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A supervisão educacional

e a construção da prática
transformadora
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não
é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos
os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos
a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles.

Paulo Freire

A importância
da prática transformadora na escola

A
gora é o momento de assumir uma preferência, de definir uma opção, diante das tendências
pedagógicas dominantes, o que o presente estudo faz no sentido da ação supervisora compro-
metida com a prática transformadora. Isso vai além de uma simples escolha entre ideologias
“de direita” ou “de esquerda”, como se fazia há alguns anos: diz respeito à construção de relações
democráticas e dialógicas – por isso a epígrafe de Paulo Freire –, com a crença no poder transformador
da Educação e o desejo de educar para a cidadania.
No entanto, isso não implica abrir mão das especificidades da atuação e da necessidade de unir,
como se deseja há tanto tempo, a competência técnica – (sem ser tecnicista) – ao compromisso polí-
tico (sem desenvolver ações político-partidárias no interior da escola). Afinal, como diz Vasconcellos
(2001, p. 71), “[...] o supervisor educacional é o intelectual orgânico que ajuda o grupo na tomada de
consciência do que está se vivendo, para além das estratégias de intransparências que estão a nos
alienar”.

Conceito de transformação social


Para Neto e Nagel (2007, p. 4), a expressão transformação social designa:
[...] o processo amplo, complexo e lento de mudanças que ocorrem, por inúmeras razões – mas principalmente
pelo surgimento de novas necessidades dos homens – de práticas, valores, princípios e características pertinentes
a determinado tipo de sociedade. Consideramos, por isso mesmo, a análise da transformação social extremamente
importante, pois as necessidades humanas, em constante transformação, precisam ser examinadas para uma
maior autoconsciência do que somos ou fazemos.

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Essa citação foi escolhida porque fala de um processo “amplo, complexo e


lento” – ou seja, não se está falando aqui de uma revolução, mas de uma evolução
progressiva, norteada por ideais democráticos. Assim, percebe-se que esses aspectos
não podem passar por fora da escola, pois esta precisa ser refeita como instituição,
melhorando suas relações com a comunidade e promovendo uma Educação
aprimorada para todas as crianças, jovens e adultos que dela participam.
Aliando o político e o crítico ao trabalho pedagógico, tendo consciência das
escolhas feitas na construção do Projeto Político Pedagógico e do currículo da escola,
são definidos compromissos com a manutenção ou com a transformação da socie-
dade. Todas as vezes que a sociedade enfrenta crises como a atual – de valores e de
violência sem controle –, a frase que mais se ouve é: “tudo começa com a Educação,
nela está a verdadeira solução”. No entanto, é necessário que a Educação responda a
esse desafio, e isso não irá acontecer por meio de estruturas conservadoras.
O conceito de cidadania é fundamental nessa discussão, assim como nos
discursos que apontam para a transformação social e vão de encontro ao próprio
conceito de Estado, visto por meio de seus três elementos constitutivos: população,
território e soberania.

Transformação social e Educação


Quando se trata desse tema, é oportuno recuperar o que foi dito por Jacques
Delors (1998), coordenador do Relatório para a Unesco da Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI, no livro Educação: um tesouro a descobrir.
Ele aponta como consequência essencial da sociedade do conhecimento a neces-
sidade de uma aprendizagem ao longo de toda a vida (lifelong learning), baseada
em quatro pilares do conhecimento e da formação continuada, que podem ser a
matéria-prima para a construção de uma Educação voltada para a transformação.
A seguir, encontram-se os quatro pilares descritos por Delors, apresentados
propositalmente como um quebra-cabeça: dessa forma, eles possuem um encaixe
perfeito, deixando em torno várias interfaces, para que outras peças componham
o mosaico.

Aprender a Aprender a
conhecer fazer

Aprender a Aprender a
conviver ser

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Gadotti (2000, p. 9-10) caracteriza esses pilares da seguinte maneira.


Aprender a conhecer – abrange o prazer de compreender, de descobrir,
de construir e de reconstruir o conhecimento, a curiosidade, a autonomia
e a atenção. Aprender a conhecer é mais que aprender a aprender. É
preciso aprender mais linguagens e metodologias que conteúdos, pois
estes envelhecem rapidamente. É preciso aprender a pensar, a pensar a
realidade e não apenas “pensar pensamentos”, pensar o já dito, o já feito,
reproduzir o pensamento. É preciso também pensar o novo, reinventar o
pensar, pensar e reinventar o futuro.
Aprender a fazer – esse pilar está diretamente associado ao anterior. A
modernidade acentuou o caráter cognitivo do fazer, levando-o a deixar
de ser puramente instrumental. Hoje, vale mais a competência pessoal,
que torna a pessoa capaz de enfrentar novas situações de emprego e
mais apta a trabalhar em equipe, do que a pura qualificação profissional.
Fundamental na formação do trabalhador, e também do trabalhador em
Educação, é saber trabalhar coletivamente, ter iniciativa, gostar do risco,
ter intuição, saber comunicar-se, saber resolver conflitos, ter estabilidade
emocional. Essas são qualidades humanas que se manifestam nas relações
interpessoais mantidas no trabalho. Como as profissões evoluem muito
rápido, não basta preparar-se profissionalmente para um trabalho.
Aprender a conviver – significa compreender o outro, desenvolver a
percepção da interdependência, da não violência, administrar conflitos,
participar e ter prazer em projetos comuns, na cooperação.
Aprender a ser – expressa o desenvolvimento integral da pessoa: a inteli-
gência, a sensibilidade, o sentido ético e estético, a responsabilidade pes-
soal, a espiritualidade, o pensamento autônomo e crítico, a imaginação,
a criatividade e a iniciativa – assim, a aprendizagem não pode ser apenas
lógico-matemática e linguística, precisa ser integral e envolver todas as
potencialidades do indivíduo.
Moacir Gadotti (2000, p. 10-11), ao tratar do assunto em um texto exemplar,
fundamenta-se em uma pedagogia da práxis e propõe certas categorias para se
pensar a Educação do futuro, voltada para a transformação social, como segue.
Cidadania – O que implica também tratar do tema da autonomia da escola, de seu Projeto
Político Pedagógico, da questão da participação, da educação para a cidadania. Dentro
dessa categoria, pode-se discutir particularmente o significado da concepção de escola
cidadã e de suas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativa tornou-se hoje projeto
e programa de muitas escolas e de sistemas educacionais.
Planetaridade – A Terra é um “novo paradigma” (Leonardo Boff). Que implicações
tem essa visão de mundo sobre a educação? O que seria uma ecopedagogia (Francisco
Gutiérrez) e uma ecoformação (Gaston Pineau)? O tema da cidadania planetária pode ser
discutido a partir dessa categoria. Podemos nos perguntar como Milton Nascimento: “para
que passaporte se fazemos parte de uma única nação?” Que consequências podemos tirar
para alunos, professores e currículos?
Sustentabilidade – O tema da sustentabilidade originou-se na economia (“desenvolvimento
sustentável”) e na ecologia, para se inserir definitivamente no campo da educação,
sintetizada no lema “uma educação sustentável para a sobrevivência do planeta”. O que

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seria uma cultura da sustentabilidade? Esse tema deverá dominar muitos debates educativos
das próximas décadas. O que estamos estudando nas escolas? Não construiremos uma
ciência e uma cultura que servem para a degradação/deterioração do planeta?
Virtualidade – Esse tema implica toda a discussão atual sobre a educação a distância e
o uso dos computadores nas escolas (internet). A informática, associada à telefonia, nos
inseriu definitivamente na era da informação. Quais as consequências para a educação,
para a escola, para a formação do professor e para a aprendizagem? Consequências da
obsolescência do conhecimento. Como fica a escola diante da pluralidade dos meios de
comunicação? Eles abrem os novos espaços da formação ou irão substituir a escola?
Globalização – O processo da globalização está mudando a política, a economia, a cultura,
a história e, portanto, também a educação. É um tema que deve ser enfocado sob vários
prismas. A globalização remete também ao poder local e às consequências locais da
nossa dívida externa global (e dívida interna também, a ela associada). O global e o local
se fundem numa nova realidade: o glocal. O estudo dessa categoria remete à necessária
discussão do papel dos municípios e do regime de colaboração entre União, estados,
municípios e comunidade, nas perspectivas atuais da Educação Básica. Para pensar a
educação do futuro, é necessário refletir sobre o processo de globalização da economia,
da cultura e das comunicações.
Transdisciplinaridade – Embora com significados distintos, certas categorias como
transculturalidade, transversalidade, multiculturalidade e outras como complexidade
e holismo também indicam uma nova tendência na educação que será preciso analisar.
Como construir interdisciplinarmente o Projeto Pedagógico da escola? Como relacionar
multiculturalidade e currículo? É necessário realizar o debate dos PCN. Como trabalhar
com os temas transversais? O desafio de uma educação sem discriminação étnica, cultural,
de gênero.
Dialogicidade, dialeticidade – Não se pode negar a atualidade de certas categorias freireanas
e marxistas, a validade de uma Pedagogia dialógica ou da práxis. Marx, em O capital,
privilegiou as categorias hegelianas determinação, contradição, necessidade e possibilidade.
A fenomenologia hegeliana continua inspirando nossa educação [...]. A educação popular e
a pedagogia da práxis deverão continuar como paradigmas válidos [...].

Paulo Freire foi um dos educadores que melhor analisou a transformação


social, em especial na obra Pedagogia do Oprimido. Segundo ele,
[...] a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos
distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão
comprometendo-se na práxis, com a transformação; o segundo, em que, transformada a
realidade opressora, essa Pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a Pedagogia
dos homens em processo permanente de libertação. (FREIRE, 1984, p.44)

O comprometimento com a transformação social é, portanto, premissa da


Educação Libertadora, e essa libertação não é apenas individual, mas coletiva,
social e política. Freire toma como ponto de partida uma realidade em que o homem
já não era sujeito de si próprio, ou como ele mesmo se referia, se “coisificava”,
anulando o sentido de sua vocação ontológica, ou seja, deixando de ser sujeito de
seu agir e de sua própria história (SILVA, 2007). Nessa realidade, ocorre o que o
autor chama de Educação bancária.

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Para que surja a Pedagogia do Oprimido, manifestada pela Educação liber-


tadora, são necessárias as seguintes características: colaboração, união, organiza-
ção e síntese cultural. Freire (1984) fala de cada uma delas, a seguir.
Colaboração – a ação dialógica só se dá coletivamente, entre sujeitos;
“[...] ainda que tenham níveis distintos de função, portanto de responsa-
bilidade, somente pode realizar-se na comunicação” (p. 197).
União – a classe popular deve estar unida e não dividida, pois isso signi-
fica “[...] a união solidária entre si; implica essa união, indiscutivelmente,
numa consciência de classe” (p. 205).
Organização – “[...] é o momento altamente pedagógico, em que a lide-
rança e o povo fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberda-
de verdadeiras que ambos, como um só corpo, buscam instaurar, com a
transformação da realidade que os mediatiza” (p. 211).
Síntese cultural – consiste na “[...] ação histórica, se apresenta como ins-
trumento de superação da própria cultura alienada e alienante”, assim
como “[...] faz da realidade objeto de sua análise crítica” (p. 214-215).

Indicativos de uma prática


supervisora voltada para a transformação
Na história, temos visto com frequência, infelizmente, que o possível se torna impossível
e podemos pressentir que as mais ricas possibilidades humanas permanecem ainda impos-
síveis de se realizar. Mas vimos também que o inesperado torna-se possível e se realiza;
vimos com frequência que o improvável se realiza mais do que o provável; saibamos,
então, esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável. (MORIN, 2001, p. 92)

Vitor Paro (1986), ao abordar a prática administrativa – o que pode ser


estendido à prática supervisora –, afirma que esta pode ser criadora ou reiterativa.
A prática criadora, calcada na invenção e na descoberta, utiliza as conquistas
anteriores para criar novas formas de coordenar o trabalho humano. Já a prática
reiterativa (ou reprodutivista) multiplica os procedimentos criados, apenas
ampliando seu alcance.
Ambas as formas coexistem no cotidiano do trabalho pedagógico, pois não
se pode inventar o tempo todo e não existe empecilho quanto à utilização de
métodos de trabalho comprovadamente eficazes. O problema ocorre quando a
reiteração degenera em uma prática burocratizada, que impede o desenvolvimento
do trabalho criador no momento em que surgem novos desafios. Assim, o autor
conclui, dizendo que:

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Nas sociedades de classe, em que o poder está confinado nas mãos de uma minoria, a
administração tem servido historicamente como instrumento nas mãos da classe domi-
nante para manter o status quo e perpetuar ou prolongar ao máximo seu domínio. O que
não significa que ela não possa vir a concorrer para a transformação social em favor dos
interesses das classes subalternas. (PARO, 1986, p. 32)

Retomando-se o esquema do quebra-cabeça, são apresentadas sugestões


de atuação do supervisor educacional, que apontam para a transformação social
(algumas delas baseiam-se na Resolução CNE/CP 1/2006).

Utilizar, de forma correta, instrumentos Estudar modos de ensinar diferentes


próprios para a construção de conheci- linguagens, de forma interdisciplinar e
mento pedagógico e científico. adequada às diferentes fases do desen-
Realizar pesquisas que proporcionem volvimento humano.
conhecimento sobre temas educacio- Aplicar criticamente as diretrizes curri-
nais, levando ao aprimoramento da culares e legais.
práxis pedagógica em geral e da super- Relacionar as linguagens dos meios de
visora, em especial. comunicação à educação, nos proces-
sos didático-pedagógicos, dominando
as tecnologias de informação e comu-
Aprender a Aprender a
conhecer fazer nicação adequadas ao desenvolvimento
de aprendizagens significativas.
Promover a continuada formação do-
cente.

Aprender a Aprender a
conviver ser

Promover relações de cooperação entre Atuar com ética e compromisso, visando


a escola, a família e a comunidade. à construção de uma sociedade justa,
Desenvolver o trabalho em equipe, es- equânime e igualitária.
tabelecendo diálogo entre a área edu- Reconhecer e respeitar as manifestações
cacional e as demais áreas do conheci- e necessidades físicas, cognitivas, emo-
mento. cionais e afetivas dos educandos nas
suas relações individuais e coletivas.
Contribuir para o desenvolvimento hu-
mano nas dimensões física, psicológi-
ca, intelectual e social.

Como conclusão, utilizam-se as palavras de Myrtes Alonso (2002, p. 175),


que propõe uma dimensão ampliada à ação supervisora, voltada para o cotidiano
escolar e afastada do tecnicismo e da burocracia que por tanto tempo a caracteri-
zaram, tendo como foco principal a transformação da sociedade.
A supervisão, assim concebida, vai muito além de um trabalho meramente técnico-
-pedagógico, como é entendido com frequência, uma vez que implica uma ação planejada
e organizada a partir de objetivos muito claros, assumidos por todo o pessoal escolar, com
vistas ao fortalecimento do grupo e ao seu posicionamento responsável frente ao trabalho
educativo. Nesse sentido, a supervisão deixa de ser apenas um recurso meramente técnico
para se tornar um fator político, passando a se preocupar com o sentido e os efeitos da ação
que desencadeia mais que com os resultados imediatos do trabalho escolar.

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1. A atividade desta aula tem como ponto de partida a leitura de uma crônica de Rubem Alves.

Perguntas de criança
(ALVES, 2007)

Há muita sabedoria pedagógica nos ditos populares. Como naquele que diz: “É fácil levar a
égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencer ela a beber a água...” [...]. Aplicado à educação:
“É fácil obrigar o aluno a ir à escola. O difícil é convencê-lo a aprender aquilo que ele não quer
aprender...”
Às vezes eu penso que o que as escolas fazem com as crianças é tentar forçá-las a beber a
água que elas não querem beber. Bruno Bettelheim, um dos maiores educadores do século passado,
dizia que na escola os professores tentaram ensinar-lhe coisas que eles queriam ensinar mas que
ele não queria aprender. Não aprendeu e, ainda por cima, ficou com raiva. Que as crianças querem
aprender, disso não tenho a menor dúvida. Vocês devem se lembrar do que escrevi, corrigindo a
afirmação com que Aristóteles começa a sua Metafísica: “Todos os homens, enquanto crianças,
têm, por natureza, desejo de conhecer...”
Mas, o que é que as crianças querem aprender? Pois, faz uns dias, recebi de uma professora,
Edith Chacon Theodoro, uma carta digna de uma educadora e, anexada a ela, uma lista de perguntas
que seus alunos haviam feito, espontaneamente. “Por que o mundo gira em torno dele e do sol?
Por que a vida é justa com poucos e tão injusta com muitos? Por que o céu é azul? Quem foi que
inventou o Português? Como foi que os homens e as mulheres chegaram a descobrir as letras e
as sílabas? Como a explosão do Big Bang foi originada? Será que existe inferno? Como pode ter
alguém que não goste de planta? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Um cego sabe o que
é uma cor? Se na Arca de Noé havia muitos animais selvagens, por que um não comeu o outro?
Para onde vou depois de morrer? Por que eu adoro música e instrumentos musicais se ninguém na
minha família toca nada? Por que sou nervoso? Por que há vento? Por que as pessoas boas morrem
mais cedo? Por que a chuva cai em gotas e não tudo de uma vez?”
José Pacheco é um educador português. Ele é o diretor da Escola da Ponte, localizada na
pequena cidade de Vila das Aves, ao norte de Portugal. É uma das escolas mais inteligentes que já
visitei. Ela é inteligente porque leva muito mais a sério as perguntas que as crianças fazem do que
as respostas que os programas querem fazê-las aprender. Pois ele me contou que, em tempos idos,
quando ainda trabalhava numa outra escola, provocou os alunos a que escrevessem numa folha de
papel as perguntas que despertavam a sua curiosidade e ficavam rolando dentro das suas cabeças,
sem resposta. O resultado foi parecido com o que transcrevi anteriormente. Entusiasmado com
a inteligência das crianças – pois é nas perguntas que a inteligência se revela – resolveu fazer
uma experiência parecida com os professores. Pediu-lhes que colocassem numa folha de papel
as perguntas que gostariam de fazer. O resultado foi surpreendente: os professores só fizeram
perguntas relativas aos conteúdos dos seus programas. [...]
O filósofo Ludwig Wittgenstein afirmou: “[...] os limites da minha linguagem denotam os
limites do meu mundo”. Minha versão popular: “[...] as perguntas que fazemos revelam o ribeirão
onde quero beber...” Leia de novo e vagarosamente as perguntas feitas pelos alunos. Você verá que
elas revelam uma sede imensa de conhecimento! Os mundos das crianças são imensos! Sua sede

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não se mata bebendo a água de um mesmo ribeirão! Querem águas de rios, de lagos, de lagoas,
de fontes, de minas, de chuva, de poças d’água... Já as perguntas dos professores revelam (perdão
pela palavra que vou usar! É só uma metáfora, para fazer ligação com o ditado popular!) éguas
que perderam a curiosidade, felizes com as águas do ribeirão conhecido... Ribeirões diferentes
as assustam, por medo de se afogarem... Perguntas falsas: os professores sabiam as respostas...
Assim, elas nada revelavam do espanto que se tem quando se olha para o mundo com atenção.
Eram apenas a repetição da mesma trilha batida que leva ao mesmo ribeirão...
Eu sempre me preocupei muito com aquilo que as escolas fazem com as crianças. Agora
estou me preocupando com aquilo que as escolas fazem com os professores. Os professores que
fizeram as perguntas já foram crianças; quando crianças, suas perguntas eram outras, seu mundo
era outro... Foi a instituição “escola” que lhes ensinou a maneira certa de beber água: cada um
no seu ribeirão... Mas as instituições são criações humanas. Podem ser mudadas. E, se forem
mudadas, os professores aprenderão o prazer de beber de águas de outros ribeirões e voltarão a
fazer as perguntas que faziam quando eram crianças.
(Disponível em: <www.ac.gov.br/nte/crianca.htm>. Acesso em: 29 mar. 2007.)

Reflita sobre o texto e sobre o que foi visto nesta aula, sobre a prática transformadora do super-
visor educacional. Depois, redija um pequeno texto sintetizando suas conclusões.

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