Acórdão Do Tribunal Da Relação Do Porto

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Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Processo: 430/06.4PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRAZO PROCESSUAL
CONTAGEM
Nº do Documento: RP20121114430/06.4PWPRT.P1
Data do Acordão: 11/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos no n.º 2 do art.º 113º do CPP, quando efectuadas por via postal registada,
as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio.
II – A norma deve ser interpretada no sentido de que todos os referidos 3 dias têm de ser
dias úteis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 430/06.4PWPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No 2º juízo dos juízos criminais do Porto, em processo comum com intervenção do
tribunal singular, foi submetido, além de outros[1], a julgamento o arguido B…,
devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se
decidiu condená-lo, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.
e p. pelos arts. 143º nº 1 e 146º nºs 1 e 2, com referência ao art. 132º nº 1 al. g), todos do
C. Penal, na redacção anterior à Lei nº 59/2007 de 4/9, na pena de 2 anos de prisão, com
execução suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, assente em
plano individual de readaptação social a elaborar pelos serviços de reinserção social,
executado com vigilância e apoio desses serviços, e subordinada ao pagamento, no
prazo de 6 meses, da indemnização atribuída ao ofendido/demandante.
Na procedência parcial do pedido indemnizatório contra ele deduzido pelo demandante
D…, foi o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia global de 5.064,86€,
acrescida de juros à taxa legal sobre o montante de 1.064,86€, correspondente a danos
patrimoniais, desde a notificação e até integral pagamento, indo absolvido do mais
peticionado.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela declaração
da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art 379º do C.P.P. ou, assim se não entendendo,
pela sua revogação e consequente absolvição por verificação de causa de exclusão da
ilicitude, ou pela atenuação especial da pena por verificação de situação de excesso de
legítima defesa, ou pela alteração da qualificação jurídica com a subsunção dos factos ao
crime de ofensa à integridade física simples e a aplicação de uma pena de multa, para o
que apresentou as seguintes conclusões:

i. O arguido discorda da sentença recorrida que o condenou, na pena de 2 ano de prisão,


suspensa na sua execução por igual período.
ii. A motivação de recurso obedece à seguinte estrutura que decompõe os fundamentos
da defesa: I. Da Fundamentação Insuficiente da Decisão e II. Da decisão: A Matéria de
Facto Erradamente Julgada e B. Errada Qualificação Jurídica dos Factos Dados como
Provados.
iii. O arguido foi acusado, pronunciado e submetido a julgamento por lhe ser imputado o
seguinte ilícito criminal (em autoria material):
- “ um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.e.p. pelos arts 143.2, n.º 1
e 145.º n.º 1, al. a), e n.º 2, com referência ao art. 132.º, nº 2, al. h), do C.P./07.”
iv. Após a realização da audiência de julgamentos, ponderadas as circunstâncias que
influem na determinação da medida da pena concreta a aplicar (arts. 71º, do CP), foi
determinada a aplicação de uma pena de 2 anos de prisão (...) que ao abrigo do disposto
do art. 50º, nºs 1 e 5, do C.P./07, foi suspensa na sua execução, pelo período de 2
anos.
v. Analisando a sentença condenatória em questão, entende o recorrente, neste âmbito e
no seu modesto parecer, que os meios/elementos de prova constantes do processo,
correctamente apreciados, também segundo as regras da experiência, impunham
decisão diferente quanto à matéria de facto.
vi. Com efeito, estabelecendo inegavelmente o art. 127º do CPP o princípio da livre
apreciação da prova, certo é que, tal apreciação não pode ser “arbitrária, discricionária
ou caprichosa, de todo em todo imotivável.”
vii. O Julgador ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade
material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de
avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis
de motivação e controlo”.[2]
viii. Vista a sentença recorrida à luz da citada Jurisprudência constitucional, enferma este,
como infra tentará o recorrente demonstrar, de vários vícios que resultam, quer do
próprio texto, de per si, quer ainda deste conjugado com as regras da experiência
comum.
ix. Dispõe o nº 2 do artº 374º que a fundamentação da sentença “consta da enumeração
dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível
completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a
decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a
convicção do tribunal”.
x. A propósito deste preceito, “Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são
nem os factos provados nem os meios de prova mas os elementos que em razão das
regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que
conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou
valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência
/.../ A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos
sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional
que lhe subjaz.
xi. Também neste sentido esteve o Ac STJ de 4ABR01 (proferido no Proc. nº 691/01, da
3ª Secção, e disponível na Internet) ao dizer que “a descrição do processo lógico que
conduziu à convicção do julgador /.../ terá de ser minimamente expressivo para dar a
conhecer a razão que formou o decidido de facto /.../ terá sempre a descrição crítica de
explicar por que se aceitou, como revelador da verdade histórica, determinado elemento
probatório e se rejeitou outro, porque afastado desta verdade”.
xii. Mais, a fundamentação terá de conter “uma análise explicativa do processo lógico
- racional que conduziu à convicção do tribunal[4].
xiii. Dir-se-á que a exigência legal da fundamentação não fica satisfeita com a mera
indicação das provas que formaram a convicção do tribunal, nem sequer com a
descrição do conteúdo dessas provas.
xiv. É necessário que o tribunal explicite o processo racional que lhe permitiu, como
permitiria ao cidadão comum, extrair de determinada prova a convicção da verdade
histórica de determinado facto, entendendo-se por processo racional o conjunto
articulado de elementos objectivos e de considerações analíticas assentes na
experiência comum que permitem extrair de determinadas provas conclusões acerca da
verdade histórica dos factos do processo.
xv. Mais uma vez, a explicitação que a lei exige do Julgador tem estrutura silogística, que
impede a livre convicção de se transmutar em mero capricho ou subjectividade.
xvi. A fundamentação, em suma, deve ser tal que os sujeitos processuais em particular e
os cidadãos em geral compreendam a razão por que certa prova convenceu o Julgador
da veracidade de certo facto.
xvii. É indiscutível que o Tribunal desenvolveu um trabalho de identificação das provas
em que fundou a sua convicção e de descrição (obviamente, sumária, por outra não ser
exigível) do conteúdo de cada uma das provas relevantes. Simplesmente, não explicou
como deduziu dessas provas e desse conteúdo as suas conclusões.
xviii. Não explicou, isto é, o processo racional que lhe permitiu (e permite a qualquer de
nós) extrair de uns e outros a certeza (a convicção) de serem verdadeiros certos factos.
xix. A fundamentação da sentença em mérito regista, em síntese, que para formar a sua
convicção quanto aos factos provados o tribunal se baseou:
1.No depoimento das várias testemunhas e dos próprios arguidos.
2. Nos relatórios periciais
3. Nos documentos juntos aos autos,
xx. O Tribunal identificou, por conseguinte, cada uma das provas por si consideradas
decisivas. E é também indiscutível que, a propósito de cada uma delas, fez a súmula do
respectivo conteúdo, que, por agora, vamos aceitar e considerar rigorosa. Ficamos,
portanto, a saber que naquelas provas, com aquele conteúdo descrito na sentença,
firmou e formou o Tribunal a sua convicção.
xxi. Qual é a ligação lógica, racional, que, face, designadamente às regras da experiência
comum, existe entre cada uma das provas consideradas e aqueles factos concretos?
Qual foi o raciocínio, o processo lógico que permitiu ao Tribunal retirar daquelas
premissas aquelas conclusões?!
xxii. Não há na sentença a mínima explicação a tal respeito, o que impossibilita os
recorrentes e os Tribunais superiores de conferirem a bondade e rigor do processo de
formação da convicção do Julgador, por falta de elementos que lhes permitam
subscrever e sufragar ou, pelo contrário, impugnar e refutar os vectores racionais da
decisão.
xxiii. Daí que a fundamentação se revele manifestamente insuficiente.
Incorreu, por isso, a douta sentença na nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º.
xxiv. Como se disse, aquela explicação não existe. Mas a verdade é que, mesmo que
existisse, nunca poderia ser convincente.

A. Matéria de Facto Erradamente Julgada:

xxv. Encontra-se erradamente julgada a matéria de facto considerada como provada nos
n.ºs: 6., 7., 9., 14., 15., 16., 17., dos factos provados e als. e), f), g), e h) dos factos
não provados.
xxvi. Tal matéria encontra-se erradamente julgada porquanto:
Da prova directa produzida em audiência de julgamento, não resultam aqueles factos
como provados; e ao invés estes que foram dados como não provados deveriam ter sido
considerados provados.
A prova produzida ou examinada em audiência de julgamento e invocada na decisão
recorrida, através de suporte digital:
Depoimento do arguido B… prestados no dia 03-05-2011, no hiato temporal das 14:45:18
às 15:31:38; Depoimento do arguido e lesado D… prestados no dia 03-05-2011 no hiato
temporal das 15:32:42 às 16:11:50; e Depoimento da testemunha E… prestado no dia
03-05-2011, no hiato temporal das 17:49:16 às 17:59:37 e no dia 20-05-2011, no hiato
temporal das 10:03:32 às 10:20:19 - não permitem a inferência, como realidade
exclusiva, de tal factualidade e ao invés, como se refere no texto das motivações supra
aduzidas até impõem decisão diversa.
xxvii. Na verdade não se pode concluir que, como concluiu a sentença de que se recorre,
que o recorrente agrediu o arguido D…, actuando de forma livre, voluntária e consciente,
com o propósito, sem mais, molestar o corpo e a saúde deste, sabendo que ao usar uma
arma para o maltratar fisicamente recorria a um meio que melhor lhe permitia realizar os
seus intentos, colocando-se numa posição de clara superioridade em relação aquele.
xxviii. Olvidando que - ao não dar com provada a matéria constante nas als. c), d), e), F),
g) e h) e que deveria ter tido tratamento diverso, devendo ser dada como assente - o
arguido agiu de modo justificado uma vez que era o único meio de repelir a agressão
actual e ilícita de que se encontrava na iminência de ser vítima.
xxix. O arguido/lesado D… dirigia-se ao encontro do recorrente, com uma pedra grande
na mão, disposto a arremessá-la, como veio a acontecer, e
xxx. Este para evitar tal agressão disparou a arma que tinha.
xxxi. Três disparos seguidos, de frente, “tau, tau, tau” no dizer da testemunha E….
xxxii. Um acertou no pé;
outro na coxa;
e outro na parte inferior do abdómen, de “raspão”.
xxxiii. Tiros disparados quase num só toque de gatilho e direccionados todos de cima
para baixo.
xxxiv. E mesmo assim, o lesado, mesmo após ter sido impactado, ainda arremessou a
pedra contra a viatura do arguido, amolgando o respectivo capôt.
xxxv. Apenas e só apenas, após ter tido a percepção de que fora atingido!...
xxxvi. O recorrente dispara três vezes contra o lesado e só após o terceiro disparo é que
este se detém, não sem que antes arremesse a referida pedra.
xxxvii. Acreditamos estar perante causa de exclusão da ilicitude - cfr. artg.- 32.º do C.P.
ou quando muito e sem conceder perante situação de excesso de legitima defesa.
xxxviii. Aquela a reclamar exclusão da ilicitude. Esta a reclamar atenuação especial da
pena - artgs.º 32.º e 33.º C.Penal/2007.
xxxix. Deverá ser pois revogado o acórdão e substituído por outro que considerando
como provada a factualidade que foi dada com não provada e referida nas als. e), f), g) e
h) dos factos não provas permitem infirmar contrariando, a matéria dada como assente
nos artgs.º 6., 7., 9., 14., 15., 16. e 17. E seja suficientemente fundamentadora de
decisão absolutória nos termos propugnados.

SEM CONCEDER,

B. Errada Qualificação Jurídica dos Factos Dados Como Provados:

xl. A serem dados como provados os factos, como o foram, quer na sua materialidade
quer na sua intencionalidade, nunca seriam os mesmos susceptíveis de serem
enquadrados no tipo legal em q o foram - arts 143.º, n.º l e 145.º, n.º l, al. a), e n.º 2, com
referência ao art. 132.º, n.º 2, al. h), do C.P./07 - mas e tão só no tipo do art.º 143.º
consubstanciariam eventualmente a prática do ilícito previsto art.º 143.º do CP ao invés
daquele que foram condenados.
xli. Quer dizer o arguido teria cometido tão só um crime de ofensas à integridade física
simples - art.s 143.º do CP. - e não qualificada.
xlii. Para se afirmar o preenchimento dos pressupostos a que aludem os preceitos que
condenaram o ora recorrente seria necessária a existência de especial censurabilidade
ou perversidade no comportamento daquele.
xliii. Vejamos,[5] “Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou
perversidade no comportamento assumido pelo arguido, impõe-se a análise das
circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto ilícito e a conclusão de que
elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do
agente ou que são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial
perversidade do agente que são merecedoras de um severo juízo de censura.
xliv. Ora o arguido não teve qualquer comportamento, à luz da prova produzida em
audiência de julgamento que reconduzisse a uma qualquer especial censurabilidade.
xlv. Lembremos, como refere a Dra. Paula Ribeiro de Faria, in Código Penal
Conimbricense, pág. 202, “O crime de ofensa à integridade física simples surge como o
tipo legal fundamental em matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da
«ofensa ao corpo ou saúde de outrem» que se deixa construir uma série de variações
qualificadas, como a ofensa à integridade física grave (art.s 144º), agravada pelo
resultado (art.º 145º), qualificada (146º), privilegiada (art.º 147º) e por negligência (art.º
148º). De realçar a forma como passam a ser estruturados neste Código os crimes contra
a integridade física e contra a vida (cfr. Actas 1993, 219)”.
xlvi. Temos assim que, no caso das ofensas corporais, o tipo legal fundamental é o de
ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143º do C. Penal.
xlvii. Todos os outros, citados no referido estudo, são derivados, na medida em que
resultam de um acrescentamento de outros elementos ao tipo base.
xlviii. O agravamento da pena é resultante, pois, do juízo que se faça à conduta do
agente no sentido de se concluir que aquela revela especial censurabilidade ou
perversidade do agente.
xlix. Significa isto que ao tipo legal fundamental - crime de ofensa à integridade física
simples - se vão buscar os seus elementos típicos - ofensa no corpo ou na saúde, com
todas as suas envolventes; mas criou-se um tipo novo, resultante do acrescentamento de
novos elementos que incidem sobre a culpa, e que exigem uma valoração própria e
independente a este respeito.
l. No caso em apreço tal censurabilidade não se verificou!
li. Consequentemente, foi erroneamente preenchido a qualificação legal do tipo de crime!
lii. Na verdade, apenas se preencheu o tipo legal de crime p. e p. no artg.º 143.º do CP, e
não mais - crime de ofensas à integridade física simples.
liii. E apenas, nessa medida, se deveria ter condenado o arguido em pena de multa,
como, alias, impõe o disposto no artg.º70.º do C.Penal/2007 e face à demais matéria
dada como assente.

Responderam o MºPº e o ofendido/demandante D…, ambos defendendo a


improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, concluindo
● o MºPº:

(…) que não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega a violação das normas
contidas nos artigos 143º, 1 e 145º, 1, h) e 2, 132º, 2, h) e 70º, todos do C.P. e no art.
32º, 2 C.R.P., devendo ser julgada improcedente a alegada violação do disposto no art.
374º, 2 C.P.P., por falta de exame crítico da prova, bem como o pretendido
incumprimento do disposto no art. 127º C.P.P., que consagra o princípio da livre
valoração da prova.
Efectivamente, a sentença recorrida não padece de qualquer vício ou nulidade, plasma
um conjunto de factos que decorrem da prova produzida, considerando o seu conjunto e
a respectiva análise à luz das regras da experiência comum e aplica o direito
correctamente.
Nada há, portanto, a censurar à decisão sob recurso, que deverá ser mantida na íntegra,
julgando-se o recurso interposto improcedente.

● o recorrido C…:

1° A sentença recorrida não padece de insuficiente fundamentação, visto que ela cumpre
o desiderato legal, pois não só indica os meios de prova produzidos e carreados nos
autos, em que o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção, bem como a respectiva
razão de ciência, como também indica e examina de forma crítica e clara as provas em
que assentou a consideração dos factos como provados, nela se revelando um raciocínio
lógico e coerente, sustentado nas declarações dos arguidos B… e D…, no depoimento
da testemunha presencial E…, nos relatórios periciais e nas fotografias juntos aos autos.
2° O que permite concluir que o tribunal recorrido analisou e procedeu a uma avaliação
crítica ao conteúdo das provas, seguindo um processo lógico e racional na formação da
sua convicção, não resultando pois, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou
violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
3° Desse modo, não se verifica qualquer insuficiência quanto à fundamentação da
sentença, visto que o tribunal recorrido deu cabal cumprimento ao estabelecido no artigo
374°, n° 2, do C. P. Penal.
4° O recorrente para chegar à conclusão totalmente infundada que deveria ser absolvido,
alega apenas e tão só, ínfimas partes das suas declarações, do recorrido D… e do
depoimento da testemunha directa E….
5° Praticando, por essa via, truncamentos, descontextualizações e manipulações, da
prova gravada nas sessões da audiência de discussão e julgamento.
6° Tal conteúdo, como é por demais evidente, não espelha nem de perto, nem de longe,
as declarações prestadas pelos arguidos e o depoimento prestado pela testemunha, em
sede de audiência de discussão e julgamento.
7° Acresce que, a Meritíssima Juiz “A quo” para formar a sua convicção, não se fundou
apenas nas declarações e no depoimento da testemunha E…, mas também nos
relatórios periciais, esclarecimentos de fls. 295/296 e nas fotografias juntas aos autos,
conforme consta na motivação da sentença.
8° Com efeito, as declarações do arguido D…, confirmadas pelo depoimento prestado
pela testemunha E…, estão em consonância designadamente, com o relatório pericial de
fls. 209 a 215 e os esclarecimentos de fls. 295/296, que revelam que pelo menos a
primeira bala disparada pelo arguido B…, que atingiu o D… no pé, teve uma trajectória
descendente.
9° Ao invés, a versão apresentada pelo arguido B…, além de ter sido desmentida pela
testemunha directa E…, não é minimamente compaginável e está em contradição, com
as fotos de fls. 61, relativas à simulação efectuada com base na própria descrição feita
por si, com os relatórios periciais de fls. 209 a 215, de fls. 353 a 359, nem com os
registos clínicos e relatórios de exame médico-legal, bem como as fotos de fls. 372/373.
10° Ora, as declarações prestadas pelo arguido D… em 03/05/2011, que se encontram
gravadas no Habilus, das 15:32:41 às 16:11:50 horas, e o depoimento prestado pela
testemunha directa E…, em 03/05/2011 e em 20/05/2011, que se encontra gravado no
Habilus, das 17:49:16 às 17:59:37 horas e das 10:03:31 às 10:20:19 horas,
respectivamente, além de ser coincidentes entre si, estão em consonância com as fotos,
os relatórios periciais, os registos clínicos e os relatórios de exame médico-legal juntos
aos autos.
11° Pelo que, tais meios probatórios permitem sem margens para quaisquer dúvidas,
firmar um juízo de certeza sobre a prática do crime de que o arguido B…, se encontrava
acusado.
12° Por conseguinte, a Meritíssima Juiz “A quo” limitou-se a dar cumprimento integral à
Lei Penal processual e substantiva, ao condenar o arguido B… pela prática, em autoria
material, de um crime de ofenda à integridade física qualificada, previsto e punido pelos
artigos 143°, n° l, e 146°, n°s l e 2, com referência ao artigo 132°, n° 2, alínea g), todos
do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos.
13° Como é por demais evidente, a conduta empreendida pelo arguido B… é reveladora
de especial censurabilidade ou perversidade, porque empunhou, direccionou e disparou
três tiros com uma arma de fogo que trazia consigo, atingindo o corpo do D…, conforme
resulta dos factos provados.
14° Uma vez que, o primeiro tiro foi disparado, quando o D… se encontrava de frente
para si, no meio da rua, totalmente desprotegido e indefeso, atingindo-o no pé direito.
15° E o segundo e terceiro tiro foram disparados pelo arguido B…, quando o D… fugia e
já se encontrava de costas voltadas para ele, atingindo-o na parte de trás da coxa direita
e na zona abdominal.
16° Com a agravante, do arguido B… ao ser agente da Polícia de Segurança Pública,
saber que o uso da arma de fogo era injustificado e excessivo, colocando-o numa
posição de clara e objectiva superioridade em relação ao D…, podendo-lhe provocar
lesões mais graves e inclusivamente, a própria morte.
17° Por conseguinte, o arguido B… sabia e tinha a consciência de que a arma de fogo
por si utilizada, tinha aptidão para provocar não só uma lesão especialmente grave no
corpo do D…, como também a sua morte.
18° Pelo que, o arguido B… com a sua actuação preencheu a circunstância qualificativa
prevista na alínea g) do artigo 132°, n° 2, do Código Penal, consubstanciada na utilização
de um meio particularmente perigoso, ou seja, a arma de fogo.
19° Porquanto, como é pacificamente reconhecido quer na doutrina, quer na
Jurisprudência, a utilização de uma arma de fogo, constitui um meio de agressão
particularmente perigoso, por possuir uma potencialidade acima da normal de causar
lesões corporais graves e de pôr em causa a própria vida da vitima.

Tendo sido este último notificado para pagamento de multa, nos termos do art. 145º nº 6
do C.P.P., por apresentação da resposta fora de prazo, e indeferido que foi o
requerimento por ele apresentado no sentido de se considerar atempada a prática do
acto e dada sem efeito aquela notificação, foi pelo mesmo interposto recurso de tal
despacho com vista à sua revogação e substituição por outro que admita a referida
resposta, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1° Por despacho o tribunal recorrido indeferiu o requerido pelo ora recorrente, em que
requereu que fosse dado sem efeito a notificação de pagamento de multa, por
alegadamente ter apresentado fora de prazo a resposta ao recurso interposto pelo
arguido B….
2° Para fundar a sua decisão de indeferimento, o tribunal recorrido considerou que
estava perante um caso omisso e aplicou o artigo 254°, do Código de Processo Civil, o
qual no seu n° 3, presume que as notificações postais ocorrem no terceiro dia posterior
ao do registo.
3° Ora, como é por demais evidente, as notificações em processo criminal não
constituem um caso omisso, em virtude de as mesmas se encontrarem previstas e
reguladas no artigo 113°, do C. P. Penal.
4° Logo, jamais o tribunal recorrido poderia no caso em apreço, aplicar o artigo 254° do
Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 4°, do Código de Processo
Penal.
5° Porque, por um lado, as notificações em processo criminal como é aqui o caso,
encontram-se reguladas no artigo 113° do Código de Processo Penal, não havendo,
portanto, um caso omisso.
6° E por outro lado, na própria notificação postal do recurso interposto pelo arguido B…,
datada de 06/01/2012, efectuada pelo tribunal ao ora recorrente, constava a negrito que:
A presente notificação presume-se feita no 3° dia útil posterior ao do envio - art.°
113, n° 2, do C. P. Penal.
7° Por conseguinte, sendo o próprio tribunal recorrido na notificação postal por si
efectuada ao ora recorrente, que diz que a notificação presume-se feita no 3° dia útil
posterior ao do envio nos termos do artigo 113°, n° 2, do C. P. Penal, mesmo que tivesse
incorrido em erro, o que não é o caso, não poderia à posterior vir desdizer-se e aplicar o
artigo 254° do C. P. Civil.
8° Porque os erros da secretaria não podem em caso algum, prejudicar os sujeitos
processuais, nos termos do artigo 161°, n° 6, do C. P. Civil.
9° Assim sendo, é absolutamente seguro que nas notificações postais feitas no âmbito do
processo criminal, como é aqui o caso, é aplicável o n° 2 , do artigo 113°, do Código de
Processo Penal, o qual determina que as notificações presumem-se feitas no 3° dia útil
posterior ao do envio.
10° Como a notificação do recurso interposto pelo arguido B…, efectuada pelo tribunal
recorrido ao ora recorrente, foi enviada em 06/01/2012, correspondente a uma sexta-
feira, logo, o seu terceiro dia útil posterior ao do envio, é quarta-feira, dia 11/01/2012.
11° Por força de tal presunção, o prazo de 30 dias de resposta ao recurso previsto no n°
2 do artigo 413°, do C. P. Penal, começou a contar a partir do seu dia seguinte, ou seja,
12/01/2012, terminando o referido prazo em 10/02/2012, data em que o ora recorrente
por registo postal enviou ao tribunal a resposta ao recurso.
12° Daí que, o ora recorrente tenha apresentado a resposta ao recurso dentro do prazo
legal de 30 dias, previsto no n° 2 do artigo 413°, do C. P. Penal.
13° E não fora do prazo legal, como de forma inconstitucional e ilegal foi decidido pelo
tribunal recorrido, por no caso vertente, não existir um caso omisso, que permita
socorrer-se do artigo 4° do Código de Processo Penal, e em consequência, aplicar o
disposto no artigo 254°, do Código de Processo Civil, em matéria de notificações, por as
mesmas no âmbito do processo criminai, se encontrarem reguladas no artigo 113°, do
Código de Processo Penal.
14° De forma ilegal, porque em processo criminal como é aqui o caso, as notificações
estão expressamente previstas e reguladas no artigo 113°, do Código de Processo
Penal, não existindo, por isso, casos omissos nessa matéria, que permita ao tribunal
aplicar o artigo 254° do Código de Processo Civil.
15° Sendo também inconstitucional, porque o tribunal recorrido ao aplicar em matéria de
notificações no âmbito do processo criminal, o disposto no artigo 254°, do Código de
Processo Civil, violou as normas dos artigos 13°, 20°, n° l, e 32°, n° l, da Constituição da
República Portuguesa, por tal norma não lhe ser aplicável e por a mesma, ao prever um
prazo de presunção de notificações inferior ao estabelecido no n° 2, do artigo 113°, do
Código de Processo Penal, implicar uma restrição de garantias de defesa, de igualdade
de tratamento e de acesso aos tribunais.
16° Por conseguinte, deve ser revogado o despacho recorrido e ordenar-se a subida da
resposta ao recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
17° Foram violados o n° 2, do artigo 113°, do Código de Processo Penal, os artigos 13°,
20°, n° l e 32°, n° l, da Constituição da República Portuguesa.

Respondeu o MºPº, pronunciando-se no sentido da procedência deste recurso, assim


concluindo:
a) O despacho recorrido violou o disposto no art. 113º, 2 C.P.P., cuja letra não
considerou, aplicando erradamente, por não haver qualquer lacuna, o disposto no art.
254º, 1 C.P.C.;
b) Efectivamente, a letra do art. 113º, 2 C.P.P. é suficientemente clara para fazer
prevalecer a interpretação de que o prazo de três dias aí previsto, findo o qual se
presume realizada a notificação por via postal registada, corresponde aos três dias úteis
subsequentes ao do envio;
c) Por outro lado, a génese da norma do art. 113º, 2 C.P.P. inculca a ideia de que o
legislador processual-penal optou por uma redacção claramente distinta da que foi
utilizada na norma correspondente no C.P.C., o que se explica pela diferente finalidade
dos processos, pelas especificidades que comporta o processo penal e pela maior
abrangência daquela norma, que se aplica a todas as notificações efectuadas por via
postal registada e não apenas às que se dirigem aos mandatários;
d) Considerando-se que a notificação por via postal registada para responder ao recurso
se presume efectuada no último dos três dias úteis subsequentes ao do envio, terá a
mesma ocorrido no dia 11 de Janeiro de 2012 e não no dia 9 de Janeiro de 2012;
e) Assim, o termo do prazo de 30 dias para apresentar a resposta ao recurso terminou no
dia 10 de Fevereiro de 2012, data em que, efectivamente, foi remetida, por correio aquela
peça processual;
f) O acto foi, portanto, praticado dentro do prazo que a lei fixa para o efeito, não havendo
lugar à aplicação de qualquer sanção calculada nos termos do art. 107º-A C.P.P. e 154º
C.P.C.;
g) O despacho recorrido violou, assim, o disposto no art. 113º, 2 C.P.P., pelo que deverá
ser julgado procedente o recurso interposto pelo demandante D… e, em consequência,
revogado o despacho de fls. 978, que deverá ser substituído por outro que dê sem efeito
o pagamento da multa processual aplicada nos termos do art. 107º-A C.P.P. e 154º
C.P.C., com consequente admissão da resposta ao recurso.

Ambos os recursos foram admitidos, com subida conjunta, tendo a Srª juiz a quo
sustentado o despacho recorrido nos seguintes termos:

Pelos fundamentos exarados no despacho recorrido, mantenho a decisão em causa.


Na verdade, não obstantes as doutas e eloquentes considerações tecidas pelo Digno
Magistrado do Ministério Público a fls. 991 e seguintes, fundadas, além do mais, em
jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o certo é que se entende que, estando
em causa a notificação de um mandatário, se deverá aplicar o disposto no art. 254° do
Código de Processo Civil, ex vi do art. 4° do Código de Processo Penal, pois o Código de
Processo Penal não contém nenhuma norma atinente às formalidades a seguir nas
notificações a efectuar a mandatários.
Por outro lado, foi já defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no douto acórdão
datado de 21.05.2003, proferido no processo n° 02P4403, passível de consulta em
www.dgsi.pt, que «a referência feita pelo art. 113.°. n.° 2, do CPP (redacção do DL n.°
320-C/2000, de 15-12). ao “3.° dia útil posterior ao do envio” não comporta uma
interpretação no sentido de todos os três dias serem úteis, mas, sim, que o último dia dos
três tem de ser útil, ou seja tem de ser dia em que normalmente haja distribuição de
correio, por outras palavras, que não seja sábado, domingo ou feriado».
Assim, sendo defensável a posição anteriormente assumida no processo, decide-se
manter a mesma.

Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer[6] no sentido de que
o recurso da procedência do recurso interposto pelo ofendido/lesado D… e da
improcedência do que foi interposto pelo arguido B…. Quanto ao primeiro, porque
entende que, embora seja de afastar a aplicação subsidiária do C.P.C. já que não existe
no C.P.P. omissão de regulamentação do procedimento a seguir nas notificações aos
advogados, este diploma não estabelece distinção de procedimento quanto a tais
notificações, aplicando-se as regras estabelecidas no art. 113º e devendo-se interpretar a
expressão “3º dia útil” como o 3º dos 3 dias, todos eles úteis, consecutivos.
Relativamente ao segundo, considera que, apesar de o recorrente não ter identificado as
conclusões cujo processo de formação não foi explicitado, o texto da sentença recorrida
evidencia que foram plenamente cumpridas as obrigações de clareza e transparência
que derivam do nº 2 do art. 374º do C.P.P., não se verificando, por isso, a nulidade
invocada; que, igualmente, se não verifica o apontado erro de julgamento, mostrando-se
as declarações do recorrente no sentido de que os disparos foram dados de frente e para
evitar a aproximação do D… que empunhava uma pedra infirmadas pelas declarações
deste e sem apoio no depoimento da testemunha E…, não tendo sido questionada a
matéria vertida nos pontos 14., 15. e 17. dos factos provados, nem indicados elementos
de prova que impusessem decisão de sentido diferente; e que, mesmo não se
considerando, diferentemente do que foi o entendimento do tribunal recorrido, que a
arma agravasse a culpa do recorrente enquanto utilizada para manter o opositor à
distância, aquele produziu outros disparos quando este já estava em fuga, o que também
afasta a legítima defesa ou o seu excesso, e o comportamento mais grave, em que a
arma assume a sua verdadeira natureza perigosa, revela-se no disparo dirigido ao
abdómen, por se tratar de zona que alberga órgãos vitais.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados, para o que aqui interessa, os
seguintes factos:

1) No dia 22 de Junho de 2006, pelas 9.30 horas, o arguido B…, agente da Polícia de
Segurança Pública do Porto, seguia sozinho ao volante do seu veículo automóvel ligeiro
de passageiros da marca Citroen, modelo .., com a matrícula LQ-..-.., na via rápida,
sentido … – ….
2) Na mesma via e no mesmo sentido, seguia o arguido D…, que conduzia o veículo
automóvel ligeiro de passageiros da marca Opel, modelo …, com a matrícula ..-..-GR.
3) Antes de saírem em direcção à Zona Industrial …, os arguidos B… e D…, por motivos
relacionados com a respectiva condução, desentenderam-se um com o outro.
4) A partir daí, e no trajecto até à Rua …, em …, no Porto, os arguidos D… e B…
efectuaram ultrapassagens mútuas e sucessivas, até que, naquele último local, o arguido
D… imobilizou o veículo de matrícula ..-..-GR alguns metros à frente da viatura de
matrícula LQ-..-.., no centro da faixa de rodagem e de forma oblíqua, obrigando o arguido
B… a imobilizar a sua viatura.
5) Nessa altura, o arguido D… saiu do veículo que conduzia e correu na direcção do
veículo conduzido pelo arguido B….
6) Ao ver o arguido D… a correr na sua direcção, o arguido B… deitou a mão a uma
arma, da marca Walther, modelo .., com o número ……, com o carregador municiado
para munições de calibre 7.65 mm, que trazia consigo, saiu do seu veículo e, apoiando
os braços na porta do mesmo, apontou aquela arma na direcção do D…, premindo o
gatilho por três vezes.
7) Os tiros assim disparados atingiram o D… num pé, numa perna e na zona abdominal,
produzindo no corpo do ofendido, directa e necessariamente, dores e ferimentos que
careceram de tratamento hospitalar.
8) Um dos invólucros foi encontrado caído na via pública e outros dois foram recuperados
no interior do veículo de matrícula LQ-..-...
9) O arguido B… actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de
molestar o corpo e a saúde do D…, sabendo que ao usar uma arma para o maltratar
fisicamente recorria a um meio que melhor lhe permitia realizar os seus intentos,
colocando-se numa posição de clara superioridade em relação àquele.
10) Como consequência directa e necessária da actuação do arguido B…, o D… sofreu
traumatismo do pé direito, da coxa direita e do abdómen, lesões estas que foram causa
directa e necessária de sessenta dias de doença, todos com afectação da capacidade
para o trabalho, não resultando para o ofendido quaisquer consequências graves
permanentes, conforme decorre do relatório de exame médico-legal de fls. 263 a 266,
cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11) Como consequência directa e necessária da actuação do arguido B…, o D…
apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: 2 cicatrizes com formato
circular e 1 cm de diâmetro na face posterior do terço proximal da coxa; 2 cicatrizes com
formato circular e 1 cm de diâmetro nas regiões plantar e dorsal do pé sobre o terço
distal do metatarso.
12) No decurso dos factos acima descritos, surgiram no local, a solicitação telefónica do
arguido D…, os arguidos F… e G….
Mais se provou que:
13) Após o D… ter percorrido a pé alguns metros, o arguido B… apontou-lhe a referida
arma de fogo, com a qual disparou um tiro na sua direcção, que o atingiu na parte
superior do seu pé direito, tendo-o perfurado e saído pela respectiva planta do pé,
conforme é visível nas quatro fotografias juntas aos autos a fls. 370/371.
14) Imediatamente a seguir a ser baleado, o D… fugiu e procurou refugiar-se por trás do
lado direito da sua viatura.
15) Porém, quando o D… fugia de costas viradas para o arguido B…, este disparou mais
dois tiros com a arma de fogo, tendo-o atingido na parte de trás da coxa da perna direita
e na zona abdominal, conforme é visível nas fotografias juntas aos autos a fls. 372/373.
16) O D… só se apercebeu que tinha sido atingido quando se sentou no passeio e
verificou um buraco no seu pé direito, desde a parte superior até à planta do mesmo, o
qual sangrava abundantemente.
17) De seguida, o arguido D… pôs-se de pé e atirou a pedra fotografada a fls. 93, que se
encontrava no passeio, em direcção ao arguido B…, que já estava sentado no interior do
seu veículo, com a porta aberta, acabando a referida pedra por acertar no capot do
veículo automóvel de matrícula LQ-..-.., estragando-o.
18) Com a sua actuação, o arguido D… causou um prejuízo ao B…, do qual este ainda
não se mostra ressarcido.
19) O arguido D… procedeu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que, ao
arremessar a referida pedra em direcção ao B…, que se encontrava no interior do
veículo, podia vir a acertar naquele veículo, danificando-o, conformando-se, porém, com
esse resultado.
20) O arguido D… sabia que o referido veículo não lhe pertencia e que, por isso, não
devia actuar daquela forma.
21) O D… foi transportado por uma ambulância dos Bombeiros Voluntários … para o
Hospital …, onde foi assistido aos ferimentos causados pelos projécteis disparados pelo
arguido B….
22) O arguido B… “vestia à civil” e não estava em serviço, pois encontrava-se de férias.
23) O lesado JD... terá de pagar de taxas moderadoras a quantia de € 28,90, conforme
documento junto a fls. 375.
24) O lesado D… pagou na farmácia, para aquisição de medicamentos, a quantia de €
20,37, conforme recibo junto a fls. 376.
25) Pagou taxas moderadoras na H…, para análises clínicas e raios X, a quantia de €
7,75, conforme três recibos juntos a fls. 377 a 379.
26) No dia em que o lesado D… foi objecto dos tiros, vestia um par de calças e calçava
um par de sapatilhas, as quais, em consequência dos mesmos, ficaram inutilizadas, cujo
custo foi de, respectivamente, € 40 e € 45, o que perfaz o montante de € 85.
27) Em virtude do tiro sofrido no pé, o lesado deixou de poder andar a pé normalmente e
de conduzir veículos automóveis, o que o obrigou a recorrer aos serviços de táxi para
receber os tratamentos médicos, tendo pago o montante de € 91 por tais serviços,
conforme dez recibos juntos a fls. 380.
28) O lesado também foi obrigado a comprar umas muletas que lhe custaram a
importância de € 25.
29) Em consultas médicas que teve no I…, o lesado pagou a quantia de € 12,70,
conforme seis recibos juntos a fls. 381.
30) O lesado trabalhava e trabalha por conta de G…, seu pai, com a categoria
profissional de canalizador de 1°, auferindo à data dos referidos factos o salário mensal
bruto de € 450,84, ao qual era deduzida a taxa social única de 11%, no valor de € 53,77,
acrescido de subsídio diário de alimentação de € 5,55, conforme recibo de vencimento
referente a Junho de 2006, junto a fls. 382.
31) Em virtude das lesões provocadas pelos tiros disparados pelo arguido, o lesado
esteve impossibilitado para o trabalho desde 22/06/2006 até 21/08/2006, conforme
relatório médico-legal de fls. 263 a 266.
32) Entre 22/06/2006 e 18/09/2006, o lesado esteve de baixa ao abrigo do seguro de
acidentes de trabalho. Porém, a Companhia de Seguros J…, S.A., declinou o pagamento
de quaisquer indemnizações, por as lesões não serem resultado de um acidente de
trabalho, conforme documentos juntos a fls. 384 a 389.
33) O lesado entrou de baixa na Segurança Social em 05/09/2006 e manteve-se de baixa
até 18/10/2006, conforme certificados juntos a fls. 383, 390, 391 e 392.
34) O agregado familiar do lesado é composto por três pessoas, ele, a mulher e um filho
menor, os quais vivem numa fracção autónoma que o casal comprou, por via da
concessão de crédito bancário à aquisição de habitação própria.
35) Em determinadas alturas, o lesado sente dores no pé direito.
36) Em virtude dos tiros sofridos, o lesado sofreu dores físicas e dolorosos tratamentos.
37) No dia 22 de Junho de 2006, depois de conduzido ao Hospital …, foi aí submetido a
tratamento médico e foi-lhe engessado o pé direito, o que lhe causou enorme transtorno
e perturbação, quer porque afectou o seu ritmo de vida e hábitos adoptados, quer porque
lhe provocou dor e sofrimento.
38) Durante o período de três dias, o lesado esteve imobilizado, vendo cerceada a sua
liberdade de movimentos e a possibilidade de comunicar com outras pessoas, o que lhe
provocou um estado de frustração e angústia.
39) A realidade supra descrita causou uma forte perturbação ao equilíbrio sócio-psíquico-
emocional do lesado.
Provou-se ainda que:
40) Nada consta do certificado do registo criminal do arguido B….
41) O arguido B… exerce a sua actividade de agente da Polícia de Segurança Pública na
secção de transportes, onde assume as funções de motorista. Aufere € 1.250/mês. Vive
com a mulher (reformada por invalidez, recebendo de pensão € 200/mês), com a filha do
casal (de 21 anos de idade, estudante) e com a sogra (de 84 anos de idade, reformada).
Tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.
42) O arguido B… é visto e tido pelos amigos e colegas de trabalho como uma pessoa
pacífica e estimada e como um bom companheiro.
43) Decorre do relatório social do arguido B… que:
O arguido tem origem num agregado familiar constituído pelos progenitores e seus dez
descendentes, dos quais é o segundo. Oriundo de …, onde a mãe, viúva, ainda vive, o
arguido guarda memórias de infância pouco gratificantes, atentas as dificuldades
económicas então vivenciadas pela família, a qual era, essencialmente, sustentada, em
termos afectivos e materiais, pela mãe e avó materna, face à negligência e demissão da
figura paterna, enquanto cônjuge e pai.
Com cerca de dez anos, o arguido migrou para Lisboa, onde viria a trabalhar no
comércio. Até ao cumprimento do serviço militar, exerceria outras profissões
indiferenciadas no sector da construção civil. Após o serviço militar, ingressou na Polícia
de Segurança Pública, sendo certo que era um dos principais recursos profissionais, à
época.
Há cerca de vinte anos, contraiu matrimónio com a actual cônjuge (divorciada e com um
filho) com quem já vivia em união de facto. Do matrimónio tem uma única filha, com 21
anos de idade.
O actual agregado é constituído por estes três elementos, sendo que mais recentemente
integrou o mesmo a sogra do arguido, de 83 anos.
A cônjuge, de 61 anos, encontra-se reformada por invalidez e a filha está em processo
de avaliação/qualificação para entrar na universidade.
A família tem residência em Vila Nova de Gaia desde 1998 (apartamento T2, próprio),
mas mantém a anterior casa, em …, onde se circunscrevem a maior parte das rotinas da
mesma. Isto porque lhes permite desenvolver actividades (cultivo de terreno e criação de
animais domésticos) também de carácter lúdico, onde se inscreve o exercício de
bricolage e mecânica por parte do arguido, sendo-lhe reconhecidas competências e
habilidades a esse nível.
O arguido trabalha há cerca de treze anos nas instalações da PSP da …, no Porto,
sendo condutor de viaturas e responsável pelo transporte de reboques e de pessoal
operacional, cujos horários são vantajosos e lhe permitem ganhar horas extra em
“gratificados”. Recebe líquidos € 1.250 mensais de vencimento. A cônjuge conta com
aproximadamente € 200 de pensão. É com estas receitas que a família faz face às
despesas correntes, das quais se destacam € 600 mensais do empréstimo à habitação, €
96 de crédito ao consumo e € 100 da renda da casa de …. O arguido avalia a actual
situação económica como deficitária, tendo em conta que esteve uns tempos sem poder
efectuar serviços extra, em razão de lhe ter sido retirada a arma, na sequência do actual
processo.
A este propósito, retira-se que a presente situação jurídico-penal está a ser vivenciada
pelo arguido de forma angustiada, sentindo-se muito constrangido face à natureza dos
factos, sobre os quais manifesta sentido de censura. Teme pelo desfecho do processo e
do impacto do mesmo no processo disciplinar em curso.
Tem preservado a família do conhecimento mais detalhado do actual processo, por
referência ao quadro de fragilidade emocional da cônjuge. Com o enteado, também
residente em VNGaia, com agregado independente, mantém relação de proximidade e
cumplicidade e partilha de tempos livres. O enteado tem nele a sua referência parental
masculina. Qualifica-o positivamente em todos os contextos em que se insere e revê-se
no arguido enquanto pai e educador.
Também as alusões profissionais em relação ao arguido são favoráveis. É considerado
um trabalhador responsável, assíduo, disponível e zeloso. Daí que o presente processo
tivesse surpreendido colegas e superiores.
(…)

Consignou-se não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a
decisão da causa ou que estejam em contradição com os considerados como provados
e, nomeadamente, no que para aqui interessa, que:

a) O arguido D… forçou a entrada do ..-..-GR na fila de trânsito por onde circulava a


viatura conduzida pelo arguidos B…, obrigando este a travar e a ceder-lhe a passagem,
razão pela qual, em retaliação e em sinal de desagrado, encolheu os ombros e levantou
as mãos.
b) O veículo conduzido pelo arguido D… embateu na traseira do veículo tripulado pelo
arguido B….
c) Quando o arguido D… saiu do veículo em que seguia, dirigiu-se ao passeio do lado
esquerdo e pegou num pedaço de cimento seco, com cerca de cinco quilos.
d) De posse do dito objecto, o arguido D… levantou-o no ar e começou a correr em
direcção ao veículo do arguido B….
e) O arguido B… só deitou a mão à arma supra descrita em 6) quando viu o arguido D…
a correr na sua direcção, munido do pedaço de cimento.
f) Antes de efectuar os disparos, o arguido B… identificou-se como agente de autoridade.
g) O arguido D… lançou o referido pedaço de cimento na direcção do veículo do CB…
com o propósito de o danificar.
h) O D… encontrava-se a uma distância de cerca de quatro metros quando o arguido
B… premiu o gatilho da supra mencionada arma.
(…)
o) Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra descritas em 1), o arguido D… seguia
pela sua mão, surgindo repentinamente pela sua direita, circulando em cima da zona
proibida do zebrado, o arguido B…, numa manobra de tentativa de ultrapassagem.
p) Ao entrar na rua que dá acesso à Zona Industrial …, o arguido B…, que conduzia a
sua viatura pela faixa esquerda, colocou-se ao lado do veículo do D…., começando a
fazer gestos ameaçadores com a sua mão direita e a proferir-lhe insultos, tais como “filho
da puta” e “vou-te matar”, em tom ameaçador.
q) Após a Rotunda …, no início da Rua …, o veículo do D… ultrapassou o automóvel do
arguido B…, tendo este, em acto contínuo, começado a exibir e a apontar-lhe uma arma
de fogo, pela parte de cima do volante, enquanto conduzia na retaguarda.
u) De seguida, o arguido B…, ao longo da Rua …, por diversas vezes, colocou o seu
veículo automóvel ao lado do automóvel do D…., apontando com a sua mão direita uma
arma de fogo em direcção a este.
v) O D…, ao tentar aceder ao portão de entrada das instalações da empresa K…, foi
novamente ameaçado pelo arguido B… com a arma de fogo, o qual abrandou a sua
viatura e a apontou na direcção daquele a uma distância de cerca de 2 metros.
x) Em face disso, o D… continuou com a sua viatura a percorrer a Rua …, tendo o
arguido B… prosseguido com o seu veículo no encalço daquele, continuando a exibir e a
apontar-lhe a arma de fogo.
z) Foi devido às constantes ameaças com a arma de fogo por parte do arguido B… que o
D…, num acto instintivo, acabou por imobilizou a sua viatura em diagonal no meio da
referida rua.
aa) O veículo do arguido B… ficou parado a cerca de dez metros ou a cerca de 30/40
metros de distância do veículo do JD….
ab) Em virtude das lesões sofridas, o lesado D… esteve impossibilitado para o trabalho
até 18.10.2006.
ac) Durante o referido período em que esteve impossibilitado para o trabalho, o lesado
deixou de auferir a quantia global de € 2.846,84.
ad) Devido à perda dos rendimentos provenientes do trabalho, a sogra e a mãe do
lesado emprestaram-lhe, respectivamente, as quantias de € 1.000 e de € 2.000 para
poder fazer face às despesas do seu agregado familiar, designadamente o pagamento da
prestação mensal da casa de habitação, quantias essas que lhes terá de restituir.
ae) Com o tiro sofrido no pé, o lesado cortou o tendão, pelo que o dedo perdeu a
sensibilidade e movimentação e afectou a normal articulação do pé.
af) Em determinadas alturas, o lesado sente dores agudas no pé, ficando o mesmo
incapacitado temporariamente para prestar o seu trabalho de canalizador, por a sua
actividade profissional exigir, designadamente nas obras de construção civil, grande
esforço nos membros inferiores.
ag) Em consequência disso, o lesado foi obrigado a estar de baixa médica, entre
10/03/2008 e 02/04/2008 e entre 27/05/2009 e 10/06/2009, o que lhe causou uma perda
de ganho de € 640.
ah) O lesado, em consequência do tiro disparado pelo arguido que o atingiu no pé direito,
deixou, em determinadas alturas, de o poder articular normalmente, diminuindo e
afectando, por essa via, a sua capacidade de trabalho.
ai) O período de convalescença do lesado prolongou-se por 119 dias.

A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:

Os arguidos B… e D… reconheceram a veracidade dos factos supra descritos em 1) a


4).
Quanto aos factos que estiveram na origem do desentendimento entre ambos, apenas se
apurou que o mesmo foi motivado pela forma como conduziam os respectivos veículos,
não se tendo provado qual dos dois provocou tal situação (as versões por eles
apresentadas foram contraditórias e não existem testemunhas desses factos), sendo
certo que se entende que é totalmente indiferente quem tinha a razão do seu lado, pois
perdeu-a a partir do momento em que, devido ao eventual desrespeito de uma regra
estradal por parte de outrem, adopta uma atitude de retaliação, passando a conduzir de
forma agressiva e temerária (com ultrapassagens sucessivas).
Diga-se, por outro lado, que não nos mereceu credibilidade a descrição feita pelo arguido
D… acerca das alegadas ameaças com a arma de fogo no decurso do trajecto efectuado
até ao local onde veio a imobilizar a sua viatura, porquanto, por um lado, só um “tolo”,
desarmado, é que iria enfrentar de frente um indivíduo que sabia estar munido de uma
arma de fogo, e não me parece que seja este o caso do arguido D… (este fugiu quando o
arguido B… disparou a primeira bala, o que revela que, como é normal e natural, teve
medo), por outro lado, considera-se deveras duvidoso que o arguido B… tivesse a perícia
necessária para conduzir um veículo em sucessivas ultrapassagens com uma arma de
fogo na mão e, em certas ocasiões, com ambas as mãos a agarrar a arma de fogo,
conforme foi afirmado pelo arguido D…, e, por último, porque a testemunha E… (que
seguia atrás de ambos os arguidos, na condução do seu veículo) afirmou que não se
apercebeu da arma de fogo antes do arguido B… sair do veículo, sendo certo que, tendo-
se apercebido da forma como os arguidos estavam a conduzir os respectivos veículos
(“picados e aos “ziguezagues”), seria natural que também se tivesse apercebido que um
estaria a apontar algo ao outro.
Não se apurou a que distância ficaram os veículos conduzidos pelos arguidos, por a
prova produzida ter sido, nessa parte, inconclusiva, sendo certo que se considera curta a
distância, de dez metros, avançada pelo arguido D… (uma vez que este afirmou que
correu na direcção do veículo do arguido B… e que foi atingido quando se encontrava a
meio do caminho) e se considera demasiado longa a distância de 30/40 metros, na
medida em que os arguidos iam “picados”, pelo que seguiriam próximos um do outro.
Quanto ao que se passou a seguir à imobilização dos veículos, também são divergentes
as versões apresentadas por ambos os arguidos. Considera-se, porém, que aquela que
foi apresentada pelo arguido D… é a que, tendo em conta a restante prova produzida, as
regras da experiência comum e da normalidade dos acontecimentos, nos merece maior
credibilidade.
Vejamos.
O arguido B… afirmou que: só pegou na arma de serviço que trazia consigo (e que
sempre andava com ele, mesmo nos períodos de férias, como era, conforme declarou, o
caso) quando viu o arguido D… a pegar na pedra (que descreveu como sendo um bloco
de cimento grande, semelhante ao que consta da foto de fls. 93) e a dirigir-se a si; antes
de disparar disse ao arguido D… para parar, que era polícia; não saiu do seu veículo,
tendo empunhado a arma com a sua mão esquerda (apesar de ser dextro) e disparado a
mesma através da janela aberta. Afirmou, por fim, que só premiu o gatilho uma única vez
e que os dois restantes disparos foram involuntários (provocados, segundo disse, pela
tensão nervosa em que se encontrava).
Ora, em primeiro lugar, considera-se muito duvidoso que alguém que, de forma
impulsiva, puxa do travão de mão e imobiliza um veículo no meio de uma faixa de
rodagem, em vez de se dirigir imediatamente, a correr, para o indivíduo com quem está
irritado (versão apresentada pelo arguido D…), vá primeiro procurar uma pedra na berma
da estrada a fim de a poder arremessar contra o veículo daquele, quando o mais natural
(por ser dessa forma que normalmente as pessoas reagem) é que quisesse agredir
fisicamente o mesmo.
Em segundo lugar, também se duvida que o arguido B… tivesse dito o que quer que seja
antes de disparar, pois tudo indica que o arguido D… nem teve tempo de reagir (o mais
natural era que fugisse mal visualizasse a arma de fogo apontada na sua direcção, o que
só aconteceu depois de ser disparada a primeira bala).
Em terceiro lugar, não é minimamente credível que o arguido B… não tivesse saído do
seu veículo e tivesse disparado, através da janela, com a sua mão esquerda (v. fotos de
fls. 61, relativas à simulação efectuada com base na descrição feita por este arguido),
porquanto, por um lado, seria mais difícil fazer pontaria naquela posição (e não há
dúvidas que todos os tiros atingiram o alvo) e, por outro lado, tudo indica que pelo menos
a primeira bala, que atingiu o D… no pé, teve uma trajectória descendente, a qual
pressupõe que o arguido B… estivesse numa posição mais elevada (v. relatório pericial
de fls. 209 a 215 e esclarecimentos de fls. 295/296). De resto, caso estivesse no interior
do veículo, sempre teria o espelho retrovisor a interpor-se entre a arma e a vítima, o que
tornaria ainda mais difícil que o viesse a atingir no pé. Note-se, por fim, que a existência
de invólucros na via pública e no interior do veículo é compatível com ambas as
situações, pois as balas teriam, em qualquer dos casos, sido disparadas com a arma fora
do veículo.
Em quarto lugar, está demonstrado que arma e as munições utilizadas pelo arguido B…
se encontravam em boas condições de funcionamento e de utilização (cfr. relatório de fls.
353 a 359), o que torna absolutamente incompreensível a alegação de que os dois
últimos disparos foram involuntários.
O arguido D… afirmou que: a determinada altura, decidiu guinar o veículo e puxar do
travão de mão, ficando com o mesmo atravessado na faixa de rodagem, impedindo
dessa forma que o veículo do arguido B… passasse; saiu do veículo e foi, a correr, na
direcção do veículo do B…; quando se encontrava a meio do percurso, o B… abre a
porta, sai do veículo, coloca as mãos por cima da porta do mesmo, com a arma apontada
na sua direcção, e dispara um tiro frontal que o atinge no pé; nessa altura, dá meia volta
e foge para trás do seu veículo, a fim de se proteger, sendo atingido, então, por mais
duas balas; após, sentou-se no passeio a constatar os ferimentos; quando o arguido B…
já se encontrava sentado no interior do respectivo veículo, com a porta aberta, pegou
numa pedra que se encontrava no chão, levantou-se, deu meia dúzia de passos e atirou-
a na direcção daquele, com o intuito de o atingir, acabando por acertar no capot do
veículo.
Ora, esta versão dos factos mostra-se muito mais consentânea com as regras da
experiência comum e da normalidade dos acontecimentos, tanto mais que as lesões
sofridas pelo D… na perna direita e no abdómen (v. registos clínicos e relatórios de
exame médico-legal juntos aos autos, bem como as fotos de fls. 372/373) nos fazem
concluir que o mesmo já estava a fugir quando foi atingido pelas duas últimas balas.
Por outro lado, tal versão foi corroborada pela testemunha E…, que nenhuma relação
tem com os arguidos e de cuja seriedade não temos razões para duvidar, pois explicou
as circunstâncias em deu o seu contacto ao pai do arguido D… e é perfeitamente natural
que, face ao período de tempo já decorrido (mais de 5 anos) e à violência da situação em
que se viu envolvida, tenha apenas retido o essencial, ou seja, o que mais a marcou, não
se recordando de certos pormenores de menor importância.
Cumpre ainda dizer que, é compreensível que tal testemunha só tenha sido indicada
aquando da apresentação da queixa por parte do D…, o qual não podia saber em que
fase se encontrava a investigação, por não lhe ter sido dado conhecimento da mesma.
Assim, tendo tal testemunha descrito os factos em apreço de forma clara, firme, segura,
circunstanciada e isenta, o seu depoimento mereceu-nos credibilidade.
Esta testemunha afirmou que o arguido D…, após ter saído do veículo, dirigiu-se logo
para o veículo do B…, não levando nada na mão, e que este último, nessa altura, sai
também do interior do respectivo veículo e, sem nada dizer, apoia a mão na porta do
mesmo e dispara em direcção àquele, que de imediato fugiu, refugiando-se atrás do
veículo dele, o que vem reafirmar a versão dos factos apresentada pelo arguido D….

Tendo o arguido D… afirmado que, quando arremessou a pedra (que não negou ser a
fotografada a fls. 93, pois apenas presumiu que fosse mais pequena, mas que se conclui
que foi efectivamente aquela, face ao local onde foi encontrada e aos danos causados
quer no veículo do arguido B… quer no outro veículo que se encontrava estacionado – v.
fls. 89 a 93) em direcção ao B…, este se encontrava no interior do veículo, com a porta
aberta, é evidente que, nessas circunstâncias, tinha de considerar a possibilidade de vir a
atingir aquele veículo, por tal ser bastante provável (como se veio, aliás, a verificar),
possibilidade essa com que se conformou, pois não se absteve de arremessar a referida
pedra.
Na verdade, muito embora não se duvide que o arguido estivesse perturbado e chocado
com o que acabara de lhe acontecer, o certo é que tal não impedia que ponderasse nas
consequências dos seus actos (e o normal e natural é que o tivesse feito), tanto mais que
sempre esteve lúcido e consciente, sendo que até telefonou ao pai a dizer-lhe o que se
tinha passado e onde estava.
(…)
O arguido B1… afirmou que permaneceu no interior do seu veículo até à chegada dos
colegas L… e M…, altura em que também chegaram ao local os arguidos F… e G….
Mais afirmou que, quando saiu do veículo, foi agredido pelo arguido F…, que lhe deu um
murro no nariz, e pelo arguido G…, que lhe deu um murro no olho, altura em que foram
ambos agarrados pelos dois referidos agentes, que chegaram a presenciar as agressões.
A testemunha N… (agente da Polícia de Segurança Pública, a exercer funções na
Divisão de Trânsito, que já trabalhou com o arguido B…) declarou que ouviu o arguido
D… a fazer vários telefonemas, dizendo que tinha sido baleado por um “bófia” e que
“vamos fodê-lo a ele e a outro”, que se presume que seria a testemunha em causa.
Declarou ainda que o colega foi agredido por duas pessoas, as quais não chegaram
juntas ao local, estando o B…, nessa altura, já fora do veículo. Declarou, por fim, que
segurou o arguido D…, o qual tentou dirigiu-se ao pé-coxinho até ao colega B…, tendo
os arguidos F… e G… sido agarrados pelos dois agentes que entretanto chegaram ao
local.
A testemunha L… (agente da Polícia de Segurança Pública) declarou que, quando
chegou ao local, viu o arguido D… a levantar-se e a dirigir-se, ao pé-coxinho, ao B…,
altura em que foi imobilizado pelo agente N…. Nesse momento, vê também um homem
novo a tentar acercar-se do colega Simões, no que foi impedido pelo colega M…, sendo
que não viu os arguidos F… e G… a agredirem o B…, o qual já apresentava, aquando da
sua chegada, uma lesão na boca.
A testemunha M… (agente da Polícia de Segurança Pública) declarou que interceptou o
arguido F… antes deste chegar junto do arguido B…, não tendo visto aquele ou o
arguido G… a agredir o colega B…, o qual, aquando da sua chegada ao local, se
encontrava no interior do veículo, apresentando já uma ferida na boca.
Ora, tendo as declarações do arguido B… e da testemunha N… sido, em alguns
aspectos, contraditórias entre si e pouco consistentes e tendo as mesmas sido
totalmente infirmadas pelas testemunhas L… e M…, cujos depoimentos nos mereceram
credibilidade – atenta a forma segura, firme, objectiva e uniforme como foram prestadas
–, o tribunal não ficou minimamente convicto que os arguidos F… e G… agrediram o
agente B…, sendo certo que se desconhece a causa das lesões apresentadas por este
(cfr. relatório de exame de fls. 139 a 142), que até podem ter sido provocadas pelo
próprio, em acto de desespero.
Quanto aos danos sofridos por D…, atendeu-se às declarações prestadas pelo próprio,
ao teor dos documentos juntos aos autos (acima referidos nos factos provados), aos
depoimentos prestados pelas testemunhas O… (sua esposa) e P… (sua sogra), os
quais, face à relação familiar que têm com aquele e ao inerente interesse na procedência
do pedido, têm que ser devidamente sopesados e ponderados, bem como aos
esclarecimentos prestados pela Perita Médica, Sr.ª Dr.ª Q…, do Instituto de Medicina
Legal do Porto.
De tais esclarecimentos resultou claro e seguro que D… ficou com as seguintes
sequelas: cicatrizes no dorso e na planta do pé direito e subjectivos dolorosos na mesma
área, as quais não são susceptíveis de afectar de modo grave a capacidade de trabalho
daquele, pelo que não justificariam a impossibilidade de prestar trabalho nos períodos em
que esteve de baixa médica.
Mais resultou que não existe qualquer informação no processo clínico de D… no sentido
de: ter ficado com limitação do movimento articular, a qual não é uma complicação
normal num caso destes; ter perdido sensibilidade no dedo do pé afectado, sendo que o
mesmo não sofreu qualquer lesão que justifique tal perda de sensibilidades; ter havido
rompimento do tendão, tanto mais que não foi sujeito a nenhuma intervenção cirúrgica.
Muito embora não tenham sido juntos documentos comprovativos de tais factos,
consideraram-se adequados e credíveis, tendo em conta os valores correntes do
mercado e o facto de não estarem em causa artigos de marca, os valores das
sapatinhas, das calças e das muletas indicados pelo demandante.
Quanto ao valor dos salários auferidos pelo demandante, atendeu-se ao que consta dos
respectivos recibos de vencimento, por corresponderem àqueles que são efectivamente
recebidos pelo mesmo.
Relativamente ao período em que o demandante esteve impossibilitado para o trabalho,
atendeu-se ao que consta do relatório médico-legal de fls. 263 a 266, por não termos
razões para duvidar das respectivas conclusões, tanto mais que a última consulta que
aquele teve na Companhia de Seguros foi em 21.08.2006 (cfr. fls. 253), informação que
foi tida em consideração no referido relatório (cfr. fls. 264).
Acresce que, o demandante não juntou aos autos, como lhe competia fazer, quaisquer
documentos (registos clínicos) comprovativos das causas das baixas médicas que
posteriormente lhe foram concedidas, pelo que se desconhece se têm alguma relação
com as lesões sofridas em consequência dos factos em apreço nos autos.
Quanto às dores, transtornos, perturbações, estados de frustração e de angústia
alegados pelo demandante, é evidente que, tendo em conta a situação por que passou,
os tratamentos a que foi submetido e as inerentes alterações na sua vida, não se duvida
da veracidade de tais factos, por serem uma consequência normal e comum.
Considerou-se como não provado que a mãe e a sogra do demandante lhe emprestaram,
respectivamente, as quantias de € 2.000 e de € 1.000 para fazer face às despesas do
seu agregado, porquanto se considera insuficiente, para prova de tal facto, os
depoimentos prestados pela mulher e sogra daquele, devido à falta de isenção dos
mesmos, tanto mais que, sendo o pai do demandante o seu patrão, o mais natural é que
aquele tivesse assegurado a subsistência deste durante o período em que esteve
impossibilitado de trabalhar.
Por fim, atendeu-se ainda ao depoimento prestado pela testemunha S…, colega de
trabalho e amigo do arguido B…, que atestou o bom carácter deste, às declarações que
os arguidos prestaram acerca das respectivas condições de vida, aos relatórios sociais
dos arguidos B… e F… e ao teor dos certificados do registo criminal de todos os
arguidos.

Revestem-se, ainda, de interesse para o recurso apresentado pelo ofendido/recorrido


B… as seguintes ocorrências processuais:
- o mandatário do ofendido/recorrido foi notificado da interposição de recurso pelo
arguido por via postal registada enviada em 6/1/12 (6ª feira), com a menção de que “A
presente notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio – art.º 11º,
n.º 2, do C. P. Penal” (cfr. fls. 928);
- o ofendido/recorrido enviou a resposta ao recurso pelo correio, em 10/2/12 (cfr.
envelope a fls. 966);
- liquidada pela secretaria multa de acordo com o art. 145º do C.P.C., “por apresentação
extemporânea da resposta ao recurso” (cfr. fls. 967) e notificado o ofendido/recorrido
para proceder ao respectivo pagamento (cfr. fls. 968), veio ele apresentar requerimento,
no qual defendeu que a resposta ao recurso havia sido apresentada dentro do prazo
legal de 30 dias estabelecido no art. 413º nº 2 do C.P.P., na medida em que aquele prazo
se conta a partir do 3º dia útil posterior ao envio da notificação, no caso o dia 12/1/12 (5ª
feira), e terminou em 10/2/12, precisamente na data correspondente àquela em que a
resposta em questão foi enviada, pretendendo, por isso, que fosse dada sem efeito a
notificação para pagamento da multa e que se determinasse que a dita resposta
acompanhasse o recurso para o TRP (cfr. fls. 969);
- foi, então, diligenciado no sentido de apurar a data em que foi entregue/recebida a
notificação de fls. 928, tendo os CTT informado que tal entrega ocorreu em 9/1/12 (cfr.
fls. 976 e 977);
- de seguida, foi proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:

Requerimento de fls. 969: O arguido D… veio requerer que se dê sem efeito a notificação
para pagamento da multa liquidada a fls. 967, por entender que a resposta ao recurso
não foi apresentada fora do prazo.
Alegou, para tanto, que, tendo a notificação sido enviada no dia 06.01.2012 (sexta-feira),
só pode ser considerado como notificado no dia 11.01.2012, por ser o 3° dia útil posterior.
Ora, salvo o devido respeito, o requerido carece de fundamento legal.
Dispõe o art. 254° do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por força do disposto
no art. 4° do Código de Processo Penal que:
«1. Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou
para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo
funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.
2. Os mandatários das partes que pratiquem actos processuais pelo meio previsto no n.°
l do artigo 150.°, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos
definidos na portaria prevista no n.° l do artigo 138.°-A.
3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no
primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, (sublinhado nosso)
4. A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido,
desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio
por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do
destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no
dia a que se refere o número anterior.
5. A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da
expedição.
6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo
notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à
presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis.»
No caso, tendo a notificação em causa sido enviada, por carta registada, no dia
06.01.2012 (cfr. fls. 928), presume-se que a notificação foi feita no terceiro dia posterior
ao do registo, ou seja, no dia 09.01.2012, segunda-feira, conforme decorre do disposto
no n° 3 do citado art. 254° do Código de Processo Penal, sendo que só se o terceiro dia
posterior ao do registo coincidisse com um Domingo ou um feriado (o que não
aconteceu), é que se presumiria que a notificação tinha sido efectuada no primeiro dia útil
seguinte àquele.
Acresce que, face à questão levantada pelo requerente, acabou por se pedir à secção
que averiguasse em que data foi entregue e recebida a notificação de fls. 928, resultando
inequivocamente de fls. 977 que a mesma foi entregue ao ilustre mandatário do
arguido/requerente no dia 09.01.2012.
Assim, sendo o prazo de resposta de 30 dias, o mesmo terminou no dia 08.02.2012, pelo
que, tendo a resposta sido enviada por carta registada no dia 10.02.2012, não há dúvidas
que foi apresentada dois dias após o termo do prazo, sendo devida, por isso, a multa
liquidada a fls. 967, nos termos do art. 145°, n° 6 do Código de Processo Civil, ex vi do
art. 107°-A, do Código de Processo Penal.
Face ao exposto, indefere-se o requerido.
Notifique, enviando cópia de fls. 977.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da
respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de
recurso tem de apreciar[7], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente
os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[8].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, as questões
essenciais que importa decidir são as seguintes:

A) Recurso do arguido B…
- nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.;
- erro de julgamento quanto aos pontos 6., 7., 9., 14., 15., 16., 17. dos factos provados e
às als. e), f), g), e h) dos não provados;
- legítima defesa ou excesso de legítima defesa;
- qualificação jurídica dos factos;
- escolha da pena.

B) Recurso do ofendido/lesado D…
- regime aplicável à contagem do prazo de apresentação da resposta ao recurso.

Por razões de precedência lógica, que se prendem com a atendibilidade da resposta que
o ofendido/lesado/recorrido D… apresentou ao recurso interposto pelo arguido B…, na
apreciação desse outro recurso, e a que já aludimos acima em nota de rodapé, iremos
começar por conhecer o recurso interposto pelo referido ofendido/lesado.

I - Recurso do ofendido/lesado D…
3.1. As questões que foram suscitadas pelo recorrente centram-se no regime aplicável à
contagem do prazo de apresentação da resposta ao recurso, defendendo ele que,
contrariamente ao entendimento perfilhado no despacho recorrido, em matéria de
notificações não existe caso omisso na regulamentação processual penal, não sendo por
isso aplicável a norma do art. 254º do C.P.C., mas sim a do art. 113º do C.P.P. E,
estabelecendo o nº 2 desta norma que as notificações efectuadas por via postal registada
se presumem feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, enviada que lhe foi a notificação
para responder ao recurso em 6/1/12 (6ª feira), a mesma presume-se efectuada em
11/1/12, tendo-se o prazo para a resposta, de 30 dias, iniciado em 12/1/12 e terminado
em 10/12/12, precisamente na data em que a enviou por registo postal, devendo, por
isso, considerar-se que o fez tempestivamente. De qualquer forma, porque na própria
notificação se aludiu expressamente ao disposto no referido nº 2 do art. 113º e os sujeitos
processuais não podem ser prejudicados pelos erros da secretaria, nunca poderia ser
prejudicado pelo eventual erro que tivesse sido cometido. Além disso, considera que a
aplicação em matéria de notificações no âmbito de processo criminal do disposto no art.
254º do C.P.C. é inconstitucional porque violadora das normas dos arts. 13º, 20º nº 1 e
32º nº 1 da C.R.P.

Em primeiro lugar, dir-se-á que assiste inteira razão ao recorrente quando se insurge
contra a aplicação das regras estabelecidas na legislação processual civil relativas à
notificação aos mandatários. De facto, o recurso a estas normas só é permitido, de
acordo com o estabelecido no art. 4º do C.P.P., quando se verifique a existência de um
caso omisso. E, como bem o fez notar o MºPº em ambas as instâncias, nenhuma lacuna
existe, pois a legislação processual penal tem norma própria, o art. 113º, que regula as
notificações em geral, sem estabelecer distinções consoante as posições processuais
dos respectivos destinatários, por assim ter sido considerada pelo legislador a forma
mais adequada de acautelar os interesses e garantias dos sujeitos processuais, matéria
particularmente sensível no processo penal, traduzindo um reforço da margem de
segurança em relação à demora normal dos procedimentos de entrega da
correspondência pelos CTT, que permita presumir que ela foi efectivamente feita.
Temos, pois, como inquestionável, que a regra aplicável para determinar o momento em
que a notificação, efectuada por via postal registada ( como é o caso daquela sobre a
qual incide a nossa apreciação ), se considera feita é a do nº 2 do referido art. 113º (
“Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º
dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto da
notificação.” ), e não a do nº 3 (“A notificação postal presume-se feita no terceiro dia
posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”) do
art. 254º do C.P.C.
Lacuna existe, sim, mas quanto a outro aspecto, em concreto quanto ao condicionalismo
em que aquela presunção pode ser ilidida. Aí há que ir buscar a solução ao C.P.C. e à
previsão que o mesmo contém relativamente às presunções que estabelece para actos
da mesma natureza. Mais precisamente ao nº 6 do art. 254º, que estabelece que “As
presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado
provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida,
por razões que não lhe sejam imputáveis.”
No caso, o recorrente não veio sequer alegar que a notificação não lhe foi feita ou que o
foi em data posterior à presumida; limitou-se a contestar o entendimento seguido pela
secretaria e posteriormente ratificado pelo despacho recorrido no que concerne às regras
aplicáveis à determinação da data em que a notificação se presume como feita. Daí que
estava vedado ao tribunal a quo o apuramento da concreta data em que a notificação foi
efectivamente feita, pois esta, não podendo ser atendida para afastar a data presumida
por lei e todos os efeitos que dela decorrem, é despida de qualquer relevância[9].
Aqui chegados, há que tomar posição a respeito da interpretação da expressão “3.º dia
útil posterior ao do envio” utilizada na norma do citado nº 2 do art. 113º, especificamente
se o adjectivo “útil” se reporta a todos os 3 dias posteriores ao envio ou apenas ao último
dessa série. No fundo, se na contagem desses três dias são, ou não, levados em conta
os dias que não são considerados dias úteis (sábados, domingos e feriados). Ou seja, no
caso concreto, e enviada que foi a notificação por via postal ao mandatário do recorrente
na 6ª feira, dia 6/1/12, se a mesma se presume efectuada na 2ª feira seguinte, dia 9/1/12,
ou, antes e apenas, na 4ª feira seguinte, dia 11/1/12. Contando-se o prazo de 30 dias
para a resposta a partir do dia seguinte àquele em que a notificação se presume feita, a
tempestividade da apresentação da mesma, em 10/2/12 (correspondente ao registo do
envio postal), depende da resposta que for dada a esta questão.
A jurisprudência, pelo menos a que se tem pronunciado expressamente sobre esta
questão, é largamente maioritária[10] no sentido de que interpretação correcta da norma
é a que considera que todos os referidos 3 dias têm de ser dias úteis.
Assim:

“I. A presunção estabelecida no nº 3 do artº 113º do CPP tem de ser ilidida no prazo de
três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado para a prática do acto ou da
cessação do impedimento.
II. A expressão “terceiro dia útil posterior ao do envio”, constante do nº 2 do artº 113º do
CPP, deve ser interpretada no sentido de último dos três primeiros dias úteis
subsequentes ao do envio da carta registada.”[11]

“I - A referência feita no nº 2 do artº 113º do C.P.penal ao "3.º dia útil posterior ao do


envio" significa os três dias têm que ser úteis e, logo, não apenas o último.
II - No caso da norma em apreço, o substantivo dia é precedido do numeral ordinal
terceiro, que significa o último de uma série de três.
III - E assim sendo, o útil que é essencial do dia e sendo este dia útil o último de uma
série de três, necessária é a existência de dois dias úteis que lhe antecedem.”[12]

“I – O art. 113.º, do CPP, estabelece as regras que fixam a data do início de contagem do
prazo para exercer os actos processuais e não regras do cômputo do respectivo prazo.
II – Na notificação por via postal registada, o legislador estabeleceu uma presunção
ilidível da data de notificação: presumem-se efectuadas no 3.º dia útil posterior ao do
envio, ou seja, no terceiro de três dias úteis posteriores ao registo; na notificação por via
postal simples, fixou um data concreta – a da declaração de depósito da carta na caixa
do correio do notificando – à qual aditou um prazo contínuo de 5 dias, considerando-se a
notificação efectuada no 5.º dia posterior à data do depósito.”[13]

“(…) enquanto na lei processual civil a contagem do prazo se presume efectuada no


terceiro dia posterior ao registo, o legislador processual penal estabeleceu uma
presunção ilidível para a notificação por carta registada, qual seja a de que foi efectuada
no 3.º dia útil posterior ao do envio, ou seja, no terceiro dos três dias úteis posteriores ao
registo”[14]

“I - Os três dias de dilação a que se reporta o n.º 2, do art.º 113.º do Código de Processo
Penal, terão de ser, todos eles, dias úteis.
II- Com efeito, não será aqui de aplicar o mesmo regime previsto para o processo civil
pois que se o legislador penal quisesse consagrar o regime estabelecido no artº 254º, n.º
2 do Código de Processo Civil, tê-lo-ia dito ou bastar-lhe-ia remeter-se ao silêncio, pois
que, sendo o Código de Processo Penal omisso, aplicar-se-iam as normas do processo
civil que se harmonizem com o processo penal (artº 4º do CPP).
Assim, na ausência de regulamentação sobre a matéria, haveria que recorrer à norma do
n.º 2 do cit. artº 254º.
III – Por outro lado, existe também uma razão de ordem gramatical que leva a que se
deva interpretar o art.º 113.º, n.º 2, como se reportando a três dias úteis, pois que o
substantivo dia é precedido do número ordinal terceiro, que significa o último de uma
série de três e, assim sendo, o útil que é essencial do dia e sendo este dia útil o último de
uma série de três, necessária é a existência de dois dias úteis que lhe antecedem.”[15]

“O 3º dia útil posterior ao do envio [113º/2CPP] é o 3º dia dos três dias úteis posteriores
ao do envio.”[16]

“Nos termos do artº113º/2 do C. P. Penal a notificação presume-se feita no terceiro dos


três dias úteis posteriores ao do registo.”[17]

“Para os efeitos do art.º 113º, n.º 2, do C. Proc. Penal, o terceiro dia útil a considerar
corresponde ao terceiro dos três dias úteis posteriores ao registo.”[18]

Também nós pensamos que - desde logo face à letra da lei e também porque, se essa
não tivesse sido a sua opção, o legislador ou teria utilizado expressão idêntica à que já
constava do nº 3 do art. 254º do C.P.C. ou simplesmente nada teria dito, provocando a
aplicação desta norma por via do art. 4º do C.P.P. - a razão está do lado dos que
perfilham este entendimento.
E, assim sendo, presumindo-se a notificação efectuada, não em 9/1/12 conforme
considerado no despacho recorrido, mas sim em 11/2/12, temos de concluir que a
apresentação da resposta, ao 30º dia, foi tempestiva, e carecida de fundamento a
notificação do recorrente para o pagamento de multa correspondente à prática do acto
dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, porque não devida tal
sanção.
Há, pois, que revogar o despacho recorrido, dando-o sem efeito, e passar, sem mais, ao
conhecimento do recurso do arguido, levando em conta na sua apreciação o teor da
resposta tempestivamente apresentada pelo lesado/ofendido D….

II – Recurso do arguido B…
3.2. O recorrente considera que, embora haja procedido à indicação das provas em que
fundou a sua convicção e à descrição, que aceita como rigorosa, do conteúdo de cada
uma das provas relevantes, não explicou como deduziu dessas provas e desse conteúdo
as conclusões que alcançou, não tendo explicado o processo racional que lhe permitiu
extrair de uns e outros a certeza de serem verdadeiros certos factos, não permitindo por
isso a conferência, seja pelos destinatários da decisão, seja pelo tribunal superior, da
bondade e rigor do processo de formação da convicção seguido pelo julgador. Daí que
entenda que a fundamentação é manifestamente insuficiente e a decisão recorrida
padeça da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.

Como é sabido, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas: o relatório, a
fundamentação e o dispositivo, que devem obedecer aos requisitos enumerados no art.
374º do C.P.P.
No que diz respeito à fundamentação[19], a mesma deve conter, sob pena de nulidade (
cfr. al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P. ), a especificação dos factos provados e não
provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de
julgamento, com realce para aqueles em que assentou a convicção do tribunal, sendo
“ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os
interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso
concreto”[20]. A estas exigências legais subjazem, pois e por um lado, objectivos de
transparência e de credibilização das decisões. Num Estado de Direito democrático, o
poder judicial tem de se afirmar perante os interessados e a própria sociedade,
nomeadamente, pela justificação das suas decisões, afastando suspeitas de arbítrio ou
de leviandade. Por outro lado, tais exigências permitem o controlo das decisões pelas
instâncias superiores, em caso de recurso, viabilizando a correcção de falhas
clamorosas.
Os motivos de facto que fundamentam a decisão, aludidos no nº 2 do preceito em
referência, “não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de
prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou
de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do
tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os
diversos meios de prova. (…)
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos
sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe
subjaz (…). E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo
pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos
juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a
própria sociedade”[21],[22].
Pese embora as linhas gerais traçadas na lei, a fundamentação não se tem de conformar
com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante
as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias
ou de pontos que hajam de ser esclarecidos de forma a que sejam perceptíveis, pelos
destinatários da decisão e pelo homem médio suposto pela ordem jurídica, com a
experiência razoável da vida e das coisas, os motivos pelos quais a convicção do tribunal
se orientou num sentido e não noutro. Nas decisões judiciais também é recomendável
alguma racionalidade na gestão dos meios, não fazendo sentido desperdiçar tempo e
esforços em explicações muito detalhadas acerca daquilo que é facilmente inferível,
inquestionável ou por demais óbvio. Por isso mesmo, o nº 2 do aludido art. 374º refere
“uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa”, bastando, pois, que
seja precisa e sucinta. Por isso também, “a indicação das provas que serviram para
formar a convicção apenas é obrigatória na medida do que é necessário” e “não se exige
ao julgador que exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se
encontra na base da sua convicção de dar como provado um determinado facto,
especialmente quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência
mediata a partir de outros dados como provados”[23],[24].
O que se exige, sim, é que o tribunal, a partir da indicação e exame das provas que
serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os
motivos por que optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos
da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua
convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que
seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados[25].
Isto não significa que o tribunal tenha de analisar minuciosa e exaustivamente todas as
provas produzidas, nem que haja de as transcrever (porque para isso serve a
documentação das declarações)[26], bastando que exteriorize de forma clara e
inequívoca o raciocínio que seguiu na formação da convicção, assim demonstrando que
não procedeu a uma ponderação das provas arbitrária, ilógica, contraditória ou violadora
das regras da experiência comum[27].

Como é por demais evidente e também foi salientado pelo MºPº em ambas as instâncias,
o recorrente não identifica qualquer parcela da fundamentação em que se verifique o
incumprimento da obrigação de examinar criticamente a prova, quedando-se, ao invés,
por meras considerações gerais e abstractas, exclusivamente teóricas e sem qualquer
ligação ao caso concreto.
Ora, os recursos não servem para que os tribunais superiores andem com uma candeia a
espiolhar as decisões objecto de recurso à cata de todos os eventuais vícios de que elas
eventualmente possam padecer. Sendo remédios jurídicos, que visam a correcção de
erros in judicando ou in procedendo, compete a quem delas recorre fazer uma indicação
precisa dos concretos pontos em que, em seu entender, se verificam as patologias
invocadas. E esse ónus, obviamente, não se pode considerar satisfeito com uma
argumentação, ao jeito de “atirar o barro à parede”, circunscrita a generalidades,
debitadas a partir de um qualquer manual de Direito, que, por maior valia teórica que
possam ter, só terão pertinência se quadrarem ao concreto caso sob apreciação.
O que fez o recorrente? Ostentou muita sapiência jurídica, com apoio doutrinal e
jurisprudencial, mas chegado à concretização… zero!
Limitou-se a apodar a fundamentação de “manifestamente insuficiente”. Mas
fundamentação deficiente (ou incorrecta) não é o mesmo que fundamentação inexistente,
por forma a que se possa afirmar a nulidade por ele invocada; só a total ausência de
fundamentação ou uma deficiência tão acentuada que a ela haja de ser equiparada – que
de todo inviabilize a sindicância da decisão – constitui nulidade. E o próprio recorrente
até reconhece a existência de alguma fundamentação, embora não em medida tal que
chegasse para (o) convencer, sem contudo revelar em concreto exactamente o que ficou
por esclarecer…
Convenhamos que a dificuldade do recorrente em passar, neste conspecto, da teoria à
prática até é bem compreensível, pois nem ele encontrou, nem nós enxergamos qualquer
fundamento para considerar verificado o vício em questão.
De facto, a leitura da motivação da decisão de facto demonstra à saciedade que a
julgadora teve um especial cuidado em revelar, de forma detalhada, totalmente
transparente e perceptível – que só não percebe, quem não lhe convém –, todo o
percurso seguido na formação da convicção, especificando as provas que foram
consideradas relevantes, a razão de ciência das testemunhas, as razões pelas quais foi
reconhecida ou não credibilidade às declarações e depoimentos, sem que se detectem
quaisquer hiatos ou raciocínios ilógicos ou desapoiados de adequado substrato
probatório. Enfim, mostrou claramente que a convicção formada resultou de uma análise
minuciosa, racional e coerente de todo o acervo probatório que teve à sua disposição e
de uma selecção rigorosa daquilo que de relevante foi extraído de cada um dos
elementos de prova, tudo bem demonstrativo de que valoração da prova não foi
meramente subjectiva ou arbitrária, antes foi efectuada de forma concatenada e à luz das
regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Assim sendo, e porque a falta de concretização do recorrente também não reclama que
entremos em mais pormenores, só nos resta concluir pela não verificação da nulidade
invocada e pela (mais do que) manifesta improcedência deste fundamento do recurso.

3.3. O recorrente insurge-se, também, contra a decisão da matéria de facto, impugnando


os pontos 6., 7., 9., 14., 15., 16. e 17. dos factos provados e as als. e), f), g) e h) dos não
provados, que considera terem sido incorrectamente julgados, sustentando que a prova
produzida, em concreto as suas declarações, as do ofendido/lesado (também arguido)
D… e o depoimento prestado pela testemunha E…, não só não permitia considerar tal
factualidade como realidade exclusiva, como até impunha decisão diversa, dela
resultando que só disparou a arma como meio de evitar a agressão que o ofendido, que
se dirigia ao seu encontro com uma pedra grande na mão e em disposição de lha
arremessar, se preparava para perpetrar.

Tendo o recorrente invocado o erro de julgamento, vamos começar por relembrar os


termos em que este tribunal pode sindicar a decisão da matéria de facto no quadro da
impugnação prevista nos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P.
Na decisão da matéria de facto assume capital importância a regra geral contida no art.
127º do C.P.P., de acordo com a qual “a prova é apreciada segundo as regras da
experiência e a livre convicção da entidade competente”. Assim, na apreciação da prova,
o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as
regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos
científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com
apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador
pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a
obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela
ordem jurídica”[28]. Sendo a “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma
liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade
material»”[29] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com
consagração constitucional -, impõe a lei (cfr. nº 2 do art. 374º do C.P.P.) um especial
dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou
na formação da sua convicção[30] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e
esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão
se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas
instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla
liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios
de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre
convicção[31] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num
certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça
suporte de credibilidade[32].
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância,
encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do C.P.P., pois é aí o local de
eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na
recepção directa de prova[33]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o
indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada
pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente
possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”[34].
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do
julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se
se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter
subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou,
de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência
comum[35]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, "a
censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de
forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na
valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos
para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados
objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a
aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da
convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo,
como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que
esperam a decisão"[36]. É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de
uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a
quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”[37].
Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda
decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em
matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal
recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”.[38] Além disso, a reponderação
de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias
concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento,
pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento
em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no
sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos
erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se
for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[39]
Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de
recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos
constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi
dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o
tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção
numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e
plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica,
da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1ª
instância tem suporte na regra estabelecida no art. 127º do C.P.P. e, por isso, está a
coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Por outro lado, a possibilidade de sindicação da matéria de facto, quando assente na


impugnação da decisão que sobre ela foi proferida, depende da observância, por parte
do recorrente, dos requisitos formais indicados no nº 3 do art. 412º do C.P.P., em
concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o
recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em
seu entender, impõem[40] decisão diversa da recorrida, e (quando disso seja o caso) das
que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o
estabelecido no nº 4 do preceito acima referido.
Revertendo ao caso sub judice, e considerando-se satisfatoriamente observados os ónus
de especificação acima aludidos, ainda assim a forma como o recorrente ataca a decisão
da matéria de facto não tem qualquer viabilidade, desde logo porque não logrou
demonstrar que a prova produzida impusesse decisão diversa. Limitou-se a fazer uma
interpretação ao seu jeito e conveniência da prova produzida, apoiando-se em curtos
fragmentos cirurgicamente seleccionados das suas próprias declarações e das que foram
prestadas pelo ofendido, bem como do depoimento prestado pela testemunha E…,
procurando, no fundo, sobrepor a convicção que defende como correcta (e que coincide
com a sua versão dos factos, suportada unicamente pelas suas próprias declarações)
àquela que foi formada pela julgadora, pois resulta meridianamente claro que as razões
da sua discordância não assentam na existência de provas que impusessem decisão
diversa mas sim, na forma como foram valoradas as que foram produzidas.
Ora, sendo claro que em julgamento se defrontaram duas versões – a do recorrente e a
do ofendido - inconciliáveis em aspectos cruciais, também resulta à evidência da
motivação da decisão de facto que aquela que mereceu a credibilidade do tribunal não foi
a apresentada pelo recorrente. Aliás, a julgadora procedeu à desmontagem, ponto por
ponto, das declarações por ele prestadas, indicando todas as incongruências que nelas
foram detectadas e as razões pelas quais a versão do ofendido, no que concerne à
sequência de acontecimentos ocorridos depois do despique automobilístico, no essencial
corroborada pelo depoimento da testemunha acima aludida, se apresentou como mais
coerente, plausível e credível.
E, ouvida a gravação da prova e confrontada com a forma como a mesma foi apreciada,
tal como vem patenteado naquele segmento da decisão recorrida, não detectamos
nenhuma percepção deficiente ou contrária ao seu teor nem qualquer inferência ou
dedução que ela não suporte plenamente. De facto, o ofendido e a referida testemunha
foram coincidentes em afirmar que o primeiro não levava qualquer objecto nas mãos
quando se dirigiu à viatura do recorrente – o primeiro admitiu, sim, ter agarrado numa
pedra e tê-la atirado na direcção deste, já recolhido na sua viatura, mas em momento
posterior aos disparos e só quando se apercebeu de que tinha sido atingido por eles,
facto que a segunda disse já não ter visto devido ao medo que lhe infundiu o que
acabara de presenciar - e que o recorrente, logo depois de sair dessa viatura e sem que
tivesse havido qualquer troca de palavras, se apoiou na porta e efectuou os disparos.
Embora o ofendido não tenha sabido esclarecer exactamente em que posição se
encontrava quando foi atingido pelos dois últimos disparos, por não os ter sentido, tendo-
se posto em fuga em busca de refúgio imediatamente após o primeiro disparo e quando
ainda nem sequer se tinha apercebido de que havia sido por ele atingido, e a testemunha
E… também não tenha sabido dizer se aqueles disparos o apanharam de frente,
pensando no entanto que tal não tenha sucedido porque ele logo fugiu para a traseira da
sua viatura, certo é que a prova que o tribunal recorrido teve à sua disposição e que foi
considerada como relevante não se circunscreveu à prova por declarações. E, ainda
mais eloquente do que esta, revelou-se no caso a prova documental, concretamente as
fotografias e os relatórios periciais que permitiram deduzir, em face da localização e
dispersão das lesões e do estado de funcionamento da arma com a qual os disparos
foram efectuados, o modo como os factos ocorreram e discernir a verosimilhança de
cada uma das versões em confronto, extraindo-se o elemento subjectivo (o dolo), na
ausência de confissão, de todo o circunstancialismo que rodeou a prática da conduta
pelo recorrente. Tudo conforme vem cabalmente esclarecido, em detalhe e de forma
perfeitamente clara, na motivação da decisão de facto, sem que se vislumbre qualquer
raciocínio ilógico, contrário às regras da experiência comum ou sem suporte adequado
em meios de prova permitidos.
A proficiência da motivação, contraposta à manifesta inaptidão da impugnação do
recorrente para pôr em causa a validade da convicção formada, dispensa mais
alongadas considerações. Bastará dizer que é inequívoco que tal convicção,
nomeadamente quanto aos concretos pontos impugnados, tendo sido formada dentro da
latitude do princípio da livre apreciação da prova e devidamente motivada, não é
merecedora de qualquer censura.
Inexiste, pois, fundamento para fazer qualquer alteração à decisão da matéria de facto.

3.4. O recorrente, pressupondo a alteração da decisão da matéria de facto nos termos


propugnados, de acordo com os quais só efectuou os disparos como único meio de que
dispunha para evitar a agressão iminente por parte do ofendido, sustenta que a sua
conduta preenche a previsão da legítima defesa, que é causa de exclusão da ilicitude,
ou, pelo menos, uma situação de excesso de legítima defesa, que reclama a atenuação
especial da pena.

O direito de legítima defesa, enquanto modalidade do direito de resistência, encontra-se


reconhecido no art. 21º da C.R.P., nos termos do qual “todos têm o direito (…) de repelir
pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.
Trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude[41], prevista como tal no C. Civil ( arts.
337º e 338º ) e no C. Penal (art. 32º).
De acordo com o disposto naquele art. 32º, “Constitui legítima defesa o facto praticado
como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente
protegidos do agente ou de terceiro”.
A legítima defesa depende, pois, da verificação dos seguintes requisitos[42]:
a) a existência de uma agressão (a quaisquer interesses juridicamente protegidos, de
natureza pessoal ou patrimonial, e próprios ou de terceiro), que tem de ser actual (no
sentido de estar a decorrer ou apresentar-se como iminente a agressão ao interesse
juridicamente protegido) e ilícita (no sentido de não se mostrar legitimada pelo exercício
de um direito do agressor, e ainda que este não actue com dolo ou mera culpa, ou não
seja imputável );
b) à qual é oposta uma defesa (em caso de impossibilidade de recurso à força pública e
circunscrita aos meios necessários para fazer cessar a agressão);
c) com intenção defensiva (animus deffendendi).
Por seu turno, o excesso de legítima de defesa ocorre quando o agente excede os limites
necessários à defesa, escolhendo, de entre os vários meios eficazes de defesa, um que
se revele mais prejudicial para o agressor em medida que as circunstâncias concretas
verificadas não demandavam. No entanto, o excesso previsto no art. 33º do C. Penal -
que não afasta a ilicitude do facto, mas é fundamentador da atenuação especial da pena
ou, mesmo, da impunibilidade da conduta quando esta resultar de especiais condições
psíquicas (perturbação, medo ou susto) que inibem o agente de efectuar uma correcta
avaliação da situação e tornam inexigível que se tivesse comportado de outra forma,
afastando a culpa, -“pressupõe uma situação em que se verifica todo o condicionalismo
de uma situação de legítima defesa”[43].

Transpondo estas noções para o caso concreto, e mantida que foi sem alterações a
decisão da matéria de facto, podemos afoitamente concluir que não se mostram, de todo,
preenchidos os requisitos seja da legítima defesa, seja do excesso de legítima defesa.
Mesmo admitindo que, num primeiro momento, a forma como o ofendido se aproximou
da sua viatura, na sequência dos acontecimentos que a precederam, possa ter sido
percepcionada pelo recorrente como o prenúncio de um confronto físico, certo é que ele
poderia facilmente ter-se furtado a esse confonto, bastando que se mantivesse no interior
daquela viatura, com as janelas fechadas e as portas trancadas. A reacção com o
disparo de uma arma de fogo contra um potencial agressor desarmado sempre seria
manifestamente desproporcionada, exigindo-se ao recorrente, desde logo tendo em
conta a sua categoria profissional, uma atitude mais prudente e comedida. De qualquer
forma, certo é que, mesmo depois de o ofendido, atingido pelo primeiro tiro, ter batido em
retirada, quando fugia de costas voltadas para ele, o recorrente ainda efectuou outros
dois disparos na sua direcção. O que acaba por deitar totalmente por terra a sua já
inconsistente tese recursiva, assente em factos indemonstrados, conduzindo à inevitável
falência de mais este fundamento do recurso.

3.5. Para a eventualidade de não serem acolhidos os antecedentes fundamentos do


recurso, o recorrente envereda, subsidiariamente, pela contestação da qualificação
jurídica dos factos que foi efectuada na decisão recorrida, refutando que a sua conduta
preencha o conceito de “especial censurabilidade ou perversidade” e defendendo que,
afastado este, a mesma apenas possa ser subsumida à previsão legal do crime de
ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal.

Perante a factualidade dada como definitivamente assente, é inquestionável que a


conduta do recorrente preenche, desde logo, a previsão do tipo matricial do crime de
ofensa à integridade física constante do nº 1 do referido art. 143º[44] pois ficou provado
que ele molestou fisicamente o ofendido, disparando na sua direcção tiros que o
atingiram e lhe causaram lesões físicas (pontos 6. e 7.), e tendo agido de forma
voluntária, livre, consciente e deliberada (ponto 9.)
Resta verificar se a forma como o crime foi cometido revela um desvalor mais acentuado
da conduta do agente em termos de evidenciar um grau de culpa cuja gravidade excede
aquele que o tipo fundamental abarca, traduzindo uma imagem global do facto agravada
correspondente, mutatis mutandis, ao especial conteúdo da culpa tido em conta no nº 2
do art. 132º, para o qual o art. 146º vigente à data da prática dos factos (assim como o
faz em moldes em tudo idênticos o actual art. 145º) remete.
Como é sabido, o legislador utilizou, na construção dos tipos qualificados do homicídio e
da ofensa à integridade física (quanto a este, por remissão) a combinação de um critério
generalizador (“a especial censurabilidade ou perversidade”[45] revelada pelas
circunstâncias em que o crime haja sido praticado), determinante de um especial tipo de
culpa, com a técnica dos exemplos-padrão, fornecendo um elenco de circunstâncias que,
não sendo de funcionamento automático, são susceptíveis de se enquadrarem naquele
critério, e deixando em aberto a possibilidade de outras não expressamente previstas
também poderem revestir in casu contornos de gravidade tal que justifique a sua
recondução àquele critério generalizador. Assim, a verificação de qualquer uma das
circunstâncias incluídas no rol do nº 2 do art. 132º, seja ela relativa ao facto ou ao
agente, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação,
constituindo apenas um indício da especial censurabilidade ou perversidade do agente
que fundamenta o agravamento da moldura penal aplicável ao tipo fundamental de crime
por ele praticado
A circunstância que, no caso, foi considerada reveladora de especial censurabilidade,
baseando a imputação ao recorrente do crime qualificado, bem como a sua subsequente
condenação pela respectiva prática, foi a da al. g), actual al. h), do nº 2 do art. 132º (“…
utilizar meio particularmente perigoso…”). “Utilizar meio particularmente perigoso é
(…) servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que
dificultem significativamente a defesa da vítima e que (não se traduzindo na prática de
crime comum criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens
jurídicos importantes.”[46] Tendo em conta que, estando em causa não um crime de
homicídio, mas sim um crime de ofensa à integridade física, a particular perigosidade do
meio utilizado deve ser aferida por comparação, não com os meios que em termos de
normalidade são usados para matar, mas com aqueles que nos mesmos termos são
usados para atentar contra a integridade física, assim como “as circunstâncias do artigo
132.º, n.º 2 construídas em função do dolo de matar devem ser correspondentemente
adaptadas ao dolo de ofender”[47]. No que concerne ao elemento subjectivo, e para além
dessa adaptação, não têm qualquer interesse no caso as divergências dogmáticas que a
doutrina regista[48] a respeito da (des)necessidade de representação e vontade da
realização dos elementos constitutivos da circunstância que fundamenta a qualificação
do crime, pois o que ficou provado no ponto 9. cobre ambos os entendimentos.
Pergunta-se, então, se a conduta praticada pelo recorrente, com os contornos que
ressumam da factualidade provada, convoca o especial juízo de censura fundamentador
da agravação.
O tribunal recorrido respondeu afirmativamente a esta questão, tecendo as seguintes
considerações:

“(…) no caso, as circunstâncias em que ocorreu a agressão perpetrada pelo arguido


CB… exprimem, em nosso entender, uma especial censurabilidade e perversidade,
sendo merecedoras de um severo juízo de censura.
Na verdade, o arguido, actuando a descoberto de qualquer motivo atendível – o facto do
D… se estar a dirigir a si, muito provavelmente para o agredir, não justifica, de forma
alguma, o uso de uma arma de fogo, pois bastar-lhe-ia trancar as portas do veículo onde
se encontrava e fechar os vidros do mesmo para se proteger de uma eventual agressão
física –, empunhou e direccionou a arma de serviço que trazia consigo ao corpo do D… –
que se encontrava de frente para si, no meio da rua, totalmente desprotegido e indefeso
–, disparando um primeiro tiro, que o atingiu, de frente, no pé direito, e mais dois tiros,
que o atingiram na parte traseira da coxa da perna direita e no abdómen, quando aquele
já se encontrava em posição de fuga, na tentativa de se proteger atrás do seu veículo.
O arguido B… sabia que o uso daquela arma de fogo o colocava numa posição de clara
superioridade em relação àquele e que era susceptível de vir a criar lesões bem mais
graves do que as verificadas, podendo, inclusivamente, ter originado a morte do ofendido
(bastava, para o efeito, que o tivesse atingido num órgão vital).
Isso não inibiu, porém, o arguido de actuar como actuou, bem sabendo que o ofendido
não estava em posição de se defender.
Sendo manifesto o uso excessivo e injustificado da arma de fogo por parte do arguido
B…, que sendo agente da Polícia de Segurança Pública sabia melhor do que ninguém
em que circunstâncias podia fazer uso daquela arma – de acordo com o disposto nos
artigos 2º, nº 1, e 3º, nºs 1, al. a), e 2, do Decreto-Lei nº 457/99, de 05.11 (que regula o
uso de armas de fogo na acção policial), o recurso a arma de fogo contra pessoas só é
permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros
meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às
circunstâncias, que apenas poderão ser as seguintes: a) para prevenir a agressão actual
ilícita dirigida contra o agente ou terceiros, se houver perigo iminente de morte ou ofensa
grave à integridade física; b) para prevenir a prática de crime particularmente grave que
ameace vidas humanas; e c) para proceder à detenção de pessoa que represente essa
ameaça e que resista à autoridade ou impedir a sua fuga –, temos necessariamente de
concluir que actuou com especial censurabilidade e perversidade, pois a sua atitude é
profundamente rejeitável, tanto mais que foi determinada por motivos absolutamente
inaceitáveis: mostrar quem é o mais forte, quem tem mais poder, ainda para mais numa
situação originada por um desentendimento relativo à circulação rodoviária.”

Estamos em total sintonia com a conclusão alcançada.


Verificando-se no caso uma circunstância indiciadora de uma conduta especialmente
censurável – a utilização de uma arma de fogo para perpetrar a ofensa à integridade
física – há que apurar, como bem refere o MºPº na resposta ao recurso, “se, no contexto
global da acção, concorrerão outros factos cuja valoração altere o juízo de culpa,
extirpando-o desse acrescido desvalor inicialmente revelado.”[49], para o que se deve
levar em consideração “que o recorrente:
• estava numa posição de superioridade, decorrente do recurso à arma de fogo, não
expectável pelo ofendido por o acesso a tal instrumento ser condicionado (ou seja, o
destinatário dos disparos não podia razoavelmente prever a utilização de tal
instrumento);
• podia ter-se protegido no interior do carro, trancando as portas e solicitado ajuda;
• não só optou por agredir como optou pelo meio mais lesivo que tinha ao seu dispor para
efectivar as agressões;
• tinha o especial dever, enquanto legítimo portador de uma arma de fogo cujo uso
integra as suas funções enquanto polícia, de ser absolutamente criterioso, reservado e
ponderado no que respeita à realização de disparos em plena via pública, o que é
manifesto não ter acontecido na presente situação.”
Se é certo que, em relação ao primeiro disparo, efectuado quando o ofendido avançava
na sua direcção, a utilização da arma não agravará a culpa do recorrente na medida em
que ela propiciava a finalidade visada de o manter à distância, não é menos certo que,
conforme com total pertinência foi salientado pelo Exmº PGA no seu parecer, o
recorrente efectuou mais dois disparos quando aquele já estava em fuga,
consubstanciando um deles, o direccionado para a zona abdominal (onde se albergam
órgãos vitais que podiam ser atingidos e daí resultarem consequências letais para o
ofendido), o comportamento mais grave e decorrentemente mais censurável, sendo dele
que se reflecte a verdadeira natureza perigosa da arma.
Por todo o conjunto de razões indicadas, subscrevemos, por a consideramos
rigorosamente exacta, a conclusão que o MºPº exprimiu nos seguintes termos na
resposta ao recurso:
Se ponderarmos a conduta do recorrente na sua globalidade, afigura-se-nos e inelutável
a conclusão de que a conduta por si assumida é merecedora de um juízo acrescido de
desvalor, considerando o especial grau de gravidade que revela o distanciamento do
agente “em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”.
Tanto basta para considerarmos demonstrado que nenhuma razão assiste ao recorrente
na crítica que dirige à forma como foi feita a qualificação jurídica dos factos na decisão
recorrida.

3.6. Finalmente, e arrimado à qualificação dos factos pelo crime simples proposta em
segunda linha, o recorrente ataca a escolha da pena que, em seu entender, devia ser,
antes, de multa.

Nos casos em que a moldura penal aplicável admite, em alternativa, a aplicação das
penas principais de prisão ou de multa, a escolha entre uma e outra obedece ao critério
estabelecido no art. 70º do C. Penal, de acordo com o qual o tribunal dá preferência à
pena não privativa da liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição”, ou seja, “a protecção de bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade” (cfr. nº 1 do art. 40º do mesmo diploma legal .
Com esta norma o legislador consubstanciou um dos pensamentos fundamentais do
novo sistema punitivo introduzido pelo C. Penal de 1982, “o da reacção contra as penas
institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido
ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais”[50], em consonância
com a lógica de “última ratio” que deve presidir à opção por pena privativa da liberdade e
que decorre do facto de as penas desta natureza serem fortemente restritivas de um
direito fundamental com tutela constitucional (cfr. art. 27º da C.R.P.), o qual só pode ser
restringido nos casos expressamente previstos na C.R.P. (entre eles, “em consequência
de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão”
– cfr. nº 2 daquele art. 27º) e dentro dos limites necessários à salvaguarda de outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. nº 2 do art. 18º da C.R.P.).
E, alargando o seu campo de aplicação, deu “expressão prática à convicção da
superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da
pequena e da média criminalidade”[51].
A escolha da pena é uma operação que precede logicamente a determinação da medida
concreta da pena nos casos em que a lei prevê penas alternativas ou de substituição e,
enquanto que a segunda depende fundamentalmente da culpa, a primeira “depende
unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[52], a ponderar face às
circunstâncias de cada situação concreta[53]. E, “desde que imposta ou aconselhada,
face às exigências de prevenção especial de socialização, só não será de aplicar a pena
de alternativa não detentiva se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não
seja irremediavelmente posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e
estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”[54].
É claro que este fundamento do recurso tinha como pressuposto e base de apoio a
alteração da qualificação jurídica em consonância com a pretensão subsidiária do
recorrente. Como claro também é que, enjeitada esta e mantida a que foi feita na decisão
recorrida, não sofre dúvidas a correcção da escolha de pena privativa da liberdade, ainda
que suspensa a sua execução nos termos determinados, que a seguir se recordam:

Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal atender, dentro da moldura


penal prevista para cada tipo de crime, às disposições conjugadas dos artigos 40º, 70º e
71º do Código Penal, nos quais o legislador fixou os princípios e os critérios
determinativos do tipo de pena a aplicar e, dentro dela, do seu quantitativo, para as quais
se deve ter sempre em consideração as particularidades de cada caso concreto.
(…)
O arguido B… vai condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física
qualificada, o qual é punível com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até
480 dias.
Actualmente, face às alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 04.09, a sua
conduta é punível com pena de prisão até 4 anos – cfr. art. 145º, nº 1, al. a), do Código
Penal.
Ora, tendo a Lei Nova mantido o limite máximo da pena de prisão aplicável e eliminado a
alternativa da punição em pena de multa, considera-se que é mais favorável ao arguido a
Lei Antiga, pois o tribunal tem que dar preferência à pena de multa, sempre que esta
realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 70º do Código
Penal).
Ponderando, então, todos os factos que depõem contra e a favor do arguido,
designadamente, que:
- Não tem antecedentes criminais e está integrada na família e na sociedade, pelo que
estamos perante um acto isolado na sua vida;
- É elevado o grau de ilicitude dos factos cometidos, pois o arguido não se limitou a
disparar um tiro, que se mostrou suficiente para colocar o ofendido em fuga, mas três,
provocando-lhe dessa forma lesões em três partes distintas do corpo (pé, coxa e
abdómen), que necessitaram de tratamento hospital e que implicaram um período de 60
dias de doença;
- É muito acentuada a sua culpa: sendo agente da Polícia de Segurança Pública tinha um
especial dever de controlar melhor os seus impulsos, de apenas usar a arma de serviço
em situações extremas, de perigo iminente de morte ou de ofensa grave à integridade
física, e de não se deixar influenciar pelas provocações dos outros;
- O facto de tudo ter tido origem num desentendimento ocorrido no âmbito da circulação
rodoviária;
- A sua postura processual: não foi capaz de reconhecer o mal da sua conduta,
considerando-a totalmente justificada;
- Continua a exerce funções nas instalações da …, sendo condutor de viaturas e
responsável pelo transporte de reboques e de pessoal operacional;
- É considerado um trabalhador responsável, assíduo, disponível e zeloso;
- As suas actuais condições pessoais e económicas e o seu grau de instrução;
Entende o tribunal que são muito acentuadas as exigências de prevenção geral – face ao
repúdio da comunidade em geral perante condutas como aquela que o arguido
protagonizou, geradora de grande insegurança e intranquilidade, bem como de
desconfiança em relação à actuação dos agentes da autoridade, pois cabe a estes a
função de protecção dos cidadãos, sendo-lhes exigível que só façam uso da arma de
fogo que lhes é atribuída em situações limite e para promoção daquele fim, e não para
resolver um conflito pessoal, ocorrido no âmbito da condução rodoviária – bem como as
exigências de prevenção especial – pois, apesar de estar integrado na família, na
corporação à qual pertence e na sociedade, o certo é que a facilidade com que fez uso
da arma que lhe está atribuída e a forma como a usou, o facto de não ter consciência
crítica em relação à sua conduta e a circunstância de continua a exercer as funções de
motorista, fazem com que seja elevado o perigo de tornar a responder com violência
perante situações idênticas à dos autos, pelo que é necessário moldar a sua
personalidade, por forma a alterar o seu esquema de valores.
Tudo conjugado, considera-se que a pena de prisão é a única que se mostra capaz de
satisfazer, no caso, as finalidades da punição, optando-se, por isso, pela mesma.
Em face de tudo o exposto, e tendo em consideração que a moldura concreta da pena
tem sempre como limite máximo a medida da culpa e como limite mínimo as exigências
mínimas de defesa do ordenamento jurídico, sendo que a medida da pena deve ser
encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de
socialização, excepcionalmente negativas ou de intimidação ou seguranças individuais,
entende o tribunal que se mostra adequada à responsabilidade criminal do arguido a
pena de 2 anos de prisão.
Por se entender, porém, face à factualidade apurada e supra analisada, que a execução
daquela pena de prisão não se mostra necessária à prevenção da prática de futuros
crimes, revelando-se suficiente para tal a mera censura dos factos e a ameaça da prisão,
ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, nº 1, al. a), 53º e 54º do Código Penal, decide-
se suspender a pena de prisão aplicada pelo período de 2 anos, acompanhada de
regime de prova, assente no plano individual de readaptação social que vier a ser
elaborado pelos serviços de reinserção social, executado com vigilância e apoio
daqueles serviços, e subordinada ao pagamento, no prazo de seis meses, da
indemnização que vier a ser atribuída ao lesado.

É inquestionável que o circunstancialismo que se verifica no caso concreto convoca


exigências preventivas de alguma monta, tanto na vertente da prevenção geral, como em
termos de prevenção especial, conforme vem explicado no segmento acima transcrito. E,
nessa medida, a aplicação de uma mera pena de multa não seria adequada nem
suficiente para realizar as finalidades da punição.
Deve, pois, manter-se inalterada a pena fixada, que se mostra justa e equilibrada em
face da moldura abstracta aplicável e do verificado conjunto de circunstâncias relevantes
que devem ser atendidas para o efeito, não ultrapassando seguramente a medida da
culpa do recorrente.

4. Decisão
Por todo o exposto:
a) julgam procedente o recurso interposto pelo ofendido/lesado D… e, em consequência,
revogam o despacho recorrido, de fls. 978-979, determinando que fique sem efeito a
liquidação da multa correspondente à apresentação da resposta ao recurso para além do
prazo normal e considerando-se tal acto tempestivamente praticado;
b) julgam improcedente o recurso interposto pelo arguido B…, mantendo integralmente a
sentença recorrida.
Vai o arguido/recorrente condenado em 5 UC de taxa de justiça.

Porto, 14 de Novembro de 2012


Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
José Alberto Vaz Carreto
___________________
[1] Foram, igualmente, submetidos a julgamento os arguidos D… (este também ofendido
), F… e G…, tendo os dois últimos sido absolvidos dos crimes de ofensa à integridade
física qualificada que lhes vinham imputados e o primeiro sido condenado em pena de
multa pela prática de um crime de dano, sem que tenha interposto recurso da sentença
condenatória, tendo procedido ao pagamento da multa e tendo esta pena, por isso, sido
declarada extinta.
[2] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 1165/98 de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93.
[3] FERREIRA, MARQUES in Jornadas de Direito Processual Penal, 229-230:"
[4] Cfr. Ac STJ de 30OUT01 (proferido no procº nº 2630/01, da 3ª Secção, disponível em
www.dgsi.pt)
[5] Ac. TRP de 31-10-2001 relativamente ao proc. n.º 281/99, disponível em www.trp.pt.
[6] Nele vem referido que o tribunal da 1ª instância nada disse sobre o recurso interposto
por D… e que, se se tivesse pronunciado sobre a respectiva admissão, teria de o reter
por falta de pagamento da multa devida, devendo, por isso, o processo baixar para que
haja pronúncia sobre a sua admissão. Pensamos, no entanto, que esta posição se terá
devido a confusão ou mero lapso (aparentemente radicados na consideração de que o
referido D… também teria interposto recurso na qualidade de arguido), que a própria
sequência processual torna evidente, já que os autos demonstram que – para além do
recurso interlocutório de fls. 505, que ficou sem efeito na medida em que a sua subida
ficou condicionada à interposição de recurso da decisão que pusesse termo à causa e
dela não interpôs recurso o ali recorrente, tendo, ao invés, procedido ao pagamento da
multa que lhe foi aplicada, o que determinou a declaração, pelo despacho de fls. 920, de
extinção de tal pena - neles só foram interpostos 2 recursos: um, da sentença
condenatória, pelo arguido B…, e o outro por D…, relativamente ao despacho que não
admitiu a resposta por ele oferecida, na qualidade de ofendido/lesado, àqueloutro
recurso. Ora, ambos esses recursos foram admitidos no despacho de fls. 1003-1004,
sendo-o o segundo, nomeadamente, “por o recorrente estar dispensado do pagamento
de taxas de justiça”, e com subida conjunta em relação ao recurso aludido em primeiro
lugar. Naturalmente que o conhecimento do recurso cronologicamente mais recente terá
de ser levado a cabo em primeiro lugar, pois da decisão do mesmo dependerá que se
tome, ou não, em consideração a resposta ao recurso do arguido que o ofendido/lesado
apresentou. E, só na eventualidade de tal recurso vir a ser julgado improcedente – o que
adiante se verá - é que os autos terão de baixar à 1ª instância para que o recorrente D…,
recorrido no recurso da sentença condenatória, tenha oportunidade de proceder ao
pagamento da multa (que, obviamente, só será devida no caso de se vir a decidir ter sido
apresentada para além do prazo normal a sua resposta ao recurso do arguido).
Diferentemente, a procedência deste recurso implicará, sem mais, a consideração da
resposta em questão na apreciação do recurso do arguido.
[7] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335
e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196
e jurisprudência ali citada).
[8] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-
A de 28/12/95.
[9] Entendimento, que pensamos ser uniforme na jurisprudência, seguido v.g. nos Acs.
RL 25/10/02, proc. nº 0057603 (“I - O art. 113º, nº 2 do C.P.P. dispõe que a notificação
efectuada por via postal registado presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio. II -
O art. 254º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável por força dos arts. 4º e 104º do C.P.P. esclarece
que essa presunção só pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação não foi
efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam
imputáveis. III - Trata-se de uma presunção "juris tantum" estabelecida unicamente a
favor do notificado e que, portanto, não pode ser ilidida por outrém que não ele.”), RC
12/7/06, proc. nº 496/01.3TACBR-A.C1 (“I. A notificação por carta registada presume-se
consumada no terceiro dia útil posterior à expedição da carta. II. Tal presunção só pode
ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal.”), RE
8/5/07, proc. nº 606/07-3 (“(…) tendo sido utilizada carta registada, o arguido presume-se
notificado no 3º dia útil posterior ao do envio do registo postal (art.º 113º, nº 2, do C.P.P.),
só então se iniciando a contagem do prazo de 20 dias para interpor recurso de
impugnação judicial. 3. Tal presunção só pode ser ilidida em benefício do arguido, e
nunca em seu desfavor, de acordo com a regra do art.º 254º, nº 6, do C.P.C..”), RC
9/4/08, proc. nº 206/06.9TACDN-A.C1 (“V. – Não estabelecendo o Código de Processo
Penal nenhum regime especifico que indique ao intérprete em que circunstâncias pode
ser ilidida a presunção a que alude o n.º2 do artigo 113.º deve ser entendido que rege
para o efeito o regime de subsidiariedade estabelecido no artigo 4º do Código de
Processo Penal e, portanto, a presunção aí estabelecida só poderá ilidida a pedido do
notificado e no seu interesse.”) e RE 10/5/11, proc. nº 2419/10.0TASTB.E1 (“3. Tal
presunção “iuris tantum” só pode ser ilidida em benefício do arguido, e nunca em seu
desfavor, de acordo com a regra do art.º 254.º, n.º6, do CPC, aplicável em processo de
contraordenações ex vi do citado art. 41.º do RGCO, na medida em que constitui preceito
regulador do processo penal, ex vi do art. 4.º do CPP, uma vez que nem o RGCO, nem o
CPP dispõem de norma que regule o regime da presunção estabelecida no nº2 do art.
113.º do CPP.”)
[10] Em sentido oposto apenas encontrámos publicado o Ac. STJ 21/5/03, proc. nº
02P4403 (“I - A referência feita pelo art. 113.º, n.º 2, do CPP (redacção do DL n.º 320-
C/2000, de 15-12), ao “3.º dia útil posterior ao do envio” não comporta uma interpretação
no sentido de todos os três dias serem úteis, mas, sim, que o último dia dos três tem de
ser útil, ou seja tem de ser dia em que normalmente haja distribuição de correio, por
outras palavras, que não seja sábado, domingo ou feriado. II - Repare-se que a
referência aos três dias, devendo, no entanto, o último ser útil, não expressa uma certeza
de distribuição, assumindo, no próprio dizer da lei, a natureza de uma presunção ilidível.
III - Realidade diferente é aquela que resulta do n.º 5 do art. 145.º do CPC, mandado
aplicar ao processo penal pelo n.º 5 do art. 107.º do CPP. Aqui os três dias são úteis,
tanto assim que a taxa de justiça varia, consoante o acto for praticado no primeiro, no
segundo ou no terceiro dia.” ) a que a Srª juiz a quo se acolheu, no despacho de
sustentação, em apoio do seu entendimento.
Numa posição intermédia, situa-se o Ac. STJ 17/4/08, proc. nº 07P2030 (“III -Tem havido
divergências na interpretação do que seja o terceiro dia útil para efeitos processuais
penais, dizendo o art. 113.º, n.º 2, do CPP: «Quando efectuadas por via postal registada,
as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio (…)» – redacção
algo diferente da fixada no art. 254.º do CPC: «A notificação presume-se feita no terceiro
dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja». IV
- Segundo uma corrente (talvez maioritária), todos os dias terão que ser úteis; segundo
outra, o chamado terceiro dia útil quer significar o dia útil imediato posterior ao terceiro
dia do registo, quando este não seja útil. Ou seja, uma interpretação mais próxima da
redacção da norma do CPC. V - Perante estas duas posições, por qual optar? Mesmo a
entender-se que todos os dias de contagem devem ser úteis, o certo é que essa
interpretação mais alargada obedece a um princípio de favorecimento dos sujeitos
processuais em processo penal. Ora, se o sujeito processual interessado (no caso, o
menor), a quem o prazo estabelecido por lei aproveita, alega que foi notificado no dia útil
seguinte ao fim de semana (primeiro dia útil a seguir ao terceiro – não útil – posterior ao
registo), não se vê como tal facto não deva relevar para efeitos de contagem do prazo
para se considerar transitada em julgado a decisão. Aliás, a presunção pode ser elidida
por prova em contrário. VI - Por outro lado, havendo a referida divergência de
interpretações, deve aqui ser adoptado o critério mais favorável ao recorrente, ao menos
em nome do princípio da favorabilia amplianda.” )
[11] Dec. Reclamação RE 1/4/04, proc. nº 401/04-1
[12] Ac. RG 4/4/05, proc. nº 532/05-2
[13] Ac. RL 7/2/07, proc. nº 1371/2006-3
[14] Ac. RC 9/4/08, proc. nº 206/06.9TACDN-A.C1
[15] Dec. Reclamação RL 14/5/10, proc. nº 9/09.GCTVD-A.L1-3
[16] Ac. RP 25/5/11, proc. nº 636/08.1TAVRL-B.P1
[17] Ac. RP 7/12/11, proc. nº 928/09.2PIVNG-A.P1
[18] Ac. RC 30/5/12, proc. nº 44/12.0T2ILH.C1
[19] A fundamentação das decisões dos tribunais – excepção feita às que sejam de mero
expediente -, na forma prevista na lei, constitui exigência que decorre em primeira linha
da própria lei fundamental (art. 205º nº 1 da C.R.P.) - e, no âmbito do processo penal,
constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no nº 1 do art. 32º da
nossa Lei Fundamental -, e em segunda linha da lei ordinária (art. 97º nº 4 do C.P.P.).
[20] Maia Gonçalves, CPP anotado e comentado, 12ª ed., p. 709
[21] Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 229-230
[22] “A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do
moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior
(extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade
que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor,
e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a
exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação
das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão, o tribunal
superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela
contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais
fundamentos, formular seu próprio juízo.” cfr. Ac. STJ 21/3/07, proc. nº 07P024.
[23] Conforme judiciosamente vem salientado no Ac. STJ 29/6/95, CJ Acs. STJ, III, t. 2,
pág. 254.
[24] Note-se que o TC (Ac. n° 258/2001) já se pronunciou no sentido de que: "não é
inconstitucional a norma do n.° 2 do art. 374.°do CPP, quando interpretada em termos de
não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada
elemento de facto dado por assente".
[25] “A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do
tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um
procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão
sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do
sentido determinado pelas regras da experiência.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a
implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam
avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de
que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e
com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.” cfr. Ac. STJ
3/10/07, proc. nº 07P1779.
[26] “A disposição do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre o exame crítico das provas não
obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas produzidas e muito menos
a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na
audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e
eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da
transposição feita para o acórdão.”
Ac. STJ de 30/1/02, proc. n.º 3063/01 da 3.ª
Secção,.http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Criminais/Criminais2002.pdf
[27] “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de
razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o
processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…) Não existe
insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os
meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental,
de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da
decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência
comum.” cfr. Ac. STJ 21/3/07 já cit.
[28] cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[29] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.
[30] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de
24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência
na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e
simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos
para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na
formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos — dados objectivos —, sobre a existência ou inexistência dos
factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em
audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal —que é livre — artigo 127.º do Código
de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo
princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento
ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira
limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir,
segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume
papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos
racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um
facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou
probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo)
com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da
experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a
imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio
pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O
princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é
instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação
com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de
convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados
não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[31] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação
infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à
lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[32] “(…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem
ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador,
devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da
experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que
ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1.
[33] Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é
construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos
e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e
depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das
contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares,
"linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude,
seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças
que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos".
Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso
não dispõe”.
[34] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[35] cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de
credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na
imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado
que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
[36] cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[37] cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[38] cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763.
[39] cfr. Ac. STJ 12/6/08, proc. nº 07P4375 .
[40] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam»
decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova
produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma
solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções
plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em
obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” - Ac.
STJ 17/2/05, proc. nº 04P4324
[41] “A defesa contra a agressão implica a prática dos actos necessários – actos que
seriam ilícitos, se não fora o artigo 21.º - para impedir a violação (ou a consumação da
violação) do direito, liberdade e garantia em causa, de acordo com critérios de
racionalidade ou de proporcionalidade: Um destes critérios vem a ser a adequação dos
meios em função dos direitos – meios mais intensos quando sejam afectados direitos
previstos no artigo 19.º, nº 6, menos intensos nos outros casos.” cfr. Constituição
Portuguesa Anotada, Jorge Miranda – RUI Medeiros, t. I, pág. 207.
[42] cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado, 14ª edº, pág. 179.
[43] cfr. idem, ibidem, pág. 152.
[44] Preceito que, como os demais adiante citados sem menção especial, pertence ao C.
Penal.
[45] A densificação destes conceitos, feita nos termos a seguir transcritos em relação ao
crime de homicídio sob apreciação no Ac. STJ 5/12/07, proc. nº 07P3879, vale
igualmente, com as devidas adaptações, para o crime de ofensa à integridade física: “III -
A especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente,
traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro
valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na
decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para
se abster de actuar; as motivações que o agente revela, ou a forma como realiza o facto,
apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico,
vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não
empreender a conduta se revela mais acentuada. III - Por sua vez, a especial
perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por
força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A
decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a
decisão sob grande reprovação, atendendo à personalidade manifestada no seu
comportamento, deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais,
aumentando a intolerância perante o seu facto.”
[46] cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, pág. 37.
[47] Como refere P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 391.
{48] Vejam-se, acerca desta problemática, as considerações tecidas no Comentário…, t.
I, págs. 42-43 e252-253.
[49] Conforme considerado no Ac. STJ 27/5/10, proc. nº 517/08.9JACBR.C1.S1, citado
nessa resposta “(…) importa verificar a ausência, no caso, de circunstâncias que
neutralizem, ou compensem em sentido inverso, o peso agravativo dos exemplos-padrão
(ou circunstâncias equivalentes)”.
[50] cfr. Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, in Jornadas de Direito Criminal,
CEJ, 1982, pág. 238.
[51] cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do
Crime, 1993, pág. 117.
[52] cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 14ª ed., pág.
234.
[53] cfr. Robalo Cordeiro, ob. cit., pág. 239: “Só caso a caso, processo a processo,
mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma
escolha entre as penas detentivas e não detentivas.”
[54] cfr. Anabela Rodrigues, Critérios de Escolha de Penas de Substituição no Código
Penal, BFDUC, 1988, pág. 30.

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