma caneca de bar-
ro num copo de papel. Essas criações e mudanças integram nos-
sa herança cultural.
Sua imaginação é a chave que abrirá esse sésamo de imen-
surável tesouro.
A imaginação pode despertar o ator para as reações ime-
diatas. Ele poderá ver rapidamente, pensar rapidamente e ima-

37
ginar rapidamente. Em exercícios para estimular a imaginação,
procuro pelas reações instantâneas dos atores a quaisquer ob-
jetos com que estiverem trabalhando. Para a imaginação vir
depressa, tudo que o ator precisa fazer é deíxá-Ia acontecer.

VENDO COM IMAGINAÇÃO CRIADORA

EXEMPLO:
• A camisa nova - qual era sua cor?
• Em que posição se encontrava?
• O que estava debaixo da camisa?
• A gravata - de que cor era?
II Qual era a largura da gravata?

• Como eram dobrados os lenços?


• Havia iniciais nos lenços?

EXERCÍCIO 12

Uma atriz deixou roupas limpas arrumadas num cabide do ca-


marim. Veja cada artigo do vestuário e descreva-o instantanea-
mente.
• De que cor era o tailleuri
• Como era feita a gola?
• Onde eram os bolsos do conjunto?
• De que material era feito o tailleuri
• Onde são os botões?

EXERCÍCIO 13

Peço sempre aos atores que me sigam com imaginação:


1. Vá até a janela e procure com os olhos.
2. Você vê uma balaustrada?
3. E um pombo na balaustrada?
4. Olhe para o pombo enquanto ele escapa e veja a sujei-
ra que deixou.
5. Olhe atentamente para baixo da balaustrada.

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6. Veja um carrinho com sacolas de supermercado.
7. Repare na cor do carrinho.
8. Uma criança está pulando corda.
9. Olhe para o sapato que ela calça.
10. Olhe para o homem que está puxando o carrinho.
11. Veja de que maneira ele está vestido.
Se os ateres puderem acompanhar as imagens e criá-las,
terão um esboço da rua. Desenhe-a num pedaço de papeL Nessa
espécie de cena imaginária, eu sou seu autor e você me seguiu
com a imaginação.

EXERCÍCIO 14

Agora estamos no inverno. Vista suas roupas de frio. Aproxime-


se da janela e olhe para fora.
1. Caiu neve.
2. Há neve branca e limpa na balaustrada.
3. Um carrinho de supermercado está diante duma resi-
dência. .
4. Os sacos de compras estão úmidos.
5. Uma lata de lixo na calçada está coberta de neve.
6. Olhe para a calha.
7. Um velho vaso de gerânio está visivelmente rachado.
8. Olhe para dentro do vaso.
9. Num monte de neve está uma casca de banana.
Reveja a cena acima descrita.
Agora você a viu, pode compreender a cena imaginária.
Ela é verdadeira para você. A imaginação diz respeito à habili-
dade do ator em aceitar novas situações da vida e acreditar ne-
las. Da sua imaginação vêm as reações às coisas de que você
gosta ou desgosta. Se você não pode fazer isso, é melhor de-
sistir de representar. Sua vida inteira dependerá da capacida-
de de reconhecer que está numa profissão onde seu talento
é construído sobre a imaginação.

VENDO E DESCREVENDO

Assimilar cuidadosamente uma imagem específica é o ponto


de partida para ver.

39
c Uma macieira
• Uma cerca de madeira
•. Um cavalo e uma carroça de madeira
Você deve gravar vividamente as imagens, e com preci-
são, antes de poder descrevê-las. Só então poderá transmiti-
las e fazer seu parceiro ou a platéia sentir o que você viu.
Mantenha os olhos abertos e assimile tudo visualmente.
Ao descrever alguma coisa, você deve vê-la de fato. A diferen-
ça entre relatar e assimilar uma imagem e saber transmiti-la é
o que faz de você um artista. Todos os dias você se alimenta
das coisas reais que estão em torno de você. Por outro lado,
numa peça teatral você se apoia numa situação imaginária, e
sua responsabilidade é tornar real tudo que se ligue a ela.

OS FATOS x A VISÃO DO ATOR

o modo mais comum e não-artístico de observar abrange so-


mente fatos e objetos concretos.
EXEMPLO: Fatos
Se peço a um ator que descreva o que viu na mercearia,
e ele responde "Vi algumas uvas, pêras e bananas", concluo
que ele poderá ser talvez um bom banqueiro, mas nunca um
bom ater. Ele está vendo as coisas como um contador. Está
relatando fatos.
O ator deve deixar que os objetoslhe digam alguma coi-
sa; com isso, poderá discorrer pessoalmente sobre o que viu.
EXEMPLO: A visão do ator
. Quando se referir às frutas, um atar dirá: "Vi pêras fantás-
ticas! Eram grandes, mas pareciam muito caras para se com-
prar. Vi, então, aquelas maravilhosas uvas de Málaga, grandes
e muito doces. Havia também algumas daquelas uvas gordas,
azuladas, e das pequenas, as verdinhas. Daquelas que se pode
comer aos quilos e, a propósito, eram muito baratas." É as-
sim, elaborada e viva, a visão do ator.

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EXERCÍCIO 15

Descreva com imaginação criadora o escritório de alguém:


1. Faça um desenho de todos os objetos que lá estão.
2. Olhe-o.
3. Memorize-o.
Assim ele lhe pertencerá, e você jamais o esquecerá. Ago-
ra você pode transmiti-lo a quem bem entender.

Para um atar há muitas maneiras de ver:


• Ver especificamente.
• Ver rapidamente.
• Ver o que lhe prende a atenção.
• Ver as atividades cotidianas e situá-las em circunstân-
cias específicas.
• Ver as simples e eternas cenas da natureza e do compor-
tamento dos seres humanos em seu cenário histórico.

EXERCÍCIO 16

Ver Especificamente
Descreva uma pedra.
Esta pedra é minha, apanhada no parque.
"Eu vi uma grande pedra no parque. Era cinza e sua su-
perfície era irregular. Em torno dela havia grama, porém alguns
trechos já estavam mortos e amarelecidos."
Para tornar a pedra mais vívida para seu parceiro, você am-
plia o que vê. Não use palavras decorativas.
Agora, dê-me a sua pedra.

EXERCÍCIO 17

Descreva uma rosa.


Se você diz: "Eu vi uma rosa", e fala com seu parceiro
sobre ela, deve esperar que ele veja a sua rosa. .

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Se eu falo sobre uma rosa, a imagem da rosa é bem espe-
cífica.
"Eu vi uma rosa. É vermelha e amarela e tem um longo
talo verde com espinhos."
Agora a rosa não é apenas um fato. Requer uma certa ener-
gia fazer seu parceiro ver o que você vê. Não basta que só vo-
cê veja. Faz parte de sua técnica transmitir essas imagens ao
parceiro.

EXERCÍCIO 18

Ver Rapidamente
Certos exercícios possibilitam ao ator fortalecer sua capacidá-
de de olhar. Um deles, muito conhecido, é sobre concentração:
Vá à seção de verduras num supermercado.
1. Veja tudo que puder em dez segundos.
2. Anote num papel o que você viu.
Olhe para seu parceiro ou parceira.
1. Veja tanto quanto puder em cinco segundos.
2. Vire o rosto.
3. Anote o que ele ou ela está vestindo.
Olhe ao redor da sala.
1. Conte até cinco, olhe para longe.
2. Cite dez objetos que você observou.

EXERCÍCIO 19

Veja o Que Atrai sua Atenção


1. Um homem subindo numa árvore.
2. Uma folha caindo de uma árvore numa praça.
Agora "tome" dez coisas que atraem sua atenção e expli-
que por quê. (Se uma imagem deixa você insensível interna-
mente, ignore-a. Vá para a próxima.

42
EXERCÍCIO 20

Imagine Atividades Cotidianas da Vida e Situe-as em


Circunstâncias (o Lugar)
1. Comprando comestíveis (num supermercado).
2. Tirando a mesa (na sala-de-jantar).
3. Limpando o chão com aspirador de pó (num escritório).
Em que circunstâncias específicas você está vendo essas
atividades?

EXERCÍCIO 21

Ver as Simples e Eternas Cenas da Natureza


e do Comportamento Humano em seu Cenário Histórico
Há atívídades do Homem, hoje, que existiram ao longo da His-
tória. Coisas que se vêem todo dia, sem lhes dar maior aten-
ção, têm uma vida histórica. .
A título de exercício, anote vinte atividades que perma-
necerão para sempre, tais como:
1. Um homem brincando com cachorro.
2. Uma mulher empurrando carrinho de bebê.
3. Um homem comprando jornal.
4. Um rapaz e uma moça dando-se as mãos.
5. Uma mulher carregando c~sta de roupa suja.
Os atores devem exercitar seu poder de observação. Vo-
cê deve estar continuamente atento às mudanças em curso no
seu mundo social. Mantenha um diário preenchido com listas
de observações. Não descreva objetos mecânicos, tais como
lâmpadas elétricas, rádios ou máquinas de lavar pratos. Con-
centre-se em coisas que sejam eternas, como uma determina-
da árvore ou flor. A árvo~e tem uma certa grandeza que a faz
merecedora de sua descriçao. Descreva como uma folha se apre-
senta em diferentes estações.
Há escritores e artistas de todo o mundo que viajam ao
sul da França, ou à Nova Inglaterra, só para ver as árvores no
outono.

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EXEMPLO:
A maior parte do tempo, somos indiferentes ao que vemos.
• Isto é uma mesa.
• Isto é uma cadeira.
• Estas são abelhas.
Ao fazer isso, banalizamos a vida.
EXEMPLO:
Um homem e sua mulher estão juntos numa viagem.
Ele poderia dizer: "Meu Deus! Aquela é a Notre Dame!".
Ela responde: "Sim, eu sei."
• Ele vê a magnífica arquitetura de Notre Dame.
• Ela vê o fato.
Eles estão vendo a catedral de formas diferentes.
Como atares, vocês devem compreender que cada item
que vêem é especial. Vocês devem estar atentos a tudo que
vejam e, com isso, devem tornar cada coisa viva, a fim de que
possam transmiti-la ao seu parceiro.
Vocês não deveriam usar palavras em demasia, mas somen-
te aquelas de que gostam. O sentimento evocado pela descri-
ção é mais importante do que a própria descrição.

EXERCÍCIO 22

Observe como o céu se mostra ao amanhecer; ao meio-dia; à


meia-noite.

EXERCÍCIO 23

Cuidadosamente observe cores.


1. Veja cinco vermelhos diferentes:
• Vermelho-maçã
• Vermelho-sangue
• Vermelho-cor da rosa
• Vermelho-pôr-do-sol
• Vermelho-balão

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2. Veja cinco diferentes brancos, azuis, etc.
Cada cor é relacionada com um objeto, isso é o que a tor-
na viva para você. .
À noite, antes de dormir, anote o que viu durante o dia.

Um ator deveria praticar diariamente algumas das varia-


ções do exercício acima. Você tem a responsabilidade de cul-
tivar seu poder de observação admirando as pessoas, perce-
bendo o que elas vestem e nunca andando por uma rua sem
examinar signos, vitrines de loja, pessoas, animais.
Numa de suas cartas, o célebre romancista americano Tho-
mas Wolfe escreveu: "Esta semana estive olhando narizes. É
bom isso."

EXERCícIO 24

Imagine:
1. Um menino sendo surrado por um policial.
2. Uma multidão que está quebrando vitrines.
3. Um carro onde as pessoas feridas estejam sendo remo-
vidas pela polícia.
Use sua imaginação. Essas situações exigem fortes reações.
Alguns atores se contêm e não reagem. Os ateres devem,
conscientemente, escolher coisas que os façam reagir. Na sua
escolha está seu talento. Atuar está em tudo, exceto em pala-
vras frias.
Freqüentemente um atar protestará: "Tenho medo de for-
çar-me." Ele está com medo de violentar suas emoções, de ex-
pressar mais do que a ocasião e as circunstâncias pedem. Eu
digo a você, não force, mas seja capaz de deixar acontecer. Nós
fomos muito amortecidos pela televisão. Se sua relutância em
se forçar inibe suas reações, você está receoso demais de ter
sentimentos. Se você abafar seus sentimentos por muito tem-
po, acabará por eliminá-los. Em vez de ter uma honestidade
falsa, eu preferiria que você fizesse um esforço extra.
De agora em diante seu trabalho o conduzirá a viver com
imaginação. Você verá e atuará em circunstâncias imaginárias.
Não será difícil se você aceitar que tudo que se imagina é ver-

45
dadeíro. A função do atar é desinventar a ficção. Se você pre-
cisa de um limoeiro mas nunca viu um, terá que imaginar al-
guma espécie de limoeiro. Você o aceitará como se o tivesse
visto. Você o imaginou, portanto, ele existe. Qualquer coisa
que passa pela sua imaginação tem o direito de viver e tem sua
própria verdade.

EXERCÍCIO 25

Enquanto caminha numa estrada do campo,


1. Saiba onde está.
2. Olhe para o céu. Está absolutamente azul. Nuvens bran-
cas são carregadas pelo vento e pássaros estão voando
em bando.
3. Ao longo da cerca há uma campina e na campina está
uma vaca.
4. Olhe para a cor dela.
Diga-me três ou quatro coisas que tornain a vaca lógica e real.

EXERCÍCIO 26

Agora você está descendo uma alameda:


1. Um longo galho de árvore foi cortado.
2. Tire-o do caminho.
3. Suba por um caminho estreito.
4. De ambos os lados a grama cresce muito alto.
5. Você vai para uma velha ponte de madeira sobre um
pequeno lago.
6. Incline-se na ponte de madeira.
7. No laguinho há um cardume de peixes pequeninos.
8. Mais abaixo da estrada e além do laguinho está um pá-
tio com um varal amarrado entre duas árvores.
9. Algumas roupas estão penduradas no varal.
10. Pijamas de criança, meias curtas, tênis.
11. Uma velha toalha de mesa de cozinha.
12. Macacão.
13. Olhe para o macacão.
14. Observe seu feitio.

46
Pergunte-se:
1. Qual era a altura da grama de ambos os lados da alameda?
2. Como era feita a ponte?
3. Onde estão os girinos?
4. Descreva os tênis.
5. A toalha de mesa.
O que você viu é agora inteiramente seu.

Numa peça, o dramaturgo nunca lhe dará uma toalha de


mesa que pertença a você. Seu texto simplesmente dirá: "toa-
lha de mesa".
Você terá que imaginar se ela é:
e Surrada ou nova
• Enrugada ou engomada
• Lavada ou suja
O autor indicará somente o que é. Você terá que lhe dar vida.
Se o autor escreve que o dia está lindo, você terá que nos
transmitir:
• Um céu que está azul.
• Nuvens brancas.
• Pássaros voando em bando.
A descoberta do que é lindo num dia compete a você.
O autor nunca lhe vai dar uma determinada estrada rural.
Ele somente lhe dará palavras que dizem: "Eu estava andando
por uma estrada no campo."
Você criará a estrada, dizendo a si mesmo:
• Ela é poeirenta.
• Tem cor de ferrugem.
• Há milharais de ambos os lados.
Embora o autor indique as circunstâncias, não as entrega
ao ator.
Ao imaginar essa cena, haverá muitos fatos. Não os deixe
mortos. Perceba, através de sua imaginação, a vida de cada fa-
to. Como atores, vocês devem criar para nós o milagre da vi-
da, não apenas o fato. Essa vida é o que chamamos de "a cria-
ção do ator". Se você puder criar a peça, saberá por que quer
atuar. Se você não a criar, não vai querer atuar.

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o atar é como um escritor, cheio de impressões que o ins-
piram. Ele não anda por aí como um funcionário desocupado,
dizendo: "Vou comer bacon. e ovos." Quando o atar compra
bacon e ovos, ele vê:
• A garçonete
• A mesa
• O restaurante em sua ativídade agitada
O atar assimila tudo. Ele é capaz de ver que:
o O piso está sujo.
• A mesa não tem mancha.
• O café está fraco.
• Ninguém está realmente prestando atenção em ninguém.
• Todos estão com pressa.
Ele não está lá apenas para comer, pagar sua conta e ir em-
bora. Ele é capaz de viver lá, prestando atenção, vendo, en-
tendendo e até dizendo: "O que é isto? Em que tipo de lugar
estou eu?" - da maneira como faz um pintor ou escritor.
Ao fazer esses exercícios, sua segurança aumentará. Você
se sentirá enriquecido pela compreensão de que pode experi-
mentar qualquer coisa. Você precisa tornar-se independente,
e a habilidade que adquire através desses exercícios lhe dará
confiança e grandeza para alcançar essa independência.

48
CAPÍTULO QUATRO

Circunstâncias

A VERDADE DO LUGAR

Na vida, todo ser humano sabe onde está. É um fato compro-


vado que todos estão em algum lugar. O lugar é chamado de
"as circunstâncias dadas" da vida:
• Numa piscina
• Na praia
• Na biblioteca
• Na escola
Todas as pessoas são grandes atores porque aceitam exa-
tamente o lugar onde estão. Os atores, contudo, têm, muitas
vezes, pavor do palco porque, em cena, sentem-se abandona-
dos num lugar que lhes é estranho. De repente, estão nas cir-
cunstâncias da peça e isto é o que lhes é tão estranho. São dei-
xados sem a segurança absoluta que um lugar familiar lhes dá.
Quando entram em cena, nada vêem. É como se fossem ce-
gos. A fim de evitar isso, os ateres devem imediatamente dei-
xar claras para si mesmos as circunstâncias da peça que está
se realizando no palco.
Primeiramente o ator deve começar a reconhecer os ob-
jetos, a mobília e as características do cenário. Antes de partir

49
para o texto, é imperativo que ele se locomova fisicamente nas
novas circunstâncias e use-as. Por exemplo:
• Sentando no sofá.
• Abrindo uma porta.
o Olhando por uma janela.
Até que essa facilidade seja adquirida pelo ator, ele estará
perdido.
O tempo que ele leva para se acostumar ao cenário, que
é agora uma sala ou um jardim específico, dará a ele o relaxa-
mento, o senso de verdade e a autoconfiança necessários para
se iniciar num novo texto.
Se os atares não estiverem confortáveis no espaço, não
poderão trabalhar. A menos que possam obter o comportamen-
to relaxado que lhes permitirá ver os objetos que pertencem
ao ambiente e reagir a eles, estarão perdendo seu tempo. Os
atores devem familiarizar-se com as circunstâncias.
Stanislavski disse: "A verdade na arte é a verdade das cir-
cunstâncias do ator". Circunstâncias é o termo que gostaría-
mos que você usasse como parte de vocabulário da atuação.
"Onde estou?" é a primeira pergunta que você se deve fazer
quando vai para a cena. Andar no palco para localizar o cená-
rio imaginário faz você se sentir em casa e também retira a ten-
são da representação. O relaxamento vem do seu reconheci-
mento da veracidade das circunstâncias. Em cena, você nun-
ca está realmente em circunstâncias semelhantes à vida, mas
tem que aceitá-las como se fossem.
Em muitos casos, o atar fica tenso porque recorre primei-
ramente às palavras.
As palavras não fazem a peça. Você deve entender que a
primeira regra é aceitar as circunstâncias que o dramaturgo lhe
dá como a verdade. Se você trabalhar por vinte anos uma pe-
ça sem conhecer suas circunstâncias, fracassará. Se você par-
tir primeiro para as palavras, não será um ator moderno - se-
rá apenas um mau ator. Como um ator, você está sempre em
circunstâncias dadas. A responsabilidade de preencher esse lu-
gar é sua. Tire a ficção das circunstâncias ao deixar o lugar lhe
dizer o que fazer.
A absorção completa do ato r nas circunstâncias tem um
outro enorme benefício. Se você prestar atenção às circunstân-
cias,..,não tomará conhecimento da platéia e não se preocupará

50
com as pessoas que o assistem: Sevocê as ignorar completamente
e apenas prestar atenção no que está fazendo, elas o amarão.
Se você atua de fato, a satisfação está na execução. Se você
aceitar as circunstâncias da peça e os parceiros com quem tem
que lidar, a platéia estará completamente ao seu lado. O ator tem
muito mais prazer vivendo em suas circunstâncias dadas do que
a platéia tem em assistir. Qualquer bom ater que está no palco
e tem consciência do que seja experimentar as circunstâncias,
não trocaria essa experiência por nenhuma outra.

VIVENDO NAS CIRCUNSTÂNCIAS

EXERCÍCIO 27

Se o espaço no palco é uma biblioteca, você anda em todas


as direções estabelecendo suas várias áreas.
1. Livros circundarão você.
2. Onde estaria o lugar que você escolheria? Você preci-
saria estabelecer essa área.
3. Na biblioteca há uma pessoa mais importante que vo-
cê - a bibliotecária. Estabeleça a área dela e mante-
nha sua própria área separada da dela.
4. Se você usasse a biblioteca, a que seção você se dirigi-
ria? Haveria um lugar para livros de consulta, para poe-
sia, para atlas e assim por diante.
5. Escolha a área onde trabalhará.

Agora que você situou as circunstâncias, está apto a lidar


com o texto que lhe dará as ações e o diálogo. Mas lembre-se
de que as circunstâncias virão sempre primeiro.
As idéias dos grandes dramaturgos são quase sempre maio-
res que o entendimento de muitos atores, e você deve procu-
rar por essas idéias. Se você pode identificar-se com esses con-
ceitos, então você os compartilha com os autores. Sua função
agora é o que chamamos "interpretação". Essa é sua respon-
sabilidade interpretativa.
Um grande dano foi feito aos atores americanos quando
lhes disseram que teriam que se experimentar no palco em vez

51
de experimentar as circunstâncias. Você não deve tomar a si
mesmo e pôr isso em Hamlet. Hamlet é um príncipe da Dina-
marca. Por esse motivo, a verdade do personagem não se en-
contra em você, mas nas circunstâncias da posição real de Ham-
let, personagem que você está representando. A ação de Ham-
let - decidir entre viver ou morrer - tem que ser posta nas
circunstâncias dele, não nas suas. A verdade é sempre a verda-
de nas circunstâncias do personagem.

EXERCÍCIO 28

Você deve ser capaz de executar ações em diferentes circuns-


tâncias. A ação permanece a mesma; as circunstâncias são
diferentes.
Sua ação é se vestir:
1. Vista-se num camarirnde teatro.
2. Vista-se no seu quarto.
3. Vista-se no vestiário de um ginásio.

EXERCÍCIO 29

Nas circunstâncias de um restaurante, sua ação é pedir um


jantar:
1. Vá até o bar e pegue uma bebida.
2. Vá até a mesa e mande servir o jantar.
3. Vá até o caixa e pegue sua carteira de dinheiro.

EXERCÍCIO 30

Usando as circunstâncias de uma loja, sua ação é comprar uma


blusa:
1. Escolha uma blusa da prateleira.
2. Experimente-a na cabine.
3. Pague ao caixa.

52
CONSTRUINDO CIRCUNSTÂNCIAS MAIS AMPLAS

• Onde a ação ocorre? Numa casa. .


a. Quando? 1948.
b. A que hora do dia? 7:00 da noite.
c. Em que estação? Primavera.
• Construa um lugar para si mesmo.
• Comece a viver nesse lugar como o personagem.
a. O que faz ele nesse local? .
o Cada ação tem circunstâncias e é cercada por circuns-
tâncias maisamplas. ;; .' " "
a. Qual cidade / município? Boston, Massachusetts.
b. Qual país? Estados Unidos.
c. Que hemisfério? Parte Nordeste da América,
fronteira com o Oceano Atlântico.

A ATMOSFERA NAS CIRCUNSTÂNCIAS

A'atmosfera vem das circunstâncias. Você obtém o clima de cáéÍà


cena ou ato da peça. Todas as circunstâncias têm atmosfera.
EXEMPLO:
• Uma igreja tem sua atmosfera.
o 'Um bar tem sua atmosfera:
• Um passeio no parque tem sua atmosfera.
• Um hospital tem sua atmosfera.
• Um parque de diversões tem sua atmosfera.
• Um cemitério tem sua atmosfera.
• Um cortejo tem sua atmosfera,
Sua ação pode ser leve ou carregada, dependendo das cir-,
cunstâncías sobre as quais o autor escreveu. Se é uma comé-
dia, será leve; se é drama, será carregada; ou pode ser, em am-
bas, média. A atmosfera pode mudar, e o dramaturgo podeal-
terar a cena para incluir vários climas;

53 '
CAPÍTULO CINCO

. Ações

o objetivo de sua abordagem na atuação é encontrar as ações


numa cena ou peça. As ações devem ser realizáveis, e podem
ser expressas usando-se a forma verbal.
• Uma ação é alguma coisa que você faz: ler.
• Uma ação tem um fim: estou lendo o jornal.
• Uma ação é feita em determinadas circunstâncias: Es-
tou lendo no metrô.
• Umaação é justificada: Estou lendo para acompanhar
a Bolsa de Valores.

AÇÕES FORTES E FRACAS

Existem ações fortes e fracas. Para ser forte, uma ação necessi-
ta de um fim ou objetivo. Por exemplo, vou sair do quarto.
O quarto é o fim de ação e o fim a torna forte.
Vou escrever. Esta é uma ação sem um fim e, portanto,
fraca. Se sua ação é "ir embora", ela é mais fraca que "ir para
casa" .

54
.t}çÃO FORTE AÇÃO FRACA

Gostaria de tomar café. Gostaria de beber alguma


coisa.
Gostaria de dar um passeio Gostaria de ir a algum lugar.
no parque.
Gostaria de ir para a cama. Gostaria de descansar.
Gostaria de escrever uma carta. Gostaria de escrever.
Comecemos com ações simples.
1}, ação é:
• Verificar as luzes
a. Verificar as luzes do lustre.
b. Verificar as luzes nas luminárias.
c. Verificar as luzes nas arandelas.
• Encontrar minha bolsa
a. Encontrar minha bolsa no chão.
b. Encontrar minha bolsa no guarda-roupa.
c. Encontrar minha bolsa na sala.
Os exemplos anteriores são de ações que têm um fim de-
finido e são feitas em determinadas circunstâncias. O que está
enfatizado fará você perceber que o fim lhe dá a intenção de
cada ação. Essas são ações simples que estão ligadas a ações
maiores.

EXPLICAÇÃO DE UMA AÇÃO

Numa Ação, Você Deve Saber:


• O que você faz: Jantar.
• Onde você faz: Na sala-de-jantar.
• Quando você faz: Na hora do jantar.
• Por que você faz: Para comer com a família depois do
trabalho.

55
Mas você não sabe como fazer. O como é espontâneo e
inesperado. A ação nunca inclui o como.
EXEMPLO:
Ação:
• Limpando o escritório. o que você está fazendo?
• Sala particular num Onde você está fazendo?
apartamento
• Nove horas da manhã Quando você está fazendo?
• Dois clientes estão vindo Por que você está fazendo?
para um encontro.

NATUREZA DE UMA AÇÃO

Cada Ação Tem Sua Natureza


• Calçar sapatos.
• Calçar meias.
• Passar fraldas a ferro.
• Preparar bebidas.
• Vestir a boneca.
• Pôr sua correspondência em ordem.
• Pôr as contas em ordem.
Cada ação que você faz tem a sua natureza. Que quer di-
zer a sua verdade. Para ser verdadeiro em cena você deve sa-
ber a natureza da ação que está fazendo e ela deve ser verda-
deiramente executada.
Em algumas ações você realiza coisas físicas. As coisas que
você realiza para cumprir suas ações são chamadas "atívídades".
Ação: Pôr a Mesa
• A natureza da ação é pôr facas, garfos e colheres. Isto
é o que chamamos "atívídades".
EXEMPLO:
Ação: Pôr a Mesa
Atividades:
• Colocar copos.
• Colocar. pratos.
• Colocar garfos.

56
EXEMPLO:
Ação: Acender um Fogo
Atívtdades:
• Pegar madeira.
o Conseguir tiras de papel.
• Obter líqüido inflamável.
EXEMPLO:
Ação. Jantar
Atividades:
o Passar a sopa.
o Cortar as verduras.
o Misturar o molho .
. Uma vez que tenhafísícalízado essas ações (nos exem-
plos acima), a ação total será passar a noite em casa.

AÇÃO TOTAL (SUPEROBJETIVO)

Todas as técnicas que você aprendeu até aqui servem somen-


te a um propósito, e esse propósito é fazer com que o ator che-
gue ao que Stanislavski chamava de superobjetivo do autor.
Todo personagem deve caminhar em díreção ao superob-
jetivo da peça. É dever do ator compreender a intenção da pe-
ça. É o que move o dramaturgo a escrever a peça.
O ator deve estar certo de que a idéia central de uma de-
terminada peça vai atraí-lo emocional e intelectualmente. O ater
deve saber como tomar essa idéia para si. Todas as ações nu-
ma peça são interligadas e todas elas conduzem o ator ao su-
perobjetivo, ou ação total.
O autor escreve a peça para ser representada. Mas o dra-
maturgo não faz o ator ciente de como a peça deve se desen-
volver para realizar seu máximo propósito. Exploremos agora
esse desenvolvimento pelo qual o ator é responsável.
Uma ação deve ser dividida em ações ou etapas menores.
Por exemplo, na ação de ir para o trabalho de manhã há um
número de etapas, tais como: acordar, tomar café, pegar o trem
etc. O superobjetivo de ir trabalhar poderia ser manter a fa-
mílía unida,

57
EXERCÍCIO 31

Complete a ação seguinte:


Preparar o Desjejum
Esteja seguro e divida a ação em atividades como:
1. Frigir ovos.
2. Espremer suco de laranja.
3. Passar manteiga na torrada.
PRINCÍPIO: Etapas nas Ações:
• Se uma ação for muito complicada, divida-a em duas
ou três etapas e cada etapa ajudará no desenvolvimen-
to da ação.
• Quaisquer etapas que você adore na sua ação devem ser
necessárias e dirigidas a ela.
Etapas numa Ação:
Se sua atividade é tomar café, você deve executá-la. Se sua
atividade é tirar o anel>. você deve executá-la. Mas você não
. pode realizar a ação de preparar uma festa, ir trabalhar ou via-
jar para a Europa sem dividi-la em etapas que a constituirão.
Seria de grande auxílio anotar, como está escrito abaixo,
sua ação, as etapas nessa ação e as atívldades:
EXEMPLO:

AÇÃO ETAPAS
Ir para o trabalho Etapa 1. Vestir-se (As atividades ou
natureza da ação são):
Atividades:
a. Trocar os sapatos.
b. Colocar os brincos.
c. Arrumar a bolsa.
Etapa 2. Tomar o desjejum.
Atividades:
a. Colocar o pão na torradeira.
b. Preparar café na cozinha.
c. Preparar os cereais.
Etapa 3. Arrumar minha pasta de
negócios.

58
Atlvidades:
a. Pôr a correspondência em ordem.
b. Examinar a pasta de papéis do
advogado.
c. Assinar cartas.
Suas etapas são extraídas da ação. Detenha-se na ação
- alimente-se dela.
EXEMPLO:

AÇÃO ETAPAS
Preparar-se para Etapa 1. Reunir minhas roupas.
uma festa. Atividades:
a. Escolher um vestido.
b. Escolher um par de sapatos.
c. Escolher uma bolsa.
Etapa 2. Preparar as bebidas.
Atividades:
a. Pegar as garrafas de licor.
b. Pegar o gelo.
c. Pegar os copos.
Tudo isso fará parte da natureza de "preparar-se para
uma festa". Tente não escolher mais que três atividades.

EXERCÍCIO 32

Ação: Viajar no verão.


Etapas:
1. Arrumar suas coisas.
2. Verificar dinheiro e passaporte.
3. Deixar um recado para a empregada cuidar da casa.

Ação: Celebrar o Natal.


Etapas:
1. Embrulhar os presentes.
2. Enfeitar a árvore.
3. Enviar os cartões.
Realize as ativídades ou a natureza de cada etapa.

59
FISICALIZANDO (FAZER ALGUMA COISA FÍSICA)

Quando eu peço a um ator para físícalízar suas ações e usar


suas circunstâncias, o objetivo é tirar o fardo de cima. Se você
ler alguma coisa no jornal de que goste, recorte-a, Então você
estará fisicalizando a ação de ler o texto. Você tem sempre que
manter as circunstâncias verdadeiras. Na vida, como no pal-
co, não "quem eu sou" mas "o que eu faço" é a medida do
meu valor e o segredo do sucesso. Todo o resto é espalhafato,
arrogância e vaidade. Qualquer coisa que você faça deve ser
físícalízando. Fazer significa fisicalizar. .
Se um ator falha em se proteger no palco fisicalizando sua
atuação, nós provavelmente vamos surpreendê-lo tentando re-
presentar sentimentos. Em vez disso, escolha alguma coisa fí-
sica para fazer, como:
• Pegar uma carta.
• Guardar as chaves.
• Averiguar se as luzes estão acesas.
A atmosfera da peça estará lá, mas não a verdade da peça.
Em cena, quando a verdade chega, devemos celebrá-la eter-
namente.

CONCLUIl\TJ)O E NÃO CONCLUINDO AS AÇÕES

Ou você conclui uma ação ou não. Se você não completa a


sua ação, deve transformá-la em uma outra ação. Se você po-
de concluir sua ação, continue com ela e passe para uma ou-
tra. Mas você deve estar sempre em ações - ao invés de estar·
em palavras.

EXEMPLO:
a. Ação: Ir ao teatro.
(Você perdeu seus ingressos.)
Você não pode completar sua ação. Você muda para uma ação
alternativa.
b. Açãoe Passar a noite em casa.
EXEMPLO:
a. Ação: Tomar banho.

60
(Não há água quente.)
Você não pode completar sua ação.
b. Ação: Vestir-se.
EXEMPLO:
a. Ação: Ir ao teatro.
(A campainha toca.)
A ação é interrompida.
b. Passe para a ação de receber sua visita.
c. Volte para a ação original de "ir ao teatro".
A vida pode intrometer-se na sua ação.
EXEMPLO:
Ação: Estudar anatomia.
A vida se intromete na ação.
- O telefone toca.
- Você fecha a janela.
- Você desliga o rádio.
-Você acerta o relógio.
- Você pega uma xícara de café.
Sempre retorne à sua ação de estudar anatomia.
EXEMPLO:
Ação, Preparar café.
- O carteiro toca a campainha.
.. O telefone toca.
- O inspetor quer checar as luzes.
- O cachorro está arranhando a porta para sair.
Continue a ação de prepàrar café.

AÇÕES' QUE NÃO EMPREGAM TEXTO

Existem ações que o impelem a usar circunstâncias que não


empregam texto.
EXEMPLO:
Ação: Costurar em meu quarto.
- Vejo uma toalha na cama: eu a penduro.
- Ouço o táxi buzinando: olho pela janela.
- Vejo minha bolsa: levanto-me para guardar dinheiro.
- Vejo uma gaveta entreaberta: retiro a suéter. '
- O relógio toca: verifico a hora.

61
EXEMPLO:
Ação: Ler na varanda.
• Afaste sua cadeira do sol.
• Coloque água nas flores da mesa.
• Pegue uma caneta sobre a mesa.
• Fuja das abelhas que estão a sua volta.

PREPARAÇÃO E ENTRADAS CONVINCENTES

Sempre que você entra ou deixa o palco, vai dentro de circuns-


tâncias específicas e deve preparar-se. Preparação é algo que
você faz por si mesmo.
A preparação se destina a ajudá-lo a começar sua ação. Tam-
bém o trará para mais perto das circunstâncias dadas.
• A preparação não é outra ação.
• Você deve se1ecionar o detalhe, a coisa minúscula que será
útil para a sua ação.
• Preparação é algo que você faz por si mesmo ..
• Você tira uma coisa de suas circunstâncias que o ajudará
a começar sua ação.
Se sua ação é entrar numa biblioteca, tome alguma ativi-
dade física, tal como retirar o casaco ou folhear sua agenda,
para auxiliá-lo durantea entrada. Quando você vem de um apo-
sento para outro, nós precisamos saber em que cômodo esta-
va e em qual está entrando. Se você entrar com flores recém-o
colhidas e colocá-las num vaso, podemos deduzir que você aca-
bou de vir do jardim. A preparação afastará a tensão. O adere-
ço o manterá verdadeiro.'

EXEMPLO:
Entrando:
• No escritório Pegue a correspondência ao passar.
Guarde os óculos.
Use a chave para abrir o escritório.
• No quarto Tire o cachecol.
Recoloque a chave na carteira.
Leia nome e endereço numa carta.
• Na sala-de-aula Tire o casaco,
Tire as luvas.
Arrume os papéis da aula.

62
EXERCÍCIO 33

Traga cinco preparações para uma ação.


AÇÃü: Esconder-se.
"Ele está me procurando, então é melhor que eu me es-
conda."
Faça alguma coisa ao entrar. Termine-a no palco. Desse
modo a platéia poderá dizer o que você estava fazendo antes
de entrar.
Muitos atores começam passivamente, sem estar num lu-
gar específico, sem ter essa preparação física necessária para
impulsioná-los para dentro da ação de entrar na sala.

DaRE MORTE

Mais cedo ou mais tarde, seu trabalho no teatro irá exigir que
você expresse dor ou choque, ou você será ferido e terá que
morrer à vista da platéia. São ações que não podem ser experi-
mentadas díretamente no palco e para as quais você precisa
de esforço. Nesta técnica as palavras "como se" são usadas para
estimulá-lo.

EXERCÍCIO 34'

Dor
Se o personagem tem uma terrível dor de cabeça, você, como
ator, deve localizar onde é a dor de cabeça. O meio de poder
imaginar que ela existe é "como se"
1. Alguém estivesse apertando seu globo ocular.
2. Você estivesse fazendo um buraco em seus olhos.
3. Eu estivesse enfiando uma agulha no seu olho.
4. Eu estivesse derramando álcool nele para limpá-lo.
Você não deve buscar a reação. Ela deve vir imediatamente
da imagem mental, e você deve escolher uma imagem que o
afete instantaneamente de modo que a reação possa sobreviver.

63
EXEMPLO:
Se você tem uma terrível dor de dentes:
• Localize a dor e então é "como se" alguém estivesse ras-
pando suas gengivas com uma gilete.

Não antecipe a dor. Ela deve vir da gilete raspando as gen-


givas. O uso da metáfora para despertar uma reação não vai
além do que o que fazemos na vida real ao dizer: "Tenho azia"
ou "Minhas costas estão rangendo" ou "Minha cabeça está ra-
chando". A imagem projeta a dor da experiência. É "como se"
eu tivesse uma ferida aberta no alto da minha cabeça e estives-
sem derramando amónia na beira da ferida. A imaginação des-
pertada pelo "como se" lhe dará a técnica para sentir a dor
em qualquer parte do corpo.

Morte
Se você recebe um tiro, deve situar o lugar onde foi ferido;
pode então cair para frente ou saltar com o baque. A reação
de John Barrymore ao receber um tiro em cena foi dar um sal-
to de 90cm no ar. A ação de dormir está próxima à de morrer
- o abandono da consciência. Você começa a perder vida, per-
der o mundo. Primeiro a vontade não está mais sob controle.
Você tenta estender o braço, mas não consegue. Continua a
respirar, mas não pode mais se mover. Os sentidos começam
a abandoná-lo - audição, visão, paladar; então o cérebro morre
e o coração pára. Ao morrer, você experimenta esses estágios
sucessivos de perda até que você tenha partido.

EXERCÍCIO 35

Esta é sua primeira peça, contendo muitos elementos com que


você tem trabalhado até este ponto.

I - ENREDO:
Estourou uma revolução num povoado da América Latina, onde
um hospital para crianças está sendo atacado. Um tiroteio po-
de ser ouvido. Um funcionário americano do Corpo da Paz deve
cruzar as linhas inimigas para conseguir suprimentos médicos
porque as vidas das crianças estão em perigo.

64
OBJETIVO: Salvar as crianças.
II - AÇÃO: Obter socorro.
III - ETAPAS:
Etapa 1. Escapar, cruzando a fronteira.
a. Passar pelo fogo inimigo.
b. Um pântano com cobras venenosas deve ser
atravessado.
c. Superar barreiras de arame farpado e a den-
sa vegetação rasteira.
Etapa 2: Abrigar-se numa cabana de taipa.
a. Ler a lista médica suja de lama.
b. Afastar o arame farpado de sua perna.
Etapa 3: Pedir socorro por sinais.
a. Agitar uma bandeira.
b. Ferir-se em fogo cruzado.
c. Lutar contra a morte.
O propósito desse exercício é mostrar a você como usar
sua habilidade e técnica para trabalhar em circunstâncias difí-
ceis e variáveis e seguir o enredo do começo ao fim antes de
começar a trabalhar no personagem.
• Cada ação deve ser representada verdadeiramente.
• Você deve deslocar-se através de circunstâncias variáveis.
o Tudo que você faz ou pensa deve ser justificado com clareza.

EMOÇÃO

Mente, coração e alma do ator estão envolvidos em sua profis-


são. Algumas vezes a mente assume o comando. Às vezes a alma
está mais envolvida. Isto traz à baila a questão da emoção. O ator
tem numerosos recursos dentro de si mesmo para obter a emo-
ção de que a peça ou o personagem necessita. Toda a emoção
exigida dele pode ser encontrada através da sua imaginação den-
tro das circunstâncias. O ato r deve entender que não pode exis-
tir verdadeiramente, exceto dentro das circunstâncias da peça.
Se na peça o ator necessita de uma ação à qual não res-
ponde, pode voltar à sua própria vida, não em busca da emo-
ção, mas de uma ação similar. Em sua própria experiência pes-

65
soal você teve uma ação semelhante à qual correspondeu uma
reação emocional. Volte à ação e às circunstâncias específicas
em que esteve e lembre-se do que fez. Se você recordar o lu-
gar, os sentimentos voltarão.
Se o ator tem que rezar para Zeus e considera isso difícil,
pode dizer: "Alguma vez na vida, eu orei", voltando então à
sua própria vida em busca da ação "orar", que implica pedir
socorro. Se ele chegar a esta ação através da sua própria vida
e suas circunstâncias pessoais,' deve tirar dela somente o seu
lado realizável: "Pedir socorro". Uma vez que ele saiba o que
é realizável na ação de orar, deve voltar imediatamente para
as circunstâncias da peça e erguer as mãos para Zeus ou Buda.
Se o ator constrói os antecedentes da peça e justifica a ação
de estender as mãos, porque as crianças estão morrendo, não
têm água, suas línguas estão inchadas, haverá o suficiente para
dar a ele a ação de estender as mãos ou "orar".
O lado físico da ação "orar" é "estender as mãos". Usar
uma ação de seu passado é a única maneira em que ele pode
ser trazido para a peça. Permanecer com seu passado pessoal,
que o fez chorar ou que lhe causou tão grande emoção, é fal-
so, porque você não está naquelas circunstâncias agora. Você
está na peça e são as circunstâncias da peça que têm de ser rea-
lizadas verdadeiramente, tomando emprestado da ação que vo-
cê teve no passado apenas o que era físico, não a emoção.

66
CAPÍTULO SEIS

Justificação

Antes vem a ação, depois uma razão para executá-la: essa ra-
zão chama-se justificação. Encontrar razões para tudo o que
você faz no palco mantém suas ações verdadeiras. A justifica-
ção, a parte criativa de seu trabalho, é o que o alimenta no
teatro.
A justificação não está nas falas; está em você. O que vo-
cê escolhe como sua justificação deve estimulá-lo. Como re-
sultado desse estímulo você experimentará a ação e a emoção.
Se você escolher uma justificação e não sentir nada, terá que
selecionar alguma outra coisa que o desperte. Seu talento con-
siste em quão bem é capaz de optar por sua justificação. Na
sua escolha reside seu talento.
A justificação pode ser feita de muitas maneiras. Vamos
começar com a justificação imediata.

JUSTIFICAÇÃO IMEDIATA

Esta justificaçãolhe dá a necessidade imediata para o que vo-


cê está fazendo.

67
EXEMPLO:
Por que você está abrindo a janela?
• Houve um estrondo lá fora.
• Para pegar ar fresco.
Por que você está fechando a janela?
• O abajur estava balançando.
• Para manter as moscas lá fora.
Por que você fechou a porta do camarim?
• Eu estava trocando de roupa.
• A dobradiça estava frouxa.
• Eu precisava da pedra que a estava mantendo aberta.
• Para surpreender as pessoas com meu novo traje.
• Para impedir que a música do ensaio entrasse.
No último exemplo, as cinco respostas servem como uma
justificação espontânea para a ação de fechar a porta. Mas vo-
cê não pode dizer: "Fechei a porta porque havia um ator no
hall que eu não queria ver". Este é um exemplo do que cha-
mamos ficção contribuindo com a justificação. Uma pessoa so-
bre a qual você não sabe nada foi trazida desnecessariamente
ao caso, e a justificação imediata saiu pela janela.
EXEMPLO:
Por que você está se vestindo?
• Estou me trocando para o segundo ato.
• Para ir à formatura.
o Para tomar parte na festa dos vizinhos.

Por que está pegando um copo d'água?


o Para tomar algumas vitaminas.
• Para gargarejar.
• Preciso de uma bebida suave depois de um drinque.
A justificação tem que ser algo que possa ser feito.
• Preciso de água para as flores.
• Preciso de água para uma aspirina.
A justificação imediata despertará sua capacidade de ex-
perimentar a atívídade.
EXEMPLO:
Por que você está batendo na mesa?
Você pode dizer:
o Para chamar atenção dos atares.
• Para testar a resistência dela.

68
Mas você não pode dizer: "Estou batendo na mesa por-
que estou com raiva." Isto é inventar alguma coisa dentro de
si; você não pode recorrer às emoções para a sua justificação.
Não introduza uma reação emocional extra porque você não
a tem. Antes, você deve partir para as circunstâncias imedia-
tas, para uma atividade que seja imediatamente realizável.
EXEMPLO:
Por que você está. abrindo a gaveta da cômoda?
• Para pegar um lápis.
• Para tirar minha chave.
• Para pegar selos de correio.
• Para verificar se o pegador da gaveta foi consertado.
Cada justificação deve ter uma lógica: Você abre uma ga-
veta para pegar lápis e papel de carta para escrever. A justifica-
ção deve continuar todo o tempo; é a fonte original que o des-
perta para a ação.
Você poderá visualizar isso se, fora do espaço de ensaio,
nós criarmos um jardim com árvores e um lago natural. Se lhe
forem dadas duas ou três coisas para fazer ao redor do jardim.
e do lago, você deve justificar cada ação. Praticando a justifi-
cação imediata, você deve lidar somente com as circunstân-
cias à sua frente.
Ação, Passar a tarde no jardim.
"Vou trepar numa árvore."
Essa afirmação, descrevendo uma ativídade sem um obje-
tivo interno, não é o bastante.
"Vou trepar numa árvore para colher uma maçã."
Agora nos foi dada a justificação. Os atores freqüentemente
são tentados aexpandir a razão ao dizer: "Vou trepar numa
árvore para colher umas maçãs que darei a meus amigos." Os
amigos foram trazidos desnecessariamente para a cena à qual
não pertencem. Você pode dizer: "Quero trepar na árvore pa-
ra colher uma bela maçã suculenta que seja boa para comer."
Agora a maçã começa a adquirir a vida da situação. Dizer que
você quer dar umas maçãs para seus amigos é simplesmente
um enredo falso. .
Tente algumas outras atividades nesse jardim com lago.
Por que você põe sua mão na água? Muito simplesmente para
salvar uma borboleta. Continue dentro das circunstâncias, e
você descobrirá o que mais pode fazer.

69
EXEMPLO:
Por que você limpou sua mão com um pano?
• Eu quero passar o bronzeador.
Por que você se dirigiu para a cadeira?
• Não porque você está cansado e quer sentar-se. Isto é men-
tira. Em vez disso, você se dirigiu até a cadeira para pegar
uma toalha.
Por que você está. estendendo sua mão direita?
• Não para pegar fósforos, dos quais você não precisa.
Ao invés disso, apanhe alguma coisa necessária quando se
está ao sol, como óculos escuros, por exemplo.
A finalidade é continuar com lógica dentro das circuns-
tâncias particulares de se passar a tarde no jardim.

EXERCÍCIO 36

Para justificar as perguntas seguintes, o que você escolher de-


ve estimulá-lo. Por que você está
1. Saindo de um edifício?
2. Entrando numa loja? 1-:-

3. Levando o cachorro a passeio?


4. Carregando pacotes?
5. Parando na esquina? ,
Use a sua imaginação na resposta. Não escolha expressões
como com calor, com frio, confortável ou bonito porque elas
não são fáceis para um ator representar. Irei físlcalizar todas"
essas palavras para v o c ê . '
CONFORTÁVEL: Liguei o ar-condicionado para ficar confortável.
Tirei o cobertor para ficar confortável.
COM CALOR: Desliguei o radiador porque estava com calor.
-, Abri a janela porque estava com calor.
COM FRIO: Coloquei meu suéter porque estava com frio.
Acendi um fogo porque estava com frio.
BONITO: Tirei uma foto das flores, pois eram bonitas.
Comprei o vaso porque era bonito.

70
JUSTIFICAÇÕES MAIS CRIATIVAS

"Por que você está conduzindo o homem para o lado


oposto da rua?"
"Porque ele é cego e ninguém mais se preocupou em
ajudá-lo. "
Esta é uma justificação mais criativa. Você terá total segu-
rança se sua imaginação estiver funcionando. A segurança vem
da justificação que você escolher. Cada justificação deve pas-
sar pela sua imaginação a fim de se tornar pessoal e, desse mo-
do, mais interessante e vívida para a platéia.

EXEMPLO:
o Por que você está lendo o livro?
O livro explica a técnica de atuar.
• Por que você esta consertando a cadeira?
Ela é antiga e posso dá-la a um museu.
o Por que você está tirando um sapato?
Precisava estimular a circulação nos meus dedos.
EXEMPLO:
• Estou fechando a janela porque o vento estava derru-
bando os guardanapos da mesa.
• Estou fechando a porta para não ouvir o barulho dos
pratos.
• Estou abrindo a porta porque falta o número nela e os
convidados não saberão onde entrar.
Escolha justificações que o façam reagir imediatamente,
pois você deve realmente acreditar no que está dizendo. Atra-
vés da justificação você tem uma situação real no teatro por-
que está dando vida às falas. Essa contribuição chama-se "a ver-
dade teatral" do ator. Se você não usar a sua ímagínaçâo, não
terá criado nenhuma contribuição para a peça.
A justificação deve ter um nível:
LEVE: Ganhei na loteria.
MÉDIO: O frio não é excessivo. Estou alegre. Joguei fora
todo o medicamento. Todos estão saudáveis, in-
clusive o bebê.
CARREGADO: Ocorre quando você descreve uma cena de in-
verno na Bavária ou uma avalanche nos Alpes.·

71
Pode-se avivar o perigo dessas circunstâncias,
adicionando-lhes detalhes. Da avalanche pode-
se dizer:
• Alguém tem que aquecer os corpos com toa-
lhas e cobertores.
o Alguém tem que se livrar das árvores que-
bradas e limpar o caminho para fazer uma
trilha até o hospital.
A adição de detalhes estimulantes afeta as emoções do ator.
Os níveis acompanham as circunstâncias. A realização de ações,
sustentada pela justificação imediata, atenua a pressão exces-
siva do ator ao representar recorrendo a sentimentos indeter-
minados e inconstantes. As pessoas não atuam. Elas experimen-
tam alguma coisa. Experimentam um momento, e então o pró-
ximo e depois o outro. Se a justificação é o seu forte, não vá
além do que ela possa induzir.
Inverta a cena de modo que o palco seja um camarim de
teatro.
o Você se senta na beira do palco.
o Por que você se senta?
Um ater diz: "Sento-me porque quero ter uma perspecti-
va melhor do palco." Mas eu o aconselho a abandonar essa
falsa e acadêmica "perspectiva" e dizer, muito simplesmente:
"Estou sentando porque quero ver o palco." Quando você diz:
"Quero obter uma perspectiva melhor do palco", não usou
palavras que o estimulem. Evite palavras que não o excitam.
Quando você vê alguma coisa, deve-me fazer vê-la também.
Não poderei vê-la se sua escolha de palavras for fria e remota.
Quando pedi cinco razões para alguém poder se queixar
de sair pela manhã, um ato r respondeu:
"O elevador leva quinze minutos para descer do sétimo
andar. É por esse motivo que eu odeio tomá-lo."
Nessa justificação, que é forte e correta, há também um
perigo. No momento em que você usa a primeira pessoa do
singular ou palavras como amo e odeio, que têm alto conteú-
do emocional, as exigências de justificação são mais fortes. Você
tem que ter experimentado a justificação quando usa o "eu".

72
A JUSTIFICAÇÃO NAS CIRCUNSTÂNCIAS

Use as circunstâncias e, se possível, fisicalize os adereços.


EXEMPLO:
• Ajudei um velho aleijado a atravessar a rua com uma valise.
JUSTIFICAÇÃO:
O tráfego estava engarrafado.
• Por que o motorista de táxi manteve a porta aberta?
JUSTIFICAÇÃO:
Para ajudar a mãe a colocar os filhos no táxi.
A imaginação deve dar-lhe imagens para que você reaja.
EXEMPLO:
• Por que você está colocando os panfletos nas cadeiras?
JUSTIFICAÇÃO:
Porque a conferência está começando.
o Por que você está trancando a porta?
JUSTIFICAÇÃO:
Para testar o sistema de alarme.
Todas terão circunstâncias.
• Na rua, tarde da noite: Você entra correndo na loja para cha-
mar a polícia.
JUSTIFICAÇÃO:
Você foi roubado.
• No corredor: Você toca todas as campainhas.
JUSTIFICAÇÃO:
Havia um alarme de incêndio.

"Saiam. Saiam. A casa está em chamas. " Você tocou as cam-


painhas para trazer as pessoas para fora - você fisicalizou a
justificação antes de dar a fala.
• No consultório médico: Você apaga as luzes.
JUSTIFICAÇÃO:
Está estudando os raios X.

A menos que a justificação o desperte para a situação, ela


será fraca. Continue tentando encontrar outras justificações que
o estimulem.

73
EXERCÍCIO 37

Dê dez razões para:


1. O homem estar cruzando a rua (quando você estava
olhando pela janela).
2. Você fechar as cortinas (em diferentes circunstâncias).
3. Você estar ajudando Maria (em diferentes circunstâncias).

JUSTIFICAÇÃO INTERNA·

A justificação interna é a contribuição que o ator dá às pala-


vras do dramaturgo. O autor lhe dá as falas. Não dá a justifica-
ção atrás delas. E assim que o ator contribui.
EXEMPLO:
• CIRCUNsTÂNCIAS: Corredor de hospital
MÉDICO: "Você lhe deu o remédio?"
ENFERMEIRA: "Não."
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: O paciente parou de respirar.
• CIRCUNSTÂNCIAS: Um restaurante
ELE: "Não gostaria de um pouco de açúcar?"
ELA: "Não, obrigada."
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: Tenho diabetes.

A justificação interna encontra-se por trás das palavras.


EXEMPLO:
• CIRCUNsTÂNCIAS: Em casa
Ela ajuda o homem a pôr o casaco.
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: Ele é seu marido.
Ele ajuda a jovem com o casaco dela.
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: Ela é uma convidada.

Isto lhe dá a justificação e a atitude com relação ao seu


parceiro. Não há texto.
EXEMPLO:
ELE: "Você se acha muito moderna?"
ELA: "Não, de modo algum."
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: "Sou tradicional."

74
Ela é tradicional e influenciada por um outro período.
EXEMPLO:
• CIRCUNsTÂNCIAS: No tribunal
ELE: "Você concordou com o veredicto?"
ELA: "Não."
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: "Ele foi além da obrigação do
cargo."
• CIRCUNSTÂNCIAS: Restaurante
ELE: "Gostaria de outro drinque?"
ELA: "Não."
JUSTIFICAÇÃO INTERNA: Ele sempre força a moça a beber
mais e mais.

RESPONDENDO CONCRETAMENTE

Responder concretamente tornará você um ator maçante. Vo-


cê não pode fazer uma contribuição às palavras com o simples
relato de fatos, sem lhes adicionar nada. A justificação trans-
forma os fatos em experiências.
EXEMPLO:
ELE: "Você teria um cigarro?"
Responda com uma forte justificação:
ELA: "Não, certamente que não!"
JUSTIFICAÇÃO INTERNA:
Ela acredita que o fumo vai envenenar a atmosfera e ma-
tar as crianças.

EXERCÍCIO 38

Crie três pequenas histórias imaginárias, de 2 ou 3 minutos de


duração, sobre algo que você viu acontecer. Essas histórias de-
vem contar seqüências, ter desenvolvimento, idéias épicas e
devem ser bem delineadas e justificadas. Construa a justifica-
ção ao precisar dela.

75
CAPÍTULO SETE

Trabalhando no Palco

ADEREÇOS

Um ator deve usar sua imaginação quando trabalha com ade-


reços. Muito freqüentemente terá que representar com um mí-
nimo de acessórios. É uma contrariedade para o ator não ter
um adereço com o qual trabalhar, mas às vezes a desvantagem
pode se transformar numa vantagem. É preciso saber como é
a vida de um adereço, antes de usá-lo. Uma pistola tem sua vi-
da própria. Você deve aprender a prática de como usá-la de
acordo com as situações que lidam com pistolas. O mesmo
acontece com espadas. Você deve aprender a técnica da esgri-
ma porque ela tem uma tradição. O objeto é verdadeiro e não
mente. É o ator quem mente.
Algumas vezes o ato r tem que usar uma pistola. Certa vez
Luther Adler teve que sacar uma pistola e atirar num homem.
Porém, a arma não estava na mesa. Luther disparou com uma
pistola imaginária, e o homem caiu morto. A platéia ficou con-
vencida de que a pistola havia sido detonada por causa da per-
feição com que o atar usara o objeto imaginário.
Em Moscou, numa representação do teatro de Meyerhold,
havia um palco descoberto com uma prancha onde um homem

76
podia ficar de pé numa escada de mão. O atar não tinha vara,
nem linha, nem anzol, mas, quando levantou seu braço, podia-
se ver a vara e o puxão da linha como se o peixe tivesse fisga-
do o anzol. Ele estava pescando. Chegara perto do gênio. Esta
é uma perfeita ilustração do princípio de se usar um adereço
imaginário e criar as circunstâncias.
Como atares, vocês devem estar familiarizados com ade-
reços. No uso de acessórios, tente ser específico e claro. Se o
adereço for um jornal, justifique-o procurando por alguma se-
ção específica que queira ler. Você não deve tomar muito tempo
fazendo isso. Em vez disso, atribua antecipadamente uma me-
ta a si mesmo.
Passe os olhos pelo jornal procurando uma seção especí-
fica, virando as páginas paJ;a frente e para trás até achá-la. Vo-
cê sabe de antemão onde e quando vai encontrá-la.
Você não deve usar um adereço a menos que lhe dê valor
e que tenha simpatia por ele. Deve trabalhar com o adereço
até saber que pode usá-lo.

ACELERANDO A AÇÃO

Na vida, você pode ser maçante. Em cena, no entanto, você


não pode se permitir ser maçante, mesmo por um instante. Há
uma diferença entre o tempo real e o tempo do palco. Na vi-
da, uma ação vale exatamente a quantidade de tempo que se
leva para executá-la. Em cena, trinta anos da vida de uma pes-
soa podem ser comprimidos em duas horas e meia.
O que você faz no palco necessita de uma certa econo-
mia. Isto se chama "acelerar a ação", e essa é a técnica que
faz o tempo real caber no tempo de cena.
"Acelerar a ação" requer um pré-planejamento.

EXEMPLO:
Se eu preciso fumar um cigarro,
• O maço já deve estar aberto.
• Um ou dois cigarros devem estar postos para fora.
Não posso ser pego em cena procurando desajeitadamen-
te por um cigarro.

77
EXEMPLO:
Se preciso me maquilar,
• Ponho batom.
• Coloco uma sombra.
A ação é verdadeira, mas tem o elemento da verdade do
palco. Ela é "acelerada".

EXEMPLO:
Se escrevo uma carta,
• Coloco uma data na carta.
• Assino-a.

EXERCícIO 39

Faça as atividades seguintes. Tome conhecimento da quan-


tidade de tempo que cada uma necessita para captar a atenção
da platéia.
1. Terminar uma carta.
2. Pôr a mesa.
3. Vestir-se.
4. Fazer sua cama.

Acelere essas ações.

PERSONALIZAÇÃO

Ponha sua própria verdade em cada adereço que usa, o


que fará dele original.
• Ao ler uma revista, arranque uma página.
• Ao contar seu dinheiro, guarde o troco no bolso.
• Ao examinar suas cartas, procure alguma específica e então
jogue-a fora.
Personalize os adereços que você usa, dotando-osde al-
guma qualidade que seja sua.

EXEMPLO:
• Personalize a rosa que você está disposta a prender com alfi-

78
nete no seu vestido, aspergindo-lhe gotas d'água e tirando um
espinho do talo.
• Quando você guardar o suéter na gaveta, personalize-o no-
tando uma linha solta e arrumando-a.
o Quando for apanhar o copo para beber água, perceba o ba-
tom na beira e remova-o, esfregando um pano.

EXEMPLO: .
Aqui estão cinco atares e sua ação será: tomar uma bebída.
ATOR 1. Toma scotch com gelo.
ATOR 2. Toma gim e água tónica.
ATOR 3. Toma scotch puro.
ATRIZ 4. Toma um copo de vinho branco.
ATRIZ 5. Toma scotch com água.

Essa técnica fará você perceber que as garrafas e adereços


dados devem ser personalizados através de sua imaginação. To-
das as garrafas devem conter água. Você transformará a bebi-
da no que quiser ao personalizar o adereço.
A regra absoluta é personalizar todos os adereços. Aqui
estão mais exemplos:

EXEMPLO: Cinco atares estão pegando um cigarro.


ATOR 1. Abre e fuma de um novo maço de Kent.
ATOR 2. Tira um cigarro de um maço amarrotado de Pall
MalI.
ATOR 3. Pega uma guimba de cigarro.
ATOR 4. Fuma um cigarro numa piteira.
ATOR 5. Tira o cigarro da cigarreira.

Cada atar deve escolher uma maneira na qual personali-


zar o objeto de cena. Você deve usar sua imaginação, senão
não terá função no palco. É falso US4r meramente o adereço
do diretor de cena. Cada acessório e o modo como é usado
devem pertencer ao atar. Então personalize todos os adere-
ços que lhe são dados para usar no palco.

79
EXERCÍCIO 40

As personalizações que se acrescentam às ações "tomar


uma bebida" e "fumar um cigarro" podem ser:
1. A garrafa de scotch estar três quartos vazia.
2. O copo estar empoeirado.
3. Adicionar limão à bebida.
4. Fumar de um dos três maços na mesa.
Ache mais três ou quatro personalizações.

EXERCÍCIO 41

Faça o seguinte:
1. Quando for pentear seus cabelos, não passe simples-
mente o pente, mas faça tranças ou coloque grampos.
2. Quando for vestir um suéter, desembaraçe a manga.
3. Quando for pintar a cadeira, limpe o assento com um
pano.

Adereços do Diretor de Cena Personalização do Ator


a. O batom Cor errada
b. O espelho Sujo
c. A carta De onde veio?
d. O castiçal A vela está derramando.
e. Sal e pimenta Precisa recarregar.
f. Livro Aberto sobre a mesa
g. Cinzeiro Lascado
h. A correspondência Misturada
i. Carteira de dinheiro Rasgada no canto
Acrescentar detalhes todo o tempo é a sua personalização
do objeto. A maneira na qual um atar personaliza seus adere-
ços pode freqüentemente tornar um desempenho memorável.
Lembro-me de uma atriz que, quando assinava seu nome na
prisão, derramou alguma tinta e a secou com a mão, ou a atriz
que, quando mendigava por dinheiro, virou-se e estendeu sua
mão trêmula, O talento de um atar está evidente em como ele
escolhe, manipula e personaliza cada adereço.

80
ESQUERDA: Sarah
Adler , como Katu sh a
Maslo va, em
Ressurreição, de Leon
Tolstoi , no Teatro
Grand Strcc t, cm
1903 .

DIREITA: Jacob Adlcr,


cm 1920.
ACIMA: Stclla, Sarah e Luther Adlc r,
em Kreutzer Sal/ata , de Leon Tols-
toi, no Teatro Novclty, por volta de
1910. ABAIXO: Stella Adler, em Tbe
Beautiful Lady, uma peça em um ato
representada no Circuito Orpheum
Vaudcvílle, por volta de 1920. DIREI-
TA: Stella e Luther Adlcr, em Success
Story, de John Lawson, representa-
da pelo Group Tbeatre, no Teatro
Maxime Elliot, em 1932 .
D IREITA : Stella Ad ler, co-
mo Bessic , em Awake and
Sing , i nte rpretada p elo
Group Tbea tre e d i rigi da
por Harold Clurrnan , no
Teatro Bclasco , em 1935.
(VA NDAMM ST UDIO, co-
LEÇÃO DE TEATRO BILLY
ROSE, BIBLIOTECA PÚ-
BLICA DE NOVA YORK .)

ABAI XO : (da esque rda para


a direita) Morris Lannbusky ,
Jo hn Gar ficld, Art Smith ,
Ste lla A d le r e Ph o eb e
Brand , em Awake a nd Si ng
(VA NDAMM STUD IO, CO-
LEÇÃO D E TEATRO BILLY
ROSE, BIB LI OTECA PÚ-
BLICA DE NOVA YORK .)
DA ESQU ERDA PARA A DI-
REITA: Harold Clurrnan ,
Stclla Adler e Clifford Odets
o lhando para o texto de
Auiake and Sin g , em 1936.
ABAIXO: Cartaz para Para-
dise Lost , de Clifford Odets,
rep resent ada pelo Group
Tbea tre , com Stella Adler
int e rp re tando Clara , em
1936. (PLA YBILL~ é uma
ma rca regist rad a de Playb ill
Inc.)
ACIMA: Stella Adler, em
Hollyw ood, em 1937. (CO-
LEÇAO TEATR O, M USEU
DA CIDAD E DE NOVA
YORK). ESQUERDA : Stella
Adler e john Paync no filme
Lave 01/ Toast, dirigido por
E. A. Dupont , em 1937.
ABAIXO : Stella Adler e Ha-
rold Clurma n na abertu ra
do Teatro Harold Clurman ,
em 1979 . (ALI CE CHEBBA
WALSH )
Ste lla Ad le r rep res ent an do p ara uma de suas
aulas, em 19 76 . (© RUE FARlS DREW)
Stc l la Ad lc r , cm 1980. (IREN E GI LB ERT)
ESQUERDA: Stella Adler
dando uma de suas au las,
cm 1985. GIM NETTLE-
TON) ABAIXO: Stella Adler
recebendo o grau de Dou-
tora em Belas-Artes do
Smith College, em 1987.
(MICHAEL ZIDE)
Pratique constantemente com adereços e roupas que não
lhe são familiares. Não permita que os adereços o apavorem.
Torne-os seus.

"A verdade no palco não é realmente a verdade da


vida. Uma será sempre mais ou menos que a outra. Em
cena você nunca executa exatamente o que faz na vida.
Ao vestir uma pelerine, é incorreto procurar pelo botão.
Se você estiver abotoando sua pelerine, não haverá atua-
ção. Esse minúsculo detalhe acarreta indiscutível perda
de grandeza à pelerine. Abotoar é um erro, pois não há
botões em pelerine."
- Konstantin Stanislavski

Quando você usa adereços como:


o Uma bengala
• Um lorgnon
• Um leque
• Uma cartola
• Óculos
.. Roupas de vestir

eles devem ser usados verdadeiramente e personalizados a partir


do ponto de vista do personagem.
Tudo que você faz e veste tem um certo sentido e outros
significados podem ser adicionados. O que mais um homem
com cartola ou um homem com a pelerine usaria? Poderia usar
uma bengala. Tente segurar a bengala como ele faria. Não te-
nha medo de dominá-la. Faça-a girar e caminhe. Agite seu bra-
ço inteiro. Não tenha medo dela e não fique tenso.
Ajuste-se ao adereço. Deixe um par de óculos dar-lhe o
personagem. Nunca represente o personagem. Um caminho
para a caracterização é fazer coisas. O acessório ajuda você a
fazer sua ação e pode dar-lhe a chave para o seu personagem.
O chapéu, os óculos, e o que quer que você vista ou adote
afeta o interior, o íntimo, a alma do ator.
Se todos esses adereços forem usados convencionalmen-
te, não terão impacto no seu personagem. Continue trabalhando
especificamente em cada coisa até o hábito tomar-se seu. O
que quer que você tenha executado deve tornar-se sua segun-
da natureza.

81
Tudo deve ser dominado; um sotaque ou regionalismo,
um defeito na fala ou um andar específico, todos precisam de
prática. Assim, cada adereço terá sua natureza e cultura pró-
prias. Não traga a si mesmo e a sua cultura para o palco ao usar
os adereços. Continue trabalhando neles.

EXEMPLO:
O ato r que veste uma cartola vem de uma classe específi-
ca, ele tem:
• O discurso controlado
o O andar controlado
o A mente controlada
Na sociedade daquele chapéu, o ser humano e as roupas
estavam sob controle. É a partir dos adereços, do traje e da
fala que seu personagem começa a se desenvolver. Obedeça
aos adereços e às circunstâncias.

ACIDENTES PLANEJADOS

No teatro profissional, você não tem o direito de fazer qual-


quer coisa em cena que não esteja sob seu controle. Acidentes
não planejados não podem ser permitidos. Um acidente tem
que ser preparado de antemão e praticado várias vezes para
garantir que a cada vez ele acontecerá da mesma maneira..
• Tire as luvas do bolso de seu casaco e deixe um cartão cair.
• Uma caneta está colocada no meu livro aberto: Quando er-
go o livro, a caneta cai no chão e eu me abaixo para pegá-la.
• Tiro um lenço do meu casaco e cai algum dinheiro.
Pratique cada acidente muitas vezes, depois de tê-lo pre-
parado e antes de executá-lo no palco, para estar certo de que
ele funcionará consistente e exatamente da mesma maneira to-
das as vezes.
A partir dos adereços você pode determinar a classe de
um personagem e a época em que vive. Os adereços e o ves-
tuário criam em você uma influência que tornará o persona-
gem mais forte.

82
VESTUÁRIO

o que você veste, assim como o que você faz, indica a que
período e a que classe social pertence. O vestuário ajuda-o a
encaixar-se na sua classe. Existe, por exemplo, uma diferença
de classe entre um xale e um regalo, o xale identificando a mu-
lher operária que não se preocupa consigo mesma e com sua
aparência, o regalo significando a elegância de uma dama da
classe alta.
Em épocas passadas, o vestuário era de máxima importân-
cia, visto que distanciava uma classe da outra. Dava-lhe uma
noção de quem você era.
A ação e o vestuário seguem juntos. Para que os atores en-
tendam isso, eu os fiz ir para o chão e desencavar batatas -
para que se deitassem na terra, se arranhassem, abrissem as per-
nas, rolassem sem vergonha alguma. A classe operária é uma
classe tocante, física, próxima da terra e sem romantismo. Fiz
com que os atores praticassem uma dança camponesa, chocan-
do-se uns com os outros, e cantassem. Então perguntei-lhes
se agora se sentiam mais próximos às suas roupas e eles disse-
ram que sim.
Você encontrará a classe operária nos trabalhos de Char-
les Dickens e dos dramaturgos irlandeses. Essa classe também
aparecerá em peças escritas depois dos anos 30. O vestuário
revela imediatamente a classe e dá ao ator uma inspiração ime-
diata e uma relação inconsciente com o personagem.
Para ilustrar a classe aristocrática, pedi aos atores que pés-
quisassem livros de pinturas de aristocratas dos séculos XV e
XVI. Quadros com a indumentária de aristocratas são de ex-
tremo valor para o ator . .
Pode-se também obter idéias sobre maquilagem - a rou-
pa do rosto - a partir dessas pinturas.
Cada ator que traz seus hábitos corporais pessoais para o
palco, deve evitá-los sem dúvida porque o personagem não ca-
rece deles. O vestuário é de fato o único meio que pode aju-
dar o ator a criar uma individualidade do personagem.

83
CAPÍTULO OITO

Personagem

o primeiro e mais importante método de abordagem para o


ator é ler a peça e descobrir o que o dramaturgo quer dizer
ao mundo. O ato r deve descobrir as idéias importantes que
o autor revela através de seus personagens. O dramaturgo quer
divulgar e expressar sua opinião sobre a sociedade. Embora
uma peça possa ocorrer em local particular, está disposta a al-
cançar o mundo através de suas idéias. Esta é a meta de Sha-
kespeare, Ibsen, Shaw e Strindberg, entre outros.
Vamos discutir agora alguns dos problemas surgidos ao
se atuar numa peça.
Atuar se baseia, em grande parte, nas diferenças entre os per-
sonagens. Um desenhista italiano, um camponês russo, um di-
plomata chinês, todos se comportam de maneiras específicas. Eles
se dominam diferentemente, andam, falam, pensam, fumam ci-
garros e riem de forma diferente. Seus conhecimentos, educação,
tipo físico, moral e posição social são inteiramente distintos.
Os atores não devem apenas criar essas características na-
cionais e ocupacionais, mas devem também mostrar as dife-
renças entre os personagens. Atuar é agrupar comportamen-
tos humanos de maneiras originais e interessantes. Mesmo um
personagem arquétipo como Hamlet pode ser retratado segun-
do várias interpretações diferentes.
A preparação de seu personagem começa naturalmente
com o texto do dramaturgo.

84
As circunstâncias que o autor lhe dá farão você ciente de
elementos importantes, tais como:
• Situação social
• Classe
Classe operária
Classe alta
Classe média
Aristocracia
o Profissão do personagem
o Passado do personagem
• Elementos do personagem
• Atitude do personagem em relação ao seu parceiro
Eles permitem que você amplie as dimensões do perso-
nagem - você não pode representar Hamlet sem entender o
que é ser um príncipe - e reaja às circunstâncias que o
envolvem,

SITUAÇÃO SOCIAL

A situação social inclui:

• Religião • Moral
• Educação o Dinheiro
• Vida familiar • Sexo
• Ética • Situação política
Cada dramaturgo - Eugene O'Neill, Arthur Miller, William
Inge, Anton Tchekhov - escreve em seu próprio tempo. Se um
dramaturgo dos anos 70 quer escrever sobre os anos 50 ou 40
terá que pesquisar o período. O ator tem o mesmo problema.
Em seu próprio tempo, você deverá saber certas coisas so-
bre o passado se pretende voltar na história. Quando você tra-
balha num papel, é importante cogitar como um personagem
vive em sua situação social. Não se deve tentar atuar numa pe-
ça como WaitingJor Lefty, sem fazer um estudo profundo dos
anos 30. Um ator deveria ler a literatura da época para tornar-
se informado sobre a posição do operariado e dos sindicatos.
Da mesma forma teríamos que estudar os anos 60 e 70 para
entender a mudança da condição social dos negros na socie-
dade americana. Ao ensaiar qualquer peça de Shaw, não se po-

85
de deixar de perceber o forte interesse que todos os seus per-
sonagens têm em quem conduz o governo, quem controla a
igreja, onde se situa o poder.
Não se pode representar Um Bonde Chamado Desejo, ou
The House ofConnolly, uma peça de Paul Green, de 1931, sobre
a decadência da aristocracia sulista, sem conhecer a posição cul-
tural e social do Sul na História americana; sem saber, por exem-
plo, que na vida familiar sulista existe o medo da miscigenação.

CLASSE

É importante para o ator saber a diferença entre a sua própria


classe e a classe de seu personagem, como ele a vê.

A Aristocracia

.O homem aristocrático herda um físico forte e revela exu-


berante saúde. Essa saúde envolve guerra, aventura e tudo que
compreende ações fortes, livres e joviais. Esses aristocratas eram
felizes, favorecidos por Deus. Bondade, força e nobreza eram
as virtudes aristocráticas. A idéia básica do aristocrata bem-
nascido é viver uma vida boa, feliz e bonita. A nobreza des-
crevia as classes mais baixas com pena e indulgência. Era esse
o legado dos velhos valores aristocráticos que as classes mais
baixas tinham que aceitar. O aristocrata vive em confiança e
sinceridade. Em face do inimigo ou qe perigo, o espírito aris-
tocrático revela entusiasmo, gratidão ou vingança. O nivela-
mento por baixo do homem europeu é nosso maior perigo.
Isso é o que nos deprime. Hoje nós não vemos nada que quei-
ra se tornar maior e suspeitamos que tudo seguirá decadente
para sempre, tornando-se mais fraco, mais cômodo, mais in-
diferente, mais qualquer coisa. É essa, precisamente, a crise.
Com o medo do Homem nós perdemos também o amor pelo
Homem, o respeito por ele ou a esperança nele. A conclusão
nos consome: - estamos cansados do Homem.
A Classe Média Alta
A classe média alta é uma classe que tem grande fartura
e dinheiro, mas que foi ganho, não herdado. O que esta classe
herdou da aristocracia foi a riqueza de ser educada, o entendi-

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mento dos valores de arquitetura, literatura, filosofia, história,
música e arte. Quando você vê um homem da classe média
alta, percebe que ele tem um certo estilo. Esse estilo lhe per-
mite falar-a um rei ou rainha, embora ele não tenha herdado
essa tendência. Ê um homem com distinção, elegância e gran-
deza. Já salvou a América ao emprestar uma centena de milhões
de dólares aos bancos. Como um protótipo; a classe média al-
ta é astuta, _inteligente e poderosa. Dinheiro e poder seguem
juntos; diriheiro,poder e intelecto às vezes seguem juntos. O
artista e a rica classe média entenderam que podiam perdurar
na história ao criar símbolos de si mesmos. Símbolos perma-
nentes, como J. P. Morgan quando criou o Museu Frick, e Gug-
genheim, o Museu Guggenheim,e Rockefeller, o Instituto Roc-
kefeller. O homem cria o símbolo ao criar a cultura do país.
Esta classe poderia ser chamada de aristocracia intelectual.

A Classe Média

Partiremos agora dessa classe refinada para a verdadadei-


ra classe média, sem a mente aristocrática. Estamos deixando
a classe de profunda elegância de espírítq e indo em direção
à praticidade e ambição da classe média. O pensamento e com-
portamento da classe média foram contagiados por uma ênfa-
se no dinheiro, não na cultura. Shaw dizia: "A aristocracia foi
materializada, a classe média foi vulgarizada, a classe baixa foi
brutalizada." Assim obtemos uma classe de. pessoas que pen-
sam convencionalmente. A vulgaridade do pensamento con-
vencional insinuou-se em cada pessoa, que passou a crer que
o que pensava é a verdade. Assim nós temos uma classe de pes-
soas que são práticas e ambiciosas. Pessoas que acreditam no
que alguém lhes disse. A classe média surgiu da industrializa-
ção, quando muitas pessoas procuravam produzir coisas que
fizessem dinheiro. O mundo técnico chegara. O mundo fora
arrebatado pela capacidade de produzir e uma nova classe de
pessoas era estimulada a unir-se a esse movimento.
O homem da classe média não é nem sincero nem hones-
to nem leal- ele tinha que ppssuír dinheiro. Seu espírito ama
ocultar situações; tudo que é encoberto o impressiona, visto
que o seu mundo é segurança e conforto. Ele conhece a auto-
reprovação e a auto-humilhação. Uma raça de homens assim

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no fim estará, por necessidade, mais hábil que a raça aristocrá-
tica. A astúcia, num grau muito maior, é a condição vital de
sua sobrevivência. Esta classe específica tinha que ser um su-
cesso. Tinha que haver alguma forma de valorização do sucesso
nela. Esse objetivo reduziu tudo. O interesse no crescimento
individual e os valores herdados de arte decaíram. A era do
industrialismo e do capitalismo arrebatou as mentes, corações
e almas das pessoas, mas para alcançá-la, eles renunciaram ao
outro lado de si mesmos. O clima do país inteiro foi afetado
pelo ponto de vista capitalista. O capitalismo foi uma grande
força e ajudou vagarosamente a reduzir o respeito das pessoas
por si mesmas, pela educação, pela arte e pela língua, e seu
respeito umas pelas outras. Agora estamos sem qualquer tradi-
ção. De tudo isso advém a qualidade em ruínas do homem.

A Classe Trabalhadora

A classe trabalhadora na América passou por muitas fases,


e quem a conhece não pode compreendê-la.
Não há meio de falar sobre a classe operária contemporâ-
nea. Na América ela já não existe em sua forma mais pura. As-
sim teremos que voltar na história em busca do espírito da classe
operária antes do sindicalismo transformá-la numa profissão.
A classe operária descende da classe camponesa européia,
trabalhadores de pequenas fazendas do interior, antes que ti-
véssemos cidades modernas e edifícios altos. Formavam uma
classe que se voltava principalmente para a terra. Assim o em-
prego era a terra e a terra tornou-se cidade. As necessidades
dos trabalhadores eram simples; construíam cabanas rústicas
de madeira com as próprias mãos, plantavam e corhiam da terra.
Homens e mulheres não envelheciam como agora, o trabalho
os conservava. Não tinham artrite. Trabalhavam, cantavam, dan-
çavam, bebiam e divertiam-se juntos.
Essa classe é estabelecida sobre o princípio básico de tra-
balhar na terra. É impossível pensar nessa histórica comunida-
de operária sem pensar em seus jogos e música. As pessoas da
classe operária sempre tocavam um instrumento, a harmônica
ou a guitarra, e com o passar do tempo adaptaram-se a outros
instrumentos, outros jogos. O operário vem de uma comuni-
dade da terra e do trabalho. O operário tinha um senso de si

88
mesmo, um sentido de força. Ele se respeitava e dizia: "Vou tra-
balhar até morrer!" Era um homem, nada subjugado, nada cur-
vado, nada arruinado. Movia-se muito livremente, muito deci-
didamente. Não era um palerma ou um vadio. Vivia na sua ter-
ra, em sua casa de madeira com uma cerca em volta. Vivia do
modo que um homem podia viver, da melhor forma em suas
circunstâncias. Se possuísse maquinaria pesada ou um arado de
madeira para se aperfeiçoar, poderia lidar com ele. Faria seu ofí-
cio. Um trabalho de homem honesto. Não se pode chamar o
operário na América de hoje de homem da classe operária. Era
uma tradição que passava de pai para filho. Agora é diferente.
Distinções de classe eram absolutamente descornpromis-
sadas em outros períodos. Em nosso próprio tempo não há as-
pirações sociais. Nós democratizamos todas as classes.

REPRESENTANDO UMA PROFISSÃO

Para começar a se acostumar à extraordinária variedade de pa-


péis que um ator pode ser chamado a desempenhar, variando des-
de um tirano no trono até um modestíssimo comerciante, é ne-
cessário praticar representando profissões de todas as espécies:
Alfaiate Florista Médico
Dentista Padeiro Policial
Caixa de banco Arqueólogo Cabeleireiro
Enfermeira Prostituta Freira
A lista é potencialmente sem fim. Ao estudar um persona-
gem, uma das primeiras perguntas a ser feita é: qual é a sua
profissão?
Isto deve ser estabelecido antes que uma ação possa ser
representada.
Para o atar, o estudo das profissões tem um número de
benefícios secundários. Você deve sair pelo mundo para estu-
dar o personagem e as características do profissional.

EXERCÍCIO 42

Comecemos com o cabeleireiro, tomado como um exemplo


em nosso próprio tempo:

89
1. Quais são as ações que ele executa?
2. Qual o seu vestuário?
é

3. Quais são os adereços que condizem com a função?


Leve a profissão para a sua casa e realize-a tanto quanto
possível. Pratique as ações do personagem que você observou.
Use os adereços necessários. A profissão deve causar alguma
mudança na sua personalidade.
Continue trabalhando fisicamente com seus acessórios.
Execute algumas atívídades onde tenha que usar os adereços,
tais como:
1. Limpar escovas de cabelo.
2. Preparar uma tinta.
3. Ajustar os onduladores.
Agora acrescente mais três profissões:
1. Um alfaiate
2. Um florista
:3. Um enfermeiro
A roupa é de máxima necessidade para revelar a profissão
de um personagem. Você deve sempre utilizar o vestuário que
indique a profissão. Escolha que sapatos e meias você calçará
e até mesmo a roupa de. baixo. Isto tornará claro que classe
você está representando, assim como lhe dará confiança.

ANTECEDENTES DO PERSONAGEM

Os antecedentes são criados a partir de cinco perguntas:


"Quem" é você? Sou um ator.
"O que" é sua ação? Atuar.
"Quando" está atuando? No inverno de 1987.
"Onde" está ocorrendo? Num teatro da Broadway.
"Por que" você está lá? Eu tenho uma entrevista.
Quando essas perguntas são respondidas, o antecedente
se encaixa. Sem antecedente não há personagem. Vou dar-lhe
o antecedente dos narcisos. Considere a história ou antecedente
dos narcisos.
O antecedente dos narcisos:
Os narcisos são agora seus personagens.

90
• Nascidos numa sementeira na Holanda, foram transplanta-
dos para crescer em solo especial.
• Foram enviados para o mercado de flores em Arnsterdam.
• Foram comprados no leilão de flores.
• Partiram num avião como carga aérea.
• Do Aeroporto Kennedy, foram enviados para o florista do
bairro.
Nós agora sabemos o antecedente dos narcisos.
Você deve saber detalhadamente o antecedente do per-
sonagem que representa. O antecedente deve conduzi-lo para
seu personagem. Antes que você possa viver convincentemente
o presente no palco, deve-ter um passado completamente com-
preendido. Você deve imaginar com detalhes a vida anterior,
história familiar, educação, experiência profissional e relações
pessoais do personagem que estárepresentando. A primeira
coisa que um ator deve fazer quando prepara um personagem
é dar-lhe essa espécie de antecedente ou história.
EXEMPLO: O passado do personagem que é um gerente
de loja.
A ação de um ator era gerenciar uma loja. O personagem
era de classe média, Vestia-se formalmente porque a loja tinha
alicerces na tradição do Velho Mundo.
• Ele era muito eficiente, pois fora educado na Europa.
• Conhecia o valor de cada artigo.
• Era um homem sério, o que significa, em termos teatrais,
que ele podia dissertar sobre as antigüidades da sua loja. Pa-
ra que não se confunda "sério" com "sisudo", o ator deve
encontrar uma ação que apresente seu personagem como
muito sério. "
• Ele ia para a casa e discutia vários pormenores com seu pai,
que também era um comerciante de antigüidades.
Isto lhe dá algumas das circunstâncias que irão ajudá-lo
a criar a profissão de gerente de loja. A partir disso, você pode
escrever páginas sobre o passado desse personagem.

Antecedente Adicional para o Gerente de Loja:

Sua família vivia entre coisas do Velho Mundo.


Seu pai, ao perceber que o rapaz, ainda c,rjâÍlça, interessa-

91
va-se por antigüidades, compreendeu que deveria instruí-lo em
línguas.
Ao chegar em casa, vindo da escola, sempre aguardava an-
siosamente jogar com seu pai com as novas palavras que apren-
dera. Seu pai queria que ele formasse sentenças com todas aque-
las palavras.
Era muito malicioso. Gostava de provocar seu pai, dizendo-
lhe que queria ser um vaqueiro quando crescesse.
Todo dia, queria ler em voz alta com seu pai antes do jan-
tar. O jantar era sempre muito formal. Tinha que trocar de rou-
pa para sentar-se à mesa. Ele e sua mãe conversavam durante
o jantar. Sua mãe era muito interessada em tudo o que ele rea-
lizava, de modo que lhe contavam, na hora do jantar, o que
ele havia aprendido naquele dia. Ela ficava tão orgulhosa dele
que lhe dava presentes - chocolate extra ou uma nova cole-
ção de lápis. Ficava deleitada, quando ele, já crescido, explicava-
lhe os diferentes estilos de cristal e ensinava-lhe a diferença entre
os tipos de prata. Ela começou a se tornar uma pessoa versada
no assunto. Tanto o rapaz quanto o pai divertiam-se vendo isto
lhe acontecer. Ele tinha orgulho de sua mãe. Ela falava a um
comprador sobre o valor do cristal, e quando fazia uma gran-
de venda - porque o cristal era muito antigo e muito especial
- eles iam a um simpático restaurante para jantar.
Quando ele tinha dezoito anos, provou vinho pela primeira
vez. Decidiram então que em casa deveria haver vinho à mesa
quando jantavam.
Tornou-se meticuloso sobre o que conhecia. Lia e geral-
mente fazia pesquisa - tanto na escola como em casa. Com-
preendeu que seria de fato capaz de trabalhar melhor se fosse
tomado por gerente de vendas europeu.
Suas roupas eram em estilo inglês. Ele se preocupava em
como suas camisas eram passadas e seus sapatos polidos.
Era cordial e de boa índole. Quando os fregueses não ti-
nham idéia do que desejavam comprar, ele os ajudava a tomar
suas decisões.
Nós o encontramos aos 21 anos, quando outros gerentes
de loja podem pedir-lhe auxílio pelo vasto conhecimento que
possui sobre cristal e prata.

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EXERCÍCIO 43

1. Desenhe as circunstâncias da loja num pedaço de papel para


saber como planejar o espaço da atuação. Coloque o espaço
em sua mente e utilize-o quando ensaiar em sua própria sala.
2. Passeie nas circunstâncias da loja, que contém:
a. Estantes com objetos
b. Uma mesa com antigüidades
c. Uma outra mesa para escrever pedidos
d. Duas cadeiras
Estude o estilo existencial da profissão. Observe as ações do
gerente de loja fora das circunstâncias do seu ofício. Por exemplo:
o Em casa
• Entre amigos íntimos
o Socialmente

Ele é bonachão, descuidado, ou organizado? Esses são ele-


mentos do personagem. Este personagem particular é alegre,
organizado, bem-humorado, eficiente.

ELEMENTOS DO PERSONAGEM

• Despreocupado o Ambicioso
• Expansivo • Empreendedor
• Responsável • Conscencioso
• Aventureiro • Erudito
'. Fidedigno • Prático
.. Introspectivo
Você encontra o elemento do personagem no mundo. Você
o observa e então pode tomar esse elemento e colocá-lo nas
circunstâncias que lhe foram verdadeiras, Portanto, você pode
recorrerao mundo em busca do conhecimento profundo dos
elementos do personagem.
Ao tirar da realidade os elementos do personagem, você
poderá desenvolver qualidades em sua atuação das quais ordi-
nariamente não necessitava.
Maneiras de encontrar elementos do personagem:
1. Dirija-se ao mundo e observe:

93
a. Animais
b. Objetos
c. Pessoas
2. Apele para sua imaginação.
3. Como você fisicalizaria os elementos do personagem que
observou?
EXEMPLO: Despreocupado
Vamos começar como se o personagem fosse um pássaro.
• Ele pousa em qualquer lugar
1. Ramo de uma árvore alta
2. Chaminé
3. Poste de iluminação
4. Arbusto
5. Rocha
O pássaro está vivendo em suas circunstâncias.
O elemento do personagem é despreocupado.
O elemento do personagem pode agora ser usado pelo ator
como vemos a seguir.
EXEMPLO: Um garoto despreocupado
o Ele salta numa bicicleta.
o Escorrega pelo corrimão.
o Pendura-se num poste de luz.
o Pula sobre o hidrante.

Agora você tem o personagem. Ela não pensa duas vezes


para usar suas circunstâncias e o seu elemento é ser "despreo-
cupado".
Coloque-o em diferentes circunstâncias. O que ele faria?
o Ele faz algo repentina e inesperadamente.
o Pula na piscina despido.
o Vai com roupas esporte para uma festa formal.
o Entra na cozinha quando é convidado para uma festa.

• Salta para dentro de um ônibus.


o Abraça os amigos com entusiasmo.
Ele é animado, vivaz, em constante movimento. Os des-
preocupados também têm:
o Falta de lógica
o Nenhuma responsabilidade pelo mundo exterior
o Liberdade de vida
o Ritmo desnorteado

94
Se você é escalado para um papel no qualjidedignidade
é a principal característica:
• Observe fidedignidade na vida.
• Imagine uma situação onde as circunstâncias exijam sua fi-
dedigriidade.
• Pergunte-se em que situação você seria absolutamente fide-
digno.
Tendo encontrado esse elemento do personagem, o que
você faz nas circunstâncias em que o encontrou a fim de não
ser abstrato? Qual atividade física você realiza para mostrar fi-
dedignidade?

EXEMPLO: Meticuloso
• O médico, num exame, foi meticuloso.
• Quando lavou as mãos, foi meticuloso.
o Quando escreveu a receita, foi meticuloso.

Posso agora usar esse elemento do personagem ao repre-


sentar um papei.
o Meu personagem é meticuloso quando serve a comida.
o É meticulosamente asseado quando arruma suas roupas.
o Ele é meticuloso quando me dá os recados do telefone.

Eu mesma sou extremamente descuidada com tudo, mas


posso dizer que sou meticulosamente cuidadosa na minha vi-
da no palco. Nada está onde não devesse estar. Por esse moti-
vo, ao representar um papel, posso mostrar o profundo co-
nhecimento do elemento de um personagem meticuloso. Ao
expandir certos elementos pessoais, você pode desenvolver
qualidades para as quais ordinariamente não apelava. Você se-
rá chamado a representar:
o Um assassino
o Um ladrão
o Um mentiroso
• Um gênio
• Um deus
e outros personagens. Comece imediatamente por espionar em
todos os lugares em busca dos elementos do personagem. Pro-
vavelmente não estarão sempre contidos em sua experiência.

95
ATITUDE EM RELAÇÃO AO SEU PARCEIRO

Em cena, você deve sempre ter uma razão para falar. A razão
deve vir:
• Das circunstâncias
• Do seu parceiro
• Do texto da peça
Tudo vem das circunstâncias justificadas.
Cada ator, como na vida, cria uma atitude em relação às
pessoas ou coisas que o cercam.
Em relação a:
• Sorvete
• A Bíblia
• Latas de lixo
• Deus
• O gerente de seu banco
• Sua mãe
• O ato de fumar cigarros
o Comida picante

Nós todos temos atitudes com respeito à vida:


• Freiras com respeito a bêbedos
• Homem com respeito ao seu cachorro
• Cachorro com respeito a um estranho
• Moças com respeito a um presente
A lista continua indefinidamente.
A partir do ponto. de vista do seu personagem, você obte-
rá uma atitude com respeito ao seu parceiro.
Tão logo conheça seu personagem, ele lhe dará atitudes,
não a sua atitude pessoal, mas a atitude dele.
Essa é a maneira de obter uma atitude com respeito ao seu
parceiro. Você deve saber as ações do seu companheiro. Se
você está sozinho ou com uma ou mais pessoas em cena, a si-
tuação em que se encontra precisa de justificação e antecedente.
Você deve estabelecer satisfatoriamente uma relação com seu
parceiro para ter uma clara idéia de que ele é. Isto o ajudará
em seu personagem.
Em todos os casos, o parceiro é necessário para dar-lhe

96
a sua ação, e você terá que conhecer a atitude dele com respeito
a tudo. O diálogo não deve acontecer automaticamente, mas
quando você compreenda e reaja à atuação de seu parceiro. Vo-
cê deve conhecer o papel do seu parceiro tão bem quanto o seu.
Sua ação e a ação do seu companheiro devem ser suficien-
temente vivas para que você se possa soltar. O parceiro não pre-
cisa ser sempre um outro ator, pode ser um objeto ou um lugar.
O próprio lugar pode estimular a ação.
Pode-se ter uma atitude com respeito a:
• Uma sala
a. Na sala onde você escreve uma carta.
b. Olha pela janela.
c. Lê uma revista.
• Uma floresta
a. Numa floresta você recolhe um galho.
b. Arma sua espingarda.
c. Usa sua câmera.

O que quer que o instigue é um parceiro.

EXERCÍCIO 44

Você desenvolve uma atitude com respeito às pessoas pelo que


elas parecem e fazem.
Recorde as atitudes que tenha desenvolvido com relação
às pessoas que encontra em sua vida diária.
1. Um bêbedo na rua
2. Uma pessoa agressiva no metrô
Reúna vinte atitudes diferentes a partir de condições ob-
servadas na rua. Anote-as.
Tudo que você escolhe, passando por sua imaginação, de-
ve contribuir para o personagem.
Na peça lhe são dadas palavras que formam sentenças, que
o conduzem ao enredo e circunstâncias. Todo presente o con-
duz ao passado e esclarece o que você está fazendo.

97
DIÁLOGO
Aqui está sua primeira peça com diálogo. No texto o atar deve
indicar, como abaixo, suas ações / clima / atívidades / etapas
na página oposta à do diálogo.
O SENTIDO GERAL DESTA PEÇA: As leis da humanidade e
da vida familiar estão mudando no mundo atual.

Diagrama

Ação Clima Atividade Etapas

médico
(clima geral
de um dia-a-
dia do

Visitar a
hospital)
Arthur olha
.
Conversar
paciente. para a pran- sobre a mu-
cheta, toma lher.
o pulso dela.
John pega o
jornal.
John pega a re-
vista médica.
Discutir vida Arthur fo- Discutir vida
familiar. lheia o livro familiar.
de bebê.

Conheça a situação social de ambos os médicos:



Religião

Educação

Vida familiar
; . .
Etica Moral

Dinheiro

Sexo

Situação política
Peça com Diálogo
Personagens:
Dr. Arthur Armstrong, 45 anos, na díreção médica do hos-
pital.

98
Dr. John Hilton, 27 anos, assistente.
Enredo: Uma mulher está pretendendo ter um bebê. Ela já tem
dois filhos.
Os médicos estão discutindo a situação.
Circunstâncias: Hospital de Nova York, Cidade de Nova York,
Nova York, 1987.
A cena começa numa sala de hospital.
O DR. JOHN HILTON está na sala do hospital folheando um
livro de bebê. O DR. ARTHUR ARMSTRONG entra na sala.

ARTHUR: Bom-dia, John. (Cruza a sala até a cama.)


JOHN: Eu examinei detalhadamente a prancheta. Ela está em ótí-
mas condições.
ARTHUR: Sim, também acho. ÚOHN vai até a janela). Estou mui-
to satisfeito por ela. Ela está bastante ansiosa porque quer ter
um bebê apesar de trabalhar e seus dois filhos estarem em la-
res de adoção.
JOHN: Se eu fosse o médico dela (vai até a cómoda), recomen-
daria que ela abandonasse o Dr. Spock e percebesse como suas
idéias são antiquadas. (
ARTHUR: (Senta-se numa cadeira próxima à cama.) Há uma coisa
que eu quero lhe dizer. ÚOHN senta-se perto da cômoda.) So-
bre que vida familiar você está falando? Você sabe que os fi-
lhos têm uma atitude doentia com respeito aos seus pais e à
religião. Eles não têm nada em que se apoiar.
JOHN: Bem, a minha opinião é que há falta de dinheiro nas clas-
ses trabalhadoras e a mulher precisa trabalhar. Isto quer dizer
que a vida familiar tem sofrido por causa da economia. Isso
arrebenta a todos.
ARTHUR: Eu sei que o seu interesse principal está na pesquisa;
assim, você tem que deixar comigo a tarefa de cuidar das pes-
soas e de seus sentimentos quanto à vida familiar.
JOHN: Ela é toda sua. (Sai).

Os atares são responsáveis por se familiarizarem com as


circunstâncias dos dois personagens.

ATITUDE

Do Dr. Armstrong para com o Dr. Hilton: Arthur Armstrong


é paciente e compreensivo com John Hilton. Quer ensinar ao

99
médico mais jovem. Sente que a liberdade e a desonestidade
depravaram o sexo e a vida doméstica.
Do Dr. Hilton para com o Dr. Armstrong: John Hilton respei-
ta Arthur Armstrong, mas está perturbado pelo pensamento des-
se médico mais velho. Quer fazer com que ele mude suas idéias
antiquadas.
Cada médico quer esclarecer quais são os modelos de pen-
samento do outro.

CONSTRUINDO UM ENREDO

Toda peça tem um enredo. O diálogo fará você compreendê-


lo e os personagens se revelarão através dele. Todo persona-
gem possui um antecedente a partir do qual é desenvolvido.
Tudo isso e ainda outros elementos geram a peça que contém
todos os componentes acima citados e mais outros.
Todo enredo tem que progredir em novos atas ou novas
cenas. Um enredo e a maneira como se desenvolve devem ser
muito claros para o atar que está representando um persona-
gem específico.

ANTECEDENTES

DR. ARTHUR ARMSTRONG

Arthur Armstrong vem de uma educação familiar antiga


- várias gerações' de americanos. Foi educado num lar tradi-
cional e antiquado e acredita firmemente na família. Tinha um
bom relacionamento com seu pai. Sua família o influenciou em
sua conduta e ele é extremamente bem equipado para a sua
profissão. Foi educado num sistema de escola particular e sua
educação de nível superior foi na Inglaterra.
A família do Dr. Armstrong era conservadora e católica ro-
mana. Ele acredita na importância da família e que você .deve
ter filhos. Na sua família havia três crianças e ele era o único
filho homem. Acredita que o papel da mulher é ser mãe. Acha
que os princípios políticos de hoje são somente para este mo-
mento e que' depois passarão.

100
É um médico especialista e está na direção médica do hos-
pital. Escreveu livros, faz conferências com freqüênciae está
bem financeiramente.
Arthur Armstrong não é a favor do aborto. Considera ter
filhos um privilégio da mulher.
DR. JOHN HILTON
John Hilton amava a ciência desde criança. Quando a fa-
mília percebeu seu interesse, começou a levá-lo a zoológicos
e museus. Apoiavam-no muito e ele decidiu estudar coisas que
o estimulavam. Era-lhe concedida liberdade. Não teve que vi-
ver sujeito a "faça como eu faço" ou "faça como eu digo".
Foi para a Escola Médica de Harvard onde estudou medicina
para que pudesse fazer pesquisa.
A família do Dr. Hilton era liberal e protestante, mas não
muito religiosa. Ele considera que a vida familiar está se tor-
nando violenta e mudando muito nas atuaís circunstâncias. Não
acredita que você deva casar-se baseado apenas na atração se-
xual. Acredita que você deve viver uma vida livre e ser capaz
de criar uma família se puder sustentá-la.
Vê os princípios políticos como depravados e acha que
o governo está interferindo em demasia no meio de vida dos
médicos hoj e em dia. .
Está interessado no crescimento de sua profissão e é neu-
tro quanto a dinheiro.
John Hilton é a favor do aborto.

*
Conheça a ação de seu parceiro a fim de poder assumir
o comando se tiver que representar esse papel. Um atar deve
ser capaz de representar o papel ao lado. Ele deve fazer o mes-
mo trabalho que faz quando prepara seu próprio papel.

NÍVEIS

Na peça, o autor lhe dá certos níveis nos quais é possível tra-


balhar:
• Leve
• Carregado
• Médio

101
o ator pode ser atraído para um único desses níveis.
• Se a peça está num nível leve, é uma comédia.
• Se a peça está num nível carregado, é um drama.
Tome as peças:
_. Hamlet
• Macbeth
• Solness, o Construtor
• A Profissão da Sra. Warren
Todas essas estão num nível carregado. Muitas das peças
que terminam tragicamente estão num nível carregado.
As peças de:
• Noel Coward
• Neil Simon
• Oscar Wilde
estão todas num nível leve.

EXEMPLO DE UM ENREDO:
Na sala-de-estar, um marido deixa claro que está partin-
do. Antes de ir, veste-o casaco, tira a aliança e deixa-a na mesa.
Sai e fecha a porta atrás de si. Agora você sabe que ele partiu
para sempre.
A esposa pega a aliança, apaga as luzes, puxa as persianas
e sai no escuro.
Nos agora sabemos o enredo. Ele é carregado, a atmosfera
é pesada. O enredo diz que o casamento pode ser desfeito nes-
se período da vida por um homem abandonando sua mulher.
Nós agora sabemos que o tema geral é: o casamento
não é mais uma instituição sólida.
Para compreender a ação dessa história, você deve reali-
zar certas coisas. Tudo que é feito, seja em que nível for, tem
que servir ao enredo da peça. É necessário saber como traba-
lhar fisicamente, com três ou quatro coisas numa sala, de for-
maa motivá-lo a responder à situação exigida pelo enredo ima-
ginativo da peça.
Ela:
1. Vai até a caminha da criança dar uma última olhada no filho.
2. Vai até a mesa.
3. Assina e fecha a carta que escrevera explicando sua si-
tuação.

102
4. Vai pegar seu casaco e o chapéu.
5. Parte.
Todo enredo tem uma ação. A ação é deixar a casa. Não
há etapas na ação.

EXERCÍCIO 45

Construa um Enredo e Justifique


Nas circunstâncias desse enredo:
Ele
1. Entrou numa sala, que estava escura.
2. Foi até a caminha e a encontrou vazia.
3. Abriu a janela para ver se alguém estava por perto.
4. Então desceu correndo as escadas para chamar a polícia.
O uso do "ele" permite que você veja as circunstâncias.
O próximo passo é estimular as círcuntãncías, retirando a ação
da terceira pessoa e colocando-a na primeira.
1. Eu entrei na sala, que estava escura.
2. Eu prestei atenção e não escutei nada.
3 . Avancei até a caminha para pegar o bebê e ele havia
desaparecido.
Como se sente mais quando a ação está na primeira pessoa!

EXERCícIO 46

Escreva dez páginas sobre Maria ("Maria tinha um cordeírí-


nho"), dizendo:
1. De que modo ela ia para a escola.
2. Quem eram seus írrnães e irmãs ou, se ela era a única
filha, por que seus pais não estavam com ela.

Justifique todas as suas afirmações. Estabeleça os antece-


dentes num nível carregado. Por exemplo, as patas do cordei-
ro estavam sangrando, o cordeiro gritava e Maria as limpava.
Agora você pode dizer a fala: "Em todos os lugares para onde
Maria ia, o cordeiro não deixava de ir". O presente existe por-
que o passado é verdadeiro; sente-se o sofrimento do cordel-

103
ro e o interesse de Maria. A expansão da história através da cria-
ção dos antecedentes imaginários o faz sentir em maior grau.
Quando você constrói um antecedente, deve escolher coi-
sas que o aferem, o provoquem.
Estudar o antecedente o ajudará a guardar-se contra o er-
ro comum na atuação americana de trazer a si mesmo para a
cena sem mudança alguma - por isso você deve:
• Mudar seu cabelo.
• Maquiar seu rosto.
• Trocar de roupa.
• Mudar o comportamento.
Faça essas coisas de acordo com o personagem.
Você deve saber a diferença entre a peça que está repre-
sentando e sua vida particular - entre a pessoa que está retra-
tando e você mesmo. Hamlet, como dissemos, não é uma pes-
soa como você; ele possui a Dinamarca. Você não pode apre-
sentar Hamlet sem trabalhar nas diferenças de classe. A ação
abrangente que motiva Hamlet - buscar sua verdade em seu
tempo - requer muitos antecedentes.
O Ator deve depender dos conhecimentos armazenados
que o Homem tem dentro de si para ajudá-lo a se relacionar
com a experiência do personagem que representa. Trabalhan-
do por meio dos antecedentes, expressando em ações, não em
palavras, ele pode começar a trazer a vida de personagens es-
tranhos e muitas vezes herméticos como Hamlet ou Lear para
dentro de si mesmo.

EXERCÍCIO 47

Tome um período na História, desenvolva-o pesquisando a mú-


sica, a literatura, os pintores, a arquitetura, as roupas que as
pessoas vestiam, a atitude com relação ao dinheiro" e escreva
3 ou 4 páginas sobre ele.
EXEMPLO: 1906
Política Teatro Artes Música Ciência Vida Religião
Visuais Diária

Existe um livro que o ajudará a pesquisar todos os perío-


dos. Trata-se de Tímetables of History, de Bernard Gruen.

104
CAPÍTULO NOVE

o Vocabulário da Ação

o que exigem que o atar faça no palco é tão vasto quanto a


vida em si, e a série de ações que ele deve ter sob seu coman-
do pode ser muito extensa. Um atar deve começar a adquirir
um vocabulário de ações, tais como:
• Recordar • Ensinar
• Falar e Revelar
• Bater Papo • Denunciar
• Conversar • Desafiar
• Debater • Sonhar
• Argumentar • Filosofar
• Atacar • Orar
• Cuidar de • Aconselhar
• Explicar
Essas ações figuram entre as mais importantes e freqüen-
temente usadas, mas existem, é claro, muitas outras.

Recordar

O ser humano é o único animal capaz de relembrar o passado,


algo que está morto e só ele pode trazer de volta.J'Recordar'

105
é um recurso que os autores freqüentemente usam para trazer
a poesia para a prosa de seus textos. Um refúgio na reminis-
cência de um passado mais favorável é por si só um meio de
escape poético das realidades do presente, algumas vezes in-
suportáveis.
A ação "recordar" é monologar, relembrar o passado e
trazê-lo de volta. É diferente de lembrar, que está automatica-
mente associado com a vida diária. Você se lembra do núme-
ro do seu telefone e de sua lista de compras. Você se lembra
de responder a uma carta. Na reminiscência, o personagem traz
de volta o que ama. Você pode dizer: "Um dia eu estava cami-
nhando à beira de um rio. Ele fluía tranqüilamente. Sentei-me
na sombra. Podia contemplar as montanhas."
A natureza da ação "recordar" é que o personagem revi-
ve a experiência - vê novamente o que já viu e lembra-se apai-
xonadamente.
Quando você começa a recordar, perde o mundo presente.

EXEMPLO:
Esta mesa, à qual estou sentado, não existe mais para mim,
somente o rio ao longo do qual caminhei naquele dia de pri-
mavera sob um céu límpido, quando podia contemplar as mon-
tanhas.
Quando o personagem traz de volta uma parte de sua vi-
da passada através da reminiscência, suas palavras tomam uma
qualidade poética. "Recordar" é trazer de volta um mundo per-
dido. Tudo se torna importante e significante porque já desa-
pareceu.
Se você deixou o mundo, partindo para as memórias, vo-
cê deve:
• Abandonar o presente.
• Trazer uma qualidade poética para a cena.
• Dar vida ao que morreu mas ainda vive em você.
• Visualizar cada imagem.
• Usar muito pouco movimento físico.
• Usar poucos gestos.
• Entrar e sair da reminiscência quando tem um parceiro.
Esta é a maneira de o autor criar poesia durante a prosa.

106
A ação deve ser elevada a um nível sublime.
Blanche DuBois, em Um Bonde Chamado Desejo, de Ten-
nessee Williams, recorda:
Era um menino, apenas um menino, quando eu ainda
era apenas uma garotinha.
Aos dezesseis anos, fiz uma grande descoberta - o amor.
Subitamente e tão, tão completa. Foi assim como se alguém
acendesse uma luz intensa num lugar que sempre estivesse
mais ou menos no escuro, foi assim que se revelou esse mun-
do para mim.

Quando for ensaiar a ação de recordar, crie os anteceden-


tes. Comece a partir de suas circunstâncias imediatas; então
abandone-as completamente.
Você deve recordar alguma coisa na qual tenha interesse.
• Um personagem que perdeu o lar.
• Uma família que se dispersou e desapareceu.
Trabalhe no texto de John Van Druten, I Remember Ma-
ma. As circunstâncias se passam em 1910, nos Estados Unidos.
• Pense no vestuário.
• Recorde as circunstâncias do oceano.
• Use as circunstâncias para estimulá-lo.
Aqui está Katrin relembrando sua família:
É engraçado, mas, quando eu olho para trás, sempre vejo
Nels, Christine e eu mesma quase com a aparência que temos
hoje. Acho que é porque as pessoas que você vê todo o tempo
ficam com a idade inalterada na sua cabeça. Dagmar é dife-
rente. Ela foi sempre o bebê - assim eu a vejo como um be-
bê. Mesmo Mamãe - é engraçado, mas eu sempre vejo Ma-
mãe por volta dos quarenta. Ela não podia ter sempre qua-
renta anos!
Wordsworth dizia: "Poesia é a emoção relembrada em tra-
qüílidade.' Você não deve ativar muito as circunstâncias. Elas
devem existir em traqüilídade, (Uma outra fonte de reminis-
cência é Nossa Cidade, de Thornton Wilder.)

107
EXERCÍCIO 48

Crie uma sala antiquada do interior, nos anos 1900, com:


1. Um velho piano de armário
2. Partituras musicais
3. Um cesto de costura
4. Uma cadeira de balanço
5. Uma mãe
6. Um velho álbum de retratos de família

Recorde sobre cada item acima.

EXERCÍCIO 49

Recorde a partir dessa vida. Tome as circunstâncias de um ve-


lho sótão:

1. Suba as escadas rangentes.


2. Veja as teias de aranha e o velho baú.
3. Recorde os objetos do baú - a velha boneca quebra-
da etc.

FALAR, BATER PAPO, CONVERSAR, DEBATER,


ARGUMENTAR, ATACAR, ETC.

A ação pode começar com "falar", continuar com "bater pa-


po", "conversar" e "debater" e terminar com argumentação
e ataque.

Falar

Você pode falar e especular com um parceiro sobre:


• Consertar o sofá.
• Restaurar os aparelhos de iluminação quebrados.
• Pintar as paredes sujas.

108
Nessa forma de comunicação não há deixas. A arte de fa-
lar é que ninguém está, de fato, ouvindo atentamente. Falar
é interromper o tempo todo. Na vida diária, nós falamos so-
bre coisas sérias que não significam nada para nós - a econo-
mia nacional e a política internacional. Passamos nossa vida
inteira falando sobre esses assuntos sem vivenciá-los.

Bater Papo

Bater papo tem um ritmo diferente que é sugerido pelo


próprio nome da ação: "bate-papo". Você bate papo num ní-
vel1eve. Bater papo é semelhante a falar, pois você pode ou-
vir e bater papo ao mesmo tempo. Se um grupo de três ou qua-
tro pessoas está batendo papo junto, todos devem ter o mes-
mo tom. Todos devem ser iguais e ninguém deve tentar assu-
mir o comando.

Conversar

Se você estiver num avião, sentado próximo a alguém que


não conhece, a ação provavelmente será "conversar". Você
não se comunica de fato com a outra pessoa. A situação não
é dada a um diálogo muito profundo. A conversação é uma
ação que está associada com as classes média e alta, havendo
uma formalidade em torno dela. A qualidade de uma conver-
sação é não ser íntima. Eu não conheço você e você não me
conhece. Na conversação você ouve e reponde.
Debater
O primeiro requisito do debate é que tanto você como
seu parceiro tenham interesse genuíno nas idéias que serão dis-
cutidas. O debate é uma ação muito moderna. O elemento dia-
lético é encontrado em muitas peças modernas desde Ibsen,
consistindo na exposição de dois pontos de vista contraditó-
rios, dos quais nenhum sai vencedor. Não há necessidade de
vencer um debate. Você pode, portanto, debater sem elimi-
nar seu parceiro. As idéias expressadas por seu parceiro o esti-
mularão. A troca o incentivará. O debate deve realizar-se num
assunto que seja mutuamente interessante.
Nessa ação, como em quase nenhuma outra no campo da
comunicação, há um entendimento genuíno e a troca de idéias

109
é real e natural. É, talvez, a ação mais importante na dramatur-
gia moderna porque a platéia entende ambos os lados da dis-
cussão e torna-se o terceiro parceiro na peça. Os membros da
platéia devem deixar o teatro e decidir que lado do debate es-
tá de acordo com suas opiniões.

EXEMPLO: Tópicos para debate:


o O aborto deve ser legalizado?
o O governo deve sustentar as artes?
o O casamento é uma boa idéia para artistas?

Argumentar

"Argumentar" significa que os ateres têm dois pontos de


vista, aos quais se mantêm fiéis. A essência da ação é apossar-
se de pedaços do debate, mas na verdade você não o assimila;
apenas continua com seu próprio lado e opinião.

Atacar

"Atacar" significa que não há controle e muito pouca aten-


ção ao que se diz. Você. investe em todas as direções. "Ata-
car" é ir em busca de alguma coisa sem demora.
De argumentar para atacar é uma progressão natural; e com
o ataque nós atingimos o fim da cadeia de comunicação.

Cuidar de

EXEMPLO: Circunstâncias - Um gramado

Um filhote de pássaro caiu do ninho; sua asa está ferida.


Como você cuidaria dele?
Em suas circunstâncias escolhidas, você pode:
o Passar por baixo do pássaro um pano que você trouxe de casa.
• Dar água ao pássaro.
• Levar o pássaro para a varanda.
São coisas que você pode fazer em sua ação "cuidar de".
Você deve usar todas as circunstâncias para o pássaro.

110
Esse exemplo o faz entender como cuidar de um animal.
Não há histórias menores; só o ator as faz pequenas. Descobre-
se que o pássaro tem uma vida própria na ação "cuidar de".
No quadro geral desta seqüêncía o tema seria que o ho-
mem é prestativo a animais e pessoas quando há dificuldade.

EXERCÍCIO 50

Para cuidar de um paciente num hospital, como enfermeira,


familiarize-se com a profissão. Apóie-se nas circunstâncias:
1. O que está na mesa de remédios?·
2. O que está no relatório ao pé da cama?
3. Regule o ar do quarto - use a janela.
4. Remova o cobertor.
Isto pode requerer visita a um hospital e observar o trata-
.mento. Pratique o que você viu até tornar-se sua segunda na-
tureza.
1. Sua ação de cuidar de um paciente estimulará nele uma
contra-ação.
2. Nessas circunstâncias.rvocê deve criar antecendentes
para seu parceiro.
3. Como atores, nós devemos buscar o relacionamento
humano.
a. Qual é sua atitude com respeito ao paciente?
b. Qual é a atitude dele em relação a você?
c. A ação está num nível leve ou carregado?
Trace um desenho do quarto do hospital. Sempre dese-
nhe suas circunstâcias.
Para realizar a ação de cuidar de alguém, você precisa jus-
tificá-la para estar verdadeiramente cuidando do paciente. O
ingrediente da ação é o seu talento. Muitos atores esquecem
completamente disso.

Explicar

"Explicar" é esclarecer para seu parceiro alguma coisa que


ele muito precisa saber. É uma ação real e prática.

111
EXEMPLO:
• Explique como usar o ar-condicionado da sua casa
Conheça suas circunstâncias. .
• Explique por que a situação social é difícil no mundo mo-
derno.
• O problema do aborto.
• A educação inferior nas escolas públicas.

Ensinar

A essência de ensinar é dar em profundidade o que você


sabe sobre um certo assunto para alguém que necessita saber.
Todo mundo sabe como ensinar alguma coisa.

EXERCÍCIO 51

Usando o ensinamento em diferentes circunstâncias por meio


de sua imaginação, mostre:
1. Como lapidar um díamente.
2. Como disparar uma metralhadora.
3. Como dirigir um laboratório químico.
4. Como dirigir um escritório.
Para lhe ensinar alguma coisa, eu devo saber essa coisa,
embora, como atar, isto possa estar longe da minha experiên-
cia, como, por exemplo, usar uma metralhadora ou lapidar um
diamante. Se você não conhece essas ações, deve expressar os
seus ensinamentos através da imaginação.
Escolha as circunstâncias para cada uma das ações acima.
Se1ecione três coisas para fazer naquelas circunstâncias espe-
cíficas.

EXERCÍCIO 52

Pratique o ensinamento de:


1. Como desenhar um vestido..
2. Como pilotar um avião.

112
3. Como dirigir uma carruagem.
Todos sabem alguma coisa e o que você sabe, pode
ensinar:
4. Equitação
5. Confecção de colchas
6. Tênis
Você pode também, por intermédio de sua imaginação:
7. Ser um lenhador.
8. Produzir penicilina.

Revelar

Uma ação mais complexa é revelar-se. "Revelar" é abrir


a intimidade e expor seus pensamentos mais profundos, sem
contenção. É uma experiência humana universal. Sentimentos
fortes estão associados com essa ação, mas, como em todas
as ações, nenhuma tentativa deve ser feita de expressá-los. Os
sentimentos surgirão das ações.
Cada personagem que você representa tem experiências
muito profundas. É o dramaturgo quem as revela.

EXEMPLO:
• Alguém revela sua doença para um médico.
• Alguém revela seus pecados em confissão.
Revelar é uma ação vasta e épica. Não é necessário um par-
ceiro. Você pode expressar-se enquanto outras pessoas estão
no palco fazendo outras coisas - fumando, bebendo calma-
mente - sem ouvi-lo. Essa auto-revelação íntima em público
é uma ação teatral muito importante em As Três Irmãs, de
Tchekhov. Nessa peça, uma das numerosas ações é revelar os
fracassos dos personagens na vida.

Denunciar

"Denunciar" é uma ação forte, que possui dimensão. É


expressa para o inimigo. Está próxima daação de ataque. A
ação de denunciar é:

113
• para derruba! seu parceiro.
• para destruí-lo.
Ê uma ação representada por alguém com poder: do rei
para seus inimigos, ou do líder da greve para os patrões, co-
mo em Waitingfor Lefty, A denúncia vai de um arquétipo pa-
ra outro. O ataque não é individual, mas à instituição que o
indivíduo representa.
Denunciar é a ação de Coriolano em seu discurso:
Vil matilha de cães! Cujo mau hálito odeio
Como o pântano empestado, e cuja simpa-
tia estimo tanto
Quanto o cadáver insepuito e podre
Que deixa o ar corrompido e irrespirável:
Sou eu que vos desterro, e aqui vos deixo com
vossa inconsistência!
Que ao mais fraco rumor o coração vos dei-
xe inquieto!
E que só com moverem seus penacbos,
Vos insuflem terror os inimigos!
Ou de Dr. Stockman em Um Inimigo do Povo, de Ibsen:

o que importa a destruição de uma comu-


nidade que vive de mentiras!
É preciso que seja arrasada, eu lhes digo! To-
dos aqueles que vivem de mentiras devem ser
exterminados como vermes! Vocês acabarão
por infectar o país inteiro; vocês o levarão
a um estado de coisas que o país inteiro me-
recerá ser arruinado. E se as coisas chega-
rem a tal desfiladeiro, eu lhes direi, do mais
fundo do meu coração: deixem que todo o
país pereça, deixem todo este povo ser exter-
minado.

Aquele que denuncia acredita que ninguém pode tocá-lo.


Ê como se ele fosse um deus, não apenas um homem civiliza-
do. Não há defesa na ação, nenhuma tentativa de remediar a
situação.

114
Você precisa estabelecer um Senso de poder para denun-
ciar, que deve vir de dentro de você. A ação deve estar em
você antes de dar início. Comece por denunciar:
• Banqueiros
• Proprietários de companhias de petróleo
• Pessoas que iniciam as guerras
Você deve encontrar o poder e a grandeza necessários. Um
senso de ser alguém, de onipresença. Você deve expressar a
ação. Deve julgar quanta energia ou esforço necessita se for
usar algum gesto.

Desafiar

o desafio está perto da denúncia. É uma outra ação que


exige grandeza, como para um rei, sendo difícil para os jovens
ateres alcançarem-na. A ação de desafiar é abater um homem)
demolir suas idéias.
Em Pigmaleão, de Shaw, quando o momento de Eliza fi-
nalmente chega, e ela desafia Henry Higgins, Shaw está dizen-
do que há duas classes em cena, e o conflito é que a classe ser-
vidora pensa que é igual à classe alta. Essa é a idéia geral.
Os atores têm uma tendência a tornar-se muito emocio-
nais quando falam desafiadoramente, suas palavras não podem
se deixar perder pelo temperamento. Especialmente em Shaw,
as palavras são a coisa mais importante.

Sonhar

"Sonhar" é perder o presente e assemelhar-se a recordar.


Porém, sonhar difere de recordar em olhar para o futuro ao in-
vés do passado. Sonhar é pensar em alguma coisa que você ain-
da não tem mas gostaria de tê-la. É ver alguma coisa à sua frente.
No monológo de Robert, no primeiro ato de Além do Ho-
rizonte, de Eugene O'Neill, o tema é este: do grande sonho
de vida, de alcançar o mar e conhecer sua força misteriosa. Este
trecho do monólogo é um exemplo de "sonhar":

115
ROBERT
. Eu começava a sonhar. Sabia que o mar es-
tavado outro lado daquelas colinas. (...) To-
do o mistério do mundo para mim estava en-
tão naquele - mar distante - e ainda es-
tá! Ele então me chamava ·exatamente como
me cbarna agora. (...) E eu prometia a mini
mesmo que) quando crescesse e ficasse f01'-
te) seguiria por esta estrada e) ela e eu jun-
tos) encontraríamos o mar.

Robert está lutando para se tornar claro. Ele resiste à liga-


ção com a realidade e deseja ardentemente retornar para o mar.
Para sonhar, você deve abandonar seu corpo, assim co-
mo faz ao dormir. Sua imaginação toma o controle e você per-
de o momento presente. Você de fato não se concentra no lu-
gar onde está. O sonho é forte em imagens e cresce em tama-
nho, expandindo-se com a imaginação. O sonho é sempre vi-
sual e as imagens devem ser vistas por você. Se você as vir,
a platéia então as verá.

Trecho de Tbe Rainrnaher, de N. Richard Nash:

Irmã) o último lugar para onde eu trouxe


cbuua se chama agora Starbuck - eles as-
sim o chamaram em minha bomenagem! Se-
co? Eu lbe digo) aquelas pessoas não tinham
umidade bastante para piscar os olhos! En-
.tão eu tirei minha grande roda e meu tam-
bor redondo e meu chapéu. amarelo com as
três pluminhas! Olhei para o céu e disse:
"Cúmulo!" Eu disse: "Cúmulo-nimbo!
Nimbo-cúmulo!" E então oibei para cima e
caiu cbuua!

Filosofar

"Filosofar" é questionar o que a vida quer dizer, penetrar


o seu mistério. É uma ação serena e não está relacionada com

116
ninguém. Você pode filosofar sobre a morte, como neste tre-
cho de As Troianas, de Eurípides:
A Morte, tenho certeza, é como nunca ter nascido; mas
a morte é sem dúvida muito melhor que viver uma vida de
dor, uma vez que os mortos, sem a percepção do mal, não
sentem pesar algum.
E na fala do Reverendo Anthony Anderson, em O Discí-
pulo do Diabo, de Bernard Shaw: .
O piorpecado com respeito aos nossos seme-
lhantes não é odiá-los, mas ser-lhes indife-
rentes/ essa é a essência da desumanidade.
Depois de tudo, meu querido, se você olhar
cuidadosamente as pessoas, ficará surpre-
so ao descobrir como odiar e amar são se-
melhantes. (...) Pense em como alguns de nos-
sos amigos casados, que se preocupam um
com o outro, não conseguem deixar de se ver
por um dia sequer, se acusam um ao outro,
têm ciúmes um do outro, são muito mais car-
cereiros e proprietários de escravos que
amantes. Pense nessas mesmas pessoas com
seus inimigos, escrupulosas, orgulhosas,
cheias de amor-próprio, determinadas a não
depender umas das outras, cuidadosas ao
falar umas com as outras - ora!Já pensou
que, se elas soubessem disso, seriam melho-
res amigos de seus inimigos que de seus pró-
prios maridos e esposas?

. Orar

"Orar" é estender a mão per socorro, por consolo; im-


plorar por a j u d a . '

EXERCÍCIO 53

Ore a:
1. Zeus
2. Deus

117
3. Jesus
4. Buda
Fique atento para orar de formas diferentes a imagens dis-
tintas.
Ore para:
1. Obter ajuda.
2. Agradecer.
3. Pedir consolo.
Sempre crie as circunstâncias de onde você está enquan-
to ora.

Aconselhar

Dar conselho a uma pessoa significa que ele ou ela preci-


sa saber alguma coisa que você pode esclarecer. Você aconse-
lha alguém sobre:
• Bens imobiliários
• Finanças
• Vida familiar
• Vida pessoal
Aonde você vai para se aconselhar?
• Consultório médico
• Escritório de advogado
• Casa dos pais
• O vizinho do lado
A qualidade de "aconselhar" é ter fluência. A ação é toda
mental. A ação não vem do coração, vem da cabeça. Aconse-
lhar não é, portanto, .como ensinar, que segue do meu cora-
ção para o seu. Quando você vai até um policial para se acon-
selhar, ele não lhe ensina como pegar o metrô, nem o médico
lhe ensina que remédio tomar. Eles o aconselham.
Trecho de 17:Je Time of Your Life, de William Saroyan:
Olhe, garo ta, você não vai ficar nada mais
jovem. Não se deixe tapear. Eu não tenho na-
da com isso. Apenas deixe-me dizer a você
uma coisa - o amor é para Os muito jovens
ou os muito ricos.

118
o autor está escrevendo sobre os problemas de classe, nes-
te caso os de uma mulher operária.
Para aconselhar, você deve:
1. Conhecer bastante a pessoa a quem está aconselhando.
2. Trabalhar no texto e penetrar fundo no enredo.
3. Saber imediatamente sobre que classes o dramaturgo está
falando.
4. Saber por que a peça é importante.

EXERCÍCIO 54

Agora localize a ação nas circunstâncias.


Desenhe um esboço do lugar, que é uma cozinha - faça
um desenho do cenário e dos adereços em sua mente.
a. Mesa
b. Pia
c. Geladeira
d. Cadeiras
Você deve observar o personagem antes de aconselhá-lo.
Na cena, as roupas de Janet podem estar espalhadas e as xíca-
ras de café por lavar. Seu vestuário está em desordem. Todos
esses detalhes contribuem para a justificação íntima da ação
"aconselhar". Depois, você deve começar a criara antecedente
de Janet e de seu parceiro.
Sua impressão de Janet:

o Seus olhos estão ínjetados.

• Ela tinge os cabelos.


• Suas roupas estão sujas.
• Ela é desleixada em excesso.
Ao tomar quaisquer das quatro impressões corretas, você
dominará a ação de aconselhar.

119
CAPÍTULO DEZ

A Primeira Aproximação do Ator com o Autor

PARAFRA8EANDü

o ato de ler ou falar surge das palavras do texto. Durante o


ensaio, o entendimento que o atar retira dessas palavras deve
ser claro.
Parafrasear o texto da peça é uma parte essencial da téc-
nica do atar. Parafrasear é tomar as idéias do autor e colocá-
las nas palavras do atar, e desse modo fazer com que elas lhe
pertençam. Parafrasear o encoraja a usar sua mente e sua voz
e lhe dá algum poder que se iguala ao poder de autor. Sim-
plesmente ouvír o som de sua própria voz pode ser útil. Pri-
meiramente, a platéia deve crer em você para que possa acre-
ditar no autor.
Esta é sua primeira experiência e a primeira aproximação
do atar com o autor. O trecho seguinte é do ensaio "Sobre
o Casamento" de O Profeta, de Kahlil Gibran:
Vocês nasceram juntos e juntos devem
estar para todo o sempre.
Vocês estarão juntos quando as asas
brancas da morte dispersarem os seus dias.
Sim, vocês devem estar juntos mesmo na
memória silenciosa de Deus.

120
Mas deixem, haver espaços em sua
união,
E deixem os ventos dos céus dançarem
entre vocês...
Doem seus corações, mas não os deixem
aos cuidados um do outro.
Pois somente a mão da Vida pode con-
ter seus corações.
E fiquem juntos ainda que não muito
próximos,
Pois os pilares. do templo estão
separados,
E o carvalho e O cipreste não crescem um
na sombra do outro.

. EXERCÍCIO 55

1. Qual é sua reação às idéias do ensaio?


2. Quando o casamento é celebrado, você acha que deve ser
automaticamente para sempre?
3. Você concorda com a idéia de Gibran de que os cônjuges
não devem interferir na liberdade um do outro?
Essas idéias exigem sua reação e interpretação.

A necessidade do autor é escrever a peça. A necessidade


mais importante do ator é interpretá-la. Use suas próprias pa-
lavras. O exercício acima fará as idéias lhe pertencerem. Você
está então em parceria com o autor.
Quando for parafrasear, tome sempre as idéias que têm
mais importância. Seria útil ler ensaios, discursos e artigos de
jornal e editoriais, traçando idéias a partir deles. Para isso, vo-
cê deve a princípio pôr o texto em suas próprias palavras. En-
tão retire a pontuação. Quando você entender o texto, a pon-
tuação cairá naturalmente onde for necessária.

121
EXERCÍCIO 56

Parafrasear as idéias que você leu e então elas se tornarão par-


te sua. Não é suficiente dizer as palavras. Você deve compreen-
dê-las. O trecho seguinte é de Kahlil Gibran: "Sobre o Falar",
de O Profeta:

Você-fala quando cessa de estar em paz


com seus pensamentos e quando não pode
mais habitar na solidão de seu coração. Você
vive em seus lábios e o som é uma diversão
e um passatempo e em grande parte da sua
fala o pensamento é quase assassinado exis-
tem aqueles que falam e sem conhecimento
ou premeditação revelam urna verdade que
eles mesmos não compreendem.
(A pontuação foi retirada intencional-
mente como parte do exercício.)

EXERCÍCIO 57

Leia em Voz Alta


Tente o mesmo exercício com um artigo ou editorial de jor-
nal, ou uma fala ou poesia shakespeariana.
1. Leia em voz alta: Pense na fala como uma canção
2. Entenda o que está lendo.
3. Parafraseie.
4. Calmamente enuncie em suas próprias palavras.
5. Projete sua voz alta pela sala.

Um atar é a pessoa que compreende que as palavras car-


regam idéias.
Quando você estuda textos escritos em linguagem con-
temporânea, deve escolher ensaios para parafrasear que o tra-
gam para mais perto da idéia. Textos que lidam com verdades

122
erguem o ator à grandeza. Não rebaixe o texto a um nível
cotidiano.

SEQÜÊNCIAS

Divida o texto em seqüências que lhe sejam inteligíveis.


As três seqüêncías seguintes são de Um Conto de Duas Ci-
dades, de Charles Dickens:
• "Monsenhor, um dos grandes figurões de poder na Corte,
realizou sua recepção quinzenal em sua nobre mansão em
Paris."
• "Monsenhor estava em sua sala íntima, seu santuário dos san-
o
tuários, mais sagrado dos mais sagrados para a multidão
de devotos no conjunto de salas do lado de fora."
• "Monsenhor estava pronto para tomar seu chocolate. Monse-
nhor podia engolir uma grande quantidade de coisas com faci-
lidade, mas o seu chocolate da manhã não podia passar pela
garganta do Monsenhor, sem a ajuda de quatro homens fortes."
Isto é o que eu quero dizer por "seqüêncías". Procure pelas
seqüências de um texto e siga-as. Cada seqüência é um outro
pensamento. Veja como a idéia se desenvolve. Seja conduzi-
do pelas seqüências e não estude as palavras. Deixe uma se-
qüêncía levá-lo a outra. Este é o segredo de trabalhar num texto.

o PROBLEMA DA GRANDIOSIDADE

Os atores americanos têm pavor de gradiosidade. Quando as


idéias do autor são universais e épicas, o atar se retira. Tem
medo de exagerar. Traz as idéias do autor para seu nível mais
simples, que ele chama de ser real no palco. O ator deve se
acostumar a trabalhar com textos que têm problemas que afe-
tam a todos, como: amizade, lealdade e vida familiar.
Se você puder compreender e interpretar as idéias do au-
tor, atingirá grandiosidade em seu desempenho.
• Por que o autor escreveu a peça?
• O que o autor quer dizer?
Quando representar um personagem épico, não tenha me-
dó de usar sua voz. Use toda a sua energia e sirva-se de idéias
pelas quais lutaria. Enriqueça sua platéia.

123
CAPÍTULO ONZE

Trabalhando no Texto

O ELMENTO DIALÉTICO NO TEXTO MODERNO

o debate de idéias está no centro do teatro moderno. Em muitas


peças, desde Ibsen, se encontra o que chamamos de elemento
díalético. Desde Shaw e O'Casey até Beckett e Pinter, de O'Neill
e Odets a Arthur Miller, Tennessee Williams e Edward Albee,
o elemento dialético é utilizado.
O teatro moderno é um teatro de idéias, um teatro cuja
proposta é fazer a platéia pensar e aprender sobre as questões
mais vastas da vida.
Se no palco duas pessoas simplesmente concordam, não
há peça e nada mais a dizer. O teatro moderno está baseado
na nossa habilidade de considerar dois pontos de vista. Em qual-
quer situação dramática, um personagem pode estar a favor
de uma idéia sob discussão e um outro pode estar contra. Em
Casa de Bonecas, de Ibsen, quando Nora anuncia que vai par-
tir, o marido lhe diz: "Seu primeiro dever é com seu marido
e seus filhos." Nora diz: "Não, acho que meu primeiro dever
é comigo mesma."
O elemento dialético entrou no teatro com Ibsen. A elas-
se média introduziu valores reconhecidos de moral, educação

124
e ética que foram parte de uma definida sociedade de classes.
A classe apenas "pegou" valores. Esta falta de convicção sig-
nifica que para cada questão que surge, existem dois lados. No
teatro moderno não há verdade única.
Num debate, deve-se reconhecer a diferença entre ques-
tões de peso e importância variados, e julgar entre as questões
menores e maiores.
Pode-se tomar a questão menor - a de Nova York ser su-
perpovoada - e trazê-la para uma outra questão maior.
• Superpovoamento é a natureza da vida na cidade. Cada ci-
dade no mundo é propensa a ter um aumento progressivo
da população.
Pode-se aceitar isto como incontestável ou afirmar:
• Que isso pode levar ao esgotamento familiar, à falta de mo-
ral, à doença e ao desastre da superpopulação.
No teatro, o interesse surge quando há uma opinião. Quan-
do você inicia uma discussão sobre um tópico como a super-
população das cidades, deve aferrar-se ao tópico e não desviar-
se para outras idéias épicas. Você não tem o direito de perder-
. se em divagações ou ser vago. Na discussão, a mente de cada
parceiro deve estar alerta. Você deve moderar a emoção.
Deve haver crescimento em sua discussão. A menos que
avance passo a passo, você corre o risco de se tornar repetíti-'
vo e maçante. Você não deve começar com uma declaração
tal como: "Eu acredito ... " Em vez disso, você deve partir da-
quilo que seu parceiro diz ou do que você acredita que seu
parceiro pensa. Continue o assunto que já está na mente de
seu parceiro; não comece um novo.

EXEMPLO: Aborto
O avanço por estapas dá crescimento e interesse. ao seu"
argumento. Se você está debatendo aborto e falando contra
ele, pode começar por dizer que:
o O feto é o começo da vida.
• O aborto é errado porque significa o assassinato de uma vi-
da humana.
• A solução não é o aborto, mas a criação de melhores lares
de adoção e o progresso de métodos adotivos.
Os exercícios de debate são destinados a ajudar o ator a

125
compreender os temas dos dramaturgos modernos, e a apre-
ciar a oposição de idéias. O escritor é bem articulado porque
expressa no palco pontos de vista contrários.
O debate não é um monólogo. Você deve manter-se no
nível que a discussão requer e não estar num tom menor que
seu parceiro. Na vida moderna há, por exemplo, os seguintes
temas para discussão:
A Favor ou Contra:
• O papel da mulher
• Aborto
• Pena de morte
• A instituição do casamento
• Se casamento é bom para atares

EXERCícIO 58

Tome um ou dois desses temas e discuta-os com outro atar.


Você deve ser capaz de manter o debate a partir de seu parcei-
ro e ser despertado para o assunto que está discutindo. As pa-
lavras surgirão do assunto.

O atar deve ser encorajado a usar dois pontos de vista


opostos, ao trocar de papel.
Quando não há nada épico ou universal numa discussão,
ela é muito pequena para o teatro. O dramaturgo lida com gran-
des assuntos. O atar estará falando sobre o homem, sobre a
vida, sobre a sociedade.
Comparada com a idéia, a personalidade individual do ator
é insignificante. Você deve transcender sua própria personali-
dade e assumir a dimensão do assunto que está discutindo.
Aborto não é um tema vulgar. Você não deve abordá-lo com
uma mentalidade vulgar.
Tal questão é grande o bastante para ir à presença do Se-
nado, do clero e do povo dos Estados Unidos. Não deve, por-
tanto, ser rebaixado ao nível da rua. Você não deve ser con-
trovertível numa discussão. Você deve aprender a diferença
entre debate e controvérsia. Neste país, nós não sabemos como

126
debater; nós só discutimos. Somos como motoristas de táxi.
Nosso temperamento nacional não tolera ouvir. Se o debate
entra no campo da discussão e se você deseja brigar, você não
escutará nada e a discussão estará terminada. Você também não
deve levar muito tempo com o que diz. Vencer um debate não
é o objetívo, mas aprender. Dê absoluta atenção ao que seu
parceiro diz.
Em grande parte porque enfocam um debate, as peças mo-
dernas são escritas em prosa. São escritas do modo que fala-
mos e também num campo que não é muito verbal, Ao dizer
as falas de uma peça moderna, não tome emprestado de uma
outra cultura. Não acrescente nada que seja teatral ou que pa-
reça afetado. Isto torna a peça menos convincente e até mes-
mo falsa.
As idéias são o que nos atrai para o teatro contemporâ-
neo. O que faz você aprender e crescer é o elemento díalétí-
coo Desde 1875, Ibsen contribuiu com idéias díaléticas - co-
mo por exemplo o papel da mulher na sociedade - para o tea-
tro moderno. Suas idéias ainda estão sendo discutidas. Nós ain-
da falamos sobre o complexo de Édipo, que foi pela primeira
vez explorado no antigo teatro grego. As idéias que vêm do
palco nos absorvem e são duradouras.

EXERCÍCIO 59

DEBATE
Ache uma grande idéia nestas peças de Shaw; descreva em três
quartos de página o que ele está dizendo:
1. Major Barbara
2. Pigmaleão
3. Cândida

o MONÓLOGO

Para o dramaturgo, o monólogo é um poderoso e carac-


terístico meio de se comunicar diretamente com a platéia. Ao
usar o monólogo, o dramaturgo está abertamente se endera-

127
çando ao mundo. Como uma forte ação poética, o monólogo
contém o âmago da idéia que um autor pretende transmitir à
sua platéia. O tema de Ricardo 11, de Shakespeare, diz que paí-
ses ascendem e caem, e as civilizações, como o próprio Ho-
mem, morrem. Nas palavras de Ricardo, tudo conduz à morte.
No seguinte solilóquio do Ato III de Ricardo II, Ricardo
está lamentando o retorno vitorioso de seu rival, o banido
Bolingbroke.

De satisfação nenhum homem fale:


Falemos de túmulos, de vermes e epitá-
fios;
Façamos das cinzas o nosso papel, e
com os olhos lacrimosos
Escrevamos a tristeza no seio da terra;
Escolhamos inventariantes efalemos de
testamentos;
E ainda nem tanto - pois o que pode-
mos legar à posteridade
A não ser nossos corpos debaixo da
terra?
Nossas terras, nossas vidas tudo é de
Bolingbrohe,
E nada podemos chamar de nosso, ex-
ceto a morte.

Shakespeare está nos contando nessa passagem como é


perder a esperança e encarar a morte.
Goethe disse:

Se você perde dinheiro, você perdeu alguma


coisa. Se você perde o amor, você perdeu
muito. Mas se você perde a esperança, você
perdeu tudo.

Tennessee Williams escreveu sobre isso em Srnall Planet:

Quando um homem olha para uma


constelação, encolhe os ombros e diz:
"E daí?", então ele sabe quejá está mor-
to e de luto para a vida.

128
A tristeza vem com.a percepção de que a vida não é eter-
na - quando você descobre que as coisas não continuam in-
definidamente e quando você perde o desejo de fazê-las pros-
seguir. Mas um autor pode também ser obscuro. Não tente sem-
pre extrair sentido de um monólogo, como no solilóquio fi-
nal de Tom, em À Margem da Vida:

Eu não fui para a lua. Eu fui muito além -


pois o tempo é a distância mais longa entre
dois lugares. Não muito tempo depois, des-
pedido do emprego por escrever um poema
na tampa de uma caixa de sapato. Eu deixei
St. Louis. Desci os degraus da escada de iri-
cêndio pela última vez e segui, desde então,
os passos de meupai, tentando recuperar em
ação e que fora perdido em espaço -.

Tennessee Williams, cuja escrita possui quantidade de poe-


sia, é vago nas duas primeiras linhas do monólogo. Na sua ma-
neira indireta, Williams está dizendo que Tom não vai ficar em
casa e permitir que lhe aconteça o que aconteceu a Laura.
Leia o trecho seguinte de Electra, de Sófocles:

Orestes estava dirigindo em último lugar, re-


freando propositalmente sua parelha e man-
tendo sua fé na arrancada final; e agora,
auistando somente um rival à sua frente,
com um exultante grito para os seus velozes
cavalos, avançou vigorosamente e as duas
.poretbas Ócorreram pescoço com pescoço,
uma ganhando liderança da outra. (...)
Quando o povo viu sua queda da biga, hou-
ve um 'grito de solidariedade pelo pobre ra-
paz. (...) Viram-no então sendo lançado ao '
chão, em seguida a biga virando de rodas
para cima e quando finalmente os outros pi-
lotoscontrolaram seus cavalos desembesta-
, dos e socorreram o pobre rapaz, seu corpo
estava tão lacerado, tão machucado e ensan-
güentado que nenhum de seus amigos pode-
ria tê-lo reconhecido.

129
No monólogo acima, a ação é contar uma história. Como
ator, você deve nos levar a ver a arena e sentir a tensão dos
cavalos movendo-se com vigor antes de partir. A história de-
ve ser tomada de seqüência para seqüência, não de período
para período.
O monólogo descreve nada menos que a morte do Prín-
cipe do Mundo. Como ator, você tem que sentir a importân-
cia desse acontecimento dentro de si e transmiti-lo para a
platéia.
Esses dois monólogos. estão entre os mais interessantes e
difíceis na literatura dramática. Você pode começar a lidar com
o monólogo num nível muito mais simples, como Tchekhov
faz no último ato de O jardim das Cerejeiras, um monólogo
sobre uma estante.

Você sabe quantos anos tem essa estante? Na


semana passada eu arranquei a gaveta de
baixo, e descobri uns números gravados a
jogo. Ela joijeita há exatamente cem anos!...
O que você acha disso, eh? Temos que cele-
brar seu aniversário. Um objeto inanimado,
é verdade, mas ainda assim - uma estante
de livros:

Você pode começar por proferir monólogos improvisa-


dos para diferentes objetos:
• Para uma. cadeira
a. "As cadeiras têm estado conosco através dos anos. Elas exis-
tem em todas as espécies de tamanhos e formatos etc... "
• Para uma parede
a. "As paredes são grossas e fortes etc... "
• Para um teto .
a. "O teto impede que a chuva entre etc... "
O ator dota esses objetos de-qualidades pessoais. Ele de-
ve relacionar-se com a cadeira e a parede como faria com um
parceiro vivo - e dar-lhes a vida que eles corporificam. A partir
daí, o atordevepraticar monólogos sobre objetos como uma
árvore ou uma flor. -
Bons monólogos podem ser encontrados em Spoon Ri-
ver Anthology, de Edgar Lee Masters. Esse livro contém uma

130
sucessão quase ilimitada de personagens de uma variedade sem
fim, cada um captado num momento de crise moral ou pessoal.
Algumas idéias sobre como fazer um monólogo: , .
• Evite gestos, que freqüentemente vêm da dificuldade' com
a linguagem.,
• Não use a qualidade rotineira de linguagem se ela é essen-
cialmente poética.
• Evite usar adereços.
• Escolha uma área que seja verdadeira para as circunstâncias.
• Não é bom mover-se muito num monólogo; portanto, use
um espaço limitado. ' . '.
• Encontre o ritmo do monólogo, visto que o dramaturgo sem-
pre cria um ritmo. .
• O vestuário pode contribuir para a eficácia de uni monólo-
go, mas também pode depreciá-lo.
Em cada monólogo deve-se procurar um significado mais
vasto do que os fatos da situação sugerem.' Os fatos mantêm
o monólogo no chão. A tentação de dar ênfase às palavras sem-
pre é grande, sendo esse um mau hábito.
Se o ator é motivado a recorrer às palavras em primeiro
lugar, pode perder o assunto, colocando-o num nível comum
em vez de num.nível mais alto, que é necessário.

EXERCÍCIO 60

Encontre um monólogo em Spoon Ríver Anthology e pa-


rafraseie-o. Trabalhe com antecedentes.

A TÉCNICA DEEN8AIü

Stanislavski dizia que você pode ensaiar uma peça por seis ho-
ras ou seis meses.. Um ensaio é'muito diferente, em seu resul-
tado, de outro, mas ambos podem ser igualmente válidos. Ce-
do, em-seutreínamentô, você precisa entender o processo de
ensaio: Se você está fazendo um simples exercício de sala-de-
aula ou ensaiando uma peça inteira, os princípios de ensaio são
os mesmos. Não se espera uma entrega completa do ator toda
'vez que ele se prepara para trabalhar. Certa vez ofereceram um

131
papel a John Barrymore numa peça muito importante. Pedi-
ram que lesse seu papel, e ele leu tão hesitantemente como um
estudante no primeiro ano de seu curso de teatro:
"Eu...amo...você. Eu...não posso...viver... sem você." Ele não
se sentia nem um pouco obrigado a fazer uma leitura perfeita.
Um ator ensaiando uma peça é como um pianista aque-
cendo-se ao fazer escalas. Uma sonata de Beethoven não pode
ser tocada impecavelmente da primeira vez.

Etapa I: Ingressando no Significado

Seja para o exercício ou para a peça, existem três estágios


de ensaio.
A noção do processo de ensaio é que, em primeiro lugar,
o ator deve decorar suas falas. Este é um conceito mortal. Na
prática isto vem quase por último. A primeira etapa do ensaio
é estudar o texto sem memorização, para lentamente ingres-
sar no significado da peça e no que o autor quer dizer sobre
o Homem e o mundo.
Quando você começa a trabalhar num texto, tem que es-
- tar aberto a impressões. Você está começando pela parte ex-
terna. Quando eu entro num jardim botânico, vejo milhares
de plantas e bulbos. São todos estranhos para mim, e mesmo
a linguagem que é falada não me soa natural. Sei apenas que
é um jardim, como sei que a peça é uma peça. Embora as pala-
vras em si não façam sentido, por elas, pelo ritmo das falas,
você pode dizer se o clima da peça é carregado, leve ou mé-
dio. Pode determinar se é uma comédia ou drama.
Toda peça tem um estilo. Reconheça-o ao começar a estu-
dar o texto e ele se torna mais claro. É uma peça elizabethana?
Expressionista? Realista? As idéias da peça serão expressas atra-
vés de ações, e cada ação acontece em circunstâncias determi-
nadas e uma atmosfera é criada. A peça se tornará clara confor-
me você estuda o texto. Os personagens surgirão, e você deve-
rá ser capaz de ver a que classe pertencem. A partir das seqüên-
cias, você pode traçar o enredo e o desenvolvimento da idéia.
No começo, o texto está além do limite de sua compreen-
são - um conjunto de dados estranhos - mas ao estudá-lo,
dividindo-o em ações para poder entender o crescimento da
idéia do dramaturgo, você começa a assimilá-lo. .

132
Etapa 2: Compreenderido o Assunto

Tão logo você possa compreender o assunto e as palavras


do texto, estará na segunda etapa de ensaio. Especialmente nes-
te estágio você deve guardar-se contra a tentação de decorar,
visto que a memorização bloqueia o real entendimento. Con-
forme o texto se torna mais familiar e o desperta para o estilo,
idéias e intenção do dramaturgo, as palavras vão-lhe perten-
cendo gradualmente.
Recorra ao uso de uma enciclopédia se tiver dificuldade
em compreender algumas palavras.
A peça deve sempre estar nova para você. Não se limite
ao ensaio de ontem. Sempre deixe a si mesmo aberto e verda-
deiro. Nunca se violente. Relaxe; deixe as circunstâncias da pe-
ça sustentarem-no, e a cada vez poderá então representar de
uma outra forma, com espontaneidade verdadeira.

Etapa 3: Compreendendo a Peça

Quando você está confiante na interpretação de seu pa-


pel e certo de que foi útil ao autor, dando vida a seu texto,
então terá dado sua c0J?-tribuição para a peça.

133
CAPÍTULO DOZE

A Contribuição do Atar

o teatro tem em si o elemento da surpresa. Há uma pla-


téia aguardando no escuro pelo subir do pano. O atar tem en-
tão a chance, através do uso de seu talento e técnica, de man-
ter a sua platéia fascinada.
'O objetivo da técnica, que ora enfatizamos, é afastar o atar
daquelas técnicas antiquadas ou que foram usadas com abuso
em 'nome de Stanislvskí,
O texto do autor é concebivelmente o único ponto do qual
o atar pode partir. Ele deve se aproximar do texto sem pre-
conceitos ou opiniões preconcebidas. O estudo do texto de-
ve proceder-se desta forma:
1. O atar deve perder sua dependência das palavras e partir
para as ações da peça.
2. As ações vêm primeiro e as palavras depois. As palavras re-
sultam da ação.
Lendo a peça várias vezes com atenção, o atar poderá ex-
plorar seus vários aspectos. No teatro contemporâneo, somos
levados a acreditar que é papel apenas do diretor descobrir a
pçça, passando adiante sua interpretação aos atares durante o
ensaio. Mas o atar também pode tornar-se profundamente en-
volvido com o dramaturgo, descobrindo por que a peça foi
escrita e como sua interpretação pode sornar ao que foi estabe-

134
lecido pelo diretor. o atar não pode desempenhar suafunção
por completo, sem aceitar a responsabilidade de um envolvi-
mento pessoal com o autor. Juntos, atar e diretor, tornam-se
conscientes do estilo da peça.
Para ser "interdependente" do diretor e de outros mem-
bros do elenco ao aproximar-se da peça, o atar deve trazer seu
talento para a interpretação do papel. .
Trabalhando às avessas, a partir do texto, o ator então per-
gunta: quando e onde a ação ocorre? O tempo presente da pe-
ça leva ao passado, como as palavras no papel levam ao sub-
texto, aos pensamentos não-expressos dos personagens.
O atar, através do profundo entendimento das circuns-
tâncias, cria para si a necessidade indispensável de usar sua ima-
ginação. A natureza de sua imaginação é tentar visualizar, tão
completamente quanto possível, os personagens e as circuns-
tâncias da situação.
Circunstâncias mais amplas da peça envolvem o atar quan-
do as explora ainda mais longe. Existe o cenário histórico da
peça, que deve incluir a época, o país, a cidade e a situação
social; .tudo isso revelando a dimensão épica da mesma.
No teatro moderno, o foco está nos personagens e na si-
tuação humana em que se encontram. O autor freqüentemen-
te lida com a divisão entre dois instintos básicos do homem.
1. Sua destrutividade ao lidar unicamente com os desejos com
os quais nasceu.
2. Sua luta insatisfeita para atingir alguma coisa na vida que
supere seus instintos.
Esse conflito é muito épico e o atar deve estar preparado
para lidar com semelhantes temas.
Um dos aspectos vitais do trabalho do atar é encontrar
a universalidade e dimensão épica das idéias do dramaturgo.
O empenho da peça é sempre com respeito a algum tema maior
e o perigo em que podemos cair é torná-lo pequeno. A peça
moderna questiona a vida, o que fazer sobre ela, como deve-
mos viver. Desse modo, o atar deve se acostumar a aprender
e lidar com problemas críticos que afetam a todos ......:- questões
de amor, lealdade e amizade, de família e filhos.
O objetivo deste livro é dar ao atar uma técnica e colocá-
10 em cantata com um ofício que considero ser uma totalida-
de de coração, mente e espírito - uma arte que libera idéias, e,

135
agindo dessa forma, transforma o ator num instrumento de pro-
pósito artístico. Um bom ator deve lutar por essas metas.
Ser claro quanto às idéias do autor e eficiente ao comuni-
cá-las éa responsabilidade do ator, Ele não deve tratar- as idéias
casualmente. Precisa desenvolvê-las de modo que sejam uni-
versais. As idéias contêm as verdades pelas quais as pessoas têm
que viver. Essas verdades são transmitidas pelo ator. Dessa for-
ma, ele se torna um membro importante da sociedade que con-
tribui para a civilização futura. .

MINHA TRAJETÓRIA ATÉ STANISLAVSKI

Um dia, em 1925, fui até a Biblioteca Pública de Nova York


'para encontrar alguns livros sobre teatro, atuação, conceitos.
Sentei-me bem distante das outras pessoas, todas absorvidas
em seu trabalho, estudando e lendo. Pude observar como
a sala era grande, ainda que estivesse mal iluminada. Enquan-
to me sentava, percebi um jovem instalando-se à minha
frente. .
Quando comecei a ler, disse-me inesperadamente: "Pos-
so perguntar sobre o que você tem interesse... ou o que estâ.
lendo?" E eu respondi: "Estou interessada em teatro." Um mo-
mentose passou, e então ele disse: "Eu também!" Obviamen-
te rimos à socapa, o que nos deixou mais à vontade. Como
atores, sentimos imediatamente um vínculo entre nós. Onde
quer que os atores se encontrem, .'Sentem essa intimidade.
ConformeJalávamos, ele me contou que era ater e eu disse:
"Já havia desconfiado, e acho que talvez o conheça." Ele dis-
se: "Bem, eu a conheço!" (Eu havia atuado bastante.) Disse-
lhe que estava interessada nas idéias que vinham da Europa.
Porque os atores americanos estavam afastados da Europa, não
tinham contato com a vida teatral e conceitos europeus e não
conheciam o que estava sendo feito lá com o Realismo ou Pós-
Realismo. Sabia que isso tudo estava acontecendo, mas era di-
fícil conseguir material.
Expliquei-lhe isso e então ele me disse: "Acho que existe
alguém em Nova York que está montando uma peça que lhe
interessaria. É uma produção num teatro muito pequeno." Deu':'
me o nome do teatro e explicou-me onde era.

136
o teatro era no East Side, num prédio de apartamentos
com pequenos degraus por onde se subia. Para a esquerda es-
tava uma sala - apenas uma sala - onde a produção de The
Sea Woman's Cloak estava se realizando. Era uma sala peque-
na, muito mal iluminada, com aproximadamente quinze cadeí- .
ras ao redor. No canto estava uma mulher toda encolhida, de
roupas escuras, olhando através do que pareciam ser uns bi-
nóculos de teatro.
Era deveras interessante. Não havia mais ninguém lá. Mais
algumas pessoas chegaram pouco antes do início da peça. Quan-
do a cortina subiu, um milagre aconteceu.
Era uma produção brilhante; brilhante, estimulante, atraen-
te, esteticamente um deleite - era um poema! O que me sur-
preendia era ver os ateres americanos atuando com graça, um
conhecimento, um estilo e uma segurança que eu ainda não
havia assistido. Logo descobri que esta peça era dirigida por
Richard Boleslavski, um diretor russo de fama, do Teatro de
Arte de Moscou, e que, durante anos, estivera sob a supervi-
são de Konstantin Stanislavski. Soube disso; compreendi isso;
soube quase imediatamente que era exatamente por isso que
eu estava procurando. Descobri que Boleslavski e a dama en-
colhida, Madame Maria Ouspenskaya, tinham vindo para a Amé-
rica e iniciado um teatro ou um laboratório. Chamava-se o Tea-
tro Laboratório, e destinava-se a alunos interessados no estilo
russo de atuação.
Dentro de um ou dois dias havia-me unido ao Teatro La-
boratório. Embora estivesse atuando em outros teatros todo
o tempo, permaneci no Teatro Laboratório por dois anos, on-
de assistia às preleções de Boleslavski, aulas de ritmo com Mord-
kin e aulas de voz e algumas de técnica com Madame Ouspens-
kaya. Era um pequeno conservatório e Boíeslavski realizava en-
saios e produções. Assisti a seus ensaios e tomei parte em al-
gumas das peças.
Minha vida prosseguia. Eu atuava auxiliada enormemente
por suas idéias sobre teatro, atuação, o ator no teatro e a im- .
portâncía do ator. Tudo isso vinha com grande honestidade,
e me via profundamente influenciada pelo que Boleslavski da-
va ao seu público. .
O tempo passava e eu continuava atuando no teatro. Ti-
nha o hábito de ir para a Europa quando havia tempo, Iíber-

137
dade e dinheiro. Certa ocasião, quando me encontrava em Pa-
ris, Harold Clurman lá estava também. .
. Harold havia iniciado o Group Theatre, do qual eu fazia
parte. Para mim, era um salvador; havia feito um teatro ao qual
eu queria pertencer. Ele me havia visto atuar e convidara-me
para participar, o que eu fiz: Harold era o homem que havia
feito o máximo para revelar meu talento e abrir minha mente,
quem havia ajudado a educar-me sobre peças. Ele tinha impor-
tância em minha vida., em minha vida teatral.
Em Paris, Harold disse-me: "Sabe, Stella, Stanislavski está
aqui." Nesse tempo, eu tinha ouvido bastante sobre ele. Ha-
via conhecido pessoas que estavam partilhando de sua técni-
ca. Eu mesma integrava o Group Theatre, onde a técnica esta-
va supostamente sendo utilizada. Porém, como uma atriz que
tinha grande experiência em outros lugares, recusava-me a atuar
com. alguns princípios empregados no Group Theatre. Por cau-
sa disso, tornei-me uma estranha. Afastara-me da maneira que
ensaiavam e do modo pelo qual as peças eram dirigidas. Tudo
isso era do conhecimento de todos. Sabiam que eu era contra
o que estava acontecendo no Group Theatre.
Harold também conhecia meus sentimentos sobre o Group
Theatre. Achava uma boa idéia eu me encontrar com o Sr. Sta-
nislavski.
Mas eu estava hesitante. A idéia me apavorava, porque,
conforme eu disse a Harold: "Se eu fosse encontrá-lo, teria a
.consciência de que ele era representado no Group Theatre de
um modo que eu não queria". .
Por fím fui com Harold até a casa do Sr. Stanislavski. Era
umapartamento pequeno com um elevador também peque-
no. Quando Harold abriu a porta, havia umas poucas pessoas
na sala. Era um aposento minúsculo, e no canto, mais afasta-
do, estava Stanislavski. O momento desse encontro foi de ta-
manho choque para mim que estanquei e não consegui me mo-
ver. Harold atravessou a sala e cumprimentou-o. Com Stanís-
lavski estavam seu médico, um amigo e Madamé Tchekhova.
Madame Tchekhova parou perto da porta onde eu estava e
disse-me: "Você deve ir até lá e apertar a mão do Sr.Stanis-
lavski." Olhei para ela e disse: "Não." Ela falou: "Você deve."
Eu disse: "Não, não devo." E não fui. Permaneci de pé, com-

138
pletamente incapaz de me mexer, para frente ou para trás. Fi-
quei paralisada durante todo o tempo.
Logo depois o Sr. Stanislavski e os outros sugeriram que
fôssemos todos para os Campos Elísios. Ao chegarmos lá, o
Sr. Stanislavski sentou-se num banco encostado a uma árvore,
e sentamo-nos em torno dele. Havia muitos risos e alegria -
a intimidade e espirituosidade comum aos atores. Lembro-me
claramente de Stanislavski censurando Madame Tchekhova e
chamando-a de canastrona, e, é claro, de ela ter rido. Ele fin-
gia provocá-la, e ela fingia ser mais forte do que ele. Havia hu-
mor; um momento perfeito de grupo, e alegria de estar lá.
O Sr. Stanislavski falava com todos e percebia que eu es-
tava reticente. Naturalmente ele notava isto, porque possuía
o "olho" e nada lhe escapava. Finalmente virou-se para mim
e disse: "Jovem senhora, todos falaram comigo menos você."
Esse foi o momento em que eu olhei para ele, olho com olho,
e estivemos juntos. Ouvi-me dizendo: "Sr. Stanislavski, eu ama-
va o teatro até o senhor ter sucesso; e agora eu o odeio!" Ele
olhou para mim durante um pouco mais de tempo, e então
disse-me: "Bem, então você deverá ver-me amanhã."
Este é provavelmente o momento de que eu me lembro
melhor. Dissemos adeus e eu fui vê-lo no dia seguinte.
Achei que era importante levar alguém para o caso de não
entendê-lo. O amigo que levei foi de grande ajuda. Reunindo-
me com o Sr. Stanislavski, descobri que podíamos falar bem
facilmente em francês. Ele me fez várias perguntas. Contei-lhe
que estava muito infeliz por causa de uma peça na qual atuara
há pouco tempo, chamada The Gentle Woman, de Don Po-
well. Contei-lhe que fracassara em certos momentos da peça
quando não podia nem continuar o personagem nem com-
preender como continuá-lo. Ele fícou terrivelmente intrigado,
e trabalhamos com o conceito e personagem. Dentro de um
ou dois minutos percebi que ele estava deveras interessado em
mim como atriz. Ele queria que eu resolvesse meu problema.
E aqui estava o único homem no mundo que me podia ser útil!
Desse modo, abri meu coração para ele.
Contei-lhe que era uma atriz experiente. Ele conhecia mi-
nha família porque meu pai, Jacob P. Adler, havia produzido
The Living Corpse, de Leo Tolstoi, antes que ele, Stanislavski,
a tivesse representado. Adler foi o primeiro no mundo a re-

139
presentá-la, e isto era do conhecimento de todos. Stanislavski
compreendeu que eu era a filha de Jacob P. Adler e Sara Adler,
uma família de atores.
Stanislavski e eu estabelecemos a maior intimidade de di-
retor e atriz e, muito em breve, éramos simplesmente ator e atriz!
Trabalhamos juntos todos os dias durante muitas semanas. Nes-
se período, houve certas coisas que ele pediu que eu fizesse.
Deixou muito claro para mim que um ator deve ter uma enor-
me imaginação, livre e não inibida pela autoconsciência. Com-
preendi que ele era um ator inflamado pela imaginação e por
isso ensinou-me como era importante usá-la no palco. Então
explicou-me em detalhes como era importante usar as circuns-
tâncias. Disse que onde você está é o que você é, o como você
está, e o que você pode ser. Você está num lugar que o sustenta-
rá, que lhe dará força e habilidade de fazer o que quiser.
Pediu-me que usasse as circunstâncias. Disse: "Faça ape-
nas umas poucas coisas e coloque um enredo em torno delas."
Eu era espontânea (talvez espontânea demais!). Eu disse: "Sim."
Fui até a janela e fiquei arrasada, porque tinha na imaginação
alguma coisa com a qual estava emocional e imediatamente en-
volvida. Então andei novamente até a carteira e escrevi meu
nome no final de uma carta. Mais uma vez, estava dramática
e profundamente envolvida com o enredo, e sabia que havia
somente uma coisa mais a fazer: pegar meu chapéu e o casaco
e partir.
Esses exercícios podem ser feitos em qualquer nível. Adotei
o nível dramático. Era o mais próximo de mim, pois eu era uma
atríz dramática.
O Sr. Stanislavski também contou-me - muito mais co-
mo um ator para uma atriz - que havia sofrido quando repre-
sentara Um Inimigo do Povo. Contou que fora um completo
desastre. Ele não conhecia o papel; não sabia onde tocá-lo. Disse
que tinha dificuldades; que Ibsen era difícil para ele. Contou-
me que levou dez anos para encontrar o papel. Quando esta-
va reunindo os elementos para uma técnica que tornada a atua-
ção mais fácil, descobriu a resposta para o problema que tinha
essencialmente experimentado como ator através de sua vida,
em especial quando trabalhou em Um Inimigo do Povo. Nes-
sa peça específica, Stanislavski contou-me que havia falado com
o povo e pedido que ele fizesse alguma coisa. Isto estava er-

140
rado. Ele disse: "Eu tinha que falar para a alma do povo. Se
pudesse alcançar suas almas, poderia ser bem-sucedido. "Dez
anos depois de Stanislavski ter originalmente representado o
papel, a peça foi remontada; o papel foi seu novamente e só
então foi capaz de representá-lo.
Trabalhávamos intensamente com cenas e improvisações,
e eu fui capaz de ficar completamente à vontade, como se es-
tivesse em casa. Sentia-me como se tivesse trabalhado com ele
por toda a vida. Ele era gentil e "completamente teatro"; na-
da além de teatro lhe despertava a atenção. Generosidade e in-
teresse - um mestre com uma aluna:
Ele não me podia ver pelas manhãs, porque, conforme me
contou, tinha dificuldade na fala - era inclinado a ciciar. As-
sim, devia praticar todas as manhãs por duas horas. Eu ri dele,
e ele também riu de si mesmo.
Após muitas semanas, contou-me que tinha vindo a Paris
para ver sua família, mas que eu não havia permitido que ele
assim o fizesse; será que eu lhe daria algum tempo para estar
com ela? Obviamente respondi que sim, agradeci-lhe, disse
adeus e parti.
Mas na manhã seguinte telefonei para ele e disse: "Sr. Sta-
níslavskí, nós não abrangemos um elemento da técnica", ex-
plicando que havia algo que ele não havia deixado claro. Ele
disse: "Venha agora!" (A essa altura, minhas anotações eram
volumosas!)
Quando me afastei do apartamento de Stanislavski, per-
corri as ruas de Paris. Conhecia Paris; conhecia-a como qual-
quer atríz ardente conheceria, que olha para os telhados, para
cada maçaneta de porta, para cada lojinha. Estava enfeitiçada
por Paris. Havia trabalhado com o maior professor do mun-
do, o homem cujas palavras iam inundar o teatro com a ver-
dade. Esse sentido ele tinha, de como era preciso ser verda-
deiro; esta era sua herança, isto é o que ele passou adiante. Eu
nunca poderia agradecer-lhe o bastante. Lembro-me que en-
quanto descia a rua, ia dizendo: "Sr. Stanislavski, não posso
agradecer-lhe pessoalmente, mas, durante toda a minha vida,
dedícar-me-eí às outras p'essoas, para dar-lhes o que o Senhor
me deu."

141
SUGESTÃO DE CENAS E PERSONAGENS PARA
ESTUDAR E TRABALHAR

ALL MY SONS (TODOS ERAM MEUS FILHOS)


de Arthur Miller
Ann e Chrís, Final do Ato I .

CAT ON A HOT TIN ROOF (GATA EM TETO DE ZINCO


QUENTE)
de Tennessee Williams
Maggie e Bríck, Ato I, Cena 1

CAT ON A HOT TIN ROOF (GATA. EM TETO DE ZINCO


QUENTE)
de TennesseeWilliams
Bíg Daddy e Brick, Ato II

CHILDREN'S HOUR
de Lillian Hellman
Karen e Martha, Ato III, Cena 1

COME BACK, LITTLE SHEBA


de William Inge
Turk e Marie

142
CRUCIBLE (AS FEITICEIRAS DE SALÉM)
de Arthur Miller
Abigail e Proctor, cena da floresta

DARK AT THE TOP OF THE STAIRS


de William Inge
Rubin e Cora

.DEATH OF A SALESMAN (AMORTE DO CAIXEIRO-VIAJANTE)


de Arthur Miller
O último monólogo de Linda (Réquiem)

DEATH OF A SALESMAN (AMORTE DO CAIXEIRO-VIAJANTE)


de Arthur Miller
Biff e Happy, Ato I

DEATH OF BESSIE SMITH


de Edward Albee
Enfermeira e Ordenança, Cena 4
Enfermeira e Interno, Cena 6

A DOLL'S HOUSE (CASA DE BONECAS)


de Henrik Ibsen
Torvald e Nora, Ato I, Cena 1; Final do Ato III

GLASS MENAGERIE (À MARGEM DA VIDA)


de Tennessee Williams
Amanda e Laura, Ato I, Cena 2
Laura e Tim, Ato II, Cena 8

GOLDEN BOY
de Clifford Odets
Lorna e joe, Ato II, Cena 2

A HATFUL OF RAIN
de Michael Gazzo
Palo e johnny, Ato II
Pai e Johnny, Ato II, Cena 2
LOOK BACK lN ANGER
de John Osborne
Duas Mulheres

MADWOMAN OF CHAILLOT (A LOUCA DE CHAILLOT)


Três Mulheres, Ato II

ORPHEUS DESCENDING
de Tennessee Williams
VaI e Carol, Ato I
Lady e Val, Ato II

OUR TOWN (NOSSA CIPADE)


de Thornton Wilder
George e ~mily, Ato II

PICNIC
de William Inge
Madge e Hal, final do Ato II
Rosemary e Howard

RAINMAKER
de N. Richard Nash
Lizzie e File, Ato II
Lizzie e Starbuck, fim do Ato II

A STREETCAR NAMED DESIRE (UM BONDE GHAMADO


DESEJO)
de Tennessee Williams
Blanche e Stanley, Ato I, Cena 2
Ato III, Cena 4
Stella e Stanley, Ato I, Cena 2
Ato III, Cena 1
Blanche e Mitch, Ato II, Cena 2
Ato III, Cena 3

SUMMER AND SMOKE (ANJO DE PEDRA)


de Tennessee Williams
Alma. e John
Alma e Vendedor

144
TIME OF YOUR LIFE
de William. Saroyan
joe e Mary, Ato II

27 WAGONS FULL OF COTTON


de Tennessee Williams
Vicarro e Flora, Cena 2

A VIEW FROM THE BRIDGE (PANORAi\1A VISTO DA PONTE)


de Arthur Miller
Catherine e Rodolfo
Eddie e Sr. Alfieri, Ato I

WAITING FOR LEFTY


de Clifford Odets
J oe e Edna, Cena 1
ZOO STORY (A HISTÓRIA DO ZOOLÓGICO)
de Edward Albee
Peter e J erry
"Eu tenho sido para o zoológico... "

145
BIOGRAFIA DE STELLA ADLER

Nascida na cidade de Nova York, Stella Adler é a filha mais moça


de Iacob P. e Sarah Adíer, os primeiros atares trágicos do pal-
co iídiche na América. Jacob P. Adler, internacionalmente cha-
mado "O Henry Irving judeu", apresentou um repertório clás-
sico de qualidade extraodinária em sua Companhia de Artes
Iídíche, e, de' acordo com muitos historiadores de teatro, o tea-
tro iídiche americano floresceu na virada do século graças às
contribuições da família Adler.
Já foi dito que "nenhuma cortina de Nova York subia sem
um Adler por detrás dela"; em 1939, na época do qüínquagé-
símo aniversário da estréia de Sarah Adler no palco judeu ame-
ricano, havia nada menos que dezessete membros da família
atuantes no teatro. Todos os membros mais próximos da fa-
mília de Stella - incluindo seu irmão Luther - tornaram-se
atares. Nas palavras de Stella: "Na minha família, quando vo-
cê mal começava a andar, imediatamente era posto no palco."
StellaAdler fez sua estréia, em 1906, com a idade de qua-
tro anos, em uma produção de seu pai, Broken Hearts, no Tea-
tro Grand Street, em Nova York. Outra lembrança sua foi re-
presentar o papel de um pajem em O Mercador de Veneza.
No ano seguinte, Stella ganhou o papel de um dos jovens prín-
cipes em Ricardo III. Pelos dez anos seguintes, atuou, com

146
seus pais, nos Estados Unidos e no exterior, numa variedade
de papéis em peças de Ibsen, Tolstoi, Hauptmann, Shakespeare
e outros clássicos.
No inverno de 1919, Stela fez sua estréia, em Londres, no
Pavilion, como Naorní, em Elisa Ben Avia. No seu retorno a
Nova York, aceitou papéis de destaque em várias produções
comerciais. Atuando como Lola AdIer, fez a primeira aparição
na Broadway como a Borboleta (Apatura Clythia) em O Mun-
do em que Vivemos ("A Comédia dos Insetos"), o ruidoso su-
cesso de Karel Capek na temporada teatral de 1922-23.
Stella Adler cursou a Universidade de Nova York e mais
tarde estudou no Teatro Laboratório Americano. Lá, entrou
em cantata com a nova abordagem de Stanislavski para atua-
ção através do ensino de dois de seus mais importantes discí-
pulos, Maria Ouspenskaya e Richard Boleslavski. Era conside-
rada de longe a mais segura técnica criativa para atares, e Stel-
la colocava essa técnica em bom uso num número de produ-
ções importantes do Laboratório. Ela apareceu pela primeira
vez como Baronesa Creme de la Creme em Straw Hat, agora
já conhecida como Stella Adler, e desde então passou a usar
seu nome real. Seus outros dois papéis mais notáveis com o
Laboratório foram como Elly em The Big Lake e como Bea-
trice em Muito Barulho por Nada.
De 1927 a 1931 Stella AdIer estrelou em mais de cem pe-
ças. Passou duas temporadas no teatro Irving Place comJacob
Ben Amí, um renornado atar iídíche. Viajou também para a
América Latina, Europa Ocidental e de um extremo ao outro
dos Estados Unidos com uma companhia de repertório. De vol-
ta a Nova York, em 1930, Stella retornou à companhia de seu
pai para uma série de papéis principais em: The God of Ven-
geance, The Lower Deptbs, Liliom, The Witch of Castille e feto
Süss.
A primavera de 1931 marca a época em que Stella AdIer
uniu-se ao batalhador Group Theatre, fundado por um .rp.em-
bro do antigo Theatre Guild, Harold Clurman (mais tarde ma-
rido de Stella). John Gassner escreveu em Theatre of Our Ti-
mes que considerava o Group "uma lembrança do melhor con-
junto de atares que a Broadway já conheceu".
Os membros do Group Tbeatre eram socialmente utopís-
tas conscientes que procuravam proporcionar uma alternati-

147
va para o teatro comercial da época da Depressão. "Após ana-
lisar, dissecar e reformar o teatro," Stella lembra, "duas idéias
surgiram... a primeira convidava o ator a se tornar consciente
de si mesmo (supunha-se que a personalidade total do ator in-
dividuai devia ser levada em conta)... e a segunda falava do ator
em relação ao seu ofício... Quandos essas duas idéias se uni-
ram, o ator percebeu que esse teatro exigia a compreensão bá-
sica de um princípio artístico complexo: que todas as pessoas
ligadas a esse teatro, o ator, o desenhista, o autor, o diretor
etc., tinham por necessidade que chegar a um único ponto de
vista que o tema da peça também expressasse."
Esta crença, que inspirou o fecundo coletivo, revelou-se
de modo bem claro na primeira produção do Group, The House
of Connelly, de Paul Green, na qual Stella representava Geral-
dine Connelly. Brooks Atkinson, do New York Times, refletiu
os sentimentos de quase todos os críticos: "O desempenho do
grupo é imaginado belamente e harmonioso demais para eu
me concentrar em destaques pessoais. Não há nenhum feito
exagerado, frágil ou superficial em sua atuação. (..:) Não é exa-
gerado esperar que algo superior e verdadeiro se tenha inicia-
do no Teatro Americano.
Atkinson revelou-se profético: "O Group Theatre nunca
saiu do modelo que no incício estabeleceu para si, chegando
mesmo a produzir um dos dramaturgos pioneiros da América,
Clifford Odets."
Para a continuação do Group, e de acordo com sua políti-
ca de não-estrelato, Stella aceitou um papel pequeno em 1931,
relato de Paul e Claire Sifton sobre o desemprego na época da
Depressão. O término da primeira temporada de Nova York
foi com Nigbt Ouer Taos, de Maxwell Anderson, com Stella
como Dona Josepha.
Success Story abriu a segunda temporada do Group, e o
desempenho de Stella como Sarah Glassman, uma secretária
que rompia o seu noivado, atraiu a atenção da comunidade tea-
tral. Companheiro do Group, Robert Lewis, recorda em seu
Slíngs andArrows que muitos atares renomados (Noel Coward.
e Ruth Chatterton, entre outros) iam bater lá cada noite, para
estudar SteI1a na cena final da peça.
Stella continuou interpretando papéis principais em The
Big Nigbt como Myra, em Hílda Cassídy como Hilda e em Gen-
tlewoman como Gwyn Ballantine.

148
Após Gentlewoman, insatisfeita com seu desempenho e
perturbada pelo uso excessivo de exercícios de "memória afe-
tiva" do diretor Lee Strasberg, Stella tirou uma licença do Group
e foi para a Europa. Lá foi .apresentada por Olga Knipper (es-
trela do Teatro de Arte de Moscou e viúva de Anton Tchek-
hov) a Konstantin Stanislavski em pessoa. Em resposta à quei-
xa de Stella de que certos aspectos do sistema de Stanislavski
a frustravam, ele sugeriu que talvez ela não os usasse correta-
mente, e se ofereceu para instruí-la em pessoa.
Nas cinco semanas seguintes, Stela e Staníslavskí trabalha-
ram diariamente numa cena em que ela sentira dificuldade, em
Gentlewoman. Como resultado disso, ela foi, na sua volta, ca-
paz de corrigir a interpretação que o Group Tbeatre fazia de
Stanislavski, com um relato formal para seus companheiros ato-
res, completo com quadros resumindo o sistema e a repreen-
são indelícada de que a ênfase indevida na "memória afetiva"
deformava o ator.
Naquele mesmo verão Stella começou a dar aulas. Entre
seus primeiros alunos estava Margaret Baker, que precisava ser
treinada para a produção de The Case of Clyde Griffitbs pelo
Group . Foster Hirsch mais tarde citou o louvor da Srta. Baker
a essa experiência: "Em meia hora trabalhando com Stella Adler
naquela peça fiquei sabendo mais sobre o texto do que duran-
te todos os ensaios."
Stella voltou a atuar em produções do Group, em 1934,
quando retratou a resplandescente atríz Adah Menken em Gol-
den Eagle Guy. Sua interpretação como Bessie Berger emAwa-
ke and Síng (1935), de Odets, novamente animou os críticos..
Robert Lewis recorda que Stella "estabelecia um-modelo para
papéis de mãe judia que não tem sido igualado desde então;
omitindo a comum autopiedade (S-fermentando a natureza do-
minadora da mulher com uma graça sublime."
Após a sua última aparição no palco com o Group, como
Clara, em Paradise Lost (1935), Stella rumou para Hollywood.
Estreou em Lave on Toast como Stella "Ardler" - "os pro-
dutores decidiram que um nome não-judeu talvez surtisse efeito
na marquise", observou ela. Ainda retornou ao Group Tbea-
tre principalmente para dirigir. Foi Stella quem encenou a acla-
mada turnê de Golden Boy, em 1938. .
Stella sentiu fortemente sua vocação para ensinar por volta

149
de 1940. Desenvolveu então a Oficina Dramática na Nova Es-
cola para Pesquisa Social, onde ensinou por dois anos.
Em 1941, o ano da dissolução do Group Theatre, a Sra.
Adler apareceu em seu segundo filme, Shadow of tbe Tbin Man
(voltaria a aparecer num terceiro, My Girl Tisa, em 1948). Mais
tarde passou algum tempo por trás da cena, como produtora
associada a Arthur Freed da MGM, nos filmes DuBarry Was
a Lady, Madame Curíe, e também For Me and My Gal, entre
outros de]udy Garland. Stella insistiu para que o estúdio orien-
tasse a educação de ]udy Garland e não desperdiçasse seu ta-
lento em papéis desinteressantes. .
Entretanto, a Broadway chamou Stella de volta ao palco em
maio de 1943, quando interpretou Catherine Canrick na formi-
dável produção de Sons and Soldiers, de Max Reinhardt. Mais
tarde naquele mesmo ano, ela encenou Manhattan Nocturne.
Continuou a dirigir representações bem-sucedidas de Po-
lonaíse, uma peça fantasiosa montada sobre a música de Cho-
pin em 1945, Sunday Breakfast em 1952 e o musical antiguerra
johnny johnson em 1956. A Broadway foi privada da produ-
ção de Alice ín Wonderland, que seria algo sensacional, quan-
do os possíveis produtores exigiram que Stella desse o papel
protagonista a uma estrela de cartaz. A integridade de Stella
Adler excluiu esta opção e ela recusou a proposta. Todavia,
a sessão correu com grande sucesso fora da Broadway por mui-
to tempo.
Stella Adler sempre foi uma intérpete vívida e intensa, e
a platéia era recompensada quando a grande dama do teatro
americano tinha desempenhos extraordinários como Clothíl-
de Hilyard, em Pretty Little Parlor, de Claiborn Foster, em
1944, e como Zinadia, a domadora de leão, numa remontagem
do Tbeatre Guíld de He %0 Gets Slapped, de Leonid Andre-
yev. A última aparição de Stella Adler no palco foi em Londres,
em 1961, como Madame Rosepetal em Oh Dad, Poor Dad, Ma-
ma 's Hung You in the Closet and I'm Feelin' So Sad, de Ar-
thur Kopit. Em sua carreira de atriz, apareceu em mais de 200
produções.
Além de suas apresentações, o maior presente de Stella
Adler para a história teatral americana é sem dúvida os milha-
res de atores instruídos desde o tempo em "que as portas de
seu Estúdio de Atuação Stella Adler se abriram em 1949.

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"Em nosso tempo, não há modelos para o ator. Todas as re-
gras formais para O ator mudaram: seu comportamento, seu
vestuário, seu discurso, etc. O professor sabe que cada ator
é diferente, e um talento pode estar latente. O ator de nosso
tempo tem que ser ajudado", disse Stella Adler.
Ela criou um programa básico de dois anos, dando aten-
ção especial à análise da peça e à caracterização. Por volta de
1960, O estúdio de StellaAdler, agora sob o novo nome de Con-
servatório de Atuação Stella Adler, havia crescido para rece-
ber mais de uma dúzia de membros no corpo docente. Ela con-
tinuou pessoalmente a dar aulas superiores de atuação e ínter-
pretaçãode texto. Serviu também como professora adjunta da
atuação na Escola de Teatro da Universidade Yale em 1966-67,
e tem prestado colaboração à Universidade de Nova York por
muitos anos. O Conservatório de Atuação Stella Adler abriu
em Los Angeles em 1986. Pela sua experiência e contribuição
à comunidade artística, foi honrada pela Nova Escola de Pes-
quisa Social com o título de Doutora das Letras Humanas, e
com um título de Doutora em Belas-Artes, do Colégio Smith.
Hoje, Stella Adler continua orientando a formação de ato-
res. Quem quer que tenha observado as aulas de Stella em No-
va York e Los Angeles sabe que ela mantém sempre presente
o que Konstantin Stanislavski lhe ensinou: "A fonte da atuação
é a imaginação e a chave para seus problemas é a verdade das
circunstâncias da peça." Ela estimula seus alunos a tornar com-
preensíveis as idéias do dramaturgo. Convida-os - como faz
consigo mesma - a igualar a atuação à própria vida: "Criar
e interpretar significam total envolvimento, a totalidade de co-
ração, mente e espírito."

- Compilado por Irene Gilbert.

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