Trabalho Final - Antropologia e Arte

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ISCTE-IUL

Licenciatura: Antropologia

Unidade Curricular: Antropologia e Arte

Junho 2021

Análise de uma obra de Arte


“Guernica” de Pablo Picasso

Discente: Mariana Maria | nº93872 | Docente: Filipe Verde


O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito da unidade curricular:
Antropologia e Arte e tem como objetivo principal a análise da obra “Guernica” (1937)
de Pablo Picasso (Figura 1).

Sempre que observamos uma obra de arte, recordamo-nos de imensas estórias e


objetos que influenciam a nossa opinião. Por essa razão, quando observamos pinturas
temos tendência a desvalorizar aquelas que não nos transmitem recordações. Assim, para
aumentarmos o nosso conhecimento e aprendermos a gostar de Arte é necessário não
condenar uma pintura por esta não obedecer aos nossos cânones sobre a arte ou beleza,
mas questionar o porquê de não gostarmos daquela obra de arte ou o porquê de o pintor
a ter elaborado daquela forma.

Assim, para fazer a análise da obra “Guernica”, primeiramente irei contextualizar


no tempo e no espaço em que a mesma foi criada e debruçar-me sobre a vida do artista –
Pablo Picasso.
Figura 1- Pintura " Guernica" - Pablo Picasso (1937)
Pablo Ruíz Picasso nasceu em Málaga, a 25 de outubro de 1881 e começou a
desenhar desde muito novo, mesmo antes de começar a escrever. O pai era professor de
desenho na Escola de Artes Decorativas e conservador do Museu Municipal, ou seja,
Picasso desde muito cedo foi influenciado pelos gostos do pai. Este começou por ensiná-
lo a desenhar figuras banais como rostos, pássaros, mas também que um desenho deve
“be an exact representation of the model: red fabric should look like red fabric, sadness
should look like sadness” (And Picasso Painted ).

Com apenas sete anos de idade, pinta a sua primeira obra “El Pintador”, que
representa uma tourada. Contudo, aos 13 anos Pablo deixa de pintar aqueles quadros sem
vida a que foi induzido a pintar e dá uma “nova vida” aos seus pincéis, uma “nova
liberdade” (PICASSO)

Picasso tinha um talento inato. Era um artista dotado de genialidade, pois


demonstrou possuir a capacidade de não se constranger com as regras que lhe eram
impostas e conseguiu transformá-las e manifestá-las de uma forma surpreendente, ou seja,
através da sua imaginação foi capaz de conceber, produzir e criar.

Em 1900, Picasso vai viver para Paris. Foi aí que começou a receber fortes
influências do modernismo e desenvolveu o Cubismo. No final do século dezanove e
início do século vinte, a Revolução Industrial, a hegemonia europeia, o surgimento de
governos democráticos, quer em sistemas republicanos, quer em monárquicos, foram
alguns destes fatores que impulsionaram o questionamento das antigas formas de “fazer
arte”. Era aqui que residia uma maior sensibilidade (estética) e, por conseguinte, uma
maior concessão do “eu” e da racionalidade (razão), por outras palavras, havia uma
enorme sensibilidade estética (senso comum) e uma grande manifestação do gosto
(dimensão cognitiva), isto é, a capacidade de aprender noções que só apreendemos, se
tivermos uma educação emocional/ sentimental, ou seja, a relação da sensibilidade com
o objeto.

Tudo isso, consistia na produção artística através da reprodução/representação do


real (forma de pintar do pai de Picasso), daquilo que os artistas viam, ou seja, a
valorização da ordem, da harmonia e da sobriedade das formas.

As correntes vanguardistas (Expressionismo, Fauvismo, Cubismo, Futurismo,


Dadaísmo, Surrealismo) tinham como objetivo criar um paradigma de cultura e
sociedade, derrubar tudo o que fosse tradição e assim lutar pela liberdade da expressão
artística. Todos os artistas que conseguiram ultrapassar as ideias preconcebidas, foram os
artistas que idealizaram, desenvolveram e criaram as obras mais excitantes. Foram estes
artistas que “teach us to see in nature new beauties whose existence we had never
dreamed of” (The Story of Art ).

Também é importante salientar que durante a Revolução Industrial, “Academies


and exhibitions, critics and experts had done their utmost to introduce a distinction
between Art with a capital A and the mere exercise of a trade, be it that of a painter or a
builder” (The Story of Art ). Desta forma, um dos fundamentos em que a arte se baseou
durante toda a sua existência, isto é, a arte de ser produzida, tendo como fim uma função
utilitária, foi destruída, pois uma das consequências da Revolução Industrial foi a
substituição do trabalho manual, ou seja, do artesanato (aquilo que era considerado arte)
pela produção mecânica.

Como foi referido anteriormente, o Cubismo foi uma corrente vanguardista que
surgiu na época da emergência do modernismo e foi um movimento artístico, iniciado por
Picasso e Braque (1907), que foram fortemente influenciados pelo geometrismo de
Cézanne. Picasso e Braque rejeitaram a representação do objeto em função da perceção
ótica e substituíram-na por uma visão do tipo geométrico.

Em 1936, o seu país entra em guerra civil. Os cinco anos antecedentes foram uma
época de grande agitação política em Espanha, pois para substituir a velha monarquia, os
partidos de esquerda criaram uma República Espanhola, mas alguns grupos não aceitaram
esta nova forma de governo. Nesse ano, os republicanos venceram novamente as eleições,
o general Franco e uma parte do exército espanhol decidiram tomar o poder. Em 18 de
julho de 1936 começaram três longos anos de guerra civil. Nesse ano, Picasso é nomeado
diretor do Museu do Prado pelo governo republicano.

A 26 de abril de 1937, a cidade basca de Guernica, no norte de Espanha, é


bombardeada por aviões alemães da Legião Condor. Era dia de mercado em Guernica e
tudo começou a meio da tarde, quando a maioria da população se encontrava pelas ruas,
“Families flee into the nearby woods; they are shot down by planes... Several hundred
inhabitants of Guernica and its surroundings are killed or wounded. Three quarters of
the city are destroyed...” (And Picasso Painted ).
Pouco tempo antes do bombardeamento, a Républica Espanhola tinha
encomendado uma pintura a Picasso para colocar ao lado das obras de Calder e Miró na
Exposição Internacional de Paris. Todavia, Picasso ainda não sabia o que iria pintar. A 1
de maio, o pintor lê no jornal, uma notícia àcerca das atrocidades que aconteceram em
Guernica. Picasso estava indeciso no tema, mas naquele dia tomou a decisão de pintar a
sua mágoa como artista espanhol - a pintura, “Guernica”.

Esta obra “representa” o cubismo analítico, pois para além da geometrização dos
volumes, nesta pintura a óleo pode-se observar a destruição das leis da perspetiva, que se
restringe a uma paleta de tons brancos, pretos e cinzentos, de forma a não perturbar o
rigor geométrico da representação. Com esta obra, Picasso procurou substituir essa visão
parcelar por uma visão generalizada dos objetos representados. Assim, as figuras podem
ser observadas concomitantemente de frente, de lado, por cima, por debaixo, isto é,
estilhaçando o volume das figuras em vários planos que se justapõem. Resumindo,
enquanto o pintor tradicional pinta o que vê, os cubistas pintam aquilo que sabem que
existe, mas só poderiam ver em momentos sucessivos.

Esta obra representa um episódio que ocorreu apenas uma vez. Pode-se observar,
diferentes interações entre os diversos elementos espaciais (formas, áreas internas e
externas) que estão em permanente conflito e contraste, pois era assim que se encontrava
a mente do pintor. Em sete metros de lona, Picasso “seizes a piece of charcoal, climbs the
ladder and starts drawing the characters that possess it” (And Picasso Painted ), ou seja,
“Guernica” é um reflexo da mente do autor. Picasso estava incrédulo, revoltado e com
uma grande mágoa, devido às atrocidades que aconteceram ao seu povo em Guernica.

Picasso na pintura não representou figuras realistas, mas sim


esquemáticas/estilizadas. O uso das cores escuras serviu para dar mais ênfase à
composição dos elementos. Contudo, a escolha das cores escuras (Kandinsky no seu livro
“Concerning The Spiritual In Art” aborda os efeitos psicológicos da cor), também está
relacionada com o estado de espírito do autor, pois com tanta mágoa, tanta tristeza como
poderia ele pintar com cores vivas e alegres? A destruição de Guernica invadiu todo o seu
ser que vai ser pintada nesta obra.

Todas as figuras têm o seu olhar dirigido para o touro e simultaneamente para
cima (a destruição vem de cima, os aviões a bombardearem), por conseguinte, o lado
esquerdo da pintura é o ponto de ligação que hierarquiza todo o conteúdo e orienta a
leitura do quadro, ou seja, é o lado mais ativo da composição pictórica. A sensação de
movimento, que as figuras transmitem, do canto inferior direito para o canto superior
esquerdo, contraria a “nossa normalidade de ler da esquerda para direita”, o que causa
uma sensação de “choque” percetivo.

Após a análise realizada sobre alguns aspetos da vida do autor, assim como da
nossa história, pode-se afirmar, que as figuras pintadas na pintura “Guernica” têm um
importante significado, pois são baseadas num marco histórico, assim como a vida íntima
do autor.

Na direção do lado direito para o lado esquerdo da pintura, pode-se observar um


senhor a ser “consumido” pelas chamas dos incêndios causados pelos bombardeamentos,
uma senhora ferida no joelho que continua a caminhar e outra a sair do interior de uma
casa com o braço estendido e com um candeia à procura de luz (ordem) no meio de uma
imensa escuridão. Estas figuras representam o pânico, a ansiedade e a súplica.

Na mesma direção, mas mais ao centro da pintura, pode-se observar um olho que
“erradia” luz para todo o quadro é um símbolo que representa o sol (o divino) e é um sinal
de esperança, mais abaixo, um cavalo que representa a tradição e observa-se um braço
caído, que detém uma espada partida, símbolo de uma batalha perdida e da morte.

Do lado esquerdo, pode-se observar um touro, que (assim como o cavalo)


representa a cultura e a tradição espanhola, contudo a parte detrás do touro está a arder,
ou seja, o símbolo que os alemães conseguiram queimar e ultrajar/dilacerar a cultura
espanhola. Pablo Picasso ao desenhar a mãe desesperada com o seu filho morto nos
braços, representa a dor e o desespero das famílias que perderam um ente querido. O
pássaro pode ser o símbolo de liberdade, contudo o pai de Picasso morreu poucos anos
antes do ataque, por isso, o pássaro pode também ser uma homenagem ao pai, assim como
uma forma de manifestar a sua tristeza pela ausência do mesmo.

Um indivíduo que observe a obra de Picasso e não conheça a História Universal


apenas observará um touro, um pássaro, faces distorcidas em tons escuros e afirmará “não
gosto”. O gosto do palato é inato, todavia o gosto enquanto forma de juízo e como
expressão de uma forma da subjetividade, algo que não é inato, é algo que se adquire
através da educação e, por conseguinte, do conhecimento. Assim, a observação da arte
deve servir como uma aprendizagem e como uma apreensão de inúmeras dimensões
associadas à mesma, pois, a arte é um campo fundamental da cisão de culturas e de
mundos distintos , por isso, é um elemento fundamental pelo qual uma sociedade gera
conhecimento sobre si própria, ou seja, a nossa relação com a arte deveria ser educativa.

Pablo Picasso estava determinado a transpor a sua indignação e a criar uma obra
que não deixasse cair no esquecimento o bombardeamento de Guernica, que foi dirigido
propositadamente a civis, funcionando como ensaio para aquilo que viria a ser perpetrado
na Segunda Guerra Mundial. Este alerta para não ser olvidada, tornou-se um ícone.

O quadro “Guernica” é do tipo ideográfico e não fotográfico. Enquanto, os


quadros fotográficos representam aquilo que se vê, os quadros do tipo ideográfico
caracterizam-se, por representarem o que se sabe, e não o que se vê. Desta forma, Picasso
permite que cada indivíduo faça a sua interpretação daquilo que observa na pintura, ou
seja, a Arte é intuitivamente interpretável e é caracterizada pelos diferentes modos de
compreensão (uma das características que Kant atribui à arte).

A pintura “Guernica” é uma obra de arte que espelha o “ser” do autor, ou seja, a
maneira como Pablo Picasso, observou, interpretou e justificou o seu ser, isto é, a sua
forma de existir, assim como, a realidade que o circunda. É nesta perspetiva que
Heidegger afirma, que a arte é um tema relevante para a reflexão ontológica do ser
humano, pois a forma como a arte é produzida, interpretada ou utilizada permite ao artista
fazer uma análise do seu “ser” e do mundo que o rodeia. (Ontology of Art). Contudo,
também permite ao intérprete fazer uma análise sobre a sua existência e o mundo onde
vive.

Isto é, ao realizar a análise sobre a obra de “Guernica”, ganhei uma outra


noção/perceção do meu mundo. A pintura transmite o enorme sofrimento do autor e é
notório que a guerra marcou a vida do artista.

Após ter analisado esta obra, fiquei com outra noção de beleza; figuras distorcidas,
não significam fealdade, mas toda a carga emocional que o pintor descarrega em cada
pincelada que dá. Assim como as cores simbolizam algo, há sempre um conhecimento
pouco inteligível para os demais, só com uma análise minuciosa e conhecimento da
realidade é que conseguimos atingir o âmago da obra. Tive uma evolução no conceito de
arte.

A pintura “Guernica” foi apresentada pela primeira vez no Pavilhão Espanhol de


Paris (1937). Antes de chegar ao Museu Rainha Sofia (1992), esteve no Museu Casón del
Buen Retiro (1981) e antes disso fez inúmeras viagens pela Europa e Américas. Esta
pintura possui uma geografia sem limites, pois tornou-se um símbolo político, “un
símbolo intemporal y universal, el de la denuncia de la destrucción despiadada y criminal
de la guerra, abriendo un debate artístico sobre la representación de los conflictos
bélicos” (Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, s.d.).

Em suma, uma obra de arte pode ser considerada uma página de um diário. A
nossa reflexão sobre a Arte parte do nosso património cultural e histórico, isto é, para
compreendermos a arte, é necessário conhecermos a história. Analisar a Arte exige
conhecimento e, por conseguinte, transmite-se novos saberes, desta forma, o gosto pela
Arte pode ser educado. Todavia, aprender a analisar e a gostar de Arte é um “passaporte”
para interrogar e conhecer melhor o nosso mundo. O conceito da palavra Arte está sempre
numa continua modificação, assim comos os estilos da Arte. Assim, a história da mesma
consiste numa sucessão de períodos de Arte, onde se observa uma inovação/modificação
do paradigma anterior. Desta forma, o conhecimento sobre a Arte está em constante
evolução e para conseguirmos acompanhar esse desenvolvimento é necessário “to have a
fresh mind, ready to grasp every suggestive hint and to react to all the hidden harmonies;
above all, a mind not cluttered up with bombastic words and set phrases” (The Story of
Art ) e deixar para trás a conceção estética (metafísica) da arte.

A Arte é um fenómeno universal e é tão relevante, como as outras linguagens. A


Arte está relacionada com a história do ser humano e é tão rica, complexa e longa, quanto
a mesma.
Bibliografia

Calosse, J. A. (s.d.). PICASSO.

Gombrich, L. (s.d.). The Story of Art .

Heidegger. (s.d.). Ontology of Art.

Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia. (s.d.). Obtido de https://www.museoreinasofia.es/

Serres, A. (s.d.). And Picasso Painted .

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