Pablo Almada - Classe Média, Classe Trabalhadora e Precariado

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CLASSE MÉDIA, CLASSE TRABALHADORA E PRECARIADO: ELEMENTOS

PARA UMA COMPREENSÃO TEÓRICA DAS CLASSES SOCIAIS.

Pablo Almada1

Desde os anos 1970, a definição teórica das classes médias tem sido um importante
conceito para compreender as transformações de classe no interior das sociedades
capitalistas. Atualmente, trata-se de um ponto de tensão entre varias vertentes de analise de
classe que, basicamente, ou partem das analises sobre o trabalho (vertente marxista), ou
partem das analises sobre o mercado (vertente weberiana) ou são sustentadas por analises
de rendas. Constitui-se, portanto, um desafio explicativo para a sociologia, no que diz
respeito as transformações das estruturas e estratificações de classe. Para isso, o presente
artigo propõe revisar algumas das premissas que embasaram as formulações teóricas das
classes médias e confrontá-la com a perspectiva de alargamento da classe trabalhadora e
com as novas teorias sobre o precariado. Devido a heterogeneidade de abordagens, entende-
se que a noção de exploração e luta de classes tem sido abandonada por algumas dessas
vertentes, mas, questiona-se aqui a atualidade e pertinência desses conceitos para a
compreensão das recentes transformações de classe.

Palavras Chave: Classes Sociais, Classe média, Classe Trabalhadora, Precariado, Análise
de Classes.

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1970, as definições teóricas sobre as classes sociais em


geral, perderam singularmente o seu valor explicativo nas Ciências Sociais. Em parte,
ocorreu por conta da perda de força do marxismo após as manifestações globais de 1968, já
que o cerne dessa teoria colocava a questão da classe social como central ao
desenvolvimento teórico-analítico das sociedades capitalistas. Em parte, o surgimento de
novas transformações sociais retiravam o poder explicativo dessas análises, ao se deparar
com situações novas de disposições que interligariam os indivíduos com os
posicionamentos sociais, ocupações, atividades e ações coletivas que ainda não haviam sido
contempladas pela teoria social. Embora tais polêmicas tenham surgido no período
assinalado, sua pertinência se dá subsequentemente, conforme novos debates teóricos sobre
as classes sociais procuraram reconstruir ou retomar determinados elementos das ulteriores
teorias de classes sociais, ou mesmo, conforme novos conceitos aparecem para substituir,
ainda que parcialmente, tais formulações, como no caso, as referências às identidades, ao
mercado e à renda.

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Professor do Departamento de Ciências Sociais, área de Sociologia, da Universidade Estadual de Londrina.
Contato: [email protected]
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As dinâmicas das desigualdades estruturais, sejam econômicas ou culturais,


detiveram, ao longo dos últimos anos, uma importância crucial na redefinição das
configurações e transformações sociais. Por conta disso, o presente artigo tem como
objetivo a recomposição de elementos que possam ser úteis para a conceituação das teorias
de classe nas sociedades contemporâneas, no que diz respeito a pertinência de três
disposições de classe: as classes médias, as classes trabalhadoras e o chamado precariado.
A justificativa metodológica para esse recorte analítico se dá sobretudo por conta das
disputas na reorganização das classes sociais em torno dos três eixos acima mencionados.
Por sua vez, é notável que, no interior das teorias sociais, os três conceitos passam a ser
construídos de forma híbrida, ou seja, mesclam as contribuições marxistas (ou
neomarxistas), weberianas (ou neoweberianas), bourdiesianas e baseadas em critérios de
renda.
Embora não haja, ao longo da teoria sociológica das classes sociais, uma síntese
entre tais análises, mas frequentemente, uma contraposição de elementos principais dessas
visões, não se pretende aqui concretizar uma junção entre as formulações teóricas
respeitando as várias diferenças internas. Não obstante, propõe-se a entender em que
medida as três disposições de classe podem ser avaliadas em síntese, para lançar uma luz
sobre a pesquisa empírica das classes sociais.

1. UMA DEFINIÇÃO DE CLASSES SOCIAIS?

Nas Ciências Sociais, por muito tempo, as definições sobre classes sociais
opuseram substancialmente as formulações marxianas e weberianas, o que conduziu a
inúmeras tensões no interior da chamada análise de classes. Em comum, as duas
formulações teriam interesse em buscar as causas das desigualdades sociais (PORTES &
HOFFMANN, 2003), que podem ser similares, mas alterando as dinâmicas explicativas e
analíticas.
É na tradição marxista que a classe aparece como um valor explicativo histórico e
econômico essencial. As classes sociais aparecem a partir da estrutura econômica, o que
separa os proprietários dos meios de produção e àqueles que vendem a sua força de
trabalho, o que conduz a um conflito central de exploração no modo de produção
capitalista. Por sua vez, estabelece-se uma explicação holista e realista das classes sociais:
holista porque permite relacionar a classe para além dos seus membros individuais; realista
porque as classes não são apenas construções intelectuais, mas “entidades verificáveis e
tangíveis” (CHAUVEL, 2001, p. 317). Por conta disso, na teoria marxista, a análise de
classes é uma construção teórica fundamental, porque é nela que se dá a compreensão do
conflito de classes como estruturante das relações sociais capitalistas, desenvolvendo a
percepção de que esse conflito é força motriz das relações de produção, a noção de luta de
classes (MILIBAND, 1996, p. 473). A tradição marxista constituiu-se naquela em que a
importância do conceito de classes sociais é conduzida tanto pelos aspectos econômicos
quanto pelos aspectos políticos e, por conta disso o conceito adquire uma centralidade
explicativa (WRIGHT, 2015).

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Deve-se considerar que até a década de 1970, muitos estudos de linhagem


marxista embasavam-se na construção do esquema de classes da polarização descrita
anteriormente e embasada no Manifesto do Partido Comunista, que separaria as classes
“para si”, a burguesia detentora dos meios de produção, do proletariado os trabalhadores
assalariados não-manuais (TRÓPIA, 2004, p. 69; ALMADA, 2015, p. 172). A oposição
entre trabalho (assalariado) e propriedade é o que demarca a relação de produção da qual se
fundamenta essa noção, indo ao encontro do desenvolvimento das relações fantasmagóricas
que irão se desenvolver na mercadoria. A tese da polarização de classe como determinante
na teoria de classes marxista demarca a deixa de lado as formulações que possam ocorrer
nos estratos intermediários, de domínio das classes “em-si” - camponeses, as camadas
médias e a pequena burguesia - que mesmo presentes no Século XIX, tendencialmente
seguiriam para o desaparecimento (ou proletarização), notadamente conforme as situações
de classe se tornariam mais complexas nas relações de produção do capitalismo industrial
que impulsionaria as classes para-si. A negação dessas classes evidenciava o processo de
polarização, porém, também enfatizava como o trabalho assalariado estaria crescendo e o
capital se monopolizando. Muitos marxistas perceberam tal lacuna e, já na década de 1970
e 1980, partiram para compreender as posições intermediárias de classe bem como os
fundamentos ideológicos dessas classes sociais (POULANTZAS, 1975; SAES, 1985;
WRIGHT, 1989).
Por outro lado, as concepções weberianas de classes sociais derivam das relação
dos indivíduos com os mercados, definidas entre as oportunidades e as desigualdades de
vida através de dinâmicas similares (BREEN, 2015, p. 50). O mercado geraria portanto,
aquelas oportunidades que podem resultar na disputa ou na apropriação de bens materiais e
culturais, e, dessa forma, gera uma identificação entre o mercado - ou as ocupações
profissionais - e as situações de classe. Nesse paradigma, a definição das relações de classe
encontra no conceito de “classes econômicas”, as determinações tipo-ideal para os que
detém a propriedade e os meios de produção ou os não possuidores. Quatro classes são
encontradas nessa matriz: os grupos proprietários e empresariais dominantes; a pequena
burguesia; os trabalhadores com qualificações formais (classe média) e os trabalhadores
não qualificados que detém a força de trabalho (classe operária). (BREEN, 2015, p. 47).
Sendo assim, as classes sociais seriam identificadas pelo individualismo ao afirmar que
uma classe é formada pela soma de indivíduos, e também pelo nominalismo, ao postular-las
como tipos ideais, conceituais (CHAUVEL, 2001, p. 317).
Nesse sentido, o paradigma weberiano pode ser utilizado para análise do
posicionamento e situação de classe, possibilitando reconhecer, para além das concepções
de desigualdades de classe, como no paradigma marxista, a relação simbólica que permeia
e estrutura essa relação de classes. O posicionamento perante o mercado de trabalho é um
fato que leva a considerar todas as implicações referentes ao status e ao simbólico que se
inscrevem em situações de mercado de trabalho e processos de mobilidade social, que
podem resultar em diferenças de prestigio, honra e status (ESTANQUE, 2001, p. 73-4).
As perspectivas marxista e weberiana conduzem o problema das classes sociais
por dois caminhos epistemológicos e por dois caminhos analíticos. Em primeiro lugar, há
um primeiro polo análise fundado na separação entre o holismo da teoria marxista e o

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individualismo metodológico da teoria weberiana; em segundo lugar, enquanto as teorias


marxistas se pauta na verificação concreta das classes sociais, seu realismo, por outro, as
teorias weberianas pautam-se pelo nominalismo das classes enquanto tipos ideais. A
construção de um outro polo analítico se dá conforme as análises marxistas se
fundamentam nas relações de trabalho e na produção, encontrando a exploração (de mais-
valia) como critério decisivo para as desigualdades. Na construção weberiana, a fonte de
desigualdades ou de oportunidades está no mercado, que corrobora para uma classificação
econômica das classes sociais tendo em vista uma visão descritiva (e portanto, não
conflitiva) entre as classes econômicas, mas que ao resultar em disparidades as compreende
enquanto dominação social.
Por pressuposto, essas visões somente dialogam conforme a versão marxista é
abruptamente reduzida à noção de trabalho assalariado e essa torna-se sinônimo da
estratificação por renda ocorrida pelas oportunidades no mercado de trabalho. Entretanto,
ainda que na mesma linha de argumentação, Wright (2015) aponta um efeito que é
justamente o contrário: por enfatizar as oportunidades de vida dadas pelo mercado, a visão
weberiana de classes sociais encaixa-se amplamente sobre a perspectiva marxista que, por
sua vez, ainda contempla a explicação da origem do mercado a partir da produção e a
exploração dada nesse âmbito, sendo, portanto, bastante mais completa que a primeira. A
fins de enfatizar a persistência desse argumento, é possível perceber uma lacuna também
presente em Wright, a saber, a ausência da caracterização da exploração como sendo a
exploração do trabalho. A ausência dessa mediação é, portanto, crucial para o
desenvolvimento das teorias neo-marxistas e resulta em certas dificuldades. Ainda que esse
modelo analítico tenha sido criticado pelo próprio Wright conta de sua insuficiência na
operacionalização, ou mesmo, em referência ao desprendimento das relações produtivas,
Wright se afasta do problema do ponto de vista da relação entre valor-trabalho (BENSAID,
1999). Isso porque sem a demarcação do trabalho, concretiza-se a subordinação das
relações de exploração pelas relações de dominação, criando uma indefinição sobre aquilo
que poderia ser criterioso para conceituar as relações intermediárias entre as classes sociais.

2. O DEBATE DE CLASSES: A PERSPECTIVA DE DIFERENCIAÇÃO DOS


CONCEITOS DE CLASSES MÉDIAS

Do ponto de vista analítico, portanto, o objetivo aqui a ser seguido é o de postular


as dimensões do trabalho nas relações entre as classes médias, as classes trabalhadoras e o
precariado. Entende-se, como ponto de partida, que tal compreensão é pretende apenas
lançar uma luz na revitalização das teorias de classe, algo que pode funcionar também na
compreensão das relações de classe atuais e suas novas dinâmicas e limites.
O aparecimento de reflexões sobre as classes médias nas sociedades capitalistas se
deu conforme o crescimento destas ocorreu na metade do Século XX nos países centrais e
que colocaram em evidência as novas configurações sociais, marcadas pelo crescimento
dos white collars, trabalhadores especializados da gerência e gestão administrativa, seja do
Estado, seja das empresas capitalistas (MILLS, 1976). Por outro lado, tal perspectiva

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contempla as configurações do mercado de trabalho e suas oportunidades, pouco


referenciando as transformações de nível laboral das sociedades capitalistas avançadas.
Porém, ao contrário de Mills, que pondera que a classe média poderia se originar
tanto ou da ascensão da classe operária ou do declínio de posições superiores das classes
burguesas à nova classe média, Braverman (1980) observa a questão num sentido mais
complexo: a nova classe média pode ser explicada pelos movimentos do capitalismo, sem
os quais seria impossível de se compreender as relações entre o crescimento da economia e
a grande massa de trabalhadores desempregados nos países centrais a partir do período pós-
guerra. Os novos contornos monopolistas do capitalismo evidenciaram a submissão do
trabalho improdutivo à lógica do capital, reforçando a expansão do trabalho produtivo e,
assim, ao contrário da pequena burguesia, que faria parte do período do capitalismo pré-
monopolista, para se analisar as novas relações de classe intermediárias, seria necessário
apresentar as ramificações existentes. Nelas, a classe de trabalhadores assalariados não
possuiria acesso ao processo laboral, ou aos meios de produção fora do emprego, devendo
incessantemente renovar seu trabalho ao capital para fins de subsistência.
Fariam parte dessas classes aqueles trabalhadores de setores de engenharia,
técnica, quadros científicos, supervisores e gerentes, bem como funcionários especializados
em marketing, em administração pública ou privada. Essa seria a chamada nova classe
média, sendo que a antiga classe média não desempenharia papel direito no processo de
acumulação capitalista, como aconteceria com a nova classe média. Sobre a nova classe
média, Braverman (1980, p. 281) define-a como sendo, portanto, aquelas posições
intermediárias que fazem parte do processo de acumulação de capital e que tanto tem
condições e recompensas dadas pelo capital como também é carregada da condição
proletária.
Se a dualidade de classes é tratada por Braverman como essencial no processo de
divisão de classes no capitalismo contemporâneo, por sua vez, Poulantzas (1976) reafirma
que, antes de tudo, o processo de polarização é fundamental para se perceber a pertinência
das lutas de classe e as determinações estruturais geradas sobre a chamada nova pequena
burguesia. Diferencia-se, portanto, a antiga pequena burguesia como sendo aquela
composta por produtores em pequena escala e pequenos proprietários, e, a nova pequena
burguesia como sendo aquela composta por trabalhadores não-produtores assalariados.
Entretanto, não há, nessa visão, a formulação das relações de classe apenas do ponto de
vista econômico: seria necessário remeter-se aos aspectos ideológico-políticos que definem
a pequena burguesia perante as determinações estruturais de classe. No entanto, “referir-se
a essas relações não é reduzir as determinações de classe à posições de classe”
(POULANTZAS, 1976, p. 207), já que essas relações pautam-se na divisão entre trabalho
intelectual e trabalho manual e suas relações com o poder e com a autoridade, enquanto
uma visão sobre a posição de classe poderia fazer oscilar uma visão de cunho burguesa
sobre a realidade ou uma visão da classe trabalhadora sobre a realidade, mesmo que não
haja a pertença direta dessas classes. Na visão de Poulantzas, haveriam “disposições
ideológicas comuns” que “unificariam a pequena burguesia tradicional e os assalariados
não-manuais em uma nova classe”, a nova pequena burguesia” (TRÓPIA, 2004, p. 71).
Na mesma linha de Poulantzas, mas com algumas ressalvas, Saes (1977)

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desenvolve uma crítica a unidade ideológica entre a pequena burguesia tradicional
e a nova classe média, identificando a primeira com o campesinato e os pequeno
comerciantes e, os segundos, com os trabalhadores assalariados do comercio, ou
administradores e gestores financeiros. Assim, enquanto a pequena burguesia tradicional
teria uma relação de subordinação indireta e externa ao capital, sendo constantemente
ameaçada pelo grande capital no processo de proletarização, a nova classe média estaria na
subordinação direta do trabalho ao capital, sendo, portanto, uma expressão acabada das
relações de trabalho tipicamente capitalistas.
Nesse sentido, as situações são distintas e não podem ser deduzidas como
semelhantes. Para a tradição marxista, a pequena burguesia tradicional é uma classe em
transição e, portanto, são proprietários ameaçados pelo grande capital; mas ainda não são
trabalhadores já sujeitos ao capital, porque ela se apega na propriedade privada e rejeita o
trabalho assalariado: ela executa sobretudo trabalho manual. A nova classe média é
assalariada e rejeita o trabalho manual (essa é sua singularidade ideológica). A Classe
média e trabalhador improdutivo não são conceitos coincidentes, porque a noção de classe
média não se dá ao nível econômico, mas a nível ideológico. A Classe média é uma noção
de estratificação social, “relacionada com a ideologia dominante que reduz a divisão
capitalista do trabalho em uma hierarquia de trabalho” (SAES, 1985, p. 99). Isso quer dizer
que “a ideologia dominante apaga da consciência de certos trabalhadores improdutivos a
contradição entre capital e trabalho assalariado, substituindo-a ai pelo sentimento de
superioridade do trabalho não-manual com relação ao trabalho manual” A definição de
classe média, utilizada por Saes é a seguinte: “a classe média se define como o conjunto
dos efeitos políticos reais produzidos sobre certos setores do trabalho assalariado pela
ideologia dominante, que apresenta a hierarquia do trabalho como a expressão de uma
pirâmide natural de dons e méritos” (SAES, 1977, p. 100).
Ao contrário da determinação estrutural de classes como defendida por Nicos
Poulantzas e Décio Saes, Wright (1989) enfatiza a definição a partir do posicionamento de
classes, colocando no centro de sua análise, a questão das classes médias, no tocante à
necessidade de explicação e equacionamento entre exploração e dominação. Em seu
primeiro modelo analítico, Wright procurava explicar a classe média através de uma
“unidade política” da qual poderia ser analisada em termos de lugares contraditórios de
classe, trabalhando com critérios de diferenciação, como a propriedade dos meios de
produção, a autonomia da produção, o controle sobre as forças de trabalho e as relações de
poder, separando a propriedade e o controle dos meios físicos do processo de produção
(ESTANQUE, 2001, p. 29-31). A noção de lugares contraditórios de classe leva em
consideração que uma classe média pode possuir uma dupla (ou tripla, etc.) designação
contraditória, ser ao mesmo tempo classe explorada e classe exploradora, definida através
das relações entre classes e seus posicionamentos, o que faz com que a “relação trabalho-
capital deva ser vista como um combinado de práticas relacionais”, enfatizando a
composição das relações de classe em duas dimensões, as “relações de propriedade ou de
posse e [as] relações de posse ou controle”, a primeira ligada ao conceito de exploração, a
segunda ligada ao conceito de dominação (WRIGHT, 1989, p. 302-3).
O segundo modelo explicativo de Wright (1989) procurou evitar o déficit da
exploração em sua análise de classes, ao compreender o desenvolvimento do mercado nas

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sociedades capitalistas e enfatizando as relações de propriedade. O resultado foi a tentativa


de ampliar as localizações estruturais das classes médias, através de uma visão
multidimensional que combinaria os lugares contraditórios de classe com a exploração de
classe, mediante os interesses materiais. A noção de múltiplas explorações considera
“distintos mecanismos de exploração que podem ser diferenciados com base no tipo de
meios de produção, a posse (ou controle) desigual que permite à classe explorada apropriar
parte da mais-valia socialmente produzida” (WRIGHT, 1989, p. 306).
Tendo em vista as diferenças e disparidades das análises de classe quanto às
referências as classes médias, percebe-se que as percepções que centralizam-se no debate
das categorias do trabalho (trabalho manual, trabalho imaterial, trabalho produtivo, trabalho
improdutivo) apresentam características concretas de percepção da dinâmica das classes em
torno das transformações estruturais. Por outro lado, o neo-marxismo direciona-se para a
ênfase das estratificações de classe relacionadas com os mercados de trabalho. Se
tomarmos como base as considerações acima apresentadas, pode-se afirmar que por mais
que haja uma percepção empírica das classes sociais por meio dos empregos, os
argumentos sobre os posicionamentos de classe são fracos por conta da grande variação da
base analítica: as relações do trabalho são deixadas em segundo plano.

CLASSE TRABALHADORA OU PRECARIADO? BREVES CONSIDERAÇÕES

Do ponto de vista da análise de classes, as redefinições empíricas de classes


sociais implicam em novas capacidades de redefinição desses estratos de classe. Como já
foi afirmado aqui, a problemática procura tratar as tensões entre os classes médias e
intermediárias, mas também às tensões em relação aos setores pauperizados das classes
trabalhadoras, o chamado precariado. Recentemente, na teoria sociológica, conforme se
ensaiou a ampliação da noção de classe trabalhadora, a classe-que-vive-do-trabalho
(ANTUNES, 2003), trouxe novas definições que permitiram perceber a classe trabalhadora
não apenas composta pelos trabalhadores manuais diretos, mas também, por trabalhadores
improdutivos, principalmente do setor de serviços, com relações com o público ou com as
empresas; passa a incluir o proletariado industrial e rural, assalariados do setor de serviços
e o proletariado precarizado, o sub-proletariado, terceirizados, ou subcontratado, ou
trabalhadores da economia informal e desempregados. Nessa definição, há o surgimento de
percepção de novas frações de classe nos meandros inferiores das classes trabalhadoras.
Contrariamente à perspectiva aqui enunciada, vale lembrar que muitas outras
análises colocam a questão salarial como central (CASTEL, 1996; PAUGAN, 2000;
STANDING, 2011). Tal ênfase sobre a precariedade salarial apresenta relação entre as
degradações do trabalho evidenciando a situação precária que cria vidas inseguras e
danificadas e que rompe com a cidadania geradas - pelo menos nos países centrais - pelo
emprego e as formas de regulação de trabalho.
Com base nessas duas perspectivas, podemos contrastar a precarização como
inerente ao trabalho ou a precarização da questão salarial como duas faces da mesma
moeda. Ao contrário das disparidades relacionadas às classes médias, as redefinições entre

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as classes trabalhadoras e o precariado se dinamizam em torno das inclusão ou exclusão dos


trabalhadores na atual dinâmica pós-fordista do trabalho.

BIBLIOGRAFIA

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