Baixados

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 17

FALÁCIAS E TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO

“Não há coisa alguma que possa ter o nome de uma


classificação dos modos como os homens chegam a um
erro; e é muito duvidoso que possa haver alguma.”
De Morgan1

David W. Silva Almeida


Graduando em Filosofia na Universidade de Brasília - UnB

RESUMO

Algumas abordagens formais e informais sobre o tema são aqui elencadas na tentativa de abrir um
panorama no qual uma teoria da argumentação possa ser concebida, sendo esta um conjunto de modelos
esquemáticos de raciocínio em que algumas normas são necessárias como forma de evitar as falácias. E,
mais especificamente, o projeto de van Eemeren e Rob Grootendorst é aqui criticado via ataque à noção
de validade lógica, que é tomada por eles sem nenhuma problematização, e serve de base às suas regras.

Palavras-chave: Argumentação; Falácias; Lógica; Pragmática; Correção

ABSTRACT

Some formal and informal approach on the topic are here listed trying to give a domain in which a
theory of argumentation can be elaborated, being this theory a model for reasoning in which rules are
necessary as a way to avoid fallacies. More specifically, the project of Van Eemeren and Rob
Grootendorst are here criticized, attacking the notion logical validity, which is accepted by them as
given and serves as the basis for their ten rules.

Keywords: Argumentation; Fallacies; Logic; Pragmatic; Soundness

Introdução

O caminho percorrido nesse texto não retira o tema de uma para outra área, lógica formal
ou informal, nem pretende, mas, trabalhando na interface entre as duas esferas de análise,
propõe uma conexão de perspectivas que se somam mais coerentemente que as abordagens
clássicas representadas por tratamentos semelhantes ao de Irving Copi em seu Introdução à
Lógica. Objetiva-se mostrar que a certeza de que precisamos para assegurar apoditicamente a
1
De Morgan, apud Copi, (1968, p. 73).

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 117

correção (num sentido amplo: argumento aceitável e plausível) de um argumento não é


encontrada seja na lógica formal, seja na lógica informal, mesmo admitindo maior
rigor de critérios à lógica formal; que a fronteira entre elas não é tão nítida quanto
frequentemente se imagina, e que mesmo perspectivas sólidas (que abordam aspectos caros à
análise da argumentação real, e.g. posições prévias entre os envolvidos, relações de afinidade
entre expositor e interlocutor, recursos emocionais para alcançar o assentimento do interlocutor)
como a pragma-dialética precisam ser reformuladas em sua maneira de localizar as falácias e
seus critérios para uma correta argumentação.

1. As Falácias: entre a Lógica Formal e a Lógica Informal

O papel central que ocupa a noção de falácia numa teoria da argumentação é


compreendido no momento mesmo em que explicitamos em que consiste uma tal teoria. A lógica
formal clássica consagrou a dedução como forma suprema de inferência. No entanto, sendo
limitado o campo em que ela pode ser aplicada, a saber, somente aos argumentos formalizáveis,
(em que não há elementos como emoção, temporalidade, causalidade, normatividade)2 houve
uma crescente busca por analisar argumentos usados no cotidiano, largamente imbuídos dos
vários “vícios da linguagem natural”3. Iniciaram-se, então, com os trabalhos de Asti Vera,
Hamblin, Toulmin e outros, tentativas de estudar aqueles argumentos chamados informais, até
então tematizados muito modestamente no Ocidente pela lógica. Constituiu-se por tais trabalhos
o que hoje é comumente chamado de lógica informal. Uma teoria da argumentação pode ser
encarada como a reunião das contribuições desse novo campo mais algumas noções – que não
são absorvidas in globo – da lógica formal clássica. Procura-se elaborar meios seguros de
julgamento dos argumentos, porém sem retirá-los de suas ocorrências particulares, isto é, seus
contextos concretos, e de seus elementos problemáticos, como os citados acima: temporalidade,

2
As lógicas temporais tematizam o tempo, assim como as lógicas deônticas o fazem com as normas, mas a lógica à
qual me refiro é a proposicional clássica, o que não inclui as lógicas temporais, deônticas, da relevância ou qualquer
outra lógica não-clássica, apesar de todas serem formais (não admito, para tanto, a inclusão de lógicas modais na
L.P.C., mesmo que sejam extensões desta). Sei da dificuldade em assumir um conjunto de critérios como o mais
adequado para se delimitar o que vem a ser formalização, e não defendo algum conjunto de regras que o façam,
apenas assumo e critico os critérios vigentes por reconhecer graves insuficiências neles. Não é objetivo deste
trabalho propor critérios para a formalização. Meu tema é outro.
3
Diz-se que sistemas de lógica formal permitem fazer análises de argumentos informais. A lógica clássica, e.g.,
permite-o e efetivamente é utilizada por alguns autores para se reconstituir argumentos que aparecem no cotidiano.
Porém, não é qualquer argumento informal que a L.P.C. (lógica proposicional clássica) pode incluir em seu escopo
de estudo. Apesar de termos atualmente formalizações de termos como “diversos”, esta formalização não se dá
no âmbito da L.P.C. Os quantificadores modulados de Walter Carnielli estão fora dela.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


118 Falácias e Teoria da Argumentação

normatividade, causalidade, relevância. As diretivas construídas em tal sentido delimitarão o


espaço reservado aos argumentos corretos, e, por conseguinte, aos argumentos falaciosos, fora
desse campo.
Segundo Irving Copi, uma falácia é uma forma de raciocínio incorreto que se reveste
de um teor persuasivo tal que lhe é conferida aparente correção (COPI, 1968, p. 73). Assim,
falaciosos seriam os argumentos que, apesar de, à primeira vista, mostrarem-se corretos, com
uma análise mais detalhada seriam “desmascarados”. De pronto salta aos olhos os problemas
abertos por essa caracterização. Em primeiro lugar, a noção de correção não é explicitada pelo
autor. Ele a entende mais ou menos como uma configuração argumentativa de qualidade
suficiente para que um ouvinte atento assinta ao argumento. Certamente um entendimento que
envolva tantos elementos psicológicos não tematizados na explicação da correção não pode ser
tomado numa abordagem lógica, mesmo que informal, da argumentação, porque estes
influenciam implicitamente a correção. Além disso, Copi toma como pressuposta a noção de
raciocínio incorreto. Sendo as falácias um subconjunto dos argumentos incorretos (por motivos
explicados na seção 4), é mister portanto esclarecer em que consiste a incorreção. Outro
problema sobre o qual o autor não se atém é a relativização com que tem de lidar com o tema se
aceita a existência de falácia apenas quando condicionada a um juízo individual. Se um
argumento é falacioso por causar engano em alguém, mesmo atento, pode ser que outra pessoa
mais rigorosa não “caia no mesmo erro”. Essa caracterização de falácia não nos é suficiente
porque incorre no subjetivismo.
Walton apresenta um quadro melhor das falácias. Para ele não há argumentos falaciosos
em si mesmos, mas usos falaciosos de argumentos que podem ser corretos em vários
contextos. Em seu livro The Place of Emotion in Argument, o autor reivindica a legitimidade das
falácias de emoção em determinados contextos específicos de argumentação, abrangendo entre
elas os argumentos ad populum (apelo ao povo ou ao sentimento popular para apoiar uma
conclusão), ad misericordiam (recurso à piedade como meio de comover e facilitar a
concordância), ad baculum (recurso a uma ameaça, força ou medo para forçar a aceitação) e ad
hominem (ataque à pessoa com quem se discute, desviando-se do tema da questão), que são por
ele defendidos em inúmeros contextos concretos, os quais não preciso aqui mencionar. A
importância do trabalho de Walton repousa não no fato de que sua concepção de falácia é
primordialmente contextual - tese já presente em Van Eemeren - abrindo espaço para que
qualquer argumento possa se tornar correto ou falacioso analisando- se os casos em que ocorrem,
mas por incorporar um âmbito de argumentos - os argumentos de emoção – em grande medida

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 119

desprezados pela tradição (os estoicos foram uma exceção porque admitiam a retórica como
parte da lógica). Estes quase sempre foram tomados como uma forma corrompida de argumento
que precisava ser depurada de seus elementos afetivos para que se pudesse iniciar uma análise.
Porém, Walton entende que as emoções não podem ser extirpadas como uma parte destacável de
um corpo, porque elas são indissociáveis dos argumentos em que ocorrem. Alguém poderia
objetar dizendo que, se aceitamos o dito acima, temos de reconhecer que mesmo uma frase
aritmética pode ser expressa imiscuída de emoção, e que, portanto, todo e qualquer argumento
é passível de ser emocionalizado. Porém, o que pretendo dizer com “argumentos em que
ocorrem” é precisamente os quatro tipos de argumentos acima reconhecidos pela tradição como
emocionais, apesar de admitir que várias outras formas de argumentos em seus usos
frequentemente tidos como isentos de afetos comportam sim, num grau menor, elementos
afetivos. Assim como não há argumentos falaciosos per si também não há argumentos não-
emocionais universais, mas ocorrências em que são tomados dessa maneira.
É sabido que tradicionalmente as falácias são tratadas de modo “aproximadamente”
informal na literatura especializada, mesmo sempre fazendo parte de análises formais nos livros
de lógica. Geralmente, reserva-se a elas não mais que um capítulo, que serve de apêndice
ao corpo majoritário de teses lógico-formais. Procede-se à divisão confusa e problemática entre
falácias formais e não-formais. Isto porque às primeiras pertencem aqueles argumentos inválidos
devido inadequações de sua forma, que, se comparada à forma dos logicamente válidos,
apresenta variação, entretanto não se sabe concludentemente por que motivo a forma dos
logicamente válidos é tal que devem ser assim encarados. Susan Haack problematizando a
questão reconhece haver similaridades estruturais entre argumentos informais (HAACK, 2002,
p. 52). Estas semelhanças são reveladas pela relevância semântica que algumas expressões como
“e”, “ou”, “não”, “todo”, “se... então”, “existe” apresentam na linguagem natural. A importância
destes termos possibilitaria a construção de uma linguagem artificial que usa apenas eles na
elaboração de uma gramática4. Assim, quaisquer que sejam as palavras ocorrentes numa
proposição em linguagem informal, sua validade forçosamente será derivada da posição que
ocupam tais termos “semanticamente privilegiados” e, somente deles, em linguagem formal.
Haack sintetiza da seguinte forma a questão:

4
Estes termos formalizados num sistema lógico correspondem às constantes proposicionais - operadores lógicos
- formadas pelos conectivos e quantificadores, no entanto, a rigor, um sistema lógico precisa, além destes, de
variáveis de objeto, constantes de objeto, letras predicativas e da constante de predicado “=”, mais os símbolos
auxiliares „(„, „)‟. Cf. Gomes (2012, p. 01).

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


120 Falácias e Teoria da Argumentação

Os sistemas lógicos formais visam formalizar os argumentos informais, para


representá-los em termos precisos, rigorosos e generalizáveis. E um sistema
lógico formal aceitável deve ser tal que, se um argumento informal dado é nele
representado por um certo argumento formal, então esse argumento formal
deveria ser válido no sistema apenas no caso de ser válido o argumento informal
no sentido extrassistemático (HAACK, 2002, p. 42).

No entanto, essa não é a única maneira de resolver a questão. Uma alternativa consiste
em renunciar juízos pré-formais de validade para alcançar um nível razoável de simplicidade na
teoria formal. Outra solução é alterar a teoria formal para que ela comporte avaliações de
argumentos informais, ou ainda reavaliar a noção de representação formal de argumentos
informais utilizada na tentativa de construir uma outra maneira de representação. Dizer que “se
eu acordei, então eu estava dormindo; eu acordei, portanto, eu estava dormindo” (Modus
Ponens) não garante a validade da forma: “P→Q, P Q”. Ela deve ser explicada e legitimada
via confrontação com os exemplos concretos, e esta confrontação tem mostrado a inadequação
desta forma em inúmeras ocorrências particulares (exemplos na seção 4). Entendo a lógica
como um tipo de especulação abstrata, mas derivada da experiência em última instância. Assim,
a atribuição de validade a uma forma argumentativa depende de uma averiguação empírica para
cada uma em questão. Se a lógica pretende abstrair dos casos particulares e construir
generalizações que valham para todo e qualquer caso, esta forma de argumento não
corresponde a esse objetivo, já que é invalidada em algumas instanciações, o que é mais do que
suficiente para desabilitar a forma do argumento, de vez que uma apenas já o faria. Para tanto, o
modelo formal válido precisa ser reformulado ou fundado em outras bases que não a
ultrageneralidade e neutralidade tópica – problematizadas na seção 4 – e, só então uma distinção
formal informal pareceria menos arbitrária.
As falácias não-formais correspondem aos argumentos reais incorretos e não passíveis de
formalização (ao menos até presentemente). Esta insuficiente e vacilante exposição das falácias
pelos autores lógicos tradicionais reflete-se na indecisão sobre como tratá-las. Se formalmente
tratadas, uma teoria lógica das falácias se faria necessária, onde o método formal de análise de
argumentos utiliza-se do modelo dedutivo na elaboração da forma de inferência válida. Aqui, o
expediente que prescreve a validade e, portanto, aceitabilidade dos argumentos, é sua
correspondência a uma série de regras que os organizam segundo a forma em que ocorrem
distribuindo-os em válidos e inválidos. O estudo tradicional das falácias não se situa aqui. E,
se fossem tratadas informalmente, as falácias ocupariam um tópico dentro da invalidez, pois
cada falácia é um caso particular de argumento inválido, segundo os critérios clássicos (COPI,

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 121

1968, p. 73-88) - tema que fica à margem da lógica formal e é trabalhado em esquemas
argumentativos, onde a validez não está restringida apenas à inferência dedutiva, mas também
leva em conta a abdução, indução, inferência lexical, dentre outras formas de inferência. Dizer
que os esquemas argumentativos estudam a invalidez é afirmar que, deixando à lógica formal o
estudo exclusivo dos argumentos válidos, tais estruturas buscam também dentro do grande
conjunto de argumentos inválidos aqueles que, a despeito disso, conservam grau de correção
(num sentido amplo) suficiente para figurarem legitimamente em quaisquer argumentos reais
(argumentos que usam a linguagem natural). O que também não é o caso, isto é, o método de
análise das falácias não é estritamente informal.
Também os conteúdos dos argumentos são trabalhados diferentemente nos dois casos.
A matriz formal despreza primariamente qualquer consideração sobre os conteúdos dos
argumentos para a efetivação da análise. Abstrai-se, em grande medida, dos conteúdos
concentrando-se preponderantemente na disposição locacional das sentenças e nas relações
constantes entre premissas e conclusão. Já a lógica informal entende haver necessidade de
levar-se em conta equitativamente aspectos sintáticos e semânticos. Um aspecto não deve se
sobressair ao outro discrepantemente.
O que chamamos de lógica informal aqui é conhecido também, e mais frequentemente,
como pragmática lógica, por se ocupar do uso que um argumentador faz de sentenças numa
situação dialógica que envolve perguntas e respostas. Aqui, os argumentos formais são não
apenas insuficientes por reduzirem-se a um conjunto de questões muito restrito se comparado ao
universo de problemas aos quais somos cotidianamente expostos, mas também inadequados (em
algumas situações abaixo examinadas). A preocupação exclusivamente sintático-semântica é
deixada à lógica formal 5. Porém, na análise informal, o significado de cada sentença não é
deixado de lado; a ênfase recai sobre a pragmática, por se tratar de um método que visa estudar
esquemas estruturais presentes nas argumentações reais em que muitas outras formas de
inferência são usadas legitimamente além da dedução.

2. Uma Primeira Aproximação à Abordagem Pragma-dialética da


Argumentação

A teoria pragma-dialética da argumentação, desenvolvida por autores como Asti Vera,


Hamblin, Van Eemeren, Toulmin, consiste na análise preponderantemente pragmática dos

5
Cf. Walton (2012, Capítulo 01).

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


122 Falácias e Teoria da Argumentação

argumentos dentro de contextos dialogais, portanto empíricos, em que dois ou mais arguidores
interagem numa discussão na qual perguntas e respostas assumem um papel determinante. Não
há abstração das características concretas dos argumentos. Arguidor, plateia, tema, objetivo da
discussão, o contexto ético no qual cada discurso é proferido, são alguns dos elementos não
deixados de fora dessa abordagem. Van Eemeren e Rob Grootendorst definem a argumentação
como segue:

A argumentação é uma atividade verbal, social e racional que objetiva con-


vencer um crítico razoável da aceitabilidade de um ponto de vista apresen-
tando um conjunto de uma ou mais proposições para justificar este ponto de
vista (EEMEREN, 2006, p. 381)6

O objetivo perseguido é a resolução de desacordos, que são expostos no estágio de


abertura, onde também se delimita o problema, e cada parte apresenta seu ponto de vista
sobre o tema. O segundo estágio, diferença de opinião, consiste no momento em que os
arguidores expõem suas teses conflitantes. Segue a este o estágio de argumentação, no qual
os arguidores propriamente confrontam um ao outro. Aqui se concentra os maiores esforços
de cada parte em tentar convencer o oponente. Finalmente se chega ao estágio conclusivo ou
de resolução em que um dos arguidores deve conceder razão à outra parte por reconhecimento
de que seus argumentos eram insuficientes para defender sua antiga posição, modificada após
o debate7.
A quadripartição do momento argumentativo poderia se prestar melhor a seus objetivos
caso oferecesse maiores especificações. Não há como delimitar com clareza onde inicia a
argumentação, ou se ela já não é requerida mesmo no primeiro estágio. Também é difícil definir
quando se chegou ao fim da discussão para que o último estágio se instaure, nem tampouco é
razoável acreditar que as pessoas terão a honestidade de reconhecer, finda a discussão, que
estavam equivocadas. Não é isso que presenciamos nas discussões cotidianas em que
experienciamos sempre as indisposições em admitir um erro no próprio raciocínio. Há uma
espécie de visão benevolente dos autores em pressupor um tipo de humano capaz de renunciar
seus anseios de vaidade em benefício de uma discussão pretensamente objetiva. Apesar de
admitirmos que suas propostas partem de uma situação ideal de argumentação, não é, porém
razoável, construir uma teoria alheia às limitações inerentes ao ser humano. Ela precisa ser
realista no sentido de considerar nossos pendores mais diretamente relacionados à prática

6
Tradução minha do trecho: La argumentación es uma actividad verbal, social y racional que apunta a convencer a
um crítico razonable de la aceptabilidad de um punto de vista adelantando uma constelación de uma o más
proposiciones para justificar este punto de vista. (Cf. A. VERA, 2010, p 152).
7
Cf. Walton (2012, Capítulo 01).

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 123

argumentativa, de forma que as normas exijam dos arguidores posições ético-lógicas com
razoável grau de sensatez.
No entanto, essa abordagem possui enormes avanços em relação ao tratamento padrão
das falácias. Falhas como a enunciação ad hoc das justificativas para a classificação de uma
falácia (alguns autores apresentavam motivos bastante implausíveis para seu modelo de
divisão dos tipos de falácia) , a assistematicidade com que eram agrupadas e tematizadas, o
teor moralista e exageradamente preventivo contra os argumentos falaciosos, e sua análise
desconectada do contexto no qual aparece em benefício de uma ultra-generalidade, foram
todas superadas, apesar de conservar ainda dificuldades inquietantes para a elaboração de uma
teoria da argumentação.
Julio Cabrera apresenta um método alternativo de seis passos para a avaliação dos
argumentos8 que serve adequadamente como propedêutica às dez regras de Van Eemeren e
Rob Grootendorst (listadas na seção 3):

1. Existência de argumento. Há que se ver se o pronunciamento se trata


mesmo de um argumento, ou se o arguidor está apenas descrevendo uma situação ou
fazendo perguntas;
2. Reconstrução do argumento. Aqui se verifica qual é o argumento, se é
apenas um e se há vários subargumentos implícitos no argumento maior. Delimita-se
as premissas e a conclusão. Algumas vezes esse passo exige a reorganização da
ordem em que os argumentos apareceram, para que sejam visualizáveis num padrão
esquemático que facilite a análise. Também é possível elaborar gráficos que
sintetizem e melhorem a visualização do argumento;
3. Clareza dos termos e valor de verdade das premissas. As palavras
usadas precisam ser claras aos dois arguidores, se houver termos não compreendidos,
há que se esclarecê-los. É plenamente provável que não haja consenso acerca dos
conceitos em questão. Deve-se questionar também se as premissas – as quais podem
ser implícitas - são verdadeiras ou aceitáveis, e, ainda, se são mais fortes que a
conclusão9, o que as tornaria inadequadas;
4. Correção do argumento. Procura-se saber aqui se as conclusões derivam

8
O método em questão é uma síntese de vários autores (Fischer, Fogelin/Amstrong, Kahane, Copi, etc) feita por
Julio Cabrera conforme notas de aula de março de 2007 do estudante Marco Antônio L. Abreu).
9
Uma premissa é mais forte que sua conclusão quando exige comprometimento com uma tese mais difícil de
defender que a tese da conclusão, e.g. “Se Deus existe, então eu existo. Deus existe. Portanto, eu existo”.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


124 Falácias e Teoria da Argumentação

das premissas, se o argumento é cogente, convincente, contundente. Avalia- se a


plausibilidade do argumento. Esse critério vai além do requerido na dedução, porque
admite a possibilidade de existir um argumento dedutivo não convincente;
5. Propósito do argumento. Passo em que a intenção do arguidor é
averiguada, podendo ser de explicação, prova, refutação, causar polêmica,
escandalizar, confundir, confortar, educar, etc. E ainda se ela é atingida;
6. Fonte e alvo do argumento. Relacionado ao anterior, esse último passo
pretende saber se a origem do argumento é, por assim dizer, “autorizada”, sabendo
que mesmo um ótimo argumento pode ser rejeitado se o arguidor pertence a um grupo
fortemente desprezado pela plateia, ou não é habilitado para o tema. Ou ainda se a
arguição despertar receios, ou for introduzida de modo agressivo para o público.

3. Problemas em aberto no projeto pragma-dialético de Frans van


Eemeren e Rob Grootendorst

Frans van Eemeren e Rob Grootendorst (EEMEREN, 1995, p. 135) propõem uma lista de
dez regras com as quais pretendem dar conta dos requisitos a serem observados numa discussão
ideal. Uma análise geral do texto mostra que, além de ser arbitrário o número de regras, que,
aliás, poderia muito bem ser acrescido com diversas outras, estas individualmente apresentam
várias dificuldades.
O autor, fortemente influenciado por Hamblin (HAMBLIN, 1970), reconhece que o
tratamento padrão das falácias sofre de graves falhas teóricas e práticas. Em sua proposta,
assume primeiramente que toda falácia é um erro lógico, movimento equivocado no discurso
argumentativo, e que se constitui num obstáculo ou impedimento para a resolução de uma
divergência. Propõe uma abrangente teoria da argumentação que abarque todo o domínio das
falácias. Para isto, concebe dez regras (EEMEREN, 1995, p. 135-136)10, as quais transcrevo e
comento abaixo:

Regra 01. As partes não devem impedir-se umas às outras de apresentar


pontos de vista ou pô-los em dúvida.
Deve haver irrestrita liberdade para os arguidores proporem e criticarem pontos
de vista. Uma forma de quebrar a regra é praticada se uma das partes coloca limites no
10
Eemeren, Frans van e Grootendorst, Rob. The Pragma-Dialectical Approach to Fallacies, 1995. Trad. minha.
Disponível no site: www.ditext.com/eemeren/pd.html.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 125

que a outra quer expressar. Argumentos ad baculum violam claramente essa regra, se
usados para amedrontar o oponente e fazê-lo desistir de defender um ponto que a outra
parte não quer tematizar.

Regra 02. Uma parte que apresenta um ponto de vista está obrigada a
defende-lo se a outra lhe solicitar.
Não apenas quando solicitada, pois o ônus da prova é de quem defende um
ponto de vista do ouvinte. Uma maneira clássica de violar essa regra é conhecida como
falácia da inversão do ônus da prova, praticada quando o apresentador de uma tese
exige que seu oponente prove o contrário, sendo dele essa responsabilidade. Já ouvimos
algumas vezes o dito: “Prove você primeiro que isso não é assim.”

Regra 03. O ataque de uma parte contra um ponto de vista deve referir-se ao
ponto de vista que realmente foi apresentado pela outra parte.
Se o ponto de vista questionado não for o que anteriormente foi defendido pela
outra parte essa regra é violada. A falácia do espantalho é a que melhor representa a
violação da regra por corresponder aos momentos em que uma parte distorce, acresce,
diminui ou desvia o ponto para dizer que essa forma de argumento esdrúxula (que ele
criou) foi a defendida pelo oponente.

Regra 04. Uma parte só pode defender seu ponto de vista apresentando uma
argumentação que esteja relacionada com esse ponto de vista.
Aqui há a exigência por usar argumentos relevantes, que se refiram
diretamente ao tema tratado. Mas, mesmo que se use argumentos relevantes eles
precisam estar em consonância com o que está sendo tratado. A falácia da conclusão
impertinente ou ignoratio elenchi é usada na violação dessa regra.

Regra 05. Uma parte não pode apresentar algo falsamente como se fosse uma
premissa deixada implícita pela outra parte, nem pode negar uma premissa que ela
mesma deixou implícita.
É levada em conta a possibilidade bastante real de premissas implícitas. Como
na regra 4, essa é violada quando “se colocam palavras na boca do outro” (VERA,
2008, p. 178).

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


126 Falácias e Teoria da Argumentação

Regra 06. Nenhuma parte pode apresentar falsamente uma premissa como se
fosse um ponto de partida aceito, nem pode negar uma premissa que representa um
ponto de partida aceito.
Se não há compromisso com as premissas de partida, não é proveitosa a
discussão. Tanto a defesa como o ataque pressupõem a aceitação de um conjunto
comum de premissas. Um recurso que fere a regra consiste no uso da falácia da
pergunta complexa. Entre dois assaltantes que prometeram um ao outro não mais
roubar, poderia surgir dias depois a pergunta capciosa:
“Quanto você roubou?”, onde está implícita a afirmação: “Você roubou!”.

Regra 07. Uma parte não pode considerar que um ponto de vista foi defendido
conclusivamente se a defesa não foi levada a cabo por meio de um esquema
argumentativo apropriado que foi aplicado corretamente.
As noções de conclusividade e esquema argumentativo apropriado são por
demais vagas, porém a intenção de Van Eemeren é captada quando se considera que o
argumentum ad populum ou de apelação à maioria é o tipo de falácia que ela pretende
evitar (VERA, 2008, p 175).

Regra 08. Em sua argumentação, uma parte só pode usar argumentos que são
logicamente válidos ou capazes de serem validados por fazerem explícitas uma ou
mais premissas implícitas.
Esta é a regra à qual dedicaremos maiores considerações. A intenção
perseguida por Van Eemeren na exigência de validez lógica a todo argumento usado
na discussão parece, à primeira vista, legítimo e justificado. Ele pretende blindar a
discussão das falácias formais (lembrar da crítica feita na página 4 à divisão entre
falácias formais/informais): afirmação do consequente, negação do antecedente,
falácia de composição, falácia de divisão). No entanto, o autor se vê em difíceis
problemas, que serão expostos ao final da lista de regras.

Regra 09. Uma defesa fracassada de um ponto de vista deve ter como
resultado que a parte que o apresentou se retrate dele, e uma defesa conclusiva deve
ter como resultado que a outra parte se retrate de suas dúvidas acerca do ponto de
vista.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 127

A regra mais pragmática de todas é, concomitantemente, a mais ingênua. Há


uma falácia conhecida pela longa expressão falácia de rejeição de retratação de um
ponto de vista que não foi defendido exitosamente, que é cometida pela parte que
“perdeu a argumentação”. No caso oposto a falácia de rejeitar a retratação da crítica
do ponto de vista que foi exitosamente defendido, é praticada quando o “perdedor” na
discussão não se retrata de seu ponto.

Regra 10. As partes não devem usar formulações que resultem


insuficientemente claras ou confusamente ambíguas, e devem interpretar as
formulações da parte contrária tão cuidadosa e exatamente como lhes seja possível.
A última regra poderia ser a primeira e também é uma espécie de meta-regra.
Pode ser violada por vários tipos de falácia, de vez que é geral, mas a anfibologia,
argumentar a partir de proposições cuja formulação é ambígua devido sua estrutura
gramatical, é uma em especial usada para violá-la.

Como se vê, estas regras versam sobre uma gama de temas, desde o assunto da arguição,
a pertinência dos argumentos, os implícitos, a passagem inferencial, os participantes até a
linguagem (clareza dos termos). Duas delas - as únicas que tratam da passagem inferencial na
lógica formal - deixam especialmente fragilizado o projeto. A regra 07, segundo Carlos
Asti Vera (VERA, 2008, p. 175-176), é uma espécie de meta-regra sob a qual todas as outras
seriam sub-regras porque estabelece um padrão geral ao qual todas as outras se submetem. Todas
as outras regras também poderiam incluir em sua formulação o texto desta regra que ainda
continuariam sendo as mesmas regras. Da mesma forma, a regra 08, reservando à
argumentação o critério lógico da validez, estende sua aplicação a todas demais.
Porém, esse é o menor problema com a regra 08, porque ela lança fora da
argumentação correta todo e qualquer argumento inválido. Mas, para a apreciação deste
tópico, um esclarecimento prévio é necessário.
Para um lógico formal clássico não há qualquer dificuldade em desprezar a invalidez. Isto
porque toda sua atenção se concentra única e exclusivamente nas estruturas de argumentos
válidos, aqueles fora dessa categoria permanecem alheios à sua atenção. Entretanto, alguns
autores contemporâneos (e.g. Cabrera, Walton) têm reconhecido a legitimidade de tipos de
argumentos que, apesar de serem inválidos, conservam suficiente correção para serem usados
plausível, acertada e coerentemente numa argumentação séria. Outrossim, admite-se que um

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


128 Falácias e Teoria da Argumentação

arguidor utiliza argumentos reais, os quais inescapavelmente estão imbuídos de expectativas,


crenças, temores e intenções. Estes argumentos são por ele aceitos não apenas por sua
validez, mas também por serem convincentes, relevantes e auxiliarem-no a sustentar suas
intuições mais primordiais. Fatores psicológicos fazem parte de um esquema argumentativo, não
só critérios lógicos, que podem algumas vezes ser inadequados, como o mostra Cabrera, que,
numa crítica a dois possíveis dogmas da lógica formal clássica – ultrageneralidade e neutralidade
tópica –, fez duas distinções relacionando validez lógica e correção de um modo que amplia
a maneira de análise dos argumentos corretos e cria instrumentos com os quais se pode
renunciar o dogmatismo com que são tratados alguns conceitos centrais da lógica formal.
Certamente por influência de sua aplicabilidade generalizada em várias áreas de conhecimento, e
uso de seus termos na matemática, especialmente, como apontou Quine em seu “Dois
Dogmas” (QUINE, 1951, p. 20-43).
Porém, se poderia argumentar que a lógica informal é por demais incerta e, tendo
argumentos canceláveis, não pode revogar o título de análise lógica, já que seus argumentos
estão abertos à refutação, revisão e revogação. Certamente que uma conclusão de um
argumento informal não é definitiva, e mesmo que o argumento seja cogente, ele não
assegura necessariamente a conclusividade da conclusão. Isto se deve ao caráter
mesmo da argumentação informal, que não se utiliza exclusivamente da inferência dedutiva,
como foi dito. Porém, tal fato não rebaixa o valor da lógica informal. A espécie de questões
com as quais ela lida envolve um tipo diferenciado de variáveis, que não
comportam satisfatoriamente uma análise puramente formal, requerem uma abertura a
relações mais amplas que as formalizáveis.

4. Argumentos Infra-válidos e Supra-válidos

A fragilidade dos conceitos lógico-formais de validez e correção, e também a


insatisfatoriedade do projeto de van Eemeren e Rob Grootendorst são expostas com o auxílio
dos conceitos de infra-validade e supra-validade formulados por Cabrera como crítica à lógica
formal. Isto porque o projeto pragma-dialético deles peca no pressuposto mais primordial de
assumir que a noção de validez lógica é suficientemente rigorosa para excluir todos os
argumentos problemáticos, e, ao mesmo tempo, abranger todos aqueles aos quais não se pode
questionar a correção. Suas dez regras para uma argumentação crítica presumem que o terreno
fundante da discussão é assegurado pela lógica formal através da validade, critério central

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 129

nesta disciplina. Em seu artigo "¿Es realmente la lógica tópicamente neutra y completamente
general?”, Cabrera diz que a lógica clássica agrupa os argumentos em dois grandes grupos:
segundo a validez e segundo a correção. A validez-L (validez lógica em terminologia
carnapiana) é tradicionalmente definida, de maneira um tanto vaga, como um modo de
inferência que garante a passagem das premissas para a conclusão sem auxílio de nenhum
outro pensamento fora daquele expresso pelas premissas, e que conserva confiavelmente a
necessidade da passagem com elevado grau de certeza. A correção é o simples acréscimo da
condição de veracidade às premissas de um argumento válido-L. Isto é, será correto o
argumento que é válido e possui premissas verdadeiras. No entanto, Cabrera reconhece haver um
tipo de exigência mais rigorosa e intuitivamente respaldada que a validez ou mesmo a correção
para que se dê assentimento a um argumento formal e informal, a correção-A, por ele
entendida (mas não definida) como a propriedade de uma conclusão derivar das premissas de
modo a respeitar intuições básicas. E a partir daí, defende a fragilidade da noção de
validez-L frente à incorreção-A. Raciocínios válidos-L e corretos podem não possuir
conclusões que se seguem de suas premissas, ou seja, podem ser incorretos-A, como no caso
abaixo, que exemplifica uma instanciação da comutatividade da conjunção (X˄Y Y˄X):

(Exemplo I)
Premissa (A): Joaquim Barbosa votou e saiu do tribunal.
Conclusão(B): Joaquim Barbosa saiu do tribunal e votou.

A premissa (A) fala de uma situação em que duas ações são executadas em momentos
diferentes. Há uma sucessão temporal entre uma e outra, de modo que a conclusão deveria
respeitar a ordem em que as ações aparecem, mas não o faz. Na sentença (B) temos uma nova
ordenação dos fatos, o que modifica o sentido de (A), dando a entender que Joaquim Barbosa
votou num lugar que não o tribunal. Estes são os raciocínios infra-válidos. Assim, a validez
não garante a correção-A.
Contrariamente, procura mostrar que argumentos determinados como inválidos ou
mesmo falaciosos “podem admitir infinitas instâncias sistematicamente corretas-A”
(CABRERA, 2003, p 20). Estes Cabrera os denomina supra-válidos. Examinemos o caso
clássico da falácia formal da negação do antecedente (X→Y, ~X, ~Y):

(Exemplo II)
Premissa (A): Se Vicente Ferreira vive, então virá à Brasília.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


130 Falácias e Teoria da Argumentação

Premissa(B): Vicente Ferreira não vive.


Conclusão(C): Portanto, Vicente Ferreira não virá à Brasília.

Apesar de se admitir que Vicente Ferreira poderia não vir a Brasília por outros
motivos não mencionados nas premissas, é de se esperar que esse recurso não seja acionado por
ser claramente impertinente. Pois, quando argumentamos, esperamos que os motivos para a
conclusão sejam todos retirados das premissas mencionadas. E, intuitivamente temos total
adesão à conclusão admitindo as premissas listadas. Assim, apesar de inválido, o raciocínio é
correto-A.
A restrição de van Eemeren ao uso apenas de argumentos válidos dentro das
discussões veta completamente a possibilidade de que outros, denominados supra-válidos, façam
parte do elenco de teses. Isso pode inviabilizar o sucesso da argumentação, já que somente um
conjunto minúsculo de argumentos é aceito para entrar no jogo e toda uma gama de teses
corretas-A deixada de lado. A argumentação não pode abstrair dos inúmeros tipos de argumentos
reais possíveis e eleger um campo tão reduzido de possibilidades argumentativas.
A crítica de Cabrera estende-se não apenas aos dois conceitos relatados. No mesmo
artigo, ele tenta defender a tese de que a ultra-generalidade lógica é incompatível com a
aplicabilidade universal, conceitos abraçados pela tradição como firmemente fundamentados -
através do método de contra-exemplos, chegando à conclusão de que a lógica não estuda o
suposto "objeto qualquer", mas espécies muito particulares de objetos. Os exemplos I e II
mostram que objetos atingidos pela temporalidade e causalidade não são tomados pela lógica
formal, já que sua análise se retira de tais tipos de objetos. Assim, objetos não-temporais e
não-causais é que são estudados por ela, e não o pretenso objeto qualquer. Defendendo-se a
neutralidade tópica, é forçoso admitir que a lógica formal não possui a aplicação geral a qualquer
objeto. E endossando-se a tese de ultrageneralidade, incorre-se, fatalmente também, na restrição
a temas específicos, isto porque uma tese se opõe à outra, excluindo-se mutuamente. Não é
possível à lógica ser geral e observar, concomitantemente, o contexto. Portanto, tentando salvar a
neutralidade temática, a lógica formal incorre na perda de adequação, sensibilidade temática; e,
se aceita ser sensível ao tema, renuncia à ultra- generalidade. Assim, as duas características
fulcrais da lógica moderna (as quais colocam em jogo também as noções de validade e
correção lógica), parecem não suportarem-se num mesmo sistema lógico.

5. Conclusão

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


David W. Silva Almeida 131

Do dito percebe-se a dificuldade e os limites em elaborar uma teoria argumentativa que


componha-se de contribuições advindas da lógica formal e informal. Apesar de admitirmos
um grau elevado de rigor aos argumentos formais, é patente a inadequação destes em várias
situações de uso. Por outro lado, os argumentos informais possuem características suficientes
para fazerem parte do elenco de teses numa argumentação real. As críticas feitas aqui
pretenderam criar um panorama em que se possa conceber argumentos cogentes na interface
formal/informal e incorporar ferramentas argumentativas das duas abordagens em conjunto. O
tema foi apenas ventilado, não se pretendeu exauri-lo por ter-se consciência de sua amplitude e
complexidade. Porém, a via de análise aberta mostrou que a investigação formal da
argumentação já não corresponde aos anseios impostos pelos problemas atuais por se abster a um
campo limitado de questões que deixam variáveis relevantes, como a motivação de um arguidor,
de fora. Já a investigação informal, apesar de declinar da pretensão de certeza matemática das
conclusões, possibilita um tratamento razoável da argumentação real, e de como ocorrem os
argumentos e seus desvios, as falácias, no cotidiano. Estas, mais que construções
impróprias de estruturas de argumentos corretas, são também usos inadequados de instâncias
argumentativas, que podem aparecer como corretas num outro contexto apropriado como
apresentado neste texto segundo Walton. Aqui, a abordagem pragmática e dialética da
argumentação se revela privilegiada para o trato destas questões por ser sensível à dinâmica
discursiva e às ocorrências singulares que marcam a particularidade de cada argumento,
assim considerado como um caso específico de comunicação, e não, como estrutura rígida que
se repete sempre que usado por qualquer arguidor.

Referências Bibliográficas

ALCHOURRÓN, Carlos. Lógica. Madrid: Editorial Trotta, 1995.

CABRERA, Julio. ¿Es realmente la lógica tópicamente neutra y completamente general?


Ergo, Revista de Filosofía, México, Nº 12, 2003. p. 7-33.

.Contra La Condenación Universal de los Argumentos Ad Hominem. Revista


Internacional de Filosofia, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência-Unicamp,
v. XV n.01, 1992. p. 74-92. Abril.

COPI, Irving. Introdução à Lógica. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1968.

EEMEREN, Frans H. van, & Houtlosser, P. Argumentative Indicators – A Pragma-dialetical

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013


132 Falácias e Teoria da Argumentação

Study. Amsterdã. Ed. Springer, 2006.


EEMEREN, Frans H. van & Rob Grootendorst. The Pragma-Dialectical Approach to
Fallacies. Fallacies: Classical and Contemporary Readings, Pennsylvania University Press,
Volume único,1995. P. 130-144.
GOMES, Nelson. Linguagens Extensionais e Intensionais: curso de Filosofia Analítica. 1°
Semestre de 2012. UnB. 14 f. Notas de Aula. Impresso.
HAACK, Susan. Filosofia das Lógicas. Trad. Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de
Araújo Dutra. São Paulo: Ed. Unesp, 2002.
HAMBLIN, Charles Leonard. Fallacies. Londres: Ed. Methuen e CO LTD, 1970.
QUINE, W. van O. Two Dogmas of Empiricism. The Philosophical Review, Harvard
University Press, v. 60, 1951. P. 20-43.
TOULMIN, Stephen Edelston. The Uses of Argument. University of Southern California:
Hardback, 1958.
VERA, Carlos Asti. Escenarios Argumentativos: Iniciaciación a La Evaluación de
Argumentos. Buenos Aires: Ed. Educando, 2008.

WALTON, Douglas N. Lógica Informal: Manual de Argumentação Crítica. Trad.: Ana Lúcia
R. Franco e Carlos A. L. Salum. 2ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

The Place of Emotion in Argument. Pennsylvania: The Pennsylvania State


University Press, 1992.

Pólemos, Brasília, vol. 2, n. 3, Julho 2013

Você também pode gostar