História Da Igreja - As Heresias Cristológicas (I) - Cléofas

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09/05/2022 09:05 História da Igreja: As Heresias Cristológicas ( I ) - Cléofas

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História da Igreja: As Heresias Cristológicas ( I )


POR PROF. FELIPE AQUINO 2 DE SETEMBRO DE 2021 HISTÓRIA DA IGREJA  

Após verificar que o Filho de Deus é verdadeiro Deus


com o Pai e o Espírito Santo, a atenção dos
teólogos  devia voltar-se mais detidamente para a
questão: como Jesus pode ser autêntico  Deus e
autêntico homem? Como se  relacionam entre si a
Divindade e a humanidade de Jesus?

A resposta a estas perguntas  exigiu grande esforço


por parte dos estudiosos, que a formularam em
quatro  etapas: 1) a fase apolinarista; 2) a fase
nestoriana; 3) a fase monofisita; 4) a fase monotelita.

A seguir, estudaremos as  três primeiras destas


etapas.

O Apolinarismo

Em plena controvérsia ariana, o Bispo Apolinário de


Laodicéia (Síria), 310-390, mostrava-se
fervoroso  defensor do Credo niceno contra os
arianos, mas afirmava que em Cristo a  natureza
humana carecia de alma humana; tomava ao pé da
letra as palavras de S.  João 1,14: “O Lógos se fez
carne”, entendendo carne no sentido estrito,
com  exclusão de alma. O Lógos de Deus faria as
vezes de alma humana em Jesus, isto  é, seria
responsável pelas funções vitais da natureza
humana assumida pelo Lógos.  Os argumentos em
favor desta tese eram os seguintes: duas naturezas
completas  (Divindade e humanidade) não podem
tornar-se um ser único; se Jesus as tivesse, Ele teria
duas pessoas ou dois eu – o que seria monstruoso. Além disto, dizia, onde há um homem completo, há também o pecado;
ora o pecado tem origem na vontade; por conseguinte, Jesus não podia ter vontade humana nem a alma espiritual, que é a
sede da vontade.

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Apolinário expôs suas idéias no livro “Encarnação do Verbo de Deus”, que ele apresentou ao Imperador Joviano e que os
seus discípulos difundiram. – Foram condenadas num sínodo de  Alexandria em 362;
depois, pelo Papa S. Dâmaso em 377 e 382 e, especialmente, pelo  Concílio de
Constantinopla I (381). Verificando a oposição que lhe faziam bons teólogos, Apolinário
limitou-se a negar a presença de mente (nous) humana em Jesus. S. Gregório de Nissa
(? 394) e outros autores lhe responderam mediante belo princípio: “O que  não foi
assumido pelo Verbo, não foi redimido” – o que quer dizer: Deus quer  santificar e
salvar a natureza humana pelo próprio mistério da Encarnação ou  pela união da
Divindade com a humanidade; se pois, a humanidade estava mutilada  em Jesus, ela
não foi inteiramente salva.

Em Antioquia, fundou-se uma  comunidade apolinarista, tendo à frente o Bispo Vital.


Por volta de 420 esta foi reabsorvida pela  Igreja ortodoxa, mas nem todos os seus
membros abandonaram o erro, que reviveu, de certo modo, na heresia monofisita.

Leia também: História da Igreja: As Heresias Cristológicas ( II )

Grandes Heresias

As piores heresias

O Nestorianismo

Afirmada a existência da  natureza humana completa em Jesus, os teólogos puderam estudar mais detidamente  o modo
como humanidade e Divindade se relacionaram em Cristo.

Antes, porém, de entrar em  particulares, devemos mencionar as duas principais escolas teológicas da  antiguidade: a
alexandrina e a antioquena, que muito influíram na elaboração da Cristologia.

A escola alexandrina era herdeira de forte tendência mística; procurava exaltar o divino e o transcendental nos artigos da
fé. Interpretava a S. Escritura em sentido alegórico, tentando desvendar os mistérios divinos contidos nas Sagradas Letras.
Em assuntos cristológicos, portanto, era inclinada a realçar o divino, com detrimento do humano.

Ao contrário, a escola antioquena era mais dada à filosofia e à razão: voltava-se mais para o humano, sem negar o divino.
Interpretava a S. Escritura em sentido literal e tendia a salientar em Jesus os predicados humanos mais do que os atributos
divinos. Era mais racional, ao passo que a de Alexandria era mais mística.

Dito isto, voltemos à história do dogma cristológico.

A primeira tentativa de solução foi encabeçada por Nestório, elevado à cátedra episcopal
de  Constantinopla em 428. Afirmava que o Lógos habitava na humanidade de Jesus
como um homem se acha num templo ou numa veste; haveria duas pessoas, em Jesus –
uma  divina e outra humana – unidas entre si por um vinculo afetivo ou moral. Por
conseguinte, Maria não seria a Mãe de Deus (Theotókos), como diziam os antigos, mas
apenas Mãe de Cristo (Christokós);  ela teria gerado o homem Jesus, ao qual se uniu a
segunda pessoa da SS. Trindade com a sua Divindade.

Nestório propunha suas idéias em pregações ao povo, nas quais substituía o título “Mãe
de Deus” por  “Mãe de Cristo” As suas concepções suscitaram reação não só em
Constantinopla, mas em outras regiões também, especialmente em Alexandria, onde S.
Cirilo era  Bispo ardoroso. Este escreveu em 429 aos bispos e aos monges do
Egito, condenando a doutrina de Nestório.

As duas correntes se dirigiram ao Papa Celestino I, que rejeitou a doutrina de Nestório num sínodo de 430. Deu ordem a S.
Cirilo para que intimasse Nestório a retirar suas teorias no prazo de dez dias, sob pena de exílio; Cirilo enviou ao Patriarca
de Constantinopla  uma lista de doze anatematismos que condenavam o nestorianismo. Nestório não se  quis dobrar, de
mais a mais que podia contar com o apoio do Imperador; além do  mais, tinha muitos seguidores na escola antioquena,
entre os quais o próprio Bispo João de Antioquia.

Em 431, o Imperador Teodósio  II, instado por Nestório, convocou para Éfeso o terceiro Concílio Ecumênico a  fim de
solucionar a questão discutida. S. Cirilo, como representante do Papa Celestino I, abriu a assembléia diante de 153 Bispos.
Logo na primeira sessão, foram apresentados  os argumentos da literatura antiga favoráveis ao título Theotókos, que
acabou sendo solenemente proclamado; daí se seguia que em Jesus havia uma só pessoa (a Divina); Maria se tornara Mãe
de Deus pelo fato de que Deus quisera assumir a natureza  humana no seu seio. Quatro dias após esta sessão, isto é, a
26/06/431 chegou a Éfeso o Patriarca Jogo de Antioquia, com 43 Bispos seus seguidores, todos favoráveis a Nestório; não
quiseram unir-se ao Concílio presidido por S.  Cirilo, representante do Papa; por isto formaram um conciliábulo, qual
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depôs  Cirilo. O Imperador acompanhava tudo de perto e sentia-se indeciso. S. Cirilo então mobilizou todos os
seus recursos, para mover Teodósio II em favor da reta doutrina; nisto foi ajudado por Pulquéria, piedosa e influente irmã
mais velha do Imperador. Este finalmente apoiou a sentença de Cirilo e  exilou Nestório. Todavia os antioquenos não se
renderam de imediato; acusavam  Cirilo de arianismo a apolinarismo. Após  dois anos de litígio, em 433 puseram-se de
acordo sobre uma fórmula de fé que. professava um só Cristo e Maria como Theotókos.

O Nestorianismo, porém, não se extinguiu. Os seus adeptos, expulsos do Império Bizantino, foram procurar refúgio na
Pérsia, onde fundaram a Igreja Nestoriana. Esta teve notável expansão até a China e a Índia Meridional; mas do século XIV
em diante foi definhando por causa das incursões dos mongóis; em grande parte, os nestorianos voltaram à comunhão
da Igreja universal (são hoje os cristãos caldeus e os cristãos de São Tomé).

Em nossos dias muitos estudiosos têm procurado reabilitar a pessoa e a obra de Nestório, que parece ser autor de uma
apologia intitulada “Tratado de Heraclides de Damasco”: pode-se crer que tenha tido reta intenção; mas certamente
sustentou posições errôneas por se ter apegado demasiadamente à Escola Antioquena.

O Monofisismo

A luta contra o Nestorianismo, que admitia em Jesus duas naturezas e duas pessoas,
deu ocasião ao surto do extremo oposto, que é o monofisismo ou monofisitismo (“em
Jesus há uma só natureza e uma só pessoa: a divina”).

O primeiro arauto desta tese  foi Eutiques, arquimandrita de Constantinopla:


reconhecia que Jesus constava originariamente da natureza divina e da humana, mas
afirmava que a natureza divina absorveu a humana, divinizando-a; após a Encarnação,
só se poderia falar  de uma natureza em Jesus: a divina. Esta doutrina tornou-se a
heresia mais  popular e mais poderosa da antiguidade, pois, para os orientais, a
divinização da humanidade em Cristo era o modelo do que deve acontecer com cada
cristão.

Eutiques foi condenado como herege no Sínodo de Constantinopla em 448, sob o Patriarca Flaviano. Todavia não cedeu e
reclamou contra uma pretensa injustiça, pois tencionava combater o Nestorianismo. Conseguiu assim ganhar os favores da
corte.

Solicitado pelo Patriarca  Dióscoro de Alexandria, Teodósio II Imperador convocou em 449 novo Concílio  Ecumênico para
Éfeso, confiando a presidência do mesmo a Dióscoro, que era  partidário de Estiques. Dióscoro, tendo  aberto o Concílio
negou a presidência aos legados papais; não permitiu que fosse lida a Carta do Papa S. Leão Magno, que propunha a reta
doutrina: as duas naturezas em Cristo não se misturam nem confundem, mas cada qual exerce a sua atividade própria em
comunhão com a outra; assim Cristo teve realmente fome, sede e cansaço, como homem, e pôde ressuscitar mortos como
Deus. – Esse  Concílio de Éfeso proclamou a ortodoxia de Eutiques; depôs Flaviano, Patriarca  de Constantinopla, e outros
Bispos contrários à tese monofisita… Todavia os  seus decretos foram de curta duração. Os  Bispos de diversas regiões o
repudiaram como ilegítimo ou, segundo a expressão  do Papa São Leão Magno, como “latrocínio de Éfeso”; pediam novo
Concílio que de fato foi convocado após a morte de Teodósio II pela Imperatriz Pulquéria (irmã de Teodósio) e pelo general
Marcião, que em 450 foi feito Imperador e se casou com Pulquéria.

O novo Concílio, desta vez  legítimo, reuniu-se em Caledônia, diante de Constantinopla, em 451; foi o mais  concorrido da
antiguidade, pois dele participaram mais de 600 membros, entre os  quais três legados papais. A assembléia  rejeitou o
“latrocínio de Éfeso”; depôs Dióscoro e aclamou solenemente a Epístola Dogmática do Papa São Leão a Flaviano; esta serviu
de base a uma confissão de fé, que rejeitava os extremos do Nestorianismo e do Monofisismo, propondo em Cristo uma só
pessoa e duas naturezas:

“Ensinamos e professamos um  Único e idêntico Cristo… em duas naturezas, não confusas e não transformadas,  não
divididas, não separadas, pois a união das naturezas não suprimiu as diferenças; antes, cada uma das naturezas conservou
as suas propriedades e se uniu com a outra numa Única pessoa e numa Única hipóstase”.

Assim terminou a fase  principal das disputas cristológicas: em Cristo não há duas naturezas e duas  pessoas, pois isto
destruiria a realidade da Encarnação e da obra redentora de Cristo; mas também não há uma só natureza e uma só pessoa,
pois Cristo agiu  como verdadeiro homem, sujeito à dor e à morte para transfigurar estas nossas realidades. Havia, pois,
uma só pessoa (um só eu) divina,  que, além de dispor da natureza divina desde toda a eternidade, assumiu a  natureza
humana no seio de Maria Virgem e viveu na terra agindo ora como Deus, ora como homem, mas sempre e somente com o
seu eu divino.

O encerramento do Concílio de Calcedônia não significou a extinção do monofisismo. Além da atração que esta doutrina
exercia sobre os fiéis (especialmente os monges), propondo-lhes a humanidade divinizada de Cristo como modelo, motivos
políticos explicam essa  persistência da heresia; com efeito, na Síria e no Egito certos cristãos viam  no Monofisismo a
expressão de suas tendências nacionalistas, opostas ao  helenismo e à dominação bizantina. Por isto os monofisitas
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continuaram a lutar  contra o Imperador, que havia exilado Dióscoro e Eutiques e


ameaçado de punição  os adeptos destes: ocuparam sedes episcopais; inclusive a de
Jerusalém (ao  menos temporariamente). No século VII a  situação se agravou, pois os
muçulmanos ocuparam a Palestina, a Síria e o Egito, impedindo a ação de Bizâncio em
prol da ortodoxia nesses países. Em conseqüência, os monofisitas foram  constituindo
Igrejas nacionais: a armena, a síria, a mesopotâmica, a egípcia e a etíope, que subsistem
até hoje com cerca de 10 milhões de fiéis.

No Egito, os monofisitas  tomaram o nome de coptas, nome que guarda as três


consoantes da palavra grega Aigyptos (g ou k, p, t); são os antigos egípcios. Os ortodoxos
se chamam melquitas (de melek,  Imperador), pois guardam a doutrina ortodoxa
patrocinada pelo Imperador em Calcedônia. Há coptas que se uniram a Roma em 1742,
enquanto os outros permanecem monofisitas,  mas professam quase o mesmo Credo que os católicos. Na Abissínia os
monofisitas também são  chamados coptas pois receberam forte influência do Egito. – Dentre os  melquitas, grande parte
aderiu ao cisma bizantino, separando-se de Roma em 1054; certos grupos, porém, estão hoje unidos à Igreja universal; ver
capítulo 21.

Na Síria e nos países vizinhos, os monofisitas foram chamados jacobitas, nome derivado de um dos seus primeiros chefes:
Jacó Baradai (= o homem da coberta de cavalo, alusão às suas  vestes maltrapilhas). Jacó, bispo de Edessa (541-578),
trabalhou com zelo e  êxito para consolidar as Comunidades monofisitas, As quais deu por cabeça o  Patriarca Sérgio de
Antioquia (544).

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Sobre Prof. Felipe Aquino


O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área
pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é
Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da
Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento
XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos.
Na TV Canção Nova,
apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o
programa “No Coração da Igreja”.
Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em
todo o Brasil e no exterior.
Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e
Canção Nova.
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