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RESUMO
Algumas abordagens formais e informais sobre o tema são aqui elencadas na tentativa de abrir um
panorama no qual uma teoria da argumentação possa ser concebida, sendo esta um conjunto de modelos
esquemáticos de raciocínio em que algumas normas são necessárias como forma de evitar as falácias. E,
mais especificamente, o projeto de van Eemeren e Rob Grootendorst é aqui criticado via ataque à noção
de validade lógica, que é tomada por eles sem nenhuma problematização, e serve de base às suas regras.
ABSTRACT
Some formal and informal approach on the topic are here listed trying to give a domain in which a
theory of argumentation can be elaborated, being this theory a model for reasoning in which rules are
necessary as a way to avoid fallacies. More specifically, the project of Van Eemeren and Rob
Grootendorst are here criticized, attacking the notion logical validity, which is accepted by them as
given and serves as the basis for their ten rules.
Introdução
O caminho percorrido nesse texto não retira o tema de uma para outra área, lógica formal
ou informal, nem pretende, mas, trabalhando na interface entre as duas esferas de análise,
propõe uma conexão de perspectivas que se somam mais coerentemente que as abordagens
clássicas representadas por tratamentos semelhantes ao de Irving Copi em seu Introdução à
Lógica. Objetiva-se mostrar que a certeza de que precisamos para assegurar apoditicamente a
1
De Morgan, apud Copi, (1968, p. 73).
2
As lógicas temporais tematizam o tempo, assim como as lógicas deônticas o fazem com as normas, mas a lógica à
qual me refiro é a proposicional clássica, o que não inclui as lógicas temporais, deônticas, da relevância ou qualquer
outra lógica não-clássica, apesar de todas serem formais (não admito, para tanto, a inclusão de lógicas modais na
L.P.C., mesmo que sejam extensões desta). Sei da dificuldade em assumir um conjunto de critérios como o mais
adequado para se delimitar o que vem a ser formalização, e não defendo algum conjunto de regras que o façam,
apenas assumo e critico os critérios vigentes por reconhecer graves insuficiências neles. Não é objetivo deste
trabalho propor critérios para a formalização. Meu tema é outro.
3
Diz-se que sistemas de lógica formal permitem fazer análises de argumentos informais. A lógica clássica, e.g.,
permite-o e efetivamente é utilizada por alguns autores para se reconstituir argumentos que aparecem no cotidiano.
Porém, não é qualquer argumento informal que a L.P.C. (lógica proposicional clássica) pode incluir em seu escopo
de estudo. Apesar de termos atualmente formalizações de termos como “diversos”, esta formalização não se dá
no âmbito da L.P.C. Os quantificadores modulados de Walter Carnielli estão fora dela.
desprezados pela tradição (os estoicos foram uma exceção porque admitiam a retórica como
parte da lógica). Estes quase sempre foram tomados como uma forma corrompida de argumento
que precisava ser depurada de seus elementos afetivos para que se pudesse iniciar uma análise.
Porém, Walton entende que as emoções não podem ser extirpadas como uma parte destacável de
um corpo, porque elas são indissociáveis dos argumentos em que ocorrem. Alguém poderia
objetar dizendo que, se aceitamos o dito acima, temos de reconhecer que mesmo uma frase
aritmética pode ser expressa imiscuída de emoção, e que, portanto, todo e qualquer argumento
é passível de ser emocionalizado. Porém, o que pretendo dizer com “argumentos em que
ocorrem” é precisamente os quatro tipos de argumentos acima reconhecidos pela tradição como
emocionais, apesar de admitir que várias outras formas de argumentos em seus usos
frequentemente tidos como isentos de afetos comportam sim, num grau menor, elementos
afetivos. Assim como não há argumentos falaciosos per si também não há argumentos não-
emocionais universais, mas ocorrências em que são tomados dessa maneira.
É sabido que tradicionalmente as falácias são tratadas de modo “aproximadamente”
informal na literatura especializada, mesmo sempre fazendo parte de análises formais nos livros
de lógica. Geralmente, reserva-se a elas não mais que um capítulo, que serve de apêndice
ao corpo majoritário de teses lógico-formais. Procede-se à divisão confusa e problemática entre
falácias formais e não-formais. Isto porque às primeiras pertencem aqueles argumentos inválidos
devido inadequações de sua forma, que, se comparada à forma dos logicamente válidos,
apresenta variação, entretanto não se sabe concludentemente por que motivo a forma dos
logicamente válidos é tal que devem ser assim encarados. Susan Haack problematizando a
questão reconhece haver similaridades estruturais entre argumentos informais (HAACK, 2002,
p. 52). Estas semelhanças são reveladas pela relevância semântica que algumas expressões como
“e”, “ou”, “não”, “todo”, “se... então”, “existe” apresentam na linguagem natural. A importância
destes termos possibilitaria a construção de uma linguagem artificial que usa apenas eles na
elaboração de uma gramática4. Assim, quaisquer que sejam as palavras ocorrentes numa
proposição em linguagem informal, sua validade forçosamente será derivada da posição que
ocupam tais termos “semanticamente privilegiados” e, somente deles, em linguagem formal.
Haack sintetiza da seguinte forma a questão:
4
Estes termos formalizados num sistema lógico correspondem às constantes proposicionais - operadores lógicos
- formadas pelos conectivos e quantificadores, no entanto, a rigor, um sistema lógico precisa, além destes, de
variáveis de objeto, constantes de objeto, letras predicativas e da constante de predicado “=”, mais os símbolos
auxiliares „(„, „)‟. Cf. Gomes (2012, p. 01).
No entanto, essa não é a única maneira de resolver a questão. Uma alternativa consiste
em renunciar juízos pré-formais de validade para alcançar um nível razoável de simplicidade na
teoria formal. Outra solução é alterar a teoria formal para que ela comporte avaliações de
argumentos informais, ou ainda reavaliar a noção de representação formal de argumentos
informais utilizada na tentativa de construir uma outra maneira de representação. Dizer que “se
eu acordei, então eu estava dormindo; eu acordei, portanto, eu estava dormindo” (Modus
Ponens) não garante a validade da forma: “P→Q, P Q”. Ela deve ser explicada e legitimada
via confrontação com os exemplos concretos, e esta confrontação tem mostrado a inadequação
desta forma em inúmeras ocorrências particulares (exemplos na seção 4). Entendo a lógica
como um tipo de especulação abstrata, mas derivada da experiência em última instância. Assim,
a atribuição de validade a uma forma argumentativa depende de uma averiguação empírica para
cada uma em questão. Se a lógica pretende abstrair dos casos particulares e construir
generalizações que valham para todo e qualquer caso, esta forma de argumento não
corresponde a esse objetivo, já que é invalidada em algumas instanciações, o que é mais do que
suficiente para desabilitar a forma do argumento, de vez que uma apenas já o faria. Para tanto, o
modelo formal válido precisa ser reformulado ou fundado em outras bases que não a
ultrageneralidade e neutralidade tópica – problematizadas na seção 4 – e, só então uma distinção
formal informal pareceria menos arbitrária.
As falácias não-formais correspondem aos argumentos reais incorretos e não passíveis de
formalização (ao menos até presentemente). Esta insuficiente e vacilante exposição das falácias
pelos autores lógicos tradicionais reflete-se na indecisão sobre como tratá-las. Se formalmente
tratadas, uma teoria lógica das falácias se faria necessária, onde o método formal de análise de
argumentos utiliza-se do modelo dedutivo na elaboração da forma de inferência válida. Aqui, o
expediente que prescreve a validade e, portanto, aceitabilidade dos argumentos, é sua
correspondência a uma série de regras que os organizam segundo a forma em que ocorrem
distribuindo-os em válidos e inválidos. O estudo tradicional das falácias não se situa aqui. E,
se fossem tratadas informalmente, as falácias ocupariam um tópico dentro da invalidez, pois
cada falácia é um caso particular de argumento inválido, segundo os critérios clássicos (COPI,
1968, p. 73-88) - tema que fica à margem da lógica formal e é trabalhado em esquemas
argumentativos, onde a validez não está restringida apenas à inferência dedutiva, mas também
leva em conta a abdução, indução, inferência lexical, dentre outras formas de inferência. Dizer
que os esquemas argumentativos estudam a invalidez é afirmar que, deixando à lógica formal o
estudo exclusivo dos argumentos válidos, tais estruturas buscam também dentro do grande
conjunto de argumentos inválidos aqueles que, a despeito disso, conservam grau de correção
(num sentido amplo) suficiente para figurarem legitimamente em quaisquer argumentos reais
(argumentos que usam a linguagem natural). O que também não é o caso, isto é, o método de
análise das falácias não é estritamente informal.
Também os conteúdos dos argumentos são trabalhados diferentemente nos dois casos.
A matriz formal despreza primariamente qualquer consideração sobre os conteúdos dos
argumentos para a efetivação da análise. Abstrai-se, em grande medida, dos conteúdos
concentrando-se preponderantemente na disposição locacional das sentenças e nas relações
constantes entre premissas e conclusão. Já a lógica informal entende haver necessidade de
levar-se em conta equitativamente aspectos sintáticos e semânticos. Um aspecto não deve se
sobressair ao outro discrepantemente.
O que chamamos de lógica informal aqui é conhecido também, e mais frequentemente,
como pragmática lógica, por se ocupar do uso que um argumentador faz de sentenças numa
situação dialógica que envolve perguntas e respostas. Aqui, os argumentos formais são não
apenas insuficientes por reduzirem-se a um conjunto de questões muito restrito se comparado ao
universo de problemas aos quais somos cotidianamente expostos, mas também inadequados (em
algumas situações abaixo examinadas). A preocupação exclusivamente sintático-semântica é
deixada à lógica formal 5. Porém, na análise informal, o significado de cada sentença não é
deixado de lado; a ênfase recai sobre a pragmática, por se tratar de um método que visa estudar
esquemas estruturais presentes nas argumentações reais em que muitas outras formas de
inferência são usadas legitimamente além da dedução.
5
Cf. Walton (2012, Capítulo 01).
argumentos dentro de contextos dialogais, portanto empíricos, em que dois ou mais arguidores
interagem numa discussão na qual perguntas e respostas assumem um papel determinante. Não
há abstração das características concretas dos argumentos. Arguidor, plateia, tema, objetivo da
discussão, o contexto ético no qual cada discurso é proferido, são alguns dos elementos não
deixados de fora dessa abordagem. Van Eemeren e Rob Grootendorst definem a argumentação
como segue:
6
Tradução minha do trecho: La argumentación es uma actividad verbal, social y racional que apunta a convencer a
um crítico razonable de la aceptabilidad de um punto de vista adelantando uma constelación de uma o más
proposiciones para justificar este punto de vista. (Cf. A. VERA, 2010, p 152).
7
Cf. Walton (2012, Capítulo 01).
argumentativa, de forma que as normas exijam dos arguidores posições ético-lógicas com
razoável grau de sensatez.
No entanto, essa abordagem possui enormes avanços em relação ao tratamento padrão
das falácias. Falhas como a enunciação ad hoc das justificativas para a classificação de uma
falácia (alguns autores apresentavam motivos bastante implausíveis para seu modelo de
divisão dos tipos de falácia) , a assistematicidade com que eram agrupadas e tematizadas, o
teor moralista e exageradamente preventivo contra os argumentos falaciosos, e sua análise
desconectada do contexto no qual aparece em benefício de uma ultra-generalidade, foram
todas superadas, apesar de conservar ainda dificuldades inquietantes para a elaboração de uma
teoria da argumentação.
Julio Cabrera apresenta um método alternativo de seis passos para a avaliação dos
argumentos8 que serve adequadamente como propedêutica às dez regras de Van Eemeren e
Rob Grootendorst (listadas na seção 3):
8
O método em questão é uma síntese de vários autores (Fischer, Fogelin/Amstrong, Kahane, Copi, etc) feita por
Julio Cabrera conforme notas de aula de março de 2007 do estudante Marco Antônio L. Abreu).
9
Uma premissa é mais forte que sua conclusão quando exige comprometimento com uma tese mais difícil de
defender que a tese da conclusão, e.g. “Se Deus existe, então eu existo. Deus existe. Portanto, eu existo”.
Frans van Eemeren e Rob Grootendorst (EEMEREN, 1995, p. 135) propõem uma lista de
dez regras com as quais pretendem dar conta dos requisitos a serem observados numa discussão
ideal. Uma análise geral do texto mostra que, além de ser arbitrário o número de regras, que,
aliás, poderia muito bem ser acrescido com diversas outras, estas individualmente apresentam
várias dificuldades.
O autor, fortemente influenciado por Hamblin (HAMBLIN, 1970), reconhece que o
tratamento padrão das falácias sofre de graves falhas teóricas e práticas. Em sua proposta,
assume primeiramente que toda falácia é um erro lógico, movimento equivocado no discurso
argumentativo, e que se constitui num obstáculo ou impedimento para a resolução de uma
divergência. Propõe uma abrangente teoria da argumentação que abarque todo o domínio das
falácias. Para isto, concebe dez regras (EEMEREN, 1995, p. 135-136)10, as quais transcrevo e
comento abaixo:
que a outra quer expressar. Argumentos ad baculum violam claramente essa regra, se
usados para amedrontar o oponente e fazê-lo desistir de defender um ponto que a outra
parte não quer tematizar.
Regra 02. Uma parte que apresenta um ponto de vista está obrigada a
defende-lo se a outra lhe solicitar.
Não apenas quando solicitada, pois o ônus da prova é de quem defende um
ponto de vista do ouvinte. Uma maneira clássica de violar essa regra é conhecida como
falácia da inversão do ônus da prova, praticada quando o apresentador de uma tese
exige que seu oponente prove o contrário, sendo dele essa responsabilidade. Já ouvimos
algumas vezes o dito: “Prove você primeiro que isso não é assim.”
Regra 03. O ataque de uma parte contra um ponto de vista deve referir-se ao
ponto de vista que realmente foi apresentado pela outra parte.
Se o ponto de vista questionado não for o que anteriormente foi defendido pela
outra parte essa regra é violada. A falácia do espantalho é a que melhor representa a
violação da regra por corresponder aos momentos em que uma parte distorce, acresce,
diminui ou desvia o ponto para dizer que essa forma de argumento esdrúxula (que ele
criou) foi a defendida pelo oponente.
Regra 04. Uma parte só pode defender seu ponto de vista apresentando uma
argumentação que esteja relacionada com esse ponto de vista.
Aqui há a exigência por usar argumentos relevantes, que se refiram
diretamente ao tema tratado. Mas, mesmo que se use argumentos relevantes eles
precisam estar em consonância com o que está sendo tratado. A falácia da conclusão
impertinente ou ignoratio elenchi é usada na violação dessa regra.
Regra 05. Uma parte não pode apresentar algo falsamente como se fosse uma
premissa deixada implícita pela outra parte, nem pode negar uma premissa que ela
mesma deixou implícita.
É levada em conta a possibilidade bastante real de premissas implícitas. Como
na regra 4, essa é violada quando “se colocam palavras na boca do outro” (VERA,
2008, p. 178).
Regra 06. Nenhuma parte pode apresentar falsamente uma premissa como se
fosse um ponto de partida aceito, nem pode negar uma premissa que representa um
ponto de partida aceito.
Se não há compromisso com as premissas de partida, não é proveitosa a
discussão. Tanto a defesa como o ataque pressupõem a aceitação de um conjunto
comum de premissas. Um recurso que fere a regra consiste no uso da falácia da
pergunta complexa. Entre dois assaltantes que prometeram um ao outro não mais
roubar, poderia surgir dias depois a pergunta capciosa:
“Quanto você roubou?”, onde está implícita a afirmação: “Você roubou!”.
Regra 07. Uma parte não pode considerar que um ponto de vista foi defendido
conclusivamente se a defesa não foi levada a cabo por meio de um esquema
argumentativo apropriado que foi aplicado corretamente.
As noções de conclusividade e esquema argumentativo apropriado são por
demais vagas, porém a intenção de Van Eemeren é captada quando se considera que o
argumentum ad populum ou de apelação à maioria é o tipo de falácia que ela pretende
evitar (VERA, 2008, p 175).
Regra 08. Em sua argumentação, uma parte só pode usar argumentos que são
logicamente válidos ou capazes de serem validados por fazerem explícitas uma ou
mais premissas implícitas.
Esta é a regra à qual dedicaremos maiores considerações. A intenção
perseguida por Van Eemeren na exigência de validez lógica a todo argumento usado
na discussão parece, à primeira vista, legítimo e justificado. Ele pretende blindar a
discussão das falácias formais (lembrar da crítica feita na página 4 à divisão entre
falácias formais/informais): afirmação do consequente, negação do antecedente,
falácia de composição, falácia de divisão). No entanto, o autor se vê em difíceis
problemas, que serão expostos ao final da lista de regras.
Regra 09. Uma defesa fracassada de um ponto de vista deve ter como
resultado que a parte que o apresentou se retrate dele, e uma defesa conclusiva deve
ter como resultado que a outra parte se retrate de suas dúvidas acerca do ponto de
vista.
Como se vê, estas regras versam sobre uma gama de temas, desde o assunto da arguição,
a pertinência dos argumentos, os implícitos, a passagem inferencial, os participantes até a
linguagem (clareza dos termos). Duas delas - as únicas que tratam da passagem inferencial na
lógica formal - deixam especialmente fragilizado o projeto. A regra 07, segundo Carlos
Asti Vera (VERA, 2008, p. 175-176), é uma espécie de meta-regra sob a qual todas as outras
seriam sub-regras porque estabelece um padrão geral ao qual todas as outras se submetem. Todas
as outras regras também poderiam incluir em sua formulação o texto desta regra que ainda
continuariam sendo as mesmas regras. Da mesma forma, a regra 08, reservando à
argumentação o critério lógico da validez, estende sua aplicação a todas demais.
Porém, esse é o menor problema com a regra 08, porque ela lança fora da
argumentação correta todo e qualquer argumento inválido. Mas, para a apreciação deste
tópico, um esclarecimento prévio é necessário.
Para um lógico formal clássico não há qualquer dificuldade em desprezar a invalidez. Isto
porque toda sua atenção se concentra única e exclusivamente nas estruturas de argumentos
válidos, aqueles fora dessa categoria permanecem alheios à sua atenção. Entretanto, alguns
autores contemporâneos (e.g. Cabrera, Walton) têm reconhecido a legitimidade de tipos de
argumentos que, apesar de serem inválidos, conservam suficiente correção para serem usados
plausível, acertada e coerentemente numa argumentação séria. Outrossim, admite-se que um
nesta disciplina. Em seu artigo "¿Es realmente la lógica tópicamente neutra y completamente
general?”, Cabrera diz que a lógica clássica agrupa os argumentos em dois grandes grupos:
segundo a validez e segundo a correção. A validez-L (validez lógica em terminologia
carnapiana) é tradicionalmente definida, de maneira um tanto vaga, como um modo de
inferência que garante a passagem das premissas para a conclusão sem auxílio de nenhum
outro pensamento fora daquele expresso pelas premissas, e que conserva confiavelmente a
necessidade da passagem com elevado grau de certeza. A correção é o simples acréscimo da
condição de veracidade às premissas de um argumento válido-L. Isto é, será correto o
argumento que é válido e possui premissas verdadeiras. No entanto, Cabrera reconhece haver um
tipo de exigência mais rigorosa e intuitivamente respaldada que a validez ou mesmo a correção
para que se dê assentimento a um argumento formal e informal, a correção-A, por ele
entendida (mas não definida) como a propriedade de uma conclusão derivar das premissas de
modo a respeitar intuições básicas. E a partir daí, defende a fragilidade da noção de
validez-L frente à incorreção-A. Raciocínios válidos-L e corretos podem não possuir
conclusões que se seguem de suas premissas, ou seja, podem ser incorretos-A, como no caso
abaixo, que exemplifica uma instanciação da comutatividade da conjunção (X˄Y Y˄X):
(Exemplo I)
Premissa (A): Joaquim Barbosa votou e saiu do tribunal.
Conclusão(B): Joaquim Barbosa saiu do tribunal e votou.
A premissa (A) fala de uma situação em que duas ações são executadas em momentos
diferentes. Há uma sucessão temporal entre uma e outra, de modo que a conclusão deveria
respeitar a ordem em que as ações aparecem, mas não o faz. Na sentença (B) temos uma nova
ordenação dos fatos, o que modifica o sentido de (A), dando a entender que Joaquim Barbosa
votou num lugar que não o tribunal. Estes são os raciocínios infra-válidos. Assim, a validez
não garante a correção-A.
Contrariamente, procura mostrar que argumentos determinados como inválidos ou
mesmo falaciosos “podem admitir infinitas instâncias sistematicamente corretas-A”
(CABRERA, 2003, p 20). Estes Cabrera os denomina supra-válidos. Examinemos o caso
clássico da falácia formal da negação do antecedente (X→Y, ~X, ~Y):
(Exemplo II)
Premissa (A): Se Vicente Ferreira vive, então virá à Brasília.
Apesar de se admitir que Vicente Ferreira poderia não vir a Brasília por outros
motivos não mencionados nas premissas, é de se esperar que esse recurso não seja acionado por
ser claramente impertinente. Pois, quando argumentamos, esperamos que os motivos para a
conclusão sejam todos retirados das premissas mencionadas. E, intuitivamente temos total
adesão à conclusão admitindo as premissas listadas. Assim, apesar de inválido, o raciocínio é
correto-A.
A restrição de van Eemeren ao uso apenas de argumentos válidos dentro das
discussões veta completamente a possibilidade de que outros, denominados supra-válidos, façam
parte do elenco de teses. Isso pode inviabilizar o sucesso da argumentação, já que somente um
conjunto minúsculo de argumentos é aceito para entrar no jogo e toda uma gama de teses
corretas-A deixada de lado. A argumentação não pode abstrair dos inúmeros tipos de argumentos
reais possíveis e eleger um campo tão reduzido de possibilidades argumentativas.
A crítica de Cabrera estende-se não apenas aos dois conceitos relatados. No mesmo
artigo, ele tenta defender a tese de que a ultra-generalidade lógica é incompatível com a
aplicabilidade universal, conceitos abraçados pela tradição como firmemente fundamentados -
através do método de contra-exemplos, chegando à conclusão de que a lógica não estuda o
suposto "objeto qualquer", mas espécies muito particulares de objetos. Os exemplos I e II
mostram que objetos atingidos pela temporalidade e causalidade não são tomados pela lógica
formal, já que sua análise se retira de tais tipos de objetos. Assim, objetos não-temporais e
não-causais é que são estudados por ela, e não o pretenso objeto qualquer. Defendendo-se a
neutralidade tópica, é forçoso admitir que a lógica formal não possui a aplicação geral a qualquer
objeto. E endossando-se a tese de ultrageneralidade, incorre-se, fatalmente também, na restrição
a temas específicos, isto porque uma tese se opõe à outra, excluindo-se mutuamente. Não é
possível à lógica ser geral e observar, concomitantemente, o contexto. Portanto, tentando salvar a
neutralidade temática, a lógica formal incorre na perda de adequação, sensibilidade temática; e,
se aceita ser sensível ao tema, renuncia à ultra- generalidade. Assim, as duas características
fulcrais da lógica moderna (as quais colocam em jogo também as noções de validade e
correção lógica), parecem não suportarem-se num mesmo sistema lógico.
5. Conclusão
Referências Bibliográficas
COPI, Irving. Introdução à Lógica. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1968.
WALTON, Douglas N. Lógica Informal: Manual de Argumentação Crítica. Trad.: Ana Lúcia
R. Franco e Carlos A. L. Salum. 2ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.