Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação 2446-8606: Issn: Bizelli@
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Educação
ISSN: 2446-8606
[email protected];
[email protected]
Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho
Brasil
ALVES, Gilda Maria Albaricci Nex; NEME, Carmen Maria Bueno; CARDIA, Mirella Faraco
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO DÉFICIT
DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) REVISÃO DA LITERATURA
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 9, núm. 4, octubre-diciembre,
2014, pp. 760-769
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Introdução
1
Psicóloga cursando mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. UNESP –
Universidade Estadual Paulista. Supervisora do Centro de Reabilitação SORRI-BAURU. Bauru – SP –
Brasil. 17033-360 - [email protected].
2
Livre Docente em Psicologia Clínica na UNESP. Pós-Doutorado no Laboratório de Estudos
Psicofisiológicos do Stress da PUC-Campinas. Docente no Programa de Mestrado em Psicologia do
Desenvolvimento e Aprendizagem. UNESP – Universidade Estadual Paulista. Bauru – SP – Brasil.
17033-360 - [email protected].
3
Psicóloga. Ampliatta - Instituto de Psicologia e Saúde. Bauru – SP – Brasil. 17017-332 -
[email protected].
crianças com mesmo nível desenvolvimental. Consequentemente, dificulta a realização
de processos que envolvam esforço mental por determinado período de tempo.
O diagnóstico do TDAH é fundamentalmente clínico, baseando-se em critérios
operacionais claros e bem definidos, provenientes de sistemas classificatórios como o
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Health Disorder, Fouth Edition, 2000
(DSM-IV) e Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição, CID-10 (ARAÚJO,
2002). O TDAH pode ser subdividido segundo a presença ou ausência de hiperatividade
761 7 / impulsividade e/ou déficit atencional, de acordo com os critérios do DSM-IV, que o
61 classifica como combinado, predominantemente desatento e predominantemente
hiperativo/impulsivo.
Os critérios do DSM IV envolvem a persistência em mais de um contexto,
ocorrer antes dos sete anos e duração mínima de seis meses de comportamentos que
envolvem desatenção-hiperatividade-impulsividade. A desatenção se manifesta por
facilidade em distrair-se com estímulos alheios à tarefa, esquecimento em atividades
diárias, distração durante conversas, desatenção ou não cumprimento de regras em
atividades lúdicas, alternância constante de tarefas, além de evitar tarefas complexas e
que exijam organização. A hiperatividade caracteriza-se pela movimentação e fala
excessivas, dificuldade de ficar sentado e tendência a correr ou escalar em situações
inapropriadas A impulsividade envolve o agir sem pensar e dificuldade em esperar sua
vez em atividades lúdicas ou em situações de grupo.
De acordo com Santos e Vasconcelos (2010), o diagnóstico deve ser refeito a
cada semestre, sugerindo aspecto dinâmico e transitório do transtorno. Os autores
apontam a relação entre desatenção, hiperatividade e impulsividade, no transcorrer dos
últimos seis meses podendo resultar em diferentes subtipos de diagnóstico de TDAH e
propõe a marcação temporal de seis meses para acompanhamento.
O TDAH pode manifestar-se isoladamente apesar da alta incidência de
comorbidades, isto é, a simultaneidade de ocorrência de dois ou mais transtornos ou
outros problemas orgânicos. Um quadro de TDAH acompanhado de comorbidades pode
dificultar o diagnóstico preciso. De acordo com Biederman et al. (apud ROHDE;
HALPERN, 2004), as pesquisas mostram uma alta prevalência de comorbidade entre o
TDAH e coloca dados estatísticos como os transtornos de conduta e opositor desafiante
situada em torno de 30 a 50%. A taxa de comorbidade também é significativa com
depressão (15 a 20%); transtornos de ansiedade (25%) e transtornos da aprendizagem
(10 a 25%).
Bolfer (2009) destaca que as causas desse transtorno, apesar de ainda não
completamente definidas, podem ser atribuídas a uma combinação de fatores genéticos,
biológicos e ambientais. A autora cita em seu estudo, pesquisas neuropsicológicas e de
neuroimagem indicando comprometimento de funções do córtex pré-frontal nos
portadores de TDAH e ressalta a importância dessa região em relação aos sintomas
apresentados, complementa ainda, destacando pesquisas de imagem cerebral que
demonstram áreas de tamanho reduzido do córtex pré-frontal, núcleos de base e
762 7 cerebelo em pacientes com TDAH, discorrendo sobre as múltiplas projeções de
62 neurônios ricos em dopamina e noradrenalina, serotoninas, glutaminas e acetilcolinas
que tais regiões recebem, reforçando os aspectos multi-determinantes do TDAH.
De acordo com Gonçalves et al. (2013), nos últimos anos, estudos apontam além
das dificuldades do controle atencional e do grau de atividade e impulsos, evidências de
prejuízos em funções executivas.
Pesquisas neuropsicológicas demonstram que crianças com TDAH podem ter
mais dificuldades que seus pares sem o transtorno, em atividades que exijam inibição,
atenção, automonitoramento e executivo central da memória de trabalho (COSTA;
DORNELES; ROHDE, 2012). O autor relaciona tais evidências com demais achados
em pesquisas que atribuem ao déficit inibitório com uma das causas das dificuldades
atencionais e executivas de crianças com TDAH. Destaca que situações que exigem
automonitoramento e inibição da resposta, aspectos incluídos nas funções executivas,
necessitam de adequada capacidade do componente memória de trabalho para serem
executadas.
Bolfer (2009) ressalta que esta característica pode ser observada na criança
através de suas respostas antes do término da pergunta ou na dificuldade em conseguir
sustentar a atenção diante de um estímulo externo importante. Os estudos da autora
atribuem a falha no controle inibitório e a não sustentação da atenção como a causa do
déficit cognitivo, da recepção desorganizada da informação e das falhas no
armazenamento da informação.
Considerando a complexidade das diversas variáveis que envolvem o TDAH,
evidencia-se a importância de uma avaliação minuciosa e específica deste transtorno.
Gonçalves et al. (2013) conclui que a avaliação neuropsicológica ainda não é
plenamente incluída nos protocolos de avaliação clinica e nos estudos científicos.
Descreve como essa avaliação busca identificar e descrever os padrões de
funcionamento cognitivo típico, esperado de acordo com o nível sociocultural,
desenvolvimental e outras diferenças individuais da população e destaca que tal
avaliação pode permitir caracterizar as funções cognitivas com desempenho preservado
e aquelas com desempenho prejudicado.
Rohde e Halpern (2004) ressaltam a importância da integração dos processos de
investigação, os quais devem considerar os dados obtidos junto aos pais, professores e a
própria criança. Propõe que a consideração isolada de uma única fonte de informações
pode ser prejudicada pelos dados fornecidos pela família e pela tendência dos
763 7 professores em maximizarem os problemas de comportamento. Em contrapartida, a
63 avaliação baseada apenas em técnicas de observação e exame clínico, de acordo com o
autor, pode não ser capaz de identificar alguns marcadores de TDAH. Em certas
situações, as crianças e adolescentes conseguem controlar seus sintomas
temporariamente através de esforço e envolvimento voluntário em atividades que lhe
despertem interesse. Por tais razões, a abordagem interdisciplinar e a utilização de
recursos variados para diagnóstico e intervenções voltadas ao TDAH são recomendadas
expressamente por diversos especialistas da área (REPPOLD, 2005).
Reppold (2005) cita que através dessa proposta, é possível analisar
comportamentos disfuncionais previamente identificados pelas escalas objetivas
relacionando-os ao contexto de vida do sujeito, descreve que nem todas as indicações de
alteração são evidências diagnósticas, uma vez que a presença de indicadores de
desatenção e hiperatividade/impulsividade pode ser decorrente de uma alteração afetiva
ou de uma situação estressora e, portanto, não preencher necessariamente critérios para
TDAH.
Nesta mesma direção, os Manuais voltados a critérios para diagnóstico, como o
DSM IV, enfatizam como considerações no diagnóstico do TDAH, que os
comportamentos como desorganização, dificuldades escolares e dificuldade em cumprir
combinados devem relacionar-se a resultados de alterações em processos cognitivos
como atenção, memória e não decorrentes de características de personalidade ou
consequência exclusiva de outras disfunções psicológicas, como um padrão de
comportamento deliberadamente oposicionista ou desafiador, dependência de
substâncias, transtornos de aprendizagem ou deficiência intelectual.
Assim, considerando a importância da avaliação neuropsicológica infantil para a
investigação clínica de transtornos psicológicos, este estudo apresenta uma revisão da
literatura sobre o tema e descreve os instrumentos neuropsicológicos utilizados nesta
área.
Objetivos
764 7 Método
64
Este estudo caracteriza-se por uma revisão de literatura. Trata-se de uma forma
de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura sobre o tema avaliação
neuropsicológica de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH).
As bases de dados escolhidas para a pesquisa de artigos consistiu dos bancos de
dados LILACS, SCIELO e Portal Capes disponíveis on-line, selecionando-se trabalhos
publicados de 2000 a 2012. Foram adotados também os critérios de inclusão: os artigos
deveriam citar instrumentos de avaliação psicológica e neuropsicológica e a faixa etária
dos sujeitos das pesquisas deveria estar entre 6 e 17 anos de idade. Foram adotados os
seguintes critérios de exclusão: relatos de casos de TDAH em comorbidade com outros
diagnósticos e indisponibilidade dos artigos científicos na íntegra.
Foram utilizadas as palavras-chave "avaliação neuropsicológica", "avaliação
psicológica", "transtorno do déficit de atenção e hiperatividade", combinando dois
termos.
Os resumos obtidos nos bancos de dados foram comparados entre si para a
verificação de superposição de artigos, excluindo-se os artigos repetidos.
Posteriormente, os resumos foram analisados para selecionar trabalhos que atendessem
aos critérios de inclusão. Nesta fase de coleta de dados, foram selecionados resumos e
uma nova etapa de apreciação dos artigos completos permitiu chegar à definição final
dos textos que foram analisados neste estudo.
Os artigos completos foram examinados segundo os critérios adotados no
presente estudo, excluindo-se os que não os atendiam.
Os registros dos dados coletados foram analisados considerando-se os aspectos:
1) ano de publicação, 2) tipo de estudo, 3) objetivos do estudo, 4) idade da população,
5) gênero, 6) número de participantes, 7) instrumentos de avaliação utilizados.
Resultados e discussão
Foram obtidos sete artigos que atenderem aos critérios de elegibilidade para o
estudo.
O quadro 1 apresenta a distribuição dos artigos de acordo com o ano de
publicação, sendo possível observar um maior número de publicações nos anos de 2008
a 2012. Contudo, pode-se considerar que ainda são poucas as pesquisas nacionais
765 7 desenvolvidas sobre o tema e acessíveis on-line.
65
Quadro 1 – Distribuição dos artigos publicados entre 2000 e 2012
2000 1
2001 1
2008 1
2009 1
2010 2
2012 1
total 7
Fonte: Elaborado pelas autoras.
A escassa produção científica voltada à temática da avaliação neuropsicológica
do TDAH pode gerar diagnósticos incorretos, conforme citado por Reppold (2005).
A população estudada em todos os artigos científicos que compuseram este
estudo foi composta por meninos e meninas, não se encontrando referência a diferenças
entre gêneros, embora, na literatura específica seja citada com maior frequência o
TDAH em meninos (ROHDE; HALPERN, 2004).
Dos sete artigos selecionados, três descreveram estudos com população
envolvendo crianças, sendo dois deles com população inferior a trinta participantes e
um deles com população acima de duzentos sujeitos. Os demais artigos referem-se ao
levantamento de dados com professores, pais e profissionais sobre o tema. O quadro 2
apresenta dados sobre a população abordada nos estudos.
Quadro 2 – Distribuição da frequência dos participantes nos artigos científicos com
população de crianças
Participantes Frequência
255 crianças 1
766 7 30 crianças 1
66 277 pais e 282 professores 1
10 neurologistas, 10 psiquiatras e 10 1
psicólogos
136 professores 1
30 crianças 1
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Quanto ao diagnóstico de TDAH, os dados deste estudo revelaram que entre as
pesquisas publicadas no período de 2000 a 2012, três utilizaram apenas entrevistas,
escalas ou anamnese, aplicados em pais e professores. Um dos estudos utilizou apenas
testes neuropsicológicos e três deles utilizaram testes, entrevistas e observação da
criança em situações lúdicas ou de interação.
A avaliação neuropsicológica tem como objetivo estudar as relações entre a
atividade cerebral, cognição e o comportamento. De acordo com Lezak, Howieson e
Loring, (2004), considera as alterações cognitivas, comportamentais e emocionais de
acordo com a natureza, extensão e localização da lesão cerebral, além da influência das
variáveis idade, gênero, condições físicas e contexto psicossocial de desenvolvimento.
Borges et al. (2008) descreve sobre o uso restrito e recente da avaliação
neuropsicológica para os quadros psicopatológicos da infância e adolescência e sobre a
lacuna na literatura brasileira no que se refere a este tema.
Ainda quanto aos instrumentos de avaliação, verificou-se que o teste WISC III -
Escala de Inteligência Wechsler para crianças foi utilizado em dois artigos. Em duas
pesquisas foram utilizados instrumentos para medida das funções atencionais, sendo
citados: Teste de Cancelamento (TC), Color Trail Test (CTT), Teste de Atenção por
Cancelamento (TAC) e Teste de Trilhas – parte B. E investigação do desempenho
escolar foi realizada apenas em um dos estudos, através do TDE: teste de desempenho
escolar.
Apenas um dos artigos analisados, utilizou o teste Wisconsin de Classificação de
Cartas e Evocação Seriada reversa para números, sendo o primeiro um instrumento para
Avaliação psicológica e Neuropsicológica adaptado e padronizado para uso no Brasil e
usado como uma medida de flexibilidade mental e o segundo voltado a funções
executivas e avaliação da memória operacional. Estudos neuropsicológicos sugerem que
767 7 as limitações em quadros de TDAH podem ser verificadas em mais de um domínio
67 cognitivo. As funções mais associadas ao possível prejuízo cognitivo relacionado ao
TDAH são atenção, memória de trabalho e componentes de funções executivas
(GONÇALVES et al., 2013), justificando a importância de aprofundamento na
avaliação psicológica. Dos sete artigos selecionados para este estudo, dois citaram os
critérios diagnósticos do DSM IV como um dos instrumentos utilizados na avaliação.
A figura 1 representa a informação referente ao profissional que realizou as
avaliações citadas nos artigos científicos. Cinco artigos (71%) informaram a
participação de psicólogos e dois deles (29%) citaram psicólogos em conjunto com
profissional da área de medicina.
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Psicólogos Psico+Médicos
Considerações finais
A partir dos resultados encontrados neste estudo, constata-se que as publicações
sobre o TDAH vêm aumentando nos últimos anos, progressivamente, entretanto o
número de publicações brasileiras ainda é escasso.
Destaca-se a importância da avaliação neuropsicológica, que pode contribuir
para um maior conhecimento sobre as relações entre prejuízos cognitivos e
psicopatologia.
Amostras muito específicas e a utilização de instrumentos reduzidos são
768 7 algumas das limitações que podem comprometer a generalização dos resultados. Dessa
68 forma, observa-se que são necessários cuidados metodológicos para que os estudos
sobre prejuízos neuropsicológicos na infância sejam mais consistentes.
Como o TDAH interfere nas atividades diárias e escolares, os profissionais da
área da educação e da saúde devem estar preparados para a avaliação e reabilitação
destas crianças, de forma a minimizar o impacto na qualidade de vida e interação social
desta população.
REFERÊNCIAS