Um Olhar Gestáltico Sobre A Bulimia
Um Olhar Gestáltico Sobre A Bulimia
Um Olhar Gestáltico Sobre A Bulimia
Goiânia
Março, 2011
2
Resumo: O objetivo deste artigo foi compreender a vivência da pessoa com bulimia sob o prisma da
Gestalt-terapia, que reconhece a pessoa como um ser de contato, singular e repleto de pontecialidades.
Para tanto, fez-se um estudo de caso, bem com o a exploração de alguns conceitos sobre o tema, tais
como: bulimia, contato, retroflexão, doença existencial, confirmação, desconfirmação e
inautenticidade. Observou-se que houve experiências continuadas de desconfirmação e falta de
aceitação na vivência do sujeito que contribuíram para o surgimento de um modo retroflexivo e
inautêntico de ser e estar no mundo. Verificou-se que há possibilidade de haver uma relação entre
bulimia, desconfirmação e inautenticidade. A Gestalt-terapia, embasada no método fenomenológico,
permitiu a compreensão da história de vida do sujeito. Por fim evidenciou-se que os sintomas
apresentados pela pessoa com bulimia são vivenciados de modo singular e vão além dos aspectos
físicos.
Abstract: This article is about understanding someone's life as a bulimic under a Gestalt therapy
prism. It considers the person as a singular, touchable and potencial one. In that way, a study case was
based in related concepts over the theme as bulimia, liaison, retroflexion, existential disease,
confirmation, disconfirmation and inauthenticity. Gestalt therapy, based on phenomenological
method, allowed the understanding of the individual's life story. It was noticed that several continued
disconfirmation experiences and lack of acceptance contributed for a new retroflexive and inauthentic
way of being in the world. Finally, it became clear that symptoms showed and lived by the person are
singular and beyond physical aspects.
1
Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Gestalt-
terapia, do Curso de Pós-graduação Lato Sensu do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-
terapia de Goiânia (ITGT), chancela da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).
2
Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, especializanda em Gestalt-
terapia pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT). E-mail:
[email protected]; atendimento psicoterapêutico no Núcleo Morato de Psicologia Sistêmica.
3
Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), especialização
em Gestalt-terapia pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT),
mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atualmente: professor titular do
Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT) e atendimento
psicoterapêutico na Clincorpus: centro de terapias.
3
1 Introdução
conteúdo nutricional.
verduras e grãos. O avanço tecnológico em relação aos alimentos é tão grande que
perpetuação da espécie, como no tempo dos primatas da raça humana, mas para
alimento chega prontinho, em porções generosas, sem esforço para ser consumido.
Wansink, 2010).
4
como bulimia, anorexia e obesidade, são crescentes nos últimos dez anos, atingindo
cada vez mais cedo as pessoas que desejam ter um corpo “perfeito” (magro-belo)
paradoxo que contribui para que, cada vez mais, as pessoas arrisquem os mais
“milagrosos” para se ter o corpo magro e perfeito tão idealizado. Nunca se viram
cirurgias plásticas como meio para atingir a “perfeição” da forma física. Evidencia-
se, assim, que a sociedade privilegia o consumo bem como a imagem da pessoa bela
e magra. Essa aparência de pessoa magra é algo tão desejado, que, associado a outros
que a pessoa, faminta e desnutrida de afeto, clama por ajuda. Dethlefsen e Dahlke
estado das pessoas e não a partes independentes (órgãos, estômago e outras partes do
corpo). Essa visão difere do método cartesiano, que visa generalizar os sintomas e
Mentais. 2000), a bulimia é descrita como transtorno alimentar, cujos sintomas mais
evitar ganho de peso. A pessoa faz indução de vômitos após episódio compulsivo
alimentar. Esse método purgativo é empregado por 80% a 90% dos casos. O uso
processo de luto mal elaborado (rejeição e/ou sentimento de abandono). Para essas
serve como aliado; após ingestão, o alimento passa ter outra conotação – a de ameaça
valorizam muito a forma e o peso do corpo; possuem uma percepção física distorcida
magreza como símbolo de sucesso e beleza, as pessoas com bulimia desejam para si
esse padrão que é inatingível, gerando frustrações, culpa pelo fracasso, o que
bulimia, sendo notória uma relação mãe-filha difícil, cheia de cobranças, desejos e
com bulimia.
com a comida e com o mundo. A pessoa com bulimia não confia em si mesma, em
compromissos, por medo de não conseguir realizá-los, uma vez que generaliza seu
uma fome extrema, mas também pode servir como uma alternativa (que alivia) para
que algumas pessoas com bulimia consideram que cometeram a compulsão, mesmo
tendo ingerido uma pequena porção de alimento, ou pelo simples fato de esse
subjetivos da pessoa com bulimia, pois vão além dos aspectos orgânicos e sociais. Os
natural da sua vida, o que a impede de experimentar outras formas de ser, estar e
Karwowski, 2007).
tratando uma pessoa única e não apenas um tipo de doença”. (Nunes, 2007, p. 68 e
individual, em que cada pessoa desenvolve seu padrão alimentar, seja pela escolha
alimento.
tais como de ansiedade e de humor. Portanto, este estudo torna-se relevante, pois
8
aborda o aspecto subjetivo da pessoa com bulimia bem como o seu modo de ser e
terapia, que percebe o ser humano como uma totalidade, como uma pessoa de
contato, que sente e que se alimenta na tentativa de suprir suas necessidades (Nunes,
2007).
Dessa forma, a pessoa permanece presa ao passado, limitando seu modo de ser no
mundo.
pelas pessoas” (p. 53). Inconscientemente a pessoa permanece com uma necessidade
base de toda psicopatologia em que a pessoa sofre no esforço para se tornar ser
de voltar-se para outra pessoa e afirmar sua existência separada, sua alteridade e sua
presente, durante toda a vida, mas é proveniente quando houve uma sintonia falha
entre a criança e seus pais” (p. 126). Assim, a confirmação de uma pessoa por outra
pessoa em ser amada, confirmada. Para ser amada, deve assumir os papéis que lhe
sistema falso de identidade do ser, em que a pessoa desenvolve uma postura na qual
diferenciar sua própria identidade daquela que representa, por que é esperado dela
abertura que não lhe pertence como algo que ele possa dispor, e nessas condições, o
ser fecha-se em si mesmo, alienando-se totalmente de sua principal missão que seria
pode ser percebida nas pessoas com bulimia. Segundo Panazzolo (2002), pessoas
próprias, “engolem” crenças e padrões sociais sem perceber seus sentimentos, sem
atender suas reais necessidades. Portanto, a bulimia é uma forma adoecida, uma
mundo, ou seja, uma forma de relacionar-se com o outro, com ela mesma e com o
11
alimento. Essa forma de ser gera muito sofrimento, além de afetar os aspectos
2 Método
afirma que esse método é descritivo e exige que se faça epoché (suspensão de
redução fenomenológica como recurso para chegar ao fenômeno como tal, à sua
essência. De acordo com Yontef (1998), é um método que exige, por parte do
pesquisador, postura atentiva para que a observação seja objetiva, com descrição
2.1 Participante
da participante. Esse nome foi escolhido pela própria participante, que relatou
dois filhos (um com 8 anos e outro com 6 anos), buscou terapia se intitulando
como bulímica, dizendo ter feito terapia por um ano, quando chegou ao peso
mas, no momento, teme não conseguir melhorar, pois voltou a vomitar todos
de trabalho do esposo.
Breve histórico de vida: Amanda relata ter demorado cinco anos para aceitar
que estava doente, chegando a pesar 48 kg (“pele e osso”, termo usado por
ela). Refere-se a essa fase como estando feliz, pois era notada pelas pessoas,
mas consciente de que estava doente. Considera-se fruto indesejado (não foi
jeito que eu sou” – e do esposo, que nunca tem tempo para ela e que é muito
uma via para participante e outra para pesquisadora, computador, gravador MP3,
2.3 Procedimento
por ampliar conhecimentos sobre o tema bulimia. Amanda relata que os transtornos
divulgados, pois ela acredita que existam muitas mulheres na sua situação e que, por
e transcritas. Foram realizadas dez sessões no total e selecionadas cinco sessões para
este estudo.
13
Etapas:
cliente, devolvendo para ela sua fala. Procurou acessar o que era mais importante
sentido de fazer com que a cliente entrasse em contato com sua experiência
presente (figura).
inclusão.
A terapeuta percebeu uma forma de comunicação não verbal por parte da cliente,
postura acolhedora e tentou fazer com que a cliente descrevesse sua experiência.
sua experiência e procurou fazer com que a cliente nomeasse sua experiência
estudo de caso.
3 Resultado e Discussão
14
como uma totalidade, como um ser de contato (um ser no mundo e com o mundo). O
cliente o que contribuiu para que ela pudesse entrar em contato com seu sofrimento,
Primeira sessão:
C: Bom, eu quero fazer um tratamento sério, porque sinto que estou piorando.
T: Piorando como?
Segundo Rogers (1997), “ouvir atentamente meu cliente era uma maneira importante
de ajudar”. (p.69)
ser internada na UTI. Fiquei “sem peito” e “sem bunda”, mas eu gostava. É difícil
pra mim, mas eu era feliz assim, mas fiquei muito doente, ninguém entende que eu
gostava de me ver magra, pele e osso. Fiquei muito mal, não mesntruava, vomitava
T: Você se sentia bem em pele e osso, embora soubessem que estava doente, a ponto
psiquiatra, mas resolvi mudar de médicos, porque não me ajudavam em nada (suspira
A terapeuta procurou acessar o que era mais importante (figura) para a cliente
C: Mal. (choro)... Estou vomitando quase todos os dias, às vezes mais de uma vez.
A pessoa com bulimia apresenta dificuldade de entrar em contato com suas emoções,
mesma a energia que deveria dirigir a outra pessoa (Schilings & col., 2007; Ribeiro,
2009).
cliente. A terapeuta poderia ter realizado outra intervenção: Você diz que vomita
comia alimentos fáceis e posicionava o dedo de forma que não me machucava, então
“No início, ao induzir o vômito, a pessoa com bulimia introduz objetos ou os dedos
na garganta, com o tempo, chegam a eliciá-lo apenas curvando-se” (Nunes & col.,
2006, p. 42).
17
Segunda sessão:
experiência presente. Ciornai (1995) afirma que o terapeuta deve ser suporte para
que assim, ao liberar o fluxo de energia e awareness, seja capaz de tomar suas
C: não sei...
A terapeuta procurou ajudar a cliente a entrar em contato com o que era figura. A
(Ribeiro, 1985).
C: É que tenho uma relação muito difícil com minha mãe. Quando eu tinha cinco
anos ela se casou novamente, e me disse: “agora você tem que crescer.” Lembro
disso até hoje. Comecei a trabalhar cedo, fazia de tudo para que ela sentisse orgulho
de mim, mas ela nunca me aceitou do jeito que eu era, me achava gorda, então fiquei
Segundo Sato (2007), é comum observar conflitos nas relações familiares de pessoas
com bulimia, em especial entre mãe e filha, permeados por cobranças, desejos e
expectativas.
19
Terceira Sessão:
T: Oi, Amanda.
A terapeuta percebeu uma forma de comunicação não verbal por parte da cliente.
Deve-se estar atento à pessoa como um todo, ao verbal e ao não verbal, pois “tudo no
C: (Em silêncio)... Tenho que ser honesta aqui (choro). Eu estou cansada de ser o que
não sou, de falar e fazer o que não quero. NÃO AGUENTO MAIS! (muita energia
na fala).
T: Você está cansada de ser uma pessoa que você não é; como é falar disso aqui,
agora?
Segundo Miller (1997), a pessoa desenvolve uma postura inautêntica, na qual mostra
apenas o que é esperado dela, se fundindo a essa imagem. Isso impossibilita o ser de
C: Um alívio! Lá fora é mais fácil eles acreditarem que eu vomito por não gostar do
meu corpo, do que porque estou sofrendo, afinal, moro num condomínio de luxo,
T: Diante disso que você falou, parece que é difícil ter que ser diferente do que você
é, tenho a sensação de que você encontrou um jeito para não aceitar, por meio do ato
(A intervenção da terapeuta poderia ter sido: “Aqui, comigo, você pode ser você
mesma...”).
Quarta sessão:
T: Olá, Amanda.
fala).
cliente. Segundo Buber, citado por Hycner e Jacobs (1997), “o terapeuta deve sentir
o outro lado, o lado do paciente na relação, como um toque corporal, para saber
C: Tenho que acompanhar meu marido em um evento fora de Goiânia, meu filho
menor adoeceu. Pedi para ela ficar com os meninos, ela teve a capacidade de cobrar
R$5.000,00, pode? Graças a Deus minha irmã vai ficar com eles. Não gosto de ficar
longe dos meus filhos, mas tenho que acompanhar o Paulo (nome fictício do esposo).
T: Como você está agora ao relatar que não pode contar com sua mãe?
ativamente...” (p.21).
C: Com ódio! (muita energia na fala). Ela nunca faz nada por mim, tudo que faço é
pouco. Não sou boa o suficiente. Estou tão mal que não consigo comer, tenho ânsia
A cliente, embora tenha demonstrado algum contato com seus sentimentos, manteve
energia que seria dirigida para o meio. Segundo Ribeiro (2007; 2009), “é importante
qual desejo ser como os outros desejam que eu seja dirigindo para mim mesmo a
Quinta Sessão:
Nesta sessão é possível perceber a forma como a cliente lida com seus conflitos,
T: Percebo que você está com a respiração ofegante, irrequieta com as mãos. O que
está acontecendo?
A terapeuta percebe e verbaliza uma forma de linguagem não verbal. “O cliente deve
ser visto sob todos os seus aspectos, não só através da fala, linguagem verbal, mas
também através de um corpo que fala de “n” formas. Assim, a intervenção não será
C: Estou com vontade de vomitar (a cliente, muito mobilizada, põe a mão na boca
T: O que está acontecendo que está deixando você com vontade de vomitar?
qualquer que seja o grau de contato desta; não tanto o que está sendo experenciado,
24
relembrado, dito... mas a maneira como o que está sendo relembrado é relembrado ou
C: Olha que eu acabei de sair da aula de “mortai”, mas não consegui aliviar nada.
(Cliente leva a mão na boca novamente). Eu ia chegar mais cedo para vomitar, mas
muitas vezes cria atrito interno e estresse considerável, uma vez que permanece
autocontida e não se move para a ação necessária” (Polster & Polster, 2001, p. 99).
Diante disso, a intervenção também poderia ter sido: Amanda, você disse que não
conseguiu aliviar nada, você percebe o modo como você lida com seus problemas?
C: Pior que eu não sei (choro intenso). Assim, acho que pode ter sido por ontem, foi
a gota d’água, por uma série de coisas que estão acontecendo. Aí acho que dei uma
baqueada.
para mudar a si mesmo e a experiência que se tem no mundo” (p. 113). Outra
intervenção possível: Amanda, você percebe como fica diante uma série de
acontecimentos... Essa intervenção seria uma tentativa de provocar contato para que
a cliente perceba o modo como ela fica diante dos acontecimentos, ou seja, de como
ela redireciona a energia para si, ao invés de direcionar para o meio (Fukumitsu,
2007).
25
C: (Choro intenso)
C: Ontem eu tive um sentimento que eu nunca tinha sentido na minha vida. Senti
muito ruim, ruim com isso, tô falando de sentimento, porque eu não sei explicar, sei
que foi muito ruim. Não sei explicar se senti raiva ou inveja, nunca senti isso. A
gente vai lá trás, eu fico olhando, sei que não pode ser comparado, mas... (respira
fundo) o braço direito do meu marido é meu tio, e a mulher dele engravidou depois
de um tratamento que ela fez... [...] ELA TEVE UMA MENINA (fala com muita
energia). [...] Quando fiquei grávida do Yan (nome fictício, para preservar a
identidade do menino), não dava para ver no ultra-som que era uma menina, mas o
povo da igreja ficava falando que era eu aceitei, tipo assim, comprei umas coisas cor
de rosa, mas não fui tão louca de comprar tudo rosa, fiz o enxoval com cores mais
neutras. Talvez isso fosse bom, porque era o que eu queria ouvir e os ultra-sons não
mostravam nada. [...] eu acreditava e falava é uma menina sim! E quando falavam,
mas, se não for? Eu dizia: mas é! Sinto que é! [...] Com isso, quando veio o Yan,
quando ele nasceu, eu não digo que foi uma frustração, não fiquei frustrada, mas fui
apedrejada, entendeu? As pessoas me jogaram na cara, cadê aquele Deus que você
serve que não te deu uma filha? Foi difícil, mas como eu estava dentro da igreja, eu
superei... (respira fundo). Achei que tinha superado. Aí ontem foi o dia dela ganhar
neném. Não tenho frustração. Eu olho uma menina de vestidinho, não tenho vontade,
quando alguém me pergunta se eu quero uma, digo que não, que a menina lá de casa
sou eu. É uma menina o bebê dela, e o povo aquela coisa, sabe? Todo mundo fica
falando. (fala com muita energia, choro intenso). E aí minha mãe casseta! (choro de
26
soluçar...) Minha mãe me incomodou muito! Quando fiquei grávida, não deu a
mínima, bulhufas, todo mundo, meu marido, que nunca foi presente (choro)...[...] E
meu marido que não deu a mínima atenção, ontem foi ver o bebê. Puxa, eu e meus
filhos somos o quê? (raiva). O Enzo (nome fictício) quase morreu! Fiquei sozinha
com meus filhos (em prantos)... [...] Ele vai ver a criança e deixa faltar as coisas em
casa. Isso me incomodou muito, fui mexer numa ferida que eu achava que estava
cicatrizada. Não vou fazer só porque tá todo mundo dizendo para eu fazer, pagando
T: Eu estou escutando, não tenho vontade, vou respeitar isto, mesmo que gere todo
esse sofrimento. Estou ouvindo também que você está chateada, com raiva, porque,
quando foi ganhar neném, não teve apoio de ninguém, nem da mãe, nem do marido.
Veio o segundo filho com toda atribulação de saúde, que foi muito difícil. E agora
você vê outra pessoa tendo um colo que você gostaria de ter tido.
ficar dentro de sua experiência, em lugar de se deixar prender por uma imagem ou
C: (Em silêncio).
C: Dói tanto! Eu me culpei tanto achando que era inveja, mas eu fui lá trás.
É importante que o cliente nomeie sua experiência para dar sentido a sua
cliente, pois esteve presente, o que facilitou a inclusão. “Os Gestalt-terapeutas não
estão confinados a uma gama limitada de respostas (...) São livres para estarem
presentes com o cliente... para estarem a serviço da relação dialógica”. (Hycner &
entendeu? Para ver se as pessoas me enxergam, para ver se tudo que passei na vida
A cliente entra em contato com um modo inautêntico. Naves (2009) afirma que a
pessoa inautêntica não experimenta sua liberdade, sua consciência, não vivencia suas
no qual se encontra. Isso pode remetê-lo à vida autêntica, pois se torna sujeito
T: Quando você fala “quero rasgar minha imagem para que eles me vejam...”.
(Silêncio...)
T: O que acontece quando você pensa nessa imagem? O que você quer mostrar?
experiência para a cliente. Ciornai (1995) afirma que, quando a pessoa tem um
28
C: É nessas horas que eu me confundo, minha cabeça dá um nó. Aí parece que nada
que seja para dizer mal, falavam. “OU, você tá magra demais, ta pele e osso”, mas eu
gostava. Parece que enxergava... Eu não sei, parecia que era para chamar a atenção
da pior forma possível. Agora... converso com todo mundo, mas não faz diferença.
A cliente demonstra uma tentativa de ser ela mesma. Segundo Fridman (1985), “A
T: Dessas pessoas, de quem você realmente quer atenção, Amanda? De quem você
(2005) afirma que, “para obter a confirmação do outro, a criança precisa abrir mão da
com aquilo que o outro espera dela, sua única saída é tentar negar, suprimir,
reconhecimento pela família e outros grupos...” (p. 106). Com isso, a criança faz
importante: a de ser confirmada, ainda que de forma negativa. Dessa forma, a pessoa
29
C: (Choro intenso)
C: Minha mãe nunca olhou para mim. Nunca, em toda minha vida, ela nunca olhou.
Eu fiz tudo certo, mas ela nunca olhou para mim. Às vezes eu tô com ela e a gente
escuta que o filho do fulano deu trabalho, eu falo, nossa mãe eu nunca te dei este
trabalho. Nunca dei trabalho pra ela, nem na escola nem em nada eu dei trabalho pra
cuja finalidade é ajudar o cliente a se desdobrar, pedacinho por pedacinho, até que
ele “veja” sua essência consumida, ou seja, até que ele possa identificar e
realidade.
[...]4
T: Quando você fala “não muda, não tem jeito”, parece que você não tem esperança
mais em relação a isso, eu estou errada? ... Ou é nesse momento que você está
sentindo isto?
A terapeuta tentou levar a cliente a ampliar contato com sua experiência. Segundo
4
Alguns trechos da sessão foram suprimidos, em virtude da delimitação física deste artigo. O
fragmento que segue é da finalização da sessão.
30
C: Não. É por isto que dei o primeiro passo, eu preciso me curar. Eu estou cansada,
cansada de correr atrás de um corpo perfeito, desse corpo que “tá na minha cabeça” e
que possa despertar atenção, sem ser do jeito que é. Me incomoda ter este corpo e eu
passar na rua, descer do carro e os homens ficarem mexendo, eu não quero esse
corpo...
Tentativa de confirmar a experiência do cliente. A busca é para não ser uma mulher
que chama atenção pela sensualidade, mas de outra forma, de menina que busca
chamar a atenção de sua mãe para que a veja, a valorize a confirme. Segundo
pessoa diante dele, é ainda um esforço de voltar-se para o outro e afirmar sua
existência como única e separada, mesmo que talvez seu comportamento não seja
C: É por isto que eu luto contra este corpo... (choro seguido de silêncio longo)
31
4 Considerações Finais
pessoa com bulimia, bem como abrir outras vias para compreender o modo como a
pessoa se relaciona consigo mesma, com a comida, com seu corpo e com o mundo.
a uma pessoa única, capaz de dar sentido ao que se vivencia. O contrário seria
uso que uma pessoa faz dele é transcendente em relação ao corpo enquanto
que a cliente dá quando, em suas palavras, “luta contra seu corpo”, de mulher
ter um corpo desnutrido – também em suas palavras, “sem peito”,“ sem bunda”,
não foram supridas (“desejo de ser aceita”, de ser “vista do jeito que é” por pessoas
deste estudo e sua patologia confirmada. O passo adiante neste estudo foi
compreender o modo como a cliente vivenciou sua bulimia, pelo prisma da Gestalt-
Referências
Aguiar, L. (2005). Gestalt-terapia com crianças, teoria e prática. São Paulo: Livro
Pleno.
Dethlefsen, T. & Dahlke, R. (1983). A doença como caminho: uma visão nova da
cura. Como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem. São
Paulo: Cultrix.
Miller, A. (1997). O drama da criança bem dotada: como os pais podem formar e
(deformar) a vida emocional dos filhos. São Paulo: Summus.
Nunes, A. N.; Appolinario, J. C.; Galvão, A.L.; Coutinho, W. & col. (2006).
Transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Artmed.
Wansink, B. (2010). A Multiplicação das Porções. Revista Veja, 2182(37), Ano 43,
p.111.
36
ANEXOS
Anexo 1
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, de uma pesquisa.
Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, e no caso de aceitar fazer
parte do estudo, assine no final deste documento. Você deverá assinar duas vias, uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de dúvida sobre a
pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável, psicóloga
Érika Teixeira de Brito Costa, telefone 62-99538701.
________________________________
*****************
Psicóloga e Pesquisadora Responsável
----------------------------------------------------------------------------------------------------
37
Anexo 2