Filosofia Medieval
Filosofia Medieval
Filosofia Medieval
PROPÓSITO
Entender o sentido da Filosofia medieval, para fins de conhecimento da via
moderna do nominalismo e da gênese do direito “das gentes”, é importante
para a sua formação, pois lhe permitirá entender o arcabouço teórico do Direito
e da política modernos.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo deste tema, é importante ter à mão um bom dicionário
de Teoria Política ou mesmo de Filosofia. Sugerimos o Dicionário de
Filosofia, de Abbagnano, e o Dicionário de Política, de Bobbio, Matteucci e
Pasquino, ambos disponíveis virtualmente.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir os conceitos de cidade e justiça em Santo Agostinho
MÓDULO 2
Reconhecer as características das virtudes morais cardeais, segundo Santo
Tomás de Aquino
MÓDULO 3
Distinguir a novidade na concepção de lei no nominalismo e na Escola Ibérica
em relação aos pensamentos agostiniano e tomista
INTRODUÇÃO
Estamos iniciando um percurso que nos levará aos elementos fundamentais da
história da Filosofia medieval. Primeiro, entenderemos esse conceito, que
consistiu em um diálogo entre a fé religiosa e a razão grega. Em seguida,
veremos suas etapas e seus principais expoentes:
MÓDULO 1
Definir os conceitos de cidade e justiçaem Santo Agostinho
CONCEITO DE FILOSOFIA
MEDIEVAL
Antes de iniciar a exposição sobre o Santo Agostinho e a patrística, precisamos
entender o sentido fundamental da “Filosofia medieval”. Antes, um breve aviso:
a Filosofia medieval não foi apenas aquela pensada pelos intelectuais cristãos!
Também houve Filosofia medieval entre os pensadores judeus e muçulmanos.
AMOR
Amor, aqui, significa eros, desejo, busca.
HERESIA
Interpretação, doutrina ou sistema teológico rejeitado como falso pela Igreja.
CONCÍLIOS ECUMÊNICOS
Reunião de dignitários eclesiásticos, especialmente bispos, presidida ou
sancionada pelo papa, para deliberar sobre questões de fé, costumes, doutrina
ou disciplina eclesiástica.
MANIQUEÍSMO
Sincretismo entre gnosticismo, zoroastrismo e cristianismo, que ensinava o
dualismo entre o deus do bem e o deus do mal, o qual aprisionara os espíritos
divinos (feitos, na realidade, de matéria sutil) na matéria grosseira dos corpos.
Em A Cidade de Deus, Agostinho (2006) defende que uma sociedade se forma
a partir do amor de vários indivíduos pelo mesmo objeto. Ele exemplifica com
os espetáculos: os espectadores ignoram-se mutuamente, mas, ao admirarem
a performance do ator, também passam a nutrir simpatia uns pelos outros.
A CIDADE DE DEUS
Unida pelo amor divino e que dirige sua existência temporal à glória de Deus.
É por isso que Agostinho preocupou-se com a arte de governar, pois, para ele,
a política deve contemplar o homem em sua plenitude constituída de corpo e
de alma. Portanto, não haverá política verdadeira se esta não estiver ligada a
Deus.
Foto: Eugene a/Wikimedia commons/Domínio Público Figura 4. Alegoria do
mau governo, por Ambrogio Lorenzetti, 1338.
Se os que governam não pensarem na política como uma arte e que esta não
pode ser pensada sem a presença de Deus, não haverá concórdia na cidade
terrena. Assim, as virtudes não serão praticadas e os vícios reinarão. Em suas
palavras:
Embora a Igreja Católica seja a realidade que encaminha a vida dos homens à
Cidade de Deus definitiva, a divisão entre esta e a Cidade dos homens não
corresponde exatamente à divisão entre Igreja e mundo, porque há quem
esteja na Igreja com o corpo, mas com o coração no mundo; e há quem esteja
no mundo, mas ingressará na Igreja e na Cidade divina. O conjunto dos
homens que vivem em uma cidade é chamado de “povo” por Agostinho.
Há um fim comum a toda sociedade, seja qual for, e este fim é, segundo
Agostinho, a “paz”. A paz que as sociedades desejam é pura tranquilidade de
fato, mas a paz verdadeira é a que satisfaz plenamente as vontades de todos
tão bem que, ao ser obtida, nada mais se deseja. Afinal, “uma coisa não é a
ventura da cidade e outra a do homem, pois toda cidade não passa de homens
que vivem unidos” (AGOSTINHO, 2006).
A condição fundamental para que a paz seja permanente é a ordem. Para que
um conjunto de partes concorde na busca de um mesmo fim, é preciso que
cada qual esteja em seu lugar e desempenhe sua própria função corretamente.
Assim:
Assim, também há em nós uma lei, chamada “lei natural”, que é como a
“transcrição” da lei eterna ou divina em nossa alma. A exigência fundamental
da lei é que tudo esteja ordenado. E é a justiça que estabelece no homem a
ordem pela qual o corpo submete-se à alma e essa a Deus, como declara
Agostinho:
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS O CONCEITO DE “CIDADE” DE SANTO
AGOSTINHO, QUE É “O CONJUNTO DE HOMENS UNIDOS
PELO AMOR COMUM A CERTO OBJETO”. ASSINALE A
ALTERNATIVA QUE CORRESPONDE ESSENCIALMENTE AO
IDEAL AGOSTINIANO:
A sociedade medieval.
A polis ateniense.
GABARITO
MÓDULO 2
Reconhecer as características das virtudes morais cardeais segundo
Santo Tomás de Aquino
CONTEXTO HISTÓRICO
Santo Tomás de Aquino é o maior expoente do período escolástico da
teologia e Filosofia católica, cujo nome deriva das “escolas” monásticas ou
catedralícias, nas quais eram ensinadas a teologia e as “artes liberais”:
TRIVIUM
QUADRIVIUM
O período escolástico teve início a partir do século IX, quando Alcuíno (735
d.C.-804 d.C.) promoveu a reforma carolíngia no âmbito educacional, que foi
impulsionada pelo imperador Carlos Magno (742 dC-814 d.C.), do recém-criado
Sacro Império Franco-Romanol, após a chamada “Idade das Trevas”,
provocada pelas invasões bárbaras e pela queda do Império Romano (séculos
V a VIII).
Também nesse momento, o Sacro Império, que havia passado das mãos dos
francos à mão dos germanos, tinha Frederico II (1194-1250) à frente, talvez o
imperador no qual podemos identificar as primeiras aspirações absolutistas, no
auge da Idade Média. Ele havia iniciado a caçada violenta aos cátaros e tinha
conseguido da Igreja autorização para a Inquisição.
CÁTAROS
Adeptos do catarismo: movimento social e heresia gnóstica ou dualista, que
negava a bondade da matéria e era resistente ao casamento e à reprodução,
bem como aos vínculos feudais, além de incitar as pessoas ao suicídio.
INQUISIÇÃO
Tribunal eclesiástico instituído pela Igreja Católica, no qual os frades
investigavam os erros doutrinários dos supostos hereges. Ao Estado, era
permitido torturar os réus considerados culpados, condenando-os à pena
capital da fogueira.
AQUINATE
Termo que expressa o conjunto das obras de Tomás de Aquino, somado aos
estudos a partir dele.
Assim como para Agostinho, para Aquino (2011), a lei eterna de Deus é
participada à mente humana como “lei natural”, e o papel de tal lei — como de
todas — é orientar o homem à sua finalidade e felicidade, que é Deus. Como
conteúdo, essa lei é um hábito — que Tomás também chama de “sindérese” —
dos princípios da vida moral.
A virtude é definida por Aquino (2011) como “uma boa qualidade da mente
pela que se vive retamente, da qual ninguém usa mal, produzida por Deus em
nós sem intervenção nossa”. Em sentido lato, “virtudes” são aquelas humanas,
que destinam-se aos fins da razão humana e que podem ser obtidas pela
reiteração dos atos.
Contudo, para Santo Tomás de Aquino a virtude em sentido próprio é a
“infusa”, inseparável da virtude teologal da caridade, com a qual Deus
incrementa as virtudes humanas ou cardeais
— prudência, justiça, fortaleza e temperança — para o cumprimento do fim
último e sobrenatural da vida humana, que é o próprio Deus.
PRUDÊNCIA
Esta é a virtude pela qual o homem aplica os princípios da sindérese (hábito)
ou lei natural à situação concreta. Por ela, conhecendo a verdade dos
princípios e da situação, o homem atua com justiça. O querer e o agir devem
ser conformes à verdade. A prudência não se refere ao fim último, mas às vias
que a ele conduzem, isto é, ela não decide o que é a felicidade, mas
apenas como chegar lá. A unidade viva de sindérese e prudência é o que
chamamos de “consciência”.
Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público Figura 7. Prudência, Piero
del Pollaiolo, 1469.
JUSTIÇA
Esta é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito. A
matéria da justiça é a operação exterior, enquanto esta, ou a coisa que por ela
usamos, é proporcionada à outra persona, à qual estamos ordenados pela
justiça.
A justiça particular também sobressai entre as outras virtudes morais por duas
razões: a primeira se toma pelo sujeito, porque se acha na parte mais nobre da
alma, na vontade; a segunda razão deriva de parte do objeto, porque o justo
comporta-se bem a respeito de outro, e, assim, a justiça é, de certo modo, um
bem de outro.
FORTALEZA
Sua essência não é se expor a qualquer risco, mas entregar-se, de maneira
razoável, ao verdadeiro valor do real. A autêntica fortaleza supõe uma
valoração justa das coisas, tanto das que se arrisca como das que se espera
proteger ou ganhar.
Sem a “coisa justa”, não há fortaleza: a coisa é o que decide, e não o dano que
se possa sofrer. Ser forte não é o mesmo que não ter medo: a fortaleza supõe
o medo do homem ao mal, e sua essência é não deixar que o medo a force ao
mal ou a impeça de realizar o bem.
TEMPERANÇA
O sentido da temperança é realizar a ordem no interior do homem, com
absoluta ausência de egoísmo. Dela brota a tranquilidade do espírito. A
tendência natural ao prazer sensível que se obtém na comida, na bebida e no
deleite sexual manifesta as forças naturais mais potentes que atuam na
conservação do homem.
POLÍTICA
Para Aquino (2011), o homem é um “animal sociável e político”: desprovido de
instrumentos que lhe garantam automaticamente a sobrevivência, mas dotado
de razão para buscar os meios da existência, ele não pode, sozinho, encontrar
tudo que necessita. Portanto, a vida social lhe é natural.
THOMAS HOBBES
Filósofo inglês, segundo o qual, para construir uma sociedade, é necessário
que cada indivíduo renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um
acordo mútuo para não se aniquilar com os outros: um ‘contrato social’, no qual
os direitos que o homem naturalmente possui sobre todas as coisas são
transferidos em favor de um soberano dotado de direitos ilimitados.
DEMOCRACIA
Não há que se entender, aqui, a palavra no sentido moderno, mas como
oposição à politeia, como “demagogia”.
POLITIA
Transliteração latina de politeia.
Esse segundo princípio não implica menosprezo da ideia bíblica de que “todo
poder vem de Deus”, precisamente porque a lei natural é uma participação na
lei eterna, e a autoridade humana é uma participação no domínio de Deus
sobre os homens.
A política não significa uma ordem humana independente da ordem cósmica,
mas inserida nela. Com isso, podemos entender melhor a relação entre a vida
política e o sentido religioso da vida humana segundo Santo Tomás de Aquino.
A unidade da paz.
GABARITO
MÓDULO 3
Distinguir a novidade na concepção de lei no nominalismo e
na Escola Ibérica em relação aos pensamentos agostiniano e tomista
GUILHERME DE OCKHAM
Com sua Filosofia “nominalista”, Guilherme (ou William) de Ockham iniciou o
processo fideísta e racionalista que caracteriza a Modernidade, com suas
separações entre fé e razão, graça e natureza, Igreja e Estado, as quais
quebram a harmonia buscada por Agostinho e Tomás de Aquino.
Ockham ensinou em Oxford, onde a investigação filosófica pendeu para o
conhecimento empírico da natureza, com as pesquisas de Roberto de
Grosseteste sobre a natureza da luz e as intuições de Roger Bacon sobre o
que seria posteriormente o método científico moderno.
FIDEÍSTA
Crença religiosa que não busca o diálogo com a Filosofia.
RACIONALISTA
Pensamento filosófico que não busca o diálogo com a teologia.
ROBERTO GROSSETESTE
“Tido em geral como uma das principais figuras da Universidade de Oxford no
século XII. Sua importância é tanto mais significativa para o movimento cultural
que se desenvolveu em torno desta universidade quanto se pode
incontestavelmente atribuir a ele certo número de características que balizaram
tal movimento por vários séculos: recurso às fontes neoplatônicas, importância
da matemática como chave do estudo da natureza, relevância da ótica como
modelo de conhecimento matematizado do mundo material” (NASCIMENTO,
1974).
ROGER BACON
Filósofo, cientista e teólogo inglês. Difusor e crítico de Aristóteles, Bacon
adotou uma doutrina dos universais de tipo conceitualista e propôs a "ciência
experimental" como alternativa à dialética escolástica. No entanto, tudo isso foi
baseado em uma cosmovisão crente, segundo a qual a ciência é baseada na
teologia (dom divino), e a Filosofia — seu servo — vem da revelação de Adão.
NOMINALISMO METAFÍSICO-
TEOLÓFICO E EPISTEMOLÓGICO
No ambiente mais científico (em nosso atual sentido) e menos especulativo,
Ockham (MARCONDES, 2016) considerou que a razão não poderia conhecer
com certeza a transcendência e unicidade de Deus, a imortalidade da alma,
tampouco existiria uma lei moral natural. Deus, a alma e os deveres morais
seriam assuntos exclusivos da Revelação.
MARTINHO LUTERO
Sacerdote católico alemão de convicções intensas que representa, com sua
concepção do homem como um indivíduo isolado de Deus, da história e do
mundo, um dos pilares sobre o qual assenta a Modernidade. Foi Lutero que
iniciou a Reforma Protestante, rejeitando a autoridade do papa e
enfraquecendo o poder da Igreja Católica.
RENÉ DESCARTES
Filósofo, físico e matemático francês. Depois do esplendor da Filosofia grega
antiga e do apogeu e da crise da escolástica na Europa medieval, os novos
ventos do Renascimento e a revolução científica que o acompanhou dariam
origem, no século XVII, ao nascimento da Filosofia moderna.
Além disso, Deus é colocado tão acima da criação, que poderíamos dizer que a
teologia fideísta de Ockham termina gerando, por contraste, o deísmo
racionalista que nega a Providência e a Revelação (agnosticismo prático).
Exatamente pelo fato de que o mundo não foi feito segundo uma Razão Eterna
ou segundo Razões Eternas, nele, não existem essências (quididades)
imutáveis e universais, mas apenas entes ou essências (coisas) singulares.
NOMINALISMO MORAL
No campo moral, desaparecendo o conceito de “essência” ou “natureza”
universal (associado à criação segundo paradigmas eternos), também
desapareceu o conceito de “lei natural” e surgiu uma “liberdade de indiferença”:
o ato humano será moralmente bom ou mau na medida em que se conformar
ou não à obrigação legal imposta por Deus (que poderia nos mandar odiá-lo,
segundo Ockham).
Essa moral da obrigação teve seu máximo expoente em Immanuel Kant (1724-
1804), que reduziu o cristianismo a esse papel moralizante. Foi repudiada pelo
utilitarismo e pelo hedonismo, perdendo-se, assim, de uma ou de outra forma,
a conexão entre felicidade, lei (natural como reflexo da eterna) e consciência.
NOMINALISMO POLÍTICO
A obra Breviloquium (MARCONDES, 2016) é a síntese da Filosofia política de
Ockham. O Breviloquium divide-se em seis livros. No quinto livro discute-se a
famosa passagem bíblica das “duas espadas” (Lucas 22:38), afirmando que,
em nenhuma parte da Escritura, está expresso este sentido místico em que se
afirma que as duas espadas devem ser entendidas como os dois poderes: o
temporal e o espiritual.
No sexto livro analisa-se a Donatio Constantini, considerando-a
provavelmente apócrifa. Segundo Ockham, só o povo romano poderia
transferir para o papa a autoridade juntamente com todas as suas
competências. Alguém que fosse apenas um usuário delas (pessoa individual
ou moral) não poderia transferi-las ou doá-las. O imperador não poderia
transferir autoridade ao papa, em todo ou em parte, de onde decorre a
ilegitimidade da donatio.
Porém esse poder temporal é de origem humana, e seu uso foi transferido ao
papa pelo imperador. O imperador, por sua vez, recebeu o poder do povo
romano e somente pode transmiti-lo dentro das limitações do mandato
recebido.
Portanto, Ockham não impugna a instituição divina do papado nem seu direito
a reger os assuntos espirituais conforme a lei divino-positivo e o direito natural
(como ele o entende), mas opõe-se vigorosamente às pretensões da Cúria
(corte papal) de intervir nos assuntos temporais no imperium. Ele preconiza
coordenação e cooperação de ambas as potestades.
ESCOLAS DE SALAMANCA E
COIMBRA E O “DIREITO DAS
GENTES”
APOCRIFA
Diz-se de obra religiosa destituída de autoridade canônica [que segue os
dogmas da Igreja].
DONATIO CONSTANTINI
Suposto documento do imperador Constantino (306 d.C.-337 d.C.), que cede à
Igreja Católica propriedades ao então Papa Silvestre I (285 d.C.-335 d.C.).
SANTO AFONSO DE LIGÓRIO
Missionário e teólogo italiano que se dedicou à recristianização de Nápoles e
sua região. Ele criou a Congregação dos Redentoristas e desenvolveu um
sistema de teologia moral a meio caminho entre o rigor e o laxismo, que foi
chamado de equiprobabilismo. Ele foi canonizado em 1839 e declarado doutor
da Igreja em 1871.
FRANCISCO DE VITÓRIA
Francisco de Vitória (1483-1546) estudou em Paris, dedicando-se
especialmente ao estudo da Antropologia tomista. Foi um grande mestre
universitário e criador de uma escola filosófico-teológica que teria influência
decisiva na Espanha e na América.
Suas obras De potestate civili, De indis e De iure belli expressam seu
pensamento sobre a origem da autoridade civil, os títulos legítimos e ilegítimos
dos espanhóis para conquistar a América, e o direito à guerra contra os nativos
do novo continente.
Não há lugar para o anarquismo, nem existe nada de definitivo sobre as formas
concretas de organização política.
Toda república pode ser castigada pelo pecado do rei, segundo o princípio de
solidariedade entre o governante e os governados, que são corresponsáveis
pelas culpas do governante.
Vitória criou o direito das gentes (ius gentium), precursor de nosso Direito
internacional, que justifica, sobre a base da solidariedade internacional dos
povos — e não sobre o direito natural, como concebido classicamente por
Agostinho e Tomás de Aquino —, uma espécie de fraternidade universal dos
homens entre si.
Os sete títulos ilegítimos são:
Há uma especial doação por parte de Deus — como ocorreu no caso dos
israelitas quanto à sua Terra prometida.
Os oito títulos legítimos são:
Pela pouca “civilização e polícia” dos nativos, poderia ser imposto a eles um
príncipe cristão — este lhe parece um título duvidoso.
FRANCISCO SUÁREZ
Para Francisco Suárez (1548-1617), a lei natural é uma verdadeira e autêntica
lei divina e seu legislador é Deus. Em Deus, supõe um juízo que Deus mesmo
emite a respeito da conveniência ou inconveniência de tais atos e a vontade de
obrigar os homens a cumprir o que dita a reta razão. Essa vontade supõe um
juízo a respeito da malícia, por exemplo, da mentira ou de coisas semelhantes.
FRANCISCO SUÁREZ
Teólogo e filósofo jesuíta que ensinou na Universidade de Coimbra.
Para Suárez, no ato humano existe um tipo de bondade ou malícia em função
do objeto em si mesmo considerado, segundo esteja ou não de acordo com a
reta razão. E o ato humano recebe, de modo especial, o nome
de pecado ou culpa para com Deus por razão da transgressão de uma
verdadeira lei dada pelo próprio.
Assim, o direito “das gentes” não manda nada que seja por si mesmo
necessário para a retidão ou a conduta, nem proíbe nada que seja essencial e
intrinsecamente mau. Tudo isso pertence ao direito natural.
O direito “das gentes” não forma parte do direito natural tampouco distingue-se
dele por ser um direito específico dos homens. O direito “das gentes” é
simplesmente humano e positivo, e seus preceitos diferenciam-se dos
preceitos do Direito civil pelo fato de não estarem formados por leis escritas e
sim por costumes, não deste ou daquele Estado, mas de todas ou quase todas
as nações.
Afinal, o direito humano é de duas classes: escrito e não escrito. O direito não
escrito está formado por costumes, e, se foi estabelecido pelos costumes de
um só povo e a ele só obriga, segue sendo Direito civil. Se, pelo contrário, foi
estabelecido pelos costumes de todos os povos e se a todos obriga, esse é o
direito “das gentes” propriamente dito, segundo Suárez.
A Igreja cuida sozinha das coisas espirituais e o Estado tem total potestade nas
coisas temporais.
O Estado tem potestade nas coisas temporais e pode interferir nas leis
eclesiásticas.
A Igreja cuida sozinha das coisas espirituais e tem potestade direta sobre o
Estado.
Revelação bíblica.
Solidariedade dos costumes comuns dos povos.
Arbítrio do papa.
GABARITO
O direito das gentes é uma lei positiva humana. Não é direito natural nem
revelação bíblica ou eclesiástica, não é escrita nem fruto de debate político, e
sim a solidariedade que resulta dos costumes universais dos povos.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As éticas agostiniana e tomasiana, como fundamentação do agir formalmente
ético, são inseparáveis da moral, como conteúdo concreto em que a forma da
ética se realiza. De outra parte, ética e moral têm uma fundamentação
metafísica, pois estão ancoradas no próprio ser da pessoa humana, em sua
natureza ou essência, naquilo que a tradição clássica chamou de lei (moral)
natural. E a lei natural tem uma fundamentação teológica: é o reflexo em nossa
consciência da “lei eterna” divina.
A lei natural nos dois maiores clássicos da Filosofia medieval não deve ser
entendida como alguma espécie de dado “espontâneo” ou meramente
biológico, mas como a leitura ou interpretação que a razão humana faz das
inclinações naturais e a consequente promulgação dos deveres/direitos daí
decorrentes. Também, ou principalmente, a razão constitui a natureza da
pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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AQUINO, T. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução e
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(Coleção Textos Filosóficos)
AQUINO, T. Suma teológica. São Paulo: Paulus, 2016.
BELLO, J. O moral e o teologal: felicidade e religação em Xavier Zubiri e
Santo Tomás. Trilhas Filosóficas, v. 9, n. 1, 2016.
COSELLA, P. 400 anos do DE LEGIBUS de Francisco Suarez. In: Revista da
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GILSON, E. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
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MARCONDES, D. Guilherme de Ockham e a crise da escolástica: uma
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NASCIMENTO, C. A. R. O tratado sobre a luz de Roberto Grosseteste. In:
Revista Trans/Form/Ação, Marília, v. 1, p. 227-237, 1974.
POLESI, R. Ética antiga e medieval. Curitiba: Intersaberes, 2014.
SANTOS, P. Sobre o direito de guerra – Estudo introdutório e tradução
comentada da Relectio de iure belli de Francisco de Vitória. 2016.
Dissertação (Mestrado em Estudos Clássicos) – Instituto de Estudos Clássicos,
Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.
SIMÕES, M. C. Os caminhos da reflexão metafísica: fundamentação e
crítica. Curitiba: Intersaberes, 2015.
EXPLORE+
No Blog Acadêmico ICTYS, é possível encontrar artigos que aprofundam
temas de Filosofia medieval pertinentes como: O problema dos
universais e As bases medievais do laicismo moderno.
O livro A Filosofia política na Idade Média, de Sérgio Ricardo Strefling,
distribuído virtual e gratuitamente, é um importante material introdutório
sobre o assunto. Vale a leitura!
A Revista Portuguesa de Filosofia (v. 75, n. 3, 2019) é inteiramente
dedicada às teorias políticas medievais. Publicada pela Aletheia –
Associação Científica e Cultural, em Braga, também está disponível
virtualmente. Pesquise e aprofunde seu conhecimento.
CONTEUDISTA
Joathas Soares Bello
CURRÍCULO LATTES