A Eternidade Da Mente - Baruch Espinosa

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Synesis, v.2, n. 2, 2010, p.

45 ISSN 1984-6754

A ETERNIDADE DA MENTE EM ESPINOSA:


A SALVAÇÃO DE UM EXCOMUNGADO

Philippe Alcantara Gebara Tavares1

Resumo: Uma das mais importantes teses de Espinosa é o paralelismo, particularmente entre o
corpo e a alma. Tudo o que se passa com o corpo deve corresponder com eventos na alma.
Assim, ao morrer o corpo, a alma cessaria também de existir. “Mas uma melhor parte da mente
permanece” – afirmará o filósofo, de forma surpreendente. Percorremos as interpretações de
Steven Nadler e de Donald Rutheford, uma de enfoque mais metafísico e outra, mais afetivo,
buscando compreender mais dessa intrigante doutrina de Espinosa, que põe em suspenso a
possibilidade de salvação ao homem.

Palavras-chave: eternidade da mente, identidade pessoal, acquiescentia animi.

Abstract: One of the most important Spinoza’s theses is the parallelism, mainly between soul
and body. Everything which happens with the body should correspond with events in the soul.
Dying the body, thus, the soul would cease also to exist. “But a better part of the mind remains”
– the philosopher will affirm, in an astonishing way. We go through the interpretations of
Steven Nadler and Donald Rutheford, one of a more metaphysical approach and other of a
more affective approach, to try to understand more about. It is a puzzling doctrine of Spinoza,
which puts on hold the possibility of man’s salvation.

Keywords: eternity of mind, personal identity, acquiescentia animi.

1
Graduado em Filosofia pela UFRJ. Email: [email protected]

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Introdução

A excomunhão de Espinosa pela comunidade judaica em 1656 teria acontecido, segundo


Steven Nadler, porque o filósofo “defendia teses “cartesianas” com o agravante de questionar a
imortalidade da alma” (PINHEIRO, 2011). Mas diferentemente disso, Descartes se orgulhava
por sua filosofia trazer felizes consequências para a religião (NADLER, 2002, 224p), da qual a
subsistência e a imortalidade da alma são exemplos, derivados do dualismo alma-corpo. Assim,
Espinosa, ao questionar a imortalidade da alma e defender a identidade entre a alma e corpo,
teria assumido uma tese mais radical do que Descartes, posicionando-se realmente contra o
pensamento religioso tradicional. No entanto, o filósofo holandês, em seu Curto Tratado, trata
da “imortalidade da alma” no Capítulo 23 (PINHEIRO, 2011). De fato, Espinosa parece
algumas vezes expressar opiniões ambíguas com relação ao tema da vida após a morte,
particularmente na Parte V da Ética, que trata da parte eterna da mente que permanece após a
destruição do corpo. Nela aparece uma defesa da eternidade da mente que poderia muito bem
ser confundida com a da imortalidade da alma. Em alguns sistemas, de fato, mente, alma,
imortalidade e eternidade são identificadas entre si, mas, como pretenderemos mostrar, não no
de Espinosa.
De tal esclarecimento, vai depender o estatuto da salvação, que seria o principal objetivo
de uma ética, a qual propõe meios para se chegar à felicidade. Em verdade, Espinosa entende
que a felicidade não depende de fazer o que se imediatamente deseja, à mercê das circunstâncias
da vida. Ao contrário, eticamente estabelece um meio claro – o exercício do entendimento –
para se ao menos alcançar, em suas palavras, a satisfação consigo mesmo: a acquiescentia in se
ipso. Um afeto que nos traria uma “salvação secular”, na expressão de Yovel: um “estado a ser
alcançado dentro desta vida, e não depois dela. Seja o que for essa salvação, ela enriquece a
existência imanente e terrena do filósofo. Sem ter nenhuma importância além” (in
RUTHEFORD, 1999, 449p).
Mas, além do mundo terreno, Espinosa também falará de uma felicidade eterna, saindo a
princípio de uma esfera pagã para se aproximar de uma esfera religiosa, dentro dos avanços e
retrocessos em relação à tradição que apresenta.

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A tal felicidade eterna ele chamará de “beatitude”. Para atingi-la, o meio a ser perseguido
é o 3º gênero de conhecimento: “um conhecimento intuitivo pelo qual apreendemos a
dependência necessária e eterna das coisas finitas na essência infinita de Deus”
(RUTHERFORD, 1999, 447p). E como, em Espinosa, “todo estado epistêmico sempre envolve
um afetivo” (Idem), o 3º gênero é acompanhado de afetos, que são o amor intelectual a Deus e a
suprema satisfação (summa acquiescentia, também chamada de acquiescentia animi).
Segundo Ronald Rutherford, os comentadores só se concentraram no afeto do amor
intelectual a Deus, deixando de lado a associação que existe entre acquiescentia animi e
beatitude, o que faria parte de uma teoria ética mais ampla (Idem).
Estudando em que consiste a eternidade da mente, bem como avaliando a pertinência de
cada salvação, secular ou eterna, ao usar, como propõe Rutherford, os conceitos relacionados à
satisfação (acquiescentia in se ipso e acquiescentia animi), cercaremos o problema de dois lados,
primeiro sob um olhar mais metafísico, de acordo com os comentários de Nadler, e depois sob
um olhar mais afetivo, segundo os de Rutherford. Assim, esperamos trazer algumas luzes para a
compreensão do principal objetivo da Ética de Espinosa.

1. Apresentação da filosofia da Ética

Antes de prosseguirmos com a questão do estudo, que se encontra na última parte da


Ética, é preciso apresentar as principais teses das partes restantes, das quais a nossa questão é
consequência.
O pilar do projeto espinosista é a radicalização do conceito de substância, tal como era
entendido por muitos autores da tradição. Para estes, a substância era o que é por si: aquilo cuja
essência não depende de outro para ser atualizada, em oposição ao acidente. Tinham, porém, em
mente que esse era um conceito analógico porque, ao ser restritamente considerado, só se
aplicaria a Deus, visto que as coisas do mundo não seriam, no fim, autônomas, mas
dependeriam desse ipsum Esse subsistens2 para existir. Para marcar bem essa diferença e evitar
qualquer ambigüidade, tais autores atribuíram a Deus o qualificativo “em si”, indicando sua
subsistência absoluta. Contudo, Espinosa está preocupado em propor um sistema bem claro,

2
Do latim, “o próprio Ser subsistente”.

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com definições precisas, onde não há lugar para variações analógicas. Para se delimitar um
conceito, é preciso saber as regras de produção do objeto a que corresponde. Só posso conhecer
conceitualmente um círculo se conheço sua gênese (que segue de uma linha traçada de forma
equidistante em torno de um centro). Assim, o conceito de substância – o que não depende de
nada para existir e de nada para ser concebido – não poderia se referir a nada além do que Deus,
pois é sua regra de geração. Não há substâncias segundas: todos os entes são como que acidentes
da única substância, que é Deus, mas não como entidades que lhe são acrescidas de forma
extrínseca, mas como entidades que por ela são geradas. Por isso, em vez de “acidentes”,
Espinosa preferiu o termo “modos” para designar essas afecções da substância.

A substância (...), portanto, é um ser único que se expressa em diversas


formas, ser infragmentável porém matizado, infinitamente diferenciado
sem ser descontínuo, e produzindo necessariamente em si uma
infinidade de coisas naturais finitas que não mais são do que seus
modos (GLEIZER, 2005, 18p).

“Ou Deus, ou Natureza” – é a opção que o filósofo nos oferece para apontar a essa
realidade que tudo engloba. Não existe um ser pessoal, inteligente, que cria e governa o mundo,
recompensando cada um de acordo com suas obras. Deus é imanente ao nosso mundo, mas não
se esgota nele. A realidade que conhecemos é apenas uma produção da Natureza, desse Deus,
sob os atributos da Extensão e Pensamento. Como fomos feitos dentro dessas duas expressões ou
atributos de Deus, sendo parcelas de extensão que pensam, só podemos conhecer a realidade
dentro desses limites de Extensão e Pensamento. Mas os atributos da Natureza são infinitos e,
como Espinosa demonstra, não há comunicação entre nenhum deles (corpo e alma, por
exemplo, estão isolados em suas respectivas afecções e ideias). Mesmo sendo infinitamente
“totipotente”, Deus consegue se esgotar produzindo todos os modos possíveis, de acordo com
cada atributo, porque sua essência é pura potência ativa (pura enérgeia, em termos aristotélicos).
Ele caracteriza-se por ser, de fato, tudo que pode ser. Por isso, é todo o possível, gerando-o
através de modos, não por uma vontade livre, mas por uma implicação lógico-matemática
independente:

O conceito de potência não designa em Espinosa uma virtualidade cuja


atualização seria contingente, mas sim uma atividade causal inesgotável
na qual a substância é determinada exclusivamente por sua própria

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essência a produzir nela mesma infinitas coisas em infinitos modos, isto


é, tudo que é concebível (Idem).

A produção dos modos pode ocorrer de duas formas: (i) seguindo diretamente da
natureza de Deus, ou (ii) através da influência de outros modos. A essência de Deus, em si
mesma considerada, modifica-se e produz as essências eternas dos entes finitos. Mas a atualização
desses modos eternos no espaço e no tempo depende dos encontros dos entes atuais, de acordo
com a ordem da Natureza.
Em um horizonte onde toda possibilidade é atualizada, não há espaço para a liberdade de
escolha, para um ser diferente. Tudo, que existe assim, existe porque deveria ser assim. A
necessidade preenche todos os entes e acontecimentos. O homem apenas crê ter livre-arbítrio e o
mal perde seu escopo metafísico, tornando-se relativo a cada indivíduo.
Todas as teses metafísicas que apresentamos até agora são estabelecidas, de modo geral,
na Parte I da Ética, preparando terreno para a exposição de uma antropologia filosófica, que é
revolucionária, na Parte II. O homem deixa de ser composto, tal como ocorria no cartesianismo,
por duas substâncias diferentes, corpo e alma, misteriosamente unidas, para ser uma só realidade,
que pode ser expressa de duas formas: ou através do Pensamento, como alma, ou da Extensão,
como corpo. Como dissemos, os atributos são independentes, mas Espinosa propõe de forma
sofisticada que há um paralelismo entre seus eventos. Cada vez que eu tiver uma dada afecção
corporal, terei uma ideia correspondente. Essa relação afecção-ideia se manterá para toda a
ordem (ou sucessão) de causas de cada atributo. O nexo causal é sempre o mesmo, pois,
remetendo à única substância onde tudo se move, o que se passa em um atributo é, no fundo, a
mesma realidade que se passa no outro atributo. Por exemplo, a ideia 1, correspondente à
afecção 1, sempre será seguida da ideia 2, correspondente à afecção 2, da mesma forma que entre
afecção 1 e da afecção 2 há também uma relação permanente de sucessão. De forma bem
específica, o filósofo expressa na antropologia esse paralelismo entre atributos definindo a alma
como ideia do corpo, superando a separação total:

E isso permite a Spinoza explicar o conhecimento do mundo corpóreo


muito mais facilmente do que Descartes conseguiu. A mens é, de fato,
para Spinoza, originariamente consciência do corpo; portanto, se
apercebe das modificações dele, e por meio dessas modificações

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conhece, mesmo que indiretamente, os outros corpos (ROVIGHI,


2006).

Conhecer através das afecções pertence ao 1º gênero de conhecimento que propõe o


filósofo, caracterizado pela imaginação, que é fonte de engano. Clareza e distinção só terá o
homem através do 2º gênero, por meio das noções comuns, usando a razão; e através do 3º
gênero, por meio das essências singulares, apreendidas pela intuição. Mais à frente deter-nos-
emos melhor em tais gêneros de conhecimento.
Passemos agora à afetividade espinosista, ligada às modificações do corpo, tema da Parte
III. Espinosa concebe o afeto como a afecção do corpo que aumenta ou diminui nossa potência
de agir, acompanhada da ideia dessa afecção. Uma concepção que oscila “entre o modo
cartesiano de considerar [o afeto] como conhecimento confuso e o conceito escolástico [de afeto]
como tendência, impulso sensitivo”3. Ora, o filósofo assimila potência à essência: o que
caracteriza cada ente é a maneira com que pode atuar, de acordo com sua participação na
potência de Deus. Nem sempre a coisa exerce sua potência, pois pode ser impedida por outros,
mas mesmo assim ela persiste. Por isso, seu impulso por perseverar em seu ser ganha o nome de
“esforço” (conatus). O homem esforça-se por conhecer. Ao deixar-se afetar por causas exteriores,
pode ou não ter sua potência de pensar aumentada (note-se a estrita co-pertinência de
epistemologia e afetividade). Seja de uma forma ou outra, como está em posição passiva, o que
lhe afeta tem o nome de paixões. Quando sofre diminuição de potência, por uma paixão
desfavorável, sendo afetado de tristeza, não consegue representar de forma adequada/ verdadeira
a realidade (influência cartesiana). Porém, ao agir de forma autodeterminante, realiza ações, e não
padece. Conhece de fato e é certamente afetado de alegria, pois sua potência é aumentada
(influência escolástica). A partir dessa mecânica básica, uma árvore inteira de afetos será
engendrada, incluindo amor, ódio, ciúme, compaixão, inveja, cobiça, etc.
Como viver eticamente? A Parte IV discursa sobre a virtude, identificando-a com o
esforço. Ao agir de forma virtuosa, seguindo uma conduta em vista da felicidade, o homem não
busca nada mais do que sua conservação, ou seja, esforça-se. A virtude, em outras palavras, tem
em vista o que nos é útil, os afetos bons, para contrabalancear os afetos maus.

3
Idem, 195p. Substituímos a “paixão” da tradução por “afeto”, pois paixão é um afeto passivo.

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O instrumento para chegar a tal relação orientada para o que aumenta nossa potência é
proposto pela Parte V como a razão. Por ela, compreendemos que tudo é necessário, pois as
coisas são modos da única substância, de Deus. Assim, conhecemos no nível mais profundo a
realidade. Um conhecimento tão excelente só pode nos causar máxima alegria, pois satisfaz
soberanamente nosso desejo por conhecer. Sendo Deus a causa dessa alegria suprema, passamos
a amá-lo, isto é, a amar todas as coisas, que lhe são modos, de uma forma igual, deixando de
amar ou odiar apenas uma coisa ou outra. Numa segunda seção da Parte V, Espinosa passa a
considerar o que sucede, depois da morte, à vida presente, chegando ao nosso tema de estudo.

2. Eternidade-imortalidade

Começando a adentrar no problema: Que é o tempo? Como medi-lo? Para Espinosa, ele
depende da existência dos modos finitos. Se algo existe agora, e não é em si, em um momento
começou a existir por uma causa eficiente. Entre essas duas referências – uma no passado, em
um início de existência, e uma no presente, no que vejo agora – supõe-se uma continuidade. Isso
é o que o filósofo chama de duração: a continuação no existir a partir de um começo. Ao entrar
na existência, a essência do modo é determinada a perseverar no existir. Ela não envolve
nenhuma noção de término, porque é, por si, ilimitada. Que um modo tenha um fim,
dependerá da ação de causas exteriores. “A morte e o nascimento não são de modo algum
simétricos” (DELEUZE, 2002, 69p). Já a eternidade, que está fora do tempo, é a existência de
algo eterno, porque concebido como necessário (IDef84), sem começo. Ora, obviamente um
modo, depois da morte, não poderia entrar na eternidade, como em uma sequência de fatos. Tal
seria o caso de passar à imortalidade para as religiões tradicionais, de acordo com a interpretação
que Espinosa faz delas.

4
As citações da Ética são retiradas da tradução de Tomaz Tadeu, seguindo este modelo: número da Parte em
algarismos romanos; Proposição abreviada por “P”, com sua referência em algarismos indoarábicos; escólio
abreviado por “s”; corolário, por “c”; definição de afetos, por “aff. def.”; apêndices, por “app.”.

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Eterno seria Deus, seus atributos da Extensão e Pensamento e os modos infinitos (como
a lei do movimento e repouso). E também poderiam ser coisas finitas, consideradas enquanto
produzidas diretamente por Deus, em suas essências.

3. Interpretação de Steven Nadler

3.1 Panorama sobre a eternidade da mente

Muitos julgaram que a famosa Proposição 7 da Parte II da Ética, na qual o “dualismo


cartesiano entre alma e corpo é aparentemente negado” (PINHEIRO, 2011), propunha que,
cessando de existir o corpo, cessaria de existir também a mente, junto com alma, pois o corpo,
no sistema espinosista, não só se relaciona com a alma por uma relação de representação, mas de
identidade5. Esses, que assim compreenderam o assunto, ao chegar na Parte V da obra, na qual
se afirma que “[a]s reflexões que precedem terminam o que tinha o propósito de dizer sobre a
vida presente. [....] É chegado, pois, o momento de passar a considerar o que pertence à duração
da mente sem relação com o corpo” (VP20s), consideram muitas vezes que Espinosa entrou em
contradição. Chegam mesmo, como Jonathan Bennett, a tomar essa Parte como um “absoluto e
aparentemente desmotivado desastre... lixo que leva outros a escrever lixo” (BENNETT, 1984,
357p). No entanto, a defesa da eternidade da mente não é em absoluto “desmotivada”, pois está
em profunda ligação não só com proposições da Ética, mas com o fim dela mesmo, que é levar
os homens a uma vida ética (e isso o próprio Espinosa afirma no Escólio acima citado). De fato,
segundo Nadler, Bennett “ou está intencionalmente exagerando para dar apoio a seus
argumentos, ou falha em compreender a importância do inteiro trabalho” (NADLER, 2001,
225p).
O cenário ainda piora quando Espinosa diz que apenas a “melhor parte” da mente
sobrevive à morte do corpo. O que seria ela e se envolve identidade pessoal é um assunto de
grande debate. Edwin Curley, ausentando-se de esclarecer sua natureza, sentencia que a doutrina
da eternidade da mente de forma alguma significará que “eu possa cogitar ter qualquer esperança

5
É uma conclusão derivada dos seguintes enunciados: (1) “...um modo da extensão e a ideia desse modo é uma só
e mesma coisa, mas expressa de duas maneiras” (IIP7s.) (2) “O objeto da ideia que constitui a alma humana é o
corpo” (IIP13).

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de imortalidade” (Idem). James Morrison explicará essa negação da identidade, apresentando


que é o corpo a condição essencial de individuação (indo ao encontro dos partidários da
inexistência de vida pós-morte, a que inicialmente nos referimos). Também rejeitando a
identidade pessoal, mas dando um passo a mais, Stuart Hampshire ousa explicar que a existência
que a mente passa a gozar é de estar unida a “Deus ou Natureza concebidos sob o atributo do
Pensamento”, uma teoria que Nadler considera de tipo averroísta (Idem).
Mas ainda restarão aqueles que defendem a imortalidade pessoal, em uma interpretação
“mais popular”, sendo uma de suas posições a que atribui à “melhor parte” justamente a
pessoalidade, e outra posição, chamada de “aristotélica” (Idem), que a considera como sendo a
forma do corpo.
Entretanto, como Nadler observa, Espinosa nunca usa o termo immortalitas como
conceito de seu sistema; utiliza-o apenas uma vez, quando está falando sobre a falsa crença da
multidão no céu e inferno. O vulgo a usaria, de forma muito freqüente, como desculpa para agir
moralmente, na esperança em obter, depois da morte, um preço por sua servidão, e do medo de
ser punido com cruéis suplícios. Do contrário, se tais realidades não existissem, entregar-se-ia à
licenciosidade, em vez de renunciar a seus direitos em prol de um direito divino. Mas isso, para
o filósofo holandês, é tão absurdo quanto alguém que, “por não acreditar que possa, sempre,
alimentar seu corpo com bons alimentos, preferisse saciar-se de venenos ou substâncias letais”
(VP41s). A virtude vale a pena por si só: que o estado de satisfação não continue depois da
morte, não quer dizer que não devamos persegui-lo nesta vida.
Esse é um dos elementos que levam Espinosa a rejeitar a imortalidade da alma, o que faz
com “absoluta satisfação” (Idem, 228p), porque quer homens felizes, não homens inquietos por
imagens (ideias confusas).

3.2 Dois aspectos da eternidade da mente

A eternidade que o filósofo confere à mente, enquanto é a ideia do corpo, pode ser vista
sob dois aspectos. Há uma eternidade que a alma de todo ser tem, e outra especificamente da
mente humana.

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Em primeiro lugar, em ocasião da morte, a mente passa a não exprimir mais a existência
atual do corpo (VP21), como fazia quando ele existia. Ora, tal “expressão” definia o ser atual da
mente, na medida em que a mente consistia em uma idéia cujo objeto era o corpo (IIP11 e
IIP13). Pelo ax. 6 da P.1, uma ideia supõe sempre um objeto (ideado). Assim, ao cessar de existir
o corpo, a ideia que era a mente, sem seu objeto, cessaria também de existir? Não, pois “a mente
humana não pode ser inteiramente destruída juntamente com o corpo: dela permanece algo que
é eterno”, de acordo com a prop. 23 da Parte V. Que algo é este? Como Espinosa demonstra,
existe em Deus a ideia da essência do corpo humano, concebida, não pela duração, mas por uma
necessidade eterna, em virtude da própria essência de Deus. Apontando à prop. 13 da Parte II, o
filósofo tenta atrelar tal ideia de essência do corpo à essência da mente, mas essa proposição
excluía justamente tudo que constituísse o objeto da mente além do corpo existente. A solução
possível seria que Espinosa resgata a definição da prop. 13, de que o objeto da ideia que
constitui mente é o corpo, para lhe dar nova significação, a partir da nova perspectiva que
introduz na Parte V: a da eternidade. Portanto, o corpo, considerado em sua essência, seria o
objeto da mente, igualmente considerada. Uma parte, pois, da mente subsistiria à morte: sua
essência, que é eterna.
O acima exposto não é exclusividade do homem. “Tudo o que dissemos da ideia do
corpo humano deve-se necessariamente dizer-se da ideia de qualquer coisa” (IIP13s). Todo ser é
uma modificação do atributo da Extensão, uma quantidade extensional, definida por uma razão
eterna entre movimento e repouso de partes infinitamente pequenas (embora a organização do
corpo humano seja bem mais complexa). Essa razão é sua essência sob o aspecto da Extensão:
uma possibilidade eterna de esse atributo ser modificado. Pela lei do paralelismo, onde tudo que
pertence à ordem dos corpos pertence também à ordem das ideias, há uma modificação
correspondente do atributo do Pensamento: uma ideia que exprime a essência da mente, relativa
a tal parte eterna do corpo. Portanto, a existência eterna de uma essência da mente não é
particular ao homem, nem possui ligação com a vida na duração. Essa essência não inclui
pessoalidade.
Já que até aqui parece não haver esperança para o homem preocupado com o além,
passemos para o segundo lugar.

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Agora trataremos da estranha parte da mente que, de acordo com a prop. 38 da Parte V,
é suscetível a aumento, na medida em que, pelo 2º e 3º gêneros de conhecimento, diminui o
padecimento que sofre.
A essência de toda coisa é perseverar em seu ser. Disso depende a virtude, para o homem,
que consiste em buscar tudo que lhe é útil. Ora, o corpo humano tem como função particular o
compreender. Logo, o conhecimento lhe é útil para continuar existindo como ser cognoscente.
No entanto, nem todo conhecimento dá o homem um quadro fiel da realidade. Há
aquele inadequado, que vem dos sentidos, que mais representam seu corpo afetado do que o
objeto que modifica. É um conhecimento circunscrito às “limitações perceptivas de seu [do
corpo] lugar físico” (NADLER, 2002, 233p), dependendo da “ordem comum da natureza”, dos
encontros que o corpo terá ao acaso com outros corpos. É um conteúdo que é objeto da
imaginação, na peculiar concepção de Espinosa, que caracteriza o 1º gênero de conhecimento. A
imagem é necessariamente “confusa e mutilada” (IIP29c), pois não traz conhecimento das
essências das coisas; este apenas a ideia adequada oferecerá.
Só o 2º e 3º gêneros trarão um conhecimento verdadeiro da natureza, racional e
ordenado. O 2º gênero depende da razão e o 3º, diretamente de uma “intuição”. A razão alcança
ideias adequadas através de um raciocínio, de um método discursivo. Descobre, em último caso,
que todas as coisas estão ligadas causalmente aos atributos de Deus. Isso é descobrir suas
essências; ou como modificação particular da Extensão ou como modificação particular do
Pensamento. Dessa forma, o homem compreende as coisas e a ordem da natureza como
necessárias, como parte do próprio Deus eterno, em uma concepção fora do tempo, sob
perspectiva da eternidade. Assim, ele não padece refém do mundo, mas atua.
Já pelo 3º gênero de conhecimento, a mente consegue compreender tudo isso só por um
ato, prescindindo de premissas. É um conhecimento mais excelente, pois não depende da
duração, de outros corpos. A mente que o executa está desempenhando seu maior poder ou
virtude, realizando-se como ser racional e cumprindo sua essência.
Se as ideias adequadas em jogo revelam as verdades necessárias do universo, elas são
eternas. Subsistem à morte do corpo e compõem a parte da mente que permanece. Assim,
quanto maior for o número de ideias adequadas que obtivermos, maior será a parte eterna de
nossa mente e maior nossa “participação” na eternidade, na expressão de Nadler, desde agora

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(Idem, 237p). Desse modo, menos temeremos a morte, porque menos seremos afetados de
afetos nocivos (VP38). O medo, por exemplo, é um deles, sendo uma “tristeza instável, surgida
da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida” (III aff. def.
13). Da morte, não podemos ter dúvida, porque o esforço da Natureza sempre superará o nosso,
mas há nela, de fato, uma dúvida envolvida. Pensamos que ela pode ser condição para algo que a
suceda de que não temos certeza, causando-nos dúvida, medo e tristeza. Contudo, se já
sentirmos e experimentarmos que somos eternos por “participação” neste mundo, gozaremos de
suma satisfação e afastaremos as paixões más, como o medo.
Porém, depois da morte, só restando ideias adequadas, “algo que pertenceu a mim e
compôs uma parte – a parte eterna – dos conteúdos da minha mente” (Idem), não haverá
continuação de pessoalidade, pois esta supõe consciência de ser o mesmo ente continuando a
existir, através da memória, que é uma função do corpo, dependente da duração.

3.3 Possível referência da parte eterna da mente à pessoa que a possuiu

Se está claro que a pessoa não continua depois da morte, resta a questão se poderia ainda
haver, na parte eterna da mente que permanece, algo que a identificasse como tendo feito parte
de tal ou tal pessoa na duração. O nosso leitor atento logo perceberá que isso parece ser uma
contradição em termos, pois a eternidade não carrega nenhuma referência à duração. Entretanto,
fechar essa porta logo nos levará à conclusão de que não há como distinguir qualitativamente
uma mente de outra na eternidade, negando aparentemente a permanência da parte eterna de
uma mente, depois da morte.
Para Harry A. Wolfson, a distinção que supõe existir entre mentes eternas se realizaria
pela quantidade de ideias adequadas que cada uma, durante o fluxo da vida, conseguiu obter
(Idem, 239p). Mas e se obtivessem o exato número de ideias adequadas, se estamos falando em
termos quantitativos? Aquele não parece ser, portanto, um critério suficiente de distinção.
Além do aspecto eterno da mente ligado a essa coleção de ideias, é preciso lembrar
daquele que a define, assim como as mentes de outros seres, como expressão no atributo do
Pensamento da essência do corpo. Pensando que cada indivíduo é único, composto por
diferentes partes infinitamente pequenas, segundo uma razão entre o movimento e repouso

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destas, que traduz sua essência, esse poderia ser um bom critério de identidade. Contudo, para
Nadler, o exemplo dos gêmeos perfeitamente idênticos, os quais teriam uma igual essência,
rompe com essa possibilidade (Idem, 242p). Possibilidade que ele considerava a última para
salvaguardar a identidade da mente eterna, chegando à conclusão de que as ideias adequadas e a
ideia da essência do corpo, depois da morte, simplesmente se dispersam e retornam ao intelecto
infinito de Deus. Isso acontece pois essas ideias, sendo modos do atributo do Pensamento, que,
reunindo-se, formam o intelecto de Deus, não são nada mais que o conhecimento que Deus tem
das coisas.
Nesse ponto, Nadler admite estar confuso sobre a integridade da “coleção” de ideias
adequadas que constituem uma mente eterna. Como a ideia adequada, por exemplo, de um
cachorro poderá estar em dois indivíduos ao mesmo tempo? Mas o autor explica que, se sua tese
estiver correta, há uma só da “coleção” de ideias adequadas, da qual as mentes usufruem na
duração, levando-as a “participar” da eternidade. Desse transcender o tempo durante alguns
instantes de nossa vida, podemos ser plenamente conscientes e, assim, gozar de suma alegria. Na
eternidade, não teremos pessoalidade, nem ao menos identidade.

3.4 Rejeição da imortalidade na obra para fins morais e políticos

Mesmo que não estejamos convencidos sobre em que consiste a eternidade da mente,
para Nadler, uma coisa é certa: Espinosa rejeita a imortalidade da alma, por seus argumentos
contra a religião. Mais especificamente, por combater a manipulação dos líderes religiosos, a
qual se baseia principalmente na exploração dos afetos de medo e esperança dos crentes em
relação à vida eterna, para ganhar poder. Solapando esse fundamento de persuasão, Espinosa
quer nos liberar das paixões más e abrir espaço para uma vida de bem-estar, sob a condução da
razão.
Portanto, mais que uma tese metafísica, o filósofo quer trazer uma revolução na moral e
na política.

4. Intepretação de Donald Rutheford

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Synesis, v.2, n. 2, 2010, p. 58 ISSN 1984-6754

4.1 Acquiescentia in se ipso

As definições de amor e ódio afirmam que a causa dessas emoções são externas, mas isso
não é necessário, pelo menos não no caso do amor. Quando a mente humana é consciente de si
como causa do aumento em sua própria perfeição, por ter atuado de sua forma específica, ou
seja, exercendo o entendimento, é afetada de um tipo de amor próprio, de uma alegria
acompanhada da ideia de si como causa dessa alegria. É a acquiescentia in se ipso ou satisfação
consigo mesmo (Def. Aff. 25), que depende, portanto, da reflexão adequada sobre um
conhecimento adequado que sempre o acompanha (segundo um princípio epistemológico
espinosista).

4.2 Acquiescentia animi

Para Rutheford, Espinosa, no final da Parte IV (IVapp.4), indica que, para obter a maior
satisfação, “não basta simplesmente viver de acordo com a razão de qualquer jeito ordinário”,
mas é preciso “aperfeiçoar nosso intelecto pelo conhecimento de Deus” (Idem). E isso trará, não
mais a acquiescentia in se ipso, mas a acquiescentia animi, que é a maior felicidade para o homem
(Parte V) . Mas, segundo IVP52s, a satisfação consigo mesmo não era o máximo que podíamos
esperar? Como Espinosa vai esclarecer, o autor responde, tratam-se do mesmo tipo de afeto, de
uma alegria que surge da consideração de si e do poder de agir, e diferem-se em relação ao
gênero de conhecimento a que estão ligados: 2º ou 3º gênero.
O 3º gênero supõe que a mente seja eterna, e isso parece indicar que a alegria que surge
da consciência da mente de ter esse gênero de conhecimento é igualmente eterna. Porém, como
pelo conhecimento de Deus chego a uma consideração de mim e de meu poder de agir e por que
dele depende minha plena satisfação?

[A] dependência necessária de todas as coisas em Deus é a maior coisa


que pode ser compreendida, e porque, através do 3º gênero de
conhecimento, compreendemos tal dependência diretamente, sem
mediação de outras ideias, esse conhecimento é fonte da maior potência
da mente e, então, de sua maior satisfação (RUTHEFORD, 1999,
460p).
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4.3 Eternidade da mente

Segundo o autor, a doutrina da eternidade da mente é “um componente integral da


hipótese de Espinosa sobre o 3º gênero” (Idem). Se por este não se conhece as coisas enquanto
“existindo em relação a um certo tempo e espaço”, mas enquanto “contidas em Deus e seguindo
da necessidade da natureza divina” (VP29s); não enquanto surgem a partir da modificação finita
de um atributo de Deus, mas de sua natureza absoluta (IP28), o conhecimento que dele surge é
eterno. Pela lei da homologia, para ser capaz de tal conhecimento, a mente precisa ser necessária
e igualmente eterna.
Contudo, não parece que a mente seja capaz de um conhecimento eterno, pois fora
definida como uma ideia cujo objeto é o corpo existente (IIP13), o que só a possibilitaria de
conceber a duração e as coisas em relação ao tempo (VP29d). Para ser de outro modo, precisaria
poder ser concebida de outra maneira, como tendo outro objeto: é isso que proporia Espinosa,
ao conceber a mente em sua essência, cuja representação é a essência do corpo humano.
Enquanto é eterna, a mente pode conceber as coisas sub species aeternitatis (VP31).
E se essa mente que conhece pelo 3º gênero de conhecimento é concebida sub species
aeternitatis, ela é concebida através da essência de Deus, ou enquanto através da essência de Deus
envolve existência, segundo a VP30, porque Deus é a causa imanente da mente. Assim, Deus é
igualmente causa do 3º gênero e da alegria que surge da consciência de tê-lo. Por definição, o
amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa externa. Logo, a mente dirige a Deus
um amor “não enquanto o imaginamos como presente (por P29), mas enquanto
compreendemos Deus como eterno” (VP32). Pela mesma lei da homologia, esse amor
intelectual a Deus é necessariamente eterno. Desse modo, não pode surgir de nenhum aumento
de perfeição, e sim, de um estado de perfeição eterno, que Espinosa chama de beatitude (no qual
a mente sempre estaria, mas sem ter consciência).
Do 3º gênero, que é eterno, segue a acquiescentia, uma alegria vinda da consciência da
mente sobre si mesma e seu poder de agir, que também deve ser eterna.
Portanto, Rutheford vê que a mente humana é:
identificada com uma parte do intelecto eterno e infinito de Deus
(VP40s), parte que inclui ideias adequadas de sua dependência eterna

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em Deus e os afetos – de beatitude, amor ao divino e satisfação da


mente – associados com essas ideias (Idem, 465).

4.4 A Salvação do Filósofo

A salvação do filósofo ainda poderia ocorrer nesta terra, se a acquiescentia animi está
necessariamente ligada à satisfação de uma mente eterna? Como salienta Rutheford, a última
frase da Ética parece indicar que sim: “mesmo que pareça muito difícil o caminho, ainda pode
ser encontrado” (VP42). A salvação seria um episódio decisivo na vida do filósofo, conquistada
em um dado momento, através de seus esforços para aperfeiçoar seu entendimento por meio do
3º gênero de conhecimento, e durável apenas enquanto sustentasse tal modalidade cognoscitiva.
Mas como poderia se sustentar que a acquiescentia animi é assim conquistada, se ela não
possui nenhuma relação com o tempo? Posições que vão nesse sentido “importam noções
temporais estrangeiras à visão de Espinosa sobre a salvação” (Idem, 465).
Contudo, no Curto Tratado, Espinosa diz que a mente, ao alcançar a salvação, passa por
um “renascimento”, entrando na eternidade e deixando a duração (Idem, 466p).
A teoria da Ética, porém, seria mais complexa, ao assumir que a mente é uma ideia do
corpo. Em primeiro lugar, essa tese daria à mente uma grande complexidade, pois a faz
corresponder através de ideias ao grande número de “indivíduos altamente compostos” que
compõem o corpo (IIP15). Além disso, como “a ideia de uma coisa singular existente em ato
envolve necessariamente tanto a essência quanto a existência dessa coisa” (IIP45), a mente
precisaria, além de envolver na ideia do corpo a ideia de sua duração, abranger também a ideia
de sua essência. Como a essência está sob a espécie da eternidade e ideia que dela temos é
igualmente eterna, conclui-se que a mente é composta por dois tipos de ideias, em referência ao
tempo: uma que incorpora uma representação da duração; outra, que não.
De tal forma fracionada, como pode a alma preservar sua unidade? Pela sua própria
definição, que depende do corpo. Se o corpo mantém sua unidade, através de uma constância
entre movimento e repouso, mantida por seu esforço enquanto não é ultrapassado pelas causas
exteriores, a alma como sua ideia vai permanecer. Em paralelo a tal “razão” do corpo, a mente é
sustentada por uma sucessão de ideias mantida por sua própria potência, independentemente se

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as ideias são adequadas, seguindo apenas de sua natureza, ou se são inadequadas, seguindo em
conjunção com a natureza de outras mentes (IIP11C e IIIP9d).
Como Espinosa explica em IIP44 e em seus corolários, as primeiras são
ideias em que as coisas são representadas como necessárias e eternas; as
últimas, ideias em que as coisas são representadas como contingentes e
temporais. Contudo, em ambos os casos, as ideias seguem (inteira ou
parcialmente) da mesma mente, que permanece por virtude de sua
essência (Idem, 468p).

Assim, não haveria por que contestar que a mesma mente permaneça antes e depois de
assumir o 3º gênero de conhecimento, pois a aquisição desse conhecimento representa “uma
mudança simplesmente na determinação das ideias e não em seu modo de existência (de
duracional para não-duracional)” (Idem).
Defender isso, entretanto, não quer dizer que haja uma continuidade psicológica, ou
uma consciência de si mesmo perseverando. Ora, a consciência de si mesmo depende de a alma
ter a ideia cujo objeto é si mesma ou ter ideias que a constituem (IIP21s). Mas a alma é ideia do
corpo e as ideias que a constituem representam as afecções desse corpo. Logo, a consciência de si
depende de uma existência corporal e de suas variadas percepções, que estão unidas pela
memória (IIP18s).
Sobre esse autoconhecimento, Espinosa “está mais concentrado em dizer que é
necessariamente inadequado” (Idem). Ora, a mente humana não conhece o corpo em si mesmo,
pois a ideia que tem dele existe em Deus “enquanto é considerado como afetado de outra ideia
singular” (IIP19), conhecendo apenas o efeito e não a causa. Ademais, ao longo de sua duração,
o corpo é ainda afetado por diversos outros corpos, pelos quais é “como que continuamente
regenerado” (IIP19). Sua ideia passa, assim, a existir em Deus “enquanto é considerado como
afetado das ideias de muitas coisas singulares” (IIP19), distanciando-se mais ainda da causa pela
soma de efeitos.

Para ter um conhecimento adequado de si mesma como ideia de um


corpo que dura, a mente deveria, per impossibile, conhecer a si mesma
apenas na medida em que a ideia do corpo está contida no intelecto
infinito, e não enquanto essa ideia constitui a mente humana (Idem,
468-469p).

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Essa hipótese impossível parece ser o que é proposto no meio da Parte V: um


experimento mental de considerar a mente separada do corpo da duração, para poder concebê-la
apenas formada por ideias adequadas, eterna, no intelecto infinito. Mas seria um erro pensar que
Espinosa está dizendo que a mente adquiriria uma existência eterna de algum modo.
Concentrando-se em nossas ideias adequadas, nas essências das coisas, Espinosa “está abstraindo
da natureza da mente como um todo, a fim de isolar aquelas ideias que formam a base de sua
grande satisfação” (Idem, 470p).
Rutheford considera razoável pensar que, ao lado das ideias adequadas, a mente,
enquanto considerada como um todo, também abarque uma ideia de si mesma como um
indivíduo perseverante na duração. Logo, ao conhecer, a mente poderia usufruir de uma
acquiescentia in se ipso eterna, tendo ainda consciência de sua duração.
Mas isso ainda não seria suficiente para que obtenha a salvação, que depende da
aquiescentia animi. Esse afeto supõe que a mente conheça a si mesma como causa adequada do
3º gênero, o que só é possível se se considerar como eterna (VP31), conforme o conhecimento
adequado de si mesma depende de ter em conta a ideia de sua essência. Pelo 3º gênero, concebe
que é um poder de agir que resulta necessária e eternamente da essência infinita de Deus. Logo,
relaciona “seu conhecimento intuitivo a um só tempo a seu poder e ao poder de Deus,
produzindo tanto satisfação da mente, quanto amor intelectual a Deus (VP36s)”.
Rutherford pode distinguir melhor agora os dois afetos. Acima da diferença entre os
gêneros de conhecimento com que estão relacionados, Espinosa compreenderia que ter um, ou
outro, depende de considerar ou não a mente como eterna, abstraída do corpo da duração.
Considerando a mente como um todo, abrangendo as ideias inadequadas, a mente só pode ter
acquiescentia in se ipso, pois terá consciência de si e de seu poder de agir, mas sem conseguir
conceber o que é esse poder, que deriva, em último caso, de Deus.
Mas como o homem consideraria, por outro lado, a mente como eterna? Um tal
“renascimento” (expressão do Curto Tratado que o autor destaca) não parece ser possível; mesmo
que fosse, perderia de vista a continuidade psicológica, que parece trazer coerência à salvação do
filósofo. Assim, Rutherford dá novo peso à afirmação de a acquiescentia in se ipso ser “realmente
a maior que coisa que podemos esperar”: seria a alegria do filósofo que, “pelo menos em alguns
momentos, é consciente de si como tendo o 3º gênero, mas logo falha em identificar a si mesmo

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como causa adequada desse conhecimento, preservando a noção de ser a mente de um corpo
perecível” (Idem, 473p). Ainda assim, sua mente teria sua maior parte composta por ideias
adequadas – e é para essa conquista que Espinosa estaria engajado na Parte V. Para Rutherford,
sem essa ideia do corpo como um indivíduo temporalmente durável, onde reside “o mais
profundo senso de nossa identidade pessoal” (Idem), seria difícil dizer que o filósofo atingiria a
salvação prometida pela Ética.

Conclusão

Chegando ao final de dois caminhos diferentes, propostos respectivamente por Nadler e


Rutherford, podemos traçar as devidas aproximações e distanciamentos.
Ambos concordam que a pessoa humana não continua a existir depois da morte, visto
que a pessoalidade está ligada à memória, àqueles momentos de que eu me recordo estar
consciente. Tal tese poderia parecer óbvia pelo texto de Espinosa, mas, como vimos no
Panorama, alguns autores defenderam o contrário.
Dessa forma, enquanto os dois estão de acordo que neste mundo “sentimos e
experimentamos que somos eternos”, seria preciso saber como cada “eu” durável acessa a
eternidade. Ainda que Nadler diga que é a sua essência eterna que permite esse acesso ao
homem, um elo de coesão entre o modo do Pensamento e o modo da Extensão não é proposto.
Depois de esmiuçar bem o assunto da eternidade da mente, Nadler propõe que o que
permanece depois da morte são as ideias adequadas, que retornam a Deus. Essas que comporiam
a melhor parte da mente. Afinal, ao conhecer melhor Deus pelo conhecimento adequado das
coisas (prop. 25), expressamos em parte o conhecimento perfeito que Deus tem de si mesmo,
“participando” dele. Sem dúvida, é uma tese de matiz averroísta que inicialmente parecia ter sido
deixada de lado. Rutheford, por seu lado, não se pronuncia a respeito do “além”. E em todo esse
contexto queremos indagar: se toda ideia adequada, como qualquer ideia, supõe reflexão – pelo
que nos parece, por sua natureza, de ser uma modificação do Pensamento, dentro de um nexo
formado por outras ideias que a refletem, e não por qualquer função própria do homem – e a

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mente é uma ideia adequada, como não haveria alguma consciência depois da morte? Nessa
direção, por incrível que pareça, encarminhar-nos-íamos à tese inicialmente desbaratada de que
Espinosa teria defendido a identidade pessoal pós-morte.
A respeito da investigação afetiva de Rutheford, a lei da homologia parece que, ao cabo,
não funcionou. Ter alguma percepção do eterno não nos levaria a ser eterno. E não adianta ter
uma acquiescentia animi sem consciência. Essa satisfação estaria, pois, mais próxima de ser um
“estado psicológico que persevera no tempo”, algo que o autor havia considerado estar em
desacordo com o texto da Ética. Com uma parte inicial, talvez. Mas não com o todo.
Diante de tais apontamentos, de não permanecermos na eternidade, não se afiguraria
muita esperança para o homem que buscava salvação. Mas é preciso ver que, excluindo a vida
pessoal depois da morte, Espinosa nos tira o fardo da condenação eterna, e mesmo da
interesseira busca pelo céu. Transfere o benefício das “boas obras” para o aqui e agora, dentro da
dinâmica do conatus. A felicidade está neste mundo, no “século”. Ainda que seja uma aventura
individual, seguir a vida da razão traria vantagens para a comunidade, uma vez que o sábio
romperia com ciclos de violência e se entregaria para ser amado. Mas a sabedoria é um caminho
estreito. Há salvação para o ignorante?

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