Imigração, "Desenvolvimento" e Trabalho Precário Na Agricultura Alentejana: A Marca Do "Azeite Português"
Imigração, "Desenvolvimento" e Trabalho Precário Na Agricultura Alentejana: A Marca Do "Azeite Português"
Imigração, "Desenvolvimento" e Trabalho Precário Na Agricultura Alentejana: A Marca Do "Azeite Português"
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Imigração, “desenvolvimento” e trabalho precário na agricultura 381
Apresentação
Dos 28 países da Comunidade Europeia, Portugal está em vigé-
simo primeiro lugar em número de estrangeiros residentes. Dentre
os cidadãos portugueses, quatro em cada 100 são estrangeiros. Até
2015, o país, juntamente com Romênia, Grécia, Lituânia, Croácia,
Polônia e Letônia, tinha saldos negativos de imigração. Na década
de noventa é que os saldos começam a se positivar sendo maior a
entrada de imigrantes estrangeiros residentes com relação à saída de
portugueses para trabalho no exterior. Nos anos da crise, entre 2011
e 20163, o saldo migratório voltou a ser negativo. Desde 2008, Por-
tugal figura como sendo o principal país da Comunidade Europeia
a conceder cidadania, totalizando, entre 2007 e 2017, quase meio
milhão de pessoas4. Com a retomada do crescimento econômico,
e o controle de gastos públicos, o país consegue, graças também à
originalidade de certo malabarismo político, fazer com que, desde
2017, o saldo de imigração volte a ser positivo. Os números trazi-
dos pelo Relatório Estatístico Anual de 2018 apontam um número
de 36.639 novos imigrantes em 2017 e 43.170 imigrantes, em 2018
(OLIVEIRA; GOMES, 2018, p. 31). Considerando que os dados se
referem aos residentes legais, ou àqueles que entraram e permanece-
ram legalmente no país, sem considerar nestes números que muitos
não ficam no país, que é apenas “porta de entrada” para a Comuni-
dade Europeia. No ano de 2017, eram 421.711 estrangeiros residentes
5 Uma das mais antigas oliveiras catalogadas em território português, apesar de não
ser a única, fica nos arredores de Lisboa, em Santa Iria da Azóia no conselho de Loures.
Considera-se que a árvore tenha cerca de 2.850 anos. Em Pedras d’El Rey, em Tavira,
existe outra com cerca de 2.200 anos, dentre algumas espalhadas pelo país.
6 Com a construção da barragem do Alqueiva, na década de noventa, e o alagamento
que se iniciou em 2002, inundando muitos terrenos, grande parte deles com olivais tradi-
cionais, centenas de oliveiras foram vendidas muitas delas a preços elevadíssimos para o
Japão, a China, a Índia e outras partes do mundo.
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Introdução
Subdividida entre alto, médio e baixo Alentejo, a região cor-
responde a aproximadamente 30% ou 33% do território português.
Tem o histórico do seu desenvolvimento vinculado ao assalaria-
mento agrícola, desde a intensificação do capitalismo português no
século XX.
Dos maiores projetos desenvolvimentistas do chamado Estado
Novo ou salazarismo foi a chamada Campanha do Trigo um pro-
jeto de desenvolvimento nos moldes germinais duma agricultura
industrial, estruturando ainda mais a automação e o assalariamento
agrícola. O ecossistema de montado começa a ser rapidamente subs-
tituído, principalmente no sul da região alentejana em que muitas
herdades suprimiram os montados milenares abrindo campos para a
cultura cerealífera, principalmente do trigo. Esta prática acelerou o
efeito devastador na degradação dos terrenos, forjando uma paisagem
diferente entre o norte, o centro e o sul alentejano.
As chamadas “campanhas do trigo”7 consolidaram a “voca-
ção” desta vasta extensão territorial que compõe toda a chamada
margem sul do Rio Tejo8, principalmente aquelas zonas mais ao sul.
Trata-se de uma região marcada pelo assalariamento agrícola e por
grandes latifúndios que praticamente aniquilaram as experiências
de autonomia camponesa, possibilitando, quando muito, a figura do
9 A figura dos “rendeiros”, trabalhadores rurais que não possuíam terras, mas as
arrendavam de grandes latifundiários, que, em boa medida, viviam da renda da terra, eram
mais comuns no chamado norte alentejano. O desenvolvimento de uma “cultura de arren-
damento”, no norte da região, tem a ver, dentre outros fatores, com a qualidade do solo
mais acidentado e pedregoso que no centro e sul da região.
10 O montado é um ecossistema antigo, dos mais delicados e ecológica e socialmente
organizados do mundo, e que subsiste com maior e mais significativo assento no sul de
Portugal, nomeadamente no Alentejo. São territórios que equilibram pastagens com agri-
cultura e florestas nativas protegidas, nomeadamente de árvores de sobreiro, azinheira e
carvalhos. Trata-se de paisagem e ecossistema protegido.
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Apontamentos finais
Os fatores que motivam e impulsionam a migração ilegal de
trabalhadores que se sujeitam às piores condições de trabalho, são
conhecidos: pobrezas, guerras, crises econômicas, perseguição reli-
giosa etc., e, para não entrar no problema estrutural da geopolítica
mundial das guerras coloniais e da exploração pós-colonial. Soma-se
o fato que o corpo do imigrante é alvo de criminalização que legi-
tima o discurso do ódio e da diferença, personificando a figura do
burlador, trapaceiro, sujo, e outros adjetivos negativos. Este construto
social coloca o imigrante à margem, ou ao lado, da lei, e sendo assim,
a mesma lei que ampara o cidadão discrimina o imigrante, pelo fato
dele não gozar do estatuto de cidadania. (KUBAL, 2014, p. 32).
Este processo de recusa e aceitação faz parte da chamada “hipo-
crisia europeia”, conforme aponta Matos (CAMPOS; PIRES, 2020,
p. 171) já que os imigrantes são rechaçados pela sociedade, ou pelos
que estão “atrás da porta”, conforme aponta Bauman (2017, p. 42), ao
mesmo tempo que servem aos interesses destes, uma vez que os imi-
grantes exercem aquele tipo de trabalho que os trabalhadores locais
se recusam a fazer por estarem ocupados em outros postos de traba-
lho ou afazeres, não raro, recebendo subsídios desemprego do próprio
Estado português.
Estima-se em Portugal uma diferença de 1 para 9 entre o que o
Estado investe com os imigrantes (segurança social, subsídios etc.), e
a riqueza gerada na forma de arrecadação fiscal para o Estado, pelos
imigrantes. Os países da Europa do chamado espaço Schengen têm,
cada vez mais, dificultado a legalização da imigração, burocratizando
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REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017
CALDAS, Eugenio de Castro. A agricultura portuguesa no limiar da
Reforma Agrária. Oeiras: Instituto Gulbenkian de Ciência. 1978.
CAMPOS, Ricardo Luiz Sapia; PIRES, Ema. Imigração e Trabalho Precário
no Alentejo (Portugal): A Atuação da SOLIM – Solidariedade Imigrante.
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ELIAS, Norbert. SCOTSON, James. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de
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