Menos Marx, Mais Mises - Camila Rocha
Menos Marx, Mais Mises - Camila Rocha
Menos Marx, Mais Mises - Camila Rocha
Introdução
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Introdução
Domingos Crippa foi barrado na PUC de São Paulo porque tinha ideias de
direita. Ele fez uma tese de doutoramento primorosa, mas não quiseram
constituir uma banca para ele defendê-la, não deixaram. Moral da
história: Crippa virou um anticomunista ferrenho. Ele dizia: “Eles me
atacaram, agora eu vou atacá-los”. Ele criou o Convívio em 1962 [8] com
a finalidade de vacinar a juventude contra o comunismo, essa era a ideia
dele. O Convívio era uma entidade anticomunista. [9]
Ao contrário da TFP, o IBF e a Sociedade Convívio se envolveram
diretamente com as atividades promovidas pelo IPES, subordinando-se à sua
orientação. Seus intelectuais passaram a atuar então de forma conjunta por
meio da revista Convivium, uma publicação anticomunista criada em 1962,
dirigida por Crippa e financiada principalmente por empresas do setor
automotivo. De acordo com o historiador Rodrigo Gonçalves, seria possível
considerar que, a partir de 1962, as duas organizações praticamente se
fundiram, dado o nível de coordenação de seus esforços. Os intelectuais que
passaram a compor seu núcleo duro até os anos 1980 foram: Adolfo
Domingos Crippa, Antônio Paim, Creusa Capalho, Miguel Reale, Nelson
Saldanha, Paulo Mercadante e Ricardo Vélez Rodríguez. Miguel Reale
representaria a primeira geração do grupo, Paim e Mercadante a segunda, e
Capalho e Vélez Rodríguez a terceira. Capalho, Paim e Saldanha foram os
que publicaram mais artigos na revista ao longo do tempo, mas outros
intelectuais que não pertenciam ao núcleo duro da organização também
publicavam textos no periódico, como o economista Delfim Netto e o
cientista político Oliveiros S. Ferreira.
Nessa época o ideário pró-mercado era defendido ainda por poucas
pessoas que transitavam em circuitos de elite no Brasil e que depois vieram
a apoiar ou participar diretamente do governo do general Humberto Castelo
Branco (1964-7), como Roberto Campos, que chefiou o Ministério do
Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, que se tornou ministro da
Fazenda. Tais ideias, em suas versões mais elaboradas, circulavam apenas
em meios extremamente restritos, nos quais trafegavam apenas elites
empresariais, governamentais, militares e intelectuais, que possuíam um
grau de proximidade muito grande, por vezes até mesmo familiar. Isso se
deu pois, por um lado, o IPES havia surgido com o objetivo principal de
disseminar um ideário anticomunista para desestabilizar o governo federal e
promover um golpe civil-militar. Assim, a divulgação do ideário pró-
mercado vinha embutida no pacote ideológico promovido pelo instituto,
mas claramente não era uma prioridade, sendo realizada de modo lateral.
Por outro lado, a Associação Nacional de Programação Econômica e Social
(Anpes), fundada em 1964 por Roberto Campos e responsável pela vinda de
economistas estrangeiros ao Brasil, entre os quais Milton Friedman em
1973, era exclusivamente voltada para pensar políticas públicas para o país
e não para a divulgação do ideário pró-mercado para um público mais
amplo. Além disso, em comparação com o IPES, as duas organizações
tiveram uma duração mais curta.
Em retribuição aos esforços empenhados na derrubada de João Goulart,
em 1966 o IPES obteve do governo Castelo Branco o status de “órgão de
utilidade pública”. Porém, em 1970, em meio à consolidação do regime
militar, o IPES paulista foi desativado, e dois anos depois, as atividades no
Rio de Janeiro também foram encerradas. A Anpes, por sua vez, teve uma
atuação mais destacada entre 1964 e 1967 no que diz respeito à formação de
quadros e à produção de pesquisas econômicas, mas acabou servindo muito
mais como um meio para seus membros ingressarem no governo de Castelo
Branco do que propriamente como uma organização voltada para a defesa
do capitalismo de livre mercado junto a um público mais amplo. Tanto é
que, com apenas três anos de funcionamento, a organização se desfez.
Com o término do mandato de Castelo Branco, considerado pela maior
parte das pessoas que entrevistei durante minha pesquisa como o auge do
liberalismo econômico no Brasil, os entusiastas do ideário pró-mercado
perderam o espaço político que haviam conquistado. Os militares que
sucederam Castelo Branco passaram a adotar um programa econômico
conservador, nacionalista e desenvolvimentista, justamente o oposto do que
pregavam os defensores do livre mercado. Após a extinção das
organizações civis que lhes davam suporte, bem como do único partido que
lhes oferecia representação política, a União Democrática Nacional (UDN),
se tornou muito difícil combater a nova orientação econômica dos militares.
Ao mesmo tempo, o discurso anticomunista — que animou a militância
de direita no início dos anos 1960 — se fortaleceu ainda mais devido ao
combate promovido pelo Estado a atividades consideradas subversivas, de
modo que o anticomunismo passou a permear o discurso oficial. Isso fez
com que os intelectuais conservadores, ao contrário dos ideólogos que
pregavam o livre mercado, prosseguissem com suas atividades por meio
não apenas de suas próprias organizações, como foi o caso da TFP, que
continua a existir até hoje, mas também através da participação direta no
governo, como foi o caso dos intelectuais reunidos no IBF e na Sociedade
Convívio.
Em setembro de 1969 foi criada a Comissão Nacional de Moral e
Civismo, órgão responsável pela implementação, manutenção e fiscalização
do ensino da disciplina educação moral e cívica em todas as escolas
brasileiras, desde o ensino básico ao superior. A Comissão teve um papel
importante na formação escolar de muitos brasileiros em seus quase vinte
anos de atuação, tendo sido encerrada apenas em 1986. No ensino básico a
educação moral e cívica se voltava especialmente para temas relacionados à
moral, à adesão a valores religiosos e à exaltação da pátria, enquanto no
ensino secundário e nos ambientes universitários divulgava-se de forma
mais explícita um ideário anticomunista a partir do eixo temático intitulado
“A falácia do comunismo: Negação da liberdade social” e por meio de um
curso chamado Estudo de Problemas Brasileiros (EPB).
Nessa época, a Sociedade Convívio possuía uma parceria com o
Ministério da Educação, de modo que o curso EPB poderia também ser
oferecido pela entidade. Assim, ao longo do tempo a organização
estabeleceu convênios com 110 universidades distribuídas em várias
capitais brasileiras, e seus cursos, que já vinham sendo ministrados pela
organização para milhares de estudantes desde o início da década de 1960,
continuaram a ser oferecidos até o fim dos anos 1970 por meio da disciplina
de EPB. Posteriormente, o conteúdo de tais cursos foi reunido em dois livros
organizados por Adolfo Domingos Crippa: As ideias filosóficas no Brasil,
publicado em 1978, e As ideias políticas no Brasil, publicado em 1979. Os
livros contavam com textos de Antônio Paim, Paulo Mercadante, Oliveiros
S. Ferreira, Ubiratan Borges de Macedo, Vamireh Chacon, João Alfredo de
Sousa Montenegro, Nelson Saldanha, Roque Spencer Maciel de Barros,
Vicente Barreto, entre outros. Dois desses autores, inclusive, além de terem
escrito textos para os dois volumes coletivos, já haviam escrito livros sobre
temáticas correlatas. Em 1965, Mercadante publicou A consciência
conservadora no Brasil, e em 1967 seria a vez de Paim lançar História das
ideias filosóficas no Brasil.
Miguel Reale, por sua vez, uma das lideranças mais antigas do
IBF/Convívio, e que atuava como professor catedrático da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco desde 1941, assumiu a reitoria da
Universidade de São Paulo em 1969, logo após o decreto do Ato
Institucional número 5, o AI-5, fundamental para o recrudescimento do
aparato repressivo do regime militar. Reale permaneceu no cargo de reitor
até 1973 e, em 1974, foi nomeado para atuar no Conselho Federal de
Cultura pelo general, e então presidente, Emílio Garrastazu Médici, onde
permaneceu até 1989.
Nesse sentido, é possível dizer que a divulgação do ideário pró-mercado
para um público mais amplo no Brasil, aquele que Hayek chamava de
“formadores de opinião de segunda classe”, passou a ocorrer de fato apenas
a partir da metade dos anos 1970. Para tanto, foi fundamental a atuação do
empresário Henry Maksoud, um dos precursores da divulgação das ideias
originais de Hayek, Mises e Friedman no Brasil para além de circuitos
elitistas.
Proprietário de empresas de ramos diversos, como a empreiteira
Hidroservice e o hotel de luxo Maksoud Plaza, Maksoud foi um ativo
divulgador do ideário pró-mercado no Brasil por meio da revista Visão,
adquirida pelo empresário entre os anos de 1974 e 1975 e que entre os anos
de 1983 e 1986 possuía uma tiragem de 150 mil exemplares. [10] Na revista
eram publicadas entrevistas e ensaios inéditos de intelectuais neoliberais
como Hayek e Milton Friedman, e ultraliberais como Murray Rothbard, um
avanço que, segundo me relataram algumas das pessoas que entrevistei, foi
percebido como muito significativo, dado que a imprensa da época,
segundo elas, seria dominada por um consenso social-democrata.
Para além da divulgação realizada por meio da revista, Maksoud
também publicou, pela editora Visão, diversos livros de autoria própria
defendendo o capitalismo de livre mercado, além de ter financiado a
primeira tradução para o português do livro Os fundamentos da liberdade,
de Hayek. O economista austríaco, inclusive, veio ao Brasil três vezes, entre
1977 e 1981, a convite do empresário, e em sua última visita realizou uma
palestra na Universidade de Brasília para um público que contava com
intelectuais pró-mercado ilustres, como Eugênio Gudin, Roberto Campos e
Otávio Gouveia de Bulhões.
As iniciativas de Maksoud relacionadas à divulgação do ideário pró-
mercado nessa época estavam alinhadas com o espírito de um grupo de
empresários crescentemente insatisfeito com as medidas que vinham sendo
adotadas durante o governo de Ernesto Geisel (1974-9). Tal grupo, ao julgar
que o governo de turno estava agindo de forma prejudicial aos seus
interesses, passou a se engajar no que ficou conhecido como a “Campanha
contra a estatização”.
Até então, e desde o golpe civil-militar, os empresários possuíam canais
de comunicação diretos com a cúpula dos sucessivos governos militares. No
entanto, passada uma década, esse mesmo empresariado constatou que o
autoritarismo exacerbado do regime havia se tornado disfuncional para
atender seus interesses de forma satisfatória. Ao mesmo tempo, começaram
a ocorrer as greves do ABC, momento em que oito líderes empresariais se
reuniram para divulgar um documento político que exigia: a aceleração do
processo de democratização, a abertura dos mercados e a redução da
participação do Estado na economia, inaugurando oficialmente a referida
campanha contra a estatização. Entre os oito empresários que participaram
da empreitada e assinaram o documento estavam Jorge Gerdau Johannpeter
(Grupo Gerdau), Antônio Ermírio de Morais (Votorantim) e Paulo Villares
(Grupo Villares).
O Primeiro Documento dos Empresários foi divulgado no dia 26 de
junho de 1978. Seus oito signatários constavam de uma lista de dez
empresários que haviam sido indicados como os mais representativos pela
própria classe um ano antes em consulta realizada pela Gazeta Mercantil,
possuindo, portanto, “autoridade para falar em nome do empresariado
nacional como um todo”. Além de Gerdau, Morais e Villares, assinaram o
documento: Claudio Bardella (ex-presidente da Associação Brasileira da
Infraestrutura das Indústrias de Base e diretor-presidente do grupo
Bardella), Severo Gomes (ex-ministro da Indústria e do Comércio do
governo Geisel e diretor-presidente do grupo Parahyba), José Mindlin
(diretor da Fiesp e diretor-presidente da Metal Leve S.A.), Paulo Vellinho
(diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, vice-
presidente da Confederação Nacional da Indústria e diretor do grupo
Springer-Admiral) e Laerte Setúbal Filho (diretor-presidente do grupo
Duratex), lembrando que o fundador do grupo Duratex já havia dirigido na
década de 1960 a Anpes, organização fundada por Roberto Campos.
Enquanto os empresários passavam a contestar a “estatização”
promovida pelo governo, vários economistas que haviam realizado seus
estudos de pós-graduação na Universidade de Chicago durante o auge da
Escola de Chicago começaram a retornar ao Brasil, entre eles, Paulo
Rabello de Castro. Empenhado em fazer com que a elite política e
empresarial brasileira trilhasse o caminho das reformas liberalizantes, o
economista tirou férias no ano de 1979 para escrever o que viria a ser o
estatuto de uma nova organização fundada no ano seguinte: a Câmara de
Estudos e Debates Econômicos e Sociais (Cedes). De acordo com Rabello
de Castro, na época em que a Cedes foi fundada, o Brasil atravessava uma
crise econômica grave de origem cambial em que havia uma falta de
reservas internacionais por causa da segunda alta súbita do petróleo,
produto que o país importava, em suas palavras, “quase cem por cento”.
Diante de tal cenário, o economista compreendia que a Câmara de Estudos
poderia fornecer uma resposta diferente para sanar a crise em comparação
com o que vinha sendo oferecido pelo modelo nacional-desenvolvimentista
autoritário promovido pelos militares e pelo desenvolvimentismo defendido
por grupos de esquerda:
O Paim sempre me falou: “Você quer fazer algo pelo país? Tem que se
aproximar dos partidos e tentar transformá-los”. O Paim escreveu muito,
durante vinte anos foi assessor do PFL na área de doutrina. Ele conseguiu
algumas coisas, a proposta de privatizações, de que se beneficiou o PSDB,
inicialmente, foi pensada no PFL, foi o Paim quem pensou a proposta de
privatizações. A reforma política para acabar com esse carnaval de um
monte de partidos e adotar o voto distrital é uma proposta que o Paim já
tinha na época da Constituinte e que ele conseguiu vender para o PFL,
embora ele próprio ache que aproveitaram só 5% do que ele passou. Ele
gastou muita tinta tentando modificar essa realidade. Eu participei muito
junto ao PFL dando palestras, organizei junto com o Paim, na
[Universidade] Gama Filho, uma série de cursos de formação política,
de introdução ao pensamento político brasileiro, para militantes políticos
tanto do PFL, como do PSDB, organizamos vários cursos oferecidos à
distância. A pessoa que mais se interessou pelas ideias liberais e tentou
levá-las à prática foi o senador Jorge Bornhausen, que era a pessoa mais
liberal de toda essa turma certamente. Mas o partido que mais se
beneficiou da presença de intelectuais foi o PSDB, que tem um estofo
doutrinário de maior qualidade, sem dúvida nenhuma, porque houve
mais teóricos, pessoas intelectualizadas que se filiaram ao partido, e o
PFL ficou mais com os caciques do Nordeste, um partido de grotões. [19]
Desde sua fundação até 1993, o IL-RJ foi capaz de atrair duzentos
mantenedores do meio empresarial e promover mais de quinhentos eventos
no país com 169 palestrantes ligados ao Instituto, sendo que no ano de 1993
a reunião anual da Sociedade Mont Pèlerin foi realizada no Rio de Janeiro.
Nesse mesmo ano, decidiu-se que as atividades promovidas pelos Institutos
Liberais passariam a ter públicos-alvo mais claros. Os institutos estaduais
atuavam de modo centralizado, baseados nas decisões do Conselho
Nacional dos Institutos Liberais, organizado a partir do Instituto Liberal de
São Paulo. Em uma dessas reuniões coube ao presidente do Conselho a
coordenação do levantamento de uma listagem de 3 mil pessoas que
comporiam os públicos-alvo dos institutos, as quais deveriam ser divididas
em duas categorias de formadores de opinião, “liberais” e “prospects”,
como consta em um documento interno redigido por Donald Stewart Jr.
cujo conteúdo reproduzo abaixo:
O foco em cada uma dessas categorias, contudo, era desigual, pois mais de
um terço dos indivíduos-alvo era de políticos. De acordo com um
planejamento inicial feito pelo IL, dos 3 mil formadores de opinião a serem
influenciados, 1200 eram políticos — entre os quais eram destacados os
senadores e deputados federais (trezentos) e os prefeitos (duzentos) —,
quatrocentos eram empresários e outros quatrocentos eram professores
universitários. Inclusive, uma das únicas pesquisas encomendadas pelo IL,
no ano de 1991, com o propósito de saber mais a respeito do impacto de
suas atividades, foi justamente para aferir a influência, junto a legisladores,
de uma de suas publicações, a revista mensal Notas, realizada com o apoio
da organização norte-americana Center for International Private Enterprise
(Cipe) [28] e redigida pelos membros do Instituto. A Notas possuía uma
tiragem de 5 mil exemplares, versava sobre análise de leis e procedimentos
constitucionais e era distribuída para policymakers. De acordo com a
pesquisa, cerca de 57 deputados federais afirmaram ler a revista
assiduamente, 75% afirmaram que mudaram seus votos após a leitura, e
mesmo legisladores que não eram liberais afirmaram que suas ideias foram
afetadas pela Notas. [29]
Os professores e estudantes universitários eram beneficiados pela
disponibilização de livros liberais para venda ou consulta na sede do
Instituto, por seminários, bolsas e programas de intercâmbio financiados
por organizações e universidades estrangeiras e concursos de monografias.
É possível dizer que o Instituto Liberal influenciou na formação de vários
quadros da elite acadêmica, professores e pesquisadores, principalmente da
área de economia. A atuação de Og Leme foi essencial, pois através de
Leme vários estudantes brasileiros conseguiram bolsas de estudo ou acesso
a estudos de pós-graduação na Universidade de Chicago e em outras
instituições norte-americanas, o que teria impactado uma geração, ou mais,
da inteligência brasileira, como afirma um de seus discípulos, o economista
Cláudio Contador.
De acordo com Contador, uma parte influente da geração de
economistas, engenheiros e cientistas políticos formados nas décadas de
1960 e 1970 seria grata ao professor Og Leme por ter estimulado e aberto
caminhos para que muitos jovens pudessem continuar sua formação
acadêmica nos Estados Unidos. Segundo seu entendimento, isso teria
possibilitado que muitos cursos de economia no Brasil alcançassem padrão
internacional graças aos mestres e doutores formados por obra dos esforços
de Og Leme, pois teriam sido eles que, posteriormente, implementariam os
atuais programas de pós-graduação das universidades brasileiras. [30]
Já os empresários eram beneficiados não apenas pelo contato com o ideário
pró-mercado mas também pela participação em uma rede formada por
empresários importantes do país fomentada não somente pelos Institutos
Liberais mas também pelo IEE, cujo foco era justamente a formação de
jovens empresários. De fato, até o início da década de 1990 eram raras as
iniciativas dos think tanks que não focassem nessas categorias. As exceções
foram a publicação de um gibi da Turma da Mônica sobre cidadania,
realizada pelo IL-SP, e as campanhas publicitárias de frases neoliberais
estampadas em outdoors levadas a cabo pelo IL-PR, ambas destinadas ao
público geral. Contudo, as atividades de alcance mais restrito dos ILs e do
IEE logo foram contrabalançadas pela atuação de um novo think tank liberal
no Rio de Janeiro, o Instituto Atlântico (IA), fundado em 1992 pelos antigos
membros da Cedes, liderados pelo economista Paulo Rabello de Castro.
Na época, Rabello de Castro decidiu apresentar ao então presidente
Fernando Collor de Melo um plano econômico de sua autoria, que ficou
conhecido como Plano K. No entanto, apesar de ter recebido o economista e
esboçado algum entusiasmo, Collor acabou não acatando sua orientação, e
Rabello de Castro terminou por publicar o Plano K em formato de livro:
Brasil: Este país tem jeito?. Logo após a publicação, em 1992, o
economista se uniu com o empresário carioca Thomaz Magalhães e fundou
no Rio de Janeiro o Instituto Atlântico. Um dos focos do IA, para além de
influenciar políticos e policymakers, era atingir as classes populares. Para
tanto, passaram a ser divulgadas pela organização as ideias de capitalismo
popular e privatização popular, indicando como trabalhadores comuns
poderiam se beneficiar materialmente do estabelecimento de uma ordem
política e econômica orientada para o desenvolvimento do livre mercado.
Poucos anos após a fundação da organização, foi estabelecido um
convênio estável com a Força Sindical, uma das maiores centrais sindicais
do país. Por meio da parceria, ao longo da década de 1990, foram
distribuídas aos trabalhadores mais de 1 milhão de cartilhas ilustradas pelo
cartunista Ziraldo que versavam sobre temas diversos dentro do enfoque do
capitalismo popular. Um dos temas principais veiculados pelas cartilhas era
a privatização da Previdência, e em 1997 o Instituto contratou o Ibope para
realizar uma pesquisa junto aos trabalhadores com carteira assinada na
região metropolitana de São Paulo justamente sobre o assunto. Foi uma
agradável surpresa para o Instituto constatar que 73% dos trabalhadores
entrevistados eram a favor da quebra de monopólio da Caixa Econômica
Federal (CEF) como gestora dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), e 71% transfeririam seus fundos para uma instituição
financeira privada alternativa à CEF. [31]
No que tange à política institucional, apenas no ano de 1993 o Instituto
Atlântico apresentou mais de quatrocentas emendas à Constituição por meio
da atuação do então deputado federal Eduardo Mascarenhas, do Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB). Além disso, também participou da
criação de um comitê de acompanhamento de política monetária e fiscal
presidido pelo ex-ministro Ernane Galvêas, realizou um workshop sobre
privatização no Hotel Transamérica, no qual estiveram presentes
empresários, economistas de destaque e políticos, como o então presidente
do PFL, Jorge Bornhausen, e publicou cinco cadernos contendo detalhadas
propostas de políticas públicas. Ainda no mesmo ano Paulo Rabello de
Castro, em conjunto com outros quatro economistas, entre os quais estava
Paulo Guedes, doutor em economia pela Universidade de Chicago e um dos
fundadores do Banco BTG Pactual em 1983, participou da elaboração do
programa do PFL para as eleições de 1994, tendo em vista a candidatura de
Roseana Sarney. De acordo com o empresário Thomaz Magalhães,
presidente do IA na época, o partido que mais teria aberto portas para o
Instituto “vender suas ideias” teria sido o PFL, sobretudo considerando a
atuação de Marco Maciel e do então presidente da sigla, Jorge Bornhausen,
que quiseram adotar o programa de governo desenvolvido pelo think tank.
Magalhães foi convidado então para coordenar a campanha de Roseana
Sarney para a presidência, porém, o empresário mal havia aceitado o
convite quando um escândalo ligado à pré-candidata veio à tona na
imprensa, dificultando o planejamento que vinha sendo feito por seu partido
em conjunto com o Instituto. Porém, o projeto de fato foi inviabilizado com
o anúncio da aliança com o PSDB, quando Rabello de Castro abandonou
completamente a colaboração afirmando que seriam insuperáveis as
diferenças entre o programa que seria defendido pelo PFL e o programa
encampado pelos tucanos.
Após a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, os membros
do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, pelo vínculo com Jorge Bornhausen,
então presidente do PFL, conseguiram se reunir com o presidente eleito, que
apareceu na capa da revista Think Tank. Porém, assim como Rabello de
Castro, Arthur Chagas Diniz, que atuava então como diretor do IL-RJ,
deixou claro na entrevista concedida a mim e ao jornalista Lucas Berlanza
[32] que, em sua visão, Cardoso não era um “liberal”:
Ele falava tudo aquilo que muitas pessoas gostariam de falar para os
jornalistas, professores universitários, pessoas dos meios de
comunicação e que atuavam no terceiro setor e não tinham voz. Então,
de certa forma, ele canalizava essas vozes todas. Me parece que o
sucesso dele naquela altura se deve a isso, e, claro, sem contar o
brilhantismo intelectual que ele tem e isso é inegável. Um sujeito
realmente impressionante desse ponto de vista. [14]
Não tardou para que boa parte dos frequentadores do Orkut, assim como
outros grupos e movimentos da sociedade civil, passasse a compartilhar em
alguma medida as ideias acerca da existência de “hegemonia cultural
esquerdista” no país, considerando suas próprias experiências em ambientes
escolares [21] ou em outros circuitos relacionados à esfera pública
tradicional. E, nesse sentido, a influência de Olavo de Carvalho foi
inegável. É o que argumenta Joel Pinheiro da Fonseca:
Muita gente foi influenciada por Olavo de Carvalho. Muito liberal hoje
em dia tem muito mais a cara de direita do que da esquerda, e ele tem
uma grande parte de influência nisso, não tenho a menor dúvida. Ele
ajudou a fomentar essa ideia de hegemonia esquerdista, de formar esse
instrumento combativo. Em um plano mais prático, foi importante essa
visão de que éramos uma minoria encastelada, meio instruída, sem
representação, e que por isso tínhamos que lutar. Sem essa crença talvez
não houvesse esse ânimo para crescer e para fazer acontecer. [22]
E Lucas Berlanza:
Olavo de Carvalho foi uma das primeiras fontes de conceitos que hoje
todo mundo usa. O simples conhecimento da existência do Foro de São
Paulo, por exemplo. O Olavo não foi o primeiro a dizer que existia, mas
foi o primeiro a levar o conhecimento para o público sobre a importância
dessa instituição, em termos ideológicos e estruturais, na América
Latina. As pessoas às vezes dizem que não têm nada a ver com ele, mas
usam essas ideias. Eu reconheço que elas começaram a ser difundidas de
fato com ele, e que foram recebidas por alguns grupos de intelectuais,
sobretudo jovens, dispostos a encontrar uma bibliografia distinta das que
eles tinham até então. [23]
Tinha que pegar os deputados e botar num paredão. Pegar essa quadrilha
do PT, a quadrilha de todos os partidos políticos, e botar no paredão!
Nada de presídio, é pegar Fernandinho Beira-Mar, Marcola, e mandar
fuzilar. Invadir o Rio de Janeiro e explodir tudo. Pegar e meter uma
trolha na bunda dos caras, tá?! Hoje eu sou a favor, pela putaria que está
acontecendo nesse país, eu seria a favor do vento das Araucárias, é o
vento verde! Mas nós não temos um Castelo Branco para retornar. [25]
Segundo Carvalho, o uso de palavrões e de uma abordagem agressiva seria
consciente e se justificaria pelas seguintes razões: [26]
O USO DO PALAVRÃO
Eu uso esses palavrões porque são NECESSÁRIOS.
São necessários no contexto brasileiro para demolir essa linguagem
polida que é uma camisa de força que prende as pessoas, obrigando-as a
respeitar o que não merece respeito.
Então, às vezes, quando você discorda de um sujeito, mas discorda
respeitosamente, você está dando mais força pra ele do que se
concordasse. Porque você está indo contra a ideia dele, mas você está
reforçando a autoridade dele. A autoridade é a respeitabilidade.
O problema dessas pessoas, desses bandidos de que eu estou falando,
não são as ideias. É justamente o fato de que são canalhas.
São canalhas, são bandidos, são ladrões.
V-Ã-O T-O-D-O-S T-O-M-A-R N-O C-U!
O IPCO, organização da qual faz parte José Carlos Sepúlveda, compõe o arco
de lideranças, movimentos e organizações antiaborto que atuam no país
desde a redemocratização, momento em que as feministas passaram a
advogar institucionalmente pela descriminalização da prática, tornando-se
as principais adversárias dos ativistas antiaborto. Desde então a legalização
do aborto começou a avançar lentamente a partir do governo de Fernando
Henrique Cardoso, primeiro presidente ateu do país, cuja esposa, a
antropóloga Ruth Cardoso, já havia dado declarações favoráveis nesse
sentido. Durante o governo do sociólogo, no ano de 1998, foi editada uma
norma técnica por José Serra, então ministro da Saúde, para que as
mulheres que tivessem interrompido a gestação de acordo com os casos já
previstos na lei brasileira pudessem ter acesso a assistência médica pelo
SUS. Porém, como o PSDB havia feito uma aliança com setores políticos
conservadores, para além da ação promovida por Serra, não deu mais
nenhum indicativo de que pudesse legalizar o aborto ou encaminhar outras
medidas correlatas.
Durante seu primeiro governo, Lula também avançou pouco nesse
sentido, porém, em meio ao seu segundo mandato (2007-10), no ano de
2009 foi decretada a terceira edição do Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH 3). O Programa, que contém objetivos como “considerar o
aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços
de saúde”, “apoiar projeto de lei que disponha sobre a união civil entre
pessoas do mesmo sexo”, “promover ações voltadas à garantia do direito de
adoção por casais homoafetivos”, logo foi interpretado pelos ativistas
antiaborto como um avanço contra o que classificam como “cultura da
vida”, e recebeu fortes ataques por parte de parlamentares, juristas e demais
militantes contrários à legalização da prática. De acordo com o
entendimento dos ativistas antiaborto, a “cultura da vida” diz respeito à
manutenção de uma ordem conservadora que extravasa a questão do aborto
em si e diz respeito à defesa de um modo de vida tradicional que consiste
em se posicionar contrariamente ao uso de métodos contraceptivos, ao uso
de células-tronco para pesquisa, à legalização da prática da eutanásia, aos
avanços dos direitos das mulheres e da população LGBT+, entre outras
pautas relacionadas, caracterizadas como pertencentes a uma “cultura da
morte”. Para enfrentá-la, os militantes se organizam em uma ampla coalizão
política que não se reduz à atuação de lideranças cristãs conservadoras,
sejam estas evangélicas ou católicas, afinal, também atuam na defesa de
uma moralidade tradicional pessoas que não são cristãs nem mesmo são
religiosas. Desse modo, a atuação política de cristãos conservadores não é a
causa nem a resultante da reação conservadora que passaria a ganhar maior
força a partir de 2011, ainda que seja constituinte e constituída por esta,
como bem apontou o sociólogo Ronaldo Almeida.
Um embate crítico nesse sentido ocorreu durante o período das eleições
presidenciais em 2010, momento em que a pauta do aborto se tornou central
no debate eleitoral e as principais candidaturas à presidência da República
optaram por não se posicionar a favor da legalização. No entanto, se
integrantes da política institucional não se dispuseram a enfrentar a disputa
e avançar na legalização da prática, após as eleições, o surgimento de um
novo ativismo feminista, em 2011, deu início a um período de ofensiva
aberta por parte de lideranças e ativistas antiaborto à medida que protestos
relacionados à Marcha das Vadias pipocaram em todo o território nacional,
integrando o início de um novo ciclo de protestos no país que desaguariam
nas manifestações de junho de 2013 e, posteriormente, em uma crise
política que se aprofundaria nos anos subsequentes.
O ciclo de protestos e a crise política
Após o sucesso atingido por O mínimo que você precisa saber…, a Record
publicou livros de autores relacionados à nova direita mas que não
possuíam o mesmo grau de exposição pública de Carvalho e Rodrigo
Constantino. Ainda em 2015 foram publicados os livros Pare de acreditar
no governo, do cientista político Bruno Garschagen, que havia participado
do projeto Liberdade na Estrada em 2009 e é o responsável pelo podcast do
Instituto Mises Brasil desde 2012, e Por trás da máscara, de Flávio
Morgenstern, que havia disputado o DCE da USP ao lado de Rodrigo Neves
pela chapa “Reação” em 2011, quando ainda era estudante do curso de
letras. Além disso, aproveitando o momento político, a editora tinha
anunciado que estava em tratativas para lançar um livro de uma das
lideranças mais famosas do MBL, Kim Kataguiri, que naquele ano havia sido
considerado pela revista Time um dos trinta jovens mais influentes do
mundo e em janeiro de 2016 passaria a escrever uma coluna semanal para o
jornal Folha de S.Paulo. [101] A editora também passou a publicar autores
que abordavam temas filosóficos e culturais com maior densidade e eram
publicados apenas por selos menores, como a É Realizações e a Vide
Editorial, consolidando a nova direita no cenário cultural do país, como
aponta Márcia Xavier de Brito:
Estão revolvendo os catálogos para atender uma demanda que eles estão
vendo que existe, e aí é um movimento cultural, não adianta. O Sérgio
Machado, antes de morrer, contratou o Andreazza porque ele queria
inovar, queria dar uma sacudida na Record. O Andreazza publicou o
Roger Scruton, mas quem começou a publicar o Scruton no Brasil foi o
Edson da É Realizações, que já tinha várias coisas publicadas quando a
Record, com a megadistribuição que eles têm, compra o último livro
dele. [102]
Foi sinalizado que o PSC daria espaço para uma voz da direita falar, e
com isso veio essa enxurrada de gente atrás do Bolsonaro, atrás de
conservadorismo, atrás da defesa liberal. Tinha uma demanda reprimida
por representação. A gente sempre fala muito que no Brasil até 2014 não
existiam partidos de direita. Todos os partidos estavam do centro para a
esquerda por uma questão histórica, porque a direita era associada ao
movimento militar, à ditadura, o que é bizarro. [Carlos] Lacerda, que era
o principal nome da direita, foi o primeiro eLivros da ditadura. Porque a
ditadura militar não é nem de direita, é imposição, e imposição não tem
lado. [112]
Na atuação política nós estamos construindo três frentes que são o Novo,
recém-fundado e que ainda fica transitando ao redor da figura do
Amoêdo. Tem o PSC, o próprio Bernardo Santoro fez parte do programa
do pastor Everaldo, e o PSL tentando se tornar um partido ideológico. É
uma faca de dois gumes no Brasil, porque no Brasil você vota em
pessoas, não em ideias. Agora vamos ver como a sociedade vai se
comportar com um discurso que vai começar a aparecer um pouco na
mídia, o que sempre foi a ideia do pessoal desde o início: colocar um
ponto mais distante do que existia e arrastar o debate para um lugar mais
próximo do que desejamos para poder promover mudanças reais, que
estejam mais de acordo, por exemplo, com a diminuição do tamanho do
Estado. [113]
Introdução
5. Walter Lippmann é autor de The Good Society, obra publicada nos anos
1930 que tece críticas a políticas de cunho “coletivista” por conduzirem
potencialmente ao totalitarismo, argumento que também foi utilizado pelo
economista austríaco Friedrich von Hayek anos depois em sua obra mais
popular, O caminho da servidão, publicada em 1944 (ver: Richard Cockett,
Thinking the Unthinkable: Think-Tanks and the Economic Counter-
Revolution 1931-1983. Londres: HarperCollins, 1995).
[ «« ]
14. Entrevista com Arthur Chagas Diniz, ex-diretor do IL-RJ, em dez. 2015.
[ «« ]
18. Ibid.
[ «« ]
19. Entrevista com Ricardo Vélez Rodríguez, Faculdade Arthur Thomas,
em ago. 2017.
[ «« ]
24. Position papers eram textos curtos que procuravam influenciar o leitor a
respeito de algum tema específico e que podiam ser formulados por
qualquer membro do instituto (no contexto anglo-saxão, atualmente, fala-se
em op-eds.).
[ «« ]
25. As atividades e produções dos Institutos Liberais desde sua fundação
até 2001 foram compiladas de forma detalhada pela cientista política
Denise Gros e podem ser consultadas em sua tese de doutorado, bem como
pelo historiador Flávio Henrique Casimiro (ver referências bibliográficas).
[ «« ]
27. Excerto extraído de carta escrita por Donald Stewart Jr. no dia 1o de
setembro de 1993 e endereçada aos presidentes dos ILs, Jorge Gerdau
Johannpeter, Jorge Simeira Jacob e Roberto Bornhausen.
[ «« ]
33. Entrevista com Arthur Chagas Diniz, ex-diretor do IL-RJ, em dez. 2015.
[ «« ]
36. Ibid.
[ «« ]
37. Timothy Power, “The Third Way in the Third World: Theoretical
Considerations and a Case Study of Cardoso's PSDB in Brazil”. World
Congress of the International Political Science Association, Quebec, 2000.
[ «« ]
38. Anthony Giddens, A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record,
2001, apud André Pereira Guiot, Um ‘moderno príncipe' para a burguesia
brasileira: O PSDB (1988-2002). Niterói: Departamento de História da
Universidade Federal Fluminense, 2006. Dissertação (Mestrado).
[ «« ]
39. Entrevista com Alex Catharino, Russell Kirk Center, em dez. 2016.
[ «« ]
40. Ver: Rodolfo Borges, “A direita brasileira que saiu do armário não para
de vender livros”. El País, 1 ago. 2015. Disponível em:
<brasil.elpais.com/brasil/2015/07/22/politica/1437521284_073825.html>.
Acesso em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
45. A primeira menção crítica ao Foro de São Paulo realizada por Olavo de
Carvalho, que se encontra registrada em seu blog pessoal, apareceu em um
artigo escrito para a revista Época sobre transgênicos em Cuba, intitulado
“Quem diria? Mas nem tudo o que é bom para Cuba é bom para o Brasil”,
publicado em 21 abr. 2001 (disponível em:
<www.olavodecarvalho.org/transgenicos-em-cuba>. Acesso em: 2 jun.
2021). O Foro de São Paulo é uma articuladora latino-americana fundada
em 1990 a partir de um seminário promovido pelo PT na cidade de São
Paulo. Atualmente o Foro reúne mais de cem partidos e organizações de
esquerda da região. Ver mais informações em <forodesaopaulo.org>.
[ «« ]
47. Entrevista com Alex Catharino, Russell Kirk Center, em dez. 2016.
[ «« ]
3. A nova direita: Mises e o combate à “hegemonia cultural esquerdista”
47. A zoeira era algo comum entre jovens que frequentavam fóruns digitais
e remete à influência de fóruns brasileiros, como o Vale-Tudo, do Fórum
UOL Jogos, e de norte-americanos, como o 4chan, onde teve início a
circulação de memes (Angela Nagle, op. cit.). Anos depois, Kim Kataguiri
também lançaria mão de algo similar em sua página Liberalismo da Zoeira.
Uma reportagem sobre a influência do VT do Fórum UOL Jogos e o recurso à
zoeira foi realizada pela revista Vice. Disponível em:
<www.vice.com/pt/article/d3b53m/por-que-o-vale-tudo-do-forum-uol-
jogos-foi-a-vanguarda-digital-brasileira>. Acesso em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
66. Como aponta uma pesquisa realizada pela BBC Brasil com base em mais
de 1500 discursos proferidos pelo deputado no plenário da Câmara ao longo
de 27 anos, “o Bolsonaro do início da carreira era muito mais preocupado
com a defesa dos interesses dos militares (sua base eleitoral de então) do
que em polemizar com o PT e a esquerda. […] Em seu primeiro mandato
como deputado, de 1991 a 1994, palavras como ‘militar', ‘forças armadas',
‘benefícios', ‘salários' e ‘pensões' apareceram 702 vezes nos resumos e
palavras-chave dos 279 discursos feitos por ele no plenário da Câmara
naquele período. Já no atual mandato, de 2015 até agora, o mesmo conjunto
de dezesseis palavras só aparece 110 vezes, num conjunto de 143 discursos.
[…] Com o passar do tempo e aumento de sua projeção nacional, os
assuntos corporativos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica recuavam.
O tempo de Bolsonaro na tribuna passou a ser ocupado cada vez mais com
assuntos com ‘apelo' no novo público do deputado, que o conheceu
principalmente na internet. Um outro conjunto de dezesseis termos, com
palavras como ‘direitos humanos', ‘PT', ‘tortura', ‘Cuba', ‘esquerda' e ‘gays'
tiveram um pico no mandato passado (2011 a 2014), aparecem 297 vezes
nesse período, mas só foram citados 41 vezes no primeiro mandato de
Bolsonaro (1991-1994)”. Disponível em: <www.bbc.com/portuguese/brasil-
42231485>. Acesso em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
69. “A militância que eu tive foi Líber. Foi participar de manifestação aqui,
a gente fez bastante barulho em São Paulo. A gente participou quando
proibiu a Marcha da Maconha e mudaram o nome pra Marcha pela
Liberdade, a gente foi lá com os nossos cartazes. A gente fazia muita
manifestação no Impostômetro também, quando ia bater os recordes a gente
estava sempre. A gente sempre apoiou aquele Dia da Liberdade dos
Impostos, a gente fazia [protesto] no posto de gasolina, que vende gasolina
com o preço que seria se não fossem os impostos.” Entrevista com Filipe
Celeti, Livres, em abr. 2016.
[ «« ]
71. “O MCCE foi instituído durante o período eleitoral de 2002. Mas pode-se
dizer que a campanha da fraternidade de 1996, que teve por tema
‘Fraternidade e Política', contribuiu para aflorar a criação do MCCE, porque
posterior à campanha, a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), órgão
vinculado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou o
Projeto ‘Combatendo a corrupção eleitoral' em fevereiro de 1997. Assim,
era plantada, em 1998, a semente da iniciativa popular contra a corrupção
eleitoral, originando a Lei 9840. […] O MCCE ampliou sua atuação e hoje
funciona de forma permanente com ações em todo o país. Em 2006 é criada
a secretaria executiva do comitê nacional do MCCE. Em 27 de abril de 2007,
é oficializada legalmente a Secretaria Executiva do Comitê Nacional do
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (SE-MCCE), organização não
governamental (ONG) e sem fins lucrativos.” Disponível em:
<www.mcce.org.br/quando-foi-criado>. Acesso em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
73. Paulo Gama, “Ato contra corrupção reúne mais de 3.000 em São
Paulo”. Folha de S.Paulo, 12 out. 2011. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/poder/2011/10/989587-ato-contra-corrupcao-
reune-mais-de-3000-em-sao-paulo.shtml>. Acesso em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
74. “Brasileiros fazem protestos contra a corrupção pelo país”. G1, 21 abr.
2021. Disponível em: <g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/brasileiros-
fazem-protestos-contra-corrupcao-pelo-pais-neste-sabado.html>. Acesso
em: 2 jun. 2021.
[ «« ]
77. Fanny Vrydagh, “Gagner les Corps, les coeurs et les esprits”:
Comprendre l'Engagement dans le mouvement brésilien pro-destitution
(2014-2016). Bruxelas: Université Libre de Bruxelles, 2020. Tese
(Doutorado).
[ «« ]
82. Marcel van Hattem foi eleito em 2004, aos dezoito anos, vereador de
Dois Irmãos, município do Rio Grande do Sul. Concorreu a deputado
estadual em 2014 e foi diplomado como primeiro suplente do Partido
Progressista (PP), exercendo mandato de fevereiro de 2015 a março de 2018.
Atualmente é filiado ao Partido Novo e nas eleições de 2018 foi o candidato
a deputado federal pelo Rio Grande do Sul mais votado, somando mais de
349 mil votos.
[ «« ]
84. Marcelo Alves dos Santos Junior, Vai pra Cuba!!!!: A rede antipetista
na eleição de 2014. Niterói: Departamento de História da Universidade
Federal Fluminense, 2016. Dissertação (Mestrado).
[ «« ]
85. Como Bernardo Santoro, que se lançou candidato a vereador pelo PSL
no Rio de Janeiro ainda em 2012, ou mesmo Marcel van Hattem, que
iniciou sua carreira política no Sul como vereador do município de Dois
Irmãos, em 2004, com apenas dezoito anos.
[ «« ]
89. Ibid.
[ «« ]
90. O Vem Pra Rua foi criado em setembro de 2014 por profissionais
liberais do mercado financeiro e empresários, sob a liderança de Rogerio
Chequer e Colin Butterfield, sem experiência política prévia e que,
aparentemente, não possuíam vínculos com os membros da nova direita
emergente mas estavam inconformados com a corrupção e as políticas
econômicas associadas aos governos petistas. O grupo, que possui
inclinação ideológica autodeclarada liberal, se uniu com o objetivo de fazer
grandes protestos de rua inspirados pelas revoltas de junho de 2013 e para
tanto resolveu fundar um movimento chamado inicialmente de Movimento
Basta! Para conseguir mobilizar milhares de pessoas nas ruas, as lideranças
do movimento resolveram fazer um vídeo que transmitisse a indignação
contra o governo e pudesse ser viralizado nas redes sociais mostrando um
flashmob na avenida Paulista. Porém, após terem reunido cerca de 30 mil
reais a partir de seus próprios recursos para produzir o vídeo, contando até
mesmo com o auxílio de um drone, logo constataram que a iniciativa havia
sido um fiasco e o dinheiro investido fora jogado fora. O vídeo teve
pouquíssimas visualizações e a cor da camiseta dos participantes do
flashmob, que era laranja, foi confundida pelas poucas pessoas que
assistiram à gravação com a cor vermelha, a cor de seus adversários, mas o
grupo não desistiu. Um mês depois, quando finalmente conseguiram
mobilizar 10 mil pessoas insatisfeitas com o PT às vésperas das eleições
presidenciais por meio de um intenso uso das redes sociais, a manifestação
foi ridicularizada pela revista norte-americana The Economist, que a
chamou de The Cashmere Revolution [A revolução do cashmere], fazendo
referência ao pertencimento dos manifestantes às classes altas brasileiras e
vinculando o movimento à campanha do tucano Aécio Neves. Ver: Rogerio
Chequer e Colin Butterfield, Vem Pra Rua: A história do movimento
popular que mobilizou o Brasil. São Paulo: Matrix, 2016.
[ «« ]
92. Daniela Lima, “Vice do PSDB diz que partido não apoia ato pelo
impeachment de Dilma”. Folha de S.Paulo, 1 nov. 2014. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1542090-vice-presidente-do-psdb-
diz-que-partido-nao-incentiva-atos-contra-dilma.shtml>. Acesso em: 2 jun.
2021.
[ «« ]
93. “Obviamente, a repercussão do ato foi extremamente nociva. Criou-se
uma ideia de que os eleitores do Aécio não sabiam perder. Os apoiadores do
PT nadaram de braçada diante dessa postura dos manifestantes. Nós
assistíamos incrédulos a tudo isso. ‘O que esses movimentos estão
fazendo?', nos perguntávamos. O pior foi que a imprensa colocou todos os
movimentos, participantes ou não, no mesmo balaio. Como se nós, que
havíamos feito um movimento bonito e pacífico antes da votação do
segundo turno, tivéssemos agora feito tudo aquilo. […] Resolvemos fazer
algo para deixar claro que não concordávamos com a postura daqueles
manifestantes.” Rogerio Chequer e Colin Butterfield, op. cit.
[ «« ]
95. Ibid.
[ «« ]
98. Como recorda uma das principais lideranças do grupo, Carla Zambelli,
em seu livro Não foi golpe: Os bastidores da luta nas ruas pelo
impeachment de Dilma (São Paulo: LVM, 2018).
[ «« ]
100. Ibid.
[ «« ]
112. Ibid.
[ «« ]
capa
Oga Mendonça
composição
Jussara Fino
preparação
Ana Cecília Agua de Melo
checagem
Érico Melo
índice remissivo
Luciano Marchiori
revisão
Huendel Viana
Valquíria Della Pozza
versão digital
Antonio Hermida
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CDD 320.981
Um texto épico e lírico, realista e mágico que revela, para além de sua
trama, um poderoso elemento de insubordinação social.
Com sua prosa precisa e econômica, a argentina Selva Almada é uma das
vozes mais originais da literatura de língua espanhola contemporânea. Seu
universo também é peculiar: a autora não fala da cosmopolita Buenos Aires.
Seu ambiente é o mundo interiorano, onde vilarejos quase esquecidos no
mapa abundam em histórias em que a violência, os laços familiares e velhos
costumes ainda são decisivos.
É o caso deste novo romance, um livro que trata da amizade e seus
segredos. Durante uma pescaria entre três homens, a complexidade com que
se forjam os afetos é revelada como o próprio curso de um rio. Enero Rey e
Negro levam Tilo, o filho adolescente de Eusébio (o amigo morto dos dois),
para pescar. Enquanto bebem vinho, cozinham, falam e dançam, eles lutam
com os fantasmas do passado e do presente. Esse momento íntimo e
peculiar que conecta a trajetória desses três homens também os liga à vida
dos habitantes locais nesse ambiente cercado de água e regido por suas
próprias leis.
Há perdas e mortes prematuras. Mas há também a teimosa vitalidade da
natureza: um matagal coberto de árvores centenárias, animais, pássaros; o
rio trazendo vida nas suas entranhas; as gentes nascidas e criadas nessa
paisagem que a protegem com unhas e dentes contra os intrusos. Humano,
mas ao mesmo tempo animal e vegetal, este romance flui como uma
conversa entre seres que se amam.