Santa Morte e Outras Histórias
Santa Morte e Outras Histórias
Santa Morte e Outras Histórias
ORGANIZAÇÃO
Vladimir Borges de Silveira
REVISÃO
Manoel Rodrigues
DIAGRAMAÇÃO
Henrique dos S. Mosciaro
CAPA
Henrique dos S. Mosciaro
Imagens da Capa
Canva
2022
Esta edição possui todos os direitos reservados a
Coletivo de Escritores Brasiguayos Ore Rohai
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Sumário
Abraços sombrios,
Ele morreu ali mesmo, no altar. Outro padre foi chamado para dar uma
bênção extraordinária e suspender a missa — era a primeira vez que isso
acontecia na igreja.
7
A ambulância foi chamada, e levou o corpo do padre ao legista, que
deu causa da morte: o seu pulmão estava cheio de sangue, tendo sido
perfurado de dentro para fora com duas lâminas de tamanhos diferentes.
O legista ficou com as lâminas sob sua mesa por um bom tempo, ele
as deixou lado a lado em sua bancada. Ao levantar-se para beber água, as
lâminas, em sua mesa, transformaram-se em uma hóstia embebida em
vinho tinto.
— Vladimir
8
Santificados
Revi minha mãe, minha avó, meu pai, todos ao meu redor haviam
envelhecido, já eu… havia permanecido o mesmo, nem meu corpo chegou a
apodrecer por conta do exagero do formol dentro daquela prisão de vidro.
9
naquela situação — odiava ser o centro das atenções, odiava que tivessem
começado a me canonizar e odiava ter ressuscitado.
— Deve ser difícil ser tão famoso assim — viro-me em direção a voz e
vejo que é o mesmo garoto.
Assenti com a cabeça e me deixei ser conduzido por ele para o interior
do salão da igreja, ali tem uma porta com escadas que levam para baixo da
igreja.
10
Olhei para ele, seus olhos castanhos claro brilhavam com aquela luz.
Em um movimento rápido, ele veio próximo a mim e me deu um abraço.
— Desta vez não terás espaço nesta igreja, satanás! — o padre veio
correndo com uma faca na mão.
11
Saímos correndo dali, foi só quando estávamos bem longe que
paramos para respirar em uma esquina. Senti um frio na espinha e ao me
virar de costas eu o vejo vindo em nossa direção.
Aquele padre maníaco ainda corria atrás de nós dois, o garoto estava
com muito medo. Nós continuamos a correr o máximo que podíamos.
E assim foi feito, e nossa vida seguiu normalmente por meses, até que
uma certa noite o espírito de padre João nos visitou.
— Receio que aquele que chamam de padre veio lhes visitar — ele
estava falando daquele maníaco —, não saiam de casa sob hipótese
alguma, me entenderam?
12
Quando se aproximou da meia-noite, ele nos puxou para fora,
esperando a procissão que iria passar na frente da fazenda. Dito e feito, o
padre assim que nos viu, incorporou aquele estado bestial que ninguém
conseguiu explicar.
Quando ele partiu para cima de nós, o senhor pegou uma espingarda e
atirou contra o padre no peito e na cabeça.
No dia seguinte, o corpo havia sumido, mas o padre João estava nos
esperando por ali.
Seu Lair e seus filhos prometeram que justiça seria feita, e que
ninguém mais iria morrer de morte matada naquelas terras. E no fim das
contas acabou acontecendo conosco aquilo que nós menos queríamos que
acontecesse: nós viramos santos.
Pelo menos desta vez, eu sentia que toda essa santificação era pela
coisa certa.
— Manoel
13
Santa Morte
Muito mau.
Ele veio até mim e puxou meu cabelo, pôs a mão em minha boca e
mandou eu ficar em silêncio, ao me arrastar para dentro de um beco escuro.
Começou a abrir o zíper de sua calça, mas antes que colocasse seu
pênis para fora algo o atingiu na cabeça.
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Uma mulher de preto o desacordou, e, com a foice que carregava,
cortou seu pescoço. Uma poça de sangue se formou no chão, manchando
meu sapato, e um carro polícia parou na frente do beco.
“Peça a quem te proteja para que você saia dessa” foi o que ela me
disse ao colocar sua mão branca em meu ombro.
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— Claro — aceno com a cabeça e me despeço da mulher de preto, até
que o policial ao meu lado diz em voz alta algo que parecia uma prece.
— Ó Santa Morte, agora que te vi, proteja-me até o fim, proteja-me até
quando eu tiver de partir.
Ó Santa Morte, agora que te vi, proteja-me até o fim, proteja-me até
quando eu tiver de partir.
Quando acordei, vi ela sentada próxima a meu leito. Ela me deu sua
mão e começou a andar comigo, quando vejo uma equipe médica correndo
até a minha cama.
16
— Desculpe por não te proteger quando você precisou.
Sempre me falaram do doce beijo da morte, mas que iria imaginar que
é um beijo tão caloroso — e verdadeiramente é um beijo doce.
— Vladimir
17
Onça
Era uma mulher linda, tinha um corpo divino. Sempre que passava por
perto — quase — todos os homens, e mulheres, perdiam os sentidos.
Ela os atraía para longe de onde estavam, levava os outros até sua
toca onde iria terminar com sua próxima vítima.
Ela saltou sobre o homem, ele tentou ao máximo puxar a arma que
estava em sua cintura, mas só conseguiu quando ela já havia cravado seus
dentes em seu pescoço.
18
Ele até chegou a pegar na arma, mas nesse momento a Onça arranca
o seu pescoço, e a arma cai no chão ao lado de seu corpo.
— Manoel
19
Convite para jantar
20
Degustaram bem da carne, de sua textura macia e seu cheiro do
molho. O gosto bem realçado da carne, com um leve toque de veneno de
rato no fundo…
Foi uma experiência excepcional beber uma taça de vinho ao som dos
gritos de nossas famílias.
Hoje fez muito frio, e aqueles que um dia foram nossos pais agora
serviam de combustível para a lareira que nos aqueceu naquela noite fria.
21
Eles mesmo disseram que queriam jantar comigo e meu futuro
cônjuge, mas reagiram tão mal quando conheceram a Renata.
Mas fico feliz que eles tenham aceitado nosso convite para jantar.
— Henrique
22
Valsa
Ele tomou minha mão e me puxou para próximo de sua cintura, mal
sabia eu onde estava sendo levado.
Tolo como sou, fiz uma aposta com um anjo: se eu dançasse valsa
com Lúcifer, eu deveria não pisar em seus dedos, e que seria levado ao
paraíso.
23
— Confie em mim — ele sussurra a mim para que eu tenha calma,
mas acontece que nenhum de nós dois estávamos calmos naquela hora. —
Vamos devagar e, a medida que você sentir confiança, nós aumentamos o
ritmo do passo.
O anjo dança bem, não posso negar, mas ele foi mentiroso — mesmo
tendo me elogiado.
— Você nunca será bem-vindo aqui — bradou outro anjo para mim
enquanto eu corria até os braços de Lúcifer.
24
— Eu nunca aceitaria estar aqui — lhes respondi ao pisar no pé do
diabo com força.
— Henrique
25
Na próxima esquina
Aquela pessoa chegou cada vez mais perto de mim, com a mão
tremendo. Peguei a faca e cravei em sua barriga.
26
Assim que caiu no chão, vi quem me perseguiu com uma faca.
Era eu mesmo.
— Espere! — gritei.
— Espere!
— Vladimir
27
Cegueira
Foi, até que de certa forma, fácil de me soltar e meter a faca em seus
olhos. Agora ele estava cego, mas não viveu por muito tempo para contar
sua história.
Sob sua mesa estavam algumas anotações de partes do corpo que ele
deveria arrancar de suas vítimas enquanto vivo, não sei que espécie de
ritual doentio ele iria fazer comigo — e certamente não ia deixar que ele
fizesse mal a mais alguém.
28
Ele não sabia que eu tinha um olho de vidro. Acho que no final das
contas quem era o cego mesmo era ele.
Uns dias depois descobri que ele queria criar um homem, bem no
estilo cientista maluco, mas fiz questão de deixar algo naquilo que deveria
ser o seu “homem”: banhei-o no sangue de seu criador já morto.
— Vladimir
29
Rogo-lhe esta praga
— Ela te rogou uma praga! Disse que o diabo iria vir te levar! — Foi o que
minha mãe bradou aos prantos quando minha vó morreu.
Não entendia bem aquilo que ela quis me dizer com “ela te rogou uma
praga”, mas parecia não ser coisa boa…
Fiquei dias em claro tentando entender o que seria a tal praga que
minha avó me tinha rogado, isso sumiu conforme os meses passaram, até
que ontem aconteceu algo…
Mas o mais diferente de tudo foi o fato de que ela estava morta há 4
meses e ela me deu um tiro no peito.
Aquela velha me odiava por ter matado o meu avô do coração quando
ele me viu beijando meu ex-namorado na escola.
30
Ela morreu uma semana depois, provavelmente de tristeza por ele…
Hoje, quatro meses após a sua morte, ela me matou. A praga então
me fez sentido: satanás iria vir me buscar, e sua promessa se cumpriu.
— Manoel
31
Trem
32
Pedi ao taxista que levasse até o correios para que fosse enviado para
o Brasil, o paguei e subi no trem.
Estava vestida igual a mim, tinha o mesmo corte de cabelo que eu, e
— quando pude ver seu rosto — era igual a mim.
Acordei.
33
Estava no chão, onde o corpo estava antes. Ele havia sumido de
minha vista.
Desmaiei.
Acordei sentado no meu banco do trem, e, logo assim que olho para a
janela, vejo as estrelas do cruzeiro.
— Henrique
34
Autores
— Sou filho do caos da mente de outro ser que é tão sombrio quanto
eu, mas que não se atreveu a vivenciar minha essência escura da forma que
deveria. Minha luta contra o mundo pauta-se em escrever suas injustiças em
forma de atrocidades que levantem uma reflexão moral acerca do que
realmente é correto.
Manoel Rodrigues
Sobre o Coletivo
Em outubro de 2022, Henrique, Vladimir e Manu fundaram o Coletivo
de Escritores Brasiguayos Ore Rohai, com a intenção de trazer visibilidade a
novos autores brasiguayos, assim como fomentar a literatura paraguaya e
regional sul-matogrossense.