Resumo CM 10 Etapa

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CLÍNICA MÉDICA

10ª ETAPA
Temas:
- Ascite
- Sepse
- DM e complicações
- Tireoidopatias
- Doenças da adrenal
- Hiperprolactinemia
- Síndrome de Sheehan
- Delirium
- Endocardite infecciosa
- Osteoporose
- Síndrome metabólica
- HAS e emergências hipertensivas
- Dislipidemia
- Litíase renal
- Doença renal crônica
- Fibrilação atrial
- Doença arterial coronariana
- Valvopatias
- IC crônica e aguda
- AVC isquêmico e hemorrágico
- Epilepsia
- Transtornos do sono
- Cefaleia
- Leptospirose
- Influenza/SARS
- Malária
- Febre maculosa
- Paracoccidioidomicose
- Bronquiectasia
- Nódulos pulmonares
- Pneumoconioses
- Asma
- DPOC
- Insuficiência respiratória
- SARA
- Cuidados paliativos
- Comunicação de más notícias
- Dor crônica
Eduardo Vaz de Oliveira
2020/1
ASCITE
Caracteriza-se como o acúmulo patológico de líquido na cavidade peritoneal, podendo ser consequência de
diversas causas, no entanto, a cirrose hepática é responsável por 85% das ascites, sendo que esta associação
resulta em taxas de mortalidade de 15% em 1 ano e 44% em 5 anos. Outras causas possíveis são neoplasias
malignas, insuficiência cardíaca e tuberculose.
Os fatores de risco para doença hepática são consumo de álcool > 80 gramas/dia em homens e > 20
gramas/dia em mulheres, ou situações de risco para contaminação por vírus da hepatite, como uso de drogas
injetáveis e práticas sexuais de risco. Em relação às outras causas, avalia-se antecedente de tuberculose,
realização de diálise, LES, achados sugestivos de doença cardíaca, como estase jugular, edema periférico e B3, e
achados sugestivos de doença neoplásica, como nódulos supraclaviculares.
A presença de hipertensão portal (> 12 mmHg) em pacientes cirróticos é uma condição essencial para o
aparecimento da ascite, sendo que sua reversão pode resultar no desaparecimento da ascite. A partir da
hipertensão portal, ocorrem mudanças importantes na circulação esplâncnica, como abertura de colaterais
portossistêmicos que servem de shunts e aumento da circulação de mediadores inflamatórios, secundários a
um supercrescimento bacteriano intraluminal, aumento da permeabilidade capilar e translocação bacteriana. A
presença de shunts portossistêmicos associados a diminuição da capacidade hepática de metabolização destes
mediadores leva a um processo de vasodilatação esplâncnica com consequente surgimento de circulação
hiperdinâmica, típica destes pacientes, com aumento do DC, diminuição da RVP e da PA, o que, resulta em
diminuição do volume circulante efetivo, com consequente ativação de barorreceptores e sistemas vasoativos,
como norepinefrina, endotelina, prostaglandinas e ativação do SRAA, que diminuirão a perfusão renal, levarão
a uma retenção hídrica, tendo com resultado final o surgimento da síndrome hepatorrenal e ascite.

Classicamente, 2 teorias foram criadas para explicar o aparecimento de ascite nestes pacientes, denominadas
de teoria do underfilling, tendo como evento primário a hipertensão portal, e overflow, tendo como evento
primário a retenção de sódio e água, entretanto, atualmente, o mecanismo fisiopatológico mais aceito é a
combinação de ambas associadas à vasodilatação generalizada.
A principal queixa está relacionada ao aumento do volume abdominal. Inicialmente, deve-se descartar outras
causas, como distensão gasosa das alças intestinais ou massas intra-abdominais. Na maioria das vezes,
apresenta-se indolor, exceto em caso de inflamação associada ou grande volume. Pode ocorrer desconforto
respiratório e dispneia, assim como saciedade precoce, edema periférico, febre ou confusão mental caso
associação com peritonite bacteriana espontânea (PBE).
O exame físico tem capacidade de detectar volumes a partir de 1.500 mL, sendo que a manobra mais sensível
para detecção é a macicez móvel, enquanto que, exames de imagem, como ultrassonografia e TC, pode
diagnosticar ascites a partir de 100 mL de volume.
Classifica-se em grau 1 quando possuir pequeno volume, diagnosticada apenas em exame de imagem, grau
2 quando houver distensão discreta do abdome, e grau 3 quando houver importante distensão abdominal.
O exame fundamental para todos os pacientes com ascite de
etiologia indefinida é paracentese diagnóstica com envio do líquido
para análise clínica, sendo a punção realizada na fossa ilíaca
esquerda, no 1/3 distal da linha que liga o umbigo à crista ilíaca
anterossuperior, realizando a técnica do trajeto ‘Z’, a fim de evitar
vazamento após punção. Evita-se a punção próximo a cicatrizes
cirúrgicas abdominais para se evitar perfuração de alças intestinais
aderidas à cicatriz. A presença de coagulação intravascular
disseminada (CIVD) é considerada contraindicação absoluta.
Verifica-se primordialmente a contagem total de células e seu
diferencial, visto que contagens > 250 polimorfonucleares indicam
diagnóstico de PBE, e concentração de albumina, objetivando o
cálculo do GASA (gradiente albumina sérica - albumina do líquido
ascítico), sendo que valores > 1,1 grama/dL indica causas secundárias a hipertensão portal, como cirrose,
hepatite alcoólica, cirrose cardíaca ou insuficiência hepática fulminante, enquanto que valores < 1.1 grama/dL
indica causas na ausência de hipertensão portal, como carcinomatose peritoneal, TB peritoneal, ascite
pancreática, obstrução ou infarto intestinal. Outros testes realizados em ascites com GASA aumentado são LDH,
glicose e fosfatase alcalina, enquanto que em casos com GASA diminuído pode ser solicitado amilase, servindo
como diagnóstico diferencial para perfuração intestinal com peritonite secundária quando amilase do líquido
ascítico/sérico > 0,4 ou ascite pancreática quando relação > 6, bilirrubina, sugestiva de perfuração biliar quando
presente, adenosina deaminase (ADA), sugestivo de TB peritoneal quando valores > 40 U/L. A citologia oncótica
será positiva em quase 100% dos casos de carcinomatose peritoneal, entretanto a laparoscopia com biópsia é o
método de escolha para o diagnóstico de TB peritoneal e carcinomatose peritoneal.
Os casos de TB peritoneal cursam com dor abdominal, febre, astenia, anorexia, anemia e ascite,
correspondendo ao sinal clínico mais comum, apresentando como característica do líquido um predomínio
linfocítico, entre 500 a 2.000 células/mm3. O diagnóstico microscópico por BAAR, devido à natureza paucibacilar
da TB peritoneal, tem sensibilidade inferior a 10%, sendo o diagnóstico suspeitado pela dosagem do ADA > 40
U/L e confirmado pela biópsia cirúrgica. O tratamento é semelhante ao da TB em outros sítios, com duração de
6 a 9 meses.
A peritonite associada a diálise peritoneal ocorre em até 45% dos pacientes nos primeiros 6 meses do início
da terapia, geralmente associada a microrganismos Gram-positivos, como S. epidermidis e S. aureus,
apresentando dor abdominal, febre, náuseas e vômitos e dialisado turvo. A contagem de células mostra > 100
células/mm3 com > 50% de neutrófilos. O tratamento é feito com cefazolina ou vancomicina se alta taxa de
resistência por 10 a 21 dias.
A ascite associada a malignidade geralmente apresenta > 500 células/mm3 com predomínio
linfomononuclear, conteúdo de proteínas totais do líquido ascítico > 2,5 gramas/dL e LDH ascítico aumentado.
O diagnóstico é sugerido pela citologia do líquido ascítico e confirmado pela biópsia cirúrgica.
A ascite quilosa é relativamente rara, definida por triglicérides > 200 mg/dL, sendo associada principalmente
a linfomas. A ascite hemorrágica é definida por uma contagem de hemácias > 50.000/mm3, ocorrendo em casos
de neoplasias malignas, cirrose, cisto ovariano roto, parasitoses e trauma. A ascite pancreática apresenta uma
amilase > 1.000 e amilase do líquido ascítico/sérica > 6. A ascite na IC apresenta concentração de proteínas do
líquido ascítico > 2,5 gramas/dL, assim como aumento do peptídeo natriurético cerebral (BNP).
Em pacientes como ascite por cirrose hepática, recomenda-se a interrupção imediata do consumo de álcool,
dieta hipossódica < 2 gramas/dia, repouso apenas se refratariedade, espironolactona (100 a 400 mg)
inicialmente, objetivando uma perda de 0,5 a 1 litro/dia, com a possibilidade de acréscimo de furosemida (40 a
160 mg). A refratariedade é considerada quando não houver resposta aos diuréticos, indicando-se a
descompressão portal com TIPS, apesar do risco de evolução para encefalopatia hepática, ou transplante
hepático, considerado tratamento definitivo. A paracentese de alívio está indicada em paciente com
desconforto significativo, sendo indicada a reposição de albumina quando houver retirada > 5 litros (8-10 grama
de albumina por litro retirado, incluindo os 5 litros iniciais).

Os pacientes com ascite por cirrose hepática com PBE ou síndrome hepatorrenal têm indicação de internação
hospitalar, enquanto que pacientes com choque ou rebaixamento do nível de consciência têm indicação de
internação em UTI.
PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA (PBE)
Define-se como infecção do líquido ascítico na ausência de foco intra-abdominal de infecção, apresentando
> 250 células polimorfonucleares/mm3, sendo um evento comum em cirróticos. Os principais fatores de risco
para desenvolver PBE são cirrose com Child C, PBE prévia, proteínas totais do líquido ascítico < 1 grama/dL,
sangramento gastrintestinal agudo, infecção urinaria e procedimentos invasivos, como sondas e cateteres.
Um dos primeiros eventos deflagradores é a alteração da flora intestinal, provavelmente causada pela
composição alterada do ácido biliar. Consequentemente, ocorre aumento na abundância relativa de bactérias
potencialmente patogênicas e sua translocação, atingindo linfonodos mesentéricos e, posteriormente à
circulação, produzindo bacteremias frequentes, possibilitando o acesso das bactérias ao líquido ascítico. Caso
as defesas locais não sejam suficientes, como deficiência de complemento sérico, deficiência de opsoninas,
diminuição da função de macrófagos e baixa concentração proteica no líquido ascítico, a PBE se desenvolve.
Assim, os pacientes de alto risco são aqueles com GASA > 1,1 grama/dL, o que define ascite por hipertensão
portal, além de pacientes com síndrome nefrótica, apesar do GASA < 1,1 grama/dL.
Os agentes etiológicos mais frequentes são bactérias aeróbias Gram-negativas, como Escherichia coli,
Klebsiella pneumoniae e Streptococcus pneumoniae.
Dor abdominal e febre são os sintomas mais frequentes, entretanto, as manifestações muitas vezes são de
piora da função renal ou hepática, como encefalopatia, sangramento digestivo e insuficiência renal aguda.
O diagnóstico é dependente da punção de líquido ascítico, sendo definida pela citologia do líquido ascítico
revelando a presença de > 250 polimorfonucleares/mm3 e pela presença de cultura positiva monomicrobiana,
entretanto, para iniciar o tratamento empírico não é necessária a presença de cultura positiva.
A bacteascite não neutrocítica monobacteriana é outra forma de manifestação, caracterizada pela presença
de um microrganismo no líquido ascítico, mas com < 250 neutrófilos/mm3, o que pode significar um processo
de colonização sem caracterizar infecção propriamente dita. Em geral, pacientes que apresentam sintomas na
apresentação são aqueles que evoluem com PBE, assim, indica-se tratamento, enquanto que, caso o paciente
não apresentar sintomatologia, repete-se a punção em 48 horas, indicando-se o tratamento quando houver
aumento da celularidade e/ou persistência da bactéria apesar de não haver aumento de neutrófilos.
O principal diagnóstico diferencial é o de peritonite bacteriana secundária (PBS), que pode ser dividida em 2
grupos, o primeiro quando a causa da PBS é a perfuração de vísceras e o segundo é a presença de abcesso
loculado na ausência da perfuração de vísceras. A PBS é caracterizada pela presença de milhares de
polimorfonucleares e cultura polimicrobiana associada a presença de pelo menos 2 desses critérios: glicose < 50
mg/dL, proteínas totais > 1 grama/dL e DHL > limite superior da normalidade do sérico. A dosagem de antígeno
carcinoembrionário (CEA) no líquido ascítico > 5 ng/mL e de fosfatase alcalina ascítica > 240 U/L são sugestivos
de PBS. Na suspeita de PBS, indica-se cobertura para anaeróbios com metronidazol, além da antibioticoterapia
usual para PBE, associado a solicitação de exames de imagem, como TC.
O tratamento é feito com ceftriaxona dose única diária de 2 gramas ou 1 grama a cada 12 horas por 5 dias.
Considera-se tratamento por via oral quando ausência de vômitos, choque, encefalopatia hepática e creatinina
< 3 mg/dL. A reposição de albumina é considerada conduta obrigatória, especialmente em pacientes com
creatinina de entrada > 1 mg/dL, bilirrubina total ≥ 4 mg/dL e tempo de protrombina < 60%.
Pacientes cirróticos que fazem uso de inibidores de bomba de prótons apresentam risco aumentado de PBE,
portanto, se possível, essas medicações devem ser evitadas.
Pacientes que apresentam episódios prévios de PBE têm indicação de profilaxia com norfloxacina 400 mg 1x
ao dia até a realização do transplante hepático, enquanto que pacientes cirróticos com hemorragia digestiva
têm indicação de profilaxia de PBE por 7 dias com norfloxacina 400 mg 2x ao dia VO.
SEPSE
Caracteriza-se por uma disfunção orgânica ameaçadora a vida secundária a resposta desregulada do
organismo a infecção, diagnosticada pelo escore SOFA, o qual avalia FiO2/PaO2, plaquetas, bilirrubina,
creatinina/débito urinário, Glascow e presença de hipotensão (PAS < 90 mmHg, PAM < 65 mmHg ou queda > 40
mmHg). O qSOFA é utilizado como preditor de mortalidade, utilizando parâmetros como FR ≥ 22 irpm, PAS <
100 mmHg e alteração do nível de consciência.
O choque séptico – componente distributivo, hipovolêmico e cardiogênico – é definido pela necessidade da
administração de vasopressor para manter PAM > 65 mmHg após infusão adequada de fluidos, associado (ou
não? ‘ILAS’) a níveis séricos elevados de lactato.
A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) é utilizada para triagem de sepse, positiva quando ≥ 2,
entretanto não entra como critério diagnóstico. Utiliza-se parâmetros como temperatura > 38°C ou < 36°C, FC >
90 bpm, FR > 20 irpm, leucócitos > 12.000 ou < 4.000, ou > 10% de formas jovens.

• Manejo
o Pacote de 1 hora: - Determinação do lactato sério, objetivando obter o resultado em 30 minutos
- Coleta de 2 culturas de sítios distintos em até 1 hora previamente à
antibioticoterapia
- Antibioticoterapia EV, associado ao controle da fonte de infecção e remoção de
dispositivos invasivos potencialmente contaminados
- Ressuscitação volêmica com 30 mL/kg de cristaloides em hipotensão mensurada,
sendo realizada com cautela, visto que a hiperidratação é deletéria
- Drogas vasoativas, sendo a 1ª escolha noradrenalina, associada ou não à
vasopressina, a qual garante uso de doses menores de noradrenalina

o Outras recomendações: - Corticoides em pacientes com choque séptico refratário, com 200 mg/dia
de hidrocortisona
- VM se necessário, com baixos volumes correntes (6 mL/kg de peso ideal),
pressão de platô < 30 cmH2O e PaO2 entre 70-90 mmHg
- Bicarbonato avaliado em casos de pH < 7,15
- Administra-se nitroglicerina ou nitroprussiato, se hipertensão
- Controle glicêmico com meta < 180 mg/dL
- Transfusão sanguínea se Hb < 7
DIABETES MELLITUS
Consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, com prevalência de 8,8%
da população mundial entre 20 e 79 anos, classificada em:
• DM tipo 1: doença autoimune, poligênica, decorrente da destruição de células β-pancreáticas,
ocasionando deficiência completa na produção de insulina. É mais frequentemente diagnosticada em
crianças e adolescentes, tipicamente com IMC normal, entretanto, pode ser diagnosticado em adultos,
os quais desenvolvem a forma lentamente progressiva, denominada LADA, diagnosticada em indivíduos
entre 25 e 65 anos, com autoanticorpos positivos, na ausência de cetoacidose ou hiperglicemia
acentuada sintomática no diagnóstico, sem a necessidade de insulinoterapia por pelo menos 6 a 12
meses. A incidência de DM tipo 1 está aumentando, principalmente entre crianças < 5 anos. Subdivide-
se em:
o DM tipo 1A, correspondendo a forma mais frequente, confirmada pela positividade de um ou
mais autoanticorpos, como anticorpo anti-ilhota (ICA), autoanticorpo anti-insulina (IAA),
anticorpo antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65), o qual pode persistir por até 10
anos ou mais após diagnóstico, anticorpo antitirosina-fosfatase IA-2 e IA-2B, e anticorpo
antitransportador de zinco (Znt8), os quais precedem a hiperglicemia durante um estágio pré-
diabético por meses a anos, envolvendo, além da predisposição genética, fatores ambientais,
como infecções virais, componentes dietéticos e certas composições da microbiota intestinal. A
fase clínica geralmente apresenta início abrupto, apresentando cetoacidose metabólica como
primeira manifestação em 1/3 dos casos. A hiperglicemia permanente se instala quando > 90%
das ilhotas são destruídas.
o DM tipo 1B, ou idiopático, é caracterizado pela ausência de autoanticorpos na circulação.
• DM tipo 2: corresponde a 90-95% de todos os casos de DM, geralmente acometendo indivíduos a partir
da 4ª década de vida. Trata-se de uma doença poligênica, com forte herança familiar, cuja ocorrência
tem contribuição significativa de fatores ambientais. O desenvolvimento e perpetuação da
hiperglicemia ocorrem concomitantemente com hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos
à ação da insulina, aumento da produção hepática de glicose, disfunção incretínica, aumento de lipólise,
deficiência na síntese e secreção de insulina pela célula beta-pancreática e aumento da reabsorção renal
de glicose. Não apresenta indicadores específicos da doença e, com menor frequência apresentam
sintomas clássicos de hiperglicemia, como poliúria, polidipsia, polifagia e perda ponderal, entretanto,
associa-se a sintomas inespecíficos, como vulvovaginite de repetição e disfunção erétil. Os principais
fatores de riscos são AF da doença, obesidade, sobretudo aquela com distribuição abdominal,
sedentarismo, AP de pré-diabetes ou DMG, e presença de componentes da síndrome metabólica. A
síndrome hiperosmolar hiperglicêmica é a complicação aguda clássica do DM2, entretanto, a
cetoacidose surge principalmente quando associado a estresse, como na infecção grave.
• DM tipo 3 ou DMG, possuindo como diagnóstico a glicemia de jejum no 1º trimestre > 92 mg/dL ou, em
casos que que apresentem glicemia de jejum entre 92 e 126 mg/dL, TOTG entre 24ª e 28ª semana, com
valores de normalidade o jejum < 92 mg/dL, na 1ª hora < 180 mg/dL e na 2ª hora < 153 mg/dL.
• DM tipo 4, como MODY, definido por diabetes familiar com idade precoce no diagnóstico e presença de
três gerações da mesma linhagem afetadas, principalmente com os subtipos 2 e 3, o qual apresenta
quadro clínico mais marcante e progressivo, diagnóstico na idade pós-puberal, sendo sensível à ação
das sulfoniureias. Além disso, existem quadros secundários a endocrinopatias, doenças do pâncreas
exócrino, infecções e medicamentos, como diuréticos tiazídicos, corticoides, β-bloqueadores e
antipsicóticos atípicos, principalmente olanzapina e clozapina.
O diagnóstico é feito por testes laboratoriais, sendo:
Glicose Glicose ao
Diagnóstico GTT Hb1Ac
em jejum acaso
Normoglicemia < 100 < 140 - < 5,7%
≥ 100 e < ≥ 140 e
Pré-diabetes - ≥ 5,7 e 6,5
126 < 200
DM; exames feitos em ≥ 200 com
≥ 126 ≥ 200 ≥ 6,5%
2 ocasiões distintas sintomas *

A hemoglobina glicada é considerada o exame padrão-ouro para avaliar o controle metabólico do paciente,
visto que reflete a média das glicemias durante os últimos 2 a 3 meses, possuindo como meta o valor < 7%,
assim como valores de glicemia de jejum < 100 mg/dL e glicemia pós-prandial < 160 mg/dL. É fato que indivíduos
com diabetes mal controlado ou não tratado desenvolvem mais complicações do que aqueles com o diabetes
bem controlado. Além da meta glicêmica, outras metas que devem ser atingidas são: PA < 130 x 80 mmHg, LDL
< 100 mg/dL e IMC < 27.
O paciente com DM1 deve ser orientado a realizar a pesquisa de corpos cetônicos sempre que houver uma
alteração importante em seu estado de saúde, como infecções, glicemias > 240 a 300 mg/dL ou sintomas
suspeitos de CAD, como náuseas, vômitos e dor abdominal.
A glicemia elevada corresponde ao terceiro fator, em importância, de causa de mortalidade prematura,
superada pela hipertensão arterial e tabagismo, sendo as doenças cardiovasculares as principais causas de óbito
entre os portadores de diabetes.
Frequentemente o DM encontra-se associado a outras morbidades, sendo que aparece de forma isolada
apenas em 18,1% dos indivíduos. Existem evidências em relação a forte associação entre DM e tuberculose, uma
vez que esta pode induzir intolerância à glicose em indivíduos hígidos e, nos portadores de diabetes, piorar o
controle glicêmico.
Vários estudos sugerem um importante papel do meio ambiente nos períodos iniciais da vida, evidenciando
uma relação na forma de U, em que o risco de desenvolver DM2 é maior nos nascidos com baixo peso como nos
com peso elevado (> 4 kg).
Na prevenção primária, busca-se proteger o indivíduo de desenvolver o diabetes, com medidas como
estímulo ao aleitamento materno e contraindicação à introdução do leite de vaca nos primeiros 3 meses de vida.
O termo ‘pré-diabetes’ é considerado quando o paciente apresenta glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dL,
TOTG entre 140 e 200 mg/dL ou HbA1c entre 5,7 e 6,5%, sendo então considerada uma condição de alto risco
para o desenvolvimento de DM2, havendo a necessidade da instituição de medidas de prevenção ou retardo da
instalação do quadro patológico, como modificar múltiplas anormalidades metabólicas, exemplificando
obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia, atingir e manter 7% de perda de peso e manter períodos de
atividade física de 150 minutos/semana. Além disso, os agentes farmacológicos tem diminuído a incidência de
diabetes em indivíduos com pré-diabetes, associados a medidas não-farmacológicas, já citadas, especialmente
com a metformina, com indicação para pacientes muito obesos com IMC > 35 ou para aqueles nos quais a Hb1Ac
apresenta elevação apesar das mudanças do estilo de vida.
A resistência insulínica é encontrada em 85 a 90% dos casos de DM2, se manifestando com produção
hepática excessiva de glicose durante o estado basal, captação deficiente de glicose na musculatura e lipólise
exagerada com grande liberação de ácidos graxos livres. Enquanto as células β são capazes de aumentar a
secreção de insulina o suficiente para compensar a resistência insulínica, a tolerância à glicose permanece
normal, no entanto, com o passar do tempo, as células β começam falhar, inicialmente elevando apenas a
glicemia pós-prandial. A hiperglicemia prolongada leva ao agravamento da resistência insulínica e do defeito
secretório das células beta, denominado glicotoxicidade, assim como pela lipotoxicidade decorrente ao
aumento dos ácidos graxos livres circulantes, o que também culmina na dislipidemia diabética, devido ao grande
aporte ao fígado, com hipertrigliceridemia e HDL baixo.
O tratamento inicial do DM2 consiste nas modificações no estilo de vida (MEV) e no uso de metformina. Um
segundo medicamento deve ser iniciado se a HbA1c, após 3ª 6 meses, persistir > 7%. A terapia oral combinada
pode ser iniciada, juntamente com a MEV, em pacientes com HbA1c ≥ 8%. Diante da falha da terapia combinada,
adiciona-se um terceiro fármaco oral, entretanto, caso não atinjam as metas desejadas, indica-se a
insulinoterapia. Finalmente, recomenda-se insulina basal, juntamente com a MEV e metformina, como terapia
inicial em pacientes muito sintomáticos com glicemia de jejum > 300 a 350 mg/dL e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%.
Atualmente a terapia combinada mais recomendada é a metformina + inibidor da DPP-4, enquanto que a terapia
tríplice mais comum é metformina + inibidor da DPP-4 + gliflozina (ou sulfonilureia).
Os agentes antidiabéticos são:
1) Biguanidas – metformina (Glifage  e Glifage XR ): atua inibindo a gliconeogênese, responsável por
75% de sua ação anti-hiperglicêmica, e melhorando a sensibilidade periférica à insulina. Orienta-se a
administração com alimentos, não excedendo doses > 2 gramas/dia. Além de reduzir a glicemia,
também diminui a insulinemia e o peso corporal, praticamente sem causar hipoglicemia, assim como
melhora o perfil lipídico, com redução de triglicérides e LDL. Os sintomas gastrointestinais são comuns
como efeitos colaterais, tendo a frequência reduzida com o Glifage XR, assim como a ocorrência de
acidose láctica e redução da absorção de vitamina B12 no íleo distal. Seu uso é permitido em indivíduos
com TFG de até 30 mL/minuto, com redução da dose a partir de 45 mL/minuto.
2) Sulfonilureiais – glibenclamida, gliclazida (Diamicron MR ) e glimepirida: agem primariamente via
estímulo da secreção pancreática de insulina e, secundariamente, reduzindo o débito hepático e
aumentando a utilização periférica de glicose. Portanto, requer células beta funcionantes, apresentando
eficácia decrescente com a evolução da doença, devido a falência pancreática. A hipoglicemia é o
principal efeito colateral das sulfonilureias, principalmente com glibenclamida, além disso, apresenta os
pacientes apresentam ganho de peso, devido ao aumento da insulinemia.
3) Glitazonas – pioglitazona: atuam nos receptores PPAR-γ, expressos no tecido adiposo, com aumento de
lipogênese e incremento da massa de tecido gorduroso subcutâneo, apresentando ganho de peso.
Apresenta relação com o aumento do risco para desenvolvimento para insuficiência cardíaca congestiva.
4) Inibidores da dipeptidil peptidase-4 ou gliptinas – linagliptina (Trayenta ): atuam como inibidores
competitivos reversíveis da DPP-4, enzima que rapidamente degrada as incretinas. Apresenta nítida
vantagem de causar menos hipoglicemia e de ter efeito neutro sobre o peso. Recomenda-se cautela em
pacientes com história de pancreatite aguda.
5) Glinidas – repaglinida, com início de ação após 10 minutos e duração total de 3 a 5 horas, e naterglinida,
com início de ação após 4 minutos e duração total de 2 horas: aumentam a secreção de insulina,
entretanto, são rapidamente absorvidas e eliminadas, possuindo maior eficácia sobre a glicemia pós-
prandial.
6) Inibidores da alfa-glicosidase – acarbose: é pouco absorvida, atuando no intestino delgado, retardando
a digestão e absorção dos carboidratos complexos, postergando a passagem de glicose para o sangue,
sendo mais eficiente em reduzir a glicemia pós-prandial. Apresenta modesto efeito redutor da glicemia
e HbA1c, associado a efeitos gastrointestinais indesejados, como dor abdominal, diarreia e flatulência.
7) Inibidores do cotransportador 2 de sódio e glicose ou gliflozinas – dapaglifozina (Forxiga ):
promovem redução glicêmica de forma independente da insulina, por bloqueio da reabsorção renal de
glicose no túbulo proximal, associado a modesta redução de peso e, pelo efeito diurético, redução da
pressão arterial. A reação adversa mais comum é a infecção fúngica dos sistemas urinário e genital,
relacionados ao aumento da glicosúria, favorecendo o crescimento dos microrganismos. Também
podem aumentar o risco de hipotensão pelo efeito de depleção de volume, principalmente em idosos,
o que acarreta maior risco de quedas. Não devem ser usadas quando TFG < 45 mL/minuto.
8) Análogos do GLP-1 ou incretinomiméticos – liraglutida (Victoza ): são considerados fármacos de 2ª
linha para o tratamento do DM2, iniciando-se com dose de 0,6 mg/dia, com possibilidade de elevação
da dose para 1,2 mg/dia ou até 1,8 mg/dia. Possui efeitos cardiovasculares benéficos, sendo utilizado
também para o tratamento da obesidade. Os sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos e
diarreia, e reações no local das aplicações são os principais efeitos colaterais. Recomenda-se evitar a
terapia com esta medicação em indivíduos com história ou suspeita clínica de pancreatite.
9) Insulina:

Ação Insulina Início Pico Duração Observações

Lispro Compartilham as mesmas indicações da IR,


entretanto, podem ser aplicadas um pouco
5 a 15 0,5 a 1,5 4a6 antes ou logo depois das refeições. Propiciam
Ultrarrápida Aspart
minutos hora horas melhor controle da glicemia pós-prandial e
causam menos hipoglicemias. Iniciar com 5UI
Glulisina (‘ML’), 4 UI ou 0,1 UI/kg.
Indicada para controle da glicemia pós-
0,5 a 1 2a3 5a8 prandial, correção de episódios
Rápida Regular
hora horas horas hiperglicêmicos e tratamento da CAD. Requer
administração 30 minutos antes da refeição.
2a4 4 a 10 10 a 16 Requer 2 aplicações diárias. Iniciar com 10 UI
Intermediária NPH
horas horas horas ou 0,1-0,2 UI/kg SC, ajustando a cada 3 dias
Iniciar com 10 UI ou 0,3-0,4 UI/kg (‘ML’) SC.
2a4 20 a 24
Glargina - Menor hipoglicemia noturna quando
horas horas
comparada com NPH.
Longa Requer 2 aplicações diárias. Apresenta baixo
4a6 16 a 24 custo, induz menor ganho de peso e menor
Detemir -
horas horas risco de hipoglicemia noturna, quando
comparada com NPH.
30 a 90 Até 42 Menos hipoglicemia noturna quando
Ultralonga Degludeca -
minutos horas comparada à Glargina.

• O esquema mais utilizado no Brasil é a associação de insulina de ação intermediária (NPH) e


a de ação rápida (Regular) ou ultrarrápida, sendo que a dose é dividida entre 70% pela
manhã, com 70% de NPH e 30% de insulina rápida ou ultrarrápida, e 30% à noite, com 50%
de NPH e 50% de insulina rápida ou ultrarrápida. As doses de NPH noturna e diurna são
reajustadas pelos valores glicêmicos obtidos antes do café da manhã e do jantar,
respectivamente, e as doses de insulina de ação rápida ou ultrarrápida são alteradas
conforme as glicemias de 2 horas pós-café da manhã e 2 horas pós-jantar.
• Os efeitos colaterais são: hipoglicemia, ganho de peso, reações alérgicas, como reação no
local da injeção, com eritema, endurecimento, prurido ou sensação de ardor, entretanto,
com o advento das insulinas humanas, reações alérgicas têm sido observadas em < 1% dos
casos, lipo-hipertrofia, lipoatrofia, o que corresponde a um fenômeno imunológico,
implicando menor absorção da insulina, podendo causar dificuldades na obtenção de um
bom controle glicêmico, e agravamento temporário da retinopatia e neuropatia quando um
controle glicêmico precário é rapidamente corrigido.
• A dose diária de insulina no DM1 recém-diagnosticada varia entre 0,5 a 1 UI/kg,
apresentando tendência de aumento para 1,2 a 1,5 UI/kg durante a puberdade ou períodos
de estresse físico ou emocional.
• O efeito Somogyi é caracterizado pela hiperglicemia de rebote, consequente à liberação de
hormônios contrarreguladores, como catecolaminas, glucagon, cortisol e GH, em resposta à
hipoglicemia no meio da madrugada. Deve ser cogitado em pacientes que, apesar da
hiperglicemia matinal, clinicamente estão bem, ganhando peso, sem sintomas de
descompensação, ou, ainda, naqueles queixando-se de distúrbios do sono ou cefaleia ao
acordar. O tratamento consiste em diminuir a dose da insulina NPH ou lenta aplicada à noite
e/ou fornecer mais alimentos na hora de deitar.
• O fenômeno do alvorecer é caracterizado pela redução da sensibilidade tissular à insulina,
entre 5 e 8 horas, desencadeado pelos picos de hormônio de crescimento, liberado horas
antes, no início do sono. Tentativas de corrigir essa hiperglicemia com o aumento da dose
da NPH noturna frequentemente resultam em um pico de insulina que não coincide com a
hiperglicemia do alvorecer, provocando, paradoxalmente, hipoglicemia entre 3 e 5 horas da
manhã, piorando ainda mais o controle glicêmico. A aplicação da NPH ao deitar, em alguns
pacientes, atenuado ou resolvido o problema.
As complicações agudas do DM incluem a cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperglicêmico hiperosmolar
(EHH). O EHH é consequente a um déficit relativo de insulina, com consequência hiperglicemia significativa,
desidratação e hiperosmolaridade, quase que exclusivo do DM2, com predominância nos idosos, por outro lado,
na CAD, a deficiência de insulina é mais intensa, ocorrendo a produção de corpos cetônicos e acidose metabólica,
sendo observada como manifestação inicial do DM1 ou, com frequência menor, associada a situações de
estresse intenso, como infecções, IAM e AVC no DM2. A taxa de mortalidade da CAD vem caindo nas últimas
décadas, enquanto que no EHH, a taxa de mortalidade permanece significativamente maior, provavelmente por
acometer pessoas mais idosas com comorbidades.
Os dois principais fatores precipitantes são infecções, como pneumonia e ITU, e uso inadequado de insulina.
Além disso, fármacos também podem desencadear CAD ou EHH por interferirem na ação e/ou na secreção de
insulina, como exemplo, tiazídicos, glicocorticoides e antipsicóticos atípicos.
Os defeitos subjacentes na CAD e no EHH são (1) deficiência absoluta ou relativa de insulina, (2) níveis
elevados de hormônios contrarreguladores, o que resulta em aumento da produção hepática de glicose e
diminuição da utilização de glicose nos tecidos periféricos, e (3) desidratação e anormalidades eletrolíticas.
A CAD é caracterizada pela presença da tríade hiperglicemia, devido ao aumento da gliconeogênese,
glicogenólise aumentada e menor utilização periférica da glicose, cetonemia, decorrente a combinação de
insulinopenia e excesso de catecolaminas, o que propicia ao aumento do catabolismo do tecido adiposo com
produção excessiva de ácidos graxos livres e glicerol, os quais, serão oxidados em corpos cetônicos, e acidose
metabólica com ânion gap aumentado. Clinicamente, evolui rapidamente dentro de poucas horas, com
surgimento de sinais de descompensação do diabetes, como poliúria e polidipsia, sinais de desidratação,
taquicardia, hipotensão, respiração de Kussmaul, hálito cetônico, náuseas, vômitos e dor abdominal.
Diagnostica-se pela presença de hiperglicemia > 250 mg/dl, cetonemia e acidose metabólica com pH < 7,3 e BIC
< 18 mEq/L, sendo classificada em leve, moderada ou grave com base no pH sanguíneo.
No EHH, os níveis de insulina são suficientes para prevenir a lipólise e, consequentemente, a cetogênese,
mas inadequados para propiciar a utilização de glicose. Clinicamente, apresenta desenvolvimento insidioso e se
manifesta em dias a semana, sendo que os pacientes manifestam maior grau de desidratação e maior déficit
sensorial, associado a alta osmolaridade presente nesta situação. Diagnostica-se com hiperglicemia > 600 mg/dL,
pH > 7,3, BIC > 18 mEq/L e osmolaridade > 320 mOsm/kg.
Ao hemograma é comum leucocitose com desvio à esquerda, mesmo quando não há infecção, contudo,
valores > 25.000 leucócitos/mm3 sugerem infecção associada provavelmente desencadeando o quadro. Uma
glicemia muito elevada pode falsear o resultado da natremia para baixo, sendo necessário corrigi-la pela fórmula
Na+ + (1,6 x glicemia – 100)/100. Os níveis séricos de potássio encontram-se baixos, visto que o tratamento
habitualmente faz baixar a concentração deste eletrólito, porém, durante a fase inicial da CAD, os níveis podem
se elevar, uma vez que a acidemia favorece a saída do íon das células, havendo a possibilidade de elevação do
segmento ST.
O tratamento é composto pela reposição de líquidos, insulinoterapia e reposição de eletrólitos, quando
necessário. A reposição de líquidos é feita com solução salina ou fisiológica a 0,9% ou a 0,45%, na dependência
dos níveis séricos de sódio. A insulinoterapia é o pilar do tratamento, independente da via de administração,
entretanto, o ideal é a administração de insulina Regular EV na dose de 0,1 UI/kg/hora, na vigência de potássio
> 3,3 mEq/L, objetivando queda glicêmica de 50 a 75 mg/dL na 1ª hora. Quando a glicemia atingir entre 200 e
250 mg/dL na CAD ou 250 a 300 mg/dL no EHH, reduz-se a taxa de infusão de insulina para 0,02 a 0,05
UI/kg/hora, associada ao acréscimo de SG 5% ao esquema de reposição de líquidos. Quando o potássio se
encontra entre 3,3 e 5 mEq/L, adiciona-se à prescrição 20 a 30 mEq de cloreto de potássio para cada litro de
solução de reidratação. A reposição de bicarbonato está indicada quando pH < 6,9, enquanto que a reposição
de fósforo está indicada quando há disfunção cardíaca, anemia, depressão respiratória ou níveis de fosfato < 1
mg/dL.
Orienta-se a transição para via SC quando houver presença de glicemia < 200 a 250 mg/dL, associada a
2 dos seguintes critérios: BIC > 15 mEq/L, pH > 7,3 ou ânion gap ≤ 12 mEq/L. Como a insulina EV tem meia-vida
curta, para prevenir a recorrência da hiperglicemia ou cetoacidose, recomenda-se que se espere ao menos 1
hora após a aplicação da insulina SC para se suspender a infusão.
As complicações são: hipoglicemia, hipocalemia, edema cerebral, correspondendo a complicação mais
temida, prevenindo-a evitando a hidratação excessiva, redução rápida da osmolaridade e glicemia, síndrome da
angústia respiratória do adulto, acidose hiperclorêmica e trombose vascular, com indicação de heparina
profilática (5.000 UI SC 8/8 horas) para pacientes em coma, > 50 anos ou com fatores de risco para trombose.
Durante o estado hiperglicêmico de longa duração, a glicose forma pontes covalentes com as proteínas
plasmáticas através de um processo de glicação, o que desempenha um papel importante na patogênese das
complicações crônicas diabéticas.
A nefropatia diabética afeta 20 a 30% dos portadores de DM, apresentando inicialmente uma hiperfiltração
renal, com evolução para o estágio de microalbuminúria (30-300 mg/24 horas) ou nefropatia incipiente, seguido
pelo estágio de nefropatia clínica com macroalbuminúria ou proteinúria (> 300 mg/24 horas) e, por fim,
chegando à fase terminal, correspondente a insuficiência renal. Alguns indivíduos, apesar do controle glicêmico
inadequado, não desenvolvem nefropatia diabética, sugerindo que haja um fator genético predisponente, além
dos fatores de risco habituais, como a própria hiperglicemia. A evolução gradual é causada por alterações
estruturais, inicialmente evidenciadas por acúmulo gradual e progressivo da matriz extracelular na membrana
basal e mesângio capilar. Mais tarde, a formação de nódulos mesangiais representa a lesão característica da
nefropatia de Kimmestiel-Wilson. O rastreamento deve ser iniciado ao diagnóstico no DM2 e após 5 anos do
diagnóstico no DM1. O tratamento deve ser realizado precocemente, a fim de se evitar a progressão da doença,
sendo que quando a microalbuminúria surge, está indicado o início do bloqueio do SRAA com iECA e/ou
introdução de iSGLT2. Uma observação importante é que pacientes diabéticos podem também ser portadores
de doença glomerular primária, sendo tal situação suspeitada nos casos de uremia sem proteinúria, quando não
houver retinopatia em pacientes com proteinúria, ou ainda se houver evidências de nefropatia < 5 anos de
doença nos casos de DM1 ou > 30 anos do diagnóstico.
A retinopatia diabética é mais comum no DM1 e sua incidência está fortemente relacionada à duração do
diabetes. Classificada em não proliferativa, caracterizada pela presença de microaneurismas, micro-
hemorragias, exsudatos duros e algodonosos, e proliferativa, quando houver o aparecimento de neovasos,
induzidos pela isquemia retiniana. O edema macular diabético é mais frequente no DM2, correspondendo a
causa mais importante de deficiência da acuidade visual em diabéticos, devido à prevalência elevada de DM2.
O controle glicêmico tem papel importante na atenuação do aparecimento e da progressão da retinopatia
diabética. Deve-se realizar a fundoscopia após 3 a 5 anos do diagnóstico no DM1 e ao diagnóstico no DM2. A
principal forma de tratamento é a fotocoagulação a laser e/ou antagonistas do fator de crescimento do
endotélio vascular (VEGF) em casos de edema macular diabético.
A neuropatia diabética é a complicação tardia mais frequente do diabetes, sendo evidenciada no momento
do diagnóstico no DM2 e > 5 anos do diagnóstico no DM1. Define-se como presença de sinais e/ou sintomas de
disfunção dos nervos periféricos em diabéticos, após a exclusão de outras causas, com caráter reversível ou
permanente. A polineuropatia sensitivo-motora difusa simétrica periférica é a mais comum, apresentando
parestesia, dor em pernas e pés, hiperestesia, diminuição ou perda da sensibilidade tátil (fibras grossas), térmica
ou dolorosa (fibras finas), perda dos reflexos tendinosos profundos e presença de úlceras nos pés. O paciente
também pode apresentar neuropatia autonômica, com anormalidade da função pupilar, disfunção geniturinária
(bexiga neurogênica), gastrintestinal (gastroparesia), cardiovascular (hipotensão ortostática) e metabólica
(hipoglicemia despercebida). As medicações usadas são os antidepressivos, como amitriptilina ou duloxetina,
anticonvulsivantes, como gabapentina, e antioxidantes, como ácido tióctico e benfotiamina.
O pé diabético surge como consequência de alterações vasculares nos MMII (DVP) e/ou complicações
neuropáticas (polineuropatia periférica sensitivo-motora).
TIREOIDOPATIAS

1) Hipotireoidismo
Caracteriza-se pela deficiente produção ou ação dos hormônios tireoidianos, com consequente
alentecimento generalizado dos processos metabólicos, classificado em hipotireoidismo primário,
correspondendo a 95% do total de casos, devido ao mau funcionamento da própria tireoide, e central, por
defeito hipofisário, ou hipotireoidismo secundário, ou hipotalâmico, ou hipotireoidismo terciário.
Os fatores de risco para hipotireoidismo primário são > 60 anos, sexo feminino, AP de doença tireoidiana ou
extratireoidiana autoimune, AF de doença tireoidiana, AP de radioterapia de cabeça e pescoço, síndrome de
Down, e uso de medicações, como amiodarona, lítio ou tionamidas. A tireoidite de Hashimoto é a causa mais
comum de hipotireoidismo, caracterizada pela presença de títulos elevado de anticorpos antiperoxidase (anti-
TPO), seguida pelo tratamento para hipertireoidismo com iodo. As outras causas são doença de Graves em
estágio terminal, tireoidites subagudas, como a granulomatosa, linfocítica e pós-parto, sendo transitório na
grande maioria das vezes, tireoidite de Riedel, doenças infiltrativas e uso de fármacos, como amiodarona ou
carbonato de lítio. O CA de tireoide não costuma causar hipotireoidismo.
As etiologias do hipotireoidismo central são classificadas em adquiridas, como em processos neoplásico,
inflamatório, infiltrativo, isquêmico ou traumático, e congênitas, principalmente quando associado a doença de
Graves sem tratamento ou tratada de maneira inadequada durante a gestação.
As manifestações clínicas são astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, voz arrastada,
hiporreflexia profunda, edema facial, anemia, bradicardia, redução do apetite e ganho ponderal, consequente
à retenção hídrica. A expressão plena do hipotireoidismo é conhecida como mixedema. Entretanto, muitos
pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos. Associa-se a isto, elevação de partículas de LDL, as quais
apresentam maior suscetibilidade à oxidação e maior capacidade aterogênica, associada ou não à
hipertrigliceridemia, hiperprolactinemia, hiponatremia, aumento de PTH e vitamina D. Em mulheres, o
hipotireoidismo acompanha-se de irregularidades menstruais, anovulação e infertilidade. Em adultos, o
hipotireoidismo com bócio é quase sempre secundário à tireoidite de Hashimoto, enquanto que o
hipotireoidismo central cursa sempre sem bócio. O coma mixedematoso é a complicação mais grave do
hipotireoidismo, apresentando mortalidade muito alta, ocorrendo nos casos de hipotireoidismo grave de longa
data não diagnosticados ou naqueles tratados de maneira inadequada.
Investiga-se hipotireoidismo em pacientes sintomáticos, > 60 anos, presença de bócio, radioterapia de
cabeça e pescoço, tireoidectomia ou terapia com iodo, gestação, síndrome de Down e Turner,
hipercolesterolemia ou uso de fármacos como lírio e amiodarona.
O diagnóstico do hipotireoidismo primário é feito com TSH elevado e níveis baixos de hormônios tireoidianos,
sendo que no início, observa-se apenas elevação do TSH, caracterizando o hipotireoidismo subclínico. Enquanto
que o hipotireoidismo central é diagnosticado pela presenta de níveis de hormônios tireoidianos baixos e TSH
normais, baixos ou elevados, entretanto, com reduzida bioatividade intrínseca, apresentando, com frequência,
deficiência de outras trofinas hipofisárias.
O tratamento é feito pela administração de levotiroxina em uma dose única diária, em jejum, geralmente
entre 30 e 60 minutos antes do desjejum ou no final da noite, ao deitar. A dose recomendada para indivíduos
entre 16 e 65 anos é de 1,6 a 1,8 μg/kg de peso ideal, enquanto que em pacientes > 65 anos, coronariopatas ou
com hipotireoidismo grave de longa duração inicia-se a reposição com 12,5 a 25 μg/dia. A resposta é avaliada
pela dosagem do TSH e T4 após 6 semanas, objetivando metas entre 0,5 e 2,5 mUI/L em adultos jovens, 2 e 6
mUI/L entre 60 e 70 anos, 2 a 8 mUI/L entre 70 e 80 anos e até 10 mUI/L em idosos > 80 anos. Doses excessivas
que suprimam o TSH para valores < 0,1 mUI/L é um fator de risco para FA em idosos e doença miocárdica
isquêmica em < 65 anos. Diante da ausência de resposta adequada, deve-se investigar pobre adesão ao
tratamento e eventuais fatores que reduzem a absorção e metabolização da droga, como alta ingesta de fibra
alimentar, suplementos de proteínas de soja, uso de inibidores da bomba de prótons, infecção por H. pylori,
doença celíaca, intolerância à lactose, parasitoses intestinais, obesidade grave, uso de sulfato ferroso e
antiácidos. O envelhecimento e terapia androgênica diminuem as necessidades diárias.
O hipotireoidismo subclínico possui indicação para tratamento quando TSH > 10 mUI/L, ou > 7 mUI/L se risco
cardiovascular aumentado, ou > 4,5 mUI/L se anti-TPO positivo, bócio, dislipidemia e/ou sintomas de
hipotireoidismo.

2) Hipertireoidismo
A doença de Graves (DG) representa a etiologia mais comum de hipertireoidismo, principalmente em
mulheres, entre 30 e 60 anos, podendo estar associada a outros distúrbios autoimunes endócrinos, como DM1
e doença de Addison, e não endócrinos, como miastenia gravis, LES, artrite reumatoide, doença de Sjögren e
anemia perniciosa. Cerca de 10 a 20% apresentam remissão espontânea, e cerca de 50% tornam-se
hipotireóideos, na ausência de qualquer tratamento, em razão da contínua destruição da tireoide, entretanto,
em função das complicações cardiovasculares, a doença de Graves não tratada mostra-se potencialmente fatal.
Caracteriza-se por ser um distúrbio autoimune com a presença de anticorpos contra o receptor do TSH
(TSHR), denominados de TRAb, os quais levarão ao crescimento da tireoide, aumento de sua vascularização e
incremento da taxa de produção e secreção dos hormônios tireoidianos, que exercem retroalimentação
negativa sobre a hipófise, mas não sobre os TRAb, surgindo grandes elevações dos níveis de hormônios
tireoidianos associado à supressão do TSH. Anticorpos que atuam como antagonistas do TSH são referidos como
TRAb bloqueadores, encontrados em alguns pacientes com DG e em 5% dos pacientes com tireoidite de
Hashimoto, particularmente naqueles sem bócio.
Os fatores predisponentes podem ser genéticos, com nítida predisposição familiar, especialmente materna,
ambientais e endógenos, como danos à tireoide por radiação ou injeção de etanol, uso de terapia antirretroviral
para HIV, terapia com lítio ou amiodarona, e situações adversas ou programas agressivos de perda de peso. O
tabagismo aumenta em 2 vezes o risco para DG e está fortemente associado ao desenvolvimento da
oftalmopatia.
As 3 manifestações principais são hipertireoidismo com bócio difuso, associado a insônia, emagrecimento,
polifagia, taquicardia, palpitações, intolerância ao calor, sudorese excessiva com pele quente e úmida, tremores,
onicólise, ou unhas de Plummer, hiperdefecação, frêmito e sopro sobre a glândula, associado a oftalmopatia
bilateral, devido ao espessamento dos músculos extraoculares e aumento da gordura retrobulbar, com
incremento da pressão intraorbitária, protusão do globo ocular, ou exoftalmia, e diminuição da drenagem
venosa, evoluindo para edema periorbital, e mixedema pré-tibial, geralmente associada à oftalmopatia a títulos
elevados de TRAb.
O diagnóstico é dado pelo achado de níveis baixos ou indetectáveis de TSH, associados à elevação das frações
total e livre dos hormônios tireoidianos, e presença de anticorpos antirreceptores do TSH, ou TRAb. Entretanto,
solicita-se a dosagem destes apenas para diagnóstico de DG eutireoidea, hipertireoidismo apático, distinção
entre DG e tireoidite pós-parto ou subaguda linfocítica, avaliação do risco de recidiva e em gestantes com DG.
A captação do iodo radioativo nas 24 horas (RAIU/24 horas) encontra-se elevada em 100% dos casos de DG, com
a alternativa de realização da USG, a qual apresenta algumas vantagens, como ausência de exposição à radiação
ionizante, maior precisão na detecção de eventuais nódulos e custo mais baixo.
Diagnósticos diferenciais
Diagnóstico Achados clínicos Achados laboratoriais Achados de imagem Observações
Bócio difuso, Elevação de hormônios RAIU/24 horas e
Doença de
oftalmopatia, tireoidianos, TSH suprimido, vascularização ao USG Mais comum em mulheres
Graves
mixedema pré-tibial TRAb positivo aumentada
Tireotoxicose Tireotoxicose, sem Elevação de hormônios RAIU/24 horas ausente
Intencional ou não
factícia bócio tireoidianos ou muito baixa
Tireoidite
Tireoide levemente Elevação de hormônios RAIU/24 horas ausente Associada a amiodarona, lítio e
induzida por
aumentada tireoidianos ou muito baixa inibidores da tirosinoquinases
medicações
Doença tireoidiana Anticorpos antitireoidianos AIT tipo 1 com hipertireoidismo
Tireotoxicose RAIU/24 horas variável
subjacente presente presentes no AIT tipo 1 e, induzido pelo iodo e AIT tipo 2
induzida pelo no tipo 1 e baixa ou
no AIT tipo 1 e em geral, ausentes no AIT por tireoidite destrutiva,
iodo ausente no tipo 2
ausente no AIT tipo 2 tipo 2 apresentando-se mais comum

Existe uma forma de manifestação atípica, chamada de hipertireoidismo apático, no qual as manifestações
clássicas da DG habitualmente estão ausentes, com predomínio da sintomatologia cardíaca, sendo observado
principalmente em pacientes idosos.
O tratamento é composto por uso de drogas antitireoidianas, ou tionamidas, destruição da tireoide com iodo
radioativo, ou remoção cirúrgica da tireoide.
As drogas antitireoidianas são metimazol (MMI), ou tiamazol, correspondendo ao fármaco de escolha, com
doses iniciais de 10 a 30 mg/dia e manutenção de 5 a 15 mg/dia, 1 vez ao dia, e propiltiouracil (PTU), nos casos
de intolerância ao MMI e durante o 1º trimestre da gestação, com doses iniciais de 100 e 300 mg/dia e
manutenção 50 a 200 mg/dia, 2 a 3 vezes ao dia. O efeito terapêutico é observado após 10 a 15 dias de
tratamento, o qual é mantido por 12 a 18 meses. Os efeitos colaterais se mostram mais comuns nos primeiros
3 a 6 meses de tratamento, principalmente reações de natureza alérgica e epigastralgia, enquanto que
destacam-se como efeitos graves, porém, raras, as alterações hematológicas e hepatotoxicidade. As recidivas
são mais comuns no 1º ano, sobretudo nos primeiros 6 meses pós-suspensão do tratamento, especialmente em
pacientes com hipertireoidismo grave, bócios volumosos, oftalmopatia, duração do tratamento < 12 meses, TSH
persistentemente suprimido e altas concentrações de TRAb no inicio ou final do tratamento.
Os betabloqueadores têm indicação principal para pacientes idosos com tireotoxicose sintomática e outros
pacientes tireotóxicos com FC de repouso > 90 bpm ou doença cardiovascular coexistente, além disso, são
particularmente úteis na fase inicial do tratamento da doença de Graves com tionamidas, as quais ainda não se
alcançou o eutireoidismo. Em doses elevadas, causam modesto bloqueio sob a conversão periférica de T4 em
T3, assim como ocorre com o propiltiouracil.
O iodo radioativo pode ser empregado como terapia inicial ou como terapia definitiva de 2ª linha, nos casos
de recidiva após o uso das drogas antitireoidianas. A taxa de resposta satisfatória à radioterapia, com
consequente surgimento de hipo ou eutireoidismo, é de aproximadamente 80 a 90%, sendo que um grande
bócio com hipoecogenicidade à USG, presença de anticorpos anti-TPO e doses elevadas de radioiodo elevam a
probabilidade de hipotireoidismo. Associa-se à falha terapêutica fatores como sexo masculino, tabagismo, bócio
grande, RAIU/24 horas muito elevada e marcante elevação dos níveis de T3. O principal inconveniente é
surgimento do hipotireoidismo, além de poder precipitar ou exacerbar a doença ocular tireoidiana em um
pequeno percentual de pacientes, mais provavelmente nos fumantes. As contraindicações são gravidez ou
amamentação.
A tireoidectomia está indicada em bócios muito volumosos > 150 gramas, existência de sintomas
compressivos locais ou nódulos com suspeita de malignidade após PAAF e opção do paciente. O procedimento
de escolha é a tireoidectomia total, com alto risco de desenvolvimento de hipoparatireoidismo transitório ou
permanente. Antes de submeter o paciente à cirurgia, sempre que possível, deve ser tratado com uma
tionamida, de preferência o metimazol, até a obtenção do eutireoidismo. As complicações são hipocalcemia,
lesão dos nervos laríngeo recorrente ou laríngeo superior, e sangramento pós-operatório.
DOENÇAS DA ADRENAL

1. Síndrome de Cushing
É caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas decorrente da exposição crônica a um excesso de
glicocorticoide, sendo que as causas são divididas em exógena, mais comum, e endógena, subdividida em função
dos níveis de ACTH, podendo ser ACTH-dependente, relacionado ao adenoma hipofisário ou ‘doença de Cushing’
e secreção ectópica de ACTH, e ACTH-independente, devido a doenças primárias da suprarrenal, como adenoma
e carcinoma adrenal.
Excluída a forma iatrogênica ou causa exógena, a doença de Cushing passa a ser a principal etiologia,
caracterizada pela presença do corticotropinoma, ou adenoma hipofisário hipersecretante de ACTH, na maioria
das vezes com caráter benigno, de pequenas dimensões, predominando no sexo feminino entre 15 e 50 anos. A
hipersecreção de ACTH promove hiperplasia adrenal bilateral, possuindo como característica a inibição desta
secreção com altas doses de corticoide exógeno.
Metade dos casos de secreção ectópica de ACTH se relaciona ao carcinoma de pequenas células do pulmão
(out cell), com predomínio do sexo masculino entre 40 e 60 anos, apresentando evolução rápida, com
hiperpigmentação cutânea, hiperglicemia, HAS, alcalose metabólica hipocalêmica e miopatia proximal,
principalmente nas cinturas escapular e pélvica.
A forma ACTH-independente é 5-6 vezes menos frequente, sendo que no adultos apresenta maior
prevalência os adenomas em comparação aos carcinomas, enquanto que na faixa etária pediátrica, 65% dos
casos de síndrome de Cushing possui etiologia adrenal, com cerca de metade dos casos relacionados ao
carcinoma adrenal, com curso clínico agressivo. Os carcinomas são grandes > 6 cm, apresentando capacidade
de secretar tanto cortisol como androgênios, enquanto que os adenomas costumas ser menores < 3 cm.
A causa exógena ou iatrogênica é a mais comum da síndrome de Cushing, em geral, surgindo a partir de doses
de prednisona ≥ 7,5 mg/dia. O uso prolongado resulta em atrofia reversível da adrenal.
Certas condições podem induzir um grau de hipercortisolismo em paciente portador de sinais e sintomas
compatíveis com síndrome de Cushing, sem que haja, necessariamente, relação entre uma coisa e outra. São
exemplos as doenças psiquiátricas, alcoolismo, obesidade central e síndrome dos ovários policísticos.
Muitas das manifestações clínicas são inespecíficas, sendo comumente encontradas em indivíduos obesos,
como HAS, hiperglicemia, hirsutismo e distúrbios menstruais, entretanto, existem duas ‘pistas’ clínicas que
reforçam a suspeita desta patologia, sendo o desenvolvimento simultâneo dos múltiplos sinais e sintomas, com
piora progressiva de todos eles ao mesmo tempo, e presença de fraqueza muscular proximal de cintura
escapular e pélvica, atrofia cutânea, estrias violáceas largas > 1 cm e aumento do panículo adiposo na região
supraclaviculares.
Manifestações clínicas:
• Obesidade centrípeta progressiva, associado a extremidades consumidas (braços e pernas finos);
• Face de lua cheia ou cushingoide;
• Gibosidade dorsal e supraclavicular;
• Retardo no crescimento linear em crianças;
• Fragilidade capilar acentuada, com tendência a formação de equimoses aos mínimos esforços;
• Pletora facial na ausência de policitemia;
• Estrias cutâneas largas > 1 cm;
• Hiperpigmentação, associado ao aumento do ACTH, portanto, não é esperada na síndrome de
Cushing secundária à hiperprodução adrenal de cortisol e no Cushing exógeno;
• Fraqueza muscular proximal devido ao catabolismo proteico acentuado;
• Osteopenia e osteoporose, geralmente associadas a fraturas patológicas;
• DM e/ou piora do controle glicêmico;
• Alcalose metabólica hipocalêmica devido ao efeito mineralocorticoide do excesso de
glicocorticoide;
• HAS, geralmente diastólica;
• Insônia e labilidade emocional;
• Oligo/amenorreia e anovulação, devido a supressão do eixo das gonadotrofinas;
• Virilização, observada em mulheres, com alopecia androgênica, hirsutismo leve, acne, aumento da
libido, aumento do timbre vocal e clitomegalia;
• Puberdade precoce;
• Diminuição da libido em homens.

O primeiro passo para o diagnóstico consiste em demostrar laboratorialmente a existência de um excesso de


cortisol, sendo que existem 3 testes considerados de ‘primeira linha’, com a necessidade da positividade de 2
dos 3 testes para confirmação do hipercortisolismo.
• Cortisol livre na urina de 24 horas ou CLU: o cortisol plasmático livre é a forma biologicamente ativa
do hormônio, sendo eliminada na urina em pequena quantidade, ou seja, o CLU reflete diretamente
a quantidade de hormônio ativo que circulou ao longo de um dia, e para que seus resultados sejam
considerado fidedignos, deve-se repetir o exame em 3 coletas distintas, apresentando 3 vezes o
limite superior da normalidade.
• Teste da supressão com dexametasona em dose baixa: administra-se 1 mg de dexametasona às 23
horas e dosagem do cortisol plasmático às 8-9 horas da manhã, objetivando inibir a secreção de
ACTH pela adenohipófise, reduzindo assim o cortisol plasmático.
• Cortisol plasmático ou salivar noturno: a secreção de cortisol tem seu valor mais baixo por volta
das 23 horas, entretanto, nos portadores de síndrome de Cushing endógeno, esse nadir fisiológico
não acontece.

Uma vez confirmado o hipercortisolismo, o objetivo é descobrir a etiologia da síndrome, sendo feito a
dosagem de ACTH plasmático. Um ACTH suprimido aponta para o diagnóstico de patologia primária da
suprarrenal, ou ACTH-independente, solicitando então uma TC de abdome superior, enquanto que um ACTH
aumentado aponta para causas ACTH-dependente, solicitando então um RM da sela túrcica à procura de um
adenoma hipofisário, entretanto, em 10% destes não é possível sua visualização, sendo necessário a realização
de testes para diferenciar o adenoma hipofisário da secreção ectópica de ACTH.
O teste de Liddle 2 é caracterizado por ser um teste de supressão do ACTH com doses altas de dexametasona
(2 mg de 6 em 6 horas por 48 horas). Logo, em casos de RM de sela túrcica normal e ausência de supressão do
cortisol, o diagnóstico provável é secreção ectópica de ACTH, solicitando então TC de tórax, enquanto que se
RM normal, porém houver supressão do cortisol, provavelmente se trata de um adenoma hipofisário
extremamente pequeno, sendo localizado através do cateterismo do seio petroso inferior, no qual realiza-se
duas coletas, a primeira sem estímulo e a segunda após CRH exógeno, sendo que uma relação > 2 na 1ª coleta
ou > 3 na 2ª coleta confirma a existência de um tumor.
Um ACTH normal é um dado inconclusivo, sendo que, diante deste achado, devemos estimular a hipófise
com CRH exógeno ou dDAVP exógeno. Nas doenças primárias da adrenal, o ACTH não aumenta, enquanto que
nas doenças primárias da hipófise ocorre aumento exagerado do ACTH.
O tratamento de escolha para doença de Cushing é a ressecção transesfenoidal do corticotropinoma,
entretanto, nos indivíduos cujo adenoma pode ser localizado apenas com cateterismo do seio petroso inferior
está indicada a hemi-hipofiscetomia do lado em que o gradiente ACTH central/periférico for maior. As principais
complicações são pan-hipopituitarismo e diabetes insipidus central. A radioterapia não é tratamento de primeira
linha, mas pode ser empregada nos casos de doença persistente, recidiva pós-operatória ou quando o risco
cirúrgico for proibitivo. Adrenalectomia bilateral é uma opção mais radical para os casos de doença persistente
após cirurgia e radioterapia, entretanto, há o risco de desenvolvimento da síndrome de Nelson, caracterizada
pelo surgimento de um macroadenoma hipofisário localmente invasivo, com capacidade de comprimir quiasma
óptico e invadir o seio cavernoso. Os inibidores da esteroidogênese adrenal, como cetoconazol, metirapora,
mitotano ou etomidato, são empregados no tratamento da doença de Cushing para o preparo pré-operatório
ou enquanto se aguarda a resposta à radioterapia.
Nos casos de secreção ectópica de ACTH, recomenda-se as drogas inibidoras da esteroidogênese, sendo o
cetoconazol o mais utilizado. Adrenalectomia bilateral é uma alternativa razoável nos casos refratários.
Os adenomas adrenais são tratados com remoção cirúrgica videolaparoscópica, enquanto que os carcinomas
são abordados via cirúrgica laparoscópica tradicional.
2. Insuficiência adrenal
Apresenta-se sob a forma primária, ou doença de Addison, sendo pouco frequente, diagnosticada
principalmente em mulheres entre 20-40 anos, ou secundária, por deficiência na produção de ACTH pela
hipófise, exibindo uma maior frequência, exemplificada pela supressão do eixo hipotálamo-hipófise devido ao
uso de glicocorticoides exógenos e pelo hipopituitarismo congênito ou adquirido, como na síndrome de
Sheehan.
A adrenalite autoimune responde pela maioria dos casos de doença de Addison, entre 75-85%, sendo que o
restante dos casos é secundário à tuberculose. Embora quase metade dos pacientes com adrenalite possua
anticorpos circulantes, a destruição da glândula se dá pela ação de linfócitos citotóxicos. Independente da
etiologia, para que a insuficiência primária se manifeste, é necessário que mais de 90% do córtex adrenal seja
afetado.
Em 50-60% dos pacientes, a doença de Addison pode vir associada a um ou mais distúrbios autoimunes
endócrinos e não endócrinos, caracterizando as síndromes poliglandulares autoimunes, classificadas em 2 tipos:
tipo 1, de transmissão autossômica recessiva, mais comum em mulheres, caracterizada por candidíase
mucocutânea crônica, hipoparatireoidismo e doença de Addison; e tipo 2, também conhecida como síndrome
de Schmidt, sendo mais frequente, associada a alelos do HLA (DR3 e DR4), apresentando doença de Addison,
doença tireoidiana autoimune e DM tipo 1.
As manifestações clínicas da doença de Addison refletem a deficiência de (1) glicocorticoides, como astenia,
perda de peso, anorexia, náuseas e vômitos, e hipotensão arterial, (2) mineracorticoides, como avidez por sal,
hipovolemia, hiponatremia e hipercalemia, e (3) androgênios adrenais, como redução da pilificação axilar e
corporal em mulheres. A hiperpigmentação cutaneomucosa é um clássico, decorrente do excesso de ACTH,
beta-lipotrofina e beta-MSH, todos componentes da macromolécula pró-opiomelanocortina (POMC). As
manifestações da função gastrintestinal podem ser as iniciais, especialmente com náuseas, vômitos, anorexia
com perda ponderal e dor abdominal. O quadro clínico da insuficiência adrenal secundária é semelhante à
doença de Addison, porém não há hiperpigmentação e hipercalemia.
A crise adrenal aguda ou crise addisoniana representa um estado de insuficiência adrenal aguda que pode
ocorrer em pacientes com doença de Addison expostos ao estrese de infecções, cirurgia ou desidratação. Pode
ocorrer também em indivíduos com hipotireoidismo autoimune com insuficiência adrenal primária, caso a
reposição dos hormônios tireoidianos seja feita sem a administração concomitante do glicocorticoide, uma vez
que o hipotireoidismo reduz o catabolismo do cortisol, e a normalização da função tireoidiana, ao restaurar o
catabolismo hormonal, pode revelar o estado de hipoadrenalismo. Além disso, pode ser secundária à apoplexia
suprarrenal, ou hemorragia adrenal bilateral, como na síndrome de Waterhouse-Friederichesen, caracterizada
pela necrose hemorrágica associada à sepse por Gram-negativos ou à meningogococcemia. As manifestações
clínicas incluem febre alta, anorexia, náuseas e vômitos, dor abdominal, fraqueza, apatia, depressão, confusão
mental, hipotensão e choque, hiponatremia, hipercalemia, linfocitose, eosinofilia e hipoglicemia.
Qualquer paciente que apresente dor abdominal ou em flanco inexplicáveis, colapso vascular, hiperexia,
vômitos ou hipoglicemia, deve ser tratado empiricamente e investigado para insuficiência adrenal aguda.
O cortisol sérico plasmático às 8 horas da manhã deve ser o primeiro exame a ser coletado, sendo que valores
< 3-5 μg/dL quase patognomônico, enquanto que valores > 18-20 μg/dL torna o diagnóstico bastante
improvável. Níveis intermediários torna-se necessária a realização do teste de estímulo com ACTH, ou teste da
cortrosina, o qual pode ser realizado a qualquer hora do dia, sendo que um pico de cortisol > 18-20 μg/dL exclui
tanto a insuficiência adrenal primária como a franca insuficiência adrenal secundária com atrofia adrenal,
entretanto, não descarta a possibilidade de insuficiência adrenal secundária sem atrofia da glândula, enquanto
que um pico de cortisol ≤ 18-20 μg/dL confirma o diagnóstico de insuficiência adrenal, que pode ser primária ou
secundária com atrofia adrenal, dúvida esta resolvida pela dosagem do ACTH plasmático, no qual observará
valores altos na doença de Addison e baixos na insuficiência adrenal secundária, ou teste de tolerância à insulina
(ITT), o qual baseia-se no fato de que a hipoglicemia, geralmente com valores < 40 mg/dL, induz uma resposta
de estresse do SNC, com aumento de CRH e, consequentemente, de ACTH e cortisol, entretanto, é
contraindicado em idosos e portadores de doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares.
O tratamento da insuficiência adrenal aguda é composto por hidrocortisona 100 mg EV de 6 em 6 horas
durante 24 horas, reduzindo a dose para 50 mg EV de 6 em 6 horas quando estabilizar, sendo que no 4º ou 5º
dia, inicia-se a terapia de reposição, acrescentando fludrocortisona, conforme necessidade. Enquanto que o
tratamento da insuficiência adrenal crônica é composto pela administração de prednisona 5 mg pela manhã e
2,5 mg à tarde ou hidrocortisona 20 mg pela manhã e 10 mg à tarde, associado a fludrocortisona nos casos de
insuficiência adrenal primária, atentando-se à duplicação da dose do glicocorticoide durante estresse, como
infecções e cirurgias. Os glicocorticoides de longa duração devem ser evitados pelo maior risco de síndrome de
Cushing exógena. Os melhores parâmetros clínicos de reposição adequada são os sintomas referidos pelo
paciente, como apetite e bem-estar. Indica-se a reposição de androgênios com DHEA em mulheres jovens com
a intenção de melhorar o bem-estar e restaurar a libido.
HIPERPROLACTINEMIA
Trata-se da alteração endócrina mais comum do eixo hipotálamo-hipófise, predominando no sexo feminino,
entre 20 e 50 anos, equiparando a frequência entre os sexos a partir de então, sendo caracterizada pela presença
de níveis séricos elevados de prolactina (PRL), hormônio cuja principal função é estimular a lactação. A PRL é
produzida e secretada, sobretudo, pelas células lactotróficas da hipófise anterior, enquanto que o hipotálamo
exerce influência predominantemente inibitória sobre esta secreção por meio de fatores inibitórios da PRL (PIF),
tendo como principal representante a dopamina, a qual atua nos receptores dopaminérgicos tipo 2 (D2). Existem
também fatores hipotalâmicos estimulatórios da PRL (PRF), como hormônio liberador de tirotropina (TRH),
ocitocina e peptídeo intestinal vasoativo (VIP).
A PRL humana é um hormônio heterogêneo, e as principais formas circulantes são um monômero,
correspondendo a cerca de 80 a 90% da PRL total, um dímero e a forma de alto peso molecular, denominada de
macroprolactina, a qual consiste em um complexo antígeno-anticorpo de PRL monomérica e IgG, sendo
responsável pelo quadro macroprolactinemia, predominante do sexo feminino, suspeitado quando a paciente
com hiperprolactinemia se apresenta sem os sintomas típicos e/ou evidência de tumor hipofisário à RM,
entretanto, a presença de sintomas não exclui este diagnóstico. A PRL é secretada episodicamente durante o
dia, sendo que os níveis mais altos ocorrem durante o sono, e os mais baixos entre 10 horas da manhã e meio-
dia, além disso, é observado uma diminuição dos níveis de PRL com o envelhecimento.
A hiperprolactinemia não é uma doença, mas sim uma anormalidade laboratorial que pode resultar de causas
fisiológicas, como gravidez e amamentação, farmacológicas, como antipsicóticos atípicos, ISRS, metildopa e
metoclopramida, e patológicas, sendo que, entre estas últimas, a principal etiologia são os adenomas
hipofisários secretores de PRL, ou prolactinomas, os quais respondem por menos de 2% das neoplasias
intracranianas, mas são os tumores hipofisários mais comuns, entretanto, outros tumores da região hipotálamo-
hipofisária podem também cursar com hiperprolactinemia, sendo chamados de pseudoprolactinomas, já que
não são secretores de PRL, mas interferem no aporte de dopamina do hipotálamo para a hipófise. Na prática
clínica, os prolactinomas são divididos em microprolactinomas < 10 mm, apresentando-se em cerca de 80% dos
casos, e macroprolactinomas ≥ 10 mm, principalmente em homens.
Além destas causas supracitadas, a hiperprolactinemia pode ser decorrente de hipotireoidismo primário
franco ou até mesmo do subclínico, devido ao estímulo à síntese de PRL secundário ao aumento do TRH, da
doença de Addison, sendo reversível após a introdução da reposição de glicocorticoides, os quais suprimem a
expressão do gene da PRL e sua liberação, à lesões irritativas da parede torácica, como herpes-zóster,
toracotomia e queimaduras, hepatopatas, devido a diminuição da depuração de estrogênio, o que estimula a
prolactina, pacientes que apresentam convulsão do lobo frontal e, principalmente, do lobo temporal, de
pacientes portadores de DRC e em realização de hemodiálise, secundário à diminuição da depuração renal da
PRL.
A galactorreia representa a manifestação mais característica da hiperprolactinemia, apresentando-se sob a
forma espontânea, intermitente ou à expressão mamilar. É incomum na pós-menopausa, devido aos níveis
baixos de estrogênio, o qual é necessário para a produção do leite. Em homens, este achado é quase
patognomônico dos prolactinomas, em contrapartida, 1/3 das mulheres com galactorreia apresentam níveis
normais de PRL, caracterizando a galactorreia idiopática.
A hiperprolactinemia causa hipogonadismo hipogonadotrófico principalmente por inibir a secreção pulsátil
de GnRH pelo hipotálamo, com consequente redução da pulsatilidade de LH e FSH, e redução dos níveis de
esteroides sexuais. Devido a isto, a mulheres podem apresentar anovulação, infertilidade, amenorreia e
diminuição da lubrificação vaginal com dispareunia, enquanto que os homens apresentam diminuição da libido,
disfunção erétil, oligospermia e infertilidade. O aumento da prevalência de prolactinomas em mulheres pode
estar relacionado com o fato de que a apresentação clínica em mulheres seja mais evidente, em contrapartida,
os homens podem ignorar os sintomas de disfunção erétil e diminuição da libido, fazendo com que, muitas
vezes, o diagnóstico seja feito tardiamente.
Outra manifestação crônica da hiperprolactinemia crônica é a obesidade e a diminuição da densidade
mineral óssea na coluna lombar em ambos os sexos, não havendo necessariamente reversão após a correção
da hiperprolactinemia neste caso. Além disso, mulheres podem raramente exibir hirsutismo e/ou acne devido a
elevação da testosterona livre por diminuição da globulina ligadora dos hormônios sexuais e aumento da
produção adrenal de DHEAS. Nos casos de macroprolactinomas, são também encontrados sintomas
relacionados com efeito de massa, como cefaleia, distúrbios visuais, convulsões, paresias de pares cranianos e
epistaxe.

Diante da suspeita clínica, solicita-se a dosagem sérica da PRL em qualquer hora do dia. Recomenda-se evitar
a manipulação ou estimulação mamária nas horas que precedem a dosagem, assim como é importante
mencionar que o estresse da punção venosa pode gerar discretas elevações da prolactinemia. Em mulheres em
idade fértil recomenda-se coletar a prolactina entre o 2º e 5º dia do ciclo menstrual. Os maiores valores séricos
de PRL são encontrados em pacientes com prolactinomas, geralmente > 100 ng/mL, havendo relação
diretamente proporcional com o tamanho do prolactinoma, enquanto que nas demais situações, os valores de
PRL tendem a ser inferiores a 100 ng/mL
Adenomas volumosos podem cursar com níveis de PRL < 200 ng/mL ou, até mesmo, valores normais, em
razão do chamado efeito gancho, caracterizado pela presença de níveis falsamente baixos de PRL quando se
empregam determinados imunoensaios, os quais apresentam 2 anticorpos que formam ‘complexos sanduíches’
com o antígeno, no caso, a PRL. Quando há níveis muito elevados de PRL, após a ligação da PRL ao anticorpo de
captura, o excesso de PRL impede a ligação do segundo anticorpo, o sinalizador, não havendo a formação dos
referidos ‘complexos sanduíches’. O efeito gancho pode ser ‘desmascarado’ por uma nova dosagem de PRL após
diluição do soro.
Uma vez confirmada a hiperprolactinemia, investiga-se a sua etiologia. Inicialmente é pesquisada o uso de
substâncias de/ou fármacos que possam elevar a PRL, assim como pesquisar uma possível gravidez, realizando
a dosagem da β-HCG. Hipotireoidismo primário também deve ser considerado, haja ou não sintomas sugestivos
desta endocrinopatia. Ao exame físico, pesquisa-se a presença de lesões irritativas ou traumáticas da parede
torácica.
A RM possibilita a visualização de praticamente todos os macroprolactinomas ≥ 10 mm e
pseudoprolactinomas, bem como da maioria dos microprolactinomas < 10 mm, entretanto, realiza-se apenas
após exclusão de hiperprolactinemia de causa fisiológica, farmacológica ou decorrente de doenças sistêmicas,
uma vez que 10% da população adulta normal submetida à RM apresenta uma imagem compatível com um
microadenoma hipofisário, denominado como incidentaloma hipofisário.

As opções terapêuticas para os prolactinomas são cirurgia, radioterapia e farmacoterapia com agonistas
dopaminérgicos (DA), como bromocriptina e cabergolina. A cirurgia é prioritariamente indicada para os casos
de resistência ou intolerância aos DA, bem como em complicações tumorais, como apoplexia ou rinoloquorreia,
sendo a cirurgia transesfenoidal a técnica de escolha. A radioterapia é indicada para pacientes com tumores
resistentes a DA e cirurgia, com tendência comprovada para crescimento, entretanto, há evidências de que
prolactinomas são os tumores hipofisários secretores menos responsivos à radioterapia. O hipopituitarismo
induzido por radiação é a complicação mais frequente da radioterapia, e está associado a aumento da
morbilidade e mortalidade.
Os agonistas dopaminérgicos (DA) representam o tratamento de primeira linha para
microprolactinomas e macroprolactinomas. Os efeitos adversos são agrupados em 3 categorias, sendo
gastrintestinal, cardiovascular e neurológico, observando-se mais comumente a presença de náuseas e vômitos,
cefaleia e tonturas. O monitoramento cuidadoso do nível de PRL é obrigatório, especialmente no primeiro ano
após retirada, período em que a maioria das recorrências são detectadas.
• Bromocriptina: agonista D2 e antagonista D1. Inicia-se com 1,25 mg ao deitar, juntamente com uma
pequena refeição para retardar a absorção, com aumento da dose gradativamente, de acordo com a
tolerância individual, até a resposta terapêutica, variando entre 2,5 a 15 mg/dia, com 2 a 3
administrações/dia.
• Cabergolina: é o DA mais utilizado, sendo seletivo para o receptor D2. Apresenta uma duração de até
21 dias, portanto, apresenta grande vantagem de poder ser administrado apenas 1 ou 2 vezes por
semana. Inicia-se com 0,25 a 0,5 mg, 1 vez por semana, com reajustes semanais da dose, até alcançar 1
mg semanal. A preocupação maior com o uso de doses elevadas é a possibilidade de ocorrência de
anormalidades valvulares cardíacas, devido a afinidade com o receptor 2B da 5-hidroxitriptamina,
abundantemente expresso em válvulas cardíacas, e a ativação deste receptor pode levar a mitogênese
e proliferação de fibroblastos, havendo indicação de avaliação com ecocardiograma para pacientes com
sopro audível, tratados por mais de 5 anos com > 3 mg/semana, ou aqueles que mantenham o
tratamento após 50 anos.
SÍNDROME DE SHEEHAN
A síndrome de Sheehan (SSh) se caracteriza pelo hipopituitarismo pós-parto secundário à necrose hipofisária,
decorrente de hipotensão ou choque, em virtude de hemorragia maciça durante ou logo após o parto. Ainda é
frequente em países em desenvolvimento onde os cuidados obstétricos são mais precários.
É decorrente do infarto da glândula hipofisária, principalmente do lobo anterior, em virtude de baixo fluxo
sanguíneo, que pode ser secundário a vasoespasmo, trombose ou compressão vascular. Sabe-se que durante a
gestação ocorre aumento progressivo da glândula hipofisária de 30 a 100% do seu peso, entretanto, acredita-se
que o seu suprimento sanguíneo se mantenha inalterado em relação ao estado pré-gestacional, sendo tal
situação responsável por tornar a glândula mais suscetível à necrose.
A SSh pode levar a graus variados de hipopituitarismo, agalactia e hipoplasia hipofisária ou síndrome de sela
vazia secundária. Os sinais e sintomas costumam aparecer lentamente, após um período de meses a anos.
Existem pacientes cujo diagnóstico foi realizado 2 a 3 décadas após o último parto. Contudo, ocasionalmente, a
incapacidade para amamentar (agalactia) pode surgir precocemente, e a hiponatremia pode estar presente por
mais de 30 anos após o início da doença. Na maioria dos estudos, o principal acometimento foi o da secreção
de GH (90 a 100%), seguido da secreção de gonadotrofinas, TSH, ACTH e, por fim, prolactina. A função
gonadotrófica pode ficar preservada, e há vários relatos de pacientes com SSh que mantiveram ciclos menstruais
regulares e até engravidaram de maneira espontânea. A elevada deficiência de GH se explica pelo fato de os
somatotrofos estarem localizados nas regiões inferiores e laterais da hipófise, o que os torna bastante
suscetíveis à isquemia. DI central parcial pode estar presente em alguns casos, muito raramente.
DELIRIUM
Delirium, ou estado confusional agudo, é uma síndrome cerebral orgânica caracterizada pela presença
simultânea de perturbações da consciência, da atenção, da percepção, do pensamento, da memória, do
comportamento psicomotor, das emoções e do ritmo sono-vigília, que acomete principalmente idosos,
especialmente os hospitalizados. As causas clínicas de delirium em idosos são processos infecciosos,
particularmente pneumonia e infecção do trato urinário, distúrbios metabólicos, como alterações do sódio e
glicêmicas, e determinados fármacos, principalmente medicamentos anticolinérgicos, opioides, corticosteroides
e antibióticos da classe quinolonas.
Caracteristicamente, apresenta início agudo e curso flutuante, entretanto, o início pode ser relativamente
insidioso, precedido de alguns dias por manifestações prodrômicas, associado a disfunção global da cognição,
como prejuízo do pensamento, comprometimento da memória, anormalidades da sensopercepção,
representadas por ilusões e alucinações visuais, comprometimento da orientação temporoespacial, distúrbio da
atenção, do estado de alerta e do comportamento psicomotor, observando-se 2 formas de delirium, hiperativo,
sendo mais facilmente detectado, associado a intoxicações ou abstinência de substâncias, e hipoativo, sendo
subdiagnosticado na maior parte dos casos, associando-se a distúrbios metabólicos ou infecciosos. É comum
também a presença de alteração da funcionalidade do paciente portador de delirium, como dificuldades em
atividades básicas, relacionadas ao autocuidado, e instrumentais, como executar movimentos ordenados,
realizar telefonemas ou compras.
Os fatores predisponentes são déficit cognitivo prévio, doença grave, uremia, história prévia de delirium,
depressão, alcoolismo, história de AVE e > 75 anos, enquanto que os fatores precipitantes são restrição física,
má nutrição com albumina < 3 gramas/dL, uso simultâneo > 3 medicamentos, principalmente substâncias
psicoativas, uso de sonda vesical e iatrogenias. Foram identificados 5 fatores que predizem a manutenção dos
sintomas na vigência da alta em pacientes hospitalizados que apresentaram delirium, caracterizados pela
presença de demência, déficit visual, alta comorbidade, restrição física durante o delirium e prejuízo funcional.
Pacientes que desenvolvem delirium podem cursar com pior prognóstico tanto na vigência da internação quanto
após a alta hospitalar.
Os critérios diagnósticos são: (1) distúrbio da consciência e da atenção, ou seja, redução da capacidade de
dirigir o foco, manter e desviar a atenção; (2) mudança na cognição, como déficit de memória, desorientação,
distúrbio da linguagem ou da percepção, que não é explicada por uma demência preexistente ou estabelecida;
(3) desenvolve-se após curto período de tempo, com tendência de flutuação durante o dia; e (4) evidência por
meio da história, exame físico ou achados laboratoriais de que o distúrbio seja causado por consequências
fisiológicas diretas de uma condição médica geral, substância intoxicante, medicamentos ou mais de uma causa.
Para avaliação inicial de delirium por profissionais de saúde, não treinados na área psiquiátrica, destaca-se o
CAM, o qual abrange 9 itens – início agudo, distúrbio da atenção, pensamento desorganizado, alteração do nível
de consciência, desorientação, distúrbio ou prejuízo da memória, distúrbios da percepção, agitação/retardo
psicomotor e alteração do ciclo sono-vigília.
Solicita-se, habitualmente, hemograma, análise eletrolítica, glicemia em jejum, urina rotina, culturas e raio X
de tórax, além de listar todos os medicamentos em uso, suspendendo os não essenciais e reduzindo a dose dos
essenciais. Caso haja sinais neurológicos focais, recomenda-se a solicitação de uma tomografia de crânio.
O principal diagnóstico diferencial é a demência, entretanto, informações como início agudo, curso flutuante,
oscilações do nível de consciência e atenção sugerem fortemente delirium. A depressão pode lembrar mais
sintomas de delirium hipoativo, porém, apresenta-se habitualmente com início gradual, sem alterações
pronunciadas da cognição ou da atenção, mantendo o estado de alerta normal. Psicoses funcionais também
podem lembrar delirium, no entanto, geralmente iniciam-se antes dos 40 anos, apresentando EEG normal, em
contraste ao alentecimento difuso nos casos de delirium.
A prevenção incluem orientação e estímulo cognitivo, redução do ruído noturno complementado por música
suave e ingestão de bebida morna ao deitar, mobilização precoce, evitando-se ao máximo condições restritivas,
como uso de sondas, cateteres ou restrição física, uso de óculos e aparelhos auditivos, se necessário, correção
da desidratação e balanço eletrolítico, tratamento da dor grave, suporte de oxigênio adequado e regulação das
funções fisiológicas, evitando-se a constipação intestinal.
O tratamento é voltado para a resolução da causa e o controle dos sintomas, envolvendo condutas não
farmacológicas, como presença de familiares e amigos próximos, evitando-se a alternância frequente entre os
acompanhantes, ambiente hospitalar tranquilo, presença de janela no quarto, presença de objetos pessoais,
calendário e relógio, evitar restrição no leito sempre que possível, e farmacológicas, indicadas para casos de
delirium hiperativo com agitação grave ou nos distúrbios acentuados da sensopercepção com alucinação ou
ilusão, o que, embora possa reduzir a agitação e sintomas, não há evidência de que melhore o prognóstico.
Os antipsicóticos típicos constituem-se como primeira linha na terapêutica, sendo o haloperidol (Haldol ; 1
ampola 5 mg IM a cada 1-2 horas, ideal não ultrapassar 3 ampolas em 24 horas) considerado o fármaco de
escolha. Em caso de insucesso após administração do haloperidol, o fármaco de 2ª linha corresponde
clorpromazina (0,5 ampola inicial), apresentando intenso efeito sedativo. O tratamento de manutenção é feito
com antipsicóticos atípicos, como clozapina ou olanzapina, os quais apresentam menor efeito
antidopaminérgico. Nos casos de delirium secundário à abstinência alcoólica, o tratamento é feito com
benzodiazepínico, dando-se preferência ao lorazepam (0,5 a 1 mg VO).
Orienta-se alta hospitalar precoce, desde que o fator causal tenha sido resolvido, objetivando o retorno do
paciente ao seu ambiente habitual, além disso, recomenda-se a retirada de possível polifarmácia, evitando a
administração de medicamentos desnecessários até a reversão completa do quadro.
ENDOCARDITE INFECCIOSA
A incidência de endocardite infecciosa (EI) é influenciada por múltiplos fatores do próprio paciente, como
condições anatômicas, sobretudo valvares, que condicionam um fluxo sanguíneo turbulento e a disrupção das
células endoteliais. Além disso, o envelhecimento da população originou um número crescente de pacientes
com degeneração mixomatosa da valva mitral, com prolapso e insuficiência subsequentes. Os homens são
afetados com maior frequência, o que se deve, em parte, à contribuição importante do uso de drogas injetáveis,
entretanto, essa predileção pelo gênero masculino pode estar diminuindo. Os cateteres venosos centrais e
hemodiálise não só predispõe à ocorrência de bacteremias, como também expõe o paciente a infecção por
agentes patogênicos resistentes a antibióticos.
A doença pode ser causada por um grande leque de microrganismos, apresentando-se como germes
predominante os cocos Gram-positivos, como estreptococos, estafilococos e enterococos.

O Streptococcus viridans é o principal causador de infecção de valvas nativas adquiridas na comunidade,


tipicamente sob a forma subaguda, com os sintomas da infecção evoluindo ao longo de semanas a meses, sendo
a febrícula, hipersudorese noturna e fadiga os sintomas mais comuns. Os estreptococos β-lactâmicos causam EI
sob a forma aguda, com maior frequência de complicações, destruição valvar e disseminação à distância da
infecção, principalmente para o sistema musculoesquelético. O Streptococcus gallolyticus, ou S. bovis,
normalmente encontra-se presente no TGI e, quando isolado em hemocultura, exige a procura de lesão
gastrointestinal subjacente, como CA de cólon.
Os estafilococos são o segundo grupo mais comum de cocos Gram-positivos implicado na gênese da EI. O
Staphylococcus aureus é uma causa comum de EI de valva nativa e protética precoce (< 1 ano) e tardia (> 1 ano),
apresentando-se tipicamente sob a forma aguda e manifestações tóxicas, com grande predomínio em EI de
usuários de drogas injetáveis e associada aos cuidados de saúde, como cateter intravascular e após
procedimentos dentários. Os estafilocos coagulase-negativos, principalmente o Staphylococcus epidermidis, são
agentes cada vez mais frequentes em infecções de valvas protéticas, apresentando-se sob a forma subaguda,
entretanto com morbidade e mortalidade elevadas, e elevada resistência à antibioticoterapia.
A prevalência de EI por enterococos é elevada em idosos, sendo associada a alterações do TGU,
apresentando-se tipicamente sob a forma subaguda, exigindo como tratamento a utilização de penicilina ou
ampicilina em combinação com aminoglicosídeos, em geral a gentamicina.
Os microrganismos do grupo HACEK são bacilos Gram-negativo de crescimento lento incluindo espécies de
Haemophilus, Actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae. Esses
agentes colonizam a orofaringe e trato respiratório superior, causando EI com formas de apresentação
subagudas adquiridas na comunidade. Devido ao curso lento, o diagnóstico é muitas vezes atrasado e, como
resultado, a embolia cerebral ou para outros sistemas é comum.
Os fungos raramente causam EI, entretanto, nos casos de EI fúngicas, geralmente, alguns deles não crescem
nos meios de cultura usados, portanto, os fungos podem causar EI tanto com hemoculturas positivas quanto
negativas. A grande parte é causada por espécies de Candida, sendo geralmente associadas a cuidados de saúde,
atingindo as valvas protéticas. O uso de drogas injetáveis é um reconhecido fator de risco para o
desenvolvimento de EI fúngica.
Em uma grande parte dos casos não é possível isolar o agente patogênico nas hemoculturas devido ao uso
prévio de antibióticos ou, em alguns casos, o agente pode não crescer nos meios de cultura ou crescer
lentamente, devendo-se alargar o tempo de cultura, possibilitando a multiplicação e isolamento do agente
causador. Os microrganismos comuns desta apresentação são os fungos, Coxiella burnetti, Bartonella, Brucella
e Legionella.
O aspecto fundamental associado a patogenia da EI diz respeito à predisposição para o seu desenvolvimento
quando existem alterações estruturais cardíacas valvares e não valvares que provocam fluxos sanguíneos
turbulentos, lesão endotelial e deposição de fibrina e plaquetas, sendo esta lesão denominada de endocardite
bacteriana não trombótica (EBNT), atuando como um foco, onde bactérias da corrente sanguínea se aderem.
As EI de valvas nativas foram as mais predominantes em 72% dos casos, seguida pelas EI de valvas protéticas,
com 20% dos casos, e o restante de marca-passo ou CDI. As vegetações são mais comuns na posição mitral em
41% das vezes, seguida da posição aórtica em 38% das vezes. As valvas com lesões de insuficiência são mais
suscetíveis à infecção, principalmente devido ao impacto da pressão sanguínea sobre a valva fechada, sendo
que as lesões de disrupção endotelial estão relacionadas diretamente com a pressão de cisalhamento do fluxo
sanguíneo do jato regurgitante. Portanto, a insuficiência mitral é a condição predisponente mais frequente,
seguida da insuficiência aórtica. Em pacientes > 65 anos, a estenose aórtica não reumática é vista como a lesão
valvar aórtica que mais favorece o aparecimento da EI. Outros fatores predisponentes são doença cardíaca
congênita, principalmente defeitos do septo interventricular, história de EI prévia, história de procedimento
dentário, uso de drogas injetáveis, presença de dispositivos endocavitários, DM, neoplasia subjacente, IR com
necessidade de hemodiálise e terapia imunossupressora crônica.
O quadro clínico é influenciado por fatores como virulência do microrganismo, extensão da destruição
tecidual local, sequelas hemodinâmicas, extensão perivalvar da infecção e embolização séptica para qualquer
órgão. A febre é o sintoma inicial mais comum, entretanto, pode estar ausente em idosos, imunodeprimidos e
em pacientes submetidos a antibioticoterapia empírica prévia. A persistência da febre pode indicar a progressão
da infecção com extensão perivalvar sob a forma de abcesso, embolização séptica, dispositivo ou cateter
infectado ou um esquema antibiótico inapropriado. Outros sintomas constitucionais inespecíficos são calafrios,
sudorese, tosse, cefaleia, mal-estar geral, náuseas, mialgias, artralgias, anorexia, perda de peso, astenia e dor
abdominal, sendo estes 4 últimos mais comuns nos casos de EI subaguda. É importante reconhecer a presença
de dispneia, uma vez que este sintoma pode ser indicativo de lesão hemodinamicamente grave, enquanto que
a associação com ortopneia e dispneia paroxística noturna prenunciam o desenvolvimento de insuficiência
cardíaca, o que corresponde a complicação mais frequente da EI, principalmente na EI de valva nativa na posição
aórtica, seguida da mitral.
Um sopro audível está presente em 80% dos pacientes na apresentação inicial, particularmente na EI do
coração esquerdo, enquanto que um sopro novo estava presente em quase 50% dos pacientes. Os sopros são
detectados em menos da metade dos pacientes com EI secundária a um dispositivo cardíaco implantado e são
raramente audíveis nos pacientes com EI do coração direito. Alterações neurológicas centrais são frequentes,
sendo que nas formas subagudas, o AVC cardioembólico é normalmente o evento que leva à procura de
assistência médica. O exame abdominal pode evidenciar desconforto e dor à palpação, em particular do
quadrante superior esquerdo, sendo isto sugestivo de embolização e infarto esplênico, visto que o baço é o
segundo lugar mais comum de embolização séptica a seguir do cérebro. A esplenomegalia é associada aos
quadros de EI subaguda. Os eventos embólicos ocorrem com frequência nas fases iniciais do curso da EI,
particularmente após a instituição da antibioticoterapia adequada, principalmente em < 65 anos, EI por S.
aureus, vegetações > 10-15 mm, pedunculadas e altamente móveis.
Devido aos avanços que levaram ao diagnóstico e terapêutica precoce, as manifestações periféricas são
observadas menos vezes. As petéquias são o sinal mais frequente. As lesões de Janeway são máculas
hemorrágicas indolores palmoplantares, especialmente observada na EI de origem estafilocócica. As
hemorragias subungueais em estilha são lesões lineares vermelho-escuras também indolores, localizadas na
parte proximal do leito ungueal. Os nódulos de Osler são lesões nodulares eritematosas, indolores e geralmente
localizadas na polpa dos dedos das mãos e pés.
Outros diagnósticos cardíacos primários podem mimetizar a EI, como febre reumática aguda, SAAF e
endocardite não bacteriana trombótica ou marântica, entretanto, o grau de suspeição clínica aumenta na
presença de condições cardíacas predisponentes, sopros cardíacos novos ou que se alteraram, bacteremias,
evidência clínica de fenômenos embólicos e IC agravada ou outras alterações hemodinâmicas.

Critérios de Duke
Critérios maiores
Microrganismos típicos
Microrganismos compatíveis com EI obtido a partir de
Hemoculturas positivas
hemoculturas persistentemente positivas
para EI
Hemocultura positiva única com isolamento de Coxiella
burnetti
Massa intracardíaca
Evidência de Abcesso
envolvimento cardíaco Deiscência parcial nova da valva protética
Insuficiência valvar nova
Critérios menores
Predisposição Condição cardíaca ou uso de drogas injetáveis
Febre persistente sem
outra explicação -
alternativa
Êmbolos arteriais, infartos pulmonares sépticos, hemorragias
Fenômenos vasculares
intracranianas, hemorragias conjuntivais e lesões de Janeway
Fenômenos Glomerulonefrite, nódulos de Osler, pontos de Roth e fator
imunológicos reumatoide positivo
Hemoculturas positivas que não cumprem os critérios maiores
Evidência
ou evidência sorológica de infecção ativa por microrganismo
microbiológica
compatível com EI
Diagnóstico → 2 critérios maiores OU 1 critério maior e 3 menores OU 5 critérios menores

O hemograma apresenta, especialmente na EI subaguda, uma anemia normocítica normocrômica. Mesmo


na presença de uma infecção, leucocitose com desvio para a esquerda é detectada em 50-60% dos pacientes,
sendo mais comum nas formas agudas. A VHS e PCR encontra-se elevada em 61% dos casos, assim como
elevação do fator reumatoide em 5% dos casos, característica da forma subaguda. Uma nova elevação da
creatinina ocorre em 10-30% dos pacientes, sendo que muitas vezes se encontra hematúria e proteinúria na
análise de urina.
Graças a estreita proximidade entre o nó AV e o sistema de condução intraventricular proximal e a valva e a
raiz da aorta, a extensão perivalvar da infecção nesta valva é causa comum de bloqueio atrioventricular novo,
de qualquer grau, bem como de bloqueio cardíaco de ramo esquerdo em eletrocardiograma (ECG). Os preditores
independentes de extensão perivalvar são as endocardites de valvas protéticas, o envolvimento da valva aórtica
e a infecção por estafilococos.
O ecocardiograma transtorácico (ETT) apresenta sensibilidade em torno de 80% para detecção de vegetações
em valvas nativas, entretanto, apresenta valores significativamente menores quando valvas protéticas, sendo
então recomendado a realização do ecocardiograma transesofágico (ETE).
Pacientes com síndromes febris não específicas, um sopro cardíaco crônico estável, um exame físico não
sugestivo de EI e sem a presença de uma anatomia cardíaca de alto risco, como presença de valvas protéticas
ou doença cardíaca congênita complexa, são categorizados como baixo risco, enquanto aqueles com sopro
cardíaco significativo novo, estigmas periféricos de EI, IC nova, bacteremia por S. aureus e um anatomia cardíaca
de alto risco são considerados de alto risco. Os pacientes com baixo risco são submetidos inicialmente ao ETT,
sendo que se limitação ou inadequação deste exame, procede-se ao ETE. Caso o ETT inicial detectar achados de
alto risco, como vegetações de grandes dimensões > 10 mm, extremamente móveis, sugestão de extensão
perivalvar, insuficiência valvar ou disfunção nova do VE, deve-se realizar um ETE. Os pacientes de alto risco
devem ser submetidos ao ETE inicialmente. Findo o curso de antibioticoterapia, a repetição do ecocardiograma
está indicada para definição de um novo estado basal, no que diz respeito à morfologia valvar, presença de
vegetações residuais, insuficiência valvar e função ventricular.

O tratamento é separado em relação aos agentes etiológicos:


• Estreptococos do grupo Viridans: penicilina G sódica cristalina aquosa com seis administrações diárias
ou ceftriaxona com uma dose diária, durante 4 semanas em EI de valva nativa. Em determinados
pacientes, um esquema de tratamento com 2 semanas pode ser usado, com penicilina G sódica cristalina
aquosa ou ceftriaxona associados a gentamicina, reservado para casos de EI de valva nativa não
complicados. Para pacientes resistentes à penicilina, indica-se penicilina G sódica cristalina aquosa ou
ceftriaxona por 4 semanas associados a gentamicina por 2 semanas. Em casos de EI de valva protética,
indica-se penicilina G sódica cristalina aquosa ou ceftriaxona por 6 semanas associados ou não a
gentamicina por 2 semanas em pacientes sensíveis à penicilina e 6 semanas em pacientes resistentes à
penicilina.
• Estreptococos beta-hemolíticos: penicilina G sódica cristalina aquosa por 4 semanas.
• Estafilococos: oxacilina EV por 6 semanas nas EI de valvas nativas do coração esquerdo e nas EI
complicadas do coração direito em pacientes sensíveis à oxacilina, e vancomicina por 6 semanas em
pacientes resistentes à oxacilina. Em casos de EI de valvas protéticas, indica-se oxacilina e rifampicina
por 6 semanas associada a gentamicina.
• Enterococos: penicilina ou ampicilina associados a gentamicina por 4 semanas para aqueles que
apresentam sintomas < 3 meses e 6 semanas para aqueles com sintomas > 3 meses ou se EI de valva
protética.
• Microrganismos HACEK: ceftriaxona por 4 semanas para EI de valvas nativas e 6 semanas para EI de
valvas protéticas.

A cirurgia é a base para o tratamento de EI complicadas, sendo recomendada na presença de IC,


características indicadoras de alto risco de embolização e/ou em infecções não controladas. Além destas, é
geralmente recomendada na presença de vegetações móveis e de grandes dimensões > 10 mm, particularmente
após um evento embólico que ocorreu durante o tratamento antibiótico adequado.

Em relação a prevenção, preconiza-se a utilização de antibióticos para procedimentos dentários que


envolvam a manipulação do tecido gengival ou da região periapical dos dentes ou a perfuração da mucosa oral,
com dose única de amoxicilina VO, e alternativamente com clindamicina, azitromicina ou claritromicina. A
administração de antibióticos não está recomendada para pacientes que sejam submetidos a procedimentos do
TGU e TGI. A profilaxia antibiótica para a broncoscopia não é recomendada, a não ser que haja incisão da mucosa
do trato respiratório.
ENDOCARDITE INFECCIOSA – TRATADO DE GERIATRIA
A prevalência tem aumentado progressivamente na população mais idosa, principalmente no sexo
masculino, devido a fatores como aumento da expectativa de vida e das doenças degenerativas, aumento
expressivo de bacteremias produzidas por métodos invasivos de diagnóstico e terapêutica, associada à menor
resistência imunológica, e aumento progressivo do uso de próteses cardíacas valvares, marca-passos
temporários e definitivos, cateteres para infusão de líquidos e próteses ortopédicas. Cerca de 15 a 25% dos casos
apresentam o foco dentário como porta de entrada para os germes, apesar de que nos idosos é mais comum
bacteremias provenientes de infecções e manipulações do trato geniturinário.
Em 70% dos portadores de endocardite há a presença de doença cardíaca prévia, sendo que as mais comuns
são valvopatias degenerativas em 75% dos casos, seguidas pelas de etiologia reumática e as cardiopatias
congênitas em 25% dos casos. A endocardite em prótese é mais frequente nos idosos, assim como a calcificação
do anel mitral é fator de risco importante para endocardite nos idosos, conferindo pior prognóstico.
Os estreptococos são os agentes etiológicos em 25 a 80% dos casos, principalmente Streptococcus viridans,
seguido por enterococos e estafilococos. Em pacientes com próteses cardíacas, o Staphylococcus epidermidis é
o patógeno mais comum, enquanto que quando o agente causal é o enterococo há a correlação com infecções
de trato urinário e gastrintestinal.
A evolução clínica mais insidiosa, característica dos idosos, pode contribuir para um prognóstico mais
reservado, porque frequentemente o diagnóstico é feito pelas complicações da doença, o que retarda o início
do tratamento. A febre aparece em somente 2% dos casos de idosos com endocardite, assim como novos sopros
ou mudança de padrão em sopros preexistentes, nódulos de Osler, manchas de Roth e petéquias, os quais são
menos frequentes.
Para o diagnóstico, admitem-se critérios maiores, como diagnóstico anatomopatológico da vegetação,
hemoculturas positivas ou achado de vegetações ao ecocardiograma, e critérios menores, como febre,
fenômenos embólicos e valvopatia. As hemoculturas devem ser coletadas antes do início da antibioticoterapia.
O tratamento pode ser dividido em 2 grupos, endocardites complicadas e não complicadas. Nos casos não
complicados estão as infecções por Streptococcus viridans sem repercussão hemodinâmica, com prognóstico de
90 a 97% de cura com 4 semanas de antibioticoterapia com penicilina ou ceftriaxona. Nos casos complicados
estão incluídas infecções por estafilococos, fungos ou germes Gram-negativos, além de pacientes com
endocardite em próteses, embolizações sistêmicas e cerebrais clinicamente significativas, com prognóstico
reservado. Na internação do paciente, após a coleta das hemoculturas, o tratamento empírico deve ser iniciado
imediatamente.
Antibioticoterapia bactericida agressiva, isolada ou com cirurgia precoce, pode curar um número substancial
de pacientes. A substituição da prótese é imperativa, em se tratando de endocardite por fungos, pois ela tende
a apresentar recaídas, mesmo com antibioticoterapia adequada, e a produzir fenômenos embólicos. O
tratamento cirúrgico é indicado para casos de insuficiência cardíaca por disfunção valvar importante, infecções
não responsivas a antibioticoterapia e infecções de próteses com formação de abcessos.
A profilaxia está indicada para: (1) pacientes antes de procedimentos dentários que envolvam manipulação
da gengiva ou da região periapical dos dentes, ou se houver perfuração da mucosa; (2) incisão ou biópsia da
mucosa respiratória; e (3) portadores de prótese cardíaca, endocardite prévia, doença cardíaca congênita
complexa e valvopatia em transplantado.
OSTEOPOROSE
A osteoporose (OP) é uma doença esquelética crônica e progressiva, que acomete principalmente pessoas
idosas, caracterizada pela baixa massa óssea e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, causando alto
risco de fraturas, incapacidade física e perda da qualidade de vida. O diagnóstico pode ser feito baseado na
ocorrência de fraturas sem trauma significativo ou na baixa densidade mineral óssea medida pela densitometria
óssea (DXA), exame considerado padrão-ouro. É comum conceituar OP como sendo sempre o resultado de
perda óssea, entretanto, uma pessoa que não alcançou seu pico máximo durante a infância e a adolescência
pode desenvolver OP sem ocorrência da perda óssea acelerada.
Estima-se uma prevalência de 6 a 33%, sendo que, por ser uma doença assintomática, seu diagnóstico se faz,
muitas vezes, tardiamente por meio de suas complicações, que são as fraturas. A fratura vertebral prévia é um
excelente marcador de risco de fraturas futuras, tanto vertebrais como não vertebrais. As fraturas de punho
ocorrem com mais frequência por volta da 5ª década, enquanto que as vertebrais aumentam depois dos 60 anos
e as de fêmur têm sua maior incidência a partir da 7ª década.
Classificação
Mulheres, associada à menopausa, com perda acelerada do osso
Tipo I
trabecular e presença frequente de fraturas vertebrais
Primária
Idosos no geral, comprometendo ossos cortical e trabecular,
Tipo II
predispondo a fraturas vertebrais e de fêmur
 Endocrinopatias – tireotoxicose, hiperparatireoidismo e hipogonadismo
 Fármacos – corticoides, hormônio tireoidiano, anticonvulsivantes, heparina
 Artrite reumatoide
 Doenças gastrintestinais
Secundária
 Imobilização prolongada
 Mieloma múltiplo
 CA de mama
 Anemias crônicas
O osso é formado por 3 células: osteócitos, os quais são localizados
embebidos em uma matriz proteica de fibras colágenas impregnadas de sais
minerais, especialmente fosfato de cálcio, osteoblastos e osteoclastos, os
quais encontram-se no periósteo e endósteo, formando a matriz óssea. As
fibras colágenas dão elasticidade, e os minerais, resistência. Na composição
do esqueleto, há aproximadamente 80% de osso cortical ou compacto, com
funções mecânica e protetora, portanto, mais resistente, e 20% de osso
trabecular ou esponjoso, mais frágil.
O osso é um tecido dinâmico, que está em remodelação constante, não uniforme, por toda a vida. O processo
de remodelação coordenado com fases de formação e reabsorção óssea é realizado pelos osteoclastos e
osteoblastos, os quais formam a unidade básica multicelular, que determina a velocidade de destruição e
reposição óssea, geralmente sendo maior no osso trabecular. A sequência de remodelação óssea é composta
pelas fases de (1) ativação, quando os pré-osteoclastos, estimulados por forças mecânicas e microfraturas,
transformam-se em osteoclastos, (2) reabsorção, quando os
osteoclastos secretam uma substância ácida que digere matrizes
orgânica e mineral do osso, (3) inversão, caracterizada pela
cobertura da cavidade por células derivadas de monócitos,
prevenindo a erosão óssea adicional, e (4) formação, quando os
osteoblastos preenchem a lacuna com osteoide, o qual é
mineralizado progressivamente.
O RANKL é expresso pelos osteoblastos e seus precursores
imaturos, sendo responsável pela ativação de receptores RANK
(receptor ativador do fator nuclear Kappa-β) expressos nos
osteoclastos, resultando em formação e ativação destas células, prolongando sua sobrevivência. Os efeitos do
RANKL são bloqueados pela osteoprotegerina (OPG), produzida pelos osteoblastos e regulada por citocinas e
hormônios. Deficiência de estrogênio, uso de corticoides, ativação das células T como na artrite reumatoide e
doenças malignas, como mieloma e metástases, alteram a relação RANKL/OPG, promovendo a
osteoclastogênese, acelerando a reabsorção e induzindo a perda óssea.
A puberdade aumenta a produção dos hormônios sexual, com consequente maturação óssea, sendo
alcançado o máximo de massa e densidade óssea na fase adulta jovem. Uma vez alcançado o pico de massa
óssea, o processo de remodelação torna-se a principal atividade metabólica do esqueleto. Após 30 anos, em
vários locais do esqueleto, o processo de reabsorção e reposição não se faz na mesma proporção, predominando
a fase de reabsorção.
Fatores de risco
Sexo feminino* Baixa massa óssea
Fratura prévia Idade avançada*
História materna de fratura de fêmur Menopausa precoce < 40
proximal e/ou osteoporose* anos não tratada*
Tratamento com corticoides* IMC < 19
Amenorreia primária ou secundária Imobilização prolongada
Passado de dieta pobre em cálcio Perda de peso após 25 anos
Tratamento com outros fármacos
Hipogonadismo primário ou
(heparina, fenobarbital, fenitoína,
secundário em homens
carbamazepina, lítio, alumínio)*
Tabagismo, alcoolismo, sedentarismo
Síndromes de má absorção
e alto ingestão de cafeína*
Ao longo da vida, as mulheres perdem 35 a 50% do osso trabecular e 25 a 30% do osso cortical, enquanto os
homens perdem 15 a 45% do osso trabecular e 5 a 15% do osso cortical. Sabe-se que a diminuição da massa
esquelética é primariamente causada pela queda dos hormônios gonadais dependente da idade, sendo que a
queda dramática nas mulheres está relacionada com a redução de massa óssea, enquanto, nos homens, o
decréscimo é gradual.
Fatores genéticos são responsáveis por 85% da variância interpessoal da densidade mineral óssea (DMO),
por isso, a presença de OP e a história de fratura de fêmur proximal materna são consideradas como fatores de
risco.
Durante a atividade física, com a contração da musculatura, ocorre deformação do osso, chamada de
piezeletricidade, estimulando sua formação, especialmente em crianças e adolescentes, períodos críticos para
a aquisição de massa óssea biologicamente determinada.
Não se conhece bem o mecanismo pelo qual há aumento da reabsorção óssea com o uso dos hormônios
tireoidianos, entretanto, observa-se o aumento de osteocalcina sérica, da excreção de cálcio urinário e da
hidroxiprolina, assim como da redução da densidade óssea. Enquanto que os anticonvulsivantes induzem ao
aumento da atividade da enzima oxidase hepática, a qual altera o metabolismo hepático da vitamina D,
transformando-a em produto inativo. Os corticoides atuam diminuindo a absorção intestinal de cálcio,
aumentando a excreção renal de cálcio e fósforo, aumentando o PTH com estímulo à reabsorção óssea, piora
do recrutamento ou bloqueio na maturação dos osteoblastos, e atrofia de fibras musculares contribuindo para
imobilidade e piorando a perda óssea.
A nutrição pode ter um papel na perda óssea relacionada a idade. A má absorção de cálcio instala-se
gradualmente com o avançar da idade devido à queda de 25(OH)D com a idade, secundária à redução da
exposição ao sol e à piora do metabolismo desta vitamina pelo declínio da função renal, além disso, os
receptores da vitamina D estão em menor número. A adequada exposição solar é necessária para a produção
de vitamina D, entretanto, a síntese cutânea de vitamina D é bem menor nos idosos, somando-se o fato de
permanecerem mais em casa e, quando saem, cobrirem mais seus corpos com roupas.
O tabagismo é outro importante fator de risco, observando 10-30% menos conteúdo mineral ósseo nestes
pacientes, devido a múltiplos fatores, como presença de menor DMO secundário a magreza destes pacientes,
aumento na concentração de cádmio, o qual se acumula nos rins, piorando sua função e interferindo no
metabolismo da vitamina D, maior probabilidade de sedentarismo, menor absorção do cálcio e lesões arteriais
consequentes ao tabagismo causando perda óssea. As mulheres fumantes entram na menopausa precocemente
e, quando submetidas à terapia hormonal, apresentam menor ganho da massa óssea comparadas às não
fumantes.
Geralmente, a OP é assintomática, sendo que, na maioria das vezes, o paciente toma conhecimento da
doença quando ocorre uma fratura ou na observação da radiotransparência em exame radiológico. Os locais
mais comuns de fraturas de baixo impacto são vértebra, punho e região proximal do fêmur. A maioria das
fraturas vertebrais ocorre em região torácica inferior ou lombar superior, provocadas por mínimos traumas. O
colapso vertebral progressivo produz hipercifose (corcunda ou corcova de viúva), diminuição da altura, da
lordose natural lombar e da expansibilidade pulmonar.
Os exames laboratoriais são geralmente normais, sendo que sua solicitação visa estabelecer a presença de
fatores secundários determinantes da perda de massa óssea. Solicita-se hemograma, VHS, cálcio, fósforo,
proteínas totais, albumina, enzimas hepáticas, creatinina e eletrólitos, glicemia de jejum, cálcio urinário de 24
horas e vitamina D sérica. Existindo história clínica ou achados de exame físico sugestivos de outras causas
secundárias, testes laboratoriais adicionais podem ser necessários.
Os biomarcadores ósseos são produtos da degradação do osso, derivados de atividade osteoblástica e/ou
osteoclástica, traduzindo a remodelação ou turnover ósseo. Nenhum desses marcadores são específicos da OP,
portanto, não fazem diagnóstico, além disso, apresentam maior utilidade em pesquisas, entretanto, podem ser
úteis em algumas situações para o uso clínico, como na determinação do risco de fratura, da resposta
terapêutica a agentes antirreabsortivos e na identificação dos indivíduos com alto turnover ósseo, para predizer
a perda óssea.

Biomarcadores
Formação óssea Reabsorção óssea
Osteocalcina Fosfatase ácida
Fosfatase alcalina Piridinolina
Propeptídeos do colágeno 1 Telopeptídeos do colágeno 1

A sensibilidade e precisão das radiografias simples para determinar baixa massa óssea são fracas e, na
ausência da fratura vertebral, essa técnica não pode ser utilizada para diagnosticar OP precocemente, visto que
as alterações só serão observadas quando a perda de massa óssea atingir aproximadamente 30%. As alterações
que podem ser observadas são radiolucência ou radiotransparência aumentada, traduzida como osteopenia,
afinamento da cortical, desaparecimento primário das trabéculas horizontais, com persistência das verticais,
que seguem as linhas de força gravitacionais, estriação longitudinal, principalmente na zona subendosteal,
reabsorção óssea subperiosteal com irregularidade da superfície óssea externa e perda do osso trabecular na
região central das vértebras, passando a apresentar um aspecto de ‘moldura de quadro’.
A densitometria óssea (DXA) avaliada pela técnica DEXA permite estabelecer o diagnóstico da OP, determinar
o risco de fraturas, auxiliar na identificação de candidatos de intervenção terapêutica e avaliar as mudanças na
massa óssea, correspondendo ao padrão-ouro de diagnóstico da OP. Mulheres na pós-menopausa, imediata ou
tardia, apresentam perda basicamente de osso trabecular e devem ter a coluna lombar bem avaliada, assim
como fêmur proximal, assim como em indivíduos idosos. O antebraço pode ser utilizado em pacientes acima de
120 kg, nos casos de hiperparatireoidismo e doença degenerativa da coluna. As indicações são: (1) mulheres >
65 anos, (2) mulheres na peri e pós-menopausa com fatores de risco, (3) mulheres com amenorreia secundária
prolongada > 1 ano, (4) fratura por trauma mínimo e atraumático, (5) evidências radiográficas de osteopenia ou
fraturas vertebrais, (6) homens > 70 ou < 70 se presença de fatores de risco, (6) perda de estatura ao longo da
vida ou hipercifose torácica, (7) uso de >= 5 mg ou equivalente de corticoides por > 3 meses, (8) IMC < 19 para
jovens e IMC < 22 em idosos, (9) doenças crônicas em uso de outras medicações associadas à OP, independente
do tempo de administração, e (10) monitorização do tratamento para OP. Existem alguns fatores que podem
interferir na interpretação da DXA, como: osteoartrose e escoliose, implantes de silicone na região glútea,
ingestão de comprimido de cálcio nas 2 horas precedentes do exame e presença de objeto metálico no momento
do exame.
A DXA oferece três tipos de medidas: (1) valor absoluto, o qual não define risco de fratura e não separa
indivíduos normais dos patológicos, sendo importante apenas quando compara-se exames prospectivamente,
(2) valor percentual relativo a uma curva ajustada para idade, sexo, raça e peso (age matched) ou Z-score,
servindo para alertar quanto à existência de alguma causa secundária para osteopenia ou para OP,
especialmente em crianças, mulheres pré-menopausa, adolescentes e homens de 20 a 50 anos, e (3) valor
percentual relativo a uma curva de jovens entre 20 e 40 anos de idade (young adults) ou T-score. O
acompanhamento pode ser anual para OP tipo I e bienal para OP tipo II, visto que o metabolismo ósseo é mais
estável.
T-score
Até – 1,0 DP Indivíduos normais
Entre – 1,0 e – 2,5 DP Osteopenia
Abaixo de – 2,5 DP Osteoporose
Abaixo de – 2,5 DP, associada à fratura por fragilidade Osteoporose grave
Em 2008, a OMS desenvolveu a ferramenta FRAX para prever a probabilidade de fratura de quadril, coluna,
punho ou úmero em 10 anos, sendo destinado principalmente para mulheres na pós-menopausa e em homens
≥ 50 anos.
A biópsia óssea é indicada principalmente para realização de diagnóstico diferencial de doenças
osteometabólicas.
A prevenção da OP e das fraturas consequentes apoia-se em um tripé, composto por nutrição adequada,
bons hábitos de vida, incluindo exercícios físicos, evitando alcoolismo e tabagismo, e exposição solar sem uso
de protetor solar, especificamente antes das 10 horas da manhã e após 16 horas da tarde, e controle do
ambiente para prevenção de quedas.
Recomenda-se 1.500 mg de carbonato de cálcio para mulheres pós menopausa sem terapia estrogênica e
1.000 mg para homens e mulheres em terapia estrogênica, diariamente, devendo ser aumentada para 1.500
mg/dia após 65 anos, especialmente após as refeições, possuindo como alternativa a utilização do citrato de
cálcio para aqueles que apresentem constipação intestinal com o carbonato ou que tenham história de litíase
renal. Recomenda-se também a suplementação com vitamina D3 ou colecalciferol com doses entre 800-2.000
UI/dia, objetivando níveis séricos de 30 ng/mL, com avaliações a cada 2 a 3 meses.
Os exercícios mais benéficos para estimulação óssea no idoso são realizados com carga, como marcha, e
contra a resistência, como a musculação leve, pelo menos 3 vezes por semana, em dias alternados, durante, no
mínimo, 30 minutos.
Ao iniciar tratamento em médios e longos prazos com corticoide, é imprescindível a utilização concomitante
de suplementação de cálcio e vitamina D associado com antirreabsortivo ósseo, como alendronato, risedronato
ou ibandronato.
Os grupos terapêuticos para tratamento da OP são:
1. Bifosfonados: considerados como sendo os únicos de 1ª linha e terapia inicial, são derivados do ácido
pirofosfônico, atuando no bloqueio da adesão dos osteoclastos à superfície de reabsorção óssea e no
estímulo à sua apoptose. Os pacientes devem permanecer na posição vertical por 30 minutos após a
administração da droga a fim de minimizar o risco de esofagite nas formulações orais, enquanto que nas
formulações EV é observado como efeito colateral a osteonecrose de mandíbula. Recomenda-se o uso
contínuo durante 5 anos com intervalo de 2 anos, a depender da gravidade do quadro do paciente.
a. Alendronato: 10 mg 1x/dia ou 70 mg 1x/semana, em jejum, 30 minutos antes do café da manhã.
Os efeitos colaterais são geralmente moderados e, normalmente, afetam o TGI superior,
manifestando-se com pirose, plenitude gástrica, desconforto retroesternal e dor. As
contraindicações são hipersensibilidade ao produto, hipocalcemia, acalasia, refluxo
gastroesofágico, úlceras gástricas em atividade ou insuficiência renal grave.
b. Risedronato: 5 mg/dia, 35 mg 1x/semana ou 150 mg 1x/mês, 1 hora antes da primeira refeição.
Os efeitos colaterais são semelhantes ao alendronato. As contraindicações são hipocalcemia e
hipersensibilidade ao risedronato.
c. Ibandronato: 150 mg VO 1x/mês ou 3 mg EV a cada 3 meses para pacientes intolerantes à via
oral.
d. Pamidronato: 60 mg EV diluída em 250 mL durante 2 horas a cada 3 meses.
e. Zolendronato: 5 mg EV anualmente especialmente nos pacientes com intolerância aos
bifosfonados orais e naqueles com múltiplos esquemas terapêuticos, como AIDS ou
quimioterapia.
2. Terapia hormonal com estrógenos: funciona como antirreabsortivo ósseo, agindo sobre receptores
osteoblásticos, além disso, atua também nos sintomas climatéricos, diminuindo fogachos e
irritabilidade, e melhorando a libido. Atualmente, não constitui primeira opção para tratamento da OP
pós menopausa. As formas oral e transdérmica estão aprovadas para prevenção da perda de massa
óssea em mulheres na menopausa recente, entretanto, progestágeno deve ser administrado
simultaneamente naquelas que têm útero. Apresenta como efeito colateral o aumento do risco de
colelitíase e tromboembolismo. As contraindicações são CA de mama, sangramento vaginal anormal,
sem diagnóstico etiológico, tromboflebite aguda ou história de doenças tromboembólicas.
3. SERM ou moduladores seletivos dos receptores de estrogênio: raloxifeno 60 mg/dia. Age como
agonista estrogênico no perfil lipídico e na massa óssea, sem interferir na mama ou endométrio. Os
efeitos adversos frequentes são ‘flush’, náuseas, fogachos e cãibras nos membros inferiores.
Contraindica para pacientes com história de doença tromboembólica venosa e sintomas vasomotores
importantes do climatério.
4. Calcitonina: spray nasal 200 UI durante 15 dias, com 15 dias de intervalo, agindo sobre os osteoclastos,
inibindo a reabsorção óssea. Apresenta efeito analgésico na fase aguda da fratura.
5. Teriparatida: é um osteoformador, os quais agem sobre os osteoblastos de maneira anabólica,
estimulando a diferenciação das células progenitores em pré-osteoblastos, prevenindo a apoptose dos
osteoblastos e aumentando o número e a ação dessas células. Tem indicação restrita para OP grave, T-
score < - 3,0 DP, uso de corticoides e fraturas osteoporóticas frequentes que não respondem ao uso dos
demais antirreabsortivos. Recomenda-se injeções SC 20 mcg/dia por até 18 meses.
6. Ranelato de estrôncio: atua na formação e reabsorção óssea, agindo concomitantemente nos
osteoblastos e osteoclastos. A dose é de 2 gramas/dia VO para prevenção e tratamento da OP em
mulheres pós-menopausa, entretanto, os eventos trombóticos secundários ao uso desta droga limitam
seu uso.
7. Inibidores da RANKL: denosumab 60 mg SC a cada 6 meses.
SÍNDROME METABÓLICA
A síndrome metabólica (SM) é definida por uma constelação de fatores interligados, como adiposidade
visceral, resistência insulínica, liberação excessiva de ácidos graxos livres e citocinas inflamatórias, dislipidemia
aterogênica, hiperglicemia, hipertensão e estado de hipercoagulabilidade, conferindo ao indivíduo um aumento
de 5 vezes no risco para DM2 e 2 vezes no risco de doenças cardiovasculares ao longo dos próximos 5 a 10 anos.

Risco cardiovascular e de desenvolvimento do DM2


Cintura (cm)
Classificação (IMC) Homem entre 94 e 102 Homem > 102
Mulher entre 80 e 88 Mulher > 88
Baixo peso (< 18,5) - -
Peso normal (18,5 a 24,9) - Elevado
Sobrepeso (25 a 29,9) Elevado Elevado
Obesidade (≥ 30) Elevado Muito elevado

A definição mais utilizada atualmente é a feita pelo IFD, a qual se baseia no conceito de que a presença de
gordura visceral, estimada pela medida da cintura, é fator essencial e determinante de todos os outros
componentes da SM. Estima-se que um quarto da população adulta mundial tenha SM.
• Obesidade central, definida pela medida da cintura > 90 cm em homens e > 80 cm em mulheres,
associada a, pelo menos, 2 dos seguintes critérios:
o Triglicerídeos ≥ 150 mg/dL ou tratamento específico para dislipidemia;
o HDL ≤ 40 mg/dL em homens e ≤ 50 mg/dL em mulheres;
o PA ≥ 130x85 mmHg ou tratamento específico para hipertensão;
o Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL.

A SM está diretamente relacionada não apenas com o excesso de peso por si só, mas também com uma
alteração na distribuição da adiposidade corporal, definida pelo aumento de tecido adiposo visceral (TAV) e uma
diminuição do tecido adiposo subcutâneo (TASC). As células adiposas subcutâneas são menores, mais
responsivas ao efeito antilipolítico da insulina, grande capacidade de armazenamento de ácidos graxos livres
(AGL) e menor capacidade de produzir citocinas inflamatórias, enquanto que os adipócitos viscerais são células
maiores, metabolicamente ativos, atividade lipolítica acentuada, menor capacidade de acumular AGL e maior
capacidade de produzir e secretar citocinas inflamatórias.
O aumento da lipólise nos adipócitos viscerais ocasiona um aumento do aporte de AGL para o fígado e o
músculo esquelético, inibindo a ação da insulina pelo mecanismo de lipotoxicidade. A resistência insulínica no
fígado levaria a um aumento da gliconeogênese hepática, resultando em hiperglicemia, assim como no aumento
de secreção de VLDL, com consequente hipertrigliceridemia, aumento nos níveis de partículas de LDL, as quais
se apresentam pequenas e densas, com maior aterogenicidade, e redução nos níveis de HDL. O acúmulo intra-
hepático de triglicerídeos favorece o surgimento da doença hepática gordurosa não alcoólica e da esteato-
hepatite não alcoólica. A lipotoxicidade tem também ação deletéria sobre as células beta, diminuindo a secreção
de insulina e favorecendo o surgimento de hiperglicemia.
A participação das citocinas inflamatórias predispõe a resistência insulínica por inibição direta dos receptores
de insulina, dificultando, assim, o transporte intracelular de glicose. Além disso, certas citocinas, como PAI-1,
associado a fatores de coagulação VIII e V, predispõe ao estado de hipercoagulabilidade, o que favorece a
ocorrência de eventos vasculares trombóticos.
Existe um grau de hiperatividade do sistema nervoso simpático, o que seria uma forma de compensação na
tentativa de estabilizar o peso corporal pelo aumento da termogênese, devido a hiperinsulinemia,
principalmente pós-prandial, correspondendo a um dos principais ativadores deste sistema. As consequências
são vasoconstrição periférica, retenção de líquidos, desenvolvimento de HAS e aumento da frequência cardíaca.
Além disso, a hiperinsulinemia, associada a hiperglicemia, ativam o sistema renina-angiotensina-aldosterona
(SRAA), e a hipersecreção de leptina pelos adipócitos viscerais, também contribuem para a gênese da HAS.
Os pacientes com SM apresentam uma hiperativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que parece
estar relacionada com um estado de hipercortisolismo subclínico, com consequente piora da resistência
insulínica, devido a ação do cortisol no receptor da insulina. Além disso, há uma diminuição do hormônio de
crescimento (GH) por inibição direta da secreção pela hiperinsulinemia, diminuição dos níveis plasmáticos de
testosterona total e livre e aumento dos níveis de estradiol nos homens, se caracterizando como um estado de
hipogonadismo hipogonadotrófico, potencialmente reversível com a perda de peso, enquanto que as mulheres
apresentam hiperandrogenismo, devido à ação da hiperinsulinemia e secreção aumentada de LH, o que explica
a alta prevalência de síndrome de ovários policísticos em pacientes com SM.
A resistência insulínica está associada a diminuição na captação de glicose pelos neurônios, aumento na
produção e secreção de beta-amiloide, formação de placas senis, bem como fosforilação da proteína tau, o que
predispõe a ocorrência da doença de Alzheimer nestes pacientes.
HIPERTENSÃO ARTERIAL
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é considerada uma doença cardiovascular crônica, sendo responsável,
direta ou indiretamente, pela maior parte dos eventos cerebrovasculares, cardíacos e renais, muitos deles
preveníveis pelo precoce e adequado tratamento desta doença. Estima-se uma prevalência de 32,5% no Brasil,
com aumento gradativo ao decorrer da idade, chegando a 60% na população idosa. Antes da menopausa, as
mulheres apresentam uma prevalência menor, relação que pode se inverter na pós-menopausa, sugerindo um
efeito protetor do estrogênio. A raça também parece ser um fator determinante, observando esta patologia
mais comumente e com maior gravidade em negros. Pela natureza assintomática, grande parte da população
hipertensa não é diagnosticada até apresentar o seu primeiro evento cardiovascular, geralmente um AVE
isquêmico.
Define-se HAS na presença de níveis médios de pressão arterial (PA) que conferem um significativo aumento
do risco de eventos cardiovasculares, em curto ou longo prazo, sendo estes níveis iguais ou superiores a 140 x
90 mmHg, aferidos em ≥ 2 consultas médicas. Entretanto, existem outras definições associadas a diferentes
métodos de aferição da PA.
Critérios diagnósticos da HAS Observações
 Exceto se na 1ª consulta houver valores ≥ 180 x 110 mmHg
ou ≥ 140 x 90 mmHg com risco cardiovascular alto, os quais
já inferem o diagnóstico
 PA aferida após conversa ‘relaxante’, com dorso recostado
na cadeira e braço confortavelmente apoiado na mesa
 Orientar que não se deve fumar, tomar café ou consumir
PA no
qualquer substância pressórica nos 30 minutos prévios
consultório ≥ 140 x 90 mmHg em 2 consultas
 A esfigmomanometria é o método de escolha para a
(citada acima)
aferição da PA, sendo que se utilizado manguito menor há
tendência de superestimação da PA, sendo o contrário
verdadeiro
 Pacientes idosos, diabéticos ou em uso de uma nova droga
anti-hipertensiva é fundamental aferir a PA após 3 minutos
em posição ortostática
 3 medidas matinais antes do café da manhã e 3 à noite antes
Monitorização ≥ 135 x 85 mmHg, correspondendo a
do jantar durante 5 dias, ou 2 medidas antes do café e 2
residencial média de várias aferições com
antes do jantar durante 7 dias, em jejum e antes da
(MRPA) aparelho calibrado
administração das medicações
Monitorização Período de vigília → ≥ 135 x 85 mmHg -
ambulatorial Sono → ≥ 120 x 70 mmHg -
(MAPA) 24 horas → ≥ 130 x 80 mmHg -
Existem algumas situações peculiares, como:
• Hipertensão do jaleco branco: definida como valores de PA ≥ 140 x 90 mmHg na consulta médica e <
140 x 90 mmHg em domicílio, sendo encontrada em cerca de 30% dos pacientes diagnosticados como
hipertenso, especialmente aqueles no estágio I.
• Efeito do jaleco branco: definido como aumento transitório da PA em pelo menos 20 mmHg na sistólica
e/ou 10 mmHg na diastólica quando for aferida por profissional de saúde, sendo observada em
pacientes normotensos e hipertensos.
• Hipertensão mascarada: definida como valores normais de PA no consultório, porém com PA elevada
pela MAPA, havendo indicação de pesquisa em pacientes com PA normal ou limítrofe que desenvolvem
sinais de lesões em órgãos-alvo. Estima-se uma prevalência de 13% na população.
• Hipertensão sistólica isolada: cerca de 70% dos hipertensos > 75 anos apresentam elevação apenas da
PA sistólica, com aumento considerável do risco de eventos cardiovasculares.
• Pré-hipertensão: define um estado de maior risco de hipertensão arterial no futuro, apresentando
valores entre 121-139 mmHg na PA sistólica e 81-89 mmHg na PA diastólica. Estima-se uma prevalência
de 30,7% na população.
• Pseudo-hipertensão: especialmente em idosos com artérias endurecidas devido a calcificação e
arteriosclerose, observando-se a manobra de Osler positiva, quando a artéria continua sendo palpada,
sem pulso, e o manguito insuflado em níveis superiores à PA sistólica aferida.
• Hipotensão postural: define-se como a redução > 20 mmHg na PA sistólica e/ou > 10 mmHg na PA
diastólica após 3 minutos em posição ortostática.
Estadiamento da PA
Classificação PAS (mmHg) PAD (mmHg)
Normal ≤ 120 ≤ 80
Pré-hipertensão 121-139 81-89
Estágio I 140-159 90-99
Estágio II 160-179 100-109
Estágio III ≥ 180 ≥ 110
OBS: Caso a PAS esteja em uma categoria diferente da PAD vale o que for maior
A avaliação inicial do paciente hipertenso inclui análise de urina, potássio, creatinina, glicemia em jejum,
lipidograma, ácido úrico e ECG, sendo que há possibilidade de solicitar outros exames, como: ecocardiograma,
especialmente se houver critérios de hipertrofia do ventrículo esquerdo no ECG, albuminúria em pacientes
diabéticos, com síndrome metabólica ou com ≥ 2 fatores de risco, USG de carótidas quando houver sinais de
doença cerebrovascular ou doença aterosclerótica em outros territórios, e teste ergométrico em pacientes com
suspeita de doença coronariana (DAC) estável, DM ou AF de DAC em paciente com PA controlada. Não é comum
a solicitação da dosagem de sódio plasmático, exceto se o paciente realizar uso de diuréticos ou inibidores
seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), os quais correspondem a um dos fármacos mais associados a
hiponatremia.
Em 95% dos casos, a HAS possui causa desconhecida, sendo denominada de hipertensão primária ou
essencial, enquanto que no restante dos casos denomina-se de hipertensão secundária, geralmente associada
a doença parenquimatosa renal e estenose de artéria renal ou hipertensão renovascular.
𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃ã𝑜𝑜 𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎 (𝑃𝑃𝑃𝑃) = 𝐷𝐷é𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏𝑏 𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐í𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎 (𝐷𝐷𝐷𝐷) 𝑥𝑥 𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅ê𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣 𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝é𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟𝑟 (𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅𝑅)

As principais teorias patogênicas da HAS primária explicam o aumento inicial da PA através do aumento do
DC, geralmente por retenção de sal e água pelo organismo, com indução de vasoconstrição arteriolar, devido a
autorregulação do fluxo orgânico, e consequente aumento da RVP, o que, por sua vez, reduz o DC, fazendo-o
voltar ao normal. Além disso, a PA elevada estimula a liberação local de substâncias tróficas que promovem a
proliferação e desarranjo celular da parede dos vasos, assim, com o passar dos anos, a RVP vai aumentando,
servido como o principal fator de manutenção ou progressão da HAS, ou seja, pode-se dizer que HAS gera mais
HAS. As consequências finais deste remodelamento podem ser: arterioloesclerose hialina, arterioloesclerose
hiperplásica, geralmente observada na hipertensão acelerada maligna (PA > 200 x 120 mmHg), a qual apresenta
indicação clara da realização de fundoscopia e, se necessário, biópsia renal, observando sob microscopia o
aspecto ‘bulbo de cebola’, microaneurismas de Charcot-Bouchard, responsável pelo AVE hemorrágico
intraparenquimatoso, e aterosclerose, apresentando como lesão inicial a estria gordurosa, composta por lipídios
e células espumosas na camada íntima do vaso, evoluindo para a placa de ateroma propriamente dita após
migração de miócitos da camada média para a íntima, com consequente formação do tecido fibroso envolvendo
o cerne lipídico.
Cerca de 50% dos hipertensos, especialmente idosos e negros, são hipersensíveis à administração de sódio.
Em indivíduos normotensos, os rins respondem ao aumento da PA com uma maior natriurese, entretanto, nos
hipertensos a natriurese só aumenta em níveis proporcionalmente maiores de PA, portanto, a retenção de sódio
e água aumenta a volemia e, consequentemente o DC.
Entre 30-60% dos casos há um aspecto genético, essencialmente em negros, nos quais observa-se o gene
APOL1, o qual confere proteção contra infecções tripanossômicas, tendo como efeito colateral uma maior
predisposição à HAS e suas complicações.
O baixo peso ao nascer e prematuridade relacionam-se ao comprometimento do desenvolvimento renal
adequado na fase uterina, resultando em crescimento compensatório na fase extrauterina, o que promove
hipertrofia dos glomérulos e consequente desenvolvimento de HAS por maior secreção basal de renina.
Cerca de 40% dos hipertensos jovens < 40 anos têm um alto DC à custa de um hiperadrenergismo,
apresentando FC elevada, aumento do inotropismo cardíaco e vasoconstrição, sendo denominados de
hipertensos hipercinéticos. Enquanto que em pacientes com resistência periférica à insulina e hiperinsulinemia
apresentam PA elevada devido ao aumento da reabsorção renal de sódio, aumento da atividade simpática e
hipertrofia da musculara lisa vascular.
A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é a repercussão mais comum da HAS, caracterizada pela massa
ventricular esquerda indexada para a superfície corpórea > 116 gramas/m2 em homens e > 96 gramas/m2 em
mulheres. Classifica-se em formas concêntrica e excêntrica. O fenômeno de isquemia miocárdica pode ser
precipitado, mesmo na ausência de lesão obstrutiva, devido à baixa reserva coronariana associada ao aumento
da demanda metabólica miocárdica. Além disso, associa-se a um risco maior de morte súbita por arritmia,
principalmente nos indivíduos hipocalêmicos pelo uso de diuréticos.
A HAS é fator agravante ou precipitante para IC, doença aterosclerótica, doença cerebrovascular, nefropatia
hipertensiva e retinopatia hipertensiva, sendo que o acometimento ocular espelha o acometimento vascular de
outros órgãos, especialmente rins.
Uma estimativa do risco cardiovascular (RCV) é essencial para definir a necessidade e a ‘agressividade’ da
terapêutica anti-hipertensiva. A estratificação do RCV pode ser baseada em duas estratégias diferentes:
• Estimativa do RCV diretamente relacionado à HAS – estratégia restrita aos hipertensos: baseada na
presença de fatores de risco cardiovascular (FRCV) adicionais, lesões de órgão-alvo (LOA), doença
cardiovascular (DCV) estabelecida e/ou nefropatia.

PAS 130-139 e/ou PAD 85-89 HAS Estágio I HAS Estágio II HAS Estágio III
Sem outro Moderado
Sem risco adicional Baixo risco Alto risco
FRCV risco
1-2 FRCV Baixo risco Moderado risco Alto risco Alto risco
≥ 3 FRCV Moderado risco Alto risco Alto risco Alto risco
LOA, DCV,
Alto risco Alto risco Alto risco Alto risco
DRC ou DM
Fator de risco cardiovascular (FRCV) adicionais
Sexo ≥ 55 anos em DCV prematura em
≥ 65 anos em mulheres Tabagismo Colesterol > 190
masculino homens parentes de 1º grau
HDL < 40 em
LDL > 115 HDL < 46 em mulheres TG > 150 GJ 100-125 GTT 140-199
homens
HbA1C 5,7- CA ≥ 88 em
IMC ≥ 30 CA ≥ 102 em homens - -
6,4% mulheres
Lesões de órgãos-alvo (LOA)
Espessura
Placas de ateroma em DRC estágio III
HVE ITB < 0,9 mediointimal (EMI) Albuminúria 30-300
USG de carótidas (ClCr 60-30)
carotídea > 0,9
Doenças estabelecidas (DCV)
Retinopatia Doença cerebrovascular DAP sintomática DCR estágio IV
IC Albuminúria > 300
avançada ou coronariana em MMII ou V

• Estimativa do RCV em 10 anos, independentemente da presença de HAS – estratégia para qualquer


pessoa entre 30-74 anos: avalia múltiplos FRCV em 3 etapas, caracterizadas por (1) identificação de
doença aterosclerótica e seus equivalentes, sendo que na presença destes é estimado um RCV > 20%
em 10 anos, com consequente ‘alto risco’, (2) cálculo do escore de risco geral, caso a 1ª etapa seja
‘negativa’, subclassificada em ERG < 5% definindo ‘baixo risco’, ERG 5-20% em homens e 5-10% em
mulheres definindo ‘risco intermediário’, e > 20% em homens e > 10% em mulheres definindo ‘alto
risco’, e (3) reclassificação do risco na presença de fatores agravantes, especialmente em pacientes de
risco intermediário, nos quais, quando houver a presença de fatores agravantes, serão reclassificados
para risco alto. Pacientes com ERG < 5%, entretanto, presença de AF de DCV prematura, eleva o risco
para ‘intermediário’.

Doença aterosclerótica e seus equivalentes (+ = alto risco)


Doença Hipercolesterolemia
Coronariopatia DM DRC
cerebrovascular familiar
Aterosclerose AP de
DAP - -
subclínica significativa revascularização
Fatores agravantes (+ = intermediário → alto risco)
DCV prematura em Síndrome
ITB < 0,9 HVE PCR > 2
parentes de 1º grau metabólica
EMI de carótida > 1 Albuminúria > 30 - - -

O tratamento é indicado para:


• HAS estágio II ou II, independente do RCV, bem com indivíduos com estágio I com RCV alto;
• HAS estágio I com RCV intermediário ou baixo com tratamento não medicamentoso por 3 e 6 meses,
respectivamente. Se após tal período a PA não ficar dentro da meta, inicia-se o tratamento
medicamentoso;
• Pré-hipertensos devem iniciar o tratamento não medicamentoso, sendo indicado o tratamento
medicamento nos casos associados a DCV estabelecida ou RCV alto;
• HAS sistólica isolada em idosos > 60 anos indica-se o tratamento medicamentoso a partir de PAS ≥ 140,
enquanto que nos ‘muito idosos’ > 80 anos inicia-se a partir de PAS ≥ 160;
• HAS sistólica isolada em jovens < 30 anos indica-se tratamento se RCV for alto, enquanto que em RCV
baixo a moderado inicia-se tratamento não medicamentoso e monitorização do surgimento de LOAs.
Metas pressóricas
HAS estágio I e II com RCV alto < 130 x 80 mmHg
HAS estágio III, HAS estágio I e II com RCV baixo ou intermediário < 140 x 90 mmHg
OBS1: PAD < 65-70 mmHg aumentam a mortalidade relacionada aos eventos isquêmicos, justificando a curva J
OBS2: o ideal, sempre que possível, é que o controle pressórico seja confirmado por medidas fora do consultório
O tratamento não medicamentoso (TNM) é um importante coadjuvante, capazes de reduzir a PA de maneira
independente, porém discreta e por curta duração, já que a maioria dos pacientes não conseguem manter por
longo prazo, entretanto, deve-se ser indicado para todos os pacientes hipertensos. Seja como for, o TNM
potencializa a ação dos medicamentos e também ajuda a controlar outros fatores de risco.
• Controle de peso e da circunferência abdominal (CA), visto que o ganho ponderal se associa a um
aumento da PA, em particular quando acompanhado de obesidade central, justificado pela resistência
à insulina e hiperativação adrenérgica. Possui o maior impacto na redução da PA em comparação às
outras medidas não medicamentosas.
o IMC < 25 até 65 anos e IMC < 27 após 65 anos.
o CA < 94 cm em homens e < 80 em mulheres.
• Dieta DASH, rica em frutas hortaliças e laticínios com baixo teor de gordura, e pobre em carne vermelha,
doces e bebidas adoçadas. Os polifenóis são nutrientes capazes de reduzir a PA, presentes no vinho,
café, chá verde e chocolate amargo, apesar de que alguns deles conterem cafeína, uma substância
sabidamente vasopressora.
• Controle no consumo de sal, recomendando, no máximo, 2 gramas/dia de sódio, ou 5 gramas/dia de
NaCl.
• Controle no consumo de álcool, uma vez que o consumo excessivo aumenta a PA devido a ativação
adrenérgica central por efeito direto do etanol, recomendando até 1 dose/dia em mulheres e pessoas
com baixo peso e 2 doses/dia em homens.
• Exercícios físicos, os quais evitam o surgimento de HAS em pré-hipertensos, além de reduzir a PA de
hipertensos, especialmente exercícios aeróbios. Na vigência de PA muito alta, > 3 FRCV, DM, LOA ou
cardiopatia, é indicado a realização de teste ergométricos antes de iniciar um programa de atividades
físicas.
o 30 minutos/dia de atividade aeróbica por 5-7 dias da semana.
o Sempre que possível, associar atividades aeróbicas com exercícios resistidos, entre 2-
3x/semana.
• Cessação do tabagismo.
• Técnicas para ‘controle do estresse’.
Define-se anti-hipertensivo de 1ª linha quando, além de baixar a PA, reduz a morbimortalidade
cardiovascular. As 5 classes destas drogas são: (1) diuréticos (DIU), (2) bloqueadores de canais de cálcio (BCC),
(3) inibidores da ECA (iECA), (4) bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), e (5) β-bloqueadores (BB).
Geralmente, prefere-se drogas de uso oral, na menor dosagem possível, de ação longa ou liberação lenta,
permitindo a tomada 1x/dia, o que aumenta a adesão medicamentosa. A maioria dos anti-hipertensivos começa
a agir entre 1-3 horas, logo, recomenda-se a tomada após acordar, a fim de evitar o pico de pressão que
normalmente ocorre no início do dia. A PA deve ser reavaliada após 4 semanas do início ou mudança do
tratamento.
1. Diuréticos (DIU): a preferência é pelos tiazídicos em baixas doses pelo fato de poderem ser tomados
1x/dia e promoverem uma redução mais suave da PA. Os DIU de alça são indicados apenas na vigência
de DRC avançada e/ou na presença de edema, como na ICC. Os DIU ‘poupadores de potássio’ não são
bons anti-hipertensivos, no entanto, podem ser associados a fim de evitar hipocalemia.
a. Tiazídicos: inicialmente, a natriurese induzida reduz o volume extracelular (VEC), entretanto,
passadas 4-6 semanas, o VEC volta ao normal pelo aumento compensatório na reabsorção renal
de sal e água, enquanto que, tardiamente, há um efeito sobre os vasos, resultando em redução
da resistência vascular periférica, o que efetivamente reduz a PA. Os efeitos colaterais são:
hipocalemia, correspondendo ao efeito mais comum, especialmente com a clortalidona,
havendo a possibilidade de associação com DIU ‘poupadores de potássio’, hiponatremia,
geralmente nas primeiras semanas de uso, hiperglicemia e hiperlipidemia, devido ao bloqueio
direto na liberação de insulina, hiperuricemia, secundário a maior reabsorção renal de ácido
úrico, hipercalcemia, hipocalciúria, e impotência sexual. Considerado como droga de 1ª escolha,
na ausência de complicações, especialmente em afrodescendentes.
Tiazídicos
Hidroclorotiazida 12,5-25 mg/dia
Indapamida (Natrilix ) 1,25-2,5 mg/dia
Clortalidona (Higroton ) 12,5-25 mg/dia

b. DIU de alça: promovem uma natriurese muito mais intensa, espoliando o paciente de volume,
logo, só devem ser usados como anti-hipertensivo quando a HAS estiver associada à
hipervolemia. Esta droga inibe a reabsorção renal de cálcio, aumentando a calciúria e
predispondo à hipocalcemia, ou seja, possui efeito oposto do tiazídico, sendo contraindicado
em pacientes com AP de nefrolitíase, entretanto, indicado para aqueles com hipercalcemia
aguda sintomática. A hipocalemia deste DIU é menos grave em comparação a causada pelos
tiazídicos devido ao seu curto efeito de duração, contrastando com a meia-vida longa destes.
Alça
Furosemida (Lasix ) 20-80 mg/dia (2 tomadas)

c. Poupadores de potássio: bloqueiam diretamente o receptor de aldosterona, como


espironolactona e eplerenona, ou então, o canal epitelial de sódio (ENaC), como amilorida ou
triantereno. São drogas de escolha para tratamento da HAS no hiperaldosteronismo primário.
Poupadores de potássio
Espironolactona (Aldactone ) 25-100 mg/dia (1-2 tomadas)
Eplerenona (Inspra ) 50-200 mg/dia (1 tomada)
HCTZ + Amilorida (Moduretic ) 5-10 mg de amilorida/dia (1 tomada)
HCTZ + Triantereno (Iguassina ) 50 mg de triantereno/dia (1 tomada)

2. Bloqueadores de canais de cálcio (BCC): bloqueiam canais de cálcio presente na membrana, reduzindo
o influxo de cálcio para o citoplasma. Subdividido em 2 tipos: (a) di-idropiridínicos, caracterizados por
serem vasosseletivos, promovendo vasodilatação e redução da resistência vascular periférica, sem
interferir na contratilidade miocárdica, sendo os mais utilizados, especialmente os de meia-vida longa,
como o amlodipina, e (b) não di-idropiridínicos, caracterizados por serem cardiosseletivos, atuando em
canais de cálcio localizados nos cardiomiócitos e tecido de condução, com capacidade de deprimir a
contratilidade miocárdica, além de ocasionar bradicardia, devendo ser evitado na ICFER, entretanto,
úteis nos hipertensos que necessitam reduzir a FC, mas não podem utilizar BB, como portadores de
angina pectoris que também têm asma ou DPOC. Os efeitos colaterais dos primeiros são edema
maleolar devido a resposta vasodilatadora exagerada em membros inferiores, gerando hiperfluxo e
edema pela maior transudação de líquido, cefaleia, tonteira e rubor facial, enquanto que nos segundos
observa-se agravamento da ICFER, bradicardia, bloqueio AV e constipação, especialmente com
verapamil. É uma droga eficaz para idosos.
Bloqueadores de canais de cálcio
Di-idropiridínicos
Nifedipina (Adalat ) 30-60 mg/dia (1-2 tomadas)
Anlodipina (Norvasc ) 2,5-10 mg/dia (1 tomada)
Não di-idropiridínicos
Diltiazem (Balcor ) 120-540 mg/dia (1 tomada)
Verapamil (Dilacoron ) 120-480 mg/dia (1 tomada)
3. Inibidores da ECA (iECA): reduzem a formação de angiotensina II e a degradação da bradicinina,
caracterizada por ser vasodilatador endógeno, obtendo como resultado final uma vasodilatação arterial
periférica e queda de resistência vascular. São excelentes anti-hipertensivos, particularmente úteis em
ICFER e IAM anterior extenso, evitando o processo de remodelamento cardíaco progressivo, nefropatia
diabética ou DRC, visto que promovem vasodilatação seletiva da arteríola eferente, reduzindo o estresse
mecânico gerado pela hiperfiltração e a própria proteinúria. Os efeitos colaterais incluem tosse seca,
explicada pelo aumento da bradicinina no parênquima pulmonar, angioedema, erupções cutâneas, IRA
na doença renovascular e pancreatite. São contraindicados na gestação e clearence < 30. Após o início
do uso é comum uma queda na TFG pela diminuição na pressão intraglomerular, bem como algum
aumento nos níveis séricos de potássio, porém, se houver aumento da creatinina > 30-35% da basal
e/ou hipercalemia, o iECA deverá ser suspenso, iniciando a investigação de estenose de artéria renal.
Geralmente apresentam eficácia diminuída em pacientes de raça negra.
Inibidores da ECA
Captopril (Capoten ) 25-100 mg/dia (2-3 tomadas)
Enalapril (Renitec ) 10-40 mg/dia (1-2 tomadas)
Lisinopril (Zestril ) 10-40 mg/dia (1 tomada)
Ramipril (Triatec ) 2,5-20 mg/dia (1 tomada)
4. Bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA): bloqueiam o receptor AT1 de angiotensina II,
entretanto, por não inibirem a ECA, os BRAs não produzem aumento de bradicinina. São úteis nas
mesmas situações que os iECAs, e têm basicamente os mesmos paraefeitos, com exceção da tosse seca
e angioedema. O losartan possui uma vantagem específica, caracterizada por ser uricosúrico,
representando uma boa escolha de anti-hipertensivo para pacientes com história de gota.
Bloqueadores do receptor de angiotensina
Losartan (Cozaar ) 25-100 mg/dia (1-2 tomadas)
Valsartan (Diovan ) 80-320 mg/dia (1-2 tomadas)
Candesartan (Atacand ) 8-32 mg/dia (1-2 tomadas)
Telmisartan (Micardis ) 40-80 mg/dia (1-2 tomadas)
Olmesartan (Benicar ) 20-40 mg/dia (1-2 tomadas)
Todos podem ser ministrados 1x/dia, entretanto, muitos preferem o fracionamento da dose em 2x/dia, o que reduz
picos de concentração e promove maior estabilidade dos níveis séricos, acarretando maior segurança, a despeito de
uma chance aumentada de má adesão medicamentosa
5. β-bloqueadores (BB): bloqueiam os receptores β1-adrenérgicos, localizados no coração, reduzindo o DC
através de uma diminuição do cronotropismo (FC), do inotropismo (contratilidade) e do dromotropismo
(condução AV), além disso, reduz a secreção de renina pelo aparelho justaglomerular ao inibir a ação de
catecolaminas. Por outro lado, o bloqueio dos receptores β2-adrenérgicos, localizados nos vasos
sanguíneos, brônquios e hepatócitos, promovem vasoconstrição, broncoconstrição e inibição da
liberação hepática de glicose estimulada por catecolaminas. Os BB também possuem a característica de
lipossolubilidade, o que se relaciona com a capacidade de cruzar a barreira hematoencefálica, sendo o
propranolol a droga de maior lipossolubilidade, especialmente útil no tremor essencial, síndromes
hipercinéticas e enxaqueca. O pindolol possui atividade simpatomimética intrínseca, ou seja, ao se ligar
aos receptores, promove certo grau de estimulação, justificando uma menor incidência de paraefeitos
cardiovasculares. As ações terapêuticas adicionais dos BB de 3ª geração são: bloqueio concomitante dos
receptores α1-adrenérgicos com carvedilol e labetalol, promovendo vasodilatação periférica direta,
aumento da síntese de óxido nítrico com nebivolol, e melhora do perfil glicêmico e lipídico com
carvedilol e nebivolol. Os BB, especialmente os não seletivos, são contraindicados na vigência de
intoxicação pela cocaína, enquanto que os BB de 1ª e 2ª geração são formalmente contraindicados na
asma, DPOC e BAV de 2º e 3 º graus. Os efeitos colaterais são broncoespasmo, bradicardia, distúrbio na
condução AV, insônia, pesadelo, depressão, disfunção erétil, intolerância à glicose e dislipidemia.

Os BBs não são considerados anti-hipertensivos de 1ª linha, entretanto, constituem boas opções
terapêuticas em ICFER (carvedilol, metoprolol e bisoprolol), doença coronariana, especialmente os
seletivos, taquiarritmia, enxaqueca, tremor essencial e hipertireoidismo.
β-bloqueador
Propranolol (Inderal ) 40-160 mg/dia (2 tomadas)
1ª geração Não seletivos Timolol -
Pindolol (Visken ) 10-40 mg/dia (2 tomadas)
Atenolol (Atenol ) 25-100 mg/dia (1 tomada)
Seletivos para o Bisoprolol (Concor ) 5-20 mg/dia (1 tomada)
2ª geração
receptor β1 Esmolol -
Metoprolol (Selozok ) 50-100 mg/dia (1-2 tomadas)
3ª geração (+ ações Carvedilol (Coreg ) 12,5-50 mg/dia (2 tomadas)
Não seletivos
terapêuticas adicionais) Labetalol (Trandate ) 100-300 mg/dia (2 tomadas)
Seletivos para o
Nebivolol (Nebilet ) 2,5-10 mg/dia (1 tomada)
receptor β1
Existem drogas de ação central que também podem ser utilizadas, como agonistas α2 e agonistas
imidazólicos, os quais estimulam receptores α2a-adrenérgicos e receptores imidazólicos, respectivamente,
ambos inibitórios, diminuindo o tônus adrenérgico central e, consequentemente, a resistência vascular
periférica e o débito cardíaco. Ambas as classes têm vantagens adicionais na presença da síndrome das pernas
inquietas, retirada dos opioides, flushes da menopausa e hiperatividade simpática da cirrose hepática. Os efeitos
colaterais são sonolência, sedação, xerostomia, disfunção erétil e hipotensão postural, sendo mais frequente
em idosos. A clonidina é a droga que acarreta maior risco de efeito rebote se houver interrupção súbita,
portanto, a fim de evitar esse desfecho negativo, deve-se reduzir a medicação de forma paulatina.
Simpatolíticos de ação central
Agonistas α2a
Clonidina (Atensina ) 0,1-0,8 mg/dia (2 tomadas)
Metildopa (Aldomet ) 250-1.000 mg/dia (2 tomadas)
Agonistas imidazólicos
Rilmenidina -
Moxonidina -
Os α-bloqueadores bloqueiam seletivamente os receptores α1-adrenérgicos, os quais são vasoconstritores,
reduzindo então a resistência vascular. Este mesmo receptor está presente na musculatura lisa do estroma
prostático, o que faz serem úteis nos hipertensos que também têm queixas de prostatismo. Além disso,
apresentam efeito de melhora do perfil glicídico e lipídico. São drogas de escolha no paciente com
feocromocitoma, iniciados antes dos BBs. Os efeitos colaterais são hipotensão postural, em particular com o
prazosin, e incontinência urinária, especialmente em mulheres.
α-bloqueadores
Prazosin (Minipress ) 2-30 mg/dia (2-3 tomadas)
Doxazosin (Carduran ) 1-16 mg/dia (1 tomada)
Os vasodilatadores arteriais diretos são caracterizados pela redução da resistência vascular, mais intensa do
que aquela observada com α-bloqueadores ou BCC, acarretando maior risco de hipovolemia relativa, sendo
frequente o surgimento de taquicardia reflexa. São evitados na vigência de síndrome coronariana aguda,
aneurisma dissecante de aorta e hemorragia cerebral. Promovem importantes benefícios em relação ao controle
lipêmico, enquanto que o minoxidil tem como vantagem adicional a melhora da calvície. Os efeitos colaterais
são cefaleia, rubor facial, taquicardia reflexa e edema.
Vasodilatadores arteriais diretos
Hidralazina (Apresolina ) 25-100 mg/dia (2-3 tomadas)
Minoxidil (Loniten ) 2,5-80 mg/dia (1-2 tomadas)
As urgências hipertensivas (UH) são situações clínicas sintomáticas em que há elevação acentuada da PA,
definida arbitrariamente como PAD ≥ 120 mmHg, sem LOA aguda e progressiva, enquanto que as emergências
hipertensivas (EH) são situações clínicas sintomáticas em que há elevação acentuada da PA, definida
arbitrariamente como PAD ≥ 120 mmHg, com LOA aguda e progressiva. Pacientes com queixas de cefaleia, dor
torácica atípica, dispneia, estresse psicológico agudo e síndrome de pânico associados à PA elevada não
caracterizam UH ou EH, mas, na realidade, uma pseudocrise hipertensiva.

A PA deve ser medida nos dois braços, repetidas vezes até a estabilização, com, no mínimo, 3 medidas. Deve-
se rapidamente coletar informações sobre a PA usual do paciente e situações que possam desencadear o seu
aumento, como ansiedade, dor, e consumo de sal, comorbidades, uso de fármacos anti-hipertensivos, bem
como dosagem e adesão, ou que possam aumentar a PA, como anti-inflamatórios, corticoides,
simpaticomiméticos e álcool.
O tratamento da UH deve ser iniciado após um período de observação clínica em ambiente calmo, condição
que ajuda a afastar casos de pseudocrise, tratados somente com repouso ou analgésicos e tranquilizantes.
Captopril, clonidina e BB são os anti-hipertensivos orais usados para reduzir gradualmente a PA em 24 a 48
horas. Enquanto que o tratamento da EH visa redução rápida da PA, com a finalidade de impedir a progressão
das LOAs, devendo admitir o paciente em UTI, monitorar e administrar anti-hipertensivos EV, tendo como meta
de redução de PA ≤ 25 % na 1ª hora.
DISLIPIDEMIA
Os lípides biologicamente mais relevantes são os fosfolipídeos, os quais formam a estrutura básica das
membranas celulares, o colesterol, precursor dos hormônios esteroides, dos ácidos biliares e da vitamina D,
triglicérides (TG), os quais constituem uma das formas de armazenamento energético mais importantes no
organismo, e ácidos graxos, classificados em saturados, como láurico, mirístico, palmítico e esteárico, mono-
insaturados, como ácido oleico, e poli-insaturados, como ômega 3 e 6.
As lipoproteínas, compostas por lípides e proteínas denominadas de apolipoproteínas (apo), permitem a
solubilização e transporte dos lípides, que são substâncias geralmente hidrofóbicas.
Características bioquímicas das lipoproteínas
Lipoproteína Componente lipídico Apolipoproteínas
Quilomícrons Triglicerídeos ApoB48, apoAI, apoAII, apoAIV, apoAV
VLDL Triglicerídeos ApoB100, apoCII, apoCIII, apoE, apoAI e apoAV
IDL Triglicerídeos ApoB100, apoCII, apoCIII, apoE
LDL Colesterol ApoB100
HDL Proteínas ApoAI, apoAII, apoCIII, apoE, apoM
Lp(a) LDL Apo(a) e apoB100
Os TG representam a maior parte das gorduras ingeridas na dieta, sendo hidrolisados pelas lipases
pancreáticas em ácidos graxos livres (AGL), monoglicerídios e diglicerídeos, os quais são emulsificados pelos sais
biliares, formando micelas, que facilitam assim sua movimentação através da borda em escova das células
intestinais, na quais há a presença da proteína NPC1-L1, o que facilita também a absorção intestinal.
Especialmente os ácidos graxos, ao serem absorvidos, servem de substrato para a produção dos quilomícrons
(apoB48), sendo, em seguida, secretados pelas células intestinais para o interior do sistema linfático, de onde
alcançam a circulação através do ducto torácico. Enquanto circulam, sofrem hidrólise pela lipase lipoproteica
(LPL), enzima presente no endotélio de capilares do tecido adiposo e músculos, com consequente liberação de
ácidos graxos, os quais são capturados nestes locais. Remanescentes de quilomícrons e ácidos graxos também
são capturados pelo fígado, onde são utilizados na formação do VLDL.
Os VLDL (apoB100) são lipoproteínas ricas em TG, sendo que sua montagem no fígado requer a ação de uma
proteína intracelular denominada de proteína de transferência de TG microssomal (MTP). Na circulação, os TG
são hidrolisados pela LPL, enzima estimulada pela apoCII e inibida pela apoCIII, sendo que neste momento os
VLDL estão sujeitos a trocas lipídicas com as HDL e LDL circulantes através da proteína de transferência de
ésteres de colesterol (CETP). Os ácidos graxos liberados são redistribuídos aos tecidos, nos quais podem ser
armazenados ou prontamente utilizados. Uma parte das VLDL dá origem às IDL, que são removidas rapidamente
do plasma, enquanto que o restante resulta na formação das partículas de LDL.
O LDL tem um conteúdo apenas residual de TG e é composta principalmente de colesterol e uma única apo,
a apoB100. As LDL são capturadas por células hepáticas ou periféricas pelos receptores de LDL (LDLR). No interior
das células, o colesterol livre pode ser esterificado para depósito por ação da enzima Acil-CoA:Colesteril
Aciltransferase (ACAT). A expressão dos LDLR nos hepatócitos é a principal responsável pelo nível de colesterol
no sangue e depende da enzima Hidroximetilglutaril Coenzima A (HMG-CoA) redutase, enzima-chave para a
síntese intracelular do colesterol hepático. A inibição da HMG-CoA e, portanto, da síntese intracelular do
colesterol, resulta em aumento da expressão de LDLR nos hepáticos com maior captação de LDL circulante. A
PCSK9 é uma protease expressa predominantemente pelo fígado, intestino e rins, capaz de inibir a reciclagem
do LDLR de volta à superfície celular, resultando em menor número de receptores e aumento dos níveis
plasmáticos de LDL.
As partículas de HDL (apoAI) são formadas no fígado, intestino e na circulação. O colesterol livre da HDL,
recebido das membranas celulares devido a ação do complexo ABC-A1, é esterificado por ação da Lecitina-
Colesterol Aciltransferase (LCAT), sendo estanho transportado até o fígado, no qual a partícula é captada pelos
receptores SR-B1. Além disso, o HDL também remove lípides oxidados da LDL, inibe a fixação de moléculas de
adesão e monócitos ao endotélio, e estimula a liberação de óxido nítrico.
Existem algumas peculiaridades laboratoriais, como:
• Após 1 minuto de torniquete, pode ocorrer aumento de cerca de 5% no CT, portanto, visando minimizar
o ‘efeito torniquete’, este deve ser desfeito tão logo a agulha penetre na veia.
• O jejum não é necessário para realização do lipidograma. Em algumas situações em que a concentração
de TG encontra-se muito elevada > 440 mg/dL, uma nova coleta para perfil lipídico deve ser solicitada
pelo médico ao paciente com jejum de 12 horas. Pacientes idosos, diabéticos, gestantes e crianças
devem se beneficiar do fim do jejum, evitando hipoglicemias secundárias ao jejum prolongado.
• Utiliza-se a fórmula de Friedewald para cálculo do LDL = CT – HDL – TG/5, desde que TG < 400 mg/dL.
• A utilização do não-HDL (não-HDL = CT – HDL) também serve como parâmetro para avaliação das
dislipidemias, estimando a quantidade de lipoproteínas aterogênicas circulantes no plasma,
principalmente naqueles pacientes com concentração de TG > 400 mg/dL.
• A apoB encontra-se nas lipoproteínas aterogênicas VLDL, IDL e LDL originadas do fígado e nos
remanescentes da via exógena do metabolismo. Assim, a dosagem da apoB constitui uma medida
indireta de todas as partículas aterogênicas presentes na corrente sanguínea, correspondendo à fração
do não-HDL, entretanto, a dosagem de rotina não é recomendada na avaliação ou estratificação do risco
cardiovascular.
• A ApoAI é a principal apoproteína da HDL e fornece uma boa estimativa da concentração de HDL,
entretanto, sua dosagem não mostrou superioridade à dosagem do HDL na previsão do risco
cardiovascular.
• A Lp(a) é uma partícula de LDL com uma apo(a) ligada à apoB e, em geral, suas concentrações
plasmáticas são determinadas geneticamente. Existem evidências robustas de associação independente
entre elevações de Lp(a) e risco de DCV na população geral, não apenas pelo conteúdo lipídico da Lp(a),
mas também por suas propriedades pró-trombóticas e pró-inflamatórias, entretanto, sua análise não é
recomendada de rotina, mas deve ser considerada na estratificação de risco em indivíduos com AF de
doença aterosclerótica de caráter prematuro e na hipercolesterolemia familiar.
• As partículas de LDL pequenas e densas coexistem com níveis elevados de TG, sendo consideradas mais
aterogênicas do que LDL maiores e boiantes, que predominam em concentrações mais baixas de TG,
entretanto, não existem evidencias para justificar a determinação laboratorial do tamanho das
partículas de lipoproteínas ou da quantificação de seu número no plasma.
• Atualmente, a associação entre inflamação e DCV está bem estabelecida, principalmente na presença
de PCR > 2 mg/L após exclusão de causas inflamatórias, infecciosas ou imunes. Apesar disto, não é
recomendada sua dosagem para estratificação de risco.
As dislipidemias podem ser classificadas em hiperlipidemias, caracterizadas pelos níveis elevados de
lipoproteínas, e hipolipidemiais, caracterizada pelos níveis reduzidos de lipoproteínas. Ambas as classificações
podem ter causas primárias, ou seja, de origem genética, ou causas secundárias, decorrente do estilo de vida
inadequado, de certas condições mórbidas ou de medicamentos.
Dislipidemias secundárias a doenças e estilo de vida inadequado
Colesterol total HDL Triglicerídeos
DRC/síndrome nefrótica  - 
Hepatopatia crônica  a   ou  Normal ou leve 
DM II -  
Obesidade   
Tabagismo -  -
Etilismo -  
Ingesta excessiva de gorduras trans   
Sedentarismo   
Dislipidemias secundárias a medicamentos
Diuréticos -  
β-bloqueadores -  
Anticoncepcionais  - 
Corticoides  - 
As dislipidemias podem ser classificadas de acordo com a fração lipídica alterada em: (1) hipercolesterolemia
isolada, quando aumento isolado do LDL ≥ 160 mg/dL, associado a aterosclerose precoce, (2)
hipertrigliceridemia isolada, quando TG ≥ 150/175 mg/dL, associado a pancreatite e fígado esteatótico não
alcoólico, (3) hiperlipidemia mista, quando LDL ≥ 160 mg/dL ou não-HDL ≥ 190 mg/dL e TG ≥ 150/175 mg/dL, e
(4) HDL baixo, quando < 40 mg/dL em homens e < 50 mg/dL em mulheres, isolado ou em associado ao aumento
de LDL ou TG.

Dentre diversos algoritmos para estratificação do risco cardiovascular, recomenda-se a utilização do escore
de risco global (ERG), que estima o risco de IAM, AVC ou IC, fatais ou não fatais, em 10 anos.
O paciente é classificado como muito alto risco quando doença aterosclerótica significativa presente, com
ou sem eventos clínicos, ou obstrução ≥ 50% em qualquer território arterial. Enquanto que o paciente
classificado como alto risco apresenta aterosclerose subclínica documentada, seja por USG de carótidas com
presença de placas, ITB < 0,9, escore cálcio arterial coronariano > 100 ou placas ateroscleróticas na angio-TC de
carótidas, ou DRC < 60 mL/minuto, LDL ≥ 190 mg/dL, DM 1 ou 2 com presença de estratificadores de risco (ER)
ou doença aterosclerótica subclínica (DASC), já citado acima, ou risco calculado > 20% em homens e > 10% em
mulheres. O paciente de risco intermediário é definido pelo risco calculado entre 5 a 20% em homens e 5 a 10%
em mulheres, ou DM sem critérios de ER e/ou DASC, e o baixo risco pacientes com risco calculado < 5%.
Os estratificadores de risco são ≥ 48 anos nos homens e ≥ 54 anos nas mulheres, diagnóstico de DM > 10
anos, AF de primeiro grau com DCV prematura, tabagismo, HAS, síndrome metabólica, albuminúria > 30
mg/grama de creatinina, retinopatia ou TFG < 60 mL/minuto.

ECS 2019

As metas recomendadas de LDL e não-HDL estão acima, atentando-se que para pacientes de alto e muito
alto risco cardiovascular deve-se dar preferência, sempre que possível, para o uso de estatina de alta
intensidade. Não são propostas metas para o HDL e não se recomenda tratamento medicamentoso visando sua
elevação, além disso, com relação aos TG, considera-se que pacientes ≥ 500 mg/dL devem receber terapia
apropriada para redução do risco de pancreatite, enquanto que aqueles entre 150 e 499 mg/dL devem receber
terapia individualizada. Para outras variáveis, como níveis de apolipoproteínas ou Lp(a), também não são
especificadas metas terapêuticas.

Atentar-se que houve mudanças


na diretriz ECS 2019 em relação
as metas terapêuticas de LDL:
 Baixo risco: 116 mg/dL
 Moderado risco: 100 mg/dL
 Alto risco: 70 mg/dL
 Muito alto risco: 55 mg/dL

Em relação as medidas não medicamentosas para controle da hipercolesterolemia, preconiza-se uma dieta
isenta de ácidos graxos trans e a substituição de ácidos graxos saturados e carboidratos por ácidos graxos poli-
insaturados, salientando que se recomenda < 10% das calorias na forma de ácidos graxos saturados para aqueles
saudáveis e < 7% para aqueles com risco cardiovascular aumentado. Enquanto que para o controle de
hipertrigliceridemia, a concentração plasmática de TG é muito sensível a variações do peso corporal e alterações
na composição da dieta, ou seja, recomenda-se eliminar ácidos graxos trans, controlar o consumo de saturados,
priorizar poli-insaturados, especificamente os da série ômega 3, reduzir açúcares de adição, limitando-os em <
5-10% das calorias diárias, e incluir carnes magras, frutas, grãos e hortaliças na dieta.
O consumo de ≥ 2 porções de peixes ricos em eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA) por
semana, ambos considerados ácidos graxos poli-insaturados da série ômega 3, está associado à redução do risco
cardiovascular entre indivíduos em prevenção primária e secundária, assim como a suplementação de EPA e
DHA de 2 a 4 gramas está recomendada tanto para hipertrigliceridemia leve/moderada quanto para
hipertrigliceridemia grave ≥ 500 mg/dL, na vigência do risco de pancreatite, refratária a medidas não
farmacológicas e tratamento medicamentoso.
O consumo de bebida alcoólica não é recomendado para indivíduos com hipertrigliceridemia, uma vez que o
excesso de etanol parece inibir a lipase das lipoproteínas, com consequente redução na hidrólise de
quilomícrons, justificando a lipemia induzida pelo álcool, além disso, o produto da metabolização do álcool é a
Acetilcoenzima A (acetil-CoA), principal precursora da síntese de ácidos graxos.
O consumo de fitosteróis reduz a absorção de colesterol, principalmente pelo comprometimento da
solubilização intraluminal, indicado para indivíduos com colesterol elevado e risco cardiovascular baixo a
moderado, que não se qualificam para tratamento farmacológico, ou como medida adjunta ao tratamento
farmacológico em pacientes que não atinjam as metas apesar deste. Devem ser ingeridos preferencialmente
nas refeições, podendo ou não ser fracionados em várias tomadas, sendo seus efeitos observados a partir de 3
a 4 semanas.
A ação das fibras na redução do colesterol está relacionada ao consumo de fibras solúveis, que formam um
gel que se liga aos ácidos biliares no lúmen intestinal, aumentando sua excreção nas fezes e diminuindo sua
reabsorção durante o ciclo êntero-hepático. Recomenda-se uma ingestão mínima de 25 gramas/dia de fibras.
A atividade física aumenta a biodisponibilidade de óxido nítrico e diminui a concentração de endotelina, além
disso, na presença de DCV, há evidências de que o exercício físico praticado regularmente diminui a formação
de neoíntima, aumenta a circunferência luminal e provoca angiogênese, associado também a mobilização de
células progenitoras do endotélio e aumento da expressão da óxido nítrico sintase endotelial (eNOS). Em relação
aos lípides plasmáticos, o exercício aumenta os níveis de HDL. Recomenda-se uma sessão com duração de 60
minutos de 3 a 5 vezes/semana.
Em pacientes de muito alto ou alto risco cardiovascular, o tratamento deve incluir medicações já em
associação as modificações do estilo de vida, citadas acima, enquanto que para os pacientes de risco moderado
ou baixo, o tratamento será iniciado apenas com as medidas do estilo de vida durante 3 a 6 meses, com a
associação, em segunda etapa, de medicamentos, se necessário.
1. Estatinas: inibem a HMG-CoA, dose-dependente, resultando em depleção intracelular de colesterol, o
que estimula a síntese e a expressão na membrana celular de receptores para captação do colesterol
circulante, como LDLR. Indicado em terapias de prevenção primária e secundária como 1ª opção.
Os efeitos colaterais são raros, entretanto, os efeitos musculares são os mais comuns quando ocorrem,
podendo surgir em semanas ou anos após o início do tratamento, variando desde mialgia, com ou sem
elevação de CPK, até rabdomiólise. A dosagem de CPK deve ser avaliada no início do tratamento,
principalmente naqueles indivíduos com antecedentes de intolerância à estatina ou em uso de fármacos
que aumentam o risco de miopatia, assim como naqueles que ocorrerem sintomas musculares ou que
for aumentada a dose da estatina. A avaliação basal das enzimas hepáticas deve ser realizada antes do
início da terapia com estatina.
O aumento > 10x do valor de referência de CPK ou > 3x do valor de referência das enzimas hepáticas
indicam a suspensão da medicação.
Intensidade Redução do LDL Estatinas de 1ª opção
Atorvastatina 40-80 mg
Alta intensidade > 50%
Rosuvastatina 20-40 mg
Atorvastatina 10-20 mg
Moderada intensidade 30-50% Rosuvastatina 5-10 mg
Sinvastatina 20-40 mg
Baixa intensidade < 30% Sinvastatina 10 mg
2. Ezetimiba: inibe a absorção de colesterol na borda em escova do intestino delgado, bloqueando a
proteína transportadora NPC1-L1, levando à diminuição dos níveis de colesterol hepático e ao estímulo
à síntese de LDLR, com consequente redução do nível plasmático de LDL. Constitui opção terapêutica
em pacientes que não atingem a meta de LDL com dose máxima de estatina, associando-a, assim como
em pacientes que apresentam intolerância às estatinas, usando-a isoladamente ou associada as
estatinas em doses baixas. É empregada na dose única de 10 mg/dia, podendo ser administrada a
qualquer hora do dia, não interferindo na absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis.

3. Resinas ou sequestradores dos ácidos biliares: atuam reduzindo a absorção enteral de ácidos biliares,
como resultado, ocorre depleção do colesterol celular hepático, estimulando a síntese de LDLR e de
colesterol endógeno, entretanto, como consequência, pode ocorrer aumento da produção de VLDL e,
consequentemente, de TG plasmáticos, portanto, evitado na hipertrigliceridemia.
No Brasil, somente a colestiramina está disponível, a qual recomenda-se sua adição às estatinas quando
a meta de LDL não é obtida apesar do uso de estatinas potentes em doses efetivas. É empregada,
inicialmente, 4 gramas ao dia, podendo atingir, no máximo, 24 gramas ao dia, entretanto, doses
superiores a 16 gramas são dificilmente toleradas, geralmente com efeitos sobre o aparelho digestivo,
por interferir na motilidade intestinal, como obstipação, plenitude gástrica, náuseas e meteorismo.
É o único fármaco liberado para mulheres no período reprodutivo sem método anticoncepcional efetivo
e durante os períodos de gestação e amamentação.

4. Fibratos: agem estimulando os receptores nucleares α ativados da proliferação dos peroxissomas


(PPAR-α), levando ao aumento da produção e ação da LPL, responsável pela hidrólise intravascular dos
TG, e à redução da apoCII, responsável pela inibição da LPL, além disso, também estimula a síntese de
apoAI e, consequentemente, de HDL.
São indicados no tratamento de hipertrigliceridemia endógena quando houver falha das medidas não
farmacológicas, entretanto, quando TG > 500 mg/dL são recomendados, inicialmente, junto das
medidas não farmacológicas.
É infrequente a ocorrência de efeitos colaterais, entretanto, podem ocorrer distúrbios gastrointestinais,
mialgia, astenia, litíase biliar, diminuição da libido, erupção cutânea, prurido, cefaleia e perturbação do
sono. Casos de rabdomiólise têm sido descritos com a associação de estatinas com gemfibrozila,
portanto, esta combinação está contraindicada.
Medicamento Dose mg/dia
Bezafibrato 200-400
Ciprofibrato 100
Fenofibrato 200-250
Genfibrozila 600 a 1200
5. Ácido nicotínico ou niacina: reduz a ação da lipase tecidual nos adipócitos, levando à menor liberação
de ácidos graxos livres para a corrente sanguínea, tendo como consequência, a redução da síntese de
TG pelos hepatócitos.
Pode, excepcionalmente, ser utilizado em pacientes com HDL baixo isolado, mesmo sem
hipertrigliceridemia associada, e como alternativa aos fibratos e estatinas ou em associação com esses
fármacos em portadores de hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia ou dislipidemia mista. Inicia-se
com 500 mg/dia, com aumento gradual a cada 4 semanas, buscando atingir 1 a 2 gramas/dia.
Como efeito adversos, observa-se rubor facial ou prurido, especialmente no início do tratamento. O
pleno efeito é atingido com o decorrer de vários meses de tratamento.

6. Inibidores da PCSK-9: sabe-se que a funcionalidade e o número de LDLR expressos na superfície dos
hepatócitos constitui fator determinante dos níveis plasmáticos de LDL. A PCSK9 é uma enzima que
desempenha um papel importante no metabolismo lipídico, modulando a densidade de LDLR,
favorecendo sua degradação.
Assim, a inibição da PCSK-9 previne a degradação do LDLR, aumentando a densidade de receptor na
superfície do hepatócito e a depuração de partículas circulantes de LDL.
Dois inibidores da PCSK-9 foram aprovados no Brasil, o alirocumabe e o evolocumabe. Ambos são
aplicados por meio de injeção subcutânea. Recomenda-se a utilização somente em pacientes com risco
cardiovascular elevado, em tratamento otimizado com estatinas na maior dose tolerada, associado ou
não à ezetimiba, e que não tenham alcançado as metas de LDL ou não-HDL recomendadas.
Em geral, é bem seguro e bem tolerado, podendo observar a ocorrência de nasofaringite, náuseas,
fadiga e aumento da incidência de reações no local da injeção.
LITÍASE RENAL
A nefrolitíase é extremamente comum, com uma prevalência em torno de 3% da população, interpretada
como um distúrbio permanente, a qual apresenta taxa de recorrência de 10% no 1º ano, 35% nos 5 anos
subsequentes e 50-60% em 10 anos. É mais comum em homens entre 20-40 anos, manifestando-se,
principalmente, através da síndrome de cólica nefrética.
Os principais fatores de risco são AP e AF de nefrolitíase, baixa ingesta hídrica, urina ácida, especialmente em
situações como obesidade e DM2, AP de gota, HAS, cirurgia bariátrica, uso prolongado de certos medicamentos
e infecção urinária crônica ou recorrente.
Os cálculos são compostos de oxalato de cálcio em 70-80% dos casos, puro ou misturado a outros sais,
geralmente com fosfato de cálcio do tipo hidroxiapatita, o qual apresenta-se ocasionalmente sob a forma de
nefrocalcinose. O segundo tipo mais frequente de cálculo renal é o de estruvita, ou fosfato de amônio
magnesiano (fosfato triplo), correspondendo a 10-20% do total, especialmente associado a infecção por
bactérias produtoras de urease na urina, sendo a principal causa de cálculos coraliformes. Em terceiro lugar está
o cálculo de ácido úrico, representando 5-10% dos casos e, finalmente, o cálculo de cistina, responsável por 2-
3% dos casos.
A litíase renal se origina do crescimento e agregação de cristais insolúveis, ou micrólitos, os quais resultam
da combinação de elementos químicos da urina. A patogênese é dividida em 3 fases: (1) supersaturação, sendo
favorecida na hiperexcreção de solutos, volume urinário reduzido, alterações do pH (pH alcalino favorece a
supersaturação de fosfato de cálcio e estruvita, enquanto que pH ácido reduz a solubilidade do ácido úrico e
cistina) e deficiência dos inibidores da cristalização, (2) nucleação, subdividida em homogênea (primária), a qual
exige concentrações urinárias muito elevadas dos elementos envolvidos, ou heterogênea (epitaxial ou
secundária), quando o cristal é formado sobre a superfície de outro cristal de composição diferente, ou
eventualmente, sobre elementos orgânicos, como debris celulares, (3) crescimento e agregação. Os cristais,
depois de formados, podem ou não se transformar em cálculos macroscópicos, uma vez que o fluxo urinário
pode eliminar os cristais antes que eles cresçam e se tornem cálculos renais verdadeiros, portanto, sua presença
não garante o diagnóstico de litíase.
O principal inibidor fisiológico da formação de cálculos é a água, diminuindo a chance de nucleação e
favorecendo a eliminação dos cristais recém-formados. O citrato e o magnésio são importantes inibidores da
nucleação do oxalato de cálcio, pois o magnésio se liga ao oxalato, formando oxalato de magnésio, e o citrato
se liga ao cálcio, formando citrato de cálcio, ambas substâncias bastante solúveis, sendo então eliminadas.
Algumas proteínas urinárias inibem o crescimento e agregação dos cristais de oxalato de cálcio, como é o caso
da proteína de Tamm-Horsfall, secretada pelos túbulos renais.
A dor típica dos cálculos urinários é decorrente de sua mobilização, ou seja, cálculos imóveis
independentemente do tamanho podem cursar de forma assintomática, produzindo então graus variáveis de
obstrução ao fluxo de urina, especialmente em 3 pontos principais, conhecidos como pontos de constrição
fisiológica do ureter: (1) junção ureteropélvica, mais comum, apresentando caracteristicamente dor em flanco
e sinal de Giordano positivo, (2) terço médio do ureter, no cruzamento com os vasos ilíacos internos,
apresentando caracteristicamente dor abdominal com irradiação para ligamento inguinal e/ou testículo/grande
lábio ipsilateral, e (3) junção vesicoureteral, apresentando caracteristicamente disúria, polaciúria, urgência e dor
uretral, semelhantemente a quadros de cistite. Felizmente, na maioria das vezes, os cálculos impactam apenas
de forma transitória, migrando então para bexiga, sendo eliminados, uma vez que os casos de obstrução total
podem acarretar hidronefrose progressiva e perda do parênquima renal de semanas a meses caso a obstrução
não seja desfeita.
Portanto, quando um cálculo migra da pelve renal para o ureter há o surgimento de uma dor variavelmente
intensa, ocasionada pela impactação do cálculo. Na tentativa de forçar a passagem do cálculo, o ureter se contrai
de maneira espasmódica e repetitiva, justificando as típicas crises de dor em ‘cólica’, durando cerca de 20-60
minutos. Se essa impactação provocar obstrução importante, ocorre um grande aumento na pressão do trato
urinário, gerando distensão aguda da cápsula renal, justificando a presença de punho-percussão lombar
positiva. Manifestações como náuseas, vômitos, sudorese fria, síncope, taquicardia e hipertensão arterial são
comuns, entretanto, não se espera a presença de irritação peritoneal. Depois da infecção urinária, a nefrolitíase
é a segunda causa de hematúria, macro ou microscópica, podendo ser, algumas vezes, o único sinal da
nefrolitíase.
Para o diagnóstico, é importante responder 3 perguntas:
1. Existe mesmo nefrolitíase?
A TC helicoidal não contrastada é considerada padrão-ouro para o diagnóstico, apresentando como
desvantagens a incapacidade de medir a função renal e a exposição à radiação ionizante. A USG renal é
considerada método de escolha na ausência da TC, bem como nas gestantes, apresentando maior sensibilidade
para cálculos da pelve ou cálices renais, ou seja, que ainda não migraram para o ureter, sendo um exame
examinador-dependente. A radiografia simples de abdome diagnostica apenas cálculos radiopacos, ou seja, não
é capaz de detectar cálculos de ácido úrico, os quais são radiotransparentes. A urografia excretora, ou pielografia
intravenosa, apresenta capacidade de avaliação indireta da função renal, além de poder detectar cálculos mais
distais que não foram visualizados pelo USG, entretanto, apresenta como desvantagem o uso do contraste
iodado.

2. Qual a composição do cálculo?


A sedimentoscopia pode revelar a presença de cristais, entretanto, nem sempre os cristais encontrados terão
a mesma composição do cálculo sintomático. A investigação completa inclui EAS, urinocultura, urina de 24 horas,
colhida em pelo menos 2 ocasiões, e dosagens séricas de cálcio, fosfato, sódio, potássio, cloro, bicarbonato,
ácido úrico, ureia, creatinina, albumina e paratormônio.
3. Que fator predispôs à formação daquele cálculo?
Cálculos de cálcio Definição Frequência Prevenção
 Restrição dietética de sódio e proteínas de origem
animal, evitando a restrição de cálcio, uma vez que
a redução do teor de cálcio no lúmen intestinal
Calciúria > 300 mg/dia em homens e >
aumenta a biodisponibilidade de oxalato
Hipercalciúria 250 mg/dia em mulheres, na ausência
50-55%  Hidroclorotiazida 12,5-25 mg/dia, resultando em
idiopática de hipercalcemia e outras doenças
hipocalciúria e hipercalcemia, devido a maior
causadoras de hipercalciúria
reabsorção de cálcio no TCD
 Quelantes de cálcio na hipercalciúria idiopática
refratária
 Restrição de alimentos ricos em purina
Uricosúria > 800 mg/dia em homens e  Citrato de potássio
Hiperuricosúria 20%
> 750 mg/dia em mulheres  Alopurinol nos casos de refratariedade ou
uricosúrica > 1.000 mg/dia
Citratúria < 300 mg/dia em mulheres
Hipocitratúria 15-60%  Citrato de potássio
e < 250 mg/dia em homens
 Restrição de oxalato e gordura da dieta
Hiperoxalúria
Oxalúria > 50 mg/dia 1-2%  Suplementos orais de cálcio e colestiramina
entérica
(quelante)
Cálculos de
Definição Frequência Prevenção
estruvita
Infecção por germe  Retirada dos cálculos coraliformes
Proteus, Pseudomonas e Enterococcus 100%
produtor de urease  Antibioticoterapia
Cálculos de cálcio Definição Frequência Prevenção
 Citrato de potássio + acetazolamida
Cistinúria > 200 mg/dia 100%
 D-penicilamina

Na cólica nefrética, o tratamento agudo é composto por: (1) AINEs VO, entretanto, em casos de dor severa
ou vômitos, a via parenteral deve ser recomendada, os quais apresentam efeito analgésico excelente, além de
prevenir o espasmo da musculatura lisa do ureter, (2) opioides, utilizados somente em pacientes que não
respondem ou que não toleram os AINEs, como doença renal crônica prévia, entretanto, não amenizam o
espasmo ureteral e provocam mais efeitos adversos, como náuseas e vômitos, (3) bloqueadores α1-
adrenérgicos, os quais relaxam diretamente a musculatura lisa ureteral, reduzindo a intensidade e as recidivas
da cólica nefrética, (4) bloqueadores de canais de cálcio também podem ser usados com o mesmo intuito,
porém, são menos eficazes do que os α-bloqueadores e apresentam maior incidência de efeitos colaterais, (5)
antiespasmódico hioscina, entretanto, não possui efeito benéfico comprovado, (6) hidratação mínima, evitando
hidratação forçada e vigorosa, sendo que a instituição de hidratação EV é indicado nos casos de franca
desidratação, bem como quando houver indicação de analgesia parenteral, (7) dissolução química de cálculo,
especialmente de ácido úrico, com alcalinização urinária, administrando bicarbonato VO, entretanto, pouco
empregado atualmente. A terapia médica expulsiva (TME) é composta pela combinação de AINE + α-bloqueador
durante 4-6 semanas, indicada para pacientes sintomáticos com cálculos ureterais ≤ 10 mm.
O ‘ponto de corte’ atualmente aceito pela literatura para indicar uma abordagem intervencionista precoce é
> 10 mm. A litotripsia com ondas de choque extracorpórea (LECO) é o tratamento de 1ª escolha para a maioria
dos cálculos renais e ureterais, apresentando sucesso em 90-100% dos casos, contraindicada em casos de
cálculos > 20 mm, cálculos localizados no polo inferior do rim, cálculos ‘duros’, como os de cistina, e gestação.
A litotripsia por ureterorrenoscopia é o método de escolha para a retirada dos cálculos impactados em ureter
distal. A nefrolitotomia percutânea é indicada em casos de cálculos > 20 mm, cálculos coraliformes, localizados
no polo renal inferior e refratários à LECO.
A ‘litíase complicada’ é considerada quando um cálculo obstrutivo se associa à infecção renal (pielonefrite),
ou quando sobrevém IRA pós-renal, por obstrução ureteral total bilateral ou em rim único. A primeira
preocupação não deve ser retirar o cálculo, mas sim desobstruir a via urinária, utilizando ou nefrostomia
percutânea (cateter ‘único-J’) ou stent ureteral (cateter ‘duplo-J’).
Resumo sobre conduta urológica
Cálculos sintomáticos ≤ 10 mm TME por 4-6 semanas
Posição renal ou ureteral
LECO
proximal, < 20 mm
Posição renal ou ureteral
proximal, > 20 mm, ou Nefrolitotomia percutânea
Cálculos sintomáticos > 10 mm polo inferior renal
Posição ureteral média Ureterorrenoscopia ou LECO
Posição ureteral distal Ureterorrenoscopia
Nefrolitotomia percutânea +
Cálculo coraliforme
LECO (‘terapia sanduíche’)
Cálculos complicados Desobstrução de via urinária
Formadores crônicos de cálculos devem receber tratamento preventivo a fim de evitar novos episódios,
sendo a medida geral indicada para todos os pacientes é o aumento na ingesta hídrica > 2-3 litros/dia, uma vez
que a água dilui os íons urinários, reduzindo a chance de formação de cristais, e elimina cristais pré-formados,
devido ao aumento no fluxo urinário.
DOENÇA RENAL CRÔNICA
A doença renal crônica (DRC) é resultante de doenças sistêmicas que danificam os rins ou que são intrínsecas
a esse órgão, como nefropatia diabética, nefroesclerose hipertensiva, doenças glomerulares, nefropatia de
refluxo, nefropatia por analgésicos, nefropatia obstrutiva, vasculites, insuficiência renovascular e doença renal
policística autossômica dominante, dentre outras, sendo que a lesão raramente é reparada e, assim, a perda de
função persiste, característica distinta da doença renal aguda, quando a lesão pode ser corrigida, permitindo o
retorno da função renal. De todas as possíveis causas, a diabetes mellitus e a hipertensão arterial são
responsáveis por > 70% dos casos, sendo que, no Brasil, a hipertensão é predominante – causa e consequência.
Característica IRA DRC
Aparecimento/duração Dias a semanas Meses a anos
Sintomas no momento da manifestação Dramáticos Sutil
Anemia Ausente Presente
Tamanho do rim ao USG Normal Tipicamente diminuído
Osteodistrofia renal Ausente Presente
Os fatores que aumentam o risco de DRC incluem baixo peso ao nascer, obesidade infantil, hipertensão,
diabetes mellitus, doença autoimune, idade avançada, história familiar de doença renal, especialmente a doença
renal policística autossômica dominante, episódio progressivo de lesão renal aguda, proteinúria, sedimento
urinário anormal e anormalidades estruturais do trato urinário.
Uma taxa de filtração glomerular (TFG) persistentemente abaixo de 60 mL/min/1,73 m2 e/ou albuminúria ≥
30 mg/dL por > 3 meses definem a DRC clinicamente significativa. A quantificação da albuminúria ajuda a
monitorar a lesão dos néfrons e a resposta ao tratamento, sendo que, embora a urina de 24 horas seja o ‘padrão
de referência’ para a quantificação, a relação proteinúria/creatinúria na 1ª amostra de urina fornecida pela
manhã correlaciona-se bem com as amostras de 24 horas.

O declínio médio anual fisiológico da TFG com a idade, a partir do valor máximo de 120 mL/min/1,73 m2, é
de cerca de 1 mL/min/1,73 m2, atingindo um valor médio de 70 mL/min/1,73 m2 aos 70 anos, observando-se
uma TFG média menor nas mulheres.
As funções dos rins incluem a regulação das concentrações iônicas nos fluidos intracelulares e extracelulares,
da pressão sanguínea e de várias funções endócrinas, bem como a excreção dos metabólitos, portanto, na DRC,
descreve-se um espectro de disfunção clínica que varia desde as anormalidades detectáveis apenas em exames
laboratoriais até a uremia, resultante tanto do acúmulo de metabólitos não excretados quanto das
anormalidades metabólicas induzidas por eles. Em geral, os estágios 1 e 2 não estão associados a quaisquer
sintomas, enquanto que nos estágios 3 e 4 as complicações clínicas e laboratoriais tornam-se mais
proeminentes, como anemia, desnutrição progressiva, anormalidades do cálcio, fósforo e hormônios que
regulam os minerais, e distúrbios hidroeletrolíticos. Quando o rim deixa de realizar a maioria das suas funções,
o estado clínico é denominado doença renal em estágio terminal (DRCT) ou DRC estágio 5, necessitando de
transplante ou diálise para manutenção da vida.
A fisiopatologia é composta por 2 grupos de mecanismos lesivos, aqueles específicos a etiologia subjacente
e aqueles que envolvem os processos de hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes,
consequências comuns da redução prolongada da massa renal, independente da etiologia primária, os quais
predispõem à distorção da arquitetura dos glomérulos, função anormal dos podócitos e rompimento da barreira
de filtração, levando a esclerose e destruição dos néfrons remanescentes.
A lesão glomerular progressiva relacionada à angiotensina II ocorre devido a constrição da arteríola
glomerular eferente, aumentando a pressão intracapilar e consequente elevação da filtração glomerular, ou
hiperfiltração, entretanto, qualquer aumento da TFG é conseguido à custa de danos aos capilares glomerulares.
Além disso, a angiotensina II também apresenta propriedades de fator de crescimento, agravando assim a lesão
intersticial renal. A aldosterona também pode contribuir para o desenvolvimento do dano intersticial e o
depósito de colágeno nos rins.

A fisiopatologia da síndrome urêmica pode ser subdivida em 3 componentes: (1) distúrbios secundários ao
acúmulo das toxinas, (2) anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como homeostase
hidroeletrolítica e regulação hormonal, e (3) inflamação sistêmica.
Embora as concentrações séricas de ureia e creatinina sejam utilizadas para avaliar a capacidade excretora
dos rins, o acúmulo dessas moléculas, ou azotemia, não explica, por si só, muitos dos sinais e sintomas que
caracterizam a síndrome urêmica, ou seja, há o acúmulo de outras toxinas concomitantemente, como
compostos guanidínicos, uratos e hipuratos, produtos do metabolismo do ácido nucleico, poliaminas,
mioinositol e fenóis, benzoatos e indóis.
O hálito urêmico é causado pela decomposição da ureia em amônia na saliva e geralmente está associado a
um paladar metálico desagradável (disgeusia), além disso, a retenção de toxinas urêmicas também causa
anorexia, náuseas e vômitos. A restrição proteica pode ajudar a atenuar as náuseas e vômitos, mas também
pode colocar o paciente sob risco de desnutrição, comum na DRC avançada.
As manifestações clínicas da doença neuromuscular urêmica geralmente se tornam evidentes no estágio 3
da DRC, incluindo distúrbios sutis da memória, concentração e anormalidades do sono. A irritabilidade
neuromuscular evidenciada por soluços, cãibras ou abalos musculares torna-se mais evidente nos estágios mais
avançados. Em geral, a neuropatia periférica torna-se clinicamente detectável depois que o paciente chega ao
estágio 4, inicialmente apresentando acometimento de nervos sensoriais de membros inferiores e segmentos
distais e, posteriormente, acometendo o componente motor caso a diálise não seja instituída.
A dor torácica agravada pela respiração e acompanhada de atrito pericárdio é diagnóstico de pericardite,
apresentando depressão do intervalo PR e elevação difusa do segmento ST no ECG, podendo estar
acompanhada de derrame pericárdio. Associa-se à uremia avançada e, com o advento da diálise, não apresenta
frequência elevada atualmente.
Com a DRC avançada, mesmo em diálise, os pacientes podem ficar mais pigmentados, e isso parece refletir
a deposição dos metabólicos pigmentados, ou urocromos, além disso, é comum a presença de prurido, o qual
geralmente apresenta caráter persistente.

Na maioria dos pacientes, as quantidades corporais totais de sódio e água mostram-se modestamente
aumentadas, resultando na expansão do volume de líquido extracelular (VLEC), o que pode contribuir para a
hipertensão que, por si só, pode acelerar a lesão dos néfrons. Entretanto, alguns pacientes podem apresentar
reduzida conservação renal de sódio e água e, quando há uma perda de líquido extrarrenal, como perdas do
TGI, ocorre uma depleção do VLEC, o que pode comprometer ainda mais a função renal em consequência da
hipoperfusão ou por mecanismo ‘pré-renal’, resultando na descompensação aguda da insuficiência renal
crônica.
O declínio da TFG não se acompanha necessariamente da redução correspondente da excreção urinária de
potássio, uma vez que há aumento de sua excreção via TGI, correspondente a outra defesa contra a retenção
de potássio. Entretanto, a hiperpotassemia pode ser precipitada pelo aumento da ingesta dietética de potássio,
o catabolismo proteico, hemólise, hemorragia, fármacos, como IECAs e espironolactona, e acidose metabólica.
A restrição da ingestão dietética de sal e a utilização dos diuréticos de alça podem ser necessários para
manter a euvolemia, evitando-se a restrição exagerada de sal ou tratamento com diuréticos em doses
excessivas. A partir do estágio 4 há indicação de substituição de diuréticos tiazídicos para diuréticos de alça, caso
o paciente faça uso. A restrição de água está indicada apenas quando há hiponatremia. A hiperpotassemia
costuma responder à restrição de potássio na dieta, ao uso de diuréticos caliuréticos, evitar suplementos de
potássio e medicamentos que retêm potássio.
A acidose metabólica, sem ânion gap inicialmente evoluindo para ânion gap aumentado na DRC avançada, é
comum, secundária a menor produção de amônia e, consequente menor capacidade de excreção de prótons.
Na maioria dos pacientes, a acidose é leve (pH < 7,35), sendo, em geral, corrigível com suplementos orais de
bicarbonato de sódio, especialmente quando BIC < 20-23 mmol/L. A hiperpotassemia, quando presente,
suprime ainda mais a produção de amônia. Mesmo em graus modestos de acidose, há associação com
catabolismo proteico, devido a ativação do processo enzimático ubiquitina-proteassoma. Além disso, a acidose
metabólica predispõe a ocorrência da doença mineral óssea (DMO) devido ao uso do tampão de fosfato ósseo.

As principais complicações dos distúrbios do metabolismo do cálcio e fosfato associados à DRC ocorrem nos
ossos e vasos sanguíneos, com envolvimento ocasionalmente grave dos tecidos moles extraósseos. São
classificadas em 2 tipos: (1) osteíte fibrose cística, ou alto turnover ósseo, e (2) doença adinâmica e osteomalácia,
ou baixo turnover ósseo. O diagnóstico definitivo é feito apenas com biópsia óssea.
A osteíte fibrose cística, geralmente presente quando TFG < 60 mL/minuto, é caracterizada pela retenção de
fosfato devido a queda da TFG, com posterior estímulo da síntese de FGF-23, o que suprime a síntese de
calcitriol, associado a queda da síntese deste devido a disfunção renal, sendo que, concomitantemente a isto, o
PTH é estimulado pela retenção do fosfato, pelos níveis baixos de cálcio ionizado e calcitriol. As manifestações
clínicas incluem dor e fragilidade óssea, tumores marrons (cistos ósseos com elementos hemorrágicos),
síndromes compressivas e resistência à eritropoetina, em parte relacionada com a fibrose da medula óssea. À
radiografia é comum observar reabsorção em falanges distais.
O FGF-23 faz parte de uma família de fosfatoninas que promovem a excreção renal de fosfato, apresentando
níveis aumentados nos estágios iniciais da evolução da DRC, mesmo antes da retenção de fosfato e da
hiperfosfatemia. Apresentam 3 mecanismos: aumento da excreção renal de fosfato, estimulação do PTH, que
também aumenta a excreção renal de fosfato e supressão da vitamina D, que diminui a absorção do fósforo no
TGI. Além disso, correlacionam-se com hipertrofia do ventrículo esquerdo.
A doença óssea com turnover reduzido apresenta aumento de sua prevalência, principalmente entre os
diabéticos e idosos, causada por supressão excessiva da síntese do PTH, devido a utilização de preparações de
vitamina D ou exposição excessiva ao cálcio na forma de quelantes de fosfato à base de cálcio, pela inflamação
crônica, ou ambas. As complicações são alta incidência de fraturas, dor óssea e calcificações vasculares
(esclerose de Mönckeberg) e cardíacas, sendo que, algumas vezes haverá precipitação do cálcio nos tecidos
moles, formando as chamadas ‘calcinose tumoral’, especialmente quando o produto das concentrações séricas
de cálcio e fósforo > 60 mg2/dL2. A gravidade da calcificação vascular é proporcional à idade e à hiperfosfatemia,
além disso, o uso de varfarina facilita a ocorrência destas calcificações, devido a redução da regeneração da
proteína GLA matricial dependente da vitamina K, importante para a prevenção da calcificação vascular.
A calcifilaxia, ou arteriolopatia urêmica calcificante, é um distúrbio devastador observado quase
exclusivamente nos pacientes com DRC avançada, prenunciada por livedo reticular com progressão para placas
de necrose isquêmica, sobretudo nas pernas, coxas, abdome e mamas.
O tratamento da DMO é feito com dieta pobre em cálcio e fósforo, atividade física regular, reposição de
vitamina D, objetivando valores > 30, administração de calcitriol se vitamina D baixa e fosfato normal, e
calcimiméticos. A meta de PTH varia entre 150-300 pg/mL. A paratireoidectomia é indicada nos casos de PTH >
1.500 pg/mL, tumor marrom, dor óssea intratável e CA na paratireoide em cintilografia ou USG.

A anemia normocítica e normocrômica inicia-se a partir do estágio 3a, estando presente em quase todos os
pacientes do estágio 3b-4. A causa primária é a produção insuficiente de eritropoetina (EPO), entretanto,
associa-se a outros fatores, como sobrevida reduzida das hemácias, deficiência de ferro, hiperparatireoidismo,
fibrose da medula óssea, inflamação crônica, deficiência de folato ou vitamina B12. Caso seja instituído o
tratamento com eritropoetina é necessário se atentar em relação aos efeitos colaterais desta substância, que
são piora da hipertensão, se presente, e aumento do risco de IAM e AVC, objetivando uma meta de hemoglobina
entre 10-11,5 g/dL.
Os pacientes nos estágios mais avançados da DRC podem ter prolongamentos do tempo de sangramento,
atividade reduzida do fator III plaquetário, agregação e adesividade plaquetárias anormais, bem como consumo
de protrombina alterado, resultando em tendência aumentada aos sangramentos, equimoses e
tromboembolismo, especialmente se doença renal com proteinúria na faixa nefrótica.

A doença cardiovascular é a principal causa de morbidade e mortalidade entre os pacientes com DRC em
qualquer estágio. A existência de DRC em qualquer estágio é um fator de risco importante para doença
cardiovascular isquêmica como doenças coronarianas, cerebrovascular e vascular periférica obstrutiva. Os níveis
de troponina estão frequentemente aumentados, mesmo sem qualquer indício de isquemia aguda, dificultando
o diagnóstico de IAM nessa população. A função cardíaca anormal resultante da isquemia miocárdica e da
hipertrofia ventricular esquerda, somada à retenção de sal e água, frequentemente causa insuficiência cardíaca
ou edema pulmonar, podendo ocorrer mesmo na ausência de sobrecarga de VLEC, atribuído ao aumento da
permeabilidade das membranas alveolocapilares em razão do estado urêmico, apresentando melhora com a
diálise.
Como os rins contribuem para a remoção da insulina da circulação, os níveis plasmáticos deste hormônio
ficam ligeira ou moderadamente elevados, portanto, pacientes tratados com esse hormônio podem necessitar
de reduções progressivas da dose, à medida que sua função renal deteriora. Nas mulheres, os níveis de
estrógenos são baixos, sendo comum observar anormalidades menstruais e infertilidade, assim como em
homens, os quais apresentam concentrações plasmáticas baixas de testosterona, resultando em disfunção
sexual e oligospermia.
A DRC está associada à piora da inflamação sistêmica, importante para a síndrome de desnutrição-
inflamação-aterosclerose, que contribui para a aceleração da doença vascular e comorbidade associada a
doença renal avançada, geralmente detectando níveis altos de reagentes da fase aguda, como PCR, e níveis
baixos dos reagentes negativos da fase aguda, como albumina e fetuína.

A USG dos rins é o exame de imagem mais útil, uma vez que a detecção de rins pequenos bilateralmente
reforça o diagnóstico de DRC de longa duração com um componente irreversível de retração fibrótica, assim
como a dissociação corticomedular, enquanto que a presença de dimensões normais é possível que a doença
renal seja aguda ou subaguda, exceto nos casos de nefropatia diabética, amiloidose, doença do rim policístico e
nefropatia associada ao HIV. Nos pacientes com rins pequenos bilateralmente, a biópsia renal não é
recomendável, sendo contraindicada quando hipertensão descontrolada, infecção urinária em atividade,
diátese hemorrágica e obesidade grave.
Infelizmente, a perda progressiva da função renal não produz sinais ou sintomas patognomônicos, mesmo
quando a DRC é avançada, sendo que os achados que devem levantar a possibilidade de DRC incluem
anormalidades urinárias, tais como hematúria ou infecções urinárias repetidas ou o aparecimento de
hipertensão e/ou edema, hipertensão crônica, diabetes ou albuminúria, e história familiar com DRC.
Solicita-se comumente exames como sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, cálcio, fósforo, ácido úrico,
glicemia em jejum, hemoglobina glicada, hematócrito e/ou hemoglobina, cinética do ferro, PTH e fosfatase
alcalina. A eletroforese de proteínas é indicada nos casos de DRC sem causa definida em pacientes > 35 anos,
quando suspeita-se de mieloma múltiplo. O diagnóstico de deficiência de ferro é dado quando IST < 20% ou
ferritina < 100, orientando a reposição de ferro VO ou EV. A transfusão é indicada quando hemoglobina < 7.
O tratamento geral é dividido em:
• Não medicamentoso: tratar obesidade, analisar alimentação, analisar status vacinal, sendo que
pacientes portadores de DRC apresentar dificuldade na soroconversão, indicando dose dobrada de
vacina de hepatite B (4 doses), cessar tabagismo e sedentarismo.
• Medicamentoso: iniciar drogas que alteram vasculatura intraglomerular, como iECA, BRA e iSGLT-2, os
quais estabilizam e/ou atrasam a queda da TFG. Indica-se o tratamento de DM, HAS, IC e DLP, se
presentes, sendo que a meta pressórica para portadores de DRC é < 130 x 80 mmHg.
• Terapia de substituição renal: encefalopatia, pericardite, desnutrição, sintomas do TGI refratários,
câimbras e distúrbios hidroeletrolíticos refratários.
Resumo do tratamento
IECA ou BRA/iSGLT2 Retardar a progressão
Restrição de proteína, fosfato,
Alterações na dieta
sódio, água e potássio
Carbonato de cálcio/Sevelamer Quelante de fosfato
Tratamento da anemia; avaliar e corrigir
Eritropoetina recombinante SC
estoques de ferro corporal antes
Vitamina D oral (calcitriol),
análogos de vitamina D Tratamento do hiperparatireoidismo
(paricalcitol) e calcimiméticos secundário
(cinacalcete)

Manifestações que respondem à diálise Manifestações que não respondem à diálise


Desequilíbrio hidroeletrolítico Desequilíbrio acidobásico Anemia Osteodistrofia renal
Sintomas do TGI Sintomas neurológicos Prurido cutâneo Aterosclerose acelerada
Hipertensão Sintomas cardíacos Estado de hipercatabolismo Depressão imunológica
Sintomas pulmonares Disfunção plaquetária - -
Intolerância à glicose - - -
FIBRILAÇÃO ATRIAL
Caracteriza-se por ser uma arritmia supraventricular em que ocorre uma completa desorganização na
atividade elétrica atrial, fazendo com que os átrios percam sua capacidade de contração, não gerando sístole
atrial. Ao ECG, a ausência de despolarização atrial reflete-se com a substituição das ondas P, características do
ritmo sinusal, por um tremor de alta frequência da linha de base que varia em sua forma e amplitude associada
a uma frequência ventricular rápida e irregular.

A prevalência de FA na população é estimada entre 0,5 e 1%, apresentando aumento das taxas com a idade
e associação frequente com doenças estruturais cardíacas. Acredita-se que as taxas de prevalência sejam
subestimadas, uma vez que cerca de 10-25% dos pacientes são assintomáticos. Apesar da maior predisposição
no sexo masculino, as mulheres representam maior massa de pacientes com FA, devido à sua maior sobrevida.
Estima-se que a FA seja responsável por 33% de todas as internações por arritmias. Associa-se a aumento do
risco de acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca e mortalidade total.
Os fatores de risco são HAS, DM, doença valvar, infarto do miocárdio, IC, obesidade, uso de bebidas
alcoólicas, exercício físico, AF de FA e apneia obstrutiva do sono (AOS), associada à hiperatividade do sistema
nervoso simpático.
A classificação proposta é: (1) inicial ou 1º episódio, (2) paroxística, quando cessa espontaneamente, sem
ação de fármacos ou necessidade de cardioversão elétrica, durando menos de 7 dias, frequentemente menos
que 24 horas, (3) persistente, quando não cessa espontaneamente, a mesmo que seja realizada cardioversão
elétrica ou com fármacos, durando mais de 7 dias, (4) permanente, quando as tentativas de reversão falharam
ou na qual se fez a opção por não tentar a reversão da arritmia. A forma permanente é a mais frequente,
ocorrendo em aproximadamente 40-50% dos pacientes, seguida pelas formas paroxísticas e persistentes.
Outras classificações propostas são FA recorrente, quando o paciente apresentou 2 ou mais episódios
(paroxística ou persistente), FA não valvar ou não reumática, quando o paciente não apresenta valvopatia mitral
de origem reumática, prótese valvar ou passado de valvoplastia mitral, FA solitária ou isolada, quando o paciente
< 60 anos apresenta FA na ausência de cardiopatia estrutural, doença pulmonar ou hipertensão arterial
sistêmica, e em relação ao tempo de início dos sintomas, sendo o ‘ponto de corte’ de 48 horas.
A fisiopatologia baseia-se em 3 fatores: (1) substrato – aumento do tamanho do átrio, o que promove fibrose
intersticial e desconexão elétrica entre os miócitos atriais, associado a ação da angiotensina II em portadores de
IC, (2) gatilho – presença de focos ectópicos, especialmente nas veias pulmonares, e (3) moduladores –
estimulação vagal, especialmente durante o sono ou após exercício físico intenso, adrenérgica, geralmente
durante a vigília, e/ou presença de inflamação cardíaca.
A FA pode ser provocada durante situações transitórias, incluindo a ingestão de álcool (‘holiday heart
syndrome’), cirurgias, choque elétrico, infarto do miocárdio, pericardite, miocardite, embolia pulmonar,
hipertireoidismo e outras doenças metabólicas, sendo que, em tais situações, o tratamento da causa de base
pode ser a única medida necessária para restauração do ritmo cardíaco normal. Na vigência de IAM, a ocorrência
de FA se reveste de um prognóstico pior quando comparado ao ritmo sinusal ou à FA já instalada antes do
infarto. As causas cardíacas associadas são afecções da valva mitral, IC, doença arterial coronariana e
hipertensão arterial sistêmica, particularmente quando associada à hipertrofia ventricular esquerda.
Manifesta-se com sensação de palpitações, dor torácica, dispneia, fadiga e tontura na maioria dos casos,
entretanto, a primeira manifestação pode ser uma complicação embólica ou exacerbação de IC. Com o tempo,
as palpitações podem desaparecer, tipicamente naqueles pacientes nos quais a FA se tornou permanente, mais
frequentemente em idosos. Pacientes com FA paroxística costumam ser mais sintomáticos. Alguns indivíduos
relatam poliúria, provavelmente em decorrência da liberação do peptídeo natriurético atrial.
A avaliação inicial envolve a caracterização do padrão de ocorrência da arritmia, avaliação da tolerabilidade
dos episódios, determinação da sua causa, além da pesquisa de fatores cardíacos e/ou extracardíacos
relacionados. Ao exame físico observa-se pulso irregular. É importante avaliar ao menos uma vez a função
tireoidiana, renal, hepática, eletrólitos e hemograma. O diagnóstico da FA requer confirmação pelo registro de
ECG.
A FA é a principal fonte emboligênica de origem cardíaca. As causas de formação de trombo são
multifatoriais, estando relacionadas com a tríade de Virchow, que inclui estase sanguínea atrial, lesão endotelial
e aumento da trombogenicidade sanguínea. Infelizmente, o cérebro, muito mais que membros e vísceras, é a
região mais afetada. O escore CHA2DS2-VASc é utilizado para determinar aqueles que deverão receber
anticoagulação, quando escore ≥ 2, aqueles que a decisão para terapia anticoagulante deve ser individualizada,
levando em consideração o risco de sangramento e opção do pacientes, quando escore = 1, e aqueles que não
deverão receber anticoagulação devido ao baixíssimo risco de complicações trombóticas, quando escore = 0. O
escore HAS-BLED determina o risco para hemorragia, quando escore > 3 pontos, entretanto, esse escore não
contraindica o uso de anticoagulante, mas sim orienta quanto a necessidade de cuidados especiais para tornar
o tratamento mais seguro.
Diretriz AHA 2019
 CHA2DS2-VASc = 2 em homens e CHA2DS2-VASc = 3 mulheres → ACO
 CHA2DS2-VASc = 1 em homens e CHA2DS2-VASc = 2 em mulheres, desde que HAS-BLED < 3 → ACO
 CHA2DS2-VASc = 0 em homens e CHA2DS2-VASc = 1 em mulheres →  ACO
 FA em geral → NOAC → solicitar função renal ( ClCr < 15 mL/minuto) e hepática
 Prótese valvar mecânica ou estenose mitral moderada ou grave = ‘FA valvar’ = não calcular CHA2DS2-VASc
→ Varfarina → INR mensal, objetivando valores entre 2 e 3

Após a avaliação de um caso de FA, o paciente pode ser alocado na estratégia de controle do ritmo ou
controle da frequência, de acordo com suas características clínicas, ecocardiográficas e evolução de tratamentos
anteriores. A avaliação inicial deve definir a presença de cardiopatia estrutural, assim como avaliar se a causa é
reversível. Medidas não farmacológicas, como atividade física regular, dieta balanceada, controle de peso,
otimização da qualidade do sono, devem ser instituídas.
As medicações para manutenção do ritmo sinusal são propafenona, sotalol e amiodarona. A propafenona é
um fármaco útil tanto na reversão aguda como na manutenção do ritmo sinusal, especialmente para pacientes
com coração estruturalmente normal. O sotalol é útil na prevenção de recorrências, além disso, diminui
sintomas por reduzir a resposta ventricular dos episódios devido ao seu efeito β-bloqueador, contraindicado
para pacientes com ICC. A amiodarona é bastante efetiva na reversão e manutenção do ritmo sinusal, disponível
para pacientes com ICC.
Vários fármacos foram testados no controle da frequência, como β-bloqueador, bloqueador do canal de
cálcio não diidropiridínicos, como verapamil e diltiazem, ambos contraindicados no caso de disfunção ventricular
esquerda ou IC descompensada, e alguns antiarrítmicos, como amiodarona e sotalol.
DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA
A dor torácica representa de 5 a 10% das queixas em consultas de pronto socorro, apresentando 5 grupos
etiológicos principais, por ordem decrescente de prevalência: (1) causas musculoesqueléticas, como
costocondrite, doença discal cervical e fibromialgia, (2) gastrointestinais, como doença ulcerosa péptica, DRGE,
espasmo esofágico e pancreatite, (3) cardíacas, subdivida em doenças isquêmicas e não isquêmicas, (4)
psiquiátricas, como transtorno de pânico e transtorno de ansiedade generalizada, e (5) pulmonares, como
tromboembolismo pulmonar (TEP) e pneumotórax hipertensivo. Além da SCA, outras causas se destacam por
seu caráter potencialmente fatal, como a dissecção aguda de aorta, o TEP, o pneumotórax hipertensivo, o
tamponamento cardíaco, a ruptura e a perfuração esofagiana.
Doença Duração Qualidade e localização Observações
Queimação ou aperto em
Desencadeada por exercício, estresse, exposição
Angina 2-10 minutos, região retroesternal,
ao frio e após grandes refeições, apresenta
estável em ‘crescendo’ podendo irradiar-se para
melhora com repouso e nitrato
pescoço, ombros ou braços
Inicia-se em repouso, com pequenos esforços ou
Angina < 20 minutos,
Mais intensa exposição ao frio, apresenta melhora com
instável em ‘crescendo’
repouso e nitrato
Inicia-se em repouso sem fatores
> 30 minutos, desencadeantes, geralmente acompanhada de
Infarto agudo
em ‘crescendo’, Mais intensa náuseas, vômitos, diaforese, dispneia e tontura,
do miocárdio
com início súbito sem apresentar melhora com repouso ou nitrato,
apenas com morfina
O objetivo principal do atendimento ao paciente com dor torácica é excluir imediatamente as causas que,
potencialmente, implicam em risco iminente de morte, realizando a medida dos sinais vitais, os quais são
capazes de identificar a presença ou não de instabilidade hemodinâmica e/ou de insuficiência respiratória.
Para pacientes fora desse contexto de risco de morte, é necessária a caracterização detalhada da dor,
avaliação dos fatores de risco e a realização de exame físico, assim como a solicitação de exames
complementares, principalmente ECG e radiografia de tórax. O ECG deve ser realizado e analisado em até 10
minutos do primeiro contato médico, sugerindo oclusão arterial coronariana aguda quando supradesnível do
segmento ST ≥ 2,5 mm em homens < 40 anos, ≥ 2 mm em homens ≥ 40 anos, ou ≥ 1,5 mm em mulheres nas
derivações V2-V3 e/ou ≥ 1 mm em derivações contíguas, além da presença de bloqueio de ramo esquerdo ‘novo’
ou ‘presumivelmente novo’ na presença de sintomas típicos – critérios de Sgarbossa. A radiografia de tórax, em
geral, não é diagnóstica para pacientes com SCA, sendo útil para diagnóstico ou sugestão de outros distúrbios.
Ainda, é importante identificar e classificar os pacientes quanto à probabilidade da dor torácica ser de origem
isquêmica, classificando-as em 4 tipos: (1) A, ou definitivamente anginosa, quando presença de dor em aperto
ou queimação, em repouso, ou desencadeada pelo esforço ou estresse, com irradiação para o ombro, mandíbula
ou face interna do braço, aliviada pelo repouso ou nitrato, (2) B, ou provavelmente anginosa, tendo a
insuficiência coronariana a principal hipótese, porém, necessita de exames complementares para definição
diagnóstica, (3) C, ou possivelmente anginosa, e (4) D, definitivamente não anginosa ou dor torácica atípica.
Entretanto, nenhum fator isolado deve ser usado para excluir o diagnóstico de doença cardíaca isquêmica aguda,
uma vez que mulheres, idosos e portadores de DM podem ser mais propensos a se queixar de sintomas atípicos,
ou ‘equivalentes anginosos’, como dor epigástrica, dispepsia, dispneia, náuseas e vômitos, sudorese, hipotensão
e síncope.
Dor Típica Atípica
Facada, agulhada, pontada, piora
Caráter Constrição, compressão, queimação, peso, dor surda
ao respirar, aguda
Ombro direito, hemitórax direito
Retroesternal, ombro esquerdo, pescoço, face, dentes,
Localização ou que pode ser localizada com a
região interescapular, epigástrica
ponta do dedo
Fatores desencadeantes Exercício, excitação, estresse, frio, refeições copiosas Ao repouso
Classificação da
Manifestação
angina (SCC)
I Surge com esforços físicos prolongados e intensos
II Discreta limitação para atividades habituais
III Limitação com atividades habituais
Incapacidade de realizar qualquer atividade sem
IV
desconforto/presente mesmo no repouso
A necrose do músculo cardíaco promove a liberação de enzimas e proteínas estruturais dos miócitos. Os
principais marcadores são mioglobina, creatinoquinase isoenzima MB (CK-MB) e as troponinas I e T, sendo estas
as mais sensíveis e específicas de lesão miocárdica, entretanto, não são exclusivas dos casos de IAM, estando
presente em situações como miocardite, insuficiência cardíaca, crise hipertensiva, trauma torácico, embolia
pulmonar, dentre outras. Os marcadores devem ser solicitados em todos os pacientes com suspeita de SCA e
repetidos entre 6 e 12 horas, sendo especialmente úteis na diferenciação de angina instável e IAM sem
supradesnível de ST. Além disso, existe relação entre o nível de aumento das troponinas e um pior prognóstico.
A mioglobina surge entre 1-4 horas após a injúria miocárdica, com pico entre 6-7 horas e duração total de 24
horas, ou seja, é o marcador mais precoce, entretanto, menos específico. A CK-MB surge entre 3-12 horas, com
pico entre 18-24 horas e duração total de 36-48 horas, portanto, torna-se útil para diagnóstico de reinfarto. A
troponina surge entre 3-12 horas, com pico entre 12-48 horas e duração total de 5-14 dias.
Característica Alta Intermediária Baixa
Sintomas isquêmicos na
Dor torácica/MSE/semelhante à Dor torácica/MSE/desconforto
ausência de qualquer
História clínica angina prévia/AP de DAC, como sintoma principal/> 70
característica
inclusive IAM anos/homem/DM
intermediária/uso de cocaína
Hipotensão, sudorese, edema
Exame físico Doença vascular extracardíaca Dor torácica à palpação
pulmonar ou estertores
Desvio do segmento ST Ondas Q, depressão do Inversão da onda T < 1 mm
ECG transitório ou inversão das ondas segmento ST 0,5-1 mm ou em derivações com R
T em múltiplas derivações inversão das ondas T > 1 mm dominante
Marcadores de
Elevação Normal Normal
necrose
O infarto agudo do miocárdio (IAM) é definido como a morte celular miocárdica e necrose, em qualquer
proporção do músculo cardíaco, sendo classificado em 5 tipos: (1) envolvimento com ruptura, ulceração, fissura
ou erosão de placa aterosclerótica, (2) desequilíbrio entre a oferta e demanda de oxigênio, especialmente
quando presente espasmo das artérias, anemia, sepse ou choque, (3) morte sem avaliação dos marcadores de
necrose, (4) relacionado à angioplastia, e (5) relacionada à cirurgia de revascularização miocárdica.
A necrose miocárdica deflagra intensa mobilização de leucócitos ao miocárdio, o que determina colonização
de placas ateroscleróticas em diferentes estágios de formação, causando aumento da atividade inflamatória e
mecanismos de vulnerabilidade das placas ou mesmo de apoptose endotelial. Portanto, o IAM acelera a
aterosclerose e o ambiente inflamatório das placas explica as altas taxas de recorrência de eventos
coronarianos, principalmente ao longo do primeiro ano após o evento.
O infarto com supradesnível do segmento ST ocorre em associação com oclusão trombótica total do vaso,
entretanto, entretanto, com o crescente tratamento com estatinas, esta forma de apresentação clínica tem
declinado, por outro lado, oclusões parciais do vaso, associadas com infarto sem supradesnível do segmento ST
ou com angina instável têm se tornado cada vez mais prevalentes. As taxas de mortalidade hospitalar são
maiores no IAM com supradesnível de ST, sendo que após 6 meses mostram-se semelhantes ao IAM sem
supradesnível de ST, entretanto, após 4 anos, a mortalidade deste chega a ser o dobro daquele.
Existem diversos modos de se fazer a estratificação de risco, sendo que, na prática, os métodos mais
utilizados são o escore de risco TIMI (> 65 anos, elevação dos biomarcadores, depressão do segmento ST ≥ 0,5
mm, uso de AAS nos últimos 7 dias, ≥ 3 fatores clássicos de risco cardiovascular, DAC estabelecida e angina grave
recente < 24 horas) e o escore de risco GRACE, o qual possui melhor acurácia, porém, é mais complexo e requer
dispositivo eletrônico para o cálculo. Os pacientes de muito alto risco – instabilidade hemodinâmica, choque
cardiogênico, taquiarritmia ventricular, angina refratária – devem receber estratificação invasiva muito
precocemente (< 2 horas do diagnóstico), enquanto que aqueles de alto risco – TIMI ≥ 5 ou GRACE > 140 – devem
ser estratificados invasivamente dentro de 24 horas. Os pacientes de intermediário risco – TIMI ≥ 3 ou GRACE
109-140 – são estratificados invasivamente em 72 horas. Por fim, os pacientes de baixo risco, idealmente, devem
ser estratificados com testes não invasivos, como ergometria, cintilografia miocárdica, ecocardiograma de
estresse ou angiotomografia de coronárias, e posterior seguimento ambulatorial. Em pacientes com IAM sem
supradesnível de ST, a cineangiocoronariografia ocupa papel central, pois confirma o diagnóstico de SCA.
O IAM com supradesnível do segmento ST é reconhecido rapidamente no ECG de entrada do paciente, sendo
que supradesnível é definido como uma elevação ≥ 1 mm do ponto J em duas derivações contíguas, enquanto
que em derivações V2-V3 torna-se necessária a elevação ≥ 2,5 mm em homens < 40 anos, ≥ 2 mm em homens
≥ 40 anos e > 1,5 mm em mulheres, enquanto que nas derivações V7, V8 e V9 é necessário elevação > 0,5 mm,
solicitadas quando presença de infradesnivelamento do segmento ST em V1-V4, assim como solicita-se V3R-V4R
quando supradesnivelamento de segmento ST em parede inferior (DII, DIII e aVF). Além disso, o IAM com
supradesnível do segmento ST também é definido por BRE novo, reconhecido por um ECG prévio sem BRE ou
através dos critérios de Sgarbossa.

O tratamento farmacológico para IAM é composto por: (1) AAS 300 mg como dose de ataque, seguido por
100 mg/dia como dose de manutenção, (2) clopidogrel 300 mg como dose de ataque, seguido por 75 mg/dia
como dose de manutenção, entretanto, em pacientes que irão para intervenção coronariana percutânea em <
6 horas recomenda-se 600 mg como dose de ataque, (2a) ticagrelor 180 mg, seguido de 90 mg 2x/dia, (2b)
prasugrel 60 mg, seguido de 10 mg/dia, deve ser prescrito após o conhecimento da anatomia coronariana,
evitando seu uso em idosos e pacientes com < 60 kg, e contraindicado naqueles com AP de AVC e AIT, (3)
heparina não fracionada 60 UI/kg, máximo 4.000 UI, seguido de infusão de 12 UI/kg/hora, máximo 1.000
UI/hora, monitorando o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) a cada 6 horas, utilizado especialmente
para pacientes > 100 kg e portadores de disfunção renal grave < 15 mL/minuto, (4) heparina de baixo peso
molecular, ou enoxaparina, 1 mg/kg SC a cada 12 horas, a cada 24 horas se clearence < 30 mL/minuto, e 0,75
mg/kg SC a cada 12 horas em > 75 anos, (5) oxigenioterapia quando SatO2 < 90%, (6) pantoprazol 40 mg, (7)
isordil SL 5 mg ou nitroglicerina EV, contraindicado caso IAM de VD ou uso de inibidores da fosfodiesterase,
como sildenafil, e (8) morfina 2-4 mg a cada 5 minutos, contraindicada se PAS < 90 mmHg e IAM de VD.
Recomenda-se no momento da admissão a introdução de β-bloqueador, IECA e estatina de alta potência,
entretanto, não é imprescindível. As contraindicações ao β-bloqueador são AP de broncoespasmo, intervalo PR
prolongado e BAV de 2º ou 3º grau, sendo que, nestes casos, indica-se a introdução de bloqueadores de canal
de cálcio, como diltiazem ou verapamil.
Os pacientes devem ser preferencialmente encaminhados à angioplastia primária (trata-se apenas a artéria
‘culpada’), entretanto, caso não haja disponibilidade logística ou previsão de tempo porta-balão > 90 (120?)
minutos, está indicado como segunda opção o fibrinolítico, com tempo porta-agulha 30 minutos – alteplase e
enoxaparina. As contraindicações absolutas à fibrinólise são sangramento intracraniano prévio, AVC isquêmico
nos últimos 3 meses, trauma significante na cabeça ou rosto nos últimos 3 meses, sangramento ativos ou diátese
hemorrágica (exceto menstruação) e dissecção aguda de aorta. Os critérios de fibrinólise bem-sucedida é a
redução do supredesnivelamento do segmento ST em 50%, pico precoce das enzimas cardíacas, arritmias de
reperfusão (ritmo idioventricular) e melhora da dor. Nos casos em que o paciente manter sintomatologia apesar
da realização da fibrinólise recomenda-se o encaminhamento para a angioplastia de resgate (diferente da
angioplastia primária).
As recomendações pós-alta incluem AAS 100 mg/dia associado a outro antiagregantes plaquetário por pelo
menos 1 ano, estatina de alta potência, β-bloqueador, IECA ou BRA se hipertenso ou disfunção de VE, além de
orientações quanto atividade física, reabilitação, reeducação alimentar, controle de peso e cessação do
tabagismo.
VALVULOPATIAS

ESTENOSE MITRAL
A valva mitral posiciona-se entre o átrio esquerdo (AE) e ventrículo esquerdo (VE). Na diástole, a valva se
abre, permitindo o enchimento ventricular esquerdo, enquanto que na sístole a valva se fecha, direcionando o
sangue para a aorta, impedindo-o que reflua para o AE.
O aparelho valvar mitral é composto pelo anel ou ânulo mitral, 2 folhetos ou cúspides valvares, cordoálias
tendíneas e músculos papilares, os quais são proeminências musculares do miocárdio do VE, ligando-se à borda
dos folhetos mitrais através das cordoálias tendíneas, portanto, durante a sístole, os músculos papilares se
contraem, tensionando a cordoália tendíneas, evitando que os folhetos se prolapsem para o interior do AE.
Quando a valva mitral se abre na diástole, o sangue passa através de uma área entre 4-6 cm2, conferindo
uma resistência desprezível ao fluxo, ou seja, não se observa um gradiente de pressão diastólico entre o AE e
VE, ou coração esquerdo, o qual funciona como uma câmara única neste momento.
Denomina-se estenose mitral (EM) a condição em que, pela restrição à
abertura dos folhetos valvares, apresentando uma área valvar mitral (AVM) < 2,5
cm2, há uma redução da área valvar mitral, levando à formação de um gradiente
de pressão diastólico entre AE e VE. A gravidade é medida pela AVM, tendo uma
correspondência com o gradiente médio de pressão AE e VE, ou gradiente de
pressão transvalvar: (1) leve, quando AVM 1,5-2,5 cm2 ou gradiente pressórico
médio < 5 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar < 30 mmHg, (2)
moderada, quando AVM 1-1,5 cm2 ou gradiente pressórico médio entre 5-10
mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar entre 30-50 mmHg, e (3) grave,
quando AVM < 1 cm2 ou gradiente pressórico médio > 10 mmHg ou pressão
sistólica da artéria pulmonar > 50 mmHg.
Na estenose mitral, há uma obstrução fixa ao fluxo de sangue do AE para VE durante a diástole e, para que
este fluxo se mantenha adequado, apesar da obstrução, faz-se necessário um gradiente de pressão transvalvar,
que não existe em condições normais, à custa do aumento de pressão do AE, que é transmitida ao leito
venocapilar pulmonar, sendo capaz de promover ingurgitamento venoso e extravasamento capilar de líquido,
com consequente desenvolvimento da síndrome congestiva. Os fatores que aumentam o gradiente de pressão
transvalvar são o aumento do débito cardíaco com consequente aumento do fluxo pela valva estenótica, como
esforço físico, estresse, anemia, febre, gestação e hipertireoidismo, e o aumento da frequência cardíaca, visto
que este dificulta o esvaziamento atrial com aumento da pressão atrial esquerda, promovendo uma piora aguda
da congestão. O aumento crônico da pressão venocapilar pulmonar é transmitido retrogradamente para o leito
arterial pulmonar, levando a um pequeno aumento da pressão arterial pulmonar, ou hipertensão arterial
pulmonar (HAP) passiva, podendo desencadear posteriormente uma vasoconstrição pulmonar, ou HAP reativa.
Com a evolução da doença, as arteríolas e pequenas artérias pulmonares vão se hipertrofiando e começam a
entrar em um processo fibrodegenerativo, levando à obliteração do leito arteriolar pulmonar. As consequências
são principalmente sobre o ventrículo direito (VD), que precisa vencer a resistência vascular pulmonar, podendo
entrar em falência miocárdica, resultando em insuficiência ventricular direita (IVD).
A congestão pulmonar é a principal responsável pelos sintomas, especialmente a dispneia aos esforços e a
ortopneia, associada a elevação do gradiente de pressão transvalvar. Na instalação de IVD devido a HAP, associa-
se a congestão pulmonar um quadro de congestão sistêmica e baixo débito cardíaco. O débito cardíaco, em
geral, não é prejudicado nas fases iniciais, pois o enchimento ventricular esquerdo é preservado à custa do
aumento do gradiente de pressão transvalvar, porém, quando a estenose se torna crítica, o débito cardíaco
torna-se limitado, especialmente durante o esforço físico.
A etiologia em mais de 95% dos casos é a cardiopatia reumática crônica, especialmente a dupla disfunção
não balanceada, ou seja, a presença de estenose e insuficiência mitral em estágios diferentes de evolução, uma
vez que na fase aguda da cardite reumática predomina o componente de insuficiência, enquanto que na fase
crônica predomina a estenose. Cerca de 2/3 dos pacientes são do sexo feminino. A degeneração fibrótica dos
folhetos reduz a mobilidade e funde as comissuras, ou bordas proximais dos folhetos, apresentando, em estágios
mais avançados, o aspecto macroscópico de ‘boca de peixe’. A estenose mitral reumática é uma doença
endêmica, visto que o número de casos de febre reumática continua significativo.
O principal sintoma é a dispneia aos esforços, sendo que em fases mais avançadas, associa-se à síndrome de
baixo débito, caracterizada por fadiga, cansaço e lipotimia provocados por esforços. Contudo, pode manifestar-
se de maneiras peculiares, como tosse com hemoptise de pequena monta, associada a emagrecimento, devido
a ruptura de capilares ou pequenas veias brônquicas, que se encontram ingurgitadas e hipertensas, dor torácica
de caráter anginoso pela distensão do tronco da artéria pulmonar, rouquidão ou síndrome de Ortner, devido ao
aumento do AE com consequente compressão do nervo laríngeo recorrente contra o brônquio fonte, e disfagia
para sólidos, devido a compressão esofágica.
O pulso arterial em geral é normal, porém, pode estar de amplitude reduzida na EM crítica. Se houver IVD a
pressão jugular estará aumentada. A ausculta pode apresentar a tríade clássica, composta pelo (1) ruflar
diastólico, mais audível com a campânula no foco mitral, aumentando sua intensidade em decúbito semilateral
esquerdo e exercício físico, e diminuindo sua intensidade com a inspiração e manobra de Valsalva, (2) estalido
de abertura, o qual ocorre no momento em que a valva se abre, com os folhetos tensos, sendo mais audível em
foco tricúspide e mitral, e (3) hiperfonese de B1. Alguns pacientes com estenose mitral não têm o ruflar
diastólico, especialmente em pacientes com idade avançada, obesidade, DPOC, aumento do diâmetro AP do
tórax ou estados de baixo débito cardíaco. Há a possibilidade do surgimento de bulhas acessórias provenientes
do VD nos casos de sobrecarga ou insuficiência ventricular direita, aumentando a intensidade com a inspiração
profunda, ou manobra de Rivero-Carvalho.

O AE aumenta de tamanho progressivamente, além disso, a própria cardiopatia reumática acomete o


miocárdio atrial, sendo ambas as condições predisponentes à fibrilação atrial (FA), presente em 30-50% dos
pacientes, caracterizada por ser a grande responsável pelos fenômenos tromboembólicos que complicam a
doença valvar mitral. A embolia sistêmica ocorre em cerca de 10-20% dos pacientes, especialmente comum
quando há FA associada, visto que o AE grande e em fibrilação é um enorme estímulo para formação de trombo
intracavitário ou, mais comumente, no apêndice atrial esquerdo. O AVE isquêmico é o evento embólico mais
comum. A turbulência do fluxo transvalvar permite a formação de pequenos trombos aderidos à face ventricular
da valva mitral, os quais podem servir de ‘abrigo’ para microrganismos, com possibilidade de evolução para
quadros de endocardite infecciosa, sendo que a destruição da valva pode levar à insuficiência mitral.
O ECG é importante para determinar a presença de ritmo sinusal ou FA, além disso, pode revelar sinais de
aumento atrial esquerdo, como onda P larga e bífida em D2, e, nos casos mais avançados, sinais de sobrecarga
de VD, com desvio do eixo para a direita, ondas S amplas em V5 e V6. À radiografia de tórax, o sinal mais precoce
é o aumento atrial esquerdo isolado, notado na incidência PA através da presença do duplo contorno na silhueta
direita do coração e/ou sinal de bailarina, além disso, pode ser observado inversão do padrão vascular pulmonar,
com dilatação das veias pulmonares, e presença de nódulos intersticiais difusos, eventualmente calcificados.
O ECO bidimensional avalia o escore de Block ou de Wilkins, o qual analisa fatores como grau de calcificação
valvar, grau de espessamento, mobilidade das cúpides e acometimento do aparelho subvalvar, sendo que
valores < 8 significa uma valva pouco comprometida e não calcificada, com excelente resposta à plastia,
enquanto que valores ≥ 12 denota uma valva bastante degenerada e muito calcificada, com resposta
insatisfatória à plastia.
O prognóstico depende da classe funcional NYHA em que se encontra o paciente, sendo que nos pacientes
classe funcional I a sobrevida é de 80% em 10 anos, enquanto que nos pacientes classe funcional IV a sobrevida
média em 5 anos é de apenas 15%. A morte geralmente ocorre por insuficiência cardíaca congestiva.
Os β-bloqueadores são as drogas de escolha, uma vez que a redução da FC é o principal mecanismo de ação,
com consequente esvaziamento atrial esquerdo completo, pelo maior tempo diastólico, reduzindo assim, o
gradiente pressórico transvalvar e a pressão atrial esquerda, além disso, aliviam a dispneia e melhoram a classe
funcional do paciente. Os antagonistas do cálcio, do tipo verapamil e diltiazem, devem ser administrados nos
pacientes que não podem usar β-bloqueadores devido à hiper-reatividade brônquica. Os diuréticos podem ser
associados aos β-bloqueadores para facilitar a compensação do quadro, contudo, o excesso da terapia diurética
pode levar à síndrome do baixo débito.
Na vigência de FA, em caso de instabilidade hemodinâmica, procede-se de imediato à cardioversão elétrica
sincronizada. No restante dos pacientes, deve-se primeiramente controlar a resposta ventricular com β-
bloqueadores e observar se há indicação para se tentar a reversão da arritmia. Geralmente, a opção é por não
reverter a FA nos pacientes com critérios desfavoráveis, como AE aumentado, recidiva da FA na vigência de
profilaxia antiarrítmica e FA há mais de 12 meses, entretanto, na ausência desses critérios, pode-se programar
a reversão, sendo que em quadros > 48 horas recomenda-se iniciar a anticoagulação com varfarina por 3
semanas antes e 4 semanas depois da reversão, ou então realiza-se o ECO transesofágico, no qual se observado
a ausência de trombos, a cardioversão pode ser feita de imediato. A anticoagulação com varfarina nestes
pacientes deve ser mantida ad eternum, mesmo após a reversão para ritmo sinusal, uma vez que são
classificados como pacientes de alto risco cardioembólico, não sendo necessário aplicar o escore CHA2DS2-VASC,
sendo que o objetivo é manter um INR entre 2-3. Pacientes que recidivam o evento embólico na vigência da
anticoagulação ou que apresentam persistência de trombo atrial devem associar AAS em baixas doses.
A diretriz nacional recomenda antibioticoprofilaxia contra a EI para todos os portadores de doenças
orovalvares ou próteses valvares, antes de procedimentos dentários e também antes de procedimentos
respiratórios, gastrointestinais ou geniturinários.
A correção intervencionista da estenose reduz os sintomas e é a única abordagem que aumenta a sobrevida
dos pacientes, indicada para pacientes sintomáticos, classe II-IV NYHA, com estenose mitral moderada a grave,
AVM < 1,5 cm2. A valvoplastia percutânea com balão (VMCB) é a terapia de escolha, apresentando resultados
muito bons, com sobrevida em 10 anos de 80-90%, melhorando significativamente o prognóstico dos pacientes,
sendo sujeito a complicações, como embolia sistêmica e regurgitação mitral.
A comissurotomia cirúrgica, também denominada de valvoplastia cirúrgica, é caracterizada pela ‘abertura’
da valva mitral estenosada, sob formas fechada ou aberta, a qual corresponde a técnica de escolha, exceto se
indisponibilidade de circulação extracorpórea, apresentando resultados semelhantes a valvoplastia percutânea.
A troca valvar é mandatória para pacientes com escore de Block elevado ≥ 12, valva calcificada, insuficiência
mitral moderada a grave ou doença coronariana associada. Operam-se pacientes com classe funcional NYHA III
ou IV, ou pacientes sintomáticos/oligossintomáticos com HAP muito grave não candidatos à valvoplastia
percutânea com balão (VMCB), podendo ser biológicas ou mecânicas (metálicas).

ESTENOSE AÓRTICA
A valva aórtica posiciona-se entre o ventrículo esquerdo (VE) e a aorta
ascendente (Ao), caracterizada como uma valva ventrículo-arterial ou semilunar.
Na sístole, a valva se abre, oferecendo uma área valva aórtica normal entre
2,5-3,5 cm2, permitindo o esvaziamento do VE, sem oferecer nenhuma
resistência, enquanto que na diástole, a valva se fecha, impedindo o refluxo de
sangue. A valva é constituída por um anel fibroso (anel ou ânulo aórtico), o qual
constitui a origem da raiz aórtica, cuja porção inicial contém bolsas, denominadas
seios de Valsava, de onde se originam artérias coronárias, e de 3 folhetos ou
cúspides em aspecto de meia-lua.
Denomina-se estenose aórtica (EA) a condição em que, pela restrição à abertura dos folhetos valvares, há
uma redução da área valvar aórtica, levando à formação de um gradiente de pressão sistólico entre VE-Ao. A
gravidade é medida pela área valvar aórtica, tendo uma correspondência com o gradiente médio de pressão Ve-
Ao: leve quando área > 1,5 cm2, gradiente médio < 25 mmHg ou velocidade < 3 metros/segundo, moderada
quando área entre 0,8 e 1,5 cm2, gradiente médio de 25 a 40 mmHg ou velocidade de 3 a 4 metros/segundos, e
grave quando área < 0,8 cm2, gradiente médio > 40 mmHg ou velocidade > 4 metros/segundo.
A EA é um processo crônico e insidioso, permitindo mecanismos compensatórios, pelo menos nos primeiros
anos da doença. Deles, o principal é a hipertrofia ventricular concêntrica do VE, resultando em aumento da
contratilidade miocárdica, mantendo assim o débito sistólico, mesmo na vigência de uma pós-carga elevada, e
redução da relação R/r, evitando assim um aumento excessiva da pós-carga. Portanto, devido a esses 2
mecanismos, o paciente vive anos com EA grave sem apresentar sintomas e sem risco de eventos cardíacos
graves. Contudo, o miocárdio sofre um efeito lesivo após anos de sobrecarga, iniciando um processo insidioso
de degeneração, apoptose dos miócitos, fibrose intersticial, além da redução da reserva coronariana pela
compressão da microvasculatura miocárdica associada a evolução da hipertrofia ventricular esquerda. Portanto,
existe uma transição insidiosa da fase compensada e assintomática para a fase descompensada, quando
processos fisiopatológicos começam a ocorrer, como isquemia miocárdica, débito cardíaco fixo e ICC.
A isquemia miocárdica advém da redução da reserva coronariana, devido a compressão extrínseca da
microvasculatura coronariana pelo músculo hipertrofiado, prolongamento da fase sistólica, exacerbando o
fenômeno da compressão extrínseca da microvasculatura, e aumento da demanda metabólica no repouso,
decorrente do maior número de sarcômeros, podendo ser desencadeada ou exacerbada pelo esforço físico,
quando o aumento acentuado da demanda metabólica não pode ser acompanhado pelo aumento da perfusão
coronariana.
Na fase descompensada, a hipertrofia ventricular não é mais suficiente para garantir o aumento do débito
cardíaco durante o esforço físico, levando à síndrome do débito fixo. No esforço, o débito cardíaco é deslocado
para a musculatura esquelética com consequente redução da perfusão cerebral, justificando a síncope
relacionada à EA grave.
A fibrose miocárdica, associada à própria hipertrofia ventricular concêntrica, leva à redução progressiva da
complacência ventricular, com consequente aumento da pressão atrial esquerda, levando à congestão
pulmonar e dispneia, desencadeada pelo esforço físico. Os pacientes com EA moderada a grave que apresentam
insuficiência cardíaca têm o prognóstico bastante reservado, especialmente se comprometimento sistólico.
As principais causas são: (1) valva bicúspide congênita, correspondendo a causa mais comum de EA em
crianças, adolescentes e adultos com menos de 65 anos, caracterizado pela fusão de 2 folhetos, (2) degeneração
calcífica, correspondente a causa mais comum de EA em idosos > 65 anos e, pelo fato da doença acometer
principalmente idosos, torna-se a causa mais comum, caracterizada por uma degeneração das cúspides valvares,
levando a um extenso depósito cálcico, o que faz um ‘peso’ sobre as cúspides, impedindo sua abertura
adequada, associado a fatores de risco como dislipidemia, HAS, tabagismo e DM, e (3) cardiopatia reumática
crônica, correspondendo a uma causa comum em nosso meio, especialmente em adolescentes e adultos do
sexo masculino, caracterizada pelo acometimento nos bordos dos folhetos, com consequente fusão das
comissuras, além de ser causa comum de dupla lesão aórtica e de doença valvar mitro-aórtica.
A tríade clínica clássica constitui-se em angina, síncope e dispneia. A angina é a apresentação clinica em 35%
dos pacientes, causada por isquemia miocárdica, geralmente desencadeada por esforço físico, não responsiva à
terapia antianginosa clássica. A síncope normalmente é desencadeada pelo esforço físico, devido a síndrome do
débito fixo, ocasionando uma baixa perfusão cerebral durante o esforço físico. A dispneia é o sintoma inicial que
marca o aparecimento da insuficiência cardíaca congestiva, presente em 50% da apresentação clínica da EA
grave, secundária a congestão pulmonar exacerbada pelo exercício. Os pacientes com angina têm sobrevida
média de 5 anos, enquanto que os pacientes com síncope apresentam sobrevida média de 3 anos e, por fim, os
pacientes com dispneia apresentam sobrevida média de 2 anos. Um dos mecanismos de óbito é devido à
fibrilação ventricular, de provável causa isquêmica.

O pulso arterial normalmente está alterado na EA grave, geralmente observando-se o pulso carotídeo com
ascensão lenta e sustentada (pulsus tardus) e amplitude fraca (pulsus parvus), havendo a possiblidade de um
atraso do pulso arterial em relação ao ictus de VE, sendo este normalmente tópico. É comum um frêmito sistólico
no foco aórtico, borda esternal esquerda, carótidas e fúrcula. A ausculta comumente apresenta a quarta bulha
(B4) devido à HVE concêntrica, ruído de ejeção, se a valva não estiver muito calcificada, mais audível no foco
aórtico, com ampla irradiação até o foco mitral, mais comum na EA por valva bicúspide na criança ou no
adolescente, e sopro mesossistólico (‘em diamante’), mais intenso no meio da sístole, especialmente em foco
aórtico, com irradiação para carótidas, fúrcula esternal e foco mitral, podendo haver o fenômeno de Gallavardin,
caracterizado pelo hiato auscultatório na região entre o foco aórtico e mitral, parecendo que existem 2 sopros
diferentes, sendo a gravidade da EA relacionada a duração do sopro. O sopro aumenta sua intensidade com
manobras que aumentam o retorno venoso e/ou contratilidade do VE, como posição de cócoras e exercício
físico, e diminui com manobras que reduzem o retorno venoso, como Valsalva e posição ortostática.
As complicações são: (1) embolia sistêmica, associada a possibilidade de embolização dos depósitos de cálcio,
(2) endocardite infecciosa, devido a turbulência do fluxo transvalvar aórtico, o que associa-se à insuficiência
aórtica, e (3) hemorragia digestiva baixa, visto que angiodisplasia intestinal é mais incidente nos pacientes com
EA calcífica.
O ECG apresenta comumente sinais de hipertrofia ventricular esquerda, com aumento da amplitude dos
complexos QRS e presença do padrão strain, caracterizado pelo infradesnível de ST com onda T negativa e
assimétrica, muitas vezes associados a sobrecarga atrial esquerda. À radiografia de tórax, o paciente pode
evoluir com cardiopatia dilatada na fase descompensada, entretanto, a calcificação da valva aórtica e a dilatação
pós-estenótica são achados comuns na radiografia. O ECO-Doppler determina a área valvar, fundamental para
que se estabeleça a gravidade da estenose, além disso, também é capaz de estimar o gradiente pressórico VE-
Ao. O cateterismo cardíaco é mandatório em homens > 40 anos e mulheres > 45 anos que serão submetidos à
cirurgia de troca valvar, correspondendo ao exame padrão-ouro para estimar o gradiente pressórico VE-Ao.

Não existe um tratamento medicamentoso para a estenose aórtica sintomática. A fase dilatada com IC
sistólica pode receber tratamento paliativo com digital e diuréticos, o qual deve ser usado cuidadosamente,
evitando a hipotensão. Na EA grave, os β-bloqueadores estão contraindicados, visto que reduzem a
contratilidade, principal fator compensatório. A fibrilação atrial deve ser tratada prontamente, pois é um
importante fator de descompensação.
O tratamento cirúrgico dos pacientes com EA importante e sintomática reduz de forma dramática a
mortalidade, sendo que nos adultos a troca valvar é a cirurgia de escolha, no entanto, possui riscos, como toda
cirurgia cardíaca, especialmente nos idosos, com comorbidades associadas e/ou com função sistólica de VE
deprimida no pré-operatório. Indica-se a troca valvar quando sintomáticos com EA grave, EA grave submetidos
à cirurgia de revascularização miocárdica ou à cirurgia de aorta ou outras valvas, e EA grave com FE < 50%,
independentemente da presença de sintomas. As próteses valvares podem ser biológicas, ou biopróteses,
consideradas como 1ª opção nos pacientes > 65 anos, não havendo necessidade de anticoagulação permanente,
reduzindo os riscos de sangramento, ou mecânicas, ou metálicas, consideradas como 1ª opção nos pacientes <
65 anos, apresentando probabilidade de necessidade de troca valvar após determinado período e de trombose
de valva protética, ocorrendo em até 20% dos casos, caso não seja instituída a terapia anticoagulantes com
warfarin, mantendo-se o INR entre 2-3. Nos casos de mulheres com chance de engravidar e indicação de troca
valvar indica-se o autoenxerto da valva pulmonar (procedimento de Ross).
A valvoplastia cirúrgica com lise das aderências comissurais e liberação das cúspides possui bons resultados
em crianças ou adolescentes com EA congênita, pois ainda não há calcificação valvar, portanto, não indicada na
EA do adulto. A valvoplastia percutânea com balão apresenta resultados ruins. O implante de biopróteses com
cateter (TAVI) consiste na colocação de um stent autoexpansível na topografia do anel aórtico, o qual é dotado
de 3 folhetos internos que funcionam como as válvulas semilunares, indicando para EA grave com indicação
cirúrgica, porém com contraindicação à realização do procedimento cirúrgico convencional.
ESTENOSE TRICÚSPIDE
A valva tricúspide posiciona-se entre o átrio direito (AD) e o ventrículo direito (VD). Na diástole, a valva se
abre, oferecendo uma área entre 4-6 cm2, permitindo o esvaziamento do AD e o enchimento do VD, sem
apresentar nenhuma resistência ao fluxo. Na sístole, a valva se fecha, um pouco depois da mitral, impedindo o
refluxo de sangue. Macroscopicamente, é muito semelhante a valva mitral.
Denomina-se estenose tricúspide (ET) quando há restrição à abertura dos folhetos valvares, oferecendo uma
área < 2-2,5 cm2, promovendo a formação de um gradiente de pressão diastólico AD-VD. Não há necessidade
de se graduar a estenose tricúspide, uma vez que as manifestações clínicas já começam a surgir mesmo com um
gradiente pressórico médio AD-VD pequeno, porque as pressões no coração direito são bem inferiores às do
coração esquerdo, logo, pequenas alterações trazem grandes repercussões hemodinâmicas.
A etiologia de quase todos os casos é a cardiopatia reumática crônica, sendo que frequentemente, há uma
dupla lesão tricúspide reumática, entretanto, a insuficiência tricúspide é bem mais comum que a estenose. Nos
casos de estenose tricúspide isolada, quase sempre se associa a estenose mitral, sendo mais comum no sexo
feminino.
Um gradiente de pressão AD-VD diastólico ≥ 5 mmHg já é suficiente para levar à síndrome de congestão
sistêmica. O paciente evolui com sintomas da própria congestão sistêmica, como turgência jugular patológica,
hepatomegalia congestiva, ascite e anasarca cardiogênica, e de baixo débito, como fadiga e cansaço aos
esforços, devido a redução do retorno venoso ao coração esquerdo e consequente redução do débito cardíaco.
Curiosamente, a estenose tricúspide pode reduzir a congestão pulmonar da estenose mitral, por diminuir o fluxo
de sangue para os pulmões.
O exame do precórdio revela um ruflar diastólico, que aumenta de intensidade durante a inspiração ou
manobra de Rivero-Carvalho, sendo mais audível na borda esternal esquerda baixa, ou foco tricúspide. O ECG
revela sinais de aumento atrial direito, com onda P apiculada e amplitude elevada, enquanto que à radiografia
de tórax há um discreto aumento da área cardíaca à custa do aumento atrial direito. O ECO é o exame que
confirma o diagnóstico.
A base do tratamento consiste no uso de β-bloqueadores, uma vez que a redução da frequência cardíaca
favorece o fluxo transvalvar, devido à maior duração da diástole, aumentando o enchimento do ventrículo. Além
disso, diuréticos podem ser associados para combater os sinais e sintomas de congestão sistêmica.
A cirurgia tricúspide costuma ser indicada para os casos de estenose importante em que o paciente será
operado de qualquer forma para resolver uma doença mitral e/ou aórtica associada, bem como para os
pacientes com dupla lesão tricúspide, tendo como preferência a utilização de próteses biológicas. É importante
atentar-se que não se deve corrigir uma estenose tricúspide sem que seja feita a correção concomitante de uma
estenose mitral, caso presente, visto que pode desencadear ou agravar a congestão pulmonar do paciente.

INSUFICIÊNCIA MITRAL
Durante a sístole, a valva mitral é responsável por evitar o refluxo de sangue para o átrio esquerdo (AE),
direcionando todo o fluxo para a aorta.
Denomina-se insuficiência mitral (IM), ou regurgitação mitral, a condição em que existe um refluxo de sangue
para o AE durante a sístole ventricular esquerda, devido a uma incompetência do mecanismo de fechamento
valvar mitral, resultando em sobrecarga de volume de câmaras esquerdas.
A IM crônica grave curva durante muitos anos sem a presença de alterações que comprometam a função
cardíaca, portanto, os pacientes permanecem assintomáticos. Os mecanismos compensatórios são: aumento da
complacência atrial e ventricular esquerda, aumento da pré-carga ventricular, devido ao aumento do volume
diastólico final, e redução da pós-carga ventricular, visto que o VE está ejetando sangue em uma câmera de
baixa pressão, ou AE, resultando em fração de ejeção (FE) com valores superestimados.
Após anos de evolução, a sobrecarga de volume começa a produzir lesão do miocárdio ventricular,
atentando-se que, devido ao estado de baixa pós-carga, característico da IM, a FE pode ainda estar na faixa
normal, apesar de já haver presença da disfunção sistólica ventricular esquerda. A fase descompensada por ser
marcada ou não por sintomas, os quais decorrem do aumento das pressões de enchimento ventricular e da
pressão atrial, especialmente durante o esforço físico, o que leva a uma síndrome congestiva pulmonar, cujo
principal sintoma é a dispneia, ortopneia e, posteriormente, dispneia paroxística noturna. A hipertensão
pulmonar secundária pode se instalar nos casos mais graves, especialmente na dupla lesão mitral. O surgimento
dos sintomas traz um mau prognóstico ao paciente.
Uma lesão mitral aguda que leve a uma fração regurgitante (FR) > 50-60% impõe uma sobrecarga volumétrica
abrupta sobre as câmaras esquerdas, resultando em aumento da pressão de enchimento ventricular e pressão
atrial, com consequente surgimento de grave síndrome congestiva pulmonar, sendo que o edema agudo de
pulmão é a apresentação clínica mais comum da IM aguda grave, seguido pelo choque cardiogênico. Sem a
correção cirúrgica, muitos evoluem para óbito.
A degeneração mixomatosa é a causa mais comum de IM crônica em países desenvolvidos, caracterizado
pelo afrouxamento do tecido das cúspides e das cordoálias tendíneas, resultando em prolapso do aparelho
valvar para o interior do AE, sendo que, se este for acentuado e desigual, haverá uma falha do fechamento
mitral, com desenvolvimento de IM – cerca de 20% dos que têm prolapso mitral. Estes pacientes possuem
incidência aumentada de arritmias atriais e ventriculares, bem como de sintomas de palpitação e dor torácica
atípica. Há uma predisposição genética e uma preferência para o sexo feminino.
A doença reumática leva à inflamação crônica das cúspides mitrais, sendo que, deste processo, a
consequência mais comum é a estenose mitral, porém, muitas vezes, a retração dos folhetos impede a sua
coaptação, levando à dupla lesão mitral. Em nosso meio, é considerada a principal causa de insuficiência mitral
crônica, ficando a degeneração mixomatosa em 2º lugar.
Outras causas de IM crônica são doença isquêmica do miocárdio, calcificação senil do anel mitral,
especialmente em idosos e dilatação ventricular esquerda, denominada como IM secundária.
A principal etiologia de IM aguda é o IAM inferior ou ínfero-dorsal, geralmente entre o 2º e 7º dia após o
evento, apresentando como mecanismo a disfunção ou necrose dos músculos papilares. De todas as formas de
IM aguda, a de pior prognóstico é aquela relacionada ao IAM. O método diagnóstico é o ECO transesofágico, e
a conduta é a cirurgia de emergência, envolvendo preferencialmente, sempre que possível, a valvoplastia, além
de revascularização do miocárdio. A endocardite infecciosa assim como a doença degenerativa com ruptura de
cordoália são causas importantes de IM aguda também. Outras causas incluem febre reumática aguda, trauma
cardíaco e miocardites agudas.
O precórdio revela um ictus de VE difuso e deslocado para esquerda da linha hemiclavicular e para baixo do
5º espaço intercostal, sendo que, quando o sopro da IM possui intensidade 4+ ou mais, é possível sentir o frêmito
sistólico na ponta. À ausculta, a terceira bulha (B3) é bastante comum, mesmo na ausência de IC sistólica,
associada ao sopro holossistólico no foco mitral, o qual inicia-se com B1 com prolongamento para além de B2,
com possibilidade de irradiação para axila e região infraescapular esquerda de regurgitação for pelo folheto
anterior, ou focos da base e região interescapular se folheto posterior, aumentando sua intensidade com o
esforço isométrico, sem alteração à inspiração profunda. Na IM aguda grave pode ter um sopro protossistólico,
desaparecendo no final da sístole, assim como um ruflar diastólico associado ao sopro holossistólico nos casos
de dupla lesão mitral. O prolapso mitral pode produzir um som característico denominado click mesossistólico
ou estalido mesossistólico.
As possíveis complicações são: fibrilação atrial, sendo bastante comum na IM crônica e aguda, assim como
endocardite infecciosa e instabilidade hemodinâmica associado a IM aguda.
O achado mais comum ao ECG é a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) com aumento da amplitude das
ondas R e onda T positiva e apiculada. À radiografia de tórax, o principal achado é a cardiomegalia, apresentando
a ponta cardíaca ‘mergulhando’ no diafragma e sinal do duplo contorno devido ao aumento do AE. O ECO,
especialmente o transesofágico, é capaz de diagnosticar a etiologia da IM na maioria dos casos, assim como
definir a gravidade: leve, quando presença de jato central pequeno < 4 cm2 ou < 20% da área do AE, e severa
quando jato central grande > 40% do AE ou jato que atinge a parede do átrio. O cateterismo cardíaco é indicado
nos pacientes homens > 40 anos e mulheres > 45 anos que irão se submeter à cirurgia de troca ou reparo valvar.

A terapia medicamentosa no caso de IM crônica está indicada nos pacientes com sintomas de IC, enquanto
que nos pacientes com IM aguda grave há indicação de internação em unidade intensiva, prescrição de
inotrópicos de ação rápida e vasodilatadores, sendo que a lesão valvar deve ser corrigida cirurgicamente o
quanto antes.
Em relação ao tratamento cirúrgico, existem 2 opções de intervenção: (1) valvoplastia mitral, considerada
opção de escolha, visto que tem menor mortalidade cirúrgica e melhores resultados pós-operatórios, e (2) troca
valvar, realizada quando não for possível a plastia, ou seja, em casos de valva mitral calcificada, acometimento
reumático grave do aparelho subvalvar ou degeneração grave dos folhetos. Os parâmetros avaliados para
indicar o tratamento cirúrgico são presença de sintomas, FE e volume sistólico final do VE (VEs):
• Pacientes assintomáticos, com FE > 60% e VEs < 4 cm: em geral, é indicado apenas acompanhamento.
O aparecimento de FA ou hipertensão pulmonar torna aconselhável a cirurgia.
• Pacientes assintomáticos, com FE ≤ 60% e/ou VEs ≥ 4 cm: indica-se a cirurgia.
• Pacientes sintomáticos, com FE > 30% e VEs ≤ 5,5 cm: indica-se a cirurgia.
• Pacientes sintomáticos, com FE < 30% e/ou VEs > 5,5 cm: péssimo prognóstico, indicando cirurgia apenas
se for possível a preservação do aparelho subvalvar, como cordoália e músculos papilares.
• Pacientes > 75 anos: indica-se cirurgia caso haja sintomas, independente da função ventricular.
Ou seja, não deve postergar a cirurgia para um momento que a função sistólica se torne moderadamente
deprimida, como uma FE < 40-50%, pois a lesão miocárdica existente permanece no pós-operatório. Pelo estado
de baixa pós-carga crônica, uma FE < 60% já denota uma disfunção sistólica, daí a necessidade do
acompanhamento semestral ou anual do ECO em pacientes com IM grave.

INSUFICIÊNCIA AÓRTICA
Durante a diástole, a valva aórtica deve evitar o refluxo de sangue da aorta para o ventrículo esquerdo (VE).
Denomina-se insuficiência aórtica (IA), ou regurgitação aórtica, a condição em que existe um refluxo de
sangue para o VE durante a diástole ventricular, devido a uma incompetência do mecanismo de fechamento
valvar aórtico. A gravidade da IA é medida pela fração regurgitante (FR): mínima quando FR < 20%, leve FR 20-
40%, moderada FR 40-60% e grave FR > 60%, sendo que para que haja repercussão hemodinâmica, a IA deve de
moderada a grave.
O VE recebe na diástole, além do débito normal proveniente do átrio esquerdo (AE), um volume extra que
reflui da aorta. Como o processo é insidioso, o ventrículo se adapta à sobrecarga de volume crônica, resultado
de 3 mecanismos compensatórios, como (1) aumento da complacência ventricular esquerda, correspondendo
ao maior VE encontrado nas valvopatias, (2) aumento da pré-carga, resultando em maior débito sistólico, e (3)
hipertrofia de VE excêntrica. Neste momento, o risco de morte súbita é muito baixo, portanto, recomenda-se
um acompanhamento ecocardiográfico semestral. Uma FE < 50% ou um aumento excessivo dos diâmetros
cavitários são fatores de risco para morte súbita no paciente com IA grave assintomático.
Após anos, a sobrecarga produz lesão miocárdica, podendo apresentar, caracteristicamente, FE elevada
mesmo quando há disfunção sistólica, entretanto, a superestimativa da FE não é tão acentuada como na IM. A
fase descompensada é marcada por sintomas de ICC e isquemia miocárdica, além disso, a síndrome de baixo
débito é comum nesse estágio, visto que o débito sistólico efetivo está baixo. Uma das consequências mais
importantes e catastróficas é a queda da PA diastólica, uma vez que a perfusão coronariana ocorre
principalmente na diástole e depende, portanto, da PA diastólica, além disso, o maior número de sarcômeros
devido a HVE promove elevação do consumo de O2, justificando quadros de isquemia miocárdica, especialmente
em situações de bradicardia, uma vez que aumenta o tempo diastólico e, portanto, a fração regurgitante.
Na IA aguda, o VE não consegue albergar um volume regurgitante correspondendo a mais de 50-60% do
débito sistólico, sem elevar excessivamente as suas pressões de enchimento. Além disso, não há mecanismo
compensatório suficiente para evitar o baixo débito efetivo, levando a hipotensão arterial e, eventualmente, ao
choque cardiogênico.
A IA crônica pode ser causada por doenças que lesam diretamente a valva aórtica, como cardiopatia
reumática crônica, acometendo mais comumente homens, sendo frequente a dupla lesão aórtica, degeneração
mixomatosa, valva bicúspide congênita ou espondilite anquilosante, ou por doenças que provocam a dilatação
excessiva da raiz da aorta ascendente, como aterosclerose da aorta ascendente, necrose cística da média, aortite
sifilítica e arterite de Takayasu, especialmente quando presente em mulheres jovens, associando-se um quadro
de IA com isquemia de membros superiores e sintomas gerais de vasculite sistêmica. Enquanto que a IA aguda
pode ser causada por dissecção aórtica e endocardite infecciosa, devido a retração e mau alinhamento das
cúspides ou pelo processo destrutivo da vala, sendo uma das principais etiologias de IA aguda grave.
Quando os sintomas surgem, geralmente há disfunção ventricular importante, sendo decorrentes do baixo
débito cardíaco efetivo, apresentando principalmente fadiga, e da síndrome congestiva pulmonar,
apresentando caracteristicamente a dispneia. Um sintoma comum é a angina noturna bradicardia-dependente,
como já citado acima.
O aumento acentuado da pressão de pulso, ou seja, hipertensão sistólica com redução importante da PA
diastólica, resultando em PA divergente, é responsável pela maioria dos sinais periféricos da IA, como sinal de
Musset (pulsação da cabeça), sinal de Müller (pulsação da úvula), sinal de Becker (pulsação da íris), sinal de
Mayne (queda PAD ≥ 15 mmHg no membro superior com a elevação do membro), entre outros – ‘tudo pulsa no
paciente com IA’. A PA sistólica em geral é maior quando medido no membro inferior em comparação com a PA
medida no membro superior, sendo que a diferença pode ser > 60 mmHg, sendo este achado denominado como
sinal de Hill. O pulso arterial, especialmente o pulso radial, pode apresentar o aspecto ‘pulso em martelo d’água’,
ou pulso de Corrigan. A palpação do precórdio revela um ictus de VE globoso, hiperdinâmico, desviado para a
esquerda e inferiormente, podendo haver frêmito sistólico nos focos da base ou fúrcula. A segunda bulha (B2)
pode estar hipofonética ou ausente, além disso, pode surgir um ruído de ejeção aórtico e terceira bulha (B3).
O sopro característico é um sopro protodiastólico aspirativo ou holodiastólico, sendo sua duração
proporcional à gravidade da IA, sendo mais audível com o paciente sentado e o tronco inclinado para frente,
aumentando de intensidade com o exercício isométrico e diminuído com manobra de Valsalva. Na IA crônica
grave o sopro pode ser sistodiastólico, além de poder apresentar um ruflar diastólico, geralmente associado a
uma maior gravidade.
As complicações são endocardite infecciosa e instabilidade hemodinâmica associada à IA aguda.
Ao ECG, é comum sinais de HVE, e na radiografia a presença de cardiomegalia de grande monta associada ao
alargamento da silhueta aórtica. O ECO é capaz de avaliar a etiologia da IA na maioria dos casos, principalmente
na distinção entre acometimento valvar e dilatação da raiz aórtica. A estimativa da gravidade deve ser aferida
preferencialmente pelo Doppler colorido através da relação percentual entre o comprimento do jato
regurgitante e o comprimento do trato de saída do VE, sendo que uma relação ≥ 65% indica IA grave. A
ressonância cardíaca é o exame mais acurado para estimar a gravidade da IA.

A classe de drogas que, fisiopatologicamente falando, tem mais correlação com a IA, são os vasodilatadores,
entretanto, não estão indicados em pacientes assintomáticos. Em pacientes hipertensões ou com sintomas
indica-se os vasodilatadores, com preferência para IECA em caso de disfunção sistólica. Em pacientes com IA
aguda é recomendada a internação em unidade intensiva, tratamento com inotrópicos e vasodilatadores, e
cirurgia precoce.
Portanto, o tratamento cirúrgico é indicado na IA aguda grave, em pacientes sintomáticos, com regurgitação
aórtica severa, independente da fração de ejeção, e em assintomáticos, com regurgitação aórtica severa e FE <
50%. O tratamento é feito através da troca valvar, a qual possui excelentes resultados nos pacientes sem
disfunção de VE ou com disfunção leve a moderada.

INSUFICIÊNCIA TRICÚSPIDE
Durante a sístole, a valva tricúspide deve se fechar adequadamente de forma a evitar o refluxo de sangue do
ventrículo direito (VD) para o átrio direito (AD).
Denomina-se insuficiência tricúspide (IT), ou regurgitação tricúspide, a condição na qual existe um refluxo de
sangue do VD para o AD durante a sístole ventricular, devido a uma incompetência do mecanismo de
fechamento tricúspide.
Apresenta-se mais frequentemente do que a estenose tricúspide, sendo que na maioria dos casos, é
secundária à disfunção sistólica do VD, denominada de IT secundária. A IT primária é decorrente de processos
que acometem diretamente a valva, como síndrome do prolapso de valva tricúspide, ou degeneração
mixomatosa, e doença reumática crônica, na qual a tricúspide é a terceira valva a ser acometida.
A IT traz uma sobrecarga de volume à câmara direita, o que provoca ou agrava a síndrome da congestão
sistêmica, além de reduzir o débito cardíaco. Na ausência de hipertensão arterial pulmonar, a IT costuma ser
bem tolerada, mas, na sua presença, a regurgitação tende a se agravar. Manifesta-se com sinais de congestão
sistêmica, ou seja, turgência jugular patológica, hepatomegalia e anasarca, aliados aos sinais de baixo débito,
como fadiga.
O exame do precórdio revela uma B3 de VD, que aumenta com a inspiração. O sinal mais característico é o
sopro holossistólico no foco tricúspide, que aumenta de intensidade com a inspiração profunda e com a
inspiração contra a glote fechada.
Ao ECG, há SVD e comumente fibrilação atrial. Na radiografia, é comum o aumento da área cardíaca,
geralmente à custa do aumento atrial e ventricular direito, denominado como ‘coração em bota’. O ECO é o
exame que confirma o diagnóstico e etiologia da IT.
Os diuréticos e restrição de sódio são medidas importantes. No caso de IT moderada secundária, uma
anuloplastia do tipo De Veja está indicada, enquanto que na IT grave secundária, um anel de Carpentier pode
ser utilizado na plastia tricúspide.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição em que o coração não consegue bombear o sangue de acordo
com a demanda tecidual, ou só o faz à custa de aumentos na pressão de enchimento, ou pressão diastólica final.
O termo insuficiência cardíaca congestiva (ICC) se refere à principal consequência clínica da IC, o fenômeno da
congestão venocapilar. A incidência vem aumentando devido ao envelhecimento populacional, pela maior
prevalência das doenças precursoras, como HAS, obesidade e DM, e pela melhora no tratamento de doenças
associadas que antes limitavam a sobrevida do paciente, como IAM e valvopatias. No Brasil, a principal etiologia
da IC é a cardiopatia isquêmica crônica, com frequência associada à HAS.
A função cardíaca pode ser separada em 2 componentes, função sistólica e função diastólica. A função
sistólica é a capacidade que o ventrículo possui de ejetar o sangue nas grandes artérias. Um ventrículo normal
contém cerca de 100 mL de sangue no final da diástole, ou volume diastólico final. Deste total,
aproximadamente 60 mL são ejetados a cada batimento, ou débito sistólico. Após ejetar o sangue, o que sobre
na cavidade, em torno de 40 mL, é o volume sistólico final. O fluxo total gerado pelo coração na unidade de
tempo é o débito cardíaco, determinado pelo produto do débito sistólico com a frequência cardíaca. A função
sistólica pode ser estimada pela fração de ejeção, definida como o percentual do volume diastólico final que é
ejetado. A função diastólica é a capacidade que o ventrículo possui de se encher com sangue, sem aumentar
significativamente sua pressão intracavitária, sendo determinada pelo grau de relaxamento atingido pelos
ventrículos, processo este dependente de energia. Como a medida das pressões de enchimento exige métodos
invasivos, na prática, pode-se aferir a função diastólica de forma indireta pelo ecocardiograma-Doppler.
A IC pode ser classificada quanto ao:
• Lado do coração afetado:
o Esquerdo: representa a grande maioria dos casos, os quais apresentam congestão pulmonar,
com dispneia, ortopneia e dispneia paroxística noturna. As causas são IAM, cardiopatia
hipertensiva e doença valvar.
o Direito: apresentam congestão sistêmica, com turgência jugular patológica, hepatomegalia,
ascite e edema de membros inferiores. As causas são estenose mitral, cor pulmonale,
pneumopatias, TEP ou HAP primária.
o Biventricular: cursa com congestão pulmonar e sistêmica. A maioria das cardiopatias inicia-se
com insuficiência ventricular esquerda (IVE) e, posteriormente, evolui com comprometimento
do ventrículo direito, por isso, se diz que a causa mais comum de IVD é a própria IVE.
• Mecanismo fisiopatológico:
o Sistólica: constitui 50-60% dos casos, caracterizada pela perda da capacidade contrátil do
miocárdio e presença de redução significativa da fração de ejeção ≤ 50%. As consequências
serão baixo débito cardíaco e aumento do volume de enchimento e, portanto, da pressão de
enchimento ventricular, a qual será transmitida aos átrios e sistema venocapilar. Geralmente
está associada a uma cardiopatia dilatada, como HAS, doença isquêmica, valvopatias,
miocardiopatia primária, cardiomiopatia dilatada primária, cardiomiopatia alcóolica,
cardiomiopatia chagásica, miocardiopatia periparto, miocardites virais ou associados ao HIV, e
miocardiopatia por cocaína.
o Diastólica: a contração está normal, ou seja, fração de ejeção > 50%, entretanto, existe restrição
patológica ao enchimento diastólico, causando elevação nas pressões de enchimento e,
consequentemente, aumento da pressão venocapilar. Pode ser secundário a alteração no
relaxamento muscular e/ou redução na complacência ventricular, sendo associado na maioria
das vezes uma hipertrofia muscular concêntrica. Associa-se a fase hipertrófica da cardiopatia
hipertensiva, a fibrose isquêmica, secundária ao IAM, cardiomiopatia hipertrófica hereditária,
cardiomiopatias restritivas, e desordens infiltrativas, como sarcoidose e amiloidose.
• Débito cardíaco:
o Baixo débito: constitui a maioria dos casos, tanto na IC sistólica como na IC diastólica.
o Alto débito: ocorre nas condições que exigem um maior trabalho cardíaco, seja para atender a
demanda metabólica, como tireotoxicose e anemia grave, ou pelo desvio de sangue do leito
arterial para o venoso através de fístulas arteriovenosas, como beribéri, sepse e cirrose. Apesar
do débito cardíaco estar alto, está abaixo do desejado em face da alta requisição.

Os mecanismos compensatórios são mais bem compreendidos na IC sistólica e de baixo débito, responsável
pela maioria dos casos. A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) representa o principal mecanismo
compensatório nos casos de sobrecarga de pressão ou volume ventriculares, sendo que na sobrecarga de
pressão, como na HAS ou estenose aórtica, ocorre uma hipertrofia concêntrica, enquanto que na sobrecarga de
volume, como nas regurgitações valvares, ocorre hipertrofia excêntrica. O esvaziamento incompleto do
ventrículo e a hipervolemia decorrente da retenção de sódio e água dependente da ativação do SRAA pela
hipoperfusão renal são responsáveis pela dilatação ventricular na IC sistólica, a qual acabará dificultando a
performance ventricular, com desestruturação da mecânica das fibras, levando ao aumento das pressões de
enchimento e à redução do débito sistólico, o que estimula barorreceptores arteriais, ativando o sistema
nervoso simpático, ou adrenérgico, os quais induzem um aumento na contratilidade e na frequência cardíaca, o
que, até certo ponto, ‘compensa’ o débito cardíaco deficiente.
Entretanto, com a progressão da doença miocárdica, os mesmos mediadores neuro-humorais que
inicialmente mantêm o paciente compensado, passam a exercer efeito deletério sobre a própria função
miocárdica, sendo a base para o fenômeno do remodelamento cardíaco. A noradrenalina desencadeia a injúria
dos miócitos, os quais tornam-se alongados e hipofuncionante, podendo evoluir com apoptose. A angiotensina
II provoca apoptose dos miócitos e proliferação de fibroblastos, sendo um dos principais agentes indutores de
hipertrofia ventricular, o que traz graves consequências, como arritmogênese e piora da função diastólica. A
aldosterona leva à hiperproliferação de fibroblastos. A ação destes 3 mediadores, acrescida do efeito de algumas
citocinas, como TNF-α, contribui sobremaneira para a piora progressiva da disfunção ventricular.
Na fase sintomática da insuficiência cardíaca, o ventrículo trabalha com uma pós-carga elevada, devido a 3
fatores: (1) vasoconstrição arteriolar periférica, (2) retenção hídrica, levando ao aumento do volume diastólico
ventricular, e (3) remodelamento cardíaco, o que reduz o débito sistólico, e eleva o consumo miocárdio de
oxigênio.
Em geral, os pacientes permanecem assintomáticos durante anos, devido aos mecanismos adaptativos,
entretanto, após um período de tempo variável, surgem os primeiros sintomas, consequência do baixo débito
e/ou da síndrome congestiva.
A síndrome do baixo débito é mais comum e mais acentuada na IC sistólica, aparecendo inicialmente aos
esforços, com fadiga muscular, indisposição, mialgia, cansaço e lipotimia. O paciente tende a perder massa
muscular, visto que há um desbalanço entre o débito cardíaco e a demanda metabólica, além do mais, pode
haver redução na absorção intestinal de nutrientes.
A síndrome congestiva pulmonar é caracterizada pela dispneia aos esforços, ortopneia (dispneia ao decúbito
dorsal), dispneia paroxística noturna (DNP – paciente acorda no meio da madrugada em crise franca de dispneia,
que melhora após alguns minutos em ortostatismo), e tosse seca noturna, muitas vezes associada à DNP. O
edema agudo de pulmão (EAP) é caracterizado como o extremo da congestão pulmonar, apresentando intensa
crise de taquidispneia, ortopneia, insuficiência respiratória, e ocasionalmente cianose central, associados a
estertoração pulmonar audível acima da metade inferior dos hemitórax, e radiografia de tórax com dilatação
vascular nos ápices e infiltrado bilateral em ‘asa de borboleta’ ou ‘de morcego’. Com o avançar da disfunção de
VE, há o surgimento progressivo da HAP secundária e sobrecarga de VD, o qual acaba entrando em falência,
instalando-se o quando de insuficiência biventricular, surgindo a síndrome de congestão sistêmica, com edema
de membros inferior, bolsa escrotal, ascite, dor abdominal em hipocôndrio direito devido à hepatomegalia,
saciedade precoce, dor abdominal difusa, náuseas e diarreia.
O choque cardiogênico é o extremo da IC, definido clinicamente pelo estado de choque, ou hipoperfusão
generalizada, associado à hipotensão grave (PAS < 80 mmHg) que não responde à reposição volêmica.
Ao exame físico, a turgência jugular patológica a 45° (TJP) é um sinal fidedigno e precoce de IVD, além disso,
preconiza-se a pesquisa do refluxo hepatojugular, muitas vezes presente antes mesmo da TJP, na qual realiza-
se uma pressão sobre o quadrante superior direito do abdome observando se haverá aumento na altura do
pulso jugular > 1 cm. A presença do pulso alternans, ou alternância de um pulso forte com um pulso fraco, é um
sinal de débito sistólico extremamente baixo que reflete péssimo diagnóstico. À ausculta cardíaca, a B1 pode
ser hipofonética, devido a hipocontratilidade do VE, a B2 hiperfonética, devido a HAP, e haver a presença da
terceira bulha (B3). À ausculta pulmonar, na IVE pode haver estertoração pulmonar nos terços inferiores dos
hemitórax, predominando geralmente à direita, os sibilos podem ser encontrados na ‘asma cardíaca’ e, se
presente, o derrame pleural é encontrando geralmente do lado direito ou bilateral com predomínio à direita.
Nas fases avançadas de IC biventricular, o paciente pode apresentar edema generalizado, com predomínio nas
regiões dependentes de gravidade, sendo que se cronificação deste há alteração de pele e fâneros.
A anamnese e o exame físico sugerem o diagnóstico na grande maioria das vezes, entretanto, alguns exames
inespecíficos, como radiografia de tórax e ECG, pode auxiliar no raciocínio clínico. À radiografia de tórax, a
presença de cardiomegalia (índice cardiotorácico > 50%) é um achado comum na cardiopatia dilatada, associado
a sinais de congestão, como inversão do padrão vascular, linhas B de Kerley, as quais representam o
ingurgitamento linfático relacionado ao edema pulmonar, infiltrados bi ou unilaterais, em geral peri-hilares, e
derrame pleural, geralmente bilateral com predomínio à direita. O ECO-Doppler é o método mais útil para a
confirmação diagnóstica, avaliação da etiologia, do perfil hemodinâmico e do prognóstico, apresentando como
limitação a obtenção de uma boa imagem, ou ‘janela’, o que depende da constituição física e da idade do
paciente. O BNP é produzido pelo miocárdio dos ventrículos, sempre em resposta ao estiramento miocárdio,
portanto, o BNP aumenta na IC congestiva, mas não na pneumopatia, servido como ‘divisor de águas’ em
pacientes com dispneia, especialmente quando dosagem > 100 pg/mL. Atualmente, dispõe-se de um marcador
mais sensível, o N-terminal pró-BNP, o qual corrobora com o diagnóstico de IC quando dosagem > 2.000 pg/mL.
Critérios clínicos de Framinghan
Edema agudo de pulmão
Dispneia paroxística noturna Alterações pulmonares
Estertores pulmonares
Turgência jugular
Major Refluxo hepatojugular Alterações em veia jugular
PVC > 16 cmH2O
Cardiomegalia no RX
Terceira bulha (B3) Miscelânia
Perda de peso > 4,5 kg em resposta ao tratamento
Edema maleolar bilateral
Hepatomegalia Congestão sistêmica
Derrame pleural
Minor Dispneia aos esforços
Alterações pulmonares
Tosse noturna
Capacidade vital < 1/3 do previsto
Miscelânia
Taquicardia > 120 bpm
Diagnóstico → 2 Major ou 1 Major + 2 Minor
Os principais determinantes prognósticos de IC são: (1) classe funcional NYHA, (2) classificação evolutiva, (3)
fração de ejeção, uma vez que prediz o prognóstico independentemente da classe funcional, correspondendo a
disfunção grave uma FE < 35%, (4) disfunção diastólica associada, (5) marcadores neuro-humorais elevados,
como noradrenalina, ADH, endotelina-1 e BNP, e (6) complicações, como TEP e TVP, relacionados a estase
sanguínea, e arritmias cardíacas.
Estágios da ICC
Classe funcional NYHA Pacientes assintomáticos, mas sob alto risco de desenvolver
I Sem limitação às atividades cotidianas A disfunção ventricular, por apresentarem doenças ligadas ao
Limitação leve; sintomas durante aparecimento de IC, como HAS, DAC e DM
II
atividades cotidianas Pacientes que já desenvolveram algum tipo de disfunção
Limitação acentuada; sintomas com B ventricular, como IAM prévio, mas continuam sem sintomas
III qualquer atividade, mesmo as mais leves de ICC
que as do cotidiano C Pacientes sintomáticos com disfunção ventricular associada
Incapacidade física; sintomas em repouso Pacientes sintomáticos em repouso, apesar da medicação
IV D
ou com mínimos esforços otimizada e que internam frequentemente

Cerca de 50-60% dos pacientes com ICC, principalmente aqueles com IC sistólica, morrem subitamente,
provavelmente por fibrilação ventricular, sendo que os preditores de risco para morte súbita são episódio prévio
revertido, documentação de TV sustentada no Holter e disfunção ventricular com FE ≤ 35% em paciente
sintomático. O restante dos pacientes morre de falência ventricular progressiva, evoluindo para choque
cardiogênico ou edema agudo refratário.
Existe uma série de fatores secundários que podem descompensar a IC, entre eles, o mais importante é a
não aderência ao tratamento. Outros fatores são aumento da demanda metabólica, como infecções, anemia,
estresse e gestação, redução da capacidade contrátil, como IAM, isquemia e drogas, aumento da pós-carga,
como HAS, aumento da pré-carga, como abuso de sal e drogas retentoras de líquido (corticoide e estrogênio),
redução do tempo diastólico, como nas taquiarritmias, principalmente fibrilação atrial, e redução do débito
cardíaco, como nas bradiarritmias.
As medidas gerais para tratamento envolvem:
• Restrição de sal, com meta de 4-6 gramas de NaCl ou 2-3 gramas de sódio por dia;
• Restrição líquida 1-1,5 litro/dia apenas para pacientes com hiponatremia ou com retenção de líquido
não responsiva ao uso de DIU e restrição da ingesta de sal;
• Repouso máximo para paciente muito sintomático, classe III ou IV, ou descompensado da IC, a fim de
reduzir a demanda metabólica e facilitar o trabalho cardíaco, enquanto que pacientes com IC
compensada devem procurar realizar atividades normais do dia a dia;
• Reabilitação cardiovascular;
• Vacinação anti-Influenza e antipneumocócica;
• Cessação de tabagismo ativo e passivo;
• Evitar uso de AINEs e hipoglicemiantes orais tiazolidinedionas;
• Profilaxia para TVP em pacientes com IC independente da classe funcional que forem viajar.

Atualmente, existem 7 classes de drogas capazes de aumentar a sobrevida na IC sistólica, como:


1. Inibidores da ECA: pelo menos 7 IECAs diferentes tiveram benefício confirmado, portanto, assume-se
que o benefício é inerente à classe, e não a droga específica. Possuem 3 propriedades importantes na
IC, como arteriolodilatação, reduzindo a pós-carga, venodilatação, reduzindo a pré-carga, e redução dos
efeitos diretos da angiotensina II sobre o miocárdio. Em geral, o tratamento é iniciado com doses
reduzidas, com aumento a cada 2 semanas, observando-se os níveis séricos de potássio e creatinina,
suspendendo-os se houver aumento da creatinina sérica > 30-35% e/ou franca hipercalemia. O principal
efeito colateral dos IECAs é a tosse seca, presente em 5% dos casos, dependente do aumento da
bradicinina. Os exemplos de doses ‘otimizadas’ são:
a. Captopril 50 mg 3x/dia;
b. Enalapril 10 mg 2x/dia;
c. Ramipril 10 mg/dia;
d. Lisinopril 20 mg/dia.
2. β-bloqueadores: reduzem não apenas a mortalidade, mas também a incidência de morte súbita e
reinfarto, especificamente carvedilol, bisoprolol e metoprolol. O principal mecanismo de ação é o
bloqueio da ação tóxica da noradrenalina sobre os miócitos cardíacos e a redução da liberação de
noradrenalina nas sinapses cardíacas, geralmente após 3-6 meses de uso. Em pacientes internados por
IC descompensada, não se deve suspender os BB de uso prévio, exceto na presença de choque
cardiogênico, BAV ou bradicardia sintomática, assim como não se deve introduzi-los com o paciente
agudamente descompensado. Os exemplos de doses ‘otimizadas’ são:
a. Carvedilol 25-50 mg 2x/dia;
b. Metoprolol 200 mg/dia;
c. Bisoprolol 10 mg/dia.
3. Antagonistas da aldosterona (espironolactona e eplerenona): o provável mecanismo é a inibição do
efeito da aldosterona sobre o miocárdio, reduzindo assim a degeneração de fibras, apoptose e a fibrose
intersticial, isto é, prevenindo o remodelamento ventricular. Outro possível efeito benéfico é a
prevenção da hipocalemia pelos diuréticos de alça ou tiazídicos. Contraindica-se em casos de
hipercalemia.
4. Hidralazina + nitrato: apresento uma tendência a ter mais benefício na sobrevida em pacientes da raça
negra, entretanto, pode ser oferecida em pacientes brancos apesar da terapia otimizada. A hidralazina,
ao dilatar as arteríolas, reduz a pós-carga e, portanto, melhora a performance ventricular, enquanto que
o Dinitrato de isossorbida tem um importante efeito venodilatador, reduzindo assim a pré-carga e
facilitando o trabalho ventricular. A ‘dose-alvo’ é:
a. Hidralazina 75 mg + Dinitrato de isossorbida 40 mg 3x/dia.
5. Antagonista AT1 da angiotensina II: na prática, são recomendados para pacientes que não toleram os
IECA por conta dos efeitos colaterais específicos, como a tosse seca, entretanto, se intolerância aos IECA
for devida ao surgimento de IRA e/ou hipercalemia, esta droga também está contraindicada.

6. Ivabradina: representante de drogas inibidoras da corrente If, responsável pelo mecanismo de


despolarização automática do nódulo sinoatrial, recomendando a prescrição de 5 mg VO 12/12 horas,
podendo chegar a 7,5 mg VO 12/12 horas.

7. Sacubitil + valsartana: o sacubitril é uma droga inibidora da enzima neprisilina, que degrada a
bradicinina e outros peptídeos hormonais. O efeito final é o acúmulo de substâncias com propriedades
vasodilatadoras e que melhoram a função endotelial.

Resumo das recomendações de tratamento medicamentoso para IC:


 IECA* para todos os casos de IC sistólica, assintomáticos ou sintomáticos;
 BB* para todos os pacientes com IC sistólica, independente da classe;
 Antagonistas da aldosterona* para IC sistólica sintomática, classe II a IV;
 Hidralazina + Nitrato* para pacientes negros com IC classe II a IV, já em uso de
IECA e BB, pacientes brancos com intolerância aos IECA e BRA, e pacientes que
permanecem sintomáticos apesar da terapia padrão; Fármacos
 BRA* para pacientes com indicação de IECA, mas que não toleram o de 1ª linha
medicamento devido à tosse;
 Sacubitil/valsartana* (Entresto ) 97/103 mg nos que permanecem sintomáticos
apesar da terapia tripla, substituindo pelo IECA;
 Ivabradina* para pacientes com classe funcional II-IV, disfunção sistólica, terapia
otimizada, FC ≥ 70 bpm e ritmo cardíaco sinusal;
 DIU para pacientes com sinais e sintomas significativos da síndrome congestiva
com IC sistólica ou diastólica;
 Digitálicos para pacientes com IC sistólica ou biventricular classe III e IV, em
pacientes que não compensaram apesar do uso de IECA, β-bloqueador e DIU, e
também para pacientes com IC e FA de alta resposta. * = altera mortalidade
Existem drogas que apenas aliviam sintomas, como DIU, digitálicos, aminos inotrópicas e inibidores da
fosfodiesterase, entretanto, são fundamentais para manter os pacientes no estado compensado.
A ação principal dos DIU é combater os sinais e sintomas da congestão e do edema, sendo eficazes tanto na
IC sistólica quanto na IC diastólica, aumentando a excreção renal de sódio e água, reduzindo assim a volemia do
paciente, portanto, está indicado sempre que houver sinais e sintomas significativos da síndrome congestiva.
Deve se atentar para não administrar doses excessivas, de modo a baixar muito a volemia, pois, nesse caso, o
débito cardíaco se reduzirá significativamente, levando a uma síndrome de baixo débito. Os pacientes
descompensados necessitam da administração parenteral de DIU de alça, especificamente a furosemida 120 mg
EV, pois a absorção por via oral está muito prejudicada pela congestão da mucosa intestinal. A dose por via oral
deve ser geralmente o dobro da venosa, administrada de 2 a 3x/dia. Os tiazídicos são bem menos potentes que
a furosemida, havendo a possibilidade da associação de ambos naqueles pacientes que persistem com retenção
hidrossalina a despeito de altas doses de furosemida. Os efeitos adversos gerais são hipovolemia, IRA pré-renal,
hipocalemia, hiperuricemia, hiperglicemia, hiperlipidemia, sendo que os DIU de alça podem causar também
ototoxicidade, hipocalcemia e hipercalciúria, enquanto que os tiazídicos podem causar hipercalcemia.
Os digitálicos, ou glicosídeos cardíacos, apresentam 3 efeitos cardíacos: (1) efeito inotrópico positivo, agindo
principalmente na inibição da Na/K ATPase, tendo como consequência final o aumento do cálcio citosólico,
principal determinante do inotropismo cardíaco, (2) ação colinérgica, com consequente aumento do tônus vagal,
o que reduz o automatismo do nódulo sinusal, aumenta a refratariedade e diminui a velocidade de condução
do nódulo AV, e (3) ação arritmogênica, devido ao acúmulo de cálcio, precipitando pós-potenciais tardios e
extrassístoles. O uso desta medicação reduz o número de internações por descompensação cardíaca, apesar de
não haver alteração da mortalidade. Contraindica-se nos casos de BAV de 2º grau Mobitz II e 3º grau, e IC
diastólica pura, visto que, além de não ter efeito benéfico, pode piorar a função diastólica. A droga mais usada
é digoxina 0,125-0,375 mg/dia VO, entretanto, deve se atentar a administração desta droga, visto que apresenta
um índice tóxico-terapêutico pequeno, sendo que a intoxicação digitálica manifesta-se com náuseas, vômitos,
hiporexia, alterações visuais e extrassístoles ventriculares múltiplas, apresentando-se mais comumente em
pacientes com hipocalemia, uma vez que o potássio protege o miocárdio contra o efeito do digital na Na/K
ATPase.
Pacientes com IC têm um risco aumentado de eventos tromboembólicos devido à estase sanguínea,
indicando-se a terapia com varfarina ou novos anticoagulantes orais para história de evento embólico, FA,
amiloidose, cardiomiopatia dilatada familiar, AF de tromboembolismo e IC com FE < 30%.
Existem poucos estudos abordando o tratamento da IC com FE preservada, a qual requer para o diagnóstico
os sinais e sintomas de IC congestiva, FE normal ou discretamente reduzida e evidências objetivas de disfunção
diastólica do VE. Os sintomas congestivos devem ser controlados com DIU em baixas doses, visto que estes
pacientes não retêm tanto líquido como aqueles com IC sistólica, além disso, uma medida fundamental é
controlar agressivamente a hipertensão arterial com IECA, BRA, BB, verapamil, diltiazem ou amlodipina.

Abordagem por estágios


Estágio A Estágio B Estágio C Estágio D
Cessar tabagismo e
TTO não Medidas do Restrição salina e
etilismo, e estimular Restrição salina e hídrica
farmacológico estágio A hídrica
atividade física
Controle e tratamento IECA e BB, podendo ser associados
TTO dos fatores de risco, BRA, antagonista da aldosterona,
IECA e BB Medidas do estágio C
farmacológico como HAS, DM e DIU, digitálicos, nitrato +
dislipidemia hidralazina
Prevenção de
- Cardiodesfibrilador implantável
morte súbita
05/03/2020 Insuficiência cardíaca aguda | Nature Reviews Disease Primers

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AGUDA

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica crônica e progressiva induzida por anormalidades
cardíacas estruturais ou funcionais que apresentam fração de ejeção do ventrículo esquerdo reduzida (na
IC com fração de ejeção reduzida (ICFER)) ou preservada (na IC com fração de ejeção preservada (ICFEP)).
A disfunção cardíaca leva a pressões elevadas de enchimento cardíaco em repouso e durante o estresse.
Os sintomas de IC incluem dispneia e fadiga, geralmente acompanhados de sinais físicos típicos, como
estertores pulmonares, edema periférico ou veias jugulares distendidas.
Nos países desenvolvidos, a IC tornou-se um problema de saúde pública substancial, afetando 2% da
população adulta, e o número de internações hospitalares relacionadas à IC triplicou desde os anos 90.
A IC aguda é definida como nova ou piora dos sintomas e sinais da IC e é a causa mais frequente de
internação não planejada em pacientes > 65 anos. Do ponto de vista clínico, distinguimos a IC ‘de novo’,
na qual os sintomas ocorrem em pacientes sem história prévia de IC, da IC crônica descompensada, na qual
os sintomas aumentam em pacientes com IC crônica previamente diagnosticada, correspondendo a 60-
75% dos casos. Essa classificação fornece pouca informação adicional em relação à fisiopatologia, mas tem
implicações principalmente clínicas, uma vez que a IC ‘de novo’ requer um processo diagnóstico mais
extenso para investigar a patologia cardíaca subjacente.
A apresentação clínica da IC aguda é caracterizada principalmente por sintomas e sinais relacionados à
congestão sistêmica, ou seja, acúmulo extracelular de líquidos, iniciado pelo aumento da pressão
biventricular do enchimento cardíaco. Dessa forma, o tratamento inicial na maioria dos pacientes consiste
em ventilação não invasiva e diuréticos intravenosos, administrados isoladamente ou em combinação com
vasodilatadores de ação curta. Apenas uma minoria de pacientes com IC aguda apresenta choque
cardiogênico, condição crítica caracterizada pela presença de sinais clínicos de hipoperfusão de tecido
periférico, apresentando uma mortalidade intra-hospitalar 10 vezes maior do que a IC aguda sem choque,
necessitando de tratamentos específicos.

EPIDEMIOLOGIA

Fatores de risco
Uma revisão sistemática dos fatores de risco mundiais para IC constatou que a cardiopatia isquêmica
foi a principal contribuinte subjacente às internações por IC aguda em > 50% dos pacientes em regiões de
alta renda, bem como nas regiões da Europa Central e Oriental. Nas regiões de alta renda da Ásia-Pacífico
e na América Latina, as doenças isquêmicas do coração contribuíram para 30 a 40% das internações,
enquanto na África subsaariana contribuíram para < 10%. A hipertensão contribuiu de forma consistente para
a IC globalmente 17% dos casos. Dos outros fatores de risco comumente relatados, a doença cardíaca reumática
foi particularmente prevalente no leste da Ásia (34%) e na África subsaariana (14%). O grupo heterogêneo de
cardiomiopatias (que podem incluir familiar, periparto, infeccioso (por exemplo, devido à infecção pelo HIV),
autoimune, pós-miocardite e cardiomiopatia idiopática, entre outros) foram particularmente prevalentes na
África (25,7%). A miocardite aguda associada à doença de Chagas é comumente (> 50% dos casos) associada a
derrame pericárdico substancial, mas geralmente leva à IC aguda em apenas 1 a 5 de cada 10.000 pessoas
infectadas, no entanto, permanece comum na América Latina e é a causa da IC em 10% dos pacientes no estudo
RAMADHF e 28% no estudo GESICA.
Nas regiões de alta renda com altas pontuações no índice de desenvolvimento humano, os pacientes
com IC aguda apresentam tipicamente uma idade média > 75 anos na apresentação, enquanto em outras
áreas, como a América Latina e a África Subsaariana, a idade média dos pacientes com IC aguda é até duas
décadas mais baixa. Essa diferença pode dever-se a hipertensão mal tratada, cardiopatia isquêmica e
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cardiopatia reumática diagnosticada tardiamente, levando à apresentação de IC em faixas etárias mais


jovens.
Além disso, existem diferenças entre as regiões na distribuição por sexo, por exemplo, doenças
cardíacas reumáticas geralmente afetam mais as mulheres do que os homens. Como a epidemia da
obesidade também afeta desproporcionalmente as mulheres, as doenças cardíacas hipertensivas que
levam à IC geralmente são mais prevalentes nas mulheres do que nos homens.

Morbidade e mortalidade

Globalmente, a mortalidade intra-hospitalar por IC aguda atinge ≅ 4%. Os preditores de mortalidade em


180 dias incluíram malignidade, doença pulmonar grave, histórico de tabagismo, PAS e FC abaixo ou acima
de seus intervalos e sinais e sintomas de congestão, como ortopneia, edema periférico e estertores, na
admissão, disfunção renal, anemia e positividade para o HIV.
MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS
Mecanismos fisiopatológicos da IC aguda

Uma condição cardíaca estrutural ou funcional subjacente é um pré-requisito para a IC aguda e inclui
uma infinidade de diferentes patologias cardíacas agudas, como, infarto do miocárdio, ou crônicas, como,
cardiomiopatia dilatada e doença isquêmica do coração. A doença cardíaca subjacente leva à ativação de
várias vias fisiopatológicas, inicialmente caracterizadas como respostas adaptativas que combatem os
efeitos negativos da IC na entrega de oxigênio aos tecidos periféricos, que com o tempo, se tornam
inadequadas, podendo eventualmente resultar em congestão sistêmica, remodelação e disfunção orgânica.
Além disso, algumas doenças agudas podem atuar como fatores precipitantes e desencadear a IC aguda,
comprometendo diretamente a função diastólica e/ou sistólica cardíaca ou promovendo ainda mais a congestão
sistêmica. A congestão sistêmica tem um efeito importante na apresentação clínica na maioria dos pacientes e
é um determinante relevante da disfunção de múltiplos órgãos que ocorre na IC aguda.
Portanto, a IC aguda resulta da combinação de uma disfunção cardíaca subjacente, mas recém
diagnosticada, e de fatores precipitantes, ou o aparecimento de uma nova disfunção cardíaca ou a combinação
de uma disfunção cardíaca crônica subjacente e um ou mais fatores precipitantes, ou seja, descompensação da
IC crônica.
Os fatores precipitantes podem afetar diretamente a função ventricular esquerdo (VE) ou ventricular direito
(VD), como por exemplo, isquemia e arritmias do miocárdio, ou contribuir para o desenvolvimento de
congestão, como por exemplo, infecção, hipertensão e não conformidade com as recomendações de
tratamento. A disfunção do VE (disfunção diastólica na IC com fração de ejeção preservada (ICFEP) ou disfunção
diastólica e sistólica na IC com fração de ejeção reduzida (ICFER)) leva a congestão pulmonar, o que, por sua vez,
contribui para a disfunção do VD e congestão sistêmica. A congestão sistêmica, a ativação neuro-humoral e a
inflamação afetam negativamente a função ventricular e contribuem ainda mais para a congestão
autoperpetuada.
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Disfunção sistólica e diastólica do VE

Uma alteração aguda da função cardíaca, principalmente um agravamento da função diastólica do


ventrículo esquerdo (VE), que por sua vez leva a um aumento nas pressões de enchimento do VE e
congestão pulmonar, pode resultar em IC aguda.
Um exemplo dessas mudanças repentinas é a isquemia aguda do miocárdio. A contração do VE é
altamente dependente da geração de energia oxidativa e, portanto, a isquemia desencadeia
comprometimento sistólico, o que leva a um aumento do volume diastólico final do VE residual e da
pressão de enchimento. O enchimento do VE ocorre normalmente em duas fases, uma fase rápida precoce
altamente dependente do relaxamento rápido do miocárdio e uma fase posterior dependente da
contração atrial esquerda e do gradiente de pressão atrioventricular, que por sua vez é afetado pelas
propriedades físicas do VE, como por exemplo, rigidez. O relaxamento do miocárdio é um processo ativo
que requer energia, assim a redução na geração oxidativa de ATP em cardiomiócitos com o início de
isquemia aguda grave prejudica rapidamente o relaxamento do miocárdio, afetando assim o enchimento
precoce do VE e aumentando ainda mais as pressões de enchimento. A presença de quaisquer condições
coexistentes em que o relaxamento já esteja prejudicado ou a rigidez diastólica final do VE aumentada
aumentará a probabilidade de IC aguda.
Retenção de fluidos
Na IC, um aumento no volume de líquido extracelular, referido como retenção ou acúmulo de líquido
e/ou uma alteração na complacência dos leitos venosos, que resulta em redistribuição de fluido sem
aumento no volume total, pode levar a um aumento nas pressões de enchimento. De fato, na maioria dos
pacientes, a IC aguda ocorre sem alterações agudas da função cardíaca, mas é induzida pelo acúmulo e/ou
redistribuição de líquidos, o que resulta em congestão sistêmica, principalmente na presença de uma
disfunção diastólica subjacente.
A maioria do sódio retido é armazenado no compartimento extracelular, que consiste no
compartimento intravascular e no interstício. Em indivíduos saudáveis, o aumento do sódio corporal total
geralmente não é acompanhado pela formação de edema, pois uma grande quantidade de sódio pode ser
tamponada pelas redes intersticiais de glicosaminoglicano sem retenção compensatória de água. Além
disso, as redes glicosaminoglicanas intersticiais apresentam baixa complacência, ou seja, propriedades
elásticas limitadas, o que impede o acúmulo de fluidos no interstício. Em pacientes com IC, quando o
acúmulo de sódio persiste, as redes de glicosaminoglicanos podem se tornar disfuncionais, resultando em
capacidade tampão reduzida, aumento da complacência intersticial e formação de edema, mesmo na
presença de pressões hidrostáticas levemente elevadas.
A retenção de líquidos está frequentemente relacionada ao aumento da ativação neuro-humoral, ou
seja, ativação do SRAA e sistema vasopressina, levando à retenção renal de sal e água, embora também
possa ser iatrogênico, por exemplo, causado pela administração de quantidades inadequadamente
grandes de fluidos intravenosos. A via neuro-humoral já está ativada acima do nível fisiológico inicial durante
a progressão da doença em pacientes com IC crônica, mesmo antes do desenvolvimento dos sintomas, ou
doença renal, e, portanto, esses pacientes são particularmente propensos ao acúmulo de líquidos.
Na IC, alterações nos segmentos proximal e distal do néfron aumentam a avidez renal do sódio, que já
está aumentada mesmo antes que ocorram sintomas clínicos da IC. Além disso, em vários estudos, o
aumento da pressão venosa central tem sido associado ao agravamento da função renal, resultando
frequentemente em uma queda adicional na natriurese. De fato, é possível que alterações nos parâmetros
da função renal que ocorram durante o IC aguda que normalmente indiquem agravamento da função renal
não correspondam ao agravamento da função renal ‘verdadeiro’, quando acompanhadas por diurese em
andamento favorável.
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Redistribuição de fluidos

A estimulação simpática pode induzir uma vasoconstrição transitória que leva a um deslocamento
repentino de volume do sistema venoso esplâncnico e periférico para a circulação pulmonar, sem retenção
exógena de fluidos. As veias grandes fisiologicamente contêm um quarto do volume total de sangue e
estabilizam a pré-carga cardíaca, protegendo a retenção de líquidos.
A pré-carga indica o grau de estiramento dos cardiomiócitos no final da diástole e se correlaciona com
o volume e a pressão diastólica final. Por outro lado, a pós-carga indica a pressão que o coração precisa
superar para ejetar sangue durante a contração ventricular e se correlaciona com a pressão arterial
sistólica. Uma incompatibilidade na relação de acoplamento ventrículo-vascular com aumento da pós-
carga e diminuição da capacitância venosa, levando ao aumento da pré-carga e do volume diastólico final,
pode aumentar excessivamente a carga de trabalho cardíaca e agravar a congestão pulmonar e sistêmica.
Finalmente, fatores mecânicos agudos também podem aumentar a pré-carga ventricular e causar IC
aguda, por exemplo, a ocorrência repentina de insuficiência da válvula mitral devido a rupturas dos cordões
do músculo papilar ou o desenvolvimento repentino de um defeito do septo ventricular.
Fatores precipitantes de AHF

O início e o aumento da congestão sistêmica que antecede a IC aguda podem se desenvolver ao longo
de horas e até dias, e podem ser desencadeados por vários fatores, diretamente através da estimulação
de mecanismos fisiopatológicos que levam ao acúmulo ou redistribuição de fluidos ou indiretamente
através do agravamento da função diastólica ou sistólica cardíaca.
Embora em muitos pacientes um aumento progressivo no peso corporal e nas pressões pulmonares
possam ser observados alguns dias antes da internação hospitalar, em uma proporção relevante dos
pacientes, a IC aguda está associada a apenas um aumento mínimo no peso corporal.
Síndromes coronárias agudas, arritmias,em particular fibrilação atrial, infecções, em particular infecções
das vias aéreas, hipertensão não controlada e não conformidade com as recomendações alimentares e
prescrições de medicamentos são os precipitantes mais comuns identificados. É importante notar que em
uma proporção relevante de pacientes (≅ 40 a 50%), nenhum precipitante foi identificado, enquanto uma
combinação de múltiplos fatores estava presente em ≅ 5 a 20% dos pacientes.
A IC aguda precipitada por síndromes coronárias agudas ou infecção está associada a maior mortalidade
a curto prazo do que a IC aguda precipitada por fibrilação atrial ou hipertensão não controlada.
Notavelmente, o risco de óbito muda com o tempo de maneira diferente nos dois grupos de pacientes
citados acima, ou seja, é o mais alto nos primeiros dias após a admissão no primeiro grupo e ≅ 3 semanas
após a admissão no segundo grupo. A explicação para esse fenômeno é especulativa, sugerindo uma
interação complexa entre infecção e uma combinação de disfunção endotelial, instabilidade da placa
aterosclerótica, coagulação ativada, retenção de líquidos, lesão miocárdica inflamatória e isquêmica,
arritmias e o risco de outras doenças não cardíacas precipitantes que podem levar à morte.
Congestão e disfunção orgânica

No coração, pressões elevadas de enchimento ventricular levam ao aumento da tensão da parede


ventricular, alongamento e remodelação do miocárdio, contribuindo para uma piora progressiva da
contratilidade cardíaca, regurgitação valvar e congestão sistêmica. Em resposta ao aumento da tensão da
parede, os peptídeos natriuréticos circulantes, que estimulam a diurese e a vasodilatação, são liberados
fisiologicamente pelos cardiomiócitos atriais e ventriculares como mecanismo compensatório, e
frequentemente as troponinas cardíacas de alta sensibilidade são detectáveis em grande parte dos
pacientes com IC aguda, revelando lesão miocítica não isquêmica ou necrótica.
O aumento da pressão atrial esquerda resulta em aumento da pressão hidrostática nos capilares
pulmonares, aumentando a taxa de filtração de fluidos dos capilares para o interstício pulmonar, causando
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rigidez e dispneia pulmonar. No estágio inicial da congestão pulmonar, o sistema linfático pode lidar com
o grande volume de líquido intersticial, mas eventualmente a capacidade de drenagem é excedida. Assim,
o fluido se desloca para os espaços pleural e intra-alveolar, causando derrame pleural e edema pulmonar.
A congestão sistêmica é uma característica central na maioria dos pacientes com IC aguda. Além da má
função cardíaca, vários órgãos participam do desenvolvimento e propagação da congestão. A congestão é
o mecanismo fisiopatológico essencial da função orgânica prejudicada na IC aguda, e a hipoperfusão, se
presente, pode causar maior deterioração na função orgânica e está associada ao aumento do risco de
mortalidade. A melhoria da função dos órgãos com terapias descongestivas tem sido associada a um risco
reduzido de morte e, portanto, a prevenção e o tratamento da disfunção orgânica são um alvo terapêutico
essencial em pacientes com IC aguda.
A IC aguda está associado ao agravamento da função renal. A pressão venosa central elevada leva à
hipertensão venosa renal, que por sua vez aumenta a pressão intersticial renal. Por fim, a pressão
hidrostática no interstício renal excede a pressão hidrostática intratubular, resultando no colapso dos
túbulos e, portanto, na taxa de filtração glomerular reduzida. Além disso, a hipertensão venosa renal induz
uma redução no fluxo sanguíneo renal, hipóxia renal e, finalmente, fibrose intersticial. Um aumento da
creatinina plasmática é frequentemente interpretado como um sinal de hipovolemia, levando a uma redução
da terapia descongestiva, no entanto, esse nem sempre é o caso, conforme discutido acima.
Em pacientes com congestão hepática, são frequentemente observadas elevações na fosfatase alcalina,
bilirrubina e/ou γ-glutamil transferase. Necrose centrolobular e transaminases marcadamente elevadas
devido à hipoperfusão no cenário de hepatite hipóxica são observadas em estados graves de hipoperfusão,
como choque cardiogênico.
A congestão esplâncnica resulta em aumento da pressão intra-abdominal e isquemia das vilosidades,
que modificam a morfologia intestinal e alteram a permeabilidade intestinal e a absorção de nutrientes,
possivelmente contribuindo para inflamação crônica e desnutrição. Além disso, congestão venosa e/ou
hipoperfusão prejudicam a microcirculação esplâncnica e aumentam o risco de isquemia intestinal,
permitindo que lipopolissacarídeos ou endotoxina produzida por bactérias intestinais Gram-negativas
entrem no sistema circulatório e aumentem o ambiente pró-inflamatório da IC aguda. Finalmente, o
congestionamento em si também resulta na ativação endotelial, o que promove ainda mais um ambiente
pró-inflamatório.
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DIAGNÓSTICO, TRIAGEM E PREVENÇÃO

Diagnóstico inicial – Apresentação clínica

Sintomas e sinais relacionados à congestão sistêmica caracterizam o quadro clínico de pacientes com IC
aguda, de maneira semelhante, independentemente da FEVE. Os sintomas mais comuns incluem dispneia
durante o exercício ou em repouso, ortopneia e fadiga, sendo geralmente acompanhados por sinais
clínicos, como edema periférico, distensão da veia jugular, presença de um terceiro som cardíaco,
conhecido como ‘galope S3’, um som diastólico que representa o término do enchimento rápido do
ventrículo esquerdo, e estertores pulmonares.
Sintomas e sinais relacionados à hipoperfusão periférica, como pele fria e úmida, estado mental
alterado e oligúria, caracterizam o choque cardiogênico. Choque cardiogênico, bem como insuficiência
respiratória, infarto do miocárdio e arritmia, devem ser rapidamente excluídos durante a triagem inicial de
pacientes admitidos por suspeita de IC aguda. Os critérios comumente aceitos para hospitalização em
unidade de terapia intensiva ou unidade cardíaca incluem instabilidade hemodinâmica (FC < 40 bpm ou >
130 bpm, PAS < 90 mmHg ou evidência de hipoperfusão) e dificuldade respiratória (FR> 25 irpm, SatO2 <
90% apesar do oxigênio suplementar, uso de músculos acessórios para respiração ou necessidade de
suporte ventilatório mecânico).
A avaliação de risco ADHERE é usada para classificar os pacientes com base em três parâmetros
coletados na admissão: nitrogênio da ureia sérica, PAS e creatinina sérica, permitindo a estratificação do
paciente em cinco grupos com mortalidade hospitalar substancialmente diferente, variando de 2% a 22%.
Análise diagnóstica
O quadro clínico da IC agudo não é sensível nem específico o suficiente para confirmar ou excluir o
diagnóstico, portanto, são necessários testes adicionais.
Os biomarcadores cardiovasculares desempenham um papel crucial no processo diagnóstico da IC
aguda. Pacientes que apresentam suspeita de IC aguda devem ser submetidos à medição de peptídeos
natriuréticos plasmáticos, como peptídeo natriurético cerebral (BNP) e/ou peptídeo natriurético pró-
cerebral N-terminal (NT-proBNP). Em pacientes com IC aguda, os níveis de peptídeos natriuréticos
circulantes são elevados em comparação aos níveis em pacientes com falta de ar de origem não cardíaca.
Exames adicionais, como ecocardiograma ou outros procedimentos de imagem, são necessários para
confirmar o diagnóstico de IC aguda em pacientes com peptídeos natriuréticos elevados.
Foi proposto um protocolo denominado como ‘7Ps’ (inglês) para orientar a avaliação e personalização
do tratamento – fenótipo (phenotype), fisiopatologia (pathophysiology), precipitantes, patologia,
polimorbidade, possíveis danos iatrogênicos e preferências do paciente.
‘7 Ps’
Baseia-se na perfusão periférica (‘quente’/‘frios’) e/ou congestão sistêmica (‘seco’/‘úmido’). A maioria
Fenótipo
dos pacientes é bem perfundida, mas congestionada (‘quente-úmida’)
O tratamento com vasodilatadores e/ou diuréticos para reduzir o congestionamento e medicamentos
Fisiopatologia inotrópicos para melhorar a perfusão periférica, deve ser personalizado de acordo com o fenótipo
clínico e a fisiopatologia (acúmulo de fluidos, redistribuição de fluidos ou hipoperfusão periférica)
A identificação dos precipitantes da IC aguda é essencial para fornecer terapia específica ideal e para
Precipitantes
estimar o prognóstico e o potencial de recuperação
Patologias A identificação da patologia cardíaca subjacente pode contribuir para adaptar o tratamento
A avaliação da polimorbidade (disfunção renal e hepática) ou outras condições relevantes (gravidez, risco de
Polimorbidades
sangramento e alergias) deve ser integrada ao plano de manejo
Danos Os possíveis danos iatrogênicos associados aos procedimentos e tratamento de diagnóstico também
iatrogênicos devem ser considerados
Preferências do
-
paciente
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O diagnóstico de IC aguda é frequentemente feito clinicamente com base na história e nos sinais clínicos
assistidos pela medição de peptídeos natriuréticos circulantes. O papel da imagem para a avaliação inicial
da IC aguda é limitado aos pacientes em que a condição cardíaca subjacente é desconhecida, por exemplo,
pacientes com IC ‘de novo’, que requerem um processo diagnóstico mais extenso. O ecocardiograma
transtorácico deve ser realizado em todos os pacientes com IC ‘de novo’ ou em pacientes com IC crônica
descompensada quando houver suspeita de uma alteração relevante na patologia cardíaca, para estimar
a função do VE e do VD e excluir doenças valvares graves ou tamponamento pericárdico.
Um gatilho isquêmico da IC aguda, como síndromes coronárias agudas, deve ser descartado por ECG e
medida seriada de troponinas cardíacas, assim como arritmias, e infecções por medição de marcadores
inflamatórios, como por exemplo, proteína C-reativa e procalcitonina. Modalidades adicionais de imagem, como
a ressonância magnética, raramente são necessárias durante a investigação inicial, mas podem ser úteis durante
investigações adicionais. A avaliação inicial do laboratório também deve incluir uma avaliação básica da função
de outros sistemas orgânicos, como por exemplo, rim, fígado e sangue.
Dados recentes mostraram que o início oportuno da terapia pode ser um fator crucial no tratamento
da IC aguda, com uma associação positiva entre o curto período de tempo entre a admissão e a
administração de diuréticos e a melhora da sobrevida hospitalar. Por esse motivo, o tratamento inicial deve
ser iniciado o mais rápido possível, idealmente durante o diagnóstico.
Rastreio e prevenção

A prevenção de descompensação em pacientes com IC previamente diagnosticada é de grande


importância. As readmissões hospitalares são frequentes, principalmente durante os primeiros meses após
a alta hospitalar por IC aguda, e estão associadas a resultados adversos e gastos relevantes com a saúde.
Congestão residual e falta de implementação de tratamento modificador da doença antes da alta
hospitalar foram associadas a piores resultados pós-alta.
Os pacientes devem entender a importância da adesão ao tratamento, ser capaz de reconhecer sintomas ou
sinais de agravamento da IC, ter um plano sobre quando e como iniciar ou aumentar o tratamento diurético e
saber quando entrar em contato com o cardiologista ou o sistema de emergência médica para evitar atrasos
desnecessários. Além disso, atenção especial deve ser dada para evitar a automedicação ou o início de
medicamentos contraindicados, como AINES, por outros médicos que desconhecem o diagnóstico de IC.
Finalmente, deve ser assegurada a continuação do tratamento crônico da IC (diuréticos e medicamentos
modificadores de doença) sem interrupção, embora esse objetivo possa ser desafiador, principalmente em
países de baixa renda e na ausência de cobertura de seguro para tratamentos médicos.
GESTÃO
Gestão precoce pré-hospitalar

No ambiente pré-hospitalar, os pacientes com IC aguda devem se beneficiar de monitoração não


invasiva adequada com ECG contínuo, medição da pressão arterial e saturação periférica de oxigênio,
suplementação de oxigênio em caso de hipóxia (SpO2 < 90%) ou ventilação não invasiva em caso de
dificuldade respiratória. O tratamento pré-clínico não invasivo da ventilação pode reduzir as taxas de
intubação e melhorar o resultado a curto prazo em pacientes com edema pulmonar cardiogênico.
Quando o diagnóstico clínico de IC aguda é direto, o tratamento intravenoso, principalmente vasodilatadores
e/ou diuréticos, com base no fenótipo clínico e na fisiopatologia envolvida deve ser realizado sem aguardar
testes adicionais. Os diuréticos são usados principalmente na presença de retenção de líquidos, enquanto os
vasodilatadores são administrados para reduzir as pressões de enchimento e modular o acoplamento ventrículo-
vascular na presença de redistribuição de fluidos e PAS preservada (> 110 mmHg; cautela deve ser usada se a
pressão arterial sistólica é 90-110 mmHg). O uso de inotrópicos deve ser restrito a pacientes em choque
cardiogênico devido à contratilidade miocárdica comprometida, pois seu uso inadequado está associado a
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arritmias e aumento da morbimortalidade.


O tratamento pré-hospitalar não deve atrasar a transferência rápida para o hospital, de preferência para um
local com uma unidade de cardiologia e/ou unidade de terapia intensiva. Ao chegar ao hospital, os pacientes
devem ser submetidos a triagem para excluir instabilidade cardiopulmonar, isto é, choque cardiogênico e
insuficiência respiratória, e submetidos a uma avaliação clínica detalhada.
Gestão hospitalar

Indivíduos com IC aguda correm risco de morte não apenas por insuficiência cardiovascular, mas
também pelas consequências da disfunção orgânica devido a congestão e hipoperfusão.
Apesar do fato de haver pouca evidência de ensaios clínicos randomizados de que combater a congestão
melhora a sobrevida, o efeito dos diuréticos nos sintomas e na congestão de órgãos é evidente.
Depois que a saturação de oxigênio é restaurada, com suplementação de oxigênio, ventilação não
invasiva ou ventilação mecânica, os objetivos iniciais do tratamento em pacientes com IC aguda consistem
em obter descongestionamento sem retenção de líquidos residuais, otimizar as pressões de perfusão para
preservar a perfusão de órgãos e manter ou iniciar a doença orais modificadoras direcionadas à ativação
neuro-humoral.

 A congestão é avaliada com base na


presença de sinais clínicos compatíveis,
como estertores pulmonares, veias
jugulares distendidas e edema periférico,
evidência de congestão de órgãos na
radiografia de tórax ou ultrassonografia
de pulmão e pressões elevadas de
enchimento no monitoramento invasivo.
 A perfusão periférica anormal é avaliada
com base na presença de sinais clínicos
compatíveis, como pele fria e úmida,
oligúria e estado mental alterado, e
outras evidências de transporte alterado
de oxigênio, como aumento de lactato
sanguíneo e baixo nível de sangue venoso
central ou misto.
 Classificação: A (quente e seco), B (quente
e úmido), C (frio e úmido) e L (frio e
úmido).

‘Terapêutica oral modificadora da doença’

Terapia descongestiva

Como os pacientes com IC aguda apresentam um perfil de congestão semelhante, independentemente


da FE, a terapia descongestiva é semelhante em pacientes com ICFER ou ICFEP. O tratamento
descongestivo deve ser adaptado de acordo com o fenótipo hemodinâmico e a fisiopatologia subjacente e
administrado por via EV, para superar a absorção enteral reduzida devido à congestão gastrointestinal.
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Como os diuréticos de alça são > 90% ligados à albumina e precisam ser secretados no túbulo contorcido
proximal por meio de vários transportadores de ânions orgânicos, quando o fluxo sanguíneo renal é
reduzido, como na IC aguda, a dose de diurético precisa ser ajustada para atingir uma concentração
plasmática suficiente para obter o efeito desejado. Além disso, o efeito de pico dos diuréticos de alça EV
ocorre nas primeiras horas, com a excreção de sódio retornando à linha de base em 6 a 8 horas, no entanto,
para manter o efeito congestivo, a administração de diuréticos deve continuar até que a euvolemia seja
alcançada, com 3 a 4 doses diárias ou infusão contínua.
A resposta diurética pode ser avaliada medindo-se o volume urinário e o conteúdo urinário de sódio,
útil em pacientes com débito urinário baixo a médio, nas primeiras horas após a administração do diurético
de alça. Em pacientes congestos, uma produção de urina por hora de < 100-150 mL durante as primeiras 6
horas e/ou um conteúdo de sódio na urina < 115-160 mg/dL nas 2 horas após a administração de diurético
de alça geralmente indica uma resposta inadequada aos diuréticos. Recomenda-se uma avaliação precoce
da resposta diurética para identificar pacientes com resistência diurética, permitindo uma rápida
intensificação da dose de diurético da alça para atingir a dose máxima rapidamente. Como o aumento da
dose diurética da alça além da dose do teto não induz diurese e/ou natriurese incrementais, deve-se
considerar a adição de outro agente diurético com um modo de ação diferente (bloqueio sequencial de
néfrons). Nas formas refratárias, a terapia de substituição renal pode ser considerada, entretanto, apesar
de serem muito eficazes na remoção de volume, não demonstram melhorar os resultados.
Os tratamentos descongestivos devem ser continuados até que a euvolemia seja alcançada e os
medicamentos sejam trocados para a forma oral. A terapia diurética de alça deve ser reduzida para a dose mais
baixa que possa manter a euvolemia.
Terapia abrangente

Tratamentos específicos para a doença cardíaca subjacente e os fatores precipitantes devem ser
implementados durante a hospitalização. Além disso, é essencial a inscrição de pacientes em um
abrangente programa multidisciplinar de gerenciamento de cuidados de IC, promovendo a adesão a
medicamentos, titulação de terapia modificadora de doenças, reabilitação cardíaca, tratamento de
comorbidades subjacentes e acompanhamento oportuno da equipe de saúde.
Gerenciamento de longo prazo
Indivíduos que sobrevivem ao primeiro episódio de IC aguda correm maior risco de experimentar outro
episódio, portanto, os objetivos do manejo incluem melhorar a sobrevida e reduzir o risco de readmissão
hospitalar devido a episódios subsequentes. Pacientes com IC aguda são considerados prontos para alta
após atingir descongestionamento adequado e função renal estável em terapia oral. A congestão é a causa
mais comum de readmissão da FA, e congestão persistente e disfunção renal são marcadores conhecidos
de um mau prognóstico pós-alta. Vários estudos demonstraram a utilidade de peptídeos natriuréticos e
troponinas cardíacas na predição do risco de morte e readmissão para IC, no entanto, os benefícios de
atingir valores-alvo específicos de peptídeos natriuréticos antes da alta não foram demonstrados.
Além de obter descongestionamento adequado, recomenda-se a implementação do tratamento
médico de fatores precipitantes para melhorar o resultado pós-alta. Em pacientes com ICFER, a terapia oral
modificadora da doença, de acordo com as diretrizes da IC, consistindo de β-bloqueadores, IECA/BRA e
antagonistas da aldosterona, deve ser continuada ou iniciada durante a hospitalização e gradualmente
posteriormente titulado, pois está associado a melhores resultados. Em pacientes com ICFEP, recomenda-
se o controle ideal de comorbidades e fatores precipitantes.
O gerenciamento pós-alta deve incorporar esforços para melhorar os sintomas e a qualidade de vida
(QV), retardar a progressão da doença e tentar evitar a readmissão hospitalar e a morte.
Independentemente do período considerado, os pacientes com IC aguda permanecem sob um risco
05/03/2020 Insuficiência cardíaca aguda | Nature Reviews Disease Primers

persistentemente alto de reinternação e morte. Assim, a diretriz da American Heart Association para o
gerenciamento da IC recomenda uma visita de acompanhamento 7 a 14 dias após a alta, e as diretrizes da
Sociedade Europeia de Cardiologia recomendam a primeira consulta ambulatorial de acompanhamento
dentro de 7 dias após a alta.
Os médicos devem tentar identificar pacientes com IC aguda com alto risco de readmissão incorporando
dados clínicos, laboratoriais, de imagem e hemodinâmicos em uma avaliação abrangente. No que diz
respeito às características clínicas na fase pós-alta, incluem múltiplas comorbidades, como doença
pulmonar obstrutiva crônica, anemia e doença renal crônica, pressão arterial sistólica baixa, frequência
cardíaca alta, ortopneia progressiva e distensão da veia jugular, assim como, parâmetros laboratoriais que
devem suscitar preocupações incluem sódio sérico baixo, ureia e creatinina sérica elevadas, albumina
sérica baixa e peptídeos natriuréticos elevados.

QUALIDADE DE VIDA
Pacientes com IC aguda e crônica lidam com numerosos sintomas físicos e psicológicos que afetam
adversamente sua QV. Dispneia, fadiga, boca seca, ortopneia, distúrbios do sono e dificuldade de
concentração são altamente prevalentes, angustiantes e onerosos e são preditivos de redução da
qualidade de vida nessa população. A depressão é mais comum entre pacientes com IC do que na
população em geral, variando de 9% a 60%.
05/03/2020 Insuficiência cardíaca aguda | Nature Reviews Disease Primers
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO
As doenças cerebrovasculares são heterogêneas, incluindo desde condições em que não há sequela
nenhuma para o paciente, como no ataque isquêmico transitório (AIT), até quadros clínicos dramáticos.
Entretanto, uma semelhança entre todas as doenças cerebrovasculares inclui a necessidade de rápida
abordagem, tanto para minimizar as sequelas quanto para evitar que elas aconteçam. O reconhecimento dos
fatores de risco para as doenças cerebrovasculares, como hipertensão arterial (HAS), diabetes (DM), tabagismo,
etilismo, dislipidemia, sedentarismo, fibrilação atrial, trombofilias, estenose de carótida e apneia do sono, é
fundamental para diminuir a incidência do AVC, especialmente em pacientes que já tiveram um episódio, uma
vez que o risco de um novo evento cerebrovascular é substancialmente maior nesse grupo de pacientes.
O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) é uma síndrome neurológica, correspondente a 80% dos
quadros de AVC, de início súbito decorrente de fluxo sanguíneo insuficiente em região específica do sistema
nervoso central (SNC). O ataque isquêmico transitório (AIT) é definido como a ocorrência de sinais ou sintomas
neurológicos focais transitórios de origem vascular sem que ocorra lesão tecidual detectável por meio dos
métodos de imagem, independentemente do tempo de duração do sintoma, entretanto, a grande maioria
apresenta duração < 1 hora, além disso, estes pacientes apresentam risco elevado de evolução para AVCi.
No AVCi, ocorre lesão neuronal por falta de oxigênio e nutrientes decorrente de trombose de um vaso,
embolia ou da diminuição da perfusão cerebral. O tecido encefálico é extremamente sensível a curtos períodos
de isquemia. Na região com redução crítica de fluxo sanguíneo, observa-se uma zona central de lesão irreversível
e, ao redor dessa área, há outra denominada penumbra isquêmica, cujo destino depende do tempo de isquemia
e da presença de circulação colateral.

A classificação de TOAST é amplamente utilizada e subdivide o AVCi em: aterosclerose de grandes artérias,
intra e extracranianas, cardioembólico, oclusão de pequenas artérias (lacunas), indeterminado e outras causas.
Quanto à etiologia cardioembólica, as fontes emboligênicas de alto risco são trombo intracardíaco, fibrilação
atrial, IAM recente, endocardite infecciosa, doença valvar reumática mitral ou aórtica. No Brasil, a doença de
Chagas corresponde a uma causa comum de AVCi cardioembólico. A embolia paradoxal é causada por um
trombo da circulação venosa que passa para a circulação arterial por um defeito da parede cardíaca ou shunt
intrapulmonar, sendo que o mais comum é o forame oval patente presente em cerca de 25% da população. HAS
e DM são os principais fatores de risco para o infarto lacunar, caracterizado pela oclusão de pequenas artérias
originadas das artérias cerebrais médias, vertebrais, basilar ou demais vasos do polígono de Willis.
O achado clínico típico é o déficit neurológico súbito, composto por desvio de rima, fraqueza de braço ou
perna, ataxia (falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e de equilíbrio), afasia, disartria,
perda de campo visual, negligência (falha em responder a eventos que ocorrem no espaço contralateral a lesão
cerebral e em reconhecer segmentos do seu hemicorpo comprometido), desvio do olhar, dentre outros, sendo
que a manifestação clínica depende da topografia anatômica de um determinado território vascular cerebral –
FAST Face Arms Speech Time. O AVCi com acometimento extenso do território da ACM associado ao
rebaixamento de nível de consciência, é denominado infarto maligno da ACM.
Artéria comprometida Déficit neurológico Lobo cerebral
A. oftálmica Amaurose fugaz -
 Associado ao AIT
Hemiparesia ou hemiplegia contralateral, déficit de
A. cerebral média Lobo frontal, parietal
sensibilidade contralateral, afasia (hemisf. dominante)
 Predomínio em face e MMSS e porção superior do
ou heminegligência (hemisf. não dominante), desvio do
 AVE embólico ou lacunar temporal
olhar conjugado
A. cerebral anterior Déficit crural contralateral, alteração de marcha,
 Predomínio em MMII Lobo frontal e parietal
 AVE embólico incontinência urinária, abulia ou mutismo acinético
A. cerebral posterior Hemianopsia homônima contralateral, rebaixamento do
Lobo occipital
 AVE embólico ou lacular nível de consciência e déficit sensitivo
Vertigem, náuseas, vômitos e paresia de nervos
A. vertebral -
cranianos ipsilateral
Rebaixamento do nível de consciência, tetraparesia ou
A. basilar -
tetraplegia e síndrome do cativeiro

É fundamental determinar com segurança o momento do início dos sintomas, sendo que para aqueles que
acordaram com o déficit ou que não podem dar a informação, o tempo de início é considerado a última vez que
o paciente foi visto acordado ou sem déficits. A escala NIHSS pode ser usada para quantificar o déficit
neurológico, avaliar o prognóstico e a localização topográfica e facilitar a comunicação entre os profissionais de
saúde. Alguns exames devem ser considerados, como glicemia capilar, hemograma, coagulograma, eletrólitos,
enzimas cardíacas, função renal, radiografia de tórax e ECG. A hipoglicemia pode mimetizar o quadro clínico do
AVCi, devendo ser corrigida prontamente, se presente, com a administração de glicose EV.
A TC de crânio sem contraste é útil para excluir hemorragia intracraniana e ajudar a descartar causas não
vasculares dos sintomas neurológicos, como tumores cerebrais, entretanto, pode não mostrar alterações nas
primeiras horas pós-início dos sintomas. Na fase aguda do AVCi, há determinadas sequências na RM de crânio
que podem ser realizadas em 15 a 20 minutos, permitindo a visualização da região isquemiada após poucos
minutos do início dos sintomas, a fim de evitar atraso na conduta terapêutica.
As medidas iniciais devem ter o objetivo de controlar possíveis fatores agravantes da lesão isquêmica.
Inicialmente, são necessárias a manutenção das vias aéreas, a ventilação adequada e a manutenção da
circulação. Uma adequada oxigenação cerebral é fundamental para a vitalidade da região da penumbra
isquêmica.
Nas primeiras horas após a instalação dos sintomas do AVCi, os níveis pressóricos costumam estar elevados,
entretanto, deve-se evitar a hipotensão na fase aguda, indicando o tratamento somente se a PA > 220 x 120
mmHg em pacientes não elegíveis ao tratamento trombolítico, utilizando, preferencialmente, drogas EV de fácil
titulação, como labetalol 10-20 mg EV em bolus, nitroprussiato EV BIC ou hidralazina 10-20 mg EV, com objetivo
de redução pressórica de 15 a 25% nas primeiras 24 horas. Pacientes submetidos à trombólise devem ter a
pressão controlada antes do início e durante o tratamento. Níveis pressóricos maiores que 185 x 110 mmHg
contraindicam o tratamento, uma vez que a hipertensão está associada a risco aumentado de transformação
hemorrágica.
A hiperglicemia ocorre em grande parte dos pacientes na fase aguda do AVCi, estando relacionada a um pior
prognóstico. Portanto, recomenda-se tratar níveis glicêmicos elevados, especialmente > 180 mg/dL, objetivando
um alvo de 140 a 180 mg/dL.
O aumento de temperatura corpórea na fase aguda do AVCi deve ser evitado, visto que pode ser secundária
à causa da isquemia, como na isquemia, ou consequência de complicações do evento, como na pneumonia
aspirativa em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, uma vez que a presença de febre se
correlaciona com pior desfecho funcional pós-AVCi.
O rt-PA endovenoso (alteplase), 0,9 mg/kg (máximo 90 mg) com 10% em bolus e o restante em 1 hora, é a
droga aprovada para terapia trombolítica visando à restauração do fluxo sanguíneo cerebral no AVCi com janela
terapêutica de 4,5 horas a partir do início dos sintomas. No entanto, é importante enfatizar que, quanto mais
rápido for instituído o tratamento, melhor o desfecho funcional. Os critérios de inclusão para este tratamento
são diagnóstico de AVCi causando déficit neurológico mensurável, início dos sintomas até 4,5 horas e ≥ 18 anos,
enquanto que as contraindicações absolutas são traumatismo craniano significativo ou AVCi em ≤ 3 meses,
sintomas sugestivos de hemorragia subaracnóidea, punção arterial em local não compressível nos 7 dias
anteriores, AP de hemorragia intracraniana, neoplasia ou aneurisma intracraniano, PAS > 185 mmHg ou PAD >
110 mmHg, sangramento interno ativo, diátese hemorrágica aguda, glicemia < 50 mg/dL e infarto multilobar na
TC.
O início de anticoagulação plena e urgente na fase aguda do AVCi não é recomendado pelo risco de
hemorragia intracraniana. Quando há indicação de anticoagulação como profilaxia secundária sugere aguardar
2 semanas após a ocorrência do AVCi para início da anticoagulação, porém, em pacientes com AIT ou pequenas
lesões isquêmicas, esse tempo pode ser abreviado. A terapia antiplaquetária, com AAS na dose de 75 a 300
mg/dia, reduz o risco de recorrência precoce e morbidade do AVCi quando iniciada nas primeiras 48 horas.
O edema cerebral acontece como consequência ao edema citotóxico, tendo incidência máxima entre o 3º e
5º dia do ictus. O paciente evolui com rebaixamento do nível de consciência, piora do déficit neurológico e, se
não tratados, com sinais de herniação cerebral. O tratamento do edema cerebral com sinais evidentes de
hipertensão craniana inclui elevação da cabeceira a 30°, terapia hiperosmolar, hiperventilação e cirurgia
descompressiva. Os corticosteroides não são benéficos no edema secundário à isquemia cerebral e podem
cursar com efeitos colaterais, portanto, não devem ser usados. A hemicraniectomia reduz a mortalidade após
infarto maligno de ACM.
Hemorragia intracraniana é uma das complicações do AVCi e pode acontecer em pacientes tratados ou não
com terapias de recanalização, classificadas de acordo com o volume do sangramento presente. Suspeita-se
desta complicação nos casos de piora súbita do paciente, geralmente associada a elevação da PA, sendo
recomendada a suspensão da infusão de alteplase, transfusão e crioprecipitado e plaquetas.
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICO
A hemorragia subaracnóidea (HSA) é definida como o extravasamento de sangue para o interior do espaço
subaracnóideo, geralmente após um traumatismo cranioencefálico (HSA traumática) ou após a ruptura de um
aneurisma arterial intracraniano (HSA aneurismática), caracterizado por ser uma dilatação, geralmente em
forma sacular, especialmente da artéria comunicante anterior.
A incidência da HSA aneurismática é bastante variada, apresentando um pico de incidência por volta da 5ª
década de vida. A mortalidade é alta, variando de 27 a 43%. Estima-se que de 2 a 5% da população geral
apresentem aneurismas intracranianos que nunca romperam.
Os três principais fatores de risco, provavelmente em ordem de importância, para o desenvolvimento e
ruptura de um aneurisma são: tabagismo, HAS e abuso de álcool. Além destes, o uso de drogas
simpatomiméticas e/ou drogas ilícitas é importante fator de risco, assim como algumas síndromes genéticas,
como doença renal policística.
Manifesta-se subitamente como a ‘pior cefaleia’ que o paciente já teve em sua vida, podendo ser
acompanhada de náuseas, vômitos, síncope, sinais meníngeos, especialmente rigidez nucal, acometimento de
nervos cranianos e perda transitória ou duradoura da consciência, devido ao quadro compressivo em estruturas
que controlam a vigília, como hipotálamo posterior, SARA e formação reticular. Pode ocorrer uma cefaleia mais
leve, que precede em 2 a 8 semanas a HSA aneurismática, chamada de cefaleia sentinela.
O método mais rápido e prático de diagnóstico é a TC de crânio sem contraste, que apresenta alta
sensibilidade nos primeiros 5 dias, período em que o sangue ainda não foi degradado. Há casos em que a TC de
crânio não revela a presença de sangue, seja porque a quantidade é muito pequena, seja porque o sangramento
ocorreu há mais tempo e já foi degradado. Nesses casos, existindo a suspeita clínica de HSA, deve-se proceder
com a punção lombar para coleta de LCR, sendo pesquisada a presença de hemácias no líquido ou de
xantocromia, caracterizada pela mudança de coloração do LCR causada pelos produtos de degradação da
hemoglobina. A realização da angiotomografia permite, em grande parte das vezes, o diagnóstico imediato de
um aneurisma intracraniano, considerada padrão-ouro para o diagnóstico.
Diversas escalas clinicorradiográficas existem, sendo que as duas mais utilizadas na prática são a de Hunt-
Hess, a qual reflete a gravidade da doença em si e o prognóstico do paciente, e a de Fisher, a qual prediz as
chances de vasoespasmo no doente.

A prioridade inicial é garantir via aérea, ventilação adequada e estabilidade hemodinâmica. Se existir
preocupação com o nível de consciência, o paciente deve ser prontamente entubado para prevenir a
hipercapnia, o que poderia resultar em aumento da pressão intracraniana (PIC). Além disso, devem ser evitados
níveis pressóricos sistólicos maiores que 160 mmHg até que o aneurisma seja tratado.
Após as primeiras horas após o sangramento inicial, os pacientes ficam sujeitos a basicamente 2 situações:
apresentar um novo sangramento caso o aneurisma ainda não tenha sido tratado ou apresentar uma
complicação tardia da doença, caracterizada pelo vasoespasmo, correspondendo a um termo genérico cujo
correlato angiográfico é a constrição das artérias cerebrais, o que pode resultar em isquemia cerebral tardia dos
territórios acometidos. Sabe-se que o risco de desenvolvimento de vasoespasmo está intimamente ligado à
quantidade de sangue no espaço subaracnóideo. Na prática, parece ocorrer por volta do 4º ao 14º dia pós-HSA
como reação direta à presença de sangue e a produtos de degradação da hemoglobina. O único tratamento que
previne as complicações do vasoespasmo parece ser o uso de nimodipina, que deve ser ofertada em dose de 60
mg VO 4/4 horas por 21 dias após o sangramento. Os pacientes com HSA que desenvolvem um novo déficit
neurológico não explicado por ressangramento, hidrocefalia ou complicações clínicas, como distúrbios
hidroeletrolíticos ou infecções, por volta do 4º ao 14º dia pós-sangramento devem ser investigados. O Doppler
transcraniano seriado é muito útil. Caso seja confirmado o vasoespasmo, o tratamento consiste na terapia dos
3 Hs – hipertensão, hemodiluição e hipervolemia, desde que os aneurismas já se encontrem tratados.
O tratamento de maior impacto no prognóstico da HSA é o tratamento precoce definitivo do aneurisma roto.
Há duas abordagens: (1) neurocirúrgica, que consiste na clipagem definitiva do aneurisma, e (2) endovascular,
associada a melhores resultados e menores taxas de complicação, consistindo na embolização por meio de
molas (coils) e/ou stents.
A hemorragia intracerebral (HIC) espontânea, mais comum que o subaracnóideo, consiste na ruptura de um
vaso intracraniano com consequente extravasamento de sangue diretamente para o parênquima cerebral,
classificada como profunda, quando acomete núcleos da base, tálamo, ponte e cerebelo, e lobar, quando o
sangramento está localizado nos lobos cerebrais, a < 1 cm da superfície cortical, apresentando-se mais
comumente.
O risco de HIC é aumentado com o avançar da idade, mas diversas condições também estão associadas a um
maior risco, como uso de anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários, notadamente em pacientes com
idade mais avançada, diabéticos e/ou hipertensos, apresentando progressão lenta do sangramento, presença
de microssangramentos cerebrais, sexo masculino, consumo excessivo de álcool, e controle ineficaz da HAS. A
HAS é a doença mais frequentemente associada à HIC, devido ao fenômeno de lipo-hialinose que predispõe à
hemorragia especialmente pequenos vasos profundos. Outras etiologias associadas são: angiopatia amiloide,
secundário ao depósito de material amiloide em pequenas artérias, corado pelo vermelho do Congo,
predispondo a sangramentos lobares, especialmente em idosos, malformações arteriovenosas (MAV),
secundário ao sangramento de tumor intracraniano, discrasias sanguíneas, vasculites e uso de drogas, como
cocaína, anfetamina, inibidores de apetite, descongestionantes nasais e inibidores de recaptação de serotonina.
A apresentação clínica mais frequente é o déficit neurológico focal súbito, que pode variar de acordo com a
localização do hematoma. Sintomas como rebaixamento do nível de consciência, estupor e coma estão
relacionados aos hematomas intracranianos mais volumosos > 30 mL e hematomas da fossa posterior.
O escore de AVC hemorrágico (ACVH) é a escala prognóstica mais comumente utilizada, a qual abrange as 5
principais variáveis preditoras de mortalidade nos pacientes com HIC espontânea: nível de consciência, volume
do hematoma, idade, presença de inundação ventricular e localização do hematoma. O aumento do volume ou
expansão do hematoma é um fenômeno fisiopatológico já bem demonstrado na evolução da HIC espontânea,
notadamente de causa hipertensiva, sendo que costuma acontecer nas primeiras 6 horas do ictus, relacionando-
se com pior prognóstico. Os sintomas sugestivos de expansão do hematoma são alteração do nível de
consciência rapidamente progressiva até o coma e concomitante elevação dos níveis pressóricos.
A TC é considerada o exame de escolha na avaliação inicial, apresentando como vantagem a possibilidade de
realização simultânea da angiotomografia, para identificar HIC associadas a aneurismas ou malformações
vasculares, e diagnosticar os pacientes que apresentam o denominado spot sign, ou sinal da mancha,
considerado um marcador de risco para a expansão do volume do hematoma. A RM do crânio é importante na
investigação de causas secundárias, como malformações vasculares, tumores cerebrais ou trombose venosa
cerebral, além de auxiliar na detecção das micro-hemorragias assintomáticas, sendo que, quando presentes em
regiões mais profundas sugerem a etiologia hipertensiva da HIC, enquanto a localização justacortical ou
subcortical são mais características de angiopatia amiloide. A arteriografia cerebral está reservada para a
suspeita de anomalias vasculares não visualizadas nos métodos não invasivos.
Sendo uma condição neurológica potencialmente grave, associada a necessidade de ventilação invasiva,
manejo agudo da pressão arterial e risco de elevações da pressão intracraniana, além das potenciais
complicações clínicas, a unidade de terapia intensiva (UTI) é o ambiente ideal para manejar estes pacientes.
Até o momento, a única terapia clínica específica com eficácia prognóstica no tratamento da HIC foi a redução
mais agressiva da PA na fase aguda, consistindo em reduzir a PAS abaixo de 140 mmHg, atingindo-se esses níveis
em até 1 hora da admissão e mantendo-os por 7 dias, com o uso na fase aguda de agentes anti-hipertensivos
EV em infusão contínua, como o nitroprussiato de sódio. Na situação de hipertensão intracraniana, esses níveis
não se aplicam, e o manejo pressórico deve seguir as medidas para manter a pressão de perfusão cerebral > 60
mmHg.
Atualmente, sugere-se considerar intervenção cirúrgica nas seguintes situações: hematoma lobar a menos
de 1 cm da superfície cortical de grande volume, com deterioração neurológica resultante da compressão de
tronco cerebral, hematoma profundo de grande volume com desvio de linha média e risco de herniação, piora
secundária do nível neurológico em pacientes jovens, hemorragias cerebelares em pacientes com sinais de
rebaixamento do nível de consciência, independentemente do volume.
EPILEPSIA
A epilepsia é uma das doenças neurológicas que ocorre com maior frequência, acometendo
aproximadamente 1% da população mundial, apresentando uma predisposição permanente do cérebro em
originar crises epilépticas, caracterizada pela ocorrência transitória de sinais ou sintomas clínicos secundários a
uma atividade neuronal anormal excessiva ou sincrônica, estando associada a uma maior mortalidade, devido
ao risco de acidentes, traumas, crises prolongadas e morte súbita, de comorbidades psiquiátricas, sobretudo
depressão e ansiedade, e também aos inúmeros problemas psicossociais secundários, como desemprego,
isolamento social, efeitos adversos dos fármacos, disfunção sexual e estigma social. Cerca de 30% dos pacientes
portadores de epilepsia não obtêm um controle adequado com a terapia farmacológica, apresentando epilepsia
refratária, o que reduz a qualidade de vida destes pacientes.
Do ponto de vista prático, a epilepsia pode ser definida por uma das seguintes condições: (1) ao menos 2
crises não provocadas (ou reflexas) ocorrendo com intervalo maior que 24 horas, (2) uma crise não provocada
(ou reflexa) e probabilidade de novas crises ocorrerem nos próximos 10 anos, similar ao risco de recorrência
geral (pelo menos 60%) após duas crises não provocadas, e (3) presença do diagnóstico de uma síndrome
epiléptica.
Há 6 grupos etiológicos para as epilepsias: (1) genético, resultado direto de uma mutação genética definida
ou presumida, (2) estrutural, associada a anormalidades visíveis em estudos de neuroimagem, como AVC e
traumatismo, (3) infeccioso, como neurocisticercose, tuberculose, HIV, malária cerebral e toxoplasmose
cerebral, (4) metabólico, (5) imune, e (6) desconhecida.
O fenômeno epiléptico pode ser originado num ponto de um ou ambos os hemisférios cerebrais, ou crises
focais (‘parciais’), passíveis de generalização, originando o termo ‘crises focais (‘parciais’) com generalização
secundária’, ou ter origem em uma parte que abrange os dois hemisférios do cérebro, ou crises generalizadas.
As crises focais (‘parciais’) levam em consideração 2 aspectos para sua subdivisão: (1) crises perceptivas ou com
auras (‘parcial simples’) e com comprometimento da percepção ou discognitivas (‘parcial complexa’), e (2) crises
motoras, como automatismos, crises atônicas, crises clônicas, espasmos epilépticos, crises hipercinéticas, crises
mioclônicas e crises tônicas, e não motoras, como crises autonômicas, parada comportamental, cognitivas,
emocionais e sensoriais. As crises generalizadas são subdivididas em motoras, como tônico‐clônicas, clônicas,
tônicas, mioclônicas, mioclônico‐tônico‐clônicas, mioclônico‐atônicas, atônicas, espasmos epilépticos, e não
motoras, as clássicas crises de ausência, que se subdividem ainda em típicas, atípicas, mioclônicas e ausências
com mioclonias palpebrais.

Estado de mal epiléptico: crise > 15 minutos


ou repetidas crises sem melhora entre elas
As crises perceptivas tendem a apresentar sintomas focais sem alteração da consciência, geralmente com
fenômenos sensoriais (‘auras’) ou motores, o que pode associa-se caracteristicamente no estado pós-ictal a
paresia do membro afetado, ou paralisia de Todd. As crises cognitivas implicam alterações da linguagem ou de
outras funções no domínio da cognição, geralmente seguidos de automatismos oroalimentares, apresentando
duração de 45 a 90 segundos, apresentando no estado pós-ictal confusão mental e desorientação.
Os automatismos tendem a ser movimentos coordenados e repetitivos mimetizando movimentos
voluntários, geralmente associados ao comprometimento da consciência e amnésia posterior. As crises
hipercinéticas compreendem movimentos violentos, bruscos e de pedalagem. As crises autonômicas são
caracterizadas por fenômenos autonômicos, como palpitações, náusea, fome, precordialgia, vontade de urinar
ou defecar, arrepios, sensações sexuais, sensação de calor ou frio, piloereção, palidez, taquicardia ou
bradicardia, alterações pupilares e lacrimejamento ocular.
De acordo com o quadro clínico é possível saber a área acometida pelas descargas ictais, sendo: (1) lobo
frontal, qual a crise possuir curta duração, de início e fim súbitos, com pós-ictal breve, e predomínio de sintomas
motores (> 90% dos pacientes), manifestações gestuais e comportamentais, (2) lobo temporal, quando houver
início com ‘auras’, seguidas por interrupção da atividade motora, automatismos simples ou complexos, havendo
associação com generalização secundária, (3) lobo occipital, caracterizado por manifestações visuais simples ou
complexas, e (4) lobo parietal, com parestesias em mão, face e braço, alucinação gustativa, dor abdominal,
metamorfopsia e distúrbio de linguagem.
As crises tônicos-clônicas, ou ‘grande mal’, são caracterizadas pela perda súbita da consciência, com
contração tônica (‘grito epiléptico’) e posteriormente clônica dos 4 membros, ocorrendo apneia, liberação dos
esfíncteres e sialorreia, durando cerca de < 90 segundos, com estado pós-ictal entre 15-30 minutos de letargia
e confusão mental. Nas crises mioclônicas ocorrem contrações musculares súbitas e breves, que se parece com
choques, podendo acometer músculos faciais, tronco e extremidades, sem haver perda da consciência, sendo
que as mioclonias palpebrais consistem em contrações rápidas das pálpebras ao fechamento dos olhos, o que
ocasiona piscamento rápido, acompanhado de desvio dos globos oculares para cima. As crises mioclono-
atônicas são encontradas principalmente em epilepsias da infância, sendo caracterizadas por abalos mioclônicos
nos membros superiores, geralmente em flexão, seguidos de perda do tônus muscular com queda da cabeça e
flexão dos joelhos. Nos espasmos epilépticos pode ocorrer flexão repentina, extensão ou flexoextensão de
músculos proximais e tronculares com duração de 1-2 segundos, normalmente ao acordar.
Nas ausências típicas, ou ‘pequeno mal’, o paciente apresenta breves episódios (< 10 segundos) durante o
dia de comprometimento da consciência com manifestações motoras discretas, automatismos orais e manuais,
piscamento, aumento ou diminuição do tônus muscular e sinais autonômicos de início e término abrupto,
apresentando eletrograficamente padrão de espículas-ondas lentas rítmicas e generalizadas na frequência de
2,5-4 Hz, enquanto que as ausências atípicas apresentam um menor comprometimento da consciência, o início
e o término são menos abruptos e o tônus muscular fica frequentemente alterado, apresentando
eletrograficamente complexões generalizados lentos com frequência < 2,5 Hz.
As epilepsias primária ou idiopática geralmente abrem o quadro na infância ou adolescência, possuindo forte
predisposição familiar, com tendência ao desaparecimento na fase adulta. Muitas vezes, as crises são
desencadeadas por estímulos luminosos, hiperventilação, especialmente no ‘pequeno mal’, privação de sono,
entre outras. Os exemplos são: (1) convulsões febris, correspondendo a síndrome epiléptica mais comum,
acometendo crianças entre 3 meses e 5 anos, controladas facilmente com benzodiazepínicos e chance de
recorrência de 30%; (2) epilepsia parcial benigna da infância, ou epilepsia rolândica, especialmente entre
crianças de 4-13 anos, associando quadros de crises parciais simples durante o dia e evolução para convulsões
à noite; (3) ‘pequeno mal’ epiléptico, especialmente entre crianças de 4-12 anos, com prejuízo no aprendizado
escolar, associado ao ‘grande mal’ epiléptico em 30-50% dos casos, (4) ‘grande mal’ epiléptico, correspondendo
a 10% dos casos, e (5) epilepsia mioclônica juvenil, acometendo indivíduos de 8-20 anos, geralmente ocorrendo
pela manhã com evolução para crise tônico-clônica generalizada.
Em adultos, o surgimento de uma epilepsia focal ou tônico-clônica generalizada deve sempre levar à suspeita
de causas secundárias, como distúrbios metabólicos, eletrolíticos, intoxicações exógenas, abstinência ao álcool,
meningites, hemorragias cerebrais, AVC e determinados fármacos (penicilinas, carbapenêmicos, isoniazida,
lidocaína e antidepressivos).
A epilepsia do lobo temporal é a síndrome epiléptica mais comum do adulto, caracterizada por recorrentes
crises focais com comprometimento da cognição, algumas vezes evoluindo para crises tônico-clônicas
generalizadas, associado a amnésia anterógrada crônica e distúrbios da personalidade.
O EEG não é obrigatório e nem essencial para diagnosticar epilepsia, uma vez que o diagnóstico é feito com
bases na descrição da crise epiléptica. Exames de imagem, como RM do encéfalo e TC de crânio devem ser
solicitados na suspeita de causas estruturais, especialmente em adultos que desenvolvam epilepsia, e em
crianças com síndrome não esclarecida.
As recomendações atuais para tratamento medicamentoso são: (1) adultos e crianças com epilepsia focal –
carbamazepina, (2) idosos com epilepsia focal – lamotrigina ou gabapentina, (3) ‘pequeno mal’ epiléptico –
valproato, (4) ‘grande mal’ epiléptico – carbamazepina, valproato ou fenitoína, e (5) ‘pequeno mal’ seguido por
‘grande mal’ – valproato. Nos casos não responsivos às medicações indica-se tratamento cirúrgico, o qual inclui
técnicas como lobectomia temporal e ressecção do hipocampo e amígdala.
TRANSTORNOS DO SONO
O ciclo sono-vigília é resultado da interação complexa de 2 processos, homeostático (S) e circadiano (C). O
processo homeostático refere-se a liberação de substâncias que promovem o sono, em especial a adenosina,
que se encontra acumulada após longos períodos de vigília, enquanto que o processo circadiano refere-se a
variação cíclica do estado de vigília e do sono que acontece durante o dia e que é regulada pelo núcleo
supraquiasmático, considerado como o marcapasso circadiano, gerando então o acoplamento entre funções
endógenas e as variações ambientais, em especial a luminosidade. Ao despertar, existe pouca ou nenhuma
influência do fator homeostático, enquanto a regulação circadiana proporciona influências excitatórias no
córtex cerebral, sendo que, com o decorrer das horas, ocorre incremento no impulso homeostático. O núcleo
supraquiasmático regula a secreção de melatonina, a qual apresenta aumento em sua concentração entre 1 a 3
horas antes do horário normal de sono e tem seu pico próximo ao nadir da temperatura central corporal.
O sono é um processo ativo que envolve inúmeras redes neuronais, sendo classificado atualmente nos
estágios de vigília, 3 estágios de sono NREM (N1, N2 e N3), correspondendo a 75% do total, e um estágio de
sono REM, correspondendo a 25% do total, com base em três parâmetros: EEG, movimentos oculares ou eletro-
oculografia (EOG) e tônus muscular, avaliado pela eletromiografia (EMG) do músculo mentual.
A vigília (estágio W) é identificada por um EEG de baixa voltagem rápido, tônus muscular elevado e
movimentos oculares rápidos (REM). O sono do estágio N1 caracteriza-se por um EEG de baixa voltagem (ondas
teta) e movimentos oculares lentos, apresentando diminuição da reatividade a estímulos externos e da atividade
mental. O estágio N2 consiste em um EEG de voltagem baixa a moderada com complexos K, ou descargas breves
de alta voltagem. O sono de ondas lentas, ou estágio N3, consiste em frequências delta de amplitude elevada
ocupando 20% do período ou mais, apresentando frequência cardíaca e respiratória lentas e regulares. Em todo
o estágio de sono NREM, a EMG tem amplitude moderadamente elevada, porém menor do que aquela da vigília.
O padrão EEG durante o sono REM consiste em uma voltagem baixa, semelhante àquela do sono do estágio 1,
associados a forma de onda triangulares, ou ondas ‘em serra’, de amplitude moderadamente alta, sendo
peculiares ao sono REM, além disso, apresentam surtos intermitentes de movimentos oculares conjugados
rápidos, atividade EMG ausente ou acentuadamente reduzida, maior variabilidade na frequência cardíaca e
respiratória, sonhos vívidos e memoráveis, e consolidação das informações aprendidas durante o dia.
Em uma noite, o sono compreende ciclos recorrentes de 90 a 120 minutos, sendo que o adulto normal
apresenta um período de latência de aproximadamente 10 minutos para pegar no sono, quando passa pela
sequência de estágios N1-N3, seguida pela reversão ao sono estágio N2 e, posteriormente, o primeiro período
de sono REM, geralmente mais curto, de aproximadamente 10 minutos. Esse padrão de sono NREM e REM
repete-se de 3 a 5 vezes durante a noite, sendo que, tipicamente, a maior parte do sono do estágio N3 é vista
nos 2 primeiros ciclos, e os períodos de sono REM aumentam em duração e intensidade com o transcorrer da
noite. O estágio N2, porém, é o estágio de sono mais comum. Indivíduos idosos podem apresentar sono mais
superficial, com diminuição dos estágios N3 e REM e aumento dos estágios N1 e N2, enquanto em crianças o
contrário é observado.
Anatomicamente, o sono NREM é expresso quando uma rede de neurônios GABAérgicos do hipotálamo
anterior suprime o sistema reticular ativador e a atividade neuronal monoaminérgicas, resultando em
desconexão funcional da estimulação sensorial ao córtex e diminuição da razão metabólica da maior parte do
córtex. O sono REM, todavia, constitui uma ativação de neurônios colinérgicos no tegumento pontino dorsal,
que excitam subsequentemente os neurônios responsáveis pela atonia associada ao REM, os movimentos
rápidos dos olhos, o aumento da razão metabólica cortical e a perda da termorregulação.
A maioria dos pacientes procura atendimento médico por dificuldade em iniciar o sono, dificuldade em
manter o sono, com múltiplos despertares durante a noite, despertar cedo, sono não restaurador, movimentos
e/ou comportamentos anormais durante a noite, fadiga e/ou sonolência diurna, dificuldade de concentração,
irritabilidade, ansiedade, depressão e dores musculares. Nestes pacientes, investiga-se o início dos sintomas,
fatores precipitantes, como morte de um familiar, problemas conjugais ou mudança no emprego,
predisponentes, como traços de personalidade, hiperatividade cognitiva e preferência para dormir em horários
não compatíveis com a norma social, ou perpetuantes, especialmente a associação entre o ambiente onde o
paciente dorme e o medo de não conseguir dormir, assim como uso de medicamentos, cafeína e bebidas
energéticas.
A avaliação subjetiva é feita através de questionários e diários do sono por pelo menos 2 semanas. Os
principais questionários utilizados são a escala de sonolência excessiva de Epworth (ESS), sendo que valores >
10 é classificado como sonolência excessiva diurna, e índice de gravidade de insônia.
A polissonografia clínica proporciona a documentação objetiva dos transtornos do sono, considerada
‘padrão-ouro’ para diagnóstico destes transtornos. Em pacientes que apresentam sonolência diurna excessiva
podem ser avaliados pelo teste de latência múltipla do sono (TLMS), uma série de 5 oportunidades de cochilar
durante 20 minutos, com registros de sono a intervalos de 2 horas durante todo o dia, objetivando determinar
a latência do sono, ou seja, o tempo que o indivíduo leva para pegar no sono, sendo sua principal indicação
quando houver suspeita de narcolepsia, confirmada na presença de latência média < 8 minutos e pelo menos 2
cochilos com REM no início do sono. Outros exames objetivos possíveis são teste de manutenção da vigília e
actigrafia. Nos casos de síndrome das pernas inquietas, é comum a solicitação da cinética de ferro, ácido fólico,
magnésio, TSH, T3 e T4.
Os distúrbios do sono são classificados em insônia, distúrbios respiratórios, distúrbios do movimento
relacionados com o sono, hipersonias de origem central, distúrbios do ciclo circadiano, parassonias e outros
transtornos do sono.
A insônia corresponde ao transtorno do sono mais comum na população geral, especialmente em mulheres,
idade avançada, baixa renda, desempregados, aposentados e naqueles que passaram por divórcio ou perda de
cônjuge, sendo definida clinicamente pela presença da dificuldade em iniciar o sono, dificuldade em manter o
sono ou despertar matinal precoce, com consequente prejuízo funcional diurno, por pelo menos 3 meses e com
frequência de pelo menos 3 vezes por semana. O diagnóstico é eminentemente clínico, sendo que o estudo
polissonográfico não é rotineiramente solicitado, a não ser quando existem evidências da presença de outro
transtorno do sono. Alguns pacientes exageram seus sintomas, enquanto outros podem não perceber que
adormeceram, denominando esta situação como ‘estado de percepção incorreta do sono’ ou insônia paradoxal.
Outra forma de insônia primária, a insônia idiopática, não se associa a fatores desencadeantes claros.
O manejo clínico se inicia na resolução dos fatores desencadeantes e perpetuadores da insônia, adotando,
em formas crônicas, a terapia cognitiva-comportamental (TCC), considerada ‘padrão-ouro’ no manejo da
insônia, incluindo terapias de relaxamento, controle de estímulos e higiene do sono. Os princípios de higiene do
sono são: estabelecer um horário regular para se deitar, acordar regularmente em uma hora fixa, exercitar-se
diária e regularmente, porém não no final da noite, evitar bebidas cafeinadas, outros estimulantes e bebidas
alcoólicas, especialmente próximo do horário de dormir. Entretanto, caso haja persistência da insônia, a terapia
farmacológica empírica estará indicada.
Dose por Meia-
Classe terapêutica Fármaco Posologia Observações
comp. vida
Alprazolam 0,25-2 0,5-4 6-50 Efeitos colaterais – sedação
Agonista do GABA
residual, alterações de memória,
benzodiazepínico (ABRG) Clonazepam 0,5-2 0,25-2 18-19
quedas
Agonista do GABA não
Zolpidem 5-10 5-10 2,4 -
benzodiazepínico (ANBRG)*
Antidepressivos com Amitriptilina 25 25-300 16-30 -
efeitos sedativos Mirtazapina 30 7,5-45 16-30 -
Anticonvulsivantes Gabapentina 15 300-900 5-7 -
Possuem ação limitada, pois
Anti-histamínico Doxilamina - - -
rapidamente causam tolerância
Os padrões respiratórios variam de acordo com o estágio do sono: próximo do início, os indivíduos
apresentam pausas normais na respiração, enquanto que no sono de ondas lentas a respiração se mostra muito
regular e, por fim, no sono REM, a musculatura torácica se encontra paralisada e a ventilação ocorre somente
pelo movimento do diafragma. A apneia é caracterizada por uma pausa na respiração por pelo menos 10
segundos, enquanto que as hipopneias são definidas como uma redução parcial no fluxo de ar por um período
semelhante, geralmente acompanhados por dessaturação de oxigênio e despertares, tipicamente presentes
durante o sono NREM leve e o sono REM. Os pacientes com transtornos neurológicos têm um risco mais alto de
apneia do sono.
Classifica-se em duas formas principais: (1) apneia obstrutiva, sendo a forma mais comum, especialmente
em homens mais velhos, hipertensos, diabéticos e/ou obesos, geralmente composta por manifestações como
ronco, apneias testemunhadas, sonolência diurna excessiva, insônia, cefaleia matinal e alteração do
desempenho diurno, entretanto, até metade dos pacientes com apneia obstrutiva documentada não tem
queixas de sintomas diurnos, e (2) apneia central, definida pela ausência de ventilação devido à não geração do
esforço respiratório, causando queixas de despertares frequentes e de um sono inquieto e não restaurador. Em
ambas as formas de apneia, a pressão positiva contínua das vias respiratórias (CPAP) nasal é o tratamento mais
comum e mais efetivo. Dispositivos orais avançando a mandíbula são terapias alternativas razoáveis em
pacientes com apneia do sono leve e a moderada, assim como na retirada de tonsilas e adenoides aumentadas,
especialmente em crianças e adultos jovens.

Os 4 critérios para síndrome das pernas inquietas (SPI) são impulso irresistível a mover as pernas, que é pior
ao repouso, mais proeminente à noite e melhora com o movimento, o que interfere no início do sono,
acarretando em insônia. Os movimentos periódicos dos membros no sono são encontrados em muitos pacientes
com SPI, caracterizados por movimentos estereotipados repetidos de qualquer extremidade, ocorrendo mais
comumente no sono NREM. Ambos os transtornos podem ser provocados por uremia, anemia, deficiência de
ferro, neuropatias periféricas, antieméticos, antidepressivos e uso de cafeína. O tratamento é feito com
agonistas de dopamina, como pramipexol, anticonvulsivantes, benzodiazepínicos e/ou opiáceos.

A narcolepsia é um transtorno neurológico incurável e vitalício, manifestando-se entre 10-30 anos,


caracterizado pela tétrade de sonolência diurna excessiva, cataplexia, paralisia do sono e alucinações
hipnagógicas. A sonolência diurna é geralmente o primeiro sintoma a aparecer e mais proeminente, enquanto
que a cataplexia é definida por início abrupto de paralisia ou fraqueza de músculos voluntários sem alteração
de consciência, com duração de segundos a minutos, geralmente precipitada por emoções fortes. A alucinações
hipnagógicas são imagens vívidas semelhantes a sonhos que ocorrem no início do sono, diferenciando das
alucinações hipnopômpicas, observadas ao despertas do sono, sendo que, em indivíduos normais, podem ser
precipitadas por privação do sono, medicações e álcool. O tratamento atual consiste no uso de drogas
estimulantes, como a modafilina.
Os transtornos do ciclo circadiano de sono-vigília são divididos em 2 categorias: os transitórios,
caracterizados pelo distúrbio de sono após mudança aguda do turno de trabalho ou mudança rápida de fuso
horário (jet lag) e os persistentes, como nas alterações voluntárias do horário de sono-vigília, exemplificadas
pelo transtorno do tipo de retardo da fase do sono e do tipo de avanço de fase do sono, geralmente mais comum
em pessoas idosas.
Parassonias são fenômenos físicos ou comportamentais indesejáveis que ocorrem predominantemente
durante o sono, incluindo (1) transtornos de despertares, como sonambulismo ou terrores noturnos, geralmente
mais comum em crianças e adolescentes, (2) transtornos da transição sono-vigília, e (3) parassonias REM, como
transtorno de comportamento do sono REM (TCR), caracterizado pela perda intermitente da atonia do sono
REM à ocorrência de sonhos, geralmente mais comum em homens de idade mais avançada.
CEFALEIA
É uma condição de alta prevalência, com leve predomínio no sexo feminino, apresentando-se isoladamente,
como componente de uma síndrome clínica, ou, até mesmo, sinalizando a existência de uma condição oculta. É
classificada como: (1) primária, quando ocorrem sem relação temporal/causal com qualquer outro transtorno
reconhecido, como migrânea, do tipo tensional e trigêmino-autonômica, e (2) secundária, quando decorrem de
outros distúrbios, como trauma cranioencefálico e/ou cervical, doença vascular craniana ou cervical, introdução
ou retirada de determinadas substâncias, infecção e transtorno psiquiátrico.
É fundamental definir a frequência (episódica < 5 dias/mês e crônica ≥ 15 dias/3 meses), características da
dor, sintomas premonitórios, aura, sintomas associados, fatores ambientais relacionados, relação com período
menstrual e/ou gestação, antecedentes pessoais e familiares. A principal preocupação inicial na avaliação é
descartar uma cefaleia secundária que necessite de conduta imediata – mnemônico SNOOP4 Systemic
symptoms, Neurological symptoms, Older age, Onset thunderclap headache, Papilloedema, Positional,
Precipitated by Valsalva manoeuvre or exertion, Progressive headache ou substantial pattern change.
Mnemônico Características clínicas Suspeita
Sintomas sistêmicos, como febre,
S calafrios, mialgia, perda de peso, Metástase, infecção
rigidez de nuca e rash cutâneo
Acidente vascular cerebral, lesão em massa,
N Sintomas ou déficits neurológicos
encefalite
O Idade avançada no início (> 40/50 anos) Arterite temporal, glaucoma, lesão em massa
O Dor de cabeça ‘em trovoada’ Aneurisma
P Papiledema Hipertensão intracraniana
P Posicional Hipotensão intracraniana
Precipitado por manobra ou esforço de
P Hipertensão intracraniana
Valsalva
Dor de cabeça progressiva ou alteração
P Qualquer causa secundária
substancial do padrão pré-existente
Além disso, as causas locais de cefaleia devem ser consideradas, incluindo ‘dor de dente’, sinusite, desordens
oculares, auriculares e cervicais, assim como neuralgias, especialmente do trigêmeo no paciente com dor
hemifacial.
A neuralgia do trigêmeo acomete uma ou mais divisões deste nervo, envolvendo a hemiface direita em 60%
dos casos e à esquerda em 39%, surgindo bilateralmente em apenas 1%, sendo os ramos maxilar e mandibular
os mais frequentemente envolvidos (42% dos casos), seguidos pelo maxilar isolado (20%) e os 3 ramos (5%).
Caracteristicamente, apresenta-se sob forma intensa, paroxística, unilateral, fugaz, com caráter de
choque/punhalada, geralmente sendo desencadeada por estímulos táteis, como toque, bem como deglutição.
Após assegurar a ausência de sinais de alerta para cefaleia secundária e de causas locais, considera-se um
distúrbio primário, composto, basicamente, por 3 fenótipos distintos: cefaleia tensional, enxaqueca ou
migrânea, e cefaleia em salvas.
Histórico familiar positivo na maioria dos casos
Cefaleia Tensional (+ frequente) Enxaqueca (+ mulheres) Em salvas (+ homens)
Unilateral ao redor dos olhos ou ao
Localização Bilateral Unilateral
longo do rosto
Caráter Pressão/aperto Pulsante/latejamento Variável
Intensidade Leve a moderado Moderado a forte Forte a muito forte
Duração 30 minutos a 7 dias 4 a 72 horas 15 a 180 minutos
Estresse, depressão, Estresse, odores, ruídos
Fatores Álcool, altas altitudes e
fadiga e anormalidades excessivos, luzes, alimentos e
precipitantes vasodilatadores
da coluna vertebral alterações hormonais
Sintomas autonômicos cranianos do
Náuseas e vômitos, aura (15-
Hipertonia e hiperestesia mesmo lado da cefaleia, como olhos
20% dos pacientes – visual,
Outros sintomas da musculatura vermelhos, lacrimejantes ou inchados,
sensorial ou distúrbio da fala),
pericraniana ptose e/ou miose, congestão nasal e
fotofobia e fonofobia
sudorese
Sintomas premonitórios, como alterações do humor, apetite, libido, fadiga e bocejos, são encontrados na
enxaqueca, precedendo o ataque de dor entre 2 a 48 horas, entretanto não são caracterizados como aura, pois
não são decorrentes de disfunção neurológica, ou seja, a aura é manifestação de uma disfunção cerebral focal,
com tendência de aumento gradativo em sua intensidade, composta por sintomas visuais, como escotomas
cintilantes e distorção de imagens, distúrbios do olfato, da função sensitiva ou, mais raramente, do sistema
motor, os quais tendem a durar habitualmente entre 5 e 60 minutos, sendo que quando há persistência > 60
minutos são classificados como prolongados, com aumento do risco de infarto migranoso. De maneira geral, a
dor deve surgir durante ou em até 1 hora após o fim da aura. A persistência de enxaqueca por mais de 72 horas
define estado de mal enxaquecoso.
A presença de cefaleia secundária geralmente requer encaminhamento ao departamento de emergência ou
para especialistas apropriados, enquanto que as cefaleias primárias requerem encaminhamento quando houver
incerteza diagnóstica, falta de resposta a 2 estratégias preventivas sucessivas, atendimentos frequentes para
gerenciar a cefaleia, incapacidade significativa devido a cefaleia e, nos casos de migrânea, aura prolongada.
Inicialmente, é necessário buscar fatores predisponentes, precipitantes e/ou perpetuantes na história do
paciente. Hidratação inadequada, refeições irregulares, sono irregular, álcool em excesso, cafeína em excesso e
sedentarismo podem atuam como fatores predisponentes, enquanto que fatores precipitantes e perpetuadores
incluem estresse, ansiedade, episódios depressivos, estímulos sensoriais, menstruação, medicamentos, como
ACO e vasodilatadores, e alimentos.
O manejo e tratamento foram separados em 4 cenários clínicos distintos:
1. Cefaleia aguda recorrente:
a. Cefaleia do tipo tensional episódica: orientar sobre a baixa gravidade do quadro, não havendo
necessidade de encaminhamento para especialista ou realização de exames complementares,
além disso, deve-se recomendar hábitos de vida saudáveis. Prescreve-se analgésicos, como
paracetamol ou dipirona, e/ou AINEs, como ibuprofeno ou naproxeno, sendo que associações
com cafeína aumentam a eficácia analgésica.
b. Enxaqueca: manter o paciente em repouso sob penumbra em ambiente tranquilo e silencioso.
Caso o episódio tenha < 72 horas, prescreve-se antiemético EV se vômitos, jejum, hidratação
EV, analgésico, AINE e, se refratário, sumatriptano. Se o episódio possuir > 72 horas, prescreve-
se jejum, hidratação EV, tratamento citado para episódios com < 72 horas associado a
dexametasona e, em casos refratários, clorpromazina. É desaconselhável a prescrição de
opioides, visto que existem medicamentos mais eficazes que não possuem risco de abuso e
dependência.
A terapia preventiva é indicada se os ataques forem recorrentes > 3 dias/mês, incapacidade
considerável apesar do tratamento medicamentoso agudo ideal, aura prolongada e/ou
enxaqueca hemiplégica, utilizando-se β-bloqueadores, antidepressivos ou antiepilépticos.
c. Cefaleia em salvas: prescreve-se oxigênio a 100% 10-12 litros/minutos durante 20 minutos, ou
sumatriptano. É recomendado o encaminhamento do paciente para avaliação pelo
neurologista. O tratamento preventivo é feito com verapamil.

2. Cefaleia crônica não progressiva:


a. Geralmente associado a migrânea crônica e cefaleia do tipo tensional crônica, apresentando-se
em ≥ 15 dias/3 meses. Orienta-se sobre medidas educativas e desprescrição de analgésicos,
visto que seu uso diário piora o quadro das cefaleias crônicas. Há a possibilidade da
administração de clorpromazina, além da necessidade do encaminhamento para neurologista.
No caso da cefaleia do tipo tensional crônica, administra-se, profilaticamente, antidepressivos
tricíclicos, como amitriptilina.

3. Cefaleia crônica progressiva:


a. Geralmente associada a causas secundárias, como distúrbio intracraniano não vascular, como
hipertensão liquórica e neoplasia intracraniana, hematoma subdural crônico, abcesso cerebral,
cefaleia pós-traumática, entre outras. É solicitada a avaliação pelo neurologista, orientando o
paciente e a família sobre sinais de alerta, como convulsões, vômitos, rebaixamento do nível de
consciência, visão dupla, estrabismo ou perda de força.

4. Cefaleia aguda emergente (nova ou diferente das anteriores):


a. Presença de febre: suspeita-se de infecções, como resfriado comum, gripe, dengue, sinusite,
meningite, encefalite e abscesso cerebral, introduzindo-se tratamento sintomático e/ou
antibiótico de acordo com o provável diagnóstico.
b. Ausência de febre: suspeita-se de hemorragia subaracnoide aguda, hemorragia
intraparenquimatosa, AVC isquêmico e trombose venosa cerebral, necessitando de avaliação
por especialista.
LEPTOSPIROSE
A leptospirose é uma doença endêmica, com surtos epidêmicos em períodos chuvosos, febril, causada por
espiroquetas patogênicas do gênero Leptospira, podendo determinar manifestações clínicas variadas, desde
infecções inaparentes até a forma íctero-hemorrágica, denominada de doença de Weil, especialmente quando
associada ao sorotipo icterohaemorrhagiae ou copenhageni.
A espécie patogênica para o homem é a Leptospira interrogans, as quais são microrganismos aeróbicos
obrigatórios, helicoidais, flexíveis e móveis, sendo geralmente visíveis à microscopia óptica com campo claro e,
quando coradas são facilmente visualizadas em microscopia de campo escuro ou de contraste de fase. Além
disso, são cultiváveis em meios artificiais, entretanto, necessitam de um tempo variável de incubação de alguns
dias ou semanas, em média 4 semanas. Esses microrganismos podem resistir por longos períodos em água doce
e em solos úmidos, especialmente em pH neutro.
As leptospiras patogênicas são capazes de afetar animais domésticos e selvagens, determinando quadro
clínico variável, desde infecção inaparente até doença fatal. O principal animal reservatório são os roedores,
especialmente ratazana, rato preto e camundongo, pois são capazes de permanecer eliminando o
microrganismo pela urina por toda sua vida. Outros animais também estão envolvidos, especialmente o cão
doméstico, sendo que, devido ao seu hábito domiciliar, tem sido cada vez mais identificado como elemento de
importância na transmissão, além deste, observa-se também em bovinos, suínos, ovinos, caprinos e equinos. As
vacinas contra as leptospiras aplicadas rotineiramente nos cães domésticos são capazes de protegê-los contra a
doença, mas não contra o estado de portador.
A transmissão ao homem, caracterizado como hospedeiro acidental e terminal, pode ocorrer por contato
direto com sangue ou tecidos de animais infectados ou por via indireta, através do contato com água ou solo
contaminado com urina dos animais portadores. Acredita-se que a leptospira atinja a circulação sanguínea
através da pele ou da mucosa íntegra, sendo certa a passagem por abrasões na pele. Certos grupos profissionais
estão mais expostos, como trabalhadores de abatedouros, peixeiros, lavradores, criadores de animais,
veterinários, colhedores de arroz, lixeiro e trabalhadores da rede de esgoto, entretanto, certas atividades
recreacionais também podem constituir em fontes de aquisição, como natação e pescarias. As enchentes e
chuvas fortes constituem, em nosso meio, grande fonte favorecedora do contato do homem com águas
contaminadas.
No Brasil a incidência é maior entre janeiro e abril, sendo que acomete especialmente o sexo masculino entre
20 e 29 anos. Fatores hormonais podem contribuir para a menor incidência da doença no sexo feminino. A
letalidade é variável, sendo maior entre aqueles com icterícia e idade > 50 anos, chegando a 40% nestes casos.
Após penetrarem na pele ou mucosa, os microrganismos atingem a corrente sanguínea e, rapidamente,
alcançam todos os órgãos e tecido, particularmente fígado, rins, coração e músculo esquelético. É importante
atentar-se a alguns achados, como: icterícia rubínica, caracterizada pela combinação do fator vascular e a
impregnação biliar dos tecidos, hepatomegalia com intensa colestase, vesícula biliar com paredes espessadas,
combinação de nefrite intersticial focal e necrose tubular aguda, principalmente associada às alterações
funcionais que predominam no túbulo proximal provocadas por um agente tóxico liberado pelas leptospiras, e
aumento da permeabilidade capilar, o que pode explicar as hemoptises.
O período de incubação é variável, em geral de 3 a 13 dias, sendo que cerca de 90% dos casos constituem a
forma anictérica, enquanto que 5-10% dos casos se apresentam com a síndrome de Weil. A forma anictérica é
caracterizada por uma apresentação bifásica, sendo o primeiro período o de leptospirosemia, com duração de
4 a 7 dias, seguida por um período de defervescência, que dura de 1 a 2 dias, seguido de período de
recrudescência da febre e dos sintomas, que pode durar de 4 a 30 dias correspondendo ao chamado segundo
período ou fase imune.
Na fase de leptospirosemia é comum o início abrupto da sintomatologia, com febre alta e remitente,
acompanhada de calafrios, cefaleia intensa, mialgia, especialmente na panturrilha, e sufusão conjuntival. Os
sintomas respiratórios em geral se manifestam por tosse seca ou produtiva, com ou sem escarros hemoptoicos.
Enquanto que a fase imune é caracterizada pela presença de anticorpos específicos no soro e por leptospirúria,
sendo a meningite asséptica sua principal manifestação clínica, associada a cefaleia intensa, vômitos e sinais de
irritação meníngea, com 92% dos casos apresentando alterações liquóricas, porém somente em 50% observa-
se alterações clínicas. Outra ocorrência clínica importante diz respeito ao acometimento ocular, caracterizado
pela uveíte.
A síndrome de Weil é caracterizada por grave disfunção hepática, onde a icterícia rubínica é o sinal
proeminente, além disso é acompanhada de disfunção renal, com elevação dos níveis de ureia e creatinina,
aumento da fração de excreção de sódio e hipocalemia, devido à inibição de reabsorção de sódio nos túbulos
proximais, aumento no aporte distal de sódio e consequente perda de potássio, e fenômenos hemorrágicos,
especialmente a nível pulmonar. Nesta forma de apresentação é incomum o curso bifásico, sendo que a febre
persiste sem desfervescência entre os estágios, além disso, os sintomas anteriormente descritos são mais
intensos e têm maior duração. Os sintomas começam a decair a partir da terceira ou quarta semana de doença,
havendo normalização gradativa.
Poucas são as sequelas, sendo que a meningite, complicações pulmonares, renais e hepáticas desaparecem
com a cura da doença. A imunidade após infecção é sorovar-específica.
Considera-se como caso confirmado o paciente no qual se tenha isolado a leptospira, paciente com sintomas
clínicos sugestivos associados a uma conversão sorológica e detecção de IgM específica pela ELISA.
A cultura pode ser realizada através do sangue ou líquor na primeira e início da segunda semana, enquanto
que na urina são preferencialmente isoladas a partir da segunda semana, entretanto, os problemas referentes
ao isolamento das leptospiras na urina dizem respeito à contaminação provocada por outras bactérias, o que
pode impedir a identificação das leptospiras.
As reações sorológicas mais utilizadas são as reações de soroaglutinação macroscópica e microscópica. A
primeira é mais acessível a pequenos laboratórios, de rápida execução, usada em procedimento de triagem,
devendo posteriormente, quando positiva, submeter o espécime à reação de soroaglutinação microscópica, a
qual é muito sensível e específica, sendo o método de preferência e o mais recomendado pela OMS. Outros
testes como ELISA IgM e PCR são de rápida execução e de grande utilidade para o clínico, visto que fornecem o
diagnóstico mais precocemente. O ELISA IgM revelou especificidade de 100% e sensibilidade de 94,6%, sendo
utilizado com mais frequência em nosso meio.
Os achados laboratoriais inespecíficos são: anemia, neutrofilia com desvio à esquerda, VHS elevada, provas
de função hepática alteradas, CPK elevada, ureia e creatinina elevadas, potássio em níveis normais ou
diminuídos, líquor com predomínio de células linfomonocitárias ou neutrocitárias, com glicorraquia normal, e
radiografia de tórax com infiltrado intersticial segmentar ou difuso.
Os diagnósticos diferenciais da forma anictérica são gripe, febre tifoide e malária, enquanto que da forma
ictérica são febre tifoide, sepse por Gram negativo, malária, febre amarela, hepatites, colecistite, colangite,
dentre outros.
Recomenda-se a hospitalização de casos graves e tratamento ambulatorial nos casos leves. A
antibioticoterapia pode encurtar o tempo de doença e reduzir a frequência de complicações, porém não reduz
a mortalidade quando administrados após o 4º ou 5º dia do início dos sintomas. A hidratação, de preferência
por via EV, é a terapêutica inicial mais importante. A administração de potássio deve ser feita quando se verificar
hipopotassemia.
Fase Antibiótico Dose
Doxiciclina 100 mg VO 12 em 12 horas por 5 a 7 dias
Fase precoce
Amoxicilina 500 mg VO 8 em 8 horas por 5 a 7 dias
Penicilina G cristalina 1.500.00 UI EV 6 em 6 horas
Ampicilina 1 grama EV 6 em 6 horas
Fase tardia
Ceftriaxona 1 a 2 gramas EV 24 em 24 horas
Cefotaxima 1 grama EV 6 em 6 horas
Quanto a prevenção, recomenda-se usar roupas especiais, luvas e botas ao entrar em contato com águas
contaminadas, lavar e desinfectar ferimentos, evitar certas atividades recreacionais em locais com probabilidade
de contaminação, como natação em lagos e pequenos rios, pescarias e caçadas, além disso, implementar
programas de controle de roedores, criação de animais seguindo preceitos das boas práticas de manejo, manter
imóveis livres de entulhos que possam oferecer abrigo a roedores, medidas de saneamento como purificação
da água e destino adequado aos esgotos, doxiciclina 200 mg dose única para casos com risco elevado de
contaminação, e imunização de animais domésticos, em especial os cães.
INFLUENZA E SARS
Os vírus Influenza pertencem à família Orthomyxoviridae e são divididos em 4 tipos (A, B, C e D). Os vírus A e
B são os principais responsáveis pelas infecções em humanos, seguidos pelo vírus C, observando-o mais
raramente e, quando presente, responsável por infecções de leve intensidade. O vírus A pode também infectar
diversas outras espécies de animais, incluindo aves, porcos, cavalos e mamíferos marinhos, diferenciando do
vírus B, o qual infecta apenas humanos, não apresentando reservatório animal.
Os vírus A e B apresentam RNA de fina única, podendo codificar até 16 proteínas, incluindo: hemaglutinina
(HA), neuraminidase (NA), proteína de matriz (M1), proteína do canal iônico (M2), nucleoproteína (NP),
proteínas do complexo RNA polimerase (PB1, PB2 e PA) e proteínas não estruturais (NS1 e NS2). Os vírus A são
classificados em subtipos pela variação antigênica de duas glicoproteínas de superfície, a HA e a NA, enquanto
que os vírus B apresentam duas linhagens, B/Victoria e B/Yamagata. Atualmente, 4 subtipos do vírus Influenza
circulam entre os humanos: dois do tipo A (H1N1 e H3N2) e dois do tipo B (linhagens Victoria e Yamagata)
A HA é fundamental para adesão do vírus aos receptores de ácido siálico presentes nas células do trato
respiratório humano e pelo processo de fusão entre o envelope viral e membrana celular, enquanto que o NA
possui atividade enzimática que possibilita a saída do vírus da célula infectada pela clivagem do ácido siálico. A
replicação viral leva à morte da célula infectada.
Os mecanismos de diversificação e transformação gênica são responsáveis por sua perpetuação, sendo que
os principais mecanismos são os de mutação e rearranjo gênico. Mutações constantes nas proteínas de
superfície, também conhecidas como antigenic drift, geram alterações antigênicas que impedem o
reconhecimento do vírus pelos anticorpos do hospedeiro, o que dificulta a resposta imunológica de pessoas
previamente infectadas ou vacinadas, sendo diretamente responsável pelas epidemias sazonais, enquanto que
um outro tipo de mutação chamada de antigenic shift é caracterizada pela alteração abrupta e importante do
vírus A, sendo observada menos frequentemente, resultando em novas proteínas de superfície e em um novo
subtipo de Influenza A, associando-se às pandemias.
Os vírus Influenza são causas frequentes de doenças respiratórias agudas e, embora possa ocorrer em todas
as idades, as crianças são especialmente acometidas. As taxas de hospitalização associadas à gripe foram 3 vezes
mais altas nos países em desenvolvimento do que nos países industrializados, assim como taxas semelhantes
entre crianças < 2 anos e idosos > 65 anos. Portanto, alguns grupos populacionais apresentam, com maior
frequência, complicações da doença e maiores taxas de mortalidade, como: < 2 anos ou > 60 anos, população
indígena, indivíduos < 19 anos em uso prolongado de ácido acetilsalicílico, doenças respiratórias crônicas,
especialmente tuberculose, doenças cardiovasculares, imunodeficiências, doenças renais crônicas,
hepatopatias, doenças hematológicas, incluindo anemia falciforme, doenças metabólicas, incluindo DM,
transtornos neurológicos e do desenvolvimento, gravidez e puerpério até 2 semanas após o parto, e obesidade.
O vírus Influenza A possui alta capacidade de mutação antigênica, apresentando risco potencial de ocasionar
pandemias. As pandemias de gripe mais conhecidas, a gripe espanhola de 1918 e a pandemia de 2009, foram
causadas pelo vírus H1N1. O vírus de 1918 infectou cerca de 1/3 da população mundial e foi responsável pela
morte de pelo menos 50 milhões de pessoas, enquanto que a pandemia de 2009, causada pelo Influenza
A(h1N1)pdm09 afetou entre 20 a 25% da população mundial, sendo que cerca de 80% dos casos letais ocorreram
em indivíduos < 65 anos. O vírus pandêmico de 2009 está agora estabelecido como um vírus sazonal da Influenza
em humanos. Diferente da Influenza sazonal, as pandemias têm ocorrido a cada 20 a 30 anos, e geralmente
apresentam sintomas mais graves.
A Influenza, habitualmente, é uma doença sazonal de ocorrência anual, especialmente na estação fria, visto
que o clima seco e frio são condições importantes favorecendo tanto a capacidade do vírus sobreviver e se
espalhar, quanto à depressão do sistema imunológico de seu hospedeiro, entretanto, o Brasil, país de dimensões
continentais, tem o pico das epidemias em momentos distintos nas diferentes regiões, sendo que foi identificada
uma periodicidade anual clara em 44% dos estados do país, com maior predomínio da região costeira,
contrastando dos estados da Amazônia e do Centro-Oeste, os quais não apresentam comportamento sazonal.
A vigilância da Influenza no Brasil é composta pela vigilância sentinela de síndrome gripal (SG) e de síndrome
respiratória aguda grave em pacientes hospitalizados (SRAG ou SARS). Em 2019, foram notificados:
• 39.190 casos de SRAG, sendo que 81,9% destas foram processadas para pesquisa de vírus respiratórios,
das quais, 17,8% foram classificadas como SRAG por Influenza. Os casos apresentaram mediada de idade
de 37 anos, com maior predomínio da região Sudeste, responsável por 40,7% dos casos.
• 4.939 óbitos por SRAG, dos quais 22,5% dos casos foram confirmados para vírus Influenza, sendo que
71% foram decorrentes do Influenza A(H1N1)pdm09, 11% por Influenza A não subtipado, 7,3% por
Influenza B e 10,7% por Influenza A(H3N2). Os óbitos apresentaram mediana de 55 anos, sendo mais
comum no estado de São Paulo, com 24,6% dos casos, e 72,9% apresentaram pelo menos 1 fator de
risco, com destaque para: adultos ≥ 60 anos, cardiopatas, DM, pneumopatias e crianças < 5 anos.

A transmissão ocorre principalmente de pessoa a pessoa, por meio de gotículas respiratórias produzidas por
tosse, espirros ou fala de uma pessoa infectada, ou pela transferência manual do vírus das superfícies
contaminadas para as mucosas por autoinoculação. O período de incubação é de 1 a 4 dias, com média de 2
dias. A transmissão ocorre 1 a 2 dias antes do início dos sintomas, sendo que o pico de excreção viral ocorre
entre 24 e 72 horas do início da doença, e declina até níveis não detectáveis por volta do 5º dia. As crianças,
comparadas aos adultos, excretam vírus mais precocemente, com maior carga viral e por períodos mais longos,
podendo durar de 7 a 10 dias, enquanto que indivíduos imunocomprometidos podem excretar vírus por
semanas a meses.
Entende-se por síndrome gripal (SG) o comprometimento de vias aéreas superiores (cavidade nasal até
epiglote), como rinorreia, tosse não produtiva, disfonia e odinofagia, associado a pelo menos 1 sinal de
comprometimento sistêmico, como febre de início súbito com declínio por volta do 3º dia e normalização em
até 6 dias, mialgia, calafrios, mal estar geral, apatia, fadiga e cefaleia. Os sintomas gastrintestinais ocorrem em
torno de 10 a 30% das crianças. Usualmente, é um quadro autolimitado e a maioria das pessoas afetadas
recupera-se em 3 a 5 dias, embora a tosse e mal estar possam persistir por até 2 semanas.
Considera-se síndrome respiratória aguda grave (SRAG) quando, além dos sintomas da síndrome gripal, o
paciente apresente dispneia ou os seguintes sinais de gravidade: saturação < 95% em AA, sinais de desconforto
respiratório ou aumento da FR, piora nas condições clínicas de doença de base, e hipotensão em relação à PA
habitual do paciente.
A infecção por Influenza pode predispor a infecções bacterianas secundárias das vias aéreas superiores, visto
que a infecção viral facilita a adesão das bactérias devido às alterações do epitélio respiratório, especialmente
Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Staphylococcus aureus. Deve-se considerar um quadro
bacteriano e, portanto, a prescrição da antibioticoterapia, quando há piora dos sintomas por volta do 5º dia ou
persistência dos sintomas por mais de 10 dias. São sinais sugestivos de complicações bacterianas a rinorreia
predominantemente unilateral, rinorreia posterior purulenta, febre alta, dificuldade respiratória e toxemia.
Exames de imagem não estão indicados para diferenciar quadros virais de bacterianos. A infecção viral pode
ainda contribuir para a descompensação de doenças de base, como DM, doenças cardiovasculares, asma e
outras doenças pulmonares crônicas.
O diagnóstico clínico é dificultado pela similaridade do quadro com outras infecções respiratórias virais. Desta
forma, a possibilidade da confirmação do diagnóstico de Influenza por testes laboratoriais tem importância para
fins de vigilância epidemiológica, orientar a decisão de introduzir antivirais ou antimicrobianos, assim como
medidas de controle de infecção. Entre os testes disponíveis, estão cultura do vírus, sorologia,
imunofluorescência, testes rápidos antigênicos e moleculares, além das técnicas de biologia molecular que
incluem a reação de cadeia de polimerase (PCR). As amostras devem idealmente ser colhidas nas primeiras 72
horas de sintomas. A sorologia serve para um diagnóstico retrospectivo, não sendo usada na prática diária, pois
necessita de 2 amostras de sangue coletadas com intervalo de 14 dias. A cultura é um método caro, disponível
em poucos laboratórios e demora cerca de 2 a 6 dias para seu resultado. A imunofluorescência e os testes
rápidos antigênicos são usados mais amplamente, apesar da grande variação em relação a sensibilidade (45 a
90%) e especificidade (60 a 95%). As técnicas de biologia molecular, por sua vez, apresentam elevada
sensibilidade e especificidade, sendo considerado como método de escolha atualmente. Devem ser feitos
esforços para o teste ser realizado principalmente quando o resultado influencia no tratamento clínico, uma vez
que o tratamento precoce com antivirais reduz a duração dos sintomas, o risco de algumas complicações e
hospitalização e, podem ainda, diminuir a mortalidade.
O tratamento, além das medidas de suporte, hidratação, repouso e sintomáticos, baseia-se no uso de
antivirais específicos. Um dos achados mais importantes é a relação direta da sua eficácia com o tempo de
doença, ou seja, quanto mais precoce for a administração do antiviral, especialmente dentro das primeiras 48
horas, maior é a sua eficácia, entretanto, alguns estudos sugerem que o oseltamivir pode ser benéfico para
pacientes hospitalizados, mesmo se iniciado 4 a 5 dias após o início dos sintomas. Os antivirais disponíveis e
utilizados na maioria dos países no mundo pertencem à classe dos inibidores de neuraminidase, sendo que no
Brasil estão disponíveis o oseltamivir VO e zanamivir inalatório.
O oseltamivir é um pró-fármaco, hidrolisado no fígado, em carboxilato de oseltamivir, seu metabólito ativo,
agindo como um inibidor competitivo da ligação do ácido siálico à neuraminidase, prevenindo a disseminação
do vírus. As mais frequentes reações adversas são náuseas, vômitos, efeitos psiquiátricos, e eventos renais e
hepáticos. O zanamivir é um análogo do ácido siálico e tem o seu mecanismo de ação semelhante ao oseltamivir,
agindo como um inibidor seletivo da ligação do ácido siálico à neuraminidase. A baixa biodisponibilidade do
zanamivir explica a menor toxicidade deste medicamento.
Altos níveis de resistência aos adamantanos, como amantadina e rimantadina, foram documentados,
motivando a retirada destes medicamentos das opções de tratamento das infecções pelo Influenza.
Os casos suspeitos de infecção que cursam com a forma febril não complicada não requerem tratamento, a
menos que exista alguma condição que caracterize o paciente em grupo de risco.
Tratamento
Droga Posologia Observação
Fosfato de
75 mg de 12 em 12
oseltamivir -
horas por 5 dias
(Tamiflu )
 Indicado somente em casos de intolerância gastrintestinal grave, alergia e
10 mg – 2 inalações
Zanamivir resistência ao fosfato de oseltamivir
de 5 mg de 12 em 12
(Relenza )  Contraindicado em < 5 anos para tratamento ou quimioprofilaxia, doença
horas por 5 dias
respiratória crônica e pacientes em ventilação mecânica
Estudos mostraram que o uso profilático dos inibidores de neuraminidase podem diminuir o risco de
desenvolver Influenza em 70 a 90%. A quimioprofilaxia indiscriminada não é recomendável, devido ao risco de
indução de resistência viral. Para que seja efetiva, o antiviral deve ser administrado durante a potencial
exposição à pessoa com Influenza e continuar por mais sete dias após a última exposição conhecida. Não é
recomendada se o período após a última exposição a uma pessoa com infecção for maior que 48 horas.
O uso de oseltamivir está indicado nas seguintes situações, desde que se tenha contato com caso suspeito
ou confirmado e/ou materiais biológicos contaminados, como: pessoas com risco elevado de complicações , não
vacinadas ou vacinadas há menos de 2 semanas, crianças < 9 anos, primovacinadas ou com menos de 2 semanas
após a segunda dose, pacientes com graves deficiências imunológicas, profissionais de laboratório ou
trabalhadores da saúde sem uso adequado de EPIs, e residentes de alto risco em instituições fechadas e hospitais
de longa permanência durante surtos.
Profilaxia
Droga Posologia
Fosfato de oseltamivir (Tamiflu ) 75 mg/dia por 10 dias
Zanamivir (Relenza ) 10 mg – 2 inalações de 5 mg/dia por 10 dias
Diversas medidas podem ser tomadas para tentar evitar ou minimizar os riscos de infecção ou transmissão
do vírus Influenza, como: evitar contato próximo com pessoas infectadas, lavar as mãos, cobrir o rosto ao tossir,
não sair de casa durante o período do quadro respiratório, uso de álcool em gel e a vacinação.
A melhor forma de se proteger é pela vacinação anual, mesmo que, em anos em que as vacinas são bem
compatíveis com os vírus circulantes, as estimativas de eficácia variam de 40 a 60%. No Brasil as vacinas são
produzidas em ovos e, durante o processo, o vírus adquire alterações de aminoácidos especialmente na proteína
hemaglutinina, entretanto, uma vez que a hemaglutinina é o alvo principal da neutralização, pequenas
modificações nesta proteína podem causar alterações antigênicas no vírus e diminuir a eficácia. A proteção
obtida com a vacina ocorre geralmente após 2 a 3 semanas, atingindo pico entre 8 a 12 semanas, e após 6 meses,
os títulos de anticorpos protetores tendem a cair em até 50% dos títulos iniciais.
As vacinas pode ser vivas atenuadas ou inativadas, sendo estas as mais utilizadas, estando disponível para
extremos de idade, gestantes e puérperas, portadores de doenças crônicas, profissionais da saúde e educação,
militares e indivíduos privados de liberdade.
As vacinas, normalmente, contêm 3 cepas virais, além de poder ter alguns antibióticos, como traços de
neomicina ou polimixina, timerosal, solução fisiológica tamponada a pH 7,2, dentre outras substâncias.
O esquema de vacinação é anual e a vacina deve ser administrada o mais precoce possível, sendo indicada a
partir de 6 meses de idade. Crianças menores de 9 anos devem receber 2 doses com intervalo de 4 a 6 semanas,
sendo que, doses subsequentes são únicas. Em geral é bem tolerada e segura, sendo que reações transitórias
podem ocorrer especialmente nas primeiras 48 horas após vacinação, como dor, hiperemia, enduração no local
de aplicação, mialgia, cefaleia, letargia, náuseas e astenia, sendo mais frequentes em pessoas sem exposição
anterior a doença.
Reações anafiláticas são raras. As vacinas utilizadas no Brasil, por serem cultivadas em ovos embrionados de
galinhas, podem conter traços de proteínas como o ovoalbumina. Portadores de alergia, mesmo grave, ao ovo,
em geral, toleram bem a vacina e podem ser vacinados, entretanto, pacientes que apresentem sintomas além
de urticária após contato com ovo, como angioedema ou dificuldade respiratória, devem receber a vacina em
ambiente com profissional de saúde capacitado para reconhecer e abordar reações alérgicas severas. Reações
alérgicas graves, como anafilaxia, contraindicam doses subsequentes.
MALÁRIA
A malária é uma doença febril infectoparasitária causada por protozoários do gênero Plasmodium sp., dentre
o qual, existem 3 espécies presentes no Brasil: (1) Plasmodium vivax, responsável por 90% dos casos no Brasil,
(2) Plasmodium falciparum, responsável pelas formas graves de malária, ou ‘perniciosas’, devido ao seu grau
intenso de parasitemia e invasão de toda população de hemácias, e (3) Plasmodium malariae. É quase sempre
transmitida por vetores, sendo que no Brasil o principal vetor é a fêmea do mosquito Anopheles darlingi,
‘muriçoca’ ou ‘mosquito-prego’, os quais sofrem influência de características ambientais, como: necessidade de
umidade relativa do ar > 60%, temperatura > 16°C, e presença de matas e florestas, denominando-se regiões
com estas características como ‘zonas malarígenas’. Além deste meio, outras formas de transmissão menos
comuns são por hemotransfusão, compartilhamento de agulhas por usuários de drogas EV, transplante de órgão
e congênita, sendo que em todos estes casos a transmissão é pela forma merozoíto, e não esporozoíto.

A forma que o humano adquire através da picada do mosquito é denominada de esporozoíto [12],
o qual se liga à membrana do hepatócito utilizando uma proteína de revestimento denominada CSP.
Ao penetrar na célula hepática, ganha a forma arredondada e passa a ser chamado de criptozoíto,
iniciando assim o primeiro ciclo de reprodução assexuada, ou esquizogonia tecidual, na qual o núcleo
do parasita se divide várias vezes por mitose, sem, no entanto, haver divisão do citoplasma. Esta forma 1-4
multinucleada do parasita é chamada de esquizonte tecidual, com posterior divisão em diversas
‘células filhas’, denominadas de merozoítos. A espécie P. vivax apresenta uma forma parasitária
latente, chamada de hipnozoítas, responsável pelos episódios de recidiva da doença. O processo do
esporozoíto até a liberação dos merozoítos hepáticos dura 6-16 dias.
Os merozoítos hepáticos invadem as hemácias após interagirem com receptores específicos (fator
Duffy no P. vivax e glicoforina A no P. falciparum). Nas hemácias, inicia-se o ciclo reprodutivo
5-7
assexuado, denominado de esquizogonia eritrocitária, responsável pelos sinais e sintomas da malária.
O merozoíto hepático, ao adentrar às hemácias, ganha uma nova forma, denominada de trofozoíto em
anel, o qual cresce e torna-se ameboide, sendo denominado de esquizonte eritrocitário, que
finalmente dá origem ao merozoíto hemático. O parasita metaboliza a hemoglobina, formando o
pigmento malárico, ou hemozoína, o que provavelmente participa da patogênese da doença ao
estimular a produção e liberação pelos monócitos e macrófagos de citocinas com efeito pirogênico. O 5-7

processo do trofozoíto em anel até a liberação dos merozoítos hemáticos dura 48-72 horas,
dependendo da espécie de plasmódio – 48 horas nas espécies P. vivax e P. falciparum e 72 horas na
espécie P. malariae.
Alguns merozoítos que penetram nas hemácias, em vez de iniciar nova esquizogonia, transformam-
se em elementos sexualmente diferenciados, denominados de gametócitos (macrogametócitos
quando ‘masculino’ e microgametócito quando ‘feminino’), os quais aparecem no sangue periférico
após 3-15 dias do início dos sintomas, sendo que apresentam evolução quando presentes no estômago 8-12

do mosquito, transformando-se em gametas, zigoto, oocineto, oocisto e, finalmente, esporozoíto, os


quais são armazenados nas glândulas salivares do mosquito até serem injetados na circulação
sanguínea de uma nova vítima humana.
Apesar da existência de diversas espécies de plasmódio, há sempre 2 pontos em comum entre elas, as crises
febris e a anemia, a qual tem como mecanismo a hemólise, intra e extravascular, sendo esta o principal
componente. Outros fatores contribuintes que exacerbam a anemia são a carência de ácido fólico, provocando
uma crise megaloblástica, e o sequestro de hemácias no leito microvascular nas infecções por P. falciparum,
devido a formação de protuberâncias na superfície do eritrócito que determinam a adesão das hemácias
parasitadas às células endoteliais dos capilares e vênulas, fenômeno referido como citoaderência, com posterior
adesão de hemáticas não parasitadas, resultando na formação de um plug microvascular. Espera-se,
fisiologicamente, uma resposta da medula à hemólise, entretanto, as citocinas produzidas, especialmente nas
formas graves de malária, como nas precipitadas por P. falciparum, prejudicam a eritropoise.
O maior fator responsável pela morbiletalidade da malária é o bloqueio microvascular, devido ao sequestro
de hemácias parasitadas nos capilares de órgãos, como cérebro, rins, pulmão e placenta, sendo este fenômeno
exclusivo da malária por P. falciparum, como já citado acima.
O sistema imunológico é capaz de conter parcialmente a parasitemia, entretanto, é incapaz de erradicar o
protozoário, talvez devido à considerável diversidade de antígenos, dificultando uma resposta imune completa,
presença de antígenos diferentes entre as formas evolutivas, modulação do sistema imune, e proteção do
reconhecimento imune nas formas intraeritrocitárias. De qualquer forma, o indivíduo infetado apresenta uma
resposta imune, caracterizada pela formação de anticorpos específicos e linfócitos T helper CD4+. Os recém-
nascidos de áreas hiperendêmicas estão naturalmente protegidos da infecção aguda, provavelmente devido à
passagem transplacentária de anticorpos IgG protetores da mãe e à resistência da hemoglobina fetal ao
plasmódio, mas entre 3 meses e 5 anos pode observar-se formas graves e fatais de malária, assim como em
gestantes e indivíduos provenientes de regiões não malarígenas, como migrantes e visitantes ocasionais.
Independente da espécie de plasmódio, a malária é causa habitual de abortamento, morte neonatal, parto
prematuro e baixo peso ao nascimento.
A imunidade, ou ‘semi-imunidade’, ao plasmódio é adquirida lenta e progressivamente após estímulos
antigênicos constantes, determinados por infecções repetidas pelo mesmo parasita, entretanto, apresenta
labilidade, isto é, geralmente desaparece após 6 meses de ausência completa do estímulo antigênico. Além
disso, costuma ser perdido nas gestantes por mecanismos desconhecidos. É possível que a imunossupressão
relacionada com a malária torne os pacientes mais suscetíveis à infecção pelo vírus Epstein-Barr, que está
associado ao desenvolvimento do linfoma de Burkitt.
A proteção natural contra formas graves é observada em indivíduos com traço falcêmico e talassemias. O
indivíduo com traço falcêmico possui 40-50% de HbS em suas hemácias, as quais tendem a se afoiçar quando
ocorrer o sequestro na microvasculatura e presença de condições de baixas tensões de O2, inibindo assim o
crescimento e desenvolvimento do plasmócito. Na β-talassemia a proteção deve-se ao maior percentual de HbF,
enquanto que na α-talassemia justifica-se pela menor concentração corpuscular de hemoglobina.
O quadro clínico é marcado por um pródromo de sintomas inespecíficos, geralmente semelhante entre as
espécies, seguido pelas crises febris periódicas, anemia e hepatoesplenomegalia. Geralmente as infecções por
P. vivax e P. malariae tomam um curso benigno, enquanto infecção por P. falciparum pode tomar um curso
grave e eventualmente fatal, especialmente nos indivíduos ‘não-imunes’.

• Malária por P. vivax – ‘febre terçã benigna’


O pródromo é caracterizado por mal-estar, fadiga, náuseas, febrícula e discreta cefaleia, entretanto, nem
sempre está presente. O período de incubação oscila entre 12 a 16 dias, medido pelo início do primeiro ‘acesso
malárico’.
As crises febris nos estágios inicias ocorrem diariamente, uma vez que duas gerações de parasitas evoluem
concomitantemente, entretanto, com o evoluir da infecção, uma das gerações de protozoários declina,
determinando a periodicidade dos acessos febris a cada 48 horas, ou ‘febre terçã’. Cada acesso febril é
caracterizado por 3 períodos: (1) período do frio, iniciando-se abruptamente, marcado por um intenso calafrio
com tremores, mialgia, náuseas e vômitos, durando cerca de 30 a 60 minutos, (2) período do calor, caracterizado
por uma grande sensação de calor e febre atingindo até 41°C, com possibilidade de hemorragias subconjuntivais,
pulso cheio, pele seca e eventuais náuseas e vômitos, durante cerca de 4 a 8 horas, e (3) período de sudorese,
com regressão da temperatura e início de uma sudorese copiosa. Caso a parasitemia não seja erradicada com
antimaláricos, os ‘acessos maláricos’ se repetem durante algumas semanas, caracterizando o ‘ataque primário’.
O laboratório tipicamente apresenta uma anemia normocítica normocrômica e leucopenia com eventual desvio
para a esquerda. A bioquímica mostra sinais indiretos de hemólise, entretanto, reticulócitos não se encontram
elevados, já que eles são as principais células infectadas, daí o caráter benigno deste tipo de plasmódio.
Após o término do ‘ataque primário’, quando as formas assexuadas desaparecem da periferia, a doença passa
para um estado de latência clínica, no qual os hipnozoítas hepáticos se mantêm viáveis, possibilitando novas
crises febris, definindo as recaídas da doença. O quadro clínico das recaídas é idêntico ao inicial, mas a anemia
e esplenomegalia são mais acentuadas. Sem tratamento, o paciente evolui com episódios de recidiva da doença
ao longo dos próximos 4 anos, quando então se extingue, de forma natural, a atividade parasitária.
Uma das complicações graves e potencialmente fatais desta forma é a rotura esplênica espontânea.

• Malária por P. falciparum – ‘febre terçã maligna’


O período de incubação oscila entre 8 a 12 dias. Os pródromos e crises febris são semelhantes aos da malária
vivax, porém o estado confusional e convulsões podem acompanhar a febre, além disso a anemia costuma ser
mais grave, acompanhada ou não de reticulocitose. A leucopenia e trombocitopenia são mais frequentes.
Os episódios febris podem se repetir durante os primeiros 12 meses da infecção, entretanto, o mecanismo
de recidiva não se deve aos hipnozoítas, e sim pelo grau de parasitemia que a resposta imune não consegue
eliminar, por isso, as recidivas são referidas como recrudescências, e não recaídas.
As complicações incluem: (1) malária cerebral, a qual ocorre em 30% dos casos, marcado por cefaleia, estado
confusional, convulsões e coma, assim como hiper-reflexia tendinosa e sinal de Babinski bilateral, tendo como
explicação o bloqueio microvascular, precipitado pela citoaderência das hemácias infectadas, resultando em
isquemia cerebral difusa com injúria subsequente, ambas de caráter reversível desde que haja introdução de
tratamento antimalárico precoce, oscilando sua letalidade entre 20-50% se diagnóstico tardio, (2) malária renal,
a qual ocorre em 65% dos casos, comumente em adultos, apresentando oligúria e elevação das escórias
nitrogenadas, com diálise necessária nos casos mais graves, (3) malária hepática, sendo a icterícia um sinal
clínico proeminente nas formas graves, havendo a possibilidade da hiperbilirrubinemia atingir a faixa de 50
mg/dL, com predomínio da fração conjugada, entretanto, a insuficiência hepática franca é uma eventualidade
rara, (4) malária intestinal, ou ‘malária álgida’, caracterizada por um extenso comprometimento do tubo
digestivo, associado a diarreia profusa, sanguinolenta ou não, acompanhada de intensa prostração e eventual
colapso circulatório, tendendo a apresentar um curso da doença afebril, (5) malária pulmonar, correspondente
a complicação mais grave, felizmente rara, associada a evolução com edema pulmonar não cardiogênico,
formação de membrana hialina, hemorragia intra-alveolar e SDRA, com letalidade superior a 80%, mesmo na
vigência de terapia antimalárica, (6) hipoglicemia, correspondendo a complicação importante e comum na
malária grave, devido ao comprometimento da gliconeogênese hepática e aumento do consumo periférico de
glicose nas crianças e ao hiperinsulinismo nos adultos, e (7) acidose láctica, devido a oferta reduzida de oxigênio
aos tecidos, secundária a anemia, sequestro eritrocitário e hipovolemia.

• Malária por P. malariae – ‘febre quartã’


No Brasil, as infecções causadas por esta espécie de plasmódio são relativamente raras. Seu período de
incubação é nitidamente superior as demais espécies, oscilando entre 30-40 dias. O quadro clínico é semelhante
ao da malária por P. vivax, exceto pela periodicidade dos ‘acessos maláricos’, que ocorrem tipicamente a cada
72 horas. A parasitemia é moderada, acometendo preferencialmente as hemácias maduras.
A complicação mais temível é a síndrome nefrótica, frequentemente observada em crianças.
Características das principais espécies de Plasmodium
Características P. vivax P. falciparum P. malarie
Fase intra-hepática
8 5,5 15
(dias)
Coma, hipoglicemia, edema
Ruptura esplênica
Complicações pulmonar, insuficiência renal, Síndrome nefrótica
tardia
anemia
Ciclo eritrocitário
48 48 72
(horas)
Reticulócitos e Células mais jovens, mas podem
Preferência
células de até 2 invadir células de qualquer Células maduras
eritrocitária
semanas de vida idade
Recidivas Sim Não Não
O diagnóstico é confirmado a princípio pela hematoscopia, que pode ser realizada em 2 tipos de preparação:
esfregaço, sendo suficiente para o diagnóstico na maioria dos casos, e gota espessa, a qual tem uma
sensibilidade superior ao esfregaço, devendo ser usado para a contagem de parasitas, considerado padrão-ouro
pela OMS. Imunotestes são a nova metodologia diagnóstico, capaz de discriminar especificamente o P.
falciparum das demais espécies, tendo sido considerado útil principalmente em situações onde é complicado
processar o exame da gota espessa. Os testes moleculares já se encontram disponíveis em alguns centros, porém
dado seu elevado custo e necessidade de infraestrutura, ainda é um método pouco utilizado em nosso meio.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras síndromes febris, como Influenza, meningite bacteriana,
febre tifoide, endocardite infecciosa, dengue, leptospirose, septicemia, hepatites virais e febre amarela.
O tratamento é dividido em relação as espécies de plasmódio:
• P. vivax: a droga de escolha é a cloroquina VO com dose total de 25 mg/kg, administrando no transcorrer
de 3 dias – 10 mg/kg no 1º dia, seguida de 7,5 mg/kg no 2º e 3º dias. Geralmente é muito bem tolerada
e pode ser usada na gestação. Atua sobre os esquizontes eritrocitários, revertendo a parasitemia,
entretanto, não é eficaz contra os hipnozoítas hepáticos. Para pacientes que não toleram a terapia VO,
indica-se a cloroquina venosa, evitando-se a infusão venosa rápida, uma vez que pode levar à assistolia.
Para combater os hipnozoítas e assim prevenir as recaídas, deve-se associar a primaquina VO 0,5
mg/kg/dia durante 7 dias, sendo contraindicada durante a gestação.
Cloroquina VO 25 mg/kg no total durante 3 dias + Primaquina 0,5 mg/kg/dia durante 7 dias

• P. falciparum não grave: o tratamento de 1ª linha é feito com derivados da artemisinina, os quais atuam
inibindo a enzima adenosina-trifosfatase de cálcio, essencial para o metabolismo do parasita. Esta classe
age como esquizonticida sanguíneo potente e de ação rápida, eliminando o parasita em 24-48 horas, na
grande maioria dos casos. Podem causar a síndrome do chinchonismo, representada por zumbido,
déficit auditivo transitório, distúrbios visuais discretos, tremores, hipoglicemia grave e arritmias
cardíacas. A mefloquina pode levar a efeitos gastrointestinais, pruridos e bradiarritmias, não devendo
ser usada em crianças < 15 kg, pacientes com distúrbios de condução cardíaca, distúrbios psiquiátricos
ou epilepsia.

Artemeter + Lumefantrina VO durante 3 dias


OU
Artesunato + Mefloquina VO durante 3 dias

• P. falciparum grave: as drogas de 1ª escolha são os derivados de artemisinina para uso parenteral, como
artesunato EV durante 6 dias ou IM durante 5 dias, sendo que em ambas as situações se associa
clindamicina EV durante 7 dias. A droga de 2ª escolha é a quinina EV durante 7 dias, associada a
clindamicina EV durante 7 dias. Deve-se atentar para a reposição de glicose, já que a hipoglicemia é
bastante frequente, assim como na reposição de concentrado de hemácias nos casos de anemia grave
sintomática, além disso, a hidratação venosa com reposição eletrolítica é importante, atentando-se para
evitar a hiper-hidratação, e indicação de ventilação mecânica nos casos de malária pulmonar. Para a
malária cerebral, as medidas de ‘proteção cerebral’ são anticonvulsivantes, tratamento agressivo da
hipertermia e hipoglicemia, correção dos distúrbios eletrolíticos, sedação adequada e decúbito a 30°.

Artesunato EV durante 6 dias + Clindamicina EV durante 7 dias


OU
Artesunato IM durante 5 dias + Clindamicina EV durante 7 dias

• P. malariae: o tratamento é idêntico ao recomendado para o P. vivax, exceto pelo uso de primaquina,
já que não existem as formas hipnozoítas hepáticas.

Cloroquina VO 25 mg/kg no total durante 3 dias

A profilaxia da malária contém medidas populacionais e individuais. Inicia-se evitando a transmissão da


doença pela picada do Anopheles infectado, portanto, recomenda-se que nas regiões malarígenas o alojamento
seja em locais que tenham paredes completas com janelas e portas teladas, utilização de mosquiteiros e
inseticidas domésticos, utilização de calças compridas e camisas longas e uso de repelentes corporais. A
quimioprofilaxia deve ser reservada para situações específicas, nas quais o risco de adoecer de malária grave
por P. falciparum for superior ao risco de eventos adversos graves relacionados ao uso das drogas
quimioprofiláticas, uma vez que a quimioprofilaxia não previne completamente a doença. Portanto, indica-se
para viajantes que viajarão para regiões de alto risco de transmissão de P. falciparum, como bacia amazônica
brasileira, que permanecerão na região por tempo maior que o período de incubação da doença, com duração
inferior a 6 meses, e em locais cujo acesso ao diagnóstico e tratamento de malária estejam distantes mais de 24
horas. Inicia-se 1 semana antes da viagem, mantendo até 4 semanas após a saída da área endêmica.
FEBRE MACULOSA
As riquetsioses são caracterizadas por ser um grupo de doenças causadas por bactérias da família
Rickettsiaceae. Tradicionalmente, as espécies patogênicas de Rickettsia são divididas em 2 grupos: grupo da
febre maculosa e grupo do tifo. Existem 2 proteínas de superfície nestas bactérias, denominadas de Omp A,
presente somente nas riquétsias que pertencem ao grupo das febres maculosas, e Omp B, mais abundante na
superfície, sendo observada em todas as espécies de riquétsias.
No Brasil, a febre maculosa brasileira (FMB) causada pela bactéria Gram-negativa intracelular obrigatória
Rickettsia rickettsi é a riquetsiose mais prevalente e reconhecida, sendo caracterizada por ser uma doença
infecciosa febril aguda, de gravidade variável, transmitida principalmente por carrapatos ixodídeos do gênero
Amblyomma, os quais atuam como vetores e reservatórios, assim como os equídeos, como capivara, e
marsupiais, como gambá. Além da ocorrência tradicional de casos nos meios silvestre e rural, vem sendo
observada a ocorrência de casos em centros urbanos, talvez devido a expansão das áreas urbanas e a introdução
do carrapato vetor no meio urbano, seja pela migração de reservatórios silvestres ou pela manutenção de
equinos, o que parece ser fator determinante dessa tendência à urbanização.
Nos humanos, a FMB é adquirida pela picada do carrapato infectado com riquétsia, e a transmissão
geralmente ocorre quando o artrópode permanece aderido ao hospedeiro, sendo que o tempo mínimo para
que ocorra a inoculação da bactéria é 10 horas, apresentando de 2 a 14 dias de período de incubação, iniciando-
se abruptamente com sintomas inespecíficos, como febre elevada, cefaleia, mialgia intensa, mal-estar
generalizado, náuseas e vômitos. Em geral, entre o 2º e 6º dia da doença surge o exantema maculopapular não
pruriginoso, de evolução centrípeta e predomínio nos membros inferiores, podendo acometer região
palmoplantar, entretanto, este sinal pode estar ausente, sobretudo nas formas que apresentam rápida
progressão da doença, o que dificulta e/ou retarda o diagnóstico. Nos casos graves, o exantema vai se
transformando em petequial e, depois, em hemorrágico, sendo que, em pacientes não tratados, as equimoses
tendem à confluência, podendo evoluir para necrose, principalmente em extremidades. Além disso, nos casos
graves é comum a presença de manifestações renais, como oligúria e IRA, manifestações pulmonares,
neurológicas e hemorrágicas. Se não tratado, o paciente pode evoluir para torpor e confusão mental, com
frequentes alterações psicomotoras, chegando ao coma profundo.
A anemia e plaquetopenia são achados comuns, enquanto que os leucócitos podem apresentar desvio à
esquerda. As enzimas musculares e hepáticas estão geralmente aumentadas.
A reação de imunofluorescência indireta (RIFI) é considerada padrão-ouro para o diagnóstico, sendo o
anticorpo IgG mais específico para a interpretação diagnóstica. Recomenda-se a coleta da primeira amostra de
soro nos primeiros dias da doença, ou fase aguda, e a segunda amostra de 14 a 21 dias após a primeira coleta,
sendo que a presença de um aumento de quatro vezes nos títulos é o requisito para confirmação diagnóstica.
A imuno-histoquímica é realizada em amostras de tecidos obtidas em biópsia de lesões de pele, em especial
os graves, ou em material de necrópsia. A imuno-histoquímica em lesões vasculíticas de pele é considerada o
método mais sensível para a confirmação na fase inicial da doença. As técnicas de biologia molecular
possibilitam melhor e mais adequada caracterização dos dois grupos de riquétsias, o grupo febre maculosa e o
grupo tifo. A cultura com isolamento da riquétsia é o método diagnóstico ideal, sendo que as amostras para
isolamento devem ser coletadas, preferencialmente, antes do uso de antibióticos.
Os principais diagnósticos diferenciais são a leptospirose, doença meningocócica e, durante períodos de
maior transmissibilidade de dengue, tanto a dengue clássica quanto as formas graves da doença figuram como
importantes diagnósticos diferenciais.
O sucesso do tratamento com consequente redução da letalidade está diretamente relacionado à
precocidade da introdução e especificidade da antibioticoterapia. A doxiciclina é o antimicrobiano de escolha
para terapêutica de todos os casos suspeitos, entretanto, na impossibilidade de sua utilização, preconiza-se o
cloranfenicol. A terapêutica é empregada rotineiramente por um período de 7 dias, devendo ser mantida por 3
dias, após o término da febre. Não é recomendada a antibioticoterapia profilática para indivíduos assintomáticos
que tenham sido recentemente picados por carrapatos. Frente a gestantes com suspeita de FMB, em geral,
recomenda-se o uso de cloranfenicol, mesmo diante do risco de ocorrência da ‘síndrome do bebê cinza’.
• Doxiciclina 100 mg de 12 em 12 horas, VO ou EV, devendo ser mantido por 3 dias após o término da
febre.
• Cloranfenicol 500 mg de 6 em 6 horas, VO, devendo ser mantido por 3 dias após o término da febre.

Atualmente, são considerados casos suspeitos de FMB aqueles indivíduos que preencham um dos seguintes
critérios: febre, cefaleia, mialgia e antecedente de exposição à picada de carrapatos e/ou frequentado área
sabidamente de transmissão nos últimos 15 dias, ou febre de início súbito, mialgia, cefaleia, seguido de
aparecimento de exantema maculopapular entre o 2º e 5º dia de sintomas, associados ou não a manifestações
hemorrágicas. Todo caso suspeito de febre maculosa requer notificação compulsória e investigação, por se
tratar de doença grave.
Idealmente, locais sabidamente de risco de transmissão devem ser evitados, sobretudo quando as medidas
de proteção não são passíveis de adoção. Primeiramente, é recomendado o uso de roupas e calçados claros e
que protejam a superfície corpórea exposta. Adicionalmente, o autoexame periódico deve ser realizado com
frequência, de maneira a identificar precocemente um possível parasitismo e proporcionar a retirada precoce
do carrapato, uma vez que o risco de infecção guarda estreita relação com o tempo de parasitismo.
Uma vez verificado o parasitismo, a imediata e cuidadosa retirada do carrapato deve ser feita com pinça fina.
O uso de estímulos térmicos, como fósforos e gelo, ou de produtos químicos, álcool e vaselina, para retirada de
carrapatos não está indicado.
PARACOCCIDIOIDOMICOSE
Os fungos são seres vivos eucariotos, aeróbios em sua maioria, os quais apresentam uma membrana celular
rica em ergosterol e uma parece celular formada por quitina e glucana. Os fungos mais relevantes para a
medicina apresentam a importante propriedade de dimorfismo, ou seja, na natureza, a temperaturas em torno
de 25°C, apresentam-se como estruturas filamentosas, ou hifas, as quais se organizam no chamado micélio,
enquanto que no organismo infectado, a temperaturas em torno de 37°C, apresentam-se como estruturas
leveduriformes.
A paracoccidioidomicose, ou blastomicose sul-americana, é uma das principais micoses pulmonares no Brasil,
tendo como agentes etiológicos os fungos Paracocciodioides braziliensis, o qual apresenta 5 agrupamentos
geneticamente isolados, sendo 3 presentes no Brasil, o S1a, S1b e PS2, e Paracocciodioides lutzii, presentes no
solo e restos de vegetais em áreas rurais, onde se desenvolvem como estruturas filamentosas, produzindo
propágulos infectantes chamados conídios. O tatu-galinha é reconhecidamente um reservatório de P.
braziliensis.
O grande fator de risco são profissões ou atividades relacionadas ao manejo de solo contaminado com o
fungo. Tabagismo e etilismo estão frequentemente associados à micose. Diferentemente de outras micoses, a
paracoccidioidomicose não é usualmente relacionada a doenças imunodepressoras. Em todas as casuísticas,
observa-se que a grande maioria dos pacientes exerceu atividade agrícola nas 2 primeiras décadas de vida, tendo
nessa época provavelmente adquirido a infecção, embora as manifestações clínicas tenham surgido muitos anos
depois, devido a reativação de foco latente. Cerca de 10% dos casos a doença ocorre até os 20 anos, sendo que
os demais ocorrem em idade mais avançada, especialmente em homens, o que não ocorre na infância, em que
a doença se distribui uniformemente entre ambos os sexos, talvez porque as mulheres em idade fértil
apresentam um fator protetor, visto que as formas infectantes contêm receptores de estrógenos, nos quais o
estrogênio endógeno atua inibindo a transformação dos microrganismos em leveduras.
Várias evidências apontam as vias respiratórias como porta de entrada do fungo, sem apresentar transmissão
interpessoal. Durante a formação do complexo primário, foco pulmonar e adenopatia satélite, o agente sofre
disseminação linfo-hematogênica, acometendo pulmões, linfonodos, mucosas de vias aéreas superiores, pele,
fígado e baço.
As formas de apresentação variam a depender do padrão de resposta imunológica. A resposta imune mais
eficaz é mediada por linfócitos Th1, o qual é responsável pela formação do granuloma, tornando o paciente
portador crônico não doente, entretanto, alguns pacientes, constitucionalmente ou devido a redução da
imunidade celular, apresentam resposta imune mediada por linfócitos Th2, sendo que se presente no momento
da infecção, haverá a forma aguda, entretanto, se houver o desenvolvimento deste padrão após um longo
período de infecção controlada, haverá reativação do microrganismo, resultando em sua forma crônica.
Portanto, as principais formas de apresentação são: (1) infecção paracoccidioidica, caracterizada pela presença
de contato de indivíduos saudáveis com o fungo, identificado pela presença de reação intradérmica positiva ao
antígeno específico, e (2) paracoccidioidomicose propriamente dita, subdivida em 2 formas explicada abaixo:
• Forma aguda/subaguda (juvenil): caracteristicamente presente em crianças e adultos < 30 anos. As
manifestações são adenomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia, podendo apresentar febre,
adinamia e perda de peso. A adenopatia pode evoluir com fistulização e liberação de secreção
purulenta, ou adenite supurativa, além disso, pode acometer hilo hepático, determinando icterícia
obstrutiva, ou envolver as adrenais, correspondendo a 5% dos casos, manifestando-se com
hiperpigmentação cutânea, anorexia, sintomas gastrointestinais, hipotensão e hipoglicemia. Muitas
vezes não há alteração radiológica, e um destaque entre as alterações laboratoriais é a eosinofilia.
• Forma crônica (adulto): corresponde a forma pulmonar da doença, respondendo por cerca de 90% dos
casos. A apresentação típica é tosse, expectoração e dispneia aos esforços, com lenta progressão. A
semiologia do aparelho respiratório é pobre, em contraste com as alterações radiológicas,
caracterizando a dissociação clinicorradiológica, apresentando tipicamente infiltrado pulmonar bilateral
simétrico peri-hilar, acometendo predominantemente os terços médios (‘asa de morcego’). As lesões
mucosas acometem lábios, mucosa oral, traqueia ou esôfago, manifestando-se como rouquidão
inexplicada, tosse seca e/ou odinofagia. As lesões de pele são polimórficas. O sistema nervoso central é
acometido em 6% dos casos, com cefaleia progressiva, convulsões e déficit motor de instalação
lentamente progressiva. Pode evoluir com uma síndrome disseminada, apresentando características da
forma aguda associada a insuficiência adrenal, especialmente em portadores de HIV com CD4+ <
250/mm3, transplantados e pacientes com neoplasias hematológicas. O laboratório geralmente é
compatível com achados de ‘doença crônica’, como anemia e aumento do VHS.
O diagnóstico pode ser feito pela pesquisa direto do fungo com hidróxido de potássio ou tinta Parker, cultura,
a qual apresenta rendimento baixo, exame histológico, utilizando o método da prata-metenamina (Gomori) para
visualização do fungo, ou sorologia, a qual também é utilizada para controle de cura. O teste intradérmico com
a paracoccidioidina é utilizado apenas em inquéritos epidemiológicos, não servindo para diagnóstico.
Constituem os principais diagnósticos diferenciais na forma aguda: linfoma, leucemia, histoplasmose,
tuberculose, toxoplasmose, leishmaniose visceral e mononucleose infecciosa, enquanto que na forma crônica
pulmonar predominam patologias como tuberculose, coccidioidomicose, histoplasmose, sarcoidose,
pneumoconiose e pneumonite intersticial.
Diagnóstico diferencial entre tuberculose e paracoccidioidomicose
Tuberculose Paracoccidioidomicose
Idade Ampla variação 30-60 anos
Gênero Indistinto Homens
Agente etiológico Mycobacterium tuberculosis Paracoccidioides spp
Fonte de infecção Humana/animal Solo
Transmissibilidade Contagiosa Não contagiosa
Sintomas e sintomas Definidos Inespecíficos
Febre ++++ +/-
Tosse ++++ +/-
Acometimento pleural Sim Não
Distribuição do Rx Zonas superiores Terços médios, bilateral e difuso
VHS ++++ ++
O tratamento tem 2 fases distintas, ataque e manutenção, com duração de geralmente 6 a 12 meses, sendo
que na maioria dos casos utiliza-se a mesma droga para ambas as fases, entretanto, isto não é uma regra
absoluta. A droga de escolha, embora de custo mais alto, é o itraconazol 100-200 mg/dia VO 1x/dia. A droga de
mais baixo custo é o sulfa-trimetoprim 800/160 mg 2 a 3x/dia. A anfotericina B venosa é reservada para os casos
mais graves.

Recomenda-se, tanto no ambiente rural como no periurbano, evitar a exposição à poeira originada de
escavação do solo, de terraplanagem e de manipulação de vegetais. Para os trabalhadores rurais e motoristas
de trator constantemente expostos à poeira mais densa, particularmente os que fazem a coleta manual, limpeza
(abano) e varrição do café, é presumível que evitar a exposição com máquinas de cabine bem vedada ou
máscaras protetoras tipo N95, quando disponíveis, possa proteger da infecção por Paracoccidioides spp.
BRONQUIECTASIA
É uma desordem adquirida caracterizada por uma dilatação anormal e permanente dos brônquios, com
distribuição focal ou difusa, associada na maioria dos casos a doenças pulmonares anteriores, especialmente
aquelas que não foram tratadas suficientemente, tornando o tecido pulmonar suscetível a novas infecções e,
consequentemente, a maior dano, sendo este ciclo denominado ‘teoria do ciclo vicioso’.
As causas são diversas, sendo que 50% dos casos não é encontrada etiologia específica, no entanto, nas
causas conhecidas a maioria envolve uma patologia infecciosa, enquanto que o restante incluem algumas
doenças causadoras cujo mecanismo não é infeccioso, como inalação de gases tóxicos (amônia) e na deficiência
de α1-antitripsina. As principais causas são pós-infecciosa, fibrose cística, imunodeficiência, DPOC, asma,
discinesia ciliar, correspondendo à síndrome de Kartagener (bronquiectasia + sinusite + situs inversus), e
doenças sistêmicas, seguidas por outras causas menos comuns, como obstrução de via aérea por linfonodos ou
tumor, inalação de gases tóxicos, já citada acima, e broncoaspiração de conteúdo gástrico.
Sua patogênese envolve um processo inflamatório persistente e intenso na parede brônquica, levando à
destruição das suas estruturas de sustentação, como cartilagem, músculo e tecido elástico, com substituição
por tecido fibroso. As células envolvidas no processo inflamatório são neutrófilos, linfócitos e macrófagos, sendo
que os neutrófilos liberam mediadores que destroem a elastina brônquica e outras estruturas pulmonares de
suporte, levando à dilatação permanente dos brônquios, além disso, alteram a função do epitélio cilial, levando
a alterações na frequência do batimento dos cílios e na hipersecreção das glândulas mucosas, comprometendo
a depuração mucociliar, o que reduz o mecanismo de defesa natural contra patógenos, deixando o tecido
pulmonar suscetível a maior colonização e crescimento de bactérias.

A manifestação clínica predominante é a tosse persistente com grande produção de expectoração purulenta,
associado a hemoptise em 50-70% dos casos e halitose em alguns pacientes. O paciente apresenta infecções
respiratórias repetidas, quando há uma exacerbação do quadro clínico, com piora da tosse e surgimento de
dispneia. Se houver grande quantidade de expectoração, é comum a ausculta pulmonar apresentar estertores
bolhosos ou grossos.
A radiografia de tórax pode mostrar sinais sugestivos de bronquiectasias em estágios mais avançados, como
presença de ‘trilhos’ característicos, entretanto, o exame padrão-ouro para diagnóstico é a tomografia, na qual
observa-se dilatação da via aérea, espessamento da parede brônquica e presença de plugs mucopurulentos nas
vias aéreas. Quando a bronquiectasia é de padrão focal, deve-se realizar uma broncoscopia para avaliação de
uma possível obstrução de vias aéreas, proporcionada por corpo estranho ou tumor. As provas de função
pulmonar estão sempre indicadas.
A cessação do tabagismo é uma prioridade para todos, visto que o tabaco aumenta a suscetibilidade a
infecções respiratórias, enquanto que a vacinação de acordo com o cronograma nacional também faz parte do
esquema de manejo em pacientes suscetíveis.
Medidas de higiene brônquica fazem parte da terapêutica, incluindo fisioterapia respiratória, manutenção
de uma hidratação adequada e uso de mucolíticos, como a N-acetil-cisteína. Devido ao caráter inflamatório da
patologia, o uso de corticoides inalatórios mostra-se eficaz, especialmente nos pacientes que demonstram
broncoespasmo reversível com obstrução de vias aéreas, resultando em redução da tosse e expectoração, além
de melhorar as provas de função pulmonar.
As exacerbações são tratadas com antibioticoterapia, especialmente quinolonas respiratórias durante 7-14
dias, sendo que os principais germes envolvidos são o Haemophilus influenza, Pseudomonas aeruginosa e o
Streptococcus pneumoniae. A cultura e o Gram do escarro estão indicados nos casos graves, não responsivos ao
antibiótico inicial ou com episódios recorrentes. O uso de antibiótico profilático está indicado para pacientes
com exacerbações frequentes > 3-4 vezes/ano, sendo geralmente feita com um macrolídeo, ou azitromicina,
sendo que sua grande limitação é a resistência da Pseudomonas aeruginosa.
Nos pacientes com doença localizada e com controle sintomático ruim, a cirurgia com ressecção do segmento
acometido é uma opção. O transplante pulmonar pode ser indicado nos pacientes com doença difusa com falha
da terapia medicamentosa.
Heloisa Neneve Prohmann

NÓDULOS PULMONARES
Um nódulo pulmonar é definido como uma lesão pequena ≤ 30 mm e bem definida, completamente
envolvida por parênquima pulmonar, sendo classificados em nódulos sólidos e subsólidos, os quais são
subdivididos em nódulos de vidro fosco puro, ou seja, sem componente sólido, e nódulos parcialmente sólidos,
ou seja, vidro fosco e componentes sólidos concomitantes. Lesões que medem > 30 mm são consideradas
massas, possuindo uma maior probabilidade de serem malignas. As causas podem ser categorizadas como
malignas ou benignas.
• Etiologias malignas:
o Câncer de pulmão primário: o adenocarcinoma é o subtipo histológico que mais comumente
se apresenta como nódulo pulmonar, seguido por carcinoma de células escamosas e
carcinoma de células grandes. Tanto o adenocarcinoma quanto o carcinoma de células grandes
compartilham uma tendência a se originar como lesão periférica, enquanto o carcinoma
espinocelular se apresenta com mais frequência como lesão central. Em uma revisão, a maioria
dos nódulos malignos era adenocarcinoma (50%) e carcinoma espinocelular (20 a 25%).
o Câncer metastático: os cânceres mais comuns nas metástases pulmonares são melanoma
maligno, sarcoma e carcinomas do brônquio, cólon, mama, rim e testículo.
o Tumores carcinoides: embora os tumores carcinoides sejam tipicamente endobrônquicos,
aproximadamente 20% se apresentam como nódulo pulmonar periférico e bem circunscrito.

• Etiologias benignas:
o Infeccioso: granulomas infecciosos causam aproximadamente 80% dos nódulos benignos,
associados a fungos endêmicos, como histoplasmose e coccidioidomicose, e micobactérias
tuberculosas ou não tuberculosas. Classicamente aparecem como um nódulo bem demarcado
e totalmente calcificado ou calcificado centralmente. Menos comumente, a infecção por
bactérias formadoras de abscesso, como Staphylococcus aureus, pode se apresentar como um
nódulo pulmonar.
o Tumores benignos: os hamartomas pulmonares causam aproximadamente 10% dos nódulos
benignos encontrados no pulmão, geralmente se apresentam na meia idade e crescem
lentamente ao longo dos anos. A aparência classicamente descrita e patognomônica de um
hamartoma na radiografia de tórax é um nódulo com calcificação de ‘pipoca’, embora esse
padrão seja observado em menos de 10% dos casos. A TC de alta resolução da lesão é
particularmente útil porque pode demonstrar áreas focais de gordura ou calcificação alternada
com gordura, que são virtualmente diagnósticas de um hamartoma. Neoplasias benignas
menos comuns, como fibromas, leiomiomas, hemangiomas, amiloidoma e pneumocitoma não
têm características típicas na TC.
o Vascular: como nas malformações arteriovenosas pulmonares (PAVMs), sendo recomendado
evitar a biópsia. As causas mais raras de nódulos pulmonares incidentais de natureza vascular
incluem infartos pulmonares.
o Outros: granulomatose com poliangeíte ou granulomatose de Wegener, artrite reumatoide,
sarcoidose, amiloidose, linfonodos pulmonares e cisto broncogênico são causas incomuns de
nódulos benignos. O termo nódulos miliares refere-se a inúmeros pequenos nódulos
pulmonares de 1 a 4 mm espalhados por ambos os pulmões, sendo classicamente associado à
tuberculose, mas também causado por sarcoidose, silicose, histoplasmose e raramente
malignidade extratorácica.

A avaliação inicial deve usar características clínicas, características radiográficas e, ocasionalmente, modelos
quantitativos para determinar a probabilidade de malignidade. A probabilidade de malignidade determina o
Heloisa Neneve Prohmann

tratamento adicional, geralmente com tomografia computadorizada (TC) ou a biópsia. Normalmente, lesões >
30 mm são ressecadas porque apresentam uma probabilidade de malignidade tão alta que o benefício da
ressecção supera o risco associado de cirurgia. Em contraste, nódulos ≤ 8 mm, sem crescimento documentado,
são frequentemente seguidos com TC seriada porque essas lesões têm uma baixa probabilidade de
malignidade. No entanto, o risco de malignidade e as opções de diagnóstico são amplamente variáveis em
nódulos de 8 a 30 mm, assim, estimar a probabilidade pré-teste de malignidade nesse cenário facilitará a seleção
e interpretação dos testes diagnósticos subsequentes.
Os fatores preditores de câncer são idade avançada, sexo feminino, história familiar de câncer de pulmão,
história de tabagismo, exposição ao amianto, enfisema, tamanho maior de nódulos, localização do nódulo no
lobo superior, subtipo sólido, menor contagem de nódulos e espiculação.
Os exames de imagem utilizados para avaliar um nódulo pulmonar incidental incluem radiografia de tórax,
tomografia computadorizada de tórax sem contraste intravenoso e PET com fluorodeoxiglicose (FDG) marcada
com flúor 18 com tomografia computadorizada (PET/CT) de todo o corpo. A TC do tórax é a modalidade
preferida para avaliação inicial do risco de malignidade. O contraste intravenoso iodado é geralmente
desnecessário, mas às vezes é administrado quando há suspeita de malformação vascular ou infarto.
As características de um nódulo pulmonar incidental a ser avaliado na TC são:
• Tamanho: preditor independente de malignidade, uma vez que o risco de malignidade aumenta com o
tamanho crescente do nódulo.
• Atenuação: a atenuação do nódulo ou densidade permite classificar as lesões como sólidas ou subsólidas
(vidro fosco puro ou parcialmente sólido). Lesões sólidas são mais comuns, mas lesões parcialmente
sólidas têm maior probabilidade de serem malignas.
o Nódulos sólidos: geralmente são densos e homogêneos na imagem. Nódulos sólidos ≤ 8 mm
são menos propensos a serem malignos e são melhor caracterizados pela vigilância por
tomografia computadorizada. Em contraste, nódulos sólidos > 8 mm têm uma maior
probabilidade de malignidade, podem ser caracterizados de maneira mais confiável pela
imagem funcional (isto é, PET) e têm maior probabilidade de serem diagnosticados com
sucesso por biópsia.
o Nódulos subsólidos: têm menos do que atenuação dos tecidos moles. Geralmente são menos
propensos a imagens funcionais e biópsia. A incidência de nódulos subsólidos está
aumentando, provavelmente devido ao aumento da incidência de adenocarcinoma em todo o
mundo e ao crescente uso da TC.
• Crescimento: para nódulos sólidos, o crescimento é definido como um aumento no tamanho de > 2 mm,
enquanto que para nódulos subsólidos, o crescimento também pode ser identificado como uma
atenuação aumentada ou um aumento no tamanho ou desenvolvimento de um componente sólido. A
avaliação confiável do crescimento de nódulos requer TC de tórax adquirida como imagens de corte de
1 mm contíguas para avaliação de nódulos pulmonares. É provável que um nódulo que tenha aumentado
de tamanho por um curto período de tempo (< 20 dias) ou seja estável por um período prolongado na TC
(> 2 anos) seja benigno. Esses dados se aplicam amplamente a nódulos sólidos. Lesões puramente em
vidro fosco podem ser menos prontamente detectadas como ativamente crescentes pela TC, e o
acompanhamento por cinco anos para determinar a estabilidade provavelmente se justifica nessa
população.
• Calcificação e gordura: existem quatro padrões benignos de calcificação, que são centrais, difusos,
lamelados e "pipoca". Central, difusa e lamelada são tipicamente vistas com infecção anterior,
particularmente histoplasmose ou tuberculose. A calcificação da pipoca é característica da calcificação
em hamartoma. No entanto, os cânceres de pulmão, tumores carcinoides pulmonares típicos e atípicos
Heloisa Neneve Prohmann

podem se calcificar. Metástases de condrossarcoma ou osteossarcomas, em pacientes com diagnóstico


desses cânceres podem demonstrar nódulos calcificados que se assemelham a granulomas benignos.
Padrões indeterminados de calcificação, como pontilhado, excêntrico e amorfo) são inespecíficos e não
são úteis para o diagnóstico. A presença de gordura dentro de um nódulo com borda lisa é um indicador
confiável de um hamartoma pulmonar.
• Borda e localização: normalmente, os nódulos benignos têm uma borda lisa e bem definida, enquanto as
lesões malignas têm uma borda espiculada ou lobular. Embora a maioria das lesões com margem
espiculada, também descrita como sinal da coroa radiata, seja maligna, isso também pode ser observado
com lesões benignas. Por outro lado, uma margem suave não exclui malignidade com muitas metástases
pulmonares, e até 20% dos cânceres de pulmão têm margens suaves. Embora nódulos malignos possam
ser encontrados em qualquer lobo do pulmão, aqueles que estão localizados no lobo superior têm uma
probabilidade maior de serem malignos.
Nódulos pulmonares podem ser detectados incidentalmente em exames de PET ou, às vezes, o PET é usado
para avaliar nódulos pulmonares detectados em outras modalidades:
• Lesões sólidas: nódulos sólidos medindo > 8 mm que não são ávidos por FDG provavelmente são
benignos
• Lesões subsólidas: não são caracterizados de maneira confiável com o PET. Achados falso-positivos
ocorrem em condições infecciosas e inflamatórias, em particular pneumonia, doença micobacteriana,
nódulos reumatoides e sarcoidose. Resultados falso-negativos podem ocorrer com tumores menos
metabolicamente ativos (adenocarcinoma in situ, adenocarcinoma minimamente invasivo,
adenocarcinoma mucinoso e tumores carcinoides) e em pacientes com hiperglicemia não controlada
(altos níveis séricos de glicose retardam a captação de FDG).

• Abordagem
o Nódulo crescente: avaliado patologicamente
o Nódulo estável: é provável que um nódulo sólido que seja estável por ≥ 24 meses e um nódulo
subsólido que seja estável por ≥ 5 anos sejam benignos, e outras análises possam ser evitadas
o Tamanho e atenuação do nódulo: nódulos sólidos solitários > 8 mm devem ser avaliados ainda
mais para suspeita de câncer com vigilância por TC em 3 meses se a suspeita de câncer for baixa,
FDG PET / CT se a suspeita for intermediária, e biópsia ou excisão se a suspeita for alta. Não é
necessário acompanhamento para nódulos solitários sólidos ou subsólidos com tamanho < 6
mm. Nódulos sólidos solitários medindo <= 8 mm e nódulos subsolitários solitários com
componentes sólidos medindo <= 8 mm não podem ser avaliados com confiabilidade com FDG
PET / CT ou biópsia por agulha; nódulos de 6 a 8 mm devem ser seguidos com imagens seriais
ou, se a caracterização patológica for desejada, com ressecção cirúrgica. É mais provável que
múltiplos nódulos representem um processo infeccioso ou inflamatório e, em geral,
apresentam menor risco de câncer do que nódulos solitários.
o Nódulo em vidro fosco (subsólido): determinada pelo tamanho, sendo que nódulos < 6 mm, não
é necessário acompanhamento adicional. Um nódulo ≥ 6 mm, a TC deve ser realizada de 6 a
12 meses. Se o tamanho persistir, mas inalterado, a TC de vigilância deve ser realizada a cada 2
anos por 5 anos para confirmar que é benigna. Se o nódulo resolver, não é necessário nenhum
acompanhamento adicional. Se o nódulo crescer ou desenvolver um componente sólido, o
diagnóstico tecidual deve ser procurado. Essa abordagem é baseada na observação de que
muitos nódulos em vidro fosco se resolverão espontaneamente e presume-se que sejam
infecciosos ou inflamatórios.
Heloisa Neneve Prohmann

A biópsia não-cirúrgica pode ser realizada por amostragem do nódulo pelas vias aéreas (técnicas
broncoscópicas) ou pela parede torácica (biópsia por agulha transtorácica). A biópsia não cirúrgica é preferida
em pacientes que apresentam nódulos de risco intermediário (5 a 65%) por malignidade ou em pacientes de
alto risco (> 65%) que não são candidatos à cirurgia.
A biópsia excisional cirúrgica é o padrão-ouro para o diagnóstico de um nódulo pulmonar e pode ser curativa
para algumas neoplasias. Para pacientes candidatos à cirurgia, uma ressecção diagnóstica em cunha por cirurgia
torácica videoassistida (VATS) é o procedimento preferido para nódulos pulmonares de alto risco (> 65%) ou
risco intermediário de malignidade quando a biópsia não cirúrgica é não diagnóstica ou suspeita de
malignidade. O VATS é melhor utilizado para nódulos pulmonares localizados próximos à superfície pleural.
O diagnóstico é tipicamente estabelecido no intraoperatório. Quando o diagnóstico é consistente com
carcinoma de células não pequenas (CPNPC), a cirurgia é preferencialmente convertida em lobectomia VATS
(ou segmentectomia quando a preservação da função pulmonar é importante) com amostragem de nós
mediastinais, que é o tratamento ideal para o CPNPC em estágio inicial. A vantagem dessa abordagem é que,
para nódulos malignos, o diagnóstico, estadiamento e terapia são realizados em um único procedimento
operatório. No entanto, a patologia da seção congelada é menos confiável para lesões <1,1 cm e para
patologias específicas, incluindo adenocarcinoma de baixo grau ou pré-canceroso (por exemplo,
adenocarcinoma minimamente invasivo, adenocarcinoma in situ, hiperplasia adenomatosa atípica) e
carcinoide.
Heloisa Neneve Prohmann

PNEUMOCONIOSE
As pneumopatias relacionadas à inalação de poeiras em ambientes de trabalho são genericamente
designadas como pneumoconiose, sendo excluídas dessa denominação as alterações neoplásicas, as reações
de vias aéreas, como asma e a bronquite, e o enfisema. Para que ocorra é necessário que o material particulado
seja inalado e atinja as vias respiratórias inferiores, se depositando e dando início ao processo inflamatório
que, se perpetuado pela inalação crônica e/ou em quantidade que supera as defesas, pode levar à instalação
das alterações pulmonares. As pneumoconioses são doenças de notificação compulsória, independentemente
de seu vínculo de trabalho. São divididas em não fibrogênicas e fibrogênicas.
As pneumoconiose não fibrogênicas se caracterizam por quase não causar disfunção respiratória, sendo
que, quando presente, a dispneia aos esforços é a principal manifestação, e apresentar evolução clínica
benigna, quando comparada às pneumoconioses fibrogênicas. O padrão de alteração radiológica apresenta
opacidades micronodulares ou reticulonodulares difusas, devido à presença do metal/mineral depositado no
interstício. As ocupações de risco são soldadores, trabalhadores expostos a carvão vegetal, mineração e
ensacamento de bário e estanho. Normalmente, ocorrem após exposições ocupacionais de longa duração.
Geralmente, o diagnóstico é incidental ou por um achado de exame periódico. Os diagnósticos diferenciais são
tuberculose miliar, sarcoidose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
As pneumoconioses fibrogênicas são as reações pulmonares à inalação de material particulado que leva à
fibrose intersticial do parênquima pulmonar. Subdividida em:
• Silicose crônica: causada pela inalação de sílica livre cristalina que se manifesta após longo período de
exposição > 10 anos, caracterizada por fibrose progressiva do parênquima pulmonar. As ocupações de
risco incluem indústria extrativa mineral, indústrias cerâmicas, vidro, marmorarias e cosméticos,
protéticos e artistas plásticos. Caracteriza-se por uma reação colágena focal organizada em nódulos de
deposição concêntrica de fibra colágenas associadas à presença de corpos birrefringentes à luz
polarizada. Não costuma causar sintomas nas fases iniciais e até mesmo moderadas, entretanto, quando
presentes, a dispneia aos esforços é o principal. Expressa-se radiologicamente por meio de opacidades
nodulares que se iniciam nas zonas superiores. Os diagnósticos diferenciais são tuberculose miliar,
sarcoidose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
• Silicose acelerada ou subaguda: decorre da exposição ocupacional a poeiras respiráveis com elevada
concentração de sílica cristalina, manifestando-se entre 5-10 anos do início da exposição. Caracteriza-se
por apresentar nódulos silicóticos e, frequentemente, áreas com lesões focais de silicose aguda. Sintomas
respiratórios estão presentes, particularmente a dispneia aos esforços e tosse. As alterações radiológicas
possuem progressão rápida e associa-se a um risco aumentado de comorbidades, notadamente a
tuberculose e doenças autoimunes. Tem como diagnóstico diferencial a tuberculose miliar, sarcoidose,
paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
• Silicose aguda: corresponde a uma forma rara, secundário à exposição a grandes quantidades de poeiras de
sílica recém-fraturadas, caracterizada por um dano alveolar difuso e exsudação de material eosinofílico
proteináceo. Habitualmente se manifesta após meses ou poucos anos de exposição. Os diagnósticos
diferenciais incluem proteinose alveolar pulmonar, síndrome do desconforto respiratório do adulto e
edema pulmonar.
• Asbestose: caracteriza-se pela fibrose intersticial difusa, associada a dispneia aos esforços e tosse seca
que pode evoluir para dispneia ao repouso, hipoxemia e cor pulmonale. As alterações radiológicas
caracterizam-se pela presença de opacidades irregulares, predominando nos campos inferiores e, com
frequência, placas pleurais associadas. A exposição ao asbesto associa-se também à limitação crônica ao
fluxo aéreo, câncer de pulmão e mesotelioma de pleura e peritônio. As ocupações de risco incluem
trabalhadores em mineração e transformação de asbesto, como na fabricação de produtos de cimento-
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amianto. Os diagnósticos diferenciais incluem enfisema pulmonar, pneumonia intersticial, colagenoses,


linfangite carcinomatosa.
• Doença pleural pelo asbesto: caracteriza-se pela fibrose da pleura parietal e/ou visceral consequente à
exposição a poeiras com fibras de asbesto. As alterações pleurais relacionadas ao asbesto podem se
apresentar como espessamentos pleurais circunscritos (placas pleurais) ou difusos, com ou sem
calcificações derrame pleural, atelectasia redonda e por estrias fibrosas pleuroparenquimatosas. As
placas pleurais costumam ser assintomáticas, entretanto, o espessamento pleural difuso, quando
moderado ou extenso cursa com sintomas de restrição funcional e dispneia aos esforços. O derrame
pleural pode ser assintomático ou apresentar sintomas de dor torácica, febre, dispneia aos esforços.
Têm como principais diagnósticos diferenciais a gordura subpleural, as sombras musculares e fraturas
de costela, sequela de tuberculose pleural, cirurgia, trauma torácico ou reação a drogas. No diagnóstico
diferencial do derrame pleural é importante lembrar a tuberculose pleural e derrames neoplásico.
• Pneumoconiose dos trabalhadores de carvão: caracteriza-se por formação de máculas pigmentadas
peribronquiolares e perivasculares com depósitos de reticulina, associada à presença de corpos
birrefringentes à luz polarizada. Não costuma causar sintomas nas fases iniciais e intermediárias da
doença. Ocasionalmente, os trabalhadores acometidos desenvolvem fibrose maciça progressiva. As
ocupações de risco são mineiros, detonadores, transporte e armazenamento de carvão mineral em locais
confinado. Os diagnósticos diferenciais são tuberculose miliar, sarcoidose, paracoccidioidomicose,
histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
• Pneumoconiose por poeira mista: caracteriza-se por reação colágena focal organizada em nódulos
estrelados e fibrose intersticial difusas associadas à presença de corpos birrefringentes à luz
polarizada. Normalmente ocorrem após exposições ocupacionais de longa duração. As ocupações de
risco são trabalhadores em mineração e transformação de silicatos, como mineração, moagem e
utilização de mica e feldspato. Os diagnósticos diferenciais são tuberculose miliar, sarcoidose,
paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
• Pneumoconiose por abrasivos: define-se como a pneumoconiose causada pela exposição inalatória a
poeiras de abrasivos, como alumina ou corindo e o carbeto de silício ou carborundum (SiC). Apresenta
características similares às da pneumoconiose por poeira mista. As ocupações de risco são trabalhadores
na produção de abrasivos, em operações de acabamento em fundições, metalúrgicas em geral, afiação
de ferramentas e moagem de sucatas de rebolos. Os diagnósticos diferenciais são tuberculose miliar,
sarcoidose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras micoses e bronquiolites difusas.
• Pneumoconiose por metais duros: causada pela exposição a poeiras metálicas provenientes de ligas
compostas por tungstênio e outros metais duros, como titânio, tântalo, nióbio e vanádio, associados ao
cobalto na propriedade de ligante. As ocupações de risco são trabalhadores na produção de ferramentas
e peças de metais duros e próteses dentárias. Caracteriza-se por uma pneumonia intersticial descamativa
com células gigantes. Cursa com sintomas de fadiga, dispneia precoce, tosse seca, dor, constrição torácica
e outros sintomas constitucionais. Com a progressão da doença, podem aparecer febre e perda de peso.
Em geral, os sintomas surgem após um período de ‘sensibilização’ variável de meses a anos. Os
diagnósticos diferenciais são enfisema pulmonar, pneumonia intersticial usual e asbestose.
De maneira geral, o diagnóstico das pneumoconioses é feito pela história (ocupacional e clínica) associada
a exames de imagem. Ocasionalmente, exauridos os métodos diagnósticos não invasivos, a biópsia pulmonar
poderá ser indicada, ou então nas seguintes situações: (1) alteração radiológica compatível com exposição,
mas com história ocupacional não característica ou ausente, (2) história de exposição a poeiras ou outros
agentes desconhecidos (3) tempo de exposição insuficiente para causar as alterações observadas, e (4) aspecto
Heloisa Neneve Prohmann

radiológico discordante do tipo de exposição referida. As provas de função pulmonar são indispensáveis na
investigação das doenças ocupacionais respiratórias que afetam as vias aéreas, assim como no
estabelecimento de incapacidade em pacientes com pneumoconiose. Em contraste com a asma ocupacional,
as provas funcionais não têm aplicação no diagnóstico das pneumoconioses.
Para todas as pneumoconioses existe indicação obrigatória de afastamento da exposição que a causou. O
tratamento medicamentoso está indicado somente nas pneumoconioses com patogenia relacionada à resposta
de hipersensibilidade, como a pneumopatia pelo cobalto, a pneumopatia pelo berílio e as pneumonites por
hipersensibilidade. Nestes casos, além do afastamento obrigatório e definitivo da exposição, a corticoterapia
prolongada está indicada. Nos casos de pneumoconioses não fibrogênicas, o afastamento pode produzir
eventualmente uma redução da intensidade das opacidades radiográficas. Um percentual variável de pacientes
com pneumoconioses fibrogênica pode evoluir para insuficiência respiratória crônica.
Diversas são as medidas que podem levar ao controle de situações de risco inalatório na geração e
disseminação de aerossóis, como umidificação do ambiente com lavagem constante do piso, aspersão de
névoas de água nos pontos de produção de poeira, exaustão localizada, instalada contra o fluxo inalatório do
trabalhador em seu posto de trabalho, proteção respiratória individual, especialmente em operações em que
as medidas de proteção respiratória coletivas são insuficiente para o controle de exposição inalatória, e lavagem
de roupas contaminadas contendo poeira feita pela empresa para evitar o risco de contaminação de seus
familiares. A aplicação de rotinas padronizadas, como o questionário de sintomas respiratórios, exame físico,
radiogramas e espirometria periódicos, visam identificar estes casos.
ASMA
É uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e por
limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, a qual afeta, em média 7-
10% da população, discretamente mais frequente em crianças do sexo masculino e mulheres adultas. O principal
fator de risco é a atopia, caracterizada pela formação de anticorpos IgE contra antígenos comuns no meio
ambiente, sendo comum a coexistência das demais manifestações atópicas, como rinite alérgica e dermatite.
Outros fatores de risco são: (1) tabagismo, passivo ou ativo, (2) predisposição genética, relacionado ao gene
ADAM33, responsável pelo remodelamento de vias aéreas, (3) vida urbana, apresentando maior suscetibilidade
ao contato com alérgenos domiciliares, além dos poluentes atmosféricos, e (4) baixos níveis de infecção durante
a infância, caracterizada como a ‘hipótese da higiene’, uma vez que infecções na infância são consideradas como
fator protetor contra a asma, visto que estimulam a predominância de linfócitos Th1 em detrimento dos
linfócitos Th2.
O fenômeno fisiopatológico básico em todos os pacientes asmáticos, sintomáticos ou não, é a inflamação
crônica das vias aéreas inferiores, entretanto, poupando os alvéolos. Esta inflamação é a causa da hiper-
reatividade brônquica, portanto, estímulos como infecções, contato com alérgenos, mudanças climáticas,
exercício físico, agentes químicos, fármacos ou estresse emocional podem desencadear um quadro de obstrução
aguda das vias aéreas inferiores, ou broncoespasmo, associado a edema da mucosa e formação de tampões de
muco. Devido a inflamação crônica, caso não for instituído o tratamento anti-inflamatório, ocorrerão mudanças
estruturais potencialmente irreversíveis, denominadas de remodelamento brônquico, como desnudamento
epitelial, espessamento da membrana basal, hipertrofia e hiperplasia das glândulas submucosas e da camada
muscular.
A gênese da asma envolve um desequilíbrio imunológico relacionado à diferenciação dos linfócitos T-helper,
subdivididos em Th1 e Th2. Os primeiros participam da resposta protetora contra agentes infecciosos, enquanto
os Th2 promovem um tipo especial de inflamação, chamado de inflamação alérgica, ou seja, nos pacientes
asmáticos há o predomínio do subtipo Th2, os quais estimulam a proliferação de mastócitos, produção de IgE e
recrutamento de eosinófilos à mucosa respiratória. Diversas substâncias são liberadas na via aérea durante o
processo asmático, sendo divididas em 3 grupos: (1) mediadores pró-inflamatórios, como histamina, bradicinina,
prostaglandinas, leucotrienos e PAF, os quais promovem vasodilatação e edema da mucosa, além de
broncoconstrição, (2) fatores quimiotáticos para eosinófilos, neutrófilos e macrófagos, como leucotrieno B4,
eotaxina e RANTES, e (3) citocinas, como IL-3, IL-4 e IL-5.
Classifica-se etiologicamente a asma em:
• Asma extrínseca alérgica: responsável por 70% dos casos em indivíduos < 30 anos e 50% em pacientes
> 30 anos, sendo que no subgrupo infantil corresponde a 90% dos casos. O fenômeno alérgico
(hipersensibilidade tipo I, ou hipersensibilidade IgE-mediada) é o principal mecanismo etiopatogênico,
geralmente desencadeado por aeroalérgenos, como (1) ácaros, os quais vivem em tapetes, camas, sofás,
almofadas, estofados, colchões e travesseiros, alimentando-se de escamas e fungos da pele humana,
correspondendo a elemento comum da poeira doméstica, (2) fezes de barata, sendo que asmáticos
sensíveis a alérgenos de baratas costumam apresentar asma mais grave e refratária, (3) saliva e
descamação de cães e gatos, sendo que os alérgenos destes animais permanecem em suspensão no ar
por até 20 dias, mesmo após retirada do animal do ambiente, (4) fungos, e (5) grãos de pólen.
• Asma extrínseca não alérgica: envolve uma irritação direta da mucosa brônquica por substâncias
tóxicas. A asma ocupacional é causada pelo contato com agentes presentes apenas no ambiente de
trabalho, responsável por 10% dos casos de asma em adultos. Caracteristicamente, os sintomas
aparecem somente nos dias de trabalho, melhorando nos finais de semana e feriados. Os agentes
orgânicos geralmente apresentam componente alérgico, associado a um período de latência entre a
exposição e os sintomas, enquanto que as substâncias químicas são majoritariamente irritantes.
• Asma criptogênica (‘intrínseca’): corresponde a 10% dos casos, caracterizada pela resposta negativa a
todos os testes cutâneos e níveis de IgE normais, comumente comum quando a doença aparece na idade
adulta.
• Asma induzida por aspirina: corresponde a 2-3% dos casos de asma em adultos, apresentando como
marco clínico a associação da asma com rinite e pólipos nasais. Assume-se que com a inibição da COX-1
pela aspirina, o ácido araquidônico passa a ser preferencialmente metabolizado pela lipoxigenase,
resultando em excesso de leucotrienos, mediadores importantes na resposta inflamatória da asma.
A asma é uma doença episódica, marcada por períodos de exacerbação, correspondendo a própria crise
asmática, e remissão. Na expiração, a pressão intratorácica elevada agrava o estreitamento das vias aéreas mais
distais, impedindo a saída de parte do ar que foi inspirado, resultando em aumento do volume residual e da
capacidade residual funcional, em função do ‘aprisionamento de ar’. A maioria dos pacientes (> 60%) possui
asma ‘persistente’, permanecendo com obstrução das vias aéreas no período intercrítico, enquanto que o
restante, ou asma ‘intermitente’, não apresenta obstrução nesse intervalo.
Devido à taquipneia e hiperventilação, a eliminação de CO2 aumenta, provocando hipocapnia e alcalose
respiratória. Nos casos mais graves é comum a presença de hipoxemia, além de exigir uma carga muito grande
sobre a musculatura respiratória, culminando em fadiga respiratória e insuficiência ventilatória aguda,
ocorrendo em 10% das crises asmática, correspondendo ao principal mecanismo de óbito na ‘asma fatal’.
Clinicamente, se manifesta através de sua tríade clássica, caracterizada por dispneia, tosse seca ou mucoide
e sibilância, especialmente no período noturno ou nas primeiras horas da manhã. Eventualmente há relatos de
desconforto torácico ou aperto no peito. Como já citado acima, geralmente os sintomas são desencadeados por
exposição a alérgenos, infecção viral respiratória, mudança climática, fumos, exercício físico, fármacos e estresse
emocional. A tosse está relacionada à hiper-reatividade das vias aéreas mais proximais, ricas em receptores da
tosse. Na crise grave o paciente pode assumir a posição de tripé, ou seja, posição sentada com os braços
estendidos suportando o tórax, a fim de melhorar a mecânica da musculatura acessória.
Na crise asmática há taquipneia, com tempo expiratório prolongado, o que caracteriza a dispneia por
obstrução de vias aéreas. Nos casos mais graves, observa-se sinais de esforço ventilatório, nitidamente maior
na fase expiratória, como tiragem intercostal, tiragem supraclavicular e batimento de asas de nariz. A ausculta
pulmonar revela sibilos, entretanto, na crise muito grave pode não ter a presença de sibilos, geralmente
associado a redução generalizada do murmúrio vesicular. Roncos podem ser auscultados, especialmente
quando as vias aéreas estão cheias de muco.
Os exames laboratoriais fora da crise podem mostrar eosinofilia e aumento da IgE sérica. A radiografia de
tórax pode ser solicitada, visando basicamente afastar complicações, entretanto, no asmático moderado a grave
pode haver sinais de hiperinsuflação pulmonar.
A prova de função pulmonar é fundamental, não só para confirmar o diagnóstico, mas também para
estratificar a gravidade. Os principais parâmetros analisados na espirometria são: (1) VEF1, ou volume
expiratório forçado no 1º segundo, caracteristicamente reduzido na crise asmática e frequentemente no
período intercrítico, sendo seu aumento após prova broncodilatadora um dos critérios diagnóstico, além disso,
utiliza-se para quantificar a gravidade da doença em leve quando VEF1 > 80%, moderada VEF1 entre 60-80% e
grave VEF1 < 60%, (2) PFE, ou pico de fluxo expiratório, (3) CVF, ou capacidade vital forçada, caracteristicamente
reduzida nos pacientes asmáticos devido ao aprisionamento de ar nos pulmões, secundário a obstrução
significativa das vias aéreas, (4) VEF1/CVF, ou índice de Tiffenau, o qual realiza-se a distinção de padrões
restritivos, quando não há alteração do índice devido a quedas proporcionais de ambos os parâmetros, e
padrões obstrutivos, quando o VEF1 apresenta redução mais significativa em relação ao CVF, apresentando na
asma, por definição, valores < 75%, e (5) FEF 25-75%, ou fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% do ar expirado,
correspondendo ao ar das vias aéreas mais distais, as quais são as mais acometidas nesta doença, portanto,
apresenta-se bastante reduzido, além disso, corresponde a um teste sensível, visto que é o primeiro que se
altera e o último a normalizar.
O critério diagnóstico principal é a prova broncodilatadora positiva, ou seja, VEF1 ≥ 200 mL e ≥ 12% do valor
pré-broncodilatação ou ≥ 200 mL e ≥ 7% do valor previsto. Na presença de VEF1 normal no período intercrítico,
pode-se recorrer ao teste provocativo, no qual uma queda ≥ 20% no VEF1 corresponde a um teste positivo,
denotando hiperresponsividade brônquica. Os principais diagnósticos diferenciais são IC, TEP, corpo estranho e
esofagite de refluxo.
Classificação da asma quanto à gravidade
Gravidade Sintomas Espirometria
Terapêutica
Diurnos Noturnos Exacerbações VEF1 ou PFE
β2-agonista de curta ação de
Intermitente ≤ 2x/semana ≤ 2x/mês Raros ≥ 80%
alívio
β2-agonista de curta ação de
Persistente > 2x/semana, mas Afeta atividades
3-4x/mês ≥ 80% alívio + corticoide inalatório em
leve não diário diárias
dose baixa
β2-agonista de curta ação de
Persistente > 1x/semana, mas Afeta atividades
Diários 60-80% alívio + corticoide inalatório +
moderada não diário diárias
β2 agonista de longa ação
β2-agonista de curta ação de
Persistente Contínuos, muitas alívio + corticoide inalatório em
Quase diários Frequentes ≤ 60%
grave vezes no dia altas doses + β2 agonista de
longa ação + corticoide oral

 A classificação quanto à gravidade sempre foi motivo de controvérsia, visto que não consegue distinguir pacientes inicialmente
classificados como ‘persistente grave’ com diferentes respostas ao tratamento.
 Atualmente, a recomendação é classificar os pacientes de acordo com o nível de controle

Avaliação do nível de controle nas últimas 4 semanas


Asma parcialmente
Asma controlada (‘todos
Parâmetros controlada (‘um ou Asma não controlada
abaixo’
dois abaixo)
Sintomas diurnos Nenhum ou ≤ 2x/semana ≥ 3x/semana
Limitação de atividades Nenhuma Qualquer
Sintomas e/ou
Nenhum Qualquer
despertares noturnos ≥ 3 dos parâmetros de asma parcialmente
Necessidade de controlada
Nenhuma ou ≤ 2x/semana ≥ 3x/semana
medicação de alívio
< 80% do previsto ou
VEF1 Normal
do melhor prévio
Avaliação dos riscos futuros
Fatores de risco: mau controle clínico, exacerbações frequentes no último ano, internação prévia em UTI, baixo VEF1, tabagismo
ativo/passivo, necessidade de altas doses de medicação.

Os fatores que influenciam a resposta ao tratamento da asma incluem: diagnóstico incorreto, falta de adesão
ao tratamento, correspondendo a principal causa de falta de controle clínico, uso de drogas que podem diminuir
a resposta ao tratamento, como aspirina, anti-inflamatórios não esteroidais e β-bloqueadores, exposição
domiciliar, como a poeira ou fumaça, exposição ocupacional, tabagismo, e outras comorbidades, como DRGE,
obesidade, rinossinusite crônica, polipose nasal, DPOC, aspergilose broncopulmonar alérgica, bronquiectasias,
dentre outras.

Abordagem terapêutica da crise asmática:


• β2-agonistas de curta ação (SABA): corresponde a primeira escolha no tratamento da crise, atuando
nos receptores β2 da musculatura lisa brônquica, levando à broncodilatação de início imediato, além
disso, agem também, em menor grau, inibindo o edema e a formação de muco, durante cerca de 3-6
horas. Como existem receptores β2 em outras células, os efeitos colaterais, como taquicardia e tremor
muscular, são comuns, principalmente se a administração for oral ou parenteral, portanto, prefere-se a
via inalatória, existindo 3 estratégias para a administração, (1) nebulização (NBZ), na qual algumas gotas
do fármacos são adicionadas a 3-5 mL de SF, sendo então administração com uma máscara ligada à
fonte de oxigênio, (2) jato de aerossol com dose fixa ou dosimetrada (MDI), caracterizada por expelir
jatos contendo doses fixas do fármaco, quando o paciente faz uma inspiração súbita e profunda,
prendendo o ar por 5 a 10 segundos posteriormente, sendo que para otimizar a inalação torna-se
necessária uma câmara espaçadora, entretanto, este tipo de dispositivo exige uma coordenação mínima
entre o ato do disparo e a inalação, e (3) inalação de pó seco (DPI) ou turbohaler, iniciado pela inspiração
do paciente, desencadeando então a formação do aerossol, que então é inalado, sendo mais confiável
do que os 2 primeiros.

 Salbutamol (Aerolin ) → 10-20 gotas NBZ (dose 2,5-5 mg) ou 5-8 puffs MDI (puff 100 μg)
 Fenoterol (Berotec ) → 10-20 gotas NBZ (dose 2,5-5 mg) ou 5-8 puffs MDI (puff 100 μg)
 Terbutalina (Bricanyl ) → 10 gotas NBZ (dose 5 mg), 1 puff MDI (puff 500 μg) ou 1 dose DPI (dose 500 μg)

• Anticolinérgico: o brometo de ipratrópio é um fármaco ministrado por via inalatória com propriedades
broncodilatadores, apresentando menor eficácia e 30-60 minutos para início de sua ação, entretanto,
podem ser associadas aos β2-agonistas para efeito aditivo. É o fármaco de escolha para tratar a crise
precipitada por β-bloqueadores.

 Brometo de ipratrópio (Atrovent ) → 20 gotas NBZ (dose 250 μg) ou 3 puffs MDI (puff 20 μg)

• Corticoides sistêmicos: a prednisona VO 1-2 mg/kg/dia, dose máxima 60 mg, tem mostrado excelente
ação no tratamento agudo da asma, com eficácia equivalente a dos corticoides venosos, como
metilprednisolona, mesmo nas crises graves, sendo a droga de escolha, mantidos por 7-10 dias, não
havendo necessidade de suspensão paulatina. O efeito, no entanto, demora entre 4-6 horas para
começar.
Classificação da crise asmática
Dados Leve/moderada Grave Muito grave
Estado mental Normal Normal ou agitação moderada Agitação, confusão ou sonolência*
Fala Frases completas Frases incompletas Palavras
FR < 30 > 30 < 10 ou > 30
FC ≤ 110 > 110 < 40 ou > 140
Uso da musculatura Retrações leves ou
Retrações importantes Retrações importantes
acessória ausentes
Sibilos ausentes ou
Sibilos presentes localizados ou Sibilos ausentes, com MV reduzido
Ausculta pulmonar presentes, com MV
difusos, com MV normal ou abolido
normal
Aspecto geral Sem alterações Sem alterações Cianose, sudorese e exaustão
SatO2 > 95% 91-95% ≤ 90%

A terapia de manutenção comprovadamente influi de forma positiva na história natural da doença, evitando
o remodelamento brônquico e a evolução para perda irreversível da função pulmonar. Objetiva-se manter a
asma sob controle com a menor dose de medicação possível, de modo a reduzir também os riscos futuros,
entretanto, caso o paciente não tiver sua asma controlada com determinada etapa (citada abaixo), deve-se
progredir para a etapa subsequente após se certificar de que o paciente adere corretamente à prescrição.
Antigamente, a terapia de manutenção utilizada β2-agonistas de curta ação, entretanto, sabe-se que, além
de ineficaz, esta conduta pode ser prejudicial e aumentar a mortalidade, uma vez que leva ao down-regulation
dos receptores β2, reduz a ação dos corticoides e se associa a efeitos cardiológicos importantes.

• Corticoides inalatórios: são as drogas de escolha no tratamento de manutenção. Em doses baixas ou


moderadas, os únicos efeitos adversos relatados são locais, como candidíase oral, prevenida pelo uso
do espaçador e lavagem bucal, e disfonia. Após a obtenção e manutenção do controle da asma por um
tempo prolongado > 3 meses, a dose do CI pode ser reduzida para uma dose mínima.
 Beclometasona (Clenil ) → puff 50 μg ou 250 μg; dose baixa 2-5 puffs de 50 μg de 12/12 horas (200-500
μg/dia), dose média 5-8 puffs de 50 μg de 12/12 horas (500-800 μg/dia), dose alta 2 puffs ou mais de 250
μg de 12/12 horas (> 800 μg/dia)
 Fluticasona (Flixotide ) → puff 250 μg; dose baixa 1 puff de 12/12 horas, dose média 2 puffs de 12/12
horas, dose alta 3 puffs ou mais de 12/12 horas
 Budesonida → puff 200 μg; dose baixa 1 puff de 12/12 horas, dose média 2 puffs de 12/12 horas, dose alta
3 puffs ou mais de 12/12 horas

• β2-agonistas de ação prolongada (LABA)

 Salmeterol (Serevent ) → puff 25 μg; dose 2 puffs de 12/12 horas


 Formoterol (Fluir ) → puff 12 μg; dose 1 puff de 12/12 horas

• β2-agonistas orais de liberação lenta:

 Terbutalina (Bricanyl ) → 5 mg/comprimido; dose 5 mg VO de 12/12 horas

• Xantinas: o mecanismo de ação envolve inibição da fosfodiesterase, enzima que degrada o AMP-cíclico
intracelular. Como o AMPc promove relaxamento da musculatura lisa e contração da musculatura
estriada, haveria broncodilatação, além de aumento na contratilidade da musculatura respiratória. Além
disso, antagonizam também a adenosina, considerada um broncoconstritor endógeno. Entretanto,
todos esses efeitos são discretos, sendo que, atualmente, considera-se que o principal efeito
antiasmático seja sua ação imunomoduladora.

 Teofilina (Bricanyl ) → 100 mg/15 mL; dose 15 mL de 8/8 horas


 Teofilina de liberação lenta → 200 mg/cápsula; dose 200 mg de 12/12 horas

• Estabilizadores de membrana de mastócito: são terapias alternativas, principalmente na asma induzida


por exercício. Sua grande limitação é a meia-vida curta, devendo ser administrados de 6/6 horas.

 Cromoglicato sódico (Maxicron ) → puff 5 mg; dose 2 puffs de 6/6 horas

• Antagonistas dos leucotrienos: os leucotrienos têm papel fundamental na patogênese da asma, como
efeito broncoconstritor, dano microvascular e inflamação eosinofílica. Esta classe é aprovada para o
tratamento da asma como medicação substituta aos β2-agonistas de longa duração e como droga
adicional ao uso de corticoides inalatórios e agonistas β2 em asmas mal controladas, além disso,
também podem ser usados como monoterapia, especialmente em casos de asma induzida por aspirina.

 Montelucaste (Singulair ) → 10 mg/comprimido; dose 10 mg 1x/dia

• Corticoides sistêmicos: acabam sendo ministrados em pacientes com asma grave ou refratária,
especialmente prednisona ou prednisolona.
• Anticorpos monoclonais: o omalizumabe SC (Xolair ) é um anticorpo monoclonal que neutraliza as IgE
circulantes, usado em pacientes > 12 anos com asma alérgica de difícil controle. Seu custo é elevado, e
só está indicado na vigência de altos níveis de IgE e história marcante de alergia.
• Imunoterapia: baseia-se na dessensibilização do paciente alérgico a um determinado alérgeno
específico, indicada principalmente na asma que não responde adequadamente à terapia farmacológica
e ao controle ambiental.
DPOC
É definida como uma síndrome caracterizada pela obstrução crônica e difusa das vias aéreas inferiores, de
caráter irreversível, com destruição progressiva do parênquima pulmonar, sendo incluído pacientes com
bronquite obstrutiva crônica e/ou com enfisema pulmonar, ambos relacionados à exposição à fumaça do
tabaco. Sua prevalência vem aumentando nas últimas décadas, especialmente em adultos mais velhos, entre 40
e 60 anos. A mortalidade relacionada à DPOC está aumentando progressivamente nos últimos anos.
O tabagismo é o principal fator de risco, havendo uma história tabágica positiva em 90% dos casos de DPOC.
As substâncias do tabaco causam alterações nas vias aéreas, como (1) estimulação da produção de muco e
hipertrofia das glândulas submucosas, (2) redução ou bloqueio do movimento ciliar das células epiteliais, (3)
ativação de macrófagos alveolares com secreção de fatores quimiotáticos, os quais recrutam neutrófilos para
os alvéolos, (4) maior produção de enzimas proteolíticas pelos neutrófilos, como elastase, e (5) inibição da
atividade da α-1-antitripsina, enzima responsável pela inibição da atividade da elastase. A quantificação do
tabagismo é dada pela ‘carga tabágica’, calculada multiplicando-se a quantidade de maços consumidos por dia
pelo número de anos de tabagismo, sendo que a maioria dos pacientes com DPOC apresentam uma carga
tabágica de 40 maços/ano.
Não se conhece exatamente a relação patogênica entre asma e DPOC, entretanto, podem superpor-se, uma
vez que a presença de hiper-reatividade brônquica na DPOC é frequentemente encontrada, denominada como
‘bronquite asmática obstrutiva crônica’. A inflamação entre ambas difere, uma vez que na asma é dependente
de linfócitos T CD4, eosinófilos, basófilos e mastócitos, enquanto que na bronquite é dependente de linfócitos
T CD8 citotóxicos, macrófagos e neutrófilos.
Outros fatores de risco incluem poluição atmosférica extra e intradomiciliar, como fogões a lenha, exposição
ocupacional a poeiras orgânicas e fumaças. Os estudos mostram que crianças expostas ao tabagismo materno,
inclusive durante a gestação, apresentam crescimento pulmonar reduzido, o que é um fator de risco para DPOC
no futuro. O baixo nível socioeconômico também é fator de risco, visto que se associa a baixo peso ao nascer,
maior exposição aos poluentes extra ou intradomiciliares, maior número de infecções respiratórias na infância,
dentre outras situações.
A deficiência de α-1-antitripsina é uma doença genética autossômica recessiva que cursa com enfisema
pulmonar isolado em crianças ou adolescentes. Está indicado a pesquisa desta deficiência em quadros de
enfisema em jovens (45 anos), predominante em bases pulmonares, em não tabagistas ou pequena carga
tabágica, doença hepática associada inexplicada e forte história familiar de enfisema ou hepatopatia. Os
indivíduos homozigotos têm uma concentração abaixo de 10%, o que permite a ação da elastase neutrofílica,
com consequente degradação do parênquima pulmonar. Os pacientes heterozigotos parecem ter um pequeno
risco para DPOC. O tratamento pode ser feito com infusão venosa semanal da enzima.
A maioria dos pacientes com DPOC apresenta 2 componentes da doença, ambos altamente relacionados ao
tabagismo. A bronquite obstrutiva crônica apresenta hipertrofia e hiperplasia das glândulas submucosas
secretoras de muco associadas a um aumento no número de células caliciformes da mucosa, presentes
principalmente nas vias aéreas proximais, e redução do lúmen das vias aéreas distais devido ao espessamento
da parede brônquica por edema e fibrose. O enfisema pulmonar é caracterizado pelo alargamento dos espaços
aéreos distais aos bronquíolos, decorrentes da perda do tecido elástico e da destruição progressiva dos septos
alveolares, classificado em subtipos: (1) centroacinar, o qual apresenta-se mais frequentemente, associado ao
tabagismo, e (2) pan-acinar, típico da deficiência de α-1-antitripsina.
A manutenção das vias aéreas abertas, especialmente durante a expiração, encontra-se comprometida na
DPOC devido a perda da elasticidade pulmonar e pelo edema e fibrose na parede dos pequenos brônquios, com
consequente aumento da resistência das vias aéreas. Esses fatores predispõem ao impedimento da eliminação
do ar armazenado, correspondendo ao fenômeno de aprisionamento de ar, justificando o achado de
hiperinsuflação do tórax. O aprisionamento de ar e a hiperinsuflação pulmonar podem ocasionar consequências
deletérias ao paciente, como (1) o surgimento do auto-PEEP, ou seja, uma pressão alveolar positiva no final da
expiração, que pode aumentar o trabalho da musculatura respiratória na inspiração, (2) alteração da mecânica
do diafragma, que apresenta tendência à retificação, tornando improdutiva a sua contração para a inspiração,
e (3) o uso mais frequente da musculatura acessória, desenvolvendo cronicamente um certo grau de esforço
respiratório.
Além disso, a troca gasosa está comprometida, tanto pela lesão enfisematosa quanto pela lesão bronquítica,
sendo que, ambas propiciam o surgimento de alvéolos mal ventilados, porém, bem perfundidos, efeito
denominado de shunt. Caso o número de alvéolos com shunt for grande, a mistura de sangue mal oxigenado
resultará em hipoxemia e dessaturação da hemoglobina, fenômeno denominado de distúrbio V/Q, inicialmente
manifestando-se durante o esforço físico, com potencial evolução para mínimos esforços ou repouso.
Representa um sinal de doença avançada, significando mau prognóstico. A eliminação de CO2 também pode
estar acometida, resultando em desenvolvimento de uma acidose respiratória crônica, com altos níveis de PCO2,
excesso de bicarbonato e Base Excess (BE), e uma discreta acidemia, entretanto, durante uma descompensação,
geralmente por infecção ou broncoespasmo, pode haver fadiga respiratória ou inibição do drive respiratório,
levando a um aumento agudo da PCO2 e queda súbita do pH, resultando em uma acidose respiratória crônica
agudizada, a qual exige IOT e ventilação mecânica, visto que esses pacientes podem evoluir rapidamente para
uma parada cardiorrespiratória. A administração de oxigênio nesses pacientes não deve ultrapassar, de um
modo geral, o patamar de 3 litros/minutos, evitando-se sempre a hiperoxemia.
Cor pulmonale significa uma disfunção do VD consequente a um distúrbio respiratório, sendo a DPOC uma
das principais causas. O principal mecanismo é a hipóxia crônica, a qual desencadeia uma resposta
vasoconstritora das arteríolas pulmonares, com consequente desenvolvimento de hipertensão arterial
pulmonar (HAP). Quando a HAP atinge valores > 50 mmHg, o VD pode entrar em falência sistólica, devido ao
aumento da pós-carga, resultando em elevação da pressão venosa central, congestão sistêmica e baixo débito
cardíaco.
O pulmão aumenta sua capacidade de trabalho progressivamente até os 20 anos, quando atinge seu máximo.
A partir dos 30 anos há uma diminuição gradativa desta capacidade em cerca de 20-30 mL/ano, enquanto que
em tabagistas esta queda é mais acentuada, variando próximo de 60 mL/ano. A cessação do tabagismo faz
apenas que a redução do VEF1 retorne à velocidade dos pacientes não fumantes, não havendo melhora da
capacidade pulmonar.
A queixa mais marcante dos pacientes é a dispneia aos esforços, com evolução insidiosa, progressiva,
marcada por pioras agudas desencadeadas por fatores descompensantes, como infecção respiratória, evoluindo
para quadros de dispneia aos mínimos esforços ou repouso. A tosse é outro sintoma de extrema frequência,
sendo comumente acompanhadas de expectoração e muitas vezes precedendo o quadro dispneico; bronquite
crônica é definida por tosse produtiva, geralmente matinal, por mais de 3 meses consecutivos de um ano e há
mais de 2 anos. O exame físico pode revelar 2 estereótipos: (1) pink puffers ou sopradores róseos, os quais são
o estereótipo do enfisematoso, apresentando pletora (‘róseos’), tórax em tonel, magreza, dispneia do tipo
expiratório (‘sopradores’) e ausculta com redução do MV, sem ruídos adventícios, e (2) blue bloaters ou inchados
azuis, os quais são o estereótipo do bronquítico grave, apresentando hipoxemia, cianose (‘azuis’), cor pulmonale,
congestão sistêmica (‘inchados’), obesidade e ausculta pulmonar rica em ruídos adventícios. Vale lembra que a
grande maioria dos pacientes apresentam um quadro misto entre esses dois estereótipos.
Os pacientes com DPOC possuem baixa reserva pulmonar e, por isto, qualquer insulto sobre o aparelho
respiratório pode piorar o quadro clínico. O principal fator de descompensação é a infecção respiratória,
bacteriana ou viral. Na dúvida quanto a uma possível infecção bacteriana, indica-se tratamento com antibióticos.
Outros fatores desencadeantes são broncoespasmo, drogas depressoras do centro respiratório, insuficiência
cardíaca, TEP e pneumotórax.
Observa-se nos exames complementares: (1) eritrocitose e hematócrito > 55%, (2) hipoxemia leve, moderada
ou grave, caracterizada como PO2 < 55 mmHg ou SaO2 < 88%, (3) hipercapnia com acidose respiratória crônica,
especialmente nos casos mais avançados, com potencial risco de descompensação, (4) sinais de sobrecarga
cardíaca direita ao ECG, com onda P alta e pontiaguda, desvio do eixo do QRS para a direita e graus variados de
bloqueio de ramo direito, (5) predisposição a taquiarritmias ao ECG, sendo que a taquicardia atrial multifocal é
conhecida como arritmia do DPOC, (6) alterações na radiografia de tórax, especialmente nos casos mais
avançados, como retificação das hemicúpulas diafragmáticas, hiperinsuflação pulmonar observando-se mais
que 9-10 arcos costais, aumento dos espaços intercostais, redução do diâmetro cardíaco (‘coração em gota’) e
aumento do espaço aéreo retroesternal no perfil. Indica-se gasometria arterial quando há suspeita de hipoxemia
e/ou hipercapnia aguda, presença de VEF1 < 40% e/ou sinais de insuficiência de VD.
A prova de função pulmonar ou espirometria é mandatória na avaliação de um paciente com suspeita ou
diagnóstico de DPOC, sendo o VEF1 e a relação VEF1/CVF (índice de Tiffenau) as principais medidas a serem
avaliadas. O grau de obstrução é diretamente quantificado pelo VEF1, que deve ser acompanhado de forma
seriada, considerado um excelente parâmetro prognóstico, entretanto, não prediz com acurácia a intensidade
dos sintomas atuais. O FEF 25-75% é outro parâmetro que deve ser analisado, sendo o primeiro a se alterar na
DPOC, ainda que não sirva para confirmar o diagnóstico, o qual é confirmado quando presença de relação
VEF1/CVF < 70% após broncodilatador.
A TC de tórax é considerada atualmente o teste definitivo para o estabelecimento da presença ou não de
enfisema, todavia, na prática, este exame influencia pouco nas decisões terapêuticas, existindo apenas uma
indicação: avaliação dos pacientes candidatos à terapia cirúrgica da DPOC.
Na prática médica atual tem sido adotado o sistema de classificação GOLD, levando-se em consideração a
intensidade dos sintomas e presença de exacerbações/hospitalizações prévias. Os sintomas devem ser
formalmente avaliados por meio de escores: (1) mMRC, o qual avalia apenas a dispneia, ou CAT, o qual fornece
uma avaliação sintomática mais abrangente, sendo desnecessário realizar ambos ao mesmo tempo. O maior
fator de risco para exacerbações futuras da DPOC é a história de exacerbações prévias, particularmente quando
estas motivaram uma internação hospitalar. O grau de obstrução das vias aéreas é objetivamente quantificado
pela queda do VEF1 em relação ao previsto após prova broncodilatadora, entretanto, por si só, não muda a
classificação, contudo, na definição final, deve-se citar o grau espirométrico: GOLD I ou DPOC leve quando VEF1
≥ 80%, GOLD II ou DPOC moderada quando VEF1 entre 50-80%, GOLD III ou DPOC grave quando VEF1 entre 30-
50%, e GOLD IV ou DPOC muito grave quando VEF1 ≤ 30%, VEF ≤ 50% com insuficiência respiratória ou sinais de
insuficiência cardíaca direita.

 Grupo A: baixo risco


e pouco sintomático
 Grupo B: baixo risco
e muito sintomático
 Grupo C: alto risco e
pouco sintomático
 Grupo D: alto risco e
muito sintomático

A base fundamental para a abordagem terapêutica está nos seguintes pontos: abstinência ao tabagismo,
tratamento farmacológico das exacerbações, tratamento farmacológico crônico, programas de reabilitação
cardiopulmonar, oxigenoterapia nos pacientes francamente hipoxêmicos e avaliação da indicação de
transplante pulmonar ou cirurgia pneumoredutora. Entretanto, de todas estas medidas, apenas a abstinência
ao tabagismo, oxigenoterapia nos pacientes francamente hipoxêmicos e transplante de pulmão (?) ou cirurgia
pneumoredutora apresentaram redução na mortalidade.
• Abstinência ao tabagismo: ao parar de fumar, o paciente com DPOC controla a progressão da doença,
sendo que os sintomas também tendem a melhorar, porém, não totalmente, pois a lesão pulmonar
existente é irreversível. A adição de drogas eficazes na obtenção de abstinência duradoura deve ser
considerada em todos os pacientes, na ausência de contraindicações. Atualmente, 3 classes
farmacológicas podem ser empregadas, como repositores de nicotina com goma de mascar ou adesivo
transdérmico, bupropriona 150 mg VO 12/12 horas ou vareniclina 1 mg VO 12/12 horas. A taxa de
sucesso com a estratégia multimodal, associando programa de aconselhamento com terapia
farmacológica, gira em torno de 20 a 30%.
• Oxigenoterapia domiciliar: o uso contínuo de oxigênio domiciliar em pacientes hipoxêmicos melhorou
a sobrevida, sendo proporcional ao número de horas diárias de oxigenioterapia. As indicações baseiam-
se no resultado da gasometria arterial em ar ambiente colhida fora dos períodos de exacerbação com 2
critérios: (1) PaO2 ≤ 55 mmHg ou SaO2 ≤ 88%, indicando oxigenioterapia diária contínua, por mais de 15
horas, com fluxo entre 1-3 litros/minuto, ou (2) PaO2 entre 55 e 60 mmHg ou SaO2 entre 88 e 90%
associado a critérios para cor pulmonale e/ou policitemia, quando hematócrito > 55%. É preciso
confirmar os valores alterados repetindo a gasometria pelo menos 2x em um intervalo de 3 semanas.
• Tratamento das exacerbações: uma exacerbação é definida como a piora aguda dos sintomas
respiratórios, portanto, o diagnóstico é essencialmente clínico, feito pelo reconhecimento de piora da
dispneia, da tosse e/ou da expectoração, em particular quando um escarro previamente claro se torna
purulento, além de ser produzido em maior quantidade. Na maioria das vezes são desencadeadas por
infecções respiratórias bacterianas e/ou virais, entretanto, outros fatores podem mimetizar
exacerbações ou mesmo agravá-las, como broncoespasmo, IC, pneumotórax espontâneo, TEP, drogas
potencialmente depressoras do centro respiratório, como opiáceos, barbitúricos e benzodiazepínicos.
Cerca de 1/3 das exacerbações da DPOC não têm etiologia definida. Objetiva-se terapeuticamente o
tratamento do fator associado ou precipitante, melhora da oxigenação do paciente, mantendo SaO2
entre 88 e 92%, diminuição da resistência das vias aéreas e melhora da função da musculatura
respiratória. O tratamento envolve:
o Antibioticoterapia: indica-se quando houver pelo menos 2 das seguintes condições: (1)
aumento do volume do escarro, (2) alteração do seu aspecto para purulento e (3) aumento da
intensidade da dispneia. A maioria das descompensações está relacionada a uma infecção viral,
porém, mesmo assim, sempre existe a participação de bactérias, as quais colonizam de forma
excessiva a via aérea inferior do paciente com DPOC e aumentam sua densidade populacional
na vigência de outro insulto, particularmente Haemophilus influenzae, Streptococcus
pneumoniae e Moraxella catarrhalis. Nas exacerbações graves têm demostrado a presença de
Gram-negativos entéricos, como Pseudomonas aeruginosa, associada a hospitalizações
frequentes, administração prévia de antibióticos (≥ 4 vezes/ano) e o isolamento deste
microrganismo durante uma exacerbação prévia ou colonização demonstrada durante um
período estável. A prevenção do quadro infeccioso pode ser feita através de duas vacinas,
contra a gripe e contra pneumococo. Estratifica-se o paciente em 3 grupos:
Estratificação dos pacientes com exacerbação
Grupo Definição Micro-organismos Tratamento oral Tratamento parenteral
Exacerbação leve, Betalactâmicos
Haemophilus influenzae,
sem nenhum fator (ampicilina ou
A Streptococcus pneumoniae, -
de risco para amoxicilina), tetraciclina
Moraxella catarrhalis e vírus
prognóstico adverso ou sulfa+trimetoprim
Exacerbação Mesmos acima, associados a Betalactâmico + inibidor da
moderada com fator S. pneumoniae resistente à Betalactâmico + inibidor betalactamase, cefalosporina de 2ª
B
de risco para penicilina e enterobactérias, da betalactamase e 3ª geração e fluoroquinolonas
prognóstico adverso como K. pneumoniae e E. coli) (levofloxacino)
Exacerbação grave Mesmos acima, associados a Fluroquinolonas Fluroquinolonas (ciprofloxacino ou
C
com fatores de risco P. aeruginosa (ciprofloxacino ou lexofloxacino) em altas doses e
para infecção por P. lexofloxacino) em altas betalactâmicos com atividade
aeruginosa doses antipseudomonas (cefepime ou
meropenem)
Fatores de risco para prognóstico adverso: comorbidade, DPOC grave, exacerbações frequentes (> 3/ano) e uso de antibiótico nos
últimos 3 meses

o Broncodilatadores: prescreve-se a associação de β2-agonista de curta duração, como


salbutamol ou fenoterol, com anticolinérgico brometo de ipratrópio de 4 em 4 ou 6 em 6 horas,
geralmente, dando-se preferência à nebulização.
o Corticosteroides sistêmicos: os estudos comprovaram redução da duração da internação,
melhora mais rápida do quadro clínico e diminuição da chance de nova exacerbação futura com
sua administração, sendo indicados prednisona 40 mg/dia por 3 a 5 dias em pacientes sem
necessidade de internação ou metilprednisona 0,5-1 mg/kg/dose a cada 6 a 8 horas por 72 horas
em pacientes internados.
o Metilxantinas (teofilina e aminofilina): apresentam efeito analéptico respiratório, ou aumento
da contratilidade diafragmática, broncodilatador moderado e ativador do movimento ciliar. São
drogas consideradas de segunda linha, estando reservadas para casos graves, não responsivos
à terapia com broncodilatadores inalatórios. Ressalta-se o seu grande potencial de toxicidade.
o Mucolíticos: não mostraram benefício.
o Oxigenoterapia: praticamente todos os pacientes devem receber suplemento de oxigênio para
manter SaO2 entre 88 e 92%.
o Ventilação não invasiva (VNI) com pressão positiva: o uso da VNI mostrou-se altamente
benéfico, possuindo como critérios de indicação a presença de pelo menos dois dos seguintes
critérios – (1) dispneia moderada a grave, com uso dos músculos acessórios e movimento
abdominal paradoxal, (2) acidose moderada a grave (pH entre 7,30 e 7,35) com hipercapnia e
(3) FR > 25 irpm. Está contraindicada nos pacientes com instabilidade cardiovascular, nível de
consciência rebaixado ou incapacidade de cooperar, secreção respiratória copiosa,
queimaduras, obesidade extrema e anormalidades craniofaciais.
o Ventilação invasiva: o principal critério é a alteração do estado de consciência, precipitada pela
fadiga da musculatura respiratória, agudizando a acidose respiratória crônica. O ajuste dos
parâmetros deve envolver um tempo expiratório prolongado, evitando-se o auto-PEEP.
• Farmacoterapia de manutenção: broncodilatadores, utilizados de forma regular, reduzem os sintomas,
melhorando a qualidade de vida e prevenindo as exacerbações da DPOC, entretanto, não reduzem a
mortalidade, tampouco a taxa de declínio da função pulmonar.
o β2-agonistas inalatórios de longa ação (salmeterol e formoterol): são broncodilatadores de 1ª
linha no tratamento crônico da DPOC.
o Anticolinérgicos inalatórios: empregados em associação com os β2-agonistas ou de maneira
isolada. O principal agente é o brometo de tiotrópio, administrado a cada 24 horas.
o Corticoides inalatórios: são genericamente prescritos para todos os pacientes nos grupos C e D
da classificação da DPOC.
o Corticoides sistêmicos: não estão indicados no tratamento crônico.
o Teofilina: pode beneficiar alguns pacientes, entretanto, pelos seus efeitos adversos, não é droga
de 1ª linha.
o Inibidores da fosfodiesterase-4, ou PDE-4 (roflumilaste): trata-se de um inibidor oral da enzima
fosfodiesterase-4, com ação predominantemente anti-inflamatória, particularmente útil para
portadores de bronquite crônica obstrutiva. Em associação com broncodilatadores inalatórios
de longa duração, fornece incrementos adicionais no VEF1, além disso, também se mostrou útil
em reduzir o número de exacerbações em pacientes de alto risco.
• Reabilitação cardiopulmonar: é parte fundamental da terapia da DPOC, sendo indicada para todos os
pacientes.
• Cirurgia na DPOC: por um lado, sabe-se que a DPOC aumenta o risco cirúrgico, especialmente quando
VEF1 pré-operatório < 1 litro, mas, por outro lado, existem cirurgias indicadas para a própria DPOC,
como transplante pulmonar e cirurgia redutora pulmonar. O transplante pulmonar é limitado devido a
reduzida disponibilidade de órgãos, sendo sua indicação cada vez mais questionada. A cirurgia redutora
pulmonar tem mostrado resultados promissores recentemente, baseando-se na retirada de 20-30% de
tecido pulmonar, geralmente de uma região bastante afetada pela doença, mostrando como resultado
melhora da mortalidade e na qualidade de vida dos pacientes.
• Vacinação: recomenda-se vacina anti-Influenza anual e antipneumocócica 23-valente associado a um
reforço após 5 anos.

Cuidados paliativos
•Idade avançada;
•mMRC 3-4;
•Limitação significativa das atividades diárias;
•Depressão;
•Grande utilização dos recursos de saúde;
•BODE 7-10;
•COTE ≥4.
RESUMO INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
Larissa Drigo Alem
• Incapacidade de o sistema respiratório promover adequadamente as trocas gasosas, ou seja, a
oxigenação e eliminação de gás carbônico -> ventilação alveolar;
• Gasometria arterial: PaO2 ≤ 60 mmHg e PaCO2 ≥ 45 mmHg;
• Hematose: ventilação + perfusão + difusão através da membrana respiratória;
• Ventilação:
o Mecanismos envolvidos: SNC (comorbidades e ansiolíticos/hipnóticos/sedativos), nervos
periféricos (ELA, mielopatias, poliomielite, Duchene), músculos respiratórios e caixa torácica
(como escoliose), vias aéreas superiores/inferiores e parênquima pulmonar (laringomalacia,
síndrome das pregas vocais, edema de glote, asma, DPOC, bronquite, corpo estranho),
sistema cardiovascular e hemoglobina;
o Insuficiência respiratória tipo II: elevação de CO2 (PaCO2 > 45 mmHg);
o Sintomas da hipercapnia: sonolência, flapping, inquietação, tremor, cefaleia, papiledema,
letargia e coma (aumento de PCO2 -> edema cerebral);
• Difusão:
o A difusão de O2 é afetada por área de superfície de troca, espessura da membrana
alveolocapilar, solubilidade dos gases, gradiente de pressão dos gases, 2,3-difosforoglicerato
(regulador primário da afinidade da Hb);

o CO2 possui capacidade de difusão 20 vezes maior que o O2;


o Insuficiência respiratória tipo I: diminuição de O2 (PaO2 < 60 mmHg) -> troca gasosa
prejudicada;
o Sintomas da hipoxemia: diaforese, ansiedade, taquicardia e arritmias, taquipneia, confusão,
rebaixamento do nível de consciência, convulsões, hipotensão ou hipertensão;
o Exemplo: intoxicação por monóxido de carbono;
▪ O CO liga-se irreversivelmente a Hb formando a carbohemoglobina, o que prejudica o
transporte de O2;
• Perfusão:
o Na posição ortostática podem ser vistas três zonas:
▪ Zona I: ventilação sobrepuja a perfusão;
▪ Zona II: ventilação e perfusão são equivalentes;
▪ Zona III: perfusão sobrepuja a ventilação;
o Relação entre o tamanho das vias aéreas e o fluxo sanguíneo regional:
▪ A perfusão encontra-se reduzida nos ápices pulmonares devido à força gravitacional,
o que permite que os alvéolos sejam plenamente expandidos. Essa expansão pode
comprimir os vasos sanguíneos, diminuindo ainda mais a perfusão sanguínea;
▪ A perfusão encontra-se aumentada nas bases pulmonares devido à gravidade. Os
vasos sanguíneos com maior diâmetro evitam a completa expansão dos alvéolos, o
que pode reduzir seu diâmetro;
o Espaço morto -> com ventilação sem perfusão (↑ PO2). Shunt -> sem ventilação com perfusão
(↑ PCO2);
o A perfusão pode ser comprometida, por exemplo, por choques e embolia pulmonar;
• O O2 é transportado por dois caminhos: dissolvido no plasma e ligado a hemoglobina (98%), como
oxihemoglobina (HbO2);
• Transporte de CO2: dissolvido no plasma (7%), ligado à hemoglobina (20% - mesmos sítios para O2)
e como íon bicarbonato (75%);
• Efeito Haldane -> quanto mais a concentração de CO2, mais facilmente o O2 se dissocia da Hb;

• Investigação:
o Anamnese dirigida: início, instalação, fatores desencadeantes, fatores associados;
o Sinais vitais;
o Radiografia de tórax PA e perfil;
o Gasometria arterial;
o Monitorização multiparamétrica;

• Classificação:
• Tratamento:
• Insuficiência respiratória tipo II: VENTILAÇÃO
o Ventilação mecânica não invasiva – Indicações:
▪ DPOC;
▪ EAP;
▪ Insuficiência respiratória no imunocomprometido;
▪ FR ≤ 35;

o Ventilação mecânica invasiva - Indicações:


• Insuficiência respiratória tipo I: FORNECER OXIGÊNIO
o Cateter Nasofaríngeo;

o Máscara de Venturi;

o Máscara de reservatório – FiO2 100%;


o Ventilação mecânica invasiva;
SARA/SDRA
A síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA) ou síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)
representa uma grave injúria inflamatória pulmonar, levando ao edema pulmonar não cardiogênico, à formação
de membrana hialina e ao colapso de diversos alvéolos, cursando com insuficiência respiratória hipoxêmica
refrataria, pelo mecanismo de shunt intrapulmonar, e infiltrado pulmonar aguda e difuso no exame de imagem.
Por definição, o distúrbio da troca gasosa é grave, com relação P/F < 300.
A etiologia é dividida em direta ou indireta. A injúria pulmonar direta é caracterizada por aspiração do
conteúdo gástrico, infecção pulmonar, como pneumonia, trauma torácico grave, inalação de produtos tóxicos,
afogamento e eventos embólicos, enquanto que a injúria pulmonar indireta é caracterizada por choque, sepse,
grande queimado, hemotransfusão maciça, pancreatite aguda e overdose de drogas. As causas diretas são mais
propensas a causar SDRA, entretanto, a principal causa é a sepse, responsável por cerca de 50% dos casos.
Quando a sepse precede a SDRA, a causa mais comum é a infecção intra-abdominal, enquanto que quando a
SDRA precede a sepse, a pneumonia bacteriana nosocomial passa a predominar. Características dos pacientes,
como idade avançada, abuso crônico de álcool e acidose metabólica aumentam o risco de SDRA.
A lesão histopatológica da SDRA é o dano alveolar difuso (DAD). A membrana hialina é derivada dos debris
dos pneumócitos tipo I mortos, juntamente com proteínas plasmáticas, que ganham o espaço alveolar através
do endotélio lesado e da membrana basal rompida, possuindo 3 fases evolutivas: (1) fase exsudativa, encontra-
se presente dentro dos primeiros dias, apresentando edema intersticial e alveolar com membrana hialina e por
um infiltrado inflamatório neutrofílico, resolvendo-se em até 7 dias, (2) fase proliferativa, caracterizado pela
regeneração dos pneumócitos tipo I associada a um infiltrado mononuclear, durando cerca de 7 a 21 dias, sendo
que nela o paciente começa a melhorar, com possibilidade do desmame da ventilação mecânica, entretanto,
alguns pacientes evoluem para a 3ª fase, (3) fase fibrótica, com prognóstico bastante desfavorável. A principal
consequência fisiopatológica da SDRA é o distúrbio V/Q que, quando extremo, evolui com shunt
intraparenquimatoso pulmonar.
O paciente desenvolve os sintomas respiratórios antes do surgimento do infiltrado pulmonar, portanto, é
possível encontrar um paciente francamente taquidispneico, taquicárdico, cianótico e agitado, mas ainda com
radiografia de tórax normal, contudo, dentro das próximas 24 horas, o infiltrado pulmonar aparece,
obrigatoriamente bilateral, podendo poupar algumas áreas ou então comprometer toda a extensão dos
pulmões (‘síndrome dos pulmões brancos’).
O diagnóstico deve ser confirmado por critérios clinicolaboratoriais, preferencialmente utilizando os critérios
de Berlim:

O PCV (ventilação com pressão controlada), por limitar a pressão de admissão nas vias aéreas, evitando o
volutrama e barotrauma, é considerado um excelente método na SDRA.
A sobrevida na SDRA aumenta quando a ventilação mecânica é realizada com um volume corrente baixo < 6
mL/kg, associado a pressão de platô < 30 cmH2O e uma hipercapnia permissiva, desde que não haja acidemia
importante. A melhor maneira de resolver a hipoxemia é através da PEEP, ajustando-o para níveis ‘terapêuticos’
entre 10-25 cmH2O, objetivando recrutar unidades alveolares e redistribuir o líquido intra-alveolar. O uso de
uma relação inspiração/expiração invertida, ou seja, inspiração mais prolongada, também mostrou benefício
em termos de oxigenação, porém sem provocar redução de mortalidade.
A melhor posição para o paciente é em pronação, pois reduz o desbalanço V/Q e o shunt
intraparenquimatoso que predomina nas bases e na porção posterior pulmonar, entretanto, possui limitações,
incluindo o risco de desposicionamento da IOT.
Bloqueadores neuromusculares têm o potencial de melhorar a sincronia paciente-ventilador, eliminando o
esforço respiratório espontâneo e a tosse. Isso pode facilitar a adesão a protocolos de ventilação protetora dos
pulmões, e reduzir o barotrauma.
Com os dados atualmente disponíveis, não se pode recomendar o uso de corticoide na fase inicial da SDRA,
mas pode-se contraindicar seu após 14 dias. Além disso, evita-se a hipervolemia nesses pacientes, mantendo-
os normovolêmicos.
Em pacientes com SDRA refrataria às estratégias específicas citadas acima, considera-se o emprego de
técnicas de troca gasosa extracorpórea, como ECMO e ECCO2R.
O prognóstico é reservado, principalmente pela associação com doenças graves, como a sepse.
Introdução aor

Cuidados Paliativos

→ 1° centro de cuidados paliativos .


f.
desde o
diagnóstico inicia o maior
cuidado possível com o
pé ,
ou
seja ,

ao mesmo
tempo dotto
,
como quimio .

Cuidados paliativos: NÃO É não ter mais nada para se


fazer !
tem sintomas tratados ←
sempre
a serem .

NÃO É parar de pedir exames de realizar


procedimentos .

NÃO É deixar pão /


família tomarem decisões
sozinhos .

NÃO É lidar somente com


pcts terminais .

alívio desconfortáveis

§
CP da dor outros sinto
. promove e . .

vida

afirmar a e considerar a morte um processo natural .

mate

FinaI ejeção
→ .

.
integra aspectos psicossociais e
espirituais ao cuidado .
CP :

Os CP só se iniciam após o

DIAGNÓSTICO DE CERTEZA .

↳ usar os recursos tecnológicos que forem


benéficos ao pão .

Fazer medidas retardem a


que
evolução dç da
,
até
que sejam
comprovadamente uteis .

Ele
englobavidaprocessonão
de o

Final de ,
mas
é
só isso .

DOENÇAS CRÔNICAS .
população
.

da

50-75% morre por doença crônica
evolutiva
OÃRIÊCER
perguntação
,

Ranking de
qualidade
de morte:
Brasil em
38/40 em
2010.
Em 2015:
42 de 100
/

TIPICAS
DAS
DOENÇAS .

① funcionalidade decai após evento


agudo do CA .

② insuf.org ( IC ,
DPOC) : exacerbação sem voltar ao
que era antes .

③ funcionalidade vai decaindo com a


progressão .
7

pilares dor c .
P .
:

1 controle dos sintomas :


seguir prima da hierarquização ( que
o
mais incomoda ) da não
e
maleficência
.

2 apoio família
a .

3 Trabalho em equipe psico :


,
nutri
, fono ,
TO
, fisio
fisio .

|
4 técnica de comunicação .

5 princípios da bioética .

AH

cuidado centrado no
pet, e

Não na doença .

Barreiras aos CP:

do
→ Ámerica
norte .

BR ( mímica
do Sul) :

sub prescrição
CP como parte da
saúde pública
comunicação
de

más notícias
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-

é
O
que importante na hr :


prova .
atenção aos
sinais não
verbais

T
aguardar
momento
a

um 2.
comum a familia não querer que conte ao
} paciente .
DOR CRÔNICA

OBJETIVOS:

• Avaliação da dor – descrição/intensidade da dor.


• Escolha dos analgésicos de acordo com a dor do paciente.
• Princípios da dosagem.

A dor está entre os 20 principais sintomas do paciente e entre os 10 mais comuns do paciente idoso no ambulatório.

Barreiras dos médicos:

1. Relutância para prescrever opióides.


2. Treinamento inadequado.
3. Medo de complicações/efeitos adversos dos opióides.
4. Interações medicamentosas.

Barreiras dos pacientes:

A. Relutância em queixar-se. Acham que a dor é normal para a idade.


B. Relutância em aceitar a prescrição de analgésicos.
C. Dor subnotificada.
D. Interpretação da dor com quadros de desconforto/incomodo – queixas vagas.
E. Alto custo.
F. Excesso de comorbidades.

AVALIAÇÃO:

- Localização.

- Descrição:

 Neuropática.
 Somática.
 Visceral.
 Psíquica.
 Com o que a dor se parece?
 Sente ardor ou queimação?
 O quanto a dor gera impacto na sua vida?

CLASSIFICAÇÃO:

- Nociceptica:

Somática – constante e bem localizada, que se exacerba com movimento e alivia com o repouso. Exs.:
osteoartrose, metástase óssea, infiltração de tecidos moles, contratura muscular, fratura.
Visceral – constante, aperto, mal localizada, associada a reações autonômicas (náuseas, sudorese) –
característica mais vaga. Exs.: Neoplasia e/ou metástases intra-abdominais.

- cólicas. Exs.: Obstrução intestinal, cólica renal.

- Neuropática:

♣ Disestésica – sensação anormal e desagradável, provocada ou espontânea – ardência constante, hiperalgesia ou


alodínea (estímulo não nocivo é notado com dor). Exs.: Radiculopatia por protusão discal, neuropatia pós-
quimioterapia/radioterapia.
♣ Lancinante – pior dor possível – episódica, paroxismo tipo choque. Exs.: invasão de plexo braquial ou do
trigêmeo.

FREQUÊNCIA:

- Constante.

- Intermitente.
- Picos de agudização – casos oncológicos.

INTENSIDADE:

- Escala de Edmonton – nota para os diferentes sintomas.

- Escala de faces.

- Escala numérica/Régua com pontuação.

TRATAMENTO JÁ REALIZADO:

- Medicamentos/terapias usadas:

♠ O que ajudou? Qual remédio ajudou?


♠ O que mudou? Nada mudou?
♠ Efeitos indesejáveis?

AVALIAÇÃO DA DOR:

- Estado emocional do paciente – angústias espirituais e repercussões sociais.

- Alterações comportamentais – checar atividades e humor. Questionar alterações do humor.

EXAME:

- Exame físico geral.

- Exame físico direcionado:

 Dor em movimento ou repouso?


 Massas palpáveis?
 Sensibilidade local?

- Exame psicológico – ansiedade, hostilidade, depressão?

ESCALA ANALGÉSICA OMS:

NÃO OPIÓIDES: PARACETAMOL.


DIPIRONA.
AINES – pode ser associado por um período curto.
NÍVEL 1: DOR (1-3) DOR FRACA
ADJUVANTES: AT, ANTICONVULSIVANTES, BZD, NEUROLÉPTICOS,
RELAXANTE MUSCULAR, BIFOSFONATOS.
TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA.
OPIÓIDES FRACOS: CODEÍNA.
DOR MODERADA ou
OU que não TRAMADOL.
NÍVEL 2: DOR (4-6)
melhorou com NÃO OPIÓIDES.
analgésico. ADJUVANTES
TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA.
OPIÓIDES FORTES: MORFINA.
BUPRENORFINA (Restiva) – transdérmica (adesivo que troca 1x/semana –
DOR INTENSA
colocar em região alta). Liberação continuada do opióide.
FENTANIL.
NÍVEL 3: DOR (7-10) OXICODONA.
Dor importante
METADONA.
que atrapalha a
NÃO OPIÓIDES.
sua rotina.
ADJUVANTES.
TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA.
OBS.: ADJUVANTE – medicamento associado ao tratamento com analgésico de acordo com a etiologia da dor.

 Exemplos: Dor neuropática – pode associar o Tricíclico (evitar em paciente muito idoso) em dose baixa a noite ou
Anticonvulsivante para idosos.

Dor somática – burcite/tendinopatia – pode associar corticóide ou AINES.


ANALGÉSICOS COMUNS:

FÁRMACO: APRESENTAÇÕES/DOSE: POSOLOGIA: EFEITO TETO:


Seguro até 4 g para
Intervalos de 6/6 hepatopatas.
PARACETAMOL VO – comprimido de horas. Evitar doses maiores
500, 750 e 1000 mg. que 2 g,
Melhor para dores SOLUÇÃO – 200 mg/ml Idosos e principalmente, para
Somáticas. (15 gotas). hepatopatas: 500 mg idosos.
de 6/6 horas. Dose máxima: 6 g.

Até 6 gramas ao dia –


VO – comprimido 500,
efeito analgésico.
DIPIRONA 1000mg. Intervalos de 6/6
SOLUÇÃO ORAL – 500 horas ou 4/4 horas.
Para infecção
mg/ml (20 gotas).
bacteriana mais grave,
Melhor para dores INJETÁVEL (EV) – 500 Dose total diária de 4
a meia-vida pode ser
Viscerias. mg/ml (2 ml – 1 ampola). a 6 g/dia.
de 4 horas.

500 a 1250 mg.


AAS VO – comprimido de 500 4/4 horas ou 6/6
5 gramas.
mg. horas.

50 a 100 mg.
VO – comprimido de 50
6/6 horas ou 8/8
DICLOFENACO mg. 200 mg.
horas.

Obs.: AINES – adjuvantes em dores associadas a processos inflamatórios, como a dor por metástases ósseas, tumores
cutâneos, contraturas, tendinopatias.

 Preferir os inibidores seletivos da COX-2 em pacientes contra-indicados e insucesso aos AINEs convencionais.
Inibidores seletivos da COX-2 podem aumentar risco de problema cardiovascular.
 USO POR CURTO PRAZO.
 EVITAR COMBINAÇÕES PARA USO CONTÍNUO.
 Se AINEs convencionais – avaliar associação com IBP. Associação principalmente para idoso.
 CONTRA-INDICADOS em caso de úlceras ou esofagite erosiva aguda.

ANALGÉSICOS FORTES – OPIÓIDES FRACOS E FORTES:

FÁRMACO: APRESENTAÇÕES/DOSE: POSOLOGIA: EFEITO TETO:


CODEÍNA Intervalos 6/6 horas(intervalo
inicial) ou 4/4 horas. Dose máxima: 360 mg/d.
VO – comprimido de 7,5, 30 Metabolização hepática em
Receituário ou 60 mg OBS.: morfina: citocromo P450.
branco SOLUÇÃO – 3 mg/dl (2,5 ml) Potente antitussígeno. Usado 7% dos caucasianos e 1-3% dos
carbonado Puro eu associação. Mais em caso de tosse persistente. orientais não metabolizam: não
(todos os comum: com paracetamol. Dose inicial de 7,5 mg. obtem o efeito analgésico.
opióides Maior poder constipante.
fracos).
VO – comprimido de 50 e Intervalos 6/6 horas.
Dose teto: 400 mg/dia – 100 mg
100 mg.
de 6/6 horas.
RETART – 50 e 100 mg
TRAMADOL Melhor biodisponilibidade na
(12/12h). Interessante para OBS.: RETART – liberação mais
forma VO.
pacientes com polifarmácia. prolongada. Usar com o
Comparado com codeína:
SOLUÇÃO – 100 mg/ml (40 tempo, depois da adaptação
Mais usado em menos obstipante, sem ação
gotas). Começar com 20 com o de liberação mais
enfermaria/UTI, antitussígena e é mais
gotas. rápida.
pois tem nauseante.
INJETÁVEL (SC ou EV) – 50
injetável. Interessante na DOR
mg/ml – 1 ampola: 2 ml. Existe a apresentação de 37,5
NEUROPÁTICA.
 Diluir em 250 ml de mg em associação com
Diminui limiar convulsivo – EV.
SF e correr por paracetamol.
volta de 40 Pode causar Sínd.
minutos. Serotoninérgica pp se
 SC – para paciente combinado com ISRS – aumenta
em cuidado o risco de mal estar, sudorese,
paliativo, de difícil sensação de desespero.
acesso.

OBS.: PACIENTE QUE NÃO MELHORA COM OPIÓIDE FRACO, TEM QUE TRANSICIONAR PARA OPIÓIDE FORTE. MAS
PARA OCORRER ESSA TRANSIÇÃO É PRECISO SABER A EQUIPOTÊNCIA/EQUIVALÊNCIA ANALGÉSICA PARA NÃO
CORRER RISCO DE DAR UMA DOSE MENOS POTENTE.
 MORFINA VO É 10X MAIS POTENTE QUE TRAMAL/TRAMADOL. EXEMPLO: 400 mg/dia de tramadol -----
400/10 = 40 mg/dia. Iniciar com pelo menos 40 mg/dia de Morfina.

Sem efeito teto/dose máxima.


Metabolização hepática,
excreção renal (diminuir dose
nas Insuficiências Renal e
Intervalos VO 4/4 horas.
Hepática.
Morfina LC – 12/12 horas.
Equivalência de dose: via EV é
VO – comprimido de 10 e 30 Nunca começar com ela.
3x mais potente que a via VO.
mg.
Dividir o valor total por 3.
MORFINA SOLUÇÃO – 10 mg/ml. OBS.: LC – não usar em SNE
LC (liberação prolongada) – (Sonda nasoenteral).
ATENÇÃO!
30, 60 e 100 mg.
Carbamazepina, Fenobarbital,
Exige INJETÁVEL (SC ou EV) – 10 OBS.: morfina VO é 10x mais
Fenitoína aceleram o clearance
receituário mg/ml (1 ampola = 1 ml). potente que tramal.
da morfina: risco de síndrome
amarelo (classe
da abstinência. Se passar um
A – para opióide  Via parenteral Interrupção deve ser devagar,
pouco do horário que o
forte). EV/SC: bolus ou diminuindo doses.
paciente toma a medicação, ele
infusão contínua.
pode ter sensação de
NÃO dá para tirar opióide do
desespero, mal estar,
dia para a noite. Tem que
sudorese...
fazer o desmame.
Tricíclicos podem aumentar o
efeito da morfina.

VO – comprimido de 5 e 10
mg. Sem efeito teto.
INJETÁVEL – 10 mg/ml Intervalos de 12/12 horas. Excreção fecal: boa opção na
Meia-vida é Insuficiência renal avançada.
irregular/indeterminada. Assim como Fentanil
METADONA
Pode dar constipação, Prescrição difícil. Risco alto de transdérmico.
náusea, sonolência. toxicidade. Boa opção para DOR
Metadon.
Resgates a cada 3 horas. NEUROPÁTICA.
Opióide pode dar
transpiração excessiva. OBS.: O comprimido pode ser ATENÇÃO!
macerado/quebrado. Requer experiência e cuidados
Pode demorar até 5 dias para prescrever.
para começar a fazer efeito.

Sem efeito teto.


Intervalos de 12/12 horas
Equivalência = 1,5-2x mais
(preferencial) ou 8/8 horas (se
potente que morfina VO.
não melhorar com o de 12/12
VO – comprimido de 10, 20 Na titulação: resgaste com
horas).
OXICODONA e 40 mg. morfina – a morfina é um
Liberação prolongada. opioide com meia-vida mais
OBS.: O comprimido não pode
curta, por isso é melhor como
ser macerado/quebrado.
droga de resgate (se no meio
das 12 horas o paciente tiver
dor, dar dose extra com
morfina).

FENTANIL
TRANSDÉRMICO Apresentação – 25, 50, 75 e Intervalo: 72 horas.
Liberação lenta ao longo das
100 mcg.
72h: demora 3 dias até controle
OBS.: Opióide que menos
adequado da dor (steady state).
É uma das Usado para analgesia. causa constipação.
Equivalência (VO): 100x mais
últimas opções Fentanil EV tem fiz
potente que a morfina VO.
no controle anestésico. OBS.: Boa opção na IR.
25 mcg de fentanil TD equivale
analgésico, pois
50 mg/dia de morfina VO.
é um opióide OBS.: Resgate com morfina.
muito forte.
OBS.: TOPERMA – adesivo de lidocaína 2%. Pode aplicar na neuralgia pós-herpética. Não pode ser aplicada em herpes em
atividade.

OBS.: METADONA – Cuidado ao iniciar e titular dose:

 Meia-vida longa (30h): demora dias até controle adequando da dor (steady state). Não aumentar a dose antes do
5º dia.
 Interage com inúmeras drogas.
 Pode prolongar intervalo QT (sobretudo diante de hipocalemia e hipomagnesemia). Na enfermaria é bom dosar
o potássio e o magnésio.
 Equivalência (VO): 5x mais potente que morfina VO.
 Equivalência não linear: CUIDADO. 40 mg da Metadona equivale a 500 mg da Morfina; 200 mg da Metadona
equivale a 30 mg da Morfina = não é linear.

INSUFICIÊNCIA RENAL:

- Redução de dose de acordo com ClCr:

♣ Diminuição da morfina e oxicodona – possuem liberação renal. Se só tiver essas drogas na Unidade de Saúde,
aumentar o intervalo entre as drogas e monitorizar o paciente.
♣ Fentanil e Metadona em menor grau – liberação é fecal, por isso é em menor grau.

OPIÓIDES – EFEITOS COLATERAIS:

- Comuns:

♠ Constipação – pedir para o paciente aumentar a ingesta de água e fibras e prescrever um laxante.
♠ Boca seca;
♠ Náusea/vômitos – prescrever antiemético SN.
♠ Sedação – sonolência excessiva é melhor trocar o opióide ou associar com Metilfenidato (deixa o paciente mais
alerta) ou aumentar o consumo de cafeína (cápsula).
♠ Transpiração.

- Incomuns:

• Pesadelos/alucinações;
• Disforia/delirium – troca/rotação do opióide.
• Mioclonia/convulsões – limiar diminuído com Tramadol EV. Metadona usar associada com anticonvulsivante.
• Prurido/urticária – associar o prurido com anti-histaminico. Urticária – trocar o opióide.
• Depressão respiratória – dar o antídoto (Naloxone EV – meia vida curta), suspender o opióide e monitorar o
paciente.
• Retenção urinária – sondagem de alívio e avaliar necessidade, se recorrente, se alfa-bloqueador ou suspensão do
opióide/rotação do opióide.
ADJUVANTES – de acordo com a causa da dor:

FÁRMACO: DOSE INICIAL RECOMENDADA: COMENTÁRIOS:


ANTIDEPRESSIVOS: Tricíclicos – 10 mg à noite. EA: efeitos anticolinérgicos.
1. Desipramina.  1ª opção para dor Idosos raramente toleram > 75-100 mg/dia.
2. Nortriptilina. neuropática em adulto EVITAR EM IDOSOS.
3. Amitriptilina. jovem, mas em idoso a 1ª
opção é anticonvulsivante.

4. Duloxetina – IRSN – 20 mg/dia. Monitorar PA, tontura e efeitos sobre cognição.
fibromialgia, dor difusa
– começar com 30 mg.

5. Venlafaxina ISRS – 37,5 mg/dia. Monitorar PA e FC.


Atenção para cefaleia, náusea, sudorese,
sedação, convulsões.

ANTICONVULSIVANTES: DOR NEUROPÁTICA – anticonv.


1. Gabapentina. 100 mg à noite. Monitorar sedação, ataxia e edema.

2. Pregabalina. 50 mg à noite. Monitorar sedação, ataxia e edema.

3. Lamotrigina. 25 mg à noite. Monitorar sedação, ataxia e edema.

RELAXANTE Ação anticolinérgica – dá sono. Cuidado com


MUSCULAR: idosos – piora quadro cognitivo.
1. Baclofeno. 5 mg 3x ao dia
Monitorar fraqueza muscular, função renal,
efeitos cognitivos e sedação.

2. Ciclobenzaprina 5 mg à noite. Monitorar tontura, efeitos cognitivos e sedação.

BIFOSFONADOS. Alendronato. Demora semanas para começar a fazer efeito.


R – Risendronato. Injetável – Ácido zoledrônico.
A – Alendronato. Usados para dores meta-ósseas,
I – Ibandronato. ósseas e osteoporose.
Z – Zoledronato.
CORTICÓIDES. Decladron e Dexametasona – muito Cuidado!! Pode causar hipoglicemia, aumentar a
usado em Neoplasia – diminui: dor, PA, osteoporose.
inflamação. Usar em doses baixas (< 1mg/kg/dia) e por pouco
> 1 mg/kg/dia = dose tempo em casos de dor não oncológica.
imunosupressora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:

- Determinar a causa da dor e oferecer o tratamento mais eficaz.

- Usar a VO sempre que possível.

- Seguir a escala progressiva de potência analgésica.

- Usar medicação de horário – horário fixo.

- Prescrever dose de resgate.

- Não associar opióides de classes diferentes.

- Evitar agonistas parciais para usos crônicos – Buprenorfina e Nalbufina.

- Meperidina (Dolantina) proscrita!!!

- Considerar a rotação de opióides: opção quando controle inadequado da dor e/ou perfil de efeitos adversos limita o
tratamento.

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