Entre A Razão e A Experiência
Entre A Razão e A Experiência
Entre A Razão e A Experiência
ANDREW FEENBERG
Prefácio
Brian Wayne
Posfácio
Michel Callon
Tradução
Eduardo Beira
com
Cristiano Cruz e Ricardo Neder
2017
Equipa do projecto:
Eduardo Beira
Cristiano Cruz
Ricardo Neder
Capa e grafismo:
Ana Prudente
Composição:
Adelino Pereira e Ana Cabral
Edição Original:
Between Reason and Experience. Essays in Technology and Modernity.
© 2010, MIT Press, Massachusetts, Institute of Technology
2017
ISSN 1979980039
ANDREW FEENBERG
Tradução
Eduardo Beira
com
Cristiano Cruz e Ricardo Neder
2017
ÍNDICE
PRÓLOGO 49
PREFÁCIO 59
B RIAN WYNNE
PARTE I
PARA ALÉM DA DISTOPIA 73
1. RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA:
TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
Os limites da teoria democrática 75
Modernidade distópica 78
Determinismo tecnológico 79
Constructivismo 81
Indeterminismo 83
Interpretando a tecnologia 87
Hegemonia tecnológica 90
Teoria do aspeto duplo 93
A relatividade social da eficiência 95
O código técnico 97
A "essência" da tecnologia em Heidegger 101
Racionalização democrática 104
5. DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO:
A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
Informação ou comunicação? 181
A experiência de um novo meio de comunicação 184
Modernização 185
Voluntarismo 186
Oposição 188
Comunicação 190
O sistema 193
O conflito de códigos 195
Construtivismo social 195
Uma utopia tecnocrática 199
O sujeito espetral 201
A construção social do Minitel 205
Cablar o interior da burguesia 205
Redes ambivalentes 208
Conclusão: do Teletel à internet 211
6. TECNOLOGIA NUM MUNDO GLOBAL
Introdução 213
Dois tipos de desenvolvimento tecnológico 214
A globalização do desenvolvimento 219
A teoria do mundo global, de Nishida 222
A filosofia japonesa da tecnologia 230
Conclusão: tecnologia e valores 234
PARTE III
MODERNIDADE E RACIONALIDADE 239
POSFÁCIO 365
MICHEL CALLON
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sustentar).
Por esse caminho de práxis, consciencialização e atuação po-
lítica – também, ou eventualmente sobretudo, com relação à tec-
nologia e aos sistemas técnicos – Feenberg acredita que seremos
capazes de ir gradualmente aproximando-nos de uma ordem so-
cial que permita o florescimento das múltiplas potencialidades
humanas (na superação da unidimensionalidade denunciada por
Marcuse (2002 [1964])). Essa ordem é, para ele, o socialismo de-
mocrático (cf. Feenberg, 2002, p. 24-7, 54-8, 148), o ideal social
pretendido por Marx (cf. Feenberg, 2002, p. 62), e que deveríamos
perseguir.
No restante desta introdução, apresentaremos com maior
detalhe alguns dos elementos centrais dessa compreensão geral
de Feenberg.
Teoria da dupla instrumentalização
Na sua teoria da dupla instrumentalização, Feenberg procu-
ra articular o aspecto singular (ou instrumental) de toda tecnolo-
gia com a sua face ou dimensão social. Para isso, alia elementos
da compreensão de Heidegger sobre o fenómeno técnico moder-
no (instrumentalização primária) com as modernas compreen-
sões sociológicas da tecnologia, que dão conta da dimensão social
desta (instrumentalização secundária). Assim, como iremos de-
senvolver melhor na segunda seção desta parte, no desenvolvi-
mento técnico há uma conjugação de, por um lado, algo parecido
com aquilo que uma boa parte da Escola de Frankfurt identifica
com a racionalidade técnica, tecnológica ou instrumental – que
rege o desenvolvimento técnico e que, ao transbordar para o
mundo da vida, ou colonizá-lo, concorre para a nossa desumani-
zação (ou unidimensionalidade) –, com, por outro lado, uma ine-
vitável contaminação ou contágio dessa racionalidade por
valores sociais. Dessa forma, os significados construídos no mun-
do da vida conformam, de uma maneira ou outra, o âmbito tec-
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Racionalidade sociotécnica
Apresentada nesses termos, a teoria da dupla instrumentali-
zação permite a Feenberg dar um passo em relação à teoria críti-
ca. Tal passo procura mostrar que a solução para os problemas
trazidos com a modernidade e identificados com o que se cha-
mou de racionalidade instrumental não pressupõe a eliminação
ou a delimitação da técnica, a partir de fora, como pode – e deve!
– ser dado também a partir da técnica e de modo interno a ela
própria. Esse seria o caso porque, por um lado, a racionalidade
que preside ao desenvolvimento técnico não é puramente instru-
mental, como seríamos levados a crer se reduzíssemos tal proces-
so apenas à instrumentalização primária, mas, dado que há que
se considerar também a instrumentalização secundária, envolve e
pressupõe valores sociais. Além disso, por outro lado, como a
técnica traduz e estabiliza os valores sociais que conseguiram
prevalecer no momento do seu projeto (unidade ou realidade so-
ciotécnica), se tentamos transformar a sociedade sem fazer o
mesmo com respeito ao substrato técnico que a conforma, estare-
mos condenados ao insucesso.
Ou seja, a técnica é regida por uma racionalidade sociotécni-
ca que, como apresentado na teoria da dupla instrumentalização,
procura resolver desafios técnicos que definimos (ou que encon-
tramos), de acordo com os princípios instrumentais da descon-
textualização, da redução e do controle, mas que necessita, para
tanto, de condições fronteira providas pela cultura – através de
significados, limites aceitáveis e múltiplos valores sociais contin-
gentes.
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impresso, rádio, TV, Internet, telefone etc.) para atrair e/ou infor-
mar os seus participantes. Por outro lado, e isso é o mais impor-
tante aqui, são os efeitos de alguma técnica, potencialidades suas
não apropriadas ou soluções alternativas (ao padrão estabeleci-
do) não perseguidas que proverão a segmentos da sociedade civil
uma agenda ou identidade em torno da qual se unir (ou com a
qual se identificar), na luta por as concretizar.
São essas agendas ou identidades que constituem os interes-
ses dos participantes numa rede qualquer. Exemplos delas pode-
riam ser a contaminação ambiental da região em que se vive (que
pode congregar moradores, ambientalistas e demais interessa-
dos/afetados, na luta por transformar esse quadro); questões re-
lacionadas com efeitos indesejados na cadeia produtiva de algum
produto (que podem dar oportunidade a boicotes ao produto ou
à empresa, da parte dos consumidores, até que o problema seja
superado); e aspectos associadas a uma doença ou condição de
saúde específica (que podem mobilizar pacientes, familiares e
demais interessados ou afetados para se garantir mais investiga-
ção na área ou para alterar procedimentos médicos, por exem-
plo).
Em suma, então a técnica possibilita e provoca mobilizações
sociais que têm nela o seu objeto (ou objetivo). Tais mobilizações
permitem não só que certas potencialidades não intencionadas,
mas presentes, sejam apropriadas ou desenvolvidas, como tor-
nam possível antecipar ou direcionar o desenvolvimento técnico
numa direção que não seria escolhido por si, se não fosse essa
pressão política,.
Não obstante, e naquilo que constitui parte das críticas en-
dereçadas a Feenberg e à sua teoria, ainda que o ordenamento
sociotécnico seja passível de reconfigurações ou, nos seus termos,
democratização, o dado empírico disponível é que, onde quer
que tais democratizações tenham tido êxito, no geral uma de três
coisas veio na sequência: ou elas acabaram por ser cooptadas pe-
la tecnocracia capitalista (como nas grandes explorações de pro-
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Notas
1) Cf. https://www.sfu.ca/~andrewf/translations.html.
2) Os códigos técnicos determinam os padrões a serem seguidos na
construção de qualquer artefato ou tipo de solução técnica
estabilizada. Eles normatizam o trabalho técnico e materializam-se
em regras que asseguram que as funcionalidades consideradas
essenciais para esse tipo de solução, assim como os valores que lhes
estão subjacentes, serão mantidas e preservadas de alterações que as
subvertam. Tais códigos seriam, nesses termos, o equivalente
tecnológico dos paradigmas descritos por Kuhn na ciência, no
sentido de, uma vez estabelecidos, cessar a disputa entre
significados (e suas respectivas visões de mundo), cristalizando-se
funcionalidades a serem garantidas e os valores a serem perseguidos
no seu desenvolvimento posterior (cf. Feenberg, 2010, p. 51-58).
Enquanto o paradigma em vigor não sofrer contestações, o processo
seguirá inalterado, impassível. Quando contestações ou usos
subversivos se impuserem, terá que ser reformulado, de modo a
incorporar sentidos (ou usos) e funcionalidades anteriormente não
contemplados, com os respectivos valores sociais que tais sentidos,
usos ou funcionalidades suportam, servem ou emulam. Assim,
quando os valores da produtividade, da submissão da natureza e do
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grandes atores econômicos (i.e., FMI, Banco Mundial, OMC etc.) são
reputadas como irracionais ou ideológicas. Dos governos nacionais
não se espera, nesse contexto, outra coisa senão a concretização
dessas diretivas. Com isso, a “gaiola de ferro” do mundo globalizado
torna-se, também ela, globalizada.
6) Cf. nota 2.
7) Marcuse, a bem da verdade, reconhece a não neutralidade da
racionalidade tecnológica, mas, na compreensão de Feenberg (cf.
2017a, p. 638-9), a sua crítica, por ser demasiadamente abstrata, não
permite que sejam dados os passos teóricos que o foram com a
incorporação de contribuições importantes do campo de ciência,
tecnologia e sociedade (CTS).
8) http://recode.net/2015/04/06/where-apple-products-are-born-a-rare-
glimpse-inside-foxconns-factory-gates/
9) O mito da neutralidade da tecnologia e/ou do seu desenvolvimento
sustenta que toda solução técnica é neutra, não incorporando nem
sustentando socialmente qualquer conjunto de valores sociais. Para
essa compreensão ingénua (ou ideológica) da tecnologia, o único
elemento a guiar o desenvolvimento técnico é o aumento de
eficiência por si mesmo, sendo que esta, ou os códigos técnicos em
referência aos quais ela é medida, tampouco incorporam qualquer
valor social. Como consequência disso, e sustentando o igualmente
indefensável entendimento de que os projetos técnicos dão conta de
sempre encontrar a solução ótima de cada problema com o qual se
defronta (cf. Simon, 1981 [1969]), o desenvolvimento tecnológico
evoluiria de forma unilinear, de modo que o passo posterior do
avanço técnico em qualquer momento da nossa história só poderá
ser um único: aquele da única solução ótima e mais eficiente para os
problemas em questão. Da articulação (ideológica) desses dois mitos,
obtém-se blindagem (adicional) para os códigos técnicos
estabelecidos e, nisso, para o ordenamento sociotécnico (tecnocrático-
capitalista) que eles sustentam ou emulam.
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Referências Bibliográficas
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ENTRE A RAZÃO
E A EXPERIÊNCIA
Ensaios sobre tecnologia e modernidade
PRÓLOGO
Brian Wynne
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PRÓLOGO
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PRÓLOGO
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tas e dinâmicas.
Uma questão final, que talvez Feenberg venha a iluminar em
trabalhos futuros, diz respeito à sua ideia de tecnologia democra-
tizada, não só em relação ao conhecimento científico e ao seu po-
der normativo não neutro, mas sim em relação aos próprios
mundos da vida humana. Ele fala do reducionismo sistemático
envolvido nas “instrumentalizações primárias” das escolhas, có-
digos e projetos técnicos, antes de se encontrarem com os mun-
dos sociais dos utilizadores e as suas reações, ocorrendo então
“instrumentalizações secundárias” ou um refazer do projeto, para
usar os seus próprios termos. Analisa então, e exemplifica de for-
ma valiosa, as oportunidades para a reconfiguração democrática
que tal experiência e tais valores do mundo da vida podem tra-
zer, e trazem, para fundamentar as tecnologias em questão (e os
seus códigos e padrões técnicos). Isto é importante e abre muitas
portas aos académicos dos ECT, assim como a iniciativas práticas
e democráticas. A questão que continua aqui por resolver diz res-
peito à forma como uma inovação democrática e ambientalmente
sustentável pode ter que incluir não só novas direções e projetos
tecnológicos influenciados por compromissos normativos mais
esclarecidos, mas também novas direções sociais que, de facto,
requerem menos atividade tecnológica, logo menores concentra-
ções de recursos e desigualdades, menor uso ou consumo de re-
cursos e também menor destruição ambiental. A questão de saber
como uma melhoria democrática também poderia incluir, ou tal-
vez exigir, uma menor agregação de atividade tecnológica, assim
como um aumento do bem estar social parece continuar a ser um
desafio para a teoria democrática da tecnologia de Feenberg. Este
pode também ser um ponto em que a tentativa de Latour de re-
construir as próprias categorias da modernidade, da natureza e
da cultura pode ter algum valor, mesmo sendo uma tentativa que
Feenberg critica. Os exemplos mais óbvios seriam as alterações
no estilo de vida e nas relações sociais em resposta às mudanças
climáticas e às excessivas emissões de gases de efeito de estufa, o
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PRÓLOGO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Arendt, Hannah. 2005. The Promise of Politics . Nova Iorque:
Schocken Books.
Arthur, W. Brian. 2009. The Nature ofTechnology: What It Is and
How It Evolves . Nova Iorque: Free Press
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ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
FIGURA 1.1
“Mãos que desenham”, M. C. Escher
(c) 2009, The M. C. Escher Company - Holland, www.mcescher.com.
Todos os direitos reservados.
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- Parte I -
PARA ALÉM DA DISTOPIA
- Parte I -
PARA ALÉM DA DISTOPIA
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resultado de decisões puramente racionais acerca da melhor ma-
neira como fazer coisas, mas dependem antes de escolhas sociais
entre trajetórias alternativas que resultam em diferentes con-
sequências ambientais. Incorporar valores sociais alterados em
futuros códigos técnicos não é necessariamente ineficiente, ao
contrário do que afirma a crítica anti ambientalista. A regulamen-
tação pode conduzir a mudanças tecnológicas que favoreçam as
atividades económicas, em vez de as prejudicar. Pode alterar a
compreensão da economia de tal forma que possa mesmo dis-
pensar as supostas trocas compensatórias(a).
O terceiro capítulo apresenta uma discussão sobre o hori-
zonte distópico. As utopias e as distopias dos séculos XIX e XX
imaginaram que o destino da humanidade seria viver numa soci-
edade onde as relações sociais fossem mediadas pela tecnologia
industrial. As narrativas utópicas descreviam os limites do alcan-
ce dos sistemas técnicos ao mesmo tempo que aplicam a riqueza
por eles gerada para melhorar o lazer e suportar a individualida-
de. Mas não há formas de ampliar o controlo técnico sem incluir a
presença de seres humanos no sistema. A nova agenda democrá-
tica é a recuperação das formas de agência(b) nas instituições da
sociedade que são tecnicamente mediadas. A internet representa
avanços para esta agenda porque facilita a interação e a partici-
pação num grau sem precedentes no passado. As expectativas da
racionalização democrática deste sistema técnico são fomentadas
pela nova tecnologia, cujo desenho foi, ele próprio, objeto de in-
tervenções públicas muito significativas.
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Capítulo I
RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA:
TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
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CAPÍTULO I
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RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA: TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
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CAPÍTULO I
MODERNIDADE DISTÓPICA
A famosa teoria de Max Weber sobre a racionalização é o argu-
mento original contra a democracia industrial. O título deste ca-
pítulo insinua uma inversão provocadora das conclusões de
Weber. Ele definiu racionalização como o papel crescente do cál-
culo e do controlo na vida social, uma tendência que conduz
àquilo a que ele chamou a “gaiola de ferro” da burocracia (Weber
1958, 181-182). Racionalização “democrática" é, assim, uma con-
tradição de termos.
Com o fracasso da luta do tradicionalismo contra a racionali-
zação, uma resistência adicional num universo weberiano só po-
de reafirmar impulsos irracionais contra a rotina e a previ-
sibilidade enfadonha. Esse não é um programa democrático, mas
um programa romântico distópico, já previsto nas Memórias do
subsolo de Dostoievsky(a) e em várias ideologias naturalistas.
O meu título pretende significar a rejeição da dicotomia entre
a hierarquia racional e o protesto irracional implícito na posição
de Weber. Se a hierarquia social autoritária é verdadeiramente
uma dimensão contingente do progresso técnico, tal como eu
acredito ser, e não uma necessidade técnica, então deve haver
uma racionalização alternativa da sociedade que leve à democra-
cia e não a formas centralizadas de controlo. Não precisamos de
voltar às cavernas ou ao mundo indígena para preservar valores
ameaçados, como a liberdade e a individualidade.
Mas as críticas mais contundentes à moderna sociedade tec-
nológica seguem diretamente os passos de Weber, rejeitando essa
possibilidade. Estou a pensar na formulação de Heidegger sobre
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RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA: TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
DETERMINISMO TECNOLÓGICO
O determinismo baseia-se na suposição de que as tecnologias têm
uma lógica funcional autónoma, que se pode explicar sem qual-
quer referência à sociedade. Presumivelmente, a tecnologia é so-
cial apenas em relação ao propósito que serve, e os propósitos
estão na mente do observador. Assim, a tecnologia assemelhar-se-
ia à ciência e à matemática pela sua intrínseca independência com
o mundo social.
No entanto, ao contrário da ciência e da matemática, a tec-
nologia tem impactos sociais imediatos e poderosos. Pode parecer
que o destino da sociedade diante da tecnologia é parcialmente
dependente de um fator não social, que atua no meio social sem
que, entretanto, sofra uma influência recíproca. Isto é aquilo que
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CAPÍTULO I
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RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA: TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
CONSTRUCTIVISMO
As implicações do determinismo parecem tão óbvias que é sur-
preendente descobrir que nenhuma das suas duas teses consegue
resistir a um escrutínio rigoroso. Porém a sociologia contempo-
rânea desqualifica a primeira tese do progresso unilinear, en-
quanto que os precedentes históricos mostram a inadequação da
segunda tese da determinação pela base.
A recente sociologia construtivista da tecnologia emerge dos
estudos sociais da ciência (Bloor 1991, 175-179; Latour 1987). Uso
o termo “construtivismo” num sentido amplo, para me referir à
teoria dos grandes sistemas técnicos, ao construtivismo social e à
teoria dos atores em rede. Estas correntes têm em comum uma
ênfase sobre a contingência social do desenvolvimento técnico.
Desafiam a visão tradicional da autonomia da tecnologia e estu-
dam-na tal como fariam com uma instituição ou uma lei. As es-
pecificidades metodológicas não são aqui relevantes, mas sim o
facto desta abordagem geral oferecer um fundamento à teoria
crítica da tecnologia.
O construtivismo desafia a nossa tendência para dispensar
as teorias científicas do tipo de exame sociológico a que subme-
temos as crenças não científicas. Afirma o “princípio de sime-
tria”, segundo o qual todas as crenças em disputa estão sujeitas
ao mesmo tipo de explicação social, independentemente de se-
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CAPÍTULO I
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RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA: TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
INDETERMINISMO
Se a tese do progresso unilinear perde sentido, o colapso da no-
ção de determinismo tecnológico não pode ficar muito atrás. Po-
rém, a tese ainda é frequentemente invocada em debates políticos
contemporâneos.
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RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA: TECNOLOGIA, PODER E LIBERDADE
INTERPRETANDO A TECNOLOGIA
Nas próximas secções deste capítulo, gostaria de apresentar al-
guns temas importantes de uma abordagem não determinista da
tecnologia. O quadro esboçado, até agora, implica uma mudança
significativa na nossa definição da tecnologia. A tecnologia não
pode continuar a ser considerada nem como uma coleção de dis-
positivos nem, de um modo mais geral, como a soma de meios
racionais. Essas são definições tendenciosas suscitam a questão
da significância social e dos envolvimentos da tecnologia.
Enquanto objeto social, a tecnologia precisa de estar sujeita a
uma interpretação, como qualquer outro artefato cultural, mas
geralmente é excluída das ciências humanas. Asseguram-nos que
a sua essência reside numa função tecnicamente explicável, em
vez de um significado interpretável por via hermenêutica. No
máximo, os métodos das ciências humanas apenas podem trazer
alguma luz aos aspetos extrínsecos da tecnologia, como a questão
das embalagens e da publicidade, ou às reações populares às ino-
vações consideradas controversas, como a energia nuclear. O de-
terminismo tecnológico extrai a sua força a partir dessa atitude.
Se ignorarmos a maioria das ligações entre tecnologia e socieda-
de, não é surpresa que a tecnologia nos possa aparecer como algo
gerador de si próprio.
Os objetos técnicos têm duas dimensões hermenêuticas, a
que eu chamo o seu significado social e o seu horizonte cultu-
ral(4). O papel do significado social está claro no caso da bicicleta.
Vimos que o projeto da bicicleta foi decidida por uma disputa
entre interpretações: deveria ser um brinquedo de desportistas
ou um meio de transporte? As características do seu projeto, co-
mo o tamanho da roda, serviram para lhe atribuir um significado
como um ou outro tipo de objeto, ao mesmo tempo que o ade-
quavam à função.
Pode-se objetar que isso é uma mera discordância inicial so-
bre funções, sem qualquer significação hermenêutica. Uma vez
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CAPÍTULO I
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CAPÍTULO I
HEGEMONIA TECNOLÓGICA
Para além dos pressupostos acerca dos objetos técnicos individu-
ais que temos vindo a discutir, os significados que pertencem ao
horizonte cultural da sociedade também configuram as tecnolo-
gias. Esta segunda dimensão hermenêutica da tecnologia é a base
das formas modernas de hegemonia social, o que é particular-
mente relevante para a nossa questão original acerca da inevita-
bilidade da hierarquia numa sociedade tecnológica.
O conceito que usarei de hegemonia diz respeito a uma for-
ma de dominação tão profundamente enraizada na vida social
que parece ser natural para aqueles que domina. Poderíamos
também defini-la como o aspeto da distribuição de poder social
que tem, por trás de si, a força da cultura.
O termo “horizonte”, usado no primeiro parágrafo desta sec-
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O CÓDIGO TÉCNICO
Estes conflitos sobre o controlo social de tecnologia não são no-
vos, como se pode ver no interessante caso das “caldeiras explo-
sivas” (Burke 1972). As caldeiras dos barcos a vapor foram a
primeira tecnologia que o governo dos Estados Unidos regula-
mentou. Nos princípios do século XIX, o barco a vapor era a for-
ma mais importante de transporte, semelhante ao automóvel ou
aos aviões hoje em dia. Os Estados Unidos eram um grande país
sem estradas pavimentadas, mas com muitos rios e canais, daí a
dependência dos barcos a vapor. Mas os navios a vapor explodi-
am com frequência, quando pediam demasiado esforço às caldei-
ras fragilizadas pela idade. Depois de vários acidentes altamente
mortais em 1816, a cidade de Filadélfia decidiu consultar os peri-
tos acerca do projeto mais seguro de caldeiras a vapor. Foi a pri-
meira vez que uma instituição governamental americana se
interessou pelo problema. Em 1837, a pedido do Congresso, o
Instituto Franklin publicou um relatório detalhado e recomenda-
ções com base no estudo rigoroso da construção de caldeiras. O
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CAPÍTULO I
RACIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA
Ao longo de várias gerações, a fé no progresso apoiou-se em duas
convicções muito difundidas: a primeira é que a necessidade téc-
nica dita o caminho do desenvolvimento, e a segunda é que a
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CAPÍTULO I
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Capítulo II
PARADIGMAS INCOMENSURÁVEIS:
VALORES E AMBIENTE
INTRODUÇÃO
Neste capítulo vou desenvolver o argumento apresentado na in-
trodução, tal como ele se relaciona com a política ambiental. As
questões ambientais implicam a questão da mudança tecnológi-
ca. Mas quanto flexíveis são os sistemas e os projetos hoje preva-
lecentes? Será economicamente viável adequar a tecnologia a
padrões ambientais cada vez mais rigorosos? Este capítulo trata
estas questões do ponto de vista da filosofia da tecnologia. Argu-
mentarei que muitos ativistas ambientais, assim como os seus
adversários, partilham um conceito pouco esclarecido da tecno-
logia, que os bloqueia numa oposição sem possibilidades de me
termos do debate.
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CAPÍTULO II
CUSTOS E BENEFÍCIOS
No início dos anos 1970, Paul Ehrlich argumentou que a crise
ambiental era causada tanto pelo crescimento económico como
populacional. Recomendou o controle populacional e o “des-de-
senvolvimento” das sociedades avançadas a fim de reduzir o
consumo excessivo (Ehrlich e Harriman 1971). Esta sugestão en-
controu apoio em Os limites do crescimento, um estudo famoso so-
bre as perspectivas de colapso industrial devido à exaustão dos
recursos e à poluição (Meadows et al. 1971). Esta ideologia do
não crescimento influenciou muitas das discussões iniciais sobre
tecnologia e ambiente.
Os ecos destes primeiros argumentos iniciais reaparecem
agora em resposta à mudança climática. As previsões mais extre-
mas mostram uma redução da parte habitável da Terra e da sua
população. A indústria desaparece à medida que os combustíveis
fósseis se vão esgotando. As cidades colapsam e a raça humana
retorna às comunidades locais auto-suficientes através da agri-
cultura e do trabalho dos artífices.
É evidente que as alterações climáticas são reais, mas as suas
consequências não são fáceis de antecipar. Podemos ter esperança
em que a resistência política que confronta as suas implicações
dará lugar a envolvimentos mais ativos à medida que as crises e
os problemas se acumulam. Logo todo o engenho do planeta será
dedicado a evitar as consequências catastróficas previstas pelo
pessimismo ambientalista. Uma forma diferente de sociedade in-
dustrial poderá emergir, mais frugal nalguns aspectos, mas pro-
vavelmente também enriquecida sob novas formas.
Esta expectativa mais esperançosa implica a possibilidade de
sistemas industriais alternativos com diferentes impactos ambi-
entais. Ao negar esta possibilidade, a afirmação de que precisa-
mos de escolher entre a sociedade industrial e a vida primitiva é
essencialmente determinista. Exclui uma reforma do industrialis-
mo moderno que conduza à invenção de tecnologias alternativas
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CAPÍTULO II
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CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS BÁSICOS
A economia baseia-se na proposição de que não se podem otimi-
zar múltiplas variáveis ao mesmo tempo. Para otimizar A, algo
de B precisa de ser sacrificado. Embora isto possa pareçer óbvio
no dia-a-dia, envolve alguns pressupostos questionáveis quando
transposto para as políticas públicas .
Em primeiro lugar as opções de uma troca compensatória
precisam de ser definidas com clareza. Mas definidas por quem?
Há uma ambiguidade infeliz acerca deste ponto. O conceito de
trocas compensatórias tem uma origem óbvia na experiência co-
mum, onde o agente que faz a escolha das opções também as de-
fine. Mas quando incorporada na economia, vai buscar a plau-
sibilidade à experiência comum enquanto, ao mesmo tempo,
ultrapassa os seus limites. Os economistas podem recorrer a re-
cursos técnicos que lhes permitem alargar a noção de troca com-
pensatória para incluir alternativas puramente teóricas que não
fazem parte de qualquer cálculo real de bem-estar. Isto pode con-
fundir as questões num debate público sobre alternativas de vida.
Por vezes há boas razões para os economistas alargarem o
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CAPÍTULO II
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PARADIGMAS INCOMENSURÁVEIS: VALORES E AMBIENTE
dia mantem vivos muito pacientes (Feenberg 1995, cap. 5). Muitas
e muitas vezes, a reforma tecnológica é condenada como sendo
talvez moralmente desejável, mas impraticável. Muitas e muitas
vezes os resultados desmentem os argumentos plausíveis contra a
reforma.
O determinismo é frequentemente acompanhado pela crença
na neutralidade da tecnologia. Como puro meio, o único valor
que conforma a tecnologia é o valor formal da eficiência. A tese
da neutralidade é familiar a partir do debate sobre o controlo das
armas de fogo, onde se exprime pelo divisa “as armas não matam
as pessoas, as pessoas é que matam pessoas”. As armas são neu-
tras e os valores estão na cabeça daqueles que escolhem os alvos.
Em conjunto, o determinismo tecnológico e a tese da neutra-
lidade suportam a ideia de que progresso ao longo de uma única,
e só uma, trajetória possível de avanço depende exclusivamente
de julgamentos racionais acerca de eficiência. Como só os especi-
alistas estão qualificados para fazer tais juízos, os ambientalistas
estão a obstruir o progresso quando impõem os seus objetivos
“ideológicos” no processo de desenvolvimento. Quando os obje-
tivos entram em conflito, uma ou outra das opções precisa de ser
sacrificada: ou proteção ambiental ou avanço tecnológico - nos
termos de Mandeville, virtude ou prosperidade.
O capítulo anterior apresentou uma visão alternativa. Argu-
mentei que o desenvolvimento tecnológico pode alterar trajetóri-
as em resposta a condicionalismos. Na sua nova trajetória, pode
atingir objetivos que estavam inicialmente em conflito ao longo
da trajetória anterior. Quando o avanço para uma nova trajetória
responde a valores articulados na esfera pública, então tem lugar
uma revolução tecnológica democrática.
Esta abordagem da tecnologia faz lembrar a famosa teoria da
revolução científica de Thomas Kuhn, que mostrou que impor-
tantes avanços científicos podem parecer puramente racionais, ou
seja, unicamente determinados por evidência e argumentos, mas
na realidade são subdeterminados pela racionalidade, na medida
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CAPÍTULO II
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tuintes.
De um ponto de vista individual, a imposição da regula-
mentação trocava o preço dos bilhetes pela segurança, mas no
plano coletivo estava em jogo algo totalmente diferente. A infra-
estrutura para a unidade nacional estava muito para além das
fronteiras da economia. Não se podia trocar por nada. Uma vez
tratada a segurança dos transportes como essencialmente políti-
ca, deixou de fazer parte da rotona dos cálculos económicos. Não
faz mais sentido preocupar-se com um pequeno aumento no
preço das passagens, uma vez estabelecido o princípio do inte-
resse nacional em transportes seguros. Tal como não nos preocu-
pamos com o dinheiro que poderíamos ter ganho se
comercializassemos o nosso corpo para sexo, também não
aparece contabilizado nos livros de ninguém o custo de garantir
um determinado nível mínimo de segurança nos transportes.
Assim, neste caso, a decisão acerca de qual o tipo de tecno-
logia a empregar não se podia tomar com base na eficiência, por
duas razões. Em primeiro lugar, porque a eficiência é relativa a
um objetivo conhecido. Se esse objetivo está em questão, as efici-
ências não se podem comparar. Em segundo lugar, porque a efi-
ciência não é relevante para as questões de unidade nacional.
VALORES AMBIENTAIS
Retorno agora ao problema da relação entre os valores ambien-
tais e a economia, tendo em mente o argumento construtivista.
Identifiquei vários problemas com a abordagem da troca com-
pensatória.
Em primeiro lugar, ignora o significado das fronteiras móveis
na economia. Não lamentamos o custo de usar a mão de obra
adulta em vez da infantil, pela simples razão de que as crianças
estão culturalmente excluídas da categoria dos trabalhadores.
Em segundo lugar, a abordagem da troca compensatória as-
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CAPÍTULO II
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CAPÍTULO II
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CAPÍTULO II
CONCLUSÃO
As revoluções tecnológicas parecem irracionais numa primeira
avaliação mas, de facto, estabelecem um outro quadro de refe-
rência de racionalidade, um outro paradigma. Assim, em sentido
absoluto, não é nem racional nem irracional construir uma cal-
deira mais segura. Os construtivistas diriam que essa decisão é
“subdeterminada” por puras considerações de eficiência técnica
porque depende também de uma decisão acerca do significado
atribuído ao transporte e à segurança. Como vimos, este é um
valor alcançado através do debate político. Da mesma maneira,
retirar crianças do processo de trabalho e colocá-las nas escolas
foi uma enorme transformação, uma mudança civilizacional.
Uma mudança desse tipo está destinada a gerar uma trajetória
diferente de desenvolvimento tecnológico. Com o ambientalismo,
estamos uma vez mais a assistir à abertura de uma nova trajetó-
ria.
O ambientalismo, embora seja um processo lento e com re-
vezes, tem a temporalidade de uma revolução. As revoluções re-
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Capítulo III
DAQUI A CEM ANOS, REVENDO O FUTURO:
A IMAGEM VARIÁVEL DA TECNOLOGIA
UTOPIA E DISTOPIA
No ano de 1888, Edward Bellamy publicou um romance profético
de ficção científica intitulado Looking backward: 2000-1887 (Bel-
lamy 1960)(a). O herói de Bellamy é um cidadão rico da cidade de
Boston que sofre de insónias e que dorme hipnotizado num
quarto subterrâneo onde sobrevive a um incêndio que lhe destrói
a casa. Ficando por descobrir entre as ruínas, fica suspenso no
sono durante mais do que um século e finalmente desperta no
ano 2000, numa cidade de Boston transformada numa utopia so-
cialista. A maior parte do livro gira em torno do seu espanto di-
ante da sua nova vizinhança e das lúcidas explicações do seu
anfitrião sobre o funcionamento de uma sociedade ideal.
O livro de Bellamy estará hoje esquecido, salvo pelos especi-
alistas, mas tornou-se rapidamente uma das obras mais popula-
res de todos os tempos, lida por milhões de americanos, desde os
finais do século XIX até à segunda guerra mundial. O romance
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CAPÍTULO III
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DAQUI A CEM ANOS, REVENDO O FUTURO: A IMAGEM VARIÁVEL DA TECNOLOGIA
futuro, deve existir alguma falha mais profunda, que barrou a tra-
jetória brilhante para a utopia, tão nitidamente traçada por Bel-
lamy.
Poderia uma insuficiência espiritual da natureza humana ou
da modernidade ser responsável pelo triunfo da ganância e da
violência no século XX? Não há dúvida de que tanto a natureza
humana quanto a modernidade têm problemas, mas isso são no-
tícias antigas. Bellamy e os seus contemporâneos sabiam tudo
acerca dos apetites insaciáveis, do orgulho e do ódio que se es-
condem nos corações das pessoas. Entendiam a batalha entre
Eros e Tanatos tão bem – ou tão mal – quanto nós. O que se alte-
rou não foi a nossa avaliação da natureza humana ou da moder-
nidade, mas sim o ambiente técnico, o que provocou a ruptura do
equilíbrio delicado entre os instintos, que ainda deixava espaço
para a esperança entre os contemporâneos de Bellamy, sem dúvi-
da para previsões ainda confiantes num futuro melhor.
Podemos começar a entender este deslocamento técnico con-
siderando o que falta na descrição de Bellamy sobre a sociedade
do ano 2000. A sua utopia é completamente industrializada, com
máquinas a fazer todo o trabalho árduo: o aperfeiçoamento da
tecnologia e das economias de escala enriqueceram a sociedade.
Os trabalhadores são recrutados para um “exército industrial”
onde uma combinação de comando por especialistas e igualdade
de remunerações responde às necessidades técnicas e à morali-
dade. Ainda que seja uma concepção claramente autoritária, é
importante ter em conta que a obediência é motivada eticamente
por um equivalente económico do patriotismo, e não imposta por
técnicas de gestão. Os trabalhadores podem escolher livremente
os seus empregos, após um breve período de trabalho manual no
final da fase normal de escolarização. A oferta de trabalho é ajus-
tada voluntariamente com a procura através da oferta de jorna-
das de trabalho mais curtas para os empregos menos procurados(1).
Os trabalhadores aposentam-se com 45 anos e depois dedicam-se
à auto educação e às atividades de cidadania completa que co-
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CAPÍTULO III
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CAPÍTULO III
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DAQUI A CEM ANOS, REVENDO O FUTURO: A IMAGEM VARIÁVEL DA TECNOLOGIA
Admirável Mundo Novo, salvo que negaria que aquilo que temos
diante de nós seja um “mundo”, no sentido completo do termo.
Estamos antes cercados por um amontoado de coisas fungíveis
“sem finalidade”, qual nos inclui a nós próprios.
O filósofo Herbert Marcuse, da Escola de Frankfurt, foi um
estudante de Heidegger. A sua crítica da “sociedade “unidimen-
sional” assemelha-se à teoria de seu professor, mas numa perspe-
tiva marxista. Heidegger distinguia entre o trabalho artesanal, o
qual é capaz de exibir a “verdade” dos seus materiais, e a tecno-
logia moderna, que incorpora os objetos no seu mecanismo, sob
uma vontade e um plano. Em Marcuse esta abordagem heideg-
geriana continua como a diferença entre as potencialidades in-
trínsecas, que podem ser realizadas por uma arte ou técnica
apropriada, e os valores extrínsecos a que as coisas se subordi-
nam como matérias-primas na produção moderna. Tal como Hei-
degger, Marcuse lamenta a extensão desta última abordagem das
coisas para os seres humanos.
Diferente, porém, de Heidegger, Marcuse propõe a possibili-
dade, em princípio, se não mesmo a esperança, de criar uma nova
tecnologia que respeite as potencialidades dos seres humanos e
da natureza. Esta “tecnologia de libertação” seria um “produto de
uma imaginação científica livre para projetar e desenhar as for-
mas de um universo humano sem exploração e sem trabalhos
pesados” (Marcuse 1969, 19). Este ainda é um objetivo meritório,
embora talvez deva ser descrito como um horizonte em regres-
são: hoje parecemos tão longe de o alcançarmos como quando
Bellamy escrevia.
Estas são aquilo que eu chamo “filosofias distópicas da tec-
nologia.” Na terceira parte do livro falarei mais acerca destas fi-
losofias. Elas foram surpreendentemente influentes nas décadas
de 1960 e 1970, apesar da sua notória obscuridade e pessimismo.
Os temas distópicos apareceram não apenas na política, mas
também em filmes e outros meios de comunicação social popula-
res, desacreditando o liberalismo e infiltrando gradualmente o
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CAPÍTULO III
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DAQUI A CEM ANOS, REVENDO O FUTURO: A IMAGEM VARIÁVEL DA TECNOLOGIA
O IMPACTO DA INTERNET
Embora os movimentos dos anos 1960 tenham debilitado o de-
terminismo tecnológico, tanto na prática quanto no plano teórico,
continuaram a utilizar uma retórica distópica em resposta à ame-
aça tecnocrática. Porém, nos finais do século XX, o distopianismo
perdeu muita da sua autoridade e a utopia voltou com uma nova
aparência. A tecnologia desempenha um papel central em Bel-
lamy e Huxley, mas os avanços que ambos descrevem são símbo-
los de tendências sociais grandiosas ou desastrosas, mais do que
previsões de tecnologias específicas. As utopias contemporâneas
apresentam-se por meio de frios relatórios de fronteira sobre a
I&D(f) mais recente. Estas novas utopias são habitadas por
“transhumanos” criados pela bioengenharia, estimulados por
drogas e ligados a uma mente universal ou descarregados para
um hardware mais resistente do que o corpo humano. O deter-
minismo volta à medida que as consequências sociais são dedu-
zidas a partir da tecnologia futura. Os pensadores sérios ficam
perplexos diante do ressurgimento deste tipo de especulação
horrorosa e levantam, mais uma vez, barreiras éticas pouco sóli-
das ao “progresso”. O humanismo antidistópico luta por salvar o
espírito das fábricas diabólicas da tecnologia avançada. Mas ago-
ra toda essa disputa parece ser uma rotina e não ser muito credí-
vel.
Entretanto emergiram novas tendências, muito mais interes-
santes, entre os investigadores que evitam a especulação e que
estudam a tecnologia como um fenómeno social. Estes investiga-
dores consideram a crítica distópica da modernidade e a ideolo-
gia humanista como uma saudade nostálgica de um passado
perdido para sempre e que, em qualquer dos casos, nem sequer
foi assim tão grandioso. De acordo com esta perspectiva, nós es-
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CAPÍTULO III
INTERVENÇÕES DEMOCRÁTICAS
Langdon Winner descreve a tecnologia como um tipo de estrutu-
ra, uma espécie de constituição, na medida em que determina o
quadro de referência das nossas vidas e decide questões políticas
importantes pela forma que dá às nossas relações sociais à medi-
da que a usamos (Winner, 1986: 47 passim). Dada a sua varieda-
de, a tecnologia talvez possa ser comparada mais precisamente
com um código de leis. Tal como a legislação, a tecnologia serve
melhor os interesses e preocupações de uns do que dos outros.
Tal como é possível reconstituir as ligações entre as leis e aqueles
que representam, também é possível dizer que as tecnologias re-
presentam os seus utilizadores. Esta é uma razão para preferir
um regime tecnológico democrático que, tal como a democracia
política, nos permite uma representação o mais ampla possível.
Mas também há diferenças importantes entre a política e a
tecnologia. A ideia de representação está tradicionalmente asso-
ciada a um território geográfico, sob o pressuposto de que aque-
les que aí vivem compartilham interesses comuns e são capazes
de se encontrarem para os discutir. Haverá, certamente, desacor-
dos mas, desde que a comunicação seja possível, então os confli-
tos podem ser resolvidos por meios legítimos, como o voto.
À medida que avançamos para uma fase mais complexa do
desenvolvimento tecnológico, esta definição bastante estreita de
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CAPÍTULO III
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CAPÍTULO III
CONCLUSÃO
A Internet apoia uma visão harmoniosa de coexistência entre os
homens e as suas máquinas. Mas estas considerações teóricas
apontam para algo bastante diferente, que foi bem entendido pe-
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para mudar o sistema que os domina. Hoje podemos constatar
indícios tímidos de uma tal política da tecnologia. Quanto o seu
desenvolvimento será efetivamente possível, isso é assunto mais
para a práctica do que para profecias.
- Parte II -
CONSTRUTIVISMO SOCIAL
- Parte II -
CONSTRUTIVISMO SOCIAL
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tel. O sistema foi projetado para distribuir informação de acordo
com as previsões de uma “idade da informação” pós industrial,
mas transformou-se em algo inesperado à medida que os utiliza-
dores o redirecionavam para a comunicação humana. A primeira
grande rede de computadores desvia-se, portanto, claramente
das teorias que eram a sua razão inicial. Um olhar mais cuidado
sobre este caso mostra o papel da agência dos utilizadores no
contraponto ao enviesamento tecnocrático da conceção dominan-
te da sociedade pós industrial.
O terceiro capítulo foca-se no Japão, o primeiro país não oci-
dental a modernizar-se. O Japão representa um caso de teste para
a universalidade dos sucessos modernos. Este capítulo mostra a
relevância da experiência japonesa através da análise de vários
exemplos de transferência de tecnologia e através de uma discus-
são de Kitaro Nishida, o principal filósofo japonês do período
anterior à guerra. O capítulo introduz os conceitos de desenvol-
vimento tecnológico por “ramificação” (b) e por “camadas” (c) e
aplica-os à teoria do “lugar” de Nishida (basho). O caso japonês
não resolve as nossas questões acerca da natureza da modernida-
de, mas mostra que a racionalidade tecnológica assume formas
complexas que são culturalmente relativas. Precisamos de globa-
lizar a nossa conceção de tecnologia, que não se pode continuar a
identificar exclusivamente com os feitos ocidentais.
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Capítulo IV
TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA:
UMA VISÃO GERAL
TECNOLOGIA E CULTURA
Nas explicações padrão da tecnologia, a eficiência serve como
princípio de seleção entre as iniciativas técnicas bem e mal
sucedidas. Porque a eficiência é uma quantidade calculável, a
tecnologia aparece dotada das virtudes da necessidade e
universalidade geralmente atribuídas à racionalidade científica. A
teoria crítica da tecnologia desmistifica esta imagem ao apontar
que a tecnologia não é meramente instrumental para fins
específicos, mas conforma um modo de vida. Este impacto mais
amplo pode ser intencional ou não; pode resultar de escolhas
específicas no projeto ou de efeitos laterais. De qualquer forma, o
impacto da tecnologia não é uma quantidade, mas sim uma
qualidade, e nada tem a ver com racionalidade universal. Precisa
de um tipo muito diferente de explicação.
A sociologia construtivista da tecnologia mostra que
diferentes configurações dos recursos podem resultar em versões
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CAPÍTULO IV
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TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA VISÃO GERAL
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CAPÍTULO IV
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TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA VISÃO GERAL
AUTONOMIA OPERACIONAL
Para muitos críticos da sociedade tecnológica, Marx agora é
um autor irrelevante, um advogado de teorias económicas
ultrapassadas. Mas Marx teve contributos importantes para a
filosofia da tecnologia, que não se devem perder em conjunto
com a sua desacreditada abordagem económica. Ele focou-se de
uma forma assim tão exclusiva sobre a economia porque, no seu
tempo, a produção era o principal domínio de aplicação da
tecnologia. Com a penetração da mediação técnica em todas as
esferas da vida social, as contradições e os potenciais semelhantes
aos que ele identificou na fábrica tiveram o mesmo destino.
Na visão de Marx, o capitalista é, em última instância,
alguém que se distingue não só por deter a posse da riqueza, mas
também pelo controlo das condições de trabalho. O proprietário
tem interesse técnico, tanto quanto económico, no que acontece
dentro da sua fábrica. Reorganizando o processo de trabalho,
pode aumentar a produção e os lucros. O controlo do processo de
trabalho, por sua vez, dá origem a novas ideias para a
maquinaria, e daí segue-se, a curto prazo, a mecanização da
indústria.
Ao longo do tempo, isso conduz à invenção de tipos
específicos de maquinaria que desqualificam trabalhadores e que
exigem gestão. A gestão age tecnicamente sobre as pessoas,
estendendo a hierarquia dos sujeitos e objetos técnicos às relações
humanas, na procura da eficiência. Afinal os gestores
profissionais representam, e em certo sentido substituem, os
proprietários no controlo das novas organizações industriais.
Marx denomina isto de “dominação impessoal” inerente ao
capitalismo, em oposição à dominação pessoal das anteriores
formações sociais. Materializa-se no projeto de máquinas e na
organização da produção. Num estádio final, que Marx não
antecipou, as técnicas de gestão e organização e os tipos de
tecnologia inicialmente aplicadas no setor privado são exportadas
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CAPÍTULO IV
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CAPÍTULO IV
ESTRATÉGIAS DE RECONTEXTUALIZAÇÃO
As sociedades pré-modernas e modernas atribuem pesos
relativos diferentes à sistematização e à mediação. Nas
sociedades pré-modernas, como assinala Latour, as redes técnicas
eram relativamente curtas e os seus nós ligados de forma frágil
(Latour 1993). No entanto, mediações valorativas muito
elaboradas controlam todos os aspetos da vida técnica; aqui, a
técnica é inseparável daquilo que nós, modernos, chamamos arte
e religião. Logo, armas tribais e palhotas podem ter um mesmo
simbolismo, mas não estão sistematicamente relacionados por
especificações técnicas de grande precisão, tal como estão as
tecnologias modernas. Como resultado, as sociedades pré-
modernas têm um alcance espacial limitado - as suas redes
confinam-se a regiões locais - mas conquistam o tempo, no
sentido em que podem ser reproduzidas com sucesso ao longo de
milhares de anos.
As sociedades modernas enfatizam a sistematização e
constroem redes de grande dimensão através de ligações fortes a
grandes distâncias entre tipos muito diferentes de coisas e
pessoas. Isto exige que o artefato seja despojado da maior parte
das mediações valorativas. O excesso resultante de ênfase, sobre a
instrumentalização primária e a sistematização, torna possível
tanto as organizações hierárquicas de grande dimensão como as
disciplinas técnicas. Mas, a despeito do poder sobre os seres
humanos e sobre a natureza, ou talvez por causa disso, as
sociedades modernas têm tão pouco controlo do tempo que é
incerto se irão sobreviver para além este novo século.
Até há pouco tempo, era moda os críticos sociais
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TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA VISÃO GERAL
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CAPÍTULO IV
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TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA VISÃO GERAL
TECNOLOGIA E DEMOCRACIA
A teoria crítica da tecnologia é uma teoria política da
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CAPÍTULO IV
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CAPÍTULO IV
CONCLUSÃO
Toda a tecnologia aponta para um operador, por um lado, e
para um objeto, por outro lado. Quando tanto o operador como o
objeto são seres humanos, a ação técnica é um exercício de poder.
Onde, para além disto, a sociedade se organiza em torno da
tecnologia, o poder tecnológico é a principal forma de poder na
sociedade. Realiza-se por projetos que reduzem o leque de
interesses e preocupações e que podem ser representados pelo
funcionamento normal da tecnologia e das instituições
dependentes. Este estreitamento distorce a estrutura da
experiência e causa sofrimento humano e danos ao ambiente
natural.
O exercício do poder técnico evoca resistências de um novo
tipo, imanentes ao sistema técnico unidimensional. Os excluídos
do processo de projeto sofrem eventualmente as consequências
indesejáveis da tecnologia e protestam. Abrir a tecnologia para
um leque mais amplo de interesses e preocupações levaria a um
novo esforço de projeto com vista a uma maior compatibilidade
com os limites e poderes humanos e naturais. Uma
transformação democrática, a partir da base, pode reduzir os
ciclos de retroalimentação a partir dos prejuízos nas vidas
humanas e na natureza e dirigir uma reforma radical da esfera
técnica.
Uma compreensão adequada da substância da nossa vida
comum não pode continuar a ignorar a política da tecnologia. A
maneira como vivemos é largamente moldada pela forma como
configuramos e projetamos cidades, sistemas de transportes,
meios de comunicação e a produção industrial e agrícola.
Estamos a fazer, cada vez mais, escolhas sobre saúde e
conhecimento ao projetarmos as tecnologias de que dependem a
medicina, a investigação e a educação. Para além disso, os tipos
de coisas que parece plausível propor como avanços ou
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TEORIA CRÍTICA DA TECNOLOGIA: UMA VISÃO GERAL
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Capítulo V
DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO:
A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
INFORMAÇÃO OU COMUNICAÇÃO?
Noções como “sociedade pós-industrial” e “era da informa-
ção” são antecipações - ficções da ciência social - de uma ordem
social baseada no conhecimento (Bell 1973). O antigo mundo do
carvão, do aço e dos caminhos de ferro vai-se evaporando numa
nuvem de fumo industrial à medida que vai nascendo um mun-
do novo baseado nas comunicações e nos computadores. Os vul-
garizadores desta visão rejubilam com muitas das mesmas
tendências que são lamentadas pela crítica distópica, tal como os
níveis cada mais elevados de organização e integração da econo-
mia e a importância crescente das especialidades.
Os computadores têm um papel especial nestas antevisões,
porque a gestão das instituições sociais e das vidas humanas de-
pende cada vez mais do acesso fácil a dados. Os computadores
não só arquivam e processam dados, como também podem ser
ligados em rede para distribuir os dados. No futuro pós-industri-
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CAPÍTULO V
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
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CAPÍTULO V
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
MODERNIZAÇÃO
A questão da modernidade está muito viva em França, de
uma maneira que é difícil de imaginar nos Estados Unidos. Os
americanos experimentam a modernidade como um direito de
nascença; a América não se esforça pela modernidade, antes defi-
ne-a, ou pelo menos eles assim acreditam. Por isso os Estados
Unidos não tratam a sua própria modernização como uma ques-
tão política, mas antes confiam no caos criativo do mercado.
A França, pelo seu lado, tem uma longa tradição de preocu-
pações teóricas e políticas com a modernidade. Primeiro na som-
bra da Inglaterra, e depois da Alemanha e dos Estados Unidos, a
França tem lutado por se adaptar, por si mesma, a um mundo
moderno que sempre sentiu, em certa medida, como sendo um
desafio externo. O extraordinário atraso do seu sistema telefónico
era um símbolo desse conservadorismo em geral e, por isso, a sua
modernização rápida, sob o presidente Giscard d’Estaing, signifi-
cava uma vontade de ir ao encontro do desafio. Este é o espírito
do famoso Relatório Nora-Minc, que Giscard encomendou a dois
quadros públicos de topo, para definir os meios e objetivos de
uma política concertada de modernização da sociedade francesa
nos últimos anos do século (Nora e Minc 1978).
Nora e Minc apelaram para uma ofensiva tecnológica em
“telemática”, o termo que cunharam para descrever o casamento
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CAPÍTULO V
VOLUNTARISMO
Assim concebido, o projeto caíu naturalmente nas mãos do servi-
ço público. Mas a escolha, que pode parecer estranha para os
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
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CAPÍTULO V
OPOSIÇÃO
Tal como foi inicialmente concebido, o Teletel estava desenhado
para trazer a França para a idade da informação através de uma
grande variedade de serviços. Mas será que aquilo que cada uma
das habitações precisa é realmente de mais informação (Iwaasa
1985, 49)? E quem estava mais qualificado para oferecer serviços
de informação numa democracia (Marchand 1987, 40ff)? Essas
questões receberam uma variedade de respostas antagónicas du-
rante os primeiros anos do videotexto francês.
A modernização através do serviço nacional define o progra-
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
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CAPÍTULO V
COMUNICAÇÃO
Surpreendentemente, embora os subscritores de telefones esti-
vessem agora equipados para a era da informação, fizeram rela-
tivamente pouco uso da riqueza de dados disponíveis no Teletel.
Consultavam regularmente o diretório eletrónico, mas não muito
mais. Mas, em 1982, os piratas(e) transformaram um serviço cha-
mado “Gretel” num sistema de mensagens (Bruhat 1984, 54-55).
Depois de uma resistência inicial fraca (ou talvez simulada), os
operadores deste serviço institucionalizaram a invenção dos pi-
ratas e fizeram uma fortuna. Logo se seguiram, rapidamente, ou-
tros serviços com nomes como “Désiropolis”, “La Voix de
Parano”, “SM”, “Sextel”. As mensagens “cor-de-rosa” tornaram-
se famosas pelas conversas picantes e pseudo anónimas em que
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
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CAPÍTULO V
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
O SISTEMA
Embora ninguém tivesse planeado previamente todos estes ele-
mentos, eventualmente acabou por emergir um sistema coerente
a partir do jogo das várias forças. Composto de elementos cor-
rentes, formou um todo único que finalmente rompeu as barrei-
ras da aceitação pública da CMC.
O sistema caraterizava-se por cinco princípios básicos:
1. Escala. Só um governo, ou uma empresa gigante, teria os
meios para iniciar uma experiência como o Teletel, com uma es-
cala suficiente para garantir um teste adequado do sistema. Pro-
jetos piloto mais pequenos soçobraram todos num dilema do ovo
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CAPÍTULO V
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DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM VIDEOTEXTO
O CONFLITO DE CÓDIGOS
Estas interpretações do Teletel contradizem os pressupostos de-
terministas acerca do impacto social dos computadores, que ins-
pirou Nora, Minc e muitos outros teóricos do pós-industrialismo.
A lógica da tecnologia simplesmente não ditou uma solução níti-
da para o problema da modernização; em vez disso, foi um pro-
cesso muito confuso de conflitos, negociação e inovação, que
produziu um resultado socialmente contingente. Quais eram es-
ses fatores, e como é que influenciaram o desenvolvimento da
CMC em França?
CONSTRUTIVISMO SOCIAL
A evolução do Teletel confirma a abordagem do construtivismo
social, introduzida nos capítulos precedentes. Ao contrário do
determinismo, o construtivismo social não explica o sucesso de
um artefato pelas suas caraterísticas técnicas. De acordo com o
“princípio da simetria”, há sempre alternativas que poderiam ter
sido desenvolvidas em vez da alternativa que teve sucesso. O que
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CAPÍTULO V
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CAPÍTULO V
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O SUJEITO ESPECTRAL
O Teletel foi apanhado numa disputa sobre qual o tipo de experi-
ência pós-industrial que deveria ser projetado tecnologicamente
através da computação doméstica. Como vimos, a definição de
interatividade, em termos de um código técnico racionalista, en-
controu uma resistência imediata a partir dos utilizadores que ig-
noraram o potencial de informação do sistema e que, em vez
disso, o utilizarampara fins de comunicação humana e anónima.
Esta aplicação inesperada revelou toda uma outra dimensão
da experiência do dia-a-dia nas sociedades pós-industriais, mas-
carada pela utopia positivista. Como o hiato entre pessoas indivi-
duais e o papel social se vai alargando, e os indivíduos são a-
panhados pelas “massas”, a vida social reorganiza-se cada vez
mais à volta de interações impessoais. O indivíduo facilmente
desliza entre papéis diferentes e não se identifica inteiramente
com nenhum deles, entra e sai diariamente de várias massas ou
multidões, e não pertence completamente a qualquer uma das co-
munidades. A solidão da “multidão solitária” consiste numa mul-
titude de encontros ambíguos e triviais. Os códigos simplificados
de interação no “sistema” oferecem poucas possibilidades de au-
to expressão pessoal ou de ligação aos outros. O anonimato tem
um papel central nesta nova experiência social e dá origem a fan-
tasias de sexo e violência que estão representadas na cultura das
massas e que, em menor grau, se realizam nas vidas individuais.
Tal como o videotexto permite ao indivíduo personalizar
uma pergunta anónima a uma agência de planeamento de carrei-
ras ou a uma burocracia governamental, agora também a relação
com textos eróticos, até aqui não articulada, pode agora alcançar
uma personalidade, e até mesmo reciprocidade, graças ao Mini-
tel. A privacidade da habitação assume agora funções previa-
mente atribuídas a espaços públicos, como bares e clubes, mas
com uma alteração importante: o écran não liga apenas os inter-
locutores, mas também protege as suas identidades.
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CAPÍTULO V
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CAPÍTULO V
REDES AMBIVALENTES
Assim desenhado, o Minitel é um objeto paradoxal. Com o seu
disfarce telefónico, pensado como necessário para o sucesso nas
casas, introduz ambiguidades na definição da telemática e convi-
da para aplicações comunicacionais não antecipadas pelos proje-
tistas (Weckerlé 1987, I, 14-15). Para eles, o Minitel continuaria
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CAPÍTULO V
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CAPÍTULO V
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Capítulo VI
TECNOLOGIA NUM MUNDO GLOBAL
INTRODUÇÃO
O Japão sempre foi visto como o caso de teste para a universali-
dade da cultura ocidental. Os japoneses foram o primeiro povo
não ocidental a modernizarem-se com sucesso. Construíram uma
economia poderosa baseada na ciência e na tecnologia. Mesmo
assim, a sociedade japonesa continua significativamente diferente
dos modelos ocidentais que imita. Estas diferenças não são meros
vestígios superficiais de uma tradição moribunda, mas são visí-
veis na própria estrutura da ciência e da tecnologia japonesas
(Traweek 1988). O Japão é suficientemente diferente para se qua-
lificar como uma “modernidade alternativa”? Refuta ou confirma
as reivindicações do universalismo? São questões que o Japão nos
levanta, hoje em dia. Uma primeira resposta a essas questões vem
do próprio Japão. Nos anos trinta, o fundador da moderna filo-
sofia japonesa, Kitaro Nishida, propôs uma teoria inovadora para
a modernidade multicultural. Neste capítulo irei considerar o ca-
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CAPÍTULO VI
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TECNOLOGIA NUM MUNDO GLOBAL
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CAPÍTULO VI
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TECNOLOGIA NUM MUNDO GLOBAL
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CAPÍTULO VI
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TECNOLOGIA NUM MUNDO GLOBAL
A GLOBALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
Ramificação e estratificação são dois padrões fundamentais do
desenvolvimento. As suas relações alteram-se à medida que a
globalização continua. Noutro local descrevi dois tipos de proje-
tos correspondentes a diferentes estádios deste processo. O está-
dio inicial carateriza-se por um “projeto centrado na mediação”,
em que cada nação desenvolve a sua tecnologia de uma forma
relativamente independente das outras (1). O peso esmagador das
tradições nacionais específicas garante que as ideias, mesmo as
ideias de origem estrangeira, são incorporadas de modo diferente
nos dispositivos, em contextos diferentes. Estas diferenças são
devidas, em larga medida, a mediações éticas e estéticas, que são
específicas de cada país, e que moldam o projeto. Portanto, cada
projeto exprime o fundo nacional contra o qual se desenvolve.
A globalização impõe um padrão muito diferente, a que cha-
mo “projectado centrado no sistema”. A economia globalizante
desenvolve-se em torno de um mercado internacional de bens de
capital, onde cada nação procura os elementos que precisa para
construir as tecnologias de que necessita. Este mercado mo-
vimenta módulos construtivos como engrenagens, eixos, fios elé-
tricos, chips de computadores, etc., que podem ser montados em
muitos padrões diferentes(2).
O mercado dos bens de capital é um recurso de tal modo
formidável que, uma vez intensificadas as trocas entre as nações,
rapidamente se torna indispensável. Mas quando o projeto se ba-
seia na montagem de partes pré-fabricadas, deixa de poder aco-
modar as diferentes culturas nacionais com facilidade. Em vez de
exprimir um contexto cultural, os produtos tendem cada vez
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CAPÍTULO VI
tações irracionais.
Mas, tal como vimos, os valores entram nas escolhas técnicas
através de outras formas mais subtis, que eram invisíveis para os
ocidentais, mas tornaram-se imediatamente óbvias quando a tec-
nologia ocidental foi transferida para o Japão. A tecnologia oci-
dental foi conformada pelas sistematizações que eram os fun-
damentos de uma forma de vida incorporada no seu próprio
projeto, e este modo de vida era muito diferente do modo de vida
japonês. A suposta pureza da racionalidade técnica não precisava
de uma desmistificação elaborada no Japão, porque era obvia-
mente falsa. A interpretação culturalista da tecnologia, de Nishi-
da e Miki, fazia perfeito sentido nesse contexto e antecipou as
conclusões dos estudos contemporâneos da tecnologia. A síntese
dos valores orientais e da tecnologia ocidental, que eles imagina-
ram, tem o seu paralelo, hoje em dia, na estratificação da tecnolo-
gia com os objetivos ambientais, democráticos e outros, que
foram excluídos do processo original de projeto.
Hoje, quando o Ocidente se confronta com as limitações da
sua própria tecnologia, é como se todo o mundo começasse a pa-
recer-se com a modernização no Japão. Estamos ameaçados pela
nossa tecnologia de formas que não podemos mais ignorar e con-
frontados com a nossa própria responsabilidade e também com
poderes insuspeitos, numa inversão surpreendente de pressu-
postos até então óbvios. A ameaça é sistemática e resiste aos mo-
dos familiares de crítica contra a superstição, que temos usado
desde o iluminismo. Precisamos de novas formas de compreen-
der e criticar a tecnologia que nos permitam separar o centro ra-
cional dos nossos sucessos tecnológicos e dos aspetos
indesejáveis que poderiam ser eliminados sob um diferente ar-
ranjo político. O crescimento de uma esfera técnica pública abre
novas possibilidades para intervenções democráticas no desen-
volvimento tecnológico. A filosofia da tecnologia assume toda a
sua significância nesta situação sem precedentes.
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- Parte III -
MODERNIDADE E RACIONALIDADE
- Parte III -
MODERNIDADE E RACIONALIDADE
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concetual semelhante à noção de subdeterminação nos estudos
contemporâneos de ciência e tecnologia. Mas algures no processo
diluiu-se o impulso crítico. A teoria crítica da tecnologia tenta re-
cuperar esse impulso. Generalizamos aqui essa abordagem para
cobrir as três formas principais de racionalidade social.
O terceiro e último capítulo conclui esta parte e trata do tema
central deste livro: a relação entre a experiência quotidiana e a
racionalidade tecnológica. Nas sociedades tradicionais não há
uma grande divisão entre os domínios do conhecimento e da ex-
periência, mas nos tempos modernos prevalecem a especializa-
ção e a diferenciação, e nenhuma cultura une os disjecta membra.
Heidegger e Marcuse identificaram esta condição com a tecnolo-
gia moderna. Marcuse propôs uma transformação radical da tec-
nologia através da união das compreensões técnica e estética. As
suas formulações são ambíguas e têm sido muito mal compreen-
didas. Uma clarificação do seu argumento leva a uma reflexão
mais ampla sobre a reforma das disciplinas técnicas e da sua re-
lação com as lições da experiência.
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Capítulo VII
TEORIA DA MODERNIDADE E ESTUDOS
TECNOLÓGICOS: REFLEXÕES SOBRE COMO
AS APROXIMAR
O PROBLEMA
As teorias da modernidade e os estudos da tecnologia fizeram
grandes avanços nos últimos anos mas ainda continuam isoladas,
apesar da sobreposição óbvia dos seus objetivos. Como é que se
pode compreender a modernidade sem uma explicação adequada
para os desenvolvimentos tecnológicos que a tornaram possível,
e como é que podemos estudar tecnologias específicas sem uma
teoria mais ampla da sociedade em que se desenvolvem? Estas
questões não têm sido postas de forma persuasiva, e muito me-
nos respondidas, pelos autores mais relevantes desses domínios.
A questão básica que pretendo tratar é o porquê e a razão desta
ignorância mútua peculiar(1).
Na primeira metade deste capítulo passarei em revista as
posições de algumas das figuras mais importantes de cada um
desses domínio. Depois de definir brevemente o problema, nessa
secção, esboçarei o pano de fundo do impasse atual relativamente
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CAPÍTULO VII
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REFLEXÕES SOBRE COMO PREENCHER A LACUNA
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CAPÍTULO VII
SISTEMA OU PRÁTICA
Modernidade como diferenciação
No seu todo, a teoria da modernidade ou continua a ignorar a
tecnologia ou reconhece-a num quadro concetual determinístico
já antiquado. O mais revelador é o caso extremo, mas instrutivo,
de Jürgen Habermas, um dos principais teóricos sociais dos nos-
sos tempos. Todavia, elaborou uma teoria da modernidade com
uma arquitetura sofisticadíssima, mas sem qualquer referência à
tecnologia. Essa indiferença beatífica ao que, seguramente, de-
veria ser uma preocupação focal de qualquer teoria da mo-
dernidade requer uma explicação, especialmente porque
Habermas é fortemente influenciado por Marx, para quem a
tecnologia tinha uma importância central.
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CAPÍTULO VII
A LÓGICA DA SIMETRIA
O “princípio da simetria” construtivista é suposto assegurar que
o estudo das controvérsias não seja enviesado(f) pelo conheci-
mento do resultado (Bloor 1991,7). Tipicamente, o enviesamento
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CAPÍTULO VII
SEPARAR A DIFERENÇA
Interpretação e mundaneidade (n)
Pretendo agora sugerir uma resolução parcial do conflito entre a
teoria da modernidade e os estudos da tecnologia. O ponto chave
sobre o qual me quero focar é o papel da interpretação nesses
dois campos. Onde a sociedade não é estudada como um domí-
nio de interações causais governado por leis, então é geralmente
considerada como um domínio de significados, que envolve in-
divíduos de um certo tipo e que interagem entre si, por exemplo,
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CAPÍTULO VII
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Capítulo VIII
RACIONALIDADE SOCIAL
Tipos de racionalidade
As sociedades modernas são ditas racionais, mas num sentido
muito especial que as distingue das sociedades pré-modernas. As
teorias da racionalização e da modernização consideram esta di-
ferença como central para o pensamento social do século XX. É
claro que as sociedades modernas não são racionais no sentido
científico apropriado do termo. Mas há algo acerca da estrutura
da modernidade que se assemelha às disciplinas científicas, e
muito tem sido dito sobre essa semelhança nas ideologias que a
justificam ou criticam. A questão é: “qual é a natureza dessa se-
melhança?”.
Uma resposta auto congratulatória é que somos mais racio-
nais do que os nossos antecessores porque chegamos a um co-
nhecimento científico da natureza, enquanto que eles apenas
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CAPÍTULO VIII
Enviesamento constituvo
Os sistemas de vigilância são enviesados pela sua pró-
pria natureza. Com algumas exceções, o seu efeito é au-
mentar o poder de uma minoria à custa de uma maioria,
os vigiados.
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DA TEORIA CRÍTICA DA RACIONALIDADE À
CRÍTICA RACIONAL DA RACIONALIDADE
Enviesamento de implementação
Um teste escrito na língua dominante de uma comuni-
dade multilíngue pode ser justo por si mesmo, mas tem
impactos discriminatórios sobre os que falamlínguas mi-
noritárias. Neste caso, não há nada de erradocom o teste
que não se consiga corrigir por uma simples tradução.
Os planos urbanos que concentram as lixeiras perto de
minorias raciais estão enviesados pela forma como os
depósitos de lixo se relacionam com o contexto, não pela
sua natureza ou projeto.
A divisão digital é outro caso em que a implementação
tem consequências discriminatórias: reforça os ricos em
detrimento dos pobres, mas apenas porque os artefactos
estão distribuídos num contexto específico de riqueza e
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CAPÍTULO VIII
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CAPÍTULO VIII
Funcionalização Realização
Objectivação descontextualização sistematização
redução mediação
Subjetivação automatização identidade
posicionamento iniciativa
Relação cognitiva causalidade significado
natureza mundo da vida
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DA TEORIA CRÍTICA DA RACIONALIDADE À
CRÍTICA RACIONAL DA RACIONALIDADE
FUNÇÃO E SIGNIFICADO
O conceito de função biológica e técnica tem a peculiaridade de
ficar na interseção entre a causalidade e teleologia. Cada uma
dessas funções pode ser descrita em ambos os termos: “o propó-
sito de X é Y” é aproximadamente equivalente a uma forma do
tipo “X causa Y”. Logo, “o propósito deste interruptor é fazer ar-
rancar o motor” pode ser reformulado como “este interruptor
causa o arranque do motor”. Os filósofos têm argumentado sobre
a extensão da dependência dos vários tipos de funções relativa-
mente às pré condições causais. As funções estabelecidas por me-
ra convenção, como o significado das palavras, ficam num dos
extremos e coisas como martelos e pregos ficam no outro extre-
mo. No entanto, muito fica ignorado nestes debates. A ênfase nos
propósitos obscurece outro aspeto dos objetos funcionais, a que
chamo “significado”. A dualidade função e significado está sub-
jacente aos “aspetos duplos” da teoria da instrumentalização.
A distinção entre função e significado é ignorada na literatu-
ra filosófica recente. Searle, por exemplo, constrói a sua ontologia
social à volta do contraste aparentemente exaustivo entre as qua-
lidades naturais e funcionais dos objetos (Searle 1995). “Função”
refere-se a qualquer interação humana intencional com uma coi-
sa. Uma inflação semelhante do conceito de função atinge as con-
tribuições interessantes de Preston (1998) e Kroes e Meijers
(2002). Reconhecem que a gama de propriedades dos objetos téc-
nicos é muito mais vasta do que a função no sentido técnico res-
trito (Preston 1998, 246; Kroes e Meijers 2002, 36). No entanto,
eles aplicam a palavra “função” a todas essas propriedades, com
vários sentidos difusos. É claro que tudo o que entra no processo
social está relacionado, na prática, com seres humanos, mas cha-
mar “funções” a todas essas relações é enganador, dada a sua va-
riedade, e confunde, dada a noção mais restrita de função nos
domínios técnicos.
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CAPÍTULO VIII
CÓDIGOS DE PROJETO
As formas estandardizadas de compreender e fazer dispositivos
são chamadas “caixas negras” nos estudos construtivistas da tec-
nologia. Muitos desses padrões refletem exigências sociais espe-
cíficas que conformam o projeto. No capítulo 1 introduzimos o
conceito de código técnico para explicar este fenómeno. Uma es-
tandardização semelhante do projeto acontece noutros domínios
socialmente racionais. Os mercados e as burocracias são obvia-
mente mais sociais do que a tecnologia, mas os padrões subja-
centes aos seus projetos tendem a ser tão invisíveis como
subjacentes a esta. Estes padrões sociais podem ser analisados
nos mesmos termos que os do código técnico. Chamo “código de
projeto” ao conceito generalizado que se refere à estandardização
de sistemas racionais. Os códigos de projeto são duráveis, mas
podem ser revistos em resposta a alterações na lei, condições
económicas, sentimento público e gostos.
A este respeito, os códigos de projeto são semelhantes à lei
num estado democrático. Muita política democrática parece-se
com a versão institucionalizada das interações entre a codificação
inicial pelos especialistas e a recodificação do mundo da vida. O
estado democrático moderno é essencialmente um vasto sistema
administrativo que responde mais ou menos ao mundo da vida
através da atividade de cidadãos na esfera pública e dos seus re-
presentantes eleitos numa assembleia que, em certa medida, es-
pelha essa esfera. As leis, como os códigos de projeto, esta-
belecem regularidades na vida social. As leis dependem, em
primeira instância, da identificação de classes de fenómenos. Es-
sas classes são, elas próprias, abstraídas de contextos do mundo
da vida, tal como os indícios para uso potencial. As tensões e os
conflitos emergem onde a abstração deixa para trás aspetos da
vida social. Estas tensões podem levar a protestos e eventual-
mente a mudanças, fechando o ciclo democrático.
Os códigos de projeto são por vezes explicitamente formula-
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DA TEORIA CRÍTICA DA RACIONALIDADE À
CRÍTICA RACIONAL DA RACIONALIDADE
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CAPÍTULO VIII
CONCLUSÃO
As sociedades modernas são únicas quanto ao papel exorbitante
que atribuem à racionalidade social. Isso tem sido um obstáculo
significante ao desenvolvimento da consciência crítica, desde as
primeiras versões da ideologia do mercado livre até à presente
legitimação tecnocrática das sociedades avançadas. É muito mais
difícil identificar e criticar o enviesamento formal dos artefactos e
instituições socialmente racionais do que legitimações míticas e
tradicionais herdadas. Uma variedade de estratégias tem sido
tentada com este propósito, cada uma a partir do foco numa ou
noutra instituição racionalizada. A teoria da instrumentalização
baseia-se em estratégias críticas desenvolvidas em relação à tec-
nologia. Fazemos aqui uma tentativa para a generalizar a outras
esferas racionalizadas.
Esta discussão breve da teoria da instrumentalização pode
ser sumariada em sete proposições:
1. A teoria é uma crítica da racionalidade social que é
paralela, em termos gerais, à crítica de Marx à racio-
nalidade do mercado.
2. A teoria baseia-se na análise do enviesamento formal
de sistemas e artefactos socialmente racionais.
3. Este enviesamento é reconstituído na permanente
combinação, no projeto, de instrumentalizações pri-
márias e secundárias, que são distintas sob o ponto de
vista analítico.
4. Os indícios para uso potencial são descobertos ao nível
da instrumentalização primária, com condicionantes
sociais mínimas.
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DA TEORIA CRÍTICA DA RACIONALIDADE À
CRÍTICA RACIONAL DA RACIONALIDADE
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Capítulo IX
ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
INTRODUÇÃO
A experiência do dia a dia tem um caráter teleológico que a ciên-
cia antiga elevou ao nível de princípio ontológico. Nos tempos
modernos, o novo conceito mecanicista da natureza destruiu a
harmonia entre a experiência e a racionalidade científica
(Whitehead 2004, 30-32). O mundo dividiu-se em duas esferas
incomensuráveis: uma relativa à natureza, racional mas sem sig-
nificado, e a outra relativa ao ambiente humano, todavia rico de
significado mas sem fundamento racional. Nos séculos desde a
revolução científica, não se encontrou maneira persuasiva de va-
lidar a experiência ou de reconciliar esses dois mundos, apesar
das repetidas tentativas de filósofos, de Hegel a Heidegger. Este
não é apenas um problema teórico. A experiência ensina-nos a ser
prudentes e a respeitar as pessoas e as coisas. A experiência traz o
reconhecimento de que o Outro tem os seus próprios poderes, li-
mites e objetivos. Uma vez que as lições da experiência já não
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CAPÍTULO IX
314
ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
UM QUADRO CULTURAL
A cultura fornece os significados que as coisas adquirem no
mundo social. Diferencia as nossas ações e os acontecimentos na-
turais, tornando possível, para nós e para os outros, “ler” o nos-
so significado e propósito. Noutro sentido, a cultura
assemelha-se significativamente com a natureza. Na realidade, os
nossos pressupostos culturais mais básicos são aquilo que toma-
mos por natureza, habitualmente as premissas não questionadas
e inquestionáveis do nosso pensamento, ação e fala. Na maior
parte dos casos operamos na base dessas premissas, mesmo sem
as formular conscientemente.
Os pressupostos culturais são mais estáveis e mais ampla-
mente partilhados do que as questões de opinião. Mas também
podem ser postos em questão, embora sempre contra um fundo
de outros pressupostos que não são tematizados nem desafiados.
Não pode existir uma “visão a partir de lado algum” por detrás
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CAPÍTULO IX
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ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
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CAPÍTULO IX
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ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
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CAPÍTULO IX
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ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA
ras causam vibrações nos tímpanos dos nossos ouvidos, etc.. Nós
não encontramos originalmente o nosso mundo através da inte-
ração causal entre a natureza e os nossos sentidos, mas antes
através da ação dirigida para objetos com significado. Mais tarde
refletiremos sobre estes encontros primordiais com objetos, mas
Heidegger rejeita a noção de que os podemos explicar, com um
sentido filosoficamente relevante, a partir desse ponto de vista.
Em vez disso precisamos de partir do que existe em primeiro lu-
gar, a nossa experiência atual, e tratar isso como uma base onto-
lógica irredutível(2).
Heidegger argumenta que o sujeito da ação não é a consci-
ência ou a mente, mas sim aquilo que ele chama “ Dasein ”, o ser
humano como o lugar da experiência. É todo o nosso ser que se
envolve com a realidade, não uma função mental especializada.
Heidegger chama “à mão” (b) às coisas que Dasein encontra na
ação. Esta locução refere-se à forma como essas coisas são dadas
no contexto específico em que podem ser usadas, as potenciali-
dades(c) que oferecem. Os seus exemplos são ferramentas que en-
contramos em uso depois de pegar nelas e de as utilizar. Neste
contexto não nos focamos nas propriedades objetivas das ferra-
mentas mas antes na forma correta de as usar. Os significados
emergem originalmente a partir do seu uso e constituem a base
do nosso conhecimento das coisas.
Embora Heidegger rejeitasse certamente o conceito de cultu-
ra anteriormente introduzido como sendo subjetivista, este é útil
para compreender o seu conceito de significado. Um martelo só é
um martelo desde que culturalmente tenha esse significado. Fora
de um contexto cultural, é apenas uma peça estranha de metal e
madeira. Assim, o significado do martelo é, de facto, constitutivo
do seu ser enquanto martelo. Isto é óbvio no caso do papel moe-
da. Uma nota de cem dólares apenas vale cem dólares porque o
significado do dinheiro está estabelecido culturalmente. Até mes-
mo uma definição legal da nota falharia se não compreendêsse-
mos o dinheiro como dinheiro. Heidegger usa um argumento
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CAPÍTULO IX
forma tão segura que não são nem modificados nem questiona-
dos. Estes significados não são estritamente funcionais, no nosso
sentido moderno, mas incluem o que chamaríamos valores “esté-
ticos” e “éticos” assim como considerações técnicas. Os gregos
inventaram uma terminologia filosófica com que se referem ao
significado complexo em que se juntam todas estas considera-
ções, chamando-lhe a “essência” da coisa. Nos termos da teoria
da instrumentalização, este conceito tanto se refere à instrumen-
talização primária como à instrumentalização secundária, não di-
ferenciadas e concebidas como uma entidade única.
Nós temos tendência para pensar o conceito de essência co-
mo pré-científico, mas os nossos artefactos também têm muitas
vezes significados muito ricos, de um modo muito semelhante.
Por exemplo, uma casa também é uma habitação. Para além do
bem funcional de abrigo, proporciona acolhimento e privacidade,
um local para os rituais da vida familiar e um testemunho do
gosto do proprietário. O pensamento tecnológico isola a função
deste complexo, e esta atitude é confirmada pelo facto da função
poder ser especificada numa disciplina técnica que guia a cons-
trução da casa. A dimensão instrumental parece ser uma entida-
de separada, uma infra estrutura a que se anexam associações
super estruturais de carácter valorativo. Embora seja uma abstra-
ção da totalidade da coisa, a função substitui o todo, numa siné-
doque(r) ontológica caraterística da modernidade.
Por contraste, Heidegger explica a estrutura unificada da es-
sência em termos das quatro causas de Aristóteles. A causa final é
o propósito do artefacto. A sua causa formal é a forma que deve
assumir no decurso da produção. A causa material são os materi-
ais usados. E a causa eficiente é a atividade do artesão. No seu
conjunto, definem o trabalho artesanal.
Isto parece trivial, mas Heidegger argumenta que pensamos
assim porque estamos equivocados acerca dos termos modernos.
Insiste que a causa eficiente não é, em absoluto, uma causa no
nosso sentido moderno. O artesão não faz o objeto de acordo com
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TECNOLOGIA ESTÉTICA
Olhando para trás, a partir da perspetiva do novo século, a posi-
ção geral de Marcuse continua convincente, principalmente como
análise e crítica. One-dimensional Man continua sem igual, apesar
de toda uma geração de esforços para elaborar a teoria crítica ha-
bermasiana e as filosofias da “diferença” com base no pós estru-
turalismo e em Adorno. O recuo do concreto que essas análises
representam recorda de forma perturbadora as falsas promessas
sobre o concreto nos trabalhos de Heidegger.
O que se mostrou fatal para a reputação de Marcuse foi o seu
argumento esperançoso por uma radical transformação social e
técnica. Porém, este aspeto do seu trabalho é relevante num novo
período de crise e protesto largamente focados sobre as questões
técnicas como a poluição ambiental, a política energética e a glo-
balização do mercado e das doenças. Na parte restante deste ca-
pítulo considerarei alguns pontos de partida para dar conti-
nuidade à linha geral de argumento que Marcuse desenvolveu
sob as influências contraditórias de Heidegger, do marxismo e da
Nova Esquerda.
Heidegger e Marcuse argumentaram que a compreensão dos
seres em geral, aquilo a que normalmente chamamos “cultura”,
tem as suas raízes na relação instrumental com a realidade. Essa
relação evolui historicamente e na sua última encarnação toma
um aspeto particularmente destrutivo. O perigo não é meramente
físico, mas diz antes respeito à substituição da racionalidade tec-
nológica por qualquer outro tipo de pensamento. Numa socieda-
de unidimensional, o sujeito não compreende nem o seu
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CAPÍTULO IX
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mais tenebrosas.
Mas Marcuse argumenta que só parecem inocentes quando
artificialmente separadas do seu contexto social. Nesse contexto
mais amplo, os meios que oferecem estão ligados com a prática e
com os fins do sujeito social dominante. Concretamente, a neu-
tralidade de valor significa a eliminação de todas as limitações ao
poder. Logo,
é precisamente o seu carácter neutro que relaciona objetivida-
de com um sujeito histórico específico. ... A razão teórica, con-
tinuando pura e neutra, pôs-se ao serviço da razão prática. A
fusão mostrou-se benéfica para ambas. Hoje, a dominação per-
petua-se e alarga-se não só através da tecnologia, mas como
tecnologia, e esta última dá uma forte legitimação ao poder
político crescente, que absorve todas as esferas da cultura.
(Marcuse 1964, 156, 158)
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CAPÍTULO IX
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não está.
Para que estas ideias façam sentido, o conceito de essência
precisa de ser reconstruído e reanimado. A forma empírica dos
seres humanos e das coisas não pode ser a última palavra sobre a
sua natureza. Estão assombradas por uma negatividade que nos
remete para as suas potencialidades. O erótico, a imaginação, a
afirmação da vida, tudo isso aponta para dimensões do ser que
transcendem a realidade. Hegel permite a Marcuse interpretar o
conceito de essência numa veia moderna, como as potencialida-
des reveladas no processo histórico. Marcuse acredita que chega-
mos à fase em que o hiato entre existência e essência pode ser
fechado por uma nova tecnologia sensível a valores.
Por estranho que possa parecer, os seus elementos, tomados
um a um, não são inteiramente estranhos a tendências fenome-
nológicas que ainda representam uma alternativa influente ao
naturalismo e ao kantismo. O elemento chave que falta na apre-
sentação destas ideias por Marcuse é a noção fenomenológica de
“mundo da vida”. Embora, em várias ocasiões, mencione algo a
que chama um “ Lebesnwelt(bb) estético”, nunca elabora o seu fun-
do fenomenológico (Marcuse 1969, 31). Esse fundo é útil para se
reconstruir a visão redentora de Marcuse.
O problema chave é o estatuto ontológico da experiência vi-
vida. A natureza da ciência natural está totalmente desencantada,
sem espaço para teleologia, para o erótico, para qualquer prefe-
rência pela vida sobre a morte. Tal como a baleia branca de Mel-
ville, está esterilizada de valor e, por isso, convida a projeções
subjetivas de todo o tipo, na forma de tecnologias cada vez mais
poderosas, ao serviço de fins cada vez mais violentos. Contra este
fundo, a experiência é, nos tempos modernos, desvalorizada re-
lativamente à imagem científica da natureza.
Marcuse rejeita o privilégio da natureza neste sentido cientí-
fico. A experiência não é uma camada subjetiva sobre a natureza
da ciência natural. Revela dimensões da realidade que a ciência
não pode apreender na sua forma atual. Estas dimensões, como
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CAPÍTULO IX
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CAPÍTULO IX
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CAPÍTULO IX
A COMPLEMENTARIDADE DA NATUREZA
E DA EXPERIÊNCIA
Estas reformulações da abordagem de Marcuse levantam mais
uma questão acerca da relação entre os dois mundos, o mundo
natural da ciência e o mundo da vida da experiência. Marcuse ti-
nha esperança que o mundo da vida, sob o socialismo, pudesse
dar uma nova direção à ciência e à tecnologia, mas não explicou
como é que isso seria feito. Hoje, depois de tantas lutas à volta da
tecnologia, que Marcuse não viveu o suficiente para poder ver,
podemos ir para além de meros gestos para responder a esta
questão.
O mundo da vida que experimentamos e a natureza da ciên-
cia natural não só coexistem, lado a lado, mas interatuam de
muitas maneiras. Em primeiro lugar, a ciência pressupõe uma
ação humana com significado, através da qual se reúnem os da-
dos científicos. As experiências, que criam domínios fechados
dentro dos quais se podem observar as leis em operação, elas
próprias dependem dessa ação. Mas a ação apenas é compreensí-
vel como tal, ou seja, como significativa, a partir de um ponto de
vista da experiência, diferente do da ciência natural. Quando a
ação é reduzida às suas condições naturais, por exemplo, a certos
reflexos musculares, é des-mundaneizada(ee) e deixa de fazer sen-
tido. Se apenas as explicações científicas são válidas, como propõe
o reducionismo naturalista, então a ação, no sentido habitual da
palavra, é eliminada e a possibilidade da compreensão científica
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POSFÁCIO
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POSFÁCIO
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POSFÁCIO
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POSFÁCIO
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MICHEL CALLON
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POSFÁCIO
lidade não está ausente deste tipo de abordagem que, para além
do mais, tem a vantagem de respeitar a diversidade de expectati-
vas e de pontos de vista. Ninguém está proibido de criticar, rein-
terpretar e experimentar em qualquer uma das fases: a razão está
presente no próprio centro do processo. E como esta atividade
nunca é interrompida e não exclui ninguém, as tecnologias resul-
tantes do caldeirão(f) democrático são temporárias e, num certo
sentido, sempre falsificáveis e abertas à mudança - dando novo
material para pensar à máquina democrática. Podemos assim ver
porque é que Feenberg fala de democratização racional e de raci-
onalização democrática. Em todos estes pontos, fico encantado
por ver que a análise que propõe é muito próxima da que apre-
sentamos em Acting in an Uncertain World.
Este novo regime de inovação tecnológica não leva a um
empobrecimento, deterioração ou amputação da tecnologia e do
seu formidável poder para produzir mundos inesperados e cada
vez melhores. Pelo contrário, é totalmente orientado para o seu
enriquecimento e melhoria. Abre-se uma perspetiva nova: não se
trata mais de uma questão de oposição a uma modernização que
se acredita ser sinónimo de insucesso, ou de ameaças para elimi-
nar ou de riscos para controlar. Pelo contrário, será uma moder-
nização mais profunda - ou seja, reconhecendo o do poder
criativo e moralizador das tecnologias quando conformadas de-
mocraticamente - em que as dificuldades encontradas e as injus-
tiças, justamente denunciadas, poderão ser ultrapassadas. Não
menos modernização, ou outra modernização, mas, permitam-me
o paradoxo, até mesmo mais modernização! A melhor tecnologia
é aquela em cujo projeto estão representados os grupos interessa-
dos e aí participam.
Se adotarmos seriamente o discurso filosófico proposto por
Feenberg, não temos escolha: a democracia, que nos é tão queri-
da, só pode sobreviver organizando-se à volta das inovações tec-
nológicas; e, inversamente, pode ser que o ideal de racio-
nalização, que tanto estimamos, não tenha significado e futuro, a
373
MICHEL CALLON
374
NOTAS DO AUTOR
PREFÁCIO
(1) A referência implícita é ao conceito de um ser divino “visto a partir
do nada”. Se não fosse tão atraente, poderíamos reformular este pon-
to como “fazer a partir do nada”, ou seja, a ação compreendida como
tão indiferente aos seus objetos como um conhecimento autónomo.
(2) Esta é a visão da teoria dos atores em rede de Bruno Latour e Michel
Callon. Ver Callon et al. (2001).
CAPÍTULO 1
Racionalização democrática: tecnologia, poder e liberdade
(1) Ver a crítica exagerada de Langdon Winner sobre as limitações cara-
teristicas da posição, intitulada “Upon opening the black box and
finding it empty: social constructivism and the philosophy of techno-
logy” (Winner 1991)
375
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 2
Paradigmas incomensuráveis: valores e ambiente
(1) Ver, por exemplo, Venkatachalam (2004) e Kopp et al. (1997).
376
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 3
Daqui a cem anos, revendo o futuro: a imagem variável da tec-
nologia
(1) Esta projeção implica a aplicação de uma noção primitiva de utilida-
de marginal sob condições de rendimento igual que, note-se, não é
uma aspiração ou desiderato marxiana. A preferência variável pelo
lazer mantém-se como uma base para a alocação racional do traba-
lho. Infelizmente, isto parecer criar um círculo vicioso: os empregos
menos populares teriam as jornadas mais curtas de trabalho, exigin-
do o recrutamento de um grande número de trabalhadores a quem
seria preciso oferecer ainda menos horas marginais, e assim sucessi-
vamente ad infinitum . De qualquer modo, uma bela tentativa para
1888!
(2) Isto é o que está errado com muitas polémicas contra os exageros da
era da informação. Os filósofos deixam-nos mal quando não discu-
tem a realidade das tecnologias que estudam, mas respondem mera-
377
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 4
A perspectiva da teoria crítica da tecnologia
(1) Esta descrição breve da teoria apenas nos permite um olhar de relan-
ce sobre desenvolvimentos que descrevi de forma mais completa em
vários de meus livros (Feenberg 1999; Feenberg 2002). O capítulo 8,
neste volume, também apresenta uma discussão mais detalhada da
teoria.
(2) Para uma compreensão mais avançada deste conceito de mundo em
relação ao pensamento de Heidegger, ver capítulo 7.
(3) Para uma revisão das abordagens feministas dos estudos da tecnolo-
gia, ver Wajcman (2004). A teoria crítica da tecnologia pode situar es-
tas abordagens no contexto de uma crítica social geral da
racionalidade (ver Glazebrook 2006).
(4) Para uma discussão mais aprofundada sobre concretização, ver Feen-
berg (1999, 216 passim) e capítulo 9.
(5) Ver, por exemplo, Schivelbusch (1988) e Cowan (1987).
CAPÍTULO 5
Da informação à comunicação: a experiência francesa com vi-
deotexto
(1) Sobre o conceito de imaginaire technique, ver Flichy (2007)
(2) A solução alternativa para o crescimento natural lento que construiu
a internet exigia computadores muito mais potentes dos que estavam
378
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 6
Tecnologia num mundo global
(1) Anteriormente chamei a isto “projeto expressivo” (Feenberg 1995, 25)
(2) Para mais sobre o mercado de bens de capital, ver Rosenberg (1970).
Junichi Morata desenvolveu a significância da análise de Rosenberg
para a filosofia da tecnologia. Ver Murata (2002)
(3) Para uma análise do debate acerca da política de Nishida e de um dos
principais textos sob disputa, ver Arisaka (1996). Para uma variedade
de posições, ver Heisig e Maraldo (1995)
(4) O lugar de Miki no marxismo japonês é discutido em Hitoshi (1967)
(5) Marcuse argumentou de modo semelhante (ver capítulo 9).
CAPÍTULO 7
Teoria da modernidade e estudos tecnológicos:
reflexões sobre como as aproximar
(1) Antes de entrar no meu tema, devo dizer que não faço intenção de
passar em revista toda atividade destes dois domínios muito ativos.
Uma revisão da imensa literatura que geraram é um tema por si mes-
mo, mas não o meu assunto aqui. Em particular, deixo de fora muitos
académicos que trabalham em problemas concretos com uma gama
de ferramentas de ambos os campos. A minha justificação para essa
omissão é dupla: não encontrei nesses trabalhos cruzados uma medi-
ação teórica satisfatória entre os dois campos; e os autores mais influ-
entes sobre teoria nesses campos não procuram essa mediação mas,
379
NOTAS DO AUTOR
380
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 8
Da teoria crítica da racionalidade à crítica racional da
racionalidade
(1) Estes limites aparecem nas crises periódicas que revelam a irraciona-
lidade do sistema como um todo. Um tipo completamente diferente
de irracionalidade, julgada em termos das noções de capacidades e
liberdade, condena o sistema a outros limites, como as consequências
381
NOTAS DO AUTOR
382
NOTAS DO AUTOR
CAPÍTULO 9
Entre a razão e a experiência
(1) Ver também a minha exposição da relação entre o pensamento de
Heidegger e Marcuse em Feenberg (2005)
(2) A exposição seguinte baseia-se primariamente em Being and Time
(1962); no entanto as linhas principais dessa obra da fase inicial fo-
ram assumidas por Heidegger até ao fim, e portanto esta descrição
muito geral do seu pensamento também se aplica para o ensaio mais
tardio Question Concerning Technology (1977).
(3) Esta noção tem o seu paralelo na derivação do presente-para-usar a
partir de pronto-a-usar em Being and Time.
(4) A “reforma” da universidade defendida por Heidegger pretendia
bloquear ambas as formas de arbitrariedade, ligando o conhecimento
aos limites de uma techné. Nessa altura, Heidegger considerava que
os homens de estado pertenciam a uma ordem superior de produto-
res (ver Todorov 2007). Portanto, a techné em questão só poderia ser a
formação do estado nazi. A universidade deveria manter a sua auto-
nomia precisamente através da subordinação da sua compreensão do
mundo às necessidades intrínsecas e aos limites da restauração naci-
onal trazida por Hitler. Na mente do próprio Heidegger, isto era
muito diferente da politização de Wissenschaft pela sua infusão com
propaganda política.
(5) Como realização prática, o significado tem uma dimensão “material”
que pode ser explorada numa fenomenologia da prática técnica e da
tecnologia. Isto tem implicações para a viragem discursiva na filoso-
fia contemporânea. Na medida em que a realidade é compreendida
383
NOTAS DO AUTOR
384
NOTAS DO AUTOR
POSFÁCIO
Michel Callon
(1) Em Acting in an Uncertain World (Callon et al, 2009), nós propomos
uma análise semelhante distinguindo três traduções, a primeira das
quais corresponde à descontextualização e a terceira à recontextuali-
zação.
385
NOTAS DOS TRADUTORES
PRÓLOGO
(a) non sequitur: conclusão que na realidade não se pode inferir dos argu-
mentos, como uma falácia que resulta da conversão simples de uma
proposição afirmativa e universal ou da transposição de condição e
da sua consequente.
(b) [by default]
(c) [re(design)]
(d) [political default]
PREFÁCIO
(a) [feedback]
(b) [hobbyst]
(c) Bhagavad Gitaa, escritura hindu que apela à ação desprendida e que
inspirou muitos lideres do movimento independentista da Índia.
(d) Maurits C. Escher (1898-1972), artista gráfico holandês conhecido pe-
387
NOTAS DOS TRADUTORES
PARTE I
Para além da distopia
(a) [trade-off]
CAPÍTULO 1
Racionalização democrática: tecnologia, poder e liberdade
(a) Pequeno romance de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), publicado em
1864, por vezes considerado como uma das primeiras obras do exis-
tencialismo. Toma a forma de um excerto das memórias de um
funcionário civil aposentado e solitário. O nome do protagonista
nunca é mencionado e a primeira parte é um monólogo em que o
narrador diz ser um homem mau, ou agir como tal, mas que pode ser
visto como uma pessoa de bem, para depois concluir que "o melhor é
não fazer nada". Boris Schnaiderman (1917-2016), que foi professor
da Universidade de São Paulo, traduziu esta obra.
(b) A historiografia whig é uma abordagem que apresenta o passado co-
388
NOTAS DOS TRADUTORES
CAPÍTULO 2
Paradigmas incomensuráveis: valores e ambiente
(a) Bernard Mandeville (1670-1733) sobre uma situação vivida pelos ha-
bitantes de Londres, no prefácio do seu poema A Fábula das Abelhas
(publicado em 1714)
(b) Trecho final da nota de Mandeville sobre a moral do poema A Fábula
das Abelhas . Importa reter que o sentido geral da citação de Mande-
ville, feita pelo autor, refere-se ao facto do poema defender o luxo
positivo (assim entendido enquanto a melhoria das condições de vi-
da, da alimentação, das roupas e das habitações). Desta forma, Man-
389
NOTAS DOS TRADUTORES
390
NOTAS DOS TRADUTORES
CAPÍTULO 3
Daqui a cem anos, revendo o futuro:
a imagem variável da tecnologia
(a) Edward Bellamy (1850-1898), autor socialista norte americano famoso
pela sua obra utópica Looking forward 2000-1887, publicada em 1888 e
que foi uma das obras mais vendidas no século XIX. A obra foi tradu-
zida para português com o título Daqui a cem anos revendo o futuro
(Record, Rio de Janeiro, 1960, tradução de Myriam Campello).
(b) Aldous Huxley (1894-1963), escritor e filósofo inglês, autor de Brave
New World (publicado em 1932), uma novela distópica passada na ci-
dade de Londres durante o ano de 2540. Existem duas traduções, am-
bas publicadas com o mesmo título, Admirável Mundo Novo, uma de
Mário Henrique Leiria (em português) e outra de Lino Vallandro e
Vidal Serrano (em brasileiro).
(c) [enframing]: enquadramento, armação (gestell em alemão)
(d) [New Left] Movimento político dos anos 1960 e 1970, nos EUA, que
defendeu reformas profundas nos direitos cívicos, direitos dos ho-
mossexuais, aborto, papel dos géneros, legislação sobre drogas. Ver
http://historyproject.ucdavis.edu/lessons/view_lesson.php?id=43
(e) Cerca de dez milhões de trabalhadores interromperam o seu trabalho
e fecharam as ruas, ao mesmo tempo em que greves irrompiam por
toda a economia e parte considerável das atividades governamentais.
Foi uma clara ameaça ao sistema capitalista como um todo. Estes
eventos do Maio de 1968 francês foram um dos movimentos mais ra-
dicais e poderosos da Nova Esquerda, e o único com o apoio maciço
da classe trabalhadora.
(f) I de investigação e D de desenvolvimento (I&D)
(g) [nonmoderns]
(h) [mainframes]
(i) [hackers]
391
NOTAS DOS TRADUTORES
(j) [deskilling]
PARTE II
Construtivismo social
(a) [affordances]
(b) [branching]
(c) [layered]
CAPÍTULO 4
A perspectiva da teoria crítica da tecnologia
(a) [bias]: enviesamento, predominância de um valor em detrimento de
outros, desvio
(b) [feedback]
(c) [de-worlding], descontextualização
(d) [affordances]
(e) [disclosure]
(f) Gilbert Simondon (1924-1989), filósofo francês.
CAPÍTULO 5
Da informação à comunicação: a experiência francesa com
videotexto
(a) FCC: Federal Communications Commission (www.fcc.gov). A FCC
regula as comunicações interestaduais por radio, televisão, fio, satéli-
te e cabo em todos os territórios dos Estados Unidos da América. É
uma agência independente do governo americano, controlada pelo
Congresso, e constitui a principal autoridade para as leis, regulação e
inovação tecnológica em comunicações. A sua atividade centra-se so-
bre as oportunidades económicas e os desafios associados aos avan-
392
NOTAS DOS TRADUTORES
393
NOTAS DOS TRADUTORES
(e) [hackers]
(f) [feedback]
(g) Transpac era a designação para a rede francesa de telecomunicações
por comutação de pacotes [packet switching network], cuja operação
começou em 1978. A comutação por pacotes encaminha e transfere os
dados através de pacotes de dados endereçados que ocupam o canal
durante o processo de transmissão dos dados, mas que depois fica li-
vre para a transferência de outro tráfego.
(g) Transpac era também o nome da filial da empresa francesa de teleco-
municações, France Telecom, especializada em fornecer o acesso a re-
des de telecomunicações para fins empresariais, inicialmente
baseadas na comutação de pacotes e que era utilizada para a rede Te-
letel utilizada pelos terminais Minitel, então distribuídos pela France
Telecom.
(h) Web 2.0 é a designação habitual dada à nova geração de sítios com
ênfase na facilidade de uso colaborativo e inter operacionalidade, as-
sim como conteúdos gerados pelos utilizadores, em especial através
de redes sociais e comunidades virtuais.
(i) [sign in]
(j) [scrolling]
(k) [closure]
(l) [locked in]
(m) Alphaville: a estranha aventura de Lemmy Cautiion , do realizador fran-
cês Jean-Luc Godard, é um filme negro de ficção científica que ofere-
ce uma visão distópica de uma futura Paris modernista, a partir das
aventuras de uma agente secreto numa ditadura tecnocrática em que
um computador dotado de sentiência (o Alfa 60) controla totalmente
uma sociedade alienada. O filme estreou em maio de 1965.
(n) X.25 é um protocolo padrão para redes de telecomunicações baseadas
em comutação de pacotes sobre linhas telefónicas da rede telefónica
394
NOTAS DOS TRADUTORES
CAPÍTULO 6
Tecnologia num mundo global
(a) [department stores]. Estabelecimentos de retalho com uma enorme
variedade de diferentes categorias de produtos de consumo (os “de-
partamentos”), estabelecidos a partir de meados do século XIX. Estes
estabelecimentos alteraram os hábitos de compras e até mesmo a de-
finição de serviço e de luxo. Alguns formaram cadeias de unidades
395
NOTAS DOS TRADUTORES
de retalho. Nos USA, o caso da Sears foi pioneiro, não só com as suas
lojas, mas também pela enorme escala da operação de venda pelo
correio que manteve e pela integração vertical com unidades de pro-
dução dos produtos que vendia nas lojas.
(b) [Tatami] é um tipo de esteira usada como pavimento nos quartos das
habitações tradicionais no Japão. Originalmente, eram feitos a partir
da palha de arroz. A forma como se organizam as esteiras tem um
significado próprio na tradição japonesa, mais ou menos auspicioso.
(c) [black box]
(d) O domínio Satsuma era um dos domínios (território) japonês do
período Edo (1603-1868)
(e) [framework]
(f) [futons]: roupas de camas tradicionais japonesas, com uma esteira
acolchoada e um edredon, ambos fáceis de dobrar e arrumar durante
o dia, libertando então o uso do quarto para outros fins
(g) [inputs]
(h) [feedback]
(i) [individuals]
(j) logos : palavra grega que significa ordem e conhecimento em filosofia.
CAPÍTULO 7
Teoria da modernidade e estudos tecnológicos:
reflexões sobre como as aproximar
(a) [naive]
(b) [scaling up]
(c) administrations
(d) [lifeworld]
(e) dedifferentiation
396
NOTAS DOS TRADUTORES
(f) [biased]
(g) [O-rings]
(h) [ungrounded]
(i) [actor network theory]
(j) John Law publicou vários trabalhos sobre a navegação portuguesa e a
construção do império colonial, em especial no Oriente, uma das
primeiras aplicações da teoria dos atores em rede numa das primei-
ras aplicações da teoria. Um dos primeiros trabalhos de John Law so-
bre o tema aparece no conhecido livro editado por Bijker, Hughes e
Pinch (1993), The social construction oftechnological systems . O seu capí-
tulo, intitulado “Technology and heterogeneous engineering: the case
of portuguese expansion” (p. 111-134) discute as componentes huma-
nas e não humanas (daí a referência a “engenharia heterogénea” no
título: pessoas, competências, artefactos e fenómenos naturais) na ba-
se do sucesso da expansão portuguesa, numa perspetiva sistémica de
rede de atores capaz de criar um sistema que assegurasse uma nave-
gação segura de longo curso e no mar alto e que garantisse também o
seu regresso e da sua carga preciosa. Neste trabalho, o autor quer
mostrar acima de tudo a relevância de uma abordagem baseada na
rede de atores proposta por Callon e Latour para a análise da inova-
ção técnica. Já em 1986, Law tinha publicado um trabalho mais ex-
tenso sobre o assunto: “On the Methods of Long Distance Control:
Vessels, Navigation and the Portuguese Route to India” publicado
em John Law (ed), Power, Action and Belief: A New Sociology of Kno-
wledge? Sociological Review Monograph 32, Routledge, Henley, 1986.
Num trabalho mais recente (“Actor network theory and material se-
miotics”, in Turner, B. (ed), The Blackwell Companion to Social Theory
(2009)), Law volta ao caso da expansão portuguesa como um dos ca-
sos para discutir a teoria dos atores em rede como uma ferramenta
para compreender as histórias e “as práticas confusas de racionalida-
de e materialidade no mundo”. Aí refere: “Como é que os portugue-
ses chegaram à Índia e preservaram o controlo imperial? As histórias
397
NOTAS DOS TRADUTORES
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NOTAS DOS TRADUTORES
CAPÍTULO 8
Da teoria crítica da racionalidade à crítica racional da
racionalidade
(a) Vautrin, o anti herói de Balzac (1799-1850), aparece na novela Le Père
Goriot (1834) e noutras obras da série Comédie Humaine. Era um crimi-
noso condenado que se tinha escapado. Balzac ter-se-á inspirado
num criminoso que depois chegou a chefe da polícia em Paris.
(b) [affordances]
(c) [framework]
(d) [web]
(e) [commodification]
(f) [commodity]
(g) [feedback]
(h) [scripting]
(i) [chat rooms]
CAPÍTULO 9
Entre a razão e a experiência
(a) [skills]
(b) [ready to hand]
399
NOTAS DOS TRADUTORES
(c) [affordances]
(d) [worldhood]: termo relativo do sentido do mundo em geral, que de-
termina e é determinado por todos os outros significados e modalida-
des do mundo
(e) [revealing]
(f) [opening]
(g) [disclosure]
(h) [disclosed]
(i) [enactment]: aval /endosso / aprovação /adoção/ reconhecimento
(j) [Rectoral Address]
(k) ciência, em alemão
(l) ciências, em alemão
(m) plural de episteme, conhecimento (por convicção profunda), teoria
(grego).
(n) [standing forth]
(o) [unconcealedness]
(p) [brings forth]
(q) Eidos (grego): forma, essência, tipo, espécie; conteúdo formal de uma
cultura.
(r) Sinédoque: uma figura de linguagem, similar à metonímia. Consiste
na atribuição da parte pelo todo, ou do todo pela parte.
(s) [formlessness]
(t) peras (em grego): limite
(u) [enframing]
(v) serenidade, em alemão
(w) érgon (grego): trabalho ou trabalhador que atinge um propósito
400
NOTAS DOS TRADUTORES
POSFÁCIO
(a) [STS]
(b) [path dependency]
(c) [lock in]
(d) [de-worlding]
(e) [disclosure]
(f) [melting pot]
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