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PESQUISA RELACIONAL: ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

RELATIONAL RESEARCH: THEORETICAL AND METHODOLOGICAL ASPECTS

INVESTIGACIÓN RELACIONAL: ASPECTOS TEÓRICOS Y METODOLÓGICOS

CAMPOS, Pedro Henrique Oliveira de


[email protected]
UFV – Universidade Federal de Viçosa
https://orcid.org/0000-0002-3973-6387

SOUZA, Rita de Cássia de


[email protected]
UFV – Universidade Federal de Viçosa
http://orcid.org/0000-0001-9823-6174

RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir a pesquisa relacional e apontar
algumas metodologias que podem ser utilizadas nesse tipo de investigação. Num
primeiro momento, discorremos sobre as influências do discurso construcionista social
na pesquisa relacional e as principais características desse tipo de pesquisa.
Discutimos, também, as implicações para o pesquisador e para a investigação, ao
optar pelo estudo do tipo relacional, e apresentamos a investigação apreciativa, o
grupo focal e a roda de conversa como instrumentos metodológicos possíveis à
pesquisa relacional, evidenciando suas potencialidades colaborativas e dialógicas.
Por último, discorremos sobre uma maneira possível de fazer a análise dos textos
obtidos por meio das metodologias anteriormente apresentadas.
Palavras-chave: Construcionismo Social. Grupo Focal. Investigação Apreciativa.
Pesquisa Relacional. Roda de Conversa.

ABSTRACT: This article aims to discuss relational research and to point out some
possible methodologies for this type of research. Firstly, we discuss the influences of
social construccionism movement in relational research and the main characteristics
of this type of research. We also discuss the implications for the researcher and for
research when choosing the relational type study. We present the appreciative inquiry,
the focus group and the conversation circles as possible methodological tools for
relational research, evidencing their collaborative and dialogical potentialities. Finally,
we discuss a possible way of analyzing the texts obtained through the methodologies
previously presented.
Keywords: Appreciative Inquiry. Conversation Circles. Focus Group. Relational
Research. Social Construcionism.
RESUMEN: Este artículo tiene por objetivo discutir la investigación relacional y
apuntar algunas metodologías que pueden ser utilizadas en este tipo de investigación.

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En un primer momento, reflexionamos sobre las influencias del discurso
construccionista social en la investigación relacional y las principales características
de este tipo de investigación. Discutimos también las implicaciones para el
investigador y para la investigación al optarse por el estudio del tipo relacional y
presentamos la investigación apreciativa, el grupo focal y el círculo de conversación
como instrumentos metodológicos posibles a la investigación relacional, evidenciando
sus potencialidades colaborativas y dialógicas. Por último, discurrimos sobre una
manera posible de hacer el análisis de los textos obtenidos a través de las
metodologías presentadas anteriormente.
Palabras-clave: Construccionismo Social. Grupo Focal. Investigación Apreciativa.
Investigación Relacional. Círculo de Conversación.

1 INTRODUÇÃO

O pesquisador que pretende iniciar uma pesquisa sabe que, em primeiro lugar,
é necessário definir algumas questões importantes, como a delimitação do objeto de
estudo, a escolha do referencial teórico, a definição dos instrumentos de coleta de
dados, etc. Algumas obras, como a de Antônio Carlos Gil (2002) e Antônio Paulo de
Castilho e Derna Pascuma (2005), são verdadeiros manuais de elaboração de
projetos de pesquisa, que visam orientar os pesquisadores no processo investigativo.
A depender dos objetivos traçados para a investigação, o pesquisador,
certamente, conduz sua pesquisa para uma abordagem específica: a qualitativa, a
quantitativa ou ambas. Se seu intuito é comprovar a ocorrência de determinado
fenômeno através de relações de causa e consequência entre variáveis, medindo-as,
mensurando-as, testando teorias, então a pesquisa é de cunho quantitativo. Se, pelo
contrário, o objetivo da investigação é interpretar um determinado fenômeno, por meio
de indução, de descrições densas e complexas, a abordagem da investigação é
qualitativa. Se a pesquisa contempla essas duas dimensões, ela é definida como
qualitativo-quantitativa, também conhecida como quali-quanti.
A figura 1, elaborada por Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2005), Godoi
(2005) e Lima (2005), a seguir, nos ajuda a compreender melhor as diferenças entre
esses dois tipos de abordagem supracitados:

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Figura 1 – Características da pesquisa quantitativa e qualitativa

Fonte: elaboração de Ana Cláudia Fernandes e Edmuno Filho, que se inspiraram nos textos de Alves-
Mazzotti e Gewandsznajder, 2005; Godoy, 1995; Lima, 2005

O objetivo deste artigo é apresentar a pesquisa relacional e apontar algumas


metodologias que podem ser utilizadas nesse tipo de investigação, considerando que
ela se coloca como uma alternativa aos estudos tradicionais que se norteiam pelo
paradigma científico moderno. Num primeiro momento, apresentamos as origens
desse tipo de pesquisa e suas principais características. Adiante, dissertamos sobre
as implicações para o pesquisador e para a pesquisa ao se optar pelo estudo do tipo
relacional. Por último, apontamos para algumas metodologias que favorecem este tipo
de investigação.

2 A PESQUISA RELACIONAL

Segundo McNamee (2010), a pesquisa relacional se baseia nos fundamentos


do Construcionismo Social, uma vertente da Psicologia Social, de caráter sociológico,
que começou a ganhar força na década de 1970, num momento marcado pela crise

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do paradigma científico moderno e, por conseguinte, por críticas à psicologia
experimental de cunho positivista.
A psicologia construcionista se coloca como uma alternativa às práticas
psicológicas modernistas e, nesse sentido, identifica-se enquanto um discurso pós-
moderno. Assim, os principais pressupostos dessa metateoria são: a) a crença de que
tudo que é considerado real e verdadeiro nada mais é do que uma construção social;
b) o relativismo pautado no entendimento de que não há verdades absolutas e
generalizantes, mas verdades situadas, contextuais e; c) a compreensão de que a
linguagem não é uma representação fiel da realidade, mas uma prática social, uma
forma de ação no e sobre o mundo.
Nesse sentido, a pesquisa relacional se apresenta como uma alternativa ao
fazer científico moderno, marcado pelos preceitos de uma racionalidade objetiva,
neutra, controladora e totalizante. A respeito das diferenças entre a tradição moderna
e pós-moderna de pesquisa, McNamee (2014, p. 74) esclarece que

a tradição de pesquisa dominante surgiu dentro de uma visão de mundo


modernista. O modernismo pressupõe que, com as ferramentas e técnicas
adequadas, seremos capazes de descobrir a realidade. Naturalmente, parte
e parcela dessa suposição é a crença de que existe uma realidade a ser
descoberta. [...] O pós-modernismo, por outro lado, desafia a noção de que
existe uma realidade a ser descoberta. Em vez disso, os teóricos pós-
modernos propõem que nossos modos de conversar e relacionar uns com os
outros e com o mundo sejam o foco do estudo e, portanto, a ideia de múltiplas
verdades, múltiplas realidades e múltiplos métodos de exploração dessas
realidades é primordial.1

A pesquisa relacional, também chamada de investigação dialógica ou


colaborativa (DEFEHR, 2015), é um tipo de pesquisa que visa construir ambientes
nos quais os sujeitos são convidados a dialogar e, por meio desse diálogo,
ressignificar entendimentos, posturas, relações e ações. Por esse motivo, Dehfer
(2015, p. 3) afirma que a investigação dialógica tem potencial “generativo e

1 “The dominant research tradition has emerged within a modernist worldview. Modernism assumes
that, with the proper tools and techniques, we will be able to discover reality. Of course, part and parcel
of this assumption is the belief that there is a reality to be discovered. [...] Postmodernism, in the other
hand, challenges the notion that there is one reality to be discovered. Instead, postmodern theorists
proposes that our ways of talking and relating to each other and the world should be the focus of the
study and therefore, the idea of multiple truths, multiple realities, and multiple methods for exploration
such realities is paramount” (MCNAMEE, 2014, p. 74).

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transformador”, pois esse tipo de pesquisa não tem como intuito apenas compreender
fenômenos, mas propiciar possibilidades de mudanças. A partir dessa perspectiva,
pode-se inferir que essa é uma pesquisa que não se faz sobre os sujeitos, mas com
os sujeitos, que são chamados a participarem de forma ativa na construção da
pesquisa. Considerando que “los participantes en la investigación normalmente no
son familiarizados con las metodologías utilizadas para obtener y ‘manejar’ sus
contribuciones”2 (DEFEHR, 2015, p. 3, grifos no original), esta forma de interação
entre o pesquisador e os sujeitos que compõem a pesquisa se apresenta como uma
novidade no âmbito científico. Dado que o diálogo colaborativo conduz a investigação,
é importante que a noção de diálogo seja compreendida. Segundo Paulo Freire, o
diálogo

[...] é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera
criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé,
da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do
diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se
fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de empatia
entre ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 1967, p. 107).

A crença de que o diálogo é um meio pelo qual as pessoas podem alterar, na


relação, as formas de ser e estar no mundo é o fundamento norteador da pesquisa
relacional. Assim, a dialogicidade deve estar sempre presente durante todo o
processo investigativo, desde a entrada no campo até a análise dos dados, como
comentaremos adiante. Como o próprio nome diz, a pesquisa é relacional, se faz e se
constitui nas relações estabelecidas entre as pessoas, nas trocas, nas interações. O
diálogo é, então, um instrumento da e na relação. Quando Freire (1976) diz que o
diálogo é uma relação horizontal de A com B, isso quer dizer que os sujeitos se
respeitam, se escutam, têm consideração um pela fala do outro.
Sendo construída de maneira conjunta com os sujeitos envolvidos na
investigação, a pesquisa relacional parte do pressuposto de que os significados não
estão nas mentes individuais, mas são estabelecidos nas relações e, portanto, o
significado é relacional. Se entendemos que o conhecimento, as formas de ser e estar

2“os participantes da pesquisa geralmente não estão familiarizados com as metodologias usadas para
obter e 'gerenciar' suas contribuições” (Tradução nossa).

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no mundo, as regras, as formas de convivência, os espaços, etc. são construídos
pelas pessoas, então essas mesmas pessoas podem mudar as coisas, fazer diferente,
subverter a ordem, criar novos mundos. Esse é o intuito de uma investigação
colaborativa ou dialógica.
Por conta de todas as características apresentadas, é comum que se trate a
pesquisa relacional a partir de uma abordagem qualitativa, mas dizer que ela é
essencialmente de cunho qualitativo é um equívoco, uma vez que não há a intenção
de se apartar qualquer traço quantitativo desse tipo de pesquisa. Há, sim, diferenças,
como as que McNamee (2014) elaborou no quadro abaixo, porém as abordagens não
são excludentes numa investigação do tipo relacional:

Quadro 1 – Características das pesquisas quantitativas, qualitativas e relacionais3

Método científico Visando compreender Mudando juntos


Tradicional Tradicional Construcionista
Quantitativo Qualitativa Relacional
Diagnóstico Interpretativa
Baseada em evidências
Provar Compreender Mudar
Observar Descrever Co-criar
Pesquisador/sujeito Pesquisador/participantes Co-pesquisadores
Verdadeiro ou falso Significados contextualizados Gerar novos significados
Descoberta das verdades e Conhecimento contextualizado e Gerar novas realidades
das causas e efeitos múltiplas realidades
Validade estatística Autêntico para os participantes Utilidade local/gerativa
Generalizável e repetível Há uma possibilidade de Local e histórica
transferência Co-envolvente
Descobre a verdade Expande conhecimentos Gera possibilidades
Fonte: Quadro adaptado de MCNAMEE, 2014

Mais do que descrever acontecimentos, a pesquisa relacional diferencia-se


pelo envolvimento dos sujeitos no processo investigativo. A proposta desse tipo de
estudo é que ele seja convidativo, no sentido de involucrar os sujeitos, não apenas

3Este quadro é uma tradução adaptada do quadro apresentado por McNamee (2014, p. 77) no artigo
Research as a relational practice (Table 1: Understanding Consistency and Inconsistency across
Research Words).

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como meros informantes, mas como coconstrutores da investigação. As pessoas que
entrevistamos e com quem conversamos são, também, co-pesquisadores na medida
em que elas podem e devem sentir-se confortáveis na produção de conhecimentos.
Elas têm o direito de acompanhar e intervir no que está sendo feito pelo pesquisador
suas intervenções na pesquisa devem constar no relatório final de maneira explícita e
detalhada.
Na pesquisa relacional, bem como em outras pesquisas construcionistas, um
dos critérios mais relevantes é a utilidade da investigação para os sujeitos e para a
comunidade. O pesquisador deve se perguntar: de que maneira a pesquisa pode ser
útil para a vida das pessoas? Nesse sentido, é recomendável que o pesquisador não
chegue em seu campo de investigação com uma proposta fechada e definida, mas
que seu problema de pesquisa parta das necessidades dos outros. Isso indica uma
mudança significativa no fazer científico, uma vez que é comum que os
pesquisadores, de certo modo, imponham suas necessidades aos outros e, na maioria
das vezes, nossas necessidades não são, necessariamente, as necessidades dos
outros.
Portanto, é possível inferir que a pesquisa relacional é generativa, pois ela cria
possibilidades de mudanças nas relações e nas práticas desenvolvidas em uma
determinada comunidade. Por conta dessa característica, ela possui um viés de
intervenção, uma vez que favorece e acredita no potencial do ser humano para a
mudança, para a transformação da realidade. Essa é uma questão desafiadora desse
tipo de pesquisa, já que torna fundamental o engajamento prático de todos os
envolvidos.

3 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E A ATUAÇÃO DO PESQUISADOR NA


PERSPECTIVA RELACIONAL

Tradicionalmente, a ciência moderna toma a busca de conhecimentos como a


descoberta da verdade. Nesse sentido, existe uma realidade objetiva que se mostra
ao pesquisador. Para os construcionistas, não existe uma só verdade, mas verdades
(no plural) que são construídas, produzidas coletivamente. Isso implica dizer que não
há uma realidade objetiva, mas várias descrições de mundo que apresentam ao
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pesquisador uma pluralidade de conhecimentos. O que é real, portanto, é uma
convenção estabelecida entre os sujeitos que compõem uma determinada
comunidade.
Partindo dessa premissa, uma pesquisa relacional se caracteriza por
considerar os contextos situacionais na construção do conhecimento. Se na tradição
moderna os conhecimentos estão isolados e, aparentemente, incomunicáveis, em
razão de suas verdades únicas e inflexíveis, no pensamento pós-moderno as
pesquisas se caracterizam por seu caráter dialógico e transdisciplinar, valorizando sua
acessibilidade para toda comunidade.
Pela lógica empirista de ciência, a relação do pesquisador com o seu objeto de
estudo (o conhecimento) é entendida sob uma perspectiva dualista, que coloca um
separado do outro. É, pois, uma tentativa de se prezar pela objetividade e, por
consequência, pela neutralidade. A objetividade, nesse sentido, é um estado
psicológico do indivíduo que, supostamente, o capacitaria para representar de
maneira fiel a realidade. Partindo do ponto de vista pós-moderno, entendemos que a
neutralidade não existe, pois, por mais que se tente “controlar a subjetividade”, a
simples presença e/ou atuação do cientista/pesquisador já causa interferências no
objeto ou no campo. Além disso, há de se considerar os valores intrínsecos ao
indivíduo que, de uma maneira ou de outra, estão implicados na investigação, ainda
que se tente escondê-los a partir de uma escrita impessoal ou de uma
presença/intervenção distanciada.
Numa pesquisa do tipo relacional, os processos de subjetivação e a
subjetividade não são mascarados, pelo contrário, são partes constitutivas e
intrínsecas ao estudo, pois, como já dito, é uma pesquisa que se faz com os sujeitos
através de suas relações. Enquanto o paradigma científico moderno vê o sujeito como
um indivíduo isolado, neutro e que tem o controle sobre os processos, o pós-
modernismo acredita no sujeito implicado.
Gergen (2015) afirma que, no mundo ocidental, costumamos pensar no sujeito
como um ser isolado, separado dos demais, único. A própria definição de indivíduo
sugere algo que é uno, indivisível, ou “o ser humano considerado isoladamente na

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comunidade de que faz parte”, conforme uma das definições que podemos encontrar
em uma busca simples na internet através do Google4.
Esse eu independente e autossuficiente leva Gergen (2015) a defini-lo como
“ser delimitado”, proveniente de uma tradição individualista que influenciou a
psicologia moderna e, por consequência, nos conduz àquela ideia de que o
conhecimento se encontra no interior das mentes individuais. Ocorre que se o
conhecimento está dentro do sujeito, então o outro sempre será um desconhecido,
uma vez que não é possível acessar o mundo interno de cada pessoa. Isso quer dizer
que se eu concebo cada sujeito-participante da investigação como um ser
independente, logo eu não considero que as relações nas quais esses sujeitos estão
imersos têm influência alguma na construção de suas ideias, pensamentos e atitudes.
Mas o que de fato separa um sujeito do outro? Por que devemos nos
compreender como seres isolados? É a partir dessas questões que Gergen (2015)
propõe a ideia do ser relacional. De acordo com esse autor (2015), o que importa
nessa perspectiva é o que está entre os indivíduos, a troca, a interação. Ao contrário
do ser delimitado, o ser relacional não é isolado, mas se constitui na presença do
outro, na alteridade. Somos o tempo inteiro afetados pelos outros e é dessa maneira
que nos constituímos como sujeitos múltiplos.
Entendido como um sujeito que está em relação com outros sujeitos e com o
ambiente, o investigador que se propõe a fazer uma pesquisa do tipo relacional
considera os participantes da investigação também como seres relacionais, que se
constituem nas relações. Para além disso, numa pesquisa relacional o pesquisador
não faz uma pesquisa sobre os sujeitos, mas com os sujeitos e, dessa forma, convida-
os para que eles falem de si mesmos, para que contem suas próprias histórias,
incentivando a narração, as narratividades. Essa atitude do pesquisador é uma busca
de valorização das múltiplas formas de ser e estar no mundo.
Adotar a perspectiva do ser relacional implica que o pesquisador deve estar
aberto à complexidade, ao contraditório, à polifonia e à diversidade. Além disso, ele
deve evitar a passividade, no sentido de ser apenas um observador, um avaliador
externo, alguém que chega para emitir julgamentos sobre tudo e todos. O pesquisador

4O Google é uma ferramenta virtual de busca e de pesquisa que pode ser acessado através do seguinte
site: www.google.com.

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também é um ser relacional e, por isso, deve envolver-se no processo investigativo e
saber-se envolvido, relatando suas impressões, seus vieses e colocando-os junto com
os dos outros.

4 A METODOLOGIA NA PESQUISA COLABORATIVA, DIALÓGICA E


RELACIONAL

Para os construcionistas, não existe um jeito certo e melhor de se fazer uma


investigação. Os pesquisadores que optam por fazer uma pesquisa relacional devem
saber que os construcionistas não se opõem aos métodos científicos modernos e às
metodologias tradicionais. Assim, a inteligibilidade construcionista social propõe
alternativas metodológicas, entendendo que não há (e nem deve haver5) um método
construcionista propriamente dito.
O que importa saber é que o processo investigativo se justifica situacionalmente
e não metodologicamente. Como dissemos, a pesquisa tem que ser útil para a
comunidade e não para o pesquisador. Sendo assim, o critério da utilidade faz com
que o investigador defina seus métodos posteriormente à entrada no campo, a partir
das possibilidades que são adequadas ao contexto a ser investigado. Conforme nos
conta DeFeher (2015, p. 8), “la indagación colaborativa es motivada por preguntas
que importan y hacen una diferencia para los participantes de la investigación, en vez
de ser preguntas que aparentemente derivan de la astucia intelectual de un individuo
investigador”6.
Embora não haja um método específico, os construcionistas sugerem que o
pesquisador faça opção por instrumentos metodológicos que sejam os mais dialógicos
e inclusivos possíveis. A pesquisa relacional tem como princípio o diálogo, as trocas,
o envolvimento de todos e, por isso, o mais adequado é que o pesquisador utilize

5 Os socioconstrucionistas não têm a intenção de prescrever, ditar normas, regras, padrões, modos de
ser e fazer, pois tudo isso vai de encontro ao que o próprio discurso construcionista defende. Por isso,
não existe uma metodologia construcionista.
6 “a indagação colaborativa é motivada por perguntas que importam e que fazem diferença para os

participantes da investigação, em vez de perguntas que aparentemente derivam da astúcia intelectual


de um indivíduo investigador” (Tradução nossa).

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ferramentas dialógicas e inclusivas, sempre levando em conta a viabilidade para
determinado contexto.
Antes que o instrumento metodológico mais adequado para uma investigação
colaborativa, dialógica e relacional seja definido, com vistas a envolver todos os
sujeitos na pesquisa, é importante que o pesquisador passe por um período de
convivência no campo. Ora, não há como envolver as pessoas na pesquisa sem antes
criar com elas algum tipo de vínculo de confiança, de empatia, de identificação.
Geralmente, nas pesquisas tradicionais, usa-se o termo observação e suas variáveis
(estruturada, não estruturada, participante, não participante, etc.) para designar o
período em que o pesquisador entra no espaço investigativo (escola, empresa, etc.).
Numa perspectiva relacional, o termo observação nos remete a uma ideia de
alguém que chega de fora para observar, analisar, o que está se passando com os
outros. É aquela ideia da objetividade e da neutralidade que está presente nos
manuais científicos de cunho positivista. Para quem pretende fazer uma pesquisa do
tipo relacional, a sugestão é que ao invés de observação, o pesquisador utilize a
palavra convivência, afinal, a partir do momento em que ele entra no campo, ele se
torna parte do processo, ele passa a estar em relação com os outros, ainda que pense
o contrário.
Feita essa ressalva do período de convivência com os coparticipantes da
investigação, apresentaremos, a seguir, três possibilidades instrumentais para uma
pesquisa do tipo relacional. A primeira delas é a investigação apreciativa, a segunda
é o grupo focal e a última é a roda de conversa. Compreendemos que todas elas
possuem um caráter dialógico e inclusivo e que, portanto, são alternativas
metodológicas interessantes e recomendáveis em pesquisas colaborativas, em
estudos dialógicos e/ou em investigações relacionais.

4.1 Investigação Apreciativa

De acordo com Arnemann, Gastaldo e Kruse (2018), a investigação apreciativa


(originalmente Appreciative Inquiry) foi desenvolvida, inicialmente, em 1986, a partir
da tese de doutoramento do professor norte-americano David Cooperrider. Em suas
pesquisas sobre o comportamento organizacional, sobretudo no que diz respeito à
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resolução de conflitos nas empresas, Cooperrider notou que a maneira como as
pessoas desenvolvem suas atividades são decisivas para o bom ou mau desempenho
do grupo, propondo, então, ações coletivas coordenadas por meio de posturas
apreciativas, de valorização dos aspectos positivos e das potencialidades dos sujeitos.
Embora as raízes da Investigação Apreciativa (IA) “encontram-se,
prioritariamente, na área da pesquisa organizacional, especificamente, no estudo das
dinâmicas organizacionais” (SOUZA; MCNAMEE; SANTOS, 2010, p. 601), essa
metodologia tem sido empregada em diversas áreas do conhecimento. Ancorada no
discurso construcionista social, a IA é uma metodologia que busca promover
mudanças, melhorando situações que interessam a um determinado grupo, partindo
dos conhecimentos construídos pelas pessoas em relação.
Souza, McNamee e Santos (2010, p. 603) afirmam que “[...] a IA como método
de pesquisa tem seu foco no processo da investigação, na maneira como a informação
é coletada e processada. Busca-se, na pesquisa, entender como foram possíveis, por
exemplo, as narrativas de sucesso”. O objetivo geral da investigação apreciativa como
metodologia é criar um ambiente de colaboração, respeito e de entendimento mútuo,
que permita a construção de novas práticas a partir de experiências positivas já
vivenciadas.
Segundo as autoras (2010, p. 601-602), a IA possui alguns princípios
fundamentais que devem perpassar todo o processo investigativo. O princípio
construcionista diz respeito à inspiração no Construcionismo Social pela IA, sobretudo
ao considerar o sujeito como um ser relacional, isto é, um ser que está em relação
com os outros seres, e a realidade como sendo uma construção social. O princípio da
simultaneidade esclarece que a transformação da realidade ocorre no mesmo
momento em que as pessoas estão se perguntando e/ou imaginando como as coisas
podem ser diferentes. O princípio poético versa sobre a criatividade necessária para
criar futuros sobre o potencial generativo desse tipo de pesquisa. Já o princípio
antecipatório é a capacidade de proatividade, ou seja, a capacidade de criar imagens
sobre o futuro e de nos anteciparmos sobre ele. Por fim, o princípio positivo é o que
nos leva a explorar o lado positivo das pessoas e das situações.
Partindo desses princípios, Arnemann, Gastaldo e Kruse (2018) descrevem o
Ciclo 4D, o qual pode ser definido como uma espécie de caminho a ser seguido

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durante uma investigação apreciativa. Os 4Ds referem-se aos termos Discovery
(descoberta), Dream (sonho), Design (criar) e Destiny (destino), em inglês. Traduzindo
para o português, os 4Ds transformam-se em 4Is: Indagar, Imaginar, Inovar e
Implementar.
E o que são esses 4Ds? Basicamente, são os passos sequenciais que devem
ser seguidos por todos os participantes da investigação. A primeira coisa a se fazer é
descobrir o que é bom, o que está funcionando (ou o que já funcionou), o que pode
ser valorizado/apreciado. Esse é o momento de descobrir o que há de positivo, quais
são as experiências de sucesso das pessoas ou das instituições. Depois, o momento
é de sonhar, de imaginar como as coisas poderiam ser diferentes, ser melhores para
todos. A próxima etapa é a de fazer um planejamento, é o momento da criação, da
inovação. As pessoas devem pensar nos passos que elas devem seguir para que o
futuro imaginado seja possível de ser realizado. Por fim, é o momento de implementar,
de executar o plano coconstruído.

Figura 2 – Ciclo 4D: Discovery, Dream, Design e Destiny.

Fonte: elaboração das autoras Cristiane Arnemann, Denise Gastaldo e Maria Henriqueta
Kruse, 2018

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Para que a mudança se torne possível, é fundamental que todas as pessoas
estejam empenhadas, motivadas e envolvidas no processo. Partir das experiências
positivas e evitar ao máximo dar visibilidade para as dificuldades e para os problemas
é uma maneira de fazer com que as pessoas se sintam confiantes e preparadas para
imaginar uma nova realidade. Eis, então, o porquê de a investigação ser chamada de
apreciativa: por apreciar a excelência em cada pessoa, com o intuito de incrementar
valor a elas. Assim, evita-se o pessimismo imobilizante que deixa as pessoas
estagnadas, desmotivadas e infelizes. O desafio mais difícil nesse tipo de investigação
é superar a tendência que, em geral, as pessoas têm de enxergar apenas as
dificuldades e os problemas e fazê-las pensar de maneira positiva e enxergar as
coisas boas.

4.2 Grupo focal

O grupo focal é um instrumento metodológico bastante utilizado nas ciências


humanas e sociais. Segundo Powell e Single (1996, p. 449), um grupo focal é
composto por “um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores
para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua
experiência pessoal”.
Para Dal’igna, “o que caracteriza esse método é seu caráter interativo –
focalizando aqui mais a interação do grupo e menos a interação entre pessoas;
portanto a técnica exige que as informações se produzam na dinâmica interacional de
um grupo de pessoas” (BARBOUR, 2009; GATTI, 2005 apud DAL’IGNA, 2012, p. 203,
grifos do autor). Além disso, a autora acrescenta que o diferencial dessa técnica em
relação a outras

é o seu potencial para produção de informações sobre tópicos específicos, a


partir do diálogo entre participantes de um mesmo grupo. Esse diálogo deve
estimular tanto as ideias consensuais quanto as contrárias. Da mesma forma,
a técnica de grupo focal, diferentemente de entrevistas (individuais ou
coletivas), permite produzir um material empírico a partir do qual se pode
analisar diálogos sobre determinados temas e não falas isoladas (DAL’IGNA,
2012, p. 204).

Enquanto um instrumento metodológico comum às pesquisas qualitativas,


Gatti (2005, p. 11) salienta que
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o trabalho com grupos focais permite compreender processos de construção
da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas
cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes,
constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das
representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições,
preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada
questão por pessoas que partilham alguns traços em comum, relevantes para
o estudo do problema visado.

Dessa forma, num grupo focal “há interesse não somente no que as pessoas
pensam e expressam, mas também em como elas pensam e porque pensam o que
pensam” (GATTI, 2005, p. 9). O que importa, então, são os significados produzidos
coletivamente, mas vale ressaltar que isso não quer dizer uma busca pelo consenso,
pois as conversas, os diálogos são abertos à multiplicidade de opiniões e
pensamentos.
Quem trabalha com grupo focal tem de estar atento a algumas questões
importantes inerentes a essa metodologia. O local de realização do grupo, por
exemplo, é algo que pode interferir muito na qualidade das informações produzidas.
O pesquisador deve procurar um local confortável para os participantes e silencioso,
de modo a possibilitar a gravação. A composição do grupo também é importante. Flick
(2009) distingue dois tipos de grupos: os grupos reais e os grupos artificiais. Nos
grupos reais, os sujeitos que participarão da pesquisa já preexistem naturalmente,
enquanto os grupos artificiais são definidos durante a investigação.
Um grupo focal, geralmente, é composto por um mediador, que será
responsável pela condução das discussões, e pelos sujeitos que compõem o grupo.
Mas é possível que o pesquisador conte com auxiliares responsáveis por uma
avaliação externa da condução do grupo. Definida a composição da equipe de
pesquisa, é necessário estruturar o grupo focal, estabelecendo o número de
encontros, a regularidade desses encontros, bem como sua duração. Finalmente, o
pesquisador precisará de um planejamento, que é o roteiro do debate. Nele, é preciso
indicar os tópicos que serão discutidos nos grupos, de acordo com os objetivos da
pesquisa.
Aparentemente, os grupos focais necessitam de um direcionamento maior, de
um controle marcante de um mediador que define como é que a conversa vai fluir e
para qual(is) caminho(s) ela deve seguir. Porém, numa investigação do tipo relacional,
o pesquisador deve evitar que a conversa seja totalmente dirigida e estruturada,

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embora ele tenha todo um planejamento preparado visando o funcionamento dos
grupos. O planejamento deve ser um guia, um auxílio para que o pesquisador não
perca de vista os objetivos da pesquisa. O importante é que os participantes também
tenham autonomia para conduzir as conversas.

4.3 Roda de conversa

A roda de conversa é outra técnica indicada para uma pesquisa do tipo


relacional, por conta de seu potencial dialógico e inclusivo. Ela possibilita a criação de
espaços conversacionais onde a espontaneidade entre os participantes deve ser
estimulada de modo que as conversas fluam com certa naturalidade. De acordo com
Moura e Lima (2014, p. 101), as rodas de conversa

[...] consistem em um método de participação coletiva de debate acerca de


determinada temática em que é possível dialogar com os sujeitos, que se
expressam e escutam seus pares e a si mesmos por meio do exercício
reflexivo. Um dos seus objetivos é de socializar saberes e implementar a troca
de experiências, de conversas, de divulgação e de conhecimentos entre os
envolvidos, na perspectiva de construir e reconstruir novos conhecimentos
sobre a temática proposta.

Tanto as rodas de conversa como os grupos focais são metodologias que


favorecem o diálogo, a produção de significados e ressignificações. No entanto,
consideramos que a roda de conversa é mais livre no sentido de que o pesquisador
(ou o mediador) não obtém o controle total do processo. Ele se coloca na posição de
um integrante, como outros demais sujeitos da pesquisa, horizontalizando as relações
e criando um ambiente mais acolhedor. Entretanto, isso não quer dizer que uma
metodologia é superior a outra. Tudo vai depender, como já mencionado, do contexto
de pesquisa e os instrumentos que o investigador julga ser mais produtivo naquela
situação específica (e também para a própria pesquisa).
O processo de execução das rodas de conversa é muito parecido com o do
grupo focal, cabendo ao pesquisador os mesmos cuidados em relação à escolha do
local de realização das rodas. Quanto aos participantes, nas pesquisas relacionais
evita-se fazer escolhas, mas sim convites. Convidamos os sujeitos a participarem da
pesquisa. Para que o processo seja confortável para todos, nada pode ser obrigatório,
forçado e/ou contra a vontade das pessoas.

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Embora apresente uma dinâmica mais fluida e flexível, a roda de conversa
também necessita de planejamento. Um caminho possível é a utilização de temas
geradores. Uma vez definidos os objetivos da investigação junto com os
coparticipantes da pesquisa, o pesquisador pode lançar mão de alguns temas para
dar início à conversação nas rodas. Como salientam Méllo et al. (2007, p. 30), a roda
de conversa

inicia-se com a exposição de um tema pelo pesquisador a um grupo


(selecionado de acordo com os objetivos da pesquisa) e, a partir disso, as
pessoas apresentam suas elaborações sobre ele, sendo que cada uma
instiga a outra a falar, argumentando e contra-argumentando entre si,
posicionando-se e ouvindo o posicionamento do outro.

Numa pesquisa relacional, o mais adequado é deixar que as pessoas tenham


liberdade para falar o que elas quiserem falar, de modo que o pesquisador não
controle tanto o processo. O que ele deve fazer é propor o tema, provocar a discussão,
convidar os participantes a falarem e, caso as conversas tomem um rumo inesperado,
o pesquisador deve tentar compreender os motivos pelos quais a conversação saiu
de um lugar x para um lugar y, buscando as conexões, os sentidos de tal mudança no
percurso. Desse modo, o pesquisador pode acompanhar o fluxo de conversação que
é construído pelo próprio grupo, evitando uma postura controladora.

5 DIÁLOGOS SOBRE DIÁLOGOS: A ANÁLISE DE TEXTOS NA PESQUISA


RELACIONAL

Como um tipo de investigação que se inspira na filosofia construcionista social,


a pesquisa relacional caracteriza-se, sobretudo, por seu caráter dialógico. Como
discutimos nas abordagens metodológicas apresentadas neste artigo, a pesquisa e o
pesquisador devem estar sempre direcionados à dialogicidade, buscando envolver os
sujeitos, de maneira a horizontalizar as relações por meio do diálogo, da presença
radical, da escuta plena. O diálogo é, nesse sentido, um instrumento de transformação
(seja ela pessoal ou social), pois é por meio dele que os sujeitos mobilizam
pensamentos, sentimentos e atitudes.

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Dialogar é falar e ouvir atentamente, considerando o outro. Diálogo pressupõe
alteridade e respeito. Por isso, na pesquisa relacional, o diálogo deve estar presente
desde o primeiro momento em que o pesquisador adentra seu campo de investigação,
quando precisa de autorização para desenvolver a pesquisa, quando necessita
construir os objetivos da investigação junto com os participantes, quando vai lançar
mão de instrumentos metodológicos (que também devem ser dialógicos) e, também,
no momento de análise dos dados.
Sobre esse momento da pesquisa, seguem algumas observações importantes.
Em primeiro lugar, os construcionistas evitam o termo “dados”, pois é oriundo da
tradição científica positivista, que acredita numa realidade objetiva a ser descoberta
e, portanto, que existem dados a ser coletados. Nas pesquisas construcionistas, tal
como a relacional, utilizamos a palavra textos no lugar de dados pois o que os
coparticipantes da pesquisa produzem durante o processo investigativo são textos
orais, que são transcritos e transformados em textos escritos.
Não há uma maneira correta, única e mais verdadeira de se analisar os textos.
Uma das sugestões que alguns pesquisadores construcionistas nos oferecem
(GERGEN; GERGEN, 2007; VILELA E SOUZA; SANTOS, 2012) é fazer com que essa
parte de análise seja também um momento de diálogo. É conversar com os textos,
colocando nossas impressões, as impressões dos coconstrutores da pesquisa e
também os autores que buscamos na literatura como referência para os nossos
trabalhos. A análise dos textos é um momento de fazer diálogos sobre diálogos, no
sentido de que o pesquisador mobiliza o diálogo entre a literatura, os textos produzidos
pelos sujeitos da investigação e suas próprias impressões pessoais.
O processo de análise dos textos envolve a participação direta dos
coparticipantes da investigação, de tal modo que eles sejam convidados a intervir nas
anotações, reavaliando as discussões feitas e, até mesmo, esclarecendo suas
próprias falas. Assim, os sujeitos são coautores do produto final da investigação. De
acordo com DeFehr (2015, p. 11), esse é um movimento de responsividade, onde “os
pesquisadores não se colocam como analistas ou intérpretes, mas como co-
respondentes” e

en vez de escuchar con el propósito de analizar o interpretar lo expresado por


otros. Anderson (2007, p. 6) describe un estilo responsivo más espontaneo

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de escuchar: “Es una actividad participatoria que requiere responder para
intentar comprender – ser genuinamente curioso, hacer preguntas para
aprender más de lo que se dice y no lo que piensas que se debe de decir” 7.

Enfim, seja utilizando a investigação apreciativa, o grupo focal, a roda de


conversa ou qualquer outra metodologia, o que importa é involucrar os sujeitos, buscar
sempre o diálogo e, sobretudo, mirar a mudança, a construção de outras realidades a
partir de ações colaborativas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos, neste artigo, algumas possibilidades metodológicas


facilitadoras para uma pesquisa do tipo relacional. Não podemos deixar de dizer que
existem outras técnicas que não foram citadas, mas que também podem ser utilizadas
na investigação relacional. É o caso, por exemplo, da entrevista, que é bastante
utilizada nas pesquisas humanas e sociais. O importante é que o pesquisador saiba
avaliar qual instrumento metodológico propiciará uma maior abertura para que as
pessoas falem de maneira mais livre e confortável possível. O diálogo é, como vimos,
o principal atributo de uma pesquisa relacional, portanto, devemos optar por
metodologias que favoreçam o diálogo, a conversa.
Mais do que o método propriamente dito, a postura do pesquisador e o
entendimento que ele tem sobre o mundo e sobre as pessoas é de fundamental
relevância. O sujeito que se propõe a fazer uma investigação do tipo relacional deve
compreender que a realidade é uma construção social e que ela não se dá a conhecer.
Além disso, os indivíduos não são seres isolados e o conhecimento que eles possuem
não estão localizados dentro de suas mentes individuais; eles são, sim, seres
relacionais e seus conhecimentos são produzidos coletivamente, através da interação
com as outras pessoas. Juntas, elas constroem o mundo do qual fazem parte, elas
fazem as regras, elas decidem o que é bom ou ruim. Sabendo disso, o pesquisador

7 “Em vez de escutar com o propósito de analisar ou interpretar o que foi dito pelos outros, Anderson
(2007, p.6) descreve um estilo responsivo e espontâneo de escutar: ‘É uma atividade participativa que
requer responder para tentar compreender - ser genuinamente curioso, fazer perguntas para aprender
mais do que se disse e não o que pensa que se deve dizer’” (Tradução nossa).

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deve conduzir a investigação sabendo que ele não está sozinho e que as outras
pessoas também participam do processo investigativo, num movimento colaborativo.
O conhecimento que é construído durante e após a investigação não é a
verdade, a realidade, mas uma verdade e uma realidade que foi produzida em um
determinado tempo, espaço, com aquelas pessoas, a partir de um método específico
e alguns referenciais teóricos entre tantos outros possíveis. Dito isso, o
construcionismo social nos convida a fazer com que nossas investigações sejam úteis
para a vida das pessoas. Isso não é um chamado para a revolução ou para que o
pesquisador retire a vestimenta de cientista e vista a capa de super-herói. O que os
construcionistas propõem é que o pesquisador deixe algo para as pessoas e que não
apenas passe por elas para arrancar-lhes as informações de que ele precisa.
Fazer uma pesquisa relacional é sair do pedestal em que a ciência moderna
nos colocou e começar a andar lado a lado com as pessoas, chamando-as para
dialogar conosco, ouvindo-as ativamente, mediante uma postura sincera de
curiosidade. É se envolver na pesquisa, reconhecendo que a neutralidade é
impossível e que todos nós estamos impregnados de valores, pois somos seres
relacionais. É escrever em primeira pessoa, evitando uma impessoalidade forçada. É
estar aberto à complexidade, ao dissenso, à multiplicidade de vozes e à diversidade.
É estar aberto à transformação pessoal e do mundo.

PEDRO HENRIQUE OLIVEIRA DE CAMPOS


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Viçosa e professor da rede
estadual de educação de Minas Gerais.

RITA DE CÁSSIA DE SOUZA


Doutora em Educação e professora do Departamento de Educação da Universidade
Federal de Viçosa.

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