O Padre o Psiquiatra e o Problema Do Mal
O Padre o Psiquiatra e o Problema Do Mal
O Padre o Psiquiatra e o Problema Do Mal
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2021.vol06.0002
Resumo
Este artigo trata do problema do mal dentro do quadro de referência da
psicologia profunda. A primeira parte introduz, de modo breve, a narrativa do
livro de “Jó” como um exemplo para contextualizar a questão fundamental da
relação de Deus com o mal e de como ela permaneceu não respondida e foi
deixada em aberto na teologia cristã. A segunda parte reconstrói,
historicamente, a polêmica não resolvida a respeito da natureza do mal entre
Carl Jung (1875-1961) e o scholar, teólogo e dominicano inglês, Victor White
(1902-1960). Examina as diferentes especulações e formulações que ambos
fizeram relativas ao mal e suas implicações psicológicas, até a ruptura final,
após a severa resenha crítica de White a respeito da obra mais controversa de
Jung sobre religião, “Answer to Job”. A parte final deste artigo introduz
reflexões adicionais a um tema desafiador que é tão poderoso e relevante no
mundo atual de terrorismo em nome da religião, quanto o era na Europa do
pós-guerra, que lutava para recuperar-se do totalitarismo e do genocídio.
Palavras-Chave: Carl Jung, Victor White, livro de “Jó”, “Answer to Job”,
mal.
1
Miranda, P. (2019). The priest, the psychiatrist and the problem of evil. Phanês: Journal and Network for Jung
History 2, 101-141. https://doi.org/10.32724/phanes.2019.Miranda
2
Mantivemos em inglês os títulos de todas as obras referenciadas no texto, pois, as obras originais consultadas
para a elaboração do artigo estão no idioma inglês, assim como a lista final de referências.
Abstract
This paper clusters around the problem of evil within the framework of depth
psychology. The first part briefly introduces the narrative of the Book of Job as
an example to contextualise how the ultimate question of God’s relation to evil
remained unanswered and was left open-ended in Christian theology. The
second part offers a historical reconstruction of the unresolved polemic over
the nature of evil between Carl Jung and the English Dominican scholar and
theologian Victor White (1902-1960). It explores their different speculations
and formulations concerning evil and its psychological implications, until their
final fall-out following White’s harshly critical review of Jung’s most
controversial work on religion, Answer to Job. The final section of this paper
introduces further reflections on a challenging theme that is no less resonant
and relevant in today’s world of terrorism in the name of religion than it was in
a post-war Europe struggling to recover from totalitarianism and genocide.
Keywords: Carl Jung, Victor White, “Book of Job”, “Answer toJob”, evil.
O livro de “Jó” (600-300 a.C.) faz parte dos livros de “sabedoria” (do grego, “Sophia”)
da Bíblia judaico-cristã e tem sido admirado universalmente como uma “obra-prima literária” da
“maior magnitude”, de diálogos poéticos e de prosa narrativa (Bishop 2002:3, Parsons
1981:213). Provavelmente sua composição data do século 5, entre o holocausto babilônico e o
período total do exílio (587-538 a.C.). O livro divide-se em cinco partes: (i) o prólogo na terra e
no céu; (ii) simpósio - diálogos entre Jó e seus três amigos; (iii) três monólogos: poema sapiencial,
monólogo final de Jó e os discursos de Eliú; (iv) diálogo com Deus; e (v) epílogo (Chase 2013:5).
A figura de Jó em contextos judaicos e não judaicos inspirou muitos filósofos, pensadores
religiosos e intelectuais, bem como capturou a imaginação de pintores e músicos 3. A virtude
exemplar de Jó, com suas contínuas variações de interpretação, desde cerca do século 6, tornou-
se um modelo infindável na contemplação da inescrutabilidade da Providência Divina.
O livro de “Jó” é uma história trágica de sofrimento, infortúnio e resiliência. O
justo e fiel Jó torna-se vítima de uma aposta entre Javé e Satanás (Jó 1:6-12). Durante
essa provação, Satanás desafia a devoção de Jó, e Deus permite que ele inflija a Jó intensa
dor física, perda emocional e luto (Jó 1:13-20; 2:7). Jó não consegue ver justiça em seu
sofrimento, contudo tenta compreender por que está sendo punido, uma vez que não
pecou. Três amigos, Elifaz, Bildade e Zofar, primeiramente vêm confortá-lo (Jó 2:11), mas,
em seguida, argumentam que Javé está além da compreensão humana (Jó 22) e que talvez
Jó esteja sofrendo por causa de um ”pecado oculto” (Jó 4:7-21; 11:7; 15;18) (Parsons
1981: 144). Mais uma vez Jó afirma sua inocência (Jó 6:24-30; 7:11; 10:2). Face ao
silêncio e ausência de Deus (Jó 23), Jó é tomado pela raiva e, por meio de suas queixas
e tormento interminável (Jó 16, 19), reafirma sua inocência (Jó 31), defendendo sua causa
“diante de Deus contra Deus” (Jó 13:3), que fica indiferente à sua tribulação (Jó 27). Em
sua revolta contra Deus, Jó apresenta seu protesto (Jó 13:18; 31; 35) e exige saber onde
se deve encontrar a sabedoria (Jó 28). Deus ignora seu apelo (Jó 30:20; 31:35). As únicas
respostas que Jó recebe são algumas observações raivosas de outro ami go, Eliú (Jó 32-
37), e a aparição de Deus em um redemoinho, mostrando aspectos de Sua criação, de
estrelas a animais, incluindo monstros como Behemoth e Leviatã (Jó 38 -41). Após
contemplar o cosmos, Jó arrepende-se e submete-se à supremacia de Deus (Jó 42:1-6).
Javé então recompensa-o por sua fé e resistência. Seu sofrimento é removido e sua
restauração inclui saúde, o dobro das propriedades anteriores, novos filhos e uma vida
extremamente longa (Jó 42:7-17).
O livro de “Jó” oferece uma reflexão duradoura sobre como um Deus bom pôde
produzir atos de maldade. Além disso, retrata, de maneira muito individual, a natureza do
sofrimento humano e analisa profundas questões a respeito de recompensas e punições e
a relação entre sofrimento e pecado, fé e esperança. Jó, como um sofredor inocente, por
um lado, teve que suportar, de maneira submissa, uma prova de sinceridade, mas, por
outro lado, como um rebelde, confrontou Deus diretamente, questionando Suas punições
injustas. Dessa maneira, o flagelo de Jó ilustra o s ofrimento imerecido da humanidade;
seu grito, desafiando a relação humano-divina, ecoa ainda hoje e nunca perdeu sua
vitalidade. É esse aspecto da audácia de Jó que Jung elaborou ainda mais em seu livro
3
Para uma lista completa de comentários sobre o livro de “Jó”, confira Bishop 2002:4-14. Para exemplos
visuais e musicais, confira especialmente as 19 ilustrações em aquarela e as 22 gravuras de William Blake
(1757-1827) do livro de “Jó”; as duas litografias de Marc Chagall (1887-1985): “Job Praying” e “Job in
Despair”; uma tapeçaria chamada “Job”, dedicada a todos as pessoas com deficiência do mundo; e a
suíte de Vaughan Williams (1872-1958): “Job: A Masque for Dancing”.
“Answer to Job”4. Jung acreditava que a história de Jó e seu questionamento a Deus prefiguraram
questões existenciais modernas sobre o altamente controverso Deus todo-bom, que nunca deu
uma resposta adequada quer para o problema do mal, quer para Sua cumplicidade sobre a
origem e a presença do mal no mundo.
Os opostos de bem e mal, do ponto de vista psicológico, correspondem aos aspectos
positivos e negativos da natureza humana. A questão das forças destrutivas que se manifestam
nos indivíduos e como fenômeno grupal foi recentemente discutida em dois conjuntos de ensaios:
“Ethics of Evil”; e “Humanizing Evil: Psychoanalytic, Philosophical and Clinical Perspectives”,
ambos editados pelos psicanalistas Ronald C. Naso e Jon Mills, em 2016. Os textos exploram e
examinam as controvérsias a respeito das definições de mal, a pluralidade de suas manifestações
no mundo e a ligação intrínseca entre liberdade humana e o potencial para o mal. Em distinto
contraste com a abordagem integrativa da psicologia profunda sobre o mal, discutida nesses
ensaios, este artigo reconsidera a envolvente narrativa de Javé-Jó, na qual Jung afasta-se de
considerações metafóricas de Deus e do mal e aborda questões de responsabilidade coletiva.
Jung declara que todos nós somos, não apenas capazes de cometer crimes individuais, como
somos também coletivamente responsáveis pelas ações destrutivas da humanidade. Um caso em
tela, a ser discutido mais adiante, é sua perspectiva do ”deus tenebroso [que] colocou-lhe nas
mãos a bomba atômica e o material para uma guerra química, dando-lhe assim o poder de
despejar a taça da ira apocalíptica sobre seus semelhantes” (Jung 1952, ATJ, CW11:§747). Para
Jung, a possibilidade de destruição universal por meio da bomba atômica deu ao homem um
”poder quase divino”; porém, permanece a questão: temos a maturidade moral de lidar com tal
responsabilidade?
Resposta ao mal
Naturalmente, podemos acreditar que Deus é diferente da imagem
que dEle fazemos, mas, deve-se admitir, por outro lado, que o
Senhor mesmo, ao insistir na bondade perfeita do Pai, deu-nos
uma descrição dEle que dificilmente coincide com a ideia de um
ser moralmente perfeito: (um pai que induz em tentação os seus
filhos, que não desfaz o erro de uma parusia imediata, que está
tão cheio de ira que é necessário o sangue de seu único filho para
apaziguá-lo, que deixou entregue o crucificado ao desespero, que
há de arrasar sua própria criação e matar milhares de pessoas para
salvar apenas um pequeno rebanho, que antes do fim do mundo
vai substituir o testamento de seu Filho por outro evangelho e que
complementará o amor através do temor de Deus). É interessante,
ou antes trágico, que Deus sofra uma recaída total no último livro
“Antwort auf Hiob” foi publicado pela primeira vez em 1952 em Zurique; em seguida, foi traduzido de
4
maneira particular para o inglês com o título de “Answer to Job” pelo analista judeu, Dr. James Kirsch, para
um seminário realizado em Los Angeles em 1952-1953 para um número limitado de analistas em
treinamento. Em 1953, para a segunda edição de “Answer to Job”, Jung incorporou as correções sugeridas
por Kirsh. A tradução atual, feita por R. F. C. Hull, foi publicada pela primeira vez em Londres, em 1954,
e reimpressa em 1956 pelo Pastoral Psychology Book Club em New York. O livro agora faz parte de “The
Collected Works of C. G. Jung: Psychology and Religion West and East”, volume 11, impressa em 1958; e
no Brasil foi publicado em 1979, pela Vozes. Para mais informações, confira Jung, “Letters”, vol. 2:104;
Jung, CW11:vii; Lammers (2007a:254, n5).
Com uma educação cristã, Jung tinha um longo envolvimento com a questão do mal,
e seu problema desempenha um papel importante na psicologia profunda, estando ela
particularmente preocupada com o que está à espreita, abaixo do nível da consciência. Jung
usou o termo sombra para descrever as partes ocultas, escuras e inferiores da personalidade.
Esses conteúdos, pulsões ou impulsos podem ser experimentados como ”maus” ou o ”mal” e por
isso são reprimidos e cindidos devido à sua natureza conflitante e incompatível com os valores
pessoais e/ou com os códigos morais coletivos. Jung acreditava que o cristianismo reprimiu o
instinto animal e negligenciou a tarefa de lidar com o mal, especialmente pela ”tremenda
compulsão da consciência para o bem” (Jung CW10: §20). Sua psicologia oferece a
possibilidade de assimilação e de transformação do mal por meio de um processo de integração
psicológica do significado compensatório do que está na sombra 5. Jung leu o livro de “Jó” pela
primeira vez quando ainda criança e com choque descobriu que Javé era injusto, um vilão sem
consideração pelo sofrimento humano (Jung, em McGuire 1977:225-234). Em sua
”autobiografia”, Jung relata que se tivesse ouvido como ”o Deus todo-poderoso pode operar Sua
vontade terrífica em seres humanos indefesos”, isto poderia ter ”aberto seus olhos” para
compreender se tinha sido Deus ou o demônio que o confrontou com seu sonho do falo
devorador de homens (entre os três e quatro anos) e com a visão de Deus (aos 12 anos)
destruindo Sua própria igreja ao defecar no teto da Catedral da Basileia, despedaçando-a (Jung,
MDR: 64; 26-28; 52-56)6. Lá pelos 16 anos, ele já estava ”seriamente duvidando da bondade
de Deus”, especialmente devido ao fato de Ele Próprio ter colocado no Éden ”aquela serpente
venenosa, o demônio”, corrompendo a glória do paraíso. Jung finalmente descobriu no “Fausto”
de Goethe a confirmação de seus sentimentos a respeito do poderoso sentido da realidade do
mal: “Enfim, eis um homem que leva o Demônio a sério e que efetua com ele um pacto de
sangue. Afinal é um adversário que tem o poder de contrariar a intenção divina de criar um
mundo perfeito” (Jung, MDR:76-77).
Embora as narrativas do Fausto e de Jó sejam bem diferentes, seu paralelo é importante
porque ambas têm como base a mesma premissa de uma barganha sendo feita com Satanás.
John Williams, um dos tradutores do “Fausto” de Goethe, assinalou que Goethe usou o ”modelo
estabelecido no Livro de Jó (1:6-12) para sugerir a possibilidade da danação de Fausto” (Williams
2007: xv). Jung também observou que ”Fausto é apresentado como Jó” (Jung 1949, ”Faust and
Alchemy”, CW18: §1694)7. Como psiquiatra, Jung preocupava-se não apenas com o efeito do
mal na vida individual e na sociedade, mas igualmente com o papel que ele desempenha na
religião. Suas obras da maturidade frequentemente criticaram os pressupostos ingênuos da
5
A respeito da sombra individual e coletiva em Jung, confira Jung, “The Archetypes and the Collective
Unconscious”, (1934/1954, CW9i: §§1-86); “Aion: Researches into the Phenomenology of the Self”, (1951,
CW9ii: §§13-19); “The Role of the Unconscious” (1918, CW10: §§1-48); “After the Catastrophe” (1945,
CW10: §§400-443); “The Fight with the Shadow” (1946, CW10: §§444-457). Sobre consciência e
comportamento ético em Jung, confira “A Psychological View of Conscience” (1958, CW10: §§825-857)
e “Good and Evil in Analytical Psychology” (1959, CW10: §§858-886).
6
Cito “Memories, Dreams, Reflections”, de Jung (doravante MDR), ciente do artigo de Shamdasani “Memories,
Dreams, Omissions” (Shamdasani 1995), onde ele esclarece que MDR de Jung deve ser lida não como
uma “autobiografia” e sim como uma “biografia”.
7
Para mais informações, confira Edinger 1992b:88; Stein 2007:313.
doutrina cristã a respeito do mal 8, junto com suas considerações sobre ”a resposta ainda por
encontrar à questão dos gnósticos sobre a origem do mal” (Jung MDR: 350), enfatizando como
a ”falta de insight nos priva de lidar com ele”(Jung CW10: §572). Jung tinha grande interesse
pelo pensamento dos primeiros escritores gnósticos cristãos que reconheciam a igualdade do
bem e do mal:
O encontro inicial de Jung com a tradição gnóstica deu-se em 1911, enquanto escrevia
“Transformations and Symbols of the Libido” (1911-12), e ele discutiu o gnosticismo em toda a
sua obra. Em 1952, o Instituto C. G. Jung, em Zurique, comprou um dos manuscritos gnósticos
então descobertos em Nag Hammadi (Egito); ele foi chamado de ”Jung Codex”, em homenagem
à significativa pesquisa e ao comprometimento de Jung com o gnosticismo. Shamdasani mostrou
que “The Red Book” e “The Black Books” tornaram evidente que Jung buscava paralelos históricos
para as suas próprias experiências nos escritores gnósticos, quando se aprofundou nesse estudo,
durante seu serviço militar em janeiro e outubro de 1915. Em 1916, Jung escreveu os “Seven
Sermons to the Dead” (“Septem Sermones ad Mortuos”), uma cosmologia ”psicoteológica”
semelhante ao antigo mito gnóstico. Em “Memories”, Jung posteriormente esclareceu: “De 1918
a 1926, lancei-me seriamente ao estudo dos gnósticos, pois também eles haviam se confrontado
com o mundo original do inconsciente” (Jung MDR: 226). Para Jung, os gnósticos mereciam o
crédito de terem descoberto expressões simbólicas apropriadas para o Self, para o conflito dos
opostos, e na figura de Abraxas viu a representação da união do Deus cristão com Satanás
(Shamdasani 2009: 205-6). O público e notório interesse de Jung pelo gnosticismo gerou
debates, comentários e vários mal-entendidos9.
8
A primeira polêmica pública de Jung contra o tratamento católico do mal como uma privatio boni pode ter
sido sua palestra “Zur Psychologie der Trinitätsidee”, em Eranos, em 1940 ex tempore; a versão impressa
no “Eranos-Jahrbuch 1947” tinha sido reconstruída a partir de anotações de seus ouvintes. Em 1947, ele
a revisou e expandiu para republicação, agora parte de “Psychology and Religion: West and East” (CW11:
§§169-295), citado também em Lammers 2005:20, 79 n51.
9
Para uma lista abrangente de estudiosos que escreveram sobre “Seven Sermons to the Death” de Jung e sua
ligação com o gnosticismo anteriormente à publicação do “Red Book”, ver: Shamdasani, “The Red Book”,
p. 346, n. 81. Para comentários posteriores à publicação do “Red Book”, ver especialmente: Maillard, “Au
Cœur du Livre Rouge: Les Septs Sermons aux morts”; Owens, “The Hermeneutics of Vision: C. G. Jung and
Liber Novus”, pp. 23-46; Maillard, “La penseé de Carl Gustav Jung et les courants néo-gnostiques de la
première moitié du XXème siècle”, pp. 99-116; Idem, “Seven Sermons to the Dead” de Jung (1916), “A
Gnosis for Modernity: a Multicultural Vision of Spirituality” (1916), pp. 81-93; Drob, “Reading the Red Book”,
pp. 201-57. Ver também Ribi, “The Search for Roots: C. G. Jung and the Tradition of Gnosis”, pp. 1-33,
onde Owens complementa a edição alemã anterior, oferecendo no prefácio uma longa discussão do “Red
Book” e o encontro inicial de Jung com a tradição gnóstica.
(Buber 1952:63-93, 131-139; Jung 1952, CW18: §§1499-1513)10. Para Jung, o mal é uma
força em si mesma e argumentou que a doutrina da Igreja da privatio boni, na qual o mal é
simplesmente a ausência do bem, é uma ”tentativa desesperada de salvar a fé cristã do dualismo”
(Jung 1958, CW18: §1593). Jung também formulou que isso é um dilema metafísico desafiador:
”ou há um dualismo e a Onipotência de Deus está dividida em dois, ou os opostos estão contidos
na Imago Dei monoteísta” (Jung 1958, CW10: §844). Esse assunto será discutido na próxima
parte deste ensaio, uma vez que foi exatamente o impasse a respeito da natureza do mal o
principal traço do longo debate entre Jung e Victor White, que culminou na “Answer to Job”.
Jung não abordou de forma leviana quer a relação do mal com Deus, quer a
negligência do potencial humano em ser um instrumento do mal. Seu comprometimento com
essa questão deu-se no cenário do mundo no qual viveu: desde o início da Primeira Guerra
Mundial11 – quando chegou à conclusão de que as visões perturbadoras que teve antes da guerra
tinham sido proféticas –, até a ”época catastrófica” da Segunda Guerra Mundial, que
testemunhou ”uma fúria de destruição sem precedentes” (Jung 1916, ”Preface to the First Edition”
de ”On the Psychology of the Unconscious”, CW7: §§1-201). Até o período anterior ao fim de
sua vida em 1961, dominado pelas tensões econômico-ideológicas e pela escalada nuclear da
Guerra Fria, Jung continuou a ocupar-se em escrever ensaios relativos ao significado dos eventos
apocalíticos (Jung 1945/1946, CW10: §§371-487). Falou não somente sobre a condição
mental do ocidente, mencionando a cisão patológica no homem, que tende a ”tornar seu vizinho
responsável por suas próprias qualidades malignas” (Jung 1916, ”Preface to the First Edition” de
”On the Psychology of the Unconscious”), como também examinou o ponto de vista metafísico
cristão sobre o mal que ”liberou a consciência humana de uma responsabilidade
demasiadamente pesada” (Jung 1956/1957, CW10: §573). Em uma carta a Victor White em
1949, falou de maneira categórica e direta:
Jung usou símbolos bíblicos como chaves para interpretar os agentes psicológicos na
psique humana; acreditava que a possibilidade de uma destruição universal por meio da bomba
atômica tinha conferido ao ser humano um ”poder por assim dizer divino” (Jung 1959, CW10:
§879; também Jung 1952, ATJ, CW 11: §747) e que as consequências de ter tanto poder sobre
a natureza o sobrecarregava com um ”alto grau de responsabilidade ética” (Jung 1946, CW10:
§451). Era de opinião que os seres humanos não podiam mais dar-se ao luxo de negar sua justa
participação nos feitos malignos; ou seja, que faz parte da tarefa humana reconhecer que até a
sombra mais tenebrosa representa um aspecto de cada um de nós. A ideia de o mal estar contido
em Deus foi antecipada nos capítulos ”Hell” e ”The Sacrificial Murder” de seu “Red Book”. Jung
percebeu que como seres humanos somos todos não apenas capazes de cometer crimes, mas
também responsáveis por nossos feitos coletivos. Jung usou a analogia da famosa citação do
dramaturgo romano Terêncio (cerca de 186-159 a.C.) que aparece em “Heautòn
Timoroûmenos” (O carrasco de si) – “Sou homem. Nada de humano me é estranho”, para ilustrar
10
Para um relato abrangente do diálogo entre os estudos junguianos e gnósticos, ver Ribi 2013.
11
Jung serviu o exército de forma ativa durante a Primeira Guerra Mundial: em 1914, 14 dias; em 1915, 67
dias; em 1916, 34 dias; em 1917, 117 dias, citado em Shamdasani 2009:201.
essa ideia. Acreditava até que era seu dever, como médico e psicólogo, ser capaz de
compreendê-la (Jung, RB:290, n149). Jung posteriormente elaborou isso como um ”instinto
criminoso não satisfeito em nós mesmos” (Jung 1989: 471) e esclareceu: ”Deus pode ser
chamado de bom apenas na medida em que Ele é capaz de manifestar Sua bondade nos
indivíduos. Sua qualidade moral depende dos indivíduos“ (Jung, “Letters”, vol. 2:314). Para Jung,
o homem foi enredado no dinamismo do drama divino, e somos agora responsáveis por
”encarnar” o lado sombrio de Deus. Constatou que a natureza moral paradoxal de Javé ”traz
consequências para a humanidade”, uma vez que também nós somos ”obrigados a lutar com o
demônio”, sob a forma de um conflito interior que pode destruir a integridade do homem (Jung
1977:226, 230; também 186-189). Assim, a conspiração divina entre Javé e Satanás contra Jó
serviu psicologicamente para Jung não apenas como uma ilustração, mas também como uma
advertência.
Resposta a Jó
É lamentável que o senhor não tenha lido minhas notas introdutórias.
Teria descoberto ali meu ponto de vista empírico, sem o qual – eu
lhe garanto – meu pequeno livro não tem sentido algum. Do ponto
de vista filosófico, sem considerar sua premissa psicológica, é uma
pura imbecilidade; do ponto de vista teológico, é nada mais do que
crassa blasfêmia; e, do ponto de vista do senso comum racionalista,
é um monte de fantasmagorias ilógicas e cretinas. Entretanto, a
psicologia tem suas próprias proposições e suas próprias hipóteses
de trabalho, baseadas na observação dos fatos, isto é (em nosso
caso), a reprodução espontânea de estruturas arquetípicas que
aparecem nos sonhos e também nas psicoses. Não se conhecendo
esses fatos, fica difícil entender o que significa “realidade psíquica”
e ”autonomia psíquica”. Concordo com o senhor que minhas
afirmações (em “Antwort auf Hiob”) são chocantes, mas, não mais e
até bem menos, do que as manifestações da natureza demoníaca
de Javé no Antigo Testamento (Jung para G. A. van den Bergh von
Eysinga, 13 fevereiro de 1954, Letters, vol. 2:151-154).
12
Shamdasani assinalou que a teologia articulada pela primeira vez em “Red Book”, de Jung, encontrou sua
“expressão e elaboração definitivas” em “Answer to Job” (Shamdasani 2010:ix).
13
Michael Fordham indicou que, após “Moses and Monotheism” (1939) de Freud, “Answer to Job” é o mais
importante trabalho publicado sobre a Bíblia, tratando das implicações religiosas da psicologia (Fordham
1955 :271-73).
14
“Aion” é um dos livros mais complexos de Jung. O título refere-se a um ciclo de dois mil anos e à concepção
astrológica do mês platônico. O éon cristão coincidiu com o signo de Peixes e, agora, dois mil anos depois,
está prestes a entrar no de Aquário. Neste livro, Jung explorou as transformações históricas do cristianismo,
incluindo a figura simbólica do antagonismo Cristo-Anticristo, e abordou de maneira especial como a
doutrina cristã da privatio boni não lidou suficientemente com o problema do mal.
Corbin, 4 de maio de 1953, “Letters”, vol. 2:116) onde “fui atacado por meu fígado e tive que
ficar de cama e escrever Jó” (Jung para H. Württemberg, 30 de agosto de 1951, “Letters”, vol.
2:21); para sua secretária, Aniela Jaffé, descreveu o processo como tendo “aportado a grande
baleia” e que isso, no entanto, ainda continuava a “ribombar um pouco, como um terremoto”
(Jung para A. Jaffé, 29 de maio de 1951, “Letters”, vol. 2:17-18). Alguns meses depois, com
uma certa distância, resumiu toda a experiência para ela: “se há algo como o espírito agarrar
alguém pela nuca, foi assim que esse livro se materializou” (Jung para A. Jaffé, 18 de julho de
1951, “Letters”, vol. 2:20). Deirdre Bair relatou que Jung levou três meses para revisar o texto
original e que escreveu até chegar à exaustão (Bair 2003:528). Shamdasani notou que nem o
manuscrito original, nem a cópia datilografada revista encontram-se entre seus papéis no Swiss
Federal Institute for Technology (ETH) (Shamdasani 2012:210). Jolande Jacobi, uma das
colaboradoras de Jung, descreveu-o como ‘taciturno, de maneira rude e primitiva, como um
camponês [...] furioso o tempo todo” e seu comportamento era “como uma mulher dando à luz
uma criança”, ou como um homem “que se solta como uma criança malcriada” (Jacobi, em Bair
2003:528). Para Marie-Louise von Franz, Jung afirmou que gostaria de ter sido capaz de
reescrever todos os seus livros, exceto esse -- com ele, estava completamente satisfeito (von Franz
1998:161).
“Answer to Job”, de Jung, é um livro curto – apenas 108 páginas – mas, mesmo assim,
foi altamente controverso e provocativo e conseguiu atrair uma pesada crítica em vários níveis.
No prefácio, Jung escreveu que durante muitos anos hesitou em dar uma resposta mais completa
às numerosas questões feitas por pacientes do mundo todo do que aquela que havia dado em
“Aion”, devido à tempestade que iria provocar (Jung 1952, ATJ, CW11, “Prefatory Note”). Aniela
Jaffé assinalou que se Jung tivesse usado literatura profana ou material de pacientes para
demonstrar a ambivalência da Imago Dei, talvez não tivesse ultrajado tanto seus leitores (Jaffé
1975:101)15. “Answer to Job” é o único comentário extenso de Jung sobre um texto bíblico 16.
Nele, discute o livro de “Jó”, a “Epístola de São João”, o “Apocalipse”, o livro apócrifo de Enoque
(cerca de 100 a. C.), a “sabedoria” (do grego “Sophia”) da Bíblia hebraica e, finalmente, o
dogma da Assunção da Virgem Maria (1 de novembro de 1950). Está fora do escopo deste
trabalho abordar todos esses temas, assim, a próxima parte concentra-se no relato de Jung sobre
as consequências do engajamento de Jó com um Deus que pode ser experimentado
psicologicamente tanto como mal quanto como bem e o que isso significa para o homem
moderno.
15
Uma lista das primeiras respostas públicas a “Antwort auf Hiob” pode ser encontrada em Bishop (2002:185,
n113). Para um estudo judaico e uma crítica de “Answer to Job” de Jung, confira “Job: réponse à Jung”,
de Lévy-Valensi. Para uma perspectiva judaica sobre o problema psicológico do cristianismo ariano de Jung
na interpretação do livro de “Jó”, confira Corey: “For the Sake of God: a Reply to Jung”. Corey também
mostrou que a dependência de Jung das traduções cristãs da Bíblia e sua ignorância da escritura “oral”,
que complementa e amplifica a Bíblia “escrita”, distorceu sua compreensão de Jó. Explicou ele: “Jó é,
como descreve o Talmud, ‘uma parábola’ do destino redentor de Israel, escrito de acordo com a Escritura
Oral pelo próprio Moisés à época da Revelação no Sinai” (Corey 1990:34).
16
Jung interpretou a tradição cristã em dois ensaios que foram primeiramente publicados no “Eranos-Jahrbuch
1940-41”: “A Psychological Approach to the Dogma of the Trinity” e “Transformation Symbolism in the
Mass”. Seu ponto de vista amadurecido sobre a psicologia da religião foi aprofundado em “Aion” (1951)
e finalmente em “Answer to Job” (1952).
17
Jung considerava-se um protestante de esquerda e descrevia-se como: ‘Definitivamente, estou dentro do
cristianismo e, na medida em que consigo julgar-me, na linha direta do desenvolvimento histórico […] Se
a Reforma é uma heresia, certamente também sou um herético” (Jung “Letters”, vol. 2:334).
18
O falecido Wayne Rollins, professor emérito de estudos bíblicos em Massachusetts, criou um novo modelo
crítico para esses estudos e uma nova abordagem das escrituras nos anos 1960. Refletiu extensamente
sobre a dinâmica da crítica bíblica psicológica e incorporou modelos desenvolvidos na psicologia profunda,
dando ênfase especial aos insights de Jung sobre o valor de uma abordagem psicológica das escrituras no
que se refere a símbolos bíblicos. Chamou essa perspectiva de “crítica bíblica psicológica”. Para mais
informações, ver Rollins, (1983; 1999). Outros importantes estudiosos são: Miller (1995) e Kille (2001).
Clodagh Weldon, professor de teologia e autor de “Fr. Victor White OP: The Story of Jung’s White Raven”
(2007), dá cursos de “Answer to Job”, de Jung, para alunos de bacharelado em seu curso de estudos
bíblicos no Departamento de Teologia da Dominican University, em Illinois (Estados Unidos) (Weldon
2011:115-125).
19
Uma palavra que significa, grosso modo, “um encontro diferenciador ou esclarecedor”, com uma ideia ou
uma pessoa; é usada mais comumente no léxico junguiano como “coming to terms with” (Bishop 2002:93;
Stein 2007:313; Schlamm 2008:110).
20
Ver J. Heisig (1979), “Imago Dei: A Study of C. G. Jung’s Psychology of Religion”.
dentro dos limites de nossa própria psique 21. A definição básica de Jung para
Deus é:
21
Para mais informações sobre o background filosófico kantiano de Jung, ver Nagy (1991), “Philosophical
Issues in the Psychology of C. G. Jung”. Para uma crítica ao uso inadequado de Kant por Jung, ver Brooks
(2011), “Un-thought out metaphysics in analytical psychology: a critique of Jung epistemological basis for
psychic reality”.
22
O estilo do empirismo de Jung foi muito criticado devido à impossibilidade de verificação e de refutabilidade
científica da sua abordagem. O pragmatismo de Jung testa a verdade das coisas por meio da observação
de seus efeitos. Sua lógica baseia-se no fato de que é difícil contestar um mito, um sonho ou um elefante;
esses fenômenos podem ter uma realidade psicológica independentemente de coerência lógica, ver
Lammers 1994:121.
23
A respeito de imaginação ativa, confira Jung, RB 2009:209; Id. 1954, CW14: §706; Id. 1916, CW8: §§
131-193; von Franz, 1997:163-168; Hannah 2001:16-21; Hull 1971:115-120.
pecado, Jó foi capaz de ver que a dupla natureza de Deus manifestou-se, expondo tanto Seu
lado luminoso como Seu lado tenebroso (ATJ, CW11: §§584, 608). Essa constatação produz
uma transformação radical: é Javé que é infiel, não Jó (ATJ, CW11: §616). Esse preciso ato de
consciência eleva Jó – um ser humano mortal é elevado, por meio de seu comportamento moral
“acima dos astros”; a criatura sobrepujou seu Criador (ATJ, CW11: §§595, 640).
Javé sofreu uma derrota moral ao falhar em corromper Jó (ATJ, CW11: §617). Tendo
Deus cometido um erro contra o homem, começa a tomar forma uma compensação na psique
para o sofrimento imerecido de Jó: Deus quer renovar-se e tornar-se humano (ATJ, CW11:
§§624, 631, 640). Entretanto, ocorre uma separação decisiva na Imago Dei – Seu lado sombrio
é cindido, porque Javé identifica-se apenas com Seu aspecto luminoso ao encarnar-se em Cristo
na terra. Embora Cristo tenha se tornado homem, Sua natureza é mais divina do que humana;
ele não nasceu de um pai humano e sua mãe era virgem (ATJ, CW11: §626). Foi apenas quando
Cristo bradou na cruz: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” que Deus
experimentou o que significa ser mortal (ATJ, CW11: §647). Nessa posição, sofrendo e
experimentando o mal na carne, Deus finalmente dá uma resposta a Jó (ATJ, CW11: §647). Javé
não poupou Seu filho; pelo contrário, Ele esperou um sacrifício humano e, da mesma maneira,
o ser humano agora encontra-se onde Jó e Cristo estiveram – abandonado e com a natureza
paradoxal de Deus pesando fortemente sobre ele. Devido à incompleta encarnação de Javé em
Cristo, que encarnou apenas Seu lado bom, uma nova tarefa é colocada para a humanidade: a
resolução da antinomia divina precisa ocorrer no homem (ATJ, CW11: §§655, 657, 690). A
redenção não ocorre por meio da fé em Cristo, que nos salvou vicariamente, mas na
conscientização da parceria inescapável e na responsabilidade compartilhada do divino e do
humano tanto para o bem como para o mal no mundo (ATJ, CW11: §§659, 693)24.
O papel fundamental de Jó serviu para ampliar o mito junguiano da encarnação
continuada como um símbolo para o desenvolvimento psicológico. Assim, ao rejeitar e rever a
submissão do homem a um Deus amoroso, Jung, por um lado, acrescentou outro nível de
compreensão à experiência do sofrimento e, por outro, questionou os ensinamentos da igreja,
de que a encarnação foi um evento histórico único. Argumentou que ela não cessou com a
Ascensão, mas continuou por meio do Espírito Santo no homem. Chamou esse processo de
“cristificação de muitos” 25, onde Cristo deve ser encarado como um padrão a ocorrer em cada
homem, e Deus deve encarnar no ser humano comum. Como era de se esperar, a insistência de
Jung em colocar o bem e o mal como parte da essência do Próprio Criador e sua abordagem
de uma nova dispensação psicológica para o homem moderno foram tomadas como uma ofensa
contra séculos de reflexão teológica.
Resposta a Jung
[…] De maneira geral, [“Answer to Job”] não pode ser lido, pois Jung
deliberadamente lê as Escrituras usando óculos altamente
24
Para uma interpretação psicológica mais detalhada de “Answer to Job”, de Jung, ver Edinger 1992a: 59-
90; Evans 1954:5-26; Stein 2003:1-18.
25
Jung usou esse termo pela primeira vez no último parágrafo de “Answer to Job”, mas essa ideia tem raiz no
conceito de sua interpretação da imitatio Christi no “Red Book”, elaborou-o então nas “Collected Works”,
a partir de sua palestra em Eranos “On the Psychology of the Idea of the Trinity”, em 1940. Jung 1952,
ATJ, CW11: §758; Id. 2009, RB:292-6; Heisig 1979:184, n88.
Esse foi o dobre de finados do longo relacionamento entre Victor White e Jung. White
tinha sido o mais importante colaborador teológico de Jung por mais de 15 anos e, em pouco
tempo, tornara-se um amigo pessoal muito próximo. Menos de um ano após a primeira
correspondência entre eles, White fez a primeira de 10 visitas a Bollingen, em agosto de 1946;
a última visita foi em julho de 1952. O último encontro deles foi em junho de 1958, mas, dessa
vez, em Küsnacht. Jung fez de White um membro integrante do círculo intelectual junguiano;
White foi convidado a dar palestras nas Conferências de Eranos e, em 1947, também foi
convidado para ser um dos membros fundadores do Instituto C. G. Jung, em Zurique. Adrian
Cunningham, professor de estudos teligiosos e especialista em Victor White, assinalou em uma
entrevista que “Victor White foi uma das poucas, possivelmente a única pessoa do círculo íntimo
que realmente enfrentou o velho homem [Jung], e com ele travou uma luta durante anos, até que
ambos ficaram exaustos com a contenda” (Arraj 2015).
Jung expressou pesar pela morte de White: “Como partilhei de sua vida e
desenvolvimento interior de modo tão sincero, sua morte tornou-se outra experiência trágica para
mim” (Jung, em Lammers 2007a:303). A trajetória do relacionamento pessoal de Jung e White
reflete-se por toda a discussão que tiveram sobre a relação entre psicologia e religião em “The
Jung-White Letters”. As cartas são apresentadas de maneira autêntica em um diálogo “coeso”,
sem acréscimos editoriais. Ambos eram especialistas em seus próprios campos e nos densos anos
do pós-guerra esperavam criar uma aliança para promover a saúde espiritual na modernidade e
“transformar o Ocidente cristão” (Lammers 2007b:253). Entretanto, na medida em que o diálogo
junguiano-cristão progredia, o entusiasmo de ambos virou rejeição e a colaboração tornou-se
controvérsia, até chegar a um ponto sem retorno. A visão de ambos sobre Deus e o mal não
pôde ser reconciliada e as tensões presentes desde o início tornaram-se impossíveis de serem
superadas, após a publicação da tradução em inglês da obra, em 1954. Lammers classificou as
desavenças entre White e Jung em três níveis: doutrinal, hermenêutico e epistemológico (Lammers
1994:18-24).
Victor White (1902–1960) foi um católico convertido e professor de teologia dogmática
na Escola Dominicana Blackfriars, em Oxford (Reino Unido). Em virtude de uma crise de fé, abriu-
se para o pensamento de Jung, começando a fazer análise em Londres, em 1939. White assim
descreveu essa crise de fé:
White também participou de um grupo de estudos com alguns dos primeiros discípulos
de Jung, nele introduzido por seu analista, o antropólogo John Layard (1891–1974), que fez sua
formação com o próprio Jung (Lammers 2007b: 255). White vinha estudando a obra de Jung há
cinco anos quando, encorajado por Gerhard Adler (1904–1988)26, escreveu para Jung pela
primeira vez, logo após o fim da Segunda Guerra, em 1945, enviando alguns ensaios nos quais
estabelecia uma ligação entre as doutrinas da igreja e a psicologia junguiana: “The Frontiers of
Theology and Psychology” (1942), “St. Thomas Aquinas and Jung’s Psychology” (1944),
“Psychotherapy and Ethics” (1945) e, por último, um “Postscript”, que resenhava um livro de um
psicoterapeuta freudiano sobre as implicações éticas da psicoterapia (Lammers 1994:35). Jung
tinha acabado de comemorar seu aniversário de 70 anos e viu a chegada de White como uma
contribuição inestimável. Jung assim a descreveu: “Desculpe-me pelo trocadilho irreverente: você
é para mim um corvo branco (white raven), na medida em que é o único teólogo que conheço
que realmente compreendeu algo do que significa o problema da psicologia em nosso mundo
atual” (Jung para White, em Lammers 2007a:6). Ele estivera esperando durante anos por um
parceiro teológico com quem pudesse “discutir em pé de igualdade questões de importância
vital” e que pudesse ajudá-lo a refinar sua interpretação do catolicismo (Jung, Letters, vol.
2:450n; Lammers 1994:36), o que Jung valorizava muitíssimo, uma vez que, para ele, o
catolicismo era um ”tesouro de sabedoria patrística” (Jung, em Lammers 2007a:5). Ann Lammers
chamou atenção para o fato de que, embora White fosse 27 anos mais moço do que Jung, não
era, de forma alguma, o parceiro júnior nesse encontro 27. Ele era capaz de ler francês, alemão,
espanhol, italiano e latim “facilmente”; por volta de 1940, White era conhecido como um tomista
de primeira grandeza: fazia parte de um grupo de intelectuais dominicanos que trabalhavam em
uma nova tradução anotada da “Summa Theologiae”28. Em 1954, recebeu o título de mestre em
Teologia Sacra (STM), o mais alto grau teológico concedido desde a época medieval, em “sinal
de mérito excepcional como um intelectual e professor de teologia” (Lammers 2007a:16, n50).
White logo aumentou seu conhecimento e tornou-se, também, versado em psicologia analítica;
era de opinião que a religião e a psicologia “partilhavam um território comum e numerosas
preocupações […] e esse território comum é o que a religião denomina alma humana e o que a
psicologia chama de psique humana” (White, em Cunnings, “Victor White, a Memoir”, em
Lammers 2007a:321). Em seu encontro com a psicologia junguiana, White esperava fazer uma
síntese e construir uma ponte teórica entre os dois sistemas de pensamento, onde o tomismo
suplementasse e completasse a psicologia analítica com a verdade cristã e o insight psicológico
fosse usado como uma ferramenta pedagógica para a igreja e seu clero (Lammers 1994:55, 71;
Stein 2011:601).
26
Gerhard Adler, de ascendência judaico-alemã, foi o editor da tradução inglesa das “Collected Works”, de
Jung. Também foi fundador da Associação de Analistas Junguianos e cofundador da Sociedade de
Psicologia Analítica, bem como membro fundador da Associação Internacional de Psicologia Analítica.
27
Para um relato de como a relação de Jung e White foi uma tentativa de continuar o debate teológico com
seu pai e para um paralelo entre a relação Freud-Jung e com a de Jung-White, ver Stein 2007:303-14.
28
Obra que imortalizou São Tomás de Aquino (1225-1274), a “Summa Theologiae” é um manual de doutrina
cristã e um livro didático para o estudo da teologia. Tem sido usada por mais de 700 anos. São Tomás
sistematizou a teologia, estabelecendo as relações entre fé e razão. Ele é considerado o “Aristóteles cristão”,
por combinar a filosofia aristotélica com a ortodoxia eclesiástica.
Atraído pelo elemento religioso do sistema de Jung, White realmente acreditava que
poderia suplementar a deficiência metafísica deste sistema (Weldon 2007:20, 22). Escreveu
vários artigos e resenhas sobre a psicologia junguiana, esclarecendo e articulando tanto as
diferenças como os pontos de contato entre a teologia e psicologia 29. Um importante terreno
comum que partilhavam era uma preocupação de longo alcance com o sofrimento do ser
humano, uma vez que as duas disciplinas aceitam a responsabilidade prática pela cura animarum
(Jung, “Letters”, vol. 2:553). Outro ponto que colocou o clérigo e o psicólogo ”ombro a ombro”
foi a questão do bem e do mal (Jung 1932, CW11: §504). Infelizmente, a ideia de uma
coordenação teórica compatível fracassou tragicamente, precisamente na medida em que
tentavam educar-se um ao outro sobre seus pontos de vista opostos em relação à natureza do
mal.
Antes, porém, de passar à próxima seção, será útil contextualizar o pano de fundo da
disputa entre eles, uma vez que, na retaguarda, havia importantes pontos de partida
contrastantes. O primeiro deles era a barreira teórica de dois campos de associação filosóficos
totalmente diferentes: White era um lógico tradicional, seu pensamento baseava-se no
intelectualismo aristotélico e no pensamento filosófico de Santo Agostinho e Tomás de Aquino.
Em contrapartida, o pensamento de Jung fora moldado pelo subjetivismo kantiano, pelo
protestantismo pós-Schleiermacher e pelo pragmatismo de William James (Lammers 1994:16-
17, 114-132). Não é de admirar que as discrepâncias filosóficas da autoridade do dogma,
baseado na tradição, versus a autoridade do indivíduo, baseada na experiência, tivessem se
tornado um “obstáculo intransponível” entre eles.
Em segundo lugar, White estava sujeito a autoridade eclesiástica, em virtude de seu
voto de obediência. Jung, por sua vez, estava em situação privilegiada, com alto grau de
autonomia profissional, o que lhe permitia ser independente, ’pôr em risco sua própria existência’
(Jung, em Lammers 2007a:264). É especialmente importante enfatizar esse ponto, uma vez que
a associação de White com Jung trouxe para White sérias consequências como um intelectual
tomista. O cenário político da cultura católica da época de White era opressivo, com a
neoescolástica e o reaparecimento moderno de São Tomás, que ocorreu na metade do século
19 em reação ao conhecimento secular. Esse movimento conservador endossou um retorno à
teologia escolástica do século 13 como forma de proteção contra a heresia do “modernismo” e,
além disso, para condenar os que contradiziam o magisterium30. A vigilância episcopal, o
Imprimatur, dando permissão para publicações, a condenação de títulos censurados, incluindo-
os no Index Papal, o juramento antimodernista e a excomunhão eram algumas das drásticas
29
Os principais escritos de White sobre a psicologia junguiana são: “The Frontiers of Theology and
Psychology”, palestra 19 no “Guild of Pastoral Psychology” (1942); “The Analyst and the Confessor”, em
“The Commonweal: A Review of Religion, Politics, and Culture” (1948); “Eranos: 1947/1948”, em
“Dominican Studies” (1949); “God and the Unconscious” (1953); “Jung on Job”, em “Blackfriars” (1955);
“God and the Unknown and other Essays” (1956); críticas literárias de “The Collected Works of C. G. Jung”:
Volume 1 and Volume 5, em “Blackfriars” (1957); “Critical Notices: Psychology and Religion, by C. G. Jung”,
no “Journal of Analytical Psychology” (1959); “Soul and Psyche: An Enquiry into the Relationship of
Psychotherapy and Religion” (1960).
30
A guerra contra o modernismo foi uma batalha institucional dentro da Igreja Católica, provocada pelo
medo de uma mudança histórica “infectada pelo espírito kantiano”, que poderia pôr em risco a fé e a
moralidade. Em 1864, o Papa Pio IX publicou o “Syllabus” de erros contra a fé. No século 20, o Papa Pio X
caracterizou o modernismo como a ‘síntese de todas as heresias”, condenou o saber católico de tendências
modernistas e ordenou todo o clero a asseverar compulsoriamente sua lealdade ao juramento
antimodernista. Ver: F. S. Fiorenza, J. C. Livingston (1971), “Modern Christian Thought”, Vols. I, II.
medidas usadas para impor obediência à autoridade eclesiástica 31. White, de sua parte, estava
entre os teólogos que tentaram criar uma teologia mais vital; ele era um “tomista moderno”, que
se identificava com São Tomás, não como um aliado contra a modernidade, mas como um
modelo para integrar diferentes compreensões da verdade. O próprio São Tomás encontrou
verdade também nos filósofos muçulmanos Avicena e Averroes, no Rabino judeu Maimônides e
no filósofo pagão Aristóteles (cit. em Weldon 2010:178). Foi essa predisposição que tornou White
susceptível não apenas à psicologia de Jung, mas também aos conflitos teológicos dentro de sua
Ordem e às imposições da Igreja Romana.
31
Ver, por exemplo, http://w2.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-
x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html
32
Em “Metaphysics”, Aristóteles argumentou que o bem é o princípio governante do universo; elencou vários
tipos de privação, e o mal como uma privação do bem. Ver “Metaphysics”, de Aristóteles, Livro IX. Para o
ponto de vista de Santo Agostinho, ver “Confessions”, de Agostinho, Livro III.
Isso acabou por ser um ponto de inflexão crucial da relação deles e um prenúncio de
“uma tempestade a caminho” – o impasse sobre a natureza do mal tinha transbordado da
correspondência privada para a arena pública: Jung tinha atacado de maneira mais vigorosa a
definição metafísica do mal em sua palestra “Über das Selbst”, que foi depois seguida pela
resenha crítica de White; a palestra de Jung, posteriormente, tornou-se os capítulos quatro e cinco
de “Aion:”, em que ele responde à crítica de White em uma nota de rodapé:
Meu douto amigo Victor White O.P. […] acredita poder ter detectado
traços maniqueístas em mim […] Além do mais, meu crítico poderia
muito bem saber o quanto enfatizo a unidade do Self, esse arquétipo
central, que constitui uma complexio oppositorum (conjunção de
opostos) por excelência, e é por esse motivo que não me sinto
absolutamente inclinado ao dualismo (Jung 1951, CW9ii: §112,
n75).
A partir desse ponto, a correspondência entre eles ficou “presa em disputas linguísticas”
sobre Deus e o mal na mais “obstinada forma de divergência” (White 1960:75). White continuou
a propor distinções teóricas e conceituais, mas as bases de seus argumentos não foram suficientes
para convencer Jung. Ainda eram amigos, mas, inevitavelmente, cada um deles tornou-se mais
e mais crítico do outro. A seção seguinte aborda cronologicamente o curso da controvérsia entre
eles, revelando o crescendo do processo, até a culminação em “Jung on Job” de White. Depois
de seis anos, ambos estariam mortos, reconciliados como amigos no fim; mas, o mal permaneceu
como uma disputa intelectual jamais resolvida.
Em março de 1952, White publicou uma série revisada de palestras e ensaios em seu
livro ”God and the Unconscious”. Ainda fazendo um esforço para construir uma ponte, mas
mesmo assim criticando Jung sem rodeios, White refletiu cuidadosamente:
Jung, que tinha escrito um prefácio para esse livro de White, continuou a abordar
algumas das importantes diferenças entre a psicologia e a teologia e aproveitou a oportunidade
para explicar sua crítica da doutrina da privatio boni mais uma vez: “Consequentemente, sinto-
me à vontade para me servir do direito de crítica livre tão generosamente a mim oferecido pelo
autor, e expor minha argumentação [sobre a privatio boni] perante o leitor” (Jung 1951,
CW11:§456). Nesse ponto, a despeito de se recusar a concordar com Jung e de defender a
doutrina clássica, White ainda considerava a possibilidade de alcançar algum acordo após a
superação de “fortes resistências”:
Dois meses mais tarde, na primavera de 1952, Jung enviou a White o manuscrito de
“Antwort auf Hiob”, e a primeira resposta de White foi muito positiva: “Um milhão de obrigados
por ‘Hiob’ […] Não consigo parar de lê-lo. É o livro mais comovente e empolgante que li em
muitos anos”. Então, na mesma carta, queixou-se: “Realmente gostaria que pudéssemos de
alguma maneira resolver esse impasse sobre a privatio boni”, e, no final, concluiu de maneira
muito cordial: “Serei eternamente grato a você, não importa o que aconteça com essa dificuldade
da privatio boni“ (White, em Lammers 2007a:181-182). Conforme mostrado no exemplo da
carta, o debate intelectual entre eles continuou, ao mesmo tempo em que compartilhavam
profundos e contraditórios sentimentos e ansiedades entre amigos. Durante todo esse ano, a
discussão a respeito do problema do mal cresceu, até atingir seu auge 33.
Nos anos de 1953 e 1954, White foi de novo atormentado por dúvidas sobre se deveria
ou não permanecer em sua Ordem e na Igreja e confidenciou a Jung:
33
Confira especialmente a correspondência entre eles em abril de 1952, 30 de junho de 1952 e 9 de julho
de 1952. White também esteve em Bollingen por 10 dias, em julho de 1952, onde a discussão entre eles
prosseguiu, citado em Lammers 2007a:293, n5.
São Tomás seria ensinado em Blackfriars. Infelizmente, em virtude de sua vida professional ter
ficado enredada em sua amizade com Jung, um novo neotomista conservador foi nomeado para
o cargo em vez dele e White foi mandado por cinco meses para a Califórnia, “em exílio” 34. Nunca
mais lecionou em Oxford.
Enquanto isso, a polêmica em curso com Jung sobre o mal continuou na Califórnia e
ambos começaram a antecipar as possíveis dificuldades que “Answer to Job” acarretaria. Em
janeiro de 1955 White expressou:
Ao que Jung respondeu: “Sei que você terá algumas dificuldades quando o meu ‘Answer
to Job’ se tornar público. Sinto muito” (Jung, em Lammers 2007a:256). Entretanto, nenhum dos
dois poderia ter imaginado o quão profundamente o golpe iria repercutir e quão dolorosas seriam
as consequências para ambos. Em março de 1955, White escreveu sua resenha “Jung on Job”
para a revista “Blackfriars”. Nela, publicamente acusou Jung de levar a interpretação pessoal das
escrituras a um ponto extremo e, no que acabou sendo um ataque ad hominem, chamou o livro
de “destrutivo e infantil”, e acusou Jung de ser paranoide, questionando:
Algumas das razões por que White perdeu seu “controle retórico” foram apontadas por
vários estudiosos (Lammers 1994, 2007a; Weldon 2007; Cunningham 2007, 1981). Em
primeiro lugar, embora como sacerdote tivesse sido treinado a obedecer, não tinha aceitado
completamente a humilhação de ter preterida sua nomeação como Regent pela sede em Roma.
Em segundo lugar, ficou extremamente frustrado por, após ter passado 10 anos tentando traduzir
a psicologia junguiana para teólogos, ter seus esforços impedidos; e, em terceiro lugar, ficou
profundamente magoado por não mais ser apreciado como professor dentro da Ordem. Assim,
a raiva sentida por White por ter sua carreira comprometida dentro da Ordem voltou-se,
externamente, para Jung (Lammers 2007a:258-265; 1994:101-109; Weldon 2007:181-187;
Rutte 2009:308-310). Contudo, White não foi consistente em seu ataque e antes de a resenha
34
White saiu de Oxford em 16 de outubro de 1954 e foi para a St. Albert’s Dominican House, em Oakland,
Califórnia. Lammers especula que a força motriz por trás da decisão veio do próprio Provincial de White.
Ver Lammers 2007a:247-248, n88, 89, 90, 91, 92; Id. 2007b:264-265; Weldon 2007:179-181.
35
Em 1959, White também criticou “Answer to Job” em sua resenha sobre “Psychology and Religion”, de
Jung, mas dessa vez de uma maneira mais equilibrada.
ser publicada, escreveu a Jung pedindo perdão: “[…] há alguns trechos que agora preferiria ter
guardado só para mim […] e me penitencio de ter exposto minha crítica de maneira tão dura”
(White, em Lammers 2007a:259-260). Duas semanas mais tarde, Jung respondeu a White:
Estou grato pelo fato de que sua reprimenda a mim dirigida e que
seu julgamento – correto ou não – não me poupem, de modo que
presumo que Deus dará ouvidos a uma voz mortal, como deu
ouvidos a Jó, quando esse vermezinho torturado queixou-se de Sua
natureza amoral paradoxal. Da mesma forma que Jó levantou sua
voz, de modo que todos pudessem ouvi-lo, cheguei à conclusão de
que é melhor arriscar minha pele e fazer o pior ou melhor para
sacudir a inconsciência de meus contemporâneos. […] em nossa
época tudo está em jogo e não se deve dar importância ao pequeno
transtorno que estou causando […]. Hesitei e resisti por um longo
tempo, até que tomei a decisão de dizer o que penso (Jung, em
Lammers 2007a:261-262).
Nesse ponto, Jung mostrou que, em virtude de White estar “sendo alimentado por uma
instituição por serviços recebidos”, tinha que ter cautela quanto à maneira de se expressar. Um
ponto importante que confirma esse fato foi dado por outro padre que foi expulso dos
dominicanos, tendo então sido aconselhado por seu advogado de direito canônico: ”Você deve
lembrar-se que afrontar o Vaticano é como se colocar diante de um trem. Não dá para vencer;
ninguém jamais o conseguiu” (Rutte 2009: 50). White permaneceu na Ordem e chegou à
conclusão de que era impossível reconciliar a posição junguiana com a teologia tradicional. As
ramificações das diferenças entre eles estavam enraizadas de maneira muito profunda e não
havia compromisso possível: para White, a teologia era “a rainha das ciências”; dessa forma,
tinha primazia sobre a psicologia e – Deus, não a psique – detinha a autoridade final (ver Weldon
2007:219).
A despeito de tudo isso, White desculpou-se por ter atacado Jung tão duramente:
“Lamento profundamente, de fato, ter publicado aquele artigo sem qualquer consideração por
seus sentimentos ou pelos meus próprios sentimentos por você” (White, em Lammers 2007a:268).
Continuou, entretanto, a escrever cartas antagonistas e, em uma delas, incluiu uma lista de vários
“Problemas Decorrentes da Publicação de Resposta a Jó”:
Assim, a despeito de expressar seu pesar pelo amigo e de, posteriormente, ter retirado
várias passagens na versão editada de “Jung on Job”, em seu livro “Soul and Psyche” (1960)
(White 1960:233-240), a publicação da resenha de White foi um golpe que funcionou nos dois
sentidos: ele separou-se definitivamente do quadro de referência de Jung e isso prejudicou a
amizade deles para sempre:
Para mim, parece que nossos caminhos devem, pelo menos em certa
medida, separar-se. Nunca esquecerei, e rogo a Deus que nunca
perca, o que devo à sua obra & nossa amizade […] “Espero que
você não ponha em dúvida minha amizade, o pensamento teimoso
& sem compaixão como ele às vezes se revela. O pobre Jó ao menos
tinha amigos – mesmo obtusos” (White, em Lammers 2007a:273).
White continuou a escrever para Jung (três cartas, em 1955; uma, em 1956; e duas,
em 1958), mas Jung não mais respondeu. Nesse período, Emma Jung foi diagnosticada com um
câncer terminal36 e Jung, pesaroso e esgotado pela doença dela, pediu a White: “Por favor, deixe
de lado a convencionalidade e não se sinta com qualquer obrigação […] um telefonema
convencional nada significa para mim e uma conversa direta pode ser dolorosa e não desejável”
(Jung, em Lammers 2007a:266). O último esforço de White para esclarecer sua polêmica com
Jung foi o ensaio “Kinds of Opposites”, publicado em “Fetschrift”, em 1955, para o aniversário
de 80 anos de Jung, onde discutiu como São Tomás abordou a questão do bem e do mal e
forneceu o vocabulário de sua principal diferença intelectual entre ele e Jung (Lammers
2007a:255-256, n10). Foi escrito algumas semanas após sua reação pública a “Answer to Job”.
Após um afastamento de três anos, os dois homens se encontraram brevemente e pela
última vez em 1958, em Küsnacht (Suíça). Em abril de 1959, White sofreu um acidente quase
fatal em uma lambreta, que o debilitou seriamente, fato que coincidiu com a Cúria Romana ter
tomado providências para suspender a venda de seu “God and the Unconscious”37. Após ter
conhecimento do acidente de White, Jung entrou em contato com ele pela primeira vez depois
da briga entre eles: “Quanto às minhas dúvidas sobre sua atitude geral, devo mencionar, em
36
Na primavera de 1955, Emma Jung descobriu que seu câncer era inoperável; conseguiu participar da
comemoração de aniversário dos 80 anos de Jung e faleceu em 28 de novembro de 1955.
37
White fraturou o crânio, quatro costelas, a escápula, perdeu a visão do olho esquerdo e a audição do
ouvido esquerdo. Quando seu livro se esgotou, Roma tentou retirar o Imprimatur, por causa do prefácio
escrito por Jung, mas no final das contas o livro não foi suprimido (Weldon 2007:210, 293, n137, 197;
Lammers 2007a:110-111).
autodefesa, que você se expressou publicamente de maneira tão negativa sobre meu trabalho
que realmente não sabia qual seria sua atitude real” (Jung para White, 21 de outubro de 1959,
em Lammers 2007a:282). Ao que White respondeu:
Ambos tomaram medidas para uma reconciliação, mas ainda não conseguiam evitar
os pontos de discórdia.
Em março de 1960, White recebeu o diagnóstico de câncer intestinal, e Jung, que
também não estava muito bem, tendo sofrido uma embolia coronária no mês anterior, e sem
saber que o câncer de White era terminal, continuou com a discussão entre eles. Dessa vez,
dirigiu-se a White como Jó, sugerindo, talvez, que as dolorosas experiências que White estava
sofrendo tinham a ver com o lado tenebroso de Javé:
Após uma longa explicação psicológica, Jung terminou a carta de maneira bem
amigável: “Penso em você em uma amizade sempre duradoura […] assim, peço seu perdão,
como cabe àquele que foi causa de escândalo e aborrecimento” (Jung para White, 25 março de
1960, em Lammers 2007a:284-286). White ficou muito contente de novamente ter notícias de
Jung e, nas semanas finais de sua vida, escreveu mais duas cartas, ainda buscando alguma
conclusão intelectual. Na primeira, explicou que quando “Antwort auf Hiob” foi publicado, teve
de ser considerado objetivamente, porque apresentava “muitas dificuldades e problemas para
muitas pessoas além de mim […] penso que essas questões não podem ser ignoradas por alguém
empenhado em difundir e continuar o maravilhoso trabalho que você iniciou e que ‘Antwort’
parece implicitamente repudiar” (White para Jung, 6 maio de 1960, em Lammers 2007a:289-
291).
Na última carta, escrita dois dias depois, White concluiu:
Victor White morreu duas semanas após essa carta, aos 57 anos de idade, e Jung
sobreviveu a ele por apenas um ano 38.
A trajetória da relação pessoal Jung-White e de sua colisão intelectual a respeito da
natureza do mal provocou perdas e sofrimento substanciais 39. O grau do envolvimento entre eles,
a intensidade da discussão e a magnitude de sua interação levaram à hipótese psicológica de
que os eventos cruciais relacionados a ambos não eram alheios aos fenômenos que estavam
discutindo. Lammers escreveu sobre um campo de força que tomou conta de ambos e a tragédia
deles foi compartilhada (Lammers 2005:9). Especialista em White e diretor do departamento de
teologia da Universidade de Lancaster, Adrian Cunningham, acredita que a vida de White foi
abreviada pela discussão e desentendimentos com Jung (Cunningham 1981:324). John Dourley,
padre católico e analista junguiano, concorda com o ponto de vista de Jung40 de que White não
conseguiu fazer a transição oferecida pela psicologia e escolheu a transformação da morte
(Dourley 2009:85).
Dessa forma, seria válido especular se a polêmica Jung-White tornou-se um testemunho
vivo do “drama pleromático, cujo coro trágico é constituído pela humanidade”, conforme
discutido em “Answer to Job”? (Jung 1952, ATJ, CW11: §686) O que é possível afirmar é que o
impacto da argumentação de Jung contra a privatio foi enorme para White. Com a publicação
de “Answer to Job”, o problema do mal foi empurrado para Deus e tornou-se impossível para
White aceitar que existe o mal no Deus transcendente de sua fé. Na lógica tomista de White,
Bondade Divina e Existência eram a mesma coisa, ou seja, tudo aquilo que foi criado por Deus
tem essência e é, por conseguinte, bom. A insistência de Jung de tornar o mal real, com essência
própria e não como uma ausência de bem, fez com que o mal adquirisse o status do bem 41. As
implicações de tal posição, de compreender a divisão entre bem e mal como reflexo de uma
contradição no próprio criador, mostraram-se incompatíveis com seu ponto de vista religioso,
uma vez que a crença na bondade de Deus é absolutamente vital e central para a fé cristã. Em
“Answer to Job”, Jung corrompeu a verdade cristã de que o mal é proveniente dos homens, não
de Deus, e inverteu a doutrina tradicional de homem à imagem de Deus, para Deus à imagem
do homem. Assim a interpretação herética de Jung postulou a ideia de que a humanidade está
38
Victor White morreu em 22 maio de 1960 e Jung em 06 junho de 1961.
39
Começou com a embolia coronária de Jung um ano antes do encontro com White, em 1946; seguida pela
destruição gradual da carreira de White; depois pelo câncer terminal e falecimento de Emma Jung em
1955; em seguida, pelo acidente de lambreta quase fatal de White em 1959; depois por outra embolia
coronária de Jung em 1960; e, finalmente, pelo câncer e morte prematura de White em 1960.
40
Jung descreveu isso em uma carta sobre White: “Tenho visto um número significativo de pessoas que
morrem em uma época de grande transição, chegando, por assim dizer, ao fim da peregrinação em direção
aos Portões, onde o caminho se bifurca para a terra do Além e para o futuro da humanidade e sua aventura
espiritual” (Jung, em Lammers 2007a:306).
41
Lammers oferece uma importante distinção conceitual sobre o problema do mal na obra de Jung que teria
ajudado White a melhor compreender Jung. Ela fez uma distinção entre dois tipos de mal: o mal do mito
e o mal da história. Para Jung, o primeiro contém uma interação dinâmica de opostos que precisam um
do outro, como as mãos esquerda e direita de Deus e o símbolo do yin e yang. O segundo consiste em
todos os horrores dos eventos históricos e das guerras, que demonstram a capacidade humana de ações
destrutivas e dano real. “O mal mítico precisa ser enfrentado, de modo a que os males históricos possam
ser combatidos” (Lammers 1994: 180-184).
colocada no contexto das polaridades e contradições da Imago Dei que, da mesma forma,
correspondem aos aspectos positivo e negativo da natureza humana.
Para White, a transformação da imagem ocidental de Deus aplica-se aos seres
humanos, não a Deus; porém, para Jung, a Imago Dei ocidental tem tanto um lado sombrio
como um potencial para transformação. Embora a discussão entre eles “tenha gerado mais calor
do que luz” (White 1952:75, n1), e que a distância entre o pensamento de ambos não tenha
podido ser superada, foi a incompatibilidade entre os pontos de vista dos dois e de seus esforços
para se educarem mutuamente que ajudaram Jung a formular seu pensamento da maturidade
(Stein 2007:x). White, como um catalizador e como a “centelha que acendeu” (Stein 2003:16) o
repúdio apaixonado de Jung à privatio boni e o prolongado diálogo dos dois, parece ter sido
uma “influência formativa” em “Answer to Job” e em trabalhos alquímicos posteriores de Jung
(Dourley 2007:283). Não obstante as acusações de White, Jung nunca foi um dualista e estava
“profundamente convencido da unidade do Self” (Jung, em Lammers 2007a:142). Na verdade,
a sua psicologia respondeu ao dualismo que observou “à espreita, nas sombras da doutrina
cristã” (Ibid.). Pode-se talvez afirmar que sua imaginação religiosa do Self como uma complexio
oppositorum o transforme em um monista de duplo-aspecto, onde o mito evolutivo da necessária
encarnação de Deus não coloca os opostos “Deus” e “homem” como eram antes; em vez disso,
os opostos estão dentro da própria Imago Dei (Jung, MDR:370-371).
Conclusão
A questão sobre se o mal é um fenômeno humano ou se tem uma estrutura metafísica
ainda paira sobre o mundo pós-cristão e o mundo pós-junguiano. Seja como for, do ponto de
vista psicológico, “Answer to Job” pode ser vivenciado como uma “taça de sofrimento” servida
ao homem moderno comum e mortal, com a qual a ”conta da era cristã nos é apresentada”
(Jung , CW18: §1661). O cristianismo herdou as contradições de Javé, personificadas na
oposição metafísica entre Cristo e Satanás (Dourley 2007:284). Nessa divisão, Cristo encarnou
o lado bom de Deus e, presumivelmente, livrou a humanidade do mal. Entretanto,
e o que normalmente seria reprimido torna-se aceitável; e, no fim, os países entram em guerra.
Pior ainda, as consequências e o resultado dos atos malignos são exatamente o que sempre
foram: a morte de inocentes, comunidades marginalizadas, milhões de refugiados com
pouquíssima esperança de uma resolução realista.
No cerne de “Answer to Job”, de Jung, havia uma mensagem premente, válida em sua
época e válida ainda hoje:
Tal preocupação traz esse tópico para mais perto da pesquisa e do debate
contemporâneos sobre uma nova era geológica, o Antropoceno 42. Simon L. Lewis (professor de
Ciência da Mudança Global) e Mark A. Maslin (professor de Ciência dos Sistemas Terrestres),
ambos da University College, em Londres, assinalaram que o sinal químico da cinza nuclear
(nuclear fallout) é um dos muitos impactos humanos sobre o meio ambiente. Em 2015, foi
proposto um novo modelo, que reconhece a primeira demonstração de uma arma nuclear como
marcador do término de uma época anterior, o Holoceno, e o início de uma nova era, o
Antropoceno: “a explosão nuclear realizada em 16 julho de 1945 no deserto Jornada del Muerto,
no Novo México, é o marco zero do Antropoceno” (Lewis & Maslin 2018:291). A evidência
científica de que o poder das ações humanas criou uma nova era geológica de alguma forma
confirma o ponto de vista de Jung de que mesmo a sombra mais tenebrosa representa um aspecto
de cada um de nós.
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Combinando as palavras gregas para “humano” e “época recente”, os cientistas deram a esse novo período
42
o nome de Antropoceno. Descreve o período no qual o Homo sapiens tornou-se um superpoder geológico,
colocando a Terra em uma nova direção em seu longo desenvolvimento. O Antropoceno é um ponto de
inflexão na história da humanidade, na história da vida e na história da própria Terra. É um novo capítulo
na crônica da vida e um novo capítulo na história humana (Lewis e Maslin 2018:5).
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