Direito Disciplinar Aplicado - Sebastião José Lessa - 2016

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 231

Fruto de atividade diuturna, pesquisa e reflexão, este livro, distribuído em SEBASTIÃO JOSÉ LESSA

6 (seis) módulos, teve como norte oferecer despretensiosa ajuda aos operadores Membro do Conselho Diretor da Associação
do direito, sobretudo nas lides disciplinares. Nacional dos Delegados de Polícia Federal
Pretendeu-se aqui, com a valiosa contribuição doutrinária e jurisprudencial, (ADPF). Ministra aulas nos cursos e eventos
apresentar temas recorrentes — como os crimes contra a Administração Pública, da área do direito disciplinar para órgãos da
os meios de obtenção de provas, a responsabilidade civil do servidor, os direitos Administração Pública.
e as garantias fundamentais, o contraditório e a ampla defesa, os recursos
administrativos, as causas excludentes da responsabilidade e a prescrição da ação Autor dos livros:

DIREITO DISCIPLINAR APLICADO


disciplinar, entre outros. Do processo administrativo disciplinar e da
Ressalte-se a necessária preocupação com os direitos e as garantias sindicância (Fórum)
fundamentais, mormente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, e a Temas práticos de direito administrativo disciplinar
inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos, tudo como previsto (Brasília Jurídica)
no art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, da Constituição Federal. O direito administrativo disciplinar interpretado
De igual modo, é proveitoso advertir que a conduta transgressora da lei pelos Tribunais (Fórum)
gera sempre um resultado negativo, que é mais intenso diante da impunidade. E a Improbidade administrativa, enriquecimento ilícito,
impunidade, como é correntio, é tão danosa quanto a injustiça. sequestro e perdimento de bens (Fórum)
Nesse contexto, cabe para reflexão o ensinamento de Mário Guimarães: Juristas do Mundo. Vários autores (Rede)
“Em princípio, não são os juízes responsáveis pelos danos que decisões erradas
acaso venham a produzir. Com amarga finura, já se disse que o poder de julgar Publicação de matérias jurídicas:
envolve o de praticar injustiças”. Revista Fórum Administrativo – FA
Portanto, revela-se sábio o brocardo do in dubio pro reo, ou seja, na dúvida, Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
a favor do réu. “Ele expressa o princípio jurídico da presunção da inocência, que Revista Jurídica Consulex

Sebastião José Lessa


diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá Revista Síntese - Direito Administrativo – IOB
o réu. É um dos pilares do Direito Penal, e está intimamente ligado ao princípio Revista Jurídica de Direito Penal e Processual Penal
da legalidade”. – IOB
Por fim, inspirado nas lições do professor Léo da Silva Alves, espera-se Revista Prisma da ADPF – Associação Nacional dos
que este trabalho traga resultados satisfatórios, principalmente na segurança das Delegados de Polícia Federal
formas e na certeza das provas, elementos fundamentais quando se busca a verdade
de um fato.

Visite a nossa Livraria Virtual:


ISBN 978-85-450-0100-3
www.editoraforum.com.br

ADMINISTRATIVO
[email protected]
Vendas: (31) 2121-4949

DIREITO
Acesse nossa livraria virtual
CÓDIGO: 10000834 www.editoraforum.com.br/loja
Sebastião José Lessa

João Batista Campelo


Bolívar Steinmetz
Prefácios

DIREITO DISCIPLINAR
APLICADO
Crimes contra a Administração Pública
Enriquecimento ilícito
Organizações criminosas – Meios de obtenção de prova
Colaboração premiada
Responsabilidade civil subjetiva do servidor
Direitos e garantias fundamentais
Contraditório e Ampla Defesa
Causas excludentes da responsabilidade
Recurso administrativo
Princípio da Juridicidade
Prescrição da ação disciplinar
Prescrição administrativa – Poder de polícia
Prescrição em face da fazenda pública [...]

Doutrina e Jurisprudência

Belo Horizonte

2016
© 2016 Editora Fórum Ltda.

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.

Conselho Editorial

Adilson Abreu Dallari Flávio Henrique Unes Pereira


Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Floriano de Azevedo Marques Neto
Alexandre Coutinho Pagliarini Gustavo Justino de Oliveira
André Ramos Tavares Inês Virgínia Prado Soares
Carlos Ayres Britto Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
Carlos Mário da Silva Velloso Juarez Freitas
Luciano Ferraz
Cármen Lúcia Antunes Rocha
Lúcio Delfino
Cesar Augusto Guimarães Pereira
Marcia Carla Pereira Ribeiro
Clovis Beznos Márcio Cammarosano
Cristiana Fortini Marcos Ehrhardt Jr.
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Ney José de Freitas
Egon Bockmann Moreira Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Emerson Gabardo Paulo Modesto
Fabrício Motta Romeu Felipe Bacellar Filho
Fernando Rossi Sérgio Guerra

Luís Cláudio Rodrigues Ferreira


Presidente e Editor

Coordenação editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo

Av. Afonso Pena, 2770 – 16º andar – Funcionários – CEP 30130-007


Belo Horizonte – Minas Gerais – Tel.: (31) 2121.4900 / 2121.4949
www.editoraforum.com.br – [email protected]

L638d Lessa, Sebastião José

Direito disciplinar aplicado / Sebastião José Lessa; prefácio de João Batista Campelo;
Bolívar Steinmetz. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

237p.
ISBN 978-85-450-0100-3

1. Direito administrativo. 2. Administração Pública. I. Campelo, João Batista. II.


Steinmetz, Bolívar. III. Título.

CDD: 341.3
CDU: 342.9

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

LESSA, Sebastião José. Direito disciplinar aplicado. Belo Horizonte: Fórum, 2016. 237p.
ISBN 978-85-450-0100-3
Dedico este livro à minha família Lessa: Alcenor, Francisca,
Elizabeth, Raphael, Diogo, Thales e Gabriel, pai, mãe, esposa, filhos e netos.

Registro o auxílio direto de Diogo Pereira Lessa, Bacharel em Direito,


na confecção e na pesquisa da doutrina e da jurisprudência.
SUMÁRIO

1º PREFÁCIO
João Batista Campelo................................................................................................... 15

2º PREFÁCIO
Bolívar Steinmetz......................................................................................................... 17

APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 19

1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA................................... 21
1 Breve introdução............................................................................................. 21
1.1 Responsabilidades: penal e disciplinar........................................................ 23
Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa)........................................... 23
1.1.1 Responsabilidade penal................................................................................. 23
1.1.2 Direito de defesa............................................................................................. 25
1.2 Mecanismos de contenção: Leis nº 8.429/92; 8.730/93; 12.846/13;
12.850/13 e Decretos nº 4.334/02 e 5.483/05................................................. 25
2 Corrupção passiva (art. 317 e §§, CP).......................................................... 27
2.1 Resultado naturalístico e resultado jurídico ou normativo (distinção)..... 27
2.1.1 Resultado naturalístico.................................................................................. 27
2.1.2 Resultado jurídico ou normativo.................................................................. 28
2.2 Corrupção passiva – forma simples (art. 317, caput, CP).......................... 28
2.3 Corrupção passiva – forma qualificada (§1º, art. 317, CP)........................ 29
2.3.1 Efeitos da condenação penal......................................................................... 32
2.3.1.1 Penal – Recurso tido como protelatório –
Execução da sentença independentemente de sua publicação................ 33
3 Nexo entre a corrupção passiva (qualificada – §1º, Art. 317, CP)
e o ato de ofício ............................................................................................... 33
3.1 Legalidade, tipo e tipicidade......................................................................... 34
3.1.1 Legalidade........................................................................................................ 34
3.1.2 Tipo................................................................................................................... 34
3.1.3 Tipicidade........................................................................................................ 35
3.2 Cargo público e ato de ofício......................................................................... 36
4 Qualidade da prova........................................................................................ 36
5 Transgressão disciplinar – Vantagem indevida – Ilícito formal .............. 41
5.1 Transgressão disciplinar – Exigência de vantagem ilícita –
Natureza formal – Ato de ofício – Pena demissória – Substituição –
Impossibilidade – Legalidade – Proporcionalidade ................................. 43
5.2 Transgressão disciplinar – Gravidade da infração –
Medidas complementares.............................................................................. 45
5.3 Improbidade administrativa (§4º, art. 37, CF; art. 9º, caput, VII,
Lei nº 8.429/92)................................................................................................ 45
5.3.1 Patrimônio a descoberto (Inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92)........................ 46
Tipicidade........................................................................................................ 47
5.3.2 Norma presuntiva de responsabilidade – Divergência doutrinária........ 49
5.3.2.1 Dever de probidade – Hipótese de incompatibilidade com a
função pública................................................................................................. 50
5.3.2.2 Julgamento do PAD – Conceitos da Lei nº 8.429/92................................... 50
5.3.3 Improbidade Administrativa: responsabilização na esfera disciplinar....... 51
5.3.4 Colaboração premiada – Prova emprestada – Preservação de sigilo...... 52
6 Conclusão ........................................................................................................ 54

2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO...... 57
1 Abordagem introdutiva................................................................................. 58
1.1 Responsabilidade civil e responsabilidade civil-administrativa ou
responsabilidade disciplinar......................................................................... 60
1.1.1 Nexo causal...................................................................................................... 62
1.2 Culpa (lato sensu) – dolo e culpa................................................................... 62
1.3 Direito de defesa ............................................................................................ 63
1.3.1 Devido processo legal ................................................................................... 63
1.3.2 Meios e recursos ............................................................................................. 63
1.3.3 Causas excludentes e atenuantes.................................................................. 65
1.3.3.1 Jurisprudência ................................................................................................ 66
1.4 Princípio da Razoabilidade .......................................................................... 69
2 Responsabilidade civil subjetiva do servidor público
(arts. 121, 122 e §§, Lei nº 8.112/90; Arts. 365, 366 e §§, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65)......................................... 69
2.1 Controle da Administração .......................................................................... 72
2.1.1 Controle interno ............................................................................................. 72
2.1.2 Controle externo ............................................................................................ 73
2.2 Responsabilidade civil subjetiva (art. 122, §§1º a 3º, Lei
nº 8.112/90; art. 37, §6º, in fine, CF)............................................................... 73
2.3 Dano interno e Dano externo ....................................................................... 74
2.4 Reposições e indenizações ............................................................................ 75
2.5 Ressarcimento ao erário: tomada de contas especial ................................ 76
2.6 Extravio ou dano – bem público – prejuízo de pequeno valor ............... 77
2.7 Ação regressiva – Assistente voluntário ..................................................... 79
2.7.1 Denunciação da lide ...................................................................................... 79
2.8 Responsabilidade civil – Parecer jurídico – Parecerista –
Elemento subjetivo da conduta .................................................................... 82
2.8.1 Ato jurisdicional e Ato judicial ..................................................................... 82
2.8.2 Pareceres opinativos e Pareceres vinculantes –
Partilhamento de responsabilidades ........................................................... 83
2.9 Improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) – Culpa –
Elemento subjetivo ........................................................................................ 87
2.9.1 Descumprimento de ordem indevida – Improbidade administrativa –
Não incidência................................................................................................. 88
2.9.2 Ilícito civil e político-administrativo ........................................................... 88
2.9.3 Ato de improbidade administrativa – Competência para aplicação
da sanção.......................................................................................................... 89
2.10 Responsabilidade civil – Independência e interdependência das
instâncias.......................................................................................................... 91
3 Responsabilidade civil objetiva do Estado ou da Administração
Pública e a ação regressiva (art. 37, §6º, in fine, CF)................................... 94
3.1 Direito de regresso e Ação ordinária .......................................................... 95
3.2 Responsabilidade civil do Estado ou da Administração.......................... 96
3.3 Risco administrativo....................................................................................... 97
3.4 Nexo causal ..................................................................................................... 98
3.5 Dano material e Dano moral ...................................................................... 101
3.5.1 Dano material e Dano moral: cumulação ................................................. 102
3.6 Direito de defesa – causas excludentes e atenuantes da
responsabilidade civil da administração................................................... 102
3.7 Ação regressiva – Ato culposo (lato sensu) ................................................ 104
3.8 Dolo e Culpa.................................................................................................. 104
3.9 Responsabilidade civil – Abuso de autoridade........................................ 105
3.10 Procedimento para o ressarcimento do dano........................................... 106
3.10.1 Sequestro e perdimento de bens ................................................................ 107
3.11 Prescrição do direito de ação contra a Fazenda Pública ........................ 108
3.12 Princípio da actio nata .................................................................................. 110
4 Conclusão ...................................................................................................... 111
4.1 Responsabilidade civil (subjetiva) do servidor público.......................... 111
4.2 Responsabilidade civil (objetiva) da Administração Pública ................ 114

3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS .................................................................................................. 117
1 Anotações iniciais......................................................................................... 118
1.1 Direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão..................... 119
1.2 O garantismo jurídico.................................................................................. 121
2 Princípio da Legalidade (arts 5º, inciso II, e 37, caput, da CF)................ 121
2.1 Princípio da Juridicidade............................................................................. 123
3 Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou Direito de Ação
(art. 5º, inc. XXXV, da CF) ........................................................................... 124
4 Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa
(art. 5º, inc. LV, da CF).................................................................................. 125
4.1 Contraditório................................................................................................. 128
4.2 Ampla defesa: meios e recursos.................................................................. 128
4.3 Direitos e garantias dos direitos................................................................. 128
5 Direito de petição (art. 5º, incs. XXXIV, alíneas “a” e “b”, da CF;
artigo 104, da Lei nº 8.112/1990).................................................................. 129
5.1 Silêncio administrativo................................................................................ 131
5.1.1 Prazo para a resposta................................................................................... 132
5.2 Direito de petição como meio inerente à ampla defesa.......................... 132
6 Recurso administrativo: efeitos devolutivo e suspensivo...................... 133
6.1 Recurso administrativo – Efeito suspensivo – Eventual continuidade
da lesão........................................................................................................... 136
6.2 Pleito administrativo – Desistência voluntária da via administrativa –
Ato personalíssimo ...................................................................................... 136
6.2.1 Aplicação de penalidade – Interpretação restritiva ................................ 138
7 Mandado de segurança – Impossibilidade – Recurso administrativo
recebido com efeito suspensivo (art. 5º, inc. I, da Lei nº 12.016/2009;
art. 3º c/c art. 267, inc. VI, do CPC)............................................................. 138
7.1 Mandado de segurança – Possibilidade de o relator denegar ou
conceder a ordem em sede de julgamento monocrático......................... 140
7.2 Mandado de segurança – Prazo decadencial – Fluência –
Recurso administrativo recebido sem efeito suspensivo........................ 141
8 Interrupção compulsória da via administrativa – Formulação nº 34/
DASP – Debate – Desistência do pleito administrativo (art. 51, Lei
nº 9.784/99) – Ato personalíssimo...................................................................142
9 Conclusão....................................................................................................... 143

4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL –
MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA................................................................ 147
1 Considerações prévias.................................................................................. 147
1.1 Funcionário público envolvido nas organizações criminosas................ 149
1.1.1 Direito de defesa........................................................................................... 150
1.2 Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito –
1.2.1 Ilícito civil e político-administrativo.......................................................... 152
1.3 Pessoas jurídicas – Responsabilização por atos contra a
administração pública – Lei nº 12.846/13................................................... 152
1.3.1 Acordo de leniência...................................................................................... 153
1.4 Flexibilização quanto ao meio lícito de obtenção da prova
(art. 5º, Inc. LVI, CF) – “encontro fortuito”................................................ 154
2 Funcionário público envolvido nas ações das organizações
criminosas ..................................................................................................... 154
2.1 Incidência....................................................................................................... 155
2.1.1 Penal ............................................................................................................... 155
2.1.2 Disciplinar...................................................................................................... 155
2.1.3 Improbidade Administrativa...................................................................... 155
2.2 Medidas Preventivas Complementares..................................................... 155
2.3 Direito de postular........................................................................................ 155
2.3.1 Colaboração premiada ................................................................................ 156
2.3.1.1 Colaboração premiada – Termo de acordo – Modelo ............................. 157
Alegatio et nom probatio, quase nom alegatio ........................................ 157
2.3.2 Perdão judicial (art. 4º, caput, Lei nº 12.850/13)......................................... 159
3 Debate em torno da extensão dos efeitos da extinção da
punibilidade em consequência do perdão judicial (art. 107, inc. IX,
CP c/c art. 4º, caput e §2º, Lei nº 12.850/13) nas ações
correspondentes: Disciplinar (Lei nº 8.112/90) e de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92)................................................................. 159
3.1 Natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial –
Direito ou favor ............................................................................................ 159
3.2 Efeitos da decisão penal que extingue a punibilidade............................ 161
3.3 Independência e interdependência das instâncias................................... 161
3.3.1 Legislação correspondente ......................................................................... 162
3.3.2 Jurisprudência............................................................................................... 163
3.4 Colaboração efetiva e voluntária para a investigação e o
processo criminal – Lei nº 9.807/99 – Repercussão no âmbito
disciplinar – Debate – STJ, MS 9.660- DF, DJ 23.05.05............................. 165
4 Conclusão ...................................................................................................... 167

5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO....................... 171
1 Análise introdutória..................................................................................... 171
1.1 As raízes da corrupção................................................................................. 173
2 Proposta do enriquecimento ilícito como tipo penal .............................. 174
2.1 Singularidade na redação do tipo penal.................................................... 176
2.2 Perfazimento do tipo penal independentemente de vinculação
com o ato de ofício........................................................................................ 176
2.2.1 Tipicidade...................................................................................................... 177
3 Improbidade administrativa – Meios de contenção................................ 178
3.1 Lavagem de dinheiro.................................................................................... 178
3.2 Recurso manifestamente protelatório: meio de rejeição......................... 180
3.3 Cadastro Nacional de Condenados por ato de improbidade
administrativa e por ato que implique inelegibilidade........................... 180
4 Enriquecimento Ilícito (art. 9º, caput, Lei nº 8.429/92).............................. 181
5 Enriquecimento Ilícito Presumido (inc. VII, art. 9º, Lei
nº 8.429/92) .................................................................................................... 181
5.1 Direito de defesa (art. 5º, inc. LV, CF)........................................................ 185
5.1.1 A prova........................................................................................................... 185
5.1.2 Direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão..................... 187
5.2 Norma presuntiva de responsabilidade.................................................... 189
5.3 Alegar não é provar, é quase não alegar................................................... 189
5.4 Presunção relativa (juris tantum)................................................................ 192
6 Improbidade administrativa: meios de contenção................................... 193
6.1 Lavagem de dinheiro.................................................................................... 193
6.2 Mecanismos de prevenção e repressão...................................................... 195
6.3 Relevância da desproporção na evolução patrimonial........................... 195
6.4 Indisponibilidade, sequestro e perdimento de bens ............................... 196
7 Requisitos autorizativos para o processamento da ação judicial.......... 197
8 Conclusão....................................................................................................... 198
6º MÓDULO
ÍNDICE DAS MATÉRIAS – PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR
E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA............................................................... 201
1 Breve anotação.............................................................................................. 202
1.1 Lei nº 8.112/90 – Estatuto dos servidores públicos.................................. 203
Prescrição da ação disciplinar .................................................................... 204
1.2 Lei nº 8.429/92 – Improbidade Administrativa – Prescrição................... 204
1.3 Imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário
(§5º, art. 37, CF) ............................................................................................ 205
1.4 O garantismo penal e a repercussão na quadra disciplinar .................. 206
2 Termo inicial do prazo prescricional (§1º, art. 142, Lei
nº 8.112/90)..................................................................................................... 207
2.1 Conhecimento do fato.................................................................................. 208
2.1.1 Providências imediatas (arts. 116, caput, incs. II, III, VI, XII,
parágrafo único, e 143, §3º, Lei nº 8.112/90; arts. 4º, 11, caput, 14, caput,
§§1º e 3º, 15, 16 e 19, Lei nº 8.429/92; arts 2º, caput,
inc. IV, 4º, incs. II e IV, Lei nº 9.784/99; arts. 32, incs. e
§§, 43 e 44, Lei nº 12.527/11.......................................................................... 209
2.1.1.1 A lei que regula o acesso a informações – Lei nº 12.527/11.................... 210
2.1.2 Conhecimento do fato – Administração –
Dever de instaurar o apuratório................................................................. 211
2.1.2.1 Administração (genericamente)................................................................. 212
2.1.2.2 Autoridade responsável pela instauração do
procedimento apuratório............................................................................. 213
2.1.2.3 Meros “boatos” e denúncia anônima ........................................................ 214
2.1.2.4 Denúncia anônima........................................................................................ 214
2.1.2.5 Inércia da administração.............................................................................. 215
2.1.3 Formulações do DASP................................................................................. 216
3 Prescrição consumada antes e prescrição consumada após a
instauração do PAD ..................................................................................... 216
3.1 Prescrição consumada – Prosseguimento do apuratório –
Posição divergente........................................................................................ 217
3.2 Registro nos assentamentos de fato prescrito – Vedação........................ 218
4 Prazo prescricional – Prazo do código penal (§2º, art. 142, Lei
nº 8.112/90)..................................................................................................... 219
4.1 Transgressão disciplinar não capitulada na Lei Penal............................ 220
5 Interrupção da prescrição e posterior fluência do prazo
prescricional (§§3º e 4º, art. 142, Lei nº 8.112/90)...................................... 220
6 Procedimento anulado - Não interrupção do prazo prescricional........ 222
7 Prescrição reconhecida de ofício (arts. 112, 142 §2º,
§2º art. 169 e 170, Lei nº 8.112/90) .............................................................. 222
8 Medida judicial – Suspensão do prazo prescricional.............................. 222
9 Servidor público; Condenação criminal; Efeitos (art. 92, inc. i,
Alíneas “a” e “b” e parágrafo único, CP), perda do cargo convolada em
cassação de aposentadoria; Ausência de previsão legal.......................... 223
9.1 Penal – Recurso tido como protelatório – Execução da
sentença independente de sua publicação................................................ 224
9.2 Servidor público - Punição disciplinar - Cassação de aposentadoria -
Previsão legal (arts. 127, Inc. IV, e 134, Lei nº 8.112/90) .......................... 224
10 Prescrição da ação contra a fazenda pública – Prazo.............................. 225
10.1 Ação para reparação por danos morais..................................................... 226
10.2 Ação para invalidar ato administrativo..................................................... 226
10.3 Ação para reintegração no cargo ............................................................... 226
10.4 Prescrição – Protesto interruptivo.............................................................. 226
11 Conclusão....................................................................................................... 228

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 233
1º PREFÁCIO

Desvanecido pelo convite para prefaciar o livro de autoria do meu


prezado colega e amigo Sebastião José Lessa, além do impulso fraterno, a
aceitação escora-se em duas razões: a primeira é referente à familiaridade
à pessoa do autor, e a segunda, às lembranças de um convívio harmonio-
so e proveitoso dos bons tempos de mourejo na Corregedoria Geral do
Departamento de Polícia Federal.
Vamos ao autor. De longa experiência como advogado militante nos
tribunais, como professor e Delegado de Polícia Federal, escritor consagra-
do, Sebastião Lessa vem oferecer aos estudiosos do Direito Administrativo
Disciplinar, aos alunos das Faculdades de Direito e aos operadores do
direito em geral, um livro verdadeiramente novo, precioso, de alcance
prático incalculável.
Vamos ao livro. A obra é escrita com textos simples, mas eficazes,
cujas ideias e análises neles contidas cativam a atenção do leitor, sem que
com isso haja o intuito de impressioná-lo, devido à profundidade com que
são abordados os temas.
Em seis módulos desta obra, o professor Lessa esmerilha com pro-
ficiência e densidade todas as particularidades que envolvem os crimes
contra a Administração Pública, as organizações criminosas, os meios de
obtenção de prova, o enriquecimento ilícito, dentre outros importantes
temas.
Um dos assuntos que observo ser abordado pelo autor com extre-
mo cuidado e atenção, como se quisesse bradar pela sua importância, é o
que se refere ao princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, matérias
consagradas nas constituições anteriores à de 1988, e, nesta. Tais princí-
pios levaram o Superior Tribunal de Justiça a fixar como “obrigatória a
presença de um advogado em todas as fases do processo administrativo
disciplinar” (Súmula nº 343, de 21.09.07). No entanto, a citada súmula do
STJ teve vida efêmera, revogada que foi pela Súmula Vinculante nº 5, de
2008, do Supremo Tribunal Federal, que passou a viger com o seguinte
verbete: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição”. O preclaro autor faz coro com a
OAB Nacional já que, inconformado com a edição desse entendimento do
STF, e, coerentemente, defende a prevalência da Carta Política em seu art.
5º, inc. LV, ou seja, “tudo dependerá do prejuízo em razão do advogado”,
conforme adverte com justeza em seu livro “Do Processo Administrativo dis-
ciplinar e da Sindicância”, em sua 5ª edição. Por isso, nota-se a preocupação
e a ênfase que o professor Lessa empresta à exigência da ampla defesa,
Sebastião José Lessa
16 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

no PAD, abominando o desvio de poder e a arbitrariedade na repressão


disciplinar e cuidando em comentar o abandono pela lei federal e pela pró-
pria Constituição da chamada “Verdade Sabida” tão em voga no passado.
Mais à frente, o autor mostra aspectos importantes de um tema
que em nossos dias se tornou algo corriqueiro com o enriquecimento de
agentes públicos, a Improbidade Administrativa. Mostra a necessidade
do elemento subjetivo, a prova da consciência e da intenção do agente
de promover a conduta comissiva ou omissiva em lesar a administração.
Outro assunto que o eminente autor aborda com notável destreza
de argumentação, e que já foi objeto de profundas pesquisas, debates em
seminários, e nos seus estudos na Corregedoria Geral do DPF, é o tema
da Prescrição da Ação Disciplinar, que ocupa o módulo final de sua obra.
Tanto esse tema, quanto outros aqui tratados demonstram que o Direito
Administrativo (como os demais ramos do direito) tem sofrido grandes
mutações, levando os estudiosos à atualização de conceitos e ao acompa-
nhamento das mudanças legislativas e jurisprudenciais, o que, definitiva-
mente não escapou à argúcia do autor deste quase Tratado.
João Batista Campelo
Professor da Fundação Educacional do DF (1966/69).
Delegado de Polícia Federal (1970/1993). Professor da
Academia Nacional de Polícia (diversos anos). Diretor da
Academia Nacional de Polícia (1977/1981). Superintendente
Regional da Polícia Federal no Estado de Santa Catarina/SC
(1981/1983). Superintendente Regional da Polícia Federal
no Distrito Federal (1984/1985). Coordenador Central
Judiciário da Polícia Federal (1985/1988). Secretário Geral
da Presidência do TRF 1ª Região (1989/1993). Secretário
Nacional da Polícia Federal (1993). Chefe de Gabinete e
Assessor de Ministro no STJ (1993/1998). Diretor Geral da
Polícia Federal (1999). Secretario de Segurança Pública de
Roraima (1999/2002). Advogado inscrito pela OAB/GO sob
o nº 14167 (desde setembro de 2004).
2º PREFÁCIO

Muito honrado me sinto pelo convite recebido do meu prezado


amigo, companheiro, correligionário de militância do exercício de profissão
de Delegado de Polícia Federal e participação como membro, associado e
dirigente, por longa data, na Associação dos Delegados de Polícia Federal,
em expressivos cargos de diretoria.
O 2º prefácio que ora apresento sobre o livro escrito pelo meu grande
e ilustre professor, Sebastião José Lessa, conduz todos os profissionais que
estão voltados para o estudo de Direito Administrativo Público e aos estu-
dantes da matéria, assim como todos os jurisconsultos que dedicam seus
estudos aprofundados sobre a matéria em destaque, recebem as luzes que
iluminam a inteligência e o conhecimento ímpar do excelso professor, que
direcionou toda a sua vida à busca do conhecimento aprofundado e lógico,
que ilustra as suas diversas obras já publicadas e amplamente apreciadas
pelos mais dignos representantes dos meios jurídicos que, honrosamente,
distinguem com balizados julgamentos os trabalhos publicados pelo meu
dileto amigo prefaciado.
O nosso também grande amigo e ilustre correligionário, Doutor
João Batista Campelo, que brilhantemente fundamentou seu julgamento
de recente obra em comento, tomando as nossas considerações e análises
do conteúdo abordado um motivo de ampla concordância com o que
apresentou primeiramente em seu prefácio, tornando assim, supérfluo,
maiores análises e comentários a respeito da excelente obra ora objeto de
nossas considerações.
Só me resta desejar a todos que dele tomarem conhecimento, assim
como eu, que os estudos aprofundados, consubstanciados no grande conhe-
cimento do autor, sirvam de parâmetro para todos que dele necessitarem
de beber do entendimento que nos traz sobre a grande necessidade de
haver sempre por parte de todos os responsáveis pela defesa dos direitos
e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal, pelo de-
vido processo legal, oportunizem para todos a possibilidade de poderem
contar com a ampla e legítima defesa com a apresentação do contraditório,
pelos meios lícitos das provas, buscando sempre a lisura, a honestidade e
a dignidade no procedimento jurídico.
Tal aspecto é amplamente discutido pelo nosso preclaro juriscon-
sulto, amigo e professor Sebastião José Lessa de quem me sinto honrado
e ser considerado como seu amigo. Comungo de todo o entendimento e
sentimento que já foram expressos nos prefácios nas obras anteriormente
publicadas.

Bolívar Steinmetz
Delegado de Polícia Federal. Comendador da Ordem
Internacional de Jornalismo. Ex-presidente da ADPF.
APRESENTAÇÃO

Fruto de atividade diuturna, pesquisa e reflexão, este livro, distri-


buído em 6 (seis) módulos, teve como norte oferecer despretensiosa ajuda
aos operadores do direito, sobretudo nas lides disciplinares.
Pretendeu-se aqui, com a valiosa contribuição doutrinária e ju-
risprudencial, apresentar temas recorrentes — como os crimes contra a
Administração Pública, os meios de obtenção de provas, a responsabilidade
civil do servidor, os direitos e as garantias fundamentais, o contraditório
e a ampla defesa, os recursos administrativos, as causas excludentes da
responsabilidade e a prescrição da ação disciplinar, entre outros.
Ressalte-se a necessária preocupação com os direitos e as garantias
fundamentais, mormente o devido processo legal, o contraditório e a ampla
defesa, e a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos,
tudo como previsto no art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, da Constituição Federal.
De igual modo, é proveitoso advertir que a conduta transgressora
da lei gera sempre um resultado negativo, que é mais intenso diante da
impunidade. E a impunidade, como é correntio, é tão danosa quanto a injustiça.
Nesse contexto, cabe para reflexão o ensinamento de Mário
Guimarães: “Em princípio, não são os juízes responsáveis pelos danos que
decisões erradas acaso venham a produzir. Com amarga finura, já se disse
que o poder de julgar envolve o de praticar injustiças”.1
Portanto, revela-se sábio o brocardo do in dubio pro reo, ou seja, na
dúvida, a favor do réu. “Ela expressa o princípio jurídico da presunção da
inocência, que diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência
de provas) se favorecerá o réu. É um dos pilares do Direito Penal, e está
intimamente ligada ao princípio da legalidade”.2
Por fim, inspirado nas lições do professor Léo da Silva Alves,
espera-se que este trabalho traga resultados satisfatórios, principalmente
na segurança das formas e na certeza das provas, elementos fundamentais
quando se busca a verdade de um fato.

Sebastião José Lessa

1
GUIMARAES. O juiz e a função jurisdicional, p. 239.
2
Wikipédia, a enciclopédia livre, apud SOUZA NETO, 2003, p. 155.
1º MÓDULO

CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Corrupção Passiva (simples e qualificada)
Corrupção Passiva e Ato de Ofício
Qualidade da Prova
Transgressão Disciplinar
Vantagem Indevida
Infração Formal
Improbidade Administrativa
Enriquecimento Ilícito
Legalidade e Proporcionalidade

“Nossos diplomas não olvidaram o delito, a


começar pelas Ordenações do Liv. V, que, no
tit. 71, puniam os oficiais do Rei que ‘recebem
serviços ou peitas e as partes que lhas dão ou
prometem’. Agrava-se a pena, podendo ser
até a de morte, se se tratasse de juiz”.1 (grifei)

1 Breve introdução
Na lida diuturna do Estado que busca o bem-estar e a justiça sociais,
tudo sob a influência dos arts. 3º, incisos, e 193, da Constituição Federal,
torna-se imprescindível que os agentes públicos atentem para os princípios
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.2
Nessa toada, o exercício da função pública reclama absoluto alinha-
mento com os primados da competência, da presteza e da probidade.

1
NORONHA. Direito penal, p. 264.
2
Art. 37, caput, CF.
Sebastião José Lessa
22 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

E já se disse, e ninguém contesta que a mercancia da função pública


constitui um ferrenho obstáculo no caminho desse desiderato.
Em tal contexto, nunca é demais assinalar que o Estado Democrático
de Direito, em verdade, tem sua base de sustentação na legalidade, na liber-
dade, na igualdade e, sobretudo, na responsabilidade.
Calha destacar que a incidência do nefasto “tráfico da função pú-
blica”, da censura disciplinar projetada no “valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública” (art. 117, IX, Lei nº 8.112/90), provoca a intitulada responsabilidade
tridimensionada, assim definida na Lei nº 8.112/90:

Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício


irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso
ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§1º A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente será
liquidada na forma prevista no art. 46, na falta de outros bens que assegurem
a execução do débito pela via judicial.
§2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante
a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles
será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções impu-
tadas ao servidor, nessa qualidade.
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou
comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se,
sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de
absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

Visando dar maior efetividade aos instrumentos de controle em face


dos desvios funcionais cometidos contra a Administração, a nova dispo-
sição introduzida na Lei nº 8.112/90:

Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou admi-
nistrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apu-
ração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de
que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo,
emprego ou função pública (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011). (grifei)
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
23

1.1 Responsabilidades: penal e disciplinar


Neste trabalho, cuidar-se-á da responsabilidade penal, mormente da
corrupção passiva nas formas simples (art. 317, caput, CP) e qualificada (§1º,
art. 317, CP) e, ainda, dos correspondentes “fato inerente à função pública”
e “ato de ofício”.
Do mesmo modo, será abordada, em aligeirada síntese, a índole
formal da transgressão disciplinar que censura o “valer-se do cargo para
lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da
função pública” (art. 17, IX, Lei 8.112/90).

Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa)


Com propósito análogo, é dizer, prevenir e reprimir os atos de im-
probidade administrativa, e ancorada no §4º, do art. 37, da Carta Política,
especialmente no Princípio da Moralidade Administrativa, a Lei nº 8.429/92
cuidou das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos, inclusive,
de enriquecimento ilícito no exercício de atividade pública, com destaque
para a indisponibilidade dos bens do indiciado, sequestro dos bens, quebra
do sigilo de dados, ressarcimento ao erário, comunicações ao Ministério
Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas (arts. 7º, caput, parágrafo
único, 15, parágrafo único, e 18).3

1.1.1 Responsabilidade penal


Como é sabido, no segundo semestre de 2012, o c. Supremo Tribunal
Federal, após 53 sessões plenárias, transmitidas ao vivo pela TV Justiça,
canal 10, concluiu, em 17.12.12, o julgamento da Ação Penal nº 470, acórdão
publicado no DJe em 22.04.13.
Durante os debates, enriquecidos inclusive pelas expoentes lições
doutrinárias e jurisprudenciais, e diante da “extrema complexidade dos
fatos e a intensa imbricação dos crimes”,4 o Pretório Excelso definiu rumos,
sempre construtivos, na apuração dos crimes de corrupção (passiva e ativa),
peculato, lavagem de bens, evasão de divisas, gestão financeira (fraudulenta e
temerária), organização criminosa, entre outros, e com destaque para a
qualidade da prova.
Em tal contexto, é pertinente levar em consideração – para melhor
alcance dos fatos e suas circunstâncias – a ambiência que abrigou aqueles

3
Cf.: LESSA. Improbidade Administrativa – Doutrina e Jurisprudência – Enriquecimento Ilícito, 2011.
4
AP 470 – STF, rel. Min. Joaquim Barbosa – STF, Notícias, 17.12.12.
Sebastião José Lessa
24 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

embates jurídicos e, sobretudo, o conteúdo agitado das imputações, é di-


zer, notícia de que agentes públicos e pessoas físicas ou jurídicas estariam
associados para fins ilícitos.
Oportuno, de passagem, a doutrina de Maria do Carmo Leão:

Geralmente, os crimes contra a economia são cometidos por pessoas ou grupo


de pessoas de amplo prestígio social e político, com fácil trânsito em todas as
áreas governamentais. Nesse contexto, estão presentes, na rede de relações
pessoais, as propinas, os favorecimentos e outras tantas formas de facilitação
do crime. São profissionais bem sucedidos, com profundo conhecimento
das leis e de suas lacunas, sempre contando com a participação efetiva de
administradores ímprobos. É o poder paralelo.5 (grifei)

Portanto, é sempre conveniente e produtivo o debate jurídico en-


volvendo os mecanismos preventivos e repressivos, especialmente quando
se cogita do desvio de recursos públicos, fator de inquestionável potencial
danoso, como sustentado pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República:

[...] pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), segundo a qual os desvios
de recursos públicos no Brasil podem chegar a R$85 bilhões de reais por ano. De
acordo com essa pesquisa, entre 2002 e 2008, houve desvios de cerca de R$40
bilhões em contratos do governo e o custo médio anual da corrupção no país
estaria em torno de 1,38% a 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja,
entre R$50 bilhões e R$84,5 bilhões.6 (grifei)

Em pesquisa realizada até 25.06.13, no Superior Tribunal de Justiça


e na esfera federal, constatou-se um número considerável de recursos
enfocando a questão da corrupção passiva:
- STJ: 365 documentos
- TRF 1ª R.: 100 documentos
- TRF 2ª R.: 100 documentos
- TRF 3ª R.: 221 documentos
- TRF 4ª R.: 643 documentos
- TRF 5ª R.: 133 documentos
A propósito de tal expansão, já se pensa na catalogação dos delitos
de concussão, corrupção passiva e corrupção ativa como crimes hediondos.7

5
ALVES. In.: Juristas do Mundo, vários autores, p. 53.
6
STF, RE 593727, rel. Min. Cezar Peluso, julgamento interrompido, até 25.06.13, com pedido de
vista. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 76 – out-nov/2012, p. 58.
7
Projeto de Lei do Senado nº 204, de 2011, autoria do Senador Pedro Taques.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
25

1.1.2 Direito de defesa


Como é cediço, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes”. (grifei)
Vem a tempo, a substanciosa contribuição do e. Superior Tribunal
de Justiça:

2 – A Magna Carta, em seus arts. 5º, LV e 41, parágrafo 1º, inciso II, alude,
não ao simples direito de defesa do servidor público, mas sim, à ampla de-
fesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O preceito ampla defesa reflete a
evolução histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota elaboração acurada
para melhor assegurar sua observância. Significa, nesses termos, que a possibilidade
de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações
jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita.8 (grifei)

E como já foi do mesmo modo asseverado, “a interpretação do


princípio da ampla defesa visa propiciar ao servidor oportunidade de produzir
conjunto probatório servível para a defesa”.9 (grifei)
Palhares Moreira Reis, no estudo do contraditório e da ampla defesa,
como sempre acrescenta: “De nada valeria todo o enunciado de direitos
reconhecidos ao homem comum, ao cidadão, ao estrangeiro, se não exis-
tissem, ao seu lado, procedimentos capazes de assegurar a plena eficácia das
normas definidoras de tais direitos, tornando-os efetivos”.10 (grifei)
Ressalte-se, por oportuno, que o direito ao contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes – direitos fundamentais de
primeira geração – foram igualmente tratados nos módulos 2º, 3º e 4º, deste
livro.

1.2 Mecanismos de contenção: Leis nº 8.429/92; 8.730/93;


12.846/13; 12.850/13 e Decretos nº 4.334/02 e 5.483/05
Em arremate, mais uma vez é preciso destacar – entre outros – os
recorrentes e eficientes mecanismos preditivo, preventivo e repressi-
vo contidos nas disposições das Leis nº 8.429/92 e 8.730/93; e Decretos
nº 4.334/02 e 5.483/05:

Lei 8.429/92:
Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enri-
quecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na

8
STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
9
STJ, ROMS 10.574 ES, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02.
10
REIS. Estudos de direito constitucional e de direito administrativo, p. 67.
Sebastião José Lessa
26 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras provi-


dências. (grifei)

Lei 8.730/93:
Estabelece a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de
cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
e dá outras providências. (grifei)

Lei nº 12.846, de 01.08.13:


Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. (grifei)

Lei nº 12.850, de 02.08.13:

Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os


meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento
criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.11

Decreto nº 4.334, de 12.08.02:


Dispõe sobre as audiências concedidas a particulares por agentes públicos
em exercício na Administração Pública Federal direta, nas autarquias e
fundações públicas federais. (grifei) (DOU 13.08.02)

Decreto nº 5.483, de 30.06.05:


Regulamenta, no âmbito do Poder Executivo Federal, o art. 13 da Lei nº
8.429, de 2 de junho de 1992, institui a sindicância patrimonial e dá outras
providências. (grifei)

Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade


Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade
Conforme expressiva contribuição de Gina Copola:

O Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Admi­


nistrativa e por Ato que implique em Inelegibilidade – CNCIAI foi instituído
pela Resolução nº 44, de 20 de novembro de 2.007, alterada pela Resolução
nº 172, de 8 de março de 2013, todas do Conselho Nacional de Justiça.
Segundo o art. 1º da Resolução nº 44/2007, o CNCIAI reúne as informa-
ções do Poder Judiciário sobre pessoas físicas e jurídicas definitivamente

11
Esta lei prevê, entre outras medidas preventivas e repressivas, o aumento de pena na hipótese
de concurso de funcionário público.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
27

condenadas por ato de improbidade no Brasil, nos termos da Lei Federal


nº 8.429, de 2 de junho de 1.992, e por atos que ocasionem a inelegibilidade
do réu, nos termos da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
O CNCIAI consta do site do Conselho Nacional de Justiça e pode ser consul-
tado por qualquer cidadã.12 (grifei)

2 Corrupção passiva (art. 317 e §§, CP)


Com efeito, o art. 317 e §§, do Código Penal, que cuidou da corrup-
ção passiva, pune, em nome da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF),
bem como da regularidade e continuidade do serviço público, o “tráfico” da
função pública.
É bom gizar, de acordo com Hauriou, o sistematizador de tal con­
ceito, que não se trata de uma moral comum, mas sim, de uma moral jurídica,
entendida como “o conjunto de regra de conduta tiradas da disciplina
interior da Administração”.13
Fernando Capez, realçando o objeto jurídico da norma e calçado na
doutrina de E. Magalhães Noronha, leciona que: “A corrupção afeta o
correto desempenho da função pública e, por conseguinte, o desenvolvi-
mento regular da atividade administrativa. Busca, portanto, o dispositivo
proteger o ‘funcionamento normal da Administração Pública, de acordo
com os princípios de probidade e de moralidade’”.14

2.1 Resultado naturalístico e resultado jurídico ou


normativo (distinção)
Na classificação dos crimes, é dizer, material, formal e de mera con-
duta, como é cediço, o resultado do comportamento pode ser naturalístico
e jurídico ou normativo.
E segue elucidativa a lição de Celso Delmanto, ao cuidar do
resultado:

2.1.1 Resultado naturalístico

Nos delitos materiais exige-se a ocorrência de resultado naturalístico; nos


[delitos] formais, ele poderá ocorrer ou não (ex.: crime de extorsão, que se consuma

12
Repertório de Jurisprudência IOB – 2ª quinzena de agosto de 2014 nº 16/2014 – vol. I, p. 542.
13
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito administrativo brasileiro. p. 90.
14
NORONHA. Curso de direito penal: parte especial, pp. 433/434.
Sebastião José Lessa
28 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

sem dependência da obtenção do proveito), caracterizando a sua ocorrência mero


exaurimento do crime; já nos crimes de mera conduta, o resultado naturalístico
não ocorre (ex.: crime de desobediência, etc.).15 (grifei)

Destaque, no ponto, para a figura da corrupção própria exaurida pre-


vista no §1º, do art. 317, do CP, ou figura qualificada:

Ocorre quando o funcionário, em consequência da vantagem ou promessa


(vide nota ao caput), efetivamente: a) retarda (atrasa) ato de ofício; b) deixa de
praticar qualquer ato de ofício (omite); c) ou pratica infringindo dever funcional
(pratica ato que viola dever de sua função).16

2.1.2 Resultado jurídico ou normativo

Refere-se à própria lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado


(ex.: a incolumidade e a saúde públicas, nos crimes contra a saúde pública; a fé
pública, nos crimes de falsidade documental).
[E conclui]:
Pode-se dizer, portanto, que nem todo crime acarreta resultado naturalístico,
mas todo crime exige resultado jurídico ou normativo.17

2.2 Corrupção passiva – forma simples (art. 317, caput, CP)


Neste trabalho, a leitura do tipo penal (art. 317, caput e §1º, CP),
permite concluir peculiaridades em torno da corrupção nas formas simples
e qualificada.
Dispõe o art. 317, caput, do Código Penal:

Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda


que fora da função, ou antes de assumi-la, mais em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois), a 12 (doze) anos, e multa. (Pena alterada pela
Lei nº 10.763, de 12. de novembro de 2003). (grifei)

O caput do art. 317, CP, cuidou da repressão penal em face da con-


duta censurável do funcionário público que solicita, recebe ou aceita promessa

15
DELMANTO et al. Código penal comentado, p. 19; MASSON. Direito penal – parte especial, v. 3.
págs. 196 e 666.
16
DELMATO. Op. cit... p. 634.
17
DELMATO. Op. cit... p. 19.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
29

de vantagem indevida para virtual, potencial ou futura prática ou omissão de


ato ou fato relacionado com a função pública.
Aqui, o crime é formal, ou seja, de consumação antecipada e independe
do resultado, como assentam doutrina e jurisprudência: “A corrupção pas-
siva é crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.
Consuma-se, no momento em que o funcionário público solicita, recebe
ou aceita a promessa de vantagem indevida”.18

HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DE AÇÃO


PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MATERIALIDADE. CRIME
FORMAL. ORDEM DENEGADA.
...
3. Concluir pela ausência de justa causa, por força da insuficiência de elemen-
tos sobre a materialidade delitiva, com base na não apreensão das quantias
supostamente recebidas, não é medida apropriada frente à natureza formal do
delito de corrupção passiva, que se consuma pela simples solicitação da vantagem
ilícita.19 (grifei)

Logo, na forma simples (art. 317, caput, CP), como no exemplo do


julgado (STJ, HC 176058 PA), onde não se realizou a “apreensão das quan-
tias supostamente recebidas”, não se apresenta como prioridade para a
configuração do modelo típico, a identificação do virtual ou futuro “ato
de ofício”, bastando a presença do “fato inerente à função pública” que deu
azo à vantagem indevida almejada.
Por isso se diz que a corrupção “é um crime-tentativa: basta que o
agente solicite a vantagem, ainda que isso não encontre eco no extraneus”.20
Nesse panorama, Fernando Capez acrescenta que: “É indispensável
para a caracterização do ilícito em estudo que a solicitação, o recebimento
ou a aceitação de vantagem seja realizada pelo funcionário público em razão
da função (ainda que fora dela ou antes de assumi-la)”.21 (grifei)

2.3 Corrupção passiva – forma qualificada (§1º, art. 317, CP)


Está escrito no §1º, do art. 317, do Código Penal: “A pena é aumentada
de um terço, se, em consequência da vantagem ou da promessa, o fun-
cionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional”. (grifei)

18
MASSON. Op. cit... pp. 196 e 666.
19
STJ, HC 176058 PA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16.08.12.
20
NORONHA. Direito penal. Vol. 4, p. 265.
21
Obra citada, vol. 3, p. 436; TJSP, HC 261.928-3, rel. Des. Gonçalves Nogueira, j. 18.08.98.
Sebastião José Lessa
30 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

É a figura qualificada prevista no §1º do art. 317, CP, tida como


corrupção própria exaurida, quando, ressalte-se, é de rigor a demonstração
do “ato de ofício” que gerou a vantagem indevida, porque assim já decidido
pelo Pretório Excelso:

1.2. Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episódio, em


virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral
decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente, pelo
primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofício con-
figurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido.22 (grifei)

É que, é bom repisar, a pena será aumentada de 1 (um) terço, se, em


consequência da vantagem ou da promessa ocorre o “exaurimento da conduta”,
consistente no retardamento, na omissão ou na prática do “ato de ofício”
com infringência do dever funcional.
Nessa hipótese de figura exaurida, pelo visto, é de rigor a identifica-
ção do “ato de ofício” correspondente.
Destaque para o ensinamento de Fernando Capez:

Trata-se de forma mais grave do crime de corrupção passiva, uma vez que a
conduta do funcionário vai além do recebimento da vantagem indevida, pois ele
efetivamente: a) retarda a prática do ato, isto é, desrespeita o prazo para a sua
execução; b) deixa de praticar o ato, isto é, abstém-se de sua prática; c) pratica
infringindo dever funcional, isto é, a ação é contrária ao seu dever de ofício.
[...] Constituem, na realidade, hipóteses de exaurimento do crime, mas que
acabam por funcionar como causa de aumento de pena.23 (grifei)

De igual importância, é a lição de Cleber Masson:

O dispositivo legal prevê uma causa de aumento da pena, aplicável na terceira


e derradeira fase da dosimetria da pena privativa de liberdade. A maior
reprovabilidade da conduta repousa na efetiva violação do dever funcional, consis-
tente no retardamento ou na abstenção de ato de ofício, ou prática de ato contrário
à função pública. Nas duas primeiras hipóteses, o ato é lícito (corrupção
passiva imprópria), mas retardado ou omitido pelo agente; na última, o
ato é ilícito (corrupção passiva própria) e, mesmo assim, o funcionário
público o pratica.24

22
STF, AP 307 DF, Pleno, maioria, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.10.95.
23
CAPEZ. Op. cit..., p. 441.
24
MASSON. Op. cit..., p. 668.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
31

Assaz elucidativo o v. acórdão do Superior Tribunal de Justiça,


onde restaram configurados os elementos integrativos do tipo: conduta,
vantagem indevida e ato de ofício:

Então, entendo presente nítida relação causal entre a contratação de [...], o


retardamento na concessão do efeito suspensivo, com a antecedente burla
na distribuição do agravo, o recebimento dos honorários em espécie, o
empréstimo à [...] e a falta da prova do pagamento deste mútuo, a tipificar
o delito do §1º do art. 317 do Código Penal, sendo seus autores [...] e [...], em
explícito e escandaloso favorecimento ao Grupo [...]. Pertinente e atual o
raciocínio desenvolvido por ocasião do recebimento da denúncia – fls.
596/597 – e a ele me reporto. É que o exame ora retratado demonstra não
haver uma simples suspeita, como normalmente se exige para o recebimento
da acusação, mais certeza evidente e clara entre o “fato demonstrado” e o “fato
que se infere” (corrupção), suficiente a impor aos envolvidos as penalidades
previstas na lei.25 (grifei)

De igual modo, mostrando prioritário apontar o ato de ofício, o jul-


gado do e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

2. Para a existência do delito de corrupção passiva impõe-se a identificação


do ato de ofício – omissivo ou comissivo – configurador da transação ou
comércio com o cargo exercido pelo funcionário público. Noutros termos,
é necessário apontar qual ato específico de sua função ou cargo o agente praticou,
ou deixou de praticar, em virtude do recebimento da vantagem indevida (ou mesmo
da promessa de vantagem).26 (grifei)

Crime impossível – Ato de ofício – Demonstração


Dispõe o art. 17, do Código Penal: “Não se pune a tentativa quando,
por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto,
é impossível consumar-se o crime”. (grifei)
Impende ressaltar – na ótica da teoria temperada ou intermediária,27
que “não basta a ineficácia relativa, sendo necessária a absoluta”. E mais:
“Também aqui, a impropriedade deve ser completa e não parcial”.28
Nesse caso, para obstar eventual arguição de crime impossível (art. 17,
CP), como dito no julgado, “impõe-se a identificação do ato de ofício”.29

25
STJ, APn n. 224 SP, un., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 23.10.08.
26
TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1, 08.02.13.
27
MIRABETE; FABBRINI. Código penal interpretado. p. 79.
28
DELMANTO. Op. cit..., p. 30.
29
TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1, 08.02.13.
Sebastião José Lessa
32 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Em outro julgado, priorizando a circunstância da vantagem impos-


sível: “Embora o crime seja de natureza formal, não se tipifica se a vantagem
desejada pelo agente não é da atribuição e da competência do funcionário”.30
E mais: Crime impossível na corrupção passiva – TJSP: “Não ocorre o
delito de corrupção passiva, embora de natureza formal, consumando-se pela
simples solicitação, se esta é impossível de ser cumprida, isto é, não estiver
ao alcance da pessoa que é solicitada”.31 (grifei)

2.3.1 Efeitos da condenação penal


Conveniente assinalar os efeitos da condenação, dispostos no Código
Penal, quando se tratar de crime funcional:

Art. 92. São também efeitos da condenação:


I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior
a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever
para com a Administração Pública, ...
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a
4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.04.1996)
...
Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença. (grifei)

Em complemento, apropositado o texto da Carta Política:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nome-
ados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

§1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela


Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda


Constitucional nº 19, de 1998)
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma
de lei complementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)

30
TJSP, RT 538/324, 526/356, RJTJSP 160/306; Celso Delmanto, obra citada, p. 635.
31
RT 505/296 in MIRABETE; FABBRINI. Código penal interpretado, p. 1813.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
33

§2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será


ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao
cargo de origem, sem direito à indenização, aproveitado em outro cargo
ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de
serviço. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável
ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de
serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avalia-
ção especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifei)

2.3.1.1 Penal – Recurso tido como protelatório – Execução da


sentença independentemente de sua publicação
Por fim, advirta-se que o c. Supremo Tribunal Federal decidiu:

Nítida, portanto, a intenção do recorrente de procrastinar o trânsito em julgado


da sua condenação e, assim, obstar a execução da pena que lhe foi imposta,
conduta essa repelida pela jurisprudência deste Supremo ao definir que a
utilização de sucessivos recursos manifestamente protelatórios autoriza o imediato
cumprimento da decisão proferida por esta Suprema Corte, independente de sua
publicação.32 (grifei)

3 Nexo entre a corrupção passiva (qualificada – §1º, Art. 317,


CP) e o ato de ofício
No julgamento da Ação Penal nº 470 – STF, acórdão publicado no DJe
em 22.04.13, e em razão das teses de defesa apontarem como precedente a
Ação Penal nº 307 – STF, DJ de 13.10.95, voltou a lume saber da prioridade,
ou não, de se apontar concretamente o ato de ofício configurador de transação
ou de comércio com o cargo.
Na minuciosa fundamentação do juízo de censura, ficou registrado
na ementa do acórdão: “... vinculação entre o pagamento da vantagem e os
atos de ofício de competência do [...]”.33 (grifei)
Logo, para melhor aquilatar o nexo entre a conduta e o resultado,
torna-se mais seguro analisar a contenda sob o pálio dos princípios da
legalidade e da tipicidade.

32
STF, RE 839163, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão em 26.09.14. STF – Notícias, 29.09.14.
33
STF, AP 470, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 22.04.13.
Sebastião José Lessa
34 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Desse modo, impende repisar a redação do tipo penal que cuidou


da corrupção passiva, nas formas simples e qualificada:

Forma simples (art. 317, caput, CP)


Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela
Lei nº 10.763, de 12.11.2003). (grifei)

Forma qualificada (§1º, art. 317, CP)


§1º – A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou da
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou
o pratica infringindo dever funcional. (grifei)

3.1 Legalidade, tipo e tipicidade


Necessário ao estudo, os fundamentos de legalidade, de tipo e de
tipicidade.

3.1.1 Legalidade
A legalidade está balizada no art. 5º, inc. II, da CF, que diz: “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei” (art. 5º, II, CF).
Por sua vez, a tipicidade vem definida no art. 5º, inc. XXXIX, da CF:
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia comi-
nação legal”.
Tal regra é também presente no art. 1º, do Código Penal.

3.1.2 Tipo
O vocábulo tipo, no geral, expressa “aquilo que produz fé como
modelo”.34
Sob o ângulo jurídico-penal, tipo é o “conjunto dos elementos descri-
tivos do delito contidos na norma incriminadora [...]”.35 (grifei)

34
HOLANDA FERREIRA. Pequeno dicionário da língua portuguesa. Civilização Brasileira. RJ. Lei
5.765, de 16.12.71.
35
JESUS. Comentários ao código penal comentado: parte geral, v. 1, p. 247.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
35

3.1.3 Tipicidade
E a tipicidade, na ótica penal, é “a subsunção, a justaposição, a ade-
quação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime”.36 (grifei)
Fernando Capez sustenta que: “De fato, não cabe à lei penal proibir
genericamente os delitos, senão descrevê-los de forma detalhada, delimitando,
em termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso”.37
(grifei)
Num exercício dedutivo, tudo sob a influência da legalidade, pode-se
concluir que o tipo descreve um modelo de comportamento proibido; e a
tipicidade consiste no exato encaixe da conduta (base factual) aos termos da
norma incriminadora (base hipotética).
Na quadra do direito administrativo disciplinar, oportuno o ensina-
mento de José Armando da Costa, no ponto em que mostra a relativa se-
melhança entre os ilícitos penal e disciplinar, mormente quando se opera
a conduta de natureza grave:

A infração penal se compõe de duas bases, uma hipotética e outra factual. A base
hipotética é a descrição legal da conduta punível, ou seja, é o tipo previsto
na lei penal; enquanto que a base factual é o comportamento (previsto na
lei) levado a efeito pelo transgressor.

O ilícito disciplinar também se constitui dessas duas bases. Havendo apenas


uma diferença na sua base hipotética, a qual, em decorrência da margem
discricionária deixada pelo legislador ao detentor do poder disciplinar, se
desdobra em duas: base hipotética expressa e base hipotética em branco. (grifei)

E continua o doutrinador:

Já a base hipotética em branco, como a própria terminologia insinua, não apa-


rece desenhada na norma legal. Fica a sua definição à mercê do ajuizamento
da administração. Essa variação é de grande usança nas faltas disciplinares
de natureza leve.38 (grifei)

Em complemento, advirta-se que a transgressão disciplinar de


índole grave deverá obedecer ao princípio da tipicidade, como faz certo a
juris­prudência: STJ, RMS nº 16.264 GO, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 02.05.06.39

36
TOLEDO. Princípios básicos de direito penal, p. 78.
37
CAPEZ. Curso de direito penal, vol. I, p. 157.
38
COSTA. Direito administrativo disciplinar, pp. 204-205.
39
Cf.: LESSA. Direito administrativo disciplinar interpretado pelos tribunais, pp. 51-53.
Sebastião José Lessa
36 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

3.2 Cargo público e ato de ofício


De igual pertinência – defronte do rigorismo da tipicidade – os indi-
cativos que balizam as atribuições do cargo público e do ato de ofício.
O cargo público, na expressão do art. 3º, da Lei nº 8.112/90, “é o con-
junto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional
que devem ser cometidas a um servidor”. (grifei)
Já o ato de ofício, “é aquele que se compreende nas atribuições do funcioná-
rio, ou em sua competência, ou seja, ato administrativo ou judicial”.40 (grifei)
Nessa toada, prestigiando a segurança jurídica, a jurisprudência do
Pretório Excelso apregoa:

Denúncia: Deve descrever a relação entre a “vantagem econômica” recebida


ou aceita e a prática ou omissão de fato inerente à função pública do agente, sob
pena de trancamento da ação penal por falta de justa causa.41 (grifei)

Ato de ofício: Para a configuração da corrupção passiva deve ser apontado ato de
ofício do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo então
por ele exercido.42 (grifei)

Pelo que se conclui, como implemento configurador da corrupção


passiva, na figura qualificada (§1º, art. 317, CP), há que ser apontado “o ato de
ofício do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo
então por ele exercido”.43 (grifei)
E, na corrupção passiva – figura simples – (art. 317, caput, CP), a impu-
tação se contenta com a identificação do nexo entre a vantagem econômica
recebida ou aceita e a prática ou a omissão de fato inerente à função pública
do agente.
Anote-se, por fim, que em face da amplitude e da complexidade do
tema, este estudo não tem a pretensão de esgotar o debate, ainda mais que
as decisões do Pretório Excelso foram proferidas por maioria.44

4 Qualidade da prova
Por ocasião dos debates no Plenário do c. Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento da Ação Penal 470, muito se discutiu acerca da

40
NORONHA. in DELMANTO. Código penal comentado, p. 637.
41
Inq. 785-4 DF, STF, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 8.11.95, mv, DJU 7.12.00; DELMANTO. Op. cit...,
p. 635.
42
STF, Pleno, mv, APn 307-3 –DF, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.10.95; DELMANTO. Op. cit...,
p. 635.
43
STF, Pleno, mv., APn 307-3 DF, rel. Min. Ilmar Galvão, mv., DJ 13.10.95. No mesmo rumo: STJ,
APn 224 SP, un., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 23.10.08; TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-
8 DF, un., rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1 08.02.13.
44
STF, APn 307-3 DF, DJU 13.10.95; STF, Inq. 7854 DF, DJU 07.12.00.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
37

identificação do “ato de ofício”, expressão inserida nos §§1º e 2º, do art. 317,
do Código Penal, sobretudo nos crimes de maior complexidade, chegando-se a
cogitar de certa “elasticidade” na admissão da prova acusatória.
E a controvérsia adquiriu maior relevo em razão, inclusive, das al-
terações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.690/08,
que, no trato de questões sensíveis, mormente em torno da qualidade da
prova, delimitou o caminho a ser seguido pelo juiz:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produ-
zida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclu-
sivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas


as restrições estabelecidas na lei civil. (NR)

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,


facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada
de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,
a adequação e a proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (NR)

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as


provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas consti-
tucionais ou legais.
§1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou da instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmis-
sível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acom-
panhar o incidente.
§4º (VETADO). (grifei)

Pondo em foco a prova lícita, a prova ilícita, a prova ilícita por derivação
e a prova independente, foi por nós tratada no livro “Juristas do Mundo”.45

45
LESSA. Juristas do mundo, 2013. v. 1.
Sebastião José Lessa
38 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Por conseguinte, voltou a lume o questionamento em torno da força


probante dos “elementos informativos colhidos na investigação”, dado
que desprovidos, na origem, da garantia do contraditório (art. 5º, LV, CF).
Vem a tempo, nessa hipótese, o entendimento recente firmado pelo
c. Supremo Tribunal Federal:

Declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso


da ação penal, do inquérito e da chamada “CPMI dos Correios”; tudo isso, ao
formar um sólido contexto fático-probatório, descrito no voto condutor, com-
põe o acervo de provas e indícios que, somados, revelaram além de qualquer
dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção
ativa e passiva. Ficaram, ainda, devidamente evidenciadas e individualizadas as
funções desempenhadas por cada corréu na divisão de tarefas estabelecidas
pelo esquema criminoso, o que permitiu que se apontasse a responsabilidade
de cada um.46 (grifei)

Pelo que se constata, malgrado a natureza inquisitória do Inquérito e


das Comissões Parlamentares de Inquérito (§3º, art. 58, CF), os “elementos
informativos colhidos na investigação” (art. 155, caput, CPP), formando
um conjunto harmonioso, merecem real proveito desde que inseridos num
“acervo de provas e indícios que, somados, revelaram, além de qualquer
dúvida razoável, a procedência da acusação”, como ficou dito na ementa
do v. acórdão.47

Encontro fortuito
Por fim, a propósito da “elasticidade” dos meios lícitos para obtenção
de prova (art. 5º, LIV, CF), o julgado, por maioria, da c. Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça:

3. O Estado não pode quedar-se inerte ao tomar conhecimento de suposta


prática de crime. Assim, o encontro fortuito de notícia de prática delituosa
durante a realização de interceptações de conversas telefônicas devidamente
autorizadas não exige a conexão entre o fato investigado e o novo fato para
que se dê prosseguimento às investigações quanto ao novo fato.48 (grifei)

Ao que tudo demonstra, o “encontro fortuito”, naquela condição, ou


seja, desprovido de conexão entre o fato investigado e o novo fato, servirá

46
STF, AP 470, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13.
47
STF, AP 470, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13.
48
STJ, Corte Especial, maioria, Ação Penal nº 510-BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe
17.03.14.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
39

apenas como elemento indicativo para prosseguimento das investigações


quanto ao novo fato.
Conveniente a lição de Luiz Flávio Gomes, verbis:

[...] se o fato novo encontrado tem conexão com os fatos investigados, vale
a interceptação autorizada como prova; se o agente novo descoberto tem
continência (relação de participação no crime) com os demais investigados, a
interceptação vale como prova. Fora disso, o que se descobriu só vale como
notitia criminis (não como prova).49

Polícia judiciária (Lei nº 12.830/13) e MP nº 657/14 (DOU


14.10.14)
Acrescentando – no sítio da qualidade da prova – a recente Lei
nº 12.830, de 20.06.13, publicada no DOU de 21.06.13, que: “Dispõe sobre
a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia”. (grifei)
É que, registra o §6º, do art. 2º, da mencionada Lei: “O indiciamento,
privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante
análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e
suas circunstâncias”. (grifei)
Releva ponderar que a doutrina já assentava:

A autoridade policial, quando conseguir lastro probatório ou indiciário nos


autos que apontem para a responsabilidade de alguém, proferirá despacho
fundamentado de indiciação nos autos do inquérito policial respectivo, apon-
tando os pressupostos de fato e de direito e a tipificação do delito cometido, ou seja,
as suas razões de decidir.50

Por sua vez, a jurisprudência citada pelos autores: “HABEAS


CORPUS, INDICIAMENTO EM INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Havendo elementos que justifiquem o
indiciamento em inquérito policial, não procede a alegação de constran-
gimento ilegal. Ordem denegada”.51
Constata-se presente no ato de indiciamento, a influência salutar dos
princípios da legalidade, (art. 5º, inc. II, CF); reserva legal – tipicidade (art.
5º, XXXIX, CF; art. 1º, CP); e motivação (art. 93, IX e X, CF; arts. 2º, caput,
parágrafo único, VII, e 50, I, II, VII, e §§, Lei 9.784/99).
E, sob o pálio do devido processo legal – adjetivo e substantivo – (art.
5º, inc. LIV, CF), a investigação criminal é desenvolvida nos autos do inquérito

49
GOMES, 2003 apud LESSA, 2005, p. 128.
50
CABARAL; SOUZA. Manual prático de polícia judiciária, p. 99 e 108.
51
STF, HC 85491, rel. Min. Eros Grau, DJ 09.09.05; Obra citada, pp. 107-109.
Sebastião José Lessa
40 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

policial, conclusão que se extrai da leitura do art. 5º, inc. XII; art. 129, inc.
VIII; e art. 144, caput, §§1º, incs. I, e 4º, da Constituição Federal.
Ademais, pode-se afirmar que a Lei nº 12.830/13, ao disciplinar
expressamente nos autos da investigação criminal, o formalismo do ato de
indiciação, dado que precedido da correspondente indicação dos fatos e dos
fundamentos jurídicos, acrescentou maior grau de transparência e certeza,
inclusive para o investigado.
Oportuno o julgado do c. Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM


TRIBUTÁRIA. REQUISIÇÃO DE INDICIAMENTO PELO MAGISTRADO
APÓS O RECEBIMENTO. DENÚNCIA. MEDIDA INCOMPATÍVEL COM
O SISTEMA ACUSATÓRIO IMPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 12.830/2013. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CARACTERIZADO. SUPERAÇÃO DO ÓBICE CONSTANTE NA SÚMULA
691. ORDEM CONCEDIDA. 1. Sendo o ato de indiciamento de atribuição
exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize
o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia
o indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza
é incompatível com o sistema acusatório, que impõe a separação orgânica
das funções concernentes à persecução penal, de modo a impedir que o juiz
adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei nº
12.830/2013. 2. Ordem concedida.52 (grifei)

Registre-se a jurisprudência que já assentava: a indiciação criminal é ato


privativo da autoridade policial.53
Por fim, revigorando a função de polícia judiciária, consubstanciada
na investigação criminal (art. 5º, inc. XII, in fine; inc. VIII, art. 129; art. 144,
inc. I, §1º, incs. I a IV, CF), veio a lume a Medida Provisória nº 657, de
13.10.14, que “altera a Lei nº 9.266, de 15 de março de 1996, que reorganiza
as classes da carreira policial federal, fixa a remuneração dos cargos que
as integram e dá outras providências”.54
A citada Medida Provisória nº 657, de 13.10.14, tem a seguinte redação:

Art. 1º - A Lei nº 9.266, de 15 de março de 1996, passa a vigorar com as


seguintes alterações:

Art. 2º - A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e


mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no
§1º do art. 144 da Constituição, fundada na hierarquia e na disciplina, é
integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça.

52
STF, HC 115015 SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 12.09.13.
53
TJRJ HC 10.002, Rel. Des. Décio Itabaiana, julg. 31.01.85; TRF, Correição Parcial nº 4451/76-RJ.
54
DOU 14.10.14.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
41

Parágrafo único. Os ocupantes do cargo de delegado de Polícia Federal,


autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União, são respon-
sáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de natureza
jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.

Art. 2º - B. O ingresso no cargo de delegado de Polícia Federal, realizado


mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem
dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige três
anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse.

Art. 2º - C. O cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República,


é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.

Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

5 Transgressão disciplinar – Vantagem indevida – Ilícito


formal
De igual modo, no recinto do direito administrativo disciplinar, o
então DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público – editou a
Formulação nº 018, reconhecendo a índole formal da transgressão disciplinar
que censura o recebimento de vantagem indevida: “A infração prevista
no art. 195, IV, do Estatuto dos Funcionários, é de natureza formal e, conse-
quentemente, se configura ainda na hipótese de o proveito pessoal ilícito não
ter sido conseguido”. (grifei)
E o citado art. 195, inc. IV, da Lei nº 1.711/52 (anterior Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis da União), cravava:

Art. 195 – Ao funcionário público é proibido:


...
IV. valer-se do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dig-
nidade da função.
...

Marcelo Caetano, no plano geral, apoiava a condição formal da in-


fração disciplinar, como se vê da lição: “A infração disciplinar é formal e
só em certos casos a lei inclui na definição de alguma infração a produção de
resultados maléficos”.55 (grifei)

55
Cf.: PRINCÍPIOS..., 2003, pp. 395 e 396 in COSTA. Op. cit..., p. 210.
Sebastião José Lessa
42 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

A tal respeito, na edição da Formulação nº 17 – DASP, foi dito no


parecer de Alcindo Noleto Rodrigues:

6. Anote-se a irrelevância da circunstância de o comerciante não haver aten-


dido à exigência da vantagem indevida, face à natureza formal, quer do crime
de concussão, quer da infração disciplinar referida no dispositivo estatutário
retrotranscrito (art. 195, IV). (grifei) (Parecer – COLEP, proc. 2.071/71)

Releva consignar que as formulações do então DASP – Departamento


Administrativo do Serviço Público - foram chanceladas pelos arts. 115 e 116,
do Decreto-Lei nº 200/67, e meritoriamente prestigiadas pelos tribunais:
STF, RMS 21562-7 DF, DJ 24.06.94; STF, MS 20.111 DF, RTJ 89/39; STF, MS
20.473 DF, RTJ 115/99; STJ, RMS 1074 ES, DJ 30.03.92.
José Armando da Costa reconhece que as “ditas formulações, ao
tempo que proporcionava a rápida, eficiente e mais acertada decisão dos
processos que tramitavam nas repartições, promoviam a indispensável
uniformidade de solução no âmbito da administração federal”.56
Pelo visto, a transgressão disciplinar que censura o recebimento de
vantagem indevida, em verdade, tem natureza formal.
Por fim, a Lei nº 8.112/90, que revogou o anterior Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis da União – além do disposto no inciso XII, do art.
117 – trouxe transgressão disciplinar, de conteúdo similar, no art. 117, inc.
IX, é dizer: “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem,
em detrimento da dignidade da função pública”.
Pelo visto, é razoável sustentar a natureza formal da transgressão
disciplinar modelada no art. 117, inc. IX, da Lei nº 8.112/90, que se consuma
antecipadamente, e sem dependência do exaurimento da conduta.
De todo modo, malgrado a característica formal da transgressão
disciplinar formatada no art. 117, inc. IX, da Lei nº 8.112/90, não se pode
afastar eventual hipótese em que ocorra o exaurimento da conduta, seja
pelo recebimento da vantagem indevida, seja pelo retardamento, omissão
ou prática do “ato de ofício” com infringência do dever funcional, quan-
do então a autoridade julgadora observará os termos do art. 128, da Lei
nº 8.112/90:

Art. 128. Na aplicação das penalidades, serão consideradas a natureza e a


gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço
público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcio-
nais. (grifei)

56
COSTA. Direito Administrativo Disciplinar, p. 73.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
43

Comentando o dispositivo transcrito, a preleção de Ivan Barbosa


Rigolin:

Reflete o art. 128 um tradicional princípio de direito penal, que informa


toda e qualquer legislação punitiva, imprescindível à ministração da me-
lhor justiça, a cada caso de penalização de servidor. Sendo grave a infração,
proporcionalmente grave será a penalidade; sendo leve, assim amena será a
penalização. O princípio envolvido é também conhecido com o da dosimetria
da pena.57 (grifei)

5.1 Transgressão disciplinar – Exigência de vantagem ilícita


– Natureza formal – Ato de ofício – Pena demissória
– Substituição – Impossibilidade – Legalidade –
Proporcionalidade
Advirta-se, por pertinente, que as sanções expulsórias (demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em
comissão e destituição de função comissionada (art. 127, incs. III, IV, V e VI,
Lei nº 8.112/90)) são penas monolíticas, indivisíveis e igualmente incompatíveis
com a mera substituição por penas de suspensão, como se vê da Formulação
nº 141 – DASP: “O atual Estatuto dos Funcionários não admite que se
substitua a pena de demissão pela pena de suspensão”.58
No parecer de Alberto da Cruz Bonfim, está escrito:

3. Isso posto, somos de parecer que a sistemática estatutária atual não permi-
te tal desqualificação para aplicar-se pena de espécie diversa da legalmente
estabelecida para a natureza da infração.
4. É que o julgador estatutário não tem a livre apreciação e a decisão pessoal
que a lei permite à magistratura; na esfera administrativa, de lege lata, as
penas formam como que departamentos estanques, ou preceitos fechados.59

Por tais razões, na aplicação da pena demissória, desde que a con-


duta se ajuste ao tipo, não há de se falar em ilegalidade e nem mesmo em
violação ao princípio da proporcionalidade, consoante lição fecunda que
se extrai da jurisprudência:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DIS­CI­


PLINAR – PAD. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO. VIOLAÇÃO

57
RIGOLIN. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis, pp. 263 e 264.
58
COLEP, Proc. 1.307/70 e 2.426/71.
59
COLEPE, Proc. 2.426/71.
Sebastião José Lessa
44 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA.


EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. AUSÊNCIA
DE NULIDADE. ART. 152 DA LEI Nº 8.112/90. PRAZO IMPRÓPRIO.
CORRESPONDÊNCIA ENTRE OS FATOS E A PENALIDADE APLICADA.
RESPEITO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO
DESPROVIDA.

1. Consoante jurisprudência firmada pela Terceira Seção do STJ, o excesso de


prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não é causa de sua
nulidade quando não demonstrado prejuízo à defesa do servidor (MS 200602727681,
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE DATA:08/02/2011; EDMS
200401672397, OG FERNANDES, DJE DATA:08/04/2010).

2. O prazo previsto no art. 152 da Lei nº 8.112/90 possui natureza de prazo


impróprio, de modo que sua inobservância não acarreta efeito preclusivo.

3. O controle judicial dos atos administrativos disciplinares deve ficar ads-


trito à verificação da existência dos fatos que deram ensejo à punição, bem como
à correspondência entre o fato atribuído ao servidor e a sanção aplicada, à luz da
legislação aplicável.

4. A Comissão concluiu, com base na prova documental e testemunhal produzida no


curso do processo disciplinar, que o autor, após lavrar auto de infração no exercício
de suas atribuições funcionais como policial rodoviário federal, exigiu vantagem
ilícita (duzentos reais) para liberar o veículo autuado e praticar ato apto a impedir
a cobrança de multa.

5. As ações do demandante configuram inequivocamente conduta incom-


patível com a moralidade administrativa, caracterizadora de ato de impro-
bidade, consistente na utilização do cargo para lograr proveito pessoal, em
detrimento da dignidade da função pública, atraindo a incidência dos arts.
117, IX e 132 da Lei nº 8.112/90. Saliente-se, ainda, que o autor, inclusive, foi
condenado na esfera criminal pelo crime de corrupção passiva.

6. Não há, pois, qualquer injustiça ou ilegalidade na aplicação da sanção


demissional, nem mesmo violação ao princípio da proporcionalidade, visto que, de
acordo com o art. 132, incisos IV, XI e XIII, da Lei nº 8112/90, os fatos capitulados
subsomem-se às hipóteses de imposição da pena de demissão.

7. Apelação desprovida.60 (grifei)

60
TRF, 1ª R., AC 2002.36.00005021-0 MT, un., rel. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu,
DJF1 30.11.12.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
45

Legalidade e Proporcionalidade
Ainda elucidativo o julgado:

6. O relatório final da comissão consubstancia que os recorrentes incorreram


em delitos administrativos que, nos termos do diploma legal aplicável, Lei
Estadual nº 6.425/1972, enseja a aplicação da pena demissional. Não há
evidência de desproporção ou de violação da razoabilidade na punição,
tão somente a incidência da norma legal cabível.61

5.2 Transgressão disciplinar – Gravidade da infração –


Medidas complementares
Coerente com os ditames perfilhados no art. 128 e parágrafo único,
da Lei nº 8.112/90, e levando-se em contra a gravidade e as consequências
danosas da infração disciplinar, ficou estabelecido pela mencionada lei:

Art. 136. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, nos casos dos


incisos IV, VIII, X e XI do art. 132, implica a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência


do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura
em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que
for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art.
132, incisos I, IV, VIII, X e XI. (grifei)

5.3 Improbidade administrativa (§4º, art. 37, CF; art. 9º,


caput, VII, Lei nº 8.429/92)
A Constituição Federal, no §4º, do art. 37, dispõe: “Os atos de im-
probidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Em razão desse comando, veio a lume a Lei nº 8.429/92, que: “Dispõe
sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração
pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. (grifei)

61
STJ, RMS 33.628 PE (2011/0014650-8), rel. Min. Humberto Martins, DJe 12.04.13.
Sebastião José Lessa
46 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

E a citada Lei nº 8.429/92, estabelece:

Art. 9º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimen-


to ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente:
...
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, empre-
go ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional
à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. (grifei)

5.3.1 Patrimônio a descoberto (Inc. VII, art. 9º, Lei


nº 8.429/92)
Essa conduta, descrita no inc. VII, do art. 9º, é tida como “norma
presuntiva de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito”.62
(grifei)
Expressiva a lição doutrinária que realça o aspecto da tipicidade,
levando-se em conta o contestado inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, que
reprime o enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em linguagem jurídica,
em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro por presunção. “O agente
público que adquire, para si ou para terceiro, bens de valor desproporcional
à sua evolução patrimonial ou aos seus estipêndios, no exercício de posição
administrativa, é alvo do art. 9º, VII, porque o acréscimo que aufere não tem
causa conhecida”.
E mais:

Retrilhando o percurso, o inciso VII não tem vida própria; é mera exempli-
ficação do caput do art. 9º. Neste está gravada a conduta típica; nele deve
encaixar-se a ação tida por ilícita. Por isso, a conduta ilícita deve ocorrer em
razão do exercício do cargo, função, emprego ou mandato. A causa determi-
nante do enriquecimento é a condição funcional do agente. Ou não se trata de
improbidade administrativa.

E por fim, adverte:

Aliás, o dever funcional de probidade não transforma um agente público em


réu presumidamente ímprobo. Sua suposta incontinência não é sinônimo de
responsabilidade objetiva; deve ser descrita e comprovada. A Lei nº 8.429/92 não
se satisfaz com a coincidência, reclama efetivo antecedente causal.63 (grifei)

62
COSTA. Contorno jurídico da improbidade administrativa, p. 113.
63
JÚNIOR. Improbidade administrativa, doutrina, legislação e jurisprudência, pp. 177-181.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
47

Não é demais trazer a lume a Formulação nº 261 do então DASP,


assim ementada: “A responsabilidade administrativa deve ser individua-
lizada no respectivo processo, vedada, na impossibilidade de indiciação
do culpado, a sua diluição por todos os funcionários que lidaram com os
valores extraviados”. (grifei)
As “formulações daspianas”, diga-se, foram recepcionadas pelo
Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116, e prestigiadas pelos Tribunais: STF,
RMS 21.562-7 DF, DJ 24.06.94; STF, MS 20.111 DF, RTJ 89/93; STF, MS 20.473
DF, RTJ 115/99; STJ, RMS 1074 ES, DJ 30.03.92.

Tipicidade
Com efeito, quando se cogita de transgressão disciplinar de maior
potencial ofensivo (graves e gravíssimas), sustenta-se a incidência do prin-
cípio da tipicidade.64
Assim, ensina José Armando da Costa, a conformação típica da
transgressão disciplinar decorre da junção dos seus elementos essenciais,
ou seja: base factual e base hipotética. A base factual ou empírica “é o compor-
tamento previsto na lei levado a efeito pelo transgressor”. Já a base hipotética
“consiste na descrição do modelo de conduta proibida”.
Ainda no trato da exigência de justa causa específica na configuração
da improbidade administrativa, evocando a lição de Fábio Medina Osório
que destaca, inclusive, a tipicidade, os ensinamentos: “A tipificação formal
é apenas o primeiro passo no enquadramento da conduta do agente.
Necessário, ainda, verificar a adequação material de sua conduta à norma
proibitiva [...]”.
E mais:

Todo tipo sancionador é formulado, no plano legislativo, in abstracto, sem levar


em linha de conta fatores complexos e múltiplos que podem aparecer nos
casos concretos. Descrevendo a conduta proibida com suporte em um juízo
abstrato, valorativo de pautas comportamentais básicas. Sem embargo, a
ocorrência efetiva da conduta no mundo real torna imperioso o exame das particula-
ridades do caso concreto, daí emergindo a possibilidade de uma real conduta
que não ofenda, de fato, o bem jurídico protegido (op. cit., p. 1999).65 (grifei)

64
COSTA. Direito administrativo disciplinar, pp. 202 e 207; CAETANO. Princípios fundamentais do
direito administrativo, pp. 395-396.
65
FILHO; MAIA. Improbidade administrativa. Breves estudos sobre a justa causa e outros
temas relevantes de direito sancionador, pp. 77-78.
Sebastião José Lessa
48 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Elucidativa a decisão do c. Superior Tribunal de Justiça, prestigiando


a garantia da tipicidade:

4. Ressalte-se que a utilização de analogias ou de interpretações ampliativas,


em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma
acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio da ti-
picidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas: nullum
crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa
postura incompatível com o Estado Democrático de Direito.

5. Recurso conhecido e parcialmente provido para anular a pena demissória


aplicada ao Recorrente.66 (grifei)

Diante desse descortino, e ressaltando a certeza da prova, é razoável


sustentar a tese no sentido de que o acréscimo patrimonial incompatível
com a remuneração do servidor deve ser descrita e comprovada.
Em recente decisão, em que a conduta censurável foi descrita e com-
provada inclusive em ação fiscal, a c. Terceira Seção do Superior Tribunal
de Justiça decidiu:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUDITOR-FISCAL


DA RECEITA FEDERAL. DEMISSÃO DECORRENTE DA CONCLUSÃO
DA SEGUNDA COMISSÃO DISCIPLINAR. EVOLUÇÃO PATRIMONIAL
INJUSTIFICADA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA CONSTITUIÇÃO
DE NOVA COMISSÃO DISCIPLINAR. ARTS. 168 E 169 DA LEI Nº 8.112/90.
SEGURANÇA DENEGADA.

I. Constituída a primeira Comissão Disciplinar, no âmbito do Ministério


da Fazenda, para apurar irregularidades na conduta do ora impetrante, ao
final dos trabalhos entendeu ela, no que se refere à evolução patrimonial
injustificada do servidor, de maneira inconclusa, que, de acordo com do-
cumentos a que teve acesso e que constavam do processo administrativo
disciplinar, não se poderia aferir a variação patrimonial a descoberto, nos
anos calendário de 1999 a 2003, sugerindo uma ação fiscal a respeito.

II. De acordo com os arts. 168 e 169 da Lei 8.112/90, se a autoridade com-
petente para aplicar a penalidade não concorda com as conclusões da
Comissão processante, pode, motivadamente, afastar-se dela, agravar a
pena, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade, sendo possível,
ainda, determinar a constituição de outra Comissão, para instauração de
novo processo administrativo.

66
STJ, RMS 16.264 GO, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJ 02.05.06. LESSA. Direito administrativo
disciplinar interpretado pelos tribunais, pp. 51-53.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
49

III. In casu, após o término da ação fiscal e colhido parecer sobre os fatos, a auto-
ridade competente determinou a instauração de outra Comissão Disciplinar,
com base em novos elementos que vieram aos autos, que concluiu pela
existência de variação patrimonial a descoberto, nos anos de 2001, 2003 e 2005, e
pela culpabilidade do servidor, com sua consequente demissão.

IV. Não há nulidade, pois, na constituição da segunda Comissão Disciplinar,


que resultou na demissão do impetrante.

V. Segurança denegada.67 (grifei)

5.3.2 Norma presuntiva de responsabilidade – Divergência


doutrinária
Deveras, a natureza singular dessa norma presuntiva de responsabili-
dade, como é cediço, despertou fundada cisão entre os juristas.
Tanto que, no exame do inc. VII, art. 9º, da Lei nº 8.429/92, parte da
doutrina assevera:

Merece destaque, dado seu notável alcance, pois inverte o ônus da prova,
sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma.
Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento é presumido como
ilícito, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem
dos recursos necessários à aquisição.68 (grifei)

Por sua vez, Mauro Roberto Gomes de Mattos pondera quando se


cogita da inversão do ônus da prova: “A doutrina é dividida, entendendo a
primeira corrente, a qual me filio, que a Administração Pública deverá provar
que a elevação patrimonial do agente público derivou do exercício irregular ou
abusivo da função exercida”.69 (grifei)
E, no mesmo rumo, repita-se, a doutrina de Waldo Fazzio Júnior:

Aliás, o dever funcional de probidade não transforma um agente público em


réu presumidamente ímprobo. Sua suposta incontinência não é sinônimo de
responsabilidade objetiva; deve ser descrita e comprovada. A Lei nº 8.429/92 não
se satisfaz com a coincidência, reclama efetivo antecedente causal.70 (grifei)

67
STJ, Terceira Seção, maioria, MS 14.620 DF, Relª. p/acórdão, Minª. Assusete Magalhães, DJe
27.06.14 in Repertório de jurisprudência IOB, 2ª quinzena de julho – nº 14 – 2014, p. 448.
68
MEIRELES; ALEIXO; FILHO. Direito Administrativo Brasileiro, p. 563. Cf.: TJSP, Apelação
nº 0018566-33.2013.8.26.0053, Rel. Des. Laerte Sampaio, Terceira Câmara de Direito Público,
julg. 12.04.11.
69
MATTOS. O Limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei
nº 8.429/92, pp. 2010-2011.
70
Obra citada, pp. 177-181.
Sebastião José Lessa
50 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

5.3.2.1 Dever de probidade – Hipótese de incompatibilidade


com a função pública
Tendo como desinfluente a necessária e direta vinculação com o
exercício do cargo público, na hipótese do inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92,
colhe-se do julgado:

6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e


diretamente vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo
quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar
incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios
basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera ad-
ministrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como
no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal,
apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução
do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em apuração na
esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em banco na
Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência
do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei nº 8.429/92.71 (grifei)

Com a mesma orientação: STJ, MS 12.735 DF, Rel. Min. Og.


Fernandes, DJe 24.08.10; STJ, MS 12.660 DF, Relª. Minª. Marilza Maynard,
DJe 22.08.14.
Releva consignar que o MS 12.536 DF, STJ, acima citado, encontra-­
se em grau de recurso no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919
DF), permanecendo conclusos até 30.08.14.

5.3.2.2 Julgamento do PAD – Conceitos da Lei nº 8.429/92


Vale consignar para reflexão, o entendimento do c. Superior Tribunal
de Justiça:

Conforme bem anotado pela Autoridade Impetrada, litteris:


A conduta do autor foi tipificada no art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90. A
CI, seguindo entendimento já expresso pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional – Parecer PGNF/CJU/N 155/2000, utilizou-se tão somente dos conceitos
contidos na Lei nº 8.429, de 1992.
...
Como se vê, a Lei nº 8.112/90, de 1990 apenas se socorre subsidiariamente
da Lei nº 8.429, de 1992, para conceituar o que é improbidade administrativa.
Ademais, inclusive o processamento do apuratório, atém-se ao rito definido
na própria Lei nº 8.112/90, de 1990.72

71
STJ, MS 12.536 DF, Terceira Seção, maioria, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
72
STJ, MS 12.536 DF, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJe, 26.09.08.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
51

Pelo visto, em razão da almejada e salutar segurança jurídica, a ques-


tão ora em debate reclama a busca da possível uniformidade.
Por fim, os temas enriquecimento ilícito presumido (Inc. VII, art.
9º, Lei nº 8.429/92) sequestro dos bens, ressarcimento ao erário, quebra
do sigilo de dados, investigação patrimonial, comunicações ao Ministério
Público ou Tribunais ou Conselho de Contas, foram tratados no livro de
nossa autoria.73

5.3.3 Improbidade Administrativa: responsabilização na


esfera disciplinar
O c. Supremo Tribunal Federal, já assentou:

EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR


PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER
DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE.
...
4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92
não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada
a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia repre-
sentação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a
aplicação da pena de demissão.74 (grifei)

O julgado acima restou mantido, eis que fustigado por meio de


Embargos de Declaração.75
Oportuna a exposição didática:

Registre-se – até porque essa limitação não tem sido devidamente enfa-
tizada – que à instância administrativa compete tão somente e apenas apurar o
ilícito praticado e encaminhar cópia dos autos do processo disciplinar (concluído) ao
Ministério Público ou ao órgão público lesado pelo ato ímprobo do Servidor,
para que seja ajuizada a competente Ação de Improbidade Administrativa
(arts. 7º, 14, 15 e 16 da Lei 8.429/92).76

Procurando alternativa, a matéria foi tratada no livro de nossa


autoria, tendo em conta, inclusive, o disposto no §3º, do art. 14, da Lei

73
LESSA. Improbidade administrativa – Doutrina e jurisprudência – enriquecimento ilícito, 2011.
74
STF, RMS 24.699-9 DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01.07.05.
75
Emb. Decl. no RMS 24.699-9 DF, DJ 24.03.06.
76
FILHO; MAIA. Improbidade administrativa. Breves estudos sobre a justa causa e outros temas
relevantes de direito sancionador, p. 200.
Sebastião José Lessa
52 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

nº 8.429/92, que acolhe o processo (art. 148) e o julgamento (art. 167), in verbis:
“Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a
imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
processada na forma prevista nos arts. 148 a 182, da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os
respectivos regulamentos disciplinares”. (grifei)
Nesse caso, no leito do processo administrativo disciplinar, reco-
nhecido o juízo de reprovação, o ato disciplinar poderá ser fundamentado
com arrimo no art. 132, inc. IV c/c os dispositivos correspondentes previstos nos
arts. 116 e 117, todos da Lei nº 8.112/90.77
Destarte, repita-se, visando prestigiar a higidez material e ideológica
da decisão punitiva, é razoável sustentar a edição do ato disciplinar com
arrimo no art. 132, inc. IV c/c os dispositivos correspondentes previstos nos
artigos 116 e 117, todos da Lei nº 8.112/90.78

5.3.4 Colaboração premiada – Prova emprestada –


Preservação de sigilo
Esse tema foi enfocado no julgamento do c. Supremo Tribunal
Federal:

EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta am-


biental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita
de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos
em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar contra
outros servidores cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despon-
tado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa à questão
de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei Federal
nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de
comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autori-
zadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução
processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar,
contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos,
ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à
colheita dessa prova.79 (grifei)

Todavia, no trato da prova emprestada, oriunda da colaboração premia-


da, esse meio legítimo de obtenção de prova (art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, art. 5º,

77
LESSA. Temas práticos de direito administrativo disciplinar, pp. 72-75.
78
LESSA. Improbidade administrativa, doutrina e jurisprudência, enriquecimento ilícito presumido,
pp. 51-54.
79
STF, Inquérito nº 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 24.08.07. LESSA. Juristas do mundo, vol. I,
pp. 133-135.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
53

CF; art. 332, CPC; art. 157, CPP; arts. 3º e 4º, Lei nº 12.850/13; art. 30, Lei
nº 9.784/99), prioriza o segredo de justiça, como se constata da Lei
nº 12.850/13:

Art. 5º - São direitos do colaborador:

I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;


II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais
preservados;
III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e
partícipes;
IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser
fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus
ou condenados.

E ainda:

§2º - O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado
de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se
ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de
prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente
precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências
em andamento. (§2º, art. 7º) (grifei)

Nesse descortino, em recente decisão, o c. Supremo Tribunal Federal,


“negou pedido feito pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)
que investiga denúncias de irregularidades na [...] de acesso aos documentos
referentes ao depoimento de [...], em acordo de delação premiada. O ex-­
funcionário da [...] é investigado por irregularidades no período em que
era diretor da empresa”.
E segue: “Na decisão (RCL 17623), o Ministro esclareceu que “to-
das as informações disponíveis sob sua relatoria já foram encaminhadas
à CPMI”. O que não foi repassado está coberto pelo artigo 7º da Lei
12.850/2013, que prevê o sigilo das informações prestadas nos depoimentos feitos
em regime de delação premiada. O mesmo posicionamento foi dado pelo
ministro a pedido semelhante feito pelo Ministério da Justiça”.80 (grifei)

80
STF, RCL 17623, Rel. Min. Teori Zavascki – Notícias STF, 09.10.14.
Sebastião José Lessa
54 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

6 Conclusão
Posto tais considerações, forradas na doutrina e na jurisprudência,
pode-se inferir:

a) O delito de corrupção passiva, na forma simples, previsto no art.


317, caput, do CP, é de natureza formal, priorizando para o en-
quadramento no tipo respectivo, a conduta do funcionário que,
em razão da função pública, solicita, recebe ou aceita promessa de
vantagem indevida em troca de virtual (possível) comportamento
funcional irregular.

b) Todavia, se a corrupção passiva é de índole qualificada ou corrupção


própria exaurida (§1º, art. 317, CP), a pena é aumentada de um terço,
“se, em consequência da vantagem ou da promessa, o funcionário
retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica in-
fringindo dever funcional”.81 (grifei)

Na mencionada hipótese, por fidelidade aos princípios da legalidade


(art. 5º, inc. II, CF), reserva legal e tipicidade (art. 5º, XXXIX, CF; art. 1º, CP),
deve-se apontar o ato de ofício do funcionário, configurador de transação
ou comércio com o cargo então por ele exercido, tudo em harmonia com
a doutrina e jurisprudência.82
E o ato de ofício ou “ato inerente à sua função”.83
“É aquele que se compreende nas atribuições do funcionário, ou em sua
competência, ou seja, ato administrativo ou ato judicial”.84 (grifei)

c) Questão preponderante, ou seja, a identificação concreta do “ato


de ofício” maculado, em verdade, residirá da qualidade da prova,
seja esta direta ou indireta.

Assim, complementando, vale apontar, como paradigma, trecho


da ementa do v. acórdão da AP 470 – STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
DJe 22.04.13:

Declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso


da ação penal, do inquérito e da chamada “CPMI dos Correios”; tudo isso, ao

81
Cf.: MASSON. Direito Penal: parte especial, vol. III, p. 666. STJ, HC 176058 PA, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, DJe 16.08.12.
82
Cf.: CAPEZ. Op. cit..., 441; MASSON. Op. cit..., 668; STF, AP 307-3 DF, Pleno, mv., Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 13.10.95; STJ, APn 224 SP, un., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 23.10.08;
TRF 1ª R., ACR 2013.34.00.033828-8 DF, un., Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJF1 08.02.13.
83
DELMANTO. Op. cit..., p. 633.
84
NORONHA. in DELMANTO. Código penal comentado, p. 637.
1º MÓDULO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
55

formar um sólido contexto fático-probatório, descrito no voto condutor, com-


põe o acervo de provas e de indícios que, somados, revelaram além de qualquer
dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção ativa
e passiva. (grifei)

De igual importância, no campo da qualidade da prova, o significativo


avanço introduzido pela Lei nº 12.830/13, que “dispõe sobre a investigação
criminal conduzida pelo delegado de polícia”.
É que, sob o pálio da segurança jurídica, e realçando o princípio da moti-
vação, determinou no art. 2º, §6º, que “o indiciamento, privativo do delegado
de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do
fato, que deverá indicar a autoria, a materialidade e suas circunstâncias”. (grifei)

d) Que, na esfera disciplinar, o “valer-se do cargo para lograr proveito


pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública” (art. 117, inc. IX, Lei nº 8.112/90), é transgressão disciplinar
de índole formal, “e, consequentemente, se configura ainda na
hipótese de o proveito pessoal ilícito não ter sido conseguido”.85 (grifei)

E não configura injustiça, ilegalidade e nem desrespeito ao princí-


pio da proporcionalidade (art. 2º, caput, parágrafo único, incs. I e VI, Lei
nº 9.784/99), a imposição de pena demissória na hipótese em que a conduta
(base factual) se ajusta exatamente ao correspondente tipo proibitivo (base
hipotética).86

e) O enriquecimento ilícito presumido ocorre diante do patrimônio a


descoberto (inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92). A natureza singular
dessa norma presuntiva de responsabilidade, em verdade, des-
pertou divergência entre os juristas, como já registrado neste
trabalho.87

Advirta-se, a propósito, que o MS 12.536 DF, STJ, acima citado,


encontra-se em grau de recurso no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS
28.919 DF), permanecendo conclusos em 30.08.14.

85
Formulações nsº. 17 e 18 – DASP – Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116.
86
STJ, RMS 33.628 PE (2011/0014650-8, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 12.04.13; TRF 1ª R.,
AC 2002.36.00005021-0 MT, un., Relª. Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu, DJF1
30.11.12.
87
Cf.: JÚNIOR. Improbidade Administrativa, doutrina, legislação e jurisprudência, pp. 177-181;
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO, Op. cit..., p. 563; MATTOS, Op. cit..., pp. 2010-2011; STJ,
MS 12.536 DF, Terceira Seção, maioria, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08; STJ, MS 12.735
DF, Rel. Min. Og. Fernandes, DJe 24.08.10; STJ, MS 12.660 DF, Relª. Minª. Marilza Maynard,
DJe 22.08.14.
Sebastião José Lessa
56 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

f) Por outro viés, interessante anotar, que a c. Terceira Seção do


Superior Tribunal de Justiça, por maioria, julgou válido, na esfera
disciplinar, o ato demissório com esteio na “inteligência do art. 132,
inc. IV, da Lei nº 8.112/90 c/c art. 11, da Lei nº 8.429/92”.

E mais:

Conforme bem anotado pela Autoridade Impetrada, literis:


A conduta do autor foi tipificada no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 8.12/90.
ACI, seguindo entendimento já expresso pela Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional – Parecer PGNF/ CJU/Nº 15/20, utilizou-se tão somente
dos conceitos contidos na Lei nº 8429, de 1992.
[...]
Com se vê, a Lei nº 8112/90, de 1990, apenas se socorre subsidiariamente da Lei
nº 8.429, de 1992, para conceituar o que é improbidade administrativa. Ademais,
inclusive o processamento do apuratório, atém-se ao rito definido na própria
Lei nº 8.12/90, de 1990.88

A mencionada decisão (STJ, MS 12.536 DF), repita-se, está em grau


de recurso no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919 DF), conclusos
ao relator até 30.08.14;

g) Em arremate, para prestigiar a higidez material e ideológica da


decisão punitiva por improbidade administrativa (art. 132, IV, Lei
nº 8.112/90), é razoável recomendar a edição do ato disciplinar
com arrimo no art. 132, inc. IV c/c os dispositivos correspondentes
previstos nos artigos 116 e 117, todos da Lei nº 8.112/90.

Oportuno consignar que o c. Supremo Tribunal Federal já decidiu:

4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92


não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada
a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia repre-
sentação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a
aplicação da pena de demissão.89 (grifei)

88
Fl. 330. STJ, MS 12536 DF, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08. LESSA. Improbidade adminis­
trativa, doutrina e jurisprudência, enriquecimento ilícito, pp. 51 a 54.
89
STF, RMS 24.699-9 DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01.07.05. LESSA. Temas práticos de Direito
Administrativo, pp. 72-75.
2º MÓDULO

RESPONSABILIDADE CIVIL
SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
Nexo causal
Dano interno e Dano externo
Dolo e Culpa
Contraditório e Ampla Defesa
Prejuízo de pequeno valor
Reposições e Indenizações
Responsabilidade civil objetiva da Administração Pública
Risco administrativo
Ação regressiva
Causas excludentes e Causas atenuantes
Caso fortuito e Força maior
Descumprimento de ordem indevida – Improbidade administrativa –
Não incidência
Enriquecimento ilícito
Independência e interdependência das instâncias
Parecer jurídico no serviço público
Prescrição da ação contra a Fazenda Pública

“Retomei para ver debaixo do sol que a corrida


não é dos ligeiros, nem a batalha dos podero-
sos, nem tampouco são os sábios os que têm
alimento, nem tampouco são os entendidos
os que têm riquezas, nem mesmo os que têm
Sebastião José Lessa
58 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

conhecimento têm o favor, porque o tempo e


o imprevisto sobrevêm a todos eles”.90 (grifei)

“O caso fortuito ou de força maior verifica-­


se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir”.91 (grifei)

1 Abordagem introdutiva
Este trabalho buscou auxiliar a lida diuturna da Administração
Pública, diante do dever de zelar pela regularidade, continuidade e eficiência
do serviço público, tudo com amparo nos princípios preconizados no art.
37, caput, da Constituição Federal, bem como no art. 2º, caput, parágrafo
único e incisos da Lei nº 9.784/99.
De igual modo, imperioso ressaltar o cuidado que se observou no
sentido de priorizar o direito de defesa do servidor, matéria que foi tratada
em tópico distinto.
Resta aduzir, que mesmo os julgados aqui colacionados que reconhe-
ceram a responsabilidade civil e o dever de ressarcir o dano, estes arestos
servirão para uma proveitosa reflexão – na lida contínua pelo aperfeiçoamento
– no sentido de coibir comportamentos censuráveis.
Com efeito, na lição de Silvio de Salvo Venosa, “a noção de res-
ponsabilidade, como gênero, implica sempre exame de conduta voluntária
violadora de um dever jurídico. Sob tal premissa, a responsabilidade pode ser
de várias naturezas, embora ontologicamente o conceito seja o mesmo”.92
Num ligeiro descortino, a responsabilidade civil, no plano geral, pres-
supõe a prática de conduta comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa, com
a consequente obrigação de reparar o prejuízo patrimonial ou moral, desde
que, provada a culpa (lato sensu), afora as exceções previstas em lei (art.
927, parágrafo único, CC).
Vale acrescentar que, na instância administrativa, “a indenização por
dano moral também é cabível, mas a dificuldade se apresenta na quantifi-
cação do montante a ser pago à vítima ou a seus responsáveis”.93 (grifei)

90
Eclesiastes 9:11.
91
Parágrafo único, art. 393, CC.
92
VENOSA. Direito civil, responsabilidade civil, p. 19.
93
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito administrativo brasileiro, p. 724; STF, RT 614/236,
AI 455.846-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 21.10.04; STJ, BAASP I. 813/393; TJSP AP Cível
189.844-1.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
59

E a responsabilidade civil, no âmbito interno da Administração Pública,


em regra, independe da criminal e da administrativa (disciplinar), como
fazem certos os arts. 121, 125 e 126, da Lei nº 8.112/90.
Nesse contexto, buscando, por analogia com o direito privado, pes-
quisar a responsabilidade do agente causador do dano, onde se prioriza, em
regra, a culpa subjetiva, crava o Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou im-
prudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim
de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando
as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os
limites do indispensável para a remoção do perigo.
...
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito
ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato neces-
sário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem. (grifei)

A propósito das responsabilidades subjetiva e objetiva:

Na responsabilidade subjetiva, o centro de exame é o ato ilícito. O dever de


indenizar vai repousar justamente no exame de transgressão ao dever de
conduta que constitui o ato ilícito. Como vimos, sua conceituação vem
exposta no art. 186 (antigo art. 159). Na responsabilidade objetiva, o ato ilícito
Sebastião José Lessa
60 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

mostra-se incompleto, pois é suprimido o substrato da culpa. No sistema da


responsabilidade subjetiva, o elemento subjetivo do ato ilícito, que gera o dever de
indenizar, está na imputabilidade da conduta do agente.94 (grifei)

Por outra ótica, no domínio do direito público, a responsabilidade civil


da Administração, de índole objetiva na modalidade do risco administrativo,
está cravada no §6º, do art. 37, da Carta Política, prevendo, contudo, o
direito de regresso.
A doutrina do risco administrativo “baseia-se no princípio da igualdade
dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação
estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns mem-
bros da sociedade devem ser repartidos”.95 (grifei)
E continuando, registra o §6º, do art. 37, da CF:

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras


de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualida-
de, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou de culpa. (grifei)

Atinente ainda à norma ditada no §2º, do art. 122, da Lei nº 8.112/90:


“Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a
Fazenda Pública, em ação regressiva”. (grifei)
Com o mesmo substrato, o §2º, do art. 366, do Decreto nº 59.310 –
Regulamento da Lei nº 4.878/65.

1.1 Responsabilidade civil e responsabilidade civil-


administrativa ou responsabilidade disciplinar
Visando clarear a matéria, é bom fixar que a responsabilidade civil do
servidor pode decorrer de “ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que
resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros” (art. 122, Lei nº 8.112/90; art. 366,
Decreto nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65; §6º, in fine, art. 37,
CF). (grifei)
E a responsabilidade civil-administrativa, também intitulada respon-
sabilidade disciplinar, “resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no
desempenho do cargo ou função” (art. 124, Lei nº 8.112/90; art. 368, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65).
A primeira hipótese (art. 122, Lei nº 8.112/90; art. 366, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65; §6º, in fine, art. 37, CF)

94
VENOSA, Op. cit..., p. 22.
95
DI PIETRO, Direito Administrativo, p. 599.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
61

prioriza o aspecto patrimonial da responsabilidade civil do servidor, tanto


dolosa quanto culposa, que acarrete dano material ou moral ao erário ou a
terceiro.
E a perda patrimonial tanto pode ser interna (Administração), quanto
pode ser externa (terceiros).
Já a hipótese seguinte (art. 124, Lei nº 8.112/90; art. 368, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65), cuida da responsabilidade
civil-administrativa ou da responsabilidade disciplinar, que resulta de ato ou de
omissão verificado no desempenho do cargo ou da função e que traz como
consequência a sanção disciplinar. Aqui, comprovado o comportamento
reprovável, o servidor ficará sujeito a penas disciplinares.96
A propósito de uma nova e racional visão do controle da disciplina,
destacando, inclusive, políticas de prevenção e de correção, significativa
é a obra de Léo da Silva Alves, inspirada no §2º, art. 39, da Constituição
Federal, que já está sendo aplicada pela Administração Pública, merecendo
transcrição:

Não é razoável que todo o esforço se concentre unicamente no enfrentamen-


to dos casos concretos, desencadeando sindicâncias e processos discipli-
nares que se repetem, pelo mesmo motivo, mês após mês, ano após ano. O
dinheiro público será, assim, consumido para nada, sem que se desenvolva
um trabalho que permita, pelo menos, manter sob controle as infrações.97

Voltando à questão da responsabilidade, imagine o servidor público


que negligencia a guarda de bem móvel, público ou particular, de que
tenha guarda ou posse em razão do cargo, concorrendo culposamente
para o extravio ou para o crime de outrem.
Em razão desse fato, o servidor responderá nas instâncias penal
(art. 123, Lei nº 8.112/90; §2º, art. 312, CP); civil (art. 122, Lei nº 8.112/90); e
civil-administrativa ou disciplinar (arts. 116, 117, 124 e 127, Lei nº 8.112/90).
Poderá, ainda, responder, no Judiciário, por infringência aos arts.
9º, 10 e 11, todos da Lei nº 8.429/92, que reprime os atos de improbidade
administrativa, como assentado pelo c. Supremo Tribunal Federal no RMS
24.699 DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01.07.05.
Pelo que se vê, o servidor poderá, pelo mesmo fato, ser responsabili-
zado penal, civil e administrativamente, na forma dos arts. 121 e 125, da Lei
nº 8.112/90, bem como por infringência aos arts. 9º, 10 e 11, na previsão
do art. 12, todos da Lei nº 8.429/92, que reprime os atos de improbidade
administrativa, dado que as instâncias, em regra, são independentes.

96
Cf.: COSTA. Teoria e prática do direito disciplinar, p. 206; DI PIETRO, Op. cit..., p. 568.
97
ALVES. Curso simplificado de direito disciplinar: compreensão do sistema de controle da discipli-
na de agentes públicos, p. 16.
Sebastião José Lessa
62 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

1.1.1 Nexo causal


Elemento de vital importância nos domínios da responsabilidade
civil, o nexo causal recebeu elucidativa ponderação: “O conceito de nexo
causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É
o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação
causal que concluímos quem foi o causador do dano”. (grifei)
E adianta:

Nem sempre há condições de estabelecer a causa direta do fato, sua causa


eficiente. Normalmente, aponta-se a teoria da causalidade adequada, ou seja,
a causa predominante que deflagrou o dano, o que nem sempre satisfaz no
caso concreto. Aponta Caio Mário da Silva Pereira (1999:82), após informar
sobre as várias doutrinas sobre o tema, que o que importa, “é estabelecer,
em face ao direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e
um dano, e que existe um nexo causal, ainda que presumido, entre um e
outro. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante
incumbe produzir”.98

Na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade


civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando
o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras
circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única. Além disso, nem sempre
os tribunais aplicam a regra do risco integral, socorrendo-se, por vezes, da
teoria da culpa administrativa ou culpa anônima do serviço público.99

1.2 Culpa (lato sensu) – dolo e culpa


A culpa (lato sensu) compreende o dolo, ou seja, o agente quis o re-
sultado ou assumiu o risco de produzi-lo; e a culpa (stricto sensu), é dizer,
o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.100
Comentando o art. 122, da Lei nº 8.112/90, o ensinamento de
Themístocles Brandão Cavalcanti:

A responsabilidade civil decorre do exercício doloso ou culposo da função


pública, que importe em prejuízo de terceiros. Segue-se, desta forma, a teoria
geral da responsabilidade civil, tal como se acha consagrada na legislação de
responsabilidade no exercício da função pública.101 (grifei)

98
VENOSA. Op. cit..., p. 39-40.
99
Obra citada, p. 602.
100
Cf.: art. 18, I e II, CP. MEIRELLES. Op. cit..., p. 558.
101
MATTOS. Lei nº 8.112/90 – Interpretada e Comentada, p. 591.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
63

1.3 Direito de defesa


1.3.1 Devido processo legal
Como já registrado, a responsabilidade civil do servidor público, seja
por dano interno (erário), seja por dano externo (terceiros), é subjetiva (arts.
121 e 122, Lei nº 8.112/90; art. 37, §6º, in fine, CF).
De tal modo, na linha do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF),
há que ser induvidosamente provada a culpa (lato sensu), tudo sob o pálio
do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV, CF; art. 41, Lei nº 9.784/99),
bem como do respeito aos meios lícitos para obtenção da prova (art. 5º, inc.
LVI, CF; art. 30, Lei nº 9.784/99).
Claudio Rozza, a propósito, destacou que “o devido processo legal
é princípio matriz de todos os demais princípios processuais consti­tu­
cionais”.102 (grifei)
Por sua vez, Fábio Medina Osório traçou assim a dimensão do
devido processo legal:

Desde logo, cabe extrair do devido processo legal algumas consequências for-
mais básicas. Assim, todos os procedimentos, administrativos ou judiciais,
devem ostentar os seguintes passos: notificação ou citação do imputado;
garantia dos direitos de defesa, com abertura de possibilidade de o imputado
manifestar-se, por escrito ou oralmente, a respeito do caso; resolução motivada
por parte da autoridade competente (previamente), existência de um órgão
decisor imparcial.103 (grifei)

1.3.2 Meios e recursos


É bom redizer que, na parte que disciplina os direitos e as garantias
fundamentais, está escrito, no inciso LV, do art. 5º, da Carta Política: “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos
a ela inerentes”. (grifei)
A tal respeito, o expressivo julgado do c. Superior Tribunal de
Justiça:

2 – A Magna Carta, em seus arts. 5º, LV e 41, parág. 1º, inciso II, alude, não
ao simples direito de defesa do servidor público, mas sim, à ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes. O preceito ampla defesa reflete a evolução
histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota elaboração acurada para
melhor assegurar sua observância. Significa, nestes termos, que a possibilidade de

102
BACELAR FILHO. Processo administrativo disciplinar & ampla defesa, p. 110.
103
OSÓRIO. Direito administrativo sancionador, p. 155.
Sebastião José Lessa
64 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações


jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita.104 (grifei)

E como já foi do mesmo modo asseverado, “a interpretação do


princípio da ampla defesa visa propiciar ao servidor oportunidade de produzir
conjunto probatório servível para a defesa”.105 (grifei)
Palhares Moreira Reis, no estudo do contraditório e da ampla defesa,
como sempre acrescenta: “De nada valeria todo o enunciado de direitos
reconhecidos ao homem comum, ao cidadão, ao estrangeiro, se não exis-
tissem, ao seu lado, procedimentos capazes de assegurar a plena eficácia das
normas definidoras de tais direitos, tornando-os efetivos”.106 (grifei)
Nesse rumo, destaca a doutrina: “A ampla defesa é exercida mediante
a segurança de três outros direitos a ela inerentes, que são: direito de
informação; direito de manifestação; direito de ter as suas razões consideradas”.
Pelo direito de informação, “o acusado tem acesso aos elementos dos
autos e deve ser cientificado de todos os atos processuais; o direito de ma-
nifestação lhe assegura o pronunciamento em todas as fases, impugnando
documentos, contraditando testemunhas, formulando quesitos em perícia;
e, face o direito de ter suas razões consideradas, a autoridade julgadora tem
a obrigação de examinar e de enfrentar, uma a uma, as sustentações da
defesa”.107 (grifei)
De igual modo, procedente é a advertência de Odete Medauar:

A questão foi enfrentada por Ada Pellegrini Grinover, ao ressaltar o seguin-


te: Num determinado enfoque, é inquestionável que é do contraditório que
brota a própria defesa. Desdobrando-se o contraditório em dois momentos – a
informação e a possibilidade de reação – não há como negar que o conhecimen-
to, ínsito no contraditório, é pressuposto para o exercício da defesa.108 (grifei)

Por isso, já se disse, que o raio acusatório é que define o esforço defensório
e estabelece o alcance da condenação, se for o caso.109
Nesse contexto, para o concreto exercício da ampla defesa, o acusado
deverá ser intimado com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, a respei-
to de provas ou de diligências ordenadas pela comissão de inquérito,
mencionando-se data, hora e local de realização do ato, na forma dos arts.
26, §2º, 41 e 69, da Lei nº 9.784/99, e art. 156, da Lei nº 8.112/90, como já

104
STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
105
STJ, ROMS 10.574 ES, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02.
106
REIS. Estudos de direito constitucional e de direito administrativo, p. 67.
107
ALVES. A prova no processo disciplinar, p. 24.
108
MEDAUAR. A Processualidade no direito administrativo, pp. 101 e 102.
109
Cf.: COSTA. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar, p. 248.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
65

afirmado pelo c. Superior Tribunal de Justiça no MS 9.511 DF, Rel. Min.


Arnaldo Esteves Lima, DJ 21.03.05.
Por fim, o magistério de Romeu Felipe Bacellar Filho:

Conforme lição de MICHELI e TARUFFO, o direito de defesa liga-se ao


sistema probatório, compreendendo o direito das partes à prova. Enquanto
o contraditório informa a participação na administração e na produção da
prova, a ampla defesa informa os meios de prova cabíveis no processo.110 (grifei)

Por fim, no estudo do contraditório e da ampla defesa, o ensino de Léo


da Silva Alves:

[...] enquanto o contraditório induz ao enfrentamento das razões apresenta-


das por outrem, que o acusado refuta, procurando derrubar a verdade da
acusação, pelo princípio da ampla defesa, o acusado faz valer as suas próprias
verdades. Sustentam-se, pois, a verdade e as razões do próprio acusado, mediante
outros direitos inerentes: o direito de informação, o de manifestação e o de ter
as suas razões levadas em consideração.111 (grifei)

Assim sendo, constatado o cerceamento dos meios e dos recursos


próprios para o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, e
o consequente prejuízo (pas de nullité sans grief), deverá ser reconhecida a
nulidade nos termos dos arts. 53 usque 55, da Lei nº 9.784/99; art. 169, §1º,
da Lei nº 8.112/90; arts. 563 e 566, do CPP, conforme a instância, seja esta
administrativa ou penal.

1.3.3 Causas excludentes e atenuantes


Destaca a doutrina civilista: “São excludentes de responsabilidade,
que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o fato de
terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula
de não indenizar”. E tais dirimentes, em regra, afastam a responsabilidade
civil.112
Realçando as causas excludentes e atenuantes da responsabilidade
civil, anota a doutrina administrativista:

São apontadas como causas excludentes da responsabilidade a força maior e


a culpa da vítima.

110
BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, p. 280.
111
ROZZA, 2006 apud ALVES, 1998, p. 4.
112
STJ, REsp 152030 DF, DJ 22.06.98) (Sílvio de Salvo Venosa, obra citada, vol. IV, 2003, págs. 40/5
e 54.
Sebastião José Lessa
66 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Força maior é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade


das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não sendo im-
putável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado; não há
nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração.
Já na hipótese de caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato humano,
de falha da Administração, não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe,
por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros,
não se pode falar em força maior.
No entanto, mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade
do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder
Público na realização de um serviço [...]

E segue:

Quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se é sua culpa exclusiva


ou concorrente com a do poder público; no primeiro caso, o Estado não
responde; no segundo, atenua-se a sua responsabilidade, que se reparte
com a da vítima.113

De resto, o art. 935, do Código Civil proclama: “A responsabilidade


civil é independente da criminal, não podendo questionar mais sobre a exis-
tência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal”. (grifei)
Nessa toada, levando-se em conta a expressividade do debate pro-
posto, buscou-se priorizar alguns julgados com relevo para o nexo causal,
culpa da vítima, culpa concorrente, fato de terceiro, caso fortuito, força maior e
legítima defesa.

1.3.3.1 Jurisprudência
É bom redizer, com arrimo na jurisprudência, são excludentes e ate-
nuantes da responsabilidade civil, que dependendo da hipótese, podem
impedir que se concretize o nexo causal: a culpa da vítima (inclusive a culpa
concorrente);114 o fato de terceiro;115 o caso fortuito e a força maior;116 e, no campo
contratual, a cláusula de não indenizar”. (grifei)
No que concerne ao “caso fortuito ou força maior” (art. 393 e parágrafo
único, CC), esclarece a doutrina que:

113
RTJ 55/50, RT 447/82 e 518/99) (grifei) (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, obra citada, págs. 602/3.
114
STJ, REsp 60929 RJ, Rel. Min. Costa Leite, DJ 29.05.95; STJ, REsp 40189 RJ, Rel. Min. Costa
Leite, DJ 11.04.94.
115
STJ, AgRg no AREsp 465702 MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 19.03.14.
116
STJ, REsp 109966 RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18.12.98.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
67

Ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal. Essa


equivalência foi admitida pelo Código Civil de 1916, que, no art. 1.058
(novo, art. 393), parágrafo único, adotou a noção objetiva desses fenômenos: “O
caso fortuito, ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir”. (grifei)

Nesse rumo, em cada caso, o elemento preponderante para afastar


a responsabilidade, a par da imprevisibilidade, reside na impossibilidade
absoluta de resistir aos acontecimentos.117 Tanto que, já se disse, que “o tempo
e o imprevisto sobrevêm a todos” (Eclesiastes: 9/11).
Destarte, no estudo do caso fortuito e da força maior, “o traço que os
caracteriza não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade”.118 (grifei)
Anote-se outras excludentes: legítima defesa;119 estrito cumprimento de
dever legal;120 exercício regular de direito121 e inimputabilidade.122
Saliente-se, em arremate, que a legítima defesa putativa,123 o excesso
na legítima defesa e o estado de necessidade (art. 24 e §§, CP), em linha de
princípio, não excluem a responsabilidade.124
Pertinente no ponto, consignar que “não pode alegar estado de
necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo” (§1º, art. 24,
CP).125

Inimputabilidade
É bom repisar que a responsabilidade civil subjetiva exige a conduta do
agente, o ato lesivo e a imputabilidade, que “é pressuposto não só da culpa,
mas da própria responsabilidade”. Logo, “se o agente, quando da prática
do ato ou da omissão, não tinha condições de entender o caráter ilícito
da conduta, não pode, a princípio, ser responsabilizado. Nessa premissa,
importa verificar o estado mental e a maturidade do agente”.
Neste contexto, acresce consignar o texto do art. 928 e parágrafo
único, do Código Civil:

117
VENOSA. Op. cit..., p. 42.
118
STJ, REsp 109966 RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18.12.98; VENOSA. Op. cit...,
p. 43.
119
STJ, REsp 152030 DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22.06.98.
120
TJDFT, APC 2010.01.1.1017439, Rel. Des. Ana Cantarino, DJe 08.04.14.
121
TJSP, Apelação Cível 191.848-1 SP, Rel. Des. Leite Cintra, 22.09.93.
122
STJ, REsp 152030 DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22.06.98. VENOSA. Responsabilidade
civil, pp. 39-55.
123
TJPR, 5ª Câmara Cível, AC 3.122, Rel. Des. Fleury Fernandes, 21.12.98.
124
RT 491/74; RT 477/104. Art. 928 e parágrafo único, CC. VENOSA. Op. cit..., pp.. 45 a 47.
125
DELMANTO. Op. cit..., pp. 47-49. Cf.: DELMANTO et al. Código penal comentado, pp. 47-49.
Sebastião José Lessa
68 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por
ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de
meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equi-
tativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que
dele dependem.126 (grifei)

Fato de terceiro
Concernente o ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa, lembrando
que “é muito rara a admissão do fato de terceiro como excludente na juris-
prudência nacional”.127 O assunto, aponta a doutrina, “vem regulado de
forma indireta pelos arts. 929 e 930, CC (antigo, arts. 1.519 e 1.520), estabe-
lecendo este último dispositivo a ação regressiva contra o terceiro que criou a
situação de perigo, para haver a importância despendida no ressarcimento
ao dano do bem”.128 (grifei)
O citado julgado do c. Superior Tribunal de Justiça está assim
ementado:

1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de


que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca das provas pro-
duzidas, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa,
cujo reexame é vedado em âmbito de recurso especial, a teor da Súmula 7
deste Tribunal.
2. “As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por
fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de
conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utili-
zação de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do
risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno”.129
3. A inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de
inadimplentes enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à pró-
pria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos. Precedentes.
4. No pertinente ao montante fixado a título de indenização por danos mo-
rais, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o valor estabelecido pelas
instâncias ordinárias pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a
condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões

126
VENOSA. Op. cit..., p. 54.
127
RT 437/127; JTACSP 109/226; STJ, AgRg no AREsp 465702 MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
DJe 19.03.14.
128
VENOSA. Op. cit..., pp. 47 a 49.
129
REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
24/08/2011, DJe 12/09/2011.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
69

de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. Incidência da


Súmula 7 do STJ”.130 (grifei)

1.4 Princípio da Razoabilidade


A Lei nº 9.784/99, ao cuidar dos princípios elencados exemplificati-
vamente no art. 37, caput, da Constituição Federal, trouxe, ainda, outros
padrões fundamentais da ação administrativa, ou seja, legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contradi-
tório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
E na fixação dos critérios, no caso dos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, estabeleceu no inciso VI, parágrafo único, do art. 2º:
“adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restri-
ções e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público”. (grifei)
Da leitura do texto a lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha:

Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em


última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de
modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração
Pública, com lesão aos direitos fundamentais.131 (grifei)

Nesse rumo, vale o antigo provérbio toscano: “‘chi non fa non falla’,
dado que, quem não faz nada não comete erros”.
Theodore Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos da América,
no período de 1901 a 1909, disse que: “o único homem que nunca comete
erros é aquele que nunca faz coisa alguma. Não tenha medo de errar, pois
você aprenderá a não cometer duas vezes o mesmo erro”.

2 Responsabilidade civil subjetiva do servidor público (arts.


121, 122 e §§, Lei nº 8.112/90; Arts. 365, 366 e §§, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65)
Deveras, a responsabilidade civil, segundo a doutrina administrati-
vista, “é de ordem patrimonial e decorre do art. 186 do Código Civil, que
consagra a regra aceita universalmente, segundo a qual todo aquele que
causa dano a outrem é obrigado a repará-lo”. (grifei)

130
AgRg no AREsp 465702 MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 19.03.14.
131
ROCHA. Princípios constitucionais da administração pública, p. 53. MEIRELLES; ALEIXO;
FILHO. Direito administrativo brasileiro, p. 95.
Sebastião José Lessa
70 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

E para configurar o ilícito civil (art. 186, CC), exige-se: ação ou omissão
antijurídica; culpa ou dolo; relação de causalidade; ocorrência de dano material
ou moral.132
Na esfera do direito administrativo, os servidores públicos, “no
desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las, podem cometer
infrações de quatro ordens: administrativa, civil, criminal e improbidade admi-
nistrativa” (grifei). E por essas infrações, serão responsabilizados no âmbito
interno e/ou judicialmente, como apontam Hely Lopes et al.133
Tem-se aqui a responsabilidade de natureza quadridimensional.
Neste trabalho, cuidar-se-á da responsabilidade civil do servidor públi-
co (arts. 46 e §§, 121, 122 e §§, Lei nº 8.112/90; arts. 365, 366 e §§, Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65).
No plano geral, e para o ordenamento legal da responsabilidade civil
do servidor público e as naturais consequências, registra a Lei nº 8.112/90:

Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício


irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso
ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§1º A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente será
liquidada na forma prevista no art. 46, na falta de outros bens que assegurem
a execução do débito pela via judicial.
§2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante
a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles
será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções impu-
tadas ao servidor, nessa qualidade.
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou
comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se,
sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso
de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou admi-
nistrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para
apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de
que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo,
emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011). (grifei)

132
DI PIETRO. Direito Administrativo, p. 566.
133
MIRELLES. ALEIXO. BURLE FILHO. Op. cit..., p. 555.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
71

No Regime Jurídico do Policial Federal, crava o Decreto nº 59.310/66


(Regulamento da Lei nº 4.878/65):

Art. 365. Pelo exercício irregular de suas atribuições, o funcionário policial


responde civil, penal e administrativamente.
Art. 366. A responsabilidade civil decorre de procedimento doloso ou culposo,
que importe em prejuízo da Fazenda Nacional, ou de terceiros.
§1º A indenização de prejuízo causado à Fazenda Nacional será liquidada
mediante desconto em prestações mensais não excedentes de dez por cento
do vencimento, à míngua de outros bens que por ela respondam, e a ser
cobrada após o término do processo disciplinar independente de qualquer
procedimento judicial.
§2º Tratando-se de dano causado a terceiro, responderá o funcionário policial
perante a Fazenda Nacional, em ação regressiva proposta depois de transitar
em julgado a decisão que condenar a União a indenizar o terceiro prejudicado.
Art. 367. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções impu-
tados ao funcionário policial nessa qualidade.
Art. 368. A responsabilidade administrativa resulta de ato ou de omissão ve-
rificado no desempenho do cargo ou da função.
Art. 369. As cominações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se, sendo
umas e outras independentes entre si, bem assim as instâncias civil, penal e
administrativa. (grifei)

Neste trabalho, como já dito, cuidar-se-á da responsabilidade civil do


servidor público (arts. 121, 122, caput, §§1º, 2º e 3º, Lei nº 8.112/90; §6º, in
fine, art. 37, CF).
Com efeito, o servidor poderá ser responsabilizado civilmente,
mediante procedimento regular com observância do direito de defesa (art.
5º, inc. LV, CF), e desde que provada a culpa lato sensu.
No trato do tema aqui em estudo, o magistério de Hely Lopes
Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho:

A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar


o dano causado à Administração por culpa ou dolo no desempenho de
suas funções. Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa.
A sua responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo e se exaure com
a indenização. Essa responsabilidade (civil) é independente das demais (ad-
ministrativa e criminal) e se apura na forma do Direito Privado, perante a
Justiça Comum.134 (grifei)

134
Obra citada, 35ª ed., 2009, p. 506.
Sebastião José Lessa
72 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Para José dos Santos Carvalho Filho, “a responsabilidade civil, ou


seja, prevista no art. 122 da Lei nº 8.112/90, decorre de ato omissivo ou
comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros,
trazendo como consequência a obrigação que se impõe ao servidor de
reparar o dano”.135 (grifei)

2.1 Controle da Administração


Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o controle

pode ser interno ou externo, consoante decorra de órgão integrante ou não


da própria estrutura em que se insere o órgão controlado. É interno o con-
trole que cada um dos Poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes.
É externo o controle exercido por um dos Poderes sobre o outro; Como
também o controle da Administração Direta sobre a Indireta.136

2.1.1 Controle interno


Como é sabido, o Decreto-lei nº 200, de 26.02.67, que preconizou a
reforma administrativa, destacou entre os princípios fundamentais, o controle
de suas atividades (arts. 6º, V e 13).
E a finalidade do controle,

é a de assegurar que a Administração atue em consonância com os prin-


cípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legali-
dade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade; em
determinadas circunstâncias, abrange também o controle chamado de mérito
e que diz respeito aos aspectos discricionários da atuação administrativa.137
Dado que infringindo as normas legais, ou relegando os princípios básicos da
Administração, ou ultrapassando a competência, ou se desviando da finalidade
institucional, o agente público vicia o ato de ilegitimidade e o expõe à anulação
pela própria Administração ou pelo Judiciário, em ação adequada.138 (grifei)

Tanto é assim que o c. Supremo Tribunal Federal editou a Súmula


nº 473, com o verbete: “A Administração pode anular seus próprios atos,
quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se origi-
nam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,

135
CARVALHO FILHO. Manual de direito administrativo, p. 499.
136
DI PIETRO. Direito Administrativo, p. 673.
137
DI PIETRO. Op. cit..., pp. 671-673.
138
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 728.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
73

respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apre-


ciação judicial”. (grifei)
Com a edição da Lei nº 9.784/99, o controle interno e seus desmem-
bramentos, ficou definido como dever nos arts. 53 usque 55.

2.1.2 Controle externo


Pondera a doutrina que o controle externo

É o que se realiza por um Poder ou órgão constitucional independente


funcionalmente sobre a atividade administrativa de outro Poder estranho
à Administração responsável pelo ato controlado, como, p. ex., a apreciação
das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do
Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo;
a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário.139

Por outro viés, a Carta Política no elenco dos direitos e das garantias
fundamentais, assegurou no inc. XXXV, do art. 5º, verbis: “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Precisa, no ponto, a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

O direito brasileiro adotou o sistema da jurisdição uma, pelo qual o Poder


Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, do poder de
apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou a ameaça de lesão a direitos
individuais e coletivos. Afastou, portanto, o sistema da dualidade de ju-
risdição em que, paralelamente ao Poder Judiciário, existem os órgãos do
Contencioso Administrativo que exercem, como aquele, função jurisdicional
sobre lides de que a Administração Pública seja parte interessada.140 (grifei)

2.2 Responsabilidade civil subjetiva (art. 122, §§1º a 3º, Lei


nº 8.112/90; art. 37, §6º, in fine, CF)
A propósito da responsabilidade subjetiva do servidor público, o então
DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, já assinalava,
na Formulação nº 261, referendada pelo Decreto-lei nº 200/67 (arts. 115 e
116), que “a responsabilidade administrativa deve ser individualizada no
respectivo processo, vedada, na impossibilidade de indiciação do culpado, a sua
diluição por todos os funcionários que lidaram com os valores extraviados”. (grifei)

139
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito Administrativo brasileiro, p. 731.
140
Obra citada, p. 689.
Sebastião José Lessa
74 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Colhe-se do correspondente parecer da ilustrada Consultoria


Jurídica do então DASP, que repele a responsabilidade objetiva do servidor,
e que embasou a mencionada formulação:

10. A providência simplista do rateio das importâncias extraviadas por todos


os funcionários que lidaram com aqueles valores pode atender, na espécie,
ao ressarcimento do prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional, mas não só
incentiva a atuação delituosa do verdadeiro responsável como não se amolda
ao princípio de comprovação da culpa com grave prejuízo de ordem econômica
e, sobretudo, moral para os atingidos pela indiscriminação relativamente
aos quais nada se apurou capaz de indiciá-los.141 (grifei)

O Manual de Processo Administrativo Disciplinar, editado pela


e. Controladoria-Geral da União, 2013, pág. 23, não discrepa da lição
acima citada, verbis: “A responsabilidade civil do servidor público perante a
Administração é subjetiva e depende da prova da existência do dano, do nexo
de causalidade entre a ação e o dano e da culpa ou do dolo da sua conduta. O
dano pode ser material ou moral”. (grifei)
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, muito a propósito, adverte: “Quando
o servidor é contratado pela legislação trabalhista, o art. 462, §1º, da CLT só
permite o desconto com a concordância do empregado ou em caso de dolo”.142
(grifei)

2.3 Dano interno e Dano externo


Releva complementar, que do comportamento ilícito do servidor
advirá o dano, com consequências internas (art. 122, Lei nº 8.112/90) ou
externas (§6º, in fine, art. 37 – ação regressiva), mas, de todo modo, qualifi-
cado pela culpa (lato sensu), dado que a responsabilidade civil do servidor
é sempre subjetiva.143
De idêntico valor a lição doutrinária que identifica o dano interno e
o dano externo:

Quando o dano é causado por servidor público, é necessário distinguir duas


hipóteses: 1. dano causado ao Estado; 2. dano causado a terceiros. No primeiro
caso, a sua responsabilidade é apurada pela própria Administração, por
meio de processo administrativo cercado de todas as garantias de defesa do
servidor, conforme artigo 5º, inciso LV, da Constituição. As leis estatutárias
em geral estabelecem procedimentos autoexecutórios (não dependentes de

141
Proc. nº 1.799/57.
142
Obra citada, p. 567.
143
MEIRELLES. Op. cit..., pp. 557 e 725.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
75

autorização judicial), pelos quais a Administração desconta dos vencimentos


do servidor a importância necessária ao ressarcimento dos prejuízos,
respeitado o limite mensal fixado em lei, com vistas à preservação do
caráter alimentar dos estipêndios. Quando o servidor é contratado pela legislação
trabalhista, o art. 462, §1º, da CLT só permite o desconto com a concordância do
empregado ou em caso de dolo. (grifei)

E segue:

Quando se trata de dano causado a terceiros, aplica-se a norma do art. 37, §6º,
da Constituição Federal, em decorrência da qual o Estado responde objeti-
vamente, ou seja, independentemente de culpa ou de dolo, mas fica com o
direito de regresso contra o servidor que causou o dano, desde que este tenha
agido com culpa ou dolo.144 (grifei)

E o direito de regresso se dará no leito da ação judicial.

2.4 Reposições e indenizações


Neste ponto, vale ressaltar que “a indenização de prejuízo dolosa-
mente causado ao erário somente será liquidada na forma prevista no art.
46, na falta de outros bens que assegurem a execução do débito pela via
judicial”. (grifei) (§1º, art. 122, Lei nº 8.112/90).
Com efeito, apurada a responsabilidade do servidor por ato doloso
ou culposo, praticado no exercício irregular de suas atribuições (arts. 121
e 122, Lei nº 8.112/90), vem a tempo a doutrina de Mauro Roberto Gomes
de Mattos:

Comprovado, inequivocamente, a responsabilidade do servidor público, a


indenização do prejuízo dolosamente causado ao erário será liquidado com
bens que assegurem a execução do débito pela via judicial, ou na falta deles,
haverá o desconto previsto no art. 46, da Lei nº 8.112/90.
Tratando-se de dano causado a terceiros, o servidor público responderá
perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.
A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores (herdeiros) até o
limite do valor da herança recebida, na forma do art. 197, do Código Civil.
A Lei nº 8.429/92 pune o servidor público que causar prejuízo ao erário se enri-
quecer ilicitamente ou desrespeitar princípios da administração pública.145 (grifei)

144
DI PIETRO. Op. cit..., pp. 567-568; STF, MS 24.182 DF, Pleno, un., Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ 03.09.04.
145
Obra citada, p. 593. MEIRELLES. Op. cit..., p. 557-559. DI PIETRO. Op. cit..., pp. 566-568.
Sebastião José Lessa
76 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

As reposições e indenizações ao erário estão elencadas nos arts. 46


usque 48, tudo em harmonia com os já citados dispositivos: §§1º, 2º e 3º,
do art. 122, da Lei nº 8.112/90.

Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de


1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao
pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser
parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória
nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§1º O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a
dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§2º Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do
processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única
parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento à
decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada
ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada
pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado
ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de
sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória
nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará
sua inscrição em dívida ativa. (Redação dada pela Medida Provisória
nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Art. 48. O vencimento, a remuneração e o provento não serão objeto de
arresto, sequestro ou penhora, exceto nos casos de prestação de alimentos
resultante de decisão judicial.

2.5 Ressarcimento ao erário: tomada de contas especial


Além daqueles anteriores procedimentos, é bom dizer em
complemento:

A obtenção do ressarcimento poderá ocorrer, também, mediante Tomada de


Contas Especial (TCE). A TCE é um processo administrativo, regulamen-
tado pela Instrução Normativa TCU nº 56/2007, que visa à apuração de
responsabilidade pelos danos causados à Administração Pública Federal e à
obtenção do respectivo ressarcimento. A TCE tem a finalidade, portanto, de
apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o prejuízo causado
ao erário. De acordo com o art. 1º da IN/TCU nº 56/2007 c/c art. 8º da Lei
nº 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU), são determinantes para a instauração
de TCE a ocorrência de pelo menos um dos seguintes fatos: a) omissão no
dever de prestar contas; b) não comprovação da aplicação dos recursos repassados
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
77

pela União, mediante convênio, contrato de repasse ou instrumento congênere; c)


ocorrência de desfalque, desvio ou desaparecimento de dinheiros, bens ou valores
públicos; e d) prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte danos
à Administração Pública Federal.
No âmbito judicial, geralmente o débito regularmente apurado será inscrito
em dívida ativa da União e constituirá título executivo passível de cobrança
por intermédio de ação de execução fiscal proposta pela União perante o Poder
Judiciário (Lei nº 6.830/80). Entretanto, existem outras formas de ressarci-
mento judicial dos prejuízos causados ao erário pelo servidor, tais como a
ação indenizatória (de ressarcimento ou reparatória) e a ação de improbidade
administrativa de que trata a Lei nº 8.429/92.146 (grifei)

Neste tema, proveitoso registrar para os operadores do direito, os


ensinamentos de Luís Carlos da Fonseca no livro de sua autoria intitulado:
“Convênios – da Celebração à prestação de contas”.147
Fruto de valiosa experiência do autor no exercício funcional do
acompanhamento e da análise dos processos de prestação de contas, o livro
aborda – pela ótica didática – as deficiências e irregularidades constatadas
nos procedimentos de celebração e de prestação de contas dos convênios.
De igual modo, cuida do processo licitatório e enriquece a obra com
jurisprudência do egrégio Tribunal de Contas da União.
Por fim, o livro de Luís Carlos da Fonseca traz, como profícua con-
tribuição, uma abordagem técnica visando oportunizar concreta eficiência
no controle interno e externo dos convênios e dos processos licitatórios.
Em arremate, voltando ainda à questão das reposições e das indeniza-
ções, registra a Formulação nº 59, editada pelo então DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público (Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116),
verbis: “A reposição de quantias indevidamente recebidas por funcionários
só se faz sem o parcelamento quando aquele agiu de má-fé ou quando a
Administração teve que ir a Juízo”.148

2.6 Extravio ou dano – bem público – prejuízo de pequeno


valor
Sob o pálio da atuação eficiente, visando o interesse público e na
linha do custo-benefício, tudo com arrimo no art. 37, caput, CF, e art. 2º, caput,
incs. VI, VIII, IX e XIII, da Lei nº 9.784/99, a douta Controladoria-Geral da
União editou a Instrução Normativa nº 04, de 17.02.09, publicada no DOU
nº 34, Seção 1, pág. 1, de 18.02.09, otimizando a apuração e o desfecho dos

146
TEIXEIRA. Manual de processo administrativo disciplinar, pp. 23-24.
147
FONSECA. Convênios: da celebração à prestação de contas, 2009, prefácio.
148
Consultoria-Geral da República, Parecer A-25, de 09.08.57, DO 02.07.57.
Sebastião José Lessa
78 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

casos envolvendo extravio ou dano a bem público que implicar prejuízo de


pequeno valor, resultante de conduta culposa (stricto sensu), ou seja, impru-
dência, negligência ou imperícia.
A apuração será feita por meio de Termo Circunstanciado Admi­
nistrativo – TCA.
Nessa toada, considera-se prejuízo de pequeno valor “aquele cujo
preço de mercado para aquisição ou reparação do bem extraviado ou
danificado seja igual ou inferior ao limite estabelecido como de licitação
dispensável, nos termos do art. 24, inc. II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho
de 1993”. (parágrafo único art. 1º, IN 04 CGU/2009).
Sandro Lúcio Dezan, no trato das reposições e indenizações ao erário,
acrescenta:

Neste ponto, cumpre ressaltar que se o dano for à própria Administração


Pública e, no entanto, se considerado de pequeno valor, ou seja, infração de
menor potencial ofensivo para a Administração ou aos seus fins, pode-se
adotar, conforme previsão em regime disciplinar regente, a lavratura de ter-
mo circunstanciado administrativo ou o ajustamento de conduta, ou a composição
civil dos danos, a depender da previsão estatutária específica, impedindo a
repercussão da conduta no âmbito disciplinar, caracterizando em verdadeira
disposição do dever-poder de instauração, disposição da própria ação dis-
ciplinar. No entanto, tal medida não conduz à conclusão de disposição do
interesse público, mas somente em disposição da ação disciplinar, mormente
com base na economia e na celeridade processual, o interesse público está
sendo observado, priorizado e aperfeiçoado.149

Releva destacar que a adoção do Termo de Ajustamento de Conduta,


após laborioso trabalho doutrinário do Prof. Léo da Silva Alves, foi entro-
nizada nos procedimentos da Administração Pública, como se comprova,
mais recentemente, com a publicação da Instrução Normativa nº 1, de
16.05.13, publicada no DOU 17.05.13, PR, p. 69, verbis:

Considerando que a lei deve ser interpretada em harmonia com os princípios


constitucionais da eficiência, interesse público, economicidade, proporcio-
nalidade e razoabilidade, por meio da racionalização dos procedimentos
administrativos;
Considerando a necessidade de adoção de mecanismos preventivos e cor-
retivos em situações de menor potencial ofensivo, resolve:
Art. 1º - O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é o instrumento por meio
do qual o servidor interessado declara estar ciente da irregularidade a
que deu causa, culposa ou dolosamente, comprometendo-se a ajustar sua
conduta em observância aos deveres e proibições previstas na legislação
vigente. (grifei)

149
DEZAN. Direito administrativo disciplinar – direito material, pp. 132-133.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
79

E a correspondente atividade de instrução, sob o influxo do art. 29,


caput, da Lei nº 9.784/99, é bom dizer, deverá observar sintonia com os
princípios da ampla defesa e da eficiência (arts. 5º, LV, e 37, caput, CF).
O mencionado art. 29, caput, da Lei nº 9.784/99, está assim redigido:
“As atividades de instrução destinadas a averiguar e a comprovar os dados
necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão
do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados
de propor atuações probatórias”. (grifei)
Resta aduzir que o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta,
forma de controle interno, consta na previsão do art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/85
(Ação Civil Pública).

2.7 Ação regressiva – Assistente voluntário


Como já referido, pode ocorrer a responsabilidade civil do servidor
em face de terceiro, na via da ação regressiva a que alude o §6º, in fine, art.
37, da Constituição Federal:

A responsabilidade civil de servidor por danos causados a terceiros no exercício


de suas atividades funcionais depende da comprovação de sua culpa em ação
regressiva proposta pela pessoa jurídica de Direito Público depois de con-
denada à reparação (CF, art. 37, §6º). É óbvio que o servidor pode ter interesse
em intervir na ação, principalmente para assegurar o justo valor da indenização,
devendo fazê-lo na qualidade de assistente voluntário.150 (grifei)

E na interpretação do §6º, do art. 37, da Carta Política, “o Estado


indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente”.151
Portanto, têm-se a ação indenizatória contra a Fazenda Pública, com a
demonstração do nexo causal entre o ato lesivo e o montante do dano. Cabe
à Fazenda Pública, para se eximir da responsabilidade civil, comprovar
a culpa da vítima.
Já a ação regressiva “exige dois requisitos: primeiro, que a Admi­
nis­tração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido;
segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso”.152

150
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito Administrativo brasileiro, p. 559.
151
Cf.: STF, RE 327.904, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 08.09.06.
152
MEIRELLES. Op. cit..., pp. 723-725.
Sebastião José Lessa
80 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

2.7.1 Denunciação da lide


O Código de Processo Civil dispõe sobre a denunciação da lide:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:


I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio
foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da
evicção lhe resulta;
II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obriga-
ção ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício,
do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa
demandada;
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em
ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Art. 71. A citação do denunciado será requerida, juntamente com a do réu,
se o denunciante for o autor; e, no prazo para contestar, se o denunciante
for o réu.
Art. 72. Ordenada a citação, ficará suspenso o processo.
§1º – A citação do alienante, do proprietário, do possuidor indireto ou do
responsável pela indenização far-se-á:
a) quando residir na mesma comarca, dentro de 10 (dez) dias;
b) quando residir em outra comarca, ou em lugar incerto, dentro de 30
(trinta) dias.
§2º Não se procedendo à citação no prazo marcado, a ação prosseguirá
unicamente em relação ao denunciante.
Art. 73. Para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez,
intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o
responsável pela indenização e, assim, sucessivamente, observando-se,
quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente.
Art. 74. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado, comparecendo, as-
sumirá a posição de litisconsorte do denunciante e poderá aditar a petição
inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu.
Art. 75. Feita a denunciação pelo réu:
I – se o denunciado a aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá
entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante
e o denunciado;
II – se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade
que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até final;
III – se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o de-
nunciante prosseguir na defesa.
Art. 76. A sentença, que julgar procedente a ação, declarará, conforme o
caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo
como título executivo.

Trata-se de mecanismo processual em constante debate, diante de


sua natureza multifacetária, como se extrai da doutrina e jurisprudência:
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
81

É obvio que o servidor pode ter interesse em intervir na ação, principalmente


para assegurar o justo valor da indenização, devendo fazê-lo na qualidade
de assistente voluntário, e nunca como litisconsorte necessário (CPC, art. 75, I),
situação que lhe permite, entre outras coisas, confessar os fatos alegados pelo
autor (art. 75, III), prejudicando a defesa da Administração e obrigando-a
a uma indenização nem sempre devida, sem possibilidade, na maioria das
vezes, de ressarcir-se. (grifei)

E registra, ainda, que o c. Supremo Tribunal Federal “tem entendido


que o caso é de denunciação à lide (RT 544/260)”.153
Pesquisando a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, o
entendimento:

PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRU­


MENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. AGENTE CAUSADOR. DANO. NÃO
OBRIGATORIEDADE. ART. 70, III, CPC. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
I – É entendimento assente nesta Corte Superior de que a denunciação à
lide do agente causador do dano, em ações de indenização por responsabi-
lidade civil do Estado, não seria obrigatória, permanecendo a possibilidade de
a Administração exercer seu direito de regresso, posteriormente, em ação
apropriada.
II – A irresignação da parte com julgado não tem o condão de infirmar seus
fundamentos, ainda mais quando respaldado em posicionamento recente
e reiterado deste STJ.
III – Agravo regimental a que se nega provimento.154

O c. Tribunal Regional Federal da 1ª R. decidiu:

4. A denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que,


não denunciando, perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o
julgador a processá-la, se concluir que a tramitação de duas ações em uma
só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia
e da celeridade na prestação jurisdicional. A denunciação da lide ao agente do
Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, §6º, da CF/88 não é
obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segun-
da na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária.155 (grifei)

153
MEIRELLES. Op. cit..., p. 559.
154
STJ, AgRg no Ag 471590 PR, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 08.09.03.
155
EREsp. 313886, D.J. 22.03.2004, Rel. Min. Eliana Calmon. TRF 1ª R., APC 00044312920024013400
– AC 2002.34.00.004434-9 DF, Rel. Juiz Federal (conv) Osmane Antônio dos Santos, DJF 1
03.09.13, p. 303.
Sebastião José Lessa
82 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

2.8 Responsabilidade civil – Parecer jurídico – Parecerista –


Elemento subjetivo da conduta
A indagação relacionada à natureza jurídica do parecer no serviço
público e, sobretudo as hipóteses de partilhamento de responsabilidades, é
matéria que gera campo propício ao debate.
Anota a doutrina que: “Pareceres administrativos são manifestações de
órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração”. E ainda: “O
Parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração
ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por
ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o
parecer, mas sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade
normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.156 (grifei)

2.8.1 Ato jurisdicional e Ato judicial


Deveras, o Estado, como supremo desiderato, visa a realizar o
bem-­estar e a justiça sociais (arts. 1º, 3º e 193, CF). E não se pode ignorar – é
a ordem natural das coisas – que numa sociedade competitiva, o conflito de
interesses faz parte do cotidiano, daí a necessária intervenção do Estado,
atuando de imediato, o poder jurisdicional, para o resguardo da paz social.
É de bom aviso consignar que “Jurisdição é atividade de dizer o
direito, de decidir na sua esfera de competência. E tanto decide o Judiciário
como o Executivo e até o Legislativo, quando interpretam e aplicam a lei.
Portanto, todos os Poderes e órgãos exercem jurisdição, mas somente o Poder
Judiciário tem o monopólio da jurisdição judicial, isto é, de decidir com força de
coisa julgada, definitiva e irreformável por via recursal ou por lei subsequente
(CF, art. 5º, XXXVI). Há, portanto, coisa julgada administrativa e coisa
julgada judicial, inconfundíveis entre si, porque resultam de jurisdições
diferentes”.157 (grifei)
Assim sendo, para fundamentar as matérias de fato e de direito e
a sequente parte dispositiva da decisão em que o julgador resolverá as
lides submetidas pelas partes, é essencial que – devidamente motivada (arts.
37, caput, e 93, IX, CF) – se alcance a verdade no processo, e tudo por meios
regulares e legítimos de obtenção da prova. (art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, CF;
art. 2º, parágrafo único e incs., Lei nº 9.784/99).
Releva ponderar que a verdade “é a conformidade da noção ideoló-
gica com a realidade, enquanto a certeza é a crença nessa conformidade,

156
STF, Pleno, MS 24.073-3 DF. MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 202.
157
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 746.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
83

provocando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, ainda que


essa crença não corresponda à verdade objetiva”.158 (grifei)
É preciso refletir com acurada prudência acerca do “estado subjetivo”
e da “verdade objetiva”.
Por tais circunstâncias, escreveu Mário Guimarães: “Em princípio,
não são os juízes responsáveis pelos danos que decisões erradas acaso
venham a produzir. Com amarga finura, já se disse que o poder de julgar
envolve o de praticar injustiças”.159 (grifei)
Nesse contexto, no trato da responsabilidade civil, o magistrado, no
exercício independente de suas funções, só responderá por perdas e danos
quando proceder com dolo ou fraude.160
Comentando o dispositivo mencionado na LOMAN, escreveu José
Raimundo Gomes da Cruz:

O erro judiciário, como acontece com as coisas humanas, sempre poderá


ocorrer, nas causas cíveis ou penais, sendo mais provável naquelas do que
nestas, pois a verdade aqui é mais investigada, havendo maior preocupação
em razão do significado mais grave da condenação penal. A indenização pelo
Juiz que der causa ao erro judiciário só caberá, segundo o dispositivo ora comentado,
se ele, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude.161 (grifei)

Situação similar quando se cogita da indispensável independência


do parecerista, e guardadas as devidas peculiaridades, ocorre quando se
cogita do parecer jurídico no serviço público, questão habilmente tratada
pelo c. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 24.631 DF, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.08, cuja ementa consta deste trabalho.

2.8.2 Pareceres opinativos e Pareceres vinculantes –


Partilhamento de responsabilidades
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, na análise da natureza jurídica do
parecer, preleciona:

O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo


ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado
como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à
própria motivação do ato.

158
MALATESTA. A lógica das provas em matéria criminal, p. 21; NUCCI, CPP Comentado, p. 356.
159
GUIMARÃES. O juiz e a função jurisdicional, p. 239.
160
LOMAN – LC nº 35, de 14.03.79 – art. 41, inc. I; CPC, art. 133, I e II.
161
CRUZ. Lei orgânica da magistratura nacional interpretada, pp. 79 a 80.
Sebastião José Lessa
84 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática


do ato final. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que
não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer
jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; em-
bora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade
do ato final, ele não perde o seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não
o acolher deverá motivar a sua decisão.
O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a aca-
tar a sua conclusão. Para conceder aposentadoria por invalidez, a Administração
tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir em desconformidade com
a sua decisão.162 (grifei)

Deveras, no plano concreto, definindo a natureza jurídica do parecer


no serviço público, dispõe a legislação:

Lei nº 9.784/99:
Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o
parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma
especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
§1º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo
fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação,
responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
§2º Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo
fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dis-
pensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
(grifei)

Lei nº 8.666/93:
Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo
administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo
a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio
para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
...
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contra-
tos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas
por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de
1994). (grifei)

Aclarando a quaestio – no ponto tocante à responsabilidade solidária


do parecerista por eventuais danos causados ao erário e à natureza própria do
parecer vinculante – e destacando, entre outros, o art. 42, §§1º e 2º da Lei
nº 9.784/99, e art. 38, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, bem como as

162
Obra citada, p. 215.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
85

decisões do c. Supremo Tribunal Federal (MS 24.073-DF, Rel. Min. Carlos


Velloso, DJ 31.10.03; MS 24.584-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 20.06.08;
STF, MS 24.631, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.08), leciona Carlos
Pinto Coelho Mota:

Nessa configuração institucional e profissional — ou seja, a do advogado


membro de instância consultiva da Administração Pública direta ou indireta
— e levando-se em conta os dados doutrinários e jurisprudenciais em análise
até o momento, vislumbram-se, efetivamente, hipóteses de compartilhamento
de responsabilidades entre o ordenador de despesa e o parecerista. (grifei)

E mais:

Essas hipóteses seriam, isolada ou cumulativamente, as seguintes:

(a) quando o dano for constatado como decorrente de erro grave, inescusável,
ou de ato ou de omissão praticados com culpa em sentido lato, nos termos dos
citados arts. 927 do Código Civil e 32 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB)
e na linha da orientação do próprio STF (MS nº 24.073-DF);

(b) quando o parecer for absolutamente vinculante com relação à decisão ad-
ministrativa subsequente, em matéria previamente definida em lei ou em
despacho normativo do órgão.163 (grifei)

Cabe ressignificar o direito ao contraditório e à ampla defesa garantido


ao parecerista diante da imputada responsabilidade, tudo nos termos do
art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal.
E, no caso concreto, na ausência de dolo e de prejuízo, decidiu o c.
Tribunal Regional Federal, 1ª R., in verbis: “Administrativo. Improbidade.
Responsabilidade. Emissão de parecer jurídico. Ausência de dolo e prejuízo.
Inexistência de responsabilidade por improbidade administrativa”.164 (grifei)
Proveitoso transcrever, pela importância e clareza de suas conclu-
sões, as ementas dos citados julgados do c. Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS.


TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F.,
art. 70, parágrafo único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, §3º,
art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I. – Advogado de empresa estatal que, chamado a
opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante
interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União
em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que

163
Revista jurídica Consulex, ano 12, n. 264, p. 6-9, 15 jan. 2008.
164
APC 2000.01.00.125450-0 DF, rel. Des. Federal Lino Osvaldo Serra Souza Segundo, DJ 01.02.08,
in Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 8, n. 84, p. 120, fev. 2008.
Sebastião José Lessa
86 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é


ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva,
que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem
estabelecidas nos atos de administração ativa.165 II. – O advogado somente
será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se
decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa,
em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III. – Mandado de
Segurança deferido.166 (grifei)
...
ADVOGADO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE – ARTIGO 38 DA LEI Nº
8.666/93 – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – ESCLARECIMENTOS.
Prevendo o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria
jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes
não se limita à simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a
recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados
esclarecimentos.167 (grifei)
...
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO.
AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR
DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO
DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões
da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é
facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que
seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo;
(ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a
emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou
contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à
consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece
a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor
jurídico deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá
decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II.
No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha
caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua
sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior
do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incor-
pora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é
abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de
causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resulta-
do dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às
instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe

165
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 377.
166
STF, MS 24.073 DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 31.10.03.
167
STF, MS 24.584 DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 20.06.08
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
87

a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza


meramente opinativa. Mandado de segurança deferido.168 (grifei)
...
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE
CONTAS. FIXAÇÃO DE MULTA. RESPONSABILIDADE DE COORDE­
NADOR JURÍDICO DA CODESA POR ELABORAÇÃO DE PARECER
MERAMENTE CONSULTIVO. INOCORRÊNCIA. EXCLUSÃO DA
MULTA. PRECEDENTES: MS 24.073, REL. MIN. CARLOS VELLOSO, E MS
24.631, REL. MIN. JOAQUIM BARBOSA. SEGURANÇA CONCEDIDA.169

Em conclusão, a elucidativa abordagem de José Vicente de


Mendonça, discorrendo em torno da debatida responsabilidade do parecerista
público, onde aponta quatro destaques:

(1) os advogados públicos não são absolutamente irresponsáveis no exer-


cício da função consultiva, porque isso, no mínimo, não se coaduna com a
ideia de Estado de Direito; (2) mesmo assim, os casos de responsabilidade
pessoal do advogado público parecerista limitam-se às hipóteses em que
comprovadamente tenha agido com dolo ou erro inescusável; (3) tais agentes
públicos podem ser chamados a apresentar explicações junto aos Tribunais
de Contas, desde que as imputações que se lhes façam digam respeito a
esse dolo ou erro inescusável; (4) pode haver alguma relação entre a obriga-
toriedade legal da prolação de parecer e a responsabilização do parecerista:
nos casos em que o parecer é obrigatório ou vinculante, o consultor público
seria corresponsável pelo ato administrativo.170

2.9 Improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) – Culpa –


Elemento subjetivo
É consabido, já houve uma sensível tendência no sentido de res-
ponsabilizar o agente público de forma objetiva, é dizer, sem a devida
comprovação da culpa (stricto sensu), apontando dispositivos da Lei nº
8.429/92, que reprime a improbidade administrativa. Todavia, com a evolução
dos embates, os magistrados, providencialmente, passaram a priorizar o
exame do elemento subjetivo da conduta quando do juízo de censura.
Apropriada é a doutrina de Dayse Maria Andrade Alencar:

Considerando como ponto de partida a ceara criminal, e para confirmar


a tendência ao repúdio quanto à responsabilização objetiva de agentes públicos
– tema que ganha especial relevo no campo das licitações e contratos

168
STF, MS 24.631 DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.08.
169
STF, MS 30.892 DF, decisão monocrática, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 20.05.14.
170
MENDONÇA apud MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., pp. 202-203.
Sebastião José Lessa
88 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

administrativos, convém evocar importante precedente do Supremo Tribunal


Federal, representativo, aliás, de revisão da jurisprudência daquela Corte.171

E continua:

Naquela oportunidade, o ministro Gilmar Mendes, inaugurando a diver-


gência que ao final sagrou-se vencedora, teceu profundas e convincentes
considerações, em tudo e por tudo ajustável ao caso vertente, como se
constata do excerto do seu voto a seguir transcrito:
Se este critério puder ser adotado, temos que trazer o Ministro de Estado
para cá toda vez que houver uma eventual irregularidade numa licitação em
qualquer Ministério; vamos ter que trazer para cá o Presidente da República
– certamente – ou o Chefe do Executivo, o Governador do Estado. A não ser
que se indique, de fato, indícios mínimos da participação das pessoas, a combinação
de resultados. (grifo nosso).

E conclui, elencando maciça jurisprudência: STJ, AgRg no AG


1319558 RS, DJe 13.05.11; STJ, AgRg no AG 1282854 SP, DJe 22.03.11; STJ,
AgRg no AG 1339336 MG, DJe 16.13.11.172

2.9.1 Descumprimento de ordem indevida – Improbidade


administrativa – Não incidência
Imagine suposta improbidade administrativa pelo fato da autoridade
administrativa deixar de cumprir ordem indevida. Dilucidando a questão,
o julgado:

1. Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial,


não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a
denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada
pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema
acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à
persecução penal, de modo a impedir que o juiz adote qualquer postura
inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013. 2. Ordem con-
cedida.173 (grifei)

2.9.2 Ilícito civil e político-administrativo


Bastante elucidativa a lição que enfoca a qualificação jurídica do ato
de improbidade administrativa, ilícito civil e político-administrativo:

171
STF, Inquérito nº 2664, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 23.02.11.
172
Dayse Maria Andrade Alencar, Procuradora do Município de Belo Horizonte/MG, Revista
advocacia de excelência, Brasília DF, setembro de 2011, Ano I, edição I, págs. 38/42.
173
STF, HC 115.015 SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 12.09.13.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
89

Desde logo, insta banir eventual paternidade penal. Se, de fato, a qualificação
jurídica do ato de improbidade oferece grande similaridade com o proce-
dimento de adequação típica, do direito penal; se realmente, a definição do
elemento volitivo propende mais para a consideração do dolo e da culpa,
consoante os parâmetros penais; a Constituição Federal (art. 37, §4º) afasta,
expressa e completamente, qualquer possibilidade de conotação penal dos atos de
improbidade administrativa. Quando se vale da expressão sem prejuízo da
ação penal cabível, o mandamento maior anuncia, sem hesitação, que as
cominações nele declaradas não são substitutivas do conjunto de sanções
penais fixado na legislação para os crimes funcionais contra a Administração
Pública. Concorrem com eles, sem substituí-los, nem excluí-los. (grifei)

E segue: “Fique claro: o dispositivo remete à legislação menor,


matéria não penal. Daí porque, como conclui o Des. Rui Stoco, as sanções
que a Lei nº 8.429/92, como norma reguladora, estabelece são desprovidas
de substrato criminal”.174 (grifei)

2.9.3 Ato de improbidade administrativa – Competência


para aplicação da sanção
Aclarando o tema que cuida da competência para aplicação das san-
ções por ato de improbidade administrativa, tudo disciplinado na Lei
nº 8.429/92, a doutrina de Napoleão Nunes Maia Filho e Mário Henrique
Goulart Maia:

No que diz respeito à limitação do poder administrativo, na seara das


sanções aplicadas diretamente pela própria Administração, veja-se que,
quanto à perda da função pública por ato de improbidade administrativa,
que a Lei nº 8.429/92 introduziu no microssistema de garantias do Servidor
Público uma prerrogativa da mais elevada expressão, como se encontra
vazada no seu artigo 20, com essa redação:
Art. 20 – A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só
se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente po-
derá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo,
emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se
fizer necessária à instrução processual.
Se a exegese desse dispositivo seguir, como convém que siga, a função
garantística que lhe é inerente – até porque, sem essa função, o referido
dispositivo legal seria evidentemente ocioso e manifestamente desnecessário
– terá o intérprete de concluir que a Administração Pública efetivamente

174
Cf.: TJSP – AI 415.464-5/6 – Rel. Des. Rui Stoco – j. 09.11.05. FAZZIO JÚNIOR. Improbidade
Administrativa, doutrina, legislação e jurisprudência, p. 139.
Sebastião José Lessa
90 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

não dispõe do poder jurídico de demitir o seu Servidor sobre a imputação


de ato de improbidade.
Deve-se deixar fixado que a perda da função pública, por ato de improbi-
dade, depende de sentença judicial condenatória transitada em julgado,
embora a Administração disponha, inegavelmente, do poder jurídico de
afastar de suas funções o Servidor Público, sem prejuízo de sua remune-
ração, sob a referida imputação; outra leitura que se queira fazer do art.
20 da Lei 8.429/92 terá de buscar elementos em outra fonte, mas não nas
suas palavras.

E segue:

A tese jurídica de que a Administração não tenha a potestade de aplicar a


pena de demissão aos seus servidores, quando a infração a eles imputada
é a de improbidade administrativa, reveste-se de inquestionável relevância
jurídica e cuida de afirmar que a aplicação dessa sanção (demissão por ato
de improbidade) ficou regulada inteiramente na Lei nº 8.429/92, de maneira
que a subsunção genérica de ato de improbidade prevista na Lei 8.112/90
(art. 132, IV) foi revogada por essa lei.175

Vale registrar, nessa linha de entendimento, decidiu o c. Supremo


Tribunal Federal no julgamento do RMS 24.699 DF, Rel. Min. Eros Grau,
DJ 01.07.05.176
Advirta-se que apesar da autoridade da decisão proferida pelo
Excelso Pretório (RMS 24.699 DF), a questão ainda comporta dissidência,
como se vê dos julgados:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR


PÚBLICO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL. ENRIQUE­
CIMENTO ILÍCITO. REMESSA DE VALORES PARA O EXTERIOR, SEM
DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. CONDUTA ÍMPROBA.
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD. PROVA
EMPRESTADA DO JUÍZO CRIMINAL. OBSERVÂNCIA DO CONTRA­
DITÓRIO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL
E ADMINISTRATIVA. PENA DE DEMISSÃO IMPOSTA PELA
ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO
E CERTO INDEMONSTRADO.
...
6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e direta-
mente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando
a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar

175
MAIA FILHO. Improbidade administrativa..., pp. 199 a 201. MAIA FILHO. Breves estudos tópicos
de direito sancionador, p. 72.
176
LESSA. Temas práticos de direito administrativo disciplinar, pp. 72 a 74.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
91

incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princí-


pios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera
administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como
no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal,
apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à
evolução do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em
apuração na esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em
banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência
do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei nº 8.429/92.
7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.177 (grifei)

Resta Aduzir que a questão julgada no MS 12.536 DF – STJ, encontra-­


se em grau de recurso no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919
DF).
A propósito, os atos de improbidade administrativa que importam en-
riquecimento ilícito, mormente o enriquecimento ilícito presumido (art. 37, §4º,
CF; inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92), bem como a indisponibilidade, o arresto,
o sequestro de bens, e sobretudo o ressarcimento ao erário, foram analisados à
luz da doutrina e jurisprudência no livro de nossa autoria: “Improbidade
Administrativa – Doutrina e Jurisprudência”.178

2.10 Responsabilidade civil – Independência e


interdependência das instâncias
Explicam PLANIOL, RIPERT e ESMEIN: “Quando um ato constitui,
ao mesmo tempo, uma falta civil e uma falta penal, a ação de perdas e danos é,
de diversos pontos de vista, junta ou subordinada à ação pública tendente
à condenação penal. A questão de repressão toma a dianteira sobre a questão de
reparação”.179
Mauro Roberto Gomes de Mattos, na análise do art. 126, da Lei
nº 8.112/90, que preconiza a interdependência das instâncias, elenca jurispru-
dência: “Ora, essa sentença repeliu o fato tido como criminoso. Não era
possível que o inquérito administrativo subsistisse com a acusação de um
desfalque, que o Juiz repeliu. Não sobrou resíduo algum para imposição
da pena de demissão”.180 (grifei)

177
STJ, MS 12.536 DF, 3ª Seção, maioria, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08. Nesse rumo: MS
12.660 DF, 3ª Seção, un., Relª. Minª. Marilza Maynard, DJe 22.08.14.
178
LESSA. Improbidade Administrativa: doutrina e jurisprudência, 2011.
179
PLANIOL e RIPERT, 1930 apud SPÍNOLA FILHO., 1980 pp. 20-21.
180
STF, RE nº 53.250, Rel. Min. Evandro Lins e Silva, RDA 44/89. MATTOS. Lei nº 8.112/90 –
Interpretada e comentada, p. 621.
Sebastião José Lessa
92 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

A respeito do resíduo o c. Supremo Tribunal Federal editou a Súmula


nº 18, assim ementada: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição
pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor
público”. (grifei)
É sabido que as instâncias, em regra, são independentes (arts. 125 e
126, Lei nº 8.112/90; art. 369, Decreto nº 59.310/66 – Regulamento da Lei
nº 4.878/65).
Nesse rumo, dispõe a Lei nº 8.112/90:

Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo


independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso
de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou admi-
nistrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para
apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de
que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo,
emprego ou função pública. (grifei) (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011).

E o Código de Processo Penal, disciplinando a independência e a


interdependência das instâncias, assentou:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva,


desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação
dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação
dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena
(arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo
se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei
nº 11.690, de 2008)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei
nº 11.690, de 2008). (grifei)

Deveras, a regra expressada nos citados arts. 125 usque 126, da Lei
nº 8.112/90, está pontificada em expressiva jurisprudência: STF, RDA
30/101, 36/112, 51/179, 52/182, 54/253; TFR, RDA 26/125, 48/153; TJSP, RDA
51/183, 51/187, 57/201.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
93

E acrescentando, diz o art. 935, do Código Civil: “A responsabilidade


civil é independente da criminal, não podendo questionar mais sobre a exis-
tência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal”. (grifei)
De outro ângulo, focando a interdependência das instâncias, “a
condenação criminal por um delito funcional importa o reconhecimento,
também, de culpa administrativa e civil”.181 (grifei)
Neste ponto, vale transcrever o art. 92, inc. I, alíneas “a” e “b”, e
parágrafo único, do Código Penal:

Art. 92 – São também efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.07.1984)
I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei
nº 9.268, de 1º.04.1996)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior
a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever
para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.04.1996)
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4
(quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.04.1996)
...
Parágrafo único – Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença. (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.07.1984). (grifei)

De igual modo expressivo para o estudo das responsabilidades civil e


penal, o magistério de Silvio de Salvo Venosa:

As jurisdições penal e civil, em nosso país, são independentes, mas há


reflexos no juízo cível, não só sob o mencionado aspecto da sentença penal
condenatória, como também porque não podemos discutir no cível a exis-
tência do fato e da autoria do ato ilícito, se essas questões foram decididas
no juízo criminal e encontram-se sob o manto da coisa julgada (art. 64 do
CPP), art. 935 do novo Código Civil. De outro lado, a sentença penal absolu-
tória, por falta de provas quanto ao fato, quanto à autoria, ou a que reconhece
uma dirimente ou justificativa, sem estabelecer a culpa, por exemplo, não
tem influência na ação indenizatória que pode resolver autonomamente toda
a matéria em seu bojo.182 (grifei)

Em arremate, a independência e a interdependência das instâncias (art.


125, Lei nº 8.112/90; art. 386, CPP – Redação da Lei nº 11.690/08), recebeu

181
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., pp. 557-558.
182
Obra citada, vol. IV, p. 19.
Sebastião José Lessa
94 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

tratamento de igual modo com doutrina e jurisprudência, no livro de nossa


autoria intitulado: “Temas práticos de direito administrativo disciplinar”.183

3 Responsabilidade civil objetiva do Estado ou da


Administração Pública e a ação regressiva (art. 37, §6º, in
fine, CF)
Em singela abordagem da responsabilidade civil objetiva do Estado,
ou como preferem alguns, da Administração, tudo na modalidade do risco
administrativo, é razoável dizer que toda atividade do Estado concretizada
pela Administração Pública, em verdade, tem como objetivo o bem-estar
e a justiça sociais, e em harmonia com os arts. 3º e 9º, da Carta Política.
Sendo assim, se a Administração Pública atua sempre buscando os
benefícios em prol de toda a coletividade, nada mais justo que o prejuízo
advindo desse funcionamento seja de igual modo suportado também por
essa mesma coletividade, representada pela Fazenda Pública.
Com efeito, dispõe o §6º, do art. 37, da Carta Política: “As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou de culpa”.184 (grifei)
Vem a tempo os ensinamentos da doutrina:

Em edições anteriores, influenciados pela letra da norma constitucional,


entendemos excluídas da aplicação desse princípio as pessoas físicas e as
pessoas jurídicas que exerçam funções públicas delegadas, sob a forma de
empresas estatais ou de empresas concessionárias ou permissionárias de
serviços públicos. Todavia, evoluímos no sentido de que também estas res-
pondem objetivamente pelos danos que seus empregados, nessa qualidade, causarem
a terceiros, pois, como dissemos precedentemente (cap. VI, item I.2.), não é
justo e jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de um
serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca
natureza estatal e libere o executor privados das responsabilidades que
teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus
de prova ao lesado.185

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em torno do tema, registra:

A regra da responsabilidade objetiva exige, segundo artigo 37, §6º, da


Constituição:

183
LESSA. Temas práticos de direito administrativo disciplinar, pp. 15 a 35.
184
Cf.: STF, RE 327.904-1 SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 08.09.06.
185
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 718.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
95

1. que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado presta-


dora de serviços públicos; a norma constitucional veio pôr fim às divergências
doutrinárias quanto à incidência de responsabilidade objetiva quando se
tratasse de entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos
(fundações governamentais de direito privado, empresas públicas, socie-
dades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de
serviços públicos), já que mencionadas, no artigo 107 da Constituição de
1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, apenas
as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito
Federal, Territórios e autarquias);
2. que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades
da administração indireta que executem atividade econômica de natureza
privada; assim é que, em relação às sociedades de economia mista e empresas
públicas, não se aplicará a regra constitucional, mas a responsabilidade disci-
plinada pelo direito privado, quando não desempenham serviço público;
3. que haja um dano causado a terceiros em decorrência da prestação de
serviço público; aqui está o nexo de causa e efeito;
4. que o dano seja causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o
que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou
particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título
sob o qual prestam o serviço;
5. que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; não basta ter a
qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a res-
ponsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício
de suas funções.186 (grifei)

O c. Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, “decidiu que


a responsabilidade objetiva se aplica não só ao usuário, mas também em
relação a terceiros – no caso, uma colisão de ônibus com ciclista em que
não ficou provada a culpa deste”.187
Oportuna é a advertência: “Quando o servidor é contratado pela
legislação trabalhista, o art. 462, §1º, da CLT só permite o desconto com a
concordância do empregado ou em caso de dolo”.188 (grifei)
Por fim, a responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas “nunca
dispensará o nexo causal”.189 (grifei)

3.1 Direito de regresso e Ação ordinária


Questionando a via da ação de regresso, o julgado do c. Tribunal
Regional Federal da 1ª Região:

186
Obra citada, p. 602.
187
STF, RE 591.874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje 18.12.09.
188
DI PIETRO. Op. cit..., p. 567. TRF 1ª R., APC 0005679-19.2000.4.01.3200 – AC 2000.32.00.005688-
9 AM, Rel. Juiz Federal (conv.) Pedro Francisco da Silva, DJF1 17.12.09.
189
VENOSA. Op. cit..., p. 39.
Sebastião José Lessa
96 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR


INÉPCIA. AÇÃO REGRESSIVA. CABIMENTO. ART. 37, §6º DA CF.
CONTRATO DE TRABALHO REGIDO PELA CLT. NÃO APLICAÇÃO
DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PREVISTA NA NORMA CONSTI­
TUCIONAL. AUSÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO. VIA PROCESSUAL
INADEQUADA.
1. O direito de regresso previsto no art. 37, §6º, da Constituição Federal é
decorrente da aplicação da teoria do risco administrativo, que só é cabível nos
casos de responsabilidade extracontratual do Estado. Portanto – desde que com-
provada a existência de dolo ou de culpa do agente público – pode-se afirmar
que o direito de regresso é preexistente à perda do patrimônio pela pessoa
jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos,
pois está expressamente previsto na Constituição.
2. Caso concreto em que o INCRA pretende ressarcir-se dos valores pagos
a ex-empregado seu, por conta de condenação em sentença prolatada pela
Justiça do Trabalho, consistente em pagar parcelas salariais e verbas resci-
sórias oriundas de contrato de trabalho firmado com servidor requisitado
da Universidade do Amazonas, relação trabalhista esta firmada graças a ato
administrativo exarado pelo então Superintendente Regional do INCRA,
ora Réu.
3. Tratando-se de relação empregatícia formada através de instrumento
contratual regido pelo Direito do Trabalho, de observância obrigatória pelas
partes, não há falar na incidência do art. 37, §6º, da Constituição Federal,
aplicável apenas às hipóteses de responsabilidade extracontratual.
4. Não havendo direito de regresso previsto em lei para a hipótese sob exame, a
autarquia autora deve apresentar sua pretensão através de ação ordinária, meio
processual hábil para apreciação da tutela jurisdicional vindicada.
5. Apelação desprovida.190 (grifei)

3.2 Responsabilidade civil do Estado ou da Administração


De início, impende consignar a divergência doutrinária em torno
da denominação “responsabilidade civil da Administração” ao invés de “res-
ponsabilidade civil do Estado”. Hely Lopes Meirelles prefere “responsabilidade
civil da Administração”, e justifica “porque, em regra, essa responsabilidade
surge de atos da Administração, e não de atos do Estado como entidade
política”.191 (grifei)
Maria Sylvia Zanella Di Pietro adota outro entendimento, ver-
bis: “Trata-se de dano resultante de comportamento do Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica;

190
TRF 1ª R., APC 0005679-19 – 2000.04.01.3200 – AC 2000.32.00.005688-9 AM, Rel. Juiz Federal
(conv.) Pedro Francisco da Silva, DJF1 p. 261, 17.12.09.
191
Obra citada, 38. ed., 2012, p. 712.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
97

por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que


esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem
civil”. (grifei)
E ensina ainda: “a responsabilidade extracontratual do Estado corres-
ponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência
de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos
ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.192 (grifei)
Com efeito, a responsabilidade civil da Administração Pública está
disciplinada no §6º, do art. 37, da Carta Política, dita como responsabilidade
civil objetiva, sob a modalidade do risco administrativo.193

3.3 Risco administrativo


A expressão risco, substantivo masculino, quer dizer: “Perigo; pro-
babilidade ou possibilidade de perigo; (jur.) possibilidade de perda ou de
responsabilidade pelo dano”.194
Ao perfilar o fundamento jurídico do risco administrativo, o magis-
tério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais:


assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por
todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade
devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o
suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve
haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado
deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.195

A jurisprudência registra: TRF 3ª R., Apelação nº 0004730-59


2005.4.036111/SP 2005.6111004730 7 SP, Relª. Des. Federal Cecília
Marcondes, DE publicado em 13.01.14; STF AI 724098 AgR-segundo/RJ,
2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 26.04.13; STF ARE 697326 AgR/
RS, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 25.04.13.196
Pertinente aduzir, que em tema de responsabilidade civil da
Administração por dano causado a terceiros, há espaço também para a tese da

192
DI PIETRO. Direito Administrativo, pp. 595-596.
193
MEIRELLES, Op. cit..., p. 717. STF, RE 35136 SP, Rel. Min. A. Villas Bôas, RTJ 8/146; TRF, 1ª R.,
AC 1999.36.00.006982-0/MT, Rel. Des. Federal Selene Maria de Almeida, DJ 05.10.05; TRF 1ª
R., AC 96.01.17715-9/RO, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJ 29.11.96.
194
Cf.: álea. HOLANDA FERREIRA. Pequeno dicionário da língua portuguesa. Civilização Brasileira.
RJ. Lei 5.765, de 16.12.71.
195
Obra citada, 2007, p. 599; MEIRELLES, Op. cit..., p. 714.
196
Revista Síntese – Direito Administrativo, Ed. Síntese/SP, 99-março/2014, p. 117/134.
Sebastião José Lessa
98 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

falta do serviço, que deverá ter por base a inexistência do serviço, o seu mau
funcionamento ou retardamento.197

3.4 Nexo causal


Elemento de vital importância nos domínios da responsabilidade
civil, o nexo causal recebeu elucidativa ponderação: “O conceito de nexo
causal, de nexo etiológico ou de relação de causalidade deriva das leis na-
turais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame
da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano”. (grifei)
E adianta:

Nem sempre há condições de estabelecer a causa direta do fato, sua causa


eficiente. Normalmente, aponta-se a teoria da causalidade adequada, ou seja,
a causa predominante que deflagrou o dano, o que nem sempre satisfaz no
caso concreto. Aponta Caio Mário da Silva Pereira (1999:82), após informar
sobre as várias doutrinas sobre o tema, que o que importa, “é estabelecer,
em face o direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e um
dano, e que existe um nexo causal, ainda que presumido, entre um e outro.
Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante incumbe
produzir”.198

Nos domínios do direito público, assenta a doutrina:

Sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade


civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando
o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras
circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única. Além disso, nem sempre
os tribunais aplicam a regra do risco integral, socorrendo-se, por vezes, da
teoria da culpa administrativa ou culpa anônima do serviço público. São
apontadas como causas excludentes da responsabilidade a força maior e a
culpa da vítima.199 (grifei)

Significativo para o estudo, inclusive do nexo causal, da culpa da


vítima e da falte de service, os julgados do Pretório Excelso, em tema de

197
MEIRELLES. Op. cit..., p. 714. COSTA. Op. cit..., pp. 195 e 197. STF, RE 179.147 SP, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 27.02.98; STF, RE 215981 RJ, Rel. Min. Néry da Silveira, DJ 31.05.02; TJSP,
Ap. Cível 239.580, RT 68, RT 101/199; TRF 5ª R., AC 377.250 CE, Rel. Des. Federal Ubaldo
Ataíde Cavalcante, DJ 21.12.06; TJDFT, Proc. 20120111507052, Rel.ª Juíza Edi Maria Coutinho
Bizzi, DJe 02.05.14; TJDFT, Proc. 20110110708886, Rel. Des. J.J. Costa Carvalho, DJe 30.05.14.
198
VENOSA, Op. cit..., pp. 39-40.
199
DI PIETRO, Op. cit..., p. 602.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
99

responsabilidade civil do Estado ou da Administração, e de ação regressiva


(§6º, in fine, art. 37, CF).

Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no


interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente
a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indeni-
zação correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de
procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da respon-
sabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo
e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de
medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhe-
cido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão
mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença.200 (grifei)

E mais:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO


MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER
PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO:
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE
SERVICE. C.F., art. 37, §6º. I. – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas
de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras
de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo,
ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa;
c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. – Essa
responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa
em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo de excluir a
responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica
de direito privado prestadora de serviço público. III. – Tratando-se de ato
omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo
que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou
imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser
atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.
IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário
que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service.
V. – R.E. não conhecido.201 (grifei)

Ainda na abordagem da responsabilidade civil objetiva do Estado e da


eventual ação regressiva (art. 37, §6º, in fine, CF), seja para assentar julgados
reconhecendo a procedência ou a improcedência do pedido indenizatório

200
STF, RE 215981/RJ, Rel. Min. Nery da Silveira, DJU 31.05.2002.
201
STF, RE 179.147 SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27.02.98.
Sebastião José Lessa
100 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

ou de ressarcimento, a jurisprudência do e. Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e Territórios:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONSTITUCIONAL E


ADMINIS­TRATIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENI­
ZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POLICIAL MILITAR. PERSE­GUIÇÃO
DE SUPERIOR HIERÁRQUICO. NÃO COMPROVAÇÃO. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRANSGRESSÃO FUNCIONAL.
PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA ANULADA. DANOS MORAIS. INEXIS­
TÊNCIA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS
DA PERSONALIDADE. PEDIDO DE REMOÇÃO DAS INFORMAÇÕES
FUNCIONAIS E DE EMISSÃO DE IDENTIDADE FUNCIONAL POR
PERÍODO INDETERMINADO. SENTENÇA MANTIDA.202 (grifei)
...
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS
CUMULADA COM DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO. ART. 37, §6º, DA CF. NATUREZA OBJETIVA. ESTRITO
CUMPRI­MENTO DO DEVER LEGAL. EXCLUSÃO DO NEXO CAUSAL.
CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. ATIVIDADE
POLICIAL. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. MERO ABORRECIMENTO.
Consoante preconiza o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, é desneces-
sário perquirir acerca da existência de culpa para fins de configuração do
dever de indenizar, bastando apenas a prova do fato lesivo (ação/omissão
do prestador de serviço público), da ocorrência de dano e do nexo causal
entre eles.
Cumpre ressaltar, outrossim, que a teoria do risco administrativo, adotada em
nosso ordenamento jurídico, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos
casos de exclusão do nexo causal, como na hipótese de fato exclusivo da vítima,
caso fortuito, força maior e estrito cumprimento do dever legal.
O cumprimento de mandado de busca e apreensão não se afigura como
situação ensejadora de dano moral, mas mero aborrecimento, o qual não
é suscetível de reparação.
Para o ressarcimento dos danos materiais, a orientação jurisprudencial desta
Eg. Corte reclama prova robusta do prejuízo que a parte alega ter sofrido.
Recurso conhecido e improvido.203 (grifei)
CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
ESTADO. MORTE DE PRESO. DISPARO ACIDENTAL DA ARMA DE
FOGO DO SERVIDOR DURANTE REVISTA NO PRESÍDIO. NEXO DE
CAUSALIDADE. DANO MORAL E PENSÃO DEVIDA AOS FILHOS E
COMPANHEIRA DO FALECIDO. VALORES ARBITRADOS E DATA

202
TJDFT, APC 2010.01.1.0854212 (0032848-22.2010.8.07.0001), Rel. Des. Alfeu Machado, DJe
06.12.12.
203
TJDFT, APC 2010.01.1.1017439 (003720897.2010.8.07.0001), Rel. Des. Ana Cantarino, DJe
08.04.14.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
101

LIMITE PARA A PENSÃO. CONDENAÇÃO E HONORÁRIOS. 1. O


Estado deve assegurar a integridade física e moral do preso (CF, artigo 5º, XLIX).
A inobservância desse preceito acarreta responsabilidade objetiva da
Administração, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem
a terceiros, sem prejuízo da ação regressiva contra o servidor nas hipóteses de
dolo ou da culpa (CF, artigo 37, parágrafo 6º).204 (grifei)

E mais:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE


CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. ACIDENTE
DE TRÂNSITO. VEÍCULO OFICIAL. SERVIDOR. CONDUTOR DO
VEÍCULO OFICIAL. POSTURAS DE TRÂNSITO. OBSERVÂNCIA.
NECESSIDADE. INOCORRÊNCIA. SINISTRO. CULPA EXCLUSIVA.
AFIRMAÇÃO. DISTRITO FEDERAL. COMPOSIÇÃO PASSIVA DA LIDE
AVIADA PELO TERCEIRO LESIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
NEXO DE CAUSALIDADE. AFIRMAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR.
RECONHECIMENTO. RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO.
DOLO OU CULPA. AÇÃO REGRESSIVA. NECESSIDADE. LEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM DO ENTE PÚBLICO. INOCORRÊNCIA.
...
5. Agente com manifesta negligência e imprudência o condutor de viatura oficial
que, derivando de via secundária, ingressa em cruzamento inserto em via
preferencial, culminando com a intercepção da trajetória do veículo que
nela vinha trafegando, determinando que, sob essa realidade, derivando
do acidente danos ao administrado ante o ato comissivo praticado pelo
servidor, o Estado responde objetivamente pela composição dos efeitos originários
do evento lesivo junto ao lesado, resguardado o direito de regresso em face do agente
público causador do dano.
6. Apelação conhecida e desprovida. Unânime.205 (grifei)

A jurisprudência registra ainda: STF, RTJ 141/305 e 143/270; TJSP,


RT 665/77.206

3.5 Dano material e Dano moral


Com apoio na leitura de Sílvio de Salvo Venosa, pode-se dizer que
o dano material “é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo

204
TJDFT, APC 2003.01.1.087842-4 (0087842-44.2003.8.07.0001, Rel. Des. Fábio Eduardo Marques,
DJe 16.02.09.
205
TJDFT, APC 2007.01.1.081199-7 (0001868-97.2007.8.07.001), Rel. Des. Teófilo Caetano, DJe
11.03.14.
206
MEIRELLES, Op. cit..., p. 723.
Sebastião José Lessa
102 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum da


indenização”.207
Pelo que se vê, no dano material, a ação ou a omissão ilícita atinge
um bem físico.
E tudo dependerá de prova, como no exemplo: “2. No caso con-
creto, o Tribunal de origem examinou as peculiaridades fáticas do caso
para concluir que houve a comprovação do prejuízo referente à cerca na
propriedade do agravado, motivo pelo qual deferiu o pedido de indenização
por dano material”.208 (grifei)
Já o dano moral, “é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e inte-
lectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí
porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa
pelo dano”. (grifei)
Destarte, “A indenização por dano moral também é cabível, mas a
dificuldade se apresenta na quantificação do montante a ser pago à vítima
ou a seus responsáveis”.209 (grifei)
A propósito do dano moral e sua dificultosa fixação em pecúnia, o
magistério de Silvio de Salvo Venosa:

Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater


famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente
sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de
pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do
destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe
ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O
sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do com-
portamento humano universal.210 (grifei)

3.5.1 Dano material e Dano moral: cumulação


Aplacando o debate, ficou assentado na Súmula 37 do c. Superior
Tribunal de Justiça: “são cumuláveis as indenizações por dano material e
dano moral oriundos do mesmo fato”. (grifei)

3.6 Direito de defesa – causas excludentes e atenuantes da


responsabilidade civil da administração
Conforme pontua a doutrina:

Sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade


civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando

207
Obra citada, vol. IV, p. 30.
208
STJ, AgRg no AREsp 373664 ES, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 12.06.14.
209
MEIRELLES, Op. cit..., p. 667. MANUAL....,2013, p. 23. STF, RT 614/236, AI 455.846-4, Rel.
Min. Celso de Mello, DJU 21.01.04; STJ, BAASP 1.813/393; TJSP, Ap. cível 189.844-1.
210
Obra citada, vol. IV, p. 33.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
103

o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras
circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única. Além disso, nem sempre
os tribunais aplicam a regra do risco integral, socorrendo-se, por vezes, da
teoria da culpa administrativa ou da culpa anônima do serviço público.

E continua:

São apontadas como causas excludentes da responsabilidade a força maior


e a culpa da vítima.
Força maior é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade
das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não sendo impu-
tável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado; Não
há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração.
Já na hipótese de caso fortuito, em que o dano seja recorrente de ato humano,
de falha da Administração, não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe,
por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros,
não se pode falar em força maior.
No entanto, mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do
Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder
Público na realização de um serviço. Por exemplo, quando as chuvas pro-
vocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado
responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços
de limpeza dos rios ou dos bueiros e galerias de águas pluviais teria sido
suficiente para impedir a enchente.
Porém, neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, por-
que decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão da
prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço
público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano não
decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público.211
A mesma regra se aplica quando se trata de ato de terceiro, como é o caso
de danos causados por multidão ou por delinquentes; O Estado responderá
se ficar caracterizada a sua omissão, a sua inércia, a falha na prestação do
serviço público. Nesta hipótese, como na anterior, é desnecessário apelar
para a teoria do risco integral; a culpa do serviço público, demonstrada pelo
seu mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento tardio é
suficiente para justificar a responsabilidade do Estado.
Quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se é sua culpa exclusiva
ou concorrente com a do poder público; no primeiro caso, o Estado não
responde; no segundo, atenua-se a sua responsabilidade, que se reparte
com a da vítima (RTJ 55/50, RT 447/82 e 518/99).212

211
Cf. acórdãos in RTJ 70/704, RDA 38/328, RTJ 47/378.
212
DI PIETRO, Op. cit..., pp. 602-603.
Sebastião José Lessa
104 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

3.7 Ação regressiva – Ato culposo (lato sensu)


Deveras, “a ação regressiva da Administração contra o causador direto
do dano está instituída pelo §6º do art. 37 da CF como mandamento a todas
as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos”. (grifei)
A questão atinente à responsabilidade civil do servidor por dano exter-
no será debatida no leito da ação regressiva, como se vê do §6º, in fine, art.
37, CF; §2º, art. 122, Lei nº 8.112/90; §2º, art. 366, Decreto nº 59.310/66 –
Regulamento da Lei nº 4.878/65.
Para o regular processamento da ação regressiva, torna-se necessário
que a Administração tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano.
O art. 366, §2º, do Decreto nº 59.310/66 – Regulamento da Lei
nº 4.878/65, impõe-se como requisito necessário o trânsito em julgado da
decisão que julgou procedente o pedido indenizatório.
Impende registrar que a ação regressiva, de cunho patrimonial (art.
122, §3º, da Lei nº 8.112/90), transmite-se aos herdeiros e sucessores do
servidor, “podendo ser instaurada mesmo após a cessação do exercício
no cargo ou na função, por disponibilidade, aposentadoria, exoneração
ou demissão”.213
Oportuno o destaque de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Quando o
servidor é contratado pela legislação trabalhista, o art. 462, §1º, da CLT só permite
o desconto com a concordância do empregado ou em caso de dolo”.214

3.8 Dolo e Culpa


É bom repisar que o servidor público, também no leito da ação re-
gressiva, somente responderá no caso de dolo ou de culpa (art. 122, §§1º, 2º e 3º,
da Lei nº 8.112/90; §6º, in fine, art. 37, CF).
A propósito, no plano geral, dispõe o art. 186, do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito”.
E a culpa, fundamental para o deslinde, em sentido amplo, “é a
inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar”. (grifei)
Interessante dizer, que na redação do art. 186, do Código Civil, “estão
presentes os requisitos para a configuração da culpa e do correspondente
dever de indenizar: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo
causal, dano e, finalmente, culpa”.215 (grifei)

213
MEIRELLES, Op. cit..., p. 725.
214
Obra citada, p. 567. TRF 1ª R., APC 0005679-19.2000.4.01.3200, Rel. Juiz Federal (conv.) Pedro
Francisco da Silva, DJF1 17.12.09.
215
VENOSA, Op. cit..., pp. 13 e 23.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
105

Em tal contexto, o julgado do c. Tribunal Regional Federal da 1ª R.,


que aborda a conduta culposa e a correspondente responsabilidade civil do
servidor público, inclusive por dano moral:

3. Não há dúvida quanto à repercussão negativa, no âmbito psíquico do autor, da


divulgação da prática de fato delituoso (tráfico de menores), cujo inquérito
policial, instaurado para tal fim, fora arquivado pela autoridade judiciária,
ainda mais sendo pessoa bastante conhecida no local onde residia, uma
vez que era advogado militante e, à época dos fatos, foi candidato a cargo
eletivo de vereador, ao qual, aliás, acabou não se elegendo. De outro lado,
é certo que os efeitos que lhe foram danosos não se protraíram indefinida-
mente, tendo em vista que, posteriormente, passou ele a exercer o cargo
de magistrado. Nessas circunstâncias, o valor arbitrado na indenização,
em R$36.000,00 (trinta e seis mil reais), se mostra razoável, em função dos
fatos da causa. (grifei)

E a questão fática, com a prova do comportamento culposo, ficou


assim definida no corpo do acórdão:

A indiscrição do agente público, dando notícias em entrevista coletiva de fato


ainda sob investigação, efetivamente causa dano moral se o investigado, ao
depois, se revela inocente ou a conduta investigada não tenha tipicidade
penal. (Des. Federal Selene de Almeida)
...
O envolvimento em uma investigação policial ou, melhor dizendo, a pos-
sibilidade de ter mencionado o nome em uma investigação policial é risco
que todos correm. Esta Turma já decidiu, até, que prisão preventiva, uma
vez absolvido o acusado, não dá ensejo à indenização. Parece-me que o
excesso teria sido só o fato de o delegado ter dado entrevista, informando fato
que constava dos autos da investigação, quando deveria ter sido discreto. De modo
que entendo excessivo o valor fixado como indenização, seguindo a linha
que tem sido firmada nesta Turma, quanto à indenização por danos morais,
sem deixar de ressalvar que este é um caso típico em que a União deverá
ingressar com ação regressiva contra seu servidor, se, finalmente, confirmada
a obrigação de indenizar.216 (grifei)

3.9 Responsabilidade civil – Abuso de autoridade


Por fim, a Lei nº 4.898/65, que reprime o abuso de autoridade,
estabeleceu

216
Des. Federal João Batista Moreira. TRF 1ª R., APC 2005.01.00.009745-6 MA, rel. Des. Federal
Fagundes de Deus, DJ 16.02.06.
Sebastião José Lessa
106 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

um sistema especial de responsabilização dos servidores, facultando à


vítima promover a ação civil antes mesmo da condenação da Fazenda
Pública pelo dano causado pelo seu agente (art. 9º). Não se trata, pois, de ação
regressiva, mas de ação direta do ofendido contra a autoridade que o lesou,
por abuso de poder.217 (grifei)

3.10 Procedimento para o ressarcimento do dano


Como se extrai do §6º, do art. 37, da Constituição Federal, “o Estado
indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente”.
Assim, indenizada a lesão da vítima, o Estado aciona o servidor por
meio da ação regressiva.
Nessas circunstâncias, de se observar o comando previsto no Decreto
nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65, que aponta como requisito
para o manejo da ação regressiva, o trânsito em julgado da decisão que julgou
procedente o pedido indenizatório.

Art. 365. Pelo exercício irregular de suas atribuições, o funcionário policial


responde civil, penal e administrativamente.
Art. 366. A responsabilidade civil decorre de procedimento doloso ou
culposo, que importe em prejuízo da Fazenda Nacional, ou de terceiros.
§1º A indenização de prejuízo causado à Fazenda Nacional será liquidada
mediante desconto em prestações mensais não excedentes de dez por cento
do vencimento, à míngua de outros bens que por ela respondam, e a ser
cobrada após o término do processo disciplinar independente de qualquer
procedimento judicial.
§2º Tratando-se de dano causado a terceiro, responderá o funcionário
policial perante a Fazenda Nacional, em ação regressiva proposta depois de
transitar em julgado a decisão que condenar a União a indenizar o terceiro
prejudicado. (grifei)

Logo, a ação regressiva só poderá ser manejada após o trânsito em


julgado, da decisão que condenar a União a indenizar o terceiro prejudicado.
Enriquecendo o debate, a decisão do Pretório Excelso, que abordou
o ressarcimento do dano com reflexo externo, ressaltando, com apoio na dou-
trina de Hely Lopes Meirelles e Ivan Barbosa Rigolin, que “a Administração
acha-se restrita às sanções de natureza administrativa, não podendo alcançar,
compulsoriamente, as consequências civil e penal”. (grifei)
Colhe-se do voto condutor:

9. Assim sendo, uma vez comprovado no processo administrativo que o


servidor praticou falta funcional e ainda causou dano patrimonial ao Estado,

217
MEIRELLES, Op. cit..., p. 726.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
107

por culpa ou dolo, caberá à comissão propor à autoridade competente a


aplicação de uma das penalidades previstas no referido artigo 127, pois
não há dúvida da competência da Administração para apurar e punir os
servidores por suas faltas de natureza administrativa. A pena de suspensão apli-
cada, convertida em multa na forma da Lei nº 8.112/90, é passível de execução
pela própria administração, sendo tal ato legítimo.

10. Já a obrigação de indenizar os cofres públicos, no caso concreto pelo prejuízo


decorrente do desaparecimento dos talonários citados, advém da responsabilidade
civil do servidor, e poderá até ser resolvida mediante desconto em folha, mas desde
que haja a aquiescência do servidor. Caso contrário, como aqui ocorre, cabe à
Administração propor ação de indenização contra o responsável. A Lei nº 8.112/90,
ao reportar-se à responsabilidade civil dos servidores públicos da União
(artigo 121 e seguintes), disciplina a forma de atuação da Administração, em
tais casos, tendo em vista a necessidade de submeter ao Poder Judiciário a
confirmação, ou não, do ressarcimento, apurado na esfera administrativa.
(grifei)

E mais:

Resta, portanto, à Administração, recorrer às vias ordinárias para obter o


ressarcimento do prejuízo apurado no processo administrativo, aplicando-se,
por analogia, os procedimentos previstos na Lei nº 8.429/92, que regula a
apuração dos atos de improbidade administrativa praticados por servidores
públicos.218 (grifei)

É bom lembrar que os procedimentos apontados no mencionado


aresto, previstos na Lei nº 8.429/92, estão disciplinados nos arts. 14, §3º,
16, 17, §2º e 18.
Por fim, vale consignar a anotação de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A reparação de danos causados a terceiros pode ser feita no âmbito ad-


ministrativo, desde que a Administração reconheça, desde logo, a sua
responsabilidade e haja entendimento entre as partes quanto ao valor da
indenização. Caso contrário, o prejudicado deverá propor ação de indeni-
zação contra a pessoa jurídica que causou o dano.219

3.10.1 Sequestro e perdimento de bens


Por fim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que:

Em caso de crime de que resulte prejuízo para a Fazenda Publica ou enri-


quecimento ilícito do servidor, ele ficará sujeito a sequestro e perdimento de

218
STF, MS 24.182 DF, Pleno, un., Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 03.09.04.
219
Obra citada, p. 608.
Sebastião José Lessa
108 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

bens, porém com intervenção do Poder Judiciário, na forma do Decreto-lei


nº 3.240, de 8-5-41, e Lei nº 8.429, de 2-6-92 (arts. 16 a 18). Esta última lei dispõe
sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na Administração
Pública Direta, Indireta ou Fundacional.220 (grifei) (art. 37, §4º, CF)

3.11 Prescrição do direito de ação contra a Fazenda Pública


Com efeito, é tarefa bastante delicada sustentar a imutabilidade das
situações jurídicas, constituídas com vícios graves, em face do decurso in
albis do prazo hábil para sua impugnação. Tal realidade, todavia, ou seja,
a imutabilidade das relações jurídicas, em face da não impugnação do vício
em tempo oportuno, tem hoje a seu favor além do direito positivo, doutrina
e forte jurisprudência.
A propósito da prescrição quinquenária (Decreto nº 20.910/32), decidiu
o c. Supremo Tribunal Federal:

PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE (IDEOLOGICA OU


MATERIAL) DE ATOS DE APOSENTADORIA, OS QUAIS, OU TERIAM
SIDO INSERIDOS EM FOLHAS ASSINADAS EM BRANCO, OU
TERIAM SUAS ASSINATURAS FALSIFICADAS. EM NOSSO DIREITO
ADMINISTRATIVO, COMO DECORRE, INCLUSIVE, DO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ARTIGO 2. DA LEI Nº 4.717/65, NÃO SE FAZ DISTINÇÃO
ENTRE ATOS ADMINISTRATIVOS INEXISTENTES E NULOS,
CONSIDERANDO-SE AMBOS COMO NULOS. ASSIM SENDO, A
FALSIDADE IDEOLOGICA OU MATERIAL DE ATO ADMINISTRATIVO
ACARRETA A NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. A PRESCRIÇÃO
QUINQUENÁRIA A QUE ALUDE O DECRETO Nº 20910, DE 6.1.1932,
INCIDE EM MATÉRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO, NO
QUE DIZ RESPEITO A DIREITOS PESSOAIS, INDEPENDENTEMENTE
DA NATUREZA DA AÇÃO DE NULIDADE (SE DECLARATORIA,
OU SE CONSTITUTIVA NEGATIVA). RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO E PROVIDO.221

Abordando a repercussão na esfera administrativa da absolvição


criminal que reconheceu uma excludente de antijuridicidade ou ilicitude (art.
23, II, CP); A prescrição quinquenária; e o termo a quo para a propositura da
ação judicial visando à reintegração no cargo público, levando-se em conta
o art. 200, do Código Civil, decidiu o c. Superior Tribunal de Justiça:

220
Obra citada, p. 567.
221
STF, RE 99.936 RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 16.09.83.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
109

ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. LICENCIAMENTO. ATO


ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. LEGÍTIMA
DEFESA. EFEITOS. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. TRÂNSITO
EM JULGADO DA SENTENÇA CRIMINAL.
1. Absolvido o autor na esfera criminal, o lapso prescricional quinquenal, previsto
no Decreto nº 20.910/32, tem como termo a quo a data do trânsito em julgado da
sentença penal e não o momento do ato administrativo de licenciamento.
2. A decisão penal repercute no julgamento administrativo quando ocorre
sentença penal absolutória relacionada aos incisos I e V do art. 386 do
Código de Processo Penal.
3. Tendo em vista que o autor foi absolvido na esfera penal por legítima defesa,
e o ato de licenciamento foi fundado unicamente na prática de homicídio, não
há motivos para manter a punição administrativa, pois a controvérsia está embasada
unicamente em comportamento tido como lícito.
4. Recurso ao qual se nega provimento.222 (grifei)

A propósito do apontado aresto do c. Superior Tribunal de Justiça


(REsp 200200828050, DJ 19.12.05), a Lei nº 11.690/08 deu nova redação e
configuração ao art. 386 e incisos, do CPP, mantendo, entretanto, o conteúdo
do julgado colacionado.
E o art. 200, do Código Civil, está assim redigido: “Quando a ação
se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a
prescrição antes da respectiva sentença definitiva”.
Cuidando da responsabilidade civil; da prescrição quinquenal; e do prazo
inicial para a propositura da ação judicial pleiteando a reparação de danos, o c.
Tribunal Regional Federal da 1ª R., consignou:

PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. O entendimento jurisprudencial assente nesta Corte é no sentido que, em
se tratando de ação objetivando a indenização em face Administração Pública
são plenamente aplicáveis as disposições do Decreto nº 20.910/1932 quanto
ao prazo prescricional de cinco anos do direito de ação, a contar da ocorrência do
evento danoso.
2. A Terceira Seção deste Tribunal entendeu que, “integrando a ECT ‘a
Fazenda Pública, a incidência do art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1932, e
do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/42 é simples consequência’ (acórdão
embargado)”. (EIAC 0000380-09.2001.4.01.3400 / DF, Rel. Desembargador
Federal Daniel Paes Ribeiro, Terceira Seção, e-DJF1 p.13 de 05/07/2010)
3. No caso em exame, a ação pleiteando a reparação de danos materiais por
alegado ato ou omissão ilícita ocorrida em 1975, de modo que à época do ajui-
zamento da ação, em 19.10.1998 já havia transcorrido o prazo prescricional de

222
STJ, REsp 200200828050, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 19.12.05.
Sebastião José Lessa
110 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

5 (cinco) anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. O prazo trintenário


de prescrição somente seria aplicado no caso de demanda em que se
postula o pagamento de parcelas devidas e não pagas relativas ao FGTS.
4. Nega-se provimento ao recurso de apelação.223 (grifei)

3.12 Princípio da actio nata


Como é dito pela doutrina, “trata-se de um princípio do Direito
segundo o qual a prescrição e decadência só começam a correr quando
o titular do direito violado toma conhecimento do fato e da extensão de suas
consequências”. (grifei)
E segue:

No campo da responsabilidade civil, de acordo com o princípio da actio


nata podemos dizer que o termo inicial do prazo prescricional para ação de
indenização ou reparação de danos só se inicia quando o prejudicado tomar
conhecimento do fato e/ou de suas consequências. Afinal, não se pode reclamar de
um fato desconhecido ou do qual não se tem ciência da consequência danosa que
causou ou que eventualmente irá causar.224 (grifei)

Realçando o recorrente princípio da actio nata, essencial quando se


cogita da prescrição do direito de ação, o aresto do c. Superior Tribunal
de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. DESISTÊNCIA. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DA EFETIVA
CONSTATAÇÃO DO DANO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA.
1. Em nosso sistema, o prazo prescricional está submetido ao princípio da
actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão
ou da ação.
2. No caso concreto, a ciência inequívoca da violação do direito se deu com a
homologação da desistência pelo Poder Público, vez que, neste momento,
o demandante constatou que a desapropriação não se concretizaria e não
viria a receber a indenização devida, mesmo já tendo sofrido prejuízos.
3. Recurso especial a que se nega provimento.225 (grifei)

Por outro ângulo, priorizando a efetiva lesão ou ameaça do direito


tutelado, decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça:

223
TRF 1ª R., AC 1998.38.00.039558-1/MG, Rel. Juiz Federal Rodrigo Navarro de Oliveira, DJe
05.02.13.
224
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Texto de Elisa Maria Rudge Ramos, 17.11.08.
225
STJ, REsp 816131, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 07.05.07.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
111

2. De início, vale lembrar que o instituto da prescrição é regido pelo princípio


da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão
ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida
em juízo.226 (grifei)

Ainda sobre a matéria em debate: STJ, REsp 1.174.731 RS, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe 27.04.11.
Por fim, não há como negar que o ponto crucial quando se cogita
do princípio da actio nata está na identificação inequívoca do termo inicial
do prazo prescricional, em cada caso, ainda mais diante das causas que
impedem, suspendem e interrompem a prescrição, disciplinadas no Código
Civil (Título IV, Capítulo I, Seção I).

4 Conclusão
Diante dos fundamentos aqui alinhados, tudo com arrimo na dou-
trina e na jurisprudência, é sustentável dizer:

4.1 Responsabilidade civil (subjetiva) do servidor público


a) Conforme preceito da Lei nº 8.112/90:

Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso


ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§1º A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente será liqui-
dada na forma prevista no art. 46, na falta de outros bens que assegurem a
execução do débito pela via judicial.
§2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante
a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles
será executada, até o limite do valor da herança recebida. (grifei)

No regime jurídico dos policiais, abrangidos pelo Decreto


nº 59.310/66 – Regulamento da Lei nº 4.878/65, a matéria vem disciplinada
no art. 366 §§1º e 2º, do Decreto nº 59.310/66.
A responsabilidade civil, como ressalta da doutrina, “é de ordem
patrimonial e decorre do artigo 186 do Código Civil, que consagra a regra
aceita universalmente, segundo a qual todo aquele que causa dano a outrem
é obrigado a repará-lo”.227 (grifei)

226
STJ, AgRg no REsp 1148236 RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 14.04.11.
227
DI PIETRO, Op. cit..., p. 566.
Sebastião José Lessa
112 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

O nexo causal “é o liame que une a conduta do agente ao dano. É


por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador
do dano”.228 (grifei)

b) Na hipótese de comportamento doloso ou culposo, que importe em


prejuízo da Fazenda Nacional ou de terceiros, o servidor responde-
rá em ação regressiva, após o trânsito em julgado da decisão que
condenar a Fazenda Pública (§6º, in fine, art. 37, CF; art. 122, Lei
nº 8.112/90; §2º, art. 366, Decreto nº 59.310/66 – Regulamento da
Lei nº 4.878/65).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, muito a propósito, adverte: “Quando


o servidor é contratado pela legislação trabalhista, o artigo 462, §1º, da CLT
só permite o desconto com a concordância do empregado ou em caso de dolo”.229
(grifei)

c) As causas excludentes ou atenuantes, dado que impedem que se


concretize o nexo causal, podem afastar a responsabilidade civil
total ou parcialmente, é dizer, a culpa da vítima, o fato de terceiro,
o caso fortuito e a força maior. De igual modo, as excludentes de
antijuridicidade ou ilicitude afastam, em linha de princípio, a res-
ponsabilidade civil.230
d) A responsabilidade civil do servidor público, seja por dano inter-
no (erário) ou externo (terceiros), é subjetiva (arts. 121 e 122, Lei
nº 8.112/90; art. 37, §6º, in fine, CF). De tal modo, na linha do devido
processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF), há que ser induvidosamente
provada a culpa (lato sensu), tudo sob o pálio do contraditório e da
ampla defesa. (art. 5º, inc. LV, CF; art. 41, Lei nº 9.784/99; STJ, MS
6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00);
e) O comportamento ilícito do servidor poderá acarretar o dano, com
consequências internas (art. 122, Lei nº 8.112/90) ou externas (§6º,
in fine, art. 37 – ação regressiva), mas, de todo modo, qualificado
pela culpa (lato sensu), eis que a responsabilidade civil do servidor
é sempre subjetiva.231
f) Quando se cuida do Ressarcimento ao Erário, as reposições e inde-
nizações estão elencadas nos arts. 46 usque 48, tudo em harmonia
com os já citados dispositivos: §§1º, 2º e 3º, do art. 122, da Lei
nº 8.112/90;

228
VENOSA, Op. cit..., pp. 39-40
229
Obra citada, p. 567.
230
VENOSA, Op. cit..., p. 40.
231
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 557 e 725.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
113

g) A Tomada de Contas Especial (TCE) “é um processo administra-


tivo, regulamentado pela Instrução Normativa TCU nº 56/2007,
que visa à apuração de responsabilidade pelos danos causados
à Administração Pública Federal e à obtenção do respectivo
ressarcimento. A TCE tem a finalidade, portanto, de apurar os
fatos, identificar os responsáveis e quantificar o prejuízo causado
ao erário”;
h) Na ação regressiva “exigem-se dois requisitos: primeiro, que a
Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do
dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário
no evento danoso”.232 (grifei)
i) Sob o pálio da atuação eficiente, visando o interesse público e na
linha do custo-benefício e, sobretudo, com arrimo no art. 37, caput,
CF, e art. 2º, caput, incs. VI, VIII, IX e XIII, da Lei nº 9.784/99, a
douta Controladoria-Geral da União editou a Instrução Normativa
nº 04, de 17.02.09, publicada no DOU nº 34, Seção 1, pág. 1, de
18.02.09, otimizando a apuração e o desfecho dos casos envol-
vendo o extravio ou o dano a bem público que implicar prejuízo de
pequeno valor, resultante de conduta culposa (stricto sensu), ou seja,
imprudência, negligência ou imperícia;
j) Em se tratando de parecer jurídico, vinculante ou opinativo:
- “Se o parecer for vinculante, a hipótese é de compartilhamento
de responsabilidades”.233
- “Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às ins-
tâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias,
não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de
seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de Segurança
deferido”.234 (grifei)
k) Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada
no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou de
sua autoria.
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal
ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou,
quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra auto-
ridade competente para apuração de informação concernente
à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento,
ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou
função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011). (grifei);

232
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., pp. 723-725.
233
MOTA. In. Revista Jurídica Consultex, Ano 12, nº 264, p. 6-9, 15.01.08.
234
STF, MS 24.631 DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 01.02.08.
Sebastião José Lessa
114 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Registre-se, no ponto, que as excludentes de antijuridicidade ou ilicitude


excluem, em regra, a responsabilidade civil.235

l) Em arremate, para prestigiar a higidez material e ideológica da


decisão punitiva por improbidade administrativa (art. 132, IV, Lei
nº 8.112/90), é razoável recomendar a edição do ato disciplinar
com arrimo no art. 132, inc. IV c/c os dispositivos correspondentes
previstos nos artigos 116 e 117, todos da Lei nº 8.112/90.

É que, o c. Supremo Tribunal Federal já decidiu:

4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92


não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada
a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia repre-
sentação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não
a aplicação da pena de demissão.236 (grifei)

4.2 Responsabilidade civil (objetiva) da Administração


Pública

a) Conforme dispõe o §6º, do art. 37, da Carta Política: “As pessoas


jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de ser-
viços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou de culpa”.237 (grifei)

Aqui, adota-se a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública,


na modalidade do risco administrativo.

b) Ao perfilar o fundamento jurídico do risco administrativo, o magis-


tério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Essa doutrina baseia-se
no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como
os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos,
também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade
devem ser repartidos”.238 (grifei)

235
STJ, REsp 152030 DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22.06.98. VENOSA, Op. cit...,
pp. 39-55.
236
STF, RMS 24.699-9 DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01.07.05. LESSA. Temas práticos de direito
administrativo disciplinar, pp. 72 a 75.
237
Cf.: STF, RE 327.904-1 SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 08.09.06.
238
Obra citada, 2007, p. 599. MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 714.
2º MÓDULO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO SERVIDOR PÚBLICO
115

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, muito a propósito, adverte: “Quando


o servidor é contratado pela legislação trabalhista, o art. 462, §1º, da CLT só
permite o desconto com a concordância do empregado ou em caso de dolo”.239
(grifei)

c) É de bom aviso repisar que o servidor público responde, na via


da ação regressiva, no caso de dolo ou de culpa. Nesse rumo, dispõe
o art. 186, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”. E a culpa, fundamental para o deslinde, em sentido am-
plo, “é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer
e observar”.240 (grifei)
d) No procedimento para o ressarcimento do dano (externo), como se
extrai do §6º, in fine, do art. 37, da Constituição Federal, “o Estado
indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente”.
Assim, indenizada a vítima, o Estado aciona o servidor por meio
da ação regressiva.

Na hipótese de dano (interno), as reposições e indenizações ao erário


estão elencadas nos arts. 46 usque 48, tudo em harmonia com os já citados
dispositivos: §§1º, 2º e 3º, do art. 122, da Lei nº 8.112/90.
Por fim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que:

Em caso de crime de que resulte prejuízo para a Fazenda Publica ou enri-


quecimento ilícito do servidor, ele ficará sujeito a sequestro e perdimento de
bens, porém com intervenção do Poder Judiciário, na forma do Decreto-lei
nº 3.240, de 8-5-41, e Lei nº 8.429, de 2-6-92 (arts. 16 a 18). Esta última lei dispõe
sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na Administração
Pública Direta, Indireta ou Fundacional.241 (grifei) (art. 37, §4º, CF)

e) A Lei nº 4.898/65, que reprime o abuso de autoridade, estabeleceu


“um sistema especial de responsabilização dos servidores, facul-
tando à vítima promover a ação civil antes mesmo da condenação
da Fazenda Pública pelo dano causado pelo seu agente (art. 9º).
Não se trata, pois, de ação regressiva, mas de ação direta do ofendido
contra a autoridade que o lesou, por abuso de poder”.242 (grifei)

239
Obra citada, p. 567.
240
VENOSA, Op. cit..., p. 23.
241
Obra citada, p. 567.
242
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 726.
Sebastião José Lessa
116 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

f) No trato do prazo prescricional do direito de ação em face da


Fazenda Pública, a jurisprudência:

1. Absolvido o autor na esfera criminal, o lapso prescricional quinquenal, previsto


no Decreto nº 20.910/32, tem como termo a quo a data do trânsito em julgado da
sentença penal e não o momento do ato administrativo de licenciamento.
...
4. Recurso ao qual se nega provimento.243 (grifei)
A propósito do apontado aresto do c. Superior Tribunal de Justiça (REsp
200200828050, DJ 19.12.05), a Lei nº 11.690/08 deu nova redação e configu-
ração ao art. 386 e incisos, do CPP, mantendo, entretanto, o conteúdo do
julgado colacionado.
E o art. 200, do Código Civil, está assim redigido: “Quando a ação se originar
de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição
antes da respectiva sentença definitiva”.244
O entendimento jurisprudencial assente nesta Corte é no sentido que, em
se tratando de ação objetivando a indenização em face Administração Pública
são plenamente aplicáveis as disposições do Decreto nº 20.910/1932 quanto
ao prazo prescricional de cinco anos do direito de ação, a contar da ocorrência do
evento danoso.245 (grifei)

Precedentes jurisprudenciais: STF, RE 99.936 RS, Rel. Min. Moreira


Alves, DJ 16.09.83; STJ, REsp 816131, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,
DJ 07.05.07; STJ, AgRg no REsp 1148236 RN, Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, DJe 14.04.11; STJ, REsp 1174731 RS, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 27.04.11.

g) Princípio da actio nata. “trata-se de um princípio do Direito se-


gundo o qual a prescrição e a decadência só começam a correr
quando o titular do direito violado toma conhecimento do fato e da
extensão de suas consequências”.246 (grifei)

A jurisprudência registra: STJ, REsp 816131, Rel. Min. Teori Albino


Zavascki, DJ 07.05.07.

243
STJ, REsp 200200828050, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 19.12.05.
244
STJ, REsp 200200828050, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 19.12.05.
245
TRF 1ª R., AC 1998.38.00.039558-1/MG, Rel. Juiz Federal Rodrigo Navarro de Oliveira, DJe
05.02.13.
246
Rede de ensino Luiz Flávio Gomes – Elisa Maria Rudge Ramos, 17.11.08.
3º MÓDULO

PRINCÍPIOS, DIREITOS,
RESPONSABILIDADES E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
Legalidade
Inafastabilidade da Jurisdição
Contraditório e Ampla Defesa
Direito de Petição (artigos 5º, incisos II, XXXV, XXXIV, LV, “A” E “B”, E
37, CAPUT, da CF; Artigo 104 DA LEI Nº 8.112/1990)
Silêncio Administrativo
Recurso Administrativo
Efeitos Devolutivo e Suspensivo
Hipóteses de não Conhecimento
Mandado de Segurança (Artigo 5º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009)
Interrupção compulsória da via administrativa
(Formulação nº 34 – DASP)
Inadequabilidade

“Uma norma jurídica é um pedaço de vida


humana objetivada, que, enquanto esteja
vigente, é revivida de modo atual pelas pes-
soas que a cumprem ou aplicam, e que, ao ser
revivida, deve experimentar modificações para
ajustar-se às novas realidades em que e para
quê é revivida”.247

247
RECASÉNS SICHES, apud BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo adminis­
trativo, 1988, apresentação.
Sebastião José Lessa
118 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

1 Anotações iniciais
É plenamente visível o esmerado cuidado do legislador constituinte
com os princípios, direitos, responsabilidades e garantias fundamentais, indi-
viduais e coletivos, catalogados exemplificativamente logo no começo da
Carta Política (Títulos I, II e Capítulos).
Tanto que, notadamente, dispõe a Lei Maior:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-
labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: (EC 45/2004)
[...]
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;
[...]
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos
e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça
a direito;
[...]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes; (grifei)
[...]
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade
e da eficiência e, também, ao seguinte: [...].

É razoável conceber que todo este sistema de vasos comunicantes,


arquitetado nos princípios, direitos, responsabilidades e garantias fundamen-
tais, almeja atingir seu desiderato final, ou seja, a dignidade, o bem-estar e
a justiça sociais.
Neste trabalho, buscar-se-á, com arrimo no direito à ampla defesa (art.
5º, inciso LV, da CF), sustentar que esta garantia:

Reflete a evolução histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota


elaboração acurada para melhor assegurar sua observância. Significa, nes-
ses termos, que a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos,
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
119

interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou


prejuízos, não pode ser restrita.248 (grifei)

Malgrado o expressivo ensinamento inserido no julgado, não raro


se vê o indeferimento do recurso administrativo, sem exame do mérito, com
arrimo no Parecer CGR-H-648, de 20.02.1968, acolhido pela Formulação
nº 34 – DASP, assim ementada: “O ingresso do funcionário na via judicial
importa em desistência da via administrativa”.
O entendimento daspiano, é razoável sustentar, mostra-se distan-
ciado de princípios e garantias fundamentais assegurados pela Lei Maior,
mormente o da ampla defesa.

1.1 Direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão


Inspirados no preâmbulo da Carta Política de 1988, é dito que “os
direitos fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade,
são os direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter ne-
gativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal
destinatário”.249 (grifei)
Os direitos de primeira geração “se caracterizam pela imposição de
defesa contra as possíveis ingerências e abusos do Estado. São exemplos de
direitos fundamentais de primeira geração o direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa,
à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros”.
Verbis: “Por serem repressores do poder estatal, os direitos fundamentais
de primeira geração são reconhecidos como direitos negativos, liberdades
negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado”.250 (grifei)
Nesse contexto o c. Superior Tribunal de Justiça, julgando questão
debatida em face de “aumento do patrimônio de um funcionário público
que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício
de suas funções e que não possa justificar razoavelmente”, reconheceu o
patente direito de defesa (art. 5º, LV, CF):

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.


ABERTURA DA SINDICÂNCIA. DIREITO-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO.
MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SUPERIOR A PATRIMÔNIO E RENDA
DECLARADOS. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. JUSTA CAUSA.
ORDEM DENEGADA.

248
STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2000.
249
NOVELINO. Direito Constitucional, pp. 362-364 in CERA. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
250
MILHOMEN. Direitos de primeira e segunda geração no Estado democrático de direito, Sistema
Educacional Online, 2012, p. 102.
Sebastião José Lessa
120 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que, em


tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143, da
Lei nº. 8.112/90 e art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92.
2. Tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda,
a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor
público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a abertura de
sindicância ou processo disciplinar.
3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público mostra-­
se incompatível com a renda e com o patrimônio declarados, cabe à autoridade
competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar
a prática de ilícito administrativo.
4. Segurança denegada.251 (grifei)

A propósito, o art. 143, da Lei nº 8.112/90, citado no acórdão aqui


colacionado, está assim redigido: “Art. 143. A autoridade que tiver ciência
de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração
imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegu-
rada ao acusado a ampla defesa”. (grifei)
Em tais condições, é bom redizer, ao investigado deverá ser dado
o direito de defesa garantido no inc. LV, do art. 5º, da Carta Política.252
E a jurisprudência registra – tendo como referência o art. 5º, inc. LV,
da Carta Política –, “que a possibilidade de rebater acusações, alegações,
argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar
sanções ou prejuízos, não pode ser restrita”.253 (grifei)
E ainda:

II – A Constituição da República (art. 5º, LIV e LV) consagrou os princípios


do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também,
no âmbito administrativo. A interpretação do princípio da ampla defesa visa a
propiciar ao servidor oportunidade de produzir conjunto probatório servível para
a defesa.254 (grifei)

Portanto, não há como negar o amplo direito de defesa.


Em arremate, acerca da legitimidade e da eficácia da sindicância como
instrumento apuratório preliminar e também meio geral de exercitar o
direito de defesa (art. 5º, LV, CF), o julgado do c. Supremo Tribunal Federal,

251
STJ, MS 10.442-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 26.09.05.
252
LESSA. Improbidade administrativa, enriquecimento ilícito presumido, pp. 139-140.
253
STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
254
STJ, RMS 10.574, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02. Cf.: LESSA. Do processo administrativo
disciplinar e da sindicância, pp. 177-178.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
121

nos autos do MS 25.191-3 DF, Pleno, unânime, Relª. Minª. Cármen Lúcia,
DJ 14.12.07, com citação inclusive do livro de nossa autoria.255

1.2 O garantismo jurídico


Vem a tempo a fecunda lição:

A grande explicação para o aumento desordenado das atuações estatais


sancionadoras, embutindo, numa certa medida, a aceitação prévia das va-
riadas violências dos seus agentes, acha-se em geral vinculada à necessidade
de combater, com eficácia crescente, o alastramento das ilegalidades, das
ilicitudes, das improbidades e da criminalidade violenta ou sub-reptícia,
argumentando-se que estariam pré-abonadas as condutas dos agentes
estatais incumbidos de efetivar ou de realizar referido objetivo.
[...]
Tem-se chamado de garantismo jurídico a postura doutrinária e judicial re-
sistente à aludida expansão descontrolada ou indiscriminada da atividade
estatal sancionadora, encontrável essa orientação sobretudo nos escritores
e mestres penalistas de formação humanística, tanto no que diz respeito à
elaboração dos tipos (fase normativa ou da definição das condutas ilícitas),
quanto no que se relaciona com a própria aplicação das prescrições legais
assim elaboradas (fase processual das ideias garantísticas).256 (grifei)

Por tais razões, a questão aqui em debate, até mesmo pelas conse-
quências, dado que nega, limita ou afeta direitos e interesses, reclama pon-
derada análise, tudo sob o pálio do basilar direito de ampla defesa (art. 5º,
inciso LV, da CF).

2 Princípio da Legalidade (arts 5º, inciso II, e 37, caput, da CF)


Inicialmente, no trato dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título
II, Capítulo I, art. 5º, inc. II, da CF), Celso Ribeiro Bastos, adverte que:

é pelo princípio da legalidade que o Estado de Direito mais se afirma, ou,


ainda, em outras palavras, não há Estado de Direito sem o princípio da
legalidade. Porque não é a qualquer ato jurídico que a concepção moderna
de Estado empresta o poder de estabelecer as normas estatuidoras daquilo
que o indivíduo está obrigado a fazer ou a deixar de fazer.257 (grifei)

255
LESSA. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, p. 118.
256
MAIA FILHO; GOULART MAIA. Op. cit..., pp. 135-136.
257
BASTOS. Comentários à Constituição do Brasil, p. 26.
Sebastião José Lessa
122 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Em seguida, na abordagem da Organização do Estado, na parte que


disciplina a atuação da Administração Pública (Título III, Capítulo VII, art.
37, caput, da CF), o princípio da legalidade, explica a doutrina de Romeu
Felipe Bacellar Filho: “Conduz à formação da relação de legalidade entre os
atos administrativos, de um lado; e o sistema jurídico (concepção ampla) ou
a lei em sentido formal (concepção restrita), do outro”.258 (grifei)

Legalidade, Moralidade e Probidade


Com efeito,

não é fácil estabelecer distinção entre moralidade administrativa e probidade


administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a
mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de hones-
tidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade
administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da
atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a obser-
vância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa
administração e a disciplina interna da Administração Pública. (grifei)

E mais:

Hoje, é possível falar em legalidade restrita, significando exigência de lei,


em sentido formal, para a prática de determinados atos, em especial os
que restringem direitos do cidadão, tal como decorre do art. 5º, II, da
Constituição. Também é desse sentido restrito que se fala quando se exige
lei para a criação de cargos, empregos e funções (art. 61, §1º, II, a), para a
fixação e a alteração de vencimentos e subsídios para os servidores públicos
(art. 37, X), para a criação ou o aumento de tributos (art. 150, I) e tantos
outros previstos na Constituição.

Todavia, também é possível falar em legalidade em sentido amplo, para abran-


ger não só a obediência à lei, mas também a observância dos princípios e
valores que estão na base do ordenamento jurídico.

Quando a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949,


pioneira nessa tendência ampliadora do princípio da legalidade, exige obediência
à lei e ao direito (art. 20, §3º), está consagrando o princípio da legalidade no
duplo sentido assinalado.259 Ao falar em obediência à lei, está exigindo con-
formidade com a lei formal; ao falar em obediência ao direito, está exigindo

258
ROCHA. Princípios constitucionais da administração, 1994. BACELLAR FILHO. Princípios
constitucionais do processo administrativo disciplinar, pp. 156-158.
259
Cf. DI PIETRO, 2001, p. 41.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
123

conformidade não só com a lei formal, mas também com a moral, a ética, o
interesse público, enfim, com todos os princípios e valores que decorrem
implícita ou explicitamente da Constituição.260 (grifei)

2.1 Princípio da Juridicidade


Em torno do tema, elucidativa é a lição de Cármem Lúcia Antunes,
que em dissertação sobre o Princípio da Igualdade defende que: “O prin-
cípio da legalidade é para a Administração Pública a consonância material e
formal não apenas à lei, tomada em seu sentido formal, mas ao complexo
de normas jurídicas”. Em seu livro mais recente, intitulado “Princípios
Constitucionais da Administração Pública”, a autora propõe que a legalidade
administrativa seja substituída, no moderno Estado de Direito Democrático,
pelo princípio da juridicidade. A razão principal residiria na circunstância
de que a Administração não mais se vincula exclusivamente à lei formal,
e sim, ao Direito.261 (grifei)
A propósito, cabe registrar os termos da Lei nº 9.784/1999, que
“regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal”, in verbis:

Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcio-
nalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança
jurídica, do interesse público e da eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre


outros, os critérios de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
[...]. (grifei)

Portanto, à frente da expressiva lição, pode-se concluir que o “prin-


cípio da juridicidade” está em que “a Administração não mais se vincula
exclusivamente à lei formal, e sim ao Direito”, é dizer, ao sistema jurídico
(concepção ampla).
Assim, ainda que se queira sustentar que as formulações daspianas
foram recepcionadas pela lei (Decreto-lei nº 200/1967, arts. 115 e 116), a
verdade é que, em concreto, a Formulação nº 34 – DASP, ao restringir o
direito de defesa, colide com o sistema jurídico em sua concepção ampla, é
dizer, com a lei e o Direito (art. 2º, caput, parágrafo único, inciso I, da Lei
nº 9.784/1999).

260
DI PIETRO. Direito Administrativo, p. 743.
261
BACELLAR FILHO. Op. cit..., p. 156-158.
Sebastião José Lessa
124 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Por fim, quando a autoridade administrativa extrapola ou se desvia


da competência regulamentadora, essa situação é passível de controle de
legalidade.262

3 Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou Direito de


Ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF)
O basilar princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do direito de ação
(art. 5º, inciso XXXV, da CF), no ponto que interessa ao tema proposto,
recebeu a seguinte interpretação doutrinária:

Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa


para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988,
diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição
condicionada ou instância administrativa de curso forçado, pois já se deci-
diu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativas para obter-se
o provimento judicial, uma vez que excluiu a permissão, que a Emenda
Constitucional nº 7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei condi-
cionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro
obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário.

E mais:

A própria Constituição Federal exige, excepcionalmente, o prévio acesso às


instâncias da justiça desportiva, nos casos de ações relativas à disciplina e
às competições desportivas, reguladas em lei (CF, art. 217, §1º), sem, porém,
condicionar o acesso ao Judiciário ao término do processo administrativo,
pois a justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados
da instauração do processo, para proferir decisão final (CF, art. 217, §2º).263

De igual presteza, o ensinamento de Uadi Lammêgo Bulos:

No passado, a ausência de dispositivos como esse que estamos anotando,


deu lugar a que numerosas situações do homem, individualmente tomado,
ficassem desamparadas de toda proteção judicial, quando contra elas se
projetava o arbítrio das razões de Estado. A injustiça, defluindo da atitude de
omissão dos tribunais, em presença do conflito entre certas franquias cons-
titucionais e a chamada questão política, era, então, um fato corriqueiro.264

262
STF, ARE 688614-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2012.
263
MORAES. Direito Constitucional, p. 103.
264
BULOS. Constituição Federal anotada, p. 173.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
125

Defronte dos fundamentos aqui alinhados, a regra é a inafastabilidade


da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CF); e, por exceção, as hipóteses de
ações relativas à disciplina e às competições desportivas (art. 217, §1º, da CF),
sendo de destacar que a Justiça Desportiva terá o prazo máximo de 60
(sessenta) dias, “contados da instauração do processo, para proferir decisão
final (CF, art. 217, §2º)”.265
Neste descortino, ficou evidente que, afora a exceção (art. 217, §§1º
e 2º, da CF), o ingresso na via extrajudicial há de ser uma opção livre do
interessado.266
No entanto, essa liberdade restou neutralizada por meio da
Formulação nº 34 – DASP, na medida em que decreta unilateralmente a
desistência do recurso administrativo, na hipótese de ação judicial conco-
mitante, limitando e onerando, a mais não poder, o exercício do direito de
ação (art. 5º, inciso XXXV, da CF).
Oportuna, ao discorrer em torno do direito de ação e de defesa, a di-
dática de Eurico Tullio Liebman:

O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem


representa a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direitos e
compete a todos indistintamente, pessoa física e jurídica, italianos (brasi-
leiros) e estrangeiros, como atributo imediato da personalidade, e pertencem
por isso à categoria dos denominados “direitos cívicos”.267 (grifei)

Por tais razões, o entendimento daspiano, ancorado na Formulação


nº 34 – DASP, desprestigia sobremaneira o direito de ação (art. 5º, inciso
XXXV, da CF).

4 Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa (art. 5º, inc.


LV, da CF)
A nossa Carta Política escreveu, no elenco dos direitos e garantias
fundamentais:

Art. 5º [...]
[...]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes;
[...].

265
MORAES. Direito Constitucional, p. 103.
266
STJ, AgRg – REsp 1179627/RS, Rel. Min. Félix Fischer, DJe 07.06.10.
267
SILVA. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 372.
Sebastião José Lessa
126 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Léo da Silva Alves ensina que:

[...] enquanto o contraditório induz ao enfrentamento das razões apresenta-


das por outrem, que o acusado refuta, procurando derrubar a verdade da
acusação, pelo princípio da ampla defesa, o acusado faz valer as suas próprias
verdades. Sustentam-se, pois, a verdade e as razões do próprio acusado,
mediante outros direitos inerentes: o direito de informação, o de manifestação
e o de ter as suas razões levadas em consideração.268 (grifei)

E em outra obra:

A defesa é um direito constitucional e indispensável. Ele vem, aliás, das eras


mais remotas. A Bíblia, por exemplo, em João, cap. 7, versículo 51, registra:
“Acaso a nossa lei julga um homem sem primeiro ouvi-lo e saber o que
ele fez?”. E mais, Montesquieu já havia ditado às consciências de que “a
injustiça feita a um homem é uma ameaça feita à humanidade”.269 (grifei)

Com efeito, a expressão “defesa”, assim entendida, a pessoal e jurí-


dica, denota respectivamente: “Ação ou efeito de defender, de proteger; [...]
resistência a um ataque; [...] exposição dos fatos e produção de prova em favor
de um réu; [...]”.270
Desse modo, tomando como ponto de partida o direito natural, a
defesa, seja pessoal ou jurídica, traz em si a ideia de justa reação.
No direito substantivo, a legítima defesa – de natureza pessoal – está
assim definida no art. 25 do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agres-
são, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. (grifei)
E no processo penal, esta garantia jurídica do exercício da defesa – a
par dos arts. 396, 396-A e 402 – vem explícita no art. 261, todos do CPP:
“Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou
julgado sem defensor”. (grifei)
Por sua vez, no círculo penal disciplinar, prevê a Lei nº 8.112/1990:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:


[...]
VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima
defesa própria ou de outrem;
[...]”. (grifei)

268
ALVES, Questões relevantes do processo administrativo disciplinar, 1998.
269
ALVES. Prática de processo disciplinar, 2001.
270
KOOGAN; HOUAISS. Enciclopédia e dicionário ilustrado, 2000. p. 490.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
127

Esclarecedora a lição de Sandro Lúcio Dezan:

A legítima defesa própria ou de outrem exclui a tipicidade, em razão de estar


expressa no tipo infracional. O estado de necessidade, o estrito cumprimento de
dever legal e o exercício regular do direito excluem, no entanto, a ilicitude da
conduta. Aferem-se os conceitos de tais excludentes da análise do Código
Penal, que se presta a fornecer, em caráter subsidiário, os contornos jurídicos
de tais institutos, consoante os arts. 23, 24 e 25.271 (grifei)

Pertinente ao tema, o escólio de Ivan Barbosa Rigolin.272


E como é curial, o imputado, no esforço natural e legítimo de resis-
tência, terá que se valer, no processo, “dos meios e recursos a ela inerentes”
(grifei) (art. 5º, LV, da CF), todos disciplinados nos arts. 143, 153, 155 e §1º,
e art. 161 da Lei nº 8.112/1990.
Nesse contexto, ressaltando a essência do princípio do contraditório e
da ampla defesa, bem como os meios e recursos como garantias agregadas, a
jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça:

[...]
2 – A Magna Carta, em seus arts. 5º, LV, e 41, §1º, inciso II, alude não ao
simples direito de defesa do servidor público, mas sim, à ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes. O preceito ampla defesa reflete a
evolução histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota elaboração
acurada para melhor assegurar sua observância. Significa, nestes termos,
que a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações
de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser
restrita.273 (grifei)

E, em complemento, vale repisar: “A interpretação do princípio


da ampla defesa visa propiciar ao servidor oportunidade de produzir conjunto
probatório servível para a defesa”.274 (grifei)
Portanto, sintetizando, é seguro ponderar que não se pode restringir,
sob qualquer pretexto, o legítimo direito de ampla defesa, dado que garantido
concretamente por meios e recursos, na leitura perceptiva do inciso LV, art.
5º, da Carta Política.

271
DEZAN. Direito administrativo disciplinar: direito material, v. II, p. 315.
272
RIGOLIN. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis, 2007.
273
STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2000.
274
STJ, ROMS 10.574 ES, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02.
Sebastião José Lessa
128 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

4.1 Contraditório
Para uma perfeita observância do princípio do contraditório, elencado
entre os direitos e as garantias fundamentais, o significativo julgado do c.
Superior Tribunal de Justiça:

3. O servidor público acusado deve ser intimado com antecedência mínima


de 3 (três) dias úteis a respeito de provas ou diligências ordenadas pela comissão
processante, mencionando-se data, hora e local de realização do ato. Inteligência
dos arts. 41 e 69 da Lei 9.784/99 e 156 da Lei 8.112/90.275 (grifei)

4.2 Ampla defesa: meios e recursos


A bem dizer, a defesa tem sua gênese no comportamento natural,
justo e necessário da reação. E priorizando aquela resistência, a norma ga-
rantidora agregou “os meios e os recursos a ela inerentes” (art. 5º, inciso LV,
da CF).276
Em arremate, é bom lembrar que o direito disciplinar não é infenso
à analogia penal, ainda mais quando se cogita de pena de natureza grave,
como se vê do entendimento do c. Supremo Tribunal Federal, manifesta-
do no RE 78.917-SP, da relatoria do Ministro Luis Gallotti, DJ 23.08.1974
(RTJ 71/284): “O direito disciplinar não é infenso à analogia penal. Antes,
ao que ensina Themístocles B. Cavalcanti no caso das penas puramente
administrativas, os mesmos princípios podem também ser aplicados por
analogia”.277 (grifei)
Com a mesma orientação: STJ, MS 8.817, da relatoria do Ministro
Paulo Medina, DJ 22.05.2006.
Em Portugal, o novo Estatuto Disciplinar da Função Pública – Lei
nº 58, de 09.09.2008 – prevê, no art. 50, a aplicação das regras do processo
penal por analogia no processo disciplinar.278

4.3 Direitos e garantias dos direitos


Vem a tempo a lição de Rui Barbosa:

Uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois devemos separar, no


texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as
que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições

275
STJ, MS 9.511 DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 21.03.05.
276
STJ, MS 96.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
277
CAVALCANTI. Direito e processo disciplinar, p. 179.
278
REIS; MONTEIRO; PINTO. O novo estatuto disciplinar da função pública, Porto, Portugal, p. 71.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
129

assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.


Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se,
na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a
declaração do direito.279

Iniludivelmente, a imposição unilateral da desistência de um pleito


administrativo, pelo fato do ingresso com o mesmo pedido na via judicial,
denota, a mais não poder, flagrante ofensa ao meio que busca garantir o
direito de defesa e, por extensão, o direito de petição, bem como o de pedir a
tutela jurisdicional.

5 Direito de petição (art. 5º, incs. XXXIV, alíneas “a” e “b”,


da CF; artigo 104, da Lei nº 8.112/1990)
Na leitura do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, alíneas a e b,
da CF), destacando sua origem e dimensão, a preciosa lição: “O direito de
petição não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem
é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer
para desacolhê-la com a devida motivação”.280 (grifei)
De igual modo, na disciplina do direito de petição, dispõe o art. 104
da Lei nº 8.112/1990 que “é assegurado ao servidor o direito de requerer
aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou interesse legítimo”.
E a Lei nº 9.784/1999, que “regula o processo administrativo no
âmbito da Administração Pública Federal”, e, por força de seu art. 69, é
norma subsidiária aos processos administrativos específicos, dispõe:

Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade


responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem
ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.

Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro,
mediante comprovada justificação.
...
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração
tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período
expressamente motivada.

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e
dos fundamentos jurídicos, quando:

279
SILVA. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 165.
280
SILVA. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 382.
Sebastião José Lessa
130 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;


II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
[...]
V – decidam recursos administrativos;
[...]
§1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir
em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante
do ato.
[...]

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de


legalidade e de mérito.
[...]

Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:


I – fora do prazo;
II – perante órgão incompetente;
III – por quem não seja legitimado;
IV – após exaurida a esfera administrativa
[...]. (grifei)

Como se constata, as hipóteses de não conhecimento do recurso


administrativo são taxativas, logo, não pode a Administração criar outras
formas de inadmissão do recurso.
Impende ressaltar a regra de hermenêutica que diz: “não cabe ao
intérprete restringir onde o legislador não o fez”.281
Em tal contexto, quando a autoridade administrativa extrapola ou
se desvia da competência regulamentadora, essa situação é passível de
controle de legalidade.282
Com efeito, na análise do processo administrativo, e especialmente
do direito de petição, a doutrina destaca:

Uma vez desencadeado (de ofício ou mediante provocação do interessado),


a oficialidade do processo o impele inevitavelmente a seu destino vocacional
(a decisão), de sorte que o andamento ininterrupto do processo administra-
tivo é, sobretudo, um ônus da Administração, “cabendo a ela e não a um
terceiro o empenho na condução e o desdobramento da sequência de atos
que o compõem até a produção de seu ato conclusivo”.283

281
STJ, MS 11.97-DF, Relª Min. Laurita Vaz, DJU 07.05.2007.
282
Cf. STF, ARE 688614-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2012.
283
TRF 3ª R., REO 90.03.00683-0, Rel. Des. Federal Sinval Antunes, DJU 12.12.1995; TRF 2ª R.,
REO/MS 99.02.13624-9-RJ, Rel. Des. Federal Sérgio Feltrin Corrêa, DJU 14.10.1999; TRF 5ª R.,
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
131

Ainda concernente ao direito de pedir a tutela jurídica, a ponderação


do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Apreciando o chamado Anspruch auf rechtliches Gehör (pretensão à tutela


jurídica), no Direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa
pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação
sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar.284

5.1 Silêncio administrativo


Aduz a doutrina que “a teoria do silêncio administrativo tem sua
origem no sistema contencioso-administrativo francês”.
E segue:

Mais precisamente na denominada decision preálable, ou seja, na regra


da decisão prévia. A Lei nº 16-24, de agosto de 1790, impediu que os
Tribunais comuns (Judiciário) conhecessem dos litígios nos quais fosse
parte a Administração. Tal vedação ocorreu porque se criou uma jurisdição
administrativa (tribunal administrativo), obrigando que toda reclamação
dos administrados contra a Administração fosse julgada pela própria
Administração.285

Pertinente repisar a doutrina de José Afonso da Silva: “O direito de


petição não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem
é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la, quer
para desacolhê-la com a devida motivação”.286 (grifei)
E no ensinamento de Hely Lopes Meirelles, “o silêncio não é ato
administrativo; é conduta omissiva da Administração que, quando ofende
direito individual ou coletivo dos administrados ou de seus servidores,
sujeita-se à correção judicial e à reparação decorrente de sua inércia”.287 (grifei)
E, tratando-se de ato omissivo, o prazo de decadência não tem início,
como afirma o autor.288

AMS 54.771/96-CE, Rel. Juiz Federal Petrúcio Ferreira, DJU 20.09.1996. FERRZ; DALLARI.
Processo administrativo, p. 94.
284
Cf. Decisão da Corte Constitucional alemã – BverfGE 70, 288-293 [...]. MENDES. Direitos
fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 98.
285
SADDY. Silêncio Administrativo: origem, requisitos e efeitos. Revista Síntese: Direito
Administrativo – IOB – SP, 96-Dezembro de 2013, p. 37.
286
Obra citada, p. 382.
287
RDP 57-58/7; RDA 226/281. MEIRELLES. Op. cit..., p. 120.
288
STF, MS 25.136-1, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.05.05.
Sebastião José Lessa
132 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Enfocando o silêncio administrativo, o julgado do c. Superior Tribunal


de Justiça:

O direito de petição, inserido entre as garantias fundamentais do art. 5º da


nossa Constituição Federal, tem como corolário o direito à resposta.
Não houvesse a obrigação de responder, o direito de petição mereceria
integrar o acervo das solenes inutilidades.
Enquanto não responde ao requerimento, a Administração está em mora.
O silêncio traduz inadimplência, não resposta implícita.289

5.1.1 Prazo para a resposta


A princípio, prestigiando a celeridade, registre-se a redação do
inciso LXXVIII, do art. 5º, da Carta Política: “a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação”. (grifei)
Por sua vez, a Lei nº 9.784/99, na guarda dos direitos dos administrados,
dipõe, no art. 3º, inc. II: “ter ciência da tramitação dos processos adminis-
trativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter
cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas” (grifei)
Apropriado dizer que a Lei nº 9.784/99, como norma subsidiária (art.
69), elencou prazos nos seguintes dispositivos: arts. 26, §2º, 41, 42, 44, 49,
59, 56, §1º, 59, §§1º e 2º, 62, 66 c/c 69.
A questão relacionada ao dever de decidir foi disciplinada pelo c.
Superior Tribunal de Justiça: STJ, MS 9.190 DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ
15.12.03; STJ, MS 12.841 DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 05.03.09).290

5.2 Direito de petição como meio inerente à ampla defesa


Realçando o significado e a abrangência do direito de petição (art.
5º, inciso XXXIV, alíneas a e b, da CF), inclusive como desdobramento do
direito de defesa, a doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho:
Conforme José Frederico Marques, “o direito de defesa compreende
não só a faculdade que tem o réu de contestar a acusação, como ainda o
direito de praticar atos processuais que possam criar perspectivas favoráveis ao
reconhecimento de sua inocência”.

289
STJ, REsp 16.284 PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 23.03.92. No mesmo rumo: STJ,
MS 9.190 DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 15.12.03; STJ, MS 12.841, Rel. Min. Herman Benjamin,
DJe 05.03.09. Cf.: BARUFALDI. O Direito de decidir e os efeitos do silêncio administrativo in
Revista Síntese de Direito Administrativo, IOB – SP, 96-dezembro/2013, pp. 9-34.
290
Cf.: BARUFALDI. O Direito de decidir e os efeitos do silêncio administrativo in Revista Síntese
de Direito Administrativo, IOB – SP, 96-dezembro/2013, pp. 25-28.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
133

Esta consideração dá um particular sentido ao aclamado direito à


interposição do recurso administrativo, compreendido como desdobramento do
direito à ampla defesa. “Indubitável que jamais haveria ordem jurídica estável
caso as situações subjetivas estivessem condicionadas a uma única decisão
administrativa, sem que o administrado pudesse apelar para o controle
hierárquico ou para as diferentes jurisdições administrativas”.
Na concepção de Odete Medauar, “o direito de interpor recurso admi-
nistrativo vale independentemente de previsão expressa em lei ou demais
normas, porque encontra respaldo no direito de petição, assegurado a todos
independentemente do pagamento de taxas (art. 5º, inciso XXXIV, a): ‘o
direito de petição aos Poderes Públicos, para defesa de direito ou contra ilega-
lidade ou abuso de poder’”.291
Destarte, é sustentável dizer, com arrimo no direito de petição, que
não se pode restringir, sob qualquer pretexto, o legítimo direito de recorrer
(art. 2º, parágrafo único, inciso X, Lei nº 9.784/1999), buscando deste modo
o reexame da decisão interna, utilizando inclusive dos meios e dos recursos
elencados no inciso LV do art. 5º da Carta Política.

6 Recurso administrativo: efeitos devolutivo e suspensivo


Na preleção dos ilustrados, onde se vê inserida a razão do efeito
devolutivo, é dito que os “recursos administrativos, em acepção ampla, são
todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria
Administração, por razões de legalidade e de mérito administrativo”.292
E, no regramento do direito de petição, a Lei nº 8.112/1990 (Capítulo
VIII), que “dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis
da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais” cravou:

Art. 109. O recurso poderá ser recebido com efeito suspensivo, a juízo da au-
toridade competente.
Parágrafo único. Em caso de provimento do pedido de reconsideração ou do
recurso, os efeitos da decisão retroagirão à data do ato impugnado. (grifei)

Neste ponto, no manejo do writ, cabe consignar que o recurso admi-


nistrativo, recebido com efeito suspensivo, impede a fluência do prazo decadencial
e também impossibilita a postulação da causa em Juízo (art. 5º, inciso I, da Lei
nº 12.016/2009).
Por sua vez, o recurso administrativo recebido sem efeito suspensivo
não estanca o prazo decadencial e nem inviabiliza o pedido na via judicial.

291
BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, p. 283-285.
292
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito administrativo brasileiro, p. 737.
Sebastião José Lessa
134 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Em arremate, é cediço, o efeito suspensivo do recurso administrativo


não exclui o direito de ação, mas apenas impede temporariamente esse exer-
cício, tudo por carência do interesse de agir (arts. 3º combinado com o art.
267, VI, do CPC).
Destacando a finalidade do efeito suspensivo, a doutrina de Mauro
Roberto Gomes de Mattos:

A prudência exige, em determinados casos, que o recurso seja recebido no


efeito suspensivo, para que não traga prejuízo indevido para o servidor
público, em sentido oposto à segurança jurídica. Não é razoável que a
decisão administrativa traga efeitos imediatos se ela é passível de revisão
pela instância hierárquica superior.

E mais, citando Romeu Felipe Bacellar Filho, “todavia, entende-­


se que, em se tratando de decisão que resolva pela aplicação de sanção
disciplinar, a autoridade revisora deve motivar a não atribuição do efeito
suspensivo”.293
Anote-se que na disciplina geral do processo administrativo, a Lei
nº 9.784/1999, destacando o significado do efeito suspensivo, estabeleceu:

Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito
suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação
decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior
poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. (grifei)

Constata-se, portanto, que

os efeitos do recurso administrativo são, normalmente, o devolutivo e, por


exceção, o suspensivo. Daí porque, quando o legislador ou o administrador
quer dar efeito suspensivo ao recurso, deve declarar na norma ou no des-
pacho de recebimento, pois não se presume a exceção, mais sim, a regra.

No que concerne aos efeitos devolutivo e suspensivo, pertinentes ade-


mais os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

O recurso administrativo sem efeito suspensivo não tolhe a fluência da prescri-


ção, nem impede o uso das vias judiciárias na pendência da decisão interna
da Administração. E assim é porque o ato impugnado continua a operar seus
efeitos, com a possibilidade sempre presente de lesar direitos individuais,
o que justifica o amparo da Justiça antes mesmo do pronunciamento final.

293
MATTOS. Lei nº 8.112/1990, interpretada e comentada, p. 499.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
135

O recurso administrativo com efeito suspensivo produz de imediato, a nosso ver,


duas consequências fundamentais: o impedimento da fluência do prazo prescricional
e a impossibilidade jurídica de utilização das vias judiciárias para ataque ao ato
pendente de decisão administrativa. A primeira decorre da consideração
de que, durante a tramitação do recurso interno (com efeito suspensivo),
o ato recorrido é inexequível, não rendendo ensejo a qualquer ação judicial, e,
não havendo ação, não pode haver prescrição; A segunda resulta do fato de que
o ato pendente de recurso administrativo (com efeito suspensivo) é inoperante e
instável, e, portanto, insuscetível de correção judicial, pela impossibilidade
de fixação do objeto da demanda.294 (grifei)

Vem a tempo a jurisprudência:

MANDADO DE SEGURANÇA − DECADÊNCIA − INTERPOSIÇÃO DE


RECURSO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO − 1. Orientação jurispruden-
cial assente nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que a interposição de recurso administrativo só tem o condão de interferir na
fluência do prazo decadencial de cento e vinte dias para impetração de man-
dado de segurança se dotado de efeito suspensivo, e isso porque tão só nessa
circunstância são estancados, provisoriamente, os efeitos lesivos do ato
impugnado. 2. Hipótese em que a alegada lesão ao direito líquido e certo
objeto da ação de segurança decore do indeferimento de requerimento
administrativo de justificativa de faltas, em 23 de setembro de 2009, não se
tendo demonstrado, até mesmo em virtude do conteúdo negativo do ato
impugnado, que os recursos interpostos na tentativa de reverter a situação
fossem dotados de eficácia capaz de sobrestar os efeitos de tal indeferimento,
restando caracterizada a decadência do direito à via mandamental.295 (grifei)

Pelo visto, o recurso administrativo recebido sem efeito suspensivo


não retira a operatividade do ato recorrido e o suscetível prejuízo. Nessa
hipótese, estará presente o interesse de agir, requisito indispensável quando
se cogita da tutela jurisdicional ex vi do art. 3º combinado com o art. 267,
inciso VI, do CPC.
Por isso, “a operatividade do ato administrativo, com a consequente
possibilidade de ferir direitos individuais, é que justifica a utilização das
vias judiciárias, como meios preventivos ou corretivos de ilegalidades da
Administração”.296

294
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito administrativo brasileiro, pp. 739-740.
295
TRF 1ª R., AMS 00207590820104013900-PA, Rel. Des. Federal Carlos Moreira Alves, DJF1
28.11.2013.
296
MEIRELLES, Op. cit..., pp. 739-740.
Sebastião José Lessa
136 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

6.1 Recurso administrativo – Efeito suspensivo – Eventual


continuidade da lesão
De fato, não se pode descartar a hipótese de o ato, objeto do recurso
administrativo recebido com efeito suspensivo, ainda assim produzir con-
sequências lesivas.
Em tal circunstância, oportuna a opção alvitrada na lição de Hely
Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho:
“Poderá, entretanto, a parte interessada na apreciação judicial abrir mão
do recurso hierárquico para obter a operatividade do ato administrativo
a ser submetido à decisão da Justiça Comum”.297
Nesse rumo, apregoa a doutrina e a jurisprudência:

Se houver, entretanto, algum prejuízo à proteção geral do direito líquido e


certo, apesar da existência de recurso administrativo com efeito suspensivo,
será cabível mandado de segurança. Nessa linha, o Supremo Tribunal
Federal expediu a Súmula nº 429: “A existência de recurso administrativo
com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra
omissão da autoridade”.

E continua o autor:

Ainda quanto ao conteúdo desse dispositivo, compreende-se a possibili-


dade de impetrar mandado de segurança contra ato de que caiba recurso
hierárquico, mesmo com efeito suspensivo, desde que seja necessária caução
para sua procedência. Para Hely Lopes Meirelles, o vocábulo caução “está
empregado no sentido amplo e vulgar de garantia comum, equivalente a
depósito em dinheiro, títulos, bens asseguradores da instância administra-
tiva, ou mesmo fiança bancária”.298

Por conseguinte, em situações excepcionais, é possível cogitar do


mandado de segurança ainda que o recurso administrativo tenha sido
recebido com efeito suspensivo (STF, Súmula nº 429).

6.2 Pleito administrativo – Desistência voluntária da via


administrativa – Ato personalíssimo
Com efeito, a Formulação nº 34 – DASP tem o seguinte enunciado:
“O ingresso do funcionário na via judicial importa em desistência da via
administrativa”. (grifei)

Obra citada, p. 740.


297

BITTENCOURT. Mandado de segurança: atualizado de acordo com a nova Lei nº 12.016/09, p. 46.
298
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
137

Dispõe a Lei nº 9.784/1999, que “regula o processo administrativo


no âmbito da Administração Pública Federal”, e que atua como norma
subsidiária aos processos administrativos específicos, por força de seu art.
69, in verbis:

Art. 51. O interessado poderá, mediante manifestação escrita, desistir total


ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos
disponíveis.
§1º Havendo vários interessados, a desistência ou a renúncia atinge somente
quem a tenha formulado.
§2º A desistência ou a renúncia do interessado, conforme o caso, não pre-
judica o prosseguimento do processo, se a Administração considerar que
o interesse público assim o exige. (grifei)

E a doutrina acentua:

Cumpre ver que, conquanto tratadas no mesmo preceito, diferem as figuras


da desistência e da renúncia. Desiste-se do processo, o que, por óbvio, supõe
que o desistente seja quem tenha dado início à relação processual, bem
como detenha poderes/competência para dele abrir mão. Renuncia-se ao
direito/interesse subjacente ao processo, o que supõe sua titularidade (ou
a representação desta), poderes/competência para deles abrir mão e sua
disponibilidade legal. Doutra parte, desistência e renúncia são atos personalís-
simos, de sorte que, havendo pluralidade de interessados, elas só atingirão
a quem as tenha expressamente formulado; [...].299 (grifei)

Pelo visto, indiscutivelmente, a desistência do pleito administrativo


é ato personalíssimo.
A bem dizer, ato personalíssimo “exprime na linguagem jurídica o
que é privativo ou exclusivo à pessoa, não podendo, assim, ser afastado
nem retirado dela”.300
Por outro viés, a Lei nº 9.784/1999, taxativamente, prevê, no art. 63
e incisos, as situações em que o recurso administrativo não será conhecido:

Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:


I – fora do prazo;
II – perante órgão incompetente;
III – por quem não seja legitimado;
IV – após exaurida a esfera administrativa
[...]. (grifei)

299
FERRAZ; DALLARI. Processo administrativo, p. 164.
300
SILVA. Vocabulário jurídico, p. 1155.
Sebastião José Lessa
138 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

6.2.1 Aplicação de penalidade – Interpretação restritiva


A propósito, nunca é demais lembrar a regra de hermenêutica que
diz: “Não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez”.301
Vem a tempo gizar, quando se cogita de aplicação de pena, a opor-
tuna lição de Carlos Maximiliano, quando põe em relevo as regras em
torno da interpretação restritiva:

Estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana,


ou afetam a propriedade; consequentemente, com igual reserva se aplicam
os preceitos tendentes a agravar qualquer penalidade.
...
O contrário se observa relativamente às normas escritas concernentes às
causas que justificam os fatos delituosos e dirimem ou atenuam a criminali-
dade: devem ter aplicação extensiva desde que os motivos da lei vão além
dos termos da mesma; em tais circunstâncias, até a analogia é invocável.302

A jurisprudência registra nesse sentido: TRF 1ª R., AC


1998.37.01.000785-5/MA, Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, DJ 18.05.05.303
Em arremate, quando a autoridade administrativa extrapola ou
se desvia da competência regulamentadora, essa situação é passível de
controle de legalidade.304
Portanto, constata-se, a mais não poder, a insustentabilidade da
decisão administrativa que, lastreada na Formulação nº 34 – DASP decrete
unilateralmente a desistência do pleito administrativo, pelo fato do ingresso
concomitante na via judicial.

7 Mandado de segurança – Impossibilidade – Recurso


administrativo recebido com efeito suspensivo (art. 5º, inc.
I, da Lei nº 12.016/2009; art. 3º c/c art. 267, inc. VI, do CPC)
Dispõe a Lei nº 12.016/2009:

Art. 5º. Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:


I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
[...]

301
STJ, MS 11.974-DF, Relª Min. Laurita Vaz, DJU 07.05.2007.
302
MAXIMILIANO. Hermenêutica e aplicação do direito, pp. 322-323.
303
LESSA. Improbidade administrativa, enriquecimento ilícito presumido, pp. 114-115.
304
Cf. STF, ARE 688614-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2012.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
139

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada


pela Lei nº 11.232, de 2005)
[...]
VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possi-
bilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
[...] (grifei)

É consabido que o recurso administrativo recebido com efeito suspen-


sivo, em verdade, neutraliza a operatividade do ato recorrido, “não rendendo
ensejo a qualquer ação judicial”, como adverte Hely Lopes Meirelles.305
E como é óbvio, retira igualmente a possibilidade do mandado de
segurança.
Neste trabalho, cuidar-se-á do mandado de segurança, sobretudo
em razão de sua peculiar celeridade, circunstância renovada na previsão
do art. 5º, inciso LXXVIII, da Lei Maior.
Com efeito, levando-se em conta o interesse de agir (art. 3º combinado
com o art. 267, inciso VI, do CPC), a adequação e a utilidade do processo,
a Lei nº 12.016, de 07.08.2009, que disciplina o mandado de segurança, im-
pede a concessão do writ quando se tratar “de ato do qual caiba recurso
administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução” (art.
5º, inciso I).
Alumiando o tema, a doutrina:

Entende-se que, havendo a interposição de recurso administrativo com


efeito suspensivo – o que naturalmente depende da vontade da parte – não
haverá necessidade de procurar o Poder Judiciário porque inexistirá lesão
ou ameaça de lesão do direito discutido no âmbito administrativo.306

No fundo, o dispositivo legal apenas submete a impetração do mandado


de segurança à possibilidade de o ato ser eficaz, ou seja, estar apto a produzir
seus efeitos típicos. Se houver um recurso administrativo com efeito suspensivo,
não haverá prejuízo ao cidadão quanto aos seus direitos, uma vez que o ato
impugnado está desprovido de eficácia. Assim, não existe interesse jurídico do
impetrante.
Todavia, adverte o autor:

Se houver, entretanto, algum prejuízo à proteção geral do direito líquido e


certo, apesar da existência de recurso administrativo com efeito suspensi-
vo, será cabível mandado de segurança. Nessa linha, o Supremo Tribunal
Federal expediu a Súmula nº 429: A existência de recurso administrativo

305
Obra citada, p. 739-740.
306
ALVIM. O novo mandado de segurança: estudos sobre a Lei nº 12.016/2009, p. 73.
Sebastião José Lessa
140 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra


omissão da autoridade.307

Interesse de agir
Priorizando o interesse de agir, a iterada jurisprudência do c. Supremo
Tribunal Federal, focando o recurso administrativo com efeito suspensivo, ainda
sob a égide da Lei nº 1.533/1951, que trazia regra similar (art. 5º, inciso I),
atualmente inserida no art. 5º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009:

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA − INTER­


POSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO COM EFEITO SUSPENSIVO
PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO − IMPETRAÇÃO
SIMULTÂNEA DE MANDADO DE SEGURANÇA − IMPOSSIBILIDADE
− 1. O art. 5º, inc. I, da Lei nº 1.533/1951 desautoriza a impetração de man-
dado de segurança quando o ato coator puder ser impugnado por recurso
administrativo provido de efeito suspensivo. 2. Agravo regimental ao qual
se nega provimento.308

Seguindo a mesma direção, o c. Superior Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA − ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL


− SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL − DEMISSÃO − INTERPOSIÇÃO DE
RECURSO ADMINISTRATIVO RECEBIDO COM EFEITO SUSPENSIVO
− AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR − ART. 5º, I, DA LEI Nº 1.533/51 −
PRECEDENTES − 1. Não há interesse jurídico na impetração de mandado
de segurança em face de ato que, impugnado por recurso administrativo
dotado de efeito suspensivo, não tem qualquer eficácia para lesar ou ameaçar
direito. Aplicação do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 1.533/51. Precedentes.
2. Processo extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do
CPC.309 (grifei)

7.1 Mandado de segurança – Possibilidade de o relator


denegar ou conceder a ordem em sede de julgamento
monocrático
Neste rumo, decidiu o c. Supremo Tribunal Federal no julgamento
do MS nº 30.892 DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20.05.14:

307
BITTENCOURT. Mandado de segurança: atualizado de acordo com a nova Lei nº 12.016/09, p. 46.
308
STF, AgRg-MS 27.772-6-DF, Tribunal Pleno, un., Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 29.05.2009.
309
STJ, MS 12.417-DF, Terceira Seção, un., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 18.09.2009.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
141

Preliminarmente, registro que o Supremo Tribunal Federal, na ocasião da


edição da Emenda Regimental nº 28, de 18 de fevereiro de 2009, reformou
a redação do art. 205 de seu Regimento Interno para estabelecer, expressa-
mente, que compete ao Relator da causa denegar ou conceder a ordem de mandado
de segurança, em sede de julgamento monocrático, desde que a matéria versada
no writ em questão constitua objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal
(RI/STF, art. 205, caput, na redação dada pela ER nº 28/2009).

Registre-se a interposição de Agravo Regimental, em 10.06.14.

7.2 Mandado de segurança – Prazo decadencial – Fluência –


Recurso administrativo recebido sem efeito suspensivo
É sabido que o recurso administrativo recebido sem efeito suspensivo
não impede a operatividade do ato recorrido.
E assim, o ato recorrido estará apto a produzir seus efeitos com eficácia
capaz de lesar ou de ameaçar direito, estando, portanto, presente o interesse
jurídico de agir em Juízo.
Advirta-se que, nessas condições, não há empecilho à fluência do
prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias, previsto no art. 23 da Lei
nº 12.016/2009.
Elucidativa a jurisprudência:

MANDADO DE SEGURANÇA − DECADÊNCIA − INTERPOSIÇÃO DE


RECURSO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO − 1. Orientação jurispruden-
cial assente nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que a interposição de recurso administrativo só tem o condão de interferir na
fluência do prazo decadencial de cento e vinte dias para impetração de mandado de
segurança se dotado de efeito suspensivo, e isso porque tão só nessa circunstância
são estancados, provisoriamente, os efeitos lesivos do ato impugnado. 2.
Hipótese em que a alegada lesão ao direito líquido e certo objeto da ação
de segurança decore do indeferimento de requerimento administrativo de
justificativa de faltas, em 23 de setembro de 2009, não se tendo demonstrado,
até mesmo em virtude do conteúdo negativo do ato impugnado, que os
recursos interpostos na tentativa de reverter a situação fossem dotados de
eficácia capaz de sobrestar os efeitos de tal indeferimento, restando carac-
terizada a decadência do direito à via mandamental.310 (grifei)

Então, diante do recurso administrativo recebido sem efeito suspen-


sivo, circunstância que afasta a regra proibitiva do art. 5º, inciso I, da Lei

310
TRF 1ª R., AMS 00207590820104013900-PA, Rel. Des. Federal Carlos Moreira Alves, DJF1
28.11.2013.
Sebastião José Lessa
142 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

nº 12.016/2009, e, portanto, presente o interesse de agir (art. 3º combinado


com o art. 267, inciso VI, do CPC), seria insustentável a decisão administra-
tiva ancorada na Formulação nº 34 – DASP, que apregoa: “O ingresso do
funcionário na via judicial importa em desistência da via administrativa”.
Ademais, aquela decisão administrativa, além de ofender a garantia
do direito de defesa (art. 5º, inciso LV, da CF), neutraliza o direito de ação (art.
5º, inciso XXXV, da CF).
Em arremate, conjugando os dois princípios cardeais; direito de ação
e direito de defesa, o ensinamento de Enrico Tullio Liebman:

O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem


representam a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direi-
tos e competem a todos indistintamente, pessoa física e jurídica, italianos
(brasileiros) e estrangeiros, como atributo imediato da personalidade, e
pertencem por isso à categoria dos denominados “direitos cívicos”.311 (grifei)

Por fim, repita-se, o efeito suspensivo do recurso administrativo, como


é curial, não exclui o direito de ação, é dizer, de pedir a tutela jurisdicional
na via do mandamus, mas apenas impede temporariamente esse exercício,
tudo como previsto nos arts. 5º, inciso I, 6º, §6º, e 23 da Lei nº 12.016/2009.

8 Interrupção compulsória da via administrativa –


Formulação nº 34/DASP – Debate – Desistência do
pleito administrativo (art. 51, Lei nº 9.784/99) – Ato
personalíssimo
A bem dizer, uma norma jurídica é um pedaço de vida humana
objetivada, que, enquanto esteja vigente, é revivida de modo atual pelas
pessoas que a cumprem ou a aplicam, e que, ao ser revivida, deve expe-
rimentar modificações para ajustar-se às novas realidades em que e para
quê é revivida.312
Para começo, cabe relembrar – ancorada no Parecer H-648, de
20.02.1968, da ilustrada Consultoria Geral da República – foi editada a
Formulação nº 34 – DASP, com o seguinte enunciado: “O ingresso do
funcionário na via judicial importa em desistência da via administrativa”.
Deveras, o entendimento ali enunciado vem, iniludivelmente, em
forma de interrupção compulsória da via administrativa, o que ofende, entre

311
SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 372.
312
RECASÉNS SICHES apud BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo
administrativo disciplinar, 1988, apresentação.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
143

outras garantias fundamentais, o direito de petição e o direito de ampla defesa


(art. 5º, incisos XXXIV, a e b, e LV, da CF).
É cediço, as formulações daspianas, fonte inesgotável de significativa
contribuição para os operadores do Direito, foram chanceladas pelo direito
positivado na leitura dos arts. 115 e 116 do Decreto-Lei nº 200/1967 e, ao
longo do tempo, prestigiadas pelos tribunais: STF, RMS 21.562-7-DF, DJ
24.06.1994; STF, MS 20.111-DF, RTJ 89/39; STF, MS 20.473-DF, RTJ 115/99;
STJ, RMS 1074-ES, DJ 30.03.1992.
Todavia, é correntio que a lei é estática, mas o fato é dinâmico. Nesse
diuturno caminho pelo aperfeiçoamento, a Carta Política de 1988, ao elencar
exemplificativamente (art. 5º, §2º, da CF) os direitos e as garantias fundamen-
tais, cravou, no inciso LV do art. 5º, que “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (grifei)
Inobstante tais direitos e garantias fundamentais, não raro se vê o
indeferimento do recurso administrativo, sem exame do mérito, com arrimo
na citada formulação.
A prevalecer tal entendimento, o funcionário estaria despojado,
mormente da peculiar celeridade do mandado de segurança (art. 5º, inciso
LXIX e LXXVIII, da CF), eis que o recurso administrativo desprovido de efeito
suspensivo, mesmo para os mais otimistas, dificilmente teria solução de
mérito no prazo decadencial do writ, de 120 (cento e vinte) dias, a teor dos
arts. 5º, I, 6º, §6º, combinado com o art. 23 da Lei nº 12.016/2009.
Cumpre registrar que a desistência do pleito administrativo, como
previsto no art. 51 da Lei nº 9.784/1999, é ato personalíssimo.313
Por fim, quando a autoridade administrativa extrapola ou se desvia
da competência regulamentadora, essa situação é passível de controle de
legalidade.314
Destarte, a aludida Formulação nº 34 – DASP, emitida com esteio no
Parecer H-648, de 20.02.1968, da egrégia Consultoria Geral da República,
publicada no DO de 28.02.1968, já se mostra insustentável, data vênia, à
frente dos direitos e das garantias fundamentais modelados na vigente Carta
da República, sobretudo dos meios e recursos que asseguram o amplo direito
de defesa, tudo na expressão do art. 5º, inciso LV.

9 Conclusão
Diante das considerações, tiradas da lei, doutrina e jurisprudência,
é possível inferir:

313
FERRAZ; DALLARI. Processo administrativo, p. 164.
314
Cf. STF, ARE 688614-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2012.
Sebastião José Lessa
144 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

a) Inspirados no preâmbulo da Carta Política de 1988, é dito que os


direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão “são os ligados
ao valor liberdade, são os direitos civis e políticos. São direitos
individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma
abstenção do Estado, seu principal destinatário”.315 (grifei)
b) Na linha do art. 37, caput, da Carta Política, o princípio da le-
galidade, na lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha, “é para a
Administração Pública a consonância material e formal não
apenas à lei, tomada em seu sentido formal, mas ao complexo
de normas jurídicas”.
E nesse rumo, propõe que a “legalidade administrativa seja substitu-
ída, no moderno Estado de Direito Democrático, pelo princípio da juridici-
dade. A razão principal residiria na circunstância de que a Administração
não mais se vincula exclusivamente à lei formal, e sim, ao Direito”.316
c) Na leitura dos fundamentos do direito de ação ou da inafastabili-
dade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CF), e afora a exceção
prevista no art. 217, §§1º e 2º, da Carta Política, “inexiste a obri-
gatoriedade de esgotamento da instância administrativa para
que a parte possa acessar o Judiciário [...]”.317
d) A garantia do contraditório e da ampla defesa “[...] reflete a evolução
histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota elaboração
acurada para melhor assegurar sua observância. Significa, nes-
ses termos, que a possibilidade de rebater acusações, alegações,
argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas,
para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita”.318 (grifei)
e) Os direitos de petição e de obtenção de documentos públicos estão
cravados no art. 5º, incs. XXXIV, “a” e “b”, CF;
f) O silêncio administrativo é considerado conduta omissiva da
Administração, que ofende o direito individual ou coletivo dos
administrados ou de seus servidores, e que acarreta a devida
correção judicial.319
g) Como adverte Odete Medauar, “o direito de interpor recurso admi-
nistrativo vale independentemente de previsão expressa em lei ou demais
normas, porque encontra respaldo no direito de petição, assegurado a
todos, independentemente do pagamento de taxas (art. 5º, inciso

315
NOVELINO. Direito Constitucional, pp. 362-364 in CERA. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
316
BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, p. 158.
317
MORAES. Direito Constitucional, p. 103.
318
STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2000.
319
RDP 57-58/7; Hely Lopes Meirelles, obra citada, 38. ed., p. 120; STJ, REsp 16284, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, DJ 23.03.92.
3º MÓDULO
PRINCÍPIOS, DIREITOS, RESPONSABILIDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
145

XXXIV, letra a: ‘o direito de petição aos Poderes Públicos, para


defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder’)”.320
h) O recurso administrativo recebido com efeito suspensivo interrompe
a operatividade do ato recorrido e, portanto, afasta o interesse de
agir na esfera judicial.321

Também estanca o prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias previsto


no art. 23 da Lei nº 12.016/2009.322
Em sentido contrário, o recurso administrativo recebido sem efeito suspen-
sivo não neutraliza a operatividade e a lesividade do ato recorrido e, portanto, vem
forrado do interesse de agir (art. 3º c/c o art. 267, inciso VI, do CPC).
E nesta condição, não impede a fluência do prazo decadencial de 120
(cento e vinte) dias previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009.323

i) Tutelando o interesse de agir, realça a doutrina que, “havendo


a interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo – o
que naturalmente depende da vontade da parte – não haverá
necessidade de procurar o Poder Judiciário, porque inexisti-
rá lesão ou ameaça de lesão do direito discutido no âmbito
administrativo”.324
j) “Se houver, entretanto, algum prejuízo à proteção geral do direito
líquido e certo, apesar da existência de recurso administrativo com
efeito suspensivo, será cabível mandado de segurança. Nessa linha,
o Supremo Tribunal Federal expediu a Súmula nº 429: ‘A exis-
tência de recurso administrativo com efeito suspensivo não
impede o uso do mandado de segurança contra a omissão da
autoridade’”.325
k) Em razão desses fundamentos, não deve prosperar, data vênia, a
conclusão sufragada pela Formulação nº 34 – DASP, de que “o
ingresso do funcionário na via judicial importa em desistência
da via administrativa”, eis que a orientação daspiana, nos termos
em que interrompe compulsoriamente a via administrativa, colide
com o sistema jurídico (concepção ampla).

320
BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, pp. 283-285.
321
Cf. art. 5º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009; STF, AgRg-MS 27.772-6-DF, Tribunal Pleno, un., Relª
Min. Cármen Lúcia, DJe 29.05.2009; STJ, MS 12.417-DF, Terceira Seção, un., Relª Min. Maria
Thereza de Assis Moura, DJ 18.09.2009.
322
MEIRELLES. Op. cit..., pp. 739-740; TRF 1ª R., AMS 0020759-08.2010.4.01.3900-PA, Rel. Des.
Federal Carlos Moreira Alves, DJF1, 28.11.2013.
323
Cf.: TRF 1ª R., AMS 0020759-08.2010.4.01.3900-PA, Rel. Des. Federal Carlos Moreira Alves,
DJF1 28.11.2013.
324
ALVIM. O novo mandado de segurança: estudos sobre a Lei nº 12.016/2009, p. 73.
325
BITTENCOURT. Mandado de segurança: atualizado de acordo com a nova Lei nº 12.016/2009, p. 46.
Sebastião José Lessa
146 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Ademais, na medida em que inviabiliza o meio recursal na via administra-


tiva, ofende, ainda, a regra situada no art. 5º, inciso LV, da Carta Política,
que garante o contraditório, a ampla defesa e os meios e recursos a ela inerentes.
Ressalte-se que a desistência do pleito administrativo, como previsto
no art. 51 da Lei nº 9.784/1999, é ato personalíssimo.326
Por fim, quando a autoridade administrativa extrapola ou se desvia
da competência regulamentadora, essa situação é passível de controle de
legalidade.327
Posto isto, a aludida Formulação nº 34 – DASP, emitida com esteio no
Parecer H-648, de 20.02.1968, da egrégia Consultoria Geral da República,
publicada no DO de 28.02.1968, já se mostra inadequada, data vênia, à
frente dos direitos e das garantias fundamentais, modelados na vigente Carta
da República, que agrega os meios e os recursos para o efetivo exercício do
amplo direito de defesa (art. 5º, inciso LV).

326
FERRAZ; DALLARI. Processo administrativo, p. 164.
327
Cf.: STF, ARE 688614-ED/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2012.
4º MÓDULO

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS –
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL –
MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
Infrações penais correlatas – Procedimento criminal
(Lei nº 12.850/13)
Funcionário público envolvido nas organizações criminosas
Colaboração premiada
Perdão judicial, redução e substituição de pena privativa de liberdade
Extinção da punibilidade
Independência das instâncias
Efeitos
Improbidade administrativa
Enriquecimento ilícito
Pessoas jurídicas – responsabilização por atos contra a
Administração Pública (Lei nº 12.846/13)
Acordo de leniência

1 Considerações prévias
Perdão judicial
Com o advento da Lei nº 12.850, de 02.08.13, que “define organização
criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da
prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal [...]” veio no-
vamente a lume a colaboração premiada e os correspondentes benefícios do
perdão judicial, da redução e da substituição de pena privativa de liberdade,
certo que o perdão judicial, devidamente configurado, é causa extintiva da
punibilidade (art. 107, IX, CP), e um direito público subjetivo.328

328
MASSON. Direito Penal, pp. 908-210.
Sebastião José Lessa
148 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Tal mecanismo legal, embora de comprovada eficácia, se levado


para o domínio do direito disciplinar, demandará respostas fundamentadas
– principalmente os pretensos efeitos no processo disciplinar – da decisão penal
que conceder os benefícios, inclusive o perdão judicial pelo fato da colaboração
premiada (art. 4º, caput, Lei nº 12.850/13).
Assim, restaria debater a possibilidade ou não de projetar, por analo-
gia, os efeitos dos benefícios da colaboração premiada (art. 4º, Lei nº 12.850/13)
no apuratório disciplinar, de sorte a substituir a pena expulsória por outra
menos gravosa, sem comprometer os princípios da moralidade e da probi-
dade administrativas na expressão do art. 37, caput e §4º, da Carta Política.

Infiltração de agentes de polícia


Registre-se, por oportuno, que o controvertido mecanismo que
disciplina a infiltração de agente de polícia, previsto no art. 10, usque 14, da
Lei nº 12.850, de 02.08.13, desafia abordagem específica e que será tratada
em outra ocasião.
A propósito, na justificativa do projeto original da atual Lei nº 12.850/13
(PLS 150/2006) de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, foi dito:

A proposta não hesita, ainda, em suprimir o instituto da “infiltração poli-


cial” do direito brasileiro (art. 2º, V, da Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995),
porque viola o patamar ético-legal do Estado Democrático de Direito, sendo
inconcebível que o Estado Administração, regido que é pelos princípios da
legalidade e da moralidade (art. 37, caput, da CF), admita e determine que
seus membros (agentes policiais) pratiquem, como coautores ou partícipes,
atos criminosos, sob o pretexto da formação da prova. (grifei)

Inobstante os fatores negativos da infiltração como meio para a ob-


tenção da prova, tal procedimento foi aprovado e consta do texto (arts. 3º,
VII, 10 usque 14, Lei nº 12.850/13).
Questão que merece ponderação está na eventual prática de crime
pelo agente infiltrado no curso da investigação, verbis:

Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade
com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime
pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta
diversa. (grifei)

Como é sabido, “a possibilidade de exigir-se conduta diversa é,


segundo a teoria finalista adotada pelo nosso Código, um dos pressupostos
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
149

da culpabilidade, ou seja, da reprovabilidade penal de uma ação ou omissão


típica e antijurídica”.329 (grifei)
E esta constatação – exigência ou não de conduta diversa – dependerá
da prova produzida no respectivo processo.

1.1 Funcionário público envolvido nas organizações


criminosas
Deveras, no espaço do direito disciplinar, já se pode antecipar ques-
tões envolvendo o funcionário público em geral (art. 2º, caput, §4º, inc. II, Lei
nº 12.850/13) e, em especial, o agente de polícia, categoria profissional que
detém singular responsabilidade frente ao comando do art. 144, caput, §§1º
a 5º, da Constituição Federal, especialmente na ocorrência e nas consequ-
ências da colaboração premiada e da infiltração (arts. 3º, incs. I e VII, 10 e 13,
parágrafo único, da Lei nº 12.850/13; §6º, art. 37, CF).
Imperioso salientar que inobstante o pesado gravame causado pela
corrupção passiva praticada pelo servidor, aqui o legislador cuidou de
uma modalidade de corrupção compartilhada e que traz potencial ofensivo de
extrema gravidade, é dizer, atuação do funcionário público como integrante
da organização criminosa, tanto assim que diz a Lei nº 12.850/13:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por


interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
correspondentes às demais infrações penais praticadas.
...
§4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
...
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa
dessa condição para a prática de infração penal;
...
§5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organi-
zação criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo,
emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se
fizer necessária à investigação ou à instrução processual.
§6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a
perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício
de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumpri-
mento da pena.
§7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta
Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao

329
DELMANTO. Código penal comentado, pp. 42 e 46.
Sebastião José Lessa
150 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a


sua conclusão. (grifei)

Pelo que se apresenta, a moralidade administrativa, de dignidade


constitucional (art. 37, caput e §4º, CF), foi destacada com acurado desvelo.

1.1.1 Direito de defesa


Como é cediço, “aos litigantes, em processo judicial ou administrati-
vo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes”. (grifei)
Vem a tempo, a substanciosa contribuição do e. Superior Tribunal
de Justiça:

2 – A Magna Carta, em seus arts. 5º, LV e 41, parág. 1º, inciso II, alude, não
ao simples direito de defesa do servidor público, mas sim, à ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes. O preceito ampla defesa reflete a evolução
histórica e legislativa que reforça tal princípio e denota elaboração acurada para
melhor assegurar sua observância. Significa, nestes termos, que a possibilidade
de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações
jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita.330 (grifei)

E como já foi do mesmo modo asseverado, “a interpretação do


princípio da ampla defesa visa propiciar ao servidor oportunidade de produzir
conjunto probatório servível para a defesa”.331 (grifei)
Palhares Moreira Reis, no estudo do contraditório e da ampla defesa,
como sempre acrescenta: “De nada valeria todo o enunciado de direitos
reconhecidos ao homem comum, ao cidadão, ao estrangeiro, se não exis-
tissem, ao seu lado, procedimentos capazes de assegurar a plena eficácia das
normas definidoras de tais direitos, tornando-os efetivos”.332 (grifei)
Ressalte-se, por oportuno, que o direito ao contraditório e à ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes – direitos fundamentais de
primeira geração – foram igualmente tratados nos módulos 2º, 3º e 4º, deste
livro.

330
STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
331
STJ, ROMS 10.574 ES, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02.
332
REIS. Estudos de direito constitucional e de direito administrativo, p. 67.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
151

1.2 Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito –


Sindicância patrimonial
Releva então destacar o §4º, do art. 37, da Constituição Federal e a
Lei nº 8.429/92 que reprimem, inclusive, os atos de improbidade adminis-
trativa, o enriquecimento ilícito e o dano ao erário:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direi-


tos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível. (grifei) (§4º, art. 37, CF)
Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enri-
quecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras provi-
dências. (Lei nº 8.429/92)

É que, estando o funcionário público envolvido em organização crimi-


nosa, cabe à autoridade administrativa apurar igualmente o fato capaz de
caracterizar o enriquecimento ilícito e as medidas correspondentes, inclusive,
a indisponibilidade, o sequestro dos bens e o ressarcimento ao erário.333

Sindicância Patrimonial
A propósito, o Manual de Processo Administrativo Disciplinar edi-
tado pela e. Controladoria-Geral da União, 2013, ao cuidar da Sindicância
Patrimonial, registrou:

Destaca-se a sindicância patrimonial dos demais procedimentos investigati-


vos, na medida em que possui escopo delimitado, constituindo importante
instrumento de apuração prévia de práticas corruptivas envolvendo servi-
dores públicos, na hipótese em que o patrimônio destes, aparente ser superior à
renda licitamente auferida.
Nesse sentido, constitui a sindicância patrimonial um instrumento preli-
minar de apuração de infração administrativa consubstanciada em enri-
quecimento ilícito, tipificada no inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429, de 2 de
junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), possuindo previsão
normativa no Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, e na Portaria CGU
nº 335, de 2006.334 (grifei)

333
Cf.: LESSA. Improbidade administrativa: doutrina e jurisprudência, 2011.
334
MANUAL..., 2013, pp. 73-74.
Sebastião José Lessa
152 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Portanto, repita-se, além do resguardo do patrimônio público, os


princípios da moralidade e da probidade (art. 37, caput e §4º, CF), foram
severamente cuidados.

1.2.1 Ilícito civil e político-administrativo


Elucidativa a lição que enfoca a qualificação jurídica do ato de
improbidade administrativa, ilícito civil e político-administrativo:

Desde logo, insta banir eventual paternidade penal. Se, de fato, a qualificação
jurídica do ato de improbidade oferece grande similaridade com o proce-
dimento de adequação típica, do direito penal; se realmente, a definição
do elemento volitivo propende mais para a consideração do dolo e da
culpa, consoante os parâmetros penais; a Constituição Federal (art. 37, §4º)
afasta, expressa e completamente, qualquer possibilidade de conotação penal dos
atos de improbidade administrativa. Quando se vale da expressão sem prejuízo
da ação penal cabível, o mandamento maior anuncia, sem hesitação, que as
cominações nele declaradas não são substitutivas do conjunto de sanções
penais fixado na legislação para os crimes funcionais contra a Administração
Pública. Concorrem com eles, sem substituí-los, nem excluí-los. (grifei)

E segue: “Fique claro: o dispositivo remete à legislação menor,


matéria não penal. Daí porque, como conclui o Des. Rui Stoco, as sanções
que a Lei nº 8.429/92, como norma reguladora, estabelece são desprovidas
de substrato criminal”.335 (grifei)
A propósito, os atos de improbidade administrativa que importam en-
riquecimento ilícito, mormente o enriquecimento ilícito presumido (art. 37, §4º,
CF; art. 9º, inc. VII, Lei nº 8.429/92), bem como a indisponibilidade, o arresto,
o sequestro de bens e, sobretudo, o ressarcimento ao erário, foram analisados
à luz da doutrina e jurisprudência no livro de nossa autoria.336

1.3 Pessoas jurídicas – Responsabilização por atos contra a


administração pública – Lei nº 12.846/13
Com efeito, na lida diuturna, visando o resguardo dos interesses
da Administração Pública, recentemente veio a lume a Lei nº 12.846, de
01.08.13, denominada “Lei Anticorrupção”, com vacatio legis de 180 (cento e
oitenta) dias (art. 31), e que “dispõe sobre a responsabilização administrativa

335
Cf.: TJSP – AI 415.464-5/6 – Rel. Des. Rui Stoco – j. 09.11.05. FAZZIO JÚNIOR. Improbidade
administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência, p. 139.
336
LESSA. Improbidade administrativa: doutrina e jurisprudência, 2011.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
153

e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,


nacional ou estrangeira, e dá outras providências”. (grifei)
Em trabalho doutrinário, o alerta de Arnaldo Rizzardo Filho:

Dessa forma, o sistema normativo jurídico brasileiro alargará seu âmbito de


incidência, trazendo uma nova modalidade de responsabilidade até antes ine-
xistente: a responsabilidade civil e administrativa das pessoas jurídicas utilizadas
como meio de práticas de inúmeros atos ilícitos contra a Administração Pública,
satisfazendo, de certo modo, os anseios de brasileiros que, diariamente,
observam inúmeras fraudes praticadas sob o manto de um ente moral que,
muitas vezes, apresenta em seu quadro societário “laranjas” que se prestam
a saciar o escopo de pessoas que procuram, acima de qualquer juízo moral,
enriquecer ilicitamente.337 (grifei)

Afirmando a importância da Lei nº 12.846/13, a leitura de Fábio


Medina Osório:

O sistema legal brasileiro está se equiparando agora às práticas anticorrup-


ção adotadas principalmente nos Estados Unidos desde a década de 70 e
nos países europeus anos depois. Nesses lugares, a lei é implacável com
quem comete ilícitos, mas também reconhece os esforços dos empresários
que tentam moralizar seus procedimentos. É só ver o exemplo da [...] nessas
investigações de cartel em [...]. A empresa tem uma estrutura de compliance
que fez toda a diferença na investigação, inclusive com os acordos de leni-
ência, que também figuram na lei brasileira. O caminho da transparência,
da modernização e da qualificação dos serviços públicos é uma tendência
mundial, inevitável para as grandes democracias.338 (grifei)

1.3.1 Acordo de leniência


Destaque para o acordo de leniência:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá


celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática
dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e
o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.
§1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preen-
chidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

337
RIZZARDO FILHO. Pessoas jurídicas: responsabilização por atos contra a administração
pública in Revista Jurídica Consulex, Ano XVII, n. 400, 15.09.13, p. 52.
338
Revista Veja, Ed. Abril, edição 2387, 20.08.14, fls. 15/19.
Sebastião José Lessa
154 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar


para a apuração do ato ilícito;
II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração
investigada a partir da data de propositura do acordo;
III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena
e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos
processuais, até seu encerramento.
§2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das san-
ções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em
até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. (grifei)

Oportuno lembrar, por fim, que a mencionada Lei nº 12.846, de


01.08.13, publicada no DOU de 02.08.13, como está dito no art. 31, entrou
em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.

1.4 Flexibilização quanto ao meio lícito de obtenção da


prova (art. 5º, Inc. LVI, CF) – “encontro fortuito”
Como é sabido, no trato dos direitos e garantias fundamentais, dispõe
a Carta Política: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos”.
E a Lei nº 11.690/08, que deu nova redação ao art. 157 e §§, do CPP,
trouxe conceitos claros aos meios de obtenção de prova.
E, ao que tudo indica, movido pela necessidade de estabelecer um
atento combate ao crime organizado, a recente decisão, por maioria, da c.
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

3. O Estado não pode quedar-se inerte ao tomar conhecimento de suposta


prática de crime. Assim, o encontro fortuito de notícia de prática delituosa
durante a realização de interceptações de conversas telefônicas devidamente
autorizadas não exige a conexão entre o fato investigado e o novo fato para que
se dê prosseguimento às investigações quanto ao novo fato.339 (grifei)

2 Funcionário público envolvido nas ações das organizações


criminosas
De início, cabe lembrar que a responsabilidade pode ser tridimen-
sionada, nos termos do art. 121, da Lei nº 8.112/90, verbis: “O servidor

339
STJ, Ação Penal nº 510 – BA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 17.03.14.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
155

responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas


atribuições”. (grifei)
José Armando da Costa, em aclarada síntese, anota: “Desde que o
comportamento ilícito tenha eficácia para projetar efeitos nessas três esferas
(disciplinar, civil e penal), poderá o servidor faltoso ser responsabilizado
tridimensionalmente”.340

2.1 Incidência
Geral

2.1.1 Penal
Arts. 317, ... CP; art. 2º, caput, §§e incs., Lei nº 12.850/13.

2.1.2 Disciplinar
Arts. 117, incs. IX e XII, e 132, incs. I, IV, XI, Lei nº 8.112/90.

2.1.3 Improbidade Administrativa


Art. 9º, inc. I, Lei nº 8.429/92.

2.2 Medidas Preventivas Complementares


Art. 2º, §§2º, 3º, 4º, II, 5º, 6º e 7º, Lei nº 12.850/13; arts. 5º, 6º, 7º,
parágrafo único, e 8º, Lei nº 8.429/92.

2.3 Direito de postular


Colaboração Premiada
(arts. 3º, I e 4º, caput, Lei nº 12.850/13)

Perdão judicial, redução e substituição de pena privativa de


liberdade
(art. 4º, caput e §2º, Lei 12.850/13)

340
COSTA. Direito administrativo disciplinar, p. 182.
Sebastião José Lessa
156 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Direitos do colaborador
(art. 5º, caput e incisos, Lei 12.850/13)

2.3.1 Colaboração premiada


(arts. 3º, caput e inc. I, 4º, usque 7º, Lei nº 12.850/13)

Na redação do art. 3º, caput e inc. I, da Lei nº 12.850/13, a colaboração


premiada é elencada também como meio de obtenção de prova.
Balizando a utilidade, a oportunidade, a segurança e a relevância
desse expressivo instrumento legal que viabiliza a legítima coleta da prova
em face do crime organizado, crava o art. 4º e incisos da Lei nº 12.850/13:

Art. 4º - O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,


reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la
por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração
advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa
e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organi-
zação criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organi-
zação criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada
[...]. (grifei)

Vale registrar os antecedentes desse meio lícito de obtenção de prova


(art. 5º, LVI, CF c/c art. 157 e §§, CPP), introduzido na legislação brasileira
por meio da Lei nº 8.079/90, que tratou dos crimes hediondos (art. 8º, pará-
grafo único):

No direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos “colaboradores da


Justiça” é de difícil identificação; porém, sua adoção foi incentivada nos anos
70 para o combate dos atos de terrorismo, sobretudo a extorsão mediante
sequestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos
80, quando se mostrou extremamente eficaz nos processos instaurados para
apuração da criminalidade mafiosa.341

341
SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, pp. 77 e 79.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
157

Convém ressaltar que a colaboração premiada capaz de propiciar con-


cretamente os benefícios enumerados no art. 4º, caput, da Lei nº 12.850/13,
é dizer, perdão judicial, redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa
de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos, deve antes realizar um
ou mais dos resultados indicados nos incisos do art. 4º da lei mencionada.
Tanto que está escrito no §1º, do citado art. 4º: “Em qualquer caso,
a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador,
a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato
criminoso e a eficácia da colaboração”. (grifei)
E mais, no §8º, do art. 4º: “O juiz poderá recusar homologação à
proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso
concreto”. (grifei)
A propósito, discorrendo sobre o direito “premial”, anota Eduardo
Araújo da Silva, no ponto em questão: “Pela lei, o “arrependido” poderia
ser beneficiado como hipóteses de não punibilidade, atenuantes e com a
suspensão condicional da pena; porém, a proteção poderia ser revogada se as
declarações fossem menjudazes ou reticentes”.342 (grifei)
Então, a colaboração, para ser premiada e merecer os benefícios e
adicionais permissíveis, inclusive o perdão judicial, deve preencher rigo-
rosamente os requisitos da lei, tanto que: “É mister prudência e cuidado na
aplicação do perdão judicial, para que não se transforme, contra o espírito
da lei, em instrumento de impunidade e, portanto, de injustiça”.343 (grifei)

2.3.1.1 Colaboração premiada – Termo de acordo – Modelo


Alegatio et nom probatio, quase nom alegatio
Como é dito, alegatio et nom probatio, quase nom alegatio, ou quem alega
e não prova faria melhor se estivesse calado.
Deveras, como requisito para obtenção dos benefícios (perdão judi-
cial, redução e substituição da pena privativa de liberdade), o legislador
priorizou com agudeza a eficácia da colaboração, vale dizer, o resultado
concreto consubstanciado na apresentação das respectivas provas (§1º,
art. 4º, Lei nº 12.850/13).
Esse importante e produtivo meio de obtenção de prova (art. 3º, inc.
I, Lei nº 12.850/13), vem disciplinado nos arts. 4º a 7º, da mencionada lei.
Bastante exemplificativo o Termo de Acordo de Colaboração Premiada,
que tomamos conhecimento, em que se investiga crimes de corrupção, peculato,
lavagem de dinheiro oriundo de crimes contra a Administração Pública, formação
de organização criminosa e obstrução da investigação de organização criminosa.

342
Obra citada, p. 79.
343
JTACRIM 66/398 e RT 564/357. MIRABETE; FABBRINI. Código Penal interpretado, 2011, fls.
571-574.
Sebastião José Lessa
158 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

O acordo, diga-se, foi firmado entre os acusados, seus advogados


constituídos e o Ministério Público, tudo sob a supervisão do magistrado:
Quanto à base jurídica, no Termo de Acordo de Colaboração Premiada,
está assentado: “Funda-se no artigo 129, inciso I, da Constituição Federal,
nos artigos 13 a 15 da Lei nº 9.807/99, no art. 1º, §5º, da Lei nº 9.613/98, no
art. 26 da Convenção de Palermo, e no art. 37 da Convenção de Mérida,
nos artigos 4º a 8º da Lei nº 12.850/2013, bem como nos princípios gerais
do direito”.

Ressaltando o interesse público plasmado na necessidade de conferir


objetividade à persecução criminal:

O interesse público é atendido com a presente proposta tendo em vista a ne-


cessidade de conferir efetividade à persecução criminal de outros criminosos e
ampliar e aprofundar, em todo o País, as investigações em torno de crimes con-
tra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes
de lavagem de dinheiro e crimes praticados por organizações criminosas,
inclusive no que diz respeito à repercussão desses ilícitos penais na esfera
cível, tributária, administrativa, disciplinar e de responsabilidade. Há, ainda,
eminente interesse na recuperação das vantagens econômicas ilícitas oriundas dos
cofres públicos, distribuídas entre diversos agentes públicos e particulares
ainda não identificados, bem como na investigação da corrupção de agentes
públicos de diferentes setores e níveis, praticada mediante oferecimento de
vantagens por grandes empresas, nos termos da Lei nº 12.846/2013. (grifei)

Prevendo o intercâmbio das provas, naturalmente sem ferir os direitos


do colaborador (art. 5º, incs. I a VI, Lei nº 12.850/13).

Validade da prova. A prova obtida mediante a presente avença de colaboração


premiada será utilizada validamente para a instrução de inquéritos policiais,
procedimentos administrativos criminais, ações penais, ações cíveis e de
improbidade administrativa e inquéritos civis, podendo ser emprestada
também ao Ministério Público dos Estados, à Receita Federal, à Procuradoria
da Fazenda Nacional, ao Banco Central do Brasil e a outros órgãos, inclusive
de países e entidades estrangeiras, para a instrução de procedimentos e
ações fiscais, cíveis, administrativas (inclusive disciplinares), de respon-
sabilidade bem como qualquer outro procedimento público de apuração
dos fatos. (grifei)

O citado Termo de Acordo contém os requisitos necessários para a corres-


pondente homologação judicial:

Para ter eficácia, o presente termo de colaboração será levado ao conhecimen-


to do Juiz Federal responsável pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba,
bem como aos Tribunais competentes para a apreciação dos fatos contidos
nos Anexos deste Acordo, juntamente com as declarações do colaborador
que digam respeito à competência da respectiva Vara ou Tribunal e de cópia
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
159

das principais peças da investigação existente até a presente data, nos termos
do art. 4º, §7º, da Lei 12.850/2013, para homologação. (grifei)

Por fim, o informativo do c. Supremo Tribunal Federal noticia o


requerimento da Comissão Parlamentar de Inquérito (§3º, art. 58, CF),
que investiga denúncias de irregularidades na Petrobrás, verbis:

Na decisão (RCL 17623), o ministro esclareceu que “todas as informações


disponíveis sob sua relatoria já foram encaminhadas à CPMI”. O que não foi
repassado está coberto pelo artigo 7º da Lei nº 12.850/2013, que prevê o sigilo das
informações prestadas nos depoimentos feitos em regime de delação premiada. O
mesmo posicionamento foi dado pelo ministro a pedido semelhante feito
pelo Ministério da Justiça.344 (grifei)

2.3.2 Perdão judicial (art. 4º, caput, Lei nº 12.850/13)


Para aclarar os fundamentos e a natureza do perdão judicial, conse-
quência natural da efetiva colaboração premiada, a lição de Celso Delmanto:

Até sua expressa inclusão, pela reforma penal de 84, entre as causas de extin-
ção da punibilidade deste art. 107, o CP não dava nome a essa possibilidade
de deixar de aplicar a pena, prevista para certas hipóteses. Apesar disso,
doutrina e jurisprudência sempre reconheceram nela o denominado perdão
judicial. A controvérsia a respeito dela cingia-se ao seu caráter de direito ou
favor e à natureza da sentença concessiva de perdão judicial.345

Mais adiante, o tema novamente será tratado, mormente quanto


à natureza jurídica e efeitos da sentença concessiva do perdão judicial.

3 Debate em torno da extensão dos efeitos da extinção da


punibilidade em consequência do perdão judicial (art.
107, inc. IX, CP c/c art. 4º, caput e §2º, Lei nº 12.850/13) nas
ações correspondentes: Disciplinar (Lei nº 8.112/90) e de
Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)
3.1 Natureza jurídica da sentença concessiva do perdão
judicial – Direito ou favor
STJ, Súmula nº 18: “A sentença concessiva do perdão judicial é de-
claratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório”. (grifei)

344
Notícias STF, 09.10.14.
345
DELMANTO et al. Código Penal comentado, pp. 208-210.
Sebastião José Lessa
160 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Na mesma linha: STJ – REsp 39.756 RJ, Rel. Min. Jesus Costa Lima,
DJ 14.03.94.
Como é cediço, “o perdão judicial é causa extintiva da punibilidade (CP,
art. 107, IX), e consubstancia-se em direito público subjetivo, razão pela qual
deve o magistrado concedê-lo ao réu quando presentes os requisitos exigidos
em lei. Em síntese, o juiz possui discricionariedade para verificar a presença
dos requisitos legais, mas, se considera-los existentes, a aplicação do perdão
judicial é obrigatória”.346 (grifei)
Embora a concessão do perdão judicial tenha razoável força vincu-
latória, nunca é demais avivar – na trilha do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF), que “o princípio
da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os
requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado”.347 (grifei)
Em tal contexto, diz a Lei nº 12.850/13, no art. 4º:

§1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade


do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
...
§7º Realizado o acordo na forma do §6º, o respectivo termo, acompanhado
das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido
ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo, para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador,
na presença de seu defensor.
§8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requi-
sitos legais, ou adequá-la ao caso concreto. (grifei)

Daí, a jurisprudência: “É mister prudência e cuidado na aplicação do


perdão judicial, para que não se transforme, contra o espírito da lei, em
instrumento de impunidade e, portanto, de injustiça”.348 (grifei)
Pelo visto, a figura do perdão judicial não traz a força inconteste de um
direito líquido e certo, tanto que dispõe o §1º, do art. 4º, da Lei nº 12.850/13:

§1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade


do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (grifei)

346
MASSON. Direito Penal, pp. 908-910. Com a mesma orientação: DELMANTO et al. Código
Penal comentado, pp. 208-210
347
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito Administrativo brasileiro, p. 123.
348
JTACRIM 66/398 e RT 564/357. MIRABETE; FABBRINI. Código Penal interpretado, 2011,
fls. 571-574.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
161

3.2 Efeitos da decisão penal que extingue a punibilidade


Fernando Capez, discorrendo acerca dos efeitos da sentença concessi-
va do perdão judicial, e mostrando o dissenso doutrinário e jurisprudencial
destaca:

2º) é declaratória da extinção da punibilidade: a sentença que concede o perdão


judicial é meramente declaratória da extinção da punibilidade, não surtindo
nenhum efeito penal ou extrapenal. Essa é a posição do Superior Tribunal de
Justiça: Súmula 18. Como não se trata de questão de ordem constitucional,
essa posição tende a se firmar como pacífica.349 (grifei)

Por aí se vê, iniludivelmente, que o perdão judicial – sentença declara-


tória da extinção da punibilidade – não atinge, com força de interdependência,
a esfera de competência da autoridade administrativa.
A propósito, as instâncias, em regra, são independentes, e, excepcio-
nalmente, interdependentes, nos termos dos arts. 125, 126 e 126-A, da Lei
nº 8.112/90.
Nesse contexto, nos termos do art. 126, da Lei nº 8.112/90, a sentença
absolutória que afasta a responsabilidade do servidor quando “negue a
existência do fato ou sua autoria”, a rigor, não se enquadra no benefício
do perdão judicial (art. 4º, caput, §2º, Lei nº 12.850/13), causa da extinção da
punibilidade (art. 107, inc. IX, CP c/c art. 67, inc. II, CPP).

3.3 Independência e interdependência das instâncias


José Cretella Júnior, com a consagrada autoridade, observa que, na
prática, ocorre com maior frequência a absolvição no juízo criminal e a
punição na esfera administrativa, posto que “aquilo que é bastante para a
incriminação administrativa é, muitas vezes, insuficiente para a delineação
da figura penal, base de condenação”.
Igualmente esclarece que “tudo gira, pois, em torno do fato, existên-
cia ou inexistência. Ou da prova da existência do fato. Ou da capitulação do
fato como infração penal. Ou da suficiência ou insuficiência de provas para
a condenação. Ou ainda da existência de circunstância que exclua o crime ou
isente o réu de pena”.350 (grifei)
Ainda acerca da independência e da interdependência das instâncias,
Guilherme de Souza Nucci, contribuindo expressivamente para a exata
compreensão do tema, assegura que:

349
CAPEZ. Curso de direito penal, p. 572.
350
CRETTELA JÚNIOR. Prática do processo administrativo, pp. 116 e 121.
Sebastião José Lessa
162 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Fazem coisa julgada no cível:


a) declarar o juiz penal que está provada a inexistência do fato (art. 386, I,
CPP); b) considerar o juiz penal, expressamente, que o réu não foi o autor
da infração penal, ou, efetivamente, não concorreu para a sua prática (art.
386, IV, CPP). Reabrir-se o debate dessas questões na esfera cível, possi-
bilitando decisões contraditórias, é justamente o que quis a lei evitar (art.
935, CC, 2ª parte).351 (grifei)

Em torno do tema – independência e interdependência das instâncias –,


a doutrina.352

3.3.1 Legislação correspondente


Lei nº 8.112/90

Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo


independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso
de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. (grifei)

Código Penal (exclusão de antijuridicidade ou ilicitude)

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:


I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, respon-
derá pelo excesso doloso ou culposo. (grifei)

Código de Processo Penal

Art. 65. Faz coisa julgado no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o
ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumpri-
mento de dever legal ou no exercício regular do direito. (grifei)

351
NUCCI. Código de Processo Penal comentado, p. 192.
352
ALVES. Processo disciplinar em 50 Questões, p. 156. MATTOS. Lei nº 8.112/90: interpretada e
comentada, pp. 608-645. LESSA. Direito administrativo disciplinar interpretado pelos tribunais, pp.
29-36. DEZAN. Direito administrativo disciplinar: princípios fundamentais, pp. 242-244. REIS.
Processo disciplinar, pp. 198-201. MANUAL..., 2013, fls. 26 a 28.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
163

Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil
poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a ine-
xistência material do fato. (grifei)

Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:


...
II – a decisão que julgar extinta a punibilidade; (grifei)

Código Civil

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo


questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor,
quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. (grifei)

3.3.2 Jurisprudência

INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS


FU N C I O N A L I S M O . D E M I S S Ã O . A B S O LV I Ç Ã O C R I M I N A L .
INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS.
Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respon-
deu, não importa tal ocorrência na sua volta aos quadros do serviço público, se a
absolvição se deu por in­suficiência de provas, e o servidor foi regularmente
submetido a regular inquérito administrativo, no qual foi apurado ter
ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só
importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado provado, na ação penal, a
inexistência do fato ou que o acusado não fora o autor.353 (grifei)

RESP – ADMINISTRATIVO – PENAL – JURISDIÇÃO – SERVIDOR –


SANÇÃO – A JURISDIÇÃO PENAL PREVALECE RELATIVAMENTE
A ORDEM ADMINISTRATIVA. REPERCUTE DE MODO ABSOLUTO
QUANDO O PROCESSO PENAL ABSOLVE O RÉU, AO FUNDAMENTO
DE INEXISTÊNCIA DO FATO, OU DE AUTORIA. NOS DEMAIS CASOS,
INTERCOMUNICAM-SE. NESSE LIMITE, A SANÇÃO ADMINISTRATIVA
E INCENSURÁVEL. SUM. 18/STF.354 (grifei)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. ART. 105, INCISO II, LETRA “B”, DA CONSTITUIÇÃO.

353
STF, Pleno, MS 20.814, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 24.05.91; Independência das Instâncias
in MANUAL... 2013, p. 27.
354
STJ, REsp 55362 BA, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 17.03.97.
Sebastião José Lessa
164 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

ARQUIVAMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO.


ABSOLVIÇÃO PELOS MESMOS FATOS EM SENTENÇA CRIMINAL.
INFLUÊNCIA.
I – A RECORRENTE FOI ABSOLVIDA, NA COMARCA DE CAMPO
GRANDE, PELOS FATOS QUE LHE FORAM ASSACADOS, OS QUAIS
SÃO IDÊNTICOS AOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
II – NO ENTANTO, A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA FUNDOU-SE NO
INCISO III, DO ART. 386, DO C.P.P., OU MELHOR, NÃO CONSTITUIR
O FATO INFRAÇÃO PENAL E, POR TAL MOTIVO, O TRIBUNAL
A QUO DENEGOU A SEGURANÇA, HAJA VISTA QUE, SOMENTE
QUANDO HOUVER SIDO, CATEGORICAMENTE, RECONHECIDA
A INEXISTÊNCIA MATERIAL DO FATO – INCISO I, DO ART. 386, DO
C.P.P., INCIDIRIA O ART. 66, DO C.P.P., O QUAL INFLUENCIA NA
INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA.
III – ‘IN CASU’, A SENTENÇA ABSOLVITORIA, PELO SEU TEOR,
CONSIDEROU PROVADA A INEXISTÊNCIA DO FATO E, DESSA FORMA,
E APLICÁVEL O ART. 66 DO C.P.P.
IV- EM ASSIM SENDO, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO,
CONCEDENDO A SEGURANÇA A FIM DE QUE SEJA EXTINTO O
PROCESSO ADMINISTRATIVO.355

Excludente de antijuridicidade – Repercussão no âmbito


administrativo

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535,


CPC. INEXISTÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO
CRIMINAL. LEGITIMA DEFESA. EFEITOS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO.
I – Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o e. Tribunal de origem, sem
que haja recusa à apreciação da matéria, embora rejeitando os embargos
de declaração, considera não existir defeito a ser sanado.
II – Os efeitos da absolvição criminal por legítima defesa devem se estender ao
âmbito administrativo e civil. Desse modo, tendo sido o autor posteriormente
absolvido na esfera criminal em razão do reconhecimento de uma excludente de
antijuricidade (legítima defesa real própria), impõe-se, in casu, a anulação do ato
que o demitiu do serviço público pelos mesmos fatos.
Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido.356 (grifei)

Extinção de punibilidade – Efeito contingenciado


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL
EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. COMPROVAÇÃO.

355
STJ, RMS 2611 SP, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ 23.08.93.
356
STJ, REsp 396756 RS, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 28.10.03.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
165

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUMAÇÃO. EXTINÇÃO


DA PUNIBILIDADE.
4. Extinta a condenação pela prescrição, extingue-se também a condenação
pecuniária fixada como reparação dos danos causados à vítima, nos termos
do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, pois dela decorrente, ficando
ressalvada a utilização de ação cível, caso a vítima entenda que haja prejuízos a
serem reparados.
5. Embargos de declaração acolhidos, com a atribuição de efeitos infrin-
gentes, para reconhecer a tempestividade do recurso especial. De ofício,
nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, declara-se extinta a
punibilidade dos embargantes, pela prescrição da pretensão punitiva,
nos termos do art. 107, IV, c/c o art. 109, V e parágrafo único, e 114, II, do
Código Penal, ficando sem efeito também a indenização fixada com base
no art. 387, IV, do Estatuto Processual Penal, ressalvada à vítima a utilização
de ação cível.357 (grifei)

Destarte, a concessão do perdão judicial e a consequente extinção da


punibilidade (art. 4º, caput, §2º, Lei nº 12.850/13 c/c art. 107, inc. IX, CP c/c
art. 67, inc. II, CPP), diante da independência das instâncias, não repercute
necessariamente além da instância penal.

3.4 Colaboração efetiva e voluntária para a investigação


e o processo criminal – Lei nº 9.807/99 – Repercussão
no âmbito disciplinar – Debate – STJ, MS 9.660- DF, DJ
23.05.05
Defronte de tese ainda embrionária a respeito inclusive da projeção,
por analogia, no sítio disciplinar, da redução de pena no caso de colaboração
voluntária ou premiada (art. 14, Lei nº 9.807/99), colhe-se do voto condutor
do aresto referenciado:

III – Violação do princípio da isonomia:


A aplicação de penalidade diversa a servidor investigado não implica
tratamento discriminatório injustificado.
Verifica-se que órgão processante, após a conclusão dos trabalhos investi-
gatórios e do relatório final, desclassificou a conduta imputada ao servidor acima
mencionada na peça de indiciamento, ao considerar a confissão espontânea e a
contribuição pessoal para a elucidação da investigação, aplicou-lhe a reprimenda
proporcional à conduta praticada, in verbis :
Sua conduta merece reprovação, mas, consubstanciado na sua colaboração, que
ofertou a comissão uma decisão mansa e pacífica, precipuamente, no tocante

357
STJ, EDcl no AgRg no REsp 12.60305 ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19.03.13.
Sebastião José Lessa
166 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

à conduta da indiciada [...], detalhando com minúcias a prática perniciosa do


uso do cargo público para obtenção de vantagem ilícita.
Destarte, por questão de justiça, reconhecemos que ocorreu uma colaboração
espontânea do indiciado [...], que foi relevante para o fortalecimento do con-
junto probatório.
Desta maneira, o servidor [...], merece uma reprovação proporcional a
sua efetiva participação, atenuada pela confissão espontânea, importante na
construção da prova. Por este motivo, decidimos que as violações contidas
no indiciamento, com fulcro na Lei nº 9.807/99, com aplicação por analogia,
permite a desclassificação para o inciso III, do artigo 116, da Lei nº 8.112/90.
(fls. 80/81)
Assim, a diferenciação das penalidades infligidas à Impetrante (demissão)
e ao servidor (advertência) deve-se, sobretudo, à distinção de natureza e à
gravidade das infrações perpetradas pelos servidores e, também, ao reco-
nhecimento de circunstâncias pessoais favoráveis apresentadas tão somente
pelo servidor apenado com advertência.
Inexiste, desta forma, violação ao princípio da isonomia.358 (grifei)

Apesar da autoridade do julgado (STJ, MS 9660 DF, DJ 23.05.05), é


razoável sustentar, em nome da moralidade e probidade administrativas (art.
37, caput, §4º, CF; arts. 116, II, IX, 117, IX, XII, 132, IV, Lei nº 8.112/90; art.
2º, caput, inc. IV, Lei nº 9.784/99), que a colaboração voluntária ou premiada
(art. 14, Lei nº 9.807/99) não deve repercutir necessariamente além da
instância penal.
Conveniente, no ponto, a doutrina ao redor do inciso IX, do art. 117,
da Lei nº 8.112/90, assim redigido: “valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”.

Se, por um lado, para o pleno desempenho das atribuições do seu cargo, o
agente público é investido de competências, poderes e prerrogativas, por
outro lado, em razão da função de interesse público que executa, sobre ele
imperam comprometimentos especialíssimos de conduta, não só de ordem legal,
mas também moral (atente-se que esta função sempre é voltada ao interesse
público, tais como controle, arrecadação, gestão, planejamento, polícia,
judicatura, assistência social, dentre tantas).359 (grifei)

Em tais condições, não há como conceber a permanência nos quadros


do Serviço Público de servidor que tenha confessado a prática de conduta
infamante.

358
STJ, MS 9660 DF, Terceira Seção, un., Relª Min. Laurita Vaz, DJ 23.05.05.
359
TEIXEIRA. Manual de Processo Administrativo Disciplinar, p. 293.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
167

A propósito, a Formulação nº 141 – DASP, recepcionada pelo Decreto-


lei nº 200/67, arts. 115 e 116, já assentava: “O atual Estatuto dos Funcionários
não admite que se substitua a pena de demissão pela pena de suspensão”.
Por fim, em recente decisão, o c. Superior Tribunal de Justiça decidiu:

Este Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que a


Administração Pública, deparando-se com situações nas quais a conduta do
investigado se amolda às hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não
dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa, por tratar-se de ato
vinculado [...].360 (grifei)

4 Conclusão
Diante do exposto, com base na lei e na jurisprudência, e conside-
rando que:
a) Nos termos do art. 126, da Lei nº 8.112/90, “a responsabilidade
administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal
que negue a existência do fato ou sua autoria” (grifei);
b) Também, em regra, será afastada a responsabilidade administrati-
va quando a decisão penal reconhecer a exclusão da antijuridicidade
ou da ilicitude (art. 23, incisos e parágrafo único, CP);
c) Segundo o art. 65, do Código de Processo Penal, “faz coisa julgado
no cível a sentença penal que reconhecer ter sido ato praticado em estado
de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever
legal ou no exercício regular do direito” (grifei);
d) Dispõe o art. 66, do Código de Processo Penal, que: “Não obstante
a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser pro-
posta quando não tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência
material do fato” (grifei);
e) O Código Civil, no art. 935, prescreve que: “Art. 935. A responsa-
bilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar
mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal” (grifei);
f) A colaboração premiada, meio de obtenção de prova (arts. 3º, I e
4º, Lei nº 12.850/13), poderá beneficiar o colaborador, inclusive
com o perdão judicial (art. 4º, caput, Lei nº 12.850/13), reconhecido
como causa de extinção da punibilidade (art. 107, inc. IX, CP);

360
STJ, AgRg no REsp 1160218 SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 16.06.14.
Sebastião José Lessa
168 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Na expressão do art. 67, do Código de Processo Penal, “não impe-


dirão igualmente a propositura da ação civil”:

[...]
II – a decisão que julgar extinta a punibilidade (grifei)

a) a sentença que concede o perdão judicial é meramente declaratória da extinção


da punibilidade, não surtindo nenhum efeito penal ou extrapenal. Essa é a posição
do Superior Tribunal de Justiça: Súmula 18. Como não se trata de questão
de ordem constitucional, essa posição tende a se firmar como pacífica.361 (grifei)

b) Apesar da autoridade do julgado (STJ, MS 9660 DF, DJ 23.05.05),


cremos, em nome do princípio da moralidade administrativa (art. 37,
caput, §4º, CF; arts 116, II, IX, 117, IX, XII, 132, IV, Lei nº 8.112/90;
art. 2º, caput, inc. IV, Lei nº 9.784/99; art. 4º, caput, §§1º e 2º, Lei nº
12.850/13), que os benefícios auferidos em razão da colaboração vo-
luntária ou premiada (art. 14, Lei nº 9.807/99; art. 4º, caput, §§1º e 2º,
Lei nº 12.850/13) não devem repercutir necessariamente além da
instância penal.

Releva aduzir que a probidade administrativa foi erigida como conduta


fundamental e indissociável do agente público nessa qualidade (§4º, art.
37, CF).
Por fim, a Formulação nº 141 – DASP, recepcionada pelo Decreto-lei nº
200/67, arts. 115 e 116, já assentava: “O atual Estatuto dos Funcionários não
admite que se substitua a pena de demissão pela pena de suspensão”. (grifei)
No mesmo rumo, a decisão do c. Superior Tribunal de Justiça, onde
se destaca: “ausência de discricionariedade para aplicação de pena menos
gravosa”, quando devidamente caracterizadas as hipóteses de demissão ou de
cassação de aposentadoria.362
Então, é possível concluir, com arrimo na doutrina e jurisprudên-
cia, que a decisão penal que em razão da colaboração premiada, concede o
perdão judicial, traz por consequência, na esfera da ação penal, a extinção da
punibilidade (art. 4º, caput e §2º, da Lei nº 12.850/13 c/c art. 107, inc. IX, do
CP), não surtindo, todavia, diante da independência das instâncias, nenhum
efeito penal ou extrapenal, inclusive na ação disciplinar (Lei nº 8.112/90) e de
improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92).
Ademais, a repercussão extrapenal do perdão judicial concedido ao
funcionário transgressor da lei iria igualmente de encontro aos princípios

361
CAPEZ. Curso de direito penal, p. 572.
362
STJ, AgRg no REsp 1160218 SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 16.06.14.
4º MÓDULO
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
169

da moralidade e probidade administrativas cravados no art. 37, caput, §4º, da


Carta Política e avivados no art. 2º, caput, inc. IV, da Lei nº 9.784/99.
Em arremate, a Lei nº 12.846, de 01.08.13, “dispõe sobre a respon-
sabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências”. (grifei)
E traz em seu art. 16 o acordo de leniência, verbis:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá


celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela
prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração
resulte:
I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II – a obtenção célere de informações e de documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.
5º MÓDULO

O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
DO AGENTE PÚBLICO
A comissão de reforma do código penal
Os crimes contra a Administração Pública
Improbidade administrativa
O desvio de recursos públicos
Indisponibilidade, sequestro e perdimento de bens
Direito de defesa

1 Análise introdutória
Buscando a natural e constante atualização das nossas leis penais,
foi instituída pelo Senado Federal a Comissão de Juristas para a Elaboração
de Anteprojeto de Código Penal, criada pelo Requerimento nº 756, de 2011,
do Senador Pedro Taques, aditado pelo de nº 1.034, de 2011, do Senador
José Sarney, com aprovação plenária em 10.08.11.
É muito importante para todos, a feliz iniciativa de rever, atualizar
e consolidar o Código Penal, dado que, como é cediço, a lei é estática, mas
o fato é dinâmico, tanto assim é verdade, que já se disse que a vida é uma
perene renovação.
Logo, torna-se necessário atuar o persistente aperfeiçoamento das
leis, incluindo por isso aquelas que regem a prevenção e a repressão penal.
Segundo o Relator da Comissão, o trabalho foi guiado visando

um Código Penal moderno, de aplicação, descriminalizador e desencarce-


rador, respeitador dos direitos fundamentais, mas atento a impostergáveis
necessidades de proteção social de bens jurídicos; este é o desenho almejado.
Um texto menos orientado para sutis minúcias filosóficas, e mais para as
questões práticas trazidas pela vibrante e plúrima sociedade em que se
converteu nosso grande país é onde queremos chegar.363

363
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Revista Jurídica Consulex, n. 363, 01.03.12, p. 29.
Sebastião José Lessa
172 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

A Comissão de Juristas criada pelo Senado Federal estava assim


constituída: Ministro Gilson Dipp do STJ (Presidente); Procurador Regional
da República da 3ª Região SP – Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
(Relator); Demais membros: Ministra Maria Thereza de Assim Moura (STJ);
Antônio Nabor Areias Bulhões (Advogado); Emanuel Messias Oliveira
Cacho (Advogado); Gamil Foppel El Hireche (Advogado) José Muiños
Piñeiro Filho (Desembargador RJ); Juliana Garcia Belloque (Defensora
Pública); Luiza Nagib Eluf (Procuradora de Justiça do Ministério Público
do Estado de São Paulo); Instituto de Pesquisa e Cultura – Conselheiro
da Anhanguera Educacional – Luiz Flávio Gomes (professor); Marcelo
André de Azevedo – Promotor de Justiça – GO – Ministério Público,
Procuradoria de Recursos Constitucionais; Marco Antônio Marques da
Silva – Desembargador do TJ de São Paulo; Marcelo Leal Lima Oliveira
(Advogado); Marcelo Leonardo (Advogado); René Ariel Dotti (Advogado
e Professor); Técio Lins e Silva (Advogado); Tiago Ivo Odon (Consultor
do Senado).
A Audiência Pública, do dia 23 de março do corrente ano, contou
com expressivos segmentos do Estado e da sociedade. Estiveram presentes
os representantes, inclusive das entidades de classe, do Ministério Público,
Magistratura, Polícias Federal, Estadual e do Distrito Federal, Procuradorias
dos Estados, Defensoria Pública, Controladoria-Geral da União, Secretaria
da Receita Federal, Comissão de Valores Mobiliários, Advocacia-Geral da
União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Banco
Central do Brasil, Ordem dos Advogados do Brasil, Transparência Brasil,
IBCrim, entre outros.
Nessa audiência foram estabelecidos os destaques que nortearam
os trabalhos da Comissão de Reforma, ficando constatada a justificada
preocupação com a modernidade, ainda que as nossas leis substantivas
e adjetivas passem por aperfeiçoamentos constantes.
Concluído o trabalho da Comissão, o anteprojeto foi entregue, em
27.06.2012, ao presidente do Senado – José Sarney, que alertou: “É uma
matéria complexa, com temas controvertidos. Vamos fazer audiências
públicas e ouvir a sociedade uma vez mais”.
Já o presidente da Comissão, na oportunidade, salientou que “a
Comissão ofereceu ao Congresso Nacional um anteprojeto moderno,
compatível com as necessidades dos dias atuais e ainda voltado para o
futuro”.364
Deveras, nas audiências, ficou patente a preocupação geral, a par
da matéria penal, também com o número excessivo de recursos processuais,

364
Jornal do Senado, 27.06.12.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
173

o que, na prática, fragiliza a efetiva concretização dos julgados, atingidos


constantemente pelo instituto da prescrição e gerando o danoso clima de
impunidade.
Em arremate, nunca é demais lembrar a lição dos juristas, quando
afirmam que o crime gera efeitos deletérios, mas a impunidade produz
consequências danosas ainda maiores.

1.1 As raízes da corrupção


É bastante desolador, deveras, o que a história registra em torno
da corrupção, já no período colonial, com as exceções enumeradas pelo
autor – Caio Prado Jr.
Na parte que cuidou da Administração, escreveu Caio Prado Jr.,
com arrimo na robusta pesquisa devidamente documentada:

Se no terreno da eficiência é este o retrato da administração colonial, não é


ele mais avantajado no da moralidade. De alto a baixo da escala adminis-
trativa, com raras exceções, é a mais grosseira imoralidade e corrupção que
domina desbragadamente. Poder-se-ia repetir aqui, sem nenhuma injustiça,
o conceito do Soldado prático: ‘Na Índia não há coisa sã: tudo está podre e
afistulado, e muito perto de herpes’.
E mais:
Aliás, o próprio sistema vigente de negociar os cargos públicos abria, natu-
ralmente, portas largas à corrupção. Eles eram obtidos e vendidos como a
mais vulgar mercadoria. Mas isto ainda é o de menos, porque estava nos
métodos aceitos e reconhecidos. O que fazia Vieira, já século e meio antes,
conjugar no Brasil o verbo ‘rapio’ (no sermão do Bom Ladrão) em todos os
modos, tempos e pessoas, era esta geral e universal prática, que já passara
para a essência da administração colonial, do peculato, do suborno e de
todas as demais formas de corrupção administrativa.365 (grifei)

Por aí se vê, lamentavelmente, que essa prática ilícita provém de


tempos e costumes imemoriais.
Mas, nada disso poderá arrefecer o diuturno combate no cam-
po da corrupção, como se constata exemplificativamente do texto da
Lei Complementar nº 135/2010 (casos de inelegibilidade), e das Leis
nº 12.846/13 e 12.850/13, que reprimem os crimes praticados por organiza-
ções criminosas, praticadas por pessoas físicas e também por meio de pessoas
jurídicas, com destaques para a colaboração premiada e o acordo de leniência.

365
PRADO JR. Formação do Brasil contemporâneo, pp 356-357.
Sebastião José Lessa
174 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

2 Proposta do enriquecimento ilícito como tipo penal


Com efeito, pertinente consignar, de início, os acordos e tratados
internacionais firmados pelo Brasil, onde está escrito:

Convenção Interamericana contra a Corrupção – Promulgada pelo Decreto


nº 4.410, de 07/10/02 – Art. IX. Enriquecimento ilícito. Sem prejuízo de sua
Constituição e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico,
os Estados Partes que ainda não o tenham feito, adotarão as medidas ne-
cessárias para tipificar como delito em sua legislação o aumento do patrimônio
de um funcionário público que exceda de modo significativo sua renda legítima
durante o exercício de suas funções e que não possa justificar razoavelmente. (grifei)

E ainda:

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – Promulgada pelo Decreto


nº 5.687, de 31/01/06 – Art. 20. Enriquecimento ilícito. Com sujeição à sua
Constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico,
cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas le-
gislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como
delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja,
o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativo aos
seus ingressos legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele.

Atinente dizer que o c. Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta


de Inconstitucionalidade nº 1.480, assinalou que tratados, acordos ou
convenções internacionais, após promulgados por decreto presidencial,
“situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade,
de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.366
(grifei)
Com tal intuito, foi sugerido, inclusive pela ADPF – Associação
Nacional dos Delegados de Polícia Federal, pela ADEPOL Brasil –
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, e pelo SINDEPOL DF
– Sindicato dos Delegados de Polícia Federal/DF, a inclusão no Código
Penal, na parte que trata dos Crimes contra a Administração Pública, de um
tipo tomando como orientação a norma que censura a improbidade ad-
ministrativa (art. 9º, caput, e inc. VII, Lei nº 8.429/92), na modalidade do
enriquecimento ilícito, inclusive presumido, verbis:

VII – Adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego


ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público. (grifei)

366
CERA. Treinamento em processo administrativo disciplinar, Julho de 2011, p. 510.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
175

Com esse salutar propósito, e repelindo o enriquecimento ilícito,


a Comissão de Reforma do Código Penal, no anteprojeto apresentado,
redigiu assim o tipo do art. 277:

Enriquecimento ilícito
Art. 277. – Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir
de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor
seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público em razão de
seu cargo ou por outro meio lícito. (grifei)
Pena – prisão, de um a cinco anos, além da perda dos bens, se o fato não
constituir elemento de outro crime mais grave.
Parágrafo único. As penas serão aumentadas de metade a dois terços se a
propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a
terceiras pessoas. (grifei)

E a Comissão de Reforma do Código Penal justificou a iniciativa da


inclusão do tipo mencionado:

Enriquecimento ilícito. Objeto de tratados internacionais firmados pelo


Brasil, a criminalização do enriquecimento ilícito mostra-se como instrumento
adequado para a proteção da lisura da administração pública e o patrimônio
social. Não cabe ignorar que o amealhamento de patrimônio incompatível com as
rendas lícitas obtidas por servidor público é indício de que houve a prática
de antecedente crime contra a administração pública. Notadamente, a cor-
rupção e o peculato mostram-se caminhos prováveis para este enriquecimento
sem causa. A riqueza sem causa aparente mostra-se, portanto, indício que
permitirá a instauração de procedimentos formais de investigação, destinados a
verificar se não houve aquisição patrimonial lícita. Não há inversão do ônus da
prova, incumbindo à acusação a demonstração processual da incompatibilidade dos
bens com os vencimentos, haveres, recebimentos ou negociações lícitas do servidor
público. Não se pode olvidar que o servidor público transita num ambiente
no qual a transparência deve reinar, distinto do que ocorre no mundo dos
privados, que não percebem recursos da sociedade. Daí obrigações como a
entrega da declaração de bens a exame pelo controle interno institucional
e pelo Tribunal de Contas. O crime de enriquecimento ilícito, especificamente
diante da corrupção administrativa, na qual corruptor e corrupto guardam interesse
recíproco no sigilo dos fatos, sinaliza política criminal hábil, buscando consequên-
cias e não primórdios (a exemplo da receptação e da lavagem de dinheiro). É
criminalização secundária, perfeitamente admitida em nosso direito. Vocaciona-se
para dificultar a imensa e nefasta tradição de corrupção administrativa que, de
acordo com índices de percepção social, nunca se deteve.367 (grifei)

367
Relatório Final e Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Penal, 26.06.12, p. 372.
Sebastião José Lessa
176 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

2.1 Singularidade na redação do tipo penal


Buscando demonstrar a singularidade da conduta típica do enri-
quecimento ilícito, de modo a não oferecer confronto com os outros tipos,
como a corrupção passiva e o peculato, dentre outros, o ensinamento da
Controladoria-Geral da União, no minucioso trabalho em parceria com a
ESAF – Escola de Administração Fazendária:

Ainda na mesma linha de valer-se da interpretação sistemática de todo o


ordenamento, associada ao contexto histórico (inclusive das convenções
internacionais mencionadas), para demonstrar cada vez mais robusto o
entendimento favorável à presunção legal relativa e à desnecessidade de
comprovar o vínculo entre o enriquecimento ilícito e o ato associado ao
cargo, traz-se à tona o fato de que a Presidência da República apresentou
ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.586/2005, propondo a inserção
do art. 317-A ao CP, definindo como crime de enriquecimento ilícito o fato
de o servidor “possuir, manter ou adquirir, para si ou para outrem, bens ou
valores de qualquer natureza incompatíveis com sua renda ou com a evolução de
seu patrimônio”. Novamente se questiona o que se teria buscado inovar no
ordenamento com tal tipificação criminal proposta, se fosse necessário com-
provar sua associação com atos do exercício do cargo, à vista de crimes contra a
administração pública já existentes, tais como peculato, corrupção passiva,
concussão, advocacia administrativa, dentre outros.368 (grifei)

E, de resto, é bom trazer à memória, a iniciativa de incluir o enri-


quecimento ilícito no Código Penal, por meio do mencionado Projeto de Lei
nº 5.586/2005.
O referido Projeto de Lei nº 5.586/2005 acrescenta o art. 317-A ao
Código Penal e tipifica o “enriquecimento ilícito quando o funcionário
público possuir bens ou valores incompatíveis com sua renda, ou quando
deles faça uso de tal modo que permita atribuir-lhe a propriedade”. (grifei)
O Projeto de Lei nº 5.586/2005, diga-se de passagem, foi apensado
ao Projeto de Lei nº 5.363/2005, que introduz o art. 312-A e altera o art.
327 do Código Penal, “incluindo o tipo penal do enriquecimento ilícito”.
Em 06.09.2011, a tramitação desses projetos de lei (5.586/2005 e
5.363/2005) registra que estão prontos para a pauta do Plenário.

2.2 Perfazimento do tipo penal independentemente de


vinculação com o ato de ofício
Neste ponto, por pertinente, pede-se vênia para destacar que o tipo
penal modelado no art. 277, do anteprojeto apresentado ao Senado Federal,

368
CERA. Treinamento em processo administrativo disciplinar, Julho de 2011, p. 511.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
177

que reprime o enriquecimento ilícito, deveras tem objetivo bem definido,


não colide e nem é repetitivo diante das figuras delituosas da corrupção e
do peculato, dentre outros crimes contra a Administração.
É que, sem olvidar, os direitos fundamentais assegurados no art. 5º,
incs. LIV, LV e LVI, da Constituição Federal, o tipo penal do enriquecimento
ilícito, como proposto, se perfaz com a “demonstração processual da in-
compatibilidade dos bens com os vencimentos, haveres, recebimentos ou
negociações lícitas do servidor público”.369
Já o tipo penal que configura a corrupção passiva, como é cediço, recla-
ma necessariamente o ato de ofício respectivo, como atesta a jurisprudência:
“Ato de ofício: para a configuração da corrupção passiva deve ser apontado
ato de ofício do funcionário, configurador da transação ou comércio com
o cargo então por ele exercido”.370
Fernando Capez, discorrendo sobre o objeto jurídico do crime de
corrupção passiva, anota que “procura-se com o dispositivo penal impedir
que os funcionários públicos passem, no desempenho de sua função, a rece-
ber vantagens indevidas para praticar ou deixar de praticar atos de ofício”.371
(grifei)
Então, repita-se, o tipo penal da corrupção passiva (art. 317, CP) exige,
para sua configuração, o ato de ofício do funcionário, o que não ocorre com
o pretendido tipo penal do enriquecimento ilícito.
Releva consignar, por fim, que a questão da configuração do “ato
de ofício” para o perfazimento do tipo penal previsto no art. 317, do CP,
foi amplamente debatida na AP 470 – STF, Pleno, da relatoria do Ministro
Joaquim Barbosa, DJe 22.04.13.

2.2.1 Tipicidade
Em arremate, é relevante gizar que no espaço dos direitos funda-
mentais de primeira geração ou dimensão, a garantia da tipicidade (art. 5º,
inc. XXXIX, CF; art. 1º, CP),foi já reconhecida nas lides disciplinares pelo
e. Superior Tribunal de Justiça:

4. Ressalte-se que a utilização de analogias ou de interpretações ampliati-


vas, em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado
uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio
da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas:

369
Cf.: Relatório Final e Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Penal, 27.06.2012, p. 372.
370
STF, Pleno, mv, APn 307-3-DF, julg. 13.12.94. DELMANTO et al. Código penal comentado, p. 635.
371
CAPEZ. Curso de direito penal: parte especial, p. 433.
Sebastião José Lessa
178 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege
certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito.372 (grifei)

3 Improbidade administrativa – Meios de contenção


Fixado no §4º, art. 37, da Carta Política, está dito que: “Os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. (grifei)
Trata-se de expressivo mecanismo legal de prevenção e repressão ao
nefasto desvio de recursos públicos, especialmente pelo despertado cuidado
na lida pela efetiva recuperação dos bens e valores objeto do alcance crimino-
so, e que foi concretamente reforçado com o advento das Leis nº 8.429/92
(improbidade administrativa), nº 8.730/93 (declaração de bens e rendas),
e Lei Complementar nº 135/2010 (casos de inelegibilidade).

3.1 Lavagem de dinheiro


Nesse auspicioso panorama, abre-se espaço para anunciar a re-
cente Lei nº 12.683/12, que “altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998,
para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de
dinheiro”. (grifei)
Segundo a Lei nº 12.683/12, entre outras novidades, será possível
enquadrar todas as hipóteses que apontar:

Recursos de origem oculta ou ilícita (art. 1º, caput); atenuar, deixar de aplicar
ou substituir a pena do autor, coautor ou partícipe diante da colaboração
espontânea (§5º, art. 1º); maior alcance das medidas assecuratórias de bens,
direitos ou valores (art. 4º e §§); aplicar multa pecuniária até R$20.000.000,00
(vinte milhões de reais) (art. 12, II, item “c”); acesso por parte das autoridades
policiais e do Ministério Público, exclusivamente aos dados cadastrais do
investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, inde-
pendentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral,
pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores
de internet e pelas administradoras de cartão de crédito (art. 17 – B); afas-
tamento de servidor público (art. 17 – D). (grifei)

A bem dizer, a referida lei, ferramenta de trabalho extremamente


influente, tanto na investigação criminal, quanto na instrução processual
penal, intenta tornar mais eficiente a prevenção e a repressão aos crimes de

372
STJ, RMS 16.264 GO, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJ 02.05.06.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
179

“lavagem de dinheiro”, ou seja, “ocultar ou dissimular a natureza, a origem,


a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens, di-
reitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”
(art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, alterado pela Lei nº 12.683/12).
Percebe-se, com a nova Lei nº 12.683/12, nítida preocupação, nota-
damente com a moralidade e com o patrimônio público.
A propósito do expressivo montante de recursos públicos desviados
pela corrupção, durante o julgamento plenário no c. Supremo Tribunal
Federal do RE 593727, da relatoria do Min. Cézar Peluso, interrompido
com o pedido de vista do Min. Marco Aurélio, em 26.08.14, o Exmo. Sr.
Procurador-Geral da República sustentou:

[...] pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) segundo a qual os desvios de
recursos públicos no Brasil podem chegar a R$85 bilhões de reais por ano. De
acordo com essa pesquisa, entre 2002 e 2008, houve desvios de cerca de R$40
bilhões em contratos do governo e o custo médio anual da corrupção no país
estaria em torno de 1,38% a 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja,
entre R$50 bilhões e R$84,5 bilhões. (grifei)

Releva anotar aqui, que os bens, direitos ou valores provenientes da


infração penal, em regra, trafegam pelo meio da “lavagem”, ou seja, a prá-
tica sofisticada da “conversão em ativos lícitos”, métodos combatidos pelos
instrumentos de contenção dispostos, notadamente, nas Leis nº 9.613/98
e 12.683/12, bem como irrigam a nefasta evasão de divisas (Lei nº 7.492/86
– art. 22 e parágrafo único), in verbis:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover
evasão de divisas do País:
Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove,
sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver
depósitos não declarados à repartição federal competente. (grifei)

Por aí se constata, verdadeiramente, a significativa contribuição


que certamente trará para o ordenamento jurídico, a inclusão do enrique-
cimento ilícito, no elenco dos Crimes contra a Administração Pública, e tudo
com observância dos direitos fundamentais (art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, CF).
De bom proveito apontar as Leis nº 12.846/13 e 12.850/13:
A Lei nº 12.846/13 está assim ementada: “Dispõe sobre a responsabili-
zação administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra
a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências”.
Sebastião José Lessa
180 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Por sua vez, a Lei nº 12.850/13, “define organização criminosa e dis-


põe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações
penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de
maio de 1995; e dá outras providências”.
É bom ressaltar os mecanismos eficazes no combate à corrupção,
notadamente o acordo de leniência e a colaboração premiada, previstos nas
Leis nº 12.846/13 e 12.850/13, respectivamente.

3.2 Recurso manifestamente protelatório: meio de rejeição


Interessante a decisão do c. Supremo Tribunal Federal:

O RE interposto ao STF é originado de uma série de agravos e embargos no


recurso especial em curso no STJ desde 2007. “Nítida, portanto, a intenção
do recorrente de procrastinar o trânsito em julgado da sua condenação e, assim,
obstar a execução da pena que lhe foi imposta, conduta essa repelida pela
jurisprudência deste Supremo ao definir que a utilização de sucessivos recursos
manifestamente protelatórios autoriza o imediato cumprimento da decisão proferida
por esta Suprema Corte, independente de sua publicação.373 (grifei)

3.3 Cadastro Nacional de Condenados por ato de


improbidade administrativa e por ato que implique
inelegibilidade
De igual valia para o tema a matéria de Gina Copola:

I – O Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Admi­


nistrativa e por Ato que implique Inelegibilidade – CNCIAI foi instituído
pela Resolução nº 44, de 20 de novembro de 2007, alterada pela Resolução
nº 50, de 25 de março de 2008, e também pela Resolução nº 172, de 8 de
março de 2013, todas do Conselho Nacional de Justiça.
Segundo o art. 1º da Resolução nº 44/2007, o CNCIAI reúne as informações
do Poder Judiciário sobre pessoas físicas e jurídicas definitivamente conde-
nadas por ato de improbidade no Brasil, nos termos da Lei Federal nº 8.429,
de 2 de junho de 1992, e por atos que ocasionem a inelegibilidade do réu,
nos termos da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
O CNCIAI consta do site do Conselho Nacional de Justiça e pode ser con-
sultado por qualquer cidadão.374 (grifei)

373
STF, RE 839163, Rel. Min. Dias Toffoli, in Notícias – STF, 26.09.14.
374
Repertório de Jurisprudência IOB – 2ª quinzena de agosto de 2014 – nº 16/2014 – vol. I, p. 542.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
181

4 Enriquecimento Ilícito (art. 9º, caput, Lei nº 8.429/92)


Dispõe a Lei nº 8.429/92:

Art. 9º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriqueci-


mento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão
do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente [...]. (grifei)

Trata-se de conduta censurável assim tratada pela doutrina: “O


agente público é o canal de expressão da vontade administrativa e,
portanto, integrante da esfera especial do Estado que organiza e presta
serviços públicos. Como todas as funções públicas, as do agente público
são instrumentais, estão a serviço de todos, inclusive dos seus próprios
interesses como parcela da coletividade, como cidadão”.
E segue:

A exploração da fração de poder que lhe é outorgada, na estrutura adminis-


trativa direta ou indireta, para captar vantagem a que, regularmente, não teria
direito, é a modalidade de improbidade administrativa mais grave, porque é,
dentre todas, a que fere de forma mais contundente o interesse republicano.
Neutraliza o cerne ético do serviço público, abrindo as portas de Troia para
a captura dos bens públicos, por interesses privados.375 (grifei)

A jurisprudência registra:
Para a caracterização da improbidade do art. 9º da Lei nº 8.429/92 exige-se:
a) enriquecimento ilícito pela percepção de vantagem patrimonial indevida;
b) conduta dolosa do agente; e c) vinculação da percepção dessa vantagem ao
exercício do cargo, emprego, função ou atividade na Administração de modo
geral. Concorrência dos requisitos legais. Pretensão à reparação do dano
julgada procedente. Sentença mantida. Recurso desprovido.376 (grifei)

5 Enriquecimento Ilícito Presumido (inc. VII, art. 9º, Lei


nº 8.429/92)
A conduta punível do enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em
linguagem jurídica – em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro
por presunção – está modelada no inciso VII, art. 9º, acarretando as sanções
previstas no art. 12, inc. I e parágrafo único, da Lei nº 8.429/92:

375
FAZZIO JÚNIOR. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência, p. 141.
376
TJSP – AP 0073328-56.2006.8.26.0000 – Rel. Des. Décio Notarangeli – julg. 28.09.11.
Sebastião José Lessa
182 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,


emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja des-
proporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. (grifei)
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbi-
dade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. (Redação dada pela
Lei nº 12.120, de 2009).
I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da fun-
ção pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento
de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição
de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
...
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em
conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial
obtido pelo agente.

Em linha de princípio, trata-se de norma de conteúdo singular, eis


que induz reconhecer a presunção relativa (juris tantum), mas, como é curial,
admite prova em contrário.377

Jurisprudência
O c. Tribunal Regional Federal, enfrentando o tema evolução patri-
monial a descoberto do agente público, assim decidiu:

P R O C E S S O C I V I L . A ÇÃ O D E I M P R O B I D A D E . A ÇÃ O
C A U­ T E L A R . A R R E S T O S D O S B E N S I MÓV E I S . E V O ­
L UÇÃ O P A T R I ­M O N I A L . G R A N D E V A R I A ÇÃ O .
1. A evolução patrimonial do agente público há de estar de acordo com o seu ganho,
com suas rendas. Havendo grande divergência, em princípio, presente está o
fumus boni iuris demonstrando que houve enriquecimento ilícito.
2. Insurgindo-se o servidor, ainda que evidenciado o fumus boni iu-
ris, em favor da administração pública da grande variação patrimo-
nial dos agentes, sem lastro legal, cabe, a ele demonstrar o perigo
que corre com o arresto dos seus bens imóveis – o periculum in mora.
3. Discriminação, na inicial da ação cautelar (autos 2006.34.00.036812-7) dos
bens possivelmente adquiridos sem amparo legal.378 (grifei)
[...]

377
Cf.: LESSA. Improbidade administrativa: enriquecimento ilícito, pp. 67-86.
378
TRF 1ª R., AG 2007.01.00.008445 7 DF, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJ 15.06.07.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
183

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92. SERVIDORES PÚBLICOS.
RECEITA FEDERAL DO BRASIL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
DOLO. COMPROVAÇÃO. ATO ÍMPROBO. EXISTÊNCIA. SENTENÇA
REFORMADA.
1. O conjunto probatório juntado aos autos certifica a ocorrência dos fatos,
que não foram negados em momento algum pelos Réus, ora Recorridos.
2. O servidor em gozo de licença sem remuneração para tratar de interes-
ses particulares está sujeito às disposições do art. 9º e do art. 11, da Lei
11.429/92, bem assim o servidor aposentado, sócio do primeiro, se sujeita
às mesmas restrições no caso concreto, haja vista o que preconiza o art. 3º,
da Lei nº 8.429/92.
3. É inegável que por meio da assessoria tributária os servidores/apelados
fizeram fortuna, conforme se constata pela acentuada evolução patrimonial
de ambos, fato este devidamente comprovado nos autos e confirmado pelos
próprios Recorridos.
4. In casu, não há como ilidir a aplicação da moldura normativa em relação
à parte ré, que se valeu do conhecimento e das informações obtidas no de-
sempenho de seu cargo, bem assim do prestígio de que dispunha à época
na Receita Federal do Brasil e assinou contrato de prestação de serviços
com a empresa privada contra os interesses de seu órgão de lotação, Receita
Federal do Brasil.
5. Caracterizado o enriquecimento ilícito, pois não há justificativa ética ou
legal para o proveito econômico auferido. Os ganhos do agente público não
decorreram do exercício de sua atividade laborativa (“efeito imediato do
vínculo funcional”), tampouco advieram das posições jurídicas favoráveis
correlatas à sua atividade (“efeito mediato do vínculo funcional”).
6. O dolo está demonstrado, porquanto não é crível, pela formação e expe-
riência profissional do réu, que desconhecesse a existência do conflito de
interesses. A participação na empresa de consultoria e o recebimento dos
honorários da consultoria à empresa BRASIL TELECOM S/A demonstram
suficientemente a intenção de atuar em favor dessa empresa em processo
na Receita Federal.
7. A conduta descrita e provada é absolutamente incompatível com a lega-
lidade e a moralidade administrativa e atrai a incidência do art. 9º, inc. VIII,
da Lei 8.429/92, tendo em vista a presença dos requisitos objetivo e subjetivo.
8. As sanções devem ser razoáveis e proporcionais ao ato de improbidade, as
quais não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa. O
julgador deve levar em consideração a gravidade do fato, considerando a
natureza do cargo, as responsabilidades do agente, o elemento subjetivo, a
forma de atuação e os reflexos do comportamento ímprobo na sociedade.
9. O proveito patrimonial obtido ilegitimamente pelos Recorridos (Réus) deve
ser considerado em seu valor histórico, tendo em vista que o resultado da as-
sessoria tributária, qualquer que seja, não pode ser considerado como dano
ao erário, na medida em que decorre da aplicação da legislação tributária.
10. Os réus cuidam-se de agentes experientes e altamente preparados, com
profundos conhecimentos adquiridos no exercício do cargo; há inúmeros
Sebastião José Lessa
184 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

contratos da mesma espécie por longo período, a demonstrar plena cons-


ciência dos ilícitos e a intensa má-fé no tratamento das questões públicas.
11. Afigura-se proporcional e adequado a cominação da: I – perda do valor
histórico, sendo metade do valor para cada Recorrido; II – suspensão dos
direitos políticos pelo prazo legal mínimo de oito anos; e III – perda do cargo
de auditor fiscal em relação à [...]. Não é cabível esta sanção em relação à
[...], dada sua condição de auditor fiscal aposentado sem exercício de cargo
em comissão na época da conduta questionada nesta ação.
12. Despicienda a aplicação da multa civil, porquanto essa sanção se
aplica na hipótese do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, quando o ato é praticado
dissimuladamente.
13. A proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e
incentivos fiscais ou creditícios, prevista, também, no art. 12, inc. I, da Lei
nº 8.429/92, guarda pertinência com a conduta ora questionada, haja vista
que a empresa mantinha vínculos contratuais privados, motivo por que,
também, não se aplica no caso concreto.
14. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a parte ré, condenada
em sede de ação por improbidade administrativa, responde pelos honorários
de advogado, aplicando-se subsidiariamente o artigo 20, §4º, do CPC.
15. Apelação do MPF a que se dá provimento para, reformando in totum a
sentença, condenar os Recorridos pela prática de atos de improbidade admi-
nistrativa tipificada no art. 9º, VIII, da Lei nº 8.429/92, bem como para lhes
cominar as seguintes sanções, nos termos do art. 12, I, da Lei nº 8.429/92:
I – a perda do valor histórico de R$881.255,00 (oitocentos e oitenta e um mil
duzentos e cinquenta e cinco reais), sendo metade desse valor para cada
Recorrido, atualizados (juros de mora e correção monetária) conforme o
Manual de Cálculos da Justiça Federal, a partir da citação; II – a suspensão
dos direitos políticos pelo prazo legal mínimo de oito anos; e III – a perda
do cargo de auditor fiscal, tão somente em relação ao recorrido [...], bem
como ao pagamento da verba honorária.379

[…]

Com efeito, nesta figura, o ato de improbidade não está condicionado à


prova e à individualização de um comportamento descrito no tipo genérico
do “ caput”. Tal comportamento se presume pelo fato objetivo de ser apurada
a aquisição de “bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional
à evolução do patrimônio ou renda do agente público”. O tipo do inciso VII
exige uma aferição objetiva de diferença de bens e valores durante determinado
período de tempo.380 (grifei)

379
TRF 1ª R., AC 2007.34.00.032426-7, Rel. Des. Federal Ney Bello, DJF1 22.08.14.
380
TJSP, Apelação nº 0018566-33.2013.8.26.0053, Rel. Des. Laerte Sampaio, Terceira Câmara
de Direito Público, julg. 12.04.11.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
185

Por fim, em torno da indisponibilidade, sequestro, arresto, ressarcimento


do dano, indico obra de nossa autoria.381

5.1 Direito de defesa (art. 5º, inc. LV, CF)


Necessário consignar que no trato com os direitos e garantias fun-
damentais de primeira geração (art. 5º, inc. LV, CF), está escrito que: “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes”.382 (grifei)

5.1.1 A prova
Como é correntio, o processo é o instrumento da jurisdição, e esta,
a dicção do direito.383
E a atividade probatória, ao longo do processo, alinhada ao devido
processo legal, almeja, sobretudo, a demonstração da verdade.
Por sua vez, a verdade, na expressão da doutrina, “é a conformidade
da noção ideológica com a realidade, enquanto a certeza é a crença nessa
conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado a um
fato, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva”.384 (grifei)
Na lição de Eugenio Florian, “provar é fornecer, no processo, o
conhecimento de qualquer fato, adquirindo, para si, e gerando noutrem,
a convicção da substância ou verdade do mesmo fato”.385
Coerente com essas assertivas, no plano do direito processual dis-
ciplinar, dispõe o art. 161 e §3º, da Lei nº 8.112/90:

Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do ser-


vidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.
[...]
§3º O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências
reputadas indispensáveis. (grifei)

É que, com arrimo no art. 5º, inc. LV, da Carta Política, “a possi-
bilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de

381
LESSA. Improbidade administrativa: enriquecimento ilícito, pp. 72-80.
382
Cf.: STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00. LESSA. Direito administrativo
disciplinar interpretado pelos tribunais, pp. 97 a 107.
383
TORNAGHI. Compêndio de processo penal, p. 212.
384
MALATESTA. A lógica das provas em matéria criminal, p. 21. NUCCI. Código de Processo Penal
comentado, p. 356.
385
NORONHA. Curso de Direito Processual Penal, p. 87.
Sebastião José Lessa
186 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode


ser restrita”.386 (grifei)
Nesse contexto, enfatizando a prova do enriquecimento ilícito presumido
(inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92), ficou assentado:

Tratando-se de uma incompatibilidade significativa entre a renda auferida e


o patrimônio do servidor, caso este não comprove a aquisição lícita, fica aper-
feiçoada a infração disciplinar de ato de improbidade administrativa, nos
termos do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112, de 1990, combinado com o art.
9º, inciso VII, da Lei Federal nº 8.429, de 1992; – tratando-se, diferentemente, de
uma incompatibilidade irrelevante, menor, indicativa de mera desorganização
fiscal do servidor, ou de outra circunstância que elida a desonestidade própria
dos atos de improbidade, resolve-se a questão, para fins disciplinares da
Lei nº 8.112, de 1990, na atipicidade material da conduta.387 (grifei)

A par de tais considerações, onde se prioriza para o juízo de cen-


sura a indicação concisa da prova, tem-se entendido como sustentável a
natureza singular do tipo encartado no inciso VII, do art. 9º, da Lei nº
8.429/92, que se perfaz tão somente com o patrimônio a descoberto, ou seja,
injustificado, independentemente da vinculação da conduta ao exercício
da função pública, verbis:

6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e direta-
mente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando
a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar
incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princí-
pios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera
administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como
no caso em apreço em que o servidor [...].388 (grifei)

Impende ainda destacar em termos de prova do cometimento do ato


ilícito desse tema instigante:

Auditor Fiscal da Receita Federal apresenta enriquecimento ilícito, por acu-


mular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda – fato esse,
aliás, que também está em apuração na esfera penal –, remetendo significa-
tivo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração
de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/90, c.c.
o art. 11 da Lei nº 8.429/92.389 (grifei)

386
STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
387
CERA. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar, Julho de 2011, pp. 508 e 511. Cf.: STJ,
MS 12.536, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
388
STJ, MS 12.536 DF, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
389
STJ, MS 12.536 DF, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
187

Por fim, pode-se concluir que a prova do ilícito, em verdade, está


consubstanciada na “aferição objetiva de diferença de bens e valores durante
determinado período de tempo”.390 (grifei)
Em arremate, vale transcrever o pronunciamento da e. Advocacia-
Geral da União, no parecer aprovado pelo Excelentíssimo Senhor
Presidente da República, em 26.01.98 (parecer não publicado).
AGU – Parecer CG 136, de 26.08.98 (Proc. nº 03000.005894/95-10):
“EMENTA: A penalidade do servidor deve adstringir-se às faltas sobre
as quais existam, nos autos, elementos de convicção capazes de imprimir
a certeza quanto à materialidade da infração e à autoria. No processo
disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração”. (grifei)
De todo modo, e na linha do princípio da verdade material, cabe
ao imputado a prova da procedência lícita do patrimônio tido como
descoberto.

5.1.2 Direitos fundamentais de primeira geração ou


dimensão
Inspirados no preâmbulo da Carta Política de 1988, é dito que “os
direitos fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade,
são os direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter ne-
gativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal
destinatário”.391 (grifei)
Os direitos de primeira geração, “se caracterizam pela imposição de
defesa contra as possíveis ingerências e abusos do Estado. São exemplos de
direitos fundamentais de primeira geração o direito à vida, à liberdade,
à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religio-
sa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros”.
Verbis: “Por serem repressores do poder estatal, os direitos fundamentais
de primeira geração são reconhecidos como direitos negativos, liberdades
negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado”.392 (grifei)
Nesse contexto, o c. Superior Tribunal de Justiça, julgando questão
debatida em face de “aumento do patrimônio de um funcionário público
que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício
de suas funções e que não possa justificar razoavelmente”, reconheceu o
direito de defesa:

390
TJSP, Apelação nº 0018566-33.2013.8.260053, Rel. Des. Laerte Sampaio, 3ª Câmara de Direito
Público, julg. 12.04.11.
391
NOVELINO. Direito Constitucional, pp. 362-364 in CERA. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
392
MILHOMEN. Direitos de primeira e segunda geração no Estado democrático de direito, p. 102.
Sebastião José Lessa
188 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.


ABERTURA DA SINDICÂNCIA. DIREITO-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO.
MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SUPERIOR A PATRIMÔNIO E RENDA
DECLARADOS. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. JUSTA CAUSA.
ORDEM DENEGADA.
1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que,
em tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143,
da Lei nº. 8.112/90 e art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92.
2. Tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda,
a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor
público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a aber-
tura de sindicância ou de processo disciplinar.
3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público
mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, cabe à autoridade
competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar
a prática de ilícito administrativo.
4. Segurança denegada.393 (grifei)

A propósito, o art. 143, da Lei nº 8.112/90, citado no acórdão aqui


colacionado, está assim redigido:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público


é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou
processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. (grifei)

Em tais condições, é bom redizer, ao investigado deverá ser dado


o direito de defesa garantido no inc. LV, do art. 5º, da Carta Política.394
E a jurisprudência registra – tendo como referência o art. 5º, inc. LV,
da Carta Política –, “que a possibilidade de rebater acusações, alegações,
argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar
sanções ou prejuízos, não pode ser restrita”.395 (grifei)
E ainda:

II – A Constituição da República (art. 5º, LIV e LV) consagrou os princípios


do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também,
no âmbito administrativo. A interpretação do princípio da ampla defesa visa a
propiciar ao servidor oportunidade de produzir conjunto probatório servível para
a defesa.396 (grifei)

393
STJ, MS 10.442-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 26.09.05.
394
LESSA. Improbidade administrativa: enriquecimento ilícito presumido, pp. 139-140.
395
STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00.
396
STJ, RMS 10.574, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02. Cf.: LESSA. Do processo administrativo
disciplinar e da sindicância, pp. 177-178.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
189

Portanto, não há como negar o amplo direito de defesa.


Em arremate, acerca da legitimidade e da eficácia da sindicância como
instrumento apuratório preliminar e também meio geral de exercitar o
direito de defesa (art. 5º, LV, CF), o julgado do c. Supremo Tribunal Federal,
nos autos do MS 25.191-3 DF, Pleno, unânime, Relª. Minª. Cármen Lúcia,
DJ 14.12.07, com citação inclusive do livro de nossa autoria.397

5.2 Norma presuntiva de responsabilidade


O tipo encartado no inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, como
dito, sugere a figura do enriquecimento ilícito presumido, ou, na lição de José
Armando da Costa, “norma presuntiva de improbidade administrativa
por enriquecimento ilícito”.398 (grifei)
Na análise da questão e vinculando ao tipo, o exercício do cargo e a
necessária prova do ilícito, a doutrina de Waldo Fazzio Júnior: “O agente
público que adquire para si ou para terceiro, bens de valor desproporcional a
sua evolução patrimonial ou aos seus estipêndios, no exercício de posição admi-
nistrativa, é o alvo do art. 9º, VII, porque o acréscimo que aufere não tem
causa conhecida”. (grifei)
E sustentando que a conduta mensurada no inciso VII, é dependente
do caput do art. 9º, da Lei nº 8.429/92:

Retrilhando o percurso, o inc. VII não tem vida própria; é mera exemplificação
do caput do art. 9º. Neste está gravada a conduta típica; nele deve encaixar-­
se a ação tida por ilícita. Por isso, a conduta ilícita deve ocorrer em razão do
exercício do cargo, função, emprego ou mandato. A causa determinante do
enriquecimento é a condição funcional do agente. Ou não se trata de impro-
bidade administrativa.

5.3 Alegar não é provar, é quase não alegar


Como é sabido, “allegatio et non probatio quase non allegatio”. Então,
ressaltando caber à acusação a demonstração da prova, conclui Waldo
Fazzio Júnior:

De tal arte que, se incumbe ao Ministério Público ou à pessoa jurídica in-


teressada formalizar a pretensão condenatória do agente público, cabe-lhe
exibir as provas necessárias, expostas ao contraditório e à ampla possibilidade
de defesa. Suspeitas e presunções não constituem causa de pedir em ação civil

397
LESSA. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, p. 118.
398
COSTA. Contorno jurídico da improbidade administrativa, pp. 23 e 113.
Sebastião José Lessa
190 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

de improbidade administrativa ou qualquer outra. Ao réu compete a contradição


e esta pressupõe imputação que deva ser contraditada. Sem a imputação do ato de
improbidade, não há como contestar nem o que contestar.399 (grifei)

Mauro Roberto Gomes de Mattos pondera quando se cogita da


inversão do ônus da prova: “A doutrina é dividida, entendendo a primeira
corrente, a qual me filio, que a Administração Pública deverá provar que a
elevação desproporcional do patrimônio do agente público derivou do
exercício irregular ou abusivo da função exercida”. (grifei)
E diz mais, que a inversão do ônus da prova só ocorre em nosso direito
positivo em situações especialíssimas de relevante interesse público ou
de proteção a hipossuficientes, como verbi gratia: Código do Consumidor
(Lei nº 8.078/90) e Lei de Proteção ao Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81). E
cita jurisprudência: TJ/MG Ap. Cível nº 1.0137.03.900294-4/001, 1ª CC, DJ,
04.06.04; TJ/MG, Ap. Cível nº 1.0433.04903-7/001, 5ª CC, DJ, 13.03.04.400
A bem dizer, a especial figura do enriquecimento ilícito presumido
(inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92), malgrado a ambiciosa densidade, não
transmite a razoável segurança que emerge da convergência de opiniões.
Nesse panorama, a lição de Marcelo Figueiredo:

Normalmente, os agentes públicos ímprobos utilizam-se de técnicas e de


operações bem mais sofisticadas para não deixar vestígios de seus atos. Costumam
realizar operações financeiras no exterior, iniciam operações com empresas
“fantasmas”, etc. Contudo, existem inúmeros casos tais como os previstos
na norma em exame. (grifei)

E continua: “Existe, na lei, uma presunção de enriquecimento ilícito,


situação muito similar às hipóteses previstas na legislação do imposto de
renda, alusivas aos ‘sinais exteriores de riqueza”.401 (grifei)
Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle
Filho, no exame do inciso VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92, asseveram:

Merece destaque, dado seu notável alcance, pois inverte o ônus da prova,
sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma.
Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento é presumido como
ilícito, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem
dos recursos necessários à aquisição.402 (grifei)

399
FAZZIO JÚNIOR. Improbidade administrativa, pp. 177-181.
400
MATTOS. O limite da improbidade administrativa, p. 2010-2011.
401
FIGUEIREDO. Probidade administrativa. Comentários à Lei nº 8.429/92 e legislação complementar,
p. 75-76.
402
MEIRELLES. Direito Administrativo brasileiro, p. 563.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
191

Advertindo que não se deve falar em inversão do ônus da prova, o


esclarecimento de Fábio Medina Osório:

A questão, saliento, parece terminológica: não se deve falar em inversão de


ônus de prova. Mas cabe ao autor provar, tão somente, a desproporção entre os
rendimentos e a riqueza material do agente público, de tal sorte que essa despro-
porção — quando devidamente comprovada — acarreta incidência do tipo do
enriquecimento ilícito, porque, de fato, é ilícita tal espécie de enriquecimento
no curso do exercício de função pública, dada a exigência de transparência do
sistema, que controla, rigorosamente, declarações de bens e rendimentos
dos agentes públicos.403 (grifei)

De valiosa ajuda as considerações de Wallace Paiva Martins Júnior:

A grande vantagem do art. 9º, VII, é que ele é norma residual para a punição
do enriquecimento ilícito no exercício de função pública. De fato, se não se
prova a prática ou a abstenção de qualquer ato de ofício do agente público que en-
riqueceu ilicitamente, satisfaz o ideário da repressão à moralidade administrativa
provar que seu patrimônio tem origem inidônea, incompatível, desproporcional
[...].404 (grifei)

Em verdade, a figura do enriquecimento ilícito presumido (inc. VII, art.


9º, Lei nº 8.429/92), embora expressiva e fecunda, repita-se, não consegue,
de maneira razoável, transmitir a necessária segurança jurídica, própria
da convergência de opiniões.
É que, não se pode descartar a hipótese do acréscimo patrimonial, em-
bora incompatível com a remuneração do servidor, não ter origem proibida.
Então, impende avivar a doutrina que prestigia os direitos e as
garantias fundamentais e destaca a importância dos Ministros Orosimbo
Nonato e Victor Nunes Leal:

É importante relembrar que há mais de 60 anos o Supremo Tribunal Federal,


em julgamento que se tornou antológico (AC 7.307), iniciou o alargamen-
to das garantias do Servidor Público submetido a processo disciplinar,
assentando que não cabe à Administração a última palavra em matéria de
aplicação de penalidades, podendo o Poder Judiciário, na análise do caso
concreto levado ao seu exame, investigar a qualidade das provas produzidas
naquele âmbito e mesmo contrapor-se às que se produzem na instância
judicial, quebrando, assim, a velha tradição da insindicabilidade do mérito dos
atos administrativos, que fora no passado um dos dogmas mais caros do

403
OSÓRIO. Improbidade administrativa. Observações da Lei nº 8.429/92, p. 188-189. Cf.: OSÓRIO.
Direito administrativo sancionador, p. 509. CERA. Treinamento em processo administrativo
disciplinar, Julho de 2011, p. 509.
404
MARTINS JÚNIOR. Probidade Administrativa, pp. 195 e 198.
Sebastião José Lessa
192 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Direito Administrativo, que ainda se vê afirmado hoje em dia por eminentes


julgadores, apesar da sua desatualidade.405 (grifei)

5.4 Presunção relativa (juris tantum)


Deveras, quando se cogita desse instigante tema, é dizer, do en-
riquecimento ilícito presumido, modelado no inciso VII, do art. 9º, da Lei
nº 8.429/92, a presunção de ilicitude é relativa (juris tantum), ou seja, admite
prova em contrário, daí a necessidade de restar cabalmente demonstrada a evo-
lução patrimonial anômala ou carente de justificativa legítima.
O então DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público,
já assentava na Formulação nº 261, acenando com a substantivação da
prova, que “a responsabilidade administrativa deve ser individualizada no
respectivo processo, vedada, na impossibilidade de indicação do culpa-
do, a sua diluição por todos os funcionários que lidaram com os valores
extraviados”. (grifei)
A propósito, as “formulações daspianas” foram recepcionadas pelo
Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116, e prestigiadas pelos tribunais (STF,
RMS 21.562-7 DF, DJ 24.06.94; STF, MS 20.111 DF, RTJ 89/93; STF, MS 20.473
DF, RTJ 115/99; STJ, RMS 1074 ES, DJ 30.03.92).
Por outro viés, não há como ignorar o direito de defesa cravado no art.
5º, inc. LV, da Carta Política, que, aos acusados em geral, inclusive quando
se cogita da improbidade administrativa, reconhece como direito fundamental
de primeira geração, o contraditório e a ampla defesa, e os meios e recursos
a ela inerentes.
Relevante para o estudo, o entendimento:

Bastando à administração a comprovação da desproporcionalidade do bem


adquirido em relação à renda, exsurge a presunção legal relativa (juris tantum)
de ato de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, cabendo
ao servidor, no curso do devido processo legal, sob rito contraditório, comprovar
outra origem do bem a descoberto, dissociada do exercício do cargo, a fim de afas-
tar a presunção e, por conseguinte, o enquadramento administrativo. Em outras
palavras, se, por um lado, não se exige da administração a comprovação de
que o patrimônio a descoberto decorreu de ato associado ao cargo, por outro
lado, não se cogita de presunção absoluta (jure et de jure) do ato de improbidade,
aceitando-se justificativa por parte do servidor, comprovando outra origem
para o enriquecimento, dissociada do cargo.406 (grifei)

405
MAIA FILHO. Breves estudos tópicos de direito sancionador, p. 28.
406
CERA. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar, Julho de 2011, p. 507.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
193

E ainda, sob o pálio dos direitos e garantias fundamentais, o aresto:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.


ABERTURA DA SINDICÂNCIA. DIREITO-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO.
MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SUPERIOR A PATRIMÔNIO E RENDA
DECLARADOS. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. JUSTA CAUSA.
ORDEM DENEGADA.
1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que,
em tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143,
da Lei nº. 8.112/90 e art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92.
2. Tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda,
a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor
público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a aber-
tura de sindicância ou processo disciplinar.
3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público
mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, cabe à autoridade
competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar
a prática de ilícito administrativo.
4. Segurança denegada.407 (grifei)

6 Improbidade administrativa: meios de contenção


Fixado no §4º, art. 37, da Carta Política, está dito que: “Os atos de im-
probidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. (grifei)
Trata-se de expressivo mecanismo legal de prevenção e repressão
ao nefasto desvio de recursos públicos, especialmente pelo despertado cui-
dado na lida pela efetiva recuperação dos bens e valores objeto do alcance
criminoso, e que foi concretamente reforçado com o advento das Leis
nº 8.429/92 (improbidade administrativa), 8.730/93 (declaração de bens
e rendas), Lei Complementar nº 135/2010 (casos de inelegibilidade) e Lei
nº 12.850/13 (agravamento de pena para o funcionário público envolvido
na organização criminosa).

6.1 Lavagem de dinheiro


Nesse auspicioso panorama, abre-se espaço para anunciar a recente
Lei nº 12.683/12, que “altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar
mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”. (grifei)

407
STJ, MS 10.442-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 26.09.05.
Sebastião José Lessa
194 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Segundo a Lei nº 12.683/12, entre outras novidades,

será possível enquadrar todas as hipóteses que apontar recursos de origem


oculta ou ilícita (art. 1º, caput); atenuar, deixar de aplicar ou substituir a pena
do autor, coautor ou partícipe diante da colaboração espontânea (§5º, art.
1º); maior alcance das medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores
(art. 4º e §§); aplicar multa pecuniária até R$20.000.000,00 (vinte milhões
de reais) (art. 12, II, item “c”); acesso por parte das autoridades policiais e
do Ministério Público, exclusivamente aos dados cadastrais do investigado
que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente
de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas
telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e
pelas administradoras de cartão de crédito (art. 17 – B); afastamento de
servidor público (art. 17 – D).

A bem dizer, a referida lei, ferramenta de trabalho extremamente


influente, tanto na investigação criminal, quanto na instrução processual
penal, intenta tornar mais eficiente a prevenção e a repressão aos crimes de
“lavagem de dinheiro”, ou seja, “ocultar ou dissimular a natureza, a origem,
a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração
penal”. (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, alterado pela Lei nº 12.683/12)
Igualmente de real valia, para a prevenção e a repressão do crime,
quando for o caso, a Lei nº 9.034/95, que “dispõe sobre a utilização de
meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas”.
Percebe-se, com a nova Lei nº 12.683/12, nítida preocupação, nota-
damente com a moralidade e com o patrimônio público.
A propósito, durante o julgamento plenário no c. Supremo Tribunal
Federal do RE 593727, da relatoria do Min. Cézar Peluso, interrompido com
o pedido de vista do Min. Luiz Fux, em 27.06.12, o Exmo. Sr. Procurador-
Geral da República sustentou:

[...] pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) segundo a qual os desvios de
recursos públicos no Brasil podem chegar a R$85 bilhões de reais por ano. De
acordo com essa pesquisa, entre 2002 e 2008, houve desvios de cerca de R$40
bilhões em contratos do governo e o custo médio anual da corrupção no país
estaria em torno de 1,38% a 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja,
entre R$50 bilhões e R$84,5 bilhões. (grifei)

Releva anotar aqui, que os bens, direitos ou valores provenientes da


infração penal, em regra, trafegam pela trilha da “lavagem”, ou seja, a prá-
tica sofisticada da “conversão em ativos lícitos”, métodos combatidos pelos
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
195

instrumentos de contenção dispostos, notadamente, nas Leis nº 9.613/98


e 12.683/12.
Por aí se constata, verdadeiramente, a significativa contribuição
que certamente trará para o ordenamento jurídico, a inclusão do enrique-
cimento ilícito no elenco dos Crimes contra a Administração Pública, e tudo
com observância dos direitos fundamentais (art. 5º, incs. LIV, LV e LVI, CF).

6.2 Mecanismos de prevenção e repressão


Avulta destacar, como mecanismo preventivo/preditivo/repressivo,
os dispositivos da Lei nº 8.429/92:

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresen-


tação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado,
a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente. (Regulamento)
...
§3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem pre-
juízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar
declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa. (grifei)

Como bem adverte José Armando da Costa: “O descumprimento


dessa obrigação de declarar os bens, ou de prestá-la com falsidade, cons-
titui transgressão disciplinar punível com pena de demissão (art. 13, §3º,
da Lei nº 8.429/92)”.408
E com o mesmo propósito, preventivo e repressivo, a Lei nº 8.730/93
“estabelece a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exer-
cício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, e dá outras providências”.

6.3 Relevância da desproporção na evolução patrimonial


A questão que implica definir os limites toleráveis da desproporção,
quando se cogita da evolução patrimonial anômala do agente público nessa
qualidade, é tarefa extremamente delicada, verbis:

Refletindo o posicionamento da Advocacia-Geral da União, por fim, a


Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional assim passou a se posicionar, no
Parecer-PGFN/CDI nº 1.986/2006:
22. Conclui-se o seguinte:

Tratando-se de uma incompatibilidade significativa entre a renda auferida


e o patrimônio do servidor, caso este não comprove a aquisição lícita, fica

408
Obra citada, p. 113.
Sebastião José Lessa
196 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

aperfeiçoada a infração disciplinar de ato de improbidade administrativa,


nos termos do art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112, de 1990, combinado com o art.
9º, inciso VII, da Lei Federal nº 8.429, de 1992; – tratando-se, diferentemente, de
uma incompatibilidade irrelevante, menor, indicativa de mera desorganização
fiscal do servidor, ou de outra circunstância que elida a desonestidade própria
dos atos de improbidade, resolve-se a questão, para fins disciplinares da
Lei nº 8.112, de 1990, na atipicidade material da conduta.409 (grifei)

Pelo que se vê, a delicada questão da relevância da desproporção,


quando se cogita da evolução patrimonial, é incumbência que desafia, a mais
não poder, a sensibilidade do intérprete.

6.4 Indisponibilidade, sequestro e perdimento de bens


Externando a preocupação, sobretudo com a efetiva recuperação dos
bens e valores acrescidos em face do enriquecimento ilícito, e da mesma forma,
com o integral ressarcimento do dano por lesão ao patrimônio público, tudo na
previsão do §4º do art. 37 da Carta Política, o legislador providenciou no
sentido de encartar os instrumentos legais para tais fins, e que estão dis-
postos nos arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 13, 16 e 17, da Lei nº 8.429/92.
A jurisprudência acrescenta:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL.


INTIMAÇÃO PARA CONTRARRAZÕES. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPO­
NIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A
JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA. PERICULUM IN MORA
IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS.
DELIMITAÇÃO DA MEDIDA. CABIMENTO.
1. Inexiste previsão regimental ou legal de intimação para apresentação
de contraminuta em agravo regimental ou interno (RISTJ, art. 258 e CPC,
art. 557).
2. O direito à ampla defesa e ao contraditório é atendido com a intimação
para apresentação de contrarrazões ao recurso especial.
3. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º,
parágrafo único, da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade
do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que
causem dano material ao Erário.
4. Consoante jurisprudência pacífica, o periculum in mora está implícito no
próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez
que visa a ‘assegurar o integral ressarcimento do dano.

409
CERA. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar, Julho de 2011, pp. 508 e 511. Cf.: STJ,
MS 12.536, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
197

5. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por


improbidade administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art.
7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo
Parquet.
6. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos
réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o
integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em con-
sideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.
Precedentes do STJ.
7. Agravo regimental parcialmente provido, tão somente para delimitação
da indisponibilidade sobre o patrimônio dos réus à extensão do dano patri-
monial e eventuais multas civis.410

Precedentes focando as formalidades e requisitos autorizativos do


sequestro e perdimento de bens: STJ, REsp 1135548 PR, Relª. Minª. Eliana
Calmon, DJe 22.06.10; STJ, REsp 1078640 ES, Rel. Min. Luiz Fux, DJe
23.03.10; STJ, REsp 930650 DF, Rel. Min. Herman Bemjamin, DJe 27.08.09;
TJDFT, AGI 2008.00.2.014465-9, Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva, DJe
11.12.08; TRF 1ª R., AC 1998.37.01.000785 5 MA, Rel. Des. Federal Hilton
Queiroz, DJ, 18.05.05.
E mais recente: STJ, AgRg no REsp 1336055, Rel. Min. Herman
Benjamin, DJe 14.08.14.
Anote-se que as matérias foram tratadas no livro de nossa autoria,
com doutrina e jurisprudência.411

7 Requisitos autorizativos para o processamento da ação


judicial
Em arremate, vale consignar o recente entendimento do c. Superior
Tribunal de Justiça, quando se cogita dos requisitos para o processamento
da ação de improbidade administrativa:

4. Na fase de recebimento da inicial da ação civil pública de improbidade


administrativa, não se necessita exaurir o mérito a respeito da caracterização
do ato ímprobo, sendo suficientes as provas indiciárias. Somente no caso de
o julgador, de plano, se convencer da inexistência do ato de improbidade,
da improcedência da ação ou a inadequação da via eleita é que se rejeitará a
ação civil pública. Todavia, assim não ocorrendo, a caracterização ou não
do ato de improbidade administrativa é decisão relacionada ao mérito, a
ser proferida após os trâmites legais atinentes à instrução do processo.

410
STJ, AgRg no AgRg no REsp 1328769 BA, Relª. Minª. Eliana Calmon, DJe 20.08.13.
411
LESSA. Improbidade administrativa, enriquecimento ilícito presumido, pp. 72-80.
Sebastião José Lessa
198 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Precedente: REsp 1.008.568/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma,


DJe 4/8/2009.412 (grifei)

8 Conclusão
Diante do exposto, e levando-se em consideração:

a) O compromisso adotado por meio de acordos e tratados interna-


cionais firmados pelo Brasil, no sentido de implementar medidas
legislativas que sejam necessárias para coibir o enriquecimento ilí-
cito do agente público, nessa qualidade, ou seja, “o incremento
significativo do patrimônio de um funcionário público relativo
aos seus ingressos legítimos que não podem ser razoavelmente
justificados por ele”.413
b) Os expressivos “desvios de recursos públicos no Brasil podem
chegar a R$85 bilhões de reais por ano”, segundo pesquisa reali-
zada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), tudo como registrado
pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, no Plenário do c.
Supremo Tribunal Federal, por ocasião dos debates no RE 593727,
interrompido pelo pedido de vista do Min. Marco Aurélio, em
26.08.14;
c) Que na apuração do enriquecimento ilícito, torna-se necessário
demonstrar a relevância da desproporção na evolução patrimonial
do imputado, como já exposto.414
1. A evolução patrimonial do agente público há de estar de acordo
com o seu ganho, com suas rendas. Havendo grande divergência,
em princípio, presente está o fumus boni iuris demonstrando que
houve enriquecimento ilícito.
2. Insurgindo-se o servidor, ainda que evidenciado o fumus boni
iuris, em favor da administração pública da grande variação
patrimonial do agente, sem lastro legal, cabe, a ele demonstrar o
perigo que corre com o arresto dos seus bens imóveis – o pericu-
lum in mora.

412
STJ, AgRg no Ag 1404254 RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 30.09.14.
413
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – Promulgada pelo Decreto nº 5.687, de
31.01.06. CERA. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar, Julho de 2011, p. 510.
414
CERA. Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar, Julho de 2011, pp. 508 e 511. STJ, MS
12.536, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08.
5º MÓDULO
O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE PÚBLICO
199

3. Discriminação, na inicial da ação cautelar (autos


2006.34.00.036812-7) dos bens possivelmente adquiridos sem
amparo legal.415 (grifei)
d) A jurisprudência proclama: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINIS­
TRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. INTIMAÇÃO PARA
CONTRARRAZÕES. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS
SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA.
PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE
DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS. DELIMITAÇÃO DA
MEDIDA. CABIMENTO”.416

Levando-se em consideração os requisitos autorizativos para o


processamento da ação judicial:

4. Na fase de recebimento da inicial da ação civil pública de improbidade


administrativa, não se necessita exaurir o mérito a respeito da caracterização
do ato ímprobo, sendo suficientes as provas indiciárias. Somente no caso de
o julgador, de plano, se convencer da inexistência do ato de improbidade,
da improcedência da ação ou a inadequação da via eleita é que se rejeitará a
ação civil pública. Todavia, assim não ocorrendo, a caracterização ou não
do ato de improbidade administrativa é decisão relacionada ao mérito, a
ser proferida após os trâmites legais atinentes à instrução do processo.
Precedente: REsp 1.008.568/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma,
DJe 4/8/2009.417 (grifei)

e) Que na hipótese de apuração da evolução patrimonial do imputado,


a interpretação do art. 5º, inc. LV, da Carta Política, que garante o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren-
tes, implica afirmar “que a possibilidade de rebater acusações,
alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações ju-
rídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita”.418
(grifei)
f) O ensinamento no que concerne a competência para aplicação
das sanções encartadas na Lei nº 8.429/92: “Registre-se – até por-
que essa limitação não tem sido devidamente enfatizada – que

415
TRF 1ª R., AG 2007.01.00.008445 7 DF, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJ 15.06.07.
416
STJ, AgRg no AgRg no REsp 1328769 BA, Relª. Minª. Eliana Calmon, DJe 20.08.13.
417
STJ, AgRg no Ag 1404254 RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 30.09.14.
418
STJ, MS 6.478 DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00; STJ, MS 10.442 DF, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJ 26.09.05. LESSA. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, pp. 177-
178. LESSA. Direito administrativo disciplinar interpretado pelos tribunais, pp. 97-104.
Sebastião José Lessa
200 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

à instância administrativa compete tão somente e apenas apurar o


ilícito praticado e encaminhar cópia dos autos do processo disciplinar
(concluído) ao Ministério Público ou ao órgão público lesado pelo ato
ímprobo do servidor, para que seja ajuizada a competente ação de
Improbidade Administrativa (arts. 7º, 14, 15 e 16 da Lei 8.429/92)”.419
(grifei)

A par da abalizada doutrina, é razoável admitir, no caso de juízo de


reprovação por ato de improbidade administrativa (art. 132, IV, Lei nº 8.112/90)
consubstanciada no enriquecimento ilícito, que a decisão disciplinar – buscando
não colidir com o entendimento do c. Supremo Tribunal Federal420 – poderá ser
fundamentada no art. 132, inc. IV c/c os dispositivos correspondentes previstos
nos arts. 116 e 117, todos da Lei nº 8.112/90.421

419
MAIA FILHO; GOULART MAIA. Improbidade Administrativa: breves estudos sobre a justa
causa e outros temas relevantes de direito sancionador, p. 200.
420
STF, RMS 24.699-9 DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01.07.05.
421
Cf.: LESSA. Temas práticos de direito administrativo disciplinar, pp. 72 a 75.
6º MÓDULO

PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR


E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
Prescrição da ação disciplinar
Termo inicial do prazo prescricional
Conhecimento do fato
Providências imediatas
Instauração do PAD
Autoridade competente
Inércia da administração
Fatos, boatos e denúncias anônimas
Efeitos da prescrição
Interrupção e nova fluência do prazo
Processo anulado, não interrupção da prescrição
Prazo prescricional do código penal
Prescrição, reconhecimento de ofício
Processo interrompido por decisão judicial
Suspensão da prescrição
Prescrição consumada antes e após a instauração do PAD;
Servidor público Condenação criminal, efeitos
(art. 92, inc. I, alíneas “A” e “B” e parágrafo único, CP)
Perda do cargo convolada em cassação de aposentadoria
Ausência de previsão legal
Servidor público
Punição disciplinar
Cassação de aposentadoria
Sebastião José Lessa
202 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Previsão legal (arts. 127, inc. IV e 134, Lei nº 8.112/90)


Imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário
(§5º, art. 37, CF)
Prescrição da ação contra a fazenda pública: prazos
Principio da actio nata
Indenização por danos morais
Invalidação de ato administrativo; Reintegração no cargo
Prescrição administrativa para o exercício de ação punitiva
Poder de polícia (Lei nº 9.873/99)
Prescrição da ação disciplinar

1 Breve anotação
Aponta a doutrina que:

Em diferentes sentidos, costuma-se falar em prescrição administrativa:


ela designa, de um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão admi-
nistrativa; de outro, significa a perda do prazo para que a Administração
reveja os próprios atos; finalmente, indica a perda do prazo para aplicação
de penalidades administrativas.422

Com efeito, no regime da Lei nº 8.112/90, e no trato da prescrição, há


que se observar, de início, que a lei cuidou da prescrição do direito de ação ou
do direito de petição, no Capítulo VIII, do Título III, arts. 104 a 115, quando,
por inércia do servidor, poderá ocorrer inclusive o perecimento do direito.
Por outro viés, tratou a mencionada lei, da prescrição da ação discipli-
nar, no Capítulo V, do Título IV, art. 142, incisos e parágrafos, e desde que
comprovada a omissão da Administração, a prescrição atua como garante
da segurança jurídica.423
Neste trabalho, diga-se, será enfocada, com prioridade, a prescrição da
ação disciplinar, regrada no art. 142, incisos e parágrafos da Lei nº 8.112/90,
bem como o recorrente princípio da actio nata, e a imprescritibilidade da pre-
tensão de ressarcimento ao erário (art. 37, §5º, CF).

422
DI PIETRO, Op. cit..., p. 682.
423
Cf.: MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito Administrativo brasileiro, pp. 747, 748 e 749.
REIS. Processo Disciplinar, pp. 208-212.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
203

1.1 Lei nº 8.112/90 – Estatuto dos servidores públicos


Na lida constante pelo aperfeiçoamento dos meios de prevenção da
moralidade e da regularidade do serviço público, e sobretudo para evitar a
prescrição da ação disciplinar, destaque para os dispositivos da Lei nº 8.112/90:

Art. 116. São deveres do servidor:


...
VI – levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao
conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvi-
mento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração.
(Redação dada pela Lei nº 12.527, de 2011)
...
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou
administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando
houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente
para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbi-
dade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício
de cargo, emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011)
...
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação
de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou
conhecido.
§2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações
disciplinares capituladas também como crime.
§3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe
a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir
do dia em que cessar a interrupção.
...
Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcia-
lidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo
interesse da administração.
...
Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá a
60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a
comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circuns-
tâncias o exigirem.
§1º Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus tra-
balhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do
relatório final.
Sebastião José Lessa
204 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

...
Art. 169. ...
§1º O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo.
§2º A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142,
§2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV.

Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora


determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
(grifei)

Como é sabido, no campo do direito penal, a prescrição – causa de


extinção da punibilidade, arts. 107, IV, 109 e 110, CP – “é a perda da preten-
são punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu
exercício”.424
No mesmo trilhar, a doutrina de Fernando Capez.425
Por fim, a ponderação de Cleber Masson: “O Estado deve aplicar a
sanção penal dentro de períodos legalmente fixados, pois em caso contrário,
sua inércia tem o condão de extinguir a consciência do delito, renuncian-
do implicitamente ao poder que lhe foi conferido pelo ordenamento
jurídico”.426 (grifei)

Prescrição da ação disciplinar


De igual conteúdo e dando ênfase ao princípio da segurança jurídica,
as lições de Mauro Roberto Gomes de Mattos;427 Palhares Moreira Reis428
e Léo da Silva Alves.429
Calha anotar que diversos incidentes envolvendo o instituto da
prescrição disciplinar foram abordados em livro de nossa autoria.430

1.2 Lei nº 8.429/92 – Improbidade Administrativa –


Prescrição
Pertinente consignar que a Lei nº 8.429/92, que “dispõe sobre as
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito

424
JESUS. Comentários ao Código Penal, p. 837.
425
CAPEZ. Curso de Direito penal, p. 579.
426
MASSON. Direito Penal, p. 916.
427
MATTOS. Lei nº 8.112/9: interpretada e comentada, p. 720.
428
REIS. Processo disciplinar, pp. 208-209.
429
ALVES, Curso de processo disciplinar, pp. 203-204.
430
LESSA. Do Processo administrativo disciplinar e da sindicância, pp. 262-271.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
205

no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pú-


blica direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”, acolheu a
prescrição, no Capítulo VII, art. 23:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei
podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares
puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo
efetivo ou emprego. (grifei)

Frente ao texto legal, desponta adequado concluir, em termos de


prescrição, que a conduta ímproba do servidor público titular de cargo
efetivo, e tipificada como falta disciplinar gravíssima, receberá tratamento nos
moldes da Lei nº 8.112/90, art. 142, incisos e parágrafos.
Em arremate, registre-se para meditação, que as normas que restrin-
gem direitos devem ser interpretadas estritamente. O contrário se dá com as
normas que atenuam a responsabilidade delitiva.431

1.3 Imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao


erário (§5º, art. 37, CF)
Dispõe a Constituição Federal, no art. 37, §5º, que “a lei estabelecerá
os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor
ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento”. (grifei)
A doutrina pontua que “esse dispositivo prevê duas situações distintas:
uma relativa à sanção pelo ato ilícito, outra relacionada à reparação do prejuízo.
No primeiro aspecto, fica a lei ordinária encarregada de fixar os prazos
prescricionais; no segundo, garantiu-se a imprescritibilidade das ações – me-
dida considerada imprópria, mas que veio consagrada na Constituição de
1988 = Vide art. 5º, XLII e XLIV”.432 (grifei)
Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel
Burle Filho acentuam que “a ação de ressarcimento do dano ao erário causado
por atos ilícitos é imprescritível, conforme o art. 37, §5º, da CF”.433 (grifei)

431
MAXIMILIANO. Hermenêutica e aplicação do direito, pp. 178-179.
432
BULOS. Constituição Federal anotada, p. 598.
433
Obra citada, p. 806. STF, MS 26.210, Pleno, mv., Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 10.10.08;
STJ, REsp 1.187297 RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22.09.10; Revista AGU 98, de 2010.
Sebastião José Lessa
206 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Ainda a respeito da imprescritibilidade das ações, o c. Superior Tribunal


de Justiça afirmou que: “6. Para fatos ocorridos antes da Constituição Federal
de 1988, rechaça-se a tese de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento
ao erário, consagrada com fundamento no art. 37, §5º da Carta Magna,
consoante jurisprudência recente”.434 (grifei)

1.4 O garantismo penal e a repercussão na quadra


disciplinar
No estudo da prescrição da ação disciplinar, oportuno incursionar
pelos domínios da teoria do garantismo penal.
De origem italiana, assevera a doutrina que “a teoria do garantismo
penal preconiza o fortalecimento das garantias processuais dos réus, coibindo-­
se os excessos do poder punitivo do Estado”.435 (grifei)
De real valia, a percepção de Douglas Fischer:

O garantismo penal não é simplesmente legalismo, pois a teoria está calcada


numa visão teórica de um direito próprio de um Estado Social e Democrático.
É dizer: ao tempo em que o investigado ou réu não pode ser mais visto como
um objeto na instrução processual, e sim como um sujeito de direitos (referido
aqui unicamente por esse prisma inicial do garantismo), a submissão do
juiz à lei não mais é – como sempre foi pela visão positivista tradicional e
ilustrada – à letra da lei (ou mediante sua interpretação meramente literal)
de modo acrítico e incondicionado, senão uma sujeição à lei desde que coerente
com a Constituição (validade) vista como um todo.436 (grifei)

Aclarando o tema para as lides disciplinares, a fecunda contribuição


de Sandro Lúcio Dezan:

Como corolário de toda a análise, afere-se uma Teoria Geral Garantista de


Direito Sancionador, válida para todas as searas de ilícitos que envolvam
relações jurídicas de direito público, com fundamento no devido processo
legal substantivo, entendendo que o Princípio da Legalidade, em sua função
de certeza, taxatividade, está implícito na cláusula do devido processo legal
e é extensível ao Direito Administrativo disciplinar.437 (grifei)

434
STJ, REsp 1197330 MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 12.06.13. Precedente: STJ,
AgRg no REsp 1319757, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 05.02.13.
435
José Augusto Garcia de Souza – professor da FGV – Direito Rio in Jornal O Globo, 29.11.12.
436
Procurador Regional da República na 4ª Região, Mestre em Instituições de Direito e do Estado
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Professor de Direito Penal e
Direito Processual Penal. E-mail: [email protected].
437
DEZAN. Ilícito Administrativo Disciplinar, p. 178.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
207

Em verdade, no atual estágio do direito disciplinar, é fato, não há


como negar espaço aos fundamentos que nortearam o garantismo penal
embalado pelas “ondas evolutivas” que, após o absolutismo, propagaram-­
se pelo legalismo e cresceram com o constitucionalismo, o internacionalismo
e o universalismo, trazendo com isso o aperfeiçoamento do Estado, da
Sociedade e do Direito, tudo como preconizado por Luíz Flávio Gomes &
Valério de Oliveira Mazzuoli.438
Na perspectiva do princípio da segurança jurídica, as normas garantistas
aplicáveis às lides administrativas, inclusive de natureza disciplinar, são
perfeitamente visíveis no elenco dos Direitos e Garantias Fundamentais da
vigente Carta Política.439
E a tudo se somam os princípios obrigatórios elencados no art. 37,
caput, da CF, e art. 2º, caput, parágrafo único e incisos, da Lei nº 9.784/99.

2 Termo inicial do prazo prescricional (§1º, art. 142, Lei


nº 8.112/90)
Tarefa bastante delicada é saber exatamente o termo inicial da pres-
crição da ação disciplinar, diante do conteúdo difuso do §1º do art. 142,
da Lei nº 8.112/90, que diz: “O prazo de prescrição começa a correr da data
em que o fato se tornou conhecido”. (grifei)
Com efeito, a visível ambiguidade do dispositivo em comento – que
não definiu de maneira concisa o termo inicial do prazo prescricional da ação dis-
ciplinar – sugere inicialmente um mecanismo legal de defesa em prol da
Administração, buscando-se evitar que eventualmente o servidor faltoso
se beneficie por meio de comportamento ardiloso que tenha por escopo
encobrir o fato transgressor.
De todo modo, não se pode perder de vista que a prescrição da
ação disciplinar, plasmada no princípio da segurança jurídica, deve operar
como fator de garantia da estabilidade das relações entre o administrado e
a Administração.
Portanto, a indefinição do termo inicial da prescrição – matéria en-
tremeada de particularidades fáticas – tem desafiado estudos meticulosos.
Nesse caminhar vacilante, conta-se o prazo prescricional “da data
em que o fato se tornou conhecido” (art. 142, §1º, Lei nº 8.112/90).
De forma mais definida e segura, ao regular o termo a quo da pres-
crição, o Estatuto dos Policiais Federais, regido pela Lei nº 4.878/65 e pelo
Decreto nº 59.310/66:

Decreto nº 59.310/66
Art. 390. Prescreverá:

Faculdade Finom: http://www.finom.edu.br/index.asp?pag=pag_layout_4.asp&id_pagina=656.


438

Cf.: art. 5º, incs. XXXVI, XXXVII, LIII, LIV, LV, LVI e LXXVIII.
439
Sebastião José Lessa
208 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

I – em dois anos, a transgressão sujeita as penas de repreensão, multa ou


suspensão;
II – em quatro anos, a transgressão punível com:
a) pena de demissão, no caso do item IX do artigo 383 deste Regulamento;
b) a cassação de aposentadoria ou disponibilidade.
III – em cinco anos, as demais transgressões puníveis com a pena de demissão.

Art. 391. O prazo de prescrição contar-se-á da data em que a transgressão se


consumou.
§1º.- Nos casos de transgressões permanentes ou continuadas, o prazo de pres-
crição contar-se-á do dia em que cessou a permanência ou a continuação.
§2º.- Quando ocorrerem comprovadamente circunstâncias que impeçam o imediato
conhecimento, pela autoridade competente, da existência da transgressão, o termo
inicial da prescrição será o dia em que a autoridade dela tomar conhecimento.
Parágrafo único. A transgressão, também prevista em lei como ilícito penal,
prescreverá juntamente com este. (grifei)

Diante desse fator circunstancial quanto ao termo inicial da prescri-


ção, a lição de José Armando da Costa:

De efeito, conclui-se que, desde que haja acessibilidade dos indícios da infra-
ção, por quaisquer que sejam os meios e os modos, não é dada à administração
ensancha para alegar que não teve conhecimento do fato, e que por isso não se
tenha iniciado o prazo de prescrição.
Transgressões disciplinares que, por serem notórias, tragam à tona, desde
logo, aspectos indiciais de sua possível existência, não legitimam que
omissas autoridades administrativas aleguem que desconheciam o caso,
buscando com evasivas impedir que se reconheça a iniciação da fluência do
prazo da prescrição disciplinar.440 (grifei)

2.1 Conhecimento do fato


Pertinente consignar, no ponto, que o anterior Estatuto dos
Servidores (Lei nº 1.711/52), regulava no art. 213 a prescrição da ação disci-
plinar, sem, contudo, apontar o marco inicial para o cômputo da prescrição.
A lacuna legislativa provocou do então DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público, com o poder normativo reafirmado
pelos arts. 115 e 116, III, do Decreto-lei nº 200/67,441 estabelecer por meio
da Formulação nº 76, que “a prescrição, nas infrações disciplinares, começa
a correr do dia em que o fato se tornou conhecido”. (grifei)

440
COSTA. Direito administrativo disciplinar, p. 283.
441
Cf.: Lei nº 6.228/75, art. 1º.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
209

Essa compreensão foi lastreada no parecer do Prof. Caio Tácito, da


ilustrada Consultoria Jurídica do DASP – Departamento Administrativo
do Serviço Público:

O poder disciplinar, em que repousa a estabilidade das instituições adminis-


trativas, somente se poderá exercer, como é elementar, a partir do momento
em que a falta se torne conhecida pela autoridade. Desde que, pelas circunstâncias
de fato, a violação do dever funcional se acoberte no sigilo, subtraindo-se ao
conhecimento normal da administração, não se configura a noção de inércia no
uso do poder disciplinar, que caracteriza a prescrição. Entendo, assim, que
o curso da prescrição estabelecida no art. 213 do Estatuto deve-se iniciar
a partir da data em que o fato se tornar conhecido, embora já anteriormente
consumado.442 (grifei)

De igual propósito, considerando a particularidade que acompanha


o fato, pontificou o c. Supremo Tribunal Federal: “Nas faltas disciplinares
que se subtraem, pelas circunstâncias do fato, ao conhecimento da adminis-
tração, o prazo prescricional se inicia com a ciência da infração”.443 (grifei) E
corroborando esse entendimento, com destaque para as circunstâncias de
fato e a inércia:

3. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 78.949/SP, em que


se discutia questão análoga, firmou entendimento no sentido de que nas
infrações administrativas que, a exemplo dos “crimina occulta”, pelas circunstâncias
de fato, se subtraem ao conhecimento normal da Administração, não se lhe pode
imputar inércia para efeitos de prescrição antes que tenha ciência da prática do ilícito
administrativo, como sói ocorrer com os crimes contra o registro público, os
quais tem o marco inicial da prescrição contado da data em que o fato se
torna conhecido e não da data em que o delito se consumou, regra geral para
a maioria dos delitos. Prescrição administrativa não configurada.444 (grifei)

2.1.1 Providências imediatas (arts. 116, caput, incs. II, III, VI,
XII, parágrafo único, e 143, §3º, Lei nº 8.112/90; arts. 4º, 11,
caput, 14, caput, §§1º e 3º, 15, 16 e 19, Lei nº 8.429/92; arts 2º,
caput, inc. IV, 4º, incs. II e IV, Lei nº 9.784/99; arts. 32, incs. e
§§, 43 e 44, Lei nº 12.527/11.
Buscando resguardar a moralidade, a continuidade e a regularidade do
serviço público, e pela leitura atenta dos dispositivos acima enumerados,

442
COSTA. Direito administrativo disciplinar, p. 281.
443
STF, RE nº 78.949, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ 19.09.75, RDA 128/232.
444
TRF 1ª R., AC 2002.41.00.001563-0 RO, Rel. Juiz Federal Antônio Cláudio Macêdo da Silva, DJ
13.03.06.
Sebastião José Lessa
210 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

constata-se, a mais não poder, que a notícia de irregularidade deverá ser


investigada de imediato.
Tanto que, dispõe a Lei nº 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é


obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo
administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa.
...
§3º A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que
se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade
diversos daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante com-
petência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente
ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas
do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da
República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas
as competências para o julgamento que se seguir à apuração. (Incluído pela
Lei nº 9.527, de 10.12.97) (grifei)

E o descumprimento de tais preceitos poderá sujeitar o infrator às


penalidades legais (arts. 116, VI, 169, §2º, Lei nº 8.112/90; art. 11, caput, inc.
II, Lei nº 8.429/92; arts. 32, incs. e §§, 43 e 44, Lei nº 12.527/11).
Prestimosa a lição de José Armando da Costa: “De efeito, conclui-se
que, desde que haja acessibilidade dos indícios da infração, por quaisquer
que sejam os meios e os modos, não é dada à administração ensancha para
alegar que não teve conhecimento do fato, e que por isso não se tenha iniciado
o prazo de prescrição”.445 (grifei)
Por tais razões, desde que conhecido o fato, não há como justificar
a inércia da Administração, no sentido de apurar as irregularidades, tudo
como dito pela Formulação nº 77 – DASP, aqui já transcrita, que vale repetir:
“A prescrição abrange, também, os atos omissos da Administração”. (grifei)
Por fim, é bom reprisar os termos do §2º, do art. 169, da Lei nº
8.112/90: “A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art.
142, §2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV”. (grifei)

2.1.1.1 A lei que regula o acesso a informações – Lei


nº 12.527/11
A Lei nº 12.527/11, que regula o acesso a informações, tudo com amparo
na Constituição Federal (arts. 5º, inc. XXXIII; 37, §3º, inc. II; e 216, §2º), em
verdade, trouxe valiosa contribuição aos mecanismos que resguardam a
probidade administrativa, sobretudo nos arts. 32, 33, 34, 43 e 44.

445
Obra citada, p. 283.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
211

Além de novas figuras típicas de ilícito administrativo (arts. 32 a 34),


a citada lei estabeleceu:

Art. 43. O inciso VI do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,


passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 116. ...
VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimen-
to da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao
conhecimento de outra autoridade competente para apuração;
Art. 44. O Capítulo IV do Título IV da Lei nº 8.112, de 1990, passa a vigorar
acrescido do seguinte art. 126-A:
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou ad-
ministrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração
de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha
conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego
ou função pública. (grifei)

2.1.2 Conhecimento do fato – Administração – Dever de


instaurar o apuratório
Como já registrado, o conhecimento do fato censurável, como marco
inicial do prazo prescricional, é questão que vem constantemente suscitando o
debate, ou seja, definir a quem cabe o dever de instaurar o apuratório, na leitura
do §1º, art. 142 c/c art. 143, caput, ambos da Lei nº 8.112/90:

O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido


(§1º, art. 142). (grifei)

A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada


a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo admi-
nistrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa. (art. 143, caput)

Como é sabido, na lida contínua pelo aperfeiçoamento das normas


que disciplinam as atividades administrativas, veio a lume a Lei nº 9.784/99,
“visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao
melhor cumprimento dos fins da Administração”. (art. 1º, caput)
E no inciso III, §2º, art. 1º, a apontada lei definiu: “Autoridade – o
servidor ou agente público dotado de poder de decisão”.
De fato, com importantes indicativos no sentido de alumiar o enten-
dimento do texto (§1º, art. 142 c/c art. 143, caput, Lei 8.112/90), o laborioso
estudo: verbis:
Sebastião José Lessa
212 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Em resumo, temos que o conhecimento da irregularidade pela autoridade máxima


do Órgão faz com que se inicie a contagem do prazo prescricional. De igual
maneira, a autoridade máxima da repartição onde o servidor faltoso está lotado
e cometeu o ato infracional tem poderes para dar andamento ao apuratório, ain-
da que não tenha competência regimental para instaurar o procedimento.
Esse entendimento decorre da via hierárquica e, desta forma, a sua ciência
já implica na deflagração do lapso prescricional.
Terminados os trabalhos de auditoria, são lavrados os relatórios, onde constam
todas as supostas irregularidades encontradas. Esse relatório é encaminhado
à autoridade do Órgão, oportunidade em que, pode-se afirmar, há o inicio da
contagem do prazo prescricional.
Assim, é a partir da entrega do Relatório de Auditoria à autoridade gestora do
Órgão que a contagem da prescrição tem inicio. Com efeito, mesmo que
essa autoridade não tenha competência para instaurar o procedimento
disciplinar, ela é quem deve providenciar a correção das irregularidades
e apresentar à auditoria quais foram as medidas tomadas visando corrigi-­
las, o que indica que se amolda ao conceito de autoridade debatido acima.
Por fim, se a noticia acerca das supostas irregularidades for divulgada na
imprensa, presume-se o conhecimento de todos (inclusive das autoridades
do Órgão) na data da sua divulgação. Mas essa presunção só é válida para
aqueles veículos de imprensa de âmbito nacional, ou que sejam de grande
divulgação em determinados Estados da Federação, onde as irregularida-
des foram descobertas. Outros veículos, de menor divulgação (com público
muito restrito), não têm o condão de deflagrar a contagem do prazo de
prescrição.446 (grifei)

2.1.2.1 Administração (genericamente)


Há quem sustente que o prazo prescricional da ação disciplinar
conta-se a partir da data em que a Administração (genericamente) tomou conhe-
cimento do fato imputado ao servidor, colacionando, inclusive, precedente do
e. Supremo Tribunal Federal.447
A leitura atenta do voto condutor do julgado,448 no ponto que cuidou
da prescrição da ação disciplinar, registra:

Refiro-me à Lei nº 8.112/90, cujo art. 142, inciso I, §1º, estabelece que o prazo
prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à demissão ou
à cassação de aposentadoria do servidor, “começa a correr da data em que o
fato se tornou conhecido”. E, pelo que consta dos autos, o fato aqui examina-
do chegou ao conhecimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro no dia

446
MANUAL..., 2012, pp. 395-397.
447
STF, RMS 24.737 DF, rel. Min. Carlos Britto, DJ 03.09.04.
448
STF, RMS 24.737 DF.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
213

25/06/1999, por meio de “pesquisas realizadas no Sistema PCP/UFRJ” (fls.


14), E o caso é que a demissão da servidora ocorreu dois anos e meio depois, em
08/01/2002 (fls. 38). Dentro do lustro prescricional, portanto. (grifei)

Pelo que se verifica, a Administração, é dizer, a Universidade Federal


do Rio de Janeiro, após tomar conhecimento do fato, em 25.06.99, adotou
as providências legais, aplicando inclusive pena demissória, dois anos e
meio depois, em 08.01.02.
De todo modo, o acórdão colacionado pouco contribuiu para o
deslinde da questão em debate, eis que não cogitou de eventual inércia da
Administração, dado que obedecido o lustro prescricional.

2.1.2.2 Autoridade responsável pela instauração do


procedimento apuratório
Entende, outra corrente, que o prazo prescricional só começa a fluir, no
âmbito da Administração, a partir do conhecimento pela autoridade responsável
para instaurar o procedimento apuratório.
Nesse rumo, o essencial da quaestio em torno do marco inicial do
prazo prescricional, está na interpretação precisa do art. 143, caput, da Lei
nº 8.112/90, ou seja, a partir do conhecimento do fato por qualquer (inde-
terminado) agente ou autoridade da Administração, ou apenas por aquela
autoridade responsável para promover a apuração.
O c. Superior Tribunal de Justiça, dilucidando a contenda, assentou:

3. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo


inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tor-
nou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade
específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar
(art. 142, §1º. da Lei 8.112/90). Precedentes. 449 (grifei)

Com a mesma compreensão, decidiu o TRF 1ª R., AC 2007.41.00.003904-


5 RO, rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, DJF 1 12.08.09:

2. O prazo prescricional de cinco anos para a ação disciplinar tendente à


apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentado-
ria começa a correr da data em que a autoridade da Administração tem ciência
inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento
das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo
administrativo disciplinar – “PAD”. Precedentes do STJ e deste Tribunal. (grifei)

449
STJ, MS 14.446, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 15.02.11.
Sebastião José Lessa
214 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Destarte, com arrimo no princípio da segurança jurídica, é susten-


tável concluir com o acerto dos julgados aqui colacionados: STJ, MS
14.446, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho DJe 15.02.11; TRF 1ª R., AC
2007.41.00.003904-5 RO, rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga
Lopes, DJF1 12.08.09.

2.1.2.3 Meros “boatos” e denúncia anônima


O c. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decidiu:

2. Eventuais boatos sobre irregularidades, genericamente imputadas, não têm


o condão de deflagrar o prazo prescricional. Nos autos, o que ficou apurado foi
que a infração chegou ao conhecimento da autoridade administrativa, de
forma indiciária, em 1989, quando foi aberta a sindicância.450 (grifei)

Por tais razões, eventuais “boatos” não são suficientes para deflagrar
o início do prazo prescricional.
Esclarecendo, a expressão “boato”, s.m., é sinônimo de “notícia, novi-
dade que circula na boca do povo, sem origem conhecida que a autentique
[...]”;451 “fofoca”, “mexerico”.452

2.1.2.4 Denúncia anônima


A denúncia anônima, no geral, tem sido repelida pela ordem consti-
tuída (CF, art. 5º, inc. IV; Lei nº 8.429/92, art. 14 e parágrafos; Decreto nº
59.310/66, art. 363, inc. IX (Regulamento da Lei nº 4.878/65); Lei nº 8.112/90,
art. 116, VI (Redação da Lei nº 12.527/11).
Todavia, nas hipóteses de denúncia anônima razoavelmente consis-
tente e como medida de segurança, é aconselhável a instauração de instru-
mento investigatório prévio, como, por exemplo, a Investigação Preliminar,
de caráter sigiloso, com previsão na Portaria nº 335, de 30.05.06, do MCT
– Controladoria-Geral da União, publicada no DOU de 31.05.06.
Apropriado registrar que o Judiciário já reconheceu, em caso con-
creto, a validade de processo instaurado com base em elementos coligidos
e confirmados, a partir de “denúncia anônima”.453

450
TRF 1ª R., AC 2002.01.00.019610-6 DF, rel. Juíza Federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho,
DJF1 24.10.12.
451
KOOGAN; HOUAISS. Enciclopédia e dicionário ilustrado, 2000, p. 233.
452
BUENO. Minidicionário da língua portuguesa, p. 102.
453
STF, MS n. 24.369/DF, decisão liminar, DJ 04.10..04; STJ – ROMS n. 1.278/RJ, DJ de 5.4.93.
LESSA. Do Processo administrativo disciplinar e da sindicância, p. 124.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
215

2.1.2.5 Inércia da administração


Deveras, são fatores relevantes para aclarar a controvérsia, as cir-
cunstâncias de cada fato e a inércia da Administração.
Portanto, constatada, pelas circunstâncias do fato, a ciência do cometi-
mento da transgressão disciplinar e a inércia da Administração, no sentido
de determinar a correspondente apuração, assim decidiu o c. Superior
Tribunal de Justiça:

In casu, os fatos ocorreram em 11.09.90 e o processo administrativo foi ini-


ciado em 10.06.99 (fls. 138), quando transcorridos mais de cinco anos. Ainda
que o termo a quo seja o da ciência da Administração, incide a causa extintiva,
pois consoante verifica-se da análise dos autos, o Ministério da Educação
teve ciência dos fatos em 24.05.91, quando da resposta à correspondência en-
viada ao Ministro pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de
Santa Catarina, encaminhando documentação referente ao enquadramento
dos impetrantes, isso sem levar em consideração a divulgação pela imprensa
(fls. 107) e a instauração de Inquérito Civil Público pelo Ministério Público
Federal (fls. 112).
3. Segurança concedida para tornar sem efeito a cassação da aposentadoria
de [...] e determinar a reintegração dos demais impetrantes.454 (grifei)

Igualmente, reconhecendo as circunstâncias do fato e a inércia da Administração,


o julgado:
2. Na hipótese dos autos, o conhecimento do fato tido como irregular se deu
em 18.08.1998, por meio do Memorando n.º 658/98, data em que começou a
correr a prescrição, na forma do art. 142, §1º, da Lei nº 8.112/90. O processo
disciplinar foi instaurado em 03.09.1998, através da Portaria n.º 249/98, tendo
cessado o impedimento ao curso da prescrição no dia 20.01.1999, ou seja,
141 (cento e quarenta e um) dias após o início do processo, nos termos dos
arts. 152 e 167, da Lei nº 8.112/90.

3. In casu, tem-se que a decisão final no processo administrativo ocorreu


em 22.02.2001, quando já transcorridos os 180 dias do prazo prescricional
previsto quanto à pena de advertência (art. 142, inc. III, da Lei nº 8.112/90),
devendo, ser, portanto, reconhecida a prescrição da ação disciplinar, que ocorreu
em 03.07.1999.455 (grifei)

E para concluir, ressalte-se que o então DASP – Departamento Admi­


nistrativo do Serviço Público, inserido na atual estrutura do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, editou a Formulação nº 77, cuja ementa

454
STJ, MS nº 6.877 DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 21.05.01.
455
TRF 1ª R., AC 2002.34.00.009369-8 DF, Rel. Juiz Federal Mark Yshida Brandão, DJF1, 09.05.12.
Sebastião José Lessa
216 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

registra: “A prescrição abrange, também, os atos omissos da Administração”.


(grifei) E como já frisado, as Formulações do DASP foram recepcionadas
pelo Decreto-lei nº 200/67, arts. 115 e 116, item III.

2.1.3 Formulações do DASP


Realmente, a jurisprudência administrativa plasmada nas
Formulações do então DASP – Departamento Administrativo do Serviço
Público – fonte de prestimosas interpretações jurídicas e com poder norma-
tivo realçado nos arts. 115 e 116, do Decreto-Lei nº 200/67, foram, ao longo
do tempo, prestigiadas nos julgamentos do c. Supremo Tribunal Federal.456
Pelo visto, comprovando-se, no caso concreto, a data em que a
Administração teve ciência inequívoca dos fatos, diretamente ou diante de
circunstâncias especiais, como dito no aresto,457 a partir daquele conhecimen-
to começa a fluir o prazo prescricional da ação disciplinar.

3 Prescrição consumada antes e prescrição consumada após


a instauração do PAD
As hipóteses de consumação da prescrição antes da instauração do
processo administrativo disciplinar, ou após o início do procedimento apu-
ratório, são proposições importantes e recorrentes nas lides disciplinares:

Com o advento do fenômeno prescricional, a Administração Pública perde o


poder de punir o agente infrator. É o que se chama de extinção da pretensão
punitiva na esfera disciplinar. Não obstante a incidência da prescrição no
ius puniendi do Estado-Administração, o ordenamento jurídico é omisso ao
dispor sobre o dever de apuração dos fatos que geraram o ilícito funcional.
No silêncio da lei, o entendimento que predomina na doutrina é o de que,
mesmo com a ocorrência da prescrição, a Administração permanece com o dever de
investigar e de esclarecer os fatos. Tal posicionamento se justifica, considerando
que a apuração não se destina exclusivamente a aplicar uma penalidade
funcional, medida que pode ou não ser recomendada, de acordo com o
conjunto probatório que for produzido durante os trabalhos.
Contudo, se a prescrição ocorrer antes da instauração de procedimento correicional,
o caso deve ser analisado em concreto, de modo que se delibere acerca da
conveniência e do interesse da Administração em mover a máquina públi-
ca para apurar os fatos – é certo, porém, que, caso se entenda que não há
mais motivos suficientes para a deflagração de procedimento disciplinar,
tal decisão deve ser motivada de modo preciso.

456
Cf.: STF, RMS 21.562-7 DF, DJ 24.06.94; STF, MS 20.111/DF, RTJ 89/39; STF, MS 20.473/DF, RTJ
115/99.
457
STJ, MS 6877 DF, DJ 21.05.01.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
217

Este posicionamento foi objeto do Enunciado CGU nº 04, publicado no DOU


de 05/05/2011, Seção 01, página 22:
A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar proce-
dimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua
instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir
pela instauração em cada caso.
Por outro lado, se a prescrição ocorrer no curso do apuratório disciplinar – antes
do julgamento e após a publicação da portaria de instauração -, entende-se
que o colegiado que estiver conduzindo os trabalhos deve concluir o processo.
Assim, restando devidamente comprovado que houve o cometimento de
alguma irregularidade por parte do servidor, tal fato deverá ser registrado
em seus assentamentos funcionais, conforme disposto no artigo 170 da Lei nº
8.112/90:
Art. 170 – Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora
determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
Importa destacar que esse registro será levado em conta como antecedentes
funcionais, desde que observado o prazo disposto no artigo 131 da Lei nº 8.112/90,
que dispõe:
Art. 131 – As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros
cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício,
respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova
infração disciplinar”.
Todavia, é imperativo ressaltar que o registro não servirá para fins de reinci-
dência, pois a primeira pena não terá sido aplicada, justamente por conta
da prescrição.458 (grifei)

3.1 Prescrição consumada – Prosseguimento do apuratório –


Posição divergente
Contrária ao prosseguimento do apuratório, estando já consumada
a prescrição, a posição de Léo da Silva Alves:

Sustentamos ainda, tendo a oposição sistemática da burocracia, que não se


deve indiciar quando está patente a prescrição. Indiciar e prosseguir o processo
sem qualquer possibilidade jurídica de resultado contraria a inteligência,
agride a economicidade e afronta o princípio constitucional da eficiência. É
trabalhar para o nada [...].459 (grifei)

Aquele princípio da eficiência está cravado no art. 37, caput, da


Constituição Federal, e sob o tema a doutrina de Romeu Felipe Bacellar
Filho:

458
MANUAL..., 2012, pp. 417-418.
459
ALVES. Curso de processo disciplinar, pp. 203-204.
Sebastião José Lessa
218 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

O princípio constitucional da eficiência pode ser enfocado, no processo admi-


nistrativo disciplinar, a partir de dois comandos genéricos: i) a eficiência é
o fundamento de um sistema racional de distribuição de competência na
Administração Pública, ii) a eficiência é um dos critérios orientadores da
sumarização do procedimento administrativo (e não do processo) com vistas
à simplicidade e celeridade, de um lado, e a proteção das situações de emergência,
de outro. Em ambos os casos, a eficiência remete à ideia da proporcionalidade
das técnicas de definição e exercício da competência processual adminis-
trativa disciplinar (adequação dos meios aos fins, proibição do excesso).460 (grifei)

Nessa toada, o princípio da economia, e que, segundo a doutrina, “pre-


coniza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego
possível de atividades processuais”.461 (grifei)

3.2 Registro nos assentamentos de fato prescrito – Vedação


Comentando o art. 170, da Lei nº 8.112/90, a doutrina de Mauro
Roberto Gomes de Mattos:

A prescrição possui o condão de apagar qualquer tipo de punibilidade,


inclusive anotações nos assentamentos funcionais do servidor, pois sem a
penalidade não há como vigorar os fatos sepultados pelo tempo [...]. Fere
a razoabilidade o presente artigo, pois prescrita a punibilidade o servidor
público continua primário em sua ficha funcional, não podendo constar
uma falta que se consumou por estar apagada pelo tempo.462

Com razão, José Armando da Costa que assevera, “o tempo que


passa é o direito que se adquire ou o direito que se perde”.463
Hely Lopes Meirelles, no trato do poder de punir da Administração,
e também da prescrição, ensina que “é fatal e irrefreável na sua fluência e
nos seus efeitos extintivos da punição”.464
Portanto, é visível a tendência no sentido de desaprovar o registro
nos assentamentos funcionais do servidor de uma transgressão atingida
pela prescrição, dado que, conforme asseverado em sentença concessiva de
mandado de segurança: “[...] se não cabe mais à Administração Pública
apurar e sancionar, não se poderia mais falar em um registro funcional ne-
gativo cuja realização é consequência do prosseguimento das apurações”.465

460
BACELLAR FILHO. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, pp. 197-198.
461
ARAÚJO CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria geral do processo, p. 70.
462
MATTOS. Lei nº 8.112/90: interpretada e comentada, p. 946.
463
Obra citada, p. 245.
464
Obra citada, p. 749.
465
MS n. 2009.37.00.008454-0, 5ª Vara Federal, Seção Judiciária do Estado do Maranhão.
A decisão citada está em grau de recurso no e. Tribunal Regional Federal da 1ª R. – AMS
2009.37.00008454-0.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
219

Por fim, o c. Supremo Tribunal Federal, em torno da questão,


decidiu:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a segurança e, por maioria,


vencido o Ministro Teori Zavascki, declarou a inconstitucionalidade incidental
do art. 170 da Lei nº 8.112/1990, tudo nos termos do voto do Relator. Votou o
Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro
Gilmar Mendes. Plenário, 23.04.2014. Julgamento em 23.04.14. Aguardando
publicação de acórdão.466 (grifei)

4 Prazo prescricional – Prazo do código penal (§2º, art. 142,


Lei nº 8.112/90)
Está dito no §2º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90: “Os prazos de pres-
crição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas
também como crime”. (grifei)
A respeito da norma, o julgado do Pretório Excelso: “III. Na hi-
pótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de
prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei nº 8.112/90, art. 142,
§2º. Inocorrência de prescrição, no caso”.467
No entanto, “a mera presença de indícios de prática de crime sem a
devida apuração nem formulação de denúncia, obsta a aplicação do regramento
da legislação penal para fins de prescrição, devendo esta ser regulada
pela norma administrativa, especificamente, o caput do aludido art. 142
da norma estatutária”.468 (grifei)
E mais:
a) “Nos casos em que o suposto ilícito praticado pelo servidor
público não for objeto de ação penal ou o servidor for absolvido,
aplica-se o disposto na legislação administrativa quanto ao prazo
prescricional. Precedentes”.469
b) “Ao interpretar normas de conteúdo semelhante, o Superior
Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo
sentença penal condenatória, o prazo prescricional da pretensão
punitiva da Administração será o correspondente à reprimenda
aplicada, em concreto, na esfera criminal”.470

466
STF, MS 23.262, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. 23.04.14.
467
STF, MS nº 23.242-1 SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 17.05.02; STJ, MS nº 13.640 DF, Rel, Min.
Félix Fischer, DJe 13.02.09.
468
STJ, RMS nº 14.420 RS, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 30.09.02.
469
STJ, MS nº 12.090/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 21.05.07.
470
STJ, AgRg no RMS nº 31.416 SP (2010/0015497-1), Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
10.04.13.
Sebastião José Lessa
220 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

4.1 Transgressão disciplinar não capitulada na Lei Penal


Na hipótese de transgressão disciplinar não capitulada na lei penal:
“Por fim, registre-se que o prazo prescricional é de 180 dias, nos termos do
art. 142, III, da Lei nº 8.112/90, dado que a conduta imputada ao acusado,
como já restou decidido em sentença penal transitada em julgado, não
constitui crime, daí que não se pode falar em incidência do §2º do art. 142”.471

5 Interrupção da prescrição e posterior fluência do prazo


prescricional (§§3º e 4º, art. 142, Lei nº 8.112/90)
A Lei nº 8.112/90 firmou no §3º do art. 142 que: “A abertura de
sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescri-
ção, até a decisão final proferida por autoridade competente”. E, no §4º:
“Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir
do dia em que cessar a interrupção”.
Com efeito, doutrina e jurisprudência sustentam a visível ambigui-
dade dos §§3º e 4º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, como anota Ivan Barbosa
Rigolin.472
Aplacando a questão, vem a lume decisão plenária, unânime, do
Pretório Excelso, em que o voto condutor registra:

A interpretação mais consentânea com o sistema dessa Lei — que no art.


169, §2º, admite que a autoridade julgadora, que pode julgar fora do prazo legal,
seja responsabilizada quando der causa à prescrição de infrações disciplinares
capituladas também como crime, o que implica dizer que o prazo de prescrição
pode correr antes da decisão final do processo — é a de que, em se tratando de
inquérito, instaurado este, a prescrição é interrompida, voltando esse pra-
zo a correr novamente por inteiro a partir do momento em que a decisão
definitiva não se der no prazo máximo de conclusão do inquérito, que é
de 140 dias (artigo 152, “ caput”, combinado com o artigo 169, §2º, ambos
da Lei nº 8.112/90).473 (grifei)

Assim, repita-se, na hipótese de pena demissória, interrompida a pres-


crição a partir da instauração do processo, conta-se 140 (cento e quarenta)
dias e mais 5 (cinco) anos, e ultrapassado tal prazo, a ação disciplinar já
estará prescrita.

471
TRF 1ª R., AC 2002.34.00.009369-8, Rel. Juiz Federal Mark Yshida Brandão, DJF1 09.05.12.
472
RIGOLIN. Comentários ao regime único, pp. 292-293.
473
STF, MS nº 22.728-1 PR, Pleno, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.11.98. No mesmo
rumo: STF, MS nº 23.176-8 RJ, DJ 10.09.99; STF, MS nº 23.436-2 DF, DJ 15.10.99; STJ, ROMS nº
13.174 SP, DJ 19.12.03.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
221

Em se tratando de sindicância, interrompida a prescrição a partir


da instauração, o prazo será de 80 (oitenta) dias e mais 2 (dois) anos ou
180 (cento e oitenta) dias, dependendo da espécie de pena, suspensão ou
advertência.474
Dilucidando a quaestio, o c. Superior Tribunal de Justiça, no MS
nº 4.549 DF, citando inclusive nosso livro “Do Processo Administrativo
Disciplinar e da Sindicância”,475 destacou:

A propósito, vale trazer à colação lição de Sebastião José Lessa in “Do


Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, Ed. Brasília Jurídica,
quando acentua:
Destarte, a instauração do processo disciplinar faz desaparecer o prazo an-
teriormente consumido da ação disciplinar. Tal hiato persiste até a decisão
final a que alude o dispositivo legal citado.
Este lapso temporal que medeia entre a instauração e a decisão do feito não
é ilimitado, sendo de se admitir, na hipótese, a incidência dos prazos para
a conclusão do processo disciplinar (total de 120 dias), e da sindicância
(total de 60 dias).
E, a partir da entrega dos autos à autoridade julgadora, incide a regra do
art. 167 da lei citada, que estatui: “No prazo de 20 (vinte) dias, contados do
recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão”.
Assim, teríamos no caso, por exemplo, de transgressão punível com demissão,
a partir da interrupção do prazo prescricional (com a instauração do pro-
cesso), 120 dias (prazo do processo) mais 20 dias (prazo para julgamento)
para apurar e julgar o fato disciplinar. E a contar do centésimo quadragé-
simo primeiro dia começaria a fluir novo prazo de 5 (cinco) anos para a
execução da penalidade, sob pena de se ver prescrita a ação disciplinar da
Administração.
Não há como advogar a tese de que inexiste limite de prazo entre a instau-
ração e a decisão, pois se assim fosse, chegaríamos ao absurdo de conceber
que um processo disciplinar pudesse ficar “em tramitação” por mais de 5
(cinco) anos, que é o prazo máximo da ação disciplinar (art. 142, I, da Lei
nº 8.112/90).476 (grifei)

Por fim, no julgamento do MS nº 13.174 DF, DJ 19.12.03, o c. Superior


Tribunal de Justiça assentou que a sindicância interrompe o prazo pres-
cricional e instaurado o processo administrativo disciplinar novamente é
interrompido o prazo prescricional.
Advirta-se, no entanto, que a respeito de nova interrupção de
prazo, o então DASP, com força normativa para o serviço público ex

474
COSTA. Op. cit..., p. 263.
475
LESSA. Do processo administrativo disciplinar e da Sindicância, p. 266-267.
476
STJ, MS nº 4.549 DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 28.02.00.
Sebastião José Lessa
222 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

vi do Decreto-Lei nº 200/67, arts. 115 e 116, editou a Formulação nº 279,


com a seguinte ementa: “A redesignação da comissão de inquérito, ou a
designação de outra, para prosseguir na apuração dos mesmos fatos não
interrompe, de novo, o curso da prescrição”. (grifei)

6 Procedimento anulado - Não interrupção do prazo


prescricional
Registra a jurisprudência que: “6. Havendo anulação da sindicân-
cia, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato
viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da
ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo.
Precedente”.477 (grifei)
Na mesma linha de entendimento, também no caso de anulação do
processo disciplinar, registra a jurisprudência: STJ, MS nº 8.558 DF, rel. Min.
Vicente Leal, DJ 16.12.02; STJ, MS nº 7.081 DF, Rel. Min. Felix Fischer, DJ
04.06.01; STJ, MS nº 13.242 DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ
19.12.08.

7 Prescrição reconhecida de ofício (arts. 112, 142 §2º, §2º art.


169 e 170, Lei nº 8.112/90)
Decidindo o ROMS nº 21.562-7 DF, da relatoria do Min. Ilmar
Galvão, DJ 24.06.94, o c. Supremo Tribunal Federal assentou:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PUNIDO COM


PENA DE SUSPENSÃO. ACÓRDÃO QUE ANULOU O RESPECTIVO
ATO, POR INCOMPETENCIA DA AUTORIDADE, MAS DEIXOU DE
PRONUNCIAR A PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, POR
NÃO HAVER SIDO OBJETO DO PEDIDO. Matéria cujo conhecimento in-
dependia de iniciativa do interessado. Prescrição verificada, já que o biênio
fluiu após a decisão anulatória da punição, não restando espaço temporal
para julgamento do processo administrativo pela autoridade competente.
Recurso provido.

8 Medida judicial – Suspensão do prazo prescricional


O c. Superior Tribunal de Justiça, no trato do tema, decidiu:

2. Também, não se desconhece que o deferimento de provimento judicial


liminar que determine à autoridade administrativa que se abstenha de concluir

477
STJ, MS nº 8.192 DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, DJ 26.06.06.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
223

procedimento administrativo disciplinar suspende o curso do prazo prescricio-


nal da pretensão punitiva administrativa. Precedente: MS 13.385/DF, Rel. Min.
Felix Fischer, Terceira Seção, DJe 24/06/2009.478 (grifei)

Com o mesmo fundamento: STJ, MS 7982 DF, Rel. Min. Alderita


Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJPE), DJe 20.06.13.

9 Servidor público; Condenação criminal; Efeitos (art. 92,


inc. i, Alíneas “a” e “b” e parágrafo único, CP), perda do
cargo convolada em cassação de aposentadoria; Ausência
de previsão legal
Dispõe o Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação:


I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior
a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever
para com a Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a


4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
...
Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença. (grifei)

Em complemento necessário, o texto da Carta Política:

Art. 41. São estáveis, após três anos de efetivo exercício, os servidores no-
meados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma
de lei complementar, assegurada a ampla defesa. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)

478
STJ, REsp n. 1.191.346 CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 15.10.10.
Sebastião José Lessa
224 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

§2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será


ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao
cargo de origem, sem direito à indenização, aproveitado em outro cargo
ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de
serviço. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável
ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de
serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avalia-
ção especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifei)

9.1 Penal – Recurso tido como protelatório – Execução da


sentença independente de sua publicação
Por fim, advirta-se que o c. Supremo Tribunal Federal decidiu:

Nítida, portanto, a intenção do recorrente de procrastinar o trânsito em julgado


da sua condenação e, assim, obstar a execução da pena que lhe foi imposta,
conduta essa repelida pela jurisprudência deste Supremo ao definir que a
utilização de sucessivos recursos manifestamente protelatórios autoriza o imediato
cumprimento da decisão proferida por esta Suprema Corte, independentemente de
sua publicação.479 (grifei)

No que diz respeito à perda do cargo convolada em cassação de aposen-


tadoria, o julgado do c. Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR


PÚBLICO. CONDENAÇÃO CRIMINAL. EFEITOS. APOSENTADORIA.
CASSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A Sexta Turma desta Corte não tem
admitido a cassação da aposentadoria como consectário lógico da condenação
criminal, em razão de ausência de previsão legal. Precedente. 2. Recurso em
mandado de segurança a que se dá provimento.480 (grifei)

9.2 Servidor público - Punição disciplinar - Cassação de


aposentadoria - Previsão legal (arts. 127, Inc. IV, e 134,
Lei nº 8.112/90)
De bom proveito acrescentar que a cassação de aposentadoria ou dis-
ponibilidade – aplicada pela autoridade administrativa – é pena disciplinar

479
STF, RE 839163, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão em 26.09.14. STF – Notícias, 29.09.14.
480
STJ, RMS 31.980 ES, Rel. Min. Og. Fernandes, DJe 30.10.12.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
225

prevista no art. 127, inc. IV, da Lei nº 8.112/90. E o comportamento trans-


gressor vem expresso no art. 134 da citada lei que registra: “Será cassada
a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na
atividade, falta punível com demissão”. (grifei)
Vem a tempo, excerto do julgado que afastou imputada inconstitu-
cionalidade da pena de cassação de aposentadoria:

5. No que diz respeito à alegada inconstitucionalidade da pena de cassação


de aposentadoria dos apelados, sob o fundamento de que se trata de “direito
decorrente de seguridade custeada pelo servidor”, o argumento tampouco merece
prosperar. Tal qual assentado na sentença recorrida, as condutas perpetradas
pelos recorrentes são de extrema gravidade e a pena aplicada encontra funda-
mento de validade na legislação de regência, razão pela qual não se vislumbra
qualquer violação aos princípios da razoabilidade/proporcionalidade, como
querem fazer crer os apelantes”.

E segue o acórdão: “Ademais, o custeio para a Seguridade não tem


cunho individualista, mas sim, atento à universalidade e à solidariedade”. (grifei)
E mais:

6. O aproveitamento dos recolhimentos efetuados, na hipótese de eventual con-


cessão futura de aposentadoria pelo RGPS, à luz da legislação previdenciária
pertinente, é situação que deve ser cogitada no âmbito do direito previdenciário,
matéria estranha ao presente processo, eis que desvinculada do objeto do
procedimento disciplinar.481 (grifei)

10 Prescrição da ação contra a fazenda pública – Prazo


Princípio da actio nata
Ainda em torno do tema prescrição, destaque para o direito de ação
do servidor público, e para o principio da actio nata, que, segundo a doutri-
na, “trata-se de um principio do Direito segundo o qual a prescrição e a
decadência só começam a correr quando o titular do Direito violado toma
conhecimento do fato e da extensão de suas consequências”.482
A jurisprudência registra:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO


DISTRITO FEDERAL. ADICIONAL NOTURNO PAGO A MENOR.
PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA.

481
TRF 2ª R., Apelação Cível n. 2005.51.01.024006-4, Rel. Des. Federal José Antônio Neiva, DJF2
19.12.12.
482
RAMOS in Jurisdição.blogspot.com.br.
Sebastião José Lessa
226 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

PRECEDENTES. 1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da


actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional apenas tem início com
a efetiva lesão do direito tutelado, pois nesse momento nasce a pretensão
a ser deduzida em juízo, acaso resistida. 2. Somente com o pagamento
da obrigação, efetuado sem a inclusão de todas as horas efetivamente
trabalhadas, em 1º/11/1996, é que surgiu para o servidor a ação exercitável.
Desse modo, tendo sido proposta a demanda em 07/08/2000, ou seja, dentro
do quinquênio legal, não se verifica a ocorrência da prescrição. 3. Recurso
especial a que se nega provimento.483

10.1 Ação para reparação por danos morais


“O prazo prescricional para a ação de indenização por danos morais
tem início na data do evento danoso (principio da actio nata) ou na data
em que o autor tomou conhecimento inequívoco do fato apontado como
causador do dano. Precedentes”.484 (grifei)

10.2 Ação para invalidar ato administrativo


“1. O prazo prescricional, nas ações onde se busca invalidar ato ad-
ministrativo que impôs pena disciplinar de demissão, inicia-se da data em
que foi expedido o ato, não na data de início da falta que fundamentou a
sanção. Nesse sentido: (AC 2000.01.00.047846-8 DF, rel. Desembargador
Federal José Amilcar Machado, Primeira Turma, DJF1 04.11.08)”.485 (grifei)

10.3 Ação para reintegração no cargo


“I. Prevalece na jurisprudência pátria o entendimento no sentido
de que, havendo simultaneidade de processos administrativo e penal, o prazo
prescricional, no âmbito cível, para fins de reintegração de servidor público,
só tem inicio quando do trânsito em julgado da sentença penal”.486 (grifei)

10.4 Prescrição – Protesto interruptivo


A ação de protesto judicial está encartada nos arts. 867 a 873, CPC. A
jurisprudência registra:

483
STJ, REsp nº 661.179 DF, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 13.10.08.
484
TRF 1ªR AC 2004.36.00.003543-7 MT, Rel. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes Filho,
DJF1 08.10.10.
485
TRF 1ªR AC 2000.01.00.038318-0 RO, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes,
DJF1 25.05.10.
486
TRF 1ªR AC 2000.01.00.066646-1 MG, Rel. Juiz Federal Reynaldo Soares da Fonseca, DJF1
30.07.02.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
227

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. PROTESTO INTERRUPTIVO.


O direito de execução, fundada em sentença condenatória contra o Estado,
prescreve em cinco anos, contados do trânsito em julgado. Súmula 150 do
STF. No caso em comento, entretanto, verifica-se que houve a distribuição
de protesto interruptivo de prescrição, na data de 30-08-2004, fato esse que in-
terrompeu o transcurso daquele, na forma prevista nos art. 8º e 9º do Decreto-Lei
nº 20.910/32. JUROS DE MORA. Os juros moratórios devem ser mantidos
no percentual de 12% ao ano nas ações ajuizadas antes da edição da MP
nº 2.180-35. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA fixados em 10% sobre a
diferença do suposto excesso. PREQUESTIONAMENTO quanto às razões
de decidir. APELAÇÃO DA UNIÃO IMPROVIDA. RECURSO DA PARTE
EMBARGADA PARCIALMENTO PROVIDO.487 (grifei)

Prescrição Administrativa (Poder de Polícia)


Esclarece a doutrina que, “em diferentes sentidos, costuma-se falar
em prescrição administrativa: ela designa, de um lado, a perda do prazo
para recorrer de decisão administrativa (art. 110, Lei nº 8.112/90; art. 59, Lei
nº 9.784/99); de outro, significa a perda do prazo para que a Administração
reveja os próprios atos; finalmente, indica a perda do prazo para a aplicação de
penalidades administrativas”.488 (grifei)
Na primeira hipótese, e tendo em vista o interesse público, nada impede
que ela conheça de recursos extemporâneos. É que, “na Lei nº 9.784/99, embora
se estabeleça que o recurso não será conhecido quando interposto fora do
prazo (art. 63, I), admite-se que, nesse caso, a Administração possa rever de
ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa”. (grifei)
É a coisa julgada administrativa (preclusão administrativa), que se caracteriza
pela irretratabilidade.489
Na segunda hipótese, aponta a doutrina: Na esfera federal, a questão
ficou pacificada com a Lei nº 9.784/99, que no artigo 54 veio a estabelecer: “O
direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da
data em que foram praticados, salvo se comprovada má-fé”. Pela norma
do §1º do mesmo dispositivo, “no caso de efeitos patrimoniais contínuos,
o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento”.
E, na terceira hipótese, em se tratando de transgressão disciplinar: “Com
relação aos prazos para punir, que são estabelecidos em favor do administra-
do, são fatais para a Administração”.490 (grifei) Como é sabido, esses prazos
estão definidos no art. 142, incisos e parágrafos da Lei nº 8.112/90.

487
TRF 4ª R., Proc. 2005.71.00.020418-5, Rel. Des. Federal Jairo Gilberto Schafer, DE 05.11.08.
488
DI PIETRO, Op. cit..., pp. 682-684.
489
Cf.: MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito Administrativo brasileiro, p. 746.
490
DI PIETRO, Op. cit..., p. 684.
Sebastião José Lessa
228 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Poder de Polícia
Com efeito, a Lei nº 9.873/99, cuidou do prazo prescricional para
o exercício de ação punitiva no exercício do poder de polícia, objetivando
apurar infração à legislação em vigor, entre outras providências. No que
concerne ao ressarcimento da fazenda, ficou assentada a imprescritibilidade
das ações. (§5º, art. 37, CF)
Ressalte-se o comando do art. 5º, da mencionada lei: “O disposto
nesta lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos
e procedimentos de natureza tributária”.
Na análise da lei, registra a doutrina:

Quando se trata de punição decorrente do exercício do poder de polícia, a Lei


nº 9.873, de 23.11.99, estabelece prazo de prescrição de 5 anos para a ação
punitiva da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, contados da
data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada,
do dia em que tiver cessado. Em caso de paralização do procedimento
administrativo de apuração de infração, por período superior a três anos,
também incide a prescrição, sem prejuízo da apuração da responsabilidade
funcional decorrente da paralisação. Se ao fato objeto da ação punitiva da
Administração corresponder crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo pre-
visto na lei penal. A mesma lei, nos arts. 2º e 3º, indica, respectivamente, os
casos de interrupção e suspensão da prescrição. Essa lei somente se aplica na
esfera federal.491 (grifei)

11 Conclusão
Diante de tais considerações, estribadas na doutrina e na jurispru-
dência, é sustentável concluir:

a) “O instituto da prescrição encontra justificativa na necessidade de


estabilização das relações entre o administrado e a Administração e
entre esta e seus servidores, em obediência ao princípio da segurança
jurídica [...]”.492 (grifei) Assim, no âmbito disciplinar, logo que
tiver ciência de irregularidade no serviço público, a autoridade
é obrigada a promover a sua apuração imediata, com observância
do contraditório e da ampla defesa, tudo como previsto no art. 143,
da Lei nº 8.112/90.

491
DI PIETRO, Op. cit..., p. 684. MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 146.
492
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., pp. 748-749. REIS. Processo disciplinar, pp.
208-212.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
229

Nessa toada, comprovada a inércia da Administração, a prescrição –


que extingue o poder punitivo – atua em favor do servidor e como garante
da segurança jurídica.493
A propósito, a Formulação nº 77, assenta: “A prescrição abrange,
também, os atos omissos da Administração” (grifei). E como já frisado, as
Formulações do DASP foram recepcionadas pelo Decreto-lei nº 200/67, arts.
115 e 116, item III, e prestigiadas pelos tribunais: STF, RMS 21.562-7 DF,
DJ 24.06.94; STF, MS 20.111 DF, RTJ 89/39; STF, MS 20.473 DF, RTJ 115/99)
Advirta-se para o texto da Lei nº 8.112/90: “A autoridade julgadora
que der causa à prescrição de que trata o art. 142, §2º, será responsabilizada na
forma do Capítulo IV do Título IV”.

b) Na perspectiva do princípio da segurança jurídica, as normas


garantistas não são alheias às lides administrativas, inclusive
de natureza disciplinar, e perfeitamente visíveis no elenco dos
Direitos e Garantias Fundamentais da vigente Carta Política.494

E a tudo se somam os princípios obrigatórios elencados no art. 37,


caput, da CF, e art. 2º, caput, parágrafo único e incisos, da Lei nº 9.784/99.

c) Considerando o teor do §1º, art. 142, Lei nº 8.112/90, o prazo de


prescrição começa a correr “da data em que o fato se tornou conhecido”.

Todavia, pondera a doutrina: “desde que haja acessibilidade dos


indícios da infração, por quaisquer que sejam os meios e os modos, não é
dada à administração ensancha para alegar que não teve conhecimento do fato,
e que por isso não se tenha iniciado o prazo de prescrição”.495 (grifei)

d) E mais: “3. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento


de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar
é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas
não necessariamente por aquela autoridade específica competente para
a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, §1º.
da Lei 8.112/90). Precedentes”.496 (grifei)

Com a mesma compreensão: TRF 1ª R., AC 2007.41.00.003904-5


RO, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, DJF 1 12.08.09.

493
DI PIETRO, Op. cit..., p. 684. MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., pp. 748-749.
494
Cf.: art. 5º, incs. XXXVI, XXXVII, LIII, LIV, LV, LVI e LXXVIII.
495
COSTA. Direito administrativo disciplinar, p. 283.
496
STJ, MS 14.446, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 15.02.11.
Sebastião José Lessa
230 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

e) Como preceitua o §2º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, “os prazos


de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disci-
plinares capituladas também como crime”.497 (grifei)
f) A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar
interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade
competente. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a
correr a partir do dia em que cessar a interrupção (§§3º e 4º, art. 142,
Lei 8.112/90).

Aclarando as diversas hipóteses abrangidas pelo dispositivo acima


mencionado (§§3º e 4º, art. 142, Lei nº 8.112/90): STF, MS 22.728-1 PR,
Pleno, un., Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.11.98; STJ, MS 4549 DF, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ 28.02.00; Sebastião José Lessa.498

g) Registra a jurisprudência: “O deferimento de provimento judicial


liminar que determine à autoridade administrativa que se abstenha
de concluir procedimento administrativo disciplinar suspende o
curso do prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa.
Precedente: MS 13.385/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Terceira Seção,
DJe 24.06.09”.499
h) A perda do cargo público, efeito motivadamente declarado na sen-
tença penal (art. 92, inc. I, alíneas “a” e “b” e parágrafo único,
CP), não pode ser convolada em cassação de aposentadoria por falta
de amparo legal.500

Por sua vez, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade – aplicada


pela autoridade administrativa – pena disciplinar prevista nos arts. 127, inc.
IV, e 134, da Lei nº 8.112/90, alcança o servidor inativo que houver praticado,
na atividade, falta punível com demissão.501

i) Visando garantir segurança e presteza na lida pela verdade ma-


terial ou real (art. 5º, LIV, LV e LVI, CF; arts. 167, §4º e 153, Lei
nº 8.112/90; arts. 29, 30, 38, 46, 48, 49, 50 e incs. c/c art. 69, Lei nº
9.784/99), a Comissão exercerá suas atividades com independência
e imparcialidade (art. 150, Lei nº 8.112/90), registrando em atas as
reuniões “que deverão detalhar as deliberações adotadas” (§2º, art. 152,

497
STF, MS 23.242-1 SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 17.05.02.
498
LESSA. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, pp. 265-267.
499
STJ, REsp n. 1.191.346, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 15.10.10.
500
STJ, RMS 31.980 ES, Rel. Min. Og. Fernandes, DJe 30.10.12.
501
TRF 2ª R., Apelação Cível n. 2005.51.01.024006-4, Rel. Des. Federal José Antônio Neiva, DJF2
19.12.12.
6º MÓDULO
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR E PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
231

Lei 8.112/90), e sempre que necessário dedicando tempo integral


aos seus trabalhos (§1º, art. 152, Lei 8.112/90);
j) Pontua a doutrina que; “a ação de ressarcimento do dano ao erário
causado por atos ilícitos é imprescritível, conforme o art. 37, §5º,
da CF”.502 (grifei)
k) Com efeito, a Lei nº 9.873/99 cuidou do prazo prescricional para
o exercício de ação punitiva no exercício do poder de polícia,
objetivando apurar infração à legislação em vigor, entre outras
providências. No que concerne ao ressarcimento da fazenda,
ficou assentada a imprescritibilidade das ações. (§5º, art. 37, CF).

Ressalte-se o comando do art. 5º, da mencionada lei: “O disposto


nesta lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos
e procedimentos de natureza tributária”.

l) Prescrição – Penal – Recurso tido como protelatório – “a utilização


de sucessivos recursos manifestamente protelatórios autoriza o
imediato cumprimento da decisão proferida por esta Suprema
Corte, independentemente de sua publicação”.503 (grifei)
m) O prazo prescricional para a ação de danos morais; invalidar o ato
administrativo; e reintegração no cargo; regula-se conforme se vê,
respectivamente, da jurisprudência aqui colacionada: TRF 1ªR AC
2004.36.00.003543-7; TRF 1ªR AC 2000.01.00.038318-0; TRF 1ªR
AC 2000.01.00.066646-1;
n) PRESCRIÇÃO – PROTESTO INTERRUPTIVO. O direito de
execução, fundada em sentença condenatória contra o Estado,
prescreve em cinco anos, contados do trânsito em julgado.
Súmula 150 do STF,504 verbis:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. PROTESTO INTERRUPTIVO.


O direito de execução, fundada em sentença condenatória contra o Estado,
prescreve em cinco anos, contados do trânsito em julgado. Súmula 150 do
STF. No caso em comento, entretanto, verifica-se que houve a distribuição
de protesto interruptivo de prescrição, na data de 30-08-2004, fato esse que
interrompeu o transcurso daquele, na forma prevista nos art. 8º e 9º do Decreto-
lei nº 20.910/32 [...].

502
MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Op. cit..., p. 806. STF, MS 26.210, Pleno, mv., Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJe 10.10.08; STJ, REsp 1.187297 RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe
22.09.10; Revista da Advocacia-Geral da União, AGU 98, de 2010.
503
STF, RE 839163, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão em 26.09.14) (STF – Notícias, 29.09.14.
504
TRF 4ª R., Proc. 2005.71.00.020418-5, Rel. Des. Federal Jairo Gilberto Schafer, DE 05.11.08.
REFERÊNCIAS

ALVES, Léo da Silva. Juristas do mundo. Brasília: Rede, 2013.


______ Curso simplificado de direito disciplinar. Brasília: Rede, 2014.
______ A Prova no processo disciplinar. Rio de Janeiro: Lumin Juris, 2003.
______ Curso de processo disciplinar. Brasília: Cebrad, 2008. v. 3.
______ Prática de processo disciplinar. Brasília: Jurídica, 2001.
______ Processo disciplinar em 50 questões. Brasília: Jurídica, 2002.
______ Questões relevantes do processo administrativo disciplinar. Parte 1. Apostila. Brasília:
Cebrad, 1998.
ALVIM, Eduardo Arruda. O novo mandado de segurança: Lei 12.016/09. Bahia: Fórum. 2010.
ANDRADE ALENCAR, Dayse Maria. Responsabilidade objetiva do agente público na seara
administrativa. Revista advocacia de excelência. Brasília, 2011.
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disci-
plinar. São Paulo: Max Limonad, 1998.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
BARUFALDI, Cristiano Roesler. O direito de decidir e os efeitos do silêncio administrativo.
Revista Síntese de Direito Administrativo. São Paulo: IOB, 2013.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2.
BITTENCOURT, Marcos Vinícius Corrêa. Mandado de segurança: Lei 12.016/09. Bahia: Fórum,
2010.
BONFIM, Alberto da Cruz. DASP – Departamento Administrativo do Pessoal Civil. Brasília:
Colepe, 1970/1971.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000.
CABRAL, Bruno Fontenele. Manual prático de polícia judiciária. Salvador: Jus Pódium, 2012.
CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. São Paulo: Almedina,
2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 3.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1999.
CAVALCANTI. Themístocles Brandão. Direito e Processo Disciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro:
FGV, 1966.
CERA, Denise Cristina Montovani. Rede de ensino Luiz Flávio Gomes. Controladoria-Geral da
União e ESAF – Escola de Administração Fazendária. Treinamento em processo adminis-
trativo disciplinar. 2011.
Sebastião José Lessa
234 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

Controladoria-Geral da União. Manual de processo administrativo disciplinar. 2013.


COPOLA, Gina. O cadastro nacional de condenados por ato de improbidade administrativa e por
ato que implique inelegibilidade. Repertório de jurisprudência IOB. 2ª quinzena de agosto de
2014. São Paulo. Vol. I. p. 542.
COSTA, José Armando. Direito administrativo disciplinar. Brasília: Jurídica, 2004.
______ Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 4. ed. Brasília: Jurídica, 2002.
______ Contorno jurídico da improbidade administrativa. 3. ed. Brasília: Jurídica, 2005.
CRETELLA JÚNIOR, José. Prática do processo administrativo. São Paulo: RT, 1988.
CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei orgânica da magistratura nacional interpretada. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2002.
DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JÚNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO,
Fábio M. de Almeida. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
DEZAN, Sandro Lúcio. Direito administrativo disciplinar: direito material. Curitiba: Juruá,
2013. v. 2.
______ Ilícito administrativo disciplinar. Curitiba: Juruá, 2008.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência.
2. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros,
2001.
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação
complementar. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
FISCHER, Douglas. [email protected].
FONSECA, Luis Carlos da. Convênios: da celebração à prestação de contas. 2. ed. Bahia: Print
Mídia, 2009.
GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Faculdade Finom.
GOMES. Mudanças na lei de interceptações telefônicas. Revista Jurídica Consulex, Ano VII, nº
148, de 15.03.03. In. LESSA. Temas práticos de direito administrativo disciplinar. Brasília: Brasília
Jurídica, 2005.
GRINOVER, Ada Pellegrini; ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Cândido.
Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: RT, 1990.
GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque. Pequeno dicionário da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Lei 5.765, de 16.12.71.
JESUS, Damásio Evangelista de. Comentários ao código penal comentado: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 1985. v. 1.
KOOGAN; Houaiss. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Delta, 2000.
LEÃO, Maria do Carmo. Juristas do mundo: vários autores. Brasília: Rede, 2012. v. 1.
REFERÊNCIAS 235

LESSA, Sebastião José. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância. 5. ed. 1ª reimp.


Belo Horizonte: Fórum, 2009.
_______ Direito administrativo disciplinar interpretado pelos tribunais. Belo Horizonte: Fórum,
2008.
_______ Improbidade administrativa – enriquecimento ilícito – doutrina e jurisprudência. Belo
Horizonte: Fórum, 2011.
_______ Temas práticos de direito administrativo disciplinar. Brasília: Jurídica, 2005.
_______ Juristas do mundo. Brasília: Rede, 2013. v. 1.
MAIA FILHO, Napoleão Nunes; GOULART MAIA, Mario Henrique. Improbidade adminis-
trativa: breves estudos sobre a justa causa e outros temas relevantes de direito sancionador.
Fortaleza/Ceará: Curumim, 2014.
MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Breves estudos tópicos de direito sancionador. Fortaleza/Ceará:
Curumim, 2011.
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Campinas/São
Paulo: Bookseller, 1996. v. 1.
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
MASSON, Cléber. Direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. v. 3.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90: interpretada e comentada. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2005.
_______ O limite da improbidade administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993.
MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito
Administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 2. ed. São
Paulo: Celso Bastos, 1999.
MENDONÇA, José Vicente de. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro
standards, Revista AGU 100, de 2010, apud MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO. Direito
Administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 20011.
MILHOMEN, Brenno de Paula. Direitos de primeira e segunda geração no Estado democrático de
direito. Juris Way - Sistema Educacional Online, 2012, p. 102.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2011.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MOTA, Carlos Pinto Coelho da. Revista Jurídica Consulex. Ano 12. n. 264. 2008.
NORONHA, Edgar de Magalhães. Direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1976. v. 4.
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 10. ed. São Paulo: RT, 2011.
Sebastião José Lessa
236 DIREITO DISCIPLINAR APLICADO

OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações da Lei 8.429/92. 2. ed. Pará:
Síntese, 1998.
_______ Direito administrativo sancionador. 2. ed. São Paulo: RT, 2005.
PLANIOL e RIPERT. Traité pratique de Droit Civil Français. Vol. 6, com a colaboração de
ESMEIN, Obligations (1ª parte, 1930, p. 671) apud SPÍNDOLA FILHO, Eduardo. Código de
Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Rio, 1980.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
RAMOS, Elisa Maria Rudge. Rede de ensino Luis Flávio Gomes. São Paulo: LFG, 2008.
REIS, Inês; MONTEIRO, José Pinto; PINTO, Suzana Costa. O novo estatuto disciplinar da função
pública. Porto/Portugal: Vida Económica, 2009.
REIS, Palhares Moreira. Os servidores, a Constituição e o regime jurídico único. Recife/PE: Centro
Técnico de Administração Ltda., 1993.
_______ Estudos de direito constitucional e de direito administrativo. Pernambuco: Universitária/
UFPE, 2005. v. 6.
_______ Processo disciplinar. 2. ed. Brasília: Consulex, 1999.
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007.
RIZZARDO FILHO, Arnaldo. Pessoas jurídicas: responsabilização por atos contra a admin-
istração pública. Revista Jurídica Consulex. Brasília, 2013.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994.
RODRIGUES, Alcindo Noleto. Pareceres. DASP – Departamento administrativo do pessoal civil
(Decreto Lei 200/1967 – arts. 115 e 116).
ROZZA, Cláudio. Processo administrativo disciplinar & comissões sob encomenda. Curitiba:
Juruá, 2006.
_______ Processo administrativo disciplinar & ampla defesa. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012.
SADDY, André. Silêncio administrativo, origem, requisitos e efeitos. Revista Síntese, Direito
Administrativo. São Paulo: IOB, 2013.
SILVA, Eduardo Araújo. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: RT, 1989.
SILVEIRA BUENO. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Ed. FTD.
SOUSA, Rafael Pinto Marques de. Manual prático de polícia judiciária. Salvador: Jus Podium,
2012.
SOUZA, José Augusto Garcia. FGV - Fundação Getúlio Vargas, Jornal O Globo.
SPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. 6. ed. Rio de Janeiro/
RJ: Rio, 1980. v. 2.
REFERÊNCIAS 237

SOUZA, José Augusto Garcia. FGV – Fundação Getúlio Vargas, jornal O Globo, 29.11.12.
TÁCITO, Caio. Consultoria Jurídica do DASP – Departamento Administrativo do Serviço
Público. In.: COSTA, José Armando. Direito administrativo disciplinar. Brasília: Jurídica, 2004.
TEIXEIRA, Marcos Salles. Manual de processo administrativo disciplinar. Controladoria-Geral
da União. 2012.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1986.
TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal. Rio de Janeiro: José Konfino, 1967.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4.
Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo
10 e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo
250g (capa) pela Gráfica e Editora O Lutador em
Belo Horizonte/MG.

Você também pode gostar