Acórdão Do Tribunal Da Relação Do Porto
Acórdão Do Tribunal Da Relação Do Porto
Acórdão Do Tribunal Da Relação Do Porto
Processo: 430/06.4PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRAZO PROCESSUAL
CONTAGEM
Nº do Documento: RP20121114430/06.4PWPRT.P1
Data do Acordão: 11/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos no n.º 2 do art.º 113º do CPP, quando efectuadas por via postal registada,
as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio.
II – A norma deve ser interpretada no sentido de que todos os referidos 3 dias têm de ser
dias úteis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 430/06.4PWPRT.P1
1.Relatório
No 2º juízo dos juízos criminais do Porto, em processo comum com intervenção do
tribunal singular, foi submetido, além de outros[1], a julgamento o arguido B…,
devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se
decidiu condená-lo, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.
e p. pelos arts. 143º nº 1 e 146º nºs 1 e 2, com referência ao art. 132º nº 1 al. g), todos do
C. Penal, na redacção anterior à Lei nº 59/2007 de 4/9, na pena de 2 anos de prisão, com
execução suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, assente em
plano individual de readaptação social a elaborar pelos serviços de reinserção social,
executado com vigilância e apoio desses serviços, e subordinada ao pagamento, no
prazo de 6 meses, da indemnização atribuída ao ofendido/demandante.
Na procedência parcial do pedido indemnizatório contra ele deduzido pelo demandante
D…, foi o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia global de 5.064,86€,
acrescida de juros à taxa legal sobre o montante de 1.064,86€, correspondente a danos
patrimoniais, desde a notificação e até integral pagamento, indo absolvido do mais
peticionado.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela declaração
da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art 379º do C.P.P. ou, assim se não entendendo,
pela sua revogação e consequente absolvição por verificação de causa de exclusão da
ilicitude, ou pela atenuação especial da pena por verificação de situação de excesso de
legítima defesa, ou pela alteração da qualificação jurídica com a subsunção dos factos ao
crime de ofensa à integridade física simples e a aplicação de uma pena de multa, para o
que apresentou as seguintes conclusões:
xxv. Encontra-se erradamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos
n.ºs: 6., 7., 9., 14., 15., 16., 17., dos factos provados e als. e), f), g), e h) dos factos
não provados.
xxvi. Tal matéria encontra-se erradamente julgada porquanto:
Da prova directa produzida em audiência de julgamento, não resultam aqueles factos
como provados; e ao invés estes que foram dados como não provados deveriam ter sido
considerados provados.
A prova produzida ou examinada em audiência de julgamento e invocada na decisão
recorrida, através de suporte digital:
Depoimento do arguido B… prestados no dia 03-05-2011, no hiato temporal das 14:45:18
às 15:31:38; Depoimento do arguido e lesado D… prestados no dia 03-05-2011 no hiato
temporal das 15:32:42 às 16:11:50; e Depoimento da testemunha E… prestado no dia
03-05-2011, no hiato temporal das 17:49:16 às 17:59:37 e no dia 20-05-2011, no hiato
temporal das 10:03:32 às 10:20:19 - não permitem a inferência, como realidade
exclusiva, de tal factualidade e ao invés, como se refere no texto das motivações supra
aduzidas até impõem decisão diversa.
xxvii. Na verdade não se pode concluir que, como concluiu a sentença de que se recorre,
que o recorrente agrediu o arguido D…, actuando de forma livre, voluntária e consciente,
com o propósito, sem mais, molestar o corpo e a saúde deste, sabendo que ao usar uma
arma para o maltratar fisicamente recorria a um meio que melhor lhe permitia realizar os
seus intentos, colocando-se numa posição de clara superioridade em relação aquele.
xxviii. Olvidando que - ao não dar com provada a matéria constante nas als. c), d), e), F),
g) e h) e que deveria ter tido tratamento diverso, devendo ser dada como assente - o
arguido agiu de modo justificado uma vez que era o único meio de repelir a agressão
actual e ilícita de que se encontrava na iminência de ser vítima.
xxix. O arguido/lesado D… dirigia-se ao encontro do recorrente, com uma pedra grande
na mão, disposto a arremessá-la, como veio a acontecer, e
xxx. Este para evitar tal agressão disparou a arma que tinha.
xxxi. Três disparos seguidos, de frente, “tau, tau, tau” no dizer da testemunha E….
xxxii. Um acertou no pé;
outro na coxa;
e outro na parte inferior do abdómen, de “raspão”.
xxxiii. Tiros disparados quase num só toque de gatilho e direccionados todos de cima
para baixo.
xxxiv. E mesmo assim, o lesado, mesmo após ter sido impactado, ainda arremessou a
pedra contra a viatura do arguido, amolgando o respectivo capôt.
xxxv. Apenas e só apenas, após ter tido a percepção de que fora atingido!...
xxxvi. O recorrente dispara três vezes contra o lesado e só após o terceiro disparo é que
este se detém, não sem que antes arremesse a referida pedra.
xxxvii. Acreditamos estar perante causa de exclusão da ilicitude - cfr. artg.- 32.º do C.P.
ou quando muito e sem conceder perante situação de excesso de legitima defesa.
xxxviii. Aquela a reclamar exclusão da ilicitude. Esta a reclamar atenuação especial da
pena - artgs.º 32.º e 33.º C.Penal/2007.
xxxix. Deverá ser pois revogado o acórdão e substituído por outro que considerando
como provada a factualidade que foi dada com não provada e referida nas als. e), f), g) e
h) dos factos não provas permitem infirmar contrariando, a matéria dada como assente
nos artgs.º 6., 7., 9., 14., 15., 16. e 17. E seja suficientemente fundamentadora de
decisão absolutória nos termos propugnados.
SEM CONCEDER,
xl. A serem dados como provados os factos, como o foram, quer na sua materialidade
quer na sua intencionalidade, nunca seriam os mesmos susceptíveis de serem
enquadrados no tipo legal em q o foram - arts 143.º, n.º l e 145.º, n.º l, al. a), e n.º 2, com
referência ao art. 132.º, n.º 2, al. h), do C.P./07 - mas e tão só no tipo do art.º 143.º
consubstanciariam eventualmente a prática do ilícito previsto art.º 143.º do CP ao invés
daquele que foram condenados.
xli. Quer dizer o arguido teria cometido tão só um crime de ofensas à integridade física
simples - art.s 143.º do CP. - e não qualificada.
xlii. Para se afirmar o preenchimento dos pressupostos a que aludem os preceitos que
condenaram o ora recorrente seria necessária a existência de especial censurabilidade
ou perversidade no comportamento daquele.
xliii. Vejamos,[5] “Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou
perversidade no comportamento assumido pelo arguido, impõe-se a análise das
circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto ilícito e a conclusão de que
elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do
agente ou que são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial
perversidade do agente que são merecedoras de um severo juízo de censura.
xliv. Ora o arguido não teve qualquer comportamento, à luz da prova produzida em
audiência de julgamento que reconduzisse a uma qualquer especial censurabilidade.
xlv. Lembremos, como refere a Dra. Paula Ribeiro de Faria, in Código Penal
Conimbricense, pág. 202, “O crime de ofensa à integridade física simples surge como o
tipo legal fundamental em matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da
«ofensa ao corpo ou saúde de outrem» que se deixa construir uma série de variações
qualificadas, como a ofensa à integridade física grave (art.s 144º), agravada pelo
resultado (art.º 145º), qualificada (146º), privilegiada (art.º 147º) e por negligência (art.º
148º). De realçar a forma como passam a ser estruturados neste Código os crimes contra
a integridade física e contra a vida (cfr. Actas 1993, 219)”.
xlvi. Temos assim que, no caso das ofensas corporais, o tipo legal fundamental é o de
ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143º do C. Penal.
xlvii. Todos os outros, citados no referido estudo, são derivados, na medida em que
resultam de um acrescentamento de outros elementos ao tipo base.
xlviii. O agravamento da pena é resultante, pois, do juízo que se faça à conduta do
agente no sentido de se concluir que aquela revela especial censurabilidade ou
perversidade do agente.
xlix. Significa isto que ao tipo legal fundamental - crime de ofensa à integridade física
simples - se vão buscar os seus elementos típicos - ofensa no corpo ou na saúde, com
todas as suas envolventes; mas criou-se um tipo novo, resultante do acrescentamento de
novos elementos que incidem sobre a culpa, e que exigem uma valoração própria e
independente a este respeito.
l. No caso em apreço tal censurabilidade não se verificou!
li. Consequentemente, foi erroneamente preenchido a qualificação legal do tipo de crime!
lii. Na verdade, apenas se preencheu o tipo legal de crime p. e p. no artg.º 143.º do CP, e
não mais - crime de ofensas à integridade física simples.
liii. E apenas, nessa medida, se deveria ter condenado o arguido em pena de multa,
como, alias, impõe o disposto no artg.º70.º do C.Penal/2007 e face à demais matéria
dada como assente.
(…) que não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega a violação das normas
contidas nos artigos 143º, 1 e 145º, 1, h) e 2, 132º, 2, h) e 70º, todos do C.P. e no art.
32º, 2 C.R.P., devendo ser julgada improcedente a alegada violação do disposto no art.
374º, 2 C.P.P., por falta de exame crítico da prova, bem como o pretendido
incumprimento do disposto no art. 127º C.P.P., que consagra o princípio da livre
valoração da prova.
Efectivamente, a sentença recorrida não padece de qualquer vício ou nulidade, plasma
um conjunto de factos que decorrem da prova produzida, considerando o seu conjunto e
a respectiva análise à luz das regras da experiência comum e aplica o direito
correctamente.
Nada há, portanto, a censurar à decisão sob recurso, que deverá ser mantida na íntegra,
julgando-se o recurso interposto improcedente.
● o recorrido C…:
1° A sentença recorrida não padece de insuficiente fundamentação, visto que ela cumpre
o desiderato legal, pois não só indica os meios de prova produzidos e carreados nos
autos, em que o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção, bem como a respectiva
razão de ciência, como também indica e examina de forma crítica e clara as provas em
que assentou a consideração dos factos como provados, nela se revelando um raciocínio
lógico e coerente, sustentado nas declarações dos arguidos B… e D…, no depoimento
da testemunha presencial E…, nos relatórios periciais e nas fotografias juntos aos autos.
2° O que permite concluir que o tribunal recorrido analisou e procedeu a uma avaliação
crítica ao conteúdo das provas, seguindo um processo lógico e racional na formação da
sua convicção, não resultando pois, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou
violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
3° Desse modo, não se verifica qualquer insuficiência quanto à fundamentação da
sentença, visto que o tribunal recorrido deu cabal cumprimento ao estabelecido no artigo
374°, n° 2, do C. P. Penal.
4° O recorrente para chegar à conclusão totalmente infundada que deveria ser absolvido,
alega apenas e tão só, ínfimas partes das suas declarações, do recorrido D… e do
depoimento da testemunha directa E….
5° Praticando, por essa via, truncamentos, descontextualizações e manipulações, da
prova gravada nas sessões da audiência de discussão e julgamento.
6° Tal conteúdo, como é por demais evidente, não espelha nem de perto, nem de longe,
as declarações prestadas pelos arguidos e o depoimento prestado pela testemunha, em
sede de audiência de discussão e julgamento.
7° Acresce que, a Meritíssima Juiz “A quo” para formar a sua convicção, não se fundou
apenas nas declarações e no depoimento da testemunha E…, mas também nos
relatórios periciais, esclarecimentos de fls. 295/296 e nas fotografias juntas aos autos,
conforme consta na motivação da sentença.
8° Com efeito, as declarações do arguido D…, confirmadas pelo depoimento prestado
pela testemunha E…, estão em consonância designadamente, com o relatório pericial de
fls. 209 a 215 e os esclarecimentos de fls. 295/296, que revelam que pelo menos a
primeira bala disparada pelo arguido B…, que atingiu o D… no pé, teve uma trajectória
descendente.
9° Ao invés, a versão apresentada pelo arguido B…, além de ter sido desmentida pela
testemunha directa E…, não é minimamente compaginável e está em contradição, com
as fotos de fls. 61, relativas à simulação efectuada com base na própria descrição feita
por si, com os relatórios periciais de fls. 209 a 215, de fls. 353 a 359, nem com os
registos clínicos e relatórios de exame médico-legal, bem como as fotos de fls. 372/373.
10° Ora, as declarações prestadas pelo arguido D… em 03/05/2011, que se encontram
gravadas no Habilus, das 15:32:41 às 16:11:50 horas, e o depoimento prestado pela
testemunha directa E…, em 03/05/2011 e em 20/05/2011, que se encontra gravado no
Habilus, das 17:49:16 às 17:59:37 horas e das 10:03:31 às 10:20:19 horas,
respectivamente, além de ser coincidentes entre si, estão em consonância com as fotos,
os relatórios periciais, os registos clínicos e os relatórios de exame médico-legal juntos
aos autos.
11° Pelo que, tais meios probatórios permitem sem margens para quaisquer dúvidas,
firmar um juízo de certeza sobre a prática do crime de que o arguido B…, se encontrava
acusado.
12° Por conseguinte, a Meritíssima Juiz “A quo” limitou-se a dar cumprimento integral à
Lei Penal processual e substantiva, ao condenar o arguido B… pela prática, em autoria
material, de um crime de ofenda à integridade física qualificada, previsto e punido pelos
artigos 143°, n° l, e 146°, n°s l e 2, com referência ao artigo 132°, n° 2, alínea g), todos
do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos.
13° Como é por demais evidente, a conduta empreendida pelo arguido B… é reveladora
de especial censurabilidade ou perversidade, porque empunhou, direccionou e disparou
três tiros com uma arma de fogo que trazia consigo, atingindo o corpo do D…, conforme
resulta dos factos provados.
14° Uma vez que, o primeiro tiro foi disparado, quando o D… se encontrava de frente
para si, no meio da rua, totalmente desprotegido e indefeso, atingindo-o no pé direito.
15° E o segundo e terceiro tiro foram disparados pelo arguido B…, quando o D… fugia e
já se encontrava de costas voltadas para ele, atingindo-o na parte de trás da coxa direita
e na zona abdominal.
16° Com a agravante, do arguido B… ao ser agente da Polícia de Segurança Pública,
saber que o uso da arma de fogo era injustificado e excessivo, colocando-o numa
posição de clara e objectiva superioridade em relação ao D…, podendo-lhe provocar
lesões mais graves e inclusivamente, a própria morte.
17° Por conseguinte, o arguido B… sabia e tinha a consciência de que a arma de fogo
por si utilizada, tinha aptidão para provocar não só uma lesão especialmente grave no
corpo do D…, como também a sua morte.
18° Pelo que, o arguido B… com a sua actuação preencheu a circunstância qualificativa
prevista na alínea g) do artigo 132°, n° 2, do Código Penal, consubstanciada na utilização
de um meio particularmente perigoso, ou seja, a arma de fogo.
19° Porquanto, como é pacificamente reconhecido quer na doutrina, quer na
Jurisprudência, a utilização de uma arma de fogo, constitui um meio de agressão
particularmente perigoso, por possuir uma potencialidade acima da normal de causar
lesões corporais graves e de pôr em causa a própria vida da vitima.
Tendo sido este último notificado para pagamento de multa, nos termos do art. 145º nº 6
do C.P.P., por apresentação da resposta fora de prazo, e indeferido que foi o
requerimento por ele apresentado no sentido de se considerar atempada a prática do
acto e dada sem efeito aquela notificação, foi pelo mesmo interposto recurso de tal
despacho com vista à sua revogação e substituição por outro que admita a referida
resposta, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1° Por despacho o tribunal recorrido indeferiu o requerido pelo ora recorrente, em que
requereu que fosse dado sem efeito a notificação de pagamento de multa, por
alegadamente ter apresentado fora de prazo a resposta ao recurso interposto pelo
arguido B….
2° Para fundar a sua decisão de indeferimento, o tribunal recorrido considerou que
estava perante um caso omisso e aplicou o artigo 254°, do Código de Processo Civil, o
qual no seu n° 3, presume que as notificações postais ocorrem no terceiro dia posterior
ao do registo.
3° Ora, como é por demais evidente, as notificações em processo criminal não
constituem um caso omisso, em virtude de as mesmas se encontrarem previstas e
reguladas no artigo 113°, do C. P. Penal.
4° Logo, jamais o tribunal recorrido poderia no caso em apreço, aplicar o artigo 254° do
Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 4°, do Código de Processo
Penal.
5° Porque, por um lado, as notificações em processo criminal como é aqui o caso,
encontram-se reguladas no artigo 113° do Código de Processo Penal, não havendo,
portanto, um caso omisso.
6° E por outro lado, na própria notificação postal do recurso interposto pelo arguido B…,
datada de 06/01/2012, efectuada pelo tribunal ao ora recorrente, constava a negrito que:
A presente notificação presume-se feita no 3° dia útil posterior ao do envio - art.°
113, n° 2, do C. P. Penal.
7° Por conseguinte, sendo o próprio tribunal recorrido na notificação postal por si
efectuada ao ora recorrente, que diz que a notificação presume-se feita no 3° dia útil
posterior ao do envio nos termos do artigo 113°, n° 2, do C. P. Penal, mesmo que tivesse
incorrido em erro, o que não é o caso, não poderia à posterior vir desdizer-se e aplicar o
artigo 254° do C. P. Civil.
8° Porque os erros da secretaria não podem em caso algum, prejudicar os sujeitos
processuais, nos termos do artigo 161°, n° 6, do C. P. Civil.
9° Assim sendo, é absolutamente seguro que nas notificações postais feitas no âmbito do
processo criminal, como é aqui o caso, é aplicável o n° 2 , do artigo 113°, do Código de
Processo Penal, o qual determina que as notificações presumem-se feitas no 3° dia útil
posterior ao do envio.
10° Como a notificação do recurso interposto pelo arguido B…, efectuada pelo tribunal
recorrido ao ora recorrente, foi enviada em 06/01/2012, correspondente a uma sexta-
feira, logo, o seu terceiro dia útil posterior ao do envio, é quarta-feira, dia 11/01/2012.
11° Por força de tal presunção, o prazo de 30 dias de resposta ao recurso previsto no n°
2 do artigo 413°, do C. P. Penal, começou a contar a partir do seu dia seguinte, ou seja,
12/01/2012, terminando o referido prazo em 10/02/2012, data em que o ora recorrente
por registo postal enviou ao tribunal a resposta ao recurso.
12° Daí que, o ora recorrente tenha apresentado a resposta ao recurso dentro do prazo
legal de 30 dias, previsto no n° 2 do artigo 413°, do C. P. Penal.
13° E não fora do prazo legal, como de forma inconstitucional e ilegal foi decidido pelo
tribunal recorrido, por no caso vertente, não existir um caso omisso, que permita
socorrer-se do artigo 4° do Código de Processo Penal, e em consequência, aplicar o
disposto no artigo 254°, do Código de Processo Civil, em matéria de notificações, por as
mesmas no âmbito do processo criminai, se encontrarem reguladas no artigo 113°, do
Código de Processo Penal.
14° De forma ilegal, porque em processo criminal como é aqui o caso, as notificações
estão expressamente previstas e reguladas no artigo 113°, do Código de Processo
Penal, não existindo, por isso, casos omissos nessa matéria, que permita ao tribunal
aplicar o artigo 254° do Código de Processo Civil.
15° Sendo também inconstitucional, porque o tribunal recorrido ao aplicar em matéria de
notificações no âmbito do processo criminal, o disposto no artigo 254°, do Código de
Processo Civil, violou as normas dos artigos 13°, 20°, n° l, e 32°, n° l, da Constituição da
República Portuguesa, por tal norma não lhe ser aplicável e por a mesma, ao prever um
prazo de presunção de notificações inferior ao estabelecido no n° 2, do artigo 113°, do
Código de Processo Penal, implicar uma restrição de garantias de defesa, de igualdade
de tratamento e de acesso aos tribunais.
16° Por conseguinte, deve ser revogado o despacho recorrido e ordenar-se a subida da
resposta ao recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
17° Foram violados o n° 2, do artigo 113°, do Código de Processo Penal, os artigos 13°,
20°, n° l e 32°, n° l, da Constituição da República Portuguesa.
Ambos os recursos foram admitidos, com subida conjunta, tendo a Srª juiz a quo
sustentado o despacho recorrido nos seguintes termos:
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer[6] no sentido de que
o recurso da procedência do recurso interposto pelo ofendido/lesado D… e da
improcedência do que foi interposto pelo arguido B…. Quanto ao primeiro, porque
entende que, embora seja de afastar a aplicação subsidiária do C.P.C. já que não existe
no C.P.P. omissão de regulamentação do procedimento a seguir nas notificações aos
advogados, este diploma não estabelece distinção de procedimento quanto a tais
notificações, aplicando-se as regras estabelecidas no art. 113º e devendo-se interpretar a
expressão “3º dia útil” como o 3º dos 3 dias, todos eles úteis, consecutivos.
Relativamente ao segundo, considera que, apesar de o recorrente não ter identificado as
conclusões cujo processo de formação não foi explicitado, o texto da sentença recorrida
evidencia que foram plenamente cumpridas as obrigações de clareza e transparência
que derivam do nº 2 do art. 374º do C.P.P., não se verificando, por isso, a nulidade
invocada; que, igualmente, se não verifica o apontado erro de julgamento, mostrando-se
as declarações do recorrente no sentido de que os disparos foram dados de frente e para
evitar a aproximação do D… que empunhava uma pedra infirmadas pelas declarações
deste e sem apoio no depoimento da testemunha E…, não tendo sido questionada a
matéria vertida nos pontos 14., 15. e 17. dos factos provados, nem indicados elementos
de prova que impusessem decisão de sentido diferente; e que, mesmo não se
considerando, diferentemente do que foi o entendimento do tribunal recorrido, que a
arma agravasse a culpa do recorrente enquanto utilizada para manter o opositor à
distância, aquele produziu outros disparos quando este já estava em fuga, o que também
afasta a legítima defesa ou o seu excesso, e o comportamento mais grave, em que a
arma assume a sua verdadeira natureza perigosa, revela-se no disparo dirigido ao
abdómen, por se tratar de zona que alberga órgãos vitais.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados, para o que aqui interessa, os
seguintes factos:
1) No dia 22 de Junho de 2006, pelas 9.30 horas, o arguido B…, agente da Polícia de
Segurança Pública do Porto, seguia sozinho ao volante do seu veículo automóvel ligeiro
de passageiros da marca Citroen, modelo .., com a matrícula LQ-..-.., na via rápida,
sentido … – ….
2) Na mesma via e no mesmo sentido, seguia o arguido D…, que conduzia o veículo
automóvel ligeiro de passageiros da marca Opel, modelo …, com a matrícula ..-..-GR.
3) Antes de saírem em direcção à Zona Industrial …, os arguidos B… e D…, por motivos
relacionados com a respectiva condução, desentenderam-se um com o outro.
4) A partir daí, e no trajecto até à Rua …, em …, no Porto, os arguidos D… e B…
efectuaram ultrapassagens mútuas e sucessivas, até que, naquele último local, o arguido
D… imobilizou o veículo de matrícula ..-..-GR alguns metros à frente da viatura de
matrícula LQ-..-.., no centro da faixa de rodagem e de forma oblíqua, obrigando o arguido
B… a imobilizar a sua viatura.
5) Nessa altura, o arguido D… saiu do veículo que conduzia e correu na direcção do
veículo conduzido pelo arguido B….
6) Ao ver o arguido D… a correr na sua direcção, o arguido B… deitou a mão a uma
arma, da marca Walther, modelo .., com o número ……, com o carregador municiado
para munições de calibre 7.65 mm, que trazia consigo, saiu do seu veículo e, apoiando
os braços na porta do mesmo, apontou aquela arma na direcção do D…, premindo o
gatilho por três vezes.
7) Os tiros assim disparados atingiram o D… num pé, numa perna e na zona abdominal,
produzindo no corpo do ofendido, directa e necessariamente, dores e ferimentos que
careceram de tratamento hospitalar.
8) Um dos invólucros foi encontrado caído na via pública e outros dois foram recuperados
no interior do veículo de matrícula LQ-..-...
9) O arguido B… actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de
molestar o corpo e a saúde do D…, sabendo que ao usar uma arma para o maltratar
fisicamente recorria a um meio que melhor lhe permitia realizar os seus intentos,
colocando-se numa posição de clara superioridade em relação àquele.
10) Como consequência directa e necessária da actuação do arguido B…, o D… sofreu
traumatismo do pé direito, da coxa direita e do abdómen, lesões estas que foram causa
directa e necessária de sessenta dias de doença, todos com afectação da capacidade
para o trabalho, não resultando para o ofendido quaisquer consequências graves
permanentes, conforme decorre do relatório de exame médico-legal de fls. 263 a 266,
cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11) Como consequência directa e necessária da actuação do arguido B…, o D…
apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: 2 cicatrizes com formato
circular e 1 cm de diâmetro na face posterior do terço proximal da coxa; 2 cicatrizes com
formato circular e 1 cm de diâmetro nas regiões plantar e dorsal do pé sobre o terço
distal do metatarso.
12) No decurso dos factos acima descritos, surgiram no local, a solicitação telefónica do
arguido D…, os arguidos F… e G….
Mais se provou que:
13) Após o D… ter percorrido a pé alguns metros, o arguido B… apontou-lhe a referida
arma de fogo, com a qual disparou um tiro na sua direcção, que o atingiu na parte
superior do seu pé direito, tendo-o perfurado e saído pela respectiva planta do pé,
conforme é visível nas quatro fotografias juntas aos autos a fls. 370/371.
14) Imediatamente a seguir a ser baleado, o D… fugiu e procurou refugiar-se por trás do
lado direito da sua viatura.
15) Porém, quando o D… fugia de costas viradas para o arguido B…, este disparou mais
dois tiros com a arma de fogo, tendo-o atingido na parte de trás da coxa da perna direita
e na zona abdominal, conforme é visível nas fotografias juntas aos autos a fls. 372/373.
16) O D… só se apercebeu que tinha sido atingido quando se sentou no passeio e
verificou um buraco no seu pé direito, desde a parte superior até à planta do mesmo, o
qual sangrava abundantemente.
17) De seguida, o arguido D… pôs-se de pé e atirou a pedra fotografada a fls. 93, que se
encontrava no passeio, em direcção ao arguido B…, que já estava sentado no interior do
seu veículo, com a porta aberta, acabando a referida pedra por acertar no capot do
veículo automóvel de matrícula LQ-..-.., estragando-o.
18) Com a sua actuação, o arguido D… causou um prejuízo ao B…, do qual este ainda
não se mostra ressarcido.
19) O arguido D… procedeu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que, ao
arremessar a referida pedra em direcção ao B…, que se encontrava no interior do
veículo, podia vir a acertar naquele veículo, danificando-o, conformando-se, porém, com
esse resultado.
20) O arguido D… sabia que o referido veículo não lhe pertencia e que, por isso, não
devia actuar daquela forma.
21) O D… foi transportado por uma ambulância dos Bombeiros Voluntários … para o
Hospital …, onde foi assistido aos ferimentos causados pelos projécteis disparados pelo
arguido B….
22) O arguido B… “vestia à civil” e não estava em serviço, pois encontrava-se de férias.
23) O lesado JD... terá de pagar de taxas moderadoras a quantia de € 28,90, conforme
documento junto a fls. 375.
24) O lesado D… pagou na farmácia, para aquisição de medicamentos, a quantia de €
20,37, conforme recibo junto a fls. 376.
25) Pagou taxas moderadoras na H…, para análises clínicas e raios X, a quantia de €
7,75, conforme três recibos juntos a fls. 377 a 379.
26) No dia em que o lesado D… foi objecto dos tiros, vestia um par de calças e calçava
um par de sapatilhas, as quais, em consequência dos mesmos, ficaram inutilizadas, cujo
custo foi de, respectivamente, € 40 e € 45, o que perfaz o montante de € 85.
27) Em virtude do tiro sofrido no pé, o lesado deixou de poder andar a pé normalmente e
de conduzir veículos automóveis, o que o obrigou a recorrer aos serviços de táxi para
receber os tratamentos médicos, tendo pago o montante de € 91 por tais serviços,
conforme dez recibos juntos a fls. 380.
28) O lesado também foi obrigado a comprar umas muletas que lhe custaram a
importância de € 25.
29) Em consultas médicas que teve no I…, o lesado pagou a quantia de € 12,70,
conforme seis recibos juntos a fls. 381.
30) O lesado trabalhava e trabalha por conta de G…, seu pai, com a categoria
profissional de canalizador de 1°, auferindo à data dos referidos factos o salário mensal
bruto de € 450,84, ao qual era deduzida a taxa social única de 11%, no valor de € 53,77,
acrescido de subsídio diário de alimentação de € 5,55, conforme recibo de vencimento
referente a Junho de 2006, junto a fls. 382.
31) Em virtude das lesões provocadas pelos tiros disparados pelo arguido, o lesado
esteve impossibilitado para o trabalho desde 22/06/2006 até 21/08/2006, conforme
relatório médico-legal de fls. 263 a 266.
32) Entre 22/06/2006 e 18/09/2006, o lesado esteve de baixa ao abrigo do seguro de
acidentes de trabalho. Porém, a Companhia de Seguros J…, S.A., declinou o pagamento
de quaisquer indemnizações, por as lesões não serem resultado de um acidente de
trabalho, conforme documentos juntos a fls. 384 a 389.
33) O lesado entrou de baixa na Segurança Social em 05/09/2006 e manteve-se de baixa
até 18/10/2006, conforme certificados juntos a fls. 383, 390, 391 e 392.
34) O agregado familiar do lesado é composto por três pessoas, ele, a mulher e um filho
menor, os quais vivem numa fracção autónoma que o casal comprou, por via da
concessão de crédito bancário à aquisição de habitação própria.
35) Em determinadas alturas, o lesado sente dores no pé direito.
36) Em virtude dos tiros sofridos, o lesado sofreu dores físicas e dolorosos tratamentos.
37) No dia 22 de Junho de 2006, depois de conduzido ao Hospital …, foi aí submetido a
tratamento médico e foi-lhe engessado o pé direito, o que lhe causou enorme transtorno
e perturbação, quer porque afectou o seu ritmo de vida e hábitos adoptados, quer porque
lhe provocou dor e sofrimento.
38) Durante o período de três dias, o lesado esteve imobilizado, vendo cerceada a sua
liberdade de movimentos e a possibilidade de comunicar com outras pessoas, o que lhe
provocou um estado de frustração e angústia.
39) A realidade supra descrita causou uma forte perturbação ao equilíbrio sócio-psíquico-
emocional do lesado.
Provou-se ainda que:
40) Nada consta do certificado do registo criminal do arguido B….
41) O arguido B… exerce a sua actividade de agente da Polícia de Segurança Pública na
secção de transportes, onde assume as funções de motorista. Aufere € 1.250/mês. Vive
com a mulher (reformada por invalidez, recebendo de pensão € 200/mês), com a filha do
casal (de 21 anos de idade, estudante) e com a sogra (de 84 anos de idade, reformada).
Tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.
42) O arguido B… é visto e tido pelos amigos e colegas de trabalho como uma pessoa
pacífica e estimada e como um bom companheiro.
43) Decorre do relatório social do arguido B… que:
O arguido tem origem num agregado familiar constituído pelos progenitores e seus dez
descendentes, dos quais é o segundo. Oriundo de …, onde a mãe, viúva, ainda vive, o
arguido guarda memórias de infância pouco gratificantes, atentas as dificuldades
económicas então vivenciadas pela família, a qual era, essencialmente, sustentada, em
termos afectivos e materiais, pela mãe e avó materna, face à negligência e demissão da
figura paterna, enquanto cônjuge e pai.
Com cerca de dez anos, o arguido migrou para Lisboa, onde viria a trabalhar no
comércio. Até ao cumprimento do serviço militar, exerceria outras profissões
indiferenciadas no sector da construção civil. Após o serviço militar, ingressou na Polícia
de Segurança Pública, sendo certo que era um dos principais recursos profissionais, à
época.
Há cerca de vinte anos, contraiu matrimónio com a actual cônjuge (divorciada e com um
filho) com quem já vivia em união de facto. Do matrimónio tem uma única filha, com 21
anos de idade.
O actual agregado é constituído por estes três elementos, sendo que mais recentemente
integrou o mesmo a sogra do arguido, de 83 anos.
A cônjuge, de 61 anos, encontra-se reformada por invalidez e a filha está em processo
de avaliação/qualificação para entrar na universidade.
A família tem residência em Vila Nova de Gaia desde 1998 (apartamento T2, próprio),
mas mantém a anterior casa, em …, onde se circunscrevem a maior parte das rotinas da
mesma. Isto porque lhes permite desenvolver actividades (cultivo de terreno e criação de
animais domésticos) também de carácter lúdico, onde se inscreve o exercício de
bricolage e mecânica por parte do arguido, sendo-lhe reconhecidas competências e
habilidades a esse nível.
O arguido trabalha há cerca de treze anos nas instalações da PSP da …, no Porto,
sendo condutor de viaturas e responsável pelo transporte de reboques e de pessoal
operacional, cujos horários são vantajosos e lhe permitem ganhar horas extra em
“gratificados”. Recebe líquidos € 1.250 mensais de vencimento. A cônjuge conta com
aproximadamente € 200 de pensão. É com estas receitas que a família faz face às
despesas correntes, das quais se destacam € 600 mensais do empréstimo à habitação, €
96 de crédito ao consumo e € 100 da renda da casa de …. O arguido avalia a actual
situação económica como deficitária, tendo em conta que esteve uns tempos sem poder
efectuar serviços extra, em razão de lhe ter sido retirada a arma, na sequência do actual
processo.
A este propósito, retira-se que a presente situação jurídico-penal está a ser vivenciada
pelo arguido de forma angustiada, sentindo-se muito constrangido face à natureza dos
factos, sobre os quais manifesta sentido de censura. Teme pelo desfecho do processo e
do impacto do mesmo no processo disciplinar em curso.
Tem preservado a família do conhecimento mais detalhado do actual processo, por
referência ao quadro de fragilidade emocional da cônjuge. Com o enteado, também
residente em VNGaia, com agregado independente, mantém relação de proximidade e
cumplicidade e partilha de tempos livres. O enteado tem nele a sua referência parental
masculina. Qualifica-o positivamente em todos os contextos em que se insere e revê-se
no arguido enquanto pai e educador.
Também as alusões profissionais em relação ao arguido são favoráveis. É considerado
um trabalhador responsável, assíduo, disponível e zeloso. Daí que o presente processo
tivesse surpreendido colegas e superiores.
(…)
Consignou-se não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a
decisão da causa ou que estejam em contradição com os considerados como provados
e, nomeadamente, no que para aqui interessa, que:
Tendo o arguido D… afirmado que, quando arremessou a pedra (que não negou ser a
fotografada a fls. 93, pois apenas presumiu que fosse mais pequena, mas que se conclui
que foi efectivamente aquela, face ao local onde foi encontrada e aos danos causados
quer no veículo do arguido B… quer no outro veículo que se encontrava estacionado – v.
fls. 89 a 93) em direcção ao B…, este se encontrava no interior do veículo, com a porta
aberta, é evidente que, nessas circunstâncias, tinha de considerar a possibilidade de vir a
atingir aquele veículo, por tal ser bastante provável (como se veio, aliás, a verificar),
possibilidade essa com que se conformou, pois não se absteve de arremessar a referida
pedra.
Na verdade, muito embora não se duvide que o arguido estivesse perturbado e chocado
com o que acabara de lhe acontecer, o certo é que tal não impedia que ponderasse nas
consequências dos seus actos (e o normal e natural é que o tivesse feito), tanto mais que
sempre esteve lúcido e consciente, sendo que até telefonou ao pai a dizer-lhe o que se
tinha passado e onde estava.
(…)
O arguido B1… afirmou que permaneceu no interior do seu veículo até à chegada dos
colegas L… e M…, altura em que também chegaram ao local os arguidos F… e G….
Mais afirmou que, quando saiu do veículo, foi agredido pelo arguido F…, que lhe deu um
murro no nariz, e pelo arguido G…, que lhe deu um murro no olho, altura em que foram
ambos agarrados pelos dois referidos agentes, que chegaram a presenciar as agressões.
A testemunha N… (agente da Polícia de Segurança Pública, a exercer funções na
Divisão de Trânsito, que já trabalhou com o arguido B…) declarou que ouviu o arguido
D… a fazer vários telefonemas, dizendo que tinha sido baleado por um “bófia” e que
“vamos fodê-lo a ele e a outro”, que se presume que seria a testemunha em causa.
Declarou ainda que o colega foi agredido por duas pessoas, as quais não chegaram
juntas ao local, estando o B…, nessa altura, já fora do veículo. Declarou, por fim, que
segurou o arguido D…, o qual tentou dirigiu-se ao pé-coxinho até ao colega B…, tendo
os arguidos F… e G… sido agarrados pelos dois agentes que entretanto chegaram ao
local.
A testemunha L… (agente da Polícia de Segurança Pública) declarou que, quando
chegou ao local, viu o arguido D… a levantar-se e a dirigir-se, ao pé-coxinho, ao B…,
altura em que foi imobilizado pelo agente N…. Nesse momento, vê também um homem
novo a tentar acercar-se do colega Simões, no que foi impedido pelo colega M…, sendo
que não viu os arguidos F… e G… a agredirem o B…, o qual já apresentava, aquando da
sua chegada, uma lesão na boca.
A testemunha M… (agente da Polícia de Segurança Pública) declarou que interceptou o
arguido F… antes deste chegar junto do arguido B…, não tendo visto aquele ou o
arguido G… a agredir o colega B…, o qual, aquando da sua chegada ao local, se
encontrava no interior do veículo, apresentando já uma ferida na boca.
Ora, tendo as declarações do arguido B… e da testemunha N… sido, em alguns
aspectos, contraditórias entre si e pouco consistentes e tendo as mesmas sido
totalmente infirmadas pelas testemunhas L… e M…, cujos depoimentos nos mereceram
credibilidade – atenta a forma segura, firme, objectiva e uniforme como foram prestadas
–, o tribunal não ficou minimamente convicto que os arguidos F… e G… agrediram o
agente B…, sendo certo que se desconhece a causa das lesões apresentadas por este
(cfr. relatório de exame de fls. 139 a 142), que até podem ter sido provocadas pelo
próprio, em acto de desespero.
Quanto aos danos sofridos por D…, atendeu-se às declarações prestadas pelo próprio,
ao teor dos documentos juntos aos autos (acima referidos nos factos provados), aos
depoimentos prestados pelas testemunhas O… (sua esposa) e P… (sua sogra), os
quais, face à relação familiar que têm com aquele e ao inerente interesse na procedência
do pedido, têm que ser devidamente sopesados e ponderados, bem como aos
esclarecimentos prestados pela Perita Médica, Sr.ª Dr.ª Q…, do Instituto de Medicina
Legal do Porto.
De tais esclarecimentos resultou claro e seguro que D… ficou com as seguintes
sequelas: cicatrizes no dorso e na planta do pé direito e subjectivos dolorosos na mesma
área, as quais não são susceptíveis de afectar de modo grave a capacidade de trabalho
daquele, pelo que não justificariam a impossibilidade de prestar trabalho nos períodos em
que esteve de baixa médica.
Mais resultou que não existe qualquer informação no processo clínico de D… no sentido
de: ter ficado com limitação do movimento articular, a qual não é uma complicação
normal num caso destes; ter perdido sensibilidade no dedo do pé afectado, sendo que o
mesmo não sofreu qualquer lesão que justifique tal perda de sensibilidades; ter havido
rompimento do tendão, tanto mais que não foi sujeito a nenhuma intervenção cirúrgica.
Muito embora não tenham sido juntos documentos comprovativos de tais factos,
consideraram-se adequados e credíveis, tendo em conta os valores correntes do
mercado e o facto de não estarem em causa artigos de marca, os valores das
sapatinhas, das calças e das muletas indicados pelo demandante.
Quanto ao valor dos salários auferidos pelo demandante, atendeu-se ao que consta dos
respectivos recibos de vencimento, por corresponderem àqueles que são efectivamente
recebidos pelo mesmo.
Relativamente ao período em que o demandante esteve impossibilitado para o trabalho,
atendeu-se ao que consta do relatório médico-legal de fls. 263 a 266, por não termos
razões para duvidar das respectivas conclusões, tanto mais que a última consulta que
aquele teve na Companhia de Seguros foi em 21.08.2006 (cfr. fls. 253), informação que
foi tida em consideração no referido relatório (cfr. fls. 264).
Acresce que, o demandante não juntou aos autos, como lhe competia fazer, quaisquer
documentos (registos clínicos) comprovativos das causas das baixas médicas que
posteriormente lhe foram concedidas, pelo que se desconhece se têm alguma relação
com as lesões sofridas em consequência dos factos em apreço nos autos.
Quanto às dores, transtornos, perturbações, estados de frustração e de angústia
alegados pelo demandante, é evidente que, tendo em conta a situação por que passou,
os tratamentos a que foi submetido e as inerentes alterações na sua vida, não se duvida
da veracidade de tais factos, por serem uma consequência normal e comum.
Considerou-se como não provado que a mãe e a sogra do demandante lhe emprestaram,
respectivamente, as quantias de € 2.000 e de € 1.000 para fazer face às despesas do
seu agregado, porquanto se considera insuficiente, para prova de tal facto, os
depoimentos prestados pela mulher e sogra daquele, devido à falta de isenção dos
mesmos, tanto mais que, sendo o pai do demandante o seu patrão, o mais natural é que
aquele tivesse assegurado a subsistência deste durante o período em que esteve
impossibilitado de trabalhar.
Por fim, atendeu-se ainda ao depoimento prestado pela testemunha S…, colega de
trabalho e amigo do arguido B…, que atestou o bom carácter deste, às declarações que
os arguidos prestaram acerca das respectivas condições de vida, aos relatórios sociais
dos arguidos B… e F… e ao teor dos certificados do registo criminal de todos os
arguidos.
Requerimento de fls. 969: O arguido D… veio requerer que se dê sem efeito a notificação
para pagamento da multa liquidada a fls. 967, por entender que a resposta ao recurso
não foi apresentada fora do prazo.
Alegou, para tanto, que, tendo a notificação sido enviada no dia 06.01.2012 (sexta-feira),
só pode ser considerado como notificado no dia 11.01.2012, por ser o 3° dia útil posterior.
Ora, salvo o devido respeito, o requerido carece de fundamento legal.
Dispõe o art. 254° do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por força do disposto
no art. 4° do Código de Processo Penal que:
«1. Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou
para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo
funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.
2. Os mandatários das partes que pratiquem actos processuais pelo meio previsto no n.°
l do artigo 150.°, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos
definidos na portaria prevista no n.° l do artigo 138.°-A.
3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no
primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, (sublinhado nosso)
4. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido,
desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio
por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do
destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no
dia a que se refere o número anterior.
5. A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da
expedição.
6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo
notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à
presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis.»
No caso, tendo a notificação em causa sido enviada, por carta registada, no dia
06.01.2012 (cfr. fls. 928), presume-se que a notificação foi feita no terceiro dia posterior
ao do registo, ou seja, no dia 09.01.2012, segunda-feira, conforme decorre do disposto
no n° 3 do citado art. 254° do Código de Processo Penal, sendo que só se o terceiro dia
posterior ao do registo coincidisse com um Domingo ou um feriado (o que não
aconteceu), é que se presumiria que a notificação tinha sido efectuada no primeiro dia útil
seguinte àquele.
Acresce que, face à questão levantada pelo requerente, acabou por se pedir à secção
que averiguasse em que data foi entregue e recebida a notificação de fls. 928, resultando
inequivocamente de fls. 977 que a mesma foi entregue ao ilustre mandatário do
arguido/requerente no dia 09.01.2012.
Assim, sendo o prazo de resposta de 30 dias, o mesmo terminou no dia 08.02.2012, pelo
que, tendo a resposta sido enviada por carta registada no dia 10.02.2012, não há dúvidas
que foi apresentada dois dias após o termo do prazo, sendo devida, por isso, a multa
liquidada a fls. 967, nos termos do art. 145°, n° 6 do Código de Processo Civil, ex vi do
art. 107°-A, do Código de Processo Penal.
Face ao exposto, indefere-se o requerido.
Notifique, enviando cópia de fls. 977.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da
respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de
recurso tem de apreciar[7], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente
os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[8].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, as questões
essenciais que importa decidir são as seguintes:
A) Recurso do arguido B…
- nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.;
- erro de julgamento quanto aos pontos 6., 7., 9., 14., 15., 16., 17. dos factos provados e
às als. e), f), g), e h) dos não provados;
- legítima defesa ou excesso de legítima defesa;
- qualificação jurídica dos factos;
- escolha da pena.
B) Recurso do ofendido/lesado D…
- regime aplicável à contagem do prazo de apresentação da resposta ao recurso.
Por razões de precedência lógica, que se prendem com a atendibilidade da resposta que
o ofendido/lesado/recorrido D… apresentou ao recurso interposto pelo arguido B…, na
apreciação desse outro recurso, e a que já aludimos acima em nota de rodapé, iremos
começar por conhecer o recurso interposto pelo referido ofendido/lesado.
I - Recurso do ofendido/lesado D…
3.1. As questões que foram suscitadas pelo recorrente centram-se no regime aplicável à
contagem do prazo de apresentação da resposta ao recurso, defendendo ele que,
contrariamente ao entendimento perfilhado no despacho recorrido, em matéria de
notificações não existe caso omisso na regulamentação processual penal, não sendo por
isso aplicável a norma do art. 254º do C.P.C., mas sim a do art. 113º do C.P.P. E,
estabelecendo o nº 2 desta norma que as notificações efectuadas por via postal registada
se presumem feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, enviada que lhe foi a notificação
para responder ao recurso em 6/1/12 (6ª feira), a mesma presume-se efectuada em
11/1/12, tendo-se o prazo para a resposta, de 30 dias, iniciado em 12/1/12 e terminado
em 10/12/12, precisamente na data em que a enviou por registo postal, devendo, por
isso, considerar-se que o fez tempestivamente. De qualquer forma, porque na própria
notificação se aludiu expressamente ao disposto no referido nº 2 do art. 113º e os sujeitos
processuais não podem ser prejudicados pelos erros da secretaria, nunca poderia ser
prejudicado pelo eventual erro que tivesse sido cometido. Além disso, considera que a
aplicação em matéria de notificações no âmbito de processo criminal do disposto no art.
254º do C.P.C. é inconstitucional porque violadora das normas dos arts. 13º, 20º nº 1 e
32º nº 1 da C.R.P.
Em primeiro lugar, dir-se-á que assiste inteira razão ao recorrente quando se insurge
contra a aplicação das regras estabelecidas na legislação processual civil relativas à
notificação aos mandatários. De facto, o recurso a estas normas só é permitido, de
acordo com o estabelecido no art. 4º do C.P.P., quando se verifique a existência de um
caso omisso. E, como bem o fez notar o MºPº em ambas as instâncias, nenhuma lacuna
existe, pois a legislação processual penal tem norma própria, o art. 113º, que regula as
notificações em geral, sem estabelecer distinções consoante as posições processuais
dos respectivos destinatários, por assim ter sido considerada pelo legislador a forma
mais adequada de acautelar os interesses e garantias dos sujeitos processuais, matéria
particularmente sensível no processo penal, traduzindo um reforço da margem de
segurança em relação à demora normal dos procedimentos de entrega da
correspondência pelos CTT, que permita presumir que ela foi efectivamente feita.
Temos, pois, como inquestionável, que a regra aplicável para determinar o momento em
que a notificação, efectuada por via postal registada ( como é o caso daquela sobre a
qual incide a nossa apreciação ), se considera feita é a do nº 2 do referido art. 113º (
“Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º
dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto da
notificação.” ), e não a do nº 3 (“A notificação postal presume-se feita no terceiro dia
posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”) do
art. 254º do C.P.C.
Lacuna existe, sim, mas quanto a outro aspecto, em concreto quanto ao condicionalismo
em que aquela presunção pode ser ilidida. Aí há que ir buscar a solução ao C.P.C. e à
previsão que o mesmo contém relativamente às presunções que estabelece para actos
da mesma natureza. Mais precisamente ao nº 6 do art. 254º, que estabelece que “As
presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado
provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida,
por razões que não lhe sejam imputáveis.”
No caso, o recorrente não veio sequer alegar que a notificação não lhe foi feita ou que o
foi em data posterior à presumida; limitou-se a contestar o entendimento seguido pela
secretaria e posteriormente ratificado pelo despacho recorrido no que concerne às regras
aplicáveis à determinação da data em que a notificação se presume como feita. Daí que
estava vedado ao tribunal a quo o apuramento da concreta data em que a notificação foi
efectivamente feita, pois esta, não podendo ser atendida para afastar a data presumida
por lei e todos os efeitos que dela decorrem, é despida de qualquer relevância[9].
Aqui chegados, há que tomar posição a respeito da interpretação da expressão “3.º dia
útil posterior ao do envio” utilizada na norma do citado nº 2 do art. 113º, especificamente
se o adjectivo “útil” se reporta a todos os 3 dias posteriores ao envio ou apenas ao último
dessa série. No fundo, se na contagem desses três dias são, ou não, levados em conta
os dias que não são considerados dias úteis (sábados, domingos e feriados). Ou seja, no
caso concreto, e enviada que foi a notificação por via postal ao mandatário do recorrente
na 6ª feira, dia 6/1/12, se a mesma se presume efectuada na 2ª feira seguinte, dia 9/1/12,
ou, antes e apenas, na 4ª feira seguinte, dia 11/1/12. Contando-se o prazo de 30 dias
para a resposta a partir do dia seguinte àquele em que a notificação se presume feita, a
tempestividade da apresentação da mesma, em 10/2/12 (correspondente ao registo do
envio postal), depende da resposta que for dada a esta questão.
A jurisprudência, pelo menos a que se tem pronunciado expressamente sobre esta
questão, é largamente maioritária[10] no sentido de que interpretação correcta da norma
é a que considera que todos os referidos 3 dias têm de ser dias úteis.
Assim:
“I. A presunção estabelecida no nº 3 do artº 113º do CPP tem de ser ilidida no prazo de
três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado para a prática do acto ou da
cessação do impedimento.
II. A expressão “terceiro dia útil posterior ao do envio”, constante do nº 2 do artº 113º do
CPP, deve ser interpretada no sentido de último dos três primeiros dias úteis
subsequentes ao do envio da carta registada.”[11]
“I – O art. 113.º, do CPP, estabelece as regras que fixam a data do início de contagem do
prazo para exercer os actos processuais e não regras do cômputo do respectivo prazo.
II – Na notificação por via postal registada, o legislador estabeleceu uma presunção
ilidível da data de notificação: presumem-se efectuadas no 3.º dia útil posterior ao do
envio, ou seja, no terceiro de três dias úteis posteriores ao registo; na notificação por via
postal simples, fixou um data concreta – a da declaração de depósito da carta na caixa
do correio do notificando – à qual aditou um prazo contínuo de 5 dias, considerando-se a
notificação efectuada no 5.º dia posterior à data do depósito.”[13]
“I - Os três dias de dilação a que se reporta o n.º 2, do art.º 113.º do Código de Processo
Penal, terão de ser, todos eles, dias úteis.
II- Com efeito, não será aqui de aplicar o mesmo regime previsto para o processo civil
pois que se o legislador penal quisesse consagrar o regime estabelecido no artº 254º, n.º
2 do Código de Processo Civil, tê-lo-ia dito ou bastar-lhe-ia remeter-se ao silêncio, pois
que, sendo o Código de Processo Penal omisso, aplicar-se-iam as normas do processo
civil que se harmonizem com o processo penal (artº 4º do CPP).
Assim, na ausência de regulamentação sobre a matéria, haveria que recorrer à norma do
n.º 2 do cit. artº 254º.
III – Por outro lado, existe também uma razão de ordem gramatical que leva a que se
deva interpretar o art.º 113.º, n.º 2, como se reportando a três dias úteis, pois que o
substantivo dia é precedido do número ordinal terceiro, que significa o último de uma
série de três e, assim sendo, o útil que é essencial do dia e sendo este dia útil o último de
uma série de três, necessária é a existência de dois dias úteis que lhe antecedem.”[15]
“O 3º dia útil posterior ao do envio [113º/2CPP] é o 3º dia dos três dias úteis posteriores
ao do envio.”[16]
“Para os efeitos do art.º 113º, n.º 2, do C. Proc. Penal, o terceiro dia útil a considerar
corresponde ao terceiro dos três dias úteis posteriores ao registo.”[18]
Também nós pensamos que - desde logo face à letra da lei e também porque, se essa
não tivesse sido a sua opção, o legislador ou teria utilizado expressão idêntica à que já
constava do nº 3 do art. 254º do C.P.C. ou simplesmente nada teria dito, provocando a
aplicação desta norma por via do art. 4º do C.P.P. - a razão está do lado dos que
perfilham este entendimento.
E, assim sendo, presumindo-se a notificação efectuada, não em 9/1/12 conforme
considerado no despacho recorrido, mas sim em 11/2/12, temos de concluir que a
apresentação da resposta, ao 30º dia, foi tempestiva, e carecida de fundamento a
notificação do recorrente para o pagamento de multa correspondente à prática do acto
dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, porque não devida tal
sanção.
Há, pois, que revogar o despacho recorrido, dando-o sem efeito, e passar, sem mais, ao
conhecimento do recurso do arguido, levando em conta na sua apreciação o teor da
resposta tempestivamente apresentada pelo lesado/ofendido D….
II – Recurso do arguido B…
3.2. O recorrente considera que, embora haja procedido à indicação das provas em que
fundou a sua convicção e à descrição, que aceita como rigorosa, do conteúdo de cada
uma das provas relevantes, não explicou como deduziu dessas provas e desse conteúdo
as conclusões que alcançou, não tendo explicado o processo racional que lhe permitiu
extrair de uns e outros a certeza de serem verdadeiros certos factos, não permitindo por
isso a conferência, seja pelos destinatários da decisão, seja pelo tribunal superior, da
bondade e rigor do processo de formação da convicção seguido pelo julgador. Daí que
entenda que a fundamentação é manifestamente insuficiente e a decisão recorrida
padeça da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.
Como é sabido, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas: o relatório, a
fundamentação e o dispositivo, que devem obedecer aos requisitos enumerados no art.
374º do C.P.P.
No que diz respeito à fundamentação[19], a mesma deve conter, sob pena de nulidade (
cfr. al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P. ), a especificação dos factos provados e não
provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de
julgamento, com realce para aqueles em que assentou a convicção do tribunal, sendo
“ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os
interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso
concreto”[20]. A estas exigências legais subjazem, pois e por um lado, objectivos de
transparência e de credibilização das decisões. Num Estado de Direito democrático, o
poder judicial tem de se afirmar perante os interessados e a própria sociedade,
nomeadamente, pela justificação das suas decisões, afastando suspeitas de arbítrio ou
de leviandade. Por outro lado, tais exigências permitem o controlo das decisões pelas
instâncias superiores, em caso de recurso, viabilizando a correcção de falhas
clamorosas.
Os motivos de facto que fundamentam a decisão, aludidos no nº 2 do preceito em
referência, “não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de
prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou
de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do
tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os
diversos meios de prova. (…)
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos
sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe
subjaz (…). E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo
pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos
juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a
própria sociedade”[21],[22].
Pese embora as linhas gerais traçadas na lei, a fundamentação não se tem de conformar
com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante
as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias
ou de pontos que hajam de ser esclarecidos de forma a que sejam perceptíveis, pelos
destinatários da decisão e pelo homem médio suposto pela ordem jurídica, com a
experiência razoável da vida e das coisas, os motivos pelos quais a convicção do tribunal
se orientou num sentido e não noutro. Nas decisões judiciais também é recomendável
alguma racionalidade na gestão dos meios, não fazendo sentido desperdiçar tempo e
esforços em explicações muito detalhadas acerca daquilo que é facilmente inferível,
inquestionável ou por demais óbvio. Por isso mesmo, o nº 2 do aludido art. 374º refere
“uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa”, bastando, pois, que
seja precisa e sucinta. Por isso também, “a indicação das provas que serviram para
formar a convicção apenas é obrigatória na medida do que é necessário” e “não se exige
ao julgador que exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se
encontra na base da sua convicção de dar como provado um determinado facto,
especialmente quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência
mediata a partir de outros dados como provados”[23],[24].
O que se exige, sim, é que o tribunal, a partir da indicação e exame das provas que
serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os
motivos por que optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos
da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua
convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que
seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados[25].
Isto não significa que o tribunal tenha de analisar minuciosa e exaustivamente todas as
provas produzidas, nem que haja de as transcrever (porque para isso serve a
documentação das declarações)[26], bastando que exteriorize de forma clara e
inequívoca o raciocínio que seguiu na formação da convicção, assim demonstrando que
não procedeu a uma ponderação das provas arbitrária, ilógica, contraditória ou violadora
das regras da experiência comum[27].
Como é por demais evidente e também foi salientado pelo MºPº em ambas as instâncias,
o recorrente não identifica qualquer parcela da fundamentação em que se verifique o
incumprimento da obrigação de examinar criticamente a prova, quedando-se, ao invés,
por meras considerações gerais e abstractas, exclusivamente teóricas e sem qualquer
ligação ao caso concreto.
Ora, os recursos não servem para que os tribunais superiores andem com uma candeia a
espiolhar as decisões objecto de recurso à cata de todos os eventuais vícios de que elas
eventualmente possam padecer. Sendo remédios jurídicos, que visam a correcção de
erros in judicando ou in procedendo, compete a quem delas recorre fazer uma indicação
precisa dos concretos pontos em que, em seu entender, se verificam as patologias
invocadas. E esse ónus, obviamente, não se pode considerar satisfeito com uma
argumentação, ao jeito de “atirar o barro à parede”, circunscrita a generalidades,
debitadas a partir de um qualquer manual de Direito, que, por maior valia teórica que
possam ter, só terão pertinência se quadrarem ao concreto caso sob apreciação.
O que fez o recorrente? Ostentou muita sapiência jurídica, com apoio doutrinal e
jurisprudencial, mas chegado à concretização… zero!
Limitou-se a apodar a fundamentação de “manifestamente insuficiente”. Mas
fundamentação deficiente (ou incorrecta) não é o mesmo que fundamentação inexistente,
por forma a que se possa afirmar a nulidade por ele invocada; só a total ausência de
fundamentação ou uma deficiência tão acentuada que a ela haja de ser equiparada – que
de todo inviabilize a sindicância da decisão – constitui nulidade. E o próprio recorrente
até reconhece a existência de alguma fundamentação, embora não em medida tal que
chegasse para (o) convencer, sem contudo revelar em concreto exactamente o que ficou
por esclarecer…
Convenhamos que a dificuldade do recorrente em passar, neste conspecto, da teoria à
prática até é bem compreensível, pois nem ele encontrou, nem nós enxergamos qualquer
fundamento para considerar verificado o vício em questão.
De facto, a leitura da motivação da decisão de facto demonstra à saciedade que a
julgadora teve um especial cuidado em revelar, de forma detalhada, totalmente
transparente e perceptível – que só não percebe, quem não lhe convém –, todo o
percurso seguido na formação da convicção, especificando as provas que foram
consideradas relevantes, a razão de ciência das testemunhas, as razões pelas quais foi
reconhecida ou não credibilidade às declarações e depoimentos, sem que se detectem
quaisquer hiatos ou raciocínios ilógicos ou desapoiados de adequado substrato
probatório. Enfim, mostrou claramente que a convicção formada resultou de uma análise
minuciosa, racional e coerente de todo o acervo probatório que teve à sua disposição e
de uma selecção rigorosa daquilo que de relevante foi extraído de cada um dos
elementos de prova, tudo bem demonstrativo de que valoração da prova não foi
meramente subjectiva ou arbitrária, antes foi efectuada de forma concatenada e à luz das
regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Assim sendo, e porque a falta de concretização do recorrente também não reclama que
entremos em mais pormenores, só nos resta concluir pela não verificação da nulidade
invocada e pela (mais do que) manifesta improcedência deste fundamento do recurso.
Transpondo estas noções para o caso concreto, e mantida que foi sem alterações a
decisão da matéria de facto, podemos afoitamente concluir que não se mostram, de todo,
preenchidos os requisitos seja da legítima defesa, seja do excesso de legítima defesa.
Mesmo admitindo que, num primeiro momento, a forma como o ofendido se aproximou
da sua viatura, na sequência dos acontecimentos que a precederam, possa ter sido
percepcionada pelo recorrente como o prenúncio de um confronto físico, certo é que ele
poderia facilmente ter-se furtado a esse confonto, bastando que se mantivesse no interior
daquela viatura, com as janelas fechadas e as portas trancadas. A reacção com o
disparo de uma arma de fogo contra um potencial agressor desarmado sempre seria
manifestamente desproporcionada, exigindo-se ao recorrente, desde logo tendo em
conta a sua categoria profissional, uma atitude mais prudente e comedida. De qualquer
forma, certo é que, mesmo depois de o ofendido, atingido pelo primeiro tiro, ter batido em
retirada, quando fugia de costas voltadas para ele, o recorrente ainda efectuou outros
dois disparos na sua direcção. O que acaba por deitar totalmente por terra a sua já
inconsistente tese recursiva, assente em factos indemonstrados, conduzindo à inevitável
falência de mais este fundamento do recurso.
3.6. Finalmente, e arrimado à qualificação dos factos pelo crime simples proposta em
segunda linha, o recorrente ataca a escolha da pena que, em seu entender, devia ser,
antes, de multa.
Nos casos em que a moldura penal aplicável admite, em alternativa, a aplicação das
penas principais de prisão ou de multa, a escolha entre uma e outra obedece ao critério
estabelecido no art. 70º do C. Penal, de acordo com o qual o tribunal dá preferência à
pena não privativa da liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição”, ou seja, “a protecção de bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade” (cfr. nº 1 do art. 40º do mesmo diploma legal .
Com esta norma o legislador consubstanciou um dos pensamentos fundamentais do
novo sistema punitivo introduzido pelo C. Penal de 1982, “o da reacção contra as penas
institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido
ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais”[50], em consonância
com a lógica de “última ratio” que deve presidir à opção por pena privativa da liberdade e
que decorre do facto de as penas desta natureza serem fortemente restritivas de um
direito fundamental com tutela constitucional (cfr. art. 27º da C.R.P.), o qual só pode ser
restringido nos casos expressamente previstos na C.R.P. (entre eles, “em consequência
de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão”
– cfr. nº 2 daquele art. 27º) e dentro dos limites necessários à salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. nº 2 do art. 18º da C.R.P.).
E, alargando o seu campo de aplicação, deu “expressão prática à convicção da
superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da
pequena e da média criminalidade”[51].
A escolha da pena é uma operação que precede logicamente a determinação da medida
concreta da pena nos casos em que a lei prevê penas alternativas ou de substituição e,
enquanto que a segunda depende fundamentalmente da culpa, a primeira “depende
unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[52], a ponderar face às
circunstâncias de cada situação concreta[53]. E, “desde que imposta ou aconselhada,
face às exigências de prevenção especial de socialização, só não será de aplicar a pena
de alternativa não detentiva se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não
seja irremediavelmente posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e
estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[54].
É claro que este fundamento do recurso tinha como pressuposto e base de apoio a
alteração da qualificação jurídica em consonância com a pretensão subsidiária do
recorrente. Como claro também é que, enjeitada esta e mantida a que foi feita na decisão
recorrida, não sofre dúvidas a correcção da escolha de pena privativa da liberdade, ainda
que suspensa a sua execução nos termos determinados, que a seguir se recordam:
4. Decisão
Por todo o exposto:
a) julgam procedente o recurso interposto pelo ofendido/lesado D… e, em consequência,
revogam o despacho recorrido, de fls. 978-979, determinando que fique sem efeito a
liquidação da multa correspondente à apresentação da resposta ao recurso para além do
prazo normal e considerando-se tal acto tempestivamente praticado;
b) julgam improcedente o recurso interposto pelo arguido B…, mantendo integralmente a
sentença recorrida.
Vai o arguido/recorrente condenado em 5 UC de taxa de justiça.