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Meta
Objetivos
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Linguística V
“Ler é saber que o sentido pode ser outro, mas não qualquer um”
(ORLANDI, 1988, p. 102). Ao longo de nossas aulas, já citamos esse
enunciado várias vezes! Ele é muito importante, porque nos diz que ler é
interpretar e que interpretar é significar. Também já explicamos que para
a Análise do Discurso leitura é interpretação. Interpretamos sempre!
Isso quer dizer que nós somos sujeitos de linguagem e que estamos
sempre buscando significar nossa realidade, ou seja, dizer algo sobre
as coisas como forma de compreender o mundo. E ao fazermos isso,
estamos lendo-o ou interpretando-o. Isso também quer dizer que é pela
linguagem que organizamos nosso mundo. Você já se deu conta de que
sempre que falamos estamos, em alguma medida, lendo, compreen-
dendo, interpretando? E mais: fazemos isso com base no lugar social
que ocupamos, a partir da nossa vivência sociocultural e histórica. Por
exemplo, uma frase como “Isso são horas?” pode ser dita por uma mãe
para a filha adolescente que chega em casa depois de meia-noite. Ou
pode ser dita por um patrão para o empregado que chega depois do ho-
rário marcado. A frase é a mesma, mas os sentidos se alteram de acordo
com o lugar ocupado por aquele que enuncia a frase, concorda? No caso
da mãe, essa frase pode fazê-la lembrar-se de como ela mesma, quando
adolescente, se rebelava contra sua própria mãe. Assim, dá-se conta de
sua contradição: ela repete o que sua mãe dizia. Já no caso do patrão,
essa frase pode significar desconto no salário a ser pago para o operário
e reafirma o lugar de poder.
Quando falamos, portanto, entramos nas tensões sociais que mar-
cam nossa época histórica: podemos repetir os sentidos que já estão
em circulação ou resistir a eles, mas nem sempre nos damos conta
disso. Um exemplo recorrente é quando os professores ouvem de seus
alunos perguntas como “Professora, além de dar aula, a senhora tam-
bém trabalha?” ou “Poxa, também queria isso! Ganhar bolsa sem ter
que trabalhar!”. Nesses contextos, tanto dar aula quanto trabalhar como
pesquisador são considerados “bicos”, atividades secundárias ou nem
sequer trabalho.
Essas considerações sobre leitura são importantes, sabe por quê?
Precisamos compreender que os sentidos são determinados pelas posi-
ções ideológicas no processo sócio-histórico dos sujeitos de linguagem.
Por isso, o que significa de um jeito para uma pessoa pode significar
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Língua
(Caetano Veloso)
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Língua portuguesa
(Olavo Bilac)
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Língua
(Gilberto Mendonça Teles)
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Interdiscursividade
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Figura 8.3
Fonte: http://www.caetanoveloso.com.br/discografia.
php.
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Ricardo Tokumoto
Homogeneidade linguística
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eles se fala a mesma língua trazida de Portugal. Todos esses países, in-
cluindo a antiga metrópole, são membros de uma organização interna-
cional chamada CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(BRANCO, 2013).
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Atividade 1
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Resposta comentada
Na figura anterior, nos chama a atenção a aparente tensão gerada entre a
fala do aluno e a incompreensão da professora. Pensando nisso, uma das
possibilidades de resposta seria considerar motivos para essa incompre-
ensão. Assim, poderíamos dizer que:
a) a língua usada pelo aluno, em relação à língua ensinada na escola,
apresenta, além de excessiva informalidade, violação das regras grama-
ticais, o que implicaria um total descompasso entre o que é ensinado e
o que é aprendido.
b) o enunciado new portuguêis também gera tensão porque poderia
se referir, na escrita, ao novo acordo ortográfico, ou, na fala, ao modo
como a língua da escola está distante da língua do aluno, parecendo,
para ele, uma nova língua.
Se pensarmos que:
• a língua fluida é aquela falada pelos sujeitos por toda a sua vida, a
que está em movimento junto com o sujeito, não se deixando imobi-
lizar e estando em mudança ininterrupta;
• a língua imaginária é aquela sistematizada, gramatizada, fixada em
regras e fórmulas, a língua que constitui o imaginário do sujeito es-
colarizado que fala e que dá corpo ao Estado-nação,
então a língua que encontramos na sala de aula quando estudamos “a
língua portuguesa” como disciplina não coincide com a língua falada,
mas com uma língua que é imaginada como perfeita, certa, completa.
Como consequência disso, temos que a língua imaginária da escola ser-
ve para avaliar, homogeneizar e domesticar os sentidos sobre língua e
língua portuguesa, enquanto a língua que vem com o aluno está fora do
lugar de língua sobre a qual se deva saber.
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Formações imaginárias
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Esse imaginário de língua que ainda hoje a escola quer fazer crer
como único, como se essa fosse a língua que todos falamos, lemos
e escrevemos é da ordem da ilusão. Mas, como nos diz Orlandi,
“o imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da lin-
guagem. Ele é eficaz” (ORLANDI, 2002, p. 56). Essa ilusão é eficaz.
Um exemplo disso é ouvir dizeres absurdos, como “eu não sei
português direito”, “eu quero estudar português porque eu falo
tudo errado”, de brasileiros nativos falantes da língua portuguesa
fluida há décadas. Sobre essa questão, há vários trabalhos publi-
cados, dentre os quais uma tese de doutorado de SuelyAlmeida
(2008) e um artigo de Bethania Mariani (2008), cujas referências
você encontrará ao final da aula. Esse não é nosso assunto, mas é
importante entender o que está em jogo em tais dizeres. Maria-
ni nos aponta direções de sentidos para compreender “o modo
como, no Brasil, o falante introjetou que ‘não sabe falar certo’”
(MARIANI, 2008, p. 19). Ela discute como uma norma pode qua-
lificar ou desqualificar os cidadãos, dando-lhes lugar na socieda-
de ou excluindo-os.
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Atividade 2
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Resposta comentada
Você pode responder pensando o jogo das formações imaginárias, por
exemplo. Assim, parece-nos que o aluno e a língua que a escola imagina
não são o aluno nem a língua que chegam a ela. E vice-versa, ou seja,
vimos na aula que, pelo discurso institucional da escola, o sujeito-aluno
não é significado pela língua portuguesa que habita e o constitui, mas
pela língua que imaginariamente não tem, aquela que vai ser ensinada
para que ele possa ter acesso à escala do social. Como nos diz Pfeiffer,
aquele que vai à escola deveria ir para
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Scott LaPierre
Figura 8.4: A vida contemporânea e a leitura em biblioteca.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:2008_BostonPublicLibrary_2223721594.
jpg.
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Atividade 3
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Resposta comentada
Pensando sobre o que lemos nesta aula, você pode elaborar uma respos-
ta se compreender o espaço pela linguagem. Isso quer dizer dar-lhe sen-
tido a partir de determinadas condições de produção históricas, sociais,
políticas, ideológicas, a partir das filiações de sentido desse sujeito que
habita o espaço. O espaço em sua forma histórica ganha sentido para
o sujeito e vai também determinar sentidos para esse sujeito. Em cada
espaço há modos diferentes de interagir com o próprio espaço, com os
sujeitos que o habitam e com o momento histórico em que se está ali,
por exemplo, quando se está lendo numa biblioteca, numa praia, num
bar. Essa relação sujeito/espaço/língua vai já estar significada para o su-
jeito/espaço/língua, ou seja, há um já dito sobre aquele espaço, sobre o
sujeito que está nele que o significa de determinada forma e não de ou-
tra. Assim, é previsível que não se entre na biblioteca de biquíni, ou que
as fichas da biblioteca estejam em língua portuguesa em um país cuja
língua nacional é o português, ou que os sujeitos não comecem a fazer
um karaokê no salão de leitura de uma biblioteca etc.
O espaço de leitura não escapa a esse modo de significar. As bibliotecas,
por exemplo, têm rituais que precisamos seguir para não sermos excluí-
dos delas, por exemplo, fazer silêncio, não entrar com material antes de
passar pela revista da bibliotecária, entre outros.
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Halleypo
Figura 8.6: Arquitetura: espaços simbólicos a serem lidos.
Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Biblioteca_nacional_rio_janeiro.jpg.
Cyro A. Silva
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entre língua oral e língua escrita. A língua oral são várias. Não
é uma só, porque os imaginários são vários. E a língua escrita
constitui-se pelo imaginário da língua perfeita, modelo, a que
deve ser imitada na fala. Quando o sujeito enuncia, ele se filia a
um imaginário de língua. E o imaginário oficial, da escola, é o de
língua escrita.
Pensemos, então, na língua latina, sem nos esquecermos das suas
condições de produção, ou seja, das sociedades que se estrutura-
vam em classes diferentes das que temos hoje (aristocracia, clero,
escravos), assim como das instituições oficiais do Império Ro-
mano, que eram bem diferentes do que imaginamos atualmente.
Algumas das instituições que fazem parte da nossa realidade e
do nosso imaginário, como escola (pública e privada), senado,
exército, hospital (público e privado), igreja, biblioteca (pública e
privada), nem existiam para os falantes do latim.
Assim, a língua latina falada, oral, ou seja, a língua sujeita a diver-
sas variações, a língua usada por quem falava latim, era a língua
fluida. Havia o imaginário do latim vulgar, aquele das classes po-
pulares e dos que não possuíam instrução formal (soldados, arte-
sãos, agricultores, escravos) e o imaginário do latim clássico (que
tinha como modelo a língua escrita). Esse era o instrumento lite-
rário usado pela classe com instrução formal (a elite do império,
os senadores, os grandes poetas, prosadores, filósofos, retóricos).
Não podemos nos esquecer, ainda, de que, na constituição de seu
vasto império – cuja extensão territorial compreendia toda a Eu-
ropa, a Bacia Mediterrânea da África e da Ásia e era dividida em
dois: o Império Romano do Ocidente, cuja capital era Roma, e
o Império Romano do Oriente, cuja capital era Constantinopla
–, os romanos conquistaram povos de línguas e culturas muito
diversificadas e diferentes da deles. Por isso, em cada região onde
o latim (predominantemente o vulgar) era imposto, houve alte-
rações linguísticas distintas, o que levou às diferentes formas de
falar a língua fora das cidades centrais do Império. Surgiram, en-
tão, os romanços, isto é, os dialetos do latim (palavra oriunda do
latim romanice, que significa falar ao modo dos romanos), o que
indica que surgiam outras línguas a partir das relações políticas
entre povos e suas línguas, que se misturavam e disputavam espa-
ços de enunciação (GUIMARÃES, 2002).
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Que pouco se leia nesta terra é o que muita gente afirma, há lon-
gos anos; é o que acaba de dizer um bibliômano na Revista Brasi-
leira. Este, porém, confirmando a observação, dá como uma das
causas do desamor à leitura o ruim aspecto dos livros, a forma
desigual das edições, o mau gosto, em suma.
Creio que assim seja, contanto que essa causa entre com outras
de igual força. Uma destas é a falta de estantes. [...]
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Atividade final
Resposta comentada
Não temos uma resposta exata e única para esta atividade. Sua respos-
ta deverá ser atravessada pelos três conceitos relacionados, apontando
para os sentidos múltiplos entre espaço e leitura e mostrando que toda
leitura é produzida. Deve-se, assim, considerar suas condições de pro-
dução, já que as condições do sujeito, do espaço, da língua serão sempre
diferentes em relação às classes sociais, às diferenças ideológicas, às his-
tórias pessoais e do grupo, entre outros fatores.
Pensando discursivamente, com base nos teóricos já lidos até o momen-
to do curso, podemos argumentar que a prática da leitura passa pela
reflexão das relações de poder, das relações sociais e das condições de
produção histórico-ideológicas que nos possibilitam compreender a lei-
tura como uma produção de sentidos relacionados entre si, em sua mul-
tiplicidade, e não como um sentido único, conforme já foi observado
desde as primeiras aulas.
É preciso pensar que os espaços de leitura estão sempre em constituição
com o sujeito-leitor e com sua língua fluida, e que estes possuem uma
constante relação de interpretação afetada pelo simbólico e pelo polí-
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Conclusão
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Resumo
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Leituras recomendadas
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