Held - Modelos de Democracia
Held - Modelos de Democracia
Held - Modelos de Democracia
1) O período de uma década e meia após a Segunda Guerra Mundial foi caracterizado como um momento de
consentimento e de fé na autoridade e na legitimidade do Estado. Havia uma espécie de contrato social pós-
guerra, que reconhecia no Estado a capacidade de promover o bem para os indivíduos e para a coletividade,
protegendo-os das arbitrariedades e cuidando daqueles cidadãos mais vulneráveis.
2) Contudo, com as dificuldades econômicas enfrentadas a partir do final da década de 1960 e, sobretudo, em
meados da década de 1970, aquele Estado do bem-estar social passou a perder a atratividade e a receber
ataques de teóricos de esquerda (em razão das poucas mudanças geradas num mundo de privilegiados) e de
direita (em virtude dos altos custos para a manutenção do Estado e pela ameaça às liberdades individuais). A
polarização das ideias políticas, portanto, resultou desta justa contraposição entre as respostas teóricas à crise
de efetividade do Estado.
3) Reconhece-se, assim, à época, também, a existência de uma crescente crise democrática, a qual recebeu,
em síntese, as seguintes explicações: (i) a de que o Estado estaria sobrecarregado; e (ii) a de que o Estado
sofria de uma crise de legitimidade. Em resposta a estas explicações, dois modelos teóricos de democracia
foram apresentados, respectivamente: (a) a democracia legal, pela denominada Nova Direita; e (b) a
democracia participativa, pela Nova Esquerda.
Uma ordem democrática legítima ou um regime repressivo?
4) O período de consenso e de reconhecimento de legitimidade foi acompanhado do desenvolvimento de duas
explanações teóricas, que buscaram interpretar a aparente harmonia política no ocidente durante o período
imediatamente sequente ao pós-guerra. A primeira delas, divulgada pela maior parte dos cientistas políticos,
proclamava o “fim da ideologia”, enquanto a outra, levantada por uma minoria que tinha por base o
pensamento marxista, justificava o período pelo argumento de que vigia uma ordem repressiva, própria de
uma sociedade unidimensional.
5) Embora as divergências no âmbito das justificativas, era perceptível o alto nível de complacência e de
integração entre todos os grupos e classes da sociedade, o que gerou uma estabilidade política e do sistema
social bastante distinta dos períodos anteriores. No entanto, o já anunciado declínio das economias de mercado
ocidentais colocou em xeque a correlação entre a aquiescência das massas e a legitimidade política.
Estado sobrecarregado ou crise de legitimidade?
6) Como visto, a crise do final da década de 1960 e início da década de 1970 foi explicada por duas principais
teorias. A teoria que sustentava que o Estado estava sobrecarregado, da chamada Nova Direita, sugeria
medidas de contenção e de controle, pois reconhecia no Estado um círculo vicioso que fomentava a sua
expansão exagerada, com o consequente aumento dos gastos públicos e da repressão à livre iniciativa. Por
outro lado, aqueles que justificavam a crise pela ausência de legitimidade do Estado, defendiam que a
compreensão do problema dependeria de uma análise das relações de classes e das restrições políticas impostas
pelo capital.
7) Em termos gerais, ambas as teorias compartilhavam do entendimento de que o poder Estado estava
condicionado à sua capacidade de efetivar suas políticas, assim como que o poder numa sociedade democrática
depende do aceite de sua autoridade (Nova Direita) ou de sua legitimidade (Nova Esquerda). Era pacífico,
também, que a capacidade estatal para atuar decisivamente encontrava-se deformada, haja vista o declínio de
sua autoridade e/ou legitimidade.
Lei, liberdade e democracia
8) Dois dos principais teóricos da Nova Direita foram Hayek e Nozick. Robert Nozick defendeu a
impossibilidade de se justificar qualquer atribuição de princípios ou padrões gerais para as prioridades dos
indivíduos. Para Nozick, as únicas instituições políticas justificáveis são aquelas que corroboram com um
ambiente de liberdade. Dessa sorte, o Estado Mínimo é o único modelo de Estado moralmente justificável,
uma vez que qualquer outro viola direitos individuais. A tese é a de que os indivíduos são extremamente
distintos e percebem variados interesses e necessidades, sendo que somente eles próprios são capazes de
decidir adequada e legitimamente sobre aquilo que lhes afeta. Para Nozick, nenhum Estado é capaz de
acomodar as diferentes aspirações dos indivíduos. Portanto, a única solução possível perpassa a manutenção
da liberdade máxima aos indivíduos, que podem, assim, perseguir, cada qual, a sua utopia (inexiste uma única
utopia social). Ao Estado caberia manter o monopólio da força tão somente para defender os direitos
individuais.
9) Hayek, por sua vez, demonstrava preocupação com a democracia das massas. Segundo Hayek, haveria uma
propensão à arbitrariedade e à opressão pela regra da maioria, bem como o perigo de que a regra da maioria
fosse progressivamente substituída pela regra dos agentes públicos. Assim, Hayek defende que, num sistema
democrático, deveria haver limites para as ações do povo, caso contrário inexistiria qualquer garantia de que
as decisões tomadas pela via democrática seriam boas. O povo seria a fonte do poder, mas o seu poder deveria
ser limitado pelo dever de observância da liberdade. Para Hayek, o liberalismo seria a doutrina dedicada a
investigar como a lei deve ser, enquanto a democracia seria a doutrina dedicada a analisar a maneira com que
a lei é determinada. O Estado de direito (rule of the law) limitaria, assim, as decisões majoritárias.
10) Uma das principais críticas de David Held à Nova Direita relaciona-se com a constatação de que exercer
a liberdade individual não depende somente da sujeição às mesmas regras de direito (igualdade formal), mas
também do nível de condições materiais e culturais disponíveis ao indivíduo, o que deslegitimaria a liberdade
como o valor fundamental a ser observado pelo regime político.
Participação, liberdade e democracia
11) Durante as décadas de 1970 até o início da década de 1990, a “democracia participativa” representou o
principal modelo contrário à “democracia legal”. Este modelo teórico questiona a ideia de que os indivíduos
são iguais e livres nas democracias liberais. Ou seja, o reconhecimento formal dos direitos não é importante
quando somente uma parcela destes é efetivamente desfrutada pelos cidadãos.
12) Os teóricos da democracia participativa defendem que o modelo do Estado liberal está fadado a manutenir
e a reproduzir condições de parcialidade e dependência. As eleições seriam mecanismos incapazes de
assegurar a accountability necessária e requerida das forças envolvidas com o governo.
13) Assim, para se atingir a liberdade e o desenvolvimento individual, o Estado deveria ser democratizado por
intermédio do envolvimento direto e contínuo dos cidadãos com a regulação da sociedade. Macpherson,
teórico da democracia participativa, defendeu que a transformação adviria de um sistema que combinasse a
competição entre os partidos e a organização de instrumentos de participação democrática direta.
14) A efetiva participação dos cidadãos dependeria de uma percepção de que a oportunidade de influenciar as
decisões realmente existe. Se, por outro lado, a participação dos interessados é marginalizada, dificilmente a
cultura de participação seria incentivada. Ainda, há que se considerar que as pessoas provavelmente estarão
mais interessadas em participar de decisões que lhes afetam diretamente (nível local) do que em decisões de
nível nacional. De todo modo, os teóricos da democracia participativa defendem uma abertura democrática
fluida entre os níveis local e nacional, a fim de se fomentar a participação.
15) A crítica de David Held ao modelo teorizado para a democracia participativa relaciona-se com a ausência
de enfretamento de questões cruciais de implementação deste modelo, bem como da notória dificuldade de se
estabelecer um sistema que depende da participação de cidadãos comuns que, hoje, não demonstram tanto
interesse pela participação no gerenciamento da sociedade e da economia.