Origens e Fundamentos de Desenvolvimentos de Coleções

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ARTIGO

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Desenvolvimento de coleções: origem

DESENVOLVIMENTO
dos fundamentos contemporâneos

ARTIGO DE COLEÇÕES
Collection development: birth of
contemporary foundations

Simone da Rocha WEITZEL1

Resumo
O artigo apresenta o resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi identificar as correspondências entre os fundamentos da área
hoje denominada de desenvolvimento de coleções e aqueles estabelecidos no século XIX, a fim de reconstruir os principais
conceitos, métodos e práticas da área. Propõe um estudo exploratório para viabilizar essa correspondência a partir de oito obras
escolhidas de autores europeus do século XIX, a maioria bibliófilos reconhecidos, a saber: Peignot (1823), Namur (1834), Hesse
(1841), Rouveyre (1878), Richard (1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). Essas obras serão analisadas a partir de três
categorias contemporâneas da área: desenvolvimento de coleções, seleção e aquisição, por meio do método de revisão de
literatura. Conclui-se, por fim, que o fenômeno da explosão da informação afeta o processo de desenvolvimento de coleções
como um todo desde o século XVIII. Os autores do século XIX selecionados para o estudo apresentaram várias soluções - as quais
fortaleceram o que hoje é denominado de abordagem baseada no acesso à informação - para lidar com a complexidade gerada
pelo fenômeno da explosão da informação.
Palavras-chave: Aquisição. Desenvolvimento de coleções. Seleção.

Abstract
This study presents the results of a research with the aim of identifying the correspondence between the foundations of the area now
known as collection development and those established in the nineteenth century, in order to rebuild the main concepts, methods
and practices in the area. To make this match feasible, an exploratory study as proposed, of eight selected works of Nineteenth-
Century European authors, the majority of them being recognized bibliophiles, namely: Peignot (1823), Namur (1834), Hesse (1841),
Rouveyre (1878), Richard (1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) and Maire (1896). The works of the Nineteenth Century from
three contemporary categories of the area were analyzed: collection development, selection and acquisition, through a literature
review research method. It was concluded that the phenomenon of information explosion has affected the process of collection
development as a whole, since the Eighteenth Century. The Nineteenth-Century authors selected for this study provided several
solutions to deal with the complexity of the phenomenon of information explosion, in which strengthened what that nowadays
is called the approach based on access to information.
Keyword: Acquisitions. Collection development. Book selection.

Introdução final do século XVIII como um período representativo


desse aumento conforme indicou Burke (2002). Enquanto
A profusão de publicações, especialmente livros, na Alta Idade Média o problema era a escassez de livros,
é um fenômeno que vem ocorrendo há séculos e tem o e, no século XVI, a “superfluidade”, no século XVIII chegou-

1
Professora Doutora, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Escola de Biblioteconomia. Av. Pasteur, 458,
Sala 404, 22290-040, Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: <[email protected]>.
Recebido em 3/2/2012 e aceito para publicação em 15/8/2012.

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-se ao excesso de publicações. Entre 1500 e 1750, pu- Desenvolvimento de coleções:
blicou-se um volume estimado de 130 milhões de livros principais fundamentos
(Burke, 2002). Essa multiplicação tornou o processo de
formar e desenvolver coleções em bibliotecas mais com- O processo de formar e desenvolver coleções
plexo do que anteriormente e passou a envolver o desafio sempre esteve presente ao longo da história do livro e
de identificar quais obras mereciam fazer parte dos das bibliotecas. Portanto, desde a biblioteca de Alexandria
acervos. Tendo em vista essa dificuldade para selecionar às bibliotecas digitais, não há como formar e desenvolver
as melhores obras, era bastante comum seguir as reco- coleções sem se deparar com questões próprias da natu-
mendações de bibliófilos. No século XIX, suas obras se reza desse processo, tais como: o quê, o porquê, o para
tornaram verdadeiros guias para auxiliar na seleção das quê, o como e o para quem colecionar (Weitzel, 2002).
obras mais pertinentes às bibliotecas, tanto do ponto de É importante esclarecer que formar e desenvolver
vista técnico quanto prático, uma vez que os títulos reco- coleções vai mais além que selecionar e adquirir obras. A
mendados para fazer parte do acervo estavam listados literatura da atualidade define desenvolvimento de cole-
com as apreciações do bibliófilo. ções como um processo cíclico e ininterrupto formado
Essas recomendações eram perfeitamente apli- pelas seguintes etapas ou fases: estudo da comunidade
cáveis tanto a grandes quanto a pequenas bibliotecas e (perfil da comunidade), políticas de seleção, seleção,
apresentam, ainda nos dias de hoje, equivalências às boas aquisição, desbastamento e avaliação (Vergueiro, 1989;
práticas contemporâneas presentes nos manuais de Evans, 2000). Nesse sentido, “seleção” e “aquisição” são
ensino da disciplina “Desenvolvimento de Coleções” em etapas ou fases que compõem um processo mais global
todo o mundo. No entanto, nenhum estudo até o presente de planejamento, que requer as demais etapas para com-
momento apresentou as correspondências entre os pletar-se. Portanto, nos dias de hoje, a impossibilidade de
princípios contemporâneos e aqueles estabelecidos armazenar tudo o que foi escrito e publicado no mundo
naqueles manuais do século XIX, de forma a reconstruir em bibliotecas faz do processo de desenvolvimento de
os principais conceitos e práticas da área hoje deno- coleções uma estratégia, um mecanismo para viabili-
minada “Desenvolvimento de Coleções”. Nesse sentido, zar um espaço social que expresse os anseios de um
foi proposto um estudo em que se fizesse possível essa segmento da sociedade em relação às suas necessidades
correspondência a partir de oito obras de autores euro- informacionais (Weitzel, 2006).
peus do século XIX, a maioria bibliófilos reconhecidos, a No entanto, no passado, da Antiguidade até a
saber: Peignot (1823), Namur (1834), Hesse (1841), Rouveyre Idade Moderna, “a lógica praticada era a de se colecionar
(1878), Richard (1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire praticamente tudo o que existia disponível, uma vez que
(1896). As oito obras foram identificadas no acervo das a produção editorial estava ainda em seu estágio inicial”
coleções que apoiaram o curso de Biblioteconomia na (Weitzel, 2002, p.62). Nesse período, imperava a ideia de
Biblioteca Nacional, o primeiro a surgir no Brasil em 1911, acumulação e armazenamento de coleções, princípio
contribuindo para a reconstrução de uma parte das bases perfeitamente viável na Idade Média, tendo em vista as
teóricas da área daquele período. Partiu-se do pressuposto tecnologias disponíveis para reprodução de documentos
180
de que as obras da área presentes no acervo que apoiou e o volume menor de obras comparado com os séculos
a formação de bibliotecários no curso da Biblioteca Na- seguintes, após o advento da prensa com tipos móveis.
cional poderiam ter sido a base teórica mais representativa Esse modus operandi tem em Bury (2005) seu mais
do século XIX. ilustre representante, cuja obra “Philobiblon”, original-
Os principais resultados demonstram que os auto- mente publicada em 1344 e recentemente traduzida para
res do século XIX já apresentavam os principais conceitos, o português, apresenta suas considerações baseado no
métodos e práticas presentes nas obras contemporâneas, amor incondicional aos livros por representar a palavra
S.R. WEITZEL

definindo o que se convencionou denominar de abor- divina e tem o mérito de revelar as práticas da época em
dagem baseada no acesso orientada para as necessidades relação às coleções de livros, de sua organização a seu
dos usuários. uso e zelo.

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Já na primeira metade do século XVII, os modelos abordagem acumulativa e exaustiva em relação às cole- 181
que apoiavam a formação de coleções consideravam ções foi sendo alterada tendo em vista a necessidade

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
aspectos religiosos ou relativos à raridade e luxo das obras, premente de selecionar as obras de relevância e de qua-
sem considerar o valor de seu conteúdo: idealizavam a lidade.
biblioteca como um retiro, à margem das atividades do- No século XX, o cenário delineado no século an-
mésticas e públicas; ou como um espaço de curiosidades terior em relação ao volume crescente da produção edi-
e obras seletas, concretizado principalmente por cole- torial agravou-se ainda mais, tendo em vista a especiali-
cionadores que valorizavam os elementos extrínsecos, zação das áreas do conhecimento e os grandes investi-
tal como a encadernação com dourações e folhas de mentos em pesquisa e desenvolvimento acompanhados
ouro; ou ainda como a concepção jesuítica que sele- de um crescente número de pesquisadores no mundo.
cionava apenas os livros cristãos, excluindo as obras consi- Esse quadro foi propício para o florescimento de proce-
deradas heréticas, profanas ou heterodoxas (Jannuzzi, dimentos mais avançados que pudessem lidar com ta-
2001). manha complexidade em relação às coleções em bi-
bliotecas.
Apesar disso, nesse mesmo período, Naudé (1627)
apresentou inovações, especialmente em relação ao A literatura especializada, notadamente a norte-
processo de seleção, que não se alinhava à concepção de -americana, atribui como marco dessa nova abordagem
bibliotecas voltadas para a acumulação e armazenamen- os estudos desenvolvidos nos Estados Unidos na década
to - abordagem que, de acordo com Jannuzzi (2001), era de 1960 “quando nos Estados Unidos, apesar dos fortes
investimentos em construções de prédios para alocação
predominante até a Idade Moderna. Para Naudé (1627), as
das coleções, percebeu-se que não era racional adquirir
bibliotecas deveriam adotar critérios de seleção para for-
tudo o que era produzido” (Vergueiro, 1993, p.14). Dessa
mar coleções úteis, o que contestava a orientação de que
maneira, propagou-se o que foi considerada uma nova
a biblioteca deveria ser um lugar para acumular tudo o
abordagem, que valoriza o acesso - orientado fortemente
que havia disponível. Outra ideia inovadora de Naudé
pela missão institucional e perfil dos usuários -, que visa
estava baseada na integração de bibliotecas isoladas para
às necessidades dos usuários em detrimento da posse
que, juntas, espelhassem um conjunto integral e alta-
do material. O termo desenvolvimento de coleções foi, a
mente seletivo, representando todas as coleções de todas partir desse momento, consagrado pela literatura espe-
as bibliotecas, o que preconizava a ideia contemporânea cializada para designar os processos e as políticas que
de bibliotecas em redes. envolvem ações em relação às coleções.
A expansão do volume da produção editorial, que No entanto, os primeiros autores a tratar dos prin-
se iniciou lentamente com a invenção da prensa com cipais fundamentos relativos à seleção e à aquisição de
tipos móveis, e, depois, paulatinamente, avançou para o livros, principalmente, sob a abordagem que considerava
que se denomina hoje de explosão da informação, foi menos a acumulação e mais a necessidade dos usuários
sentida por seus contemporâneos que observaram a foram, além de Naudé (1627), aqueles provenientes do
grandeza de seus efeitos sobre a perspectiva da acu- século XIX e que fazem parte deste estudo: Peignot (1823),
mulação e armazenamento exaustivo de coleções em Namur (1834), Hesse (1841), Rouveyre (1878), Richard (1883),
bibliotecas, especialmente a partir do século XVIII, con- Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). Hoje suas
forme atesta Burke (2002). No século XIX, surgem os recomendações estão presentes em grandes manuais da
clássicos manuais para formar coleções, dentre os quais área de coleções do País e do mundo, sem que sejam
se destaca o de Peignot (1823), que apresenta critérios citados ou lembrados.
para seleção baseados no valor do conteúdo das obras
como uma estratégia para lidar com uma massa docu- Alguns conceitos contemporâneos como
mental exorbitante. Hesse (1841) defende a importância categorias de análise
do que é denominado hoje de instrumentos auxiliares
de seleção para orientar a seleção e o descarte a fim de Os principais conceitos associados ao processo
retirar obras inúteis e desatualizadas. Desse modo, a de desenvolvimento de coleções envolvem os termos

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análise da comunidade, seleção, aquisição, desbastamen- cação (International Federation of Library Associations
to e avaliação de coleções (Evans, 2000). and Institution, 2001);
Para alcançar o objetivo deste estudo, considerado - Níveis de coleção da American Library Association
exploratório, foram destacados apenas os conceitos, mé- (ALA): os temas e assuntos das coleções são agrupados
todos e práticas relacionados com o processo (atividades, em cinco níveis: completeza, pesquisa, estudo, básico e
procedimentos, tarefas etc.) e política (regras, planos, dire- mínimo (Figueiredo, 1998).
trizes etc.) de desenvolvimento de coleções, de seleção e - Dimensões: os temas e os assuntos das coleções
de aquisição como ponto de partida e estratégia meto- são agrupados em: coleção de referência, coleção de las-
dológica possível para viabilizar a análise das oito obras tro, coleção didática e literatura corrente (Miranda, 1980).
selecionadas dos autores do século XIX, denominados A estrutura para formação de coleções funciona
aqui de categorias de análise. Em outras palavras, as oito como um esqueleto para abrigar cada parte específica
obras foram analisadas à luz de conceitos, métodos e das coleções. Assim, cada item selecionado deve exercer
práticas contemporâneos divididos em três grandes cate- uma função clara no acervo, tal como cada parte do es-
gorias: desenvolvimento de coleções, seleção e aquisição. queleto: para pesquisa, para o estudo, para o trabalho,
para o lazer etc., correspondendo ao que foi estabelecido
na estrutura.
Desenvolvimento de coleções

De acordo com Maciel e Mendonça (2000, p.16), o Seleção


processo de desenvolvimento de coleções é “uma ativi-
dade de planejamento, onde o reconhecimento da co- A seleção, entendida como uma etapa do pro-
cesso de Vergueiro (2010), pode ser resumida em:
munidade a ser servida e suas características culturais e
informacionais oferecerão a base necessária e coerente - Processo de seleção: está relacionado com as
para o estabelecimento de políticas de seleção [...]”, bem etapas da seleção, inclui o trabalho da comissão de
como de todas as demais atividades inerentes ao pro- seleção que toma decisões sobre quais itens devem ser
cesso: análise da comunidade, aquisição, desbastamento incorporados e elabora a lista desiderata, isto é, a lista de
e avaliação de coleções. itens aprovados para serem incorporados segundo crité-
rios estabelecidos em uma política;
Do mesmo modo, uma política de desenvolvi-
mento de coleções deve, de acordo com Figueiredo (1998), - Política de seleção: apresenta as responsabili-
considerar os objetivos institucionais e as necessidades dades dos atores do processo de seleção (bibliotecários e
de sua comunidade e requer, segundo Evans (2000), a comissão de seleção), os critérios estabelecidos, os instru-
criação de um plano ou política para corrigir as fraquezas mentos auxiliares de seleção, entre outras políticas espe-
das coleções enquanto mantém as fortalezas que envol- cíficas que podem se relacionar com questões sobre
vem critérios e diretrizes relativos às ações que deverão censura na seleção, duplicação de itens, coleção de obras
ser empreendidas em relação ao acervo. raras e/ou locais, entre outros.
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A política deve também descrever a estrutura para
Aquisição
a formação das coleções, isto é, sob qual lógica as coleções
serão colecionadas. Nesse sentido, a missão e os objetivos De acordo com Evans (2000, p.293), o processo de
da biblioteca e da instituição que a mantêm orientarão a aquisição “envolve a localização e a aquisição de itens
formação e o desenvolvimento de coleções. Os principais identificados como apropriados para a coleção”. Para
modelos de estrutura para coleções conhecidos no Brasil Figueiredo (1998) e Maciel e Mendonça (2000), a aquisição
são: é um processo que implementa as decisões da seleção
S.R. WEITZEL

- Modelo Conspectus: os temas e os assuntos das por meio da compra, doação e permuta de documentos,
coleções são determinados pela concentração de exem- incluindo a alocação de recursos e registro dos itens para
plares em classes e subclasses de um esquema de classifi- fins de patrimônio.

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Métodos ao se referir às coleções produzidas por um país: “Fundar 183
[formar], se ainda não existe, e desenvolver, se já existe,

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
Este estudo faz parte das pesquisas que vêm sendo um grupo, uma série fechada de obras e coleções de
realizadas desde 2007 (Weitzel, 2009), as quais possibi- revistas próprias do País, tratando de sua história sobre
litaram mapear autores do século XIX que trataram do todas as formas: essa será a característica distintiva de
assunto denominado hoje “Desenvolvimento de Cole- todas as nossas bibliotecas provinciais”.
ções”, a partir do acervo que apoiou a formação de bi-
O estudo da origem do termo no idioma francês
bliotecários no curso da Biblioteca Nacional. Partiu-se do seria muito útil para a consolidação do termo desen-
pressuposto de que as obras da área presentes naquele volvimento de coleções, uma vez que a ideia de desen-
acervo poderiam ter sido a base teórica mais represen- volver coleções já estava posta. Essa compressão estava
tativa da época sobre o tema. As coleções, conforme presente em Gräsel (1893, 1897), que considerava que o
visto, estão desde 1980 na Biblioteca da UNIRIO e fazem êxito do processo destinado a formar coleções estava
parte do setor de Obras Raras da Biblioteca Central. O condicionado à função de planejamento, uma caracte-
trabalho de Fonseca (1991) auxiliou na seleção das obras, rística própria do termo “Desenvolvimento de Coleções”
uma vez que apresenta uma lista dessa coleção. Todos os na atualidade. Aprofunda a função de planejamento nesse
autores são europeus e muitos são bibliófilos: Peignot processo ao recomendar que sejam definidos os propó-
(1823), Namur (1834), Hesse (1841), Rouveyre (1878), Richard sitos e objetivos para os quais uma biblioteca existe, bem
(1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). As como de seu público-alvo.
edições das obras europeias citadas nem sempre são as
Gräsel (1914, p.253, tradução minha) adestaca a
primeiras edições. A obra consultada de Gräsel, por exem-
relação de interdependência entre os objetivos institu-
plo, foi a edição italiana (1893) e francesa (1897). A primeira
cionais e as coleções ao definir que uma biblioteca aberta
edição original não foi identificada até o presente mo-
ao público deve “responder ao objetivo em torno do qual
mento. A leitura dos oito textos selecionados foi orientada
foi criada, para que preste os serviços aos quais está
pelas três categorias de análise apresentadas acima
chamada a oferecer”, de forma “que as coleções cresçam
(desenvolvimento de coleções, seleção e aquisição), pos-
de uma maneira contínua”.
sibilitando apresentar os fundamentos estabelecidos por
esses autores sob a forma de revisão de literatura. Tendo em vista esses pressupostos, isto é, os obje-
tivos e o público ao qual a biblioteca deve atender, Gräsel
(1914) revela que os tipos de bibliotecas determinam
A abordagem dos autores do século XIX formas diferentes de proceder essa atividade. Isto é, uma
biblioteca que tem um acervo de caráter geral deve consi-
No século XIX, não havia o termo “Desenvolvi-
derar as coleções em seu conjunto, em lugar de se ater a
mento de Coleções”, e “Seleção” e “Aquisição” aparecem
uma ou mais classes, tal como é exigido para bibliotecas
sob variada denominação. Por isso, os conceitos, métodos
especializadas.
e práticas identificados nos oito textos foram agrupados
e analisados sob as categorias de análise de modo a Por isso, Gräsel (1914, p.32, tradução minha) defen-
permitir a comparação entre cada obra e autor. de o que ele denominou de “plano” e que deve ser esta-
belecido de acordo com os objetivos a que a biblioteca
se propôs, de forma a fazer frente à “imensa produção
Desenvolvimento de coleções literária e científica de nosso tempo”, tendo em vista as
condições necessárias para reunir em uma só biblioteca
De acordo com Vergueiro (1989), o termo “Desen- “tudo o que se publica em relação a uma só ciência”. A
volvimento de Coleções” passa a ser adotado somente adoção do plano evita o que o autor denominou de
no século XX, especificamente a partir da década de 1960, “resultados desastrosos como: dissipação de fundos e,
conforme visto. No entanto, o verbo “desenvolver” foi por outro lado, acumulação de obras sem nenhum valor,
identificado no texto de Maire (1896, p.83, tradução minha) em prejuízo a outras que trariam resultados valiosos”.

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Em relação ao trecho em que Maire (1896) reco- b) Segunda classe: compreende livros preciosos
mendou “desenvolver coleções” destinadas a representar (Petzholdt, 1894; Gräsel,1914) ou notáveis (Gräsel, 1914).
a produção de um país, Rouveyre (1878, p.4, tradução Petzholdt (1894, p.60, tradução minha) reconhece a difi-
minha) também recomenda a formação de coleções de culdade de identificar um livro notável e elenca uma
obras representativas dos “grandes poetas, dos literários série de critérios passíveis de verificação:
de primeira ordem, teorias religiosas, filosóficas e cien- Um livro pode ser notável porque pertence a
tíficas, bem concentradas, bem concluídas, permitindo uma época muito antiga, porque foi escrito por
defender, sem esforços, aquilo que o fez apreciar essas um autor renomado, ou porque foi publicado
teorias ou experiências primordiais”. Essas recomendações por um editor famoso, ou porque trata de um
para “desenvolver” coleções específicas em bibliotecas assunto de especial importância, ou porque se
tinham por objetivo definir uma estratégia de ação de distingue dos demais por sua forma exterior,
forma a enfrentar “a enorme quantidade de escritos de isso é, esplêndida e preciosa, ou por que é pro-
duto de uma renomada imprensa.
todas as formas, sem se deixar levar pelo primeiro desen-
corajamento que iniba qualquer sentimento de reação”. c) Terceira classe: compreende os livros raros. Gräsel
Essas estratégias apresentam correspondências com o (1914) explica que os livros raros dividem-se em duas
que é denominado hoje de estrutura para formação de categorias: uma que considera as obras como raras desde
coleções, tais como o modelo Conspectus, os níveis de o seu surgimento, e outra inclui as que se tornaram raras
coleção da ALA e as quatro dimensões de Miranda (1980). ao longo do tempo. Gräsel (1914, p.12, tradução minha)
Richard (1883) cita, entre outros autores, o próprio considera também outros critérios dos quais se destacam
Rouveyre, indicando os guias importantes para apoiar a aspectos referentes ao conteúdo e à forma: “[...] imprensa
seleção das melhores obras a fim de se formar um núcleo célebre como a de Alde, os Etienne, ou de Elzevir; porque
básico de obras ideais, incluindo sua quantidade. Essa foi escrito ou impresso sobre uma matéria que não se vê
indicação também pode ser considerada como a estru- normalmente, porque seu corte ou sua forma se dife-
tura para formar coleções proposta por Richard: os rencia das usualmente empregadas ou que sua enca-
romances (sugeridos por Rouveyre e outros), os clássicos dernação é de notável beleza, elegância e luxo”.
franceses, novos livros publicados no ano corrente e obras Para Petzholdt (1894, p.61, tradução minha), as ca-
de referência: tegorias de raridade são inúmeras e contraditórias em
Comprados os quinhentos volumes de romances função da “circunstância de tempo ou de lugar em que
com Levy, Charpentier e em Rouveyre e Blond, foi escrito” ou em função da “bibliomania”, cujos critérios
adicione uma reimpressão integral de Memórias
são mais pessoais e subjetivos.
de Didot, Victor Hugo do Século XVIII, uma
coleção de conhecidos clássicos franceses, como Tanto Petzholdt (1894) quanto Gräsel (1914) adver-
o Príncipe Imperial, a partir de Plon, os vinte novos tem que é possível que uma obra pertença a mais de
livros do anoe um Larousse para uma fácil eru-
uma classe, o que demonstra o quanto esses autores
dição (Richard, 1883, p.8, tradução minha).
eram sensíveis à complexidade do processo de seleção
A estrutura para formação de coleções também
propriamente dito. Um mesmo livro poderia fazer parte
184 está presente na proposta de Petzholdt (1894) e de Gräsel
de uma ou mais classes.
(1914), que concebem o acervo em três grandes classes:
primeira, segunda e terceira. Tal como Gräsel (1914), Morel (1908, p.409, tradu-
ção minha) recomenda que o acervo expresse a finalidade
a) Primeira classe: compreende livros importantes
das bibliotecas. Assim, para as bibliotecas públicas,
do ponto de vista científico - incluindo as obras funda-
mentais, isto é: “[...] trabalhos consideráveis ou mono- devemos colecionar “obras feitas para o povo”; para as
grafias que, em razão das novas e originais investigações bibliotecas literárias, as obras de literatura incluindo crí-
consignadas ou do novo método adotado para exposição tica, estética e afins - “tudo que dá prazer”; para “bibliotecas
S.R. WEITZEL

dos feitos já conhecidos, de algum modo tenham feito científicas, toda vulgarização; para as bibliotecas sociais,
época na ciência e adquirido por essa razão um valor a política”. Além desses níveis, Morel (1908, p.413) incluiu
duradouro” (Gräsel, 1914, p.11, tradução minha). na estrutura para formação de coleções os livros de

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referência correntes quando explica a necessidade de esses procedimentos como próprios do processo de 185
formação de núcleos para esse tipo de coleções. Sua seleção, sendo a lista com os itens de interesse deno-

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
proposta apresenta uma grande correspondência com a minada de lista desiderata.
estrutura para formação de coleções para bibliotecas Maire (1896, p.83) também destacou a importância
universitárias proposta por Miranda (1980), que inclui do papel do bibliotecário em comissões de seleção para
também as coleções de referência como uma das dimen- avaliar o que ele denominou de “registro de demandas”
sões, além da coleção de lastro, coleção didática e litera- em bibliotecas universitárias. Isto é, as sugestões dos
tura corrente. usuários são anotadas incluindo as dos professores. Ao
final de cada ano, as sugestões são encaminhadas à
Seleção comissão para identificar as necessidades reais e alocar
recursos. Gräsel (1914, p.255, tradução minha) considera
Apesar do excesso de publicações que já se obser- o “livro de pedidos” um mecanismo “muito sensível”, pois
vava naquele período, Peignot (1823, p.14) valorizava a tem como princípio atender maior número de pessoas e
seletividade em detrimento da quantidade e se preocu- evitar erros uma vez que “cada um pode escrever os títulos
pava em combater a ideia de acumulação, aconselhando: das obras cuja aquisição lhe parece necessária”.
“Não se lamente pela escassez de livros [em sua biblioteca], “Este sistema empregado em numerosos estabe-
o importante não é ter muitos, mas ter os bons. A multidão lecimentos até o momento tem dado bastantes resul-
de livros existe apenas para distrair o espírito”. tados: o bibliotecário constantemente atualizado em
De acordo com Hesse (1841), cabe às bibliotecas a relação aos desejos do público, permitindo satisfazê-los
responsabilidade de estabelecer as necessidades de “nosso na medida em que os julgue verdadeiramente sérios e
tempo”. A seleção, portanto, se apresenta como um recur- bem fundados” (Gräsel, 1914, p.255, tradução minha).
so técnico para identificar os bons livros da “multidão” e Porém, Gräsel (1914) não recomenda que o bi-
identificar essas necessidades denominadas hoje de bliotecário se exponha apresentando as razões pelas quais
necessidades dos usuários. Gräsel (1914) defende que o uma obra não foi adquirida, pois o usuário não
responsável pela seleção seja o próprio bibliotecário que compreenderia. Na atualidade, essa prática não é comum,
conhece as necessidades envolvidas, e suas ações não se uma vez que as decisões devem ser transparentes e
baseiam em “ideias preconcebidas” e sim no “interesse da coletivas, o que legitima o pensamento institucional ou
biblioteca” - em outras palavras, em um interesse maior: de uma comunidade por meio da comissão de seleção.
que tanto pode ser entendido como missão da instituição
As comissões de seleção também podem ter uma
quanto necessidades dos usuários. Apesar de Gräsel (1914,
composição diferenciada. Gräsel (1914, p.256, tradução
p.258, tradução minha) considerar que o bibliotecário minha) relata a prática, em outros países, de compor co-
esteja apto para conduzir a seleção - seja por sua formação, missões especiais em bibliotecas universitárias com pro-
seja por sua experiência em “conciliar os recursos dispo- fessores e bibliotecários. O autor destaca uma experiência
níveis com as necessidades do público” -, aconselha “vigi- na França que não resultou em boas práticas, uma vez
lância” em seu exercício de forma a evitar “arbitrarieda- que foram dados “poderes exorbitantes” às comissões à
de” ou “um espírito exclusivista”. Recomenda ainda inteli- revelia da administração da biblioteca. Sua sugestão é
gência e discrição, pois “o bibliotecário não é infalível”. que, em lugar desse tipo de comissão, as decisões dos
Essa ideia está presente também em Namur (1834, bibliotecários sejam compartilhadas com seus pares
p.97, tradução minha), traduzida nos seguintes proce- (Gräsel, 1914). Quando uma comissão é formada por pro-
dimentos práticos: recomenda que um selecionador seja fessores ou outros membros da comunidade servida pela
responsável pelo processo de seleção, que os critérios es- biblioteca, Vergueiro (2010) a denomina de comissão
tabelecidos sejam aplicados a partir de um plano geral e deliberativa. Segundo Vergueiro (2010, p.59), muitas vezes
que seja elaborada uma lista com os itens de interesse ou essa estrutura de poder decisório pode “representar uma
úteis como forma de “prevenir abusos”. Autores contem- limitação à autoridade/autonomia do profissional
porâneos como Evans (2000) e Vergueiro (2010) descrevem [bibliotecário]”, mas “seus aspectos positivos devem ser

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explorados ao máximo”, pois proporcionam um contato modo, Petzholdt (1894) adverte de que os recursos das
maior com usuários, o debate sobre suas necessidades e bibliotecas são escassos, sendo por isso um equívoco se-
o apoio político. rem adquiridas obras supérfluas.
Os critérios de seleção visam a proporcionar “um Para orientar a seleção, além dos critérios, Hesse
julgamento saudável” das obras a serem incorporadas ao (1841) destaca a importância das obras de bibliografias e
acervo (Rouveyre, 1878, p.4). A maioria dos autores anali- dos materiais bibliográficos que têm a mesma função do
sados recomendou que os critérios de seleção fossem que denominamos hoje de instrumentos auxiliares de
baseados no quanto uma obra poderia ou não ser útil. seleção. Essas fontes permitem a identificação e o conhe-
Com esse recurso, seria possível garantir um equilíbrio cimento das obras, dos preços, de sua raridade e também
o julgamento de seu valor intrínseco e extrínseco (Hesse,
entre as coleções, uma vez que o acervo seria formado a
1841; Richard, 1883).
partir de critérios objetivos e constantes ao longo do
tempo (Gräsel, 1914). A razão disso é que “uma biblioteca Maire (1896) detalha a aplicação direta do catálogo
é feita para prover os livros e não para os dispensar de de livros no processo de seleção, considerado um dos
principais instrumentos auxiliares de seleção: “Os bi-
serem lidos” (Morel, 1908, p.409, tradução minha): os
bliotecários não devem desdenhar dos catálogos de
critérios definem o que será colecionado, lido e usado
livros de ocasião, franceses e estrangeiros, pois eles pode-
em uma biblioteca.
rão extrair a prática dos preços dos livros, de suas flu-
Para Gräsel (1914, p.10, tradução minha), os critérios tuações e servirão para tirar proveito das ocasiões em
de seleção podem ser categorizados segundo três as- que os preços parecerão bons” (Maire, 1896, p.86, tradução
pectos: minha). Gräsel (1914) lista as bibliografias, gerais e espe-
[...] a utilidade ou inutilidade de um livro podem cializadas, e os catálogos de antiquários, que servirão
ser apreciadas tanto do ponto de vista da bi- como guias para a seleção de obras, incluindo as obras
blioteca na qual o livro encontrará lugar, quanto antigas.
do ponto de vista do valor intrínseco da obra [...],
Gräsel (1914, p.261, tradução minha) recomenda
[e de] suas peculiaridades extrínsecas ou a certas
ainda que o bibliotecário se mantenha informado sobre
particularidades exteriores.
“as novas publicações, as coleções de bibliografias e,
Em outras palavras, os critérios de seleção podem sobretudo, as atualizações de todas as obras que aparecem
ocorrer: a) em relação ao usuário quando o julgamento sobre bibliografia e biblioteconomia”.
se dá pelo ponto de vista da biblioteca ou de suas ne-
cessidades; b) em relação ao documento em si quando o
julgamento se dá pelo valor intrínseco da obra; c) em Aquisição
relação às características extrínsecas ao documento.
A necessidade de uma política de aquisição já era
Segundo essa orientação, Gräsel, (1914) exemplifica a
defendida por Peignot (1823, p.5, tradução minha) como
aplicação dos critérios, relatando que uma excelente obra
o primeiro passo para acertar as aquisições em uma bi-
de teologia não terá utilidade em uma biblioteca dedicada
186 blioteca:
à jurisprudência. Essa categorização de critérios cor-
A forma mais certa de evitar inconvenientes aos
responde à revisão de literatura analisada por Vergueiro quais nos acostumamos quando não há tempo
(2010) sobre os critérios de seleção distribuídos em três de remediá-los é não fazer nenhuma aquisição
grandes tópicos: quanto ao documento, quanto à ade- sem anteriormente ter traçado um plano; e esse
plano, uma vez traçado, deve ser seguido forte-
quação ao usuário e aspectos adicionais aos documentos.
mente, sem que ele seja descartado sob nenhum
Gräsel (1914) ainda chama a atenção para outro pretexto.
critério de seleção: os custos das obras que conferem Gräsel (1914) sugere que, quando se está formando
S.R. WEITZEL

grande responsabilidade aos bibliotecários ao adquirirem o primeiro fundo para uma biblioteca que ainda não tem
obras acessíveis a todas as fortunas, tal como o critério acervo, o bibliotecário deve investir na aquisição de
“custo” identificado por Vergueiro (2010, p.24). Do mesmo coleções de terceiros. Essa estratégia pode ser útil para

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cobrir um período retrospectivo ou obter clássicos de doações em bibliotecas francesas naquele período ocor- 187
uma área. Depois de formada recomenda que as coleções riam sob três formas:

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
sejam atualizadas com novas publicações sempre de 1º: envio de obras e revistas pelo Ministério de
forma que essa passe a ser a estratégia principal. Algum Instrução Pública (serviço de subscrição); 2º: envio
material mais antigo poderá ser incorporado, mas, das obras recebidas por depósito legal e que
segundo Gräsel (1914), essa não será mais a regra a ser se- não são destinadas à Biblioteca Nacional ou a
qualquer outra grande biblioteca (serviço de
guida.
depósito legal); 3º: doações de particulares, seja
O controle do processo de aquisição foi previsto de coleções completas, seja de obras separadas.
por Namur (1834, p.98, tradução minha), que recomen- Para Gräsel (1914, p.291, tradução minha), o depó-
dava anotar, em forma de registro, os dados relativos ao sito legal é um dos modos de aquisição por doação mais
processo de aquisição para possibilitar “a verificação, a comum em Bibliotecas Nacionais. O poder de uma lei
qualquer dia, se todos os livros selecionados foram torna o depósito legal um recurso importante “para con-
realmente adquiridos pela biblioteca, se todo o trabalho servar de um modo completo e na íntegra a produção
indicado foi realmente executado”. científica e literária de nosso tempo”. No entanto, a pro-
Maire (1896) destaca a importância das verbas posta de Gräsel (1914, p.294, tradução minha) é adotar
para aquisição por compra, uma vez que o acervo não esse mesmo recurso em outros tipos de bibliotecas, como
terá qualidade se for composto apenas por doações. Do as bibliotecas universitárias. Nesse caso, seria exigido, por
mesmo modo, Morel (1908) recomenda que a biblioteca um instrumento legal, que o corpo docente fizesse o
tenha um orçamento destinado à aquisição de novas depósito legal de sua produção nas bibliotecas da uni-
obras visando a temas da atualidade: “Um bibliotecário versidade, uma vez que “as obras interessam diretamente
deve seguir o movimento. Ele deve possuir um resto de à história da universidade, ao mesmo tempo em que são
crédito para adquirir o mais rápido possível o livro”, sobre uma das manifestações mais aparentes de sua atividade
o qual há maior interesse das pessoas (Morel, 1908, p.414, intelectual”. Nos dias atuais, a formação de coleções locais
tradução minha). Apesar de as verbas serem sempre res- tem sido uma prática bastante valorizada, tendo em vista
tritas, Maire (1896, p.82, tradução minha) também reco- os aspectos relativos à identidade e à memória - questões
menda que o bibliotecário faça um esforço para alocar de alta relevância na sociedade contemporânea.
os recursos não apenas para conservação do material,
Já a permuta, segundo Maire (1896, p.88, tradução
mas também para as novas aquisições:
minha), era uma prática na França desde o século XVII,
As aquisições são, em geral, pouco nobres nos
apesar de não ser tão comum quanto a compra e a
depósitos comunais da França; com exceção de
algumas grandes cidades que consagram um doação desde aquele período: “Essa ideia de permuta
orçamento especial para o desenvolvimento de internacional, excluída da prática durante o século XVIII e
seus depósitos, as outras bibliotecas viam seu no começo do nosso [século XIX], teria estado em honra
orçamento absorvido, em grande parte, pela e teria sido praticada anteriormente. Assim, em 1694, a
conservação do material, pela encadernação e biblioteca do Rei [da França] trocou seus livros dobrados
pela compra de algumas revistas. Entretanto, é
por aqueles impressos no estrangeiro”.
importante que o bibliotecário tenha todos esses
cuidados ao aumentar as coleções locais; nenhu- A vantagem da permuta como modo de aquisição
ma ocasião deve ser desprezada, e o funcionário é viabilizar a aquisição de livros de baixa tiragem, tais
não deve hesitar em aplicar - na medida do pos- como teses ou livros do Estado, livros raros e livros impres-
sível - uma parte do orçamento ao crescimento sos em outros países (Maire, 1896, p.88). Gräsel (1914, p.281,
de suas coleções.
tradução minha) destaca a importância da permuta como
O conselho de Maire (1896) visa à qualidade das recurso contínuo para garantir a qualidade das coleções:
coleções, destacando o papel da aquisição como um “permutando suas publicações com quase todas as
mecanismo para concretizar o processo de seleção por sociedades científicas do mundo, suas bibliotecas
meio da compra e também, em sua medida, da doação e alcançaram pouco a pouco [...] uma riqueza surpreen-
da permuta. Para Maire (1896, p.82, tradução minha), as dente”. Um dos desafios dos bibliotecários do século XXI

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é justamente redefinir o papel da permuta para as práticas Verificou-se, na análise da categoria “Desenvolvi-
da aquisição em tempos de Internet, de forma a alcançar mento de Coleções”, que o termo “desenvolver” foi ado-
também uma “riqueza surpreendente” em coleções de tado por Maire (1896). É possível afirmar que Rouveyre
bibliotecas. (1878), Richard (1883) e Gräsel (1893) tinham uma clara
A necessidade de prestar contas foi descrita por noção de que “desenvolver coleções” envolve
Gräsel (1914, p.260, tradução minha) como uma tarefa do planejamento que, por sua vez, não prescinde de um
processo de aquisição: plano (política) e de atividades contínuas em relação às
O melhor sistema de controle é o que consiste coleções por um profissional (processo). Outro aspecto
em exigir do bibliotecário uma relação anual verificado refere-se à “estrutura para formação de
acerca de sua administração, obrigando-lhe não coleções”, o que não é um modelo contemporâneo, uma
somente as somas que lhe foram entregues para
vez que já havia sido proposto por Richard (1883), Gräsel
as compras, senão também provar que estas so-
mas foram repartidas igualitariamente entre as
(1893) e Petzholdt (1894).
diversas ciências representadas em sua bibliote- Em relação à categoria “seleção”, foi observado
ca, de modo que possa dar-se conta, sem nenhu- que Peignot (1823) detalha a importância dos critérios,
ma dificuldade, de seus respectivos desenvolvi-
sobretudo para “desenvolver coleções” de forma equili-
mentos.
brada, sistemática e coesa, expressando as necessidades
A recomendação de Gräsel (1914) é verificar o
da comunidade - ideal compartilhado também por Hesse
quanto de recursos foi aplicado em quais temas e
(1841), Rouveyre (1878) e Gräsel (1914). A seleção também
assuntos, pois, desse modo, é possível verificar se o que
já era compreendida como processo e como política es-
tinha sido estabelecido no plano ou política foi cumprido.
pecialmente por Namur (1834). A responsabilidade da
Em relação à fonte de recursos financeiros, Gräsel seleção por um bibliotecário foi identificada em Hesse
(1897) descreve como a sociedade norte-americana (1841), Maire (1896) e Gräsel (1914), sendo que esse último
valoriza as doações em dinheiro às bibliotecas públicas a
descreveu o funcionamento de comissões de seleção e
ponto de anunciar, em uma seção na revista Library
suas desvantagens. O processo de seleção foi descrito
Journal, as doações realizadas pelas pessoas. Apesar de
por vários autores, que destacaram, principalmente: a) a
não ser uma prática na Europa naquele período, Gräsel
lista desiderata, denominada por Maire (1896) de “registro
incentiva o bibliotecário a buscar novas fontes para
de demandas” dos usuários e por Namur (1834) de lista
aumentar o orçamento. Dentre suas sugestões, está a
com itens de interesse; b) os instrumentos auxiliares de
edição de catálogos ou impressão de manuscritos.
seleção, que foram abordados por Hesse (1841) e Maire
Reconhece, no entanto, que os bibliotecários estão sobre-
(1896) como um mecanismo para identificar obras per-
carregados com seus afazeres e dificilmente conseguem
tinentes à seleção.
se envolver em novos projetos. Gräsel é um dos autores
que mais detalhou os desafios e a complexidade de se A análise da categoria “aquisição” demonstrou a
planejar o orçamento e alocar recursos - questões ainda visão gerencial dos autores do século XIX: a) Peignot (1823)
188 atuais que preocupam bibliotecários do século XXI. defendia uma política de aquisição; b) Namur (1834)
destacou a importância de se controlar os dados sobre o
processo de aquisição; c) Gräsel (1914) dá instruções para
Resultados planejar um orçamento e alocar recursos financeiros e d)
Maire (1896) e Morel (1908) defendem a aquisição por
Para viabilizar as correspondências teórico-prá-
compra como um recurso para atualizar as coleções.
ticas entre o período do século XIX e XXI, oitos obras de
Questões sobre a doação e a permuta foram consideradas
oito autores do século XIX foram selecionadas e analisadas
sob três grandes categorias contemporâneas: desenvolvi- por Maire (1896) e Gräsel (1914), que destacaram vantagens
S.R. WEITZEL

mento de coleções, seleção e aquisição de livros. A partir e desvantagens ainda hoje desafiadoras.
dessa análise, foi elaborada a revisão de literatura, em Portanto, é possível inferir que essas correspon-
que se destacaram as principais correspondências. dências teórico-práticas permitiram verificar que esses

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oito autores apresentaram contribuições significativas sobretudo para verificar, por exemplo, as primeiras edi- 189
para o desenvolvimento de teorias, métodos e práticas ções e as citações entre os autores, uma vez que o padrão

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
relativos à área, apesar de não serem citados na contem- de citação desse período era muito peculiar.
poraneidade. Outro aspecto de relevância que poderia ser apro-
fundado em pesquisas futuras seria a correspondência
Considerações Finais desses autores dos séculos passados com as teorias e as
metodologias estabelecidas nos manuais de ensino da
Essa primeira abordagem da pesquisa demons- disciplina Desenvolvimento de Coleções em todo o mun-
trou o quanto é importante verificar nos séculos passados do nos dias atuais, de forma a conhecer as origens da
a literatura dedicada à área que orientou conceitos, mo- abordagem hegemônica baseada no acesso em detri-
delos e práticas contemporâneas. Foi possível verificar mento daquela orientada pela acumulação, de forma a
que o problema da explosão da informação não é recente contribuir para a elaboração de uma teoria de desenvolvi-
e afetou todos os processos destinados à formação de mento de coleções mais integrada e completa.
coleções e sua manutenção. Vários autores apresentaram Essa reconstrução é urgente para se compreen-
soluções para lidar com a complexidade decorrente derem as diferentes abordagens que envolveram a for-
daquele fenômeno já no século XIX que são adotados, mação e o desenvolvimento de coleções desde a anti-
em certa medida, até hoje, tal como o foco no acesso, nas guidade até o momento atual e que vêm sendo deli-
políticas estabelecidas segundo os objetivos institu- neadas pelas coleções digitais e pelos novos desafios
cionais e nas necessidades dos usuários, entre outras. para os bibliotecários da área.
Também é possível que esses autores analisa-
dos neste estudo sejam sucessores de outros do século Agradecimentos
XVIII - período considerado como o mais expressivo do
fenômeno da explosão da informação, conforme visto. À Ananda Xavier de Almeida Bastos e Bruna Muniz
Para isso, serão necessários estudos mais avançados Cajé, que levantaram os dados para essa pesquisa.

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