Origens e Fundamentos de Desenvolvimentos de Coleções
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Origens e Fundamentos de Desenvolvimentos de Coleções
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Desenvolvimento de coleções: origem
DESENVOLVIMENTO
dos fundamentos contemporâneos
ARTIGO DE COLEÇÕES
Collection development: birth of
contemporary foundations
Resumo
O artigo apresenta o resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi identificar as correspondências entre os fundamentos da área
hoje denominada de desenvolvimento de coleções e aqueles estabelecidos no século XIX, a fim de reconstruir os principais
conceitos, métodos e práticas da área. Propõe um estudo exploratório para viabilizar essa correspondência a partir de oito obras
escolhidas de autores europeus do século XIX, a maioria bibliófilos reconhecidos, a saber: Peignot (1823), Namur (1834), Hesse
(1841), Rouveyre (1878), Richard (1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). Essas obras serão analisadas a partir de três
categorias contemporâneas da área: desenvolvimento de coleções, seleção e aquisição, por meio do método de revisão de
literatura. Conclui-se, por fim, que o fenômeno da explosão da informação afeta o processo de desenvolvimento de coleções
como um todo desde o século XVIII. Os autores do século XIX selecionados para o estudo apresentaram várias soluções - as quais
fortaleceram o que hoje é denominado de abordagem baseada no acesso à informação - para lidar com a complexidade gerada
pelo fenômeno da explosão da informação.
Palavras-chave: Aquisição. Desenvolvimento de coleções. Seleção.
Abstract
This study presents the results of a research with the aim of identifying the correspondence between the foundations of the area now
known as collection development and those established in the nineteenth century, in order to rebuild the main concepts, methods
and practices in the area. To make this match feasible, an exploratory study as proposed, of eight selected works of Nineteenth-
Century European authors, the majority of them being recognized bibliophiles, namely: Peignot (1823), Namur (1834), Hesse (1841),
Rouveyre (1878), Richard (1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) and Maire (1896). The works of the Nineteenth Century from
three contemporary categories of the area were analyzed: collection development, selection and acquisition, through a literature
review research method. It was concluded that the phenomenon of information explosion has affected the process of collection
development as a whole, since the Eighteenth Century. The Nineteenth-Century authors selected for this study provided several
solutions to deal with the complexity of the phenomenon of information explosion, in which strengthened what that nowadays
is called the approach based on access to information.
Keyword: Acquisitions. Collection development. Book selection.
1
Professora Doutora, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Escola de Biblioteconomia. Av. Pasteur, 458,
Sala 404, 22290-040, Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: <[email protected]>.
Recebido em 3/2/2012 e aceito para publicação em 15/8/2012.
definindo o que se convencionou denominar de abor- divina e tem o mérito de revelar as práticas da época em
dagem baseada no acesso orientada para as necessidades relação às coleções de livros, de sua organização a seu
dos usuários. uso e zelo.
DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
aspectos religiosos ou relativos à raridade e luxo das obras, premente de selecionar as obras de relevância e de qua-
sem considerar o valor de seu conteúdo: idealizavam a lidade.
biblioteca como um retiro, à margem das atividades do- No século XX, o cenário delineado no século an-
mésticas e públicas; ou como um espaço de curiosidades terior em relação ao volume crescente da produção edi-
e obras seletas, concretizado principalmente por cole- torial agravou-se ainda mais, tendo em vista a especiali-
cionadores que valorizavam os elementos extrínsecos, zação das áreas do conhecimento e os grandes investi-
tal como a encadernação com dourações e folhas de mentos em pesquisa e desenvolvimento acompanhados
ouro; ou ainda como a concepção jesuítica que sele- de um crescente número de pesquisadores no mundo.
cionava apenas os livros cristãos, excluindo as obras consi- Esse quadro foi propício para o florescimento de proce-
deradas heréticas, profanas ou heterodoxas (Jannuzzi, dimentos mais avançados que pudessem lidar com ta-
2001). manha complexidade em relação às coleções em bi-
bliotecas.
Apesar disso, nesse mesmo período, Naudé (1627)
apresentou inovações, especialmente em relação ao A literatura especializada, notadamente a norte-
processo de seleção, que não se alinhava à concepção de -americana, atribui como marco dessa nova abordagem
bibliotecas voltadas para a acumulação e armazenamen- os estudos desenvolvidos nos Estados Unidos na década
to - abordagem que, de acordo com Jannuzzi (2001), era de 1960 “quando nos Estados Unidos, apesar dos fortes
investimentos em construções de prédios para alocação
predominante até a Idade Moderna. Para Naudé (1627), as
das coleções, percebeu-se que não era racional adquirir
bibliotecas deveriam adotar critérios de seleção para for-
tudo o que era produzido” (Vergueiro, 1993, p.14). Dessa
mar coleções úteis, o que contestava a orientação de que
maneira, propagou-se o que foi considerada uma nova
a biblioteca deveria ser um lugar para acumular tudo o
abordagem, que valoriza o acesso - orientado fortemente
que havia disponível. Outra ideia inovadora de Naudé
pela missão institucional e perfil dos usuários -, que visa
estava baseada na integração de bibliotecas isoladas para
às necessidades dos usuários em detrimento da posse
que, juntas, espelhassem um conjunto integral e alta-
do material. O termo desenvolvimento de coleções foi, a
mente seletivo, representando todas as coleções de todas partir desse momento, consagrado pela literatura espe-
as bibliotecas, o que preconizava a ideia contemporânea cializada para designar os processos e as políticas que
de bibliotecas em redes. envolvem ações em relação às coleções.
A expansão do volume da produção editorial, que No entanto, os primeiros autores a tratar dos prin-
se iniciou lentamente com a invenção da prensa com cipais fundamentos relativos à seleção e à aquisição de
tipos móveis, e, depois, paulatinamente, avançou para o livros, principalmente, sob a abordagem que considerava
que se denomina hoje de explosão da informação, foi menos a acumulação e mais a necessidade dos usuários
sentida por seus contemporâneos que observaram a foram, além de Naudé (1627), aqueles provenientes do
grandeza de seus efeitos sobre a perspectiva da acu- século XIX e que fazem parte deste estudo: Peignot (1823),
mulação e armazenamento exaustivo de coleções em Namur (1834), Hesse (1841), Rouveyre (1878), Richard (1883),
bibliotecas, especialmente a partir do século XVIII, con- Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). Hoje suas
forme atesta Burke (2002). No século XIX, surgem os recomendações estão presentes em grandes manuais da
clássicos manuais para formar coleções, dentre os quais área de coleções do País e do mundo, sem que sejam
se destaca o de Peignot (1823), que apresenta critérios citados ou lembrados.
para seleção baseados no valor do conteúdo das obras
como uma estratégia para lidar com uma massa docu- Alguns conceitos contemporâneos como
mental exorbitante. Hesse (1841) defende a importância categorias de análise
do que é denominado hoje de instrumentos auxiliares
de seleção para orientar a seleção e o descarte a fim de Os principais conceitos associados ao processo
retirar obras inúteis e desatualizadas. Desse modo, a de desenvolvimento de coleções envolvem os termos
- Modelo Conspectus: os temas e os assuntos das por meio da compra, doação e permuta de documentos,
coleções são determinados pela concentração de exem- incluindo a alocação de recursos e registro dos itens para
plares em classes e subclasses de um esquema de classifi- fins de patrimônio.
DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
Este estudo faz parte das pesquisas que vêm sendo um grupo, uma série fechada de obras e coleções de
realizadas desde 2007 (Weitzel, 2009), as quais possibi- revistas próprias do País, tratando de sua história sobre
litaram mapear autores do século XIX que trataram do todas as formas: essa será a característica distintiva de
assunto denominado hoje “Desenvolvimento de Cole- todas as nossas bibliotecas provinciais”.
ções”, a partir do acervo que apoiou a formação de bi-
O estudo da origem do termo no idioma francês
bliotecários no curso da Biblioteca Nacional. Partiu-se do seria muito útil para a consolidação do termo desen-
pressuposto de que as obras da área presentes naquele volvimento de coleções, uma vez que a ideia de desen-
acervo poderiam ter sido a base teórica mais represen- volver coleções já estava posta. Essa compressão estava
tativa da época sobre o tema. As coleções, conforme presente em Gräsel (1893, 1897), que considerava que o
visto, estão desde 1980 na Biblioteca da UNIRIO e fazem êxito do processo destinado a formar coleções estava
parte do setor de Obras Raras da Biblioteca Central. O condicionado à função de planejamento, uma caracte-
trabalho de Fonseca (1991) auxiliou na seleção das obras, rística própria do termo “Desenvolvimento de Coleções”
uma vez que apresenta uma lista dessa coleção. Todos os na atualidade. Aprofunda a função de planejamento nesse
autores são europeus e muitos são bibliófilos: Peignot processo ao recomendar que sejam definidos os propó-
(1823), Namur (1834), Hesse (1841), Rouveyre (1878), Richard sitos e objetivos para os quais uma biblioteca existe, bem
(1883), Gräsel (1893), Petzholdt (1894) e Maire (1896). As como de seu público-alvo.
edições das obras europeias citadas nem sempre são as
Gräsel (1914, p.253, tradução minha) adestaca a
primeiras edições. A obra consultada de Gräsel, por exem-
relação de interdependência entre os objetivos institu-
plo, foi a edição italiana (1893) e francesa (1897). A primeira
cionais e as coleções ao definir que uma biblioteca aberta
edição original não foi identificada até o presente mo-
ao público deve “responder ao objetivo em torno do qual
mento. A leitura dos oito textos selecionados foi orientada
foi criada, para que preste os serviços aos quais está
pelas três categorias de análise apresentadas acima
chamada a oferecer”, de forma “que as coleções cresçam
(desenvolvimento de coleções, seleção e aquisição), pos-
de uma maneira contínua”.
sibilitando apresentar os fundamentos estabelecidos por
esses autores sob a forma de revisão de literatura. Tendo em vista esses pressupostos, isto é, os obje-
tivos e o público ao qual a biblioteca deve atender, Gräsel
(1914) revela que os tipos de bibliotecas determinam
A abordagem dos autores do século XIX formas diferentes de proceder essa atividade. Isto é, uma
biblioteca que tem um acervo de caráter geral deve consi-
No século XIX, não havia o termo “Desenvolvi-
derar as coleções em seu conjunto, em lugar de se ater a
mento de Coleções”, e “Seleção” e “Aquisição” aparecem
uma ou mais classes, tal como é exigido para bibliotecas
sob variada denominação. Por isso, os conceitos, métodos
especializadas.
e práticas identificados nos oito textos foram agrupados
e analisados sob as categorias de análise de modo a Por isso, Gräsel (1914, p.32, tradução minha) defen-
permitir a comparação entre cada obra e autor. de o que ele denominou de “plano” e que deve ser esta-
belecido de acordo com os objetivos a que a biblioteca
se propôs, de forma a fazer frente à “imensa produção
Desenvolvimento de coleções literária e científica de nosso tempo”, tendo em vista as
condições necessárias para reunir em uma só biblioteca
De acordo com Vergueiro (1989), o termo “Desen- “tudo o que se publica em relação a uma só ciência”. A
volvimento de Coleções” passa a ser adotado somente adoção do plano evita o que o autor denominou de
no século XX, especificamente a partir da década de 1960, “resultados desastrosos como: dissipação de fundos e,
conforme visto. No entanto, o verbo “desenvolver” foi por outro lado, acumulação de obras sem nenhum valor,
identificado no texto de Maire (1896, p.83, tradução minha) em prejuízo a outras que trariam resultados valiosos”.
dos feitos já conhecidos, de algum modo tenham feito científicas, toda vulgarização; para as bibliotecas sociais,
época na ciência e adquirido por essa razão um valor a política”. Além desses níveis, Morel (1908, p.413) incluiu
duradouro” (Gräsel, 1914, p.11, tradução minha). na estrutura para formação de coleções os livros de
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proposta apresenta uma grande correspondência com a minada de lista desiderata.
estrutura para formação de coleções para bibliotecas Maire (1896, p.83) também destacou a importância
universitárias proposta por Miranda (1980), que inclui do papel do bibliotecário em comissões de seleção para
também as coleções de referência como uma das dimen- avaliar o que ele denominou de “registro de demandas”
sões, além da coleção de lastro, coleção didática e litera- em bibliotecas universitárias. Isto é, as sugestões dos
tura corrente. usuários são anotadas incluindo as dos professores. Ao
final de cada ano, as sugestões são encaminhadas à
Seleção comissão para identificar as necessidades reais e alocar
recursos. Gräsel (1914, p.255, tradução minha) considera
Apesar do excesso de publicações que já se obser- o “livro de pedidos” um mecanismo “muito sensível”, pois
vava naquele período, Peignot (1823, p.14) valorizava a tem como princípio atender maior número de pessoas e
seletividade em detrimento da quantidade e se preocu- evitar erros uma vez que “cada um pode escrever os títulos
pava em combater a ideia de acumulação, aconselhando: das obras cuja aquisição lhe parece necessária”.
“Não se lamente pela escassez de livros [em sua biblioteca], “Este sistema empregado em numerosos estabe-
o importante não é ter muitos, mas ter os bons. A multidão lecimentos até o momento tem dado bastantes resul-
de livros existe apenas para distrair o espírito”. tados: o bibliotecário constantemente atualizado em
De acordo com Hesse (1841), cabe às bibliotecas a relação aos desejos do público, permitindo satisfazê-los
responsabilidade de estabelecer as necessidades de “nosso na medida em que os julgue verdadeiramente sérios e
tempo”. A seleção, portanto, se apresenta como um recur- bem fundados” (Gräsel, 1914, p.255, tradução minha).
so técnico para identificar os bons livros da “multidão” e Porém, Gräsel (1914) não recomenda que o bi-
identificar essas necessidades denominadas hoje de bliotecário se exponha apresentando as razões pelas quais
necessidades dos usuários. Gräsel (1914) defende que o uma obra não foi adquirida, pois o usuário não
responsável pela seleção seja o próprio bibliotecário que compreenderia. Na atualidade, essa prática não é comum,
conhece as necessidades envolvidas, e suas ações não se uma vez que as decisões devem ser transparentes e
baseiam em “ideias preconcebidas” e sim no “interesse da coletivas, o que legitima o pensamento institucional ou
biblioteca” - em outras palavras, em um interesse maior: de uma comunidade por meio da comissão de seleção.
que tanto pode ser entendido como missão da instituição
As comissões de seleção também podem ter uma
quanto necessidades dos usuários. Apesar de Gräsel (1914,
composição diferenciada. Gräsel (1914, p.256, tradução
p.258, tradução minha) considerar que o bibliotecário minha) relata a prática, em outros países, de compor co-
esteja apto para conduzir a seleção - seja por sua formação, missões especiais em bibliotecas universitárias com pro-
seja por sua experiência em “conciliar os recursos dispo- fessores e bibliotecários. O autor destaca uma experiência
níveis com as necessidades do público” -, aconselha “vigi- na França que não resultou em boas práticas, uma vez
lância” em seu exercício de forma a evitar “arbitrarieda- que foram dados “poderes exorbitantes” às comissões à
de” ou “um espírito exclusivista”. Recomenda ainda inteli- revelia da administração da biblioteca. Sua sugestão é
gência e discrição, pois “o bibliotecário não é infalível”. que, em lugar desse tipo de comissão, as decisões dos
Essa ideia está presente também em Namur (1834, bibliotecários sejam compartilhadas com seus pares
p.97, tradução minha), traduzida nos seguintes proce- (Gräsel, 1914). Quando uma comissão é formada por pro-
dimentos práticos: recomenda que um selecionador seja fessores ou outros membros da comunidade servida pela
responsável pelo processo de seleção, que os critérios es- biblioteca, Vergueiro (2010) a denomina de comissão
tabelecidos sejam aplicados a partir de um plano geral e deliberativa. Segundo Vergueiro (2010, p.59), muitas vezes
que seja elaborada uma lista com os itens de interesse ou essa estrutura de poder decisório pode “representar uma
úteis como forma de “prevenir abusos”. Autores contem- limitação à autoridade/autonomia do profissional
porâneos como Evans (2000) e Vergueiro (2010) descrevem [bibliotecário]”, mas “seus aspectos positivos devem ser
grande responsabilidade aos bibliotecários ao adquirirem o primeiro fundo para uma biblioteca que ainda não tem
obras acessíveis a todas as fortunas, tal como o critério acervo, o bibliotecário deve investir na aquisição de
“custo” identificado por Vergueiro (2010, p.24). Do mesmo coleções de terceiros. Essa estratégia pode ser útil para
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sejam atualizadas com novas publicações sempre de 1º: envio de obras e revistas pelo Ministério de
forma que essa passe a ser a estratégia principal. Algum Instrução Pública (serviço de subscrição); 2º: envio
material mais antigo poderá ser incorporado, mas, das obras recebidas por depósito legal e que
segundo Gräsel (1914), essa não será mais a regra a ser se- não são destinadas à Biblioteca Nacional ou a
qualquer outra grande biblioteca (serviço de
guida.
depósito legal); 3º: doações de particulares, seja
O controle do processo de aquisição foi previsto de coleções completas, seja de obras separadas.
por Namur (1834, p.98, tradução minha), que recomen- Para Gräsel (1914, p.291, tradução minha), o depó-
dava anotar, em forma de registro, os dados relativos ao sito legal é um dos modos de aquisição por doação mais
processo de aquisição para possibilitar “a verificação, a comum em Bibliotecas Nacionais. O poder de uma lei
qualquer dia, se todos os livros selecionados foram torna o depósito legal um recurso importante “para con-
realmente adquiridos pela biblioteca, se todo o trabalho servar de um modo completo e na íntegra a produção
indicado foi realmente executado”. científica e literária de nosso tempo”. No entanto, a pro-
Maire (1896) destaca a importância das verbas posta de Gräsel (1914, p.294, tradução minha) é adotar
para aquisição por compra, uma vez que o acervo não esse mesmo recurso em outros tipos de bibliotecas, como
terá qualidade se for composto apenas por doações. Do as bibliotecas universitárias. Nesse caso, seria exigido, por
mesmo modo, Morel (1908) recomenda que a biblioteca um instrumento legal, que o corpo docente fizesse o
tenha um orçamento destinado à aquisição de novas depósito legal de sua produção nas bibliotecas da uni-
obras visando a temas da atualidade: “Um bibliotecário versidade, uma vez que “as obras interessam diretamente
deve seguir o movimento. Ele deve possuir um resto de à história da universidade, ao mesmo tempo em que são
crédito para adquirir o mais rápido possível o livro”, sobre uma das manifestações mais aparentes de sua atividade
o qual há maior interesse das pessoas (Morel, 1908, p.414, intelectual”. Nos dias atuais, a formação de coleções locais
tradução minha). Apesar de as verbas serem sempre res- tem sido uma prática bastante valorizada, tendo em vista
tritas, Maire (1896, p.82, tradução minha) também reco- os aspectos relativos à identidade e à memória - questões
menda que o bibliotecário faça um esforço para alocar de alta relevância na sociedade contemporânea.
os recursos não apenas para conservação do material,
Já a permuta, segundo Maire (1896, p.88, tradução
mas também para as novas aquisições:
minha), era uma prática na França desde o século XVII,
As aquisições são, em geral, pouco nobres nos
apesar de não ser tão comum quanto a compra e a
depósitos comunais da França; com exceção de
algumas grandes cidades que consagram um doação desde aquele período: “Essa ideia de permuta
orçamento especial para o desenvolvimento de internacional, excluída da prática durante o século XVIII e
seus depósitos, as outras bibliotecas viam seu no começo do nosso [século XIX], teria estado em honra
orçamento absorvido, em grande parte, pela e teria sido praticada anteriormente. Assim, em 1694, a
conservação do material, pela encadernação e biblioteca do Rei [da França] trocou seus livros dobrados
pela compra de algumas revistas. Entretanto, é
por aqueles impressos no estrangeiro”.
importante que o bibliotecário tenha todos esses
cuidados ao aumentar as coleções locais; nenhu- A vantagem da permuta como modo de aquisição
ma ocasião deve ser desprezada, e o funcionário é viabilizar a aquisição de livros de baixa tiragem, tais
não deve hesitar em aplicar - na medida do pos- como teses ou livros do Estado, livros raros e livros impres-
sível - uma parte do orçamento ao crescimento sos em outros países (Maire, 1896, p.88). Gräsel (1914, p.281,
de suas coleções.
tradução minha) destaca a importância da permuta como
O conselho de Maire (1896) visa à qualidade das recurso contínuo para garantir a qualidade das coleções:
coleções, destacando o papel da aquisição como um “permutando suas publicações com quase todas as
mecanismo para concretizar o processo de seleção por sociedades científicas do mundo, suas bibliotecas
meio da compra e também, em sua medida, da doação e alcançaram pouco a pouco [...] uma riqueza surpreen-
da permuta. Para Maire (1896, p.82, tradução minha), as dente”. Um dos desafios dos bibliotecários do século XXI
mento de coleções, seleção e aquisição de livros. A partir e desvantagens ainda hoje desafiadoras.
dessa análise, foi elaborada a revisão de literatura, em Portanto, é possível inferir que essas correspon-
que se destacaram as principais correspondências. dências teórico-práticas permitiram verificar que esses
DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES
relativos à área, apesar de não serem citados na contem- de citação desse período era muito peculiar.
poraneidade. Outro aspecto de relevância que poderia ser apro-
fundado em pesquisas futuras seria a correspondência
Considerações Finais desses autores dos séculos passados com as teorias e as
metodologias estabelecidas nos manuais de ensino da
Essa primeira abordagem da pesquisa demons- disciplina Desenvolvimento de Coleções em todo o mun-
trou o quanto é importante verificar nos séculos passados do nos dias atuais, de forma a conhecer as origens da
a literatura dedicada à área que orientou conceitos, mo- abordagem hegemônica baseada no acesso em detri-
delos e práticas contemporâneas. Foi possível verificar mento daquela orientada pela acumulação, de forma a
que o problema da explosão da informação não é recente contribuir para a elaboração de uma teoria de desenvolvi-
e afetou todos os processos destinados à formação de mento de coleções mais integrada e completa.
coleções e sua manutenção. Vários autores apresentaram Essa reconstrução é urgente para se compreen-
soluções para lidar com a complexidade decorrente derem as diferentes abordagens que envolveram a for-
daquele fenômeno já no século XIX que são adotados, mação e o desenvolvimento de coleções desde a anti-
em certa medida, até hoje, tal como o foco no acesso, nas guidade até o momento atual e que vêm sendo deli-
políticas estabelecidas segundo os objetivos institu- neadas pelas coleções digitais e pelos novos desafios
cionais e nas necessidades dos usuários, entre outras. para os bibliotecários da área.
Também é possível que esses autores analisa-
dos neste estudo sejam sucessores de outros do século Agradecimentos
XVIII - período considerado como o mais expressivo do
fenômeno da explosão da informação, conforme visto. À Ananda Xavier de Almeida Bastos e Bruna Muniz
Para isso, serão necessários estudos mais avançados Cajé, que levantaram os dados para essa pesquisa.
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