Tese Uff - Modernismo Como Política de Língua

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Luciano Monteiro

MODERNISMO COMO POLÍTICA DE LÍNGUA:


O CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA (1937)

Niterói
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Luciano Monteiro

MODERNISMO COMO POLÍTICA DE LÍNGUA:


O CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA (1937)

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para a obtenção do título
de doutor em Estudos da Linguagem. Área
de concentração: Linguística.

Orientadoras: Prof.ª Dr.ª Telma Pereira e


Prof.ª Dr.ª Francine Iegelski.

Niterói
2021

2
Luciano Monteiro

MODERNISMO COMO POLÍTICA DE LÍNGUA:


O CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA (1937)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Estudos da Linguagem da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a obtenção
do título de doutor em Estudos da Linguagem. Área
de concentração: Linguística.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________
Profª. Drª. Telma Cristina Pereira (orientadora) – UFF

_________________________________________
Profª. Drª. Francine Iegelski (coorientadora) – UFF

_________________________________________
Prof. Dr. Xoán Carlos Lagáres – UFF

_________________________________________
Prof. Dr. Phellipe Marcel da Silva Esteves – UFF

_________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista – Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________
Profª. Drª. Ivana Stolze Lima – PUC-Rio e Fundação Casa de Rui Barbosa

_________________________________________
Profª. Drª. Bethânia Mariani (suplente) – UFF

_________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Kaltner (suplente) – UFF

_________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Davino de Oliveira (suplente) – UERJ

3
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG
Gerada com informações fornecidas pelo autor

M772m Monteiro, Luciano


Modernismo como política de língua : o Congresso da Língua
Nacional Cantada (1937) / Luciano Monteiro ; Telma Cristina Pereira,
orientadora ; Francine Iegelski, coorientadora. Niterói, 2021.
258 f.

Tese (doutorado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/POSLING.2021.d.08924416740

1. História da Ciência. 2. Política Linguística. 3. Modernismo. 4.


História da língua. 5. Produção intelectual. I. Pereira, Telma Cristina,
orientadora. II. Iegelski, Francine, coorientadora. III. Universidade
Federal Fluminense. Instituto de Letras. IV. Título.

CDD –

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368

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DEDICATÓRIA

a meus pais José Maria (in memoriam) e


Lusimar, sem os quais eu não teria chegado

a minha companheira Clara, que me ajuda


a encontrar um sentido para a caminhada

a todos os brasileiros que se sentem


(parafraseando Sérgio Buarque) uns
estrangeiros em sua própria língua

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AGRADECIMENTOS

À FAPERJ pela bolsa de pesquisa que viabilizou a minha permanência no doutorado. A


minhas orientadoras Telma Cristina Pereira e Francine Iegelski, por confiar no meu trabalho
mesmo sem garantias de resultado, por contribuir para a concretização da tese e pelo apoio no
momento em que perdi meu pai. A Bethânia Mariani e Phellipe Marcel Esteves pelas
sugestões no exame de qualificação. A Xoán Carlos Lagares e Luciana Freitas, que me deram
espaço em suas disciplinas para explorar minhas hipóteses de trabalho. A Carolina Paganine
e Ana Isabel Borges que, na coordenação do Programa de Tutoria, me permitiram oferecer o
minicurso onde pude exercitar o olhar epistemológico sobre a história da Linguística. A Rudá
Perini, pela parceria na segunda edição do minicurso, e aos estudantes que compareceram,
pelas questões instigantes que trouxeram de suas respectivas áreas. A Naira Veloso e Leonardo
Davino, pela interlocução e as sugestões de leitura, que expandiram os horizontes da pesquisa.
Aos colegas do grupo de estudos Epistasthai, por ajudarem a desbravar a epistemologia
foucaultiana. A Nina Rioult, que fez a versão do resumo em francês. A Débora Amaral Costa,
que me trouxe para a UFF tanto física quanto metaforicamente. A Cida, Lisandra e demais
funcionárias da Secretaria da Pós-graduação, sempre atenciosas e eficientes, pelo auxílio com
a burocracia acadêmica. A Maria Helena e demais funcionários da Biblioteca Central do
Gragoatá, pelo auxílio na digitalização de obras do acervo que usei na pesquisa. A Sílvia
Maria Gonçalves, que me acolheu em sua casa quando vim para Niterói. A Tânia Araújo-
Jorge, pela oportunidade de participar do Expresso Chagas 21 e conhecer de perto o estado
atual daquilo que os sanitaristas encontraram há um século em suas expedições científicas
pelos sertões. Aos amigos Sebastião Macedo, Rosane de Assis, Raquel Viana e Camila
Souza, com quem dividi a angústia de escrever esta tese em meio ao morticínio causado pela
pandemia de Covid-19 sob a conduta criminosa do Governo Federal e ao sufocamento das
universidades federais, com uma redução orçamentária que inviabiliza o seu funcionamento
no segundo semestre de 2021. A Clara, companheira de vida, que suportou meu estresse, me
acolheu nas horas de desespero e até leu a primeira versão de alguns capítulos. A dona Alba,
professora de português da 6ª série, que escancarou os mecanismos de poder inerentes à
língua ao me humilhar diante de toda a classe por causa de um erro de ortografia.

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Raro o indivíduo que sabe o que é Brazil.
Piauhí é uma terra, Ceará outra terra,
Pernambuco outra [...] A única bandeira
que conhecem é a do divino
Belisário Pena e Arthur Neiva

Um médico fez um discurso pedindo pra


escrever com muita elegância a fala
portuguesa e Exu não consentiu
Mário de Andrade

a linguagem é caso de política antes de ser


caso de linguística
Gilles Deleuze e Felix Guattari

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RESUMO

A pesquisa analisa pela perspectiva da História das Ciências o Congresso da Língua


Nacional Cantada, que foi organizado por Mário de Andrade em 1937. A reconstrução
historiográfica se baseia nos debates sobre a padronização da pronúncia brasileira durante
o evento e nos estudos sobre a língua publicados em seus anais. Meus principais objetivos
foram: fornecer um aparato de leitura das fontes, demonstrar a importância desse evento
para a história da Linguística no Brasil e examinar como nele se articularam interpretações
políticas, estéticas e científicas daquilo que se entendia como “língua nacional”. As
hipóteses principais são que naquele momento estava em jogo o status ontológico da
variedade brasileira em relação ao português europeu e que o projeto de padronização da
pronúncia nas artes colocou o saber linguístico em circulação no país a serviço desse
debate. A tese identifica as motivações dessa iniciativa na atuação artística, intelectual e
política de Mário de Andrade e, de modo mais geral, na valorização da pesquisa científica
como instrumento para conhecer a realidade brasileira. A interpretação das fontes mostra
que as controvérsias sobre a variedade brasileira surgidas na ocasião resultavam da
polarização entre duas abordagens, que chamo de gramático-literária e linguístico-
antropológica. A partir da perspectiva da Epistemologia histórica (DASTON, 1999 e
2017), mostro que a competição entre esses dois enfoques reflete a sua filiação a
diferentes matrizes epistemológicas. Enquanto a abordagem gramático-literária se
baseava numa epistemologia aristotélica, cujo modelo era a História Natural, a abordagem
linguístico-antropológica se filiava a uma epistemologia evolucionista, presente na
Biologia e na Antropologia do século XIX. Ao elaborar a proposta de padronização da
pronúncia e organizar um congresso para discuti-la, Mário de Andrade procurou atrair
o interesse de ambos os lados da controvérsia. As estratégias utilizadas para isso
determinaram a própria identidade do evento.

Palavras-chave: padronização linguística; história da Linguística; epistemologia histórica;


língua brasileira; Mário de Andrade.

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RÉSUMÉ

Cette recherche analyse, sous l’angle de l’histoire des sciences, le Congrès de la Langue
Nationale Chantée, organisé par Mário de Andrade en 1937. La reconstruction
historiographique repose sur les débats autour de la standardisation de la prononciation
brésilienne pendant l’événement et sur les études relatives à la langue publiées dans les annales
du congrès. Mes principaux objectifs ont été : fournir une grille de lecture des sources,
démontrer l’importance de cet événement pour l’histoire de la linguistique au Brésil et
examiner comment s’y sont articulées des interprétations politiques, esthétiques et
scientifiques de ce que l’on entendait alors par « langue nationale ». Mes hypothèses
principales sont que, à ce moment-là, c’est le statut ontologique de la variété brésilienne par
rapport au portugais européen qui était en jeu, et que le projet de standardisation de la
prononciation dans les arts a mis le savoir linguistique en circulation dans le pays au service
du débat. La thèse identifie les motivations de cette initiative dans le parcours artistique,
intellectuel et politique de Mário de Andrade et, de manière plus générale, dans la valorisation
de la recherche scientifique comme instrument pour connaître la réalité brésilienne.
L’interprétation des sources montre que les controverses sur la variété brésilienne apparues à
cette occasion résultaient de la polarisation entre deux approches, que je qualifie de
grammatico-littéraire et de linguistico-anthropologique. À partir de la perspective de
l’épistémologie historique (DASTON, 1999 et 2017), je montre que la compétition entre ces
deux orientations reflète leur filiation à différentes matrices épistémologiques. Alors que
l’approche grammatico-littéraire reposait sur une épistémologie aristotélicienne, dont le
modèle était l’histoire naturelle, l’approche linguistico-anthropologique était affiliée à une
épistémologie évolutionniste, présente dans la biologie et l’anthropologie du XIXème siècle. En
élaborant la proposition de standardisation de la prononciation et en organisant un congrès
pour en discuter, Mário de Andrade a cherché à attirer l’intérêt des deux côtés de la
controverse. Les stratégies utilisées à cette fin ont déterminé la propre identité de l’événement.

Mots-clés : standardisation linguistique ; histoire de la linguistique ; épistémologie


historique ; langue brésilienne ; Mário de Andrade.

9
ABSTRACT

This study examines the event of the Congress of the Sung National Language, organized by
Mário de Andrade in Brazil in 1937, through the lens of the History of Science. I aimed to
provide a reading framework for the Congress discussions on standardizing pronunciation
for Brazilian Portuguese and the language studies published in proceedings by developing
a historiographical reconstruction of the event in order to shed light on the importance of
the Congress for the history of Linguistics in Brazil, as well as to examine how it has
interwoven political, aesthetic, and scientific interpretations of the then-current concept
of a “national language”. My working hypothesis is that the ontological status of Brazilian
Portuguese was at stake in the face of the European variety, along with the linguistic
knowledge available in Brazil at a time of noticeable efforts to standardize Brazilian
pronunciation for performing arts. In this research, I identified the motivations for the
Congress across the artistic, intellectual, and political activities of Mário de Andrade —
and, more generally, in the acknowledgement of scientific research as a tool to understand
Brazil’s reality. My analysis of the sources suggests that controversies about the Brazilian
variety of the Portuguese language stemmed then from two polarizing approaches, which
I refer to as the grammatical-literary and the linguistic-anthropological one. While the
grammatical-literary approach was based on an Aristotelian epistemology modelled after
Natural History, the linguistic-anthropological one was affiliated with an evolutionary
epistemology found in 19th-century Biology and Anthropology. Drawing on historical
epistemology (DASTON, 1999 and 2017), I detected a conflict between these two
approaches that rather reflected their intellectual affiliation towards different
epistemological frameworks. In both proposing a standard pronunciation and organizing
a conference to discuss it, Mário de Andrade sought to appeal to both sides of that conflict.
Eventually, I argue, the strategies used to promote this Congress have shaped the identity
of the event itself.

Keywords: language standardization; history of Linguistics; Historical Epistemology;


Brazilian language; Mário de Andrade.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – Sede do Departamento de Cultura


Figura 2 – Capa da programação do evento
Figura 3 – Cerimônia de abertura do evento
Figura 4 – Congressistas durante uma sessão plenária
Figura 5 – Representações da história da Linguística
Figura 6 – Mapa dos municípios do estado de São Paulo
Figura 7 – Abrangência territorial da pesquisa
Figura 8 – Mapa do Cateretê ou Catira
Figura 9 – Mapa do Cururu ou Caruru
Figura 10 – Mapa do Samba ou Batuque
Figura 11 – Mapa do Caiapó e suas variações fonéticas
Figura 12 – Mapa das designações para abelha
Figura 13 – Áreas dialetais em Nascentes (1922)
Figura 14 – Tipos de distúrbio x constituição da família
Figura 15 – Quantidade de erros x nacionalidade dos pais
Figura 16 – Exame médico no Parque Infantil D. Pedro II
Figura 17 – Fonofotografias
Figura 18 – Aparelhos para visualização de ondas sonoras
Figura 19 – Espectros de onda das vogais
Figura 20 – Gráfico oscilatório de três pronúncias regionais
Figura 21 – Segunda técnica utilizada por Roquette-Pinto
Figura 22 – Vogais e consoantes da pronúncia carioca
Figura 23 – Símbolos fonéticos utilizados em Jucá Filho (1939)
Figura 24 – Sumário do trabalho de Dante de Laytano
Figura 25 – Gênero Anemone
Figura 26 – Mapa humboldtiano
Figura 27 – Fuzil fotográfico
Figura 28 – Cronofotografia
Figura 29 – Conexão entre diferentes tipos de objetividade

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LISTA DE SIGLAS

ABL – Academia Brasileira de Letras


CDM – Conservatório Dramático e Musical
CPII – Colégio Pedro II
DC – Departamento de Cultura
DP – Discoteca Pública
FFCL – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
IDORT – Instituto de Organização Racional do Trabalho
INCE – Instituto Nacional de Cinema Educativo
IOC – Instituto Oswaldo Cruz
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
MPF – Missão de Pesquisas Folclóricas
NBP – Normas para Boa Pronúncia da Língua Nacional
UDF – Universidade do Distrito Federal
USP – Universidade de São Paulo
PD – Partido Democrático
PRP – Partido Republicano Paulista
SEF – Sociedade de Etnografia e Folclore
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14

CAPÍTULO 1
1.1 “abrasileirar o Brasil” ............................................................................................ 22
1.2 O congresso e suas fontes...................................................................................... 47

CAPÍTULO 2
2.1 O interesse pela “realidade brasileira” .................................................................. 63
2.2 A construção da “língua nacional” ........................................................................ 77

CAPÍTULO 3
3.1 Os caminhos da pesquisa linguística ................................................................... 110
3.2 A produção científica publicada .......................................................................... 128

CAPÍTULO 4
4.1 Usos e sentidos do saber linguístico .................................................................... 176
4.2. O problema da cientificidade ............................................................................. 194

CONCLUSÃO............................................................................................................. 218

FONTES ...................................................................................................................... 223

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 231

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INTRODUÇÃO

É possível falar sobre a língua de diferentes maneiras. Basta digitar no Google a


sentença “a língua é um fenômeno” e observar a diversidade dos complementos que
aparecem ao longo da lista de resultados: vivo, em constante evolução, dinâmico, variável,
heterogêneo, complexo (é um fractal), humano (em permanente devir), comunicativo,
sociocultural, psicossociológico e antropológico, mental... Para os fins a que se propõe este
trabalho, convém dizer que as línguas não são fenômenos da natureza. Não existem por si
mesmas como ocorre com terremotos ou tempestades. Não funcionam de maneira
autônoma em relação à sociedade, como supunham muitos linguistas do século XIX.

A língua não está diante daquele que se propõe a descrevê-la ou a “reduzi-la


em regras” como um objeto bem delimitado que lhe seria suficiente dominar e
explorar. [...] No mundo, podemos observar somente indivíduos dotados de
competências linguísticas as colocando em prática em um espaço e em um
ambiente social (COLOMBAT, FOURNIER e PUECH, 2017, p.165-166).

As entidades que chamamos de línguas ou idiomas não existem objetivamente,


“são construtos criados em resposta a certas demandas históricas” (RAJAGOPALAN,
2004, p.28). Sua existência precisa ser sustentada discursivamente e depende da
convicção dos falantes. A rigor, elas são realidades imaginadas, construções sociais de
caráter intersubjetivo. Como explica Harari, objetivo é aquilo que existe independente da
consciência e das crenças a seu respeito; subjetivo é aquilo que depende da consciência e
das crenças de um determinado indivíduo.

Intersubjetivo é algo que existe na rede de comunicação ligando a consciência


subjetiva de muitos indivíduos. Se um único indivíduo mudar suas crenças, ou
mesmo morrer, será de pouca importância. No entanto, se a maioria dos
indivíduos na rede morrer ou mudar suas crenças, o fenômeno intersubjetivo
se transformará ou desaparecerá. Fenômenos intersubjetivos não são fraudes
malévolas nem charadas insignificantes. Eles existem de uma maneira diferente
de fenômenos físicos como a radioatividade, mas seu impacto no mundo ainda
pode ser gigantesco (HARARI, 2017, p.125).

Essa condição não é exclusiva das línguas. Leis, dinheiro, nações, deuses, sistemas
políticos, ideologias, times de futebol, corporações também são realidades imaginadas
cuja existência assenta em um conjunto de crenças compartilhadas, mas com capacidade de

14
produzir efeitos materiais. Para que essas construções sejam eficazes, é preciso que os
indivíduos as percebam como algo natural e não se deem conta de seu caráter imaginário
(HARARI, 2017, p.142).
Cameron (1995) observa que, no caso da língua, isso se deve ao longo processo
de aprendizado a que somos submetidos. Ao final desse processo, as normas estão
internalizadas a ponto de serem percebidas não como uma imposição externa, mas como
algo instintivo, vindo de dentro. Mesmo quando sabemos intelectualmente do seu caráter
arbitrário, não as sentimos dessa maneira. “O problema é como passamos de
desenvolvimentos históricos em grande escala, como a padronização, de um lado, para o
comportamento real de falantes individuais, do outro”1 (CAMERON, 1995, p.14 – tradução
minha).
O trabalho de sistematização e elaboração realizado ao longo dos séculos por
gramáticos e filólogos foi decisivo para legitimar as formas padronizadas das línguas.
Dessa perspectiva, obras como dicionários e manuais de gramática não aparecem como
registros passivos daquilo que descrevem, mas como instrumentos científicos que
interferem nas práticas linguísticas humanas (AUROUX, 2009, p.70) e reificam a
linguagem verbal pela sua representação na forma de línguas ou idiomas nacionais.
Orlandi e Souza (1988) se referem ao resultado desse trabalho como “língua
imaginária”, um objeto produzido pela estabilização daquilo que as autoras chamam de
“língua fluida”, estado linguístico que se caracteriza pela mudança contínua e pela
variabilidade das formas linguísticas.

É a sistematização que faz com que elas percam a fluidez e se fixem em


línguas-imaginárias. São variados os modos de produção da língua-imaginária,
assim como são diferentes seus produtos: a língua-mãe (o indo-europeu), a
língua-ideal (da lógica) etc” (ORLANDI e SOUZA, 1988, p.28).

Ao discutir as consequências socioculturais da padronização linguística, Milroy


(2011) criou o conceito de “ideologia da língua padrão”, definido como a percepção das
línguas a partir da variedade padrão e a crença de que a forma padronizada é o estado
normal da linguagem verbal. Essa perspectiva leva à concepção de língua como sinônimo
de uniformidade e estabilidade e ao desprestígio tanto de línguas não padronizadas
quanto de variedades diferentes do padrão. Em sua versão mais radical, essa perspectiva

1 No original: “The problem is how we get from large-scale historical developments such as
standardization on one hand to the actual behavior of individual speakers on the other.”

15
encara as formas não-padrão como elementos externos à língua, que ameaçam contaminar
a sua pureza.
Ele argumenta que a padronização linguística não é um fenômeno universal, pois
há grupos humanos que vivem e se comunicam normalmente sem precisar de uma variedade
padrão. Esses grupos não apresentam uma concepção de língua semelhante àquela que se
tornou hegemônica nas culturas de língua padrão. Para esclarecer como a linguagem verbal
se conforma no universo não padronizado, Milroy menciona as conclusões de George Grace
em seus estudos etnolinguísticos sobre as línguas austronésias.
Grace explica que algumas dessas línguas não podem ser facilmente descritas em
termos neogramáticos ou estruturalistas e que, em alguns casos, parece impossível
determinar as fronteiras entre duas ou mais línguas.

Uma das coisas que achei intrigante foi que, em algumas áreas, as pessoas
pareciam não ter nenhuma noção do que seja uma língua e nenhum sentido de
pertencimento a uma comunidade linguística. Outros ocidentais que estiveram
na Melanésia naquela época relataram experiências semelhantes e reações
similares.
Se eu perguntasse a esses melanésios o nome de sua língua, eles não teriam
uma resposta em mente. Se pressionados, talvez tivessem dado o nome de sua
aldeia. Tive a impressão de que eles não se identificavam com nenhuma
comunidade que se estende para além da aldeia. Se eu tentasse levar o assunto
adiante, descobrindo qual das outras aldeias nas proximidades tinham a
mesma língua, eles pareciam no geral ter dúvidas a respeito 2 (GRACE, 1992,
p.122 – tradução minha).

A experiência de Grace mostra que, num contexto onde não há padronização, a


linguagem verbal não assume espontaneamente a forma de línguas ou idiomas.3 Isso não

2 No original: “One of the things which I found puzzling was that in some areas the people seemed
to have no conception of what a language is and no sense of belonging to a linguistic community.
Other Westerners in Melanesia at that time reported similar experiences and similar reactions to
them. / If I asked those Melanesians for the name of their language, they had no ready answer. If
pressed, they perhaps most often gave the name of their village. I received the impression that they
did not identify with any community extending beyond the village. / If I then tried to pursue the matter
further by finding out which of the other villages in the vicinity had the same language, they didn't
seem to be at all sure about that.”
3 Grace explica que os melanésios concebem a realidade linguística em termos de conjuntos de

recursos linguísticos e que isso não os impede de incluir em seu próprio conjunto recursos que
seriam de outra língua. Como os próprios falantes não estabelecem fronteiras linguísticas, não é
possível distinguir duas línguas pelo contraste entre normas.

16
torna as práticas linguísticas menos sistemáticas, apenas dificulta a sua investigação a
partir de teorias construídas para descrever as línguas padronizadas ocidentais.
Esse contraste sugere que os sistemas linguísticos não existem isolados do seu
contexto sociocultural e que os pressupostos que orientam a teorização linguística não
equivalem a princípios universais de funcionamento da linguagem verbal. A Linguística
se constituiu como ciência na Europa no início do século XIX, com a formulação do
método histórico-comparativo, que funcionou como princípio unificador da disciplina.
A partir de então, a teorização linguística assumiu como modelo idealizado as línguas de
Estados nacionais monolíngues. Esses idiomas foram instituídos como línguas oficiais nas
colônias europeias da Ásia, África e América e, em muitos casos, permaneceram nessa
condição mesmo após o processo de independência política local.
A identidade entre língua e nação foi difundida principalmente entre os séculos
XVIII e XIX e teve uma função central no processo de formação das nações europeias.
O papel simbólico desempenhado pela língua nos primeiros movimentos de construção
nacional favoreceu a percepção dessas experiências como paradigmas. O seu impacto nas
práticas linguísticas cotidianas e na própria teorização linguística levou à generalização da
crença na unicidade entre língua, território e população. Esse processo ocorreu de formas
distintas em cada local, mas teve pelo menos duas matrizes principais (SÉRIOT, 2001,
p.13-14).
A primeira remonta ao romantismo alemão, que valorizava a cultura nativa e
rejeitava a influência das cortes francesas, ostentada pelas elites locais como forma de
distinção social. Herder foi o primeiro autor a contrapor a ideia de “cultura”, entendida
como essência espiritual de uma comunidade, ao conceito iluminista de “civilização”, que
remete ao conjunto de valores, saberes e habilidades acumulados ao longo do tempo pela
humanidade. Em seu esforço de registrar e estudar tradições culturais da população rural,
esses intelectuais inventaram o conceito de “povo”, definido pela unidade linguística e
cultural, que serve de fundamento à comunidade nacional. Essa concepção foi usada
como argumento na luta pela criação de um Estado alemão unificado (ABREU, 2003).
A segunda matriz se constitui na França, onde o processo de unificação política
que deu origem ao Estado é anterior à formação da comunidade nacional. No Antigo
Regime, o francês era a língua do governo e da elite intelectual e cerca de dois terços da
população falavam línguas como bretão, occitano, alsaciano, basco, catalão e italiano.

17
Com a vitória da Revolução, o princípio da soberania foi transferido do rei para a nação
e os súditos se tornaram cidadãos.

Os revolucionários fundaram a ideia de nação nos princípios de soberania


popular e igualdade dos cidadãos, mas ao mesmo tempo decidiram que os
franceses constituíam uma nação, e para fazer realidade os ditos princípios,
a nação devia ter uma cultura homogênea exprimida numa língua comum
(MONTEAGUDO, 2012, p.48).

O francês foi imposto em todo o território, suplantando as resistências locais


baseadas em formas de lealdade próprias do Antigo Regime, e as línguas regionais foram
sufocadas, passando a ser representadas como dialetos da língua nacional. O paradigma
referido como “modelo napoleônico” (MONTEAGUDO, 2012) ou “modelo jacobino”
(SAFRAM, 1999) passou a orientar políticas linguísticas em outros contextos: “primeiro
a França, depois, ao menos tentativamente, a Espanha; Portugal e a Holanda, com as suas
especificidades [...]; a Grã Bretanha seguiu um caminho próprio, mas, afinal não
substancialmente distinto” (MONTEAGUDO, 2012, p.50).
Enquanto no caso alemão o Estado se constituiu a partir da ideia de nação, que
encontra na língua um de seus fundamentos, no caso francês a nação é formada a partir
do Estado, com a generalização de uma língua que era símbolo do poder político. Ambas
as experiências motivaram intervenções no sentido de homogeneizar realidades linguísticas
complexas e plurais; intervenções baseadas em projetos políticos distintos, mas que
utilizam a língua como instrumento para transformação da sociedade.

Estes dois processos foram impulsionados por e acompanhados de grandes


transformações na consciência linguística das respectivas comunidades
idiomáticas, e em particular pela criação e difusão de ideologias e discursos
legitimadores da uniformização linguística, da hegemonia da língua nacional,
e da estandardização (MONTEAGUDO, 2012, p.50).

A Linguística surgiu no século XIX, um período de consolidação dos Estados


nacionais europeus e de expansão territorial fora do continente, e seu objeto foi delimitado
com base nas línguas oficiais dessas nações. Nesse contexto, a realidade linguística era
moldada pelo trabalho de sistematização e elaboração realizado por gramáticos e filólogos
e pela identificação da língua em gramáticas e dicionários a partir do modelo idealizado

18
dos Estados nacionais monolíngues. A linguagem verbal foi representada na forma das
línguas nacionais e confundida com os instrumentos científicos utilizados na sua descrição.
Essa dupla coerção afetou tanto as práticas linguísticas em geral quanto a forma
como os linguistas estabeleciam fatos e explicavam os fenômenos investigados. A teorização
linguística corresponde também a um tipo de intervenção política na língua, reunindo sob
a autoridade da ciência as formas de coerção mencionadas acima. Ou seja, “enquanto
representações das realidades que se propõem a descrever, as teorias também funcionam
como intervenções, fazendo com que nós comecemos a olhar para o mundo de uma forma
e não de outra” (RAJAGOPALAN, 2004, p.114). O efeito coercitivo dessas representações
cria a ilusão de uma coincidência perfeita entre os modelos teóricos e os fenômenos
investigados através deles.
O Congresso da Língua Nacional Cantada, que foi organizado por Mário de Andrade
com o objetivo de estabelecer uma pronúncia padrão brasileira no teatro e no canto erudito,
é uma ocasião privilegiada para observar a montagem desse jogo de espelhamentos. Ele
ocorreu numa época de crescente questionamento da ideia de que a língua dos brasileiros
é a mesma utilizada pelos portugueses, tema que aparecia na literatura, no debate sobre a
ortografia e nas tentativas de mudar a designação da língua. Embora não tenha inspirado
uma política linguística4 nacional, como esperavam seus participantes, o evento ajuda
a discutir a naturalização da norma linguística e as suas consequências políticas e
epistemológicas.
Na época, a ciência era considerada o principal meio para conhecer a “realidade
brasileira” e construir, a partir desse conhecimento, soluções adequadas para os problemas
nacionais. Vários estudiosos da língua se dedicaram à descrição de variedades regionais
e à discussão sobre o grau de autonomia da variedade brasileira5 em relação ao português
europeu. A pesquisa linguística produzida no país se associava à orientação neogramática,
que era predominante (CÂMARA JR. 2004, p.223), elementos de abordagens mais recentes,

4 Em 1998, Veiga declarou que “a despeito do empenho de Mário de Andrade e de seu Congresso
de Língua Nacional Cantada (1937), ainda não existe uma escola de canto genuinamente brasileira
e ajustada às particularidades do idioma” (VEIGA, 1998, p.75). Somente em 2005, durante o IV
Encontro Brasileiro de Canto, foram estabelecidas novas normas de pronúncia para o canto erudito
brasileiro (HERR, 2007).
5 Utilizo a expressão “variedade brasileira” para designar as formas e os usos linguísticos correntes

no país, evitando alternativas como “português no Brasil”, “português do Brasil”, “dialeto brasileiro”,
“língua nacional” e “língua brasileira”. Desta perspectiva, a palavra “variedade” se refere a uma
unidade discreta, mas não pressupõe o seu vínculo a uma língua específica, como o português. Essa
escolha se baseia no princípio metodológico de não reproduzir na historiografia as categorias
conceituais presentes nas fontes quando seu uso indicar a filiação a uma das perspectivas em
disputa no contexto investigado. A referência a “variedades regionais” reflete a mesma orientação.

19
marcadas pela migração de metáforas “de uma ciência para outra, principalmente da
geografia e da biologia à linguística” e pela “retomada e reinterpretação da longa querela
do Iluminismo e do Romantismo” (SÉRIOT, 2016, p.20).
O ponto de partida da iniciativa foi o anteprojeto de língua padrão elaborado pelo
próprio Mário de Andrade e discutido pelos congressistas. Participaram do evento alguns
dos principais estudiosos de língua e de música em atividade no Brasil, além de
pesquisadores de outras áreas e intelectuais de diferentes regiões do país, que enviaram
suas comunicações científicas. Alguns desses trabalhos apresentavam instrumentos de
observação e recursos tecnológicos inovadores para a investigação da língua, tais como o
registro gráfico de ondas sonoras e a gravação de pronúncias regionais em disco. A
programação contou ainda com apresentações musicais e teatrais que demonstravam na
prática o padrão de pronúncia proposto.
Os temas investigados e os problemas discutidos no evento serão analisados aqui
pela perspectiva da História das Ciências, com ênfase na história da Linguística. Se “o
homem de ciência trabalha com ficções racionais que tornam o seu discurso possível”
(AUROUX, 2008, p.156), o historiador da ciência é aquele que investiga as condições
históricas de produção tanto do discurso científico quanto das ficções que o sustentam. Em
outras palavras, a História das Ciências não investiga o objeto da própria ciência, mas a
historicidade do discurso científico em cada contexto (CANGUILHEM, 1975, p.15). “A
constituição dos fenômenos em objeto de conhecimento é ela mesma um produto histórico”
(AUROUX, 2020, p.374) que “não pode ser tratado, ou ter consequências práticas, senão
nas palavras que são utilizadas para falar dele” (SÉRIOT, 2001, p.15).
O capítulo 1 examina a posição de Mário de Andrade no debate sobre o status da
variedade brasileira, apresenta o Congresso da Língua Nacional Cantada e as fontes a seu
respeito. A primeira parte relaciona as ideias do autor sobre a “fala brasileira” a seus
projetos de construção da identidade nacional e de criação de uma vanguarda musical
brasileira, mostrando como essas propostas se refletiram na sua atuação como diretor do
Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. A segunda parte delimita o objeto da
pesquisa, apresenta a documentação utilizada e discute os limites e possibilidades do seu
aproveitamento historiográfico, levando em conta o protagonismo de Mário de Andrade
na organização do evento.
O capítulo 2 analisa o papel atribuído à ciência na interpretação da “realidade
brasileira” e mostra como essa perspectiva se refletiu no debate sobre a padronização da
pronúncia. A primeira parte descreve o engajamento dos intelectuais brasileiros – em

20
particular de sanitaristas e educadores – em projetos de construção nacional durante as
primeiras décadas do século XX e o mostra o impacto dessa movimentação no âmbito
dos estudos linguísticos. A segunda parte mergulha nas sessões plenárias do Congresso
da Língua Nacional Cantada, onde ocorreu a discussão sobre o anteprojeto elaborado por
Mário de Andrade e foram votadas as normas da pronúncia padrão.
O Capítulo 3 examina o saber linguístico em circulação desde o início do século
XIX e, a partir desse panorama, descreve as comunicações apresentadas no Congresso da
Língua Nacional Cantada. A primeira parte percorre as principais orientações teóricas
utilizadas na investigação das línguas desde os primórdios da Linguística, mostrando como
essas abordagens se sucederam até o início do século XX, quando o estruturalismo foi
elaborado a partir da obra de Saussure. A segunda parte descreve os trabalhos sobre a língua
publicados nos anais do evento, indicando também a formação e os vínculos institucionais
de seus autores.
O Capítulo 4 caracteriza de maneira mais geral essa produção científica, aponta
seus nexos com o debate sobre a padronização da pronúncia e identifica os critérios de
cientificidade em que se baseia a pesquisa linguística apresentada no evento. A primeira
parte delimita as duas abordagens que serviram de referência para a maioria dos trabalhos
sobre questões linguísticas e mostra como a polarização entre elas se reflete no debate
sobre a padronização da pronúncia. A segunda parte questiona o status pré-científico
atribuído ao Congresso da Língua Nacional Cantada e o esquecimento da iniciativa na
bibliografia da área de Linguística, buscando na epistemologia histórica uma perspectiva
capaz de reconhecer os critérios de cientificidade em vigor naquele contexto.

21
CAPÍTULO 1

1.1 “abrasileirar o Brasil”

Este capítulo convida o leitor a se aproximar do tema pela ótica do modernismo e


percorrer as fontes a respeito. A primeira parte analisa as motivações para a realização do
Congresso da Língua Nacional Cantada, examinando o interesse de Mário de Andrade
pelo debate sobre o status da variedade brasileira e o modo como essa questão se articula
ao projeto modernista de construção da brasilidade elaborado por ele. A segunda parte
delimita o objeto investigado, apresenta a documentação utilizada e discute os limites e
possibilidades do seu aproveitamento historiográfico, levando em conta o protagonismo
de Mário de Andrade como idealizador e organizador do evento.
Talvez soe um tanto paradoxal encontrar alguém como Mário de Andrade,
considerado mentor intelectual do modernismo paulistano, à frente de uma iniciativa de
padronização da língua. Se a renovação artística e literária reivindicada pelos modernistas
na década de 1920 se caracteriza pela insurreição contra a estética conservadora e os
padrões tradicionais de expressão, pelo experimentalismo e o primitivismo, pela ousadia
ortográfica6 e a utilização da fala cotidiana como recurso literário, como é possível que
anos depois o mentor intelectual do movimento tenha se engajado numa iniciativa de
padronização da pronúncia?
Para compreender essa aparente contradição é necessário contextualizar a iniciativa
na trajetória artística, intelectual e política de Mário de Andrade. Na conferência que
apresentou no Itamaraty em 1942, por ocasião dos 20 anos da Semana de Arte Moderna,
ele fez um balanço sobre o modernismo brasileiro e sobre a sua contribuição ao movimento.
Na ocasião, ele declarou que os pioneiros do movimento tinham “servido de altifalantes
de uma força universal e nacional muito mais complexa que nós. Força fatal, que viria
mesmo” (ANDRADE, 1942, p.14).
Essa “força universal” corresponderia a uma nova ordem política e social, a
modernidade, impulsionada tanto pela “prática européia de novos ideais políticos”, com

6 Há exemplos abundantes deste fato na obra do próprio Mário de Andrade, os quais aparecem
não apenas em sua obra literária, mas nos textos de crítica e na sua correspondência. Na
apresentação de O Turista Aprendiz, a organizadora do volume menciona dois padrões que
parecem próprios da escrita do autor: o uso estilístico da ortografia – por exemplo, em
expressões como prá, sinão, si (conjunção), rúim e milhor – e os casos que o próprio escritor
chamava de “brasileirismos” – como as formas alumeia, chacra, desque, intaliano e malinconia
(LOPEZ, 1976, p.37-38).

22
o “enfraquecimento gradativo dos grandes impérios”, quanto pela “rapidez dos transportes
e mil e uma outras causas internacionais”. A mudança de mentalidade se impôs, segundo
Mário de Andrade, através dos “progressos internos da técnica e da educação”, criando
“um estado de espírito nacional”. Um processo que levou ao “desenvolvimento da
conciência americana e brasileira”, exigindo a “remodelação da Inteligência nacional”
(ANDRADE, 1942, p.13).
O modernismo seria, neste sentido, uma busca por renovação artística e intelectual
motivada pelo anseio de adaptação do país a uma nova ordem internacional, expressa nas
mudanças políticas e sociais do período. Embora fosse percebida como uma tendência
universal, a modernidade encontrava sua forma paradigmática nas nações desenvolvidas
do continente europeu. Esse modelo se baseava na constituição do Estado nacional,
encarada como destino histórico comum a todas as sociedades humanas. Nas palavras de
Mário de Andrade,

O modernismo, no Brasil, foi uma ruptura, foi um abandono de princípios e de


técnicas consequentes, foi uma revolta contra o que era a Inteligência nacional.
É muito mais exato imaginar que o estado de guerra da Europa tivesse
preparado em nós um espírito de guerra, eminentemente destruidor. E as modas
que revestiram este espírito foram, de início, diretamente importadas da
Europa (ANDRADE, 1942, p.25).

Nessa conferência, ele caracteriza o movimento como “a fusão de três princípios


fundamentais: o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência
artística brasileira; e a estabilização de uma conciência criadora nacional” (ANDRADE,
1942, p.45). Naquele contexto de mudanças políticas e sociais aceleradas, a experimentação
artística teria como resultado inevitável a ruptura com as convenções estéticas do passado
e o desenvolvimento de uma mentalidade nacional. Sua confiança na interdependência
entre os três princípios e na fatalidade desse processo se baseia na ideia de arte como um
produto da atividade mental humana, influenciada pelo meio social.7

7 Mário de Andrade transcreveu na margem do seu exemplar de trabalho de A Escrava que não era
Isaura um trecho de Introduction to Social Psycology (1924), de William McDougall, do qual destaco
a seguinte passagem: “a mente adulta humana é produto da influência que a molda exercida
pelo meio social e [...] a mente humana estritamente individual, com a qual somente a psicologia
introspectiva e descritiva mais tradicional se preocupa, é uma mera abstração e não tem existência
real” (ANDRADE, 2010, nota 3, tradução de Marcos Antônio de Moraes). A anotação foi inserida
no início da primeira parte, onde o autor apresenta sua definição de arte.

23
A experimentação linguística que caracteriza parte da literatura modernista seria
justificada a priori pelo “direito permanente à pesquisa estética”. E a influência do meio
social sobre a produção artística tornava necessário atualizar a linguagem literária. Como
a língua padrão vigente no Brasil se baseava no português europeu, a sua atualização para
fins literários conduzia inevitavelmente ao debate sobre a autonomia da variedade brasileira.
Essa questão foi colocada de diferentes maneiras pelos modernistas tanto em textos críticos
quanto em obras literárias.
Um exemplo clássico está no poema Pronominais, de Oswald de Andrade, onde
a insubordinação à norma gramatical vigente surge, ao mesmo tempo, como atitude
vanguardista e estratégia linguística de afirmação da nacionalidade. Na obra de Mário de
Andrade, a autonomia da variedade brasileira aparece como objetivo programático e se
traduz tanto na sua reflexão sobre a variedade brasileira, formulada de diferentes maneiras
ao longo do tempo, quanto na busca de uma grafia própria, baseada na língua oral, para
tornar a literatura um meio de expressão mais representativo da experiência nacional.
Os primeiros indícios da posição de Mário de Andrade a esse respeito remontam
à adolescência, quando estudava contabilidade na Escola de Comércio Álvares Penteado.

O professor de Português, Gervásio de Araújo, era lusitano de nascimento e


lecionava a mesma matéria no tradicional Ginásio de São Bento e no
Conservatório. Com esse currículo e o formalismo existente entre alunos e
professores, tudo que Gervásio dizia nas aulas era aceito sem questionamento.
Até a chegada de Mário. Uma de suas implicâncias, desde antes de ingressar
nessa escola, era com a persistência das normas gramaticais lusitanas no Brasil.
Isso motivou uma divergência com o professor a respeito do uso de pronomes.
[...] Gervásio passou a ironizar e ridicularizar as intervenções do aluno metido
a sabido. [...]
Um dia, na Escola de Comércio, durante uma divergência gramatical, Gervásio
tripudiou sobre ele e Mário sentiu o gosto azedo da humilhação. Chegou em
casa e contou ao pai o que estava acontecendo. Carlos Augusto escreveu uma
carta exortando o professor a evitar “epítetos ofensivos” e “antipatias
gratuitas”. Não foi necessário enviá-la, porque o episódio deu a Mário o
pretexto para sair da escola. Não queria ser contador (TÉRCIO, 2019, p.38-40).

Em seus textos, a insatisfação com a norma linguística vigente aparece com uma
frequência cada vez maior. No prefácio de Paulicéia Desvairada (1922), ele se refere à
língua falada no país como “lingua brasileira” (ANDRADE, 1922, p.22) e declara:

24
“Pronomes? Escrevo brasileiro”. “A gramática apareceu depois de organizadas as linguas.
Acontece que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de linguas
organizadas” (ANDRADE, 1922, p.33). Nos anos seguintes, ele passou a colecionar fatos
linguísticos característicos da variedade brasileira e a buscar uma sistematização que
permitisse o seu uso regular na escrita literária.
Na correspondência de Mário de Andrade com outros escritores modernistas há
vários indícios que ajudam a compreender o seu posicionamento a esse respeito. Numa
carta enviada a Carlos Drummond de Andrade em 1925, ele diz utilizar a ortografia
portuguesa de 1911, e não aquela aprovada pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em
1912. Mas sente necessidade de adaptar a grafia aos seus interesses estéticos e à realidade
linguística brasileira.

A base da minha ortografia atual é a reforma ortográfica tão útil que se fez em
Portugal. Acho essa reforma excelente e sobre ela tem o Vocabulário alfabético
e remissivo da Língua Portuguesa por Gonçalves Viana, excelente guia. Um
tempo segui inteiramente êle. Agora já estou simplificando inda mais certos
casos que não têm razão de ser pro Brasil. Ex: exacto, com o c por quê abre a
vogal anterior. Esse valor da consoante não existe pra nós brasileiros. Ninguém
aqui fala contràctar com o 1º. a bem aberto por causa da consoante porem meio
aberto apenas. Então tirei essas consoantes inúteis pra nós que a reforma
portugueza conservou porquê util pra êles. Conservo no entanto o c de caracter
que a gente não pronuncia por causa de caracteres em que vem pronunciado,
etc (PINTO, 1990 [1925], p.120).

Também são frequentes os debates a respeito na correspondência com Manuel


Bandeira, onde Mário de Andrade reflete sobre a experimentação linguística em seus
próprios textos, aceita ou rebate as críticas do amigo e compartilha dúvidas e dificuldades.
Numa carta escrita no mesmo ano de 1925, ele esclarece suas convicções e anseios em
relação à língua e enfatiza a importância da interlocução com outros escritores para tornar
viável o seu projeto literário.

Você compreende, Manuel, a tentativa em que me lancei é uma coisa imensa,


enorme, nunca foi pra um homem só. E você sabe muito bem que não sou
indivíduo de gabinete. Não posso ir fazendo no silêncio e no trabalho oculto
toda uma gramática brasileira pra depois de repente, pá, atirar com isso na
cabeça do pessoal. [...] Careço que os outros me ajudem pra que eu realize a
minha intenção: ajudar a formação literária, isto é, culta da língua brasileira.

25
Não quero que você pense que estou imaginando criar uma língua nova, como
se diz que fizeram Dante e Camões, principalmente o primeiro. Ora isso é
idiota porque Dante seria incapaz de escrever o italiano da Comédia se antes
dele não tivesse a escola siciliana e toda a porção de trovadores que já
escreviam em língua vulgar. Eles é que permitiram a existência dum Dante
prá8 língua italiana como os cronistas e cantadores portugueses permitiram o
português de Camões. Naqueles tempos se fazia tudo intuitivamente, é natural.
Mas hoje não se pode mais fazer porque existe a crítica, existe a questão
filológica bem estudada e em uso, existe a época enfim. Por isso o que eles
faziam intuitivamente eu faço hoje com crítica, sistematizações (PINTO, 1981
[1925], p.136-137).

Ao contestar o papel atribuído a Dante e Camões como criadores de uma língua


nova, destacando a produção anterior de trovadores e cronistas que já utilizavam a mesma
variedade, Mário de Andrade expõe a sua concepção sobre a evolução da língua. Desta
perspectiva, a mudança linguística seria um processo que envolve toda a comunidade de
falantes, mas a nova variedade só é reconhecida após a sua consagração na literatura. Ele
pretendia recriar esse processo coletivo de maturação da língua a partir das condições de
sua época e para isso não podia prescindir da contribuição crítica de outros escritores.
O contraste entre as características desse processo no passado e no presente mostra
a insegurança de Mário de Andrade diante da crítica das autoridades em matéria de língua.
Ele acredita que no século XVI a transposição da “língua vulgar” para a literatura ocorreu
“intuitivamente”, de maneira “natural”, algo que no século XX “não se pode mais fazer
porque existe a crítica, existe a questão filológica”. Seria inútil mobilizar interlocutores
para simular o processo espontâneo de evolução da língua se esta não fosse sistematizada
como norma, pois o resultado seria submetido à avaliação dos críticos e filólogos.
Mário de Andrade reconhecia que a tarefa que se propunha era “imensa, enorme”
e que não tinha os conhecimentos necessários para “ir fazendo no silêncio e no trabalho
oculto toda uma gramática brasileira”. Seu plano era publicar uma Gramatiquinha da fala
brasileira, título com que procura, pela escolha das palavras, se eximir do compromisso
assumido por quem escreve uma “gramática da língua”. Nas anotações que reuniu para

8 Numa carta que enviou a Pedro Nava em 1925, Mário de Andrade esclarece o uso distintivo do
acento nas formas pra e prá, convenção que adotou até o final da vida: “Você está acentuando
todos os pras. Isso traz confusão Nava. Acentue só quando tiver contração com artigo. Vou prá
escola. Me dê pra mim. Não acha essa diferenciação razoável?” (PINTO, 1990, p.124).

26
compor o prefácio da obra, ele sugere que esse era trabalho para os gramáticos e filólogos
brasileiros, mas que nem os autores que pareciam mais inclinados a isso o fizeram.

Outros é que deviam escrever este livro e tenho consciência de que um dia a
gramática da Fala Brasileira será escrito [...] temos livros valiosos como A
Língua Nacional de J. Ribeiro, O Dialeto Caipira de Amadeu Amaral, que são
verdadeiros convites pra falar brasileiramente. Porém os autores como
idealistas que são e não práticos, convidam, convidam porém principiam não
fazendo o que convidam. [...] Não me iludo absolutamente a respeito do valor
das minhas obras. Sei que, como arte, elas valem quase nada, porém são todas
exemplos corajosos e imediatamente práticos do que os outros devem fazer
ou... não devem fazer. Erros e verdades. (PINTO, 1990, p.313-314).

O projeto vigorou pelo menos entre 1924 e 1929 (PINTO, 1990, p.43), mas o autor
o deixou inacabado por falta de conhecimento especializado e de tempo para o adquirir
como autodidata. Mário de Andrade chegou a esboçar um plano de estudos para se
atualizar em questões linguísticas, seguindo uma lista9 de obras recomendadas por Souza
da Silveira, mas não conseguiu se dedicar a isso. Numa carta que enviou a Augusto Meyer
em 1931, ele reconhece essas limitações e chega a afirmar que, na verdade, não pretendia
publicar a obra.

Você me pergunta si abandonei mesmo a ideia da Gramatiquinha.


Propriamente: não abandonei porque nunca tive intenção de escrevê-la. [...]
não me compete a mim escrever um livro de tamanha responsabilidade
filológica, não tendo estudos especializados [grifo do autor] sobre filologia,
não sendo filólogo. É verdade que sairia um livro interessante, com algumas
ideias que inda não vi nos livros de filologia que já li, até com certas noções
que me parecem curiosas e novas sobre a maneira de conceber as partes do
discurso. Mas tudo isso requer muita reflexão, muito estudo, muita volta a
livros do passado, volta paulatina, cotidiana e paciente. E minha vida já não
pode fazer mais isso, não dá (PINTO, 1981 [1931], p.156).

9 Em 1925, Mário de Andrade pediu a Manuel Bandeira que encomendasse a Souza da Silveira
uma lista de obras sobre questões de Linguística. A lista só chegou em 1927, com um bilhete de
Manuel Bandeira: “Mário ocupadíssimo, / Aqui está a lista feita pelo Souza da Silveira. /
Estudando aqueles cinco batutas que encabeçam a lista, você fica o bicho! / Ciao. / M.”. A lista
reúne obras de Joseph Vendryes, Albert Dauzat, Édouard Bourciez, Ferdinand Brunot, Leite de
Vasconcelos – os cinco batutas – e trabalhos de Amadeu Amaral, Antenor Nascentes e Jorge
Daupiás (PINTO, 1990, p.78).

27
A mudança de postura quanto à viabilidade do projeto não surpreende se levarmos
em conta a insegurança que o autor mostrou anteriormente. A ênfase na “responsabilidade
filológica” e na sua própria incapacidade técnica indica que a escolha do título não foi
suficiente para isentá-lo do compromisso com obras do gênero. O que surpreende é o fato
de Mário de Andrade sugerir que essa sempre foi a sua postura, negando que a publicação
da obra tenha sido sequer cogitada. Paulo Duarte observou que a Gramatiquinha foi
anunciada10 como publicação futura nas primeiras edições de outras obras do autor e era
um de seus projetos “mais vivos”. Essa recusa talvez fosse a maneira encontrada por
Mário de Andrade para lidar com sua própria insegurança a respeito e se esquivar dos
prejuízos suscitados pela antipatia ao projeto – mesmo que inacabado – entre os estudiosos.
Embora já não pretendesse propor uma sistematização para a variedade brasileira,
Mário de Andrade continuou a defender sua posição sobre o papel da língua na produção
literária brasileira. Ele aborda o tema nos textos que escreveu para o Diário Nacional
entre 1929 e 1932. Na crônica “Fala Brasileira I”, publicada em maio de 1929, Mário de
Andrade menciona o debate em curso desde que Roquette-Pinto e João Ribeiro se
pronunciaram a respeito nas páginas do jornal e se coloca nos seguintes termos:

Existe uma língua brasileira? Secundo sem turtuvear: – Existe.


– Por que existe?
Porque o Brasil é uma nação possuidora duma língua só. Essa língua não lhe é
imposta. É uma língua firmada gradativa e inconscientemente no homem
nacional. É a língua de que todos os socialmente brasileiros têm de se servir,
se quiserem ser compreendidos pela nação inteira. É a língua que representa
intelectualmente o Brasil na comunhão universal.
– Mas essa língua é o português.
– É também o português. Nas suas linhas gerais mais eficientes não tem dúvida
que a fala brasileira coincide com a língua portuguesa (ANDRADE, 1976
[1929], p.111).

A forma como o autor apresenta suas ideias, através de um diálogo fictício entre
interlocutores que divergem entre si, já indica que a questão era controversa. Mário de
Andrade sustenta que a língua dos brasileiros não é àquela imposta como norma escrita,

10 O projeto foi “anunciado como livro em preparação em várias de suas obras e todos aqueles
que conviveram com Mário de Andrade sabem que a Gramatiquinha era um dos projetos mais
vivos dele. Em Losango Cáqui (1922) está entre os livros a serem publicados. E isso repete-se
em Primeiro andar (1926), em Amar, verbo intransitivo (1927), em Clã do Jaboti, do mesmo ano,
em Ensaio sobre a música brasileira (1928)” (DUARTE, 1981, p.45).

28
mas sim a que se estabeleceu ao longo do tempo, que se manifesta na fala. Essa é a língua
que representa intelectualmente o país perante outras nações, e não aquele padrão oficial
baseado no português europeu. Partindo da premissa de que o Brasil é um país monolíngue
e tem sua própria identidade linguística, a sobreposição da “fala brasileira” pela escrita
portuguesa seria um problema de soberania nacional.
A crônica “Ortografia”, publicada em 7 de dezembro de 1929, apresenta a sua
visão sobre a ortografia instituída naquele mês pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
A decisão retomava o primeiro acordo ortográfico brasileiro, baseada num projeto elaborado
por Medeiros de Albuquerque em 1907, que sofreu várias alterações até ser aprovado em
1912. O caráter nacionalista da proposta se traduz no esforço de adequação da grafia à
fonética, considerando que brasileiros e portugueses não falavam da mesma maneira, e
na rejeição de formas do português clássico, com a substituição de ph por f, de k por qu,
de y por i etc (SILVA, 2000, p.18). Mas os portugueses tinham feito a reforma de 1911,
baseada nos trabalhos sobre fonética de Gonçalves Viana, fato que levou a ABL a aprovar
em 1915 um projeto de Silva Ramos que harmonizava a ortografia brasileira com aquela
vigente em Portugal.
Na época, os membros da Academia se dividiram em três grupos de opinião: “os
que defendiam a reforma, brasileira de 1912, aliás, pouco diferente da reforma portuguesa;
os que, por isso mesmo, preferiam esta; e os que não renunciavam à chamada ortografia
etimológica” (PINTO, 1981, p.XXVI). Em 1919, os etimologistas saíram vitoriosos com
a aprovação da proposta de Osório Duque Estrada, que revogava as decisões anteriores,
admitindo que os acordos de 1912 e 1915 não tiveram efeito prático e que “as grafias dos
dois países continuavam não apenas sem unificação como também sem uniformização
interna” (NEVES, 2010, p.107). Essa indefinição permaneceu até dezembro de 1929,
quando a ABL reestabeleceu a ortografia brasileira de 1912, suscitando uma nova polêmica
a respeito nos meios intelectuais.
Os críticos da decisão argumentavam que o padrão adotado obrigava os brasileiros
a escrever como ignorantes. A proposta de Medeiros de Albuquerque simplificava a escrita
e padronizava a grafia de sons que podiam ser representados de diferentes formas,
argumentando que na própria ABL não havia dois escritores que grafassem as palavras
da mesma forma (NEVES, 2010, p.103). O resultado era um sistema ortográfico baseado
na pronúncia e despojado de certas convenções que podiam revelavar a escolaridade do

29
indivíduo pelo contraste11 maior ou menor com a grafia estabelecida. Mário de Andrade
entrou no debate declarando que

O caos ortográfico em que estamos agora e em que sempre tomei parte com
uma volúpia digna de mim, é irritante, enquisilante, insuportável e tem que
parar. Só uma lei mesmo, exigindo unidade de grafia escolar e oficial, nos levará a
uma fixação ortográfica, porque o individualismo entre nós é incomensurável. A
lei, pelo sim pelo não, nos levará insensivelmente à unidade. Se as nossas
Câmaras legislarem sobre o caso, o fato estará consumado; em cincoenta anos,
mortos os derradeiros cascudos do passado, quem escrever “caza” com “s”
errará, se tornará digno duma censura intelectual.
Esse pra mim é o ponto moral e mais importante da questão. O se tornar digno
de censura é uma elevação. Em ortografia como em milhares de outras
manifestações e virtudes, o brasileiro inda não tem dignidade nenhuma, pois
que nem digno de censura é.
Entre nós, tudo quanto possa despertar o sentimento de responsabilidade é
muito útil. Se nós inda estamos pouco verificáveis em Literatura como em
Política, a principal razão dessa miséria vem da pouca ou nenhuma consciência
de responsabilidade em que devaneiamos no geral. Sob esse ponto-de-vista a
nossa inferioridade em relação aos Chamacoco ou Cubeva e demais ameríndios
é aviltante. Estes possuem uma lei de vida intransponível, e por sinal que às
vezes admirável como beneficiamento da comunidade (ANDRADE, 1976
[1929], p.165).

Nessa ocasião, ele preferiu especular sobre o impacto sociocultural da reforma


ortográfica a discutir a questão do ponto de vista estilístico ou gramatical. Sua avaliação
parte da premissa de que o Brasil se configurava como Estado independente, mas ainda
não tinha se constituído enquanto comunidade nacional. Essa situação se revelaria tanto
na “ortografia como em milhares de outras manifestações” pela “pouca ou nenhuma
consciência de responsabilidade” dos indivíduos com a coletividade a que pertenciam. E
a ausência de um “caráter nacional” bem definido nos tornaria “pouco verificáveis em
Literatura como em Política”.
Mário de Andrade considera essa precariedade ontológica uma consequência do
individualismo, que “entre nós é incomensurável”, e destaca “a nossa inferioridade em
relação aos Chamacoco ou Cubeva e demais ameríndios”, cujo sistema de leis era

11Uma das mudanças mais controversas foi a substituição do s intervocálico por z, que alterou
a grafia de palavras como “casa”, que passaria à forma “caza”.

30
“intransponível, e por sinal que às vezes admirável como beneficiamento da comunidade”.
Ele argumenta que a imposição por lei era a única maneira de unificar a ortografia e que
a decisão da ABL seria útil não só para acabar com o “caos ortográfico em que estamos”,
mas também para “despertar o sentimento de responsabilidade” nos brasileiros. E conclui
que, diante da “miséria” moral em que o país se encontrava, “se tornar digno de censura
é uma elevação”.
O tema foi retomado na edição do dia seguinte, com a crônica “Ortografia – II”,
onde o autor dá continuidade à sua argumentação e conecta a reforma ortográfica aos
objetivos do modernismo artístico e literário.

A ortografia indicada pela Academia é defeituosa? É. É defeituosíssima. Tem


inconseqüências e atrapalhações. Mas isso em nada a invalida. [...]
Complicações, bobagens, atrapalhações existem na ortografia de todas as falas
e são fatais, simplesmente porque não tem dois homens nesse mundo que
pronunciem da mesma maneira. Pouco importa escrever “cavalo”, “kavhallo”
ou “kkkcahwa-hlo”; qualquer destas ortografias é, não digo legitima, porém
salvadora, desque seja a exata. O importante é ter uma ortografia, o importante
é adquirir o direito de errar. Nós atualmente não possuímos uma ortografia
porque a chamada “usual” é a nuvem mais inconsistente e inconstante que
jamais não escureceu estes céus napolitanos. A Academia, num dos seus gestos
mais fecundos, nos proporciona o direito de errar. Nos dá uma ortografia. E
nisso ela andou muito mais próxima do Modernismo artístico brasileiro do que
nem sonhou. [...]
A nossa Literatura [...], mesmo com as suas obras primas, foi sempre uma
reimposição em letra-de-forma nacional, de experiências estranhas já fixadas.
Hoje nós experimentamos simultaneamente e, umas poucas de vezes, original-
mente. Dantes todos jogavam no certo porque errar era uma vergonha. A
finalidade da criação era exclusivamente festiva, diletante, espetacular; fazer
gostoso e não mover os mundos. De dez anos para cá a quase totalidade dos
moços modernos não fazem outra coisa senão experimentar. O erro não é mais
um regougo de suindara anunciando a nossa morte e de que se deve fugir. A
mocidade agora está encarando o erro, sadiamente, como uma possibilidade de
acertar. A Academia, fixando o direito de errar em ortografia, coincidiu, “hélas”!
conosco (ANDRADE, 1976 [1929], p.167-168).

Essa avaliação surge como uma tentativa de responder a questões específicas


daquele contexto. Mário de Andrade não era o único escritor da época a utilizar uma
grafia pouco sistemática (PINTO, 1990, p.136). Apesar das sucessivas controvérsias a

31
esse respeito, os brasileiros ainda não tinham a experiência de escrever com base numa
ortografia comum. As reformas de 1912 e 1915, que seguiam orientações opostas, não
foram sancionadas por lei e, com isso, não tiveram efeito prático; a proposta aprovada em
1919 não criava uma grafia unificada. É nessas circunstâncias que, para Mário de Andrade,
a existência de um padrão ortográfico seria um avanço, independente das convenções
específicas que regulassem a relação entre os sons da língua e as letras que os representam.
Nessa crônica, o autor relaciona a ausência de “caráter nacional” na literatura
brasileira à atitude dos próprios escritores, que “jogavam no certo”, recorrendo a modelos
estéticos estabelecidos, mas representativos de experiências alheias. E afirma que esse
cenário começava a mudar com o surgimento do modernismo, que se distancia da
produção literária anterior ao reivindicar “o direito permanente à pesquisa estética” e
encarar o erro não como motivo de vergonha, mas como exercício da liberdade criativa.
Ele observa ainda que a experimentação já era uma prática comum entre os jovens
escritores, algo que corresponderia, em linhas gerais, à “atualização da inteligência
artística brasileira”.
Embora reconheça o êxito alcançado pelo movimento, Mário de Andrade vê como
empecilho a inexistência de um padrão ortográfico nacional. O texto não esclarece as
razões dessa avaliação, mas o autor menciona pelo menos uma delas ao retomar o tema
semanas depois. Na crônica publicada em 21 de janeiro de 1930, ele argumenta que

se engana quem imaginar que o vulgo escrevedor é que vai [se] beneficiar da
Reforma. Quem vai [se] beneficiar é a classe propriamente intelectual. Não é
a pessoa medianamente instruída e que escreve cartas pros parentes ou cartões
de boas-festas, que fica às vezes de sopetão sem saber se “imaginar”, tem dois
emes ou um só. Dei de-propósito este exemplo bem besta. Porque garanto que
raríssimos são os intelectuais que não tenham já hesitado num caso facílimo
desses. O coitado hesita, é obrigado a um raciocínio etimológico, se socorrer
do parco latinório escolar: dúvida que embora viva cinco segundos é suficiente
pra desviar o escritor da corrente de idéias em que estava, enfraquece o impulso
ideativo e desossa a inspiração. Isso constitui um suplício arranhante que dura
toda a nossa vida. É tal suplicio é que a Reforma vem diminuir enormemente
(ANDRADE, 1976 [1930], p.187).

A perspectiva apresentada nos escritos de Mário de Andrade sugere que a unidade


ortográfica interessava aos escritores modernistas por servir como base comum para a
experimentação, o que favoreceria a “estabilização de uma conciência criadora nacional”.

32
Também é possível supor que a unidade ortográfica fosse encarada como meio de realçar
o efeito estético das transgressões linguísticas, já que o contraste resultante é proporcional
ao grau de padronização da grafia. Por isso, segundo Mário de Andrade, a retomada do
acordo de 1912 colocava a ABL “mais próxima do Modernismo artístico brasileiro do
que nem sonhou”.
Como explica Pinto (1990), a Gramatiquinha não foi concebida como descrição
rigorosa da variedade brasileira nem como um catálogo sobre as suas particularidades.
Ela deve ser entendida como “discurso engajado, de implicações linguísticas e estéticas”,
como tentativa de esboçar o que Mário de Andrade chamou, na época, de “fala brasileira”
ou “língua brasileira”, uma língua geral “obtida impresionisticamente, e em cuja fixação
acreditava que os escritores desempenhavam papel relevante”. A obra foi concebida como
“parte de um projeto mais amplo, de redescoberta e definição do Brasil”, que se
desdobrava nas múltiplas dimensões da produção artística e intelectual de Mário de
Andrade (PINTO, 1990, p.43 e 51).
Embora tenha negado, anos depois, que teve intenção de publicar uma obra sobre
questões linguísticas, Mário de Andrade continuou a elaborar sua reflexão a respeito. As
crônicas que escreveu para o Diário Nacional mostram a sua independência na discussão
sobre a ortografia, na qual evitava cruzar a fronteira do debate especializado, adotando um
ponto de vista que ele mesmo classificou como filosófico.12 Essa perspectiva era inspirada
nas ideias do filósofo e escritor Hermann von Keyserling sobre o homem americano, a
civilização e os efeitos do progresso.
A filosofia de Keyserling é marcada pela oposição entre progresso e civilização e
pela distinção entre velho mundo (nações europeias) e novo mundo (nações americanas).
Em sua obra, o progresso equivale ao desenvolvimento científico e material, algo que
pode ser alcançado sem a precedência da civilização, que era entendida como a “realização
integral do homem em sua sociedade” (LOPEZ, 1972, p.111). Keyserling valorizava a
sensibilidade do homem primitivo, que seria capaz de “viver num mundo de “poesis”, no
sentido empregado por Vico, participando dêle quase que orgânicamente, deixando-se
prender pelos valores da sabedoria, mas não pelo domínio absoluto da lógica” (LOPEZ,
1972, p.112).

12 Na crônica que publicou em 18 de janeiro de 1930, ele declara encarar o acordo ortográfico
“numa ordem de idéias exclusivamente filosófica. A minha maneira de aceitar a reforma acadêmica
é puramente pragmática. Se só a Academia empregar a reforma, não aceitarei porque não
vingará” (ANDRADE, 1976 [1930], p.185).

33
Com base na analogia entre as nações jovens e as culturas primitivas, Keyserling
sugeriu que as nações americanas poderiam servir como modelo de civilização. Ele
sustentava que a cultura do futuro deveria se basear no aprimoramento do Ser (Sein) e
não das capacidades (Können).

O homem americano tem o comportamento mais ligado aos valores da


sensibilidade e deve ser aproveitado nesse sentido, isto é, imitado em seu
modus vivendi, próximo da civilização e distante do progresso alienador, porque
conduzido além das possibilidades do ser. O homem deve fazer com que a
civilização exterior corresponda ao seu nível de desenvolvimento espiritual, e
não deixar que ela lhe seja superior e o escravize (LOPEZ, 1972, p.112).

A influência da metafísica de Keyserling se revela no pensamento de Mário de


Andrade pela distinção entre duas formas de civilização, “uma falsa e rotulada, igual a
progresso e uma verdadeira e necessária: a do primitivo” (LOPEZ, 1972, p.111). Essa
distinção ajuda a entender tanto o seu apreço pela “fala brasileira” quanto a sua convicção
sobre os benefícios da padronização da grafia. Embora fosse classificada como dialeto da
língua portuguesa, a variedade brasileira seria também uma nova língua em processo de
formação. A “fala brasileira” traria consigo as marcas da experiência humana local e seria,
por isso, a expressão mais adequada para a literatura produzida naquele momento, quando
o país se constituía como nação.
Mário de Andrade considerava “defeituosíssima” a ortografia instituída pela ABL
em 1929, mas essa lhe parecia mais adequada que a manutenção da grafia etimológica,
caraterística do português clássico. Se não era possível ter uma ortografia atualizada e, ao
mesmo tempo, representativa da variedade brasileira, pelo menos a padronização da
grafia traria os benefícios morais mencionados pelo autor. Ele considerava que o Brasil
almejava o progresso científico e material, mas não criava condições para a “realização
integral do homem em sua sociedade”, ou seja, para o surgimento de uma civilização
própria. A padronização da grafia seria um contraponto ao individualismo generalizado
no país, que ameaçava transformar o brasileiro no “bárbaro mecanizado” de Keyserling.
A persistência de Mário de Andrade na busca de uma grafia representativa da
variedade brasileira se revela no fato de que ele “não aderiu a qualquer das reformas
ortográficas que ocorreram durante sua vida” (PINTO, 1990, p.136). O engajamento em
seu próprio projeto de construção da identidade nacional é o que explica a posição do
autor no debate sobre a definição da variedade brasileira. Esse projeto constitui uma

34
referência incontornável para compreender as motivações tanto da produção artística e
intelectual de Mário de Andrade quanto da sua militância institucional.
Ao descrever o quadro teórico que informa Mário de Andrade em seu projeto de
construção da brasilidade, Eduardo Jardim dividiu o modernismo artístico e literário em
duas fases. A primeira começa em 1917, com a exposição de Anita Malfatti, inclui a
Semana de Arte Moderna e termina em 1924. A segunda tem início com o Manifesto
Poesia Pau-Brasil (1924) e se estende pelas décadas seguintes. A primeira fase se
caracteriza por uma “perspectiva imediatista” a respeito do acesso à modernidade e por
uma visão pessimista sobre o país. A segunda é marcada pela inversão desses juízos de
valor negativos, com diferentes abordagens sobre a nacionalidade, e pela fragmentação
do movimento em diversas orientações ao mesmo tempo estéticas e políticas.
Jardim (1983) explica que em ambos os momentos a modernidade foi concebida
como destino comum a toda a humanidade e encontrou sua forma paradigmática nas
nações desenvolvidas do continente europeu. O que mudou foi a perspectiva a respeito
do processo modernizador e a estratégia adotada para viabilizar esse processo no contexto
brasileiro. Na primeira fase, a modernização era entendida como processo idêntico em
toda parte e o ingresso do país na ordem moderna dependeria da incorporação à produção
artística brasileira dos meios de expressão representativos do “espírito” da época.
Mas o alcance limitado da cultura das elites locais e a escassez de elementos
modernizadores na sociedade brasileira tornou insuficientes os esforços dos modernistas.
Essa circunstância levou à busca de novas alternativas para o ingresso do país na ordem
moderna, e o caminho encontrado se revela no debate sobre a definição da nacionalidade.
Na periodização proposta por Jardim (1983), a publicação do Manifesto Poesia Pau-
Brasil, de Oswald de Andrade, foi o que levou à reorientação do movimento. As
diferentes versões do nacionalismo defendidas pelos modernistas na segunda metade da
década de 1920 seriam, segundo Jardim (1983), respostas à problemática apresentada no
manifesto.
O projeto de Mário de Andrade também foi uma resposta a essa questão, mas se
distinguiu das interpretações intuitivas da nacionalidade propostas pela Antropofagia e
pelo Movimento Verde-Amarelo, ao abordar a questão pela via analítica. A discrepância
entre as realidades naturais encontradas nas diferentes regiões, a diversidade étnica da
população e as inúmeras contradições que marcaram o processo histórico de formação do
país dificultavam a definição do caráter nacional como uma unidade coerente. A solução

35
de Mário de Andrade foi buscar no plano simbólico as bases constitutivas da
nacionalidade.
Para ingressar na ordem moderna, não bastava atualizar os meios de expressão da
arte brasileira, como se buscou inicialmente. Seria preciso delimitar uma entidade
nacional que apresentasse unidade interna e singularidade perante as outras nações. Ou
seja, a inserção da parte “Brasil” no todo “nações civilizadas” exigia a definição da
nacionalidade segundo as condições de existência que definem os demais elementos desse
conjunto. Postular a existência de uma unidade cultural subjacente à diversidade natural
e humana do país era a única maneira de garantir esse resultado (JARDIM, 1983, p.106).
Como Mário de Andrade não era um cientista ou um filósofo em sentido estrito,
sua analítica da brasilidade foi assumida antes de ser formalizada como teoria e sofreu,
ao longo do tempo, diversas reformulações, que refletem os diferentes momentos de seu
pensamento. Numa entrevista que concedeu ao jornal carioca A Noite em 12 de dezembro
de 1925, ele ainda não falava em “entidade nacional”, mas já procurava uma solução que
permitisse a sua apreensão como unidade, mencionando aquilo que considerava pré-requisito
para o Brasil se constituir como nação.
Indagado pelo jornalista sobre a orientação atual do modernismo, que depois de
se insurgir contra a tradição, começava a se interessar pelo passado, o autor respondeu:

A revolta é uma quebra de tradição, revolta acabou, a tradição continua


evoluindo. [...] Ora o maior problema atual do Brasil consiste no
acomodamento da nossa sensibilidade nacional com a realidade brasileira,
realidade que não é só feita de ambiente físico e dos enxertos de civilização
que grelam nele, porém comportando também a nossa função histórica para
conosco e social para com a humanidade. Nós só seremos de deveras uma Raça
o dia em que nos tradicionalizarmos integralmente e só seremos uma Nação
quando enriquecermos a humanidade com um contingente original e nacional
de cultura (A Noite, 12/12/1925, p.1-2).

Em sua resposta, Mário de Andrade confirma o interesse em dialogar com a


produção artística e literária anterior, atribuindo ao modernismo a responsabilidade pela
evolução da tradição. Ao mesmo tempo, procura se distinguir de autores do passado e se
distanciar da concepção de nacionalidade herdada do século XIX, que almejava fazer do
Brasil uma “Europa nos trópicos”. Por isso, fala da importância de conciliar a “sensibilidade
nacional” com a percepção da situação objetiva do país e destaca que aquilo que chamou

36
de “realidade brasileira” não corresponde apenas à paisagem natural do país e à parcela
europeizada da sociedade.
Ele expõe o que acredita ser a missão dos artistas e intelectuais de sua geração ao
observar que, naquele momento, perceber a “realidade brasileira” significava assumir “a
nossa função histórica para conosco” e a nossa função “social para com a humanidade”.
O pressuposto é que o Brasil teria um destino histórico a cumprir – formar uma nação –
e que, quando o alcançasse, o país iria enriquecer a humanidade “com um contingente
original e nacional de cultura”. Formar uma nação significava se tornar uma coletividade
unida por tradições culturais compartilhadas, ou seja, se constituir como “uma raça”.
Nesta acepção, a palavra “raça” tem o mesmo sentido que “imperativo étnico” ou
“caráter nacional” – expressões do próprio autor. Diz respeito não à dimensão biológica,
mas a “uma força interna a cada povo, sua alma ou personalidade, que se manifesta na
história, na língua, nas instituições sociais, nas formas de governo e de expressão artística”
(TRAVASSOS, 1997, p.8). Algo que nos países de civilização mais antiga constituiria o
fundamento de uma “comunidade étnica, nacional, ideológica que de alguma forma
programa a vida do indivíduo à sua revelia” (SANDRONI, 1988, p.23). A mesma
concepção que levou Mário de Andrade a criticar, na primeira crônica sobre a reforma
ortográfica, o que chamou de “pouca ou nenhuma consciência de responsabilidade em que
devaneiamos no geral”.
Embora seja mais conhecido atualmente pela sua produção como escritor, crítico
e folclorista, Mário de Andrade era formado13 em canto e piano pelo Conservatório
Dramático e Musical (CDM) de São Paulo e se tornou catedrático de Estética e História
da Música nessa instituição. Na multiplicidade de domínios em que seu pensamento se
desdobrava, a música aparece com frequência como ponto de partida ou de chegada. Não
por acaso, seu projeto de construção da brasilidade foi exposto pela primeira vez em
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928), narrativa concebida em termos musicais,
com base na forma da rapsódia.14
Como explica Mello e Souza (2003), o livro foi construído como um mosaico,
combinando “uma infinidade de textos preexistentes, elaborados pela tradição oral ou

13 Sérgio Miceli afirma que Mário de Andrade foi o único escritor modernista sem formação em
Direito (MICELI, 2001, p.102). Antes de abandonar o curso de Contabilidade da Escola de
Comércio Álvares Penteado, ele frequentou como ouvinte o curso de Literatura da Faculdade
Livre de Filosofia e Letras, filiada ao Mosteiro de São Bento (TÉRCIO, 2019).
14 A rapsódia é definida como uma “peça musical de forma livre que utiliza geralmente melodias,

processos de composição improvisada e efeitos instrumentais de determinadas músicas


nacionais ou regionais” (HOUAISS, 2009).

37
escrita, popular ou erudita, europeia ou brasileira” (MELLO e SOUZA, 2003, p.10). Sua
originalidade estrutural está, segundo a autora, no fato de não seguir o princípio da
mimesis, criando, pela combinação desses elementos, uma realidade autônoma, com uma
lógica independente daquela que rege o mundo objetivo – como ocorre na arte abstrata e
surrealista desse período.
Macunaíma foi elaborado a partir dos princípios da rapsódia e da suíte, que são
formas básicas da música ocidental encontradas tanto na produção erudita quanto nas
diferentes tradições populares. A suíte consiste na “união de várias peças de estrutura e
caráter distintos, todas de tipo coreográfico, para formar obras complexas e maiores”
(MELLO e SOUZA, 2003, p.13). Essas formas são observadas tanto em manifestações
folclóricas como o bumba meu boi, a chegança, o reisado, cujas partes agregam diferentes
ritmos e danças, quanto em obras eruditas como a Rapsódia Húngara (1846-1853), de Franz
Lizst, a Sagração da Primavera (1913), de Igor Stravinsky, considerada a primeira obra
musical modernista da história, e a Suíte Popular Brasileira (1928), de Heitor Villa-Lobos.
A disparidade dos elementos reunidos na construção da narrativa reflete a diversidade
sociocultural própria da sociedade brasileira.

[...] aos traços indígenas retirados de Koch-Grünberg, Couto de Magalhães,


Barbosa Rodrigues, Capistrano de Abreu e outros, vemos se acrescentarem ao
núcleo central narrativas e cerimônias de origem africana, evocações de
canções de roda ibéricas, tradições portuguesas, contos já tipicamente
brasileiros etc. A esse material, já em si híbrido, juntam-se as peças mais
heteróclitas: anedotas tradicionais da história do Brasil; incidentes pitorescos
presenciados pelo autor; episódios de sua biografia pessoal; transcrições
textuais dos etnógrafos, dos cronistas coloniais; frases célebres de
personalidades históricas ou eminentes; fatos da língua, como modismos,
locuções, fórmulas sintáticas; processos mnemônicos populares, como
associações de ideias e de imagens; ou processos retóricos, como as
enumerações exaustivas (MELLO e SOUZA, 2003, p.15).

Essa profusão de referências não visava apenas recriar na ficção a pluralidade das
matrizes étnicas que nos constituem como coletividade. Misturar e homogeneizar esses
elementos foi a forma encontrada por Mário de Andrade para representar o caráter
nacional como unidade coerente. Se o brasileiro não tinha um caráter nacional, com
língua, cultura e psicologia coletiva distintas, seu caráter seria a própria ausência desse
caráter (TRAVASSOS, 1997, p.105). A homogeneização também era um modo de tornar

38
análogos entre si os constituintes da brasilidade, evitando a fragmentação regional. Num
prefácio inédito, reproduzido na edição crítica de Macunaíma, o autor diz o seguinte a
esse respeito:

Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e


flora geográficas. Assim desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo
tempo que conseguia o mérito de conceber literariamente o Brasil como
entidade homogênea – um conceito étnico nacional e geográfico (ANDRADE,
2008, p.220).

A narrativa realiza essa síntese em sua estruturação, demonstrando a viabilidade


de uma concepção inclusiva do caráter nacional. Ao mesmo tempo, apresenta um mito de
origem crítico e satírico da brasilidade, através das ambiguidades de seu protagonista.
Macunaíma é caracterizado pela indefinição étnica (índio preto da tribo tapanhuma que
vira branco), pela indecisão entre os valores do progresso (partir para a Europa) e a sua
cultura de origem (retornar ao Uraricoera) e pela combinação entre maturidade física e
imaturidade intelectual (cabeça de criança em corpo de homem). Ele representa a
instabilidade de “um povo que não tivera tempo de se constituir, mas já sofria o cerco do
internacionalismo e da urbanização” (TRAVASSOS, 1997, p.8).
Mário de Andrade sistematizou seu projeto de construção da brasilidade numa
obra publicada meses depois, o Ensaio sobre a Música Brasileira (1928). O Ensaio é um
texto programático, “uma proposta de interferência feita a seus companheiros da “classe
culta”, um chamamento à responsabilidade” (SANDRONI, 1988, p.25). O autor convoca
os músicos acadêmicos a se engajarem na formação de uma “escola musical brasileira”,
semelhante às vanguardas nacionalistas surgidas no início do século XX, sobretudo no
contexto europeu.
Na época, compositores modernistas de diferentes países buscavam inspiração na
música popular, criando seus experimentos artísticos a partir dela. São exemplos disso as
obras impressionistas de Manuel de Falla, inspiradas no folclore andaluz; as composições
de Béla Bartók, baseadas em canções populares da Hungria, que ultrapassam “o sistema
Maior/menor, descobrindo novos ritmos, melodias, timbres”; as harmonias politonais de
Darius Milhaud, influenciadas “pelo folclore brasileiro, norte-americano (jazz), da região
da Provença e judaico” (CONTIER, 1995, p.78).
Quando a obra foi publicada, Mário de Andrade já tinha percorrido por terra as
cidades coloniais mineiras, em 1924, e de barco os estados do Pará e Amazonas, em 1927.

39
Nessas viagens de pesquisa, ele observou, sobretudo, as marcas do passado nesses espaços,
as culturas populares locais e a vida das populações marginalizadas. Essas experiências o
levaram a concluir que “a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente
nacional, mais forte criação da nossa raça até agora” e que “o compositor brasileiro tem
de se basear quer como documentação quer como inspiração no folclore” (ANDRADE,
1962 [1928], p.24 e 29).
No início do Ensaio, ele afirma que o Brasil se constituiu como Estado antes de
formar uma comunidade nacional e que essa circunstância se reflete na música erudita,
que “até ha pouco [...] viveu divorciada da nossa entidade racial” (ANDRADE, 1962
[1928], p.13). Como explica Contier (1994),

Para Mário de Andrade, o 7 de setembro de 1822 representou um golpe


instaurado pelas elites contra o “povo”. E, por esse motivo, o romantismo
musical internalizado nas “falas” desse povo foi cercado pela elite intelectual,
presa à imitação de “modelos europeus”. Mário acreditava que o romantismo,
preso a um “inconsciente coletivo”, representava, nas décadas de 1820 e 30,
uma revolta contra o artificialismo das concepções estéticas das elites do
Império. E, paradoxalmente, devido à criação de um Estado como uma figura
de ficção, manteve-se o silêncio desse povo até o momento da implosão do
projeto republicano e darwinista, defendido pelos intelectuais da Belle Époque
carioca (CONTIER, 1994, p.36).

Partindo das mesmas premissas que expôs na entrevista ao jornal A Noite, em


dezembro 1925, Mário de Andrade sustenta que “o período atual do Brasil, especialmente
nas artes, é o de nacionalisação. Estamos procurando conformar a produção humana do
país com a realidade nacional” (ANDRADE, 1962 [1928], p.18). E critica compositores
indiferentes ou contrários a essa orientação, alegando que “um artista brasileiro
escrevendo agora em texto alemão sobre assunto chinês, música da tal chamada de
universal [...] não só a obra não é brasileira como é antinacional. E socialmente o autor
dela deixa de nos interessar” (ANDRADE, 1962 [1928], p.17).
Ele idealizou essa “escola musical brasileira” como resultado do mesmo processo
que supunha ter ocorrido com a língua italiana – utilizada pelos trovadores e pela escola
siciliana, mas só se tornaria uma língua “culta” com a consagração da obra de Dante.
Embora fosse “a mais forte criação da nossa raça até agora”, o folclore musical brasileiro
era difundido apenas entre as populações rurais. Para ser “tradicionalizada” em todas as
camadas da sociedade, a música popular deveria ser elaborada e difundida na forma erudita.

40
Mário de Andrade analisava a produção musical com base na divisão entre erudito
e popular, como era comum na época, atribuindo a artistas e intelectuais a responsabilidade
de desvendar a alma brasileira. Ao defender o uso da música folclórica como base para a
criação erudita, ele argumentava que as obras resultantes seriam representativas do
“caráter nacional” pela própria natureza de suas fontes de inspiração.

Por mais distintos que sejam os documentos regionais, eles manifestam aquele
imperativo etnico pelo qual são facilmente reconhecidos por nós. [...] Alem de
possuírem pois a originalidade, que os diferença dos estranhos, possuem a
totalidade racial e são todos patricios. (ANDRADE, 1962 [1928], p.24).

A proposta era produzir aquilo que Jardim (1983) chama de “retratos do Brasil”,
criações artísticas que sintetizam o “caráter nacional” ao expressar a realidade sociocultural
complexa e multifacetada do país. As obras baseadas nessa orientação seriam capazes de
apreender a “entidade nacional como uma parte distinta das outras partes componentes do
concerto internacional e como uma realidade que se apresenta como uma totalidade”
(JARDIM, 1983, p.66). A analítica da brasilidade aparece aqui de forma implícita, como
uma teoria do conhecimento que torna possível apreender a “entidade nacional” através
da arte (JARDIM, 1983, p.68).
Foi esse sentido de missão que levou Mário de Andrade a aceitar, depois de muita
hesitação (DUARTE, 1985, p.6), a sua nomeação como diretor da primeira instituição
pública de cultura do país, a qual ajudou a planejar. Mas antes de tratar da relação entre o
projeto de construção da brasilidade e a militância institucional de seu criador, é preciso
contextualizar a passagem de Mário de Andrade pela política. Para isso, convém lembrar
a recomendação de Miceli (1989) no sentido de “situar os experimentos institucionais,
seus mentores e executantes, em meio a alianças de que se valeram para implementá-los”,
evitando interpretações baseadas no mito de origem registrado em seus programas de
lançamento e nos discursos de seus e idealizadores (MICELI, 1989, p.71).
Na história intelectual brasileira, a década de 1930 aparece como momento de
profissionalização dos intelectuais, grupo que assumiu um papel cada vez mais importante
na definição das políticas governamentais. É nesse período que

eles passam sistematicamente a direcionar a sua atuação para o âmbito do


Estado, tendendo a identificá-lo como a representação superior da ideia de
nação. Percebendo a sociedade civil como corpo conflituoso, indefeso e

41
fragmentado, os intelectuais corporificam no Estado a ideia de ordem,
organização, unidade. Assim, ele é o “cérebro” capaz de coordenar e fazer
funcionar harmonicamente todo o organismo social (VELLOSO, 2002, p.148).

A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, provocou uma mudança no perfil


das classes dirigentes, abrindo espaço para a atuação política de setores das elites que
eram excluídos pelas oligarquias. As reformas realizadas ao longo dessa década foram
marcadas, entre outras coisas, pela ampliação da malha burocrática, a intervenção do
Estado em setores antes ignorados pela administração pública e a multiplicação de
instituições especializadas – o que Antonio Candido chamou de “era das siglas” (MICELI,
2001, p.74).
Em 1932, a oligarquia cafeeira de São Paulo – que foi o grupo político mais poderoso
e economicamente influente do país durante a Primeira República – se uniu aos seus antigos
adversários do Partido Democrático15 (PD), na tentativa de recuperar o protagonismo
político perdido, mas acabou derrotada pela segunda vez. O acordo estabelecido com o
Governo Federal após a rendição dos paulistas, levou ao Executivo Estadual um representante
da elite industrial paulistana, o empresário Armando de Salles Oliveira. Sua gestão
representou na administração pública local uma mudança de paradigma equivalente
àquela promovida por Vargas no nível federal.
O novo interventor nomeou para a Prefeitura da capital o empresário Fábio da
Silva Prado, que seguiu na administração municipal a mesma orientação que o Governo
Estadual. E criou a Universidade de São Paulo (USP) a partir do projeto idealizado na
década anterior por seu cunhado, Júlio de Mesquita Filho, que era diretor e proprietário
do jornal O Estado de São Paulo. Com a aprovação da Constituição de 1934 e a vitória
da situação na eleição estadual de 1935, Armando de Salles Oliveira começou a planejar
sua candidatura para a eleição presidencial prevista para outubro de 1938.

15 A oposição a Vargas “em São Paulo era baseada em arraigado antagonismo regional, que
qualquer governo federal forte estava destinado a exacerbar. O Estado e a cidade de São Paulo
tinham um tal complexo de superioridade em relação ao resto do Brasil que um movimento de
oposição ao governo federal poderia ganhar muitos adeptos que nada tinham em comum, além
da sua apaixonada qualificação como paulistas” (SKIDMORE, 1979, p.36-37). Os democratas
tinham apoiado a candidatura de Vargas em 1930 e esperavam ser nomeados para o Governo
Estadual e a Prefeitura da capital. Como isso não ocorreu, devido à oposição dos tenentes, o
PD, que representava as classes médias urbanas, se uniu ao Partido Republicano Paulista
(PRP), que era o reduto político da oligarquia cafeeira, numa tentativa de contragolpe.

42
A cidade de São Paulo passou a ser encarada como um “microcosmo do nacional”
(RAFFAINI, 2001, p.81), uma vitrine capaz de mostrar ao país o êxito do modelo de
gestão pública implementado pela elite empresarial paulista. Como explica Miceli (2001),

A nova coalizão de forças à frente do estado procura, de um lado, guardar


distância em relação aos antigos grupos dirigentes e, de outro, imprimir suas
marcas em todos os domínios de atividade ligados ao trabalho de dominação,
em especial nos diversos níveis do sistema de ensino e no campo da produção
e difusão cultural (MICELI, 2001, p.78).

A aposta na racionalização administrativa e na superioridade intelectual era, ao


mesmo tempo, uma característica desse projeto de modernização e uma tentativa de retomar
o protagonismo paulista na política nacional. Transformar a cultura em objeto de políticas
públicas era uma estratégia para atenuar os conflitos sociais que sacudiam a cidade desde
a histórica greve de 1917. A intervenção governamental no âmbito da cultura permitia
deslocar para o plano ideológico o combate à crescente organização política da classe
trabalhadora urbana.
Esse foi o contexto que possibilitou a criação, em maio de 1935, do Departamento
de Cultura (DC) da cidade de São Paulo, que foi “a primeira experiência efetiva de gestão
pública implementada no país no campo da cultura” (CALABRE, 2009, p.18). O projeto
original, idealizado por Mário de Andrade e Paulo Duarte – que era chefe de gabinete do
prefeito – foi efetivado “aos poucos, de maneira a verificar-se a possibilidade ou não de
sua realização completa” (PRADO, 1936, p.45). A experiência da instituição seria a base
para a primeira iniciativa federal do gênero, o Instituto Brasileiro de Cultura, após a
esperada vitória de Armando de Salles Oliveira na eleição de 1938.
O DC foi criado como parte dessa estratégia, mas seus dirigentes estavam mais
interessados em transformar a sociedade através das políticas culturais e encontraram na
receptividade da elite empresarial uma janela de oportunidade. A direção da instituição
foi entregue a Mário de Andrade e a chefia dos principais setores internos, a figuras que
tinham participado da Semana de Arte Moderna. Essa característica fez da instituição um
desdobramento do modernismo artístico e literário da década de 1920 e, particularmente,
dos projetos artísticos e intelectuais do grupo ligado a Mário de Andrade e Paulo Duarte.
A Divisão de Documentação Histórica e Social, chefiada por Sérgio Milliet, era
responsável por restaurar e transcrever documentos sobre a história da capital paulista e
pela realização do censo municipal, produzindo estatísticas demográficas e pesquisas de
43
Sociologia Aplicada. A Divisão de Bibliotecas, dirigida por Rubens Borba de Moraes,
criou uma rede de bibliotecas públicas que abrangia diversas áreas da cidade, completada
por bibliotecas volantes nas praças públicas – o que contribuiu para que a população pobre
tivesse acesso à leitura – e adquiriu diversas coleções de brasilianas. A Divisão de Educação
e Recreios, dirigida por Nicanor Miranda, criou uma rede de Parques Infantis, oferecendo
alimentação, atividades educativas e acompanhamento médico a crianças da classe
trabalhadora.

Figura 1 – Sede do Departamento de Cultura

Prédio anexo à direita do Mercado Municipal de São Paulo. No prefácio à


sua correspondência com Mário de Andrade, Oneyda Alvarenga informa
que ali funcionavam a Direção do DC, a Discoteca Pública e a Divisão de
Documentação Histórica e Social (fotografia minha, de 05 de maio de 2013).

Mário de Andrade acumulava os cargos de diretor geral da instituição e chefe da


Divisão de Expansão Cultural, que traduziu em políticas públicas o seu projeto de construção
da brasilidade. A Divisão criou uma orquestra, dois conjuntos camerísticos e um coral,
fundou a Discoteca Pública Municipal (DP), que reunia em seu acervo partituras e discos
importados, e incluiu na programação do Teatro Municipal uma série de concertos gratuitos
para a classe trabalhadora. Os concertos eram antecedidos por preleções didáticas do
próprio Mário de Andrade e visavam difundir a música erudita brasileira, privilegiando

44
compositores16 engajados no projeto defendido por Mário de Andrade no Ensaio sobre a
música brasileira.
A Divisão de Expansão Cultural custeou as primeiras pesquisas realizadas no Brasil
por Claude Lévi-Strauss (USP) e ofereceu um curso de Etnografia e Folclore, ministrado
pela antropóloga Diná [Dreyfus] Lévi-Strauss, que era sua esposa. Posteriormente, criou
a Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF), iniciativa pioneira no país, reunindo os
pesquisadores formados no curso, e realizou a Missão de Pesquisas Folclóricas (MPF),17
que foi responsável pelo primeiro registro audiovisual de diversas manifestações de
cultura popular (MONTEIRO, 2014). Foi também o setor responsável pela organização do
Congresso da Língua Nacional Cantada.
As realizações da divisão demonstram que Mário de Andrade não encarava a cultura
apenas como expressão de um modo de vida coletivo, mas também como forma de conciliar
interesses políticos divergentes e como instrumento de transformação das relações sociais
(SILVEIRA, 2009, p.42). A ideia de “expansão cultural” remete a uma concepção de
cultura como “atividades do espírito”, que engloba “filosofia, ciência, moral, religião, mas
sobretudo literatura e arte” (TRAVASSOS: 1997, p.18). E considera o público alvo das
políticas culturais desprovido de algo que se pode adquirir ou perder em função das
circunstâncias e cuja distribuição seria uma responsabilidade dos intelectuais e artistas.
O empenho de Mário de Andrade na organização do Congresso da Língua Nacional
Cantada e na elaboração do anteprojeto de língua padrão discutido no evento, evidenciam
a relevância da política de língua no seu projeto de construção da brasilidade e na agenda
institucional do DC. Pinto (1990) destaca que, entre os papéis reunidos para a composição
da Gramatiquinha da fala brasileira, havia uma cópia datilografada do artigo que ele
publicou no jornal literário carioca Dom Casmurro, em agosto de 1937, com a avaliação
dos resultados do Congresso da Língua Nacional Cantada. A inclusão desse texto mostra
que o evento foi um desdobramento não apenas do seu projeto de nacionalização da música,
mas também do engajamento do autor no debate sobre a autonomia da variedade brasileira.
Mas os planos dos dirigentes do DC foram frustrados pelo autogolpe que Getúlio
Vargas deu em novembro de 1937. Sob a ditadura do Estado Novo, as câmaras legislativas

16 Mário de Andrade menciona obras de Heitor Villa-Lobos, Luciano Gallet, Lorenzo Fernandez
e Mozart Camargo Guarnieri como exemplos de uso adequado de fontes populares na criação
erudita (ANDRADE, 1962 [1928]).
17 A expedição foi liderada por Luiz Saia, pesquisador formado no Curso de Etnografia e Folclore,

e percorreu as cidades visitadas por Mário de Andrade em sua viagem etnográfica pelo Nordeste.

45
de todo o país foram fechadas, os governadores eleitos foram substituídos por interventores
federais e a eleição presidencial prevista para o ano seguinte foi suspensa. Em São Paulo,
o Governo Estadual foi entregue ao médico Adhemar de Barros, candidato do Partido
Republicano Paulista que perdeu a eleição para Armando de Salles Oliveira em 1935. O
interventor nomeou como prefeito da capital o engenheiro Francisco Prestes Maia, que
priorizou a implantação do seu “Plano de Avenidas” e avisou que faria uma administração
“única e exclusivamente técnica, sem quaisquer outras considerações”.
A nomeação dos adversários políticos da elite empresarial deu visibilidade aos
críticos do DC, que passaram a levantar suspeitas sobre o uso das verbas municipais na
administração anterior. Mário de Andrade foi exonerado da direção do DC, mas continuou
como chefe da Divisão de Expansão Cultural até o retorno da MPF, em maio de 1938.
As auditorias a respeito de sua gestão não encontraram qualquer irregularidade, mas a
campanha de difamação promovida na imprensa local o fez partir para o Rio de Janeiro, onde
lecionou na Universidade do Distrito Federal (UDF) e foi nomeado como superintendente
paulista do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – instituição
federal idealizada por ele quando ainda era diretor do DC.

46
1.2 O congresso e suas fontes

O interesse pelos congressos tanto na história da Linguística quanto na história das


ciências em geral não se deve apenas à produção apresentada ou ao reconhecimento de
um legado pela posteridade. Sua existência, por si só, já é suficiente para validá-los como
objeto da investigação historiográfica, à medida que eventos dessa natureza resultam do
esforço para formar uma comunidade científica. Isso independe do êxito relativo dessas
iniciativas ou daquilo que passaram a representar aos olhos da ciência atual.
Foi no século XIX que a ciência assumiu a forma que tem hoje graças à
conjugação de três fatores que se reforçavam mutuamente. A pesquisa passou a receber
financiamento regular, a ser realizada dentro de instituições e se tornou um trabalho
coletivo. As diferentes áreas do saber se organizaram como disciplinas, estabelecendo
rotinas de trabalho bem definidas e programas de formação cada vez mais homogêneos.
Com isso, a investigação científica e a formação de novos pesquisadores passaram a ocorrer
de maneira integrada.
A ciência se tornou uma atividade para equipes treinadas, e não mais uma proeza
de indivíduos talentosos que atuam de forma independente. A institucionalização da
pesquisa e a disciplinarização dos saberes permitiram uma ampliação gradual da produção
científica. O avanço contínuo desse processo levou a uma crescente especialização do
conhecimento produzido, dando origem a linhas de pesquisa que depois se emanciparam
como disciplinas autônomas, engendrando novas linhas de pesquisa, e assim por diante.
Houve também uma mudança proporcional nos meios e nas formas de comunicação
científica. As publicações se especializaram, como o próprio conhecimento, se multiplicando
em quantidade e variedade, e passaram a cruzar regularmente fronteiras linguísticas e
nacionais. O mesmo artigo podia interessar a equipes de diversos países, que investigavam
diferentes aspectos de um determinado fenômeno. Essa rede de pesquisadores espalhados
pelo mundo e unidos pela dedicação a uma especialidade comum é o que se convencionou
chamar de comunidade científica.
Comunidades científicas são coletivos menos visíveis em comparação com as
comunidades de âmbito local. Como se constituíram de maneiras particulares e em ritmos
diferentes em cada contexto nacional, em alguns casos essas redes se articularam primeiro
em escala global para depois se expandir dentro de cada país. No final do século XIX, os
coletivos científicos ganharam contornos bem definidos ao se reunir, de tempos em tempos,
em congressos internacionais.

47
Nesses eventos eram estabelecidos os princípios e protocolos que deveriam
orientar a produção e a circulação das ideias no interior das respectivas comunidades
científicas. A padronização da percepção e da conduta individual visava garantir que cada
pesquisador investigasse os fenômenos da mesma forma, com base em métodos,
procedimentos e instrumentos de observação aprovados pelo coletivo e acessíveis a todos
os seus membros. Houve também uma crescente necessidade de padronizar a comunicação
científica para assegurar que a exposição dos resultados seguisse critérios homogêneos,
evitando a interferência da opinião pessoal e de fatores culturais.
Esse processo ocorreu de maneira mais evidente nas ciências naturais, mas
impactou de algum modo todos os campos de produção intelectual com pretensões
científicas. Uma busca no Google e no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional por títulos de congressos18 realizados no Brasil entre o final do século XIX e o
início do século XX mostra que os pioneiros do gênero no país foram o Primeiro
Congresso de Instrução Pública (1883) e o Primeiro Congresso Brasileiro de Medicina e
Cirurgia (1888), ambos realizados no Rio de Janeiro.
Embora eventos com esse título tenham surgido em diversas áreas, sobretudo nas
primeiras décadas do século XX, poucos tiveram continuidade.19 No recorte considerado
aqui, designações similares são atribuídas a iniciativas de diferentes tipos. Há casos em
que o título indica a forma ou o grau de institucionalização da atividade em questão. Eventos
cujos participantes eram associados a uma profissão técnica parecem enfatizar mais as
questões práticas da atividade e os interesses da categoria. São exemplos disso o Primeiro
Congresso Brasileiro de Jornalistas (1918) e o Primeiro Congresso Brasileiro de Bancários
(1939).
Há ainda aqueles cujo título remetia a um tema de interesse para diferentes setores
da sociedade, incluso o Estado, indicando a diversidade de perspectivas dos participantes.
Esse parecia ser o caso do Primeiro Congresso Nacional de Agricultura (1901), do Primeiro
Congresso Nacional de Estradas de Rodagem (1916), do Primeiro Congresso Brasileiro
de Carvão e outros Combustíveis Nacionais (1922), do Primeiro Congresso Brasileiro de

18 A busca se baseou nas expressões “Primeiro Congresso”, “Primeiro Congresso Brasileiro” e


“Primeiro Congresso Nacional” e testou as variações “Primeiro Encontro”, “Primeiro Colóquio”,
“Primeiro Simpósio” e “Primeira Conferência”, incluindo diferentes grafias para o numeral, como
“I”, “1º”, “1o.” e a abreviação “Prim.”.
19 Entre as exceções, se destacam o “Congresso Brasileiro de Geographia” e o “Congresso

Brasileiro de Hygiene”.

48
Proteção à Infância (1922) e de congressos relacionados a educação – que reuniam desde
gestores públicos do setor até representantes da Igreja Católica.
Os resultados da busca mostram uma profusão de eventos de nível regional ou
nacional relacionados ao ensino e à instrução pública durante as três primeiras décadas
do século XX. A diversidade dos títulos atribuídos a essas iniciativas reflete tanto a sua
dispersão quanto a dificuldade encontrada para lhes dar continuidade. Esse cenário só se
modificou com a criação da Associação Brasileira de Educação, em 1924, e a organização
das Conferências Nacionais de Educação, que continuaram a ocorrer até a década de 1950.
Os dados levantados possibilitam mapear as formas de nomeação mais comuns
em eventos desse gênero, como indica o esquema abaixo.

Tabela 1 – Designação dos congressos


relação com tipo de abrangência princípio
conectivo
outros eventos evento do evento organizador
categoria
1° Brasileiro
profissional
tema, objeto
II Congresso Nacional de
ou problema
atividade ou
Terceiro Paulista
área do saber

Alguns títulos não informam a relação com outros eventos e a abrangência da


iniciativa, mas todos os casos incluem o tipo de evento e o princípio organizador. Embora
haja flutuações de designação,20 os títulos desses congressos podem indicar características
específicas do processo de institucionalização em curso. O preenchimento da primeira
variável (relação com outros eventos) fala sobre a continuidade das iniciativas. A terceira
variável (abrangência do evento) indica a extensão do coletivo representado, que pode ter
alcance regional ou nacional.
O preenchimento da quinta variável (princípio organizador) indica a natureza de
cada congresso e o tipo de institucionalização ou especialização que o motivou. Eventos
relacionados a uma categoria profissional – como bancários ou jornalistas – correspondem
à formação de entidades como associações e sindicatos. Congressos associados a um
tema, objeto ou problema – como regionalismo, câncer e a língua nacional cantada –
delimitam um campo de estudos capaz de mobilizar diferentes especialidades. Eventos
relacionados a uma atividade que corresponde a uma área do saber – como oftalmologia

20Por exemplo, a referência ao mesmo evento como Primeiro Congresso Brasileiro de Contabilidade
(Hemeroteca Digital) e Primeiro Congresso Brasileiro de Contabilistas (Google).

49
ou serviço social – indicam a constituição ou o esforço para constituir um coletivo de
especialistas.
Na época, não era raro que os congressos tivessem ao mesmo tempo um caráter
político e científico. Parte considerável das pesquisas desenvolvidas em áreas como
medicina e educação investigavam problemas enfrentados pelas autoridades públicas
desses setores. Nesses casos, o conhecimento produzido encontrava nas iniciativas
governamentais um dos principais horizontes de aplicação. Esse foi, sem dúvidas, o caso
do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, uma inciativa de caráter político,
artístico e científico.
A natureza híbrida do evento transparece já na sua divulgação, iniciada cinco
meses antes. O convite oficial, com informações sobre seu escopo e a sua programação,
foi enviado a sociedades literárias e científicas, sobretudo as Academias de Letras e os
Institutos Históricos e Geográficos, às secretarias de educação dos estados, às instituições
de ensino e aos intelectuais e artistas escolhidos pela organização. O congresso iria ocorrer
nas dependências do CDM, mas foi transferido para o Teatro Municipal de São Paulo
devido ao número de inscrições, que superou a expectativa inicial (PEREIRA, 2006,
p.115).
O DC patrocinou inserções em jornais de todo o país e continuou a dar notícias
sobre os preparativos do evento, reforçando a mensagem inicial e mantendo o assunto em
evidência. Foram mais de 60 publicações em jornais e revistas de diferentes estados21
apenas nas cinco semanas que antecederam o evento. As notícias e entrevistas a respeito
anunciavam as inscrições, as áreas do saber mobilizadas, as temáticas e as abordagens
privilegiadas, as instituições representadas, as figuras ilustres que já tinham confirmado
presença, os temas dos trabalhos recebidos, a qualidade da programação artística e
cultural e o caráter nacionalista do evento.
O objetivo era “cuidar dos problemas technicos, estheticos e historicos da lingua
falada no Brasil e, principalmente, do canto” (Diário Carioca, 02/04/1937, p.2). Um mês
antes, a organização adiantou que “diversos intellectuaes, homens de letras, professores,
philologos e artistas de valor, de quasi todos os Estados, já deram sua adhesão, enviando
suas theses e prometendo seu comparecimento aos debates” (Correio Paulistano,
12/06/1937, p.7). No dia da abertura, o DC destacou o “interesse despertado” pelo evento,

21A busca na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional indica que no período de 01 de junho a
07 de julho foram publicadas matérias a respeito no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,
Paraná, Santa Catarina e Maranhão.

50
que recebeu “farta contribuição de todos os meios culturais do país [...] pelos seus nomes
mais destacados” (O Estado de São Paulo, 07/07/1937, p.8). Foi uma verdadeira
campanha publicitária planejada para criar expectativa nos leitores.
Nos dias em que ocorreu, o evento foi noticiado em pelo menos 14 veículos de
imprensa e contou com matérias a respeito no Jornal do Commercio, no Correio da
Manhã e com cobertura diária em O Estado de São Paulo. Em sua coluna mensal no
Jornal do Commercio, o crítico musical Andrade Muricy reproduziu o discurso proferido
por Mário de Andrade na cerimônia de abertura e a primeira parte do anteprojeto de língua
padrão (Jornal do Commercio, 14/07/1937, p.2). Pelo menos 2 dos trabalhos apresentados
foram reproduzidos pela imprensa antes do término do evento, ampliando o alcance dos
debates realizados.22
Na imprensa também havia espaço para críticas, que foram veiculadas antes,
durante e depois do Congresso da Língua Nacional Cantada. Um artigo assinado por
“João da Ega”, publicado “a pedidos” no Correio de São Paulo, censurava o DC por
tentar tornar a música erudita mais acessível a um público que não frequentava concertos,
o que seria desperdiçar verba pública com extravagâncias. Para o articulista, o evento
estava condenado ao fracasso, porque pretendia criar um padrão de pronúncia, “coisa que
não se consegue por decreto [...] e num paiz onde nem existe uniformidade orthographial”
(Correio de São Paulo, 10/06/1937, p.14).
Outro artigo, publicado no Correio Paulistano e assinado por “Manoel Osório
(Prof. de Philosophia e Sociologia)”, contestava a escolha da fala carioca “sem direito de
defesa dos outros Estados” (Correio Paulistano, 11/07/1937, p.21) e a proposta de
padronizar a pronúncia, dada a situação em que se encontrava a língua falada no Brasil.
Uma terceira publicação, de autoria não identificada, criticava a Prefeitura de São Paulo
por financiar um evento que promove a pronúncia carioca – e não a paulistana – e por
extrapolar a sua competência ao propor uma política nacional (Correio Paulistano,
16/07/1937, p.5).
Entre os congressistas, havia estudiosos de língua e de música, professores do
ensino secundário, normal e superior, jornalistas, críticos literários e musicais, poetas,
escritores, musicistas, cantores, compositores, dramaturgos, atores e diretores teatrais.
Essa rede de colaboradores conectava ao projeto de padronização linguística não só os

22 “Importância da unidade ortoépica da língua nacional e como assegurá-la em face das


dialetações regionais”, de Jeronimo Gueiros (Diário de Pernambuco, 20-07-1937, p.8 e 03-08-
1937, p.5) e “Algumas “notas” para o Congresso da Língua Nacional Cantada”, de João Itiberê
da Cunha (Correio da Manhã,11-07-1937, p.6).

51
presentes à ocasião, mas também as entidades a que pertenciam. A mobilização de
indivíduos e instituições de diferentes estados brasileiros visava tornar a pronúncia padrão
um tema de interesse nacional, e não apenas um projeto do DC, para motivar a sua adoção
em todo o país.
Compareceram ao evento o jornalista Júlio de Mesquita Filho (O Estado de São
Paulo), os cientistas sociais Josué de Castro (UDF), Fernando de Azevedo, Claude Lévi-
Strauss (USP) e Diná [Dreyfus] Lévi-Strauss (SEF); os filólogos Antenor Nascentes
(Colégio Pedro II), Renato Mendonça (Colégio Pedro II e Ministério das Relações
Exteriores), Cândido Jucá Filho (Instituto de Educação do Distrito Federal e Academia
Carioca de Letras), José Oiticica (UDF) e Francisco Rebelo Gonçalves (USP); os poetas
Guilherme de Almeida (ABL), Manuel Bandeira (Inspetoria Federal de Ensino do
Ministério da Educação e Saúde Pública) e Cecília Meireles (UDF).
Entre os especialistas em música, estavam presentes os professores Luiz Heitor
Correia de Azevedo, Octávio Bevilacqua, Guilherme Fontainha (Escola Nacional de
Música), Antônio Sá Pereira (Escola Nacional de Música e Conservatório Brasileiro de
Música), Carlos Alberto Gomes Cardim e Francisco Casabona (CDM), Oneyda
Alvarenga (DC), Maria Helena Coelho (Instituto Carlos Gomes – Pará), Ernani Braga
(Conservatório Pernambucano de Música), Andrade Muricy (UDF); os compositores
Francisco Mignone (Escola Nacional de Música) e Mozart Camargo Guarnieri (DC).
Na lista dos que assinaram a ata de abertura, constam 66 nomes, dos quais 42
homens e 24 mulheres. Mais da metade desse contingente era composta por profissionais
ligados à música erudita, que atuavam como professores ou intérpretes. Mas nem todos
aqueles que acompanharam o evento aparecem nessa lista. Pelo que indicam as fontes,
havia três modalidades de participação: congressistas convidados, participantes que
enviaram seus trabalhos e ouvintes, que apenas assistiam ao evento. Apenas os
congressistas convidados assinaram a lista de presença no término da sessão inaugural.
No dia da abertura, a organização do evento mencionou na imprensa os nomes
três estudiosos cujos nomes não aparecem nos registros oficiais: “Já nos scientificaram
de sua adhesão, presença e apresentação de theses, grandes philologos como os professores
Souza da Silveira, Antenor Nascentes, Valdomiro Silveira, Alarico Silveira” (Jornal do
Commercio, 07/07/1937, p.4). Um caso semelhante noticiado nos jornais da época foi a
ida a São Paulo do maestro Pedro Jatobá (Jornal do Commercio, 05/07/1937, p.3), que
era professor da Escola Normal de Música de Salvador, e seu retorno na semana seguinte,

52
acompanhado do relato sobre os debates ocorridos (Diário Carioca, 17/07/1937, p.22).
O maestro teve a comunicação publicada, mas sua presença não foi mencionada nos anais.
O Congresso da Língua Nacional Cantada contou com uma extensa programação
artística e cultural, que incluía 3 concertos, 2 encenações e uma exposição sobre a história
da música erudita brasileira, composta por documentos do Instituto Nacional de Música23
e de outros acervos. Os espetáculos, realizados quase sempre à noite, foram planejados
como uma demonstração prática do efeito produzido pela padronização da pronúncia no
teatro e no canto lírico. Como explicou Mário de Andrade,

O Departamento de Cultura apresentará o ante-projecto das normas de


pronuncia do canto em lingua nacional. Para isso, convocou os seus technicos
de fonética e de canto, que estão no momento discutindo a redacção final do
anteprojecto a apresentar e que o Departamento defenderá no plenário. [...]
Alem da defesa theorica, fará a defesa pratica, por meio de três ou quatro
grandes concertos vocaes que se realizarão, todos, durante a semana do
Congresso, e que seguirão as normas propostas pelo ante-projecto (A Nação,
17/06/1937, p.3; Jornal do Commercio, 07/07/1937, p.4).

Na cerimônia de abertura, foram executados o Hino Nacional, uma série com


canções populares arranjadas para voz e piano, a “Cantata nº.106 (Actus Tragicus), de
João Sebastião Bach, traduzida para a língua nacional” (Jornal do Commercio,
03/04/1937, p.13) e o Concerto nº.1 para piano e orquestra, de Camargo Guarnieri.
Durante o evento, foram apresentadas a comédia “O Rei do Câmbio”, de José Carlos
Lisboa e canções para coral ou para voz e piano compostas por Francisco Mignone,
Camargo Guarnieri, Ernani Braga (presentes no evento), Lorenzo Fernandes, Luciano
Gallet, Francisco Braga e Carlos Gomes.
A programação cultural contou ainda com a representação de uma Marujada ou
Chegança de Marujos do Rio Grande do Norte, manifestação que Mário de Andrade
classificava como “dança dramática”. A encenação foi feita pelas crianças atendidas nos
Parques Infantis e era um exemplo da política de assimilação dos imigrantes estrangeiros e
seus descendentes promovida pelo DC. Nos anais, Mário de Andrade esclarece ser uma
atividade de “recreação educativa”, que não teria “como objetivo a retradicionalização

23“A principal contribuição será do Ministério da Educação. O Sr. Ministro Gustavo Capanema
permitiu a ida a São Pauto dos documentos e peças conservadas no Instituto Nacional de
Musica” (Jornal do Commercio, 07/07/1937, p.4).

53
folclórica do bailado – coisa contrariada, tida como artificial ou impossível por vários
tratadistas do assunto” (ANDRADE, 1938b, p.724).
As atividades do evento foram organizadas em três segmentos: sessões plenárias,
sessões científicas e apresentações artísticas. As sessões plenárias, que ocorriam às 14h e
davam início às atividades do dia, foram dedicadas à discussão do anteprojeto de língua
padrão elaborado pelo diretor do DC. Nas sessões de filologia e de musicologia, também
referidas como sessão linguística e sessão musicológica, foram apresentadas as comunicações
enviadas à organização. A comissão científica de filologia era composta por Antenor
Nascentes, Renato Mendonça, Candido Jucá Filho, Plínio Ayrosa e Manuel Bandeira.
Cada trabalho foi apresentado pelo próprio autor ou por um membro da respectiva
comissão científica. Feita a exposição, o responsável dava seu parecer, opinando sobre a
publicação nos anais, e passava-se à comunicação seguinte. Muitos trabalhos foram
apresentados de forma resumida pelo parecerista responsável; alguns foram aceitos, mas
não chegaram a ser apresentados nem foram publicados nos anais. O relatório da sessão
de filologia menciona o texto “do sr. Drummond Navarro, [que] pela sua feição literária
e humorística, foi [...] deixado á disposição dos Congressistas para ulterior leitura”
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.22).
Há também a “contribuição interessante [...] do escriptor Albino Esteves, da
Academia Mineira de Letras, intitulada “Arvore Literaria”, em que se tenta uma
classificação geral das obras literarias e de canto, incluidas as formas e generos
folkloricos do Brasil” (Correio Paulistano, 29/06/1937, p.13; Correio de São Paulo,
30/06/1937, p.6; Jornal do Commercio, 07/07/1937, p.4). E a “these do prof. Romualdo
Suriani, de Curityba, sobre a necessidade dum “Diccionario de Ortographia Brasileira”,
com as modificações phoneticas da lingua nacional” (Correio Paulistano, 02/07/1937,
p.11). Esses dois trabalhos e seus autores não foram sequer mencionados nos anais.
Além das sessões de filologia e musicologia, ocorreram três sessões extraordinárias,
que também foram dedicadas a comunicações científicas. Na primeira, foi apresentado o
trabalho “Vícios e defeitos na fala das crianças dos Parques Infantis de São Paulo”, de
Nicanor Miranda e João de Deus Bueno dos Reis, ambos funcionários do DC. A segunda,
que ocorreu no mesmo dia, foi uma conferência do professor José Oiticica (UDF), que
causou polêmica ao desqualificar a proposta de língua padrão apresentada pelo DC e o
trabalho dos congressistas que a apoiavam. A terceira ocorreu na noite do penúltimo dia e
foi dedicada à comunicação “Fonofotografia e fonética”, de João Léllis Cardoso (IDORT).

54
Tabela 2 – Cronograma das sessões

MANHÃ TARDE NOITE

1ª Sessão
7 DE JULHO
plenária
(quarta-feira)
(abertura)

1ª Sessão

8 DE JULHO linguística
Sessão
(quinta-feira) 1ª Sessão
plenária
musicológica
2ª Sessão

9 DE JULHO linguística
Sessão
(sexta-feira) 2ª Sessão
plenária
musicológica
3ª Sessão

10 DE JULHO linguística
Sessão
(sábado) 3ª Sessão
plenária
musicológica

11 DE JULHO 1ª Sessão 2ª Sessão


(domingo) extraordinária extraordinária

4ª Sessão

12 DE JULHO linguística
Sessão
(segunda-feira) 4ª Sessão
plenária
musicológica
5ª Sessão

13 DE JULHO linguística 3ª Sessão
Sessão
(terça-feira) 5ª Sessão extraordinária
plenária
musicológica


14 DE JULHO
Sessão
(quarta-feira)
plenária

A principal fonte sobre o evento são os Anais do Primeiro Congresso da Língua


Nacional Cantada. O volume de 786 páginas foi composto e impresso na gráfica da
Prefeitura de São Paulo no formato in-folio (Jornal do Commercio, 24/07/1938, p.8),
tamanho 22 x 32, e inclui tabelas, mapas, gravuras e mais de 20 fotografias. Entre as
gravuras, se destaca um desenho de Cândido Portinari (datado de 1937 e feito com
nanquim preto e vermelho24), que foi encomendado para estampar a “capa do programa
geral de trabalhos e festivais”.

24Cf. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra43801/capa-do-convite-do-congresso-
da-lingua-nacional-cantada. Acesso em: 26 de mar. 2021.

55
Figura 2 – Capa da programação do evento

“Capa do programa geral de trabalhos e festivais”


(ANAIS, 1938) – legenda original.

A imagem ilustra o tema do evento com um coro feminino interpretando uma peça
musical. As coristas estão viradas para a mesma direção e seus olhares convergem para o
lado esquerdo, onde aparece a borda de uma partitura. Além de todas terem cabelos pretos
e encaracolados, as cinco figuras com fisionomia mais bem definida apresentam traços
que lembram pinturas como Les Demoiselles d'Avignon (1907), de Pablo Picasso, em que
os rostos femininos são inspirados em máscaras africanas.25 O resultado soa como alegoria
daquilo que Mário de Andrade chamava de “entidade racial”, porque reúne, como elementos
da composição, língua (voz), música (partitura) e etnia (características físicas).
Essa interpretação é corroborada pelo papel que Mário de Andrade atribuía ao
coro em seu projeto de nacionalização da música. No Ensaio sobre a Música Brasileira,
ele se refere à prática do canto coral como uma atividade humanizadora, que se contrapõe
ao individualismo e às vaidades. E declara que “os nossos compositores deviam de insistir
no coral por causa do valor social que êle pode ter”, pois “o coro unanimisa os indivíduos”

25Sobre o uso de máscaras africanas na obra de Picasso, ver GINZBURG, Carlo. “Além do exotismo:
Picasso e Warburg”. In: Relações de força. História, retórica, prova. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

56
e “generalisa os sentimentos” (ANDRADE, 1962 [1928], p.64-65). Desta perspectiva, a
prática do canto coral proporcionaria um “benefício de ordem moral”, assim como a
padronização da grafia.
Também é possível interpretar essa imagem utilizada na capa do programa como
um símbolo da padronização linguística e cultural, conforme argumenta Serpa (2001).

Este desenho de Portinari mostra mulheres cantoras com o mesmo corte de


cabelo, penteado e adereço de cabeça, igualdade de traços fisionômicos,
mulheres esbeltas e trajadas de forma igual. Esta pintura de Portinari pode ser
interpretada como um logotipo nacionalista com a finalidade de divulgar a
padronização, a normatização de uma prática cultural com a intenção de plasmar
o imaginário ideal do “ser brasileiro”, através da arte (SERPA, 2001, p.71).

A parte textual do documento traz uma breve introdução seguida de quatro grandes
seções. A primeira seção, intitulada “Relatório e Moções”, traz a ata da sessão inaugural,
o resumo dos debates ocorridos nas sessões plenárias, uma lista com todas as moções
aprovadas na ocasião. A segunda, intitulada “Normas para a Bôa Pronúncia da Lingua
Nacional no Canto Erudito” (daqui por diante NBP), equivale à versão final do anteprojeto
e incorpora as modificações propostas e aprovadas pelos congressistas durante as sessões
plenárias. As normas foram publicadas de forma avulsa antes mesmo dos anais, como
separata da Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, publicação que funcionava, ao
mesmo tempo, como periódico científico do DC e Diário Oficial da Prefeitura.
A terceira sessão, que não tem título, corresponde a mais de ¾ do documento e
reúne os trabalhos selecionados para publicação dentre aqueles que foram enviados para
a organização. A quarta e última, também sem título, começa com a “Instalação Solene
do Congresso” e traz o discurso lido por Mário de Andrade na cerimônia de abertura, o
programa das apresentações musicais e teatrais realizadas durante o evento, o catálogo da
exposição sobre a história da música erudita no Brasil e as fotografias feitas durante essas
atividades.
Algo que chama a atenção desde o primeiro contato com a obra são as suas
características físicas. Antes de examinar em detalhe a brochura, verificando a quantidade
de páginas e as dimensões do corte, o leitor tem a experiência de segurar um calhamaço
com 4,5cm de espessura e quase 5 quilos. Essa primeira impressão retorna durante a leitura,
diante do esforço de detalhamento que caracteriza a parte textual do documento. Esse
esforço é notório, por exemplo, na introdução geral da publicação, que descreve o evento

57
em linhas gerais, e na introdução às NBP, que esclarece como essas normas foram
estabelecidas.
A primeira informa, entre outras coisas, que alguns dos trabalhos recebidos não
foram publicados nos anais “por escaparem aos assuntos a que o Congresso se destinava
ou por serem simples respostas aos questionários e coincidirem, por isso, com as Normas
discutidas e aprovadas em plenário” (ANAIS, 1938, p.3). A segunda lista as alterações
feitas no anteprojeto, indicando os números de página, informa os nomes26 que compunham
a comissão designada pelo DC para estabelecer a versão final das NBP e observa que,
nesse processo, foram necessárias algumas adaptações para “tornar a leitura isenta de
repetições e coerente, após os cortes e mudanças feitos” (NORMAS, 1938, p.52).
Esse esforço para criar um sentido de completude se revela também nos registros
sobre a programação artística e cultural. A parte final do documento traz 15 fotografias,
o programa completo das apresentações musicais e teatrais, textos explicativos a respeito
de cada uma delas e o catálogo da exposição sobre história da música erudita no Brasil,
com a descrição dos documentos expostos, indicando o acervo ou a coleção a que
pertencem. O aparato descritivo associado a cada uma dessas atividades não tinha apenas
finalidade informativa. Ele faz parte de uma estratégia que visava credibilizar o próprio
documento, no sentido da fidelidade aos fatos, sugerindo a transparência ou neutralidade
dos registros apresentados.
Os anais foram concebidos para divulgar o evento como uma realização do DC e
seus resultados como um produto da colaboração entre os congressistas. Essa estratégia
respondia tanto à demanda do Governo Estadual, ao expor os êxitos da administração
pública local como um modelo de gestão a ser adotado no âmbito federal, quanto aos
propósitos de Mário de Andrade, que preferia apresentar a pronúncia padrão como questão
de interesse nacional, e não como projeto do DC, incentivando a sua adoção em todo o
país. Embora arrefecida pelas consequências do golpe que instituiu o Estado Novo,
a publicação dos anais no ano seguinte, naquele volume imponente, foi o ato de
monumentalização que encerrou a campanha iniciada com a divulgação do evento em
março de 1937.

26“A elaboração definitiva destas NORMAS, de acordo com as decisões do CONGRESSO e


necessárias modificações ao ANTEPROJETO, foi feita por uma comissão de tres Congressistas
designados pelo Departamento de Cultura: o professor Antenor Nascentes, do Colégio Pedro II,
como representante da filologia; o professor Luís Heitor Correia de Azevedo, da Escola Nacional
de Música, como representante da musicologia; e o professor Mario de Andrade, como representante
do Departamento de Cultura” (NORMAS, 1938, p.52).

58
Neste sentido, os anais constituem uma fonte voluntária,27 ou seja, um documento
elaborado de forma deliberada como registro histórico. Essa constatação se apoia nas
características físicas da publicação, na forma como ela foi composta e também na sua
relação com o discurso da organização do evento. Apenas para citar um exemplo, na
cerimônia de abertura, Mário de Andrade declarou aos congressistas que o resultado desse
esforço coletivo os colocaria futuramente ao lado de nomes como Bartolomeu de
Gusmão, Carlos Gomes, Euclides da Cunha e Oswaldo Cruz, “que dão a verdadeira
significação histórica do Brasil” (ANDRADE, 1938a, p.708). O esforço descritivo
notório em diversas partes do documento sugere que sua publicação foi planejada para
ser o registro mais completo e fidedigno a respeito do evento.
De fato, não há como negar que os anais são, pela sua abrangência e pelo grau de
detalhamento dos registros que apresentam, a principal fonte a respeito do Congresso da
Língua Nacional Cantada. Mas é preciso reconhecer nessas características uma estratégia
discursiva que visava divulgar as ações do DC, credibilizar os artistas e intelectuais mais
diretamente engajados na iniciativa e incentivar a adesão a um projeto de padronização
linguística que, como veremos, não era consensual. Por isso, foi necessário recorrer a
fontes alternativas que registrassem o evento a partir de outras perspectivas, oferecendo
um panorama distinto daquele apresentado no discurso oficial.
Os relatos publicados na imprensa desempenharam essa função, indicando por
contraste as escolhas que moldam o texto aos interesses da organização. O Estado de São
Paulo foi a fonte jornalística mais produtiva, por ser a única a trazer em primeira mão28
registros de todas as sessões e resumos dos trabalhos apresentados. Esse veículo era uma
referência no meio intelectual por publicar artigos de intelectuais e cientistas sobre temas
bastante específicos e tinha uma seção29 dedicada a eventos, que cobria encontros científicos,
artísticos ou culturais realizados em São Paulo.
Por isso, embora Júlio de Mesquita Filho, que era diretor e proprietário do jornal,
fosse o “presidente dos trabalhos do Congresso”, os relatos publicados em O Estado de São
Paulo não são apenas uma extensão do discurso da organização do evento. Um exemplo

27 Para uma discussão sobre a intencionalidade dos registros históricos e a distinção entre fontes
voluntárias e involuntárias, ver Barros (2019).
28 As notícias sobre o evento publicadas no Jornal do Commercio se baseavam nos relatos de O

Estado de São Paulo. Essa constatação se apoia no cotejo dos textos e na comparação entre as
datas dessas publicações.
29 Por exemplo, a página 10 da edição de 14/07/1937 traz ao centro o relato do penúltimo dia do

Congresso da Língua Nacional Cantada, à direita notícias sobre a abertura da “Primeira Semana
Paulista de Medicina Legal” e à esquerda a divulgação da “Grande Exposição de São Paulo,
commemorativa do cincoentenario da immigração official”.

59
disso está nos registros da terceira sessão plenária, quando se reconheceu a insuficiência
dos meios disponíveis para descrição da fala e a necessidade de laboratórios de fonética.
Tanto o relato encontrado nos anais quanto aquele publicado em O Estado de São Paulo
destacam essa manifestação por parte dos congressistas, mas há uma diferença significativa
nos desdobramentos indicados em cada uma das fontes.
Os anais informam que “o Congresso da Lingua Nacional Cantada aprovou por
unanimidade um ardente voto para que o Governo da República e os Estaduais criem nos
seus institutos de cultura, gabinetes de fonética experimental” (RELATÓRIO E MOÇÕES,
1938, p.15). Já no relato publicado pelo jornal, Júlio de Mesquita Filho, que presidia a
sessão, “declara que o Departamento de Cultura estava na obrigação moral de estabelecer
esse laboratorio. O sr. Mario de Andrade justifica tal lacuna dizendo que não o installou
ainda por não ter encontrado o competente technico para dirigil-o” (O Estado de São Paulo,
10/07/1937, p.15).
Essa discrepância revela os aspectos privilegiados em cada registro, indicando os
efeitos de sentido que se pretendia produzir. O jornal destaca a exigência feita por seu
diretor e a justificativa apresentada por Mário de Andrade, projetando sobre si uma
imagem de independência editorial, senso crítico e compromisso com os interesses da
sociedade paulistana. Já a versão encontrada nos anais omite tanto o ultimato dirigido ao
DC quanto a resposta do seu diretor, que expôs uma tentativa fracassada de criar um
laboratório de fonética na instituição. Além disso, fala em “unanimidade”, sugerindo que
os congressistas atribuíam apenas a iniciativas federais e estaduais a responsabilidade
pelo investimento em pesquisas do gênero.
O recurso a publicações da imprensa possibilitou uma reconstituição mais fértil dos
debates realizados durante o evento e uma leitura mais cautelosa do discurso oficial
sustentado pelos organizadores. A sessão plenária e a sessão de filologia foram registradas
pela professora de canto Maria da Glória Capote Valente (PEREIRA, 2006, p.115), que
era funcionária do DC e foi nomeada secretária geral do evento. O registro das sessões de
musicologia ficou a cargo do próprio Mário de Andrade, que era um especialista no
assunto. Isso explica o modo genérico e muitas vezes impreciso como foram relatadas
tanto as sessões plenárias quanto as sessões de filologia.
A escolha do DC permite supor que Mário de Andrade considerava como principal
desafio a aceitação da pronúncia padrão entre os profissionais de música. Isso não significa
dizer que havia mais consenso entre os estudiosos de língua, mas sim que o saber linguístico
teria um papel auxiliar naquele momento, já que os profissionais de música e teatro seriam

60
os mais diretamente afetados pelos resultados do evento. Essa hipótese também ajuda a
explicar a maneira como foram tratadas as vozes dissonantes, que tiveram suas falas
minimizadas, simplificadas ou silenciadas nos anais. São emblemáticos, neste sentido, os
casos de José Oiticica e Francisco Gorga, cujas intervenções foram registradas de forma
mais completa pela imprensa.
Além de conceder menos espaço para argumentos contrários à iniciativa, os anais
trazem na íntegra e entre aspas as réplicas de membros da organização. Esse fato mostra
que os registros oficiais visavam credibilizar os resultados do evento e incentivar a sua
aceitação. Da mesma forma, o relato das sessões plenárias destaca frequentemente que
uma proposta foi aprovada por unanimidade, criando um sentido ilusório de consenso
entre os congressistas, e descreve as divergências entre eles de maneira sumária, se
limitando, em muitos casos, a declarar que determinado assunto provocou “vários
debates”, “vivas discussões” ou “apartes da assistência”.
Portanto, as fontes não foram abordadas como meros indícios dos fatos ocorridos,
mas como espaço de disputa entre sentidos e de produção discursiva da realidade. A mesma
premissa orienta a interpretação de documentos textuais e iconográficos, considerando
que ambos foram elaborados como discurso e veiculados com base em estratégias retóricas,
atendendo a interesses específicos. A maioria das fotografias do evento reproduzidas aqui
foi publicada nos anais como parte das comunicações apresentadas ou registros das
atividades realizadas. Mas a publicação não informa que o autor das fotografias tiradas na
ocasião era Benedito Junqueira Duarte, que era irmão de Paulo Duarte e foi contratado
como fotógrafo do DC.
A transcrição das fontes textuais manteve, sempre que possível, a grafia utilizada
na época tanto no caso dos anais quanto em textos jornalísticos e outras fontes impressas,
como as obras publicadas por participantes do evento ou citadas em suas comunicações.
Nos casos em que isso não foi possível, a grafia segue a edição utilizada, mas a referência
que acompanha a transcrição informa, entre colchetes, a data da primeira edição do texto
transcrito. Essa escolha é aconselhável em pesquisas historiográficas por permitir “que se
discuta o processo de construção gramatical do português” e os “graus de alfabetização e
de circulação de modismos linguísticos” no contexto investigado (BACELLAR, 2008, p.60).
A preservação da grafia encontrada nessas fontes desempenha um papel ainda mais
relevante em face dos problemas discutidos nesta pesquisa. O contraste entre diferentes
padrões ortográficos não demonstra apenas a ocorrência de mudanças linguísticas ao longo
do tempo. Além das diferenças de perspectiva discutidas acima, a comparação entre os

61
relatos de um mesmo acontecimento evidencia o contraste impressionante entre a grafia
inovadora utilizada nos anais e o padrão conservador adotado pela imprensa da época.
Tamanha instabilidade evidencia na escrita o caráter contingente da linguagem verbal,
tornando visível aquilo que Orlandi e Souza (1988) chamam de “língua fluída. A língua-
movimento, volume incalculável, mudança contínua.” (ORLANDI e SOUZA, 1988, p.38).

62
CAPÍTULO 2

2.1 O interesse pela “realidade brasileira”

Depois de examinar a atuação de Mário de Andrade na organização do Congresso


da Língua Nacional Cantada e na construção da memória oficial a respeito, chegou a hora
de discutir os sentidos da iniciativa no contexto em que ela ocorreu. A primeira parte deste
capítulo fala sobre o papel atribuído à ciência na redefinição da identidade nacional e
sobre o modo como essa orientação se refletiu no estudo da língua. A segunda convida o
leitor à experiência de imersão nas sessões plenárias do evento, onde os congressistas
discutiram o anteprojeto de língua padrão elaborado por Mário de Andrade.
No início do século XX, o Brasil era um país economicamente dependente e
extremamente desigual. Mais de três quartos da população viviam em áreas rurais, sem
acesso a recursos básicos como alimentação adequada, atendimento médico, saneamento
e educação. A sociedade era formada por uma elite letrada de ascendência europeia e uma
população predominantemente mestiça que, diante da precariedade do sistema educacional,
buscava formas alternativas30 de acesso à leitura e à escrita. Apesar de haver diversas
iniciativas neste sentido, a taxa nacional de analfabetismo correspondia a 70% da população
e se mantinha quase igual na maior parte do território, com exceção da capital do país, onde
o índice era de 45% (BOMENY, 2012, p.47).
A Constituição republicana de 1891, instituída pouco tempo depois da proibição do
trabalho escravo, reconhecia todas as pessoas nascidas no país, inclusive as que tinham sido
escravizadas, como cidadãos. Mas a desigualdade social e o racismo predominante entre as
elites brasileiras impediam a maioria pobre e mestiça de exercer os direitos e liberdades
previstos pela lei. Nesse contexto, da mesma forma que o samba, a capoeira, a umbanda e o
candomblé foram criminalizados e perseguidos pela polícia, o comportamento linguístico
associado à população afrodescendente era percebido como uma contravenção linguística, uma
aberração que precisava ser suprimida para não contaminar a pureza da língua.
Embora não houvesse uma política linguística explícita instituindo a variedade
padrão brasileira, a comparação entre os textos constitucionais de 1824 e 1891 indica uma
mudança na língua oficial. Pagotto (1988) mostra que durante o Império a norma padrão

30A esse respeito, ver ARAÚJO, Márcia Luiza Pires de. A escola primária da Frente Negra Brasileira
em São Paulo (1931-1937). In: OLIVEIRA, Iolanda de et al. (Orgs.). Negro e Educação 4: linguagens,
resistências e políticas públicas. São Paulo: Ação Educativa, 2007, p.39-55; ROMÃO, Jeruse (Org.).
História da educação dos negros e outras histórias. Brasília/DF: Ministério da Educação, 2005.

63
brasileira se baseava no português clássico e que no final do século XIX a referência
passou a ser o português europeu moderno – que permanece ainda hoje. Em vez assimilar
à língua oficial as formas linguísticas consagradas pelo uso local, as elites brasileiras
mantiveram como referência de norma a variedade padrão de outro país, procurando
apenas atualizar esse modelo.
Os benefícios associados ao manejo da escrita contribuíam para legitimar a estrutura
de privilégios herdada do século XIX. Isso aparecia de maneira explícita no sistema
político, onde o número total de eleitores correspondia a menos de 6% dos cidadãos no
final da Primeira República e apenas homens adultos e alfabetizados tinham o direito de
escolher seus governantes (SCHWARCZ e STARLING, 2015, p.592). Como o acesso à
instrução formal era restrito a uma parcela ínfima da população, o manejo da escrita e o
conhecimento da língua padrão eram recursos escassos e funcionavam como critério de
hierarquização social. Embora declarasse que os cidadãos são todos iguais perante a lei,
a Constituição republicana previa a desigualdade de direitos, garantindo às elites uma
posição semelhante à que tinham durante o Império.
Nesse contexto, um diploma superior era valorizado não apenas pela formação
recebida, mas sobretudo pelo status de nobreza conferido ao seu portador, mesmo que este não
exercesse a profissão (BOMENY, 2003, p.18-19). O título de bacharel em Direito, por
exemplo, facilitava o ingresso na carreira política31 e a nomeação para um cargo burocrático,
independente da função a ser desempenhada. Diante da dificuldade de acesso ao ensino
superior, o conhecimento da língua padrão funcionava como recurso alternativo na busca por
prestígio e ascensão social.
Esse abismo social ganhou bastante visibilidade com a publicação de Os Sertões
(1902), de Euclides da Cunha, obra que descreve o genocídio de uma população miserável
que se insurgiu contra o arbítrio do governo republicano. Como eram mestiços, analfabetos
e seguiam um líder religioso monarquista, os habitantes de Canudos foram retratados na
imprensa como a encarnação do que havia de mais arcaico, irracional e atrasado; daquilo que
estava – segundo se supunha – fadado a desaparecer com a civilização do país e a chegada
do progresso. A sua derrota significava colocar o Brasil no rumo da modernidade.
Euclides da Cunha denunciou a existência de dois “Brasis”, que desconheciam um
ao outro, ao contrastar o parasitismo da vida moderna no litoral – ou seja, no Rio de
Janeiro, que era a capital federal – com a autenticidade da vida nos sertões. Ele destacou

31Em 1917, mais da metade dos 202 deputados federais brasileiros eram diplomados em Direito
(SKIDMORE, 1976, p.182).

64
a indiferença das elites políticas e intelectuais em relação ao isolamento da população
rural, argumentando que essa atitude era um dos fatores que impedem o desenvolvimento
do país. A enorme repercussão alcançada pela obra tornou claro que, embora representasse
o impulso modernizador, a classe dirigente não tinha compromisso com o destino da
coletividade; e que, embora vivendo em condições degradantes, os sertanejos reuniam
qualidades consideradas imprescindíveis para o desenvolvimento do país.
A impressão geral era de que o Brasil ainda não era propriamente uma nação, que
era apenas a reunião das províncias isoladas do Império, transformadas em estados pela
Constituição de 1891 (LIMA e HOCHMAN, 1996, p.26). O debate sobre o ingresso na
modernidade se integrava ao problema da constituição de uma comunidade nacional. A
concepção de nação não se baseava apenas na associação entre povo, território, língua e
cultura e na definição de um passado em comum. Naquele momento, os modelos de nação
eram países mais antigos, que tinham uma tradição literária consolidada e se representavam
através de uma identidade coletiva; que já eram industrializados e ocupavam uma posição
de liderança política e econômica no âmbito internacional.
A dualidade litoral-sertão impactou de forma irreversível a autoimagem do Brasil
e inspirou novas interpretações sobre o caminho que o país deveria seguir para se constituir
como nação (LIMA, 2013, p.281). A perspectiva dominante no século XIX se caracteriza
pela aversão à realidade local e pela idealização do futuro nacional a partir do modelo
europeu de civilização. Ao perceber que as elites locais não eram capazes de desenvolver
o país, intelectuais ligados a diferentes áreas do saber passaram a buscar na ciência os
instrumentos para solucionar os problemas nacionais. Esse movimento se caracteriza pelo
questionamento do sistema político como entrave ao desenvolvimento e pela perspectiva
de incorporação dos sertões à vida nacional (SCHWARCZ e STARLING, 2015, p.592).
Um exemplo emblemático são as viagens científicas realizadas por sanitaristas do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC), como Arthur Neiva, Belisário Pena e Carlos Chagas. Os
relatórios dessas expedições confirmavam o cenário apresentado por Euclides da Cunha32
e levantavam novas questões, ao sustentar que o maior obstáculo ao desenvolvimento do
país era a omissão do Estado diante das péssimas condições de saúde da população.
Belisário Penna, que realizou entre 1911 e 1912 uma expedição33 pelas regiões norte,

32 “A obra Os Sertões é vista como um marco crucial de referência para os intelectuais da


campanha do saneamento, que ao lema do isolamento do sertanejo, sugerido por Euclides da
Cunha, associam o termo abandono” (LIMA e HOCHMAN, 1996, p.29).
33 As imagens das missões científicas do IOC e, entre elas, da expedição de Neiva e Penna se

encontram em THIELEN et al (1991). O relatório da expedição está em NEIVA e PENNA (1916).

65
nordeste e centro-oeste, publicou na imprensa uma série de artigos intitulada Saneamento
dos Sertões para divulgar de forma mais ampla esse novo diagnóstico. No segundo texto
dessa série, ele afirma que

Diante do quadro de devastação palidamente esboçado em artigo anterior; da ceifa


de milhares de vidas; do aniquilamento ou da redução de milhões de atividades em
quase todo o território brasileiro, por flagelos endêmicos, curáveis uns, e evitáveis
(grifo do autor) todos, que o assolam, e que matam ou quase inutilizam o indivíduo,
e corrompem-lhe a descendência, não há como estranhar a proverbial e decantada
indolência do brasileiro em geral, nem a sua incapacidade para trabalhos que
demandem vigor e saúde, nem a média desanimadora do seu coeficiente de produção.
Não que ele assim seja por influência do clima e da raça. Ele é, sobretudo, uma
vítima indefesa da doença, da ignorância e da deficiência ou do vício de
alimentação.
Preserve-se das doenças, alimente-se convenientemente, dê-se-lhe instrução, e
a produção do seu trabalho igualará a dos mais robustos lavradores europeus
(Correio da Manhã, 19/11/1916, p.2).

Essas palavras ilustram bem a mudança de mentalidade proporcionada pelo


conhecimento empírico da realidade brasileira. Perceber o impacto de doenças incapacitantes
como malária, leishmaniose, febre tifoide, esquistossomose e doença de Chagas na
conduta dos indivíduos infectados permitia explicar de maneira diferente o problema do
“atraso” do país. Belisário Penna recorreu à imagem dos brasileiros como um povo
apático e preguiçoso, bastante difundida no século XIX, justamente para mostrar que esse
comportamento não era condicionado pelo clima tropical nem pela constituição racial da
população. A “indolência” atribuída aos brasileiros seria, portanto, efeito de doenças que
tinham cura e – como destaca o autor – que podiam ser evitadas.
A difusão da imagem do Brasil como país corroído por doenças teve consequências
importantes na época. Ao refutar as interpretações pessimistas, baseadas no determinismo
climático e no racismo científico, o discurso médico responsabilizava o Estado e as elites
pelo que entendia como “atraso” nacional e indicava um “tratamento” capaz de solucionar
os problemas do país. A pesquisa científica teria um papel fundamental neste sentido, já
que a intervenção governamental se tornaria mais eficaz ao se basear no conhecimento
empírico da realidade local.

66
Em seus artigos, Belisário Penna convocava uma campanha nacional pelo
saneamento do Brasil. A mobilização em torno do tema na imprensa34 e no Congresso
Nacional culminou na criação, em 1918, da Liga Pró-Saneamento do Brasil, entidade que
reunia cientistas do IOC, do Museu Nacional (MN), professores da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, educadores, juristas, militares e o próprio presidente da
República. A liga ampliou o alcance da campanha por meio de palestras e da distribuição
de panfletos de educação sanitária. Em 1920, foi criado o Departamento Nacional de
Saúde Pública, cuja direção foi entregue a Carlos Chagas, que também era membro da
Liga Pró-Saneamento (LIMA e HOCHMAN, 1996, p.36).
A adesão à causa sanitária foi favorecida pela onda nacionalista que se generalizou
no país com a crise política e cultural suscitada pela Primeira Guerra Mundial, abrindo
caminho para novos projetos nacionais. A hostilidade entre os países envolvidos no
conflito revelou as contradições do modelo de civilização representado pela Europa,
abalando a crença na paz e no progresso como conquistas definitivas (OLIVEIRA, 2015,
p.70). O discurso nacionalista se inspirava na capacidade de mobilização e resposta dessas
nações, que organizaram seus recursos humanos e materiais em função da guerra.
Palavras como “defesa e mobilização [...] passaram a constituir uma nova linguagem com
a qual os intelectuais podiam discutir qualquer problema – o do estímulo da iniciativa
pública nas áreas de saúde, de educação e outros mais” (SKIDMORE, 1976, p.180).
As convicções nacionalistas eram informadas pelo darwinismo social, que interpretava
a competição entre as nações e as mudanças sociais em curso a partir de metáforas biológicas.
Essa perspectiva aparece, por exemplo, na representação dos países europeus como a velha
civilização ou velho mundo em oposição à nova civilização ou novo mundo que emergia nas
Américas.35 A imagem do Brasil como uma nação jovem e despreparada também estimulava
a adesão a projetos nacionais que colocassem o país em condições de participar dessa disputa.
Nos primeiros anos da Guerra, surgiram diversos movimentos cívicos e patrióticos como as
Ligas de Defesa Nacional e as Ligas Contra o Analfabetismo.

34 “Os jornais cariocas como O Paiz e o Correio da Manhã deram grande cobertura ao movimento
e tornaram-se fóruns do debate sobre o saneamento rural. Uma leitura desses jornais, relativa
aos anos de 1918 e 1919, revela a presença diária do tema tanto em noticiários quanto em
colunas e artigos de membros da Liga Pró-Saneamento e de outros autores: médicos, juristas,
políticos etc” (LIMA e HOCHMAN, 1996, p.33).
35 Por exemplo, o historiador Basílio de Magalhães argumentava que o Brasil se constituía como

nação no momento do declínio da civilização europeia e que a simultaneidade desses processos


ajudaria a “operar no organismo brasileiro a transformação a que o predestinam os antecedentes
históricos” (apud SKIDMORE, 1976, p.184-185).

67
A educação era um dos temas principais na agenda reformista e, assim como a
causa sanitária, mobilizava diversos setores da sociedade. Na década de 1920, surgiram
em diferentes estados brasileiros profissionais que defendiam uma concepção científica
de aprendizagem e uma completa reestruturação das políticas educacionais. Foram eles
os responsáveis pelas reformas de ensino realizadas em São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Paraná e Bahia. Em 1924, esses intelectuais criaram
a Associação Brasileira de Educação, que reunia em seus debates e conferências a elite
profissional da área, divulgando os avanços mais recentes da pedagogia e das políticas do
setor com base em experiências europeias e norte-americanas.
Os princípios que orientavam o movimento foram condensados no Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo em 1932 e assinado por outros
25 intelectuais, incluindo educadores, antropólogos, médicos, advogados, jornalistas e escritores.
Esses educadores defendiam a ideia de escola como uma instituição social, de aprendizagem
como um processo cognitivo individual e de educação como instrumento de transformação
social. Mas, como os médicos do Movimento Sanitarista, eles sabiam que o sistema político, que
era dominado pelas relações pessoais entre os membros das oligarquias, dificultava a realização
das reformas necessárias. Essa constatação aparece no parágrafo final do manifesto:

Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos
precisa acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as
únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela
educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um
princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa
fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de
espírito de cooperação (AZEVEDO et al, 2006, p.203).

O engajamento de sanitaristas e educadores no debate sobre os problemas nacionais


não foi um fenômeno isolado. Essa movimentação testemunha um processo mais amplo de
mudança de mentalidade que caracteriza a intelectualidade brasileira da época. Ao longo da
década de 1920, diversos engenheiros, médicos e educadores assumiram como projeto de
vida produzir e divulgar diagnósticos sobre o país (BOMENY, 2012, p.47). Antonio Candido
identifica como sintoma dessa nova mentalidade a generalização, na década de 1930, “[d]a
expressão “realidade brasileira”, que de tão utilizada se tornou até meio ridícula. Em qualquer
discurso, artigo, ensaio aparecia a expressão” (PONTES, 2001, p.6).

68
O conhecimento da realidade local era uma necessidade prática e, ao mesmo tempo,
uma palavra de ordem para cientistas e intelectuais. Além de orientar ações governamentais,
tornando a administração pública mais eficiente, esse conhecimento conferia aos cientistas
e intelectuais um papel público relevante. Investigar a manifestação local de fenômenos já
conhecidos e estudados em outros países era uma forma de produzir conhecimentos
confiáveis sobre o país e, ao mesmo tempo, contribuir para o avanço global da ciência.
Como os modelos explicativos criados por cientistas estrangeiros se baseavam em outras
circunstâncias locais, o confronto com um novo contexto ajudaria a aperfeiçoá-los e a
torná-los mais universais.
Os estudos sobre a língua também foram contagiados por essa mudança de
perspectiva e se tornaram um espaço propício para a investigação da realidade local e a
formulação de novas interpretações sobre o Brasil. A publicação de O Dialeto Caipira
(1920), do escritor paulista Amadeu Amaral é considerada a primeira iniciativa concreta
neste sentido.36 Ao descrever a fala do interior paulista, o autor utilizou critérios de
investigação da dialetologia, propondo um programa de investigações para o estudo da
variedade brasileira.

Fala-se muito num “dialeto brasileiro”, expressão já consagrada até por autores
notáveis de além-mar; entretanto, até hoje não se sabe ao certo em que consiste
semelhante dialetação, cuja existência é por assim dizer evidente, mas cujos
caracteres ainda não foram discriminados. Nem se poderão discriminar,
enquanto não se fizerem estudos sérios, positivos, minuciosos, limitados a
determinadas regiões. [...]
Tais contribuições permitiriam, um dia, o exame comparativo das várias
modalidades locais e regionais, ainda que só das mais salientes, e por ele a
discriminação dos fenômenos comuns a todas as regiões do país, dos
pertencentes a determinadas regiões, e dos privativos de uma ou outra fração
territorial. Só então se saberia com segurança quais os caracteres gerais do
dialeto brasileiro, ou dos dialetos brasileiros, quantos e quais os subdialetos, o
grau de vitalidade, as ramificações, o domínio geográfico de cada um
(AMARAL, 1920, p.14-15)

Amadeu Amaral introduziu uma nova abordagem para o problema da identidade


linguística, argumentando que o “dialeto brasileiro” pode ser conhecido de modo mais

36 O trabalho de Amadeu Amaral já havia sido divulgado em 1916, com a publicação da parte
inicial na Revista do Brasil, mas ficou mais conhecido após a publicação da pesquisa completa
em 1920 (CARMO, 2008, p.376).

69
preciso através de descrições parciais. Com o acúmulo de dados sobre variedades locais,
seria possível encontrar traços comuns, presentes em todas as regiões do país, e isso
permitiria determinar cientificamente as diferenças entre o português europeu e o
português brasileiro. Essa proposta ampliava as possibilidades de interpretação da
realidade linguística brasileira ao se distanciar da tradição filológica portuguesa, que era
a abordagem predominante nos estudos sobre a língua desde o século XIX.
Até então, o português era concebido como “língua de cultura” herdada pelos
brasileiros, e não como uma realidade objetiva que se manifesta no presente através da fala
(CÂMARA JR., 2004, p.227). A língua era estudada a partir de modelos extraídos do
cânone literário ou da análise de documentos escritos do passado, sobretudo textos
literários, filosóficos e religiosos. Como a fala era considerada um objeto de estudos inferior
e menos regular, não havia interesse em investigá-la de forma sistemática (ALTMAN,
1998, p.71). A identidade linguística era concebida de forma apriorística e estudada com
base em pressupostos, sem um conhecimento empírico da variedade brasileira.
Essa abordagem passou a ser contestada por não responder de maneira satisfatória
as questões estéticas e políticas suscitadas pelo nacionalismo. Na resenha que escreveu
em 1921 sobre O Dialeto Caipira, Monteiro Lobato zombava dos filólogos, dizendo que
“esses carunchos sob a forma humana pertencem à fauna cadavérica. Só se sentem à
vontade quando a questão é de necropsia.” E destacava as inovações introduzidas por
Amadeu Amaral ao observar que “até então a nossa filologia se limitava a bizantinar sobre
as verrugas da língua mãe” (PINTO, 1981, p.56-57), em vez de estudar a “língua filha”,
aquela utilizada pelos brasileiros.
O contraste entre a língua estudada por gramáticos e filólogos e a língua manejada
pelos intelectuais e escritores levava à crítica do saber linguístico estabelecido e à
reinterpretação da variedade brasileira a partir de outros critérios. Essa percepção aparece
num artigo de 1922 em que Monteiro Lobato contrasta a descrição da mudança linguística
como resultado da evolução e a sua censura como um fator que corrompe a língua,
sugerindo que a norma portuguesa imposta aos brasileiros seria uma deturpação do latim.

A cândida ingenuidade dos gramáticos chama corromper ao que os biologistas


chamam evoluir. [...]
É risível o esforço do carrança, curto de ideias e incompreensivo, que deblatera
contra esse fenômeno natural e tenta paralisar a nossa elaboração linguística
em nome de um respeito supersticioso pelos velhos tabus portugueses... que
corromperam o latim. [...]

70
Mas dia virá em que se romperá essa barreira, porque as correntes glóssicas
são irresistíveis, os gramáticos não são donos da língua, e esta não é uma
criação lógica (PINTO, 1981, p.58-59).

Gramáticos e filólogos são descritos como equivocados, obtusos e anacrônicos


por lutarem contra a evolução da língua, um fenômeno natural que ninguém pode impedir.
Monteiro Lobato enfatiza a força “irresistível” das “correntes glóssicas”, contesta a ideia
de língua como “uma criação lógica” – abordagem característica da gramática filosófica –
e menciona a Biologia como um exemplo a ser seguido. Desde meados do século XIX, o
prestígio alcançado pela teoria da evolução deu à Biologia o status de ciência
paradigmática, motivando interpretações da sociedade com base em metáforas
organicistas. A crítica do autor sugere que o estudo da língua deve ser empírico e que a
explicação dos fenômenos linguísticos deve partir de evidências observáveis.
Essa insatisfação aparece também na introdução de A Língua Nacional (1921), de
João Ribeiro. O autor se refere às “atribulações que sofre o nosso homem de letras no uso
da própria língua”, garantindo que “não há inteira sinceridade” naqueles que declaram
“desdém e indiferença pelas questões de gramática”, pois “a pecha de incorreção é um
percalço terrível”. João Ribeiro atribui essa situação ao “servilismo inexplicável” dos
intelectuais brasileiros, argumentando que “a nossa gramática não pode ser inteiramente a
mesma dos portugueses” (RIBEIRO, 1933 [1921], p.7-8), e faz uma observação que parece
confirmar a expectativa de renovação epistemológica expressa por Monteiro Lobato.

A primeira lição elementar de todas as ciências é que objetivamente não pode


haver um fenômeno bom e outro mau ou ruim.
Todos os fenômenos são essencialmente legítimos. Todos os fatos de linguagem
cá e lá têm igual excelência como fenômenos (RIBEIRO, 1933 [1921], p.9-10).

João Ribeiro discute a mesma questão levantada por Monteiro Lobato, mas o faz
como um estudioso do tema, sugerindo que analisar os fenômenos linguísticos a partir
dos preconceitos perpetuados pela tradição gramatical não é estudar a língua
cientificamente. Embora não recorra à comparação com outra disciplina, ele contrasta a
abordagem tradicional no estudo da língua com os critérios adotados nas ciências naturais.
As críticas de João Ribeiro e Monteiro Lobato sugerem que estava em curso uma
mudança nos critérios de validação do saber linguístico, mas a gramática e a filologia
permaneciam impermeáveis a esse processo. O conflito continuou na década seguinte,

71
quando Alceu Amoroso Lima – escrevendo sob o pseudônimo Tristão de Ataíde –
declarou que “o tempo da filologia já havia passado” (PINTO, 1981, p.XVIII).
O interesse crescente pela investigação da realidade linguística brasileira se traduziu
na proliferação de estudos sobre a fala regional, a influência africana na variedade brasileira
ou sobre o status desta em relação ao português europeu. A cronologia a seguir, baseada
nos levantamentos de Cardoso (1999), Coelho (2008) e Bitencourt (2017), não é exaustiva,
mas indica o avanço desse processo ao longo de quase um século.

1852 Colecção de vocábulos e frases usados na província de São Pedro do Rio Grande
do Sul, Antônio Álvares Pereira Coruja;
1853 Vocabulário brasileiro para servir de complemento aos dicionários da língua
portuguesa, de Braz da Costa Rubim;
1884 A linguagem popular amazônica, de Macedo Soares;
1889 Dicionário de vocábulos brasileiros, do Visconde de Beaurepaire-Rohan;
1898 Vocabulário Sul Rio-Grandense, de Romaguera Corrêa;
1901 O tupi na geografia nacional, de Theodoro Sampaio;
1905 Glossário paraense, de Vicente Chermont de Miranda;
1912 Apostilas ao dicionário de vocábulos brasileiros, do Padre Carlos Teschauer;
Dicionário de brasileirismos, de Rodolfo Garcia;
1920 O Dialeto Caipira, de Amadeu Amaral;
1922 O linguajar carioca em 1922, de Antenor Nascentes;
1926 Vocabulário gaúcho, de Roque Callage;
O ritmo da língua nacional, de Álvaro Maia;
1931 Dicionário dos animais do Brasil, de Rodolfo von Ihering;
1933 Vocabulário do Nordeste do Rio Grande do Sul, de Dante de Laytano;
A linguagem dos cantadores, de Clóvis Monteiro;
O elemento afro-negro na língua portuguesa, de Jacques Raimundo;
A influência africana no português do Brasil, de Renato Mendonça;
1934 A língua do Nordeste, de Mário Marroquim;
1933 Vocabulário do Nordeste do Rio Grande do Sul – Linguagem dos praieiros, de
Dante de Laytano;
1937 O português do Brasil, de Renato Mendonça;
O vocabulário pernambucano, de Pereira da Costa;
Geringonça do Nordeste: a fala proibida do povo, de Clementino Câmara;
1938 O falar mineiro, de José Aparecido Teixeira;
1939 Vocabulário amazonense, de Alfredo da Maia.

72
Os títulos dessas publicações mostram uma tendência crescente a considerar a
variedade brasileira a partir de si mesma, e não como informação suplementar em obras sobre
o português europeu. Essa tendência se refletiu no questionamento do conceito de
“brasileirismo” – criado no século XIX para descrever as marcas, consideradas inadequadas,
do uso brasileiro da língua – e no estudo da realidade linguística do país a partir da fala
regional ou das características decorrentes do contato com outras línguas. Os dados acima
mostram que o interesse em descrever variedades regionais surge no final do século XIX e se
intensifica nas décadas seguintes. O número de publicações do gênero surgidas entre 1930 e
1939 (12 títulos) equivale à produção acumulada nas oito décadas anteriores (13 títulos).
Até a década de 1920, a maioria dos estudos do gênero destacava peculiaridades
do léxico e buscava dados sobre a fala em obras de literatura regional. Esses trabalhos
eram publicados na forma de dicionários ou vocabulários regionais, apresentando a
definição semântica das palavras seguida, em alguns casos, de informações etimológicas.
Amadeu Amaral não rompeu com essa tradição,37 mas se destacou ao descrever a fala do
interior paulista a partir de dados registrados pela observação direta e sistematizar esses
dados em termos de lexicologia, fonética, morfologia e sintaxe – títulos das quatro seções
que compõem a primeira parte da obra.
Tudo isso sugere que a mudança de mentalidade ocorrida no início do século XX
impactou não apenas a percepção da identidade linguística brasileira, mas também a
orientação teórica dos estudos sobre a língua, com a clara “opção pelo enfoque dialetológico,
em detrimento do filológico” (PINTO, 1981, p.XVIII). A repercussão de O Dialeto Caipira
foi um dos resultados desse processo e não deve ser entendida como causa do interesse
crescente por “regionalismos linguísticos”. Pinto (1981) observa que os autores que
publicaram descrições de variedades locais não estavam familiarizados com a pesquisa
dialetológica e que, por isso, não o fizeram com o mesmo rigor que Amadeu Amaral.
A disputa entre a abordagem tradicional e a perspectiva dialetológica não resultou
no abandono da filologia nem na institucionalização da dialetologia como uma disciplina
independente. Como explica Altman (1998), nas décadas seguintes as duas rubricas
acabariam por se integrar numa mesma tradição de pesquisa.

37A segunda parte, que corresponde a dois terços da obra, apresenta um vocabulário com 1714
verbetes.

73
Não foi difícil aos dialetólogos serem aceitos como pares pelos filólogos. E
tampouco aqueles que produziram no programa de investigação da dialetologia
rejeitaram, para si, a designação de filólogos. [...]
A Dialetologia brasileira [...] foi incorporada, como tal, ao programa da
Filologia e adquiriu, dessa maneira, legitimidade (ALTMAN, 1998, p.73).

Para compreender esse fato é preciso levar em conta o perfil da intelectualidade


brasileira, o grau de institucionalização alcançado pelos estudos da linguagem e a
conformação interna desse campo no início do século XX.
Até o final da Primeira República, o ensino superior era dedicado à formação das
elites e totalmente desarticulado dos demais níveis de instrução (NADAI, 1982, p.143).
As faculdades e escolas superiores priorizavam a formação profissional e os cursos de
Direito, Medicina e Engenharia eram praticamente as únicas alternativas de formação.
Como ainda não havia um sistema universitário, essas instituições funcionavam de forma
independente e permaneciam isoladas entre si. Era comum que os intelectuais formados
nessas áreas fossem também escritores, jornalistas ou se dedicassem como autodidatas a
outras especialidades. Esse cenário começou a mudar em meados da década de 1930, com
a criação das primeiras universidades.
A USP, fundada em 1934, e a UDF, criada em 1936 e extinta poucos anos depois,
foram as primeiras instituições do país a oferecer o curso de Letras. Antes disso, como não
havia formação especializada, os estudiosos de língua eram intelectuais diplomados em
outras áreas ou sem formação superior38 que atuavam como professores em liceus ou escolas
normais e conduziam suas pesquisas quase sempre de maneira independente. Um indivíduo
podia ser reconhecido como autoridade no estudo da língua quando era aprovado em
concurso para o magistério, passando a ensinar português, línguas estrangeiras modernas ou
línguas clássicas.
Era comum que jornalistas, advogados, médicos, antropólogos e educadores
publicassem na imprensa artigos e ensaios sobre temas relacionados à língua. Como não
havia uma comunidade científica consolidada, não se dispunha de meios de controle e
regulação do saber produzido, como bancas e comitês científicos, e a discussão sobre a
língua se dava a partir de referenciais teóricos diversos, com graus de expertise bastante
variáveis. A única instituição que mantinha uma produção científica sistemática era o
Colégio Pedro II (CPII), que publicava em livro as pesquisas desenvolvidas por seus

38Altman esclarece que “os estudiosos das letras, em muitos casos, tinham formação superior
de outra natureza, quando a tinham” (ALTMAN, 1988, p.68).

74
professores e exigia dos candidatos à cáterdra de língua portuguesa a apresentação de uma
tese original (ALTMAN, 1998, p.68).
Nesse contexto, o termo filologia podia assumir diferentes sentidos a depender da
tradição de estudos que designava. Os defensores da autonomia da variedade brasileira
criticavam gramáticos e filólogos pelo seu compromisso com a manutenção do português
europeu, em detrimento dos usos correntes no país, enquanto referência de língua padrão.
Nesta acepção, a gramática era associada ao estudo da língua com finalidade pedagógica –
informado, sobretudo, pela perspectiva da gramática filosófica – e a filologia, ao estudo
da língua com base na escrita, com ênafse na literatura.
Mas também eram referidos como filólogos os autores que estudavam a variedade
brasileira pela ótica da linguística românica, incorporando a perspectiva dialetológica e
os princípios neogramáticos. Como a formação superior em Letras era muito recente e a
maior parte dos estudiosos de língua pertencia à geração dos autodidatas, não havia
fronteiras bem estabelecidas entre essas perspectivas. As abordagens histórica e geográfica
da língua influenciavam também o pensamento de gramáticos e filólogos tradicionais, que
podiam assimilar elementos dessas perspectiva sem as seguir em outros aspectos.
Como a identidade linguística e o uso adequado da língua eram temas de interesse
geral, o debate a respeito não ficava restrito às publicações especializadas, que na época
eram escassas. As polêmicas envolvendo questões linguísticas apareciam nas páginas dos
jornais diários, ao lado de propagandas, resenhas de livros, artigos sobre literatura,
filosofia e ciência e do noticiário político nacional e internacional. Essa circunstância
favorecia o cruzamento entre o saber linguístico em circulação e as questões políticas e
estéticas suscitadas pelo nacionalismo. Talvez o melhor exemplo disso seja a polêmica
suscitada pelas tentativas de modificar o nome da língua.
A primeira delas ocorreu em junho de 1935, quando foi apresentado à Câmara
Federal um projeto de lei que tornava obrigatória a denominação “língua brasileira” nos
livros didáticos. A lei não chegou a ser votada, mas suscitou debates acalorados dentro e
fora do parlamento. A segunda ocorreu no mês seguinte, quando a Câmara de Vereadores
do Distrito Federal aprovou uma lei com o mesmo teor, que proibia a adoção em escolas
públicas da capital de obras que não utilizassem a denominação “língua brasileira”. O
texto foi vetado pelo prefeito Pedro Ernesto, que declarou que “o projeto fere a verdade
científica”, mas os vereadores rejeitaram o veto e a lei passou a vigorar em setembro do
mesmo ano. Mas não há indícios do seu cumprimento (NASCENTES, 1981, p.309-316;
DIAS, 2001, p.188-189).

75
Com a instauração do Estado Novo, em novembro de 1937, as câmaras legislativas
foram dissolvidas e o debate foi interrompido. A questão permaneceu em aberto até 1945,
quando um novo projeto de lei foi apresentado na Assembleia Nacional Constituinte.
Embora defendesse a denominação “língua brasileira”, o projeto previa a criação de uma
comissão de professores, jornalistas e escritores para decidir sobre a designação da língua
depois de avaliar as diferenças entre a variedade brasileira e o português europeu (DIAS,
2001, p.190).
A comissão, que foi criada em 1946 e teve como relator Souza da Silveira, concluiu,
com base em argumentos filológicos e gramaticais, que

a denominação do idioma nacional do Brasil continue a ser: Língua Portuguesa.


Essa denominação, além de corresponder à verdade dos fatos, tem a vantagem
de lembrar, em duas palavras — Língua Portuguesa —, a história da nossa
origem e a base fundamental de nossa formação de povo civilizado (SOUZA
DA SILVEIRA, 2010, p.74).

Foi a última tentativa de mudança na designação da variedade brasileira por meio


de uma legislação específica. Naquele momento, não havia o entendimento de que a
designação da língua é uma questão de política linguística que cabe aos governos e não
depende do parecer de especialistas para ser decidida. Seria igualmente plausível se, com
a sustentação política necessária, o Executivo Federal optasse pela denominação “língua
brasileira”, insistindo na dimensão identitária, como ocorreu à época na Indonésia.39

39 A Indonésia se tornou independente do domínio holandês em 1945 e estabeleceu como língua


oficial o malaio, que foi denominado bahasa indonesia (língua indonésia). Calvet (2007) observa
que o êxito da decisão resulta mais do cálculo político em que foi baseada do que em razões de
ordem linguística. A língua majoritária no arquipélago era o javanês, mas o governo escolheu o
malaio, usado como língua veicular nos portos e mercados, que não era associado a nenhum
dos grupos que disputavam o poder local (CALVET, 2007, p.122-125).

76
2.2 A construção da “língua nacional”

A solenidade de abertura do Congresso da Língua Nacional Cantada ocorreu no foyer


do Teatro Municipal de São Paulo no dia 7 de julho de 1937. O evento teve início com um
breve discurso do secretário de educação do estado de São Paulo, Cantídio de Moura Campos.
Logo em seguida, a palavra foi passada a Mário de Andrade, que falou como diretor do DC
e relator do anteprojeto de língua padrão. A fotografia abaixo, encontrada nos anais, foi tirada
durante a leitura de seu discurso, intitulado “Exposição de Motivos”, que justifica a realização
do evento e destaca o caráter nacionalista da iniciativa.

Figura 3 – Cerimônia de abertura do evento

“INSTALAÇÃO SOLENE DO CONGRESSO. Preside a sessão o dr. Cantídio de Moura Campos,


Secretario da Educação, do Estado de São Paulo. A' sua direita o dr. Fabio Prado, prefeito da
Capital; o dr. Julio de Mesquita Filho, presidente Geral do Congresso; d. Maria da Gloria Capote
Valente, secretaria geral do Congresso. A' sua esquerda, o professor Guilherme Fontainha,
diretor da Escola Nacional de Musica, da Universidade do Brasil; o dr. Guilherme de Almeida,
representante da Academia Brasileira de Letras e o professor Mario de Andrade, quando lia a
Exposição de Motivos” (ANAIS, 1938) – legenda original.

A composição da mesa e a decoração do local foram utilizadas para construir a


imagem pública do evento. Ao centro estão os representantes dos Governos Estadual e
Municipal. Do lado direito, o diretor da Escola Nacional de Música, que era a instituição

77
mais importante do gênero no país, e um membro da Academia Brasileira de Letras, que
ainda era a principal autoridade nacional em matéria de língua. Do lado esquerdo, o
presidente geral do congresso, que era o proprietário de um dos principais veículos de
imprensa do país, o jornal O Estado de São Paulo, e a secretária geral do congresso, que
foi encarregada de redigir o relatório das sessões plenárias.
Uma bandeira do Brasil, com cerca de 10 metros, estendida ao fundo acentuava o
caráter nacionalista do evento num momento em que as iniciativas do Governo Estadual
e da Prefeitura de São Paulo eram associadas à retomada da hegemonia paulista no âmbito
nacional e até aos boatos sobre separatismo disseminados durante a guerra civil de 1932.
O efeito visual produzido pelas dimensões da bandeira, que simbolizava a grandeza
nacional, era completado pela ornamentação da mesa com uma grande quantidade de
flores, agregando à cena sentidos como exuberância, nobreza e abundância. A imagem
também indica que não havia microfones e que, por conseguinte, a comunicação entre os
participantes exigia pronúncia clara e projeção da voz.
A “Exposição de Motivos” lida por Mário de Andrade é esclarecedora não só pelo
que apresenta como justificativa do evento, mas também por revelar o modo como ele
estimulava o engajamento na iniciativa. A língua aparece aqui como matéria da criação
artística, como objeto da investigação científica e como fator determinante para os rumos
da nação. O discurso foi organizado a partir da oposição entre civilização e barbárie,
associando a primeira à fraternidade entre os povos e a segunda à dominação do outro
pela força. Com base nessas premissas, ele se referiu à ciência e à arte como atividades
humanizadoras e aos eventos científicos e culturais como espaços “arejados” numa época
de radicalização dos nacionalismos e crescente hostilidade entre nações.

Enquanto a política rosna lá fora, fundando imperialismos absurdos, nacionalismos


estufados e mil e uma facetas, por onde se odiarem os homens; através dos espaços
arejados os congressos se correspondem na insensatez aparente da paz, do saber e
da arte. E’ o Congresso Internacional de Folclore de Paris; é o Congresso das
Cidades e Poderes organizado por Bruxelas, é o Congresso da Expansão
Portuguesa no Mundo, em Lisboa (ANDRADE, 1938a, p.707).

A década de 1930 foi um período de forte tensão no plano internacional, marcado


pela consolidação de regimes totalitários como nazismo, fascismo e stalinismo e pela
escalada bélica das nações que formariam a aliança do Eixo na Segunda Guerra Mundial.
Em 1936, a Itália tinha anexado a Etiópia ao seu território e a Alemanha, assinado acordos

78
com a Itália e o Japão – que invadiu a Manchúria em 1931. No mesmo dia em que Mário
de Andrade leu seu discurso na abertura do evento, o Japão invadiu a China, dando início
à Segunda Guerra Sino-Japonesa. A comoção produzida por esses fatos, noticiados na
primeira página dos jornais, sugere que a intensificação dos conflitos internacionais com
o avanço dos imperialismos e a radicalização dos nacionalismos também preocupava os
participantes do evento.
Mário de Andrade associava, por contraste, os encontros artísticos e científicos à
“insensatez aparente da paz, do saber e da arte”. Destacar os congressos internacionais,
onde estudiosos se reuniam para consolidar uma comunidade científica que ultrapassa as
fronteiras políticas, reforçava a imagem da ciência como atividade desinteressada, isto é,
orientada para o bem-comum e refratária a objetivos imediatistas e interesses unilaterais.
Embora pareça contradizer essa ideia, a referência ao Congresso da Expansão Portuguesa
no Mundo, promovido pelo governo Salazar,40 ajuda a entender como os intelectuais do
período percebiam as suas relações com o poder a partir de uma suposta neutralidade,
baseada no compromisso com a ideia de saber desinteressado. Depois de apresentar suas
pesquisas41 em dois dos eventos citados, o DC promoveu o seu próprio congresso.
Mário de Andrade passa, então, a discutir os sentidos da história produzida a partir
de cada uma dessas perspectivas. Afirma que as “histórias universais e nacionais” são
“ensanguentados livros” e que naturalizam a barbárie com “descrições de batalhas e
guerras ferozes” e “análises complacentes” da conquista e da destruição de povos e raças.
Como resulta do extermínio do outro, “a paz desses livros” desumaniza os homens e os
aproxima “de abutres, de leões ou de formigas”. Dentre as “maneiras de se fazer a
História” esta seria, no dizer irônico do autor, “a maneira sensata de Los Conquistadores”
(ANDRADE, 1938a, p.708).
Segundo ele, artistas e cientistas também fazem a História através de suas
realizações, na paz das bibliotecas ou dos laboratórios, e o fazem sem derramar sangue
ou incitar ódios. Mário de Andrade argumenta que “tanto arte e ciência escandalizavam
a moral dessas histórias da irracionalidade humana, que foi necessário escreverem-se
histórias especiais”, como a história da medicina e a história da música (ANDRADE,
1938a, p.707). Essa seria “a maneira insensata dos institutos culturais”, espaços de onde
surgem as contribuições de cada nação para o conjunto da humanidade.

40Sobre a relação do evento com a política colonial portuguesa ver o capítulo 3 de GARCIA (2011).
41O DC apresentou um trabalho ao Congresso Internacional de Folclore e outro no Congresso das
Cidades e Poderes. Sobre a participação da instituição nesses eventos e as pesquisas apresentadas,
ver a seção 3.2 de MONTEIRO (2014).

79
Quando Bartolomeu de Gusmão voou pela primeira vez, quando Oswaldo Cruz
saneou o Rio de Janeiro, quando Euclides da Cunha escreveu “Os Sertões” ou
Carlos Gomes a “Fosca”, nenhum sangue correu nem os homens se odiaram
mais. E si acaso, nos perfeitos momentos de humanidade vamos em Busca do
Brasil e sua verdadeira significação histórica no mundo, jamais o
encontraremos na Guerra do Paraguai ou 1889, mas em Gusmão, no Butantan,
em Castro Alves (ANDRADE, 1938a, p.708).

Aqui aparece, mais uma vez, a oposição entre a animalidade estimulada pelas
guerras e o caráter humanizador da ciência e da arte. A “verdadeira significação histórica”
do Brasil não emerge da Proclamação da República ou Guerra do Paraguai, mas sim das
façanhas de Oswaldo Cruz, Euclides da Cunha, Carlos Gomes, Bartolomeu de Gusmão e
Castro Alves. Mário de Andrade sugere que no futuro a escolha da pronúncia padrão teria
uma importância comparável ao legado das figuras históricas mencionadas e que os
participantes do Congresso da Língua Nacional Cantada seriam reconhecidos da mesma
forma. Isso fica claro pela significação que ele atribui à iniciativa do DC:

si vemos hoje, com frequência as patrias militarizarem suas criancinhas, não


estaremos nós também militarizando as vogais? A diferença é simplesmente
cronológica. A militarização das crianças é uma ambição de agora já, a
militarização das vogais constrói futuro. Quer isto dizer: a militarização das
vogais estará futuramente no número daquelas citações, estará entre os
Bartolomeu de Gusmão, os Manguinhos, os Alberto Nepomuceno que dão a
verdadeira significação histórica do Brasil (ANDRADE, 1938a, p.708).

A busca de uma disciplina coletiva que organize a sociedade, tornando os cidadãos


mais conscientes de seu papel e mais comprometidos com o bem comum, é uma constante
nas reflexões de Mário de Andrade. Em sua obra, esse tema se relaciona ao objetivo de
modernizar a sociedade e civilizar o país sem perder sua singularidade – nas palavras do
autor, “abrasileirar o Brasil”. Não surpreende que a questão receba tamanho destaque,
considerando que o evento foi concebido por ele como parte do seu projeto de construção
da identidade nacional nas artes. O que surpreende é a palavra escolhida para se referir à
criação dessa disciplina coletiva.
Soa no mínimo contraditório exaltar a “militarização” num discurso que expressa
“indignação pelo contraste absurdo entre as forças e ambições humanas que procuram
fazer a vida numa construção de tropeços belígeros e odios combativos” (ANDRADE,

80
1938a, p.707). O estranhamento é ainda maior se considerarmos que o disciplinamento
das massas e a difusão de modelos de conduta são elementos característicos da propaganda
governamental de regimes totalitários. A estratégia de persuasão utilizada ao longo de
todo o discurso sugere que a escolha dessa palavra permitia contrastar as formas mais
comuns de disciplinamento, cujo alcance seria limitado a algumas gerações, àquela que
motivou o evento, que seria capaz de influenciar sucessivas gerações.
A comparação entre a militarização das crianças e a militarização das vogais
produz um efeito de sentido capaz de diluir o contraste entre o vigor associada ao universo
bélico e a fragilidade associada à cultura e ao saber. A construção utilizada projeta na
padronização da língua o sentido de eficácia atribuído à dominação pela força. Esse
expediente aproxima o empenho dos congressistas de ideias como mobilização civil e
defesa nacional, difundidas pela retórica nacionalista do período. A ambiguidade do seu
discurso demonstra um esforço para compatibilizar valores herdados do século XIX e
convicções difundidas pelos nacionalismos emergentes no início do século XX.
O discurso de Mário de Andrade era uma tentativa de responder às dúvidas que
inquietavam a intelectualidade da época. Como explica Sériot (2016), esse foi “um período
de crise dos valores da civilização ocidental, em particular da democracia, e de busca por
outras soluções, por outras formas de organização da sociedade (os diferentes regimes
totalitários e a ideia de “regenerescência” e de “homem novo”)” (SÉRIOT, 2016, p.22).
Essas incertezas, surgidas como consequência da Primeira Guerra Mundial, motivaram a
adesão de artistas e intelectuais a vanguardas estéticas, ideologias políticas, modelos de
Estado e projetos de reforma social surgidos na década de 1930.
Essa tentativa de conciliar orientações incompatíveis aparece também no anteprojeto
de língua padrão apresentado aos congressistas. Numa carta que enviou ao Diretor do
SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, dois meses antes do evento, Mário de
Andrade se refere a esse documento como “uma espécie de monumentinho que me custou
umas dez noites passadas em claro escrevendo, com seus dias na mesma luta”
(ANDRADE, 1981 [1937], p.66). Na carta, o diretor do DC revela as etapas de revisão a
que foi submetida a primeira versão do anteprojeto e a forma como foi distribuído aos
congressistas.

Agora tenho de convocar os cantores, compositores etc. do Departamento pra


discutirmos ponto por ponto, vogal por vogal, ditongo por ditongo, consoante
por consoante, etc. pra ver o que fica do que propus, pra ser obra coletiva como

81
desejo. E ainda mandarei hoje mesmo pro Nascentes pra ele ajuizar da parte
fonética. E depois é que farei a redação final que terá de ser impressa em
opúsculo e enviada com antecedência de pelo menos sete dias aos congressistas
pra ser estudado e depois convenientemente discutido e aprovado no plenário
do Congresso (ANDRADE, 1981 [1937], p.67).

A versão definitiva do anteprojeto foi discutida durante o evento e publicada, após


a inclusão das alterações recomendadas, sob o título “Normas para Bôa Pronúncia da
Língua Nacional do Canto Erudito” (NBP). O documento é dividido em duas partes,
sendo a primeira dedicada à defesa da padronização linguística e da escolha da pronúncia
carioca e a segunda, à descrição e regulamentação da língua padrão. A primeira parte,
intitulada “A Língua Padrão”, reivindica uma tradição nacional no canto e no teatro,
argumentando que a padronização da pronúncia é uma preocupação própria de países
civilizados e que ainda não recebeu a devida atenção no Brasil.

Faz parte da cultura duma nacionalidade a organização conciente de seus


processos essenciais de se manifestar. Entre estes processos de manifestação
culta estão a linguagem e a arte. Pode-se dizer que não existe país algum
civilizado que não procure conhecer, estabelecer e tradicionalizar as suas
manifestações filológicas e artísticas (NORMAS, 1938, p.55).

O texto defende a iniciativa do DC, argumentando que a língua e as manifestações


artísticas do país ainda não foram organizadas “dentro dum critério culto que fosse ao
mesmo tempo nacional e estético”. Entre as causas da “incúria brasileira a respeito da
nossa linguagem artística”, estariam a resistência à adaptação “de regras gramaticais que
não correspondiam á realidade nacional”, a diversidade da “fala nacional, perturbada por
fortes diferenciações fonéticas regionais”, e “a pouquidade das nossas artes incipientes”
(NORMAS, 1938, p.55). Ou seja, a diversidade linguística do país, o conservadorismo
das políticas de língua e as limitações do próprio campo artístico dificultariam a representação
da unidade nacional no canto e no teatro.
Na época, os atores e cantores brasileiros não procuravam neutralizar as marcas
da sua variedade regional e muitas vezes se esforçavam para pronunciar as palavras com
sotaque estrangeiro. João Ribeiro conta, em 1927, que “nos meios teatrais do Rio de
Janeiro era prestigiado o sotaque português, que os atores nacionais procuravam imitar”
(PINTO, 1981, p.XXXII). O mesmo ocorria com os cantores que se destacavam em sua
performance ao soar com acento italiano, francês ou espanhol. E havia também atores e

82
cantores estrangeiros que viviam no Brasil e se beneficiavam do prestígio atribuído pelo
público a essas marcas linguísticas. Essa heterogeneidade é descrita no documento como
um defeito estético e uma ameaça política.

Quem quer frequente o teatro nacional ficará desagradavelmente ferido ante a


diversidade de pronúncias que se entrechocam no ar. Essa diversidade deriva em
parte de atores estaduanos que, trazendo consigo suas pronúncias regionais e não
fazendo nenhum esforço para unificar essas pronúncias em beneficio do
equilibrio e da unidade fonética, tornam a obra-de-arte um mistifório malsoante,
irregular de estilo e de sonoridade, muitas vezes, por isso, de penosa compreensão
para o ouvinte. E que dizer-se então da quantidade de artistas, Portugueses,
Espanhóis e Italianos, ou ainda mesmo Brasileiros filhos de estrangeiros, que
surgem numerosamente no palco nacional, num desprêzo cego do bem dizer, e
que carreiam para a nossa linguagem sons espúrios, sutaques estrambóticos,
desnorteando a naturalidade e a pureza da lingua! Si o choque de pronúncias
regionais constitúe já um grave defeito de ordem estética, essas pronúncias
estrangeiradas são um gravíssimo perigo (NORMAS, 1938, p.56).

O teatro e o canto lírico eram pouco difundidos no país e ainda eram percebidos pelo
público como manifestações culturais europeias, o que explica a valorização dos sotaques
estrangeiros. A busca de uma tradição brasileira nessas artes sugere que o projeto nacional
das elites do século XIX não foi inteiramente abandonado, mas que precisava se adaptar aos
requisitos impostos pelo nacionalismo do século XX. Com a crise política e cultural do
período entreguerras, surge a demanda de criar nesses espaços de prestígio representações da
unidade nacional. Por isso, a ausência de padronização da pronúncia no canto e no teatro,
antes percebida como algo natural, é descrita como um empecilho aos interesses nacionais e
a manifestação da diversidade linguística nas artes se torna motivo de preocupação.
O esforço para preservar “a naturalidade e a pureza da língua” nas manifestações
artísticas se apoiava na ideia de que a fala brasileira se caracteriza por uma “sonoridade racial”
própria. Como sustenta o documento, “a arte de dizer, a dicção, não consiste apenas na emissão
clara dos fonemas. Carece não esquecer que não existe fonema sem timbre nem palavra sem
sonoridade racial” (NORMAS, 1938, p.57). Desta perspectiva, “a compreensão e a captação
do conteúdo do texto da canção nacional não seria obtida somente pela inteligibilidade
vocabular, mas principalmente pelo caráter da voz, ou pelo que [Mário de Andrade] viria a
chamar de timbre racial brasileiro [grifo da autora]” (PEREIRA, 2006, p.38). A unidade
linguística presumida garante a adequação aos modelos europeus de língua e cultura nacionais.

83
Mas aceitar essa hipótese não significava negar a diversidade linguística do país.
A diferenciação entre variedades regionais era percebida como produto da mudança
espontânea da língua. Já a padronização da pronúncia nas artes seria um requisito
civilizatório e uma maneira de projetar na língua a unidade nacional.

Não pensa o PRIMEIRO CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA


contrapôr-se de forma alguma ás diferenciações fonéticas de uma e outra
região do país. Além das considerações estéticas que podem ver uma riqueza
nessa diversidade, ela antes de mais nada é fatal – uma fôrça que nenhuma
pessoa nem entidade coletiva conseguirá destruir. O que não se pode porém
deixar á tonta e sem nenhum critério civilizador são as manifestações eruditas
da arte de falar, que em todos os países civilizados são fixadas pelo consenso
duma tradição feliz, ou pela determinação de quaisquer organismos competentes
(NORMAS, 1938, p.56).

A heterogeneidade das pronúncias regionais era aceitável do ponto de vista


científico e poderia até adquirir valor artístico, quando permitia interpretar de forma mais
autêntica os elementos regionais presentes numa obra musical ou teatral. Mas o
paradigma estético que informa o documento pressupõe a noção de arte nacional e, por
isso, interpreta como uma deficiência a manifestação da diversidade linguística nos
palcos. Essa avaliação se baseia na oposição entre natureza e cultura, implícita na
distinção entre “língua popular” e “língua culta”, onde a primeira seria o resultado de um
processo evolutivo natural e a segunda, um produto do engenho humano. Enquanto a
língua falada pela população “inculta” e descrita pela ciência é associada ao estado de
natureza, a língua elaborada pelos intelectuais e artistas eruditos corresponde à cultura.
Essa distinção entre fenômeno natural e artefato cultural justifica a padronização
da pronúncia, mas parece ser desconsiderada na indicação dos resultados esperados.
Como observa Pereira (2006), embora o objetivo inicial do evento fosse essencialmente
estético, havia a expectativa de “que a língua padrão escolhida para os palcos se
constituísse também em um fator de identidade e unidade nacional, revelando assim os
intentos maiores de Mário de Andrade e demais organizadores” (PEREIRA, 2006, p.14).
Ou seja, as principais motivações da iniciativa são descritas como consequência indireta
da padronização, como sugere a passagem a seguir.

País cuja unidade se conserva por efeitos quase de milagre pois que as razões
de religião e de lingua são insuficientes para explica-la; país cuja perigosa

84
vastidão geográfica, cujo crescimento irregular, cujos interesses econômicos,
cujo homem excessivamente individualista, cujos ventos climáticos, tudo
tende a dispersar numa poeira de nações americanas, idênticas ás que tiveram
a lingua e a religião de Espanha: o Brasil encontrará porventura nessa lingua-
padrão escolhida, que de norte a sul se normalizará no seu teatro e no seu verso
declamado, um orgulho de consentimento nacional, um treino de disciplina,
uma organização conciente, um fator verdadeiro de unidade. Não haverá por
certo um Italiano que não se ajunte a outro Italiano por mais distante em sua
pronúncia dialetal, ao pensar na bela lingua da Italia. E’ possível também
imaginar que todos os Brasileiros um dia, já acostumados civilizadamente á
pronúncia duma só linguagem, mais disciplinados por êsse esforço conciente
de unificação, sintam o mesmo orgulho do Italiano (NORMAS, 1938, p.57).

Antes de analisar o argumento em si, é necessário examinar alguns de seus


pressupostos. A ideia de civilização é associada a formas de disciplinamento da conduta
capazes de humanizar os indivíduos ao distanciá-los do estado de natureza. A língua
padrão é entendida como manifestação concreta de uma entidade abstrata, a comunidade
nacional, e a civilização – enquanto processo histórico – é o que torna possível tanto a
constituição dessa comunidade quanto a sua reificação na língua.
Por isso, o texto menciona os diferentes aspectos da realidade brasileira que levariam
à fragmentação da comunidade nacional, sugerindo que a civilização não avançou o suficiente
no Brasil e que a unidade nacional “se conserva por efeitos quase de milagre”. Com base nessas
premissas, se esperava que os efeitos da padronização da pronúncia extrapolassem os palcos e
modificassem a própria sociedade, funcionando como “um treino de disciplina, uma
organização conciente, um fator verdadeiro de unidade”.
A comparação com o italiano é significativa não só pelo prestígio associado a essa
língua no teatro e no canto lírico, mas também pela experiência de padronização linguística
da Itália, que era percebida como modelo por diversos congressistas. A imposição do
toscano como língua padrão relegou as demais variedades do italiano à condição de
dialetos, suplantando as identidades locais e contribuindo para criar na população um
senso de pertencimento à comunidade nacional. Essas variedades foram subalternizadas
e ressignificadas como aspectos do italiano padrão, demonstrando na língua a força
centralizadora do Estado nacional.
Logo após a solenidade de abertura, teve início a primeira sessão plenária do
Congresso da Língua Nacional Cantada e o diretor do DC apresentou o anteprojeto proposto
pela instituição. Depois de ler a introdução do documento, Mário de Andrade enfatizou a

85
sugestão de que “a pronúncia carioca por muitas razões, seja usada como lingua-padrão no
teatro, na declamação e no canto eruditos” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.7). A
proposta foi discutida no dia seguinte, durante a segunda sessão plenária, e aceita pela maioria
dos participantes. A imagem abaixo, que também foi publicada nos anais, mostra os
congressistas reunidos no foyer do Teatro Municipal em meio a uma sessão plenária.

Figura 4 – Congressistas durante uma Sessão Plenária

“Uma das alas do Congresso em plenário, no “Foyer” do Teatro Municipal de São Paulo. Vêem-
se entre outros congressistas, os professores Newton Maia, Antenor Nascentes, Andrade Murici,
Itiberê da Cunha, Murilo de Carvalho, Otávio Bevilacqua, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo,
Frutuoso Viana, Antonieta Rudge, Paula Barros, Maria Helena Coelho, Hernani Braga, Manuel
Bandeira” (ANAIS, 1938) – legenda original.

Essa imagem traz alguns detalhes que ajudam a entender a dinâmica das sessões
plenárias. A disposição das mesas em forma de semicírculo permitia que cada
congressista fosse visto e ouvido pelos demais ao se pronunciar. Sobre as mesas estão as
cópias do anteprojeto, que foram distribuídas aos participantes do evento para que cada
um fizesse suas anotações e apresentasse sua avaliação a respeito. A legenda sugere, pela
escolha da área fotografada, que a imagem foi feita no intuito de registrar a presença de
participantes ilustres. Ao fundo diversas pessoas assistiam à sessão sem mesas nem
papeis, o que indica que o evento atraiu um público considerável, mas nem todos os
presentes podiam propor alterações ao anteprojeto.
No debate sobre a escolha da pronúncia carioca, que ocorreu no segundo dia,
aqueles que se manifestaram a respeito fizeram três tipos de alegação: destacaram a

86
isenção de seu parecer, defenderam a proposta com argumentos e apresentaram ressalvas
ou questionamentos. Alguns mencionaram a região onde nasceram, sugerindo que sua
adesão à proposta não teria motivações subjetivas. Foi o caso do poeta, musicista e
teatrólogo paraense Carlos Marinho de Paula Barros e do pianista, professor e crítico
paranaense José Cândido de Andrade Muricy. A mesma alegação foi feita por Antenor
Nascentes, que se declarou “isento de paixões locais, embora fosse nascido no Rio de
Janeiro” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.12).
Na época, as identidades regionais eram reivindicadas como componentes da
nacionalidade (MOTTA, 1992, p.88) e a competição entre elas repercutia dentro do país
a lógica da rivalidade entre nações. Esse cuidado refletia tanto a demanda por impessoalidade
associada à conduta do cientista quanto a sobreposição do interesse nacional às “paixões
locais”. É o que sugere um relato da segunda sessão plenária publicado no jornal O Estado
de São Paulo ao elogiar os congressistas pela “conducta [...] irreprehensível” e pela
“isenção de preconceitos quer scientíficos, quer literarios ou mesmo regionaes”. A
publicação fornece detalhes da fala de Antenor Nascentes que não aparecem nos anais.42
De acordo com o jornal, depois de enfatizar a objetividade de sua avaliação, ele defendeu
a escolha da fala carioca, fazendo

um rapido historico da influencia cultural recebida pelo Brasil toda ella através
da corte onde se installaram, por iniciativa dos soberanos, institutos de cultura
e de sciencia. Todas essas condições de ordem histórica fizeram com que a
lingua falada no Rio de Janeiro fosse a mais cuidada do paiz. Além disso a
força centrípeta fez com que se reunissem ahi todos os modismos, do que
resultou tomar-se a. pronuncia carioca uma synthese das pronuncias do Brasil
(O Estado de São Paulo, 09/07/1937, p.11).

Essa argumentação corresponde, em linhas gerais, àquela apresentada pelo autor


no primeiro volume de O Idioma Nacional (1926) ao sustentar que “a pronúncia brasileira
normal é a do Rio de Janeiro”. Nessa obra, Antenor Nascentes destaca que sua avaliação
coincide com a posição de João Ribeiro na sua Gramática Portuguesa (1887) e no parecer
que apresentou à Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados em 1916
(NASCENTES, 1960 [1926], p.39-40).

42Nos anais consta apenas que “esflorando a historia da formação do ensino no Brasil, [Antenor
Nascentes] citou inúmeras causas que o levavam, independentemente da circunstancia de ser
carioca, a aceitar a proposta da pronúncia carioca como a exemplar para o teatro e canto”
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.12).

87
A avaliação de Nascentes parece corresponder à opinião da maioria dos estudiosos
de língua presentes na ocasião. O único participante a elaborar uma justificativa diferente
para a escolha da pronúncia carioca foi o musicólogo Luiz Heitor Correia de Azevedo, da
Escola Nacional de Música, que propôs a seguinte modificação no anteprojeto:

“Considerando ser a pronuncia carioca a mais elegante e a mais essencialmente


urbana, dentre as nossas pronuncias regionaes” em vez do “considerando ser a
pronuncia carioca a mais elegante, a mais caracteristicamente civilizada, a
mais essencialmente urbana e por isso, culta, entre as nossas pronuncias
regionaes. Posta em votação, esta emenda foi aprovada (O Estado de São
Paulo, 09/07/1937, p.11).

A nova redação suprimia a descrição dessa variedade como “a mais


caracteristicamente civilizada” e “a mais [...] culta”, mantendo apenas a sua caracterização
como “a mais elegante” e “a mais essencialmente urbana”. Nenhum dos relatos da
segunda sessão plenária apontam o motivo dessa modificação. Considerando o ambiente
político da época e a autoria da proposta, é possível supor que havia o receio de que os
trechos suprimidos estimulassem a disputa entre identidades regionais, e que a
caracterização estética da pronúncia carioca soasse menos polêmica. Afinal de contas,
após ser debatido pelos congressistas, o documento seria amplamente divulgado em todo
o país.
Embora a escolha da pronúncia carioca tenha recebido o apoio da maioria, muitos
participantes fizeram ressalvas, recomendando a supressão de formas linguísticas específicas.
O primeiro deles foi Antenor Nascentes, que era um estudioso do assunto e conduzia
pesquisas dialetológicas a respeito desde 1922. Dentre as características dessa variedade,
ele distinguiu aquelas que lhe pareciam adequadas e as que julgava incompatíveis com o
status de língua padrão. Nascentes destacou nas normas do anteprojeto os “itens que se
referiam aos grupos consonantais lh e nh, reputando o primeiro tolerável e o último
condenável pelo seu caracter de plebeismo repulsivo aos ouvidos”, e ilustrou essa
observação com dois exemplos:

“Cecilia” que o povo pronuncia quase lh, sem clara percepção do i, mesmo
quando a acuidade auditiva tenha subtilezas raras. Quanto ao nh (molhado) da
palavra “Antonho” por Antonio que se ouve falar, considera inaceitável, por
sua deselegância flagrante (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.12).

88
Ambos os casos eram característicos da fala carioca e, ao mesmo tempo,
demonstravam a distância entre a realidade linguística e o modelo idealizado de pronúncia.
A descrição do primeiro como “tolerável” e do segundo como deselegante, “condenável”,
“repulsivo” e “inaceitável” demonstra que havia uma hierarquia entre diferentes tipos de
“imperfeição”. O primeiro caso sugere que a supressão de uma vogal não era motivo
suficiente para se rejeitar uma marca considerada representativa da identidade linguística
local, ou seja, que a autenticidade era mais importante que a perfeição. O estigma
associado ao segundo exemplo e, sobretudo, a sua reiteração no discurso revelam que o
prestígio social era ainda mais importante do que a autenticidade.
Embora esses exemplos não apareçam nas NBP, o texto parece se basear no mesmo
princípio. As regras de pronúncia referentes à vogal [i] não mencionam a sua omissão em
formas como “Cecilha” e “Antonho”. Mas o documento destaca o repúdio na língua
padrão das formas associadas ao uso popular – isto é, “inculto” – resultantes da substituição
de [i] por [e] ou da sua nasalização.

A vogal i tem sempre seus valores específicos no canto da lingua-padrão.


São absolutamente repudiadas do canto erudito as tendências para, em sílabas
pretônicas, trocar o i pelo e (dêreito, menistro), e para nasalizar o i oral
(inlustre). Excetua-se naturalmente a palavra “muito” em que o ditongo sôa
nasal (NORMAS, 1938, p.72).

A exceção mostra que as regras da língua padrão não se baseavam em critérios


estritamente fonéticos. Se o mesmo fenômeno (nasalização) ocorria em “muito” e
“inlustre”, a aceitação apenas do primeiro, considerado natural pelo seu uso generalizado
no país entre falantes de qualquer classe social, indica que os demais casos foram
interditados por representar setores específicos da sociedade e carregar os estereótipos e
estigmas associados a indivíduos desses segmentos. A versão final do documento traz
diversos exemplos que corroboram essa interpretação.
Na segunda sessão plenária, também estavam presentes Renato Mendonça e
Cândido Jucá Filho, estudiosos de língua bastante respeitados na época. Mendonça, que
também era professor do CPII e estudioso da dialetologia, declarou que “apoia inteiramente
os pontos de vista do Sr. Antenor Nascentes”. Cândido Jucá Filho, que era professor do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro e tinha pelo menos dois trabalhos sobre a
pronúncia carioca, considerou a utilidade de estabelecer uma língua padrão, mas observou
que “a pronúncia carioca acha-se eivada de alguns defeitos deselegantes, assim o l é quasi

89
pronunciado como u, o r pouco perceptível á distancia e o s chiado” (RELATÓRIO E
MOÇÕES, 1938, p.12).
O relatório das sessões plenárias registra a hesitação de Cândido Jucá Filho diante
da escolha da pronúncia carioca como língua padrão. Embora não tenha contestado
abertamente a proposta, ele declarou ser “a pronúncia paulista bastante clara em suas
vogais dando ao ouvinte uma percepção de todos os seus sons” e concluiu sua fala “dizendo
que apoiará sem embargo as ponderadas conclusões do Congresso” (RELATÓRIO E
MOÇÕES, 1938, p.12). De acordo com os anais, no fim da sessão a proposta do DC foi
aprovada “por unanimidade de votos, com prolongada salva de palmas da assistência”
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.15).
Também houve, entre os participantes, quem questionasse não só a escolha da fala
carioca, mas a própria viabilidade de uma pronúncia padrão. O relato do jornal O Estado
de São Paulo informa que, durante a segunda sessão plenária, o maestro, pianista e
arranjador Francisco Gorga declarou ser

inexequível a fixação da lingua-padrão, por ser também a pronuncia carioca e


eivada de defeitos e que na sua opinião seria portanto difícil fixá-la como
modelo. Affirma que nos paises europeus, onde se tentou a uniformização da
lingua culta, tal iniciativa não conseguiu êxito [...] que nem no theatro, nem no
canto artistico seria admissível obrigar-se o estabelecimento de uma lingua-
padrão (O Estado de São Paulo, 09/07/1937, p.11).

O maestro apontou pelo menos quatro fatores que, no seu entender, inviabilizavam
a proposta do DC. O primeiro é o fato de que a pronúncia proposta como modelo para
todo o país é também uma variedade local, o que seria inadequado na sua opinião. O
segundo está nos “defeitos” da fala carioca, apontados por outros participantes, o que
dificultaria a sua adoção como modelo. O terceiro, é a impossibilidade de garantir que
um único padrão seja adotado em todo o país tanto no canto quanto no teatro. O quarto é
a insensatez dessa medida, que seria, na sua avaliação, uma interferência inaceitável sobre
o trabalho artístico.
Francisco Gorga não era musicólogo ou professor universitário, mas buscou
credibilizar sua fala com as referências bibliográficas que julgava pertinentes. O relato
publicado no jornal destaca que o maestro apoiou “sua affirmativa com a citação de
leituras”, mas não menciona quais ou quantas citações nem os autores e as obras citadas.
Os anais do evento informam apenas que

90
o Sr. Francisco Gorga [...] se pronuncia pela inexequibilidade do objetivo
colimado pelo Congresso, baseando suas refutações em idênticos fenomenos
registados em outras linguas, quando iguais tentativas foram ensaiadas.
Esta última parte de suas asserções provocou apartes da assistência”
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.12).

As únicas réplicas registradas foram de Mário de Andrade e do jornalista Júlio de


Mesquita Filho, que era diretor e proprietário do jornal O Estado de São Paulo. Mário de
Andrade argumentou “que ninguém será obrigado á lingua fixada pelo Congresso, mas
no theatro e em outras manifestações orais de pensamento e de cultura deveria ser seguida
uma lingua modelo, como se faz em outros Estados estrangeiros”. E fez a leitura do trecho
que esclarece “o que o ante-projecto aconselha e que deixa a liberdade de adopção da
linguagem preconizada”. Júlio de Mesquita Filho, que presidia a sessão plenária, reiterou
as declarações de Mário de Andrade e concluiu que “todos, aliás, concordam que a
proposta do Departamento de Cultura é uma proposta razoável e caso contrário nem
haveria razão de ser no proprio Congresso” (O Estado de São Paulo, 09/07/1937, p.11).
Na terceira sessão plenária, teve início a discussão sobre a segunda parte do
anteprojeto, que descreve os fonemas da língua padrão e estabelece as normas de
pronúncia. O texto indica quantos são os sons vocálicos e os sons consonantais da língua
padrão – referidos apenas como “vogais” e “consoantes” – e descreve cada um deles. Para
entender o saber linguístico em que se baseava esse diagnóstico, é preciso considerar que
em 1937 a linguística estrutural era ainda uma orientação recente43 e disputava espaço
com a linguística histórica e comparativa. A abordagem desenvolvida pelos linguistas do
Círculo de Praga, que delimita o fonema a partir de sua função no sistema da língua, era
praticamente desconhecida no Brasil.
A fonética era um estudo naturalístico dos sons da língua e despertava interesse à
medida que permitia descrever com maior precisão o processo histórico de mudança
linguística. Entender esse mecanismo ajudaria a explicar como as línguas nascem umas a
partir de outras, evoluem por diferenciação progressiva e desaparecem ao longo do tempo.
Desta perspectiva, as pesquisas fonéticas seriam mais proveitosas à medida que pudessem
detectar nuances na fala e distinguir os fonemas de forma detalhada. Os sons da língua

43O Congresso Internacional de Linguistas, que foi o primeiro espaço de difusão da linguística
estrutural, teve sua primeira edição em 1929 (Haia), a segunda 1931 (Genebra), a terceira em
1933 (Roma) e a quarta em 1936 (Copenhague), um ano antes do Congresso da Língua Nacional
Cantada.

91
eram investigados tanto do ponto de vista físico (fonética acústica) quanto do ponto de
vista fisiológico (fonética articulatória). Embora distintas, essas duas abordagens podiam
se complementar.
Na parte do documento que determina quantos e quais são os fonemas da língua
padrão, a letra B representa duas consoantes – o que equivale, nos termos da fonética
atual, a dois alofones do fonema /b/ – e as letras C e Q representam a mesma consoante.
No texto, a descrição de cada som é seguida de exemplos, que destacam em itálico a
correspondência entre o fonema especificado e a letra que o representa. Conforme o
documento,

São 25 as consoantes da lingua-padrão:


B oclusiva bilabial sonora (bom)
B fricativa bilabial sonora (aba, albor)
C ou Q oclusiva velar surda (caqui) [...] (NORMAS, 1938, p.62).

A forma como foram descritos e representados os fonemas da língua padrão revela


algumas limitações do saber linguístico estabelecido. Ao que parece, a classificação
articulatória não era suficiente para caracterizá-los, o que explica o uso de exemplos para
indicar a sonoridade considerada. Com isso, leitores menos familiarizados com os estudos
de fonética, como atores e cantores, teriam menos dificuldade para adotar a pronúncia
padrão. Mas esse recurso tornava a descrição menos precisa, por se basear na associação
de cada som a uma letra do alfabeto. Um leitor que não soubesse como cada exemplo
deveria soar teria que partir da grafia e acabaria por associá-la à pronúncia equivalente na
sua variedade local.
Essa questão veio à tona na quarta sessão plenária, quando alguns participantes
pediram a supressão de um exemplo, alegando que a palavra em questão era pronunciada
de forma diferente em algumas regiões. O problema foi percebido, mas não chegou a ser
equacionado de maneira satisfatória.

No capitulo “Regionalismo” travaram-se vivos debates sobre a pronúncia do


exemplo “Tietê”, achando uns que devia ser retirado por ser pronunciado
divergentemente em várias regiões. Em torno dessa argumentação objetaram
vários congressistas entre os quais os Srs. Graco Silveira, Pio Lourenço Correia
(pro êtê) e os Snrs. Luiz Heitor [Correia de Azevedo], [Carlos Marinho de]
Paula Barros, Renato Mendonça e outros que reconhecem a coincidência do
Tietê em várias regiões do país. O Prof. Mario de Andrade propõe então

92
supressão completa da frase final do capítulo “Regionalismos” por não ter
valor decisório para a pronúncia da lingua-padrão. Votada esta proposta, foi a
mesma aprovada pela maioria (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.20).

Entre os participantes mencionados, havia pelo menos dois estudiosos de língua –


Graco Silveira, que era professor da Escola Normal de Itapetininga, e Renato Mendonça,
que era professor do CPII. No entanto, como os relatos publicados na imprensa não
registraram o caso, não há como saber que argumentos foram apresentados. O resultado
da votação mostra que a questão foi decidida sem que houvesse consenso a respeito. A
solução apresentada – suprimir a passagem que motivou o debate – sugere que o grau de
polarização entre os congressistas impediu o avanço do debate.
Essa não era uma limitação própria do congresso, mas uma característica do saber
instituído no âmbito dos estudos linguísticos. Na comissão científica de filologia estavam
dois dos principais foneticistas brasileiros, Antenor Nascentes e Cândido Jucá Filho, que
se dedicavam à descrição da pronúncia carioca e tinham trabalhos a respeito. O texto do
anteprojeto se baseava principalmente44 nas obras de Antenor Nascentes – O Linguajar
Carioca em 1922 e o quarto volume de O Idioma Nacional – e no relatório “apresentado
ao Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, pela Comissão nomeada para
estudar a pronúncia carioca” (NORMAS, 1938, p.54) e fixar o padrão de pronúncia a ser
ensinado nas escolas primárias, profissionais e normais da capital.
Essa equipe, organizada em 1930 pelo próprio Antenor Nascentes, descreveu a
fala carioca por meio da observação auditiva. Depois de fazer uma descrição preliminar
dos fonemas e da maneira como são pronunciados, os membros da comissão visitaram
instituições de ensino cariocas para confrontar essa versão com a pronúncia espontânea.
O resultado foi estabelecido com base na pronúncia de aproximadamente “cem crianças
cariocas e filhas de pais cariocas, de todas as classes” (apud PINTO, 1981, p.XXX). Na
época, Antenor Nascentes reconheceu as limitações da pesquisa e lamentou a
impossibilidade de registrar as amostras de fala em disco, mas sugeriu que essa descrição
seria revisada após a instalação de um laboratório de fonética experimental no CPII – o
que nunca chegou a ocorrer (NASCENTES, 2003 [1938], p.385).

44 Também constam na bibliografia do documento as Lições de Português (1934), de Souza da


Silveira, O Português do Brasil (1936), de Renato Mendonça, A Língua do Nordeste (1934), de
Mário Marroquim e Dialeto Caipira (1920), de Amadeu Amaral, obras em que a descrição da
pronúncia também se baseava na observação auditiva.

93
Apesar do avanço tecnológico sinalizado por produções como a comunicação de
Edgard Roquette-Pinto, sobre fonética experimental, e a gravação de pronúncias regionais
em disco, realizada pelo DC, a elaboração do anteprojeto contou basicamente com os
mesmos recursos técnicos que a comissão organizada por Antenor Nascentes. O relato da
terceira sessão plenária informa que

O capítulo das “Normas Gerais” do Anteprojeto, que estabelece o número e o


caracter das vogais e das consonâncias da lingua-padrão provocou vivas
discussões de que participaram numerosos congressistas. Foi por todos
reconhecida primordialmente, a natureza falível de semelhantes determinações
enquanto não existam no país gabinetes de fonética experimental, que são o
único elemento verdadeiramente científico e atual capaz de determinar de
maneira insofismável o número e a natureza dos sons duma língua
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.16).

O consenso a esse respeito demonstra que, do ponto de vista epistemológico, o


Congresso da Língua Nacional Cantada foi marcado não só pelo interesse na investigação
empírica da variedade brasileira, mas também por uma mudança no modo de perceber o
objeto da pesquisa linguística. Com o avanço da tecnologia utilizada nos estudos de fonética,
a credibilidade atribuída à observação direta dos fenômenos já não seria suficiente para
produzir resultados confiáveis. A percepção dos laboratórios de fonética experimental
como uma necessidade básica mostra que a língua era abordada como fenômeno natural
não só pelo uso de metáforas organicistas e pela adoção de modelos explicativos da
História Natural ou da Biologia, mas também pela valorização de protocolos de
observação utilizados nas ciências experimentais.
A exigência de rigor científico, inspirada no modelo das ciências naturais, se
manifesta também nas mudanças propostas por estudiosos da língua ao texto do anteprojeto;
mudanças que, em sua maioria, se referiam à terminologia científica. A denominação
“oclusiva” foi rejeitada por Renato Mendonça, que propôs substituí-la por “explosiva”.
Antenor Nascentes contestou a proposta e defendeu a manutenção da forma utilizada no
documento. Em seguida, Cândido Jucá Filho recomendou a substituição de “oclusiva”
por “plosiva”. O relato publicado em O Estado de São Paulo informa que a discussão se
estendeu, “provocando apartes de congressistas como os srs. Graccho Silveira, Francisco
Gorga e Antonio Sá Pereira” (O Estado de São Paulo, 09/07/1937, p.11). As propostas
foram colocadas em votação e, no fim das contas, permaneceu a denominação “oclusiva”.

94
Mesmo sem saber o motivo da divergência,45 é possível interpretá-la como uma
tentativa de padronizar a nomenclatura utilizada na descrição fonética. Esse anseio se
revela também no interesse de alguns pesquisadores pelo sistema de transcrição da
Associação Fonética Internacional. São exemplos disso durante o evento a comunicação
apresentada por Cândido Jucá Filho na sessão de filologia, descrevendo aspectos da
pronúncia carioca com base elementos do alfabeto fonético internacional, e uma
declaração feita por Antenor Nascentes na última sessão plenária. De acordo com o jornal
O Estado de São Paulo,

O professor Antenor Nascentes fez a seguinte communicação oral: acha-se


elaborando um vocabulario orthophonico brasileiro, possuindo achegas até a
letra “j” e estando ainda á espera das matrizes do alphabeto phonetico
internacional para a fixação da pronuncia brasileira (O Estado de São Paulo,
13/07/1937, p.11).

Depois de estabelecer quantas são as vogais e consoantes da língua padrão e as


classificar do ponto de vista articulatório, o anteprojeto esclarecia o “valor relativo das
vogais e consoantes”, indicando como os sons vocálicos e os sons consonantais deviam
ser aproveitados musicalmente. Esse item também sofreu alterações para adequar o texto
à terminologia corrente nos estudos de fonética. Cândido Jucá Filho recomendou a
supressão de um trecho sobre os sons consonantais, e Antenor Nascentes pediu a
substituição da palavra utilizada para se referir à produção desses sons. A citação abaixo,
baseada na versão final do documento, destaca em itálico – os grifos são meus – as formas
sugeridas e indica entre colchetes as partes modificadas e quem propôs cada alteração.

As vogais são na verdade os sons das palavras, e por isso devem tomar
aproximadamente todo o tempo que duram os sons musicais. As consoantes
quer precedendo, quer sucedendo á vogal silábica, são ruídos [ sem sonoridade
própria (Cândido Jucá Filho) ] que se ajuntam ao som vocálico. Por serem
ruídos, as consoantes prejudicam a pureza da emissão musical da voz, mas são
imprescindíveis para a criação intelectual das palavras. Devem por isso as
consoantes ser articuladas [ emitidas (Antenor Nascentes) ] com nitidez
perfeita, mas sempre com a maior brevidade e discreção possíveis, para que,
perfeitamente inteligíveis sempre, não prejudiquem o som musical (NORMAS,
1938, p.63).

45As três formas são utilizadas hoje como sinônimos, mas é possível que, na época, fossem
associadas a orientações teóricas ou metodológicas distintas.

95
As modificações propostas no item seguinte, intitulado “Vogais abertas e fechadas”,
revelam o mesmo esforço de padronização da nomenclatura científica. Renato Mendonça
sugeriu que fosse “uniformizada a designação “pretonica” em vez de “ante-tonica”; esta,
objeta o Prof., fere ao ouvido por uma aliteração”. As primeiras edições de A Formação
Histórica da Língua Portuguesa (1955), de Silveira Bueno, e da Gramática Normativa
da Língua Portuguesa (1958), de Rocha Lima, mostram que aquela denominação
continuou a ser utilizada pelo menos até a década de 1950. Na sequência, Antenor
Nascentes pediu que fosse substituída “a expressão “vogais mudas” [...], por não
existirem na técnica da filologia, lembrando que as ha com o nome dê “reduzidas”
(segundo G. Vianna) ou “cochichadas” segundo Oliveira Guimarães” (NORMAS, 1938,
p.20). Consta nos anais que as duas propostas foram colocadas em votação e aprovadas
por unanimidade.
Esse item esclarecia qual o timbre característico das vogais na variedade brasileira
e recomendava o seu aproveitamento no canto e no teatro, argumentando que, além de
representar a identidade linguística nacional, ele coincidia com as convenções do gênero
em outros países.

Tanto na lingua-padrão dos Cariocas, como em geral em quase todas as


pronúncias regionais cultas do Brasil, são mais numerosas as vogais fechadas
que as abertas.
Esta tendência nacional coincide com as normas gerais do belcanto europeu
que busca evitar a prolação de vogais demasiadamente abertas. Acresce ainda
ser essa uma tendência bastante específica e nacional, por onde já não somos
mais Portugueses, sinão os seus herdeiros. Onde os Portugueses, no pretérito
perfeito simples, abrem a vogal nasal tônica e dizem “amámos”, nós
Brasileiros dizemos “amâmos”. Assim, a tendência para as vogais fechadas
deve ser aproveitada no canto erudito brasileiro, para maior caracterização
nacional do timbre e maior facilidade de emissão vocal (RELATÓRIO E
MOÇÕES, 1938, p.64).

Aparecem aqui algumas questões fundamentais discutidas na primeira parte do


documento. A ideia de um “timbre racial” brasileiro encontra sustentação empírica na
constatação de que as vogais fechadas são predominantes na maioria das regiões do país.
Esse diagnóstico não se referia ao conjunto da sociedade, e sim à fala de pessoas “cultas”,
mas o percentual da população representado pelo recorte não parecia comprometer a

96
pertinência do argumento. As premissas que levaram à criação de uma língua “culta”
nacional permitiam delimitar as “pronúncias regionais cultas” – aquelas que poderiam ser
adotadas como padrão nacional. Essa “tendência bastante específica e nacional”, que nos
tornaria linguisticamente brasileiros, foi legitimada pela coincidência com “as normas
gerais do belcanto europeu”. A importância atribuída a essa coincidência indica a base
ontológica da operação conceitual mobilizada para conferir existência autônoma à
variedade brasileira.
A percepção dos sons da língua como manifestações da essência nacional também
adquire um papel importante no item “Estrangeirismos musicais”, que exclui da
pronúncia padrão as formas associadas a outras línguas.

São energicamente repudiados do canto brasileiro todos os estrangeirismos de


emissão e dicção musical, como as vogais mudas e as paragoges depois de l ou
r portuguesas; o nasal francês; as consoantes duplas italianas; e ainda a emissão
do rr forte nos grupos consonantais br cr dr fr gr pr e tr (brruto por bruto,
trremer por tremer), á feição de cantores italianos quando maus. Serão também
energicamente repudiadas as fasificações de emissão para obter o timbre
afroiânque ou dos cantores de tango argentino (NORMAS, 1938, p.68).

Essas formas linguísticas foram associadas, numa relação metonímica, à


nacionalidade dos cantores ou atores que as utilizavam originalmente. Para os
congressistas, esses fonemas impediriam a representação da brasilidade nos palcos não
só por comprometer a “pureza” da variedade local, mas também por significar a
precariedade da arte nacional. A descrição detalhada de cada um desses “estrangeirismos”
e o fato de serem “energicamente repudiados do canto brasileiro” demonstra a fragilidade
do nacionalismo linguístico preconizado pelo Congresso da Língua Nacional Cantada. O
trecho citado revela ainda que a mudança da designação “vogal muda”, por sugestão de
Antenor Nascentes, não foi estendida à totalidade do documento.
O projeto de padronização linguística discutido no evento foi questionado em seus
fundamentos por José Oiticica, que era professor na Escola Dramática do Distrito Federal
e na Escola de Filosofia e Letras da UDF. Oiticica era conhecido por seus Estudos de
Fonologia (1916), obra em que propôs uma abordagem própria do assunto; por sua
antipatia ao modernismo paulista46 e pela atuação como líder político e divulgador do

46Numa conferência que realizou no CPII, em 1933, quando era professor da instituição, José
Oiticica se referiu aos modernistas de São Paulo como “filhinhos de papai [que] faziam literatura

97
anarquismo no Brasil – o que resultou na sua perseguição por diferentes governos e lhe
trouxe alguns prejuízos profissionais. Também se destacava por sua “personalidade difícil
e arredia”, que o levava a ser “franco em suas opiniões, desabusado de palavras e atitudes”
(ELIA, 1963, p.169), e por polemizar com outros intelectuais nas páginas dos jornais.
Essa participação não estava prevista inicialmente, mas foi viabilizada pela
abertura de uma sessão extraordinária47 – a segunda na programação do evento. Como as
sessões extraordinárias não foram relatadas nos anais há pouca informação a respeito de
cada uma delas. A principal fonte a respeito são as versões escritas das comunicações
apresentadas em cada sessão, mas José Oiticica não entregou à organização do evento
nenhum texto referente à sua conferência nem participou de outras atividades. O principal
registro da sua conferência está no relato publicado no jornal O Estado de São Paulo, que
reproduzo a seguir.

O conferencista elogia o trabalho do Congresso em procurar a padronização da


pronuncia da língua brasileira considerando-o de esforço notável. [...] Discorre
depois sobre a utilidade duvidosa de uma pronúncia padrão, e mostra-se em
desacôrdo com a conclusão a que chegou o Congresso da Lingua Nacional
Cantada, adoptando a linguagem carioca para base dos seus estudos. Fala
tambem da criação de um gabinete de phonetica aqui no Brasil e do existente
na Allemanha que dispõe de uma discotheca notável com o registro de um
grande numero de linguas de todos os continentes.
Conta a seguir do insucesso que teve quando quiz organizar um gabinete
semelhante, pois é de opinião que sem tal apparelhamento qualquer trabalho de
estudo sobre a pronuncia será precario, praticamente impossível obter-se um
padrão unico de phonetica e prematura qualquer conclusão do Congresso. [...]
[E] cita a opinião de autores e apreciações de estrangeiros sobre a lingua
portuguesa como os que a consideram lingua de melhor prosodia para o canto
e declamação não necessitando, portanto, de se estabelecer outra especial (O
Estado de São Paulo, 13/07/1937, p.11).

As informações oficiais sobre a participação de José Oiticica registram apenas a


repercussão de sua fala entre os participantes do evento. As declarações feitas por Mário

futurista ou viviam nas legações da Europa e América rabiscando croniquetas fúteis, em


português horrendo” (NASCENTES, 2003, p.173).
47 Mário de Andrade conta que no primeiro dia do evento Cândido Jucá Filho o informou “que o

Prof. José Oiticica teria muito prazer em participar desta assembléa, caso lhe fosse reservada a
tarde de domingo, ontem, dia 11, para fazer uma “conferência”.” ( RELATÓRIO E MOÇÕES,
1938, p.25).

98
de Andrade e Antenor Nascentes durante a sessão plenária do dia seguinte – reproduzidas
na íntegra, entre aspas, nos anais – mostram que a conferência foi recebida como um
ataque gratuito ao evento e ao esforço coletivo dos participantes. Apesar disso, não houve
oportunidade para um debate a respeito ou para uma réplica por parte dos congressistas.
Mário de Andrade declarou que “tanto era extraordinária a sessão de ontem, que o Prof.
Jucá, que a presidiu, não ofereceu a ninguém, e agiu certo, direito para um revide” e
garantiu ter honrado o convidado até o momento de sua partida na estação de trem, “sem
a menor alusão á conferência dele” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.25).
Depois de fazer esses esclarecimentos, o diretor do DC anunciou que iria se
pronunciar agora despido “da representação oficial que tão pesada me fica, para, como
simples congressista, protestar energicamente contra, não contra a opinião, mas contra a
atitude do Prof. José Oiticica”. Declarou que o conferencista “talvez tenha se cuidado entre
alunos de primeiras letras com os quais, antigamente, os professores tomavam atitudes
categóricas e ditatoriais” e que ele admitiu “não ter lido o Anteprojeto, sinão na
determinação das consoantes e vogais da lingua-padrão” (RELATÓRIO E MOÇÕES,
1938, p.26). Essa impressão foi corroborada por Manuel Bandeira que, num testemunho
citado por Sílvio Elia, afirma que Oiticica “tratou os confrades do Congresso como se
êles fôssem uma malta de mistificadores ignorantes” (apud ELIA, 1963, p.198).
Mário de Andrade resumiu à sua maneira a argumentação do conferencista ao
afirmar que ele

considera impossível a fixação de uma lingua-padrão antes dos laboratórios nos


dizerem da beleza ou fealdade de tal e tal fonema. Porque [...] a língua padrão do
Brasil só poderia ser criada, não escolhida, “criada” depois dos gabinetes de
fonética experimental e de havermos experimentado todos os fonemas de todas
as pronúncias do Brasil (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.27).

Ele destacou como prova de arrogância o fato de José Oiticica afirmar que “tal
vogal não existe nem tal consoante, quando preliminarmente [...] dissera por si mesmo que
não se poderia afirmar a existência ou inexistência de certos sons, antes da prova definitiva
dos laboratorios de fonética experimental” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.26).
Embora reconhecesse a necessidade dos laboratórios de fonética experimental e
de estudos mais abrangentes sobre as pronúncias regionais, Mário de Andrade acreditava
na possibilidade de estabelecer uma língua padrão nacional, mesmo que de forma
imperfeita, sem esses recursos. Ele questionava se

99
quando os italianos, pouco a pouco, se disciplinaram numa só pronúncia artística
do italiano, os franceses numa só pronúncia artística do francês, os alemães numa
só pronúncia artística do alemão, [...] si foram correndo em busca dos conselhos
críticos dos gabinetes de fonética experimental ou dos conselhos críticos do
ouvido e da tradição (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.27).

A expectativa de que algo semelhante pudesse ocorrer no Brasil se baseava


também na distinção entre “escolher” e “criar” uma língua padrão. Essa premissa se
revela na forma como Mário de Andrade enfatiza que, para José Oiticica, a pronúncia
padrão seria “criada, não escolhida, “criada” depois dos gabinetes de fonética
experimental e de havermos experimentado todos os fonemas de todas as pronúncias do
Brasil”. Ele desenvolve essa argumentação ao esclarecer que tinha considerado as duas
possibilidades e preferiu escolher

uma pronúncia já existente, porque só das pronúncias existentes é que temos


experiência e prática. Criar-se uma pronuncia artificial feita de um amontoado
de fonemas de varias regiões, era criar um esperanto, ou millior, um volapuque
absurdo, porque, ninguém jamais nunca não teve notícia de que uma lingua
artificial se vulgarizasse; “se humanizasse” é que devo dizer (RELATÓRIO E
MOÇÕES, 1938, p.27-28).

Desta perspectiva, só haveria duas formas possíveis de padronização linguística e


a escolha de uma inviabilizaria a outra. Se a pronúncia padrão não for criada pela reunião
de “um amontoado de fonemas de varias regiões”, ela só pode ser escolhida entre aquelas
que já existem. Mário de Andrade não considerava as modificações feitas na pronúncia
carioca como criação de uma nova variedade, distinta daquela que serviu de base para a
padronização. É interessante notar que essa concepção também remete à premissa da
separação entre natureza e cultura, porém, como o engenho humano ainda não podia
oferecer soluções satisfatórias, a preferência se desloca para a evolução espontânea, que
corresponde ao domínio do natural, por parecer mais segura.
Antenor Nascentes, que não assistiu à conferência, soube que nela “se apontavam
como erradas algumas resoluções que o Congresso tomou, prestigiando opiniões minhas”.
E pediu a palavra para se pronunciar a respeito no início da sessão, antes da intervenção
de Mário de Andrade.

100
Não praticarei a deselegância de falar contra o vencido; isto iria contra as
praxes de todas as assembléas. Quero apenas dizer que o Congresso pode ficar
plenamente descansado quanto ás resoluções tomadas porque, se não vale a
palavra de um professor patrício, se não serve a prata da casa, valha ao menos
a opinião de mestres estrangeiros, como Navarro Tomaz e Oliveira Guimarães,
cuja experiência e cujos ensinamentos, enquanto não tivermos gabinetes de
fonética, somos obrigados a subsidiariamente aceitar. O bugre brasileiro não
alterou tanto assim a pureza dos fonemas lusos. Descanse o Congresso, a todo
tempo poderei dar as provas do que disse, caso seja necessário (RELATÓRIO
E MOÇÕES, 1938, p.24).

Oiticica acreditava que as hipóteses formuladas por foneticistas estrangeiros a


partir da descrição de suas próprias línguas levariam a uma descrição imprecisa da
variedade brasileira. Mas a falta de laboratórios de fonética não lhe permitiu desenvolver
a sua abordagem, o que manteve a questão em aberto. Diante disso, Nascentes recorreu à
autoridade do português Oliveira Guimarães e do espanhol Navarro Tomás, argumentando
que “o bugre brasileiro não alterou tanto assim a pureza dos fonemas lusos”. Mas também
procurou conquistar a confiança dos participantes através de sua atitude. Embora não
tenha ocorrido um debate, ele se referiu a José Oiticica como “o vencido”, como se o
problema já estivesse decidido, e fez questão de dizer que evitaria “a deselegância de falar
contra”, contrastando essa postura à de seu adversário.
O debate teve continuidade em duas cartas trocadas por Nascentes e Oiticica no
ano seguinte e publicadas de forma independente por cada autor.48 Nesses escritos, onde
a argumentação técnica é orientada pela cordialidade entre antigos colegas, a atitude
provocativa de Oiticica é contrabalançada pela cautela de Nascentes.

Tive de vencer a minha natural relutância a dares e tomares e só o fiz pela


muita consideração que você me merece por nossas velhas relações e pela
maneira cortês de que se revestiu a sua carta. [...]
Nós somos naturezas bem diversas.
Você é impetuoso, eu sou calmo. Você é brilhante, original, inovador; eu sou
apagado, rotineiro, conservador. Você é dispersivo; eu sou metódico.
Se nós, contrabalançando nossas qualidades e defeitos, nos uníssemos, que não
seríamos capazes de realizar? (NASCENTES, 2003 [1938], p.390-391)

48 Ver Nascentes (2003) e Oiticica (1955).

101
Oiticica escreveu a Nascentes em 13 de janeiro de 1938, comentando o capítulo
sobre fonética histórica do último volume da série O Idioma Nacional, e se disse surpreso
ao encontrar na obra “tôdas aquelas afirmações que eu combatera no Congresso da Língua
Nacional Cantada”. Diante disso, questionou se os colaboradores do evento tinham seguido
nos menores detalhes a posição de Nascentes ou se foi ele mesmo o mentor do anteprojeto.
Disse ainda ter iniciado “uma carta aberta ao Mário de Andrade, rebatendo suas asserções
e defendendo-me de sua agressão pelas costas. Essa elaboração foi-se arrastando porque
muito me repugnava discutir, com leigos, tal assunto. Leigos, e de má fé” (OITICICA,
1955 [1938], p.163).
Em sua resposta, redigida em 15 de dezembro de 1938, Nascentes afirma que não
foi “autor nem mentor direto do Congresso de Língua Nacional Cantada. Mário de
Andrade, ao organizar o anteprojeto, louvou-se nas minhas opiniões, expendidas no IV
volume da minha série, e teve a gentileza de mostrar-me aquele trabalho antes da
impressão”. Ele reconhece ter seguido “muito de perto a Navarro Tomás e Oliveira
Guimarães” e argumenta, citando um trecho da própria obra, que a falta de laboratórios
de fonética experimental torna inevitável “adotar imperfeitamente os trabalhos dos
mestres portugueses e espanhóis" (NASCENTES, 2003 [1938], p.374). Ao retomar o
assunto, mais adiante, Nascentes acrescenta que suas posições se devem também à
confiança que deposita em sua própria acuidade auditiva.49
As divergências entre eles se devem a suas orientações teóricas e à forma como
cada um descreve os sons da variedade brasileira. No caso dos fonemas vocálicos,
Nascentes assume a vogal oral a como voz fundamental e classifica as demais pela
variação dos timbres na sequência que vai até as vozes i (aguda) e u (grave). Com isso,
ele obtém

9 fones, representados sobre um ângulo de 45°, (i-é-ê-e-a-ó-ô-u-U), espécies


essas multiplicadas em abertas ou baixas, fechadas ou altas e reduzidas.
Segundo o autor, elevando-se o dorso da língua em sua metade anterior e
abaixando na posterior, têm-se as vogais anteriores ou palatais e, inversamente,
com o acréscimo do arredondamento dos lábios, as vogais posteriores ou
velares. Em outras palavras, as vozes orais desdobram-se em uma escala de

49 “Não se havendo realizado ainda experiências com a fala brasileira, nós do Brasil estamos na
situação dos portugueses do tempo de Gonçalves Viana, tendo somente por guia o ouvido. Eu
sinto a diferença: possuo ouvido supranormal, assim classificado pelo Dr. João Marinho”
(NASCENTES, 2003, p.377).

102
timbres crescentes (do som anterior mais fechado [i] para o mais aberto [a]) e
decrescentes (do posterior [a] para o mais fechado [u]) (FRANÇA, 2004, p.39).

Oiticica rejeita a caracterização das vogais como anteriores ou posteriores,


argumentando que o som ã é produzido pela ressonância nasal na ausência de
movimentação da língua. Ele propõe uma classificação alternativa, que considera tanto a
articulação quanto as ressonâncias, assumindo o som ã como base do seu “sistema fonético
brasileiro”.

O ã caracteriza-se por sua articulação zero, e sua ressonância nasal. O i tem


articulação línguo-palatal e ressonância bucal. O õ tem articulação bilabial e
ressonância nasal.
A língua só entra como elemento articulatório na série é, ê, ĕ, ĭ, í.
Na série ó, ô, ŏ, ŭ, ú, os elementos articulatórios são os lábios. Em rigor, posso
pronunciar a série ó...ú sem retrair a língua; mas é humanamente impossível
pronunciá-la sem fechar os lábios. A retração da língua facilita, apenas, a
ressonância. Em ambas as séries a ressonância é anterior à posição da língua.
Logo, na série ó...ú, tanto a articulação como a ressonância são anteriores.
Como, pois, chamar-lhes vozes posteriores, e, mais ainda, velares? Que tem o
véu palatino com a série ó...ú? (OITICICA, 1955 [1938], p.172-173).

Como resume França (2004), enquanto Antenor Nascentes partia da perspectiva


auditiva, se baseando na percepção dos efeitos acústicos produzidos pela articulação, José
Oiticica preferia a abordagem fisiológica e classificava os sons a partir da dinâmica
articulatória (FRANÇA, 2004, p.39-40). No fim das contas, cada um manteve a posição
que sustentava desde o início, considerando que a palavra final dependia dos laboratórios
de fonética experimental. Ambos concordaram em publicar suas próprias cartas para que
os leitores avaliassem quem tinha razão (NASCENTES, 2003 [1938], p.390). Esse
desfecho mantinha a questão em aberto, ao contrário do que foi sugerido nos anais, e
privilegiava a continuidade da pesquisa científica, apesar das condições desfavoráveis.
No final da sessão em que Antenor Nascentes e Mário de Andrade responderam
às críticas de José Oiticica, o maestro Francisco Gorga pediu a palavra e declarou que “os
problemas que estão sendo estudados em plenário” não condizem com o tema do
congresso; “que são problemas de fonética e não do canto nacional propriamente dito”.
Ele propôs que fosse discutido “o problema das radio-transmissoras pois que as considera

103
poderosos veículos de boa ou má educação popular”. Júlio de Mesquita Filho, que
presidia a sessão, respondeu que o maestro

recebera como qualquer outro, o convite impresso feito pelo Departamento de


Cultura e [...] nesse convite estava já descriminada a ordem dos trabalhos,
havendo a secção linguística, a secção musicológica para assuntos propriamente
filológicos ou musicais, ao passo que do Plenário se determinava que nele “serão
estudadas e organizadas as normas da dicção artística em língua nacional”. Si o
Prof. Gorga recebera o convite e se inscrevera como congressista era de esperar
que aceitasse a organização do Congresso tal como esta era predeterminada no
convite. Não obstante ia pôr em votação a sugestão em apreço, embora a reputasse
contraveniente do programa já-estabelecido. A votação acusou unanime recusa ao
protesto do Prof. Francisco Gorga (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.30).

O relato publicado em O Estado de São Paulo acrescenta que Francisco Gorga


desejava apresentar uma proposta de sua autoria sobre “as questões do canto nas estações
radio-transmissoras” e que o presidente da sessão determinou que “seja esse trabalho
tratado na sessão musicológica, que é a mais indicada para o assumpto” (O Estado de São
Paulo, 13/07/1938, p.11). Alguns dias após o término do evento, Francisco Gorga
concedeu uma entrevista ao jornal Correio Paulistano, que publicou na íntegra as
objeções apresentadas por ele na quarta sessão plenária. O texto apresenta a argumentação
mencionada acima e defende a regulamentação do “canto praticado nas radios-
transmissoras”.

Nenhum dos senhores congressistas ignora que as transmissoras brasileiras são


um elemento poderosíssimo para educar o povo. Por isso as nossas attenções
deverão se voltar para as escolas que se abrem, tendo, ao que parece, o
objectivo unico de lançar o maior numero de pessoas que se dizem cantores.
Esta opinião creio não ser somente a minha. Aqui neste plenario vozes bem
mais autorizadas pensarão da mesma forma.
Mas, sr. presidente, outros ha que, ao que parece, esquecem-se desta ordem de
coisas, e – ao se querer tocar no assumpto – deixam transparecer, num leve
sorriso, a ironia e, mesmo, o sarcasmo que tenta humilhar.
Não estou neste Congresso como summidade em matéria de canto: não estou
aqui para dizer ao sr. prof. Antenor Nascentes que o B tem que ser fricativo ou
oclusivo bilabial.
Estou aqui para discutir a emissão do som phonetico cantado. E, para isso,
elaborei as normas do canto artistico que, na opinião de alguém, não ha tempo

104
para serem apresentadas. Se não ha tempo para isso, embora quem m’o
dissesse o fizesse em caracter particular, eu não compreendo quaes sejam os
nossos direitos de congressistas, pois a qualquer um de nós, aqui, deverá ser
concedido o tempo necessario para apresentar seus trabalhos referentes ao
canto (Correio Paulistano, 17/07/1937, p.6).

O trabalho mencionado não aparece nos anais e nem há registro de sua


apresentação durante a sessão de musicologia. Também não há qualquer indício de
retomada da discussão sobre o canto nas estações de rádio. Ao que parece, as propostas
de Francisco Gorga foram desconsideradas pela organização do evento, que priorizava a
discussão do anteprojeto. Essa intepretação é reforçada pelas declarações do autor, que
reconhece não estar no evento como uma “summidade em matéria de canto” e observa na
reação a suas intervenções “a ironia e, mesmo, o sarcasmo que tenta humilhar”. Os casos
de José Oiticica e Francisco Gorga revelam como foram tratadas as vozes dissonantes no
Congresso da Língua Nacional Cantada.
Apesar dos questionamentos à escolha da pronúncia carioca e à descrição dos
fonemas da língua padrão, os participantes acreditavam ter alcançado seu objetivo ao final
do evento. Como esclarece o texto introdutório dos anais,

Não teve o Congresso, e muito menos o Departamento de Cultura, a ambição


vaidosa de fixar desde logo as regras inflexiveis e a tradição de como deve ser
o canto artístico e a dicção em lingua nacional. Ambicionou-se apenas por em
campo de estudo tão importante problema da lingua e da música no Brasil,
examina-lo, discuti-lo e aventar normas principais com que professores de
canto, cantores e compositores pudessem aconselhar-se (ANAIS, 1938, p.3).

Embora refutadas, as objeções feitas por Francisco Gorga na segunda sessão


plenária e por José Oiticica durante a sua conferência parecem ter modificado o modo
como a organização se referia aos resultados esperados. Esse esforço para se distinguir
da “ambição vaidosa” não aparece da mesma forma na “Exposição de Motivos” de Mário
de Andrade e nos textos de divulgação publicados na imprensa até a abertura do evento.
A adoção das normas em caráter temporário passou a ser enfatizada pela organização
após o reconhecimento de que mesmo a audição mais aguçada era menos confiável do
que os equipamentos utilizados em pesquisas de fonética experimental. No final das NBP,
o caráter provisório das normas de pronúncia foi justificado através da distinção entre
normas e leis.

105
A fixação destas normas não implica de forma alguma a fixação definitiva e
irrecorrivel da fonética da lingua-padrão. Por isso mesmo foram elas chamadas
“normas” e não “leis”. Casos ha que, embora definidos pela atenção aguda e
cautelosa de filólogos eminentes, carecem ainda de comprovação experimental.
Outros casos ha também, dependentes de mais completa generalização, não só
porque as linguas vivas são manifestações humanas de perpétua evolução,
como por se achar ainda a lingua nacional em fase incontestável de adolescência
e desenvolvimento. Verificações exprimentais ulteriores bem como fixações
novas que porventura apareçam, deverão transformar necessariamente as normas
que com elas colidam (NORMAS, 1938, p.94).

O texto enfatiza que a descrição apresentada não era definitiva e reconhece a


necessidade de “comprovação experimental”, devido à insuficiência da observação
auditiva. Também justifica a cautela com relação às normas, argumentando que a
evolução das línguas leva a constantes mudanças no objeto descrito e que a língua nacional
estaria “em fase incontestável de adolescência e desenvolvimento”. A distinção entre
“leis” e “normas” sugere que estas seriam estabelecidas com base em hipóteses e aquelas,
descobertas a partir de certezas. Enquanto as normas são provisórias e podem ser
elaboradas a qualquer tempo, as leis são definitivas e só poderiam ser determinadas
quando a língua estivesse mais madura, por assim dizer, e os laboratórios de fonética
experimental, mais acessíveis.
O caráter provisório das normas, que poderia ser entendido como fracasso da
iniciativa, foi compensado pela previsão de um evento similar alguns anos depois,
quando, segundo se acreditava, a pronúncia padrão estaria em uso e poderia ser avaliada
a partir da experiência. Na quinta sessão plenária, foi aprovada por unanimidade uma
proposta50 para embutir essa expectativa na própria designação do evento, que passou a
se chamar oficialmente “Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada” (RELATÓRIO
E MOÇÕES, 1938, p.33). Na última sessão plenária foi apresentada uma nova proposta
neste sentido, sugerindo uma data para realização do próximo evento e indicando a quem
caberia a iniciativa.

Pela ordem é lida e submetida a voto a moção cujos signatários foram: Luiz
Heitor Corrêia de Azevedo, Guilherme Fontaínha, Renato Mendonça, Francisco

50Seu autor foi Otávio Bevilácqua, que era professor da Escola Nacional de Música e do Instituto
de Educação do Distrito Federal.

106
Mignone, Arnaldo Rebelo, Antonio de Sá Pereira, Manuel Bandeira, João
Itiberê da Cunha, Andrade Muricí, Otávio Bevilacqua, Paula Barros e Antenor
Nascentes. [...] A moção em apreço é a seguinte: O “Primeiro Congresso da
Lingua Nacional Cantada” aconselha e recomenda a convocação de uma
assembléa idêntica, em 1942, no Rio de Janeiro, afim de que se verifiquem os
resultados obtidos pela aplicação das normas estabelecidas no Projeto de
Lingua Padrão aprovado por êste Congresso de S. Paulo, e modificados os
pontos que a prática ou o tempo tiverem tornado merecedores de revisão. Nesse
sentido faz um apelo ás autoridades competentes da Capital da Republica, ou
sejam o Ministério da Educação e Saúde e a Secretaria Geral de Educação e
Cultura da Municipalidade. E designa o Departamento de Cultura de São Paulo
como orgão competente para, em tempo oportuno, lembrar ás citadas
autoridades o voto aqui formulado e solicitar o seu apôio para a realização do
“Segundo Congresso da Lingua Nacional Cantada”.
A moção é aprovada unanimemente (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.39).

Além de ser aprovada por todos os congressistas, a proposta foi assinada por
autoridades tanto de língua quanto de música. Esse fato sinalizava a possibilidade de
desdobrar o apoio individual, manifestado pelo voto, numa futura cooperação entre as
instituições a que pertenciam os signatários. O esforço para transformar o projeto do DC
em pauta de interesse nacional ganhou contornos mais nítidos com a sugestão de que o
“Segundo Congresso da Lingua Nacional Cantada” seja realizado na capital do país e
organizado pelo Ministério da Educação e Saúde Pública e a Secretaria de Educação e
Cultura do Distrito Federal. A cooperação entre as esferas municipal e federal seria
justificada pela escolha da pronúncia carioca como a língua padrão nacional e pela
expectativa de instituí-la enquanto política de Estado.
O relato da última sessão plenária termina com o resumo das atividades realizadas
durante o evento e uma declaração oficial, que corresponderia ao pensamento comum dos
participantes. O texto enfatiza que o êxito da iniciativa dependia da sua aceitação pelo
Governo Federal, que era a única instância decisória capaz de instituir a pronúncia padrão
em nível nacional.

Nem o Departamento de Cultura nem êste Congresso, nos iludimos ou nos


envaidecemos sobre o resultado dos nossos trabalhos. Não foi pretenção de
ninguém fixar definitivamente a lingua-padrão do Brasil, nem muito menos
fixar-lhe inalterável e eternamente os fonemas. Todos nós temos conciência
bem clara de que a escolha da lingua-padrão, esta ou aquela, só será definitiva

107
depois que os Poderes Públicos nacionais lhe derem o prestígio da sua acolhida
e a ordem de sua oficialização, e depois que tudo se consolide pela tradição –
que é o elemento mais verdadeiramente representativo das coletividades
(RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.45).

A negação de uma postura pretensiosa ou vaidosa em relação aos resultados


obtidos aparece aqui como estratégia para conquistar o apoio dos “Poderes Públicos
nacionais”. Esse discurso tinha, naquelas circunstâncias, uma dupla função, atendendo
tanto a demandas políticas quanto a requisitos científicos, assim como a neutralidade
sustentada no debate sobre a escolha da fala carioca. A adoção da pronúncia padrão
enquanto política de língua seria uma etapa necessária para alcançar o objetivo maior da
iniciativa, a estabilização da variedade brasileira “culta” como uma tradição nacional. Por
isso, era fundamental tornar o projeto do DC uma pauta de interesse coletivo.
Além de propor a oficialização da nova variedade e a realização do próximo
congresso, os participantes aprovaram, ao longo do evento, uma série de recomendações
às diferentes esferas governamentais. A expectativa era de que as sugestões se traduzissem
em políticas de língua e políticas de educação. Essas recomendações incluem a “criação
duma Alta Escola de Arte Dramática que tenha incluso um Curso de Fonética da Lingua-
Padrão”; a instalação de laboratórios de fonética experimental nas instituições públicas
de ensino superior; o ensino do canto nas escolas públicas, por ser “útil á saúde”; a
obrigatoriedade “desde os primeiros anos de estudo do canto” de exercícios baseados “nos
fonemas e na pronuncia da lingua nacional” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.46-47),
entre outras.
Como se vê, as precauções que envolvem a fixação da pronúncia padrão em
caráter provisório não impediram os congressistas de antecipar as etapas seguintes do
processo. Tamanha convicção reflete a confiança no modelo das línguas nacionais
europeias e a aposta na viabilidade de um desenvolvimento histórico similar no contexto
brasileiro. Entre as premissas que sustentavam essa iniciativa, está o enquadramento da
pronúncia padrão como objeto científico. Embora as leis que regem a evolução linguística
local não fossem inteiramente conhecidas naquele momento, a sua existência era
considerada incontestável, assim como a independência da variedade brasileira em
relação ao português europeu. Essa suposição aparece no item intitulado “Regionalismo”,
onde fica estabelecido que

108
As palavras regionais não generalizadas no país, bem como termos técnicos de
ofícios, costumes, flora, etc. regionais, ocorrentes em texto erudito, quando
servirem para caracterização psicológica do assunto, obedecem á pronúncia
regional em que vivem. [...]
Em casos porém em que a palavra regional fôr apenas uma fatalidade geográfica e
não um valor psicológico do texto erudito, a pronúncia obedece ás tendências e leis
fonéticas da lingua-padrão (NORMAS, 1938, p.68).

Como indicava a primeira parte do documento, as pronúncias regionais seriam


aproveitadas como recurso estético quando tornassem a performance artística mais
autêntica. Isso se aplicava sobretudo ao vocabulário local, que contribui para a
caracterização psicológica dos tipos humanos de cada região. O texto se refere à
circunstância especificada como uma exceção e determina que em todos os outros casos
“a pronúncia obedece ás tendências e leis fonéticas da lingua-padrão”. Essa formulação
revela que os congressistas atribuíam à pronúncia padrão que acabaram de elaborar
características das línguas nacionais investigadas pelos linguistas. Ou seja, a inexistência
dessa variedade no uso corrente não impediu o seu enquadramento enquanto objeto da
ciência, como se sua vigência fosse já um fato consumado.
A percepção da pronúncia padrão como objeto de estudo e, ao mesmo tempo,
como representação legítima da realidade linguística local modificava o status da variedade
brasileira. Essa mudança foi expressa na última frase do documento, que sintetiza o modo
como os congressistas interpretavam o resultado do seu trabalho: “O PRIMEIRO
CONGRESSO DA LINGUA NACIONAL CANTADA exalta a pujança e riqueza da
lingua nacional e lhe reconhece os direitos de vida e movimentos, que serão como a
própria vida e os movimentos do Brasil” (NORMAS, 1938, p.94). A existência de uma
variedade “culta” independente do português europeu permitiria aos brasileiros alcançar
a civilização com seus próprios meios. Essa possibilidade tornava a variedade brasileira
uma língua nacional ao lhe conferir autonomia linguística e política em relação a Portugal.

109
CAPÍTULO 3

3.1 Os caminhos da pesquisa linguística

O capítulo 2 analisou os nexos entre política e ciência no discurso nacionalista


assumido pela intelectualidade brasileira durante o período entreguerras e apresentou o
debate sobre a padronização da pronúncia, mostrando como os sentidos de cientificidade
e nacionalidade foram reivindicados e negociados no processo de construção da língua
padrão. O capítulo 3 vai descrever a produção científica publicada nos anais do Congresso
da Língua Nacional Cantada, enfocando as comunicações sobre questões linguísticas. Seu
percurso começa com um breve panorama sobre a pesquisa linguística desenvolvida entre
os séculos XIX e XX, pano de fundo imprescindível para a compreensão desses trabalhos.
Koerner (2014) considera que “desde finais dos anos 1970, a história da Linguística
passou a ser uma disciplina reconhecida como atividade científica séria, sobretudo na
Europa, mas também noutras partes” (KOERNER, 2014, p.30). Apesar disso, ainda é
comum que o passado da disciplina seja representado como “um esquema linear juncado
de rupturas: Franz Bopp, em seguida os neogramáticos, depois Saussure e por fim
Chomsky” (SÉRIOT, 2015, p.93). O prejuízo causado por simplificações desse tipo fica
mais claro quando investigamos um contexto histórico específico, cujas fontes não
revelam filiações teóricas estanques nem qualquer evidência de um progresso inequívoco
em direção ao saber atual, mas encontramos os desdobramentos desse tipo de raciocínio na
maior parte da bibliografia.
A passagem entre os séculos XVIII e XIX marcou na Europa um conjunto de
mudanças epistemológicas evidenciadas no surgimento de novos objetos de estudo e de
novos métodos de investigação. Foucault (1981) mostra que esse processo ocorreu de
maneira quase simultânea em pelo menos três campos de estudo: na Gramática, que se
tornou a Linguística, na História Natural, que se tornou a Biologia e na Análise das
Riquezas, que se tornou a Economia Política. Ele sustenta que essas mudanças não foram
o resultado, mas sim a causa de transformações mais visíveis, surgidas de maneira
independente nos três campos.
Essa transformação nos fundamentos do saber se caracteriza, entre outras coisas,
pelo papel atribuído à história, que passa a ser condição de possibilidade para o próprio
conhecimento. No século XIX, a empiricidade se tornou um critério de legitimação do
saber, já que a experiência era considerada o único modo pelo qual é possível conhecer

110
algo, e a história passou a ser concebida como uma categoria epistemológica. Nas palavras
de Foucault (1981), a história passou a ser o “lugar de nascimento do que é empírico” e o
“modo de ser de tudo o que nos é dado na experiência”. Como a intepretação ahistórica
dos fenômenos parecia cada vez menos satisfatória, a historicidade do fenômeno
investigado – mesmo que fosse apenas pressuposta – passou a ser um requisito para
conhecê-lo e explicá-lo.

[...] a História não deve ser aqui entendida como a coleta das sucessões de
fatos, tais como se constituíram; ela é o modo de ser fundamental das
empiricidades, aquilo a partir de que elas são afirmadas, postas, dispostas e
repartidas no espaço do saber (FOUCAULT, 1981, p.233).

Nos estudos linguísticos, essa mudança se verifica desde o início do século XIX
na insatisfação com a abordagem da gramática filosófica, que investigava a língua a partir
da análise das representações nas palavras e das relações lógicas entre elas; no crescente
interesse por línguas não-europeias da antiguidade, com destaque para o sânscrito; e na
mudança na percepção do latim e do grego, antes considerados línguas-modelo, cuja
gramática possibilitava o estudo de todas as demais.
Em 1808, August Schlegel publicou Sobre a língua e a sabedoria dos indianos.
Uma contribuição para a fundação da ciência da antiguidade, com traduções métricas
de poemas indianos, sugerindo que o estudo da morfologia das línguas ajudaria a
esclarecer as relações de parentesco entre elas (ROBINS, 1979, p.137). Nessa obra já se
encontravam algumas premissas que caracterizam a orientação assumida pelos estudos
linguísticos no século XIX. Schlegel concluiu que

as línguas, ao menos na sua tipologia mais geral, se definem pela maneira como
ligam uns aos outros os elementos propriamente verbais que as compõem; a
unidade material constituída pela disposição dos sons, das sílabas e das
palavras não é regida pela pura e simples combinatória dos elementos da
representação (FOUCAULT, 1981, p.298).

Mas a conformação da Linguística como disciplina se deve à criação do método


comparativo, elaborado por Franz Bopp em Sobre o sistema de conjugação da língua
sânscrita em comparação com as línguas grega, latina, persa e germânica; com episódios
de Ramajan e Mahabharat e algumas passagens dos Vedas (1816). Bopp mostrou que a
comparação entre as diferentes formas do verbo ser nessas línguas revela “uma relação de

111
constância que é inversa àquela que se admitia correntemente: a raiz é que é alterada e as
flexões é que são análogas” (FOUCAULT, 1981, p.249). Ficou claro que a língua evolui
segundo “uma “mecânica” própria às concordâncias, às regências, às flexões, às sílabas e
aos sons e, essa mecânica, nenhum valor representativo pode explicar. É preciso tratar a
língua como essas máquinas que, pouco a pouco, se aperfeiçoam” (p.117).
A pesquisa linguística não se limitava a aspectos gramaticais, incluía também a
relação entre a língua e outras dimensões da vida social, como a cultura, a religião, a
mitologia e o folclore. Basta examinar os títulos das obras publicadas por alguns dos
principais linguistas do século XIX: Cronologia do Hebraico anterior a Moisés recém-
reformulada de acordo com as fontes e acompanhada de um mapa do Paraíso (1828), de
Rasmus Rask; Mitologia Alemã (1835), de Jacob Grimm; Os ciganos na Europa e na
Ásia, estudo etnolinguístico (1844), de August Friedrich Pott; Folclore de Sonneberg em
Meininger Oberlande: fonologia do dialeto de Sonneberg (1858), de August Schleicher;
Miscelânea de mitologia e linguística (1877), de Michel Bréal; entre outros.
Desde que as nações europeias começaram a ampliar seus domínios fora do
continente, o contato com sociedades radicalmente diferentes modificou a própria noção
de humanidade (LAPLANTINE, 2003). No século XVIII, a observação de aspectos
comuns à experiência de todas as sociedades fez do estudo de povos não europeus uma
fonte de conhecimento sobre o humano. Os filósofos iluministas entendiam a diferença
entre as línguas a partir da diferença entre as sociedades, segundo uma concepção
ahistórica de evolução na qual os europeus eram sempre os mais avançados. Acreditava-
se que “língua e pensamento são estritamente paralelos, os progressos de uma demonstram
os progressos do outro, e a imperfeição de um inviabiliza a perfeição da outra”51
(CALVET, 2002, p.43-44, tradução minha).
A emergência da historicidade como categoria epistemológica possibilitou a
ressignificação do conceito de evolução através da analogia entre sociedades não europeias
e civilizações da antiguidade. Os artistas e intelectuais do romantismo contribuíram para
esse processo ao rejeitar a atitude afrancesada da aristocracia prussiana e valorizar as
tradições populares rurais germânicas como expressão de uma identidade coletiva local.
Contra o conceito universalista de “civilização”, que marcou o pensamento iluminista, os
românticos afirmavam a ideia de “cultura”, entendida como essência espiritual que

51No original: “langue et pensée sont strictement parallèles, les progrès de l’une témoignant des
progrès de l’autre, et l’inachèvement de l’une rendant impossible l’achèvement de l’autre”
(CALVET, 2002, p.43-44).

112
caracteriza um povo. A analogia entre a cultura clássica grega e as tradições populares
locais, que remontavam à idade média, permitia imaginar o futuro grandioso da nação
germânica.
O filósofo Johann Gottfried Herder foi um dos principais responsáveis por essa
mudança de perspectiva. Ele introduziu uma concepção de unidade da história humana
que possibilitava compreender a partir dos mesmos princípios as mais diversas culturas.
Em sua obra, a noção teleológica de “providência divina” sustentava a convicção no
progresso constante de todas as sociedades rumo a um ideal humano (PUCCIARELLI,
1950, p.12). A crença de que, desde os primórdios, toda a humanidade evolui numa mesma
direção influenciou profundamente o pensamento científico do século XIX e está na
origem de disciplinas como Linguística, Antropologia e Arqueologia.
A língua ainda era considerada a principal manifestação do pensamento, mas
passava a ser percebida como reflexo da trajetória evolutiva singular de cada povo. Por
isso, a investigação das línguas incluía o estudo da cultura escrita, no caso das civilizações
antigas, ou de registros etnográficos, no caso de populações rurais analfabetas ou de
culturas orais não europeias. Como sintetiza Kristeva (2007),

o século XIX pretende demonstrar que a linguagem também tem uma evolução
para basear nela o princípio da evolução da ideia e da sociedade. [...] A
sociedade é pensada a partir do modelo da linguagem, visto como uma linha
evolutiva; melhor ainda, a partir do modelo da evolução fonética, isto é, da
alteração da forma significante destacada do seu conteúdo significado
(KRISTEVA, 2007, p.226).

Para entender a importância da historicidade para a constituição da Linguística


como ciência, nada melhor do que o seu primeiro objeto de estudos – o indo-europeu. A
descoberta de correspondências morfológicas entre o sânscrito e as línguas nacionais
europeias e de padrões regulares de mudança linguística ao longo do tempo levou à
investigação do parentesco entre as línguas e à especulação sobre uma origem comum.
Assim, surgiram as hipóteses sobre o indo-europeu, uma língua ancestral da qual teriam
derivado todas as outras, e as tentativas de reconstitui-lo de maneira regressiva através do
método comparativo.
O papel da historicidade na construção desse objeto vai além da ideia de que as
línguas evoluem ao longo do tempo. Como a evolução das línguas indicaria o progresso
do pensamento e, por conseguinte, das sociedades, o conhecimento sobre a mudança

113
linguística impactava a própria percepção do humano. Traçar a genealogia das línguas
era também um modo de equacionar o problema do universal humano diante da
diversidade sociocultural. A reconstituição do indo-europeu permitiria entender como
pensavam os primeiros seres humanos, algo que não podia ser investigado com base em
dados empíricos.
A linguística histórico-comparativa foi profundamente influenciada pelas ciências
naturais, sobretudo pela História Natural e a Biologia, que serviram de inspiração para os
linguistas do século XIX. Como a historicidade das mudanças linguísticas se baseava na
ideia de evolução dos seres vivos (FOUCAULT, 1981, p.308), as línguas eram abordadas
como entidades orgânicas. Por exemplo, no prefácio de sua Gramática Comparada das
línguas indo-europeias (1833), Bopp declarou que o objetivo da obra era descrever

[o] organismo das diferentes línguas que estão nomeadas no título, comparar
entre si os factos da mesma natureza, estudar as leis físicas e mecânicas que
regem estes idiomas, e procurar a origem das formas que exprimem as relações
gramaticais (apud KRISTEVA, 2007, p.233).

August Schleicher, que era linguista e estudioso de botânica, levou ainda mais
longe essa concepção, sustentando que as línguas se desenvolvem, envelhecem e morrem
como todo ser vivo, obedecendo a leis naturais, imunes à vontade dos falantes. Num
trabalho publicado em 1863, ele afirmou que

As línguas são organismos da natureza; elas nunca foram dirigidas pela


vontade do homem; elas crescem e se desenvolvem de acordo com leis
definitivas; elas crescem, envelhecem e morrem. Elas também estão sujeitas
àquela série de fenômenos que classificamos sob o nome de “vida”. A ciência
da linguagem é consequentemente uma ciência natural. O seu método é, no
geral, completamente o mesmo que qualquer outra ciência natural (apud
PICKERING, 2011, p.107)

Schleicher representou a genealogia das línguas indo-europeias com o mesmo


diagrama em forma de árvore que Darwin usou para explicar a diferenciação entre as
espécies, e elaborou uma tipologia das línguas com base no sistema de Lineu para
classificação das plantas por espécies e grupos (ROBINS, 1979, p.144). Ele acreditava
que “a diversidade das línguas depende da diversidade dos cérebros e órgãos fonadores
dos homens, de acordo com suas raças” (CÂMARA JR., 1975, p.51). Sua teoria também

114
era inspirada na filosofia de Hegel – para quem a linguagem era, sobretudo, um reflexo
do pensamento – e propunha uma hierarquia entre as línguas humanas, considerando mais
evoluídas aquelas cuja gramática exprime relações lógicas em seus substantivos e verbos,
como era o caso do alemão – a sua língua nativa.

Podemos falar da superioridade de uma língua, quando esta é rica em


expressões lógicas, e nomeadamente em expressões particulares e isoladas,
feitas para designarem as próprias determinações do pensamento. Entre as
preposições, artigos, etc., muitos são os que correspondem a situações que
assentam no pensamento. [...] Mas o que é muito mais importante numa língua,
é quando as determinações do pensamento afectam a forma de substantivos e
de verbos, isto é, uma forma objectiva, e é nisto que a língua alemã se mostra
superior a muitas outras línguas modernas; muitas das suas palavras
apresentam ainda a particularidade de terem significações não apenas
diferentes, mas também opostas, o que é certamente uma marca do espírito
especulativo da língua (SCHLEICHER apud KRISTEVA, 2007, p.240).

Schleicher também foi um dos principais divulgadores da hipótese do indo-


europeu e confiou tanto na possibilidade de reconstituí-lo com os recursos disponíveis na
época que chegou a publicar uma fábula em indo-europeu, com formas verbais das quais
ainda não havia comprovação documental, como se fosse um texto escrito na gramática
de uma língua morta (ROBINS, 1979, p.145 e 148).
Esse esforço de reconstrução era limitado pela escassez de documentação, já que
os textos disponíveis não permitiam confirmar nem rejeitar a maioria das formas deduzidas.
Os linguistas não sabiam ao certo até onde a comparação entre as línguas os levaria e em
que medida esses resultados eram confiáveis. Neste contexto, a linguística românica teve
um papel decisivo e impulsionou o desenvolvimento do método comparativo justamente
por contar com documentos que registram os diferentes estágios de formação das línguas
neolatinas. O estudo das línguas românicas se tornou um campo privilegiado para a
testagem de novos métodos e novas teorias (BASETTO, 2001, p.64), fortalecendo a
orientação cada vez mais empírica dos estudos linguísticos no decorrer do século XIX
(SILVA, 2008, p.33).
O primeiro passo neste sentido se deve a Friedrich Diez, que estudava a poesia
medieval da Península Ibérica e, por sugestão de Goethe, passou a investigar as canções
dos trovadores provençais. Inspirado nas pesquisas de Bopp sobre as línguas indo-
europeias e de Grimm sobre as línguas germânicas, Diez se interessou pelo estudo

115
comparativo das línguas neolatinas, publicando, entre 1836 e 1846, os três volumes da
Gramática das línguas românicas e, em 1854, o Dicionário Etimológico das Línguas
Românicas. Já na primeira página de sua gramática, ele argumentava que foi o latim
popular falado nas províncias, e não a variedade escrita do latim clássico, o ponto de
partida das línguas neolatinas (BASSETTO, 2001, p.32; CÂMARA JR., 1975, p.88).
As obras de Diez chamaram a atenção para a riqueza desse campo e motivaram
novas pesquisas sobre a formação de cada língua neolatina. A percepção da língua oral
como o motor da mudança linguística e o uso de dados da fala popular, por meio de
registros escritos como o appendix probi, suscitaram o interesse pelos dialetos regionais
de origem românica. A dialetologia surgiu nesse contexto a partir dos trabalhos de
Graziadio Ascoli, que é considerado o fundador da linguística na Itália e se envolveu na
discussão sobre a unidade linguística do país e a escolha de uma língua padrão nacional
a partir das variedades regionais (REBEGGIANI, 2000).
O avanço dos estudos dialetológicos modificou a compreensão do processo de
formação das línguas. A descrição de dialetos regionais mostrou que muitos deles se
influenciam reciprocamente ou são afetados pelas línguas de países vizinhos. Ficou claro
que o processo de separação entre as línguas é bastante gradual – “começa pelas diferenças
subdialetais e continua com a ampliação das divergências entre os dialetos até atingir uma
fase em que a presunção de existência de duas ou mais línguas distintas é comprovada”
(ROBINS, 1979, p.145) – e que a definição do momento em que ocorre essa separação é
sempre arbitrária.
Essas conclusões levaram à revisão de muito do que supunham os primeiros
comparatistas e à constatação de que o surgimento de uma língua não se assemelha à
formação das espécies vegetais. Johannes Schmidt publicou As Relações de Parentesco
das Linguas Indo-europeias (1872), onde propôs um modelo alternativo para explicar o
processo de formação das línguas, conhecido como “teoria das ondas”. Ele mostrou que

as línguas indo-europeias surgiam, na realidade, de uma língua anterior comum,


mas que deviam sua evolução à expansão no estilo de onda de inovações surgidas
de centros diferentes [...] As ondas dialetais giravam em todas as direções, de tal
maneira que podemos encontrar um território linguístico com traços em comum
com mais de um território vizinho (CÂMARA JR., 1975, p.67-68).

Schmidt não pretendia substituir a teoria de Schleicher, de quem era discípulo, mas
antes complementá-la. Ele mostrou que a representação das línguas como ramos de uma

116
árvore criava a ilusão de uma completa separação entre línguas surgidas a partir da mesma
origem, sugerindo que a diferenciação entre elas resultava apenas de fatores internos.
A fonética foi outra especialidade cujo desenvolvimento ao longo do século XIX
teve um impacto considerável na investigação das línguas. É possível mostrar isso ainda
que a história da fonética não tenha se consolidado como linha de pesquisa (KOERNER,
1993, p.1) e a produção historiográfica a respeito continue escassa. Os primeiros linguistas
adotavam uma perspectiva mais morfológica do que fonética (KRISTEVA, 2007, p.232;
CÂMARA JR., 1975, p.39), mas o seu trabalho impulsionou a pesquisa sobre línguas não
indo-europeias que utilizam outras formas de escrita e sobre a decifração de sistemas
gráficos da antiguidade, como as runas, os hieróglifos e as inscrições cuneiformes.
O avanço dessas investigações motivou a criação de sistemas de transcrição mais
amplos para descrever línguas escritas com caracteres não românicos e representar
graficamente sons inexistentes nas línguas europeias (CÂMARA JR., 1975, p.63-64).
Entre as décadas de 1850 e 1870, houve um aumento considerável no número de
pesquisas sobre a voz humana do ponto de vista acústico e sobre a fisiologia dos órgãos
envolvidos na produção da fala, com destaque para os trabalhos de Hermann von
Helmholtz, Johann Czermak e Ernst von Brücke.52 Até então, a fonética era considerada
uma ciência natural de caráter descritivo que auxiliava a pesquisa linguística.
A publicação de Fundamentos da Fisiologia Vocal (1876), de Eduard Sievers,
marcou a integração da fonética como especialidade da Linguística. Essa mudança de
perspectiva teve um impacto considerável nos estudos histórico-comparativos, pois
conhecer a fonética das línguas modernas favorecia tanto a descrição de estágios
anteriores dessas línguas quanto a reconstituição da pronúncia de línguas da antiguidade.
A proposta de Sievers foi continuada por outros linguistas, como Paul Passy, Henry Sweet
e Paul Viëtor (CÂMARA JR., 1975, p.65-66), que se interessaram pela aplicação da
fonética no ensino de línguas53 e fundaram, junto com outros pesquisadores, a Associação

52 “Helmholtz estudou a produção e a natureza das vogais. Mostrou que elas resultam,
essencialmente, da ressonância do ar impulsionado dos pulmões dentro da cavidade bucal, e
demonstrou como qualquer modificação na forma da cavidade bucal ou a adição de uma
ressonância nasal determinava uma qualidade distinta ao som vocálico. Czermak, fisiólogo
tcheco, demonstrou o papel importante das cordas vocais na produção da voz humana e a
importância do movimento do véu palatino para a nasalização. [...] Brücke, em seu livro intitulado
Fundamentos da Fisiologia dos Sons da Fala e seu Estudo Sistemático, fez uma análise da
articulação na maioria das Línguas Europeias Modernas e ofereceu uma visão geral crítica dos
sistemas fonológicos do grego, sânscrito e árabe” (CÂMARA JR., 1975, p.65).
53 Ver por exemplo PASSY, Paul. Sons do francês (1887); VIËTOR, Wilhelm. Elementos da

fonética e ortoépia do alemão, inglês e francês considerando as necessidades da prática docente


(1887); SWEET, Henry. Uma introdução ao inglês falado (1890); PASSY, Paul; BEYER, Franz.
Introdução ao francês falado (1893); VIËTOR, Wilhelm. Como ensinar a pronúncia do alemão?

117
de Professores de Fonética – que anos depois se tornaria a Associação Fonética Internacional
(KEMP, 2014, p.386).
O surgimento da dialetologia e da fonética foi decisivo para os rumos assumidos
pela Linguística a partir de então. Tornou-se mais clara a necessidade do que Jespersen
descreveu como a complementaridade entre o estudo telescópico e o estudo microscópico
da língua (CÂMARA JR., 2004, p.195), ou seja, entre o estudo histórico-comparativo e
a investigação empírica. Os trabalhos publicados na segunda metade do século XIX
mostraram que havia uma lógica nas correspondências formais que os primeiros
comparatistas não conseguiram explicar. Essa constatação levou a uma revisão crítica dos
pressupostos que orientavam a aplicação do método comparativo e à busca de uma
abordagem capaz de abranger as exceções aos processos gerais de mudança fonética das
línguas (ROBINS, 1979, p.148).
Em 1878, um grupo de jovens linguistas da Universidade de Leipzig elaborou um
programa de investigações que associava as descobertas da fonética e da dialetologia com
o que consideravam mais sólido na produção dos primeiros comparatistas. Devido às
críticas incisivas que fizeram ao trabalho de Georg Curtius, que era professor em Leipzig
e estava entre os linguistas mais renomados da época, o grupo ficou conhecido como
neogramáticos, denominação pejorativa que os representava como neófitos (CÂMARA
JR., 1975, p.74), destacando uma atitude que soava imatura numa comunidade acadêmica
que valorizava a tradição.
Os neogramáticos radicalizaram a inspiração positivista de linguistas como
Schleicher ao considerar a língua como uma entidade autônoma cuja evolução obedece a
leis naturais. Embora não concebessem as línguas como organismos que se desenvolvem
e entram em decadência, eles investigavam a mudança fonética como um fenômeno
natural, se esforçando para tornar a Linguística uma ciência objetiva, como a Biologia
darwiniana (PICKERING, 2011, p.110) ou a Física newtoniana (CÂMARA JR., 1975, p.71).
E encaravam os padrões de mudança fonética como leis que atuam como uma “necessidade
cega”, nas palavras de Osthoff, não admitindo exceção dentro de um mesmo dialeto.
Neogramáticos criticavam comparatistas pelo que consideravam excessivamente
teórico e especulativo em seus trabalhos e pelo seu desinteresse diante das exceções às

(1893); SWEET, Henry. O estudo prático de línguas, um guia para professores e alunos (1899);
VIËTOR, Wilhelm. O livro de leitura de alemão com transcrição fonética (na grafia da escola
prussiana) como material de apoio para adquirir uma pronúncia exemplar (1899); PASSY, Paul.
Escolha de leituras fonéticas em francês (1900); SWEET, Henry. Os sons do inglês, uma
introdução à fonética (1907); entre outros.

118
tendências gerais de mudança fonética. Eles priorizavam os dados da fala e o estudo de
dialetos populares europeus, considerados o último estágio de diferenciação das línguas
indo-europeias, em vez de textos literários da antiguidade. Também se interessavam pela
dimensão psicológica da língua, na qual os primeiros linguistas buscavam a explicação
para a mudança linguística (VIDOS, 1996, p.25). Os neogramáticos sustentavam que as
irregularidades da língua resultam da analogia, processo psicológico pelo qual a mente
associa formas diferentes com base na semelhança semântica ou sonora entre elas, e
entendiam que a combinação entre leis fonéticas e analogia seria suficiente para explicar
a mudança linguística (CÂMARA JR., 1975, p.76; ROBINS, 1979, p.148).
Os quatro volumes da Gramática das Línguas Românicas (1890-1892), de Wilhelm
Meyer-Lübke, é um bom exemplo do êxito alcançado pelo programa neogramático. A obra
tinha o mesmo título que aquela publicada por Diez cinco décadas antes e procurava corrigi-
la ou completá-la, abordando as línguas românicas a partir dos princípios neogramáticos.
Meyer-Lübke foi aluno de Johannes Schmidt e, como ele, se interessou pelas contribuições
da dialetologia na investigação das línguas indo-europeias. Sua gramática ampliou o
conjunto de variedades investigadas ao considerar os dialetos românicos como objeto de
estudo (BASSETTO, 2001, p.32; CÂMARA JR., 1975, p.89).
No final do século XIX, a Linguística estava estabelecida como disciplina
científica nas principais universidades europeias, e o programa neogramático já era uma
das perspectivas mais influentes, mas cresciam os questionamentos aos seus princípios
teóricos. Uma das principais críticas surgiu em 1885, com a publicação do artigo “Sobre
as leis fonéticas: contra os neogramáticos”, de Hugo Schuchardt. Enquanto dialetólogo e
romanista, ele rejeitava a concepção neogramática de mudança linguística, argumentando
que ela conduzia facilmente a abstrações e generalizações indevidas. Para Schuchardt, os
fenômenos linguísticos deviam ser explicados na sua relação com o pensamento de cada
falante, e não por meio de leis gerais que determinam a fala dos indivíduos a partir de
fora (CÂMARA JR., 1975, p.81).
Schuchardt investigava as línguas faladas na Península Ibérica antes da conquista
romana, a evolução das línguas românicas a partir do latim vulgar e também os crioulos
de base europeia falados pelos nativos de territórios colonizados fora do continente. Ele
sustentava que certas mudanças eram determinadas não por fatores internos, mas pela
situação geográfica da língua em questão (KRISTEVA, 2007, p.244-245). Sua hipótese
era de que as línguas românicas surgiram a partir da crioulização e que as diferenças entre

119
elas resultavam do uso do latim por falantes de línguas nativas das diversas regiões do
Império Romano. Schuchardt acreditava que

a linguagem é, sob todos os aspectos, o resultado de um processo de mistura:


há mistura de formas de um falante para outro dentro da mesma língua, mistura
de maneiras de falar local e mesmo mistura de línguas diferentes. Ele via toda
língua como uma língua misturada e era meio cético quanto à classificação
genealógica das línguas (CÂMARA JR., 1975, p.82).

Quando Schuchardt publicou sua crítica aos neogramáticos, já estavam em


andamento os primeiros estudos de cartografia linguística. Essa abordagem surgiu na
Alemanha, com as pesquisas realizadas por Georg Wenker, e foi continuada por linguistas
de outros países. Wenker elaborou um questionário fonético, que foi enviado a professores
e sacerdotes católicos e protestantes de quase toda a Alemanha (BASETTO, 2001, p.70),
mas não conseguiu divulgar seus resultados54 devido a dificuldades financeiras. Apenas
o fascículo sobre Estrasburgo foi publicado em 1881, chamando a atenção de linguistas
interessados em pesquisas55 do gênero.
Em 1888, o dialetólogo e romanista Gaston Paris apresentou a conferência “Os
falantes da França”, na qual propôs uma abordagem diferente para o estudo dos dialetos.
Ele mostrou que não há um dialeto unitário em cada comunidade linguística, que o que
existe na prática são dados de caráter dialetal a partir dos quais é possível delimitar uma
área linguística, sugerindo que cada traço considerado equivale a uma linha isoglóssica e
que não há coincidência entre as linhas representativas de diferentes traços (CÂMARA
JR., 1975, p.98). A proposta de Gaston Paris foi desenvolvida por um de seus discípulos,
o suíço Jules Gilliéron, que criou o principal método de cartografia utilizado pelos
linguistas, o método geográfico.
Gilliéron coordenou entre 1897 e 1901 uma pesquisa de envergadura, que se
tornaria um modelo para futuros trabalhos do gênero. Ao contrário de Wenker, que enviou
questionários por correspondência, ele planejou uma pesquisa de campo, contando com a
ajuda do dialetólogo amador Edmond Edmond, conhecido pela qualidade de seu dicionário
do dialeto picardo e por sua acuidade auditiva incomum. O questionário elaborado por

54 A publicação do Atlas Linguístico Alemão foi retomada por Ferdinand Wrede em 1926 e
concluída por Walther Mitzka em 1956 (BASETTO, 2001, p.70).
55 Pouco depois, surgiram o Atlas do Dialeto Suábio (1895), de Hermann Fischer, com 28 mapas,

e o Atlas Linguístico da Dinamarca (1898-1914), de Valdemar Bennike e Marius Kristensen, com


100 mapas (MENDONÇA, 1936, p.21).

120
Gilliéron tinha mais de 1920 questões que incluíam fonética, morfologia e sintaxe, e foi
aplicado em 639 localidades francesas (ILARI, 1999, p.25-26). Edmond foi considerado
o aplicador ideal por não ser um linguista formado, o que, segundo se acreditava, tornava
sua percepção livre de influências teóricas anteriores (BASETTO, 2001, p.71).
A obra resultante, o Atlas Linguístico da França (1902-1912), foi publicada em
12 volumes, com mapas, que representavam a abrangência dos traços linguísticos através
de linhas isoglóssicas, e a transcrição fonética das formas ouvidas por Edmond. A descrição
do uso da língua em pequenas comunidades e a comparação dos dados referentes ao mesmo
traço em diferentes localidades mostrou que havia enormes flutuações onde se acreditava
haver fronteiras dialetais estáveis; que a quantidade de isoglossas que formam um dialeto é
sempre arbitrária, pois quanto maior o número de traços linguísticos considerados mais o
dialeto tende ao idioleto (ROBINS, 1979, p.152).
O trabalho de Gilliéron e Edmont tornava evidentes as limitações do método
comparativo em geral e do programa neogramático em particular. Seus resultados
mostraram que as mudanças não ocorrem de maneira homogênea, que uma mesma
transformação podia afetar certas palavras antes de outras e que as influências recíprocas
entre dois ou mais dialetos perturbavam a difusão de uma mudança em determinado
território (ROBINS, 1979, p.152). Portanto, os fenômenos linguísticos não podiam ser
explicados apenas pela interação entre a dimensão linguística, através das leis fonéticas,
e a dimensão psicológica, pela ocorrência da analogia. Era necessário analisar a difusão
das mudanças fonéticas levando em conta a dimensão geográfica.
Nesse período, foram iniciadas várias obras do gênero a partir de pesquisas sobre
línguas românicas. Gustav Weigand publicou em 1909 o Atlas Linguístico do Domínio
da Língua Daco-Romena, com 67 mapas; entre 1928 e 1940, Karl Jaberg e Jakob Jud
publicaram em 8 volumes o Atlas Linguístico e de Coisas da Itália e do Sul da Suíça.
Matteo Bártoli e Giuseppe Vidossi iniciaram o Atlas Linguístico Italiano, mas tiveram
que aguardar o fim da Primeira Guerra para retomar o trabalho, que foi interrompido
novamente pela Segunda Guerra e concluído apenas em 1947 por Benvenuto Terracini;
Antonio Griera iniciou as pesquisas para o Atlas Linguístico da Catalunha em 1912, mas
seu trabalho foi interrompido pelas guerras mundiais e pela Guerra Civil espanhola, sendo
concluído apenas em 1964; o mesmo ocorreu com o Atlas da Península Ibérica, de Tomás
Navarro Tomás, iniciado em 1925 e concluído em 1962 (BASETTO, 2001, p.70 e 73).

121
O método geográfico favoreceu o avanço de abordagens como a onomasiologia e o
movimento palavras e coisas,56 que investigavam a evolução das palavras, e não das línguas.
Vidos (1996) explica que um estudo onomasiológico consiste no levantamento de todas as
denominações atribuídas a algo – objeto, planta, animal, conceito etc – em uma ou mais áreas
linguísticas e que essa abordagem enfatiza a dimensão semântica, em lugar da fonética,
buscando revelar as forças criativas da língua. Ele observa ainda que “em lugar de um só
objeto ou conceito, ou de poucos, pode ser investigada onomasiologicamente toda a cultura
popular, todo o caráter folclórico de uma região ou de um país” (VIDOS, 1996, p.70).
Robins (1979) descreve o movimento palavras e coisas como uma linha de
pesquisa dialetal que investiga minuciosamente “a história e a distribuição geográfica dos
objetos da cultura material (implementos agrícolas, o cultivo das plantas etc) e o vocabulário
usado para designá-los” (ROBINS, 1979, p.153). Ilari (1999) acrescenta que os praticantes
desse método priorizavam as pesquisas de campo, em oposição ao uso de fontes escritas,
e acreditavam que “a verdadeira etimologia de uma palavra só é explicada por um estudo
acurado da realidade que ela designa e dos conhecimentos que a cercam” (ILARI, 1999,
p.31). O estudo das “coisas” ganharia o primeiro plano, em oposição à ênfase na investigação
centrada na linguagem.
No início do século XX, o método comparativo e o programa neogramático foram
criticados por sua inclinação positivista, evidenciada na abordagem da língua como um
objeto das ciências naturais. Essa crítica foi elaborada por um grupo de pesquisadores que
seguiam princípios hegelianos e se apresentavam como idealistas. Sua concepção de
língua era inspirada nas ideias de Gianbattista Vico – filósofo do século XVIII que
criticava a investigação da língua pela análise lógica e considerava a linguagem como
forma de criação mental que possibilita a atividade estética – e no retorno à obra de Wilhelm
von Humbold (CÂMARA JR., 1975, p.27 e 138).
Ao longo do século XIX, o entusiasmo em torno do método desenvolvido por
Bopp levou à percepção da linguística histórica e comparativa como a verdadeira ciência
da linguagem, deixando em segundo plano outras abordagens. Foi o que ocorreu com a
teoria da linguagem de Humboldt (CÂMARA JR., 2004, p.206), que publicou seus principais
trabalhos entre 1820 e 1846. Humboldt afirmava que a linguagem é um produto do
espírito57 humano – o qual se manifestaria na língua, nas ciências, nas artes e nos demais

56 A revista Palavras e Coisas, que deu nome ao movimento, foi fundada em 1909 por Rudolf
Meringer e Hugo Schuchardt (ILARI, 1999, p.31).
57 Nesta acepção, o “espírito” ou “gênio” equivale à capacidade intelectual que, na visão iluminista,

distingue os humanos dos outros animais.

122
aspectos da vida social – e que deve ser analisada não como forma acabada, mas sim como
processo ininterrupto de criação individual. Para ele, a língua não reproduz as coisas como
são, mas sim da maneira como cada falante percebe (VIDOS, 1996, p.88-89).
A estética idealista foi desenvolvida a partir do diálogo entre filósofos e linguistas
que rejeitavam o método comparativo e buscavam uma nova orientação para o estudo da
língua. Em 1900, o filósofo Benedetto Croce publicou Estética como Ciência da Expressão
e Linguística Geral, obra que opunha o “conhecimento racional” ao “conhecimento
intuitivo” – que seria próprio de cada indivíduo e estaria na base tanto da expressão verbal
quanto das manifestações artísticas. Em 1904, o linguista Karl Vossler publicou Positivismo
e idealismo na ciência da linguagem, trabalho dedicado a Croce, a quem o autor se filiava
no retorno à obra de Humboldt (CÂMARA JR., 1975, p.139-141).
Vossler formulou o método estético-idealista, que analisa a história da língua
como a história da arte, a partir de princípios estéticos, e não lógicos ou psicológicos
(BASSETTO, 2001, p.68). Os fenômenos linguísticos resultariam, segundo ele, de um
impulso consciente e esteticamente orientado, pelo qual a “mente individual [...] entra em
choque com a atitude conformista dos homens comuns da qual derivam a gramática e a
assim chamada linguagem coletiva” (CÂMARA JR., 1975, p.142). As mudanças fonéticas
estariam ligadas ao acento e ao ritmo, variando conforme o estado de espírito de quem
fala, e sua ocorrência seria a realização da intuição individual por intermédio do aparelho
articulatório (VIDOS, 1996, p.90). As mudanças que acabam por se generalizar são aquelas
que refletem o espírito da época, coincidindo com a intuição da maioria.
Mas nem todos os falantes estariam igualmente capacitados para produzir mudanças
dessa magnitude. Como explica Robins (1979),

Certos indivíduos, por sua posição social ou reputação literária, estão melhor
qualificados para iniciar mudanças linguísticas que serão por outros adotadas
e difundidas. Não se pode subestimar a importância que têm os grandes autores
para o desenvolvimento de uma língua, como é o caso de Dante em relação ao
italiano. Neste ponto os idealistas censuraram a excessiva concentração dos
neogramáticos nos aspectos mecânicos e prosaicos da linguagem (ROBINS,
1979, p.154).

Embora considerassem a literatura o principal motor da evolução linguística, os


idealistas não a percebiam como modelo a ser fixado. Ao encarar a mudança linguística
como um processo constante de aperfeiçoamento da expressão, eles entendiam a

123
padronização sincrônica da língua como um movimento no sentido oposto, uma “tentativa
de estancamento do impulso vital de uma expressão que quer estilisticamente progredir”
(CÂMARA JR., 2004, p.217).
Na Itália, onde a tradição comparatista e a dialetologia tinham se consolidado, o
entusiasmo em torno das pesquisas de geografia linguística aliado à influência da filosofia
de Croce na formação dos linguistas (CÂMARA JR., 1975, p.140), levou à criação de um
novo método. A abordagem conhecida como linguística espacial ou neolinguística,58 foi
apresentada na Introdução à Neolinguística (1925), de Matteo Bártoli. Sua base
metodológica foi elaborada por Bártoli, que estudava as línguas românicas a partir dos
princípios neogramáticos, seguindo Meyer-Lübke, e Giulio Bertoni, cuja perspectiva
combinava “postulados teóricos de Vico, Humboldt, Schuchardt, Gaston Paris, Ascoli,
Croce e de seu mestre Vossler” (BASSETO, 2001, p.78).
Com base nos dados levantados pela geografia linguística, o método espacial
procurava explicar a difusão das mudanças fonéticas em um ou mais territórios, mostrando
que a história da língua deixava suas marcas no espaço (VIDOS, 1996, p.81). A
comparação entre usos encontrados nas áreas linguísticas investigadas permitia associar
as diferentes formas de uma palavra às etapas de sua evolução e estabelecer “relações
cronológicas entre os vários fenômenos linguísticos, o que anteriormente só se obtinha
através de documentação nem sempre disponível” (BASSETO, 2001, p.78). Em cada
território investigado era possível encontrar “áreas isoladas, áreas laterais, áreas
principais e áreas desaparecidas (isto é, áreas homogêneas que desapareceram deixando
apenas umas poucas formas remanescentes)” (CÂMARA JR., 1975, p.103).
Os praticantes do método espacial não descartavam as leis fonéticas, embora
adotassem a expressão “neolinguística” para marcar sua oposição à prevalência destas
sobre outros fatores causais no programa neogramático (CÂMARA JR., 1975, p.103;
BASSETO, 2001, p.78; VIDOS, 1996, p.81). Inclusive, eles formularam as chamadas
normas areais59 para indicar as regularidades encontradas na relação entre a cronologia

58 O ecletismo dessa abordagem explica as discrepâncias encontradas na sua descrição por


diferentes autores. Enquanto Robins a descreve como “princípios da linguística estético-idealista,
associados a estudos dialetais” (ROBINS, 1979, p.155), Vidos a considera uma variante da
“corrente Neogramática alicerçada nos princípios da Geografia Linguística” (VIDOS, 1996, p.81).
59 As normas areais são as seguintes: 1) se em diferentes períodos históricos há palavras distintas

para designar a mesma coisa, a palavra mais antiga é aquela registrada no local mais isolado; 2)
se no mesmo período histórico há duas formas análogas, a forma registrada em áreas periféricas
é mais antiga que a correspondente encontrada em áreas centrais; 3) as formas difundidas em
áreas mais extensas são mais antigas que aquelas encontradas em áreas mais limitadas; 4)
regiões de colonização mais recente tendem a conservar formas mais antigas em comparação com

124
dos processos de mudança e a distribuição espacial das formas linguísticas. Com base
nessas normas, era possível interpretar historicamente o grau de difusão de uma
determinada forma e inserir numa cronologia as diferentes formas registradas em áreas
centrais, consideradas mais inovadoras, e em áreas periféricas, consideradas mais
tradicionais e conservadoras (ROBINS, 1979, p.155).
Embora não figure naquele esquema evolutivo mencionado por Sériot (2016), a
linguística espacial foi uma das principais perspectivas teóricas no início do século XX.
Em seu artigo sobre o Congresso Internacional de Linguistas, Mattoso Câmara assinala que

O 3º Congresso, realizado em Roma em 1933, teve, como figuras centrais, os


chamados neolinguistas, como Bártoli, Pisani e Terracini, estes dois últimos
ainda vivos em plena combatividade em favor do princípio de Gianbattista
Vico, no século XVIII, de que a língua é antes de tudo uma criação estética e
uma obra de arte em qualquer nível social em que se manifeste (CÂMARA
JR., 2004, p.266).

Registra também que a segunda edição do evento, ocorrida em Genebra dois anos
antes, foi dedicada a problemas “não de linguística geral, mas de linguística comparada
indo-europeia” (CÂMARA JR., 2004, p.266). Naquele momento, embora a edição póstuma
do curso de Saussure já fosse conhecida, a linguística estrutural estava ainda em processo
de elaboração. Não era, de forma alguma, evidente que essa abordagem se tornaria
hegemônica, a ponto de suprimir da memória coletiva outras perspectivas teóricas
surgidas na mesma época, e tampouco que se tornaria o princípio organizador60 da história
da Linguística no século XX.
A imagem que apresento no final desta seção (ver figura 5) ilustra a diferença entre
a representação teleológica da história da Linguística, referida por Sériot (2016), e aquela
que é possível esboçar a partir do que foi discutido aqui. Ambas as representações se
inscrevem numa cronologia que começa no século XIX e vai até início do século XX.
Enquanto as setas indicam as relações de continuidade, com a criação de novas abordagens a
partir de perspectivas teóricas anteriores, as linhas tracejadas indicam a prevalência do
antagonismo entre ambas. As relações de continuidade ou ruptura não surgem como

aquelas colonizadas anteriormente; 5) formas desaparecidas ou pouco utilizadas tendem a ser


mais antigas que aquelas de uso corrente (BASSETO, 2001, p.79-81; VIDOS, 1996, p.81-83).
60 Por exemplo, Robins (1975) dedica apenas um parágrafo à linguística espacial e o faz no final

do capítulo sobre “A Linguística Comparativa e Histórica do século XIX”, e não no início do seguinte,
intitulado “A Linguística do século atual”. Mounin (1970) e Weedwood (1995) sequer mencionam a
existência da linguística espacial, da geografia linguística e da abordagem estético-idealista.

125
consequência lógica dos postulados defendidos por cada parte, mas como resultado das
escolhas que orientaram a ação desses coletivos de pensamento (FLECK, 2010).
Para ler a imagem, é preciso lembrar que a noção kuhniana de paradigma não é
adequada para descrever a história da disciplina, já que “nenhuma teoria em linguística
jamais conseguiu anular os trabalhos dos séculos anteriores: o que se conseguiu foi
somente deslocar a problemática” (SÉRIOT, 2016, p.37). Ao contrário do que ocorre com as
ciências naturais, nas humanidades a emergência de novas teorias não implica o abandono
daquelas estabelecidas anteriormente. No caso específico da Linguística,

os inovadores se apoiam sempre, de um modo ou de outro, em teorias


preexistentes, trabalham integrando e ampliando as teorias mais antigas. Não
há, assim, uma verdadeira descontinuidade entre as escolas, entre as correntes,
o que torna impossível distinguir um novo paradigma de uma nova variante de
um paradigma antigo (SÉRIOT, 2016, p.35).

O contraste entre as duas representações mostra que o senso comum sobre a


história da Linguística desconsidera a pluralidade de perspectivas que marcou o
desenvolvimento da disciplina desde o século XIX. Esse caráter pluriparadigmático fica
ainda mais evidente ao observarmos que muitos linguistas utilizaram diferentes
abordagens ao longo de sua carreira e que frequentemente um mesmo autor se dedicava
simultaneamente à pesquisa linguística e ao ensino de línguas ou à investigação filológica
de textos antigos. Não é possível compreender a produção científica sobre a língua na
virada do século XIX para o século XX sem considerar a complexidade desse conhecimento,
construído no cruzamento entre diferentes saberes.
Essas conexões não ocorriam de forma acidental e podem ser observadas inclusive
na produção de um autor como Schleicher, que estabeleceu a fronteira disciplinar entre
linguística e filologia (KOERNER, 2014, p.69), mas o fez inspirado no modelo
epistemológico da botânica e na filosofia idealista de Hegel. Neste sentido, é possível
supor que a persistência da representação da história da Linguística como uma evolução
linear e cumulativa é proporcional à persistência da crença positivista de que a Linguística
se torna mais científica à medida que se parece com as ciências naturais.

126
Figura 5 – Representações da história da Linguística
SÉCULO XIX
SÉCULO XX

127
3.2 A produção científica publicada

No conjunto dos 28 trabalhos publicados nos anais, 17 enfocavam questões


linguísticas e 12 abordavam temas relacionados ao canto ou ao teatro. Os participantes
que não eram de São Paulo ou do Rio de Janeiro enviaram suas comunicações, mas muitos
deles não puderam comparecer pessoalmente. Dentre os trabalhos sobre língua, apenas 6
foram apresentados pelo autor ou por um dos coautores. A maioria dessas comunicações
resultava de pesquisas conduzidas de maneira independente. Apenas um terço dos 17
trabalhos sobre língua era vinculado a algum projeto institucional61 – três pesquisas
promovidas pelo DC, uma realizada no MN e no Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE), uma vinculada ao Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) e
outra à USP.
A heterogeneidade dessas produções fica visível pelas suas dimensões: enquanto
9 delas tinham entre 4 e 13 páginas, 4 tinham entre 47 e 87 páginas. Nesse conjunto, 10
textos apresentam algum tipo de introdução e apenas 5 indicam suas conclusões ao final;
9 mencionam outros estudos (nem sempre identificados) e só 5 informam a bibliografia
utilizada. As referências não seguem um padrão e muitas vezes fornecem informações
incompletas, como o título e a editora de um livro, sem mencionar o autor, ou a autoria de
um artigo e o nome do periódico onde foi publicado, sem o seu título. Isto se deve tanto à
inexistência de uma comunidade científica bem estruturada, capaz de estabelecer convenções
a respeito, quanto à confiança na erudição do leitor – atitude típica da produção ensaística
que predominou até o final da Primeira República.
O perfil plural dos autores dessas comunicações sobressai pela comparação entre
suas idades, áreas de formação e vínculos institucionais. No conjunto de 20 autores,62
aparecem dois grupos etários principais: 10 autores com idades entre 27 e 40 anos e 7
autores com idades entre 51 e 69 anos – em dois casos, não havia informação sobre a data
de nascimento.63 Quanto às áreas de formação, pelo menos 7 eram formados em Direito,
6 em Medicina, 2 no curso de Humanidades do CPII, 1 em engenharia e 1 em Música e 1

61 Não foram consideradas como produções institucionais as descrições de variedades locais


elaboradas por autores que lecionavam em colégios e escolas secundárias ou normais, já que –
com exceção do CPII – essas instituições não investiam na produção científica desenvolvida
pelos docentes.
62 Optei por atribuir a autoria da comunicação Pronúncias Regionais do Brasil – apresentada em

nome da DP – a Manuel Bandeira, Antenor Nascentes e Mário de Andrade, que formam a equipe
responsável pela pesquisa.
63 José Mesquita de Carvalho e João Léllis Cardoso.
em Teologia64 – em três casos, não havia informações sobre a área de formação.65 Fora
isso, 6 deles lecionavam disciplinas relacionadas à língua em escolas ou faculdades.66
Nos anais, há três trabalhos relacionados a pesquisas promovidas pelo DC. O primeiro
deles, intitulado Mapas Folclóricos de Variações Linguísticas, apresenta os resultados de um
inquérito organizado pela SEF e apresentado no Congresso Internacional de Folclore de Paris,
que ocorreu dois meses antes. Os mapas elaborados a partir dessa pesquisa registram a
existência de diferentes tradições populares no estado de São Paulo: dois tipos de interdição
alimentar (leite com frutas e proibições relativas à manga), uma prática de medicina popular
(cura de terçol com anel) e quatro danças.
As variações linguísticas registradas se referem às diferentes denominações dadas
a cada dança (cateretê/catira, cururu/caruru, samba/batuque, caiapó/caiapós/caiapó), e sua
presença é indicada no mapa pelo uso de símbolos distintos ( ● , ○ , ), assinalando ao
mesmo tempo a ocorrência daquela tradição e a sua designação no local considerado. Os
mapas foram produzidos com base nas respostas a quatro mil questionários enviados pelo
DC a professores e inspetores de ensino, médicos e farmacêuticos, juízes, jornalistas,
policiais e ferroviários de todo o estado (ver figuras 6 e 7). O texto também informa que
“pesquisadores especializados foram enviados a certas localidades cujas respostas eram
insuficientes” (SEF, 1938, p.173).
Os mapas de variações linguísticas (ver figuras 8 a 11) eram precedidos por dois
mapas-base que mostravam os limites entre os municípios paulistanos e a abrangência do
território investigado. Os mapas com os resultados da pesquisa foram impressos em cores
diferentes e em papel semitransparente para serem sobrepostos aos mapas-base, o que
possibilitava visualizar as incidências em todo o estado e, ao mesmo tempo, em cada

64 Ademar Vidal, Antenor Nascentes, Antonio Salles, Candido Jucá Filho, Dante de Laytano, Elpídio
Ferreira Paes e Nicanor Miranda (Direito); Edgar Roquete-Pinto, Florival Seraine, Gastão Vieira,
João de Deus Bueno dos Reis e José Candido da Silva Muricy (Medicina); Plínio Ayrosa
(Engenharia); Antenor Nascentes e Manuel Bandeira (Humanidades); Mário de Andrade (Música);
Jerônimo Gueiros (Teologia).
65 José Mesquita de Carvalho, Antonio Graco da Silveira e João Léllis Cardoso.
66 Antenor Nascentes era professor de português do CPII; Augusto Graco da Silveira era

professor de português na Escola Normal de Itapetininga; Cândido Jucá Filho era professor de
Português e Literatura no Instituto de Educação do Distrito Federal e representante da Academia
Carioca de Letras; Elpídio Ferreira Paes era professor secundário de latim, português e
gramática histórica no Ginásio Nossa Senhora do Rosário e professor de direito romano na
Universidade de Porto Alegre; Jeronimo Gueiros era pastor presbiteriano, professor de português
e diretor da Escola Normal do Recife e representante do Instituto Histórico e Geográfico de
Pernambuco; José Mesquita de Carvalho era professor de português no Ginásio do Estado do
Rio Grande do Sul.
.

129
município. Nos anais, esses mapas foram reunidos em um maço inserido de forma avulsa
na brochura.

Figura 6 – Mapa dos municípios paulistas

Figura 7 – Abrangência territorial da pesquisa

130
Figura 8 – Mapa do Cateretê ou Catira

Figura 9 – Mapa do Cururu ou Caruru

131
Figura 10 – Mapa do Samba ou Batuque

Figura 11 – Mapa do Caiapó e suas variações fonéticas

132
Embora não fosse uma ampla descrição do léxico regional, a comunicação da SEF
evidenciava a repercussão no Brasil dos trabalhos de cartografia linguística. As pesquisas
desse gênero surgiram no final do século XIX, mas ficaram mais conhecidas após a
publicação do Atlas Linguístico da França (1902-1912), e de obras derivadas, como a
famosa Genealogia das palavras que designam a abelha (1918) – apresentada ainda hoje
nos manuais de linguística românica (ILARI, 1999, p.28-30; BASSETTO, 2001, p.83).
Renato Mendonça, que era professor do CPII e estava na comissão científica do
evento, dedicou nove páginas do capítulo inicial de O Português do Brasil: origens,
evolução, tendências (1936) aos trabalhos de Gilliéron. Depois apresentar o método
geográfico, descrevendo os procedimentos utilizados nesse tipo de pesquisa, ele mostrou a
sua aplicação no caso das diferentes denominações dadas à abelha, fornecendo inclusive
uma versão simplificada do mapa elaborado por Gilliéron (ver figura 12). A obra de Renato
Mendonça consta como referência no documento que regulamenta a pronúncia padrão e na
comunicação de Florival Seraine sobre a pronúncia cearense – analisada mais adiante.

Figura 12 – Mapa das designações para abelha

“ “Abeille” na Galia romana (reprodução do esquema de


Gilliéron)” (MENDONÇA, 1936, p.26) – legenda original.

133
O segundo trabalho relacionado a projetos do DC foi a comunicação Pronúncias
Regionais do Brasil, que apresentou a gravação em disco de amostras da fala de “sete zonas
fonéticas: Norte, Nordeste (representados respectivamente por paraenses e pernambucanos),
Baia, Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul” (DP, 1938, p.181).
Os registros fonográficos foram realizados em duas etapas: a primeira consistia na leitura
de um texto padrão que permitia identificar os traços característicos da pronúncia de cada
região; a segunda consistia em recitar duas orações da tradição católica, Pai Nosso e Ave
Maria, para fornecer amostras da fala espontânea.
O trabalho, apresentado em nome da DP, resultava da colaboração entre Mário de
Andrade, Manuel Bandeira e Antenor Nascentes. Em entrevista ao jornal A Nação,
Oneyda Alvarenga – que era discípula de Mário de Andrade e diretora da DP – contou
que

A principio foi intenção nossa gravar as vozes de todos os estados brasileiros,


isto é, fazer mais ou menos o que, como os jornaes noticiaram recentemente se
fez este anno na Allemanha. Mas o prof. Nascentes nos desaconselhou da ardua
empreitada, achando que convinha mais, como primeiro trabalho, gravar
apenas as regiões phoneticas mais caracterizáveis (A Nação, 10/07/1937, p.6).

A delimitação de sete zonas fonéticas difere daquela apresentada em O linguajar


carioca em 1922 (ver figura 13). Nessa obra, Antenor Nascentes dividiu o país em quatro
áreas dialetais: nortista (Amazonas, Pará e uma faixa litorânea que vai do Maranhão até
o sul da Bahia), sertanejo (Mato Grosso, Goiás, norte de Minas Gerais e o sertão
nordestino), Fluminense (Espírito Santo, Rio de Janeiro e sul de Minas Gerais) e sulista
(São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Triângulo Mineiro).

134
Figura 13 – Áreas dialetais em Nascentes (1922)

Mapa dialetal do Brasil publicado por Antenor Nascentes em


O linguajar carioca em 1922 (NASCENTES, 2003, p.698).

Diante das críticas recebidas, Antenor Nascentes propôs uma nova divisão em
1933, distinguindo uma zona dialetal no Norte (Amazonas e Pará) e outra no Nordeste
(estendendo a faixa litorânea até o norte do Espírito Santo), e associando o sul de Minas
Gerais ao subdialeto sulista. A revisão feita em 1933 e a delimitação de novas áreas
dialetais em 1937 evidenciam o caráter exploratório da pesquisa realizada pelo DC.
Manuel Bandeira redigiu o texto padrão lido pelos informantes com base nas
orientações de Antenor Nascentes, que indicou aqueles “fonemas cuja pronunciação lhe
parecia mais relevante de apurar” (DP, 1938, p.182). As gravações reproduzidas no evento
foram financiadas pelo DC e realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos estúdios da
RCA Victor e da Columbia Phonograph. Em entrevista concedida ao jornal A Nação, Mário
de Andrade declarou que essa pesquisa “abre o caminho para o futuro Gabinete da Phonetica
Experimental, que pretendemos montar, e que então poderá determinar com maior precisão
cientifica as peculiaridades da pronuncia nacional” (A Nação, 17/06/1937, p.3).
Os registros eram parte do projeto “Arquivo da Palavra”, um serviço de gravações
em disco integrado à Biblioteca Pública Municipal, instituição responsável pela produção
e a preservação dos fonogramas. O projeto era dividido em dois segmentos: vozes de
brasileiros ilustres e pronúncias regionais para uso em estudos de fonética. Além das
gravações apresentadas no Congresso da Língua Nacional Cantada, foram captadas as

135
vozes de Rubens do Amaral, Camargo Guarnieri, Souza Lima, Dulcina de Morais, Lasar
Segall e José Alcântara Machado de Oliveira (RODRIGUES, 1992, p.20). Para compreender
o pioneirismo desse projeto, é preciso considerar que, na época, a gravação em disco
ainda era uma tecnologia pouco acessível no Brasil.
A terceira pesquisa linguística vinculada a projetos do DC foi apresentada numa
sessão extraordinária ocorrida domingo pela manhã no Parque Infantil D. Pedro II. O trabalho
Vícios e defeitos na fala das crianças dos Parques Infantis de São Paulo foi elaborado por
João de Deus Bueno dos Reis, que era médico dos Parques Infantis, e Nicanor Miranda, que
era formado em Direito e chefiava a Divisão de Educação e Recreios do DC. O texto discorre
sobre os “distúrbios da fala”, faz uma avaliação detalhada sobre as condições fisiológicas,
vocais e intelectuais das crianças que frequentavam os Parques Infantis e apresenta sugestões
para corrigir o que os autores consideravam “anomalias sensoriais, psíquicas ou funcionais”
(MIRANDA e REIS, 1938, p.276).
Esses “distúrbios” foram identificados através de testes de pronúncia, que consistiam
na leitura em voz alta de nove frases. As frases67 foram elaboradas de modo a revelar tanto
as formas características da fala popular quanto as marcas do contato com línguas
estrangeiras. Por exemplo, a frase “Diga para a instrutora que não dê o livro para o
menino” revelava a pronúncia da preposição “para” como “pra”, uso diagnosticado como
dislalia.68 Diante disso, recomendava-se uma abordagem médica e pedagógica, pois “as
dislálias podem ser patológicas ou mesológicas. Estas ultimas podem ser removidas com
exercícios califásicos adequados” (MIRANDA e REIS, 1938, p.276).
Os autores adotavam um discurso abertamente xenofóbico, sugerindo que a presença
dos imigrantes ameaçava a integridade da língua nacional e que o ensino de línguas
estrangeiras rivalizava com o conhecimento da língua materna. “As línguas estrangeiras
invadem as nossas divisas sob todas as modalidades acarretando para a língua pátria toda
sorte de vícios e defeitos. A maioria das línguas vivas do Ocidente são ávidamente estudadas
enquanto poucos conhecem o próprio idioma” (MIRANDA e REIS, 1938, p.213). Essa

67 As frases utilizadas foram as seguintes: “a) O príncipe mandou colher uma abóbora na
chácara. b) Fiquei com muita saudades do Parque. c) Os livros são bons amigos. d) Os meninos
pequenos não querem aprender inglês. e) Gosto muito de carne de porco. f) Em casa não “tem”
fogão a gaz. g) O tio viu o Rio Frio. h) A criança loura tinha na mão uma moeda de ouro. i) Diga
para a instrutora que não dê o livro para o menino” (MIRANDA e REIS, 1938, p.251-252).
68 A dislalia é descrita atualmente como uma dificuldade articulatória decorrente de causas orgânicas

diversas ou de fatores comportamentais, como uso prolongado de chupeta e mamadeira na


infância. Ela se caracteriza pela substituição de fonemas, causando problemas funcionais na
linguagem. As falas de personagens de ficção como Cebolinha e Hortelino Troca-Letras são
exemplos de pronúncia dislálica.

136
convicção se expressa também na apresentação de tabelas que relacionam a quantidade
de “frases erradas” à nacionalidade do pai e da mãe ou que comparam essas incidências
em crianças de famílias homogêneas e de famílias mistas (ver figuras 14 e 15).

Figura 14 – Tipos de distúrbio x constituição da família

Relação entre a constituição da família à incidência de


distúrbio da fala (MIRANDA e REIS, 1938, p.229).

Figura 15 – Quantidade de erros x nacionalidade dos pais

Tabela que relaciona a quantidade de “frases erradas” à


nacionalidade dos pais nos casos de crianças filhas de pai e mãe
estrangeiros (MIRANDA e REIS, 1938, p.259).

137
Figura 16 – Exame médico no Parque Infantil D. Pedro II

Exame médico das crianças no Parque Infantil D. Pedro II, no Brás, em 1937.
Foto de Benedito Duarte (DUARTE, 2007, p.65).

A normalidade aparece aqui como um modelo idealizado que se opõe ao


desenvolvimento espontâneo e, por isso, depende da intervenção normalizadora sobre a
sociedade. Neste sentido, os autores declaram: “Podemos afirmar, com toda segurança, que
muito pequeno é o numero de pessoas que possuem a fala verdadeiramente normal na sua
essência” (MIRANDA e REIS, 1938, p.221). A infância é retratada como fase decisiva na
vida do indivíduo, quando “a influência do meio, refeita ás vezes de taras e moléstias
congênitas” condiciona o surgimento de “defeitos” que se acentuam com o tempo,
“condenando o ser humano a uma posição de visivel inferioridade social” (MIRANDA e
REIS, 1938, p.212).
A medicalização do comportamento linguístico das crianças pobres se apoiava nas
teses da eugenia neolamarckiana,69 que influenciaram médicos e educadores do período.
Os autores acreditavam, por exemplo, que, caso não fossem tratados, os déficits visuais e
auditivos detectados na infância levariam o indivíduo à “deficiência psíquica” (MIRANDA
e REIS, 1938, p.276). A intervenção normalizadora era recomendada tanto porque “os
vícios e defeitos que se esboçam” na infância “nela são mais facilmente combativeis”
(MIRANDA e REIS, 1938, p.215) quanto porque “o contagio dos vicios e defeitos da

69Ver STEPAN, Nancy. A eugenia no Brasil: 1917-1940. In: Hochman, Gilberto; Armus, Diego
(Orgs.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e
Caribe. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2004, p.331-391 e STEPAN, Nancy. “A hora da eugenia”: raça,
gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2005.

138
palavra é perfeitamente comparável ao contágio das enfermidades” (MIRANDA e REIS,
1938, p.275).
Embora diferentes entre si, essas pesquisas tinham em comum a ênfase na produção
de dados sobre a realidade linguística local ou nacional. Neste sentido, os três projetos
refletem tanto o compromisso do DC com o conhecimento da “realidade nacional” e os
benefícios de uma administração pública tecnicamente orientada quanto o reconhecimento
da empiricidade como uma virtude no âmbito dos estudos linguísticos – posição difundida
por Gilliéron (BASSETTO, 2001, p.71) e que Amadeu Amaral e Antenor Nascentes
defendiam há mais de uma década. Com essas comunicações, o DC se apresentava a
intelectuais e artistas de todo o país como exemplo a ser seguido quanto ao papel das
instituições públicas no apoio às pesquisas sobre a realidade linguística do país.
Foram apresentadas mais três comunicações baseadas em pesquisas vinculadas a
projetos institucionais. A primeira delas, intitulada A Fonofotografia e a Fonética, de
João Léllis Cardoso, que era assistente técnico da Divisão de Tecnopsicologia do IDORT,
foi apresentada na terceira sessão extraordinária. O texto descreve os principais recursos
existentes na época para a observação da voz através de aparelhos e traz diversas fotografias70
tanto dos equipamentos utilizados quanto das emissões sonoras examinadas. Esclarece
também que a instituição paulista tinha interesse na investigação dos sons “sob o ponto
de vista psicotécnico, ou seja, para eliminar o barulho das fabricas, das ruas, que tanto
prejudica o trabalhador e produz a fadiga” (CARDOSO, 1938, p.523).
O autor apresenta uma breve história dos instrumentos de observação dos sons,
mencionando desde pesquisas de acústica realizadas no século XIX até as técnicas de
fonofotografia criadas no início do século XX pelo físico Dayton Miller e os estudos
experimentais de psicologia musical desenvolvidos por Carl Seashore. Uma nota de
rodapé informa que “a tradução portuguesa da obra de Miller, “The Science of Musical
Sounds” por J. Lellis Cardoso está em preparo, devendo aparecer logo após a publicação
de “The Psychology of Musical Talent” de Seashore” (CARDOSO, 1938, p.516). Apenas
4 das 50 páginas do trabalho enfocam aquilo que consideramos hoje questões de fonética,
como as definições de articulação, pronúncia, vogal e consoante.

70 As notas de rodapé informam que “além das fotografias que ilustram esta tese, outras tantas
foram projetadas durante a leitura, tais como: fotografias da compressão de ondas, diversos tipos
de analisadores e sintetizadores mecânicos de Kelvin, Michelson, Rowe, Mades, Chubb” e que
“foram projetadas na tela, os diversos processos para a produção da vogal sintética – Marage,
Koening, Helmholtz; e disposições de tubos de orgão destinadas á produção da vogal sintética”
(CARDOSO, 1938, p.522).

139
Metade do texto discorre sobre a voz e a fala a partir de sua aplicação nas artes. João
Léllis Cardoso descreve fisiologicamente o ritmo e a entonação das palavras em prosa e verso
e, na dimensão musical, define altura, timbre, intensidade e duração, indicando as técnicas
que permitem observá-los e medi-los através de aparelhos. Embora não mencione nenhum
foneticista, a ênfase estética o aproxima das pesquisas realizadas no final do século XIX por
Eduard Sievers71, que associavam a fonética ao estudo das formas literárias.
As fotografias expostas durante a apresentação e reproduzidas nos anais foram
cedidas ao autor pelo próprio Dayton Miller. Essas imagens mostram os aparelhos
utilizados para visualizar as ondas sonoras e os registros produzidos por eles (ver as
figuras 16 e 17).

Figura 17 - Fonofotografias

“Em cima: Fotografia da palavra “"laboratory”. No meio: Fotografia de uma canção com orquestra.
Em baixo: Fotografia do som de um sino.” (CARDOSO, 1938) – legenda original.

71Sievers investigava as propriedades rítmicas e melódicas de poemas antigos como formas


sonoras objetivas, supondo que isso teria influenciado as escolhas de palavra de cada autor, e
tentava reconstituí-las experimentalmente, observando a recitação dos textos repetidas vezes
até identificar o seu “caráter vocal genuíno” (MEYER-KALKUS, s/d).

140
Figura 18 – Aparelhos para visualização de ondas sonoras

“Fonodeik para fotografar as ondas sonoras”, à esquerda, e “Fonodeik para projeção”, à direita
(CARDOSO, 1938) – legendas originais.

A comunicação Subsídios para o Estudo da Influência do Tupi na Fonologia


Portuguesa resultava das pesquisas desenvolvidas por Plínio Ayrosa, que era professor
da USP, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Paulista
de Letras. O autor era formado em Engenharia, mas se dedicava ao estudo de “línguas
indígenas”, ao levantamento de manuscritos a respeito nos arquivos paulistanos e à
formação de acervos etnográficos para o museu da universidade. Quando apresentou sua
comunicação no Congresso da Língua Nacional Cantada, ele já era conhecido como
estudioso do assunto, tendo publicado trabalhos72 a respeito e editado documentos
históricos73 sobre a língua tupi.
Plínio Ayrosa era professor de etnografia brasileira e língua tupi-guarani, cadeira
ligada à Subseção de Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP. Embora ele não tivesse formação em Linguística, no programa de sua disciplina
a parte dedicada ao tupi seguia os princípios comparatistas, dividindo o estudo da
língua em fonologia, morfologia, sintaxe, léxico e ortografia e examinando tanto as
mudanças ocorridas ao longo do tempo quanto as consequências do contato linguístico

72 Em 1933, publicou Primeiras noções de tupi, compilação de suas palestras no Centro do


Professorado Paulista, e artigos sobre etnografia e língua tupi na Revista do Arquivo Municipal
de São Paulo.
73 Em 1934, organizou uma edição do Diccionario Portuguez-Brasiliano e Brasiliano-Portuguez,

obra de 1795 atribuída ao Frei Onofre; fez o mesmo em 1937 com o dicionário Nomes das partes
do corpo humano pella lingua do Brasil, escrito em 1613 pelo padre jesuíta Pero de Castilho.

141
(FFLCH/USP, 2009, p.291-293). Tudo isso sugere que sua comunicação deve ser entendida
como parte de um projeto institucional, e não como trabalho independente.
Sua comunicação enfatiza, desde o primeiro parágrafo, o mérito dos jesuítas pela
preservação das populações ameríndias e pelo respeito às “suas tendencias étnicas”,
argumentando que “si perdiam os aborígenes alguma coisa no sector espiritual, ganhavam
muito no sector social, mantendo-se unidos, falando a sua própria lingua e mantendo os
seus próprios hábitos antigos” (AYROSA, 1938, p.682). A “proteção benéfica” dos
catequistas viabilizou, segundo ele, “a coexistência de uma sociedade ameríndia ao lado de
uma sociedade européa para cá transplantada” (AYROSA, 1938, p.681), dando origem a
uma cultura híbrida exemplificada em São Paulo com o uso generalizado da língua
indígena no final do século XVII.
A influência do evolucionismo cultural em sua descrição das culturas e das línguas
ameríndias transparece no elogio à atuação da Companhia de Jesus e na exaltação das
influências do tupi no português. Ele afirma que os jesuítas

nunca impuzeram ao catecumeno, de maneira brusca, os preceitos da fé cristã


e nem mesmo os símbolos sagrados e altos do cristianismo eram apresentados
diretamente, com as manifestações rituais de costume; antes, pelo contrário,
com os nomes e com a simpleza rude dos deuses e semi-deuses da incipiente
teogonia ameríndia (AYROSA, 1938, p.682).

A oposição entre a superioridade da religião cristã, com seus “símbolos sagrados


e altos”, e a “simpleza rude” da “incipiente teogonia ameríndia” é um exemplo de
evolucionismo cultural.74 Essa perspectiva foi criada pelos primeiros antropólogos do
século XIX e se caracteriza pela percepção da diferença cultural como marca de um
estágio evolutivo anterior àquele em que estariam os povos europeus e pela suposição de
um progresso linear comum a toda a humanidade. Plínio Ayrosa se filia a essa abordagem
ao interpretar o que chama de “simpleza rude” como indício da imaturidade da “teogonia
ameríndia”. O pressuposto é que, embora “incipiente”, a religiosidade dos povos nativos
poderia evoluir sob a orientação dos jesuítas.
As consequências do contato linguístico também são analisadas a partir de uma
percepção hierárquica, que representa o europeu como superior ou dominante e o ameríndio
como inferior ou dominado. Plínio Ayrosa examina a hipótese da inferioridade linguística do

74Ver CASTRO, Celso (Org). Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

142
tupi, observa que isso não reduziria a sua influência sobre o português e procura atenuá-la,
argumentando que a simplicidade do sistema flexional era uma qualidade, pois a língua “não
opoz aos que dela usaram nos primeiros tempos, por necessidade, o menor impecilho ou a
mais leve dúvida na expressão das idéias” (AYROSA, 1938, p.685).
As qualidades atribuídas ao tupi resultam de sua importância na conformação da
identidade linguística nacional e no seu valor afetivo para os brasileiros. O autor apresenta
como evidência disso o uso frequente de palavras tupis, e não de palavras latinas, inglesas
ou francesas, para “batizar uma usina, uma estação de radio, um avião, uma fazenda, um
novo produto farmacêutico, uma estação ferroviária, etc” (AYROSA, 1938, p.685). Ele
critica tanto os que consideram o tupi “bárbaro e rude”, chamando-os de “inimigos do
que é nosso”, quanto os “ignorantes cheios de impafia que falam francês e inglês tão mal
quanto o português”. E argumenta que

o tupi nos vem do berço com o sangue; simplesmente porque os seus fonemas
nos soam aos ouvidos como cadências familiares e meigas; simplesmente
porque o tupi nos evoca qualquer cousa que, embora não saibamos qual seja e
onde existe, sentimos que pertence á uma tradição e que é uma partícula de
nosso passado... (AYROSA, 1938, p.686).

Plínio Ayrosa descreve a pronúncia tupi com base em impressões auditivas, sem
indicar o ponto e o modo de articulação dos fonemas, e recorre à comparação com outras
línguas. A fonética tupi se caracterizaria, segundo ele, pela “subtileza com que são emitidas
certas consoantes que em rigor não podem ser representadas graficamente”. Seriam
exemplos disso a “consoante dupla ch, cuja pronúncia se aproxima do grupo sh do inglês
ou txe, com t breve”, e a “pronúncia especial do b, que fica entre a do b e do v portugueses,
com tendências a aproximar-se do w inglês” (AYROSA, 1938, p.686).
A originalidade do trabalho está na avaliação da influência tupi sobre a variedade
brasileira, que não se limita ao vocabulário. Depois de descrever as regularidades do tupi
por contraste com o português, indicando as características ausentes na língua indígena,
o autor as associa a formas que, embora rejeitadas na língua padrão, são usuais na fala
popular. Assim, a supressão da letra d nos gerúndios – por exemplo, “falano” – e da letra
l no final da palavra – em casos como “jorná” – resultaria da inexistência desses sons no
tupi (AYROSA, 1938, p.693). Da mesma forma, “a não existencia de proparoxítonas no
tupi, acarreta a supressão de letras ou sílabas médias ou finais”, em casos como “ridico”
(ridículo), “cosca” (cócega) e “arve” (árvore), entre outros (AYROSA, 1938, p.695).

143
O trabalho Contribuição à Fonética do Português do Brasil, do médico e
antropólogo Edgard Roquette-Pinto, foi apresentado no evento pelo também médico e
antropólogo Josué de Castro, que antes de dar início à leitura pediu desculpas “por não
ter contribuído com algum trabalho de sua autoria” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938,
p.31). O texto descreve as pesquisas conduzidas por Roquette-Pinto desde 1926 no
laboratório de fonética experimental do MN e posteriormente no INCE. A primeira
consistia na produção de gráficos oscilatórios de “palavras e frases pronunciadas por
indivíduos de varias regiões do país e alguns portugueses” (ROQUETTE-PINTO, 1938,
p.699). Esses registros mostram “traçados uniformes” na pronúncia das vogais E, I, O e
uma “diferença acentuada” entre a amplitude inicial e final na pronúncia das vogais A e
U (ver figura 19).
A segunda pesquisa registrou através de outra técnica “tres variantes da mesma
palavra: Companhia. E’ sabido que no Brasil diz-se: Companhia — (Rio, etc.), Compania
— (Rio, Minas etc.) e Compã-ia (Nordéste).” (ROQUETTE-PINTO, 1938, p.701). A
conclusão foi que “a mesma pessoa, pronunciando nas mesmas condições o vocábulo
companhia, nas tres versões correntes no Brasil, emprega tempos diversos, medidos em
milésimos de segundo: companhia (310), compania (330), compã-ia (220)” (ver figura
20) e que “nesse vocábulo a pronúncia do Nordéste é mais econômica” (ROQUETTE-
PINTO, 1938, p.702).
Na falta de maiores informações sobre os procedimentos adotados, é possível
supor que o autor tenha aprendido a simular com sua própria voz as características dessas
três pronúncias regionais – talvez com o auxílio dos registros realizados anteriormente –
e, com isso, produzido as medições apresentadas. A comparação entre três variedades
locais a partir da fala de um único indivíduo – algo que hoje seria considerado um
equívoco metodológico – poderia se justificar como uma forma de padronizar os dados,
considerando que quanto mais homogêneas fossem as condições de realização do
experimento mais confiável seria o resultado.
O trabalho também descreve em detalhes a aparelhagem e a técnica empregadas na
primeira pesquisa, no MN, e as compara ao equipamento para sonorização de filmes,
utilizado na segunda pesquisa (ver figura 21), que pertence ao INCE – instituição dirigida
pelo próprio autor. A tecnologia mais recente permitia, segundo ele, “ver bem as figuras das
vibrações da voz e [...] ouvir o que dizem os desenhos...” (ROQUETTE-PINTO, 1938,
p.701), tornando perceptíveis nuances que não podiam ser facilmente captadas através da
audição. O relato do evento publicado pelo Jornal do Comércio afirma que “nesta

144
communicação apresenta-se a perspectiva da solução de varios problemas de prosodia que a
simples audição não pode resolver e que foram larga e longamente debatidos nas sessões
plenárias do Congresso” (Jornal do Comércio, 17/07/1937, p.4).

Figura 19 – Espectros de onda das vogais

Primeira pesquisa, que compara a amplitude inicial e a amplitude final na


pronúncia de vogais, indicando “diferença acentuada” nas vogais A e U
e “traçados uniformes” nas vogais E, I, O (ROQUETTE-PINTO, 1938).

145
Figura 20 – Gráfico oscilatório de três pronúncias regionais

Segunda pesquisa, que registra três realizações fonéticas da palavra “companhia”: a primeira
associada a falantes do Rio de Janeiro; a segunda, à região que vai do Norte Fluminense a
Minas Gerais; a terceira, a falantes da região Nordeste (ROQUETTE-PINTO, 1938).

Figura 21 – Segunda técnica utilizada por Roquette-Pinto

O autor explica que “a agulha de ferro macio, dentro da bobina que recebe as variações
de corrente provenientes do microfone, acha-se no campo de um imam permanente. Na
ponta da agulha, um pequeno espelho manda ao film o raio luminoso recebido de uma
lampada de filamento retilineo. Na frente do film, uma lente cilíndrica, que pelo proprio
astigmatismo alonga ainda mais o feixe luminoso, dando na película as linhas bem
visíveis” (ROQUETTE-PINTO, 1938, p.701).

Embora não fosse linguista, Roquette-Pinto se interessava pelo estudo da língua e,


assim como os médicos Arthur Neiva e Afrânio Peixoto, participava dos principais debates
a respeito através dos artigos que publicava na imprensa e do seu trabalho científico. No
capítulo 12 dos Ensaios de Antropologia Brasiliana (1933), ele destacou a importância da

146
mudança fonética na definição da identidade linguística brasileira, argumentando que “um
etnólogo estrangeiro que anotasse os vocabulários nos dois continentes” usando o Alfabeto
Fonético Internacional “nunca chegaria a dizer que se trata de um mesmo idioma”
(ROQUETTE-PINTO, 1982, p.62). Na época, os fonemas eram percebidos como
manifestações concretas da identidade linguística e a mudança fônica, como a causa da
diferenciação entre as línguas ao longo do tempo.
Roquette-Pinto considerava “um absurdo afirmar que o idioma brasiliano já se
encontra definitivamente constituído. Mas não [...] menos absurdo contestar a evolução
adiantada que se está processando neste sentido”. Ele criticava os “intolerantes”, que
“deveriam, pelas mesmas suas razões, exigir que em Portugal se falasse latim.” Ciente do
caráter político dessa avaliação, afirmava a objetividade como conduta que distingue o
cientista: “Eu não discuto as vantagens ou desvantagens do fenômeno. Como simples
naturalista, sei que o finalismo leva aos maiores erros e sei mais que o nosso desejo e íntimo
sentimento não influem nos fatos que as leis naturais governam soberanamente”
(ROQUETTE-PINTO, 1982, p.63).
Apesar de sua confiança na objetividade científica e na fatalidade das leis naturais,
que atuariam à revelia da vontade humana, Roquette-Pinto acreditava que os intelectuais
brasileiros tinham um papel a desempenhar no processo de evolução da língua. A esse
respeito, ele argumentava que

Não há só cruzar os braços. Cada geração tem responsabilidades próprias. Eu


creio que as atuais e as próximas não devem desprezar o assunto, como
desvalioso. Ao contrário; há um grande trabalho a fazer, para condicionar as
melhores circunstâncias, buscando regularizar um rio cujo curso ninguém pode
sustar (ROQUETTE-PINTO, 1982, p.63).

Os outros onze trabalhos resultavam de pesquisas desenvolvidas de maneira


independente por cada autor. Apenas um deles não apresenta a descrição de alguma
variedade regional, o ensaio intitulado A Importância da Unidade Ortoépica da Língua
Nacional, de Jerônimo Gueiros, que era pastor presbiteriano, professor de teologia e de
português na Escola Normal do Recife, membro da Academia Pernambucana de Letras e
do Instituto Histórico de Pernambuco. O autor lamentava que “a exiguidade do tempo de
que ora disponho me não permita enviar sinão ligeiras considerações e sugestões”
(GUEIROS, 1938, p.553), demonstrando que seu trabalho foi motivado pela oportunidade
de participar do evento.

147
Entre os congressistas, Jerônimo Gueiros foi um dos representantes mais convictos
do purismo em matéria de língua, defendendo unidade entre a variedade brasileira e o
português europeu. Seu texto saúda diversas vezes a organização do evento pelos “fins
culturais e patrióticos dessa augusta assembléa” ou por promover “o congraçamento de
forças espirituais para realce da cultura nacional”, e descreve aqueles anos de “intensa
movimentação cívica” (GUEIROS, 1938, p.553) como “um periodo de salutar
efervescencia em torno da cultura vernácula, semelhante ao do surto da disciplina
gramatical que no século XVI, nos deu as gramaticas de Fernão de Oliveira e João de
Barros” (GUEIROS, 1938, p.558).
Sua orientação teórica se aproxima do comparatismo mais ortodoxo, combinando o
evolucionismo linguístico, presente em autores como Schleicher, ao evolucionismo cultural
da Antropologia.

E quem, em sã razão, poderá negar o valor incomparável da lingua, como


veículo, que é, dos nossos pensamentos, como instrumento insubstituível de
assimilação e perpetuidade das conquistas do espirito humano através das varias
etapas da civilização, e como patrimônio multisecular em que se acumularam as
grandes colheitas da inteligência, desde a antiguidade oriental e classica até os
nossos dias?
Sem esse maravilhoso meio de comunicação espiritual, sem esse mirifico
instrumento de conservação de todos os produtos da atividade psíquica, o
homem, apesar de sua ansia incontida de progresso, ainda estaria abismado na
ignorância, na miséria e na antropofagia do selvagem (GUEIROS, 1938, p.554).

Enquanto o evolucionismo linguístico transparece na percepção da língua como


expressão do pensamento, o evolucionismo cultural se manifesta na concepção de “etapas
de civilização”. O autor acredita que toda a humanidade segue a mesma trajetória evolutiva,
um progresso linear e cumulativo que tem como expoente as sociedades europeias. Essa
premissa remete à ideia de língua como fundamento da civilização, à medida que a cultura
escrita preserva a produção intelectual do passado, permitindo acessá-la no presente. A
língua é associada ao manejo da escrita e indica o estágio evolutivo em que se encontram
as diferentes sociedades. Sem esse recurso, o “homem ainda estaria abismado na ignorância
e na miséria”, como os povos nativos não europeus.

148
Embora reconheça que o português se formou pela transgressão do latim clássico,
com as mudanças surgidas na pronúncia75 das populações analfabetas da Península Ibérica,
o autor rejeita a hipótese da separação entre a variedade brasileira e o português europeu,
argumentando, que, “como se dá com os organismos vivos, [...] até morrer, [a língua]
conserva, através dos fenomenos da assimilação e desassimilação, os traços fundamentais
do seu tipo glótico” (GUEIROS, 1938, p.557). Portanto,

a lingua que falamos é ainda a sonora e dôce herança que nos veiu do Lácio
através da Lusitania, sem embargo da progressiva alteração que vem sofrendo
no “Gigante da America do Sul”.
Ligeiramente modificado na sua fonologia, enriquecido no seu léxico e
aprimorado em sua sintaxe, o Português falado no Brasil conserva, em sua
ortoépia, as características de filho primogênito do Latim (GUEIROS, 1938,
p.557).

Como as características fonéticas de uma língua determinavam a sua continuidade


ou o seu desaparecimento, a estabilização da pronúncia seria uma questão de sobrevivência.
Diante do risco de extinção da língua, pela sua desfiguração prosódica, a homogeneização
da pronúncia aparece como medida profilática, pois a língua será “mais limpida expressão
do pensamento quanto mais pura e uniforme fôr a sua ortoépia” (GUEIROS, 1938, p.555).
No caso brasileiro, em que a língua carrega em si as marcas da composição multiétnica e
plurilíngue da população, afirmar a continuidade linguística com o português europeu
significava recusar essa diversidade e defender o projeto de nação que visava fazer do país
uma “Europa nos trópicos”.
Isso fica mais nítido nas passagens em que o autor critica os modernistas e os
defensores da “língua brasileira”, que aceitavam formas características da variedade
brasileira rejeitadas na língua padrão. Segundo ele,

a pretexto da necessidade de renovação e modernismo, o espirito anarquico de


nosso século atenta contra o que há de mais precioso em nossa tradição vernácula
e tenta proscrever os estudos sistemáticos da lingua, cobrindo com o nome
pomposo de – lingua brasileira – a desordem e a balburdia da linguagem inculta

75 “A lei do menor esforço e a ignorância da gramatica latina por parte dos habitantes da
Península Ibérica e das legiões romanas aí aquarteladas, ocasionando a má pronúncia de que
resultaram as alterações flexionais, espeçialmente dos nomes e dos verbos, produziram no Latim
a confusão que formou o Romanço, donde surgiram, através de séculos de diferenciações
dialetais, as linguas novo-latinas” (GUEIROS, 1938, p.555).

149
que reflete o velho ambiente das senzalas, o analfabetismo da maioria, o atraso
das regiões sertanejas – separadas, no dizer de Euclides da Cunha, por quatro
séculos, da civilização litoranea – e a indolência mental de alguns invasores
barbaros das letras nacionais, tão amigos das aberrações do belo e das
extravagancias do futurismo (GUEIROS, 1938, p.556).

O autor chega a mencionar um dos congressistas presentes na sessão de musicologia


ao declarar que a “ação deletéria da anarquia [...] já conquistou vultos da estatura do dr.
Andrade Muricy,76 a quem é agradavel o Português “dutil até a moleza; todo incrustado de
impropriedades felizes; de erros que por consenso geral (?) de 40 milhões, fazem lei” ”
(GUEIROS, 1938, p.557).
Jerônimo Gueiros compreendia a evolução linguística como uma disputa constante
entre a minoria esclarecida e a maioria ignorante da sociedade. Ele acreditava que a fala
popular corrompe a pureza da língua e, por isso, deve ser combatida pela “ação consciente”
dos intelectuais, os únicos capazes de distinguir as características fundamentais da língua e
conservá-las através de sua influência sobre o conjunto da sociedade. Essa concepção foi
sintetizada pelo autor na dicotomia entre “fator inconsciente” e “fator consciente”.

Na sua evolução, [a língua] sofre a influencia do fator inconsciente que tende a


desnatura-la pela lei do menor esforço. Mas recebe, para conservar-lhe a feição
idiomática, a ação consciente do fator erudito (GUEIROS, 1938, p.557).

[...] o fator consciente da corrente erudita [é] o elemento decisivo de reação


salutar contra o fator inconsciente, gerador das diferenciações glóticas e
desfigurador dos idiomas (GUEIROS, 1938, p.563).

Neste sentido, Jerônimo Gueiros destacou a atuação da Academia Brasileira de


Letras, que ofereceu “a todos os Estados um padrão de ortografia e ortoépia no
Vocabulário oficial, [...] de harmonia com os elementos representativos da cultura
vernácula da Academia das Ciências de Lisboa” (GUEIROS, 1938, p.558), e o próprio
Congresso da Língua Nacional Cantada.
Considerando que uma “ortografia padronizada [...] influe poderosamente na
conservação da prosódia”, ele pediu aos congressistas que recomendem “aos intelectuais

76Andrade Muricy se formou em Direito, mas atuava profissionalmente como pianista, professor
de conservatório e crítico musical. Ele assinava a coluna Pelo Mundo da Música, publicada às
quartas-feiras no Jornal do Comércio e foi um dos fundadores, em 1927, da revista Festa – que
divulgava a produção do grupo homônimo formado por escritores modernistas paranaenses.

150
brasileiros a conservação da ortografia simplificada” e sugiriram à Câmara Federal alterar
a Constituição com a mesma finalidade (GUEIROS, 1938, p.564). Propôs também a
realização de “um congresso de profissionais do ensino, especialmente de gramáticos,
filologos e linguistas brasileiros” para solucionar a questão ortográfica e ortoépica, de modo
a “unificar e simplificar o ensino do Português nas escolas secundarias” (GUEIROS, 1938,
p.555). Após a leitura da comunicação, Antenor Nascentes declarou que as sugestões do
autor “devem merecer a atenção do congresso, pois que são interessantes aos seus
objetivos” (RELATÓRIO E MOÇÕES, 1938, p.37).
Na entrevista que concedeu ao jornal A Nação cerca de um mês antes do evento,
Mário de Andrade destacou as “theses e communicações sobre pronuncias regionais” e
disse que “estão garantidos estudos nesse sentido a respeito do Rio Grande do Sul, Paraná,
São Paulo, Districto Federal, Bahia, Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Pará e, provavelmente, Minas Geraes” (A Nação, 17/06/1937, p.3). Contudo, nos anais do
evento não há descrições sobre a pronúncia de 4 dos 11 estados mencionados,77 e há tantas
discrepâncias entre aquelas que foram publicadas que em muitos aspectos se torna difícil
compará-las. Por isso, optei por apresentar cada uma delas, sequenciando-as por região, e
só depois fazer uma leitura transversal. Os números sobre descrições de variedades locais
são os seguintes:

Tabela 3 – Descrições de variedades locais por região e por estado

Norte Sudeste Nordeste Sul


Total
PA RJ SP CE PB PE PR RS

descrições de
1 1 1 2 1 – 1 3 10
variedades locais
outros tipos
– 1 5 – – 1 – – 7
de produção

Total 1 8 4 4 17

O estado do Pará foi representado no evento pela comunicação Subsídio para estudo
da língua nacional no Pará, de Gastão Vieira, que era professor da Faculdade Paraense de
Medicina. O autor foi descrito por Mário de Andrade como um médico “com intenções de
literatura” (ANDRADE, 2015, p.80) e se tornou seu amigo depois de acompanhá-lo na sua

77As exceções são os estados de Pernambuco, representado pelo trabalho de Jerônimo Gueiros
(que não é uma monografia descritiva), Bahia, Rio Grande do Norte e Minas Gerais, cujas
pronúncias locais não foram descritas em nenhum dos trabalhos publicados.

151
passagem por Belém em 1927. O trabalho, apresentado por Manuel Bandeira, tem apenas
4 páginas e foi redigido às pressas para o evento, como esclarece o autor ao pedir “perdão
aos snrs. congressistas, de não seguir uma ordem nestas notas, escrita[s] sem o tempo
preciso, do que resulta baralhar as diferenças” (VIEIRA, 1938, p.500) e explicar que “o que
eu quis foi cumprir a ordem do sr. Diretor do Departamento Municipal de Cultura, que me
honrou com um convite” (VIEIRA, 1938, p.502).
Gastão Vieira não era um estudioso da língua formado em outra área, mas sim um
médico interessado na literatura e, consequentemente, na discussão sobre a “língua
nacional”. Seu trabalho interessa tanto como registro do discurso linguístico em circulação
no período quanto pelo fato de figurar nos anais. O autor enumera “curiosas particularidades
na fala do povo”, destacando palavras do léxico regional e mudanças que resultam de
processos fonológicos, mas as apresenta como casos particulares, alegando que não teve
“tempo de metodizar estas letras”. Ao descrever esses casos, ele mostra não compreender
bem a diferença entre os sons da fala e as letras utilizadas para representá-los: “Um defeito
por substituição de letras que não sei se é exclusivo do norte, se observa aqui, mesmo entre
pessoas medianamente ilustradas. Quero falar do “r” pelo “l”: – Já foi buscar a “calne” no
talho do seu “Caldoso”?” (VIEIRA, 1938, p.500).
Além de se referir às formas da pronúncia local como “defeitos”, Gastão Vieira
quase sempre atribui essas formas a “pessoas rudes”, “incultas”, “de classe baixa”,
afirmando que a “corrupção da pronúncia” é “própria do homem do interior” (VIEIRA,
1938, p.500) e que “nas classes baixas [...] não é comum ouvir-se um verbo direito”
(VIEIRA, 1938, p.501). A fala popular também é descrita por seu caráter cantado e sua
suavidade, qualidades que o autor relaciona à representação dos brasileiros como povo
apático, preguiçoso e melancólico, difundida pelo racismo científico do século XIX: “no
nosso “interior” se fala também “cantando”, mas o modo de “cantar” daqui difere muito do
do nordeste. E’ mais lento, mais suave, denotando, se quizerem, mais tristeza ou mais
preguiça...” (VIEIRA, 1938, p.500).
A região Nordeste foi representada na sessão de filologia por quatro comunicações,
mas só três enfocavam as pronúncias locais – uma sobre a fala dos paraibanos e duas
sobre a fala dos cearenses. A primeira delas, intitulada O subdialeto do Nordeste, foi
enviada por Ademar Vidal, que era procurador da República, mas também atuava como
jornalista, escritor e folclorista e era membro da Academia Paraibana de Letras e do
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Ele acompanhou Mário de Andrade na sua
passagem pelo estado, durante sua viagem etnográfica ao Nordeste, em 1929, passando a

152
se corresponder com o escritor, e recebeu, em 1938, a equipe da MPF organizada pelo
DC.
A comunicação, apresentada por Renato Mendonça, sustenta que, “não obstante a
influencia aborígene ser na realidade notável”, o português “se firmou de maneira
impressionante” e tornou o Brasil “um país unido nos seus ideais comuns”, mas que a
“língua primitiva” dos colonizadores adquiriu características próprias e se fragmentou em
dialetos e subdialetos regionais. As evidências desse processo estariam sobretudo na
literatura, que o autor percebe como fonte de documentação linguística e espaço de
construção da identidade regional.

Usam os nossos escritores modismos sintáticos proprios da forma quotidiana de


falar. A literatura brasileira conta com uma infinidade de livros que se fazem
acompanhar de glossários para melhores esclarecimentos da terminologia.
A obra dos modernos revela magnificamente um rico documentário dialetal. Ela
está cheia de estilos sintáticos regionais. Mostra que ha bem pronunciada formação
de subdialetos.
No Nordeste podemos facilmente surpreender o fenomeno. Os escritores desta
região revelam-no com o fim de resistência á pureza da lingua [...]
Se um escritor tivesse a pachorra de fazer um livro na verdadeira linguagem de
como se fala na Paraíba, por certo que não seria absolutamente entendido pelo
homem do sul. Teria que fazer um alentado glossário como segundo volume do
romance que porventura escrevesse. Não ha o menor exagero nisso (VIDAL,
1938, p.286-287).

Embora a literatura comprovasse essa diferenciação dialetal, a hipótese de um


“subdialeto do Nordeste” foi defendida com argumentos históricos, a partir de citações
cujos autores não foram identificados. Ademar Vidal sustentava que os estados do Ceará,
Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Alagoas tinham a mesma formação social e
apresentavam características linguísticas comuns, formando um bloco étnico homogêneo.
Sua argumentação se baseia na leitura de A Língua do Nordeste, de Mário Marroquim, que
consta na bibliografia do trabalho, e inclui tanto uma citação desse autor quanto passagens
de outros autores citados por ele.
Primeiro, o autor cita Mário Marroquim, para quem “a formação historica e etnica
dos alagoanos e pernambucanos é uma só, e identica é a sua orientação linguística”. A seguir,
um trecho – que Mário Marroquim encontrou em Antenor Nascentes – onde Raja Gabaglia
dizia que “Pernambuco difundiu a civilização pela Parahyba, pelo Rio Grande do Norte e

153
pelo Ceará”. Por fim, uma passagem de João Ribeiro – também citado por Marroquim – sobre
as “cellulas fundamentaes que por multiplicação formaram todo o tecido do Brasil antigo”,
destacando a influência de “Pernambuco, que gera os nucleos secundarios de Parahyba, Rio
Grande do Norte, Ceará e Alagôas” (MARROQUIM, 1934, p.13-15).
Ao descrever aspectos da sua variedade local, Ademar Vidal declara que o
paraibano “não se preocupa em colocar os pronomes com o cuidado insolito dos
gramáticos”, que “mesmo nos meios de elite” prevalece a “anteposição pronominal”, e
avalia que na interação oral a mudança de posição do pronome confere outra intenção ao
verbo, alterando o sentido da sentença. “O “me mande”, o “me dê”, o “me faça” tomaram
inteligentemente o lugar do “mande-me”, "dê-me” e “faça-me”. E quando pronunciados
muito diferem na sua legitima significação. Em "me diga” pede-se; em “diga-me” ordena-
se” (VIDAL, 1938, p.288).
O autor afirma que “o paraibano como todo o nordestino fala descansadamente” e
que é infundada “a fama de que o nordestino fala cantando. Ele fala arrastando a voz, isto
sim” (VIDAL, 1938, p.287). Destaca também a estranheza da fala popular, que soa “quasi
incompreensível, pois que as expressões, corriqueiras ou não, se modificam para peor. Ou
senão sofrem absoluta simplificação.” Mas pondera que “o proprio espirito popular [...] se
encarrega de fazer verdadeiras criações para melhor significar os pensamentos” e que,
quando isso ocorre, as “ilações são tiradas espontaneamente, surgindo, então, interessantes
modismos” (VIDAL, 1938, p.288).
Ademar Vidal conclui que “uma nova linguagem se desenvolve á margem do
português”, pois “as locuções obedecem a estilos definidos. São empregadas na sua forma
popular a todo instante da conversação mesmo entre gente de cultura”. Nas seis últimas
páginas de sua comunicação, há uma extensa lista de expressões e formas características da
fala popular paraibana “anotadas” pelo autor, que “frequenta[va] as feiras, convive[ndo]
com os matutos” (VIDAL, 1938, p.289). Como não era um estudioso da língua, ele descreveu
os fatos linguísticos que observou como casos particulares, sem associá-los a fenômenos
fonéticos ou fonológicos, o que o aproxima da tradição de registro do léxico regional.
O trabalho de Ademar Vidal foi apresentado na última sessão de filologia, que
reuniu as produções de autores nordestinos. Na sequência, Renato Mendonça leu a
comunicação Coisas do nosso falar, do escritor e jornalista cearense Antonio Salles. O
autor era membro do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, pertenceu
ao grupo literário “Padaria espiritual”, criado em Fortaleza em 1892, foi amigo de Machado
de Assis e José Veríssimo e ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas não quis

154
se tornar membro da instituição. Formado em Direito, ele foi secretário de justiça, secretário
de negócios do interior e deputado estadual no Ceará; em 1897, se transferiu para o Rio de
Janeiro, onde passou a trabalhar no Tesouro Nacional e se dedicou também ao jornalismo,
escrevendo para o Correio da Manhã. Não há informações precisas sobre a sua situação
profissional na época do evento – como tinha 69 anos, é possível que estivesse aposentado.
Embora não se considerasse filólogo, Antonio Salles menciona seu interesse por
lexicografia e sua contribuição para um “dicionário de brasileirismos em via de organização
pela Academia de Letras”, no levantamento “das palavras oriundas de etimologias indígenas
ou das formadas espontaneamente na lingua”. Ele atribui à semântica o estudo de “acidentes
de linguagem” como as “corruptelas de palavras clássicas estropiadas pela prosodia
popular a ponto de se tornarem quasi irreconhecíveis” e considera que “neste domínio,
porventura o mais importante da filologia, não ha classificação que convenha” para o
tema de sua comunicação. O trabalho discute o “emprego de palavras classicas com um
sentido inteiramente diverso do verdadeiro” não só por “pessoas totalmente iletradas”,
mas também “por pessoas de alguma instrução e mesmo por outras de bastante cultura”
(SALLES, 1938, p.313).
Enquanto expõe sua “coleção de joias”, o autor discorre sobre a variabilidade do
léxico e da prosódia do português nas diferentes regiões do país, mencionando os casos de
Pará e Amazonas, onde “o sotaque do indio domesticado se comunicou á população em
geral, não escapando pessoas de familias distintas e bem educadas”. E contrasta a situação
linguística do Nordeste com aquela encontrada no Maranhão, onde “fala-se muito melhor
do que em muitos outros pontos do país” devido “ao número e ascendência dos colonos
portugueses” e “á existência de bons professores, os quais criaram ali como um culto de
lingua” (SALLES, 1938, p.315).
Mesmo sem propor uma divisão em dialetos e subdialetos, o autor descreve a língua
a partir da formação étnica e chega à mesma conclusão que Ademar Vidal, ao delimitar
uma pronúncia nordestina. Só não há como saber em que medida ambos compartilhavam
as mesmas leituras, já que o trabalho não inclui bibliografia, citações nem indica a
procedência dos dados de pronúncia apresentados. A maior diferença entre suas abordagens
é que a descrição de Antonio Salles soa pejorativa, à medida que não reconhece a identidade
regional afirmada na literatura como uso legítimo da variedade local.

Do Piauí para cá a coisa muda... para peor. Esse Estado com o Ceará, o Rio
Grande do Norte e a Paraíba forma um grupo étnico com as mesmas

155
peculiaridades de costumes e linguagem. Neste dominio os quatro Estados do
Nordeste se parecem extremamente. Em todos eles se fala acentuando muito as
vogais, a voz se arrasta e prolonga os finais das palavras, e as inflexões são tão
plangentes que as próprias interrogações parecem exclamações. Engolem-se os s
dos plurais aqui e ali – duzento réis, duas cadeira – pronuncia-se o l final como o
ou u — quartéo, Manoéo, de forma que os poetas si quizessem cingir-se á
prosodia corrente, rimariam papel (papéo) com chapéu... (SALLES, 1938, p.313).

Antonio Salles destaca aspectos como a velocidade e a expressividade da fala, a


deturpação da pronúncia pela supressão de letras, sem distinguir entre os sons da fala e sua
representação alfabética, e deprecia um traço da pronúncia local, sugerindo que este soaria
vergonhoso na poesia. Sua simpatia pela concepção de identidade nacional das elites do
século XIX fica mais nítida quando ele afirma que

o sotaque e a prosodia cearense não primam pela elegancia e correção. Todos os


Estados, aliás, têm os seus pontos fracos, e nenhum se compara á capital do país,
que é onde se fala com mais correção ou, pelo menos, com mais graça. O sotaque
de uma carioca educada é simplesmente delicioso. Não fossem elas, como são
incontestavelmente, as parisienses da America do Sul (SALLES, 1938, p.316).

O estado do Ceará também foi representado no evento pela monografia


Contribuição ao Estudo da Pronúncia Cearense, do médico e antropólogo Florival Seraine,
que também foi apresentada por Renato Mendonça. O autor era membro da Academia
Cearense de Letras, do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará e sócio
correspondente da SEF. Seu trabalho é um dos mais extensos, com 45 páginas, e
demonstra a convergência entre as perspectivas da Linguística e da Antropologia no início
do século XX.
Florival Seraine recorre à formação étnica da população para justificar as
singularidades observadas na língua, mas discorda de Marroquim (1934), que identificava
uma variedade comum em diferentes estados do Nordeste, e sobretudo daqueles “que
entendem filiar a um só grupo sub-dialetal – o nortista – os habitantes do Amazonas, Pará
e litoral dos Estados de Maranhão até a Baía” (SERAINE, 1938, p.439), se referindo à
divisão do território brasileiro em quatro zonas dialetais, proposta por Antenor Nascentes
em 1922. Ele argumenta que “si fôr avigorada a observação, podem ser distinguidos pela
fala um cearense de um riograndense do norte e até de um piauiense. Dentro do Estado
mesmo colherá o observador variedades de ordem fonética” (SERAINE, 1938, p.443).

156
Florival Seraine destaca a imprecisão inerente aos conceitos de dialeto e subdialeto,
mas avalia que “não se deve ir ao extremo de fragmentar o estado em zonas dialetais, pois,
as variações existentes repousam, de ordinário, sobre os mesmos fenomenos linguísticos”
(SERAINE, 1938, p.445). Ele considera inegável “a existencia de um sub-dialeto cearense”,
distinto das variedades de outros estados, e defende essa hipótese com base em questões
discutidas pela linguística espacial, argumentando que “a vastidão territorial e a dificuldade
de comunicações existente entre os distantes núcleos de população veiu contribuir ainda mais
para que essa dissociação, essa quebra de unidade se efetuasse” (SERAINE, 1938, p.443).
Ao descrever a formação étnica da população cearense, Florival Seraine cita um
trecho dos Ensaios de Antropologia Brasiliana em que Roquette-Pinto se refere ao
Ceará como “a região em que houve o maior cruzamento leucodermo x xantodermo”
(ROQUETTE-PINTO, 1982, p.94), ou seja, entre branco e caboclo (europeu + indígena).
Esse diagnóstico permite ao autor concluir que os cearenses se destacam como “tipos
representativos de uma raça brasileira”, já que “depois de normalizada a raça, não ocorre a
vinda para o Ceará de novas correntes emigratorias européas”. E afirma que “do
conhecimento de um subdialeto como o cearense é que se poderá partir para o
estabelecimento da lingua nacional” (SERAINE, 1938, p.479).
Embora não desconsidere que o contato com línguas ameríndias e africanas
contribuiu para a variedade brasileira se diferenciar do português europeu, o autor afirma
que “o português dispõe de atributos que o fazem preponderante em nossa formação racial,
pois, além do mais, vem conduzir a nova terra aos âmbitos do mundo civilizado”
(SERAINE, 1938, p.478). A influência ameríndia estaria presente “na formação de nossa
indole e caracter, de nossos sentimentos e, psiquismo, da nossa disposição fisio-
psicologica” e contribuiria “dentro de múltiplas e imperceptíveis gradações, na elaboração
da nossa linguagem” (SERAINE, 1938, p.443).
Já a contribuição africana seria circunstancial, segundo ele, ficando restrita a
algumas regiões do país, e acabaria prejudicando a formação da verdadeira raça brasileira.

Quanto ao negro, porém, si bem não desconheçamos a sua função histórica, não
passa, de um advena, do qual poderiamos muito bem ter prescindido.
Sua acentuação em determinadas regiões, como Baía e Minas, não indica, antes,
pelo contrário, diminue a caracterização verdadeira da raça, que deve, pela maior
parte, ser o produto de sucessivos cruzamentos entre o português civilizador, e o
indígena, habitante primitivo da região (SERAINE, 1938, p.479).

157
Essa avaliação racista é sustentada com base na distinção entre o efeito das leis
fonéticas e a influência resultante do contato linguístico. Enquanto a “evolução natural da
lingua, fenômeno que escapa á consciência e á vontade humanas” explicaria as singularidades
da fala regional, “a influencia exercida pelas linguas dos povos em caldeamento” resultaria
não só em “grande número de vocábulos como também mudanças prosódicas” (SERAINE,
1938, p.442). A principal referência a esse respeito é o livro Português da Europa e
Português da América (1931), de Clóvis Monteiro, de onde Florival Seraine retira a
seguinte citação: “no contacto com a língua indígena era natural que, assim na morfologia
como na sintaxe, pouquíssimo ou nada sofresse o idioma culto, pois a seu favor tinha as
tradições literárias, mantidas pela escola” (MONTEIRO, 1959 [1931], p.100).
Esse argumento é um exemplo de como a teorização linguística pode reproduzir o
racismo e o colonialismo ao adotar critérios diferentes para descrever línguas europeias e
não europeias. Desta perspectiva, a influência das línguas ameríndias e africanas se limitaria
ao léxico e à pronúncia, já que o acesso à leitura e à escrita seria imprescindível para a
ocorrência de mudanças sintáticas a partir do contato linguístico – o que, como sabemos
hoje, não se sustenta. Ou seja, enquanto as línguas europeias são analisadas pela ótica
naturalista, que privilegia a evolução interna, a contribuição das línguas não ocidentais é
associada a fatores externos e considerada incapaz de produzir mudanças sintáticas.
Florival Seraine se interessa pelas marcas de “brasilidade” no uso da língua e
destaca a importância dos fatores étnicos na definição da identidade linguística regional ou
nacional. Ao caracterizar a pronúncia cearense de um ponto de vista racial, ele defende a
abordagem antropológica da língua em oposição à ênfase estética associada à abordagem
filológica.

Si não predominam, porém, os fatores étnicos, e fôr encarada a pronúncia do


angulo estético, considerando mais o fenômeno da evolução natural da lingua,
devemos convir que a fala do cearense perde longe para a do carioca e até a do
maranhense.
A proposito, já foi registado que onde se fala melhor o português no Brasil é no
berço de Gonçalves Dias.
Mas não é isso naturalmente o que interessa pesquisar. Não se deve procurar
saber onde é falado melhor o português, isto é, menos distanciado da escrita
portuguesa, porém, onde o povo acusará, falando, um mais vivo acento de
brasilidade (SERAINE, 1938, p.472).

158
Essa perspectiva aparece como alternativa diante da condenação da variedade
brasileira pelo comparatismo ortodoxo. O autor recorre à cientificidade da Antropologia
para mostrar que a descrição da língua por diferentes perspectivas leva conclusões diversas.
A competição entre essas representações da língua mostra que naquele momento a tradição
filológica já não tinha a última palavra e a autoridade científica em matéria de língua estava
em disputa.
Ao caracterizar o que chamou de “pronúncia normal” cearense, o autor identificou
na dimensão linguística o equivalente da composição étnica predominante no estado. Seu
argumento era que, “a não ser entre os incultos, analfabetos, ou aqueles – professores,
intelectuais, pessoas viajadas, etc. – que procuram forçar corrigindo a pronúncia natural,
fala quasi toda a gente com igual acento” (SERAINE, 1938, p.443). Ele considerava que é
“típica a fala descansada, lenta, arrastada do habitante da região” e apontava como causas
desse comportamento linguístico tanto fatores físicos – o clima quente e alimentação
precária da população – quanto o contexto sociocultural – a cultura provinciana, a
subalternidade social e o fatalismo religioso do sertanejo.

A vida calma e menos difícil da província, onde não ha dinamismo, a influencia


do clima quente predispondo ao entorpecimento, um certo fatalismo arraigado
nó espirito do povo, afeito a sofrer sem esperança de uma vitoria pelo esforço
próprio, confiante apenas na Providencia, são causas que devem concorrer para
peculiaridades linguísticas.
A condição miserável do pária sertanejo, inconsciente do seu valor humano,
simples instrumento de trabalho, destituído de aspirações por isso que, mantido
cego diante da vida, imprimiu-lhe um tom de humildade, de receio, de pudicicia
no falar [...] que traduzem o sulco traçado pelo fanatismo religioso e o complexo
de inferioridade no espirito desses abandonados dos poderes públicos.
(SERAINE, 1938, p.444).

A alimentação, deficiente e pouco nutritiva, em geral, naturalmente concorre


para modificações em nossa fisio-psicologia e, quem sabe, determinará, ao lado
de outros fatores, através de gerações, não só uma imperfeita conformação dos
orgãos vocais, como hábitos adquiridos, que virão prejudicar a mais e mais a
emissão normal dos fonemas (SERAINE, 1938, p.445).

É interessante notar que Florival Seraine encontrou na atitude do “pária sertanejo”


os fatores que explicam identidade linguística local, mas excluiu esses falantes do que
chamou de “pronúncia normal” cearense. Basta examinar os índices de analfabetismo da

159
época para notar que a variedade padrão delimitada pelo autor não reflete a realidade
linguística do estado, pois desconsidera mais de 70% da sua população. Tamanha
discrepância demonstra a ambiguidade dessa abordagem, que seleciona aspectos do uso
corrente a partir do status social dos falantes, e não da sua representatividade em relação ao
conjunto da população. O autor defende essa solução com argumentos semelhantes àqueles
que justificaram a escolha da pronúncia carioca como padrão nacional.

Deverá ser adotada, a nosso ver, como exemplo da pronúncia estadual, visto
parecer menos distante da média requerida, a fala de pessoas nascidas e criadas
em Fortaleza e imediações, no litoral e zonas do interior não muito afastadas da
Capital, podendo compreender-se também os que vivem um pouco mais para o
Centro. Note-se, porém, a conveniência de escolher como paradigma os
indivíduos que cresceram em ambiente familiar, onde ouviram – exclusivamente
a fala da região. [...] Fortaleza, como centro da cultura estadual, com as suas
Escolas de Direito, Farmacia e Odontologia, e Agronomia, os seus Colégio
Militar, Liceu e Escola Normal; bem como dezenas de estabelecimentos de
ensino secundário e primário, servirá de modelo, pois, não acusa cosmopolitismo
que possa modificar a prosodia dos seus habitantes (SERAINE, 1938, p.445).

Seu interesse pela modernização da sociedade local o aproxima das motivações


que levaram Mário de Andrade a organizar o Congresso da Língua Nacional Cantada. A
concepção de “pronúncia normal” cearense parece mais comprometida com o papel a ser
desempenhado pela língua nesse projeto modernizador do que com a descrição precisa da
realidade linguística. A afinidade entre as posições do autor e aquelas sustentadas no
anteprojeto é confirmada pelo compartilhamento dos registros de fala cearense realizados
pelo DC na pesquisa Pronúncias Regionais do Brasil. Seu trabalho fornece uma transcrição
dessa amostra em forma de “escrita prosódica” e apresenta uma breve análise, identificando
nela alguns aspectos que seriam característicos dessa “pronúncia normal”.

Do exame dessa escrita prosodica que foi tomada por base, dada a sua maior
homogeneidade, deduz-se a tendencia pronunciada á supressão de consoantes (o
r p. ex.) em palavras como lí-vu (livro), cum-pá-di (compadre), sem-pi (sempre),
o s plural dos nomes, etc., bem como a fusão de partículas do discurso
(m’isquicíi, mioitucentioitentêdois, bondi Barca, etc.) e outras peculiaridades
que indicam sempre a realização daquele principio do menor esforço...
(SERAINE, 1938, p.448).

160
Florival Seraine passa então a descrever e analisar os dados que ele mesmo reuniu,
mas não informa se foram obtidos pela observação direta ou extraídos de fontes escritas –
apenas alguns casos são atribuídos a obras da literatura de cordel, compiladas por Leonardo
Mota. Ele destaca aspectos da pronúncia de consoantes, vogais, ditongos e hiatos e
caracteriza os fatos apresentados como acréscimo, supressão, substituição ou deslocamento
de letras, sem distinguir entre os sons da língua e sua representação gráfica. E relaciona a
regularidade dos fenômenos à sua posição na estrutura silábica (tônica, pretônica, pós-
tônica), à morfologia de determinada classe gramatical (na seção dedicada à conjugação
verbal) e à procedência social do falante.
Ele observa ainda, com base em Marroquim (1934), que “muitos vocábulos que
parecem modificados pelo dialéto são formas arcaicas do português da época das primeiras
colonizações, que causas geográficas e sociais mantiveram na pronúncia do homem do interior”
(SERAINE, 1938, p.448). Também relaciona formas descritas a “fenômenos fonéticos” em
curso na língua, indicando casos de palatalização, despalatização, lambdacismo, vocalização,
“alargamento da vogal”, “aférese, dissimilação, assimilação, abrandamento, ensurdecimento,
síncope, prótese, apócope, epentese, paragoge, metátese, hipêrtese, crase, vocalização,
atração, nasalação e desnasalação, suarabacti” (SERAINE, 1938, p.466).
Na descrição de variedades regionais, o estado de São Paulo foi representado pela
monografia Alguns traços do dialeto caipira e do subdialeto da Ribeira, do filólogo,
escritor e folclorista Augusto Graco da Silveira, que era professor de português da Escola
Normal de Itapetininga e sócio correspondente da SEF. O trabalho, que foi apresentado
pelo próprio autor, procurava complementar a pesquisa de Amadeu Amaral com a descrição
de fatos linguísticos registrados por meio de observação direta e explicações próprias para
formas extraídas das obras de Valdomiro Silveira, Cornélio Pires, Leôncio de Oliveira e do
próprio Amadeu Amaral.
No primeiro parágrafo, ele assume como orientação aquilo que lhe parece mais
estável em meio à diversidade de perspectivas teóricas da Linguística nesse período. Sua
posição revela a reserva com que muitos estudiosos brasileiros encaravam a diversidade de
orientações teóricas que caracteriza a Linguística daquele período e o tipo de solução
encontrado nessas circunstâncias.

Entre tantas questões que, no campo da linguagem, incentivam as mais


desencontradas teorias, dois pontos estão definitivamente fixados: um é que a
evolução dos idiomas e o florescimento dos dialetos subordinam-se a princípios

161
que não podem ser derrogados, ou substituídos por nenhuma autoridade,
individualmente, nem pela autoridade de qualquer corporação; outro ponto é
relativo ao modo como essa evolução se opera, a saber, pela fala e nunca pela
grafia (SILVEIRA, 1938, p.506).

Essas observações corroboram o que diz Câmara Jr. (2004) sobre o predomínio da
orientação neogramática no contexto brasileiro entre o final do século XIX e a década de
1930 (CÂMARA JR., 2004, p.223). Como vimos, o programa neogramático deslocou a
investigação linguística da escrita para a fala, privilegiando os dados sobre dialetos. Se o
efeito das leis fonéticas, entendidas como “uma necessidade cega”, só podia ser alterado ao
nível psicológico, pelo fenômeno da analogia entre formas semelhantes, então os falantes
só poderiam atuar de maneira inconsciente nesse processo. Portanto, a evolução da língua
seria sempre alheia à vontade dos falantes e às autoridades governamentais.
Apesar disso, o autor declara seu apoio ao projeto de padronização linguística do
DC, argumentando que

conforme declaração reiterada do ilustre diretor do Departamento de Cultura, a


finalidade deste Congresso resume-se apenas em procurar estabelecer quais os
fonemas que poderiam, na dicção cantada, ser discretamente modificados e
afeiçoados ás exigências artísticas do canto e do teatro. Em outras palavras:
padronizar o idioma para certos fins artísticos.
Tal intento, incontestavelmente exequível e meritorio, como todos os que visam
a sistematização, só poderia ser realizado, como é obvio, pelo minucioso
conhecimento das diferenciações fonéticas do Português nas várias regiões do
país (SILVEIRA, 1938, p.505).

Como o DC não pretendia regulamentar a pronúncia dos brasileiros em geral, mas


sim o uso da língua em performances artísticas, os congressistas não estariam contrariando
princípios “definitivamente fixados” pela Linguística. O pressuposto é que intervir sobre uma
função específica da língua não afetaria o seu processo evolutivo, ou seja, que a padronização
“para certos fins artísticos” não teria impacto algum sobre a conformação da língua.
Após esse preâmbulo, Graco Silveira assume sua filiação à agenda de pesquisa
defendida por Amadeu Amaral e informa que sua comunicação descreve alguns aspectos
da pronúncia caipira, conforme o primeiro item do seguinte paradigma descritivo: “1 –
Casos em que os fonemas apresentam transformações típicas, peculiares a cada meio. 2 –
Formas fonéticas duplas, uma das quais comuns a outros lugares. 3 – Fonemas comuns a

162
todo território nacional” (SILVEIRA, 1938, p.506). A distinção entre formas isoladas e
formas duplas, marcadas pela alternância entre uma forma local e outra de uso mais geral,
remete a questões investigadas nas pesquisas de geografia linguística e linguística espacial.
Na descrição da pronúncia local, ele utiliza a transcrição alfabética, mas não
confunde letras e sons. Sua exposição é dividida em quatro partes, consoantes, grupos
consonantais, vogais e ditongos, mas os diferentes sons atribuídos à mesma letra são –
embora nem sempre – referidos pela indicação do ponto e do modo de articulação. A
regularidade dos fenômenos é atribuída à posição na estrutura silábica (tônica, pretônica,
pós-tônica) ou à ocorrência em determinada classe gramatical.

S – inicial, medial, não em posição fraca, ou final, só possue aqui um som: é


linguo-dental ciciante: cebola, cesta, rapais. Não temos os valores
correspondentes a j (mejmo, ejbarro) e a x (cexta, excola). O S final só se
conserva nas palavras cuja última vogal se ditongou (rapais, meis, nóis,
luis: luz) e nos artigos e possessivos que indicam o plural: os home, uns
minino, meas casa (SILVEIRA, 1938, p.506).

Ao contrário de outros congressistas, Graco Silveira não menciona a velocidade


ou a expressividade da fala na caracterização da variedade local. O único aspecto descrito
que escapa às dimensões fonológica, morfológica, sintática e lexical é a singularidade
rítmicas e melódicas da fala ribeirana, representadas pela combinação de transcrição
alfabética e escrita musical – no que o autor foi auxiliado pelo maestro Modesto Tavares
de Lima.

o linguajar ribeirano, sem ser propriamente musical, no sentido linguístico do


termo, possue a curiosa singularidade do ritmo. Figurando o fraseado dos demais
paulistas por uma linha sinuosa, em sentido horisontal, o fraseio dos ribeiranos
pode ser representado por uma espiral em direção obliqua. A penúltima sílaba
ouve-se em tom mais alto que a última, todas pronunciadas com “acelerando”.
Essa maneira de falar só se altera nas perguntas que exprimem admiração e ênfase.
Um tabaréu, por exemplo, dá a outro a notícia de que um compadre de ambos foi
preso. Quem recebeu a noticia perguntará, com espanto: “O cumpadre?!”

O cum _ pa _ _ _ dre ?! (SILVEIRA, 1938, p.510).

163
A “pronúncia carioca” foi objeto de debate nas sessões plenárias e tema de um dos
trabalhos da sessão de filologia. A comunicação Problemas da Fonologia Carioca foi
apresentada pelo próprio autor, o filólogo Candido Jucá Filho, que era professor de
português e literatura no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, membro da Academia
Carioca de Letras e da Sociedade de Linguística Românica de Paris e era, junto com
Antenor Nascentes, uma das principais autoridades em fonética a participar do evento. Para
o leitor contemporâneo, esse trabalho se destaca entre as descrições de variedades regionais
por ser o único a abordar a língua de um ponto de vista estritamente sincrônico, sem recorrer
a argumentos históricos e dados sobre a evolução do português a partir do latim.
Ele iniciou a comunicação esclarecendo que, embora seu objeto de estudo fosse a
fala carioca, não pretendia “pôr em relevo a pronuncia do Rio de Janeiro, nem pedir para
ela a preferência do Congresso da Língua Nacional Cantada”, pois não tinha “dados para
indicar qual seja a melhor maneira de falar no nosso pais” (JUCÁ FILHO, 1938, p.330).
Candido Jucá Filho questionava a própria pretensão de determinar a melhor pronúncia
local, argumentando que qualquer afirmação neste sentido seria inteiramente subjetiva, por
não haver ainda descrições das variedades regionais, e que seria igualmente arbitrário
propor uma hierarquização absoluta.

O que é afinal uma boa pronúncia? E’ de certo aquela que usamos. As outras nos
parecem amaneiradas, e ás vezes ridículas, e não ha como impor uma delas.
Todas as pronuncias são boas. Mas todas precisam de ser corrigidas quando se
destinam ao canto e á declamação, porque todas apresentam elementos
contraindicados para a linguagem em voz alta, que deva ser ouvida á distancia
(JUCÁ FILHO, 1938, p.330).

O autor se contrapunha a outros congressistas ao negar que haja uma pronúncia


melhor em determinada região, argumentando que todas as variedades são equivalentes. Mas
acreditava que é possível determinar as qualidades de cada pronúncia local em relação a uma
finalidade específica, ou seja, de um ponto de vista funcional. Ele observou que o uso da
língua em performances artísticas – o que exigia clareza na dicção, para possibilitar a
compreensão à distância – encontraria “elementos contraindicados” em todas as variedades
regionais, exigindo em qualquer caso algum tipo de modificação.
Como os demais estudiosos da sua época, Candido Jucá Filho considerava a
pronúncia padrão como um símbolo nacional. Neste caso, a nova variedade devia atender a

164
alguns requisitos, como a neutralização dos “regionalismos fonéticos” e a adaptação dos
“fatos fonéticos” que dificultassem a “boa audição”. Para isso, seria necessário criar
“gabinetes experimentais de fonética, como os ha em todos os países civilizados” para que se
possa “estudar a fundo as prosódias do Rio, de São Paulo, de Porto Alegre, da Baía, do Recife,
de Fortaleza, de Belem do Pará, etc. Isso preliminarmente” (JUCÁ FILHO, 1938, p.330).
Ao destacar a necessidade dos laboratórios de fonética, o autor assumia a
parcialidade da observação auditiva, método que utilizou em sua comunicação e em
trabalhos anteriores. Ele mencionou os Estudos de Fonologia (1916), de José Oiticica, e A
Pronúncia Brasileira78 (1939), obra de sua autoria que aguardava publicação, afirmando
que os estudos fonéticos realizados apenas com auxílio da audição, “podem ter os aplausos
e o estímulo dos patriotas, mas são infalivelmente provisorios, e reclamam a revisão dos
aparelhos de precisão” (JUCÁ FILHO, 1938, p.330).
Embora publicado primeiro, o trabalho apresentado no Congresso da Língua
Nacional Cantada é um desdobramento de A Pronúncia Brasileira, onde o autor já assumia
a fala carioca como padrão nacional. Essa variedade foi descrita com base na pronúncia “que
se tem por boa entre as pessoas bem falantes que habitam no Rio de Janeiro”. Candido Jucá
Filho justificou essa escolha metodológica, argumentando que na capital “se caldeiam todos
os regionalismos, e se chega à média natural, que não é decerto aquela que os sábios realizam
nos seus gabinetes ou laboratórios”. O caráter normatizador deliberado dessa descrição
transparece na declaração de que “naturalmente, não posso descer às minúcias exageradas.
Não retrato nada: apresento o mínimo que é possível exigir para padronizar a prosódia
carioca, de modo que todos possam aceitar sem violência” (JUCÁ FILHO, 1939, p.12).
Não há qualquer informação sobre a origem dos dados apresentados em sua
comunicação, mas a conexão entre esses dois trabalhos permite supor que sejam baseados
na observação direta e que mais uma vez o autor tenha privilegiado a pronúncia das
“pessoas bem falantes”. Sua descrição utiliza um padrão próprio de transcrição baseado no
Alfabeto Fonético Internacional:

Nas figurações fonéticas que se seguem, todas elas entre dois sinais assim /, fica
convencionado que:

78No prefácio desse trabalho, que foi apresentado no I Congressos das Academias de Letras, em
1936, mas publicado apenas em 1939, Candido Jucá Filho informa que seus resultados foram
revisados por Osvaldo Serpa “em Londres, no Laboratório Experimental dirigido pelo célebre Daniel
Jones” sob a supervisão da “notável técnica Miss Eileen M. Evans” (JUCÁ FILHO, 1939, p.11).

165
Todos os oxítonos e proparoxítonos estão acentuados. Os paroxítonos nunca o
estão. Os monossílabos só aparecem acentuados quando são tônicos na
linguagem corrente.
Os símbolos gregos α (alfa), Ɛ (épsilo), Ꞷ (ômega) teem pronúncia aberta, de á,
é, ó. A letra λ (lambda), vale o grupo lh.
O “ɑ” grifo a pronúncia velar.
O “R” versalete, a articulação cacuminal.
O “i” e o “u”, corpo miudo, indicam pronúncia cochichada.
O “y” ou “w”, muito breves, semivogais, nunca tônicos, pronunciam-se quasi
como no inglês “yes”, "we”.
O hífen / - / estabelece ligação de palavras.
O /§/ é símbolo correspondente ao dígrafo “ch”, e o /ʒ/ tem o som do “j”.
O /ñ/ é a figuração do “nh” (JUCÁ FILHO, 1938, p.330).

O uso do Alfabeto Fonético Internacional nos trabalhos de Candido Jucá Filho não
resulta de uma demanda da comunidade científica da área, algo que ainda não existia no
Brasil, mas do interesse de alcançar os leitores estrangeiros. No prefácio de A Pronúncia
Brasileira (1939), ele menciona como benefício da fixação de um padrão de pronúncia, a
possibilidade de “comunicar ao estrangeiro aquele estalão que êle tem que achar sózinho
na variedade dos regionalismos” (JUCÁ FILHO, 1939, p.11). A obra apresenta a variedade
descrita em português, francês, inglês e alemão.

Figura 22 – Vogais e consoantes da pronúncia carioca

Classificação e representações fonéticas das vogais e


consoantes da pronúncia carioca segundo Cândido Jucá
Filho (JUCÁ FILHO, 1938, p.331).

166
Figura 23 – Símbolos fonéticos utilizados em Jucá Filho (1939)

Versão do Alfabeto Fonético Internacional utilizada por Cândido Jucá Filho (JUCÁ FILHO, 1939, p.27).

A parte final do trabalho é dedicada aos “vícios” que se deve “combater” na fala
carioca. Entre as formas condenadas, estão alguns usos generalizados, como a
palatalização de oclusivas alveolares e da lateral alveolar. O primeiro caso leva à
realização dos fonemas / t / e / d /, quando seguidos de [ i ], nas formas [ tʃ ] e [ dʒ ] –
representadas alfabeticamente como tch e dj). O segundo caso resulta na pronúncia do
fonema / l /, quando seguido de [ i ], na forma [ λ ] – representada alfabeticamente como
lh. Candido Jucá Filho exemplifica essas três “articulações viciosas” com a pronúncia das
palavras “dia”, “noite” e “Chile”. Por outro lado, ele considera legítima a ditongação do
hiato em posição final, pela introdução das semivogais [ y ] e [ w ], em palavras como
“idea” e “pessoa”, e recomenda que se escreva “ideia” com i (JUCÁ FILHO, 1938, p.340).
O estado do Paraná foi representado pela comunicação Algumas Vozes Regionais
do Paraná do Extremo Oeste, que expõe o vocabulário regional registrado pelo General
José Candido da Silva Muricy, descrito como “mineralogista e botânico, poeta e músico”
(MURICY, 1938, p.576). O trabalho corresponde a um trecho de Viagem ao país dos
Jesuítas, obra que relata as expedições do autor pelo interior do estado no final do século
XIX. Essa obra só foi publicada na íntegra em 1975 por iniciativa de José Candido de
Andrade Muricy,79 que era filho do autor. A comunicação foi apresentada na sessão de

79O pianista e crítico musical José Candido de Andrade Muricy participou das sessões de
musicologia e redigiu a nota introdutória à comunicação apresentada em nome de seu pai, o
general José Candido da Silva Muricy.

167
filologia pela secretária geral do evento, Maria da Glória Capote Valente, que leu o parecer
de Mário de Andrade80 recomendando a publicação nos anais.
A nota introdutória esclarece que o trabalho “não é fruto de dificultosa colheita,
com finalidades cientificas” (MURICY, 1938, p.575) e que os dados apresentados foram
extraídos de um corpus ainda maior, contido nos manuscritos originais.

O vocabulário aqui apresentado foi por mim extraído dessa obra enorme. E'
deficientissimo. O material é, ali, imenso. Limitei-me, tanto quanto possivel,
ás vozes mais características, afastado, sempre que pude, o que é comum a
todas regiões nacionais.
Essa modesta contribuição poderá, indiretamente, dar uma idéa do ambiente
sonico, da côr dialetál daquela zona, talvez a menos estudada, do sertão
brasileiro (MURICY, 1938, p.576).

A seleção inclui palavras e expressões de uso local com a sua definição semântica
ou a indicação “corruptela de” seguida da forma equivalente na variedade padrão. Alguns
verbetes trazem como exemplo ditos populares ou estrofes da literatura oral em que aparece
a palavra ou expressão considerada. Os fatos linguísticos foram representados através de
transcrição fonográfica ou alfabética. Por exemplo:

RETALHADO – Cavalo que nas fazendas sofre uma operação especial que lhe
impede o ato de reprodução; porém como continúa inteiro, é aplicado no
preparo das éguas para receberem os garanhões escolhidos.

“Cabôcro desaforado,
Com partes de sinhoria!
Toruno fingindo tôro,
Riflando a vacaria!

II
Tenho visto galo artivo,
Não sê mais que um vir capão,
E muito pôtro crinudo,
Rataiado e rifião!” (MURICY, 1938, p.584).

80
No momento em que o trabalho foi apresentado, Mário de Andrade participava da sessão de
musicologia, que ocorria no mesmo horário em outro espaço do Teatro Municipal.

168
O Rio Grande do Sul foi representado por três monografias descritivas. A
primeira delas, intitulada Notas de Linguagem Sul-Riograndense, foi elaborada por Dante
de Laytano, que era promotor público e professor de direito, mas também atuava como
jornalista, escritor, folclorista, historiador e lexicógrafo e era membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. O trabalho, que foi apresentado por
Cândido Jucá Filho, analisa formas da pronúncia regional extraídas de dois “glossários
gaúchos”81 e as exemplifica com passagens de “literatura pampeira”. Cada exemplo é
acompanhado da referência à fonte utilizada, inclusive com o número da página. Essas
informações foram codificadas pelo autor da seguinte maneira:

os textos de literatura regional pampeira que documentam as afirmativas,


observam-se com as seguintes abreviações: A igual a Alcides Maya, por exemplo,
22A é a pagina 22 de “Alma Barbara’’, aqui livro padrão, de Alcides Maya, e S é
igual a Simões Lopes Neto, assim 22S é a pagina 22 de “Contos Ganchescos”,
tambem livro padrão, de Simões Lopes Neto (LAYTANO, 1938, p.344).

Tamanho rigor na indicação das fontes de dados contrasta com as referências a


obras especializadas. O autor esclarece que consultou os “principais dicionários e
gramáticas portuguesas, [...] os vocabulários nacionais e dialetais e as obras de língua
brasileira de João Ribeiro, Antenor Nascentes, Mario Marroquim, Renato de Mendonça,
etc” (LAYTANO, 1938, p.344). A menção à “língua brasileira” – que é a única em todo
o texto – indica a posição do autor no debate sobre a autonomia da variedade brasileira.
As formas da pronúncia local foram representadas através da transcrição
alfabética e classificadas como questões de fonologia ou morfologia. Dante de Laytano
descreveu os dados compilados como letras da palavra, sem distinguir entre os sons e a
sua representação gráfica, e categorizou as formas linguísticas sem analisá-las, seguindo
a sistematização de outros autores. Em alguns casos, ele justificou suas escolhas com
informações adicionais nas notas de rodapé, mencionando autores que não foram
referidos na introdução, como Amadeu Amaral e Leite de Vasconcelos. O plano de
trabalho apresentado no início do texto (ver figura 24) indica a abrangência da pesquisa.

81“Dentre os glossários gaúchos, aproveitamos as pesquisas de Roque Calage e Luiz Carlos de


Moraes, que são os modernos investigadores dos termos do Rio Grande do Sul” (LAYTANO,
1938, p.544).

169
Figura 24 – Sumário do trabalho de Dante de Laytano

Esquema intitulado “Subsídios para uma Gramática


Brasileira” (LAYTANO, 1938, p.343).

O autor pretendia, de acordo com o subtítulo do trabalho, fornecer “subsídios


pra uma gramática brasileira” (LAYTANO, 1938, p.544). O uso da forma “pra” no
subtítulo também era um indício da sua posição no debate sobre a autonomia da variedade
brasileira.
A segunda comunicação a abordar a pronúncia gaúcha foi Alguns Aspectos da
Fonética Sul Rio-Grandense, de Elpídio Ferreira Paes, que era advogado, filólogo,
lexicógrafo, professor secundário de latim, português e gramática histórica, professor
universitário de direito romano e pertencia ao grupo de fundadores da Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. O trabalho, que também foi apresentado por Cândido Jucá
Filho, descreve a variedade local com base em “notas colhidas na observação diuturna do
linguajar do povo, quer da capital, quer do interior, confirmada pela leitura dos escritores
gaúchos” (PAES, 1938, p.368), e reproduz passagens da literatura regional – indicando
autor, obra e página – como evidências dos fenômenos analisados.
Ele inicia sua exposição contestando o modelo de língua defendido pelos puristas,
que “caçavam pronomes como quem cata pulgas” e pareciam “incapaz[es] de criticar uma
obra literária sem azorragar o autor pelos pronomes claudicantes, os brasileirismos
insolentes”, e observa que “ás vezes o critico era tão criminoso quanto o criticado, em
matéria de linguagem...”. Sua crítica sugere que essa intolerância tinha motivações
extralinguísticas e estava carregada de racismo: “Ai do namorado que devaneasse: – “Eu

170
vi ela, hoje!” – “Vi ela – é bêco, – seu burro!” – “Me dá um bêjo, minha nega...” – “Me dá
– é asneira, idiota!.., e – nêga – é linguagem de negro!” – Já nem se podia amar livremente
neste calido Brasil, que é a terra do amor!...” (PAES, 1938, p.364).
Elpídio Ferreira Paes se contrapõe à perspectiva racista sintetizada na expressão
“linguagem de negro”, recusando o projeto de nação das elites do século XIX, marcado
pela representação do país como a “Europa nos trópicos”. Mas, ao afirmar a imagem do
Brasil como “a terra do amor”, se associa a um prognóstico positivo do destino nacional,
sustentado pela aposta na mestiçagem – que, conforme se acreditava na época, levaria ao
branqueamento da população em algumas gerações. Essa posição igualmente racista é
confirmada pela ressalva do autor, que demonstra mais incômodo com o cerceamento da
liberdade no uso da língua do que com o uso da expressão “linguagem de negro” como
forma de ofensa.
O autor considera a submissão aos gramáticos a principal causa da polarização
entre a língua oficial e as formas usuais na variedade brasileira. Neste sentido, ele
argumenta que

os gramáticos sabiam muito “a lingua dêles”, mas ignoravam a “nossa”, cujas


regras pretendiam promulgar. Daí não ser possível acertar o passo com êles:
andavam sempre de cadência errada... [...] – “Mas a lingua é dêles”,
argumentava-se. – “Sim, mas, antes de ser dêles, foi dos romanos. E assim
como êles não tiveram receio daqueles, nós não o teremos dêles”. Está certo...
(PAES, 1938, p.364).

A insubordinação à língua oficial seria, para ele, uma forma de legitimar a


variedade brasileira e afirmar a identidade linguística nacional. Na sua argumentação, a
analogia entre a evolução do português a partir do latim e o desenvolvimento de uma nova
língua no país confere à variedade brasileira a mesma capacidade de autodeterminação
que tinha o português europeu. Com isso, a questão da autonomia linguística passa a ser
equacionada como um problema político, mais do que linguístico ou filológico.

[...] nós falamos tão corretamente quanto êles. Com uma diferença: foram êles
os corruptores da lingua! Receberam o latim popular e dêle fizeram a lingua
lusitana, que nos entregaram com os primeiros colonizadores. Mas,
contaminados pela gafa do cultismo, resolveram reformar a lingua e caíram
novamente no latim, mas no latim clássico. Recuaram, pois, interrompendo,
assim, a evolução do idioma. Ao passo que nós conservavamos o português

171
normal, êles faziam uma lingua cheia de artifícios e pompas, que agora nos
querem impor (PAES, 1938, p.365).

Se os brasileiros modificaram o português europeu da mesma forma que os


portugueses fizeram com o latim, então as formas características do uso brasileiro não
corrompem a língua, e a sua condenação não se baseia em critérios linguísticos. Elpídio
Ferreira Paes aponta como causa dessa rejeição a preferência dos portugueses pelo latim
clássico – e não pelo latim popular, que é mais recente – como modelo para “reformar a
língua”. Essa escolha resultaria de uma atitude elitista e equivocada, que privilegiava as
formas eruditas em detrimento do uso popular e, com isso, se opunha aos rumos da
evolução linguística. O autor inverte a acusação dos puristas, sugerindo que intervir na
língua, negando suas tendências evolutivas, é o que acabava por corrompê-la.
Com base nessa concepção de evolução linguística, inspirada nos ideais do
romantismo, ele argumenta que o principal problema linguístico do país não estaria no
distanciamento em relação ao português europeu, mas na proximidade artificial, forjada
pela interferência dos puristas. E acrescenta que “não adiantaria qualquer ação violenta,
pois ao povo não se impõe uma lingua: êle é quem a faz. Os literatos lusos escreveram na
lingua feita pelo povo português” (PAES, 1938, p.365).
Assim, se a evolução da língua se opera com “a ignorância do povo tecendo o
manto para as ideias dos sábios” (PAES, 1938, p.369), a influência de povos considerados
não civilizados não justifica a condenação da variedade brasileira.

O africano e o indígena, como bem acentuam Renato Mendonça e Mario


Marroquim, muito contribuiram para a nossa formação linguística. Mas isso
em nada nos desdoura, nem tira o caracter distintivo ao nosso modo de falar.
Também foram os barbaros da Lusitania que deturparam o latim para formar a
lingua portuguesa. E nem por isso tão formoso idioma deixou de ser um dos
mais poderosos veículos da civilização (PAES, 1938, p.367).

A analogia entre a constituição do português na antiga província romana e a


formação de uma nova língua na ex-colônia portuguesa possibilitava equiparar os falantes
dessas duas variedades. Da mesma forma que os “bárbaros da Lusitânia” deram uma
feição definida ao português europeu e o tornaram “um dos mais poderosos veículos da
civilização”, a influência de povos ameríndios e africanos distinguiria a variedade

172
brasileira sem diminuir o seu potencial enquanto instrumento civilizador – instrumento
para civilizar, sobretudo, os falantes brasileiros de descendência ameríndia e africana.
A proposta defendida pelo autor consiste em dotar a variedade brasileira das
características que conferem ao português europeu o status de “língua de cultura”. As
influências africanas e ameríndias eram percebidas como matéria prima para a criação de
uma variedade brasileira “culta” baseada no modelo europeu de língua nacional. Depois
de apresentar esse prognóstico, Elpídio Ferreira Paes pondera que

Seria, certamente, ingenuidade acreditar em uma “lingua brasileira’’, neste


momento; ela ainda não é esplendida realidade. Mas seria profundamente
deshonesto quem negasse que ela se está formando lentamente, naturalmente,
irresistivelmente, máu grado as arruaças dos defensores do gramatiquismo. As
diferenças revelam-se a cada passo, avolumando, em trabalho incessante, a
caudal da nova lingua (PAES, 1938, p.369).

O modo como ele se apropria do conceito de evolução linguística permite


interpretar as formas características da variedade brasileira como evidências de um novo
idioma em processo de formação.
A nota introdutória é seguida de uma seção sobre fonologia e outra sobre
morfologia. A primeira caracteriza as formas da pronúncia gaúcha como metaplasmos,
mencionando casos de auxese, prótese, epêntese, parectase, epítese, aférese, síncope,
apócope, metástase, assimilação, dissimilação, vocalização, enfraquecimento, ditongação
nasalação, desnasalização, suarabácti, aplologia, ectlipse e paragoge. A segunda
apresenta os fatos linguísticos a partir das classes gramaticais, mencionando a eliminação
da flexão de plural nos substantivos, o desaparecimento dos pronomes oblíquos, a
substantivação do pronome relativo cujo, a fusão da segunda e terceira pessoas do
singular na conjugação verbal, entre outros fenômenos.
Elpídio Ferreira Paes associa a maioria dos fatos descritos à fala popular,
apresentando como evidência trechos da literatura regional. Na seção sobre fonologia, ele
compara as formas da fala gaúcha àquelas que marcam o surgimento do português a partir
do latim popular apoiado em obras como Introdução ao Latim Vulgar, de Charles Hall
Grandgent, As palavras latinas, de Michel Bréal e Charles Bally e Introdução ao Estudo
da Glotologia Românica, de Wilhelm Meyer-Lubke. Na seção sobre morfologia, ele
baseia suas análises em João Ribeiro (Gramática Portuguesa), Antenor Nascentes
(Dicionário Etimológico e o artigo Variante Carioca de um sub dialeto brasileiro),

173
Eduardo Carlos Pereira (Gramática Expositiva e Gramática Histórica) e na já referida
obra de Grandgent (tradução italiana de 1914).
A terceira monografia representativa da fala gaúcha foi Traços Gerais do
Linguajar Nacional no Estado do Rio Grande do Sul, de José Mesquita de Carvalho, que
foi descrito como “Professor de Português do Ginásio do Estado” (CARVALHO, 1938,
p.639). A comunicação de apenas oito páginas foi apresentada por Renato Mendonça no
mesmo dia em que tiveram lugar os outros dois trabalhos a respeito da fala gaúcha. O
texto não inclui referências bibliográficas, não esclarece a procedência dos dados analisados
e nem utiliza exemplos da literatura regional. O autor representa as formas da pronúncia
local por meio da transcrição alfabética e utiliza sinais diacríticos ( ` ´ ^ ) para especificar
o timbre da vogal descrita e, em alguns casos, a braquia ( ᵕ ) para indicar a pronúncia da
vogal com maior intensidade.
A exposição é dividida em cinco partes – prosódia, grupos vocálicos, consonâncias,
sufixos, figuras de dicção e sintaxe. Na primeira, o autor destaca a maior intensidade na
pronúncia das vogais em posição pretônica e antepretônica, o que explicaria, segundo
ele, um fenômeno comum nas colônias alemãs, que consiste na pronúncia de palavras
de quatro ou mais sílabas em duas partes (como em “bárba – ridade”). Na segunda,
ele descreve a ocorrência de monotongação, pela queda da semivogal no ditongo “ei”,
e de ditongação, pelo desaparecimento do hiato em palavras como rio e frio. Na terceira
parte, menciona a elevação da vogal no pronome lhe quando utilizado em posição
proclítica e o exemplifica na comparação entre “dei-le” e “li digo”.
Ao tratar dos sufixos, o autor destaca o uso de -edo para formar coletivo, -ito
para diminutivo e -aço para aumentativo. Embora reconheça que há alternância entre os
sufixos -inho e -ito, ele informa apenas que este ocorre “nas mais das vezes”, sem associá-
lo a aspectos morfológicos, fonéticos, geográficos ou sociais. A seção seguinte aborda
mudanças fonológicas (epêntese e hipétese) como “figuras de dicção”, um conceito
estético utilizado em retórica e estilística, fato que indica a sua formação mais literária e
gramatical.
Em alguns casos, José Mesquita de Carvalho atribui as diferenças de pronúncia
à origem social dos falantes, relacionando essa variável à dicotomia correto x incorreto,
e se refere ao “linguajar plebeu” com o sentido de fala incorreta. Apenas na parte final,
dedicada à sintaxe, ele descreve os fatos apresentados a partir de aspectos geográficos e
sociais, sem fazer juízos de valor.

174
Na linguagem campeira usam mais o tratamento da 3.a pessoa do singular, sem
o emprego do você; sentem-se melindrados, si tratados por este pronome
acidental; valem-se dos vocativos (que serão da 3.a pessoa!) amigo velho, indio
velho, velhito (esposo) e os nomes mais comuns: vaqueano, cavaleriano,
camarada; ou então do nome de com quem falam.
Nas cidades a 2.a pessoa do singular é muito usada, por isso é laboriosíssimo
ensinar-se redigir com o tratamento da 3.a pessoa (CARVALHO, 1938, p.646).

Sua atuação como professor, destacada no comentário final, permite supor que
boa parte dos dados analisados resulta da observação cotidiana da fala gaúcha no ambiente
escolar e que uma parte dos registros feitos pelo autor sejam condicionados pela interação
com os estudantes em sala de aula.

175
CAPÍTULO 4

4.1 Usos e sentidos do saber linguístico

Este capítulo retoma os trabalhos sobre questões linguísticas descritos na seção


anterior e os relaciona com o projeto de padronização da pronúncia nas artes. Meu
objetivo é caracterizar em linhas gerais essa produção e examinar seus referenciais teóricos.
A análise mostra uma polarização entre duas abordagens predominantes, que se refletiu
também no debate sobre a padronização linguística. A segunda parte do capítulo
questiona o status pré-científico atribuído ao Congresso da Língua Nacional Cantada e a
sua marginalização pela linguística estrutural na segunda metade do século XX, indicando
os critérios de cientificidade em que se baseia a pesquisa linguística exposta no evento.
Os debates ocorridos e a produção científica apresentada no Congresso da Língua
Nacional Cantada fornecem um panorama amplo e bastante complexo sobre a pesquisa
linguística desenvolvida no Brasil durante a década de 1930. Esse foi um período marcado
pelo “colapso do positivismo como modelo dominante e por descobertas e invenções de
primeira importância, da relatividade ao inconsciente” (SÉRIOT, 2016, p.22). A crítica
ao positivismo abriu caminho na Linguística para o que Valentin Voloshinov descreveu,
em 1929, como “uma consciência aguda das suas premissas filosóficas gerais e das suas
ligações com os outros campos do conhecimento” (VOLOSHINOV, 2017, p.86).
Apesar do predomínio da perspectiva neogramática, nenhuma das abordagens
surgidas na Linguística do século XIX estava plenamente representada no Brasil. A
produção local combinava, em proporções variáveis, elementos da filologia clássica,
da gramática filosófica, do método histórico-comparativo, da dialetologia, da fonética
naturalística, da geografia linguística, do método idealista e da linguística espacial. A
perplexidade dos estudiosos brasileiros diante dessa diversidade de referenciais teóricos
foi expressa por Graco da Silveira ao mencionar as “tantas questões que, no campo da
linguagem, incentivam as mais desencontradas teorias” (SILVEIRA, 1938, p.506).
A desorientação provocada pela pluralidade de paradigmas em vigor na Linguística
era intensificada pela inexistência de formação superior em Letras no país até 1934. Quando
o Congresso da Língua Nacional Cantada foi realizado, a maioria dos estudiosos de língua
em atividade pertencia à geração dos autodidatas e a investigação da língua era uma atividade
aberta a profissionais de diferentes áreas. Por isso, o debate sobre a “língua nacional” se

176
baseava em referenciais teóricos muito diversos, que nem sempre refletiam a orientação
da pesquisa linguística desenvolvida no âmbito internacional.
A dialetologia foi introduzida como método no início da década de 1920, mas não
chegou a se estabelecer como disciplina autônoma. Como a descrição de variedades locais
era uma prática no Brasil desde o século XIX, com a publicação de vocabulários regionais,
o novo método foi assimilado às práticas de pesquisa já existentes. Sua contribuição se fez
sentir, sobretudo, na mudança da agenda de pesquisas, que passou a admitir como objeto
de estudo a fala regional. Embora não tenha seguido uma orientação metodológica
uniforme, a descrição dessas variedades contribuiu para difundir entre os estudiosos
brasileiros o uso de dados da fala como base da pesquisa linguística.
Essa ênfase empírica se revela no Congresso da Língua Nacional Cantada através
das investigações de fonética experimental conduzidas por Roquette-Pinto, das pesquisas
apresentadas pelo DC – os mapas de variações linguísticas e as gravações de pronúncias
regionais – e das descrições de variedades locais. Os dois primeiros casos se distinguem
pela indicação dos procedimentos metodológicos utilizados e a caracterização dos dados
reunidos. Já as descrições de variedades regionais foram baseadas tanto em dados de
primeira mão, obtidos por meio da observação direta, quanto em fontes escritas, como
trabalhos de outros autores ou obras da literatura regionalista. Esses estudos nem sempre
indicavam a procedência desses dados e os critérios adotados no seu registro.
A noção de dialeto foi utilizada tanto para distinguir entre a variedade brasileira e
o português europeu – acepção corrente entre autores portugueses – quanto para descrever
as pronúncias regionais do Brasil. A elasticidade dessa noção favoreceu a sua difusão entre
os estudiosos brasileiros, que a utilizavam para descrever a “língua nacional”, delimitar
áreas dialetais ou interpretar um determinado dialeto como aspecto da identidade local. Os
traços linguísticos próprios de uma variedade regional podiam ser associados à história, à
cultura e até à fisiologia humana local. A significação sociocultural atribuída a cada
variedade era equivalente, enquanto motivação ou justificativa da pesquisa linguística, à
necessidade de ampliar o conhecimento sobre a língua.
As comunicações do Congresso da Língua Nacional Cantada revelam algo similar
no caso da fonética. O recurso frequente à “escrita prosódica” e o uso das expressões “som”,
“ruído” e “voz” como equivalentes a “fonema” sugerem que a fonética era ainda uma
especialidade pouco conhecida no país. Mas despertava interesse por ser entendida como
o estudo empírico dos fatores linguísticos que determinam o nascimento ou a morte de uma
língua. Essa função ontológica aparece tanto na interpretação das formas características da

177
variedade brasileira como evidências de uma nova língua em formação quanto na sua
condenação como ameaça à sobrevivência da língua portuguesa no Brasil.
Naquele contexto, a importância atribuída à dialetologia e à fonética experimental
equivale a uma virada empírica nos estudos sobre a língua. A abrangência dessa mudança
se revela nas diferentes perspectivas sobre o uso de dados da fala. A pesquisa empírica se
torna necessária tanto para demonstrar a variabilidade linguística (descrição de pronúncias
regionais) quanto para enfocar a língua como unidade (definição dos fonemas da língua
padrão). A ênfase na investigação da língua oral também representa um movimento em
direção ao estudo sincrônico da língua, algo que se costuma atribuir à introdução do
estruturalismo duas décadas depois.
Os trabalhos publicados nos anais do evento também mostram que a pesquisa
linguística desenvolvida no país se baseava em princípios comuns à produção científica
internacional da área no início do século XX. As controvérsias sobre a “língua nacional”
se organizavam a partir de diferentes interpretações acerca da historicidade da variedade
brasileira. Tanto os que a consideravam um dialeto da língua portuguesa quanto aqueles
que a percebiam como uma nova língua em processo de formação apoiavam seus argumentos
na perspectiva diacrônica.
Assim como os trabalhos desenvolvidos por linguistas de outros países, os estudos
apresentados no Congresso da Língua Nacional Cantada abordavam a língua em conexão
com outros aspectos da vida social. Talvez o melhor exemplo disso esteja nas causas
apontadas para explicar a diferenciação entre a variedade brasileira e o português europeu
e entre as pronúncias locais. Entre os elementos mencionados se destacam os fatores
linguísticos, que incluem as leis fonéticas, o princípio do menor esforço, a ocorrência da
analogia (ou falsa analogia) e o contato duradouro do português com línguas ameríndias.
A seguir, com menos ocorrências, aparecem os fatores geográficos – extensão do
território e isolamento dos núcleos populacionais – e os fatores étnicos – “a nossa formação
psicológica e social, [...] o “contacto com elementos raciais estranhos” (SERAINE, 1938,
p.441) e “a influencia das multiplices correntes imigratórias” (GUEIROS, 1938, p.556).
Há ainda, na interseção entre as dimensões física e social, os fatores mesológicos ou
ecológicos – associados ao clima e ao ambiente, cujo sentido se estende à dimensão
sociocultural em referência à mudança das condições em que a língua é utilizada. Por fim,
há também o fator biológico – os efeitos da subnutrição na “imperfeita conformação dos
órgãos vocais” (SERAINE, 1938, p.445).

178
Esse repertório conceitual foi mobilizado sobretudo para caracterizar as pronúncias
regionais. Sua ocorrência parece ser ainda mais significativa, considerando que mais da
metade das comunicações sobre questões de língua tratavam de variedades locais e que o
mesmo conjunto de fatores causais aparece tanto em trabalhos mais extensos e elaborados
quanto naqueles mais modestos. As descrições de pronúncias regionais apresentadas no
evento podem ser divididas em dois grupos. Há 4 trabalhos bastante impressionistas,
baseados num conhecimento superficial dos estudos linguísticos, e 6 monografias cujos
autores demonstram maior familiaridade com o repertório conceitual utilizado.
O primeiro grupo82 apresenta os dados de maneira mais casuística, apontando usos
“incorretos” e fornecendo a definição semântica de palavras ou expressões locais, o que
aproxima esses trabalhos da tradição dos vocabulários regionais. Já o segundo grupo83
privilegia a fonologia, entendida pela ótica comparatista, e não pela perspectiva funcional,
associando as formas da pronúncia aos processos fonológicos descritos nos estudos de
linguística românica. O trabalho de Cândido Jucá Filho é o único a fazer uma descrição
fonética. Os autores que tratam da pronúncia gaúcha mencionam também usos locais que
teriam se estabilizado como elementos morfológicos e consideram como exemplos de
variação sintática a flutuação no uso de pronomes oblíquos.
Alguns trabalhos destacam características da pronúncia que são desconsideradas
pela Linguística atual. Enquanto Florival Seraine menciona a fala cantada dos nordestinos
e Gastão Vieira diz o mesmo sobre paraenses e nordestinos, Ademar Vidal considera
equivocada essa descrição e afirma que, na verdade, o nordestino “fala arrastando a voz”.
A velocidade da pronúncia nordestina, referida como lenta ou arrastada, também é
mencionada por Florival Seraine e Antonio Salles. Graco Silveira vai além, utilizando
como recurso descritivo a escrita musical associada à transcrição alfabética da pronúncia
para indicar a singularidade rítmica e melódica da fala caipira.
Comparando a fala cantada dos nordestinos à dos paraenses, Gastão Vieira afirma
que estes cantavam de modo “mais suave, denotando, se quizerem, mais tristeza ou mais
preguiça...” (VIEIRA, 1938, p.500). Plínio Ayrosa sugere que o português “falado com
açúcar” (AYROSA, 1938, p.686) dos brasileiros resultaria “da força e da doçura da lingua
ameríndia” (AYROSA, 1938, p.692). Fora isso, Gastão Vieira, Antonio Salles e Florival
Seraine falam da expressividade como característica marcante da variedade descrita em

82Comunicações de Gastão Vieira, Ademar Vidal, Antonio Salles e José Candido da Silva Muricy.
83Esses autores são Florival Seraine, Graco Silveira, Candido Jucá Filho, Dante Laytano, Elpídio
Ferreira Paes e José Mesquita de Carvalho.

179
seus trabalhos. O destaque conferido a esses atributos – pronúncia cantada, velocidade,
suavidade e doçura – demonstra que a língua falada era enquadrada, enquanto objeto de
estudo, de uma maneira bem diferente da que utilizamos hoje.
Os aspectos não-linguísticos mais utilizados na descrição das variedades locais são o
perfil sociocultural dos falantes e a posição que ocupam na hierarquia social. A maioria
desses trabalhos associa as formas descritas a “gente culta”, “inculta” ou “incultíssima” –
o que equivale a “ignorantes”, “plebeus”, “matutos”, “zépovinho”, “gente baixa”, entre
outras qualificações depreciativas. Em alguns casos, o perfil sociocultural dos falantes é
descrito por meio da dicotomia urbano x rural ou cosmopolita x provinciano. O trabalho
de João de Deus Bueno dos Reis e Nicanor Miranda, sobre a fala das crianças atendidas
nos Parques Infantis, foi o único a relacionar formas linguísticas locais a patologias ou
anomalias fisiológicas.
Como mostrei no capítulo 2, a década de 1930 foi marcada, no âmbito dos estudos
linguísticos, pela controvérsia sobre o status ontológico da variedade brasileira. Com base
no vocabulário das fontes, a bibliografia a respeito (PINTO, 1981; ALTMAN, 1998) se
refere às perspectivas em disputa como filologia ou tradição filológica e dialetologia ou
estudos dialetológicos. Embora fiel às fontes, essa nomenclatura deixa a desejar do ponto
de vista heurístico. Em primeiro lugar, porque, naquele contexto, a palavra “filólogo” se
referia tanto aos estudiosos que investigavam a língua a partir de textos escritos – o que
abrange desde a filologia clássica até os primórdios da linguística histórica e comparada –
quanto àqueles que enfocavam a língua oral e as variedades regionais brasileiras – o que
inclui a linguística românica de orientação neogramática e a dialetologia.
Em segundo lugar, porque essas abordagens não estavam institucionalizadas no
ensino superior brasileiro como especialidades distintas. Embora os estudiosos associados
à gramática histórica fossem referidos como filólogos, os autores que se dedicaram à
descrição de variedades locais nem sempre eram reconhecidos como dialetólogos. O êxito
alcançado pelo escritor Amadeu Amaral não constitui uma regra geral, até porque sua
obra não poderia subsidiar sozinha o desenvolvimento de uma nova especialidade. Autores
como Antenor Nascentes e Cândido Jucá Filho, cujos trabalhos poderiam contribuir para
a consolidação da rubrica no país, já eram conhecidos como filólogos quando publicaram
seus primeiros estudos dialetológicos.
Na ausência de vocabulário adequado para descrever essa competição entre
diferentes abordagens no estudo da língua, não resta outra escolha senão criar categorias
descritivas próprias. Os debates e a produção científica emergentes no Congresso da

180
Língua Nacional Cantada permitem descrever a controvérsia de maneira mais matizada,
considerando o perfil dos intelectuais que nela se engajaram e as premissas que apoiam
os argumentos de cada uma das partes em disputa. É preciso enfatizar que as categorias
propostas a seguir foram concebidas como tipos ideais baseados em tendências
verificadas nas fontes e não devem ser entendidas como critério interpretativo geral. Isso
significa que as generalizações possíveis se referem exclusivamente ao discurso dos
congressistas na ocasião do evento.
A adesão dos estudiosos da língua a diferentes formas de nacionalismo coincide
com a polarização entre uma abordagem predominantemente gramático-literária e outra
de caráter linguístico-antropológico. A primeira utiliza o conceito de leis fonéticas a partir
de uma perspectiva semelhante à do comparatismo ortodoxo, demonstrando pouco
interesse pelo estudo da língua oral e dos dialetos regionais. Essa abordagem se aproxima
da gramática filosófica na percepção da língua como uma construção acabada, à maneira
do cânone literário, e não como processo permanente de transformação. Seus principais
representantes são os intelectuais considerados conservadores em matéria de língua.
A abordagem linguístico-antropológica também adota o conceito de leis fonéticas,
mas incorpora outros aspectos do programa neogramático, demonstrando maior interesse
pela dialetologia e pela fonética. A argumentação de seus adeptos apresenta elementos da
linguística espacial e da Antropologia Cultural, o que se traduz na compreensão da mudança
linguística como resultado de uma combinação complexa entre fatores naturais e sociais.
Essa orientação aparece sobretudo no discurso de intelectuais jovens (27-40 anos) que se
contrapunham à perspectiva dos puristas, quase sempre mais velhos (57-69 anos), no
debate sobre a identidade linguística brasileira.
O recorte etário e o perfil intelectual de cada grupo foram estabelecidos de maneira
aproximativa e há casos particulares que escapam à delimitação. Por exemplo, Roquette-
Pinto tinha 55 anos na ocasião do evento, mas sua argumentação o associa à abordagem
linguístico-antropológica; Nicanor Miranda e João de Deus Bueno dos Reis tinham 30
anos, mas sua perspectiva os aproxima da abordagem gramático-literária. Há ainda casos
como Antenor Nascentes e Cândido Jucá Filho, que assumem uma posição intermediária,
favorável à autonomia da norma local, mas negam a existência de uma “língua brasileira”.
A delimitação dessas duas abordagens segue o princípio de categorização proposto
por Wittgenstein. Em suas Investigações Filosóficas (1953), ele questiona a teoria clássica
da categorização, mostrando que os critérios aristotélicos não possibilitam compreender a
construção da categoria “jogo”, na qual é impossível estabelecer um conjunto fechado de

181
características comuns a todos os membros. O que permite incluir elementos relativamente
díspares no mesmo conjunto é o que o autor chamou de “relações de semelhança”. Essas
relações permitem categorizar um conjunto de elementos não idênticos com base no
compartilhamento parcial de traços caracterizadores, como ocorre, por exemplo, com os
membros de uma família (FERRARI, 2011, p.33-34; FRANCO e VIOTTI, 2013, p.199).
As comunicações mais representativas da abordagem gramático-literária são as de
Nicanor Miranda e João de Deus Bueno dos Reis, Jerônimo Gueiros, Gastão Vieira e
Antonio Salles. Seus trabalhos convergem na percepção da evolução linguística com base
na estabilidade do padrão escrito, na avaliação da pronúncia popular como deturpação da
língua, na hierarquização de variedades regionais, pela proximidade com o português
europeu, na convicção de que os intelectuais são responsáveis pela conservação da língua
e de que a variedade brasileira está subordinada ao português europeu. Sua argumentação
se caracteriza por um nacionalismo linguístico conservador, marcado pela influência do
modelo francês de língua nacional, pela filiação ao projeto nacional das elites do século
XIX e pela continuidade linguística entre Portugal e Brasil.
A abordagem linguístico-antropológica aparece de forma mais nítida nos trabalhos
de Plínio Ayrosa, Ademar Vidal, Florival Seraine, Graco Silveira, Dante de Laytano e
Elpídio Ferreira Paes. Essas produções convergem na compreensão da evolução linguística
a partir das mudanças fonéticas, na ideia de que a fala popular dá forma à língua, no
questionamento da hierarquização das pronúncias regionais e na reivindicação de uma
“língua de cultura” baseada no uso local, o que daria à variedade brasileira o status de
língua nacional. Sua argumentação se distingue pela defesa de um nacionalismo linguístico
autonomista, marcado pela influência do modelo alemão de língua nacional, pela afirmação
da descontinuidade linguística entre Portugal e Brasil e pela reinterpretação da identidade
linguística brasileira.
Embora incorporem elementos do pensamento naturalista e evolucionista do
século XIX, os trabalhos representativos de cada abordagem o fazem de modos diferentes.
Jerônimo Gueiros, cuja argumentação exemplifica perspectiva gramático-literária, afirma
que a língua se desenvolve e morre como os organismos vivos. Com base numa concepção
universalista de evolução, ele entende o manejo da escrita como uma prova de
superioridade intelectual e considera menos evoluídas as línguas e os sistemas de
pensamento das sociedades de base oral. As formas características da fala brasileira
seriam nocivas ao português, porque resultam da influência de línguas ameríndias e

182
africanas. Embora não apresentem essa formulação de forma explícita, os demais trabalhos
associados a essa abordagem parecem compartilhar os mesmos pressupostos.
Os três autores mais representativos da abordagem linguístico-antropológica –
Florival Seraine, Graco Silveira e Elpídio Ferreira Paes – mencionam as leis fonéticas ao
manifestar suas divergências em relação aos puristas. Argumentam que essas leis operam
à revelia da vontade humana e da convicção das autoridades e que, por isso, seria inútil
impor aos brasileiros uma língua padrão baseada no português europeu. A maioria dos
trabalhos associados a essa abordagem apresenta uma concepção relativista de evolução,
que encara os povos ameríndios e africanos como menos civilizados do que os europeus,
mas aceita a sua influência linguística como elemento constitutivo da variedade brasileira,
à medida que essa influência legitima a hipótese da formação de uma nova língua.
Todos se filiam à perspectiva histórico-comparativa, mas cada abordagem incorpora
elementos característicos de diferentes gerações da Linguística e os interpreta à sua maneira.
A ótica gramático-literária reflete a influência da História Natural nas primeiras gerações
de linguistas através da descrição das línguas como organismos vivos e se aproxima do
conceito iluminista de civilização ao associar o desenvolvimento intelectual ao manejo da
escrita. A perspectiva linguístico-antropológica se interessa mais pela mudança linguística e
concebe a evolução como um processo natural associado a fatores biológicos, geográficos,
históricos e socioculturais. Ela demonstra a influência da teoria de Darwin e da Antropologia
Cultural sobre a Linguística ao pressupor que língua e sociedade evoluem à maneira dos
seres vivos, mas a partir de condições locais.84
Essa discrepância se torna mais nítida quando comparamos os prognósticos de
cada abordagem sobre a variedade brasileira e as premissas que sustentam cada um deles.
Para compreender essas avaliações, é preciso examinar, em cada caso, o que se reconhece
como intervenção na língua e corrupção da língua. Na abordagem gramático-literária, a
língua é percebida como um conjunto estável de formas acabadas e o português europeu,
como a matriz ontológica da variedade brasileira. Desta perspectiva, a língua seria
desvirtuada ou corrompida por aqueles falantes que não a conhecem em sua forma
verdadeira – o que, no caso brasileiro, corresponde a aproximadamente 70% da população.
Esse número indica o tamanho do desafio a ser enfrentado pelos defensores da
continuidade linguística entre Portugal e Brasil. Como sustenta Jerônimo Gueiros, a única

84O melhor exemplo disso está na comunicação de Florival Seraine, que justifica a delimitação
de uma pronúncia característica do Ceará e distinta das variedades de outros estados do
Nordeste como consequência da estabilização de um tipo antropológico cearense.

183
maneira de garantir que o português conservasse no Brasil a sua “feição idiomática” ou
“os traços fundamentais do seu tipo glótico” seria estimular “a ação consciente do fator
erudito” contra o “fator inconsciente que tende a desnatura-la pela lei do menor esforço”.
Essa “reação salutar contra o fator inconsciente” é proposta como uma forma de controlar
as “diferenciações glóticas”, representadas pelos falantes “incultos” ou estrangeiros, e seu
efeito “desfigurador dos idiomas”. A intervenção linguística não seria apenas aceita, mas
recomendada como uma medida profilática, para proteger a língua da ameaça de
contaminação. A evolução da língua resultaria do acúmulo de intervenções eruditas.
Já a abordagem linguístico-antropológica compreende a evolução linguística como
processo baseado na mudança espontânea ou “natural” vinda “de baixo”, ou seja, “do
povo”. Florival Seraine argumenta que “segundo a maioria dos glotólogos – a linguagem
do povo é que decide sobre a correção da linguagem, pois uma língua é sempre falada
muito antes de ser escrita” (SERAINE, 1938, p.478). Elpídio Ferreira Paes sustenta que
“ao povo não se impõe uma língua: êle é quem a faz (PAES, 1938, p.365). A interpretação
das formas típicas da fala brasileira como evidências do surgimento de uma nova língua
leva à percepção dos puristas como corruptores da língua, que tentam resistir ao seu
processo evolutivo.
Cada parte buscava interferir de algum modo na evolução da língua e condenava
seus adversários pela mesma razão. Os adeptos da abordagem gramático-literária
defendiam a manutenção do português europeu padrão como referência normativa,
consideravam que a fala popular deturpava a pureza da língua e repudiavam o uso literário
de formas associadas a essa variedade. Já os autores associados à abordagem linguístico-
antropológica reivindicavam uma língua padrão que refletisse o uso local, repudiando a
imposição do padrão lusitano, que consideravam uma interferência indevida na evolução
da variedade brasileira.
Enquanto a abordagem gramático-literária era criticada por apoiar a intervenção
indevida na língua, os adeptos da abordagem linguístico-antropológica eram descritos por
seus rivais como irresponsáveis e “comodistas” (GUEIROS, 1938, p.556), que se negavam
a intervir. Mas, se uma das partes se dizia contrária à intervenção, como explicar que
estudiosos associados a ambas tenham apoiado o projeto de padronização elaborado por
Mário de Andrade? Cameron (1995) ajuda a responder essa questão ao demonstrar o que
há em comum entre o descritivismo dos linguistas e o prescritivismo dos gramáticos.
Sua análise parte da premissa de que a normatividade é intrínseca à dimensão
social da língua. “Como o uso da linguagem é paradigmaticamente um ato social, público,

184
falar (e escrever e sinalizar) tem de ser levado a cabo com referência a normas, que podem
elas mesmas se tornar o assunto de comentário e debate explícito”85 (CAMERON, 1995,
p.2 – tradução minha). As normas são objeto de debate entre os falantes sempre que se
acredita haver algo a ser melhorado. Cameron (1995) criou o conceito de “higiene verbal”
para se referir a qualquer iniciativa dedicada a controlar, regulamentar ou aprimorar a
língua, independente dos argumentos utilizados.
A “higiene verbal” é definida como uma prática normativa metalinguística pela qual
se procura melhorar a língua ou regular o seu uso (CAMERON, 2013, p.60). Entre os
exemplos mencionados pela autora, estão as reformas ortográficas, o ensino de gramática
nas escolas, o engajamento na preservação de um dialeto, a exigência de uma linguagem
mais acessível em documentos oficiais, o uso de linguagem não sexista, o treinamento da
pronúncia através de aulas de locução ou de conversação em inglês, a revisão de um texto
para publicação e as regras estilísticas adotadas por editores para dar mais “clareza” e
“elegância” aos textos (CAMERON, 1995, p.9).
A abrangência do conceito é o que possibilita enquadrar tanto o prescritivismo dos
gramáticos quanto o antiprescritivismo dos linguistas como tentativa de intervir na língua.
Cameron (1995) observa que esse antagonismo define tanto a Linguística como disciplina
quanto a identidade profissional dos seus praticantes. A reação tradicional dos linguistas
diante da obsessão com regras de correção e bom uso da língua pode ser resumida, segundo
ela, na máxima “deixe sua língua em paz”, que dá título a um livro de Robert Hall – Leave
your language alone (1950). Essa atitude se baseia na oposição entre descrição e prescrição,
sustentada pelos linguistas para distinguir entre a observar fatos objetivos e emitir juízos de
valor subjetivos (CAMERON, 1995, p.5).
A premissa da cientificidade faz as regras descritivas parecerem leis indiscutíveis
e as regras prescritivas, interferências descabidas. Cameron (1995) observa que, numa
sociedade onde a ciência tem autoridade em si mesma, essa distinção não vigora, porque,
na prática, as regras descritivas funcionam como prescrições. Ela destaca a ambiguidade
desse argumento ao comparar a rejeição do prescritivismo com a aceitação das iniciativas
de planejamento linguístico,

onde linguistas assessoram ou trabalham diretamente para agências


governamentais interessadas em solucionar problemas linguísticos numa dada

85 No original: “Because language-using is paradigmatically a social, public act, talking (and


writing and signing) must be carried on with reference to norms, which may themselves become
the subject of overt comment and debate”.

185
sociedade [...] Ao que tudo indica, este tipo de esforço normativo é considerado
plausível entre os linguistas por se basear em conhecimento científico
especializado. No entanto, há dois pesos e duas medidas aqui: aparentemente
é o “prescritivismo” alheio que os linguistas acham deplorável; suas próprias
prescrições especializadas devem receber um status diferente 86 (CAMERON,
1995, p.8 – tradução minha).

Embora situado em outro contexto e baseado em outro referencial epistemológico,


o descritivismo dos linguistas se baseia em premissas semelhantes àquelas encontradas
na crítica à abordagem gramático-literária. Em ambos os casos, os adeptos de uma
perspectiva teórica mais recente denunciam o caráter ideológico do purismo gramatical e
se descrevem como representantes da ciência objetiva – como se o discurso científico
fosse desprovido de ideologia. Ambos demonstram também a ambiguidade do discurso
anti-intervenção, que desqualifica a iniciativa adversária, mas constitui ele mesmo um tipo
de interferência dos falantes na evolução da língua.
Isso não significa que os representantes da ciência objetiva fossem desonestos,
mas que o tipo de interferência que defendiam não era percebido como uma intervenção
na língua. Um exemplo disso é a passagem em que Graco Silveira enfatiza que o objetivo
do Congresso da Língua Nacional Cantada não era interferir na pronúncia dos brasileiros
em geral, mas apenas regulamentar a pronúncia no canto e no teatro. Sua observação parte
da premissa de que uma intervenção limitada ao uso da língua com finalidades específicas
é incapaz de perturbar os rumos da evolução linguística, à medida que não incide sobre a
maioria dos falantes.
A avaliação de Graco Silveira, que era a mesma da organização do evento, prefigura
a distinção entre planejamento de corpus e planejamento de status, introduzida por Kloss
(1969). A intervenção defendida pelos puristas impediria a evolução espontânea da língua,
porque não se limitava a funções específicas, incidindo sobre a pronúncia de todos os
brasileiros. Já o tipo de intervenção discutido pelos congressistas não afetaria a evolução
da variedade brasileira, porque se limitava às performances artísticas e pretendia modificar
apenas a pronúncia de atores e cantores eruditos.

86 No original: “where linguists either advise, or work directly for, governmental agencies concerned
with solving language problems in a given society […] Presumably this kind of normative endeavour
is considered acceptable among linguists because of its basis in expert scientific knowledge.
However, there is a double standard here: apparently it is other people’s ‘prescriptivism’ that
linguists find deplorable; their own expert prescriptions should be accorded a different status.”

186
A distinção entre criar e escolher uma pronúncia padrão, sustentada por Mário de
Andrade, também converge com o discurso anti-intervenção. Desta perspectiva, a escolha
de um dialeto regional como referência de língua padrão não se opõe ao curso natural da
evolução linguística, já que a variedade escolhida teria surgido de maneira espontânea. A
justificativa para escolher a pronúncia carioca como padrão nacional vai além, ao sustentar
que a fala da capital federal seria uma síntese natural de todos os dialetos regionais do país.
Embora a construção da nova variedade envolvesse diversas modificações na fala carioca
e a própria escolha desse dialeto fosse, por si só, uma forma de intervenção, prevaleceu a
distinção entre escolher e criar, como se estas fossem alternativas mutuamente excludentes.
Nada disso impediu os congressistas de “imaginar que todos os Brasileiros um dia,
já acostumados civilizadamente á pronúncia duma só linguagem, mais disciplinados por
êsse esforço conciente de unificação sintam o mesmo orgulho do Italiano” (NORMAS,
1938, p.57). Isso sugere que a maior diferença programática entre as abordagens
gramático-literária e linguístico-antropológica estava no aproveitamento de aspectos da
realidade linguística brasileira. Enquanto a primeira rejeitava essa realidade, privilegiando
o português europeu como referência normativa, a segunda buscava incorporar aspectos
dessa realidade à variedade padrão.
Esse mesmo contraste transparece na diversidade dos diagnósticos sobre a realidade
linguística brasileira. Enquanto Jerônimo Gueiros encara o distanciamento em relação ao
português europeu como um perigo e encontra no acordo ortográfico de 1931 um fator de
“conservação da prosódia” (GUEIROS, 1938, p.564), o texto das NBP identifica como
problema nas “manifestações filológicas e artísticas” brasileiras a inexistência “dum cri-
tério culto que fosse ao mesmo tempo nacional e estético” (NORMAS, 1938, p.55). No
primeiro caso, o português europeu constitui a referência de pronúncia “culta” a ser
conservada; no segundo caso, a referência devia ser definida a partir da realidade linguística
local, o que justificava a realização do Congresso da Língua Nacional Cantada.
Embora cada abordagem adotasse um modelo particular de língua padrão, ambas
pretendiam uniformizar a variedade brasileira a partir da referência normativa defendida.
Na perspectiva gramático-literária, a língua padrão seria regulada por um parâmetro externo
à realidade linguística local, algo que seria inevitável por ser esta a única via de acesso
dos brasileiros à civilização (europeia). Na perspectiva linguístico-antropológica, a língua
padrão seria regulada internamente, com parâmetros estabelecidos pela investigação da
realidade linguística local. A mudança de status ontológico da variedade brasileira levaria
a uma transformação da própria sociedade, viabilizando o processo de civilização do país.

187
Cada uma dessas orientações estava comprometida com um determinado projeto
de sociedade. Ambas postulavam uma relação hierárquica entre o que classificavam como
língua “culta” e língua “inculta”, transpondo para a linguagem o abismo social característico
da realidade brasileira, mas essa hierarquização se traduzia de maneiras diferentes. A
percepção do português europeu como única via de acesso à civilização e a sua imposição
em detrimento da realidade linguística local sugerem que a abordagem gramático-literária
corresponde às estratégias de dominação características do colonialismo. Estratégias
baseadas na representação da alteridade em termos geográficos, no binômio metrópole-
colônia, ou biológicos, na hierarquização das raças humanas (CALVET, 2002).
A abordagem linguístico-antropológica se distinguia pela perspectiva de assimilar
as formas características da realidade linguística local à variedade padrão brasileira. Essa
proposta refletia no âmbito dos estudos linguísticos o anseio de incorporação dos sertanejos
e das classes trabalhadoras urbanas à vida nacional, uma marca do nacionalismo do período
entreguerras. As influências ameríndias e africanas na língua eram interpretadas, a partir da
perspectiva histórico-comparativa, como evidências de que a variedade brasileira evolui de
maneira inexorável, para constituir uma nova língua, distinta do português europeu.
Mas a posição subalterna atribuída às contribuições indígenas e africanas demonstra
que o anseio de incorporação da diversidade linguística e sociocultural se limitava ao plano
simbólico. Em sua interpretação antropológica da mudança linguística, Florival Seraine
compreende a língua como produto da raça e avalia a influência africana como um fator
residual, limitado aos estados de Minas Gerais e Bahia. Por sua contribuição supostamente
insignificante, o negro “não passa de um advena, do qual poderiamos muito bem ter
prescindido”, pois ele “diminue a caracterização verdadeira da raça, que deve, pela maior
parte, ser o produto de sucessivos cruzamentos entre o português civilizador, e o indígena”
(SERAINE, 1938, p.479).
O status conferido às línguas indígenas em trabalhos representativos da abordagem
linguístico-antropológica mostra como a inclusão pela via simbólica ressignifica e justifica
as relações de dominação. Embora fossem faladas em diversas partes do território, essas
línguas eram percebidas como resquícios do passado, à medida que a língua portuguesa,
considerada mais civilizada, as teria derrotado historicamente. Aqui a ideia de civilização se
distancia do princípio universal de origem iluminista e parece se adaptar à concepção de
cultura difundida pelo romantismo. A cultura é percebida como experiência local, resultante
de processos históricos singulares, e a civilização funciona como um conceito valorativo,
hierarquizando as culturas como menos ou mais civilizadas (GUIMARÃES, 2007, p.79-80).

188
A face excludente desse processo se revela também na construção da pronúncia
padrão. A variedade escolhida como base para a padronização corresponde não às práticas
linguísticas mais comuns entre habitantes da capital federal, mas à pronúncia das elites e
da parcela “culta” da classe média urbana carioca. A delimitação da norma idealizada a
partir desses critérios extralinguísticos era admitida sem grandes ponderações pelos
neogramáticos (PAUL, 1970, p.424). Como muitos linguistas daquela época, os
congressistas entendiam a padronização como um processo que envolve a manipulação de
representações sociais que conectam os falantes à “língua legítima” (BOURDIEU, 1998).
Algumas formas características da fala carioca eram consideradas “condenáveis”,
“repulsivas”, “inaceitáveis” e, por isso, não podiam ser incorporadas à língua padrão. A
estigmatização dessas formas devido à sua associação com o uso popular ou “inculto”
mostra que, ao menos no caso brasileiro, as premissas do processo de padronização
coincidem com manifestações de preconceito e de racismo linguístico (NASCIMENTO,
2019). Nesta medida, a abordagem linguístico-antropológica parece corresponder às
estratégias de dominação características do neocolonialismo, no qual as representações da
alteridade são internas a cada sociedade e se traduzem em termos de diferença sociocultural.
Como explica Bagno (2012), os defensores da “língua brasileira” reivindicavam

a legitimação de um escasso número de aspectos, sobretudo morfossintáticos


(além de alguns “exotismos” lexicais), que, embora divergentes da norma-
padrão lusitana, compareciam na língua falada dos brasileiros das classes
privilegiadas. Realizações fonéticas como “paia” para o que se escreve palha,
ou “pranta” para o que se escreve planta, ou ainda regras de concordância
verbal do tipo “nós faz” nunca foram objeto dessas reivindicações por serem
identificadas, antes de tudo, com classes sociais extremamente desprestigiadas,
e até hoje constituem as variantes sociolinguísticas mais estigmatizadas pelas
classes sociais escolarizadas (BAGNO, 2012, p.243).

Isso não quer dizer que a disputa pelo status ontológico da variedade brasileira fosse
apenas um reflexo dos conflitos ideológicos que marcaram a intelectualidade do período ou
que nessa controvérsia a língua compareça como mero simulacro da política. A linguagem
verbal é um espaço privilegiado para lutas políticas, mas a sua especificidade como prática
sociocultural parcialmente regulada pelas representações que construímos a seu respeito
torna a questão bem mais complexa. As práticas linguísticas são uma via de mão dupla, à

189
medida que refletem a realidade social da qual fazem parte e, ao mesmo tempo, são
capazes de interferir nessa realidade.
Como observa Orlandi, eventos científicos são “lugares de legitimação de ideias,
sua manutenção e reprodução” (ORLANDI, 2002, p.42). Ao realizar o Congresso da Língua
Nacional Cantada, Mário de Andrade apostava justamente nessa possibilidade de modificar
a sociedade brasileira através da reformulação das representações que orientavam o
comportamento linguístico coletivo. Sua defesa da “fala brasileira” como referência para a
variedade padrão e o papel atribuído à arte, sobretudo à música, em seu projeto de construção
da brasilidade são elementos básicos para entender as motivações do evento. Mas não
bastam para explicar o engajamento de outros intelectuais e artistas numa iniciativa dessa
natureza.
Para isso, é necessário observar o discurso oficial da organização e seu papel na
construção da imagem pública do evento. As estratégias utilizadas não se limitam à defesa
do projeto de padronização da pronúncia e à difusão de informações capazes de credibilizar
a iniciativa, como os nomes de congressistas reconhecidos como autoridades em matéria
de língua ou de música e a participação de representantes das principais sociedades
literárias e científicas do país. Elas se encontram também em detalhes mais sutis, como a
reiteração do caráter nacionalista da iniciativa, para evitar prejuízos decorrentes do
antagonismo entre os paulistas e o Governo Federal, e na expressão utilizada no título do
evento para designar o seu objeto – a variedade padrão a ser construída.
Talvez não tenhamos hoje a dimensão do impacto que essa discussão teve sobre
os rumos da pesquisa linguística desenvolvida no Brasil. A animosidade provocada pela
controvérsia sobre o nome da língua fez Pinto (1981) concluir que “o período que vai de
1920 a 1945 é, sem contestação, o mais denso e tenso de toda a história da língua
portuguesa no Brasil” (PINTO, 1981, p.XIII). A insegurança a respeito levou alguns dos
estudiosos a hesitar na maneira de se referir à variedade brasileira, preferindo expressões
alternativas que não indicassem um juízo contrário ou favorável às designações “língua
portuguesa” e “língua brasileira”. O uso da expressão “língua nacional” no título do evento
foi estratégico para suscitar o interesse dos partidários de ambas as concepções.
A elaboração do anteprojeto a partir das pesquisas de Antenor Nascentes parece
resultar de um cálculo semelhante. Sua obra se destacava tanto pelo rigor metodológico
quanto pela abrangência, incluindo pesquisas de fonética, dialetologia, ortoépia e uma
proposta para o ensino da língua oral na escola secundária. Na comunidade científica
internacional, “ele foi o primeiro dos filólogos brasileiros a ser conhecido e citado”

190
(CÂMARA JR., 2004, p.228-229). Ao mesmo tempo que seguia João Ribeiro na defesa
da pronúncia carioca como padrão nacional, Antenor Nascentes negava categoricamente a
existência de uma “língua brasileira”. Em sua resenha sobre O Português do Brasil (1936),
de Renato Mendonça, ele declara que o autor

Perdeu, no meu entender, um pouco de seu tempo com a analyse dos projectos
que têm apparecido com a finalidade de criar a lingua brasileira.
Ninguém, nenhum poder cria uma lingua. As linguas criam-se espontaneamente.
A linguistica ri-se e dá de hombros, diante de projectos taes (Jornal do Commercio,
06/06/1937, p.9).

Ao redigir o anteprojeto, o diretor do DC se afastou de suas convicções a respeito


da variedade brasileira – que o vinculavam à abordagem linguístico-antropológica – e optou
por seguir a perspectiva mais moderada de Antenor Nascentes. Essa escolha coincide com
a posição expressa por Mário de Andrade na entrevista que concedeu em dezembro de
1925 ao jornal A Noite. Questionado sobre a situação atual do movimento, ele reivindicou
o reconhecimento do modernismo como renovador da tradição contra qual se insurgira
inicialmente e, nesta medida, como seu continuador.

Numa revolta o importante é não ficar marcando passo. A gente se excetua


apenas o tempo necessário para conquistar mais liberdade e sobretudo visão
melhor da torrente humana. Mas depois se reintegra na torrente, porque só
mesmo dentro dela pode ser eficiente e fecundo. Pois até já não se fala que
muitos de nós, modernistas brasileiros, estamos voltando para trás? Voltando
nada! Não paramos na revolta, esse foi o jeito com que acertamos a primeira
pergunta do nosso exame.

– Mas então confessa que a orientação atual do Modernismo já se aparenta


mais com o passado?
– A revolta é uma quebra de tradição, revolta acabou, a tradição continua
evoluindo. Todo mundo dormia na pasmaceira da nossa literatura oficial, nós
gritamos “Alarma!” de sopetão e toda gente acordou e começou se mexendo.
Agora querem que a gente continue gritando “Alarma!” toda a vida... Não
carece mais pois tudo já se alarmou e trabalha. Repare que fuque-fuque agitado
vai agora por nossa literatura. Pois nós seguimos o nosso caminho sem mais
gritos de revolta (A Noite, 12/12/1925, p.1-2).

191
Se, por um lado, a pronúncia padrão apresentada aos congressistas era bem menos
inovadora do que os experimentos artísticos de Mário de Andrade com a “fala brasileira”,
por outro, essa escolha contribuiu para legitimar como questão científica a proposta de uma
variedade padrão baseada no uso local. No artigo que publicou em agosto de 1937 e que
juntou às anotações relacionadas ao projeto da Gramatiquinha, Mário de Andrade afirma
que o mais importante é colocar em debate o problema da pronúncia padrão e que mesmo
quem discorda das normas aprovadas contribui para o objetivo do evento, pois terá que
propor outras normas.

Resta uma pergunta: a coisa pegará? Os despeitados e os revoltados já surgiram.


Mas tenhamos bom-senso, gente, e não nos irritemos contra a inenarrável ararice
humana. Vamos refletir calmamente: o brasileiro é mesmo brigão e muito
artisteco e filologuinho vai dizer: “Não obedeço, pronto!” Pois que não obedeça,
a sua própria revolta vai realizar o destino do Congresso. Ninguém não teve a
intenção boba e vaidosa de impor uma lingua e fixar uma pronúncia cantada. Isso
o Congresso reconheceu por unanimidade e está escrito no que o Departamento
de Cultura vai publicar. Mas esses mesmos que se revoltam estão realizando o
que o Congresso teve em mira: pôr em marcha um problema de importância
maxima para o país e em que o nosso descuido não pensava.
Suponhamos que todas as normas indicadas sejam bobagem pura. Os
professores de canto logo dirão aos seus alunos: – “Não pronuncie assim como
o Congresso mandou.” Mas se disser “não pronuncie assim”, terá que dizer
também “pronuncie desta outra maneira”. Mas isso é que importa! Isso é que
tradicionalizará uma pronuncia qualquer, e o importante é fixar uma pronuncia
qualquer; mas uma (Dom Casmurro, 19/08/1937, p.2).

A estratégia parece ter funcionado, ao menos em comparação com o desfecho que


teve o projeto da Gramatiquinha. Entre janeiro e março de 1946, três jornais87 noticiaram
a realização do “II Congresso Nacional da Lingua Falada e Cantada”, previsto para
ocorrer em julho daquele ano na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa de Fernando
Antônio Raja Gabáglia, então secretário geral de Educação e Cultura do Distrito Federal.
Participaram da comissão organizadora Edgard Roquette-Pinto, Jaques Raimundo, Antenor
Nascentes, José Oiticica, Clóvis Monteiro, Álvaro Ferdinando de Souza da Silveira, Heitor
Villa-Lobos, Osvaldo Serpa e Candido Juca Filho, entre outros (D’EÇA, 1946, p.222).

87 “II Congresso de Lingua Nacional Cantada e Falada” (O Estado de S. Paulo, 01/01/1946);


“Uma só pronuncia para o português do Brasil” (A Manhã, 10/01/1946); “Mensagem de saudade
e gratidão a Mário de Andrade” (Diário Carioca, 26/03/1946).

192
Embora não se saiba se o segundo congresso ocorreu, de fato, o Ministério da
Educação promoveu um evento similar em 1956, o I Congresso de Língua Falada no
Teatro, que foi presidido por Celso Cunha e ocorreu na cidade de Salvador. Mas Mário
de Andrade não pôde acompanhar os desdobramentos de sua iniciativa. Ele morreu em São
Paulo, aos 51 anos, vítima de uma parada cardíaca, em 25 de fevereiro de 1945. Em sua
conferência no Itamaraty em 1942, ele declarou que “a pesquisa da “língua brasileira” [...]
foi talvez boato falso” e que “estamos ainda atualmente tão escravos da gramática lusa
como qualquer português” (ANDRADE, 1942, p.50-51).

193
4.2. O problema da cientificidade

A primeira informação que encontrei sobre o Congresso da Língua Nacional


Cantada surgiu durante um levantamento de fontes arquivísticas para outra pesquisa. Na
ocasião, deduzi que não devia ser algo relevante, considerando que na graduação nunca
ouvi qualquer comentário a respeito. Essa impressão era reforçada pela constatação de
que o evento ocorreu mais de dez anos antes dos cursos ministrados por Mattoso Câmara
na Universidade do Brasil – que marcaram a introdução da linguística estrutural no país.
Afinal, uma das convicções que a formação em Letras alimenta nos estudantes é a de que
Saussure foi quem deu à Linguística o status de ciência.
Anos depois, essa experiência se tornou a chave de leitura que ajudaria a entender
a marginalização do evento na bibliografia da área e a escassez de trabalhos de história
da Linguística a seu respeito. Embora os estudos desenvolvidos a partir da década de 1990
sob a orientação da historiografia da Linguística ou da história das ideias linguísticas
tenham motivado uma mudança na percepção dos linguistas sobre o passado de sua
disciplina, ainda são raros os trabalhos88 da área que abordam o Congresso da Língua
Nacional Cantada pela perspectiva da ciência em contexto, ou seja, considerando as
condições de produção da pesquisa linguística desenvolvida no Brasil naquele momento.
Também é significativo que a maior parte dos estudos recentes89 que tratam do tema
se concentre nas áreas de musicologia, história, literatura ou nas interseções entre elas e
que haja menos interesse justamente numa das áreas privilegiadas pelo evento – a
Linguística. Na maioria dos casos, as referências a respeito aparecem como informação
histórica sobre algum aspecto da variedade brasileira ou da política de línguas do país que
já era discutido pelos congressistas. Na área de Linguística, o único trabalho inteiramente
dedicado a situar e analisar a produção científica apresentada no Congresso da Língua
Nacional Cantada é o artigo de Rodrigues (1992), publicado na Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros.
O texto relaciona a iniciativa aos interesses artísticos e intelectuais de Mário de
Andrade e expõe as descobertas feitas pela autora no acervo do Instituto de Estudos

88 Ver FRANÇA, Angela. Para uma Historiografia de Resolução de Problemas: da ‘Arte de Dizer'
na Pala Carioca às Descrições da Variante Oral do Português Brasileiro (1937-1960).
Universidade de São Paulo, 2003. Ver também os artigos da autora sobre temas correlatos
(FRANÇA, 2001, 2004 e 2006).
89 Ver Berberian (1995), Serpa (2001), Pereira (2006), Herr (2007 e 2009), Matos (2008), Pereira

e Kerr (2004), Teo (2011), Santos (2011) Porter (2016 e 2017), Parpinelli (2018), Oelze (2016).

194
Brasileiros da USP quando a maior parte dessa documentação ainda não tinha sido
descrita nem sistematizada. Rodrigues (1992) conecta o evento às políticas do DC e ao
engajamento de Mário de Andrade nos debates sobre a identidade linguística do país e a
autonomia da variedade brasileira. O trabalho descreve o projeto “Arquivo da Palavra”,
no qual se insere a pesquisa “Pronúncias Regionais do Brasil”, realizada por Mário de
Andrade, Antenor Nascentes e Manuel Bandeira e apresentada no evento em nome da DP.
Uma referência importante na bibliografia da área de Linguística é o ensaio que
introduz o segundo volume da coletânea O Português do Brasil – textos críticos e teóricos
(1981). O texto de Edith Pimentel Pinto (organizadora do volume) descreve a pesquisa
linguística produzida no país entre 1920 e 1945. Ao apresentar o Congresso da Língua
Nacional Cantada e discutir a relevância da iniciativa, a autora registra uma avaliação
bastante difundida entre os linguistas de sua geração. Suas críticas enfocam três questões:
pouco rigor conceitual, falta de metodologia e não-exclusão de fatores extralinguísticos na
abordagem dos fatos linguísticos. Estes seriam, segundo ela, problemas característicos dos
estudos sobre a língua desenvolvidos no Brasil durante a primeira metade do século XX.
Ao comentar os estudos sobre variedades regionais apresentados na sessão de
linguística, Pinto (1981) afirma que os autores desses trabalhos “não se preocupavam
com problemas de conceituação” e que a palavra dialeto “tanto se aplicava, de maneira
geral, ao português do Brasil, quanto a uma de suas variedades regionais, como a do
Nordeste; ou ainda a uma subvariedade local, como o caipira” (PINTO, 1981, p.XIII).
Ela acrescenta que no período entre 1920 e 1945 os “conhecimentos de Dialetologia e de
Linguística [...] refletidos em citações, nem sempre pertinentes, constituíam, com raras
exceções, apenas informação”. Segundo a autora,

quase todos os que se dispunham a abordar o assunto da língua do Brasil, em artigos


ou ensaios, condimentavam velhos conceitos sempre repetidos e já exauridos, e ainda
arrolamentos de traços característicos da variante brasileira, com divagações
extralinguísticas (PINTO, 1981, p.XXXIX-XL).

Pinto (1981) assume que nesse período a determinação de zonas dialetais passa a
ser um dos principais objetivos na agenda da pesquisa linguística, mas avalia que “a falta
de metodologia para pesquisas dialetológicas, que garantisse recolha fidedigna e registro
preciso dos dados, impediu que o material apresentado pelas monografias, então
abundantes, fosse aproveitado”. Ela conclui que “o período 1920-45 corresponde,
portanto, a tentativas armadas de boa vontade, mas não de fundamentação suficiente para

195
enfrentar a tarefa que já se afigurava básica para a caracterização da variante brasileira”
(PINTO, 1981, p.XXXII).
A autora reconhece que há aspectos positivos nessa produção, mas sua avaliação
a respeito se baseia na descoberta de deficiências que persistem na pesquisa linguística
de seu tempo – um raciocínio teleológico. A passagem a seguir confirma essa leitura ao
sustentar que,

conquanto de cunho apriorístico, a contribuição do período 20-45, para a demarcação


de áreas dialetais no Brasil foi positiva, e consistiu na tentativa de trabalhar com os
dados do presente. Deste ângulo, evidentemente, não havia, como ainda não há,
elementos que permitissem esboçar um retrato aproximado da distribuição dos falares
brasileiros, verdade que seria reconhecida, no decênio seguinte (PINTO, 1981, p.XXI).

Embora não deixe de indicar o que considera precário, o “cunho apriorístico” dos
trabalhos, ela percebe como méritos a abordagem da fala como objeto de análise, o
interesse pela investigação empírica e a consequente mudança na agenda de pesquisa.
Pinto (1981) admite que a ciência de seu tempo ainda não era capaz de determinar as zonas
dialetais do país e tampouco as características da variedade brasileira. Isso mostra que o
saber produzido no passado é valorizado com base em sua semelhança com a ciência do
presente até mesmo quando o termo de comparação se encontra nas limitações comuns a
ambos.
O interesse pelas citações acima reside na clareza com que exprimem posições
bastante difundidas ainda hoje, baseadas na interpretação anacrônica do passado e na
ideia iluminista de ciência como saber não situado, produzido por um sujeito cognoscente
universal. Neste sentido, embora dirigidas à produção do período anterior, as críticas da
autora dizem muito sobre a ciência de seu tempo, que comparece implicitamente como
critério de qualidade, fornecendo os parâmetros que possibilitam a comparação. Por isso,
a produção do período 1920 a 1945, incluso o Congresso da Língua Nacional Cantada, é
percebida tantas vezes pela ótica da insuficiência e descrita com base naquilo que
supostamente lhe falta.
A posição expressa por Pinto (1981) deve ser entendida a partir dos critérios de
cientificidade estabelecidos entre as décadas de 1960 e 1970. Difundidos na formação
universitária, esses pressupostos passaram a definir a identidade profissional dos linguistas,
em oposição ao perfil de gramáticos e filólogos das gerações anteriores, e a informar a sua
opinião sobre os conhecimentos do passado. Essa convicção era reforçada pelo prestígio do

196
Curso de Linguística Geral, que extrapolava fronteiras disciplinares, inspirando o
trabalho de linguistas, historiadores, sociólogos, antropólogos, filósofos e psicólogos, e
fornecia a base epistemológica para um processo de modernização das ciências humanas
(COLOMBAT, FOURNIER e PUECH, 2017, p.31).
Na década de 1970, quando a linguística estrutural havia se tornado a perspectiva
teórica dominante, a teoria gerativa começava a conquistar espaço nas universidades
brasileiras. Embora competissem entre si, essas duas abordagens se distinguiam da
linguística histórico-comparativa por razões semelhantes, como a exclusão do
extralinguístico na análise dos fenômenos e a compreensão da língua como uma entidade
abstrata. Auroux (2008) se refere à ideia de ciência difundida nessa época como
“excessivamente idealista” e destaca a influência dessa concepção na pesquisa
historiográfica:

[...] havia “entidades” correspondentes aos “conhecimentos linguísticos”, eles eram,


por definição, abstratos e universais: havia a “ciência”, por sua vez, una e semelhante
a si mesma. A única pergunta que podia surgir para o historiador era a rigor saber se
esta ciência tinha existido desde sempre (AUROUX, 2008, p.147).

A presença desses pressupostos em diferentes orientações teóricas da Linguística


e a sua aceitação generalizada na comunidade acadêmica contribuíram para que a ideia
de ciência referida por Auroux (2008) fosse compreendida como condição epistemológica
absoluta. Essa premissa impediu que os linguistas considerassem científico um saber
construído no passado, com base em outros padrões de cientificidade, e os levou a
interpretar como erros as consequências dessa diferença epistemológica.
Mas esse não é um problema específico da linguística descritiva ou dos linguistas
do século XX. Na história das ciências, é comum encontrar autores que se referem à sua
própria especialidade como a mais qualificada ou a única verdadeiramente científica.
Esse tipo de discurso – que Auroux (2009) chama de mitologia científica e Koerner (2014),
de retórica da revolução – costuma ser utilizado por defensores de uma nova abordagem,
com o objetivo de legitimar sua perspectiva teórica ou demarcar fronteiras disciplinares
para se distinguir das abordagens existentes.
Koerner (2014) explica que no século XIX o nascimento da Linguística como
ciência era associado à publicação de Sobre o sistema de conjugação da língua sânscrita
em comparação com as línguas grega, latina, persa e germânica (1816), de Franz Bopp,
mas que em meados do século August Schleicher demarcou a fronteira entre a Linguística

197
e a Filologia. Ele definiu a Linguística como um estudo objetivo das línguas, baseado no
modelo da História Natural, capaz de determinar as leis que regem sua evolução e suas
relações de parentesco, e a Filologia como uma disciplina histórica e interpretativa que
investiga a cultura e o pensamento de um povo, utilizando a língua apenas como um meio
para acessá-los (KOERNER, 2014, p.69).
Em 1885, quando a Linguística era considerada uma disciplina autônoma e já não
precisava se prevenir da “intromissão” de outras especialidades, Karl Brugmann, um dos
principais nomes associados ao programa neogramático, argumentou que Filologia e
Linguística não eram opostas e que deviam ser encaradas como saberes complementares.
Brugmann reconhecia que a separação foi útil no passado, porque ajudou a estabelecer a
identidade da disciplina, mas considerava que isso já não fazia sentido naquele momento,
quando a Linguística já tinha se estabelecido como uma ciência independente da filologia
clássica.
Schleicher foi o mais influente teórico da linguagem do século XIX e, apesar de
criticada, a sua distinção continuou a ser utilizada, moldando a percepção de linguistas
das gerações seguintes. Na década de 1920, quando a linguística estrutural se constituía
como abordagem inovadora, a oposição passou a ser entre uma “linguística tradicional”,
de orientação histórico-comparativa, e uma “linguística moderna”, de caráter sincrônico
e descritivo, baseada na obra de Saussure (KOERNER, 2014, p.71). Essa oposição entre
estruturalismo e comparatismo foi retomada em outros momentos, seguindo o processo
de institucionalização da linguística descritiva fora do contexto europeu.
Na década de 1970, quando o estruturalismo já tinha se estabelecido no Brasil, se
intensificaram as disputas por hegemonia teórica no âmbito da Linguística, suscitadas
agora pelos adeptos da teoria gerativa. Essa abordagem foi desenvolvida por Chomsky e
seus colaboradores, que a consideravam uma ruptura epistemológica mais decisiva do
que aquela reivindicada pelos estruturalistas, declarando ser esse o início da Linguística
científica... 90 Neste contexto, é bastante provável que tenha se intensificado o estigma
lançado sobre os estudos realizados no Brasil no início do século XX.
Embora discorde da avaliação de Pinto (1981) a respeito do Congresso da Língua
Nacional Cantada, acredito que o debate sobre a cientificidade da pesquisa linguística
produzida no Brasil naquele período é pertinente e extremamente relevante para a pesquisa
sobre história da Linguística. Para discutir essa interpretação e demonstrar a singularidade

90 Para uma versão mais recente desse argumento, ver Dillinger e Palácio (1997).

198
epistemológica do Congresso da Língua Nacional Cantada, vou recorrer à abordagem
desenvolvida pela historiadora Loraine Daston em seus trabalhos sobre a história da
objetividade científica.
Daston mostra a historicidade de categorias epistemológicas elementares, presentes
tanto nas ciências naturais quanto nas ciências humanas. Ela investiga a gênese e o
desenvolvimento de atributos como objetividade, imparcialidade e facticidade percebidos
como princípios absolutos e atemporais até mesmo pelos historiadores. O consenso sobre
a universalidade dessas noções é o que leva, de acordo com a autora, um historiador das
ciências a se perguntar quando um determinado saber cruzou a fronteira da objetividade,
mas não de que maneira essa fronteira foi traçada, como se a objetividade fosse, ela
própria, um fenômeno natural (DASTON, 2017, p.16).
Sua obra faz parte de um programa de investigações mais amplo, a epistemologia
histórica, que ela define como

a história das categorias que estruturam nosso pensamento, que modelam a


nossa concepção da argumentação e da prova, que organizam nossas práticas,
que validam nossas formas de explicação e que dotam cada uma dessas
atividades de um significado simbólico e de um valor afetivo (DASTON,
2017, p.72).

Entre os objetos da epistemologia histórica estão a história das diversas formas


de observação científica especializada, as mudanças nos critérios para se estabelecer um
fato científico, as diferentes concepções de objetividade e sua necessidade nos contextos
em que foram formuladas, a relação entre as virtudes epistêmicas valorizadas e os códigos
morais que regem a conduta dos cientistas e as emoções cognitivas que viabilizaram
determinadas formas de racionalidade.
Daston observa que algumas coisas se tornaram objeto da ciência e outras não.
Não existe, por exemplo, uma ciência das nuvens de poeira em dias de ventania ou dos
diferentes tipos de pulo.91 Mas há uma ciência da genealogia das línguas e uma ciência
das formas dos cristais. Da mesma forma, muitos objetos investigados pela ciência no
passado deixaram de sê-lo e outros inteiramente novos surgiram com o passar do tempo.
“Domínios inteiros da experiência – sonhos, eletrofosforescência, harmonias musicais –

91A “pulologia” ou “saltologia” (jumpology) não é uma ciência, mas um gênero fotográfico criado
por Philippe Halsman na década de 1950, quando ele trabalhava como fotógrafo da revista Life.

199
oscilaram para fora e para dentro do campo da facticidade desde o século XVII”
(DASTON, 2017, p.56), quando o empirismo se tornou um princípio básico para a ciência.
Ela mostra que no século XVII, a concepção de experiência que fundamentava a
Filosofia Natural se deslocou dos universais para os particulares. A tradição filosófica
aristotélica estabelecia um conhecimento causal baseado em demonstrações dedutivas a
respeito de entidades universais, que eram formuladas através da supressão das
singularidades de cada caso e da generalização de aspectos comuns aos fenômenos de
uma mesma categoria. A noção de experiência consistia em reconhecer esses universais
a partir daquilo que acontece na maioria das vezes.
A substituição dos universais por eventos particulares abriu espaço para o interesse
por raridades e aberrações que pudessem complementar ou corrigir as distorções presentes
nas concepções anteriores. A chamada Filosofia Preternatural surge nesse contexto como
ramo da Filosofia Natural dedicado ao estudo de fenômenos raros ou inexplicáveis, mas
que fazem parte da natureza. Os relatórios e anuários publicados pelas sociedades
científicas e academias de ciência da época traziam diversos relatos de eventos

considerados maravilhas devido a seu modo de operar oculto da percepção.


Tais eram a atração magnética, os venenos ou as propriedades de certos
animais, plantas e minerais: por exemplo, o poder da urina do javali selvagem
para curar dor de ouvido, o da ametista para repelir granizo e gafanhotos. [...]
Outros objetos e fenômenos pertenciam à filosofia preternatural porque eram
raros: videiras barbudas, terremotos, três sóis no céu, chuvas de sangue, gatos de
duas cabeças, pessoas que dormiam por meses ou lavavam as mãos em chumbo
fundido, visões de exércitos guerreando nas nuvens (DASTON, 2017, p.83).

Os membros desses coletivos instituíram um novo tipo de sociabilidade científica,


procurando se distinguir daquilo que consideravam uma atitude pedante e polemista da
escolástica universitária. Eles insistiam na civilidade dos interlocutores, por exemplo ao
proibir xingamentos durante as sessões, e apreciavam fenômenos heteróclitos, capazes de
desconcertar as teorias de todos os lados, evitando conflitos e competições internas. Esses
fenômenos, que desarticulavam o nexo aristotélico que leva dos eventos particulares aos
universais da experiência, foram os primeiros tipos de fato científico (DASTON, 2017,
p.55).

200
Daston explica que o interesse por raridades e aberrações marca a emergência de
um tipo de sensibilidade que caracteriza a ciência moderna – a curiosidade.92 Nesse
período, ela se tornou um tipo de consumismo, como aquele que alimentava o comércio de
artigos de luxo. As coisas mais diminutas, secretas e difíceis fascinavam os investigadores,
que se tornaram ávidos por detalhes inexauríveis e pela multiplicidade de aspectos de um
único objeto (DASTON, 2017, p.57-58). “Os filósofos naturais do século XVII se viam
como membros de um coletivo internacional [...] e viam o empirismo como um
empreendimento colaborativo”, baseado na confiança mútua entre investigadores, e não na
reprodutibilidade dos fenômenos relatados (DASTON, 2017, p.53-54).
Até então, a produção de um conhecimento a partir de eventos singulares era uma
característica da História. Quando os universais aristotélicos foram abandonados e os
fenômenos passaram a ser concebidos a partir de eventos particulares, a Filosofia Natural
incorporou critérios de validação do saber utilizados na História e no Direito. A
necessidade de acumular dados levou à busca “por uma multidão de testemunhas, cada
testemunho sendo cuidadosamente avaliado de acordo com seu grau de credibilidade
segundo critérios como família, sexo, idade, caráter e posição social” (DASTON, 2017,
p.53).
Os filósofos naturais confiavam em seus pares, mas fora desse círculo restrito a
avaliação se baseava nos mesmos critérios considerados para credibilizar ou colocar sob
suspeita um testemunho qualquer. O ceticismo em relação aos observadores era algo
inconcebível nesse contexto, pois a

confiança entre filósofos naturais, bem como o acesso a lugares nos quais eram
produzidos os detalhes experimentais, era estendida a cavalheiros, seguindo
códigos de honra e cortesia que santificavam a palavra de um cavalheiro, não
importando quão implausível seu relato, e abriam sua casa (onde a maioria
dos experimentos ocorria) para outros cavalheiros, por mais inconvenientes
que fossem as visitas (DASTON, 2017, p.54).

92Daston observa que os “objetos preternaturais poderiam perder seu caráter especial devido a
superexposição. Assim como inundar o mercado com chifres de nerval trouxe o preço do “chifre
de unicórnio” de 6000 florins em 1492 para algo em torno de 32 florins em 1632, a maravilha de
ontem pode se tornar o lugar-comum de hoje” (DASTON, 2017, p.83).

201
Daston (2017) se refere a essa forma de “civilidade científica” como uma
“economia moral”, conceito que se refere às condições sociais e afetivas93 que viabilizam
as formas de racionalidade necessárias ao trabalho científico. Ela explica que a economia
moral do empirismo do século XVII “definiu padrões de evidência, estipulou as formas da
facticidade, selecionou certos objetos como dignos de investigação e acelerou a taxa desta
investigação” (DASTON, 2017, p.58-59).
Os fenômenos preternaturais continuaram a ser considerados objetos da ciência
até o início do século XVIII, quando ainda figuravam nos Philosophical Transactions of
the Royal Society de Londres e na Histoire et Mémoires de l’Académie Royale des
Sciences de Paris. Mas as condições epistemológicas que sustentavam o interesse científico
por esses fenômenos se dissolveram em meados daquele século, com a emergência de

uma nova metafísica e uma nova sensibilidade, que afrouxaram sua coerência
sem destruir seus elementos. A nova metafísica substituiu a natureza variada
e variável da filosofia preternatural por uma que era uniforme e simples; a
nova sensibilidade trocou a maravilha pela diligência, a curiosidade pela
utilidade (DASTON, 2017, p.89).

Apesar de sua vida curta, essa ciência dos objetos heteróclitos diz muito sobre as
formas de racionalidade estabelecidas a cada momento pela ciência e o modo como elas
“se sobrepõem à experiência bruta para destacar alguns fenômenos e ocluir outros”
(DASTON, 2017, p.79).
Examinar a ciência desta perspectiva permite vislumbrar a dimensão ontológica da
observação científica. A especificidade das técnicas e dos instrumentos utilizados para esse
fim demonstra que a ciência depende das habilidades perceptuais adquiridas pelos seus
praticantes. Embora os pressupostos, os tipos de sensibilidade, os procedimentos e os
materiais utilizados variem de uma época para outra, a especialização da percepção é uma
constante que distingue os cientistas e contribui para a constituição da sua subjetividade.
Essa capacidade é desenvolvida aos poucos, disciplinada pelo hábito e reforçada pelos
prazeres estéticos decorrentes da percepção hábil (DASTON, 2017, p.97 e 105).
É a observação que estabelece os fatos científicos e constrói os objetos a serem
investigados. “A ontologia diz respeito a como os cientistas preenchem o universo com

93Daston define a “economia moral” como “uma rede de valores saturados de afeto que se
sustentam e funcionam num relacionamento bem definido um com o outro [...] um sistema
balanceado de forças emocionais, com pontos de equilíbrio e constrições” (DASTON, 2017, p.39).

202
objetos que são passíveis de investigações e sondagens contínuas, mas que raramente
correspondem aos objetos da percepção cotidiana” (DASTON, 2017, p.92). A percepção
especializada “não cria o universo, mas molda e classifica, delineando limites precisos e
agrupando partes em totalidades” (DASTON, 2017, p.95-96). As imagens científicas são
exemplos de objetos cuja inteligibilidade assenta na dimensão ontológica da observação.
As gravuras produzidas pelos naturalistas desde o século XVI procuravam
representar um universal, e não um espécime singular. Essas imagens (ver figura 25) são
intencionalmente lacônicas e esquemáticas, pois sintetizam dezenas ou mesmo centenas
de amostras cuidadosamente analisadas e memorizadas. Por acreditar que “as verdades
da natureza eram universais e duráveis, e não particulares e variáveis” (DASTON, 1999,
p.85), os naturalistas comparavam as formas divergentes para descobrir o essencial que
estaria oculto sob a diversidade dos casos particulares. A intervenção do cientista, que
seleciona certos aspectos e descarta outros, era necessária para construir o objeto.

Figura 25 – Gênero Anemone

Representação do gênero Anemone,


por Isaac Sprague e Asa Gray em
The Genera of the Plants of the United
States (1849) (DASTON, 2017, p.99).

Já os mapas científicos do século XIX não se baseiam nas premissas aristotélicas e


testemunham outra forma de ontologia da observação. Daston menciona como exemplo os

203
mapas de Alexander von Humboldt (ver figura 26), que registram as características
climáticas, o relevo e as formas de vegetação encontradas em cada região do mundo,
criando o que ele chamou de “fisionomia das paisagens”. Essas imagens proporcionam
uma percepção global, inacessível ao observador situado em algum desses locais, ao
indicar

combinações típicas de clima, topografia, flora e fauna que poderiam ser


avaliados num golpe de vista pelo observador experimentado. Os mapas
humboldtianos transformaram tabelas indigestas de números em gestalts, tão
facilmente reconhecíveis quanto um rosto familiar; colunas e colunas de leituras
de temperatura foram convertidas em curvas isotérmicas de abrangência global
(DASTON, 2017, p.105).

Figura 26 – Mapa humboldtiano

Sistema de curvas isotérmicas de Alexander von Humboldt em Kosmos: Entwurf einer physischen
Weltbeschreibung (1845-1862) (DASTON, 2017, p.107).

Com base na análise da observação científica em diferentes contextos históricos,


Daston mostra que a objetividade não é um princípio monolítico, que ela tem uma história
em curso e se apresenta de diferentes maneiras ao longo do tempo. A rigor, objetividade é
uma noção negativa que “nasce do medo que certas facetas do “eu” ameacem perigosamente
o conhecimento” (DASTON, 1999, p.82). A autora identifica diversos tipos de objetividade,
que se definem por contraste com o tipo de subjetividade que procuram suprimir. E observa

204
que os significados associados a cada um desses tipos formam as camadas de sentido que
a noção de objetividade invoca em diferentes contextos históricos.
A camada mais antiga remete à filosofia escolástica, onde “objetivo” tinha sentido
ontológico, e não epistemológico. Esse atributo se aplicava aos objetos do pensamento e
não àqueles objetos passíveis de observação, pertencentes ao mundo externo. Os vestígios
do sentido escolástico aparecem ainda nos escritos filosóficos dos séculos XVII e XVIII.
Descartes o retomou quando se referiu às “gradações de “realidade objetiva” contidas em
várias ideias”. Kant o ressignificou com a noção “validade objetiva”, que não se refere “a
objetos externos in se, mas sim a categorias relacionais (tais como tempo, espaço e
causalidade) que são as precondições da experiência” (DASTON, 2017, p.19).
Na língua francesa, a palavra objectif foi usada por muito tempo como sinônimo de
positif. No século XVIII, ela era definida primeiro como “a parte do microscópio que tem o
mesmo nome em inglês” e recebia uma definição secundária, de caráter ontológico, que diz
respeito aos “graus de realidade intrínseca”. Em meados do século XIX, esse tipo metafísico
de objetividade, que Daston chama de “objetividade ontológica”, foi utilizado para se referir
a “o “realmente real”, isto é, objetos eles mesmos independentes de todas as mentes”, como
garantia “da “verdade objetiva” de uma afirmação científica” (DASTON, 2017, p.15).
Também em meados do século XIX, surgiram outros dois tipos de objetividade,
diretamente relacionados à dimensão metodológica da observação científica. O primeiro
deles aparece no artigo A Doutrina das Chances (1878), de Charles Sanders Peirce, que
associa a validade das inferências científicas ao compromisso com toda uma comunidade
de investigadores, colocando em segundo plano os interesses pessoais. Essa concepção surge
num contexto em que o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação possibilitou
novas formas de colaboração internacional baseadas em redes de observadores de diferentes
países.
Um caso emblemático desse tipo de colaboração é o esforço coletivo que resultou
na publicação do primeiro Atlas Internacional de Nuvens (1896). O primeiro sistema de
classificação de nuvens, criado em 1803, se baseava em três padrões básicos – cirrus,
cumulus e stratus. Mas na década de 1870 esse esquema já tinha se fragmentado, dando
origem a outras tipologias, de modo que a palavra utilizada para designar cada padrão
não remetia à mesma forma de maneira consensual. “Um observador sueco, português
ou britânico poderia designar coisas diferentes pelo nome cirrostratus; observadores fora
da Europa divergiam de modo ainda mais amplo entre si” (DASTON, 2017, p.101).

205
Como não podiam prescindir de observadores humanos e necessitavam de dados
de todas as partes do mundo, os meteorologistas contaram com a ajuda de marinheiros,
fazendeiros e outros tipos de observadores amadores. A formação dessa comunidade
internacional para observação de nuvens tornava necessário estabelecer objetos científicos
claros e ensinar os observadores de diferentes países a perceber esses objetos da mesma
maneira. O caráter evanescente desses objetos exigia do observador a capacidade de captar
instantaneamente a fisionomia da forma observada. Depois de comparar os principais
sistemas de classificação, os meteorologistas concluíram que, no conjunto das designações
utilizadas, apenas três eram associadas à mesma forma por diferentes observadores.
Como a eficácia da classificação dependia de hábitos de percepção compartilhados,
os termos técnicos em latim – que eram pouco intuitivos para os observadores amadores –
foram associados a palavras do vocabulário vernacular de diferentes línguas, privilegiando
imagens como ovelha, cavalinha e carvão gigante, que eram mais usuais. Daston destaca
que as categorias que foram associadas a metáforas visuais já conhecidas apresentaram
maior eficácia descritiva do que aquelas referidas apenas pela terminologia técnica
utilizada pelos meteorologistas. O primeiro Atlas internacional de Nuvens foi publicado
pelo Comitê Meteorológico Internacional em 1896, com edição trilíngue.
Esse tipo de colaboração corresponde ao que Daston chama de “objetividade
comunitária”, aquela que busca suprimir “a subjectividade da idiossincrasia e do
paroquialismo, não apenas do cientista individual, mas também dos grupos de
investigação” (DASTON, 1999, p.90). Sua vigência nas ciências naturais tornou possível
estabelecer hábitos de percepção coletivos, baseados em “vastos sistemas de observação
com métodos e instrumentos estandardizados” (DASTON, 1999, p.91). A autora explica
que a objetividade comunitária opera tanto na dimensão metodológica, com a superação
das “escalas antropocêntricas de tempo e espaço” (DASTON, 1999, p.92), quanto na
dimensão moral, com o privilégio da coletividade acima de investigadores individuais ou
de equipes de pesquisa.
Outro tipo de objetividade relacionado à dimensão metodológica da observação
científica é o que Daston denomina “objetividade mecânica”. Ela foi formulada de maneira
explícita em O método gráfico nas ciências experimentais e particularmente em fisiologia
e medicina (1878), de Etienne-Jules Marey, que é o criador do fuzil fotográfico (ver figura
27), dispositivo capaz de captar uma sequência de imagens com intervalos de frações de
segundo. Marey se referiu a suas fotografias de animais em movimento (ver figura 28)

206
como a “linguagem dos próprios fenômenos”, como se elas fossem isentas de qualquer
interferência humana.

Figura 27 – Fuzil fotográfico

Fuzil fotográfico de Marey. Ilustração publicada em Physiologie du


mouvement: le vol des oiseaux. Paris: G. Masson, 1890, p.133.

Figura 28 – Cronofotografia

Voo descendente de um pelicano. Cronofotografia94 que serviu de base para a ilustração publicada
em Physiologie du mouvement: le vol des oiseaux. Paris: G. Masson, 1890, p.281.

A objetividade mecânica se baseia no que Daston chama de “epistemologia da


autenticidade”. Essa busca de uma realidade anterior à percepção corresponde à concepção
do dado como uma dádiva, aquilo que é “concedido sem esforço a partir da graça”, e na
convicção de que os seres humanos tendem a distorcer involuntariamente os registros

94Disponível em https://efecetera.com/historia-da-fotografia-2/etienne-jules-marey-e-a-cronofotografia.
Acessado em 01/05/2021.

207
produzidos através da observação (DASTON, 2017, p.60). O mesmo anseio se revela na
ideia de que assistentes sem formação seriam observadores mais confiáveis. Por exemplo,
Claude Bernard, que é considerado o criador da medicina baseada em evidências,

dividia o trabalho de um experimento entre o projeto, a ser confiado à mente


do cientista, equipada com as hipóteses, e a execução, levada a cabo pelos
sentidos “que observam e anotam”, ou mesmo por um “homem sem
instrução... que não sabe nada da teoria” e dessa forma é capaz de ver “novos
fatos não percebidos por um homem preocupado com a teoria” (DASTON,
2017, p.62).

Em meados do século XIX, Claude Bernard hesitava em adotar esse procedimento


em larga escala, com receio de “elevar a ignorância a um princípio”. Por ser mais barato,
o emprego de mão de obra sem formação era considerado um meio de ampliar a quantidade
de dados desde o início do século. Em 1826, o astrônomo real inglês John Pond afirmou
que, para viabilizar sua pesquisa, precisava

de burros de carga infatigáveis, trabalhadores e, acima de tudo, obedientes (é


assim que devo chamá-los, embora eles sejam burros de carga de uma ordem
superior), homens que ficarão satisfeitos em passar metade do dia usando suas
mãos e olhos no ato mecânico de observar, e a outra metade no processo
enfadonho de calcular (apud DASTON, 2017, p.62).

Apesar das tentativas de utilizar mão de obra humana para industrializar a produção
de dados, seguindo a tendência dominante em outras atividades, prevaleceu a tendência
a suprimir a intervenção humana na observação da natureza. A objetividade mecânica
aparece como princípio comum em diferentes procedimentos: no “uso de máquinas,
como dispositivos de autoinscrição ou a câmera, ou mediante procedimentos científicos
mecanizadores, como o uso de técnicas estatísticas para escolher o melhor conjunto de
observações” (DASTON, 2017, p.60). Mas a fotografia científica foi a sua expressão mais
emblemática.
A preferência inicial pela fotografia em detrimento de outras técnicas de registro
visual, que exigem uma dose maior de intervenção humana, revela a motivação moral
que está na base da objetividade mecânica. As vantagens que o registro fotográfico tem
a oferecer no século XIX não são necessariamente precisão ou verossimilhança.

208
Mesmo a mais nítida das fotografias está pejada de detalhes estranhos, peculiares
ao acontecimento ou ao objecto individual fotografado, sobrecarregando
os poderes de reconhecimento de padrão e de generalização do observador
para constituir a classe de objectos ou fenômenos assim representados
(DASTON, 1999, p.90).

Os desenhos coloridos executados por naturalistas superavam a imagem fotográfica


enquanto cópia daquilo que pode ser observado. Nessas circunstâncias, a preferência pelo
registro mecânico, apesar de sua qualidade inferior, aparece como prova da honestidade
do cientista, o que contribui para credibilizar seus resultados – mesmo que imprecisos.
A prevalência do benefício moral acima da necessidade epistemológica mostra que a busca
da objetividade nem sempre coincide com a busca “da verdade, ou da certeza, ou do alcance
explicativo” (DASTON, 1999, p.81). Quando essas virtudes epistemológicas entram em
conflito, os cientistas são forçados a fazer uma escolha.

Adoptar a objectividade incorporada nos instrumentos científicos pode


significar sacrificar a objectividade incorporada nos métodos estatísticos de
análise, isto é, sacrificar a impessoalidade da observação ao rigor da
observação. É uma escolha – uma escolha que possivelmente começou a
verificar-se apenas em meados do século XIX – preferir a objectividade às
outras virtudes epistemológicas como a verdade ou a certeza. E mesmo no
interior do regime da objectividade, o cientista pode ter de escolher entre
vários tipos de objectividade (DASTON, 1999, p.83).

Daston mostra que no século XIX surgiu também um tipo de objetividade com
sentido moral, que ela chama de “objetividade aperspectivística”. Embora seja a mais
recente das camadas que formam o conceito de objetividade, essa acepção é aquela que
predomina, segundo a autora, no uso corrente. A objetividade aperspectivística se define
pela “eliminação de idiossincrasias individuais (ou ocasionalmente coletivas, como no
caso de estilos nacionais ou antropomorfismos)”, ou seja, pela supressão de toda e qualquer
característica do observador, daquilo que lhe confere uma perspectiva. Como sintetiza o
filósofo Thomas Nagel, a “visão a partir de lugar nenhum” (DASTON, 2017, p.17).
Esse tipo de objetividade aparece primeiro na estética e na filosofia moral da
segunda metade do século XVIII. Com base na convicção de que existem padrões
universais do belo, David Hume recomendava a supressão da perspectiva individual na
apreciação da obra de arte (DASTON, 2017, p.23). A concepção de “expectador imparcial”

209
aparece com um sentido moral na primeira obra de Adam Smith, intitulada Teoria dos
Sentimentos Morais ou Ensaio para uma análise dos princípios pelos quais os homens
naturalmente julgam a conduta e o caráter, primeiro de seus próximos, depois de si
mesmos (1759).
Smith contrastava as disputas constantes entre os poetas, interessados em elevar
a própria reputação, com a atitude (supostamente) desinteressada de matemáticos e
filósofos naturais. Esse desinteresse significava tanto indiferença à opinião pública
quanto certeza total ou aproximada com base em demonstrações, e não no próprio gosto.
Seu elogio se refere ao tipo de sociabilidade estabelecido nas academias e sociedades
científicas da época para que seus membros se distinguissem dos escolásticos. No entanto,
como observa Daston, os filósofos naturais do século XVIII não afirmavam esse ideal de
autosupressão, que “seria incompatível com o regime de competências e hierarquia que
caracterizavam a prática científica” (DASTON, 2017, p.18).

Somente em meados do século XIX a objetividade aperspectivística foi


importada e naturalizada para o ethos das ciências naturais, como resultado de
uma reorganização da vida científica que multiplicou os contatos profissionais
em todos os níveis, das comissões internacionais aos laboratórios cheios de
profissionais. A objetividade aperspectivística tornou-se um valor científico
quando a ciência passou a consistir principalmente em comunicações que
atravessavam fronteiras de nacionalidade, treinamento e habilidade (DASTON,
2017, p.18).

Esse tipo de objetividade só foi instituído quando a produção científica passou a


depender da interlocução cada vez mais frequente e impessoal entre indivíduos com graus
diversos de especialização. “A ciência tem sido colaborativa, pelo menos em princípio, desde
o século XVII, e o cosmopolitismo era o leitmotiv da ciência do Iluminismo. Mas a República
das Letras do século XVIII ainda não era uma comunidade científica no sentido moderno”.
A rede de correspondentes que conectava membros de academias e sociedades científicas
era bem mais seletiva e, “mesmo se a relação nunca progredisse de parceiros de cartas para
encontros cara a cara, as correspondências frequentemente evoluíam de cordiais para
íntimas, com revelações pessoais espalhadas em meio a descobertas científicas”
(DASTON, 2017, p.28). Por isso, Daston diz que a comunicabilidade é a essência da
objetividade aperspectivística.

210
Mas essa mudança não se reflete apenas na adaptação dos hábitos comunicativos
ao fluxo crescente de informações e a novas formas de sociabilidade científica. Ela teve
um impacto significativo na construção do objeto da ciência, que foi homogeneizado para
responder melhor às demandas da comunicabilidade. “Os próprios fenômenos tiveram
que ser podados e filtrados, pois alguns eram muito variáveis ou caprichosos para viajar
bem” através da rede de investigadores. Como explica Daston,

em meados do século XIX, a redução da natureza ao comunicável havia se


tornado prática padrão entre cientistas. Seria um exagero, mas não uma
distorção, afirmar que a comunicação científica foi a pré-condição para a
uniformidade da natureza e não o contrário (DASTON, 2017, p.29).

O observador intercambiável foi instituído como garantia do caráter público do


conhecimento e a habilidade individual se tornou uma virtude indesejável. O privilégio
de um conhecimento mais acessível levou à percepção da habilidade individual como um
requisito dispendioso, que não poderia ser alcançado apenas com uma formação técnica
(DASTON, 2017, p.32), e como uma virtude um tanto suspeita. O conhecimento baseado
na habilidade exigiria a avaliação individual de cada observador para mensurar a
credibilidade dos resultados apresentados.

A objetividade aperspectivística era o ethos do observador intercambiável e


portanto desprovido de traços distintivos – sem as marcas da nacionalidade,
obtusidade ou acuidade sensorial, treino ou tradição; aparelhos peculiares, escrita
pitoresca ou qualquer outra idiossincrasia que possa interferir com a comunicação,
comparação e acumulação de resultados (DASTON, 2017, p.29-30).

Esse tipo de objetividade se constituiu como um sistema de valores que determina


a conduta a ser adotada pelos membros de uma comunidade científica. Daston mostra que
esses valores são inegavelmente morais e que deixaram marcas notórias na atitude dos
cientistas, “em sua cada vez mais forte preferência por métodos e observações
mecanizadas, sua cada vez mais refinada divisão do trabalho científico e em seu foco cada
vez mais exclusivo na comunicabilidade” (DASTON, 2017, p.35-36). E acrescenta que o
enraizamento desses valores resulta “desse caráter moral, não de sua validade metafísica”
(DASTON, 2017, p.36).
A tabela abaixo sistematiza os quatro tipos de objetividade descritos pela autora,
incluindo seus respectivos sentidos, definições e atributos.

211
Tabela 4 – Concepções de objetividade científica

SENTIDO TIPO DE OBJETIVIDADE O QUE ESTABELECE O QUE DESCARTA

objetividade a verdade de uma a consciência a respeito


metafísico
ontológica afirmação científica dos fenômenos

a percepção compartilhada as limitações cognitivas


objetividade coletiva
entre os observadores de indivíduos ou grupos
metodológico
os procedimentos que a tendência a interpretar
objetividade mecânica
fundamentam a descoberta e estetizar os fenômenos

objetividade a homogeneidade dos as idiossincrasias do


moral
aperspectivística fenômenos observados observador individual

Embora diferentes entre si, esses quatro tipos de objetividade se associam e se


reforçam mutuamente. Por isso, “deslizamos facilmente de sentenças acerca da “verdade
objetiva” de uma afirmação científica, para aquelas acerca dos “procedimentos objetivos”
que fundamentam um achado, para aquelas acerca da “conduta objetiva” que qualifica
um pesquisador” (DASTON, 2017, p.15). Ao que parece, a conexão entre as dimensões
metafísica, metodológica e moral é o que nos leva a perceber a objetividade como uma
categoria a priori, um princípio absoluto sem origem aparente.

Figura 29 – Conexão entre diferentes tipos de objetividade

objetividade
coletiva

objetividade objetividade
ontológica aperspectivística

objetividade
mecânica

Daston mostra que a ciência é uma construção social, que nem mesmo as categorias
epistemológicas que a orientam são resultado da simples necessidade lógica. A pesquisa
científica é condicionada não só pelas características do objeto investigado, mas também

212
por um conjunto de escolhas feitas pelos cientistas com base em seus próprios interesses.
Essas escolhas procuram acomodar os fenômenos às condições em que são investigados,
de modo a maximizar a capacidade de produção, avaliação e circulação do conhecimento.
Uma espécie de “estratégia dos fins” (AUROUX, 2020, p.374), que conforma não só os
objetos da ciência, mas também a intuição dos cientistas e os sistemas de valores que
orientam a sua conduta.
O Congresso da Língua Nacional Cantada exemplifica a adoção dessa estratégia ao
enquadrar como variedade em uso um padrão baseado na pronúncia carioca, mas produzido
in vitro (CALVET, 2007) e desconhecido para a maioria dos possíveis usuários – atores e
cantores eruditos brasileiros – e para a população em geral. Ao declarar que, salvo nas
exceções indicadas, “a pronúncia obedece ás tendências e leis fonéticas da lingua-padrão”,
as NBP atribuem à nova variedade um status científico similar ao de normas locais de línguas
pluricêntricas como espanhol, francês e inglês. Ou seja, a representação da pronúncia padrão
como fato científico precede a sua própria existência como realidade empírica.
Naquele contexto, o estudo da língua se baseava na orientação histórico-
comparativa, perspectiva na qual a historicidade e a empiricidade dos fenômenos
considerados eram requisitos fundamentais para a sua constituição como objeto do
conhecimento. Essas duas virtudes epistemológicas já eram reivindicadas pelos defensores
da autonomia da variedade brasileira e ressignificadas pelos partidários da identidade
linguística entre Brasil e Portugal no debate sobre a denominação da língua e sobre a
existência de uma “língua brasileira”. Nesse debate, os argumentos de cada parte se
baseavam em pressupostos distintos, que revelam a coexistência de diferentes critérios de
cientificidade sob o mesmo referencial teórico.
A autonomia da variedade brasileira era defendida com argumentos históricos
quando a sua trajetória evolutiva era comparada à formação do português europeu a partir
do latim popular. Essa comparação se dava tanto na dimensão sociológica, com a analogia
entre os “barbaros da Lusitânia” e os povos indígenas e africanos, quanto na dimensão
fonética, com a analogia entre as variações fonéticas observadas nas variedades regionais
brasileiras e as mudanças fonológicas que deram origem ao português europeu. Já a tese
contrária associava a historicidade da língua à conservação de sua “feição idiomática”, isto
é, dos “traços fundamentais do seu tipo glótico”.
O requisito da empiricidade também era interpretado de maneira diferente por
cada um dos lados. Para os defensores da emancipação linguística em relação a Portugal,
a língua se manifesta antes de tudo na forma oral e a quantidade de diferenças – sobretudo

213
fonéticas e vocabulares – observadas ao comparar a variedade brasileira e o português
europeu prova que cada um segue uma trajetória evolutiva própria. Assim, os dados
empíricos comprovariam que a variedade brasileira se tornava, cada vez mais, um novo
idioma. O argumento contrário considerava a forma escrita como principal manifestação
da língua e encontrava nesse tipo de registro os dados empíricos sobre a sua evolução.
Como a documentação textual brasileira era escassa, bastante recente e baseada na norma
do português europeu, parecia inegável que a língua é a mesma em ambos os países.
Ao elaborar o anteprojeto e promover um debate científico sobre a padronização
da pronúncia, Mário de Andrade pretendia dar mais um passo em direção à autonomia da
variedade brasileira. Sua iniciativa privilegiava a normatividade, virtude epistemológica
associada à padronização, cuja indefinição conferia à variedade brasileira uma posição
subalterna em relação ao português europeu. Ao colocar em discussão a pronúncia cantada,
Mário de Andrade aborda o problema da normatividade a partir de sua área de especialidade,
evitando os percalços que encontrou anteriormente. Como os estudos sobre a língua oral eram
ainda incipientes no Brasil, a polarização que marcava os debates sobre a linguagem literária
e sobre a unificação da ortografia poderia ser manejada de outra maneira, com o auxílio das
pesquisas científicas mais recente, no debate sobre a pronúncia cantada.
Não foi por acaso que as comunicações baseadas em projetos do DC apresentaram
enfoques inovadores no estudo da língua. Gravações das pronúncias regionais, mapas
linguísticos e gráficos oscilatórios de fonemas tinham um impacto similar ao de descobertas
recentes como a detecção de ondas gravitacionais ou a fotografia de um buraco negro,
montada com imagens produzidas por telescópios situados em diferentes partes do planeta.
Os resultados dessas pesquisas levaram a discussão sobre a língua a um ponto em que há
mais perguntas do que respostas e funcionaram, naquele contexto, como os fenômenos
preternaturais referidos por Daston (2017). O caráter surpreendente e até inusitado dessas
pesquisas desarticulava a polarização ao desencorajar afirmações apriorísticas ou categóricas
demais, o que amenizava os conflitos e favorecia a colaboração entre os participantes.
As atividades do Congresso da Língua Nacional Cantada mostram a coexistência,
nos estudos linguísticos, de critérios de cientificidade baseados em três camadas históricas
distintas. A mais antiga delas remete à epistemologia aristotélica, presente na História
Natural, que pode ser observada tanto na gramática filosófica quanto, de maneira residual,
nos primórdios da linguística histórico-comparativa. O argumento da unidade linguística
entre Brasil e Portugal se baseava na representação dos fenômenos linguísticos a partir de
universais da experiência e, por conseguinte, na percepção das formas características da

214
variedade brasileira como meras variantes, que não contradizem a norma portuguesa, ou
como deturpações da língua, nos casos em que a discrepância era flagrante.
Essa abordagem se verifica, por exemplo, na caracterização dos pronomes, um caso
em que a representação baseada na generalização a partir de universais coincide com os
dados da documentação escrita, mas contrasta com as regularidades da língua oral. No
contexto brasileiro, descrever o uso dos pronomes somente a partir da escrita – regulada
pela norma portuguesa – equivale a representar todo um gênero botânico a partir de um
conjunto de características encontradas em diversas espécies (ver figura 25). Uma abstração
sem paralelo na experiência empírica, que ignora deliberadamente a variabilidade dos casos
particulares em nome da generalidade da representação produzida.
A segunda camada epistemológica remete ao programa neogramático, que enfatiza
o empirismo baseado nos sentidos, sob a inspiração da ciência de meados do século XIX.
No contexto brasileiro, essa orientação remete à influência da linguística românica, com
os estudos de gramática histórica e comparada inspirados em avanços tanto da dialetologia
quanto da fonética acústica e articulatória. A relevância dessa abordagem na Linguística
reflete o prestígio alcançado pela Biologia, que se tornou uma espécie de ciência modelo
graças aos avanços da anatomia comparada e à consagração da teoria de Darwin. Sob a
influência do darwinismo social e do evolucionismo antropológico, a Linguística passou
a se reconhecer como uma ciência social capaz de explicar fenômenos humanos através
de modelos biológicos.
É nesse contexto que Linguística, Antropologia e Sociologia se constituem como
disciplinas e passam, à medida que desenvolvem suas próprias teorias, a substituir as teses do
determinismo racial por interpretações organicistas da mudança linguística e sociocultural. A
exemplo disso, a Linguístico assume as identidades étnicas e nacionais como fatos objetivos,
resultantes do desenvolvimento histórico das sociedades, e associa a evolução da língua a
fenômenos sociológicos e antropológicos, recorrendo à noção de raças históricas. Esta
perspectiva se traduz na convicção de que o povo é quem faz a língua, na tese de que a
língua evolui à revelia da vontade dos falantes e das autoridades governamentais e na crítica
a tentativas de modificar os rumos dessa evolução.
A terceira camada epistemológica resulta do avanço das ciências experimentais na
segunda metade do século XIX e se caracteriza pelo empirismo baseado em instrumentos
de observação. Essa orientação corresponde aos estudos de fonética experimental, geografia
linguística e linguística espacial, que investigavam a língua de uma maneira menos
intuitiva, por meio de representações como mapas e espectrogramas, que eram produzidas

215
por instrumentos de observação ou pela tabulação de grandes quantidades de dados. O
uso desses recursos implicava a incorporação dos tipos de objetividade associados a eles e
a expectativa de minimizar as formas correlatas de subjetividade.
No Congresso da Língua Nacional Cantada, esse tipo de exigência se revela na
frequente menção aos gabinetes de fonética experimental. A necessidade de instrumentos
de observação não é referida apenas nas falas individuais dos congressistas, mas também
no posicionamento conjunto da assembleia. O reconhecimento da parcialidade dos sentidos
na descrição da pronúncia e a crescente desconfiança em relação ao talento individual – a
acuidade auditiva de que Antenor Nascentes se orgulhava – ficaram explícitas no momento
em que “foi por todos reconhecida primordialmente, a natureza falível de semelhantes
determinações enquanto não existam no país gabinetes de fonética experimental”. Fora isso,
o resultado inconclusivo da controvérsia entre Nascentes e Oiticica demonstra a vantagem
de instituir o princípio do observador intercambiável através da objetividade mecânica
(DASTON, 2017).
O impacto cognitivo produzido pelo empirismo baseado no uso de instrumentos de
observação ficou registrado nos comentários sobre a visualização dos fenômenos em
pesquisas de fonética experimental e cartografia linguística. Na comunicação que enviou ao
Congresso da Língua Nacional Cantada, Edgard Roquette-Pinto destaca que as técnicas
utilizadas em sua pesquisa permitiam “ver bem as figuras das vibrações da voz e [...] ouvir
o que dizem os desenhos...”. Da mesma forma, ao comentar o trabalho de Gilliéron, no
primeiro capítulo de O Português do Brasil, Renato Mendonça afirma que

No Atlas ha com efeito, de verdadeiramente novo, a disposição material das


cartas linguísticas: cada uma é destinada a uma forma gramatical ou a uma
pequena frase. Até então, a concepção da carta linguística parecia inseparável
de uma representação das areas fonéticas ou morfológicas (MENDONÇA,
1936, p.22).

A realização de um congresso não é suficiente para garantir a consolidação de


uma comunidade científica, mas representa um importante esforço nessa direção. Esse
esforço fica patente, por exemplo, na segunda sessão plenária, quando alguns congressistas
declararam seu apoio à escolha da pronúncia carioca embora fossem nativos de outra
região. Ao renunciar suas preferências pessoais em benefício da unidade de propósito, os
estudiosos reunidos no evento demonstraram a disposição necessária para constituir um

216
coletivo de pensamento (FLECK, 2010). No artigo que publicou no jornal literário Dom
Casmurro, expondo sua avaliação pessoal sobre o evento, Mário de Andrade afirmou que

Como me disse a mim pessoalmente um dos mais ilustres filólogos nacionais,


este foi um congresso que, ao contrário da generalidade dos congressos, obrigou
os congressistas a trabalhar. Trabalhou-se de fato. E foi mesmo extraordinário
que o trabalho por tal forma apaixonou os congressistas a ponto de nenhum
dos que tomaram parte saliente, deixar de freqüentar as sessões ordinárias. E
estas foram nada menos que três diárias, durante seis dias! (Dom Casmurro,
19/08/1937, p.2).

O esforço para a constituição de uma comunidade científica também se revela no


estabelecimento de convenções aplicáveis a todos os pesquisadores da área. A determinação
dos congressistas neste sentido se traduz, por exemplo, no interesse de Cândido Jucá Filho
e Antenor Nascentes pela utilização do Alfabeto Fonético Internacional e nas tentativas
frequentes de padronização da nomenclatura científica ao longo das sessões plenárias.
Diante disso, parece inevitável reconhecer que o Congresso da Língua Nacional Cantada
foi uma iniciativa de fôlego cuja cientificidade reflete as condições de produção próprias
da pesquisa linguística desenvolvida no Brasil na década de 1930.

217
Conclusão

O Congresso da Língua Nacional Cantada foi, sem dúvidas, uma das iniciativas
mais relevantes da história dos estudos linguísticos no Brasil. Não há como afirmar com
segurança que foi o primeiro do gênero95 com alcance nacional, mas a sua importância
foi amplamente reconhecida na época. Embora tenha destacado os estudos sobre a língua
produzidos no país, o evento acabou esquecido na bibliografia da área de Linguística, ao
que parece devido às disputas por hegemonia científica ocorridas nas décadas seguintes.
A introdução da linguística estrutural e, pouco depois, da linguística gerativa nas
universidades brasileiras favoreceu a difusão de novos mitos fundadores, que punham em
dúvida a cientificidade da pesquisa linguística desenvolvida anteriormente.
As fontes sobre o congresso apresentam um retrato bastante denso e complexo da
produção científica sobre a língua na década de 1930 e permitem observar a dinâmica
interna dessa área no momento em que surgiram os primeiros cursos superiores de Letras.
Nas ciências e nas artes, esse período foi marcado pelo forte nacionalismo e pelo interesse
em conhecer a “realidade brasileira”, expressão que se generaliza devido à mudança de
mentalidade que caracteriza a atuação dos intelectuais. No âmbito dos estudos linguísticos,
esse movimento se traduziu no interesse pela investigação da realidade linguística local e
pela definição do status da variedade brasileira em relação ao português europeu.
O Congresso da Língua Nacional Cantada foi concebido e organizado por Mário
de Andrade com base no seu projeto de construção da identidade nacional através das
artes. O engajamento do autor no debate sobre o status da variedade brasileira é notório
em produções que marcaram diferentes momentos de sua trajetória artística e intelectual,
como o Prefácio Interessantíssimo (1922), a Gramatiquinha da fala brasileira (1924-
1929) – projeto que permaneceu inacabado – e as crônicas para o Diário Nacional (1929-
1931). Ao assumir a direção do Departamento de Cultura, ele elaborou o anteprojeto de
língua padrão colocado em discussão no evento.
A padronização da pronúncia cantada contemplava dois objetivos programáticos
da obra de Mário de Andrade: a autonomia da variedade brasileira e a criação de uma
vanguarda nacionalista na música erudita. O canto lírico era, para ele, um veículo
privilegiado da brasilidade, que permitia reunir na mesma expressão artística os “caracteres

95 Atualmente, há pouca informação disponível sobre o I Congresso das Academias de Letras


(1936), onde Cândido Jucá Filho apresentou pela primeira vez seu trabalho intitulado A Pronúncia
Brasileira (1939). Talvez esse tenha sido o primeiro evento científico de abrangência nacional
relacionado ao estudo da língua.

218
raciais” presentes no folclore musical e na “fala brasileira”. Por isso, o Congresso da
Língua Nacional Cantada está entre as principais façanhas de Mário de Andrade no
Departamento de Cultura, ao lado de iniciativas como a criação da Discoteca Pública
Municipal (1935) e a realização da Missão de Pesquisas Folclóricas (1938).
Entre os participantes do evento, a disputa pela definição da variedade brasileira
se traduziu na oposição entre duas abordagens no estudo da língua. Essa disputa tem sido
descrita, com base na documentação histórica, como um conflito entre filólogos e
dialetólogos. A análise das fontes mostrou ser possível descrever essas duas abordagens
de uma forma mais abrangente, a partir da oposição entre um enfoque gramático-literário
e um enfoque linguístico-antropológico, conforme a tabela a seguir.

Tabela 5 – Enfoques da variedade brasileira

GRAMÁTICO-LITERÁRIO LINGUÍSTICO-ANTROPOLÓGICO
faixa etária 57 a 69 anos 27 a 40 anos
orientação nacionalismo conservador nacionalismo autonomista
política (nação = pátria ou tradição) (nação = raça ou etnia)
projeto formulado pelas formulado pelos intelectuais
nacional elites do século XIX do período entreguerras
modelo de
colonialismo neocolonialismo
dominação
sentido de
modelo europeu evolução sociocultural
civilização
orientação combina elementos
iluminista
filosófica românticos e iluministas
concepção de modelo francês
modelo alemão (herderiano)
língua nacional (jacobino ou napoleônico)
referência uso das elites e classes
português europeu moderno
normativa médias urbanas locais
percepção dos superiores ou inferiores
linguisticamente análogos
dialetos regionais (comparado a Portugal)
trajetória evolutiva da continuidade linguística autonomia em relação a Portugal
variedade brasileira entre Portugal e Brasil ou existência da “língua brasileira”
sentido da cabe aos intelectuais o povo é quem cria
evolução linguística elaborar e conservar a língua e transforma a língua
fala popular deturpação e variação e
ou “inculta” corrupção da língua mudança linguística
influência
contamina a língua enriquece e renova a língua
indígena e africana
sociedades de
intelectualmente inferiores culturalmente atrasadas
língua oral
sociedades de
intelectualmente superiores culturalmente avançadas
língua escrita
iniciativas de necessárias para a interferências indevidas
intervenção conservação da língua na evolução linguística
críticas que anacrônicos e obtusos, porque irresponsáveis e comodistas, por se
recebem resistem à evolução da língua recusarem a intervir na língua
modelo de História Natural Biologia e Antropologia
cientificidade (epistemologia aristotélica) (epistemologia evolucionista)

219
Como não havia formação em Letras até meados da década de 1930, os estudiosos
da língua eram autodidatas e sua produção se baseava em referenciais teóricos bastante
diversos. A orientação neogramática era predominante e, embora houvesse ciência, não havia
uma comunidade científica organizada, o que favoreceu a adaptação do saber sobre a língua
às convicções filosóficas e políticas da intelectualidade brasileira. Nessas circunstâncias, “as
ideias de mudança fonética e gramatical lato sensu numa evolução unilinear e regular (em
que insistiam os neogramáticos) foram utilizadas, embora nem sempre compreendidas, para
justificar regras de estabilização literária” (CÂMARA JR.,2004, p.223-224).
Um exemplo emblemático é a função ontológica atribuída aos fonemas, que eram
entendidos como fatores linguísticos que determinam o nascimento e a morte das línguas.
A fonética era concebida como estudo naturalístico dos sons da língua e despertava
interesse à medida que permitia descrever com maior precisão o processo histórico de
mudança linguística. Os fonemas não eram investigados a partir de sua função no sistema
da língua, mas como formas características de uma determinada variedade (sincronia) ou
indícios da trajetória evolutiva de uma língua (diacronia). Seu papel no processo de
mudança linguística fornecia evidências tanto para a abordagem gramático-literária
quanto para a abordagem linguístico-antropológica.
A incomensurabilidade epistemológica entre essas duas perspectivas se revela na
disparidade entre os argumentos utilizados na disputa pela definição da política de língua.
Estudiosos alinhados à perspectiva gramático-literária encaravam a fala da população
“inculta” como um impulso “desfigurador dos idiomas” e reivindicavam o direito de intervir
na variedade brasileira para deter esse impulso e preservar a “feição idiomática” do português.
Já os estudiosos inclinados à perspectiva linguístico-antropológica argumentavam que, apesar
de “inculta”, a fala popular é o motor da evolução linguística e acusavam os puristas de tentar
impedir o desenvolvimento da variedade brasileira – que, com o tempo, se tornaria uma nova
língua, chamada por alguns de “língua brasileira”. Cada parte buscava influenciar os rumos
da língua, mas condenava os adversários por fazerem o mesmo.
Apesar de seu antagonismo em meio à disputa pela definição de uma política para
a “língua nacional”, as duas abordagens entendiam a maioria dos usos populares que
caracterizam a variedade brasileira como formas incompatíveis com o status de língua
padrão. Enquanto a orientação gramático-literária desconsiderava as marcas do contato
com as línguas ameríndias e africanas, a perspectiva linguístico-antropológica as percebia
encarava como vestígios de um estágio anterior da evolução linguística local, à medida

220
que esta interpretação corroborava a hipótese da formação, na fala dos brasileiros, de uma
nova língua, distinta do português europeu.
O debate sobre a norma linguística da variedade brasileira ao longo da década de
1930 mostra que a polarização entre diferentes tradições de estudo da língua é anterior à
introdução da linguística estrutural no país. Essa oposição remonta à delimitação da
fronteira disciplinar entre Linguística e Filologia, proposta por Schleicher, e se revela no
Congresso da Língua Nacional Cantada pela disputa entre as abordagens gramático-literária
e linguístico-antropológica. A precedência desse conflito sugere que a polarização entre
linguistas e gramáticos, descrita por Cameron (1995), não é uma simples consequência dos
postulados teóricos estruturalistas. Embora fosse historicamente anterior, essa oposição
seria ressignificada no século XX sob a hegemonia da linguística estrutural.
Diante dessa circunstância, Mário de Andrade preferiu se distanciar de suas próprias
convicções a respeito da variedade brasileira – convicções que o vinculavam à abordagem
linguístico-antropológica – e elaborou uma proposta de padronização da pronúncia baseada,
sobretudo, nos trabalhos de Antenor Nascentes, que na época era um dos linguistas mais
conceituados do país. Basear o anteprojeto na posição de Antenor Nascentes – que defendia uma
norma mais adequada à realidade linguística local, mas negava categoricamente a existência da
“língua brasileira” – era uma maneira de garantir que os representantes de cada abordagem
permanecessem em lados opostos, mas participassem do debate e apoiassem a padronização da
pronúncia. A mesma estratégia se revela na escolha da expressão “língua nacional” para o título
do congresso, evitando a opção entre “língua brasileira” e “língua portuguesa”.
Os trabalhos sobre questões linguísticas apresentados no Congresso da Língua
Nacional Cantada podem ser divididos em duas categorias: projetos institucionais e estudos
independentes. A primeira se refere a comunicações de pesquisadores vinculados a
instituições que financiavam a produção de conhecimento, como o Museu Nacional, a
Universidade de São Paulo e o Departamento de Cultura. A segunda inclui as descrições de
variedades regionais, que foram mais da metade dos trabalhos sobre questões linguísticas,
e um ensaio. Boa parte dos projetos institucionais apresentava enfoques inovadores no
estudo da língua, como gravações de pronúncias regionais, gráficos oscilatórios de
fonemas, mapas linguísticos e um diagnóstico coletivo sobre distúrbios da fala na infância.
As comunicações relacionadas a pesquisas do Departamento de Cultura e de outras
instituições demonstram a busca de uma terceira via no debate sobre a definição da variedade
brasileira. Os resultados desses projetos parecem levar a discussão sobre a língua a um ponto
em que há mais perguntas do que respostas, desencorajando afirmações apriorísticas ou

221
categóricas demais, o que tende a reduzir os conflitos e favorece a colaboração entre os
participantes. A insegurança diante da limitação dos meios disponíveis para a descrição da
pronúncia se traduz no consenso sobre a necessidade de gabinetes de fonética experimental,
no caráter provisório das normas aprovadas e na proposta de que sejam corrigidas ou
confirmadas futuramente, com a realização de uma segunda edição do evento.
As normas aprovadas pelos congressistas correspondem a uma versão modificada
da fala carioca, considerada a mais evoluída do país e a única capaz de reunir traços de
todas as outras regiões. No entanto, a variedade que serviu de base para a padronização
da pronúncia brasileira corresponde às práticas linguísticas da elite e da parcela “culta”
das classes médias urbanas da capital federal. Tanto que algumas formas características
da fala popular do Rio de Janeiro foram excluídas da pronúncia padrão porque eram
associadas às classes ditas “inculta”. Este fato demonstra o caráter elitista das normas
aprovadas e os limites do discurso de incorporação da realidade linguística brasileira à
língua padrão nacional.
Em suma, o Congresso da Língua Nacional Cantada é um objeto especialmente
fértil para a investigação historiográfica. As atividades realizadas durante o evento
constituem um raro exemplo da imbricação entre estética, política e ciência, demonstrando
a amplitude do empreendimento modernista, a singularidade do engajamento de artistas e
intelectuais da época em projetos de construção nacional e o caráter contingente e
interessado da prática científica. O projeto de padronização que motivou sua realização
evidencia as relações complexas entre teorização e intervenção sobre a língua, lembrando
que na ciência “nós representamos de modo a intervir e intervimos de modo a representar”
(HACKING, 2012, p.93).
As fontes sobre o evento possibilitam diferentes enfoques e se conectam a inúmeros
problemas, que aguardam o interesse dos pesquisadores. Meu objetivo foi construir um
aparato de leitura, pavimentando o caminho para novas interpretações.96 Devido às
dimensões do congresso, enquanto objeto de estudo, algumas questões foram enfocadas
de forma bastante geral. Nessas circunstâncias, é inevitável algum grau de imprecisão na
abordagem de aspectos específicos do evento ou da produção científica apresentada.
Sempre que incentivar críticas, retificações e aprimoramentos dessa ordem, esta pesquisa
terá alcançado seu propósito.

96 No intuito de estimular novas investigações a respeito do evento e de seus desdobramentos,


irei disponibilizar as fontes documentais utilizadas nesta pesquisa para acesso público através do
endereço eletrônico http://modernismocomopoliticadelingua.wordpress.com.

222
FONTES

1. Fontes bibliográficas

AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira. São Paulo: O Livro, 1920. Disponível em:
https://literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=108267. Acesso
em: 18 maio 2020.
ANAIS DO PRIMEIRO CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA. São
Paulo: Departamento de Cultura, 1938.
ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura: discurso sobre algumas tendências
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_____________. Entrevistas e Depoimentos (Organização de Telê Porto Ancona
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