Libro Sobre Educação e Porbreza

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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS

DAS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO,


POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS

JUCILEY SILVA EVANGELISTA FREIRE


JOÃO NUNES DA SILVA
JOSÉ CARLOS DA SILVEIRA FREIRE
(Organizadores)
JUCILEY SILVA EVANGELISTA FREIRE
JOÃO NUNES DA SILVA
JOSÉ CARLOS DA SILVEIRA FREIRE
(Organizadores)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS


RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO, POBREZA E
DESIGUALDADES SOCIAIS

Palmas – TO
2021
Universidade Federal do Tocantins
Editora da Universidade Federal do Tocantins - EDUFT
Reitor Conselho Editorial
Luis Eduardo Bovolato Presidente
Ruhena Kelber Abrão Ferreira
Vice-reitor
Marcelo Leineker Costa Membros do Conselho por Área

Pró-Reitor de Administração e Finanças Ciências Biológicas e da Saúde


(PROAD) Eder Ahmad Charaf Eddine
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Raphael Sanzio Pimenta
Interdisciplinar
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Ruhena Kelber Abrão Ferreira
Wilson Rogério dos Santos

Criação, projeto gráfico e capa: Juciley Silva Evangelista Freire


Diagramação: Pigmento Gráfica

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada


autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu
respectivo autor.

http://www.abecbrasil.org.br http://www.abeu.org.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins
Campus Universitário de Miracema

T768 Trajetórias, temas e problemas das relações entre educação, pobreza e desigualdades sociais
[Recurso eletrônico] / Organizadores Juciley Silva Evangelista Freire, João Nunes da Silva,
José Carlos da Silveira Freire; autores Audir Valdemar Garcia...[et al]. - Palmas, TO: EDUFT,
2021.
252 p.; il.; color.; dados eletrônicos (pdf); (Coleção EPDS).

Acesso: https://ww2.uft.edu.br/eduft
Co-edição com Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas
Públicas – UFT (NEPED).
Inclui bibliografia.
Vários autores.
ISBN: 978-85-60487-89-9 (e-book).

1. Educação - Diversidade. 2. Educação - Desigualdades. 3. Política educacional. 4. Política


social. 5. Pobreza e desigualdade social - Tocantins. I. Freire, Juciley Silva Evangelista. II. Silva,
João Nunes da. III. Freire, José Carlos da Silveira. IV. Garcia, Audir Valdemar. V. Núcleo de
Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas. VI. Série.

CDD 371.207

Bibliotecário: Geraldo Santos da Costa


CRB-2 / 1038

Todos os Direitos Reservados – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer
meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº
9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código penal.
APRESENTAÇÃO
A obra Trajetórias, temas e problemas das relações: educação, pobreza
e desigualdades sociais  em formato de E-book  é fruto do trabalho acadêmico
realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdades sociais e
Políticas Públicas − NEPED da Universidade Federal do Tocantins – UFT, em âmbito
da segunda fase do projeto da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social
(EPDS) − Trajetórias Escolares, com apoio da Secadi/MEC  desenvolvida entre os
anos de 2018 e 2019  com os recursos do FNDE. O livro compõe-se de textos que
apresentam reflexões sobre o fenômeno educativo e suas relações com a pobreza e
as desigualdades sociais, predominantes em várias partes e regiões do Brasil e, mais
precisamente, no Estado do Tocantins.

O objetivo que permeou o processo investigativo dessa Coletânea, assim


como a escolha dos artigos que a compõem, foi o desvendamento dos condicionantes
sócio-históricos causados pela pobreza e pela desigualdade social frente às trajetórias
escolares. A leitura atenta dos textos permite-nos entrever como a pobreza  em
suas múltiplas determinações  afeta a qualidade dos processos de formação e
aprendizagem desenvolvidos pela escola. Isso se deve, em parte, à estrutura social
concentradora de riqueza e renda que condena a maioria da população a uma
condição degradante de vida, expressa pela falta de acesso aos direitos sociais básicos;
exemplos: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, etc.

Os textos desse E-book organizam-se em três partes, conforme a temática


ou área em questão.
1. A primeira parte intitula-se: Trajetórias escolares dos estudantes em
situação de pobreza na educação pública do Tocantins: resultados de
pesquisa.
2. A segunda parte: Temas e problemas das relações: educação, pobreza e
desigualdades sociais na escola; e
3. A terceira parte: Diversidade, desigualdades e suas relações com a
educação.

Apresentamos os conteúdos temáticos dos estudos dispostos através de


artigos e distribuídos dentre as suas devidas sessões aos leitores.

Primeira parte: Trajetórias escolares de estudantes em situação de pobreza


na educação pública do Tocantins: resultados de pesquisa  Os textos integrantes
desse segmento resultam da pesquisa realizada pelo NEPED durante a vigência do
Projeto da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS)  Trajetórias
Escolares  convênio MEC/Secadi/FNDE, entre os anos de 2018−2019. Os artigos que

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 5
constituem a primeira parte são:
• Trajetórias escolares e desigualdades socioeconomicas dos estudantes
em situação de pobreza no Estado do Tocantins, da autora − Prof.a Juciley
Silva Evangelista Freire e do autor − Prof. José Carlos da Silveira Freire;
que nos apresentam o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes do
Programa Bolsa Família e seus familiares no Estado do Tocantins;
• Trajetórias escolares de estudantes tocantinenses: resultados, desafios
e perspectivas, do autor e Prof. João Nunes da Silva; que discute os
resultados do rendimento escolar dos estudantes da educação básica do
Tocantins; e
• Reflexões sobre a trajetória da educação escolar indígena no Estado do
Tocantins, das autoras e Prof.as: Juciley Silva Evangelista Freire, Layanna
Giordana Bernardo Lima e Diva Nunes Rezendes; traça a trajetória da
política de educação escolar indígena no Estado do Tocantins, na década
entre 2009−2019.

Os três textos propõem ao leitor uma reflexão crítica acerca do modo como
as desigualdades sociais impostas por um modelo econômico e social excludente
materializam-se na flagrante realidade dos estudantes tocantinenses em situação de
pobreza e, também, as vivências desses escolares, de acordo com as consequências
dessas desigualdades sociais. Se a realidade dos estudantes demonstra a gritante
falta de recursos básicos à vida, também demonstram que faltam-lhes as condições
necessárias para uma melhor qualidade de ensino que favoreçam a manutenção do
aluno na escola e, por sua vez, o aprendizado fundamental para garantir a efetivação
do exercício da plena cidadania.

Segunda parte: Temas e problemas das relações: educação, pobreza


e desigualdades sociais na escola compõe-se por 5 artigos e traz elementos
reflexivos sobre os problemas teórico-práticos inerentes à questão da pobreza e das
desigualdades sociais, com foco na necessidade do debate dos temas pertinentes a
essa relação.
• O primeiro artigo  Pobreza e desigualdade social: a (in)visibilidade do
debate na escola, dos autores: Adir Valdemar Garcia, Jaime Hillesheim e
da autora Tânia Regina Krüger  demonstra como a estrutura educacional
manifesta-se tão perversa a ponto de tornar praticamente inexistente
o debate na escola sobre pobreza e desigualdade social. Evidencia o
problema conforme é tratado nos Projetos Político-Pedagógicos (PPPs)
e no cotidiano das escolas da Região Sul do Brasil, mais precisamente do
Estado de Santa Catarina.
• O segundo artigo  Da exclusão ao fracasso escolar: desafios da
criança pobre na escola, da autora: Francisca Rodrigues Lopes; discute
a exclusão e o fracasso escolar como um projeto para a manutenção das
desigualdades e da pobreza.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 6
• O terceiro artigo  Os professores e suas práticas pedagógicas em
contextos empobrecidos, das autoras: Ana Carolina Pontes Costa e
Cristiane Damiana dos Santos de Andrade  apresenta-nos algumas
reflexões inerentes às concepções dos(as) professores(as) e suas práticas
pedagógicas no contexto da pobreza e da desigualdade social dentro de
uma escola na cidade de Corumbá−MS.
• O quarto artigo  Escola, território e mecanismos de segregação: uma
análise das (inter)relações entre dimensões educacionais e territoriais é
uma publicação do autor: André Luiz Régis de Oliveira  traz-nos uma
importante análise sobre as interrelações entre as variáveis educacionais
e de território no município do Rio de Janeiro, a partir dos dados da Prova
Brasil 2013 e Censo Demográfico 2010.
• O quinto artigo  Enfrentamento à pobreza: o Programa Bolsa Família e
seus efeitos no desempenho escolar de alunos de uma escola pública no
municipio de Fátima − TO, das autoras: Rosiene Pereira da Costa Barros,
Conceição Aparecida Siqueira da Cunha e Marlene Barros Sandes 
analisa os efeitos do Programa Bolsa Família (PBF) no contexto escolar
das turmas do 6º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública
estadual do município de Fátima − TO, mediante exame dos resultados
dos estudantes beneficiários PBF nas disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática.

Terceira parte: Diversidade, desigualdades e suas relações com a educação


são as coletâneas de estudos que se apresentam em cinco leituras.
• Primeiro artigo  A questão social, cidadania e educação na realidade
brasileira, conta com a autora e Prof.a Doracy Dias Aguiar de Carvalho e com
o autor Prof. Roberto Francisco de Carvalho  A discussão problematiza
conceitualmente essa relação no âmbito da sociedade capitalista e da luta
de classes que engendram direitos de cidadania subjugados e limitados
pelas contrarreformas neoliberais no Brasil.
• Segundo artigo  Educação e envelhecimento humano: uma abordagem
freireana, dos autores(as): José Carlos da Silveira Freire, Neila Barbosa
Osório e Ana Letícia Covre Odorizzi Marquezan  compreende uma
reflexão teórico-conceitual sobre a exigência ético-política de se pensar a
Educação do Idoso na perspectiva da autonomia e da formação do sujeito
crítico, a partir da postulação de Paulo Freire.
• Terceiro artigo  Alunos(as) indígenas: uma análise do baixo coeficiente
de rendimento acadêmico na Universidade Federal do Tocantins, das
autoras: Jaquelliny Odete C. de O. Teixeira, Célia Maria Grandini Albiero e
Marília de Fátima Marques Lopes Golfeto  identifica as prováveis causas
do baixo coeficiente de rendimento dos(as) acadêmicos(as) indígenas da
UFT e indica algumas alternativas de ação que propiciem melhoria no
rendimento acadêmico desse segmento específico.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 7
• Quarto artigo  Indio come gente? Imagens sobre os povos indígenas
em um livro didático, da autora Juliete Predi Xerente e do autor Ladislau
Ribeiro do Nascimento  refere-se à questão indígena e traz um intrigante
título que investiga a representação dos povos indígenas no contexto
da formação básica no livro didático da coleção História, Sociedade e
Cidadania, aprovada no Programa Nacional do Livro Didático. A autora
deste texto pertence ao povo Akwẽ-Xerente e reside numa aldeia situada
às margens do Rio Tocantins, portanto, suas inquietações surgem de uma
experiência pedagógica desenvolvida em uma escola municipal localizada
fora da aldeia, em cidade vizinha.
• Quinto artigo  O processo de tombamento das escolas rurais no
município de Canaã dos Carajás−Pará no período de 2007 a 2016, dos
autores: Valder Almeida Nogueira e Ritianne de Fátima Silva de Oliveira
 denuncia as desativações e extinções das escolas rurais−municipais;
assim, visa ao conhecimento do processo de tombamento dessas
escolas, identificando àquelas que foram desativadas e extintas, causas e
consequências dessas extinções dentre as escolas situadas em contextos
empobrecidos da região Norte do país.

Os textos integrantes dessa coletânea foram produzidos pelos(as)


pesquisadores(as) diante do claro compromisso com o desvelamento das diversas
formas de opressão e iniquidades; portanto, eles(as) convidam-nos à reflexão e ao
debate das trajetórias, dos temas e dos problemas que os fenômenos da pobreza
e das desigualdades sociais colocam à prática social da educação em todos os seus
níveis e modalidades.

Boas leituras!

Os organizadores.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 8
SUMÁRIO
PARTE I
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DOS ESTUDANTES EM SITUAÇÃO DE POBREZA NA
EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DO TOCANTINS: RESULTADOS DE PESQUISA..11

TRAJETÓRIAS ESCOLARES E DESIGUALDADES SOCIOECONOMICAS DOS


ESTUDANTES EM SITUAÇÃO DE POBREZA NO ESTADO DO TOCANTINS .................12
Juciley Silva Evangelista Freire
José Carlos da Silveira Freire

TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE ESTUDANTES TOCANTINENSES: RESULTADOS,


DESAFIOS E PERSPECTIVAS............................................................................................................40
João Nunes da Silva

REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO


ESTADO DO TOCANTINS ...................................................................................................................54
Juciley Silva Evangelista Freire
Layanna Giordana Bernardo Lima
Diva Nunes Rezendes

PARTE II
TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES: EDUCAÇÃO,
POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS NA ESCOLA........................................................... 83

POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL:


A (IN)VISIBILIDADE DO DEBATE NA ESCOLA............................................................................84
Adir Valdemar Garcia
Jaime Hillesheim
Tânia Regina Krüger

DA EXCLUSÃO AO FRACASSO ESCOLAR:


DESAFIOS DA CRIANÇA POBRE NA ESCOLA.........................................................................103
Francisca Rodrigues Lopes

OS PROFESSORES E SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


EM CONTEXTOS EMPOBRECIDOS: ALGUMAS REFLEXÕES............................................. 115
Ana Carolina Pontes Costa
Cristiane Damiana dos Santos de Andrade

ESCOLA, TERRITÓRIO E MECANISMOS DE SEGREGAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS


(INTER)RELAÇÕES ENTRE DIMENSÕES EDUCACIONAIS E TERRITORIAIS..............129
André Luiz Regis de Oliveira

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 9
ENFRENTAMENTO À POBREZA: O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E
SEUS EFEITOS NO DESEMPENHO ESCOLAR DE ALUNOS DE UMA
ESCOLA PÚBLICA NO MUNICIPIO DE FÁTIMA−TO................................................................ 147
Rosiene Pereira da Costa Barros
Conceição Aparecida Siqueira da Cunha
Marlene Barros Sandes

PARTE III
DIVERSIDADE, DESIGUALDADES E
SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO .......................................................................................160

QUESTÃO SOCIAL, CIDADANIA E EDUCAÇÃO:


REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA....................................................................161
Doracy Dias Aguiar de Carvalho
Roberto Francisco de Carvalho

EDUCAÇÃO E ENVELHECIMENTO HUMANO: UMA ABORDAGEM FREIRIANA........183


José Carlos da Silveira Freire
Neila Barbosa Osório
Ana Letícia Covre Odorizzi Marquezan

ALUNOS(AS) INDÍGENAS: UMA ANÁLISE SOBRE O BAIXO COEFICIENTE DE


RENDIMENTO ACADÊMICO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS............195
Jaquelliny Odete C. de O. Teixeira
Célia Maria Grandini Albiero
Marília de Fátima Marques Lopes Golfeto

“ÍNDIO COME GENTE?”: IMAGENS SOBRE OS


POVOS INDÍGENAS EM UM LIVRO DIDÁTICO......................................................................... 217
Juliete Predi Xerente
Ladislau Ribeiro do Nascimento

O PROCESSO DE TOMBAMENTO DAS ESCOLAS RURAIS


NO MUNICÍPIO DE CANAÃ DOS CARAJÁS−PA NO PERÍODO
ENTRE 2007 E 2016..........................................................................................................................230
Valder Almeida Nogueira
Ritianne de Fátima Silva de Oliveira

AUTORES E AUTORAS......................................................................................................................248

OS ORGANIZADORES.......................................................................................................................252

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 10
PARTE I

TRAJETÓRIAS ESCOLARES DOS


ESTUDANTES EM SITUAÇÃO DE
POBREZA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO
ESTADO DO TOCANTINS:
RESULTADOS DE PESQUISA

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 11
TRAJETÓRIAS ESCOLARES E DESIGUALDADES
SOCIOECONOMICAS DOS ESTUDANTES EM
SITUAÇÃO DE POBREZA NO ESTADO DO TOCANTINS
Juciley Silva Evangelista Freire1
José Carlos da Silveira Freire2

Introdução
Em pesquisa realizada entre os anos de 2016 e 2018 pelo Núcleo de Estudo
e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED, da
Universidade Federal do Tocantins (UFT)3, sobre quem são os estudantes em situação
de pobreza e extrema pobreza e como são pensados dentro das políticas educacionais
de alguns municípios do Estado do Tocantins, observou-se que os sujeitos a quem
se direcionam as políticas de combate às desigualdades sociais e educacionais,
considerados pobres ou extremamente pobres, são os: Beneficiários de Programas de
Transferência de Renda, por exemplo: PBF e BPC4; Indígenas; Quilombolas; do Campo;
Itinerantes e Portadores de deficiências.

Segundo o Relatório da Pesquisa,

Os sujeitos revelados pela investigação foram categorizados por grupos


sociais: os alunos do campo, indígenas, quilombolas e itinerantes; os alunos
com deficiências; e os alunos/populações em situação de vulnerabilidade
social ou beneficiários de programas de transferência de renda. Esses três
grupos se interpenetram na qualidade de beneficiários dos programas de
transferência de renda ou de residentes no campo, onde historicamente
uma parcela significativa da população encontra-se alijada do acesso aos
bens materiais e culturais. (FREIRE et al., 2018, p. 110)

Os resultados da pesquisa que foi realizada através da análise dos Planos


Municipais de Educação (PME) de Palmas, Araguaína, Peixe e Campos Lindos 
considerados eixos estruturadores das políticas educacionais desses municípios
 revelaram que todos os sujeitos citados como pobres e extremamente pobres

1 Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Tocantins, Campus de Palmas. Líder do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. Pesquisadora do Programa Nacional
Educação, Pobreza e Desigualdade social da UFT 2016-2018 e 2018-2019. E-mail: [email protected]
2 Professor da Universidade Federal do Tocantins/Campus de Palmas. Doutor em educação e pesquisador do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. E-mail: [email protected]
3 Essa pesquisa contou com financiamento do Programa Educação, Pobreza e Desigualdade Social do MEC/Secadi e do
FNDE.
4 O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um programa do governo federal que garante benefício no valor de um
salário mínimo mensal a pessoas com deficiência ou idosos de 65 anos ou mais de baixa renda. (fonte: https://www.inss.
gov.br/beneficios/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc/)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 12
são reconhecidos como populações portadoras do direito à educação, a quem se
direcionam as metas e as estratégias para o combate à desigualdade educacional
que permeia as vidas dos alunos inseridos neste contexto:

Esse reconhecimento é importante para o enfrentamento dos diversos


tipos de desigualdades, de classe, étnico-raciais, de gênero, entre
outras. Seu reconhecimento como sujeitos de direitos impõe ao Estado
o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao enfrentamento das
históricas desigualdades e formas de exclusão a que são submetidos
em todas as regiões do país, e em maior proporção nas regiões norte e
nordeste. (FREIRE et al., 2018, p. 111)

Observou-se que as propostas das ações dos PME, para o decênio


2014−2024, direcionadas a esses sujeitos possuem um sentido de reparação das
situações de “marginalização e exclusão de parcelas significativas da população
tocantinense que vivenciam a situação de pobreza, independente de sua origem
étnica, cultural ou racial”. Contudo, no Estado do Tocantins, há que se registrar “que
estes sujeitos pobres carregam também as marcas das identidades sociais, culturais e
raciais” (FREIRE et al., 2018, p. 111).

Esses sujeitos, portanto, são pensados como aqueles a quem o estado


deve uma reparação histórica, propondo políticas focalizadas nos diversos
tipos de necessidades educacionais observadas na realidade vivenciada
por eles. (Idem, Ibidem)

O reconhecimento e a proposição das ações, caso não tenham se efetivado


concretamente por meio das políticas públicas, não serão suficientes para instaurar
uma realidade de inclusão aos sujeitos e reparar-lhes as históricas desigualdades
sociais e educacionais. É necessária uma averiguação diante dessas políticas para
chegar-se à certeza de que estão se efetivando e, também, quais são os seus
resultados. No Estado do Tocantins não temos ainda estudos realizados e voltados ao
conhecimento do problema da relação dos resultados do processo educacional com a
trajetória escolar dos alunos pobres.

Segundo Zago (2006)

Uma efetiva democratização da educação requer certamente políticas


para a ampliação do acesso e fortalecimento do ensino público, em todos
os seus níveis, mas requer também políticas voltadas para a permanência
dos estudantes no sistema educacional de ensino. (p. 228)

Duarte (2011) aponta que alguns estudos revelam-nos uma forte correlação
entre situação de pobreza, distorção idade/série, dificuldades para a permanência
na escola e não acesso aos níveis mais elevados de ensino. Segundo a autora, “os
indicadores de fracasso escolar e baixa escolaridade nos dirigem, quase sempre, aos
mesmos lugares dos indicadores de vulnerabilidade social e pobreza” (p. 1).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 13
Dados do Censo Educacional ocorrido no Brasil em 2010 revelaram que
 dentre a população de 6 a 14 anos, mais de 97% estava matriculada nas escolas.
Desses escolares, 43,9 milhões (85,4%) frequentavam a escola pública e, apenas, 7,5
milhões (14,6%) alocavam-se nas escolas particulares. Os percursos escolares desses
estudantes, no entanto, são marcadamente “diferenciados por raça/etnia, gênero e
classe social” (DUARTE, 2013, p. 67).

Os estudos realizados nacionalmente sobre as trajetórias escolares dos


estudantes das camadas populares têm sido aportados na Sociologia da Educação,
fundamentando-se em trabalhos de Bourdieu e Lahire, com enfoque nos percursos
escolares de alunos e suas relações com as condições sociais e econômicas
desfavoráveis (ZAGO, 2006; MASSI, MUZZETI e SUFICIER, 2017), caracterizando-se
pelo fracasso escolar e sua curta duração. A tendência mais recente, contudo, são
os estudos sobre as trajetórias escolares exitosas e prolongadas dos alunos em
condições de pobreza (NOGUEIRA, 2003; NOGUEIRA, ROMANELLI E ZAGO, 2003;
PORTES, 1993; VIANNA, 2000), apreendendo-se os fatores culturais ou familiares que
possibilitam alongamento e sucesso de sua escolarização até o ensino superior em
meio às adversidades socioeconômicas e culturais da família.

Oliveira (2017), voltado ao estudo de revisão bibliográfica sobre a


permanência escolar, no período entre 2004 e 2013, em periódicos, teses, dissertações
e trabalhos publicados em eventos científicos, demonstra que a produção acadêmica
sobre o tema é ainda relativamente pequena, sobretudo quando se refere ao Ensino
Fundamental. A maioria dos estudos concentra-se no ensino superior. Dentre os
trabalhos analisados, a autora cita àqueles relativos ao acesso escolar voltado aos
grupos específicos: estudantes negros, estudantes com liberdade assistida (ou aqueles
que cumprem medidas socioeducativas privativas de liberdade) e estudantes com
deficiência. Todavia, não foram citados estudos sobre a escolarização de indígenas,
quilombolas e populações itinerantes, grupos destacadamente excluídos e com difícil
acesso e permanência à escola.

Considerando-se a estreita relação entre a pobreza e as dificuldades de


acesso, permanência e conclusão na educação escolar das crianças e dos jovens em
situação de pobreza, os programas de transferência condicionada de renda têm sido
utilizados como anteparos para, entre outras coisas, refrear a exclusão escolar, em
nível nacional. Nesse sentido, convém ressaltar que

A pobreza deve ser considerada a partir de uma perspectiva não


somente econômica, que considera exclusivamente a falta de renda ou
sua insuficiência. Existem aspectos da pobreza que podemos chamar de
éticos, concernentes ao autorespeito, às capabilities e à autonomização.
Todavia, o aspecto econômico ligado à presença de uma renda regular
permanece uma condição imprescindível para a saída da miséria, inclusive
nos seus aspectos éticos. (REGO; PINZANI, 2014, p.160)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 14
O recebimento do auxílio que é pago pelo Programa Bolsa Família
(PBF) condiciona-se, além do acompanhamento da saúde infantil, à matrícula e à
frequência escolar da criança ou do jovem cuja família enquadra-se no critério de
renda estabelecido, ou seja, “famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza,
caracterizadas pela renda familiar mensal per capita de até R$ 178,00 (cento e setenta
e oito reais) e R$ 89,00 (oitenta e nove reais), respectivamente” desde que tenham em
sua composição crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos. (BRASIL, 2018a)

Para recebimento do benefício do PBF, as famílias devem manter as crianças


e os jovens frequentando regularmente a escola. Segundo a Secretaria Especial do
Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania, em 2018, no bimestre de outubro
e novembro, entre os 14 milhões de beneficiários em idade escolar, 13,1 milhões, ou seja,
93,8%, contaram com suas frequências acompanhadas pela rede de profissionais nos
estados e municípios que realizam esse trabalho, frente as 140 mil escolas em todo o
país. Destes, “12,5 milhões (94,95%) cumpriram os patamares exigidos”, quais sejam
a frequência de, “pelo menos, 85% para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, e de
75% para jovens de 16 e 17 anos”. (BRASIL, 2019)

Dados dessa mesma fonte demonstraram que, no Estado do Tocantins,


de acordo com o mesmo período, foram estimados 140.698 alunos beneficiários do
Programa Bolsa Família. Destes, 133.545, ou seja, 94,92% receberam acompanhamentos
de suas frequências à escola, e os que cumpriram integralmente a condicionalidade
corresponderam a 97,49%, ou seja, 130.199 alunos. Essa média caracteriza-se acima
da média nacional, mas, abaixo do percentual de 97,52% da região Norte, conforme se
pode ver na tabela abaixo:

Tabela 1 – Acompanhamento da Educação dos Alunos Beneficiários do Programa


Bolsa Família, Tocantins − Outubro e Novembro de 2018.

Cumpriram
Total de Alunos Alunos acompanhados*
UF condicionalidade**
Beneficiários
 Quant.   %   Quant.   % 
Brasil 14.043.116 13.172.487 93,80 12.507.566 94,95
Norte 2.261.670 2.097.123 92,72 2.045.014 97,52
Tocantins 140.698 133.545 94,92 130.199 97,49
Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados na página da Secretaria
do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania (BRASIL, 2019).
Notas:
* Quantidade de alunos que tiveram informações de frequência cadastradas no Sistema
Presença.
** Quantidade de alunos que cumpriram frequência entre os que tiveram informações
cadastradas no Sistema Presença.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 15
Esses dados revelaram que os estudantes pobres e extremamente pobres
estão tendo acesso à escola básica, sobretudo no Ensino Fundamental, no Brasil e
no Estado do Tocantins; contudo, encobrem-se, ainda, quais são as condições desse
acesso, da sua permanência, da conclusão regular dos estudos e das condições sociais,
econômicas e culturais que permeiam as vidas destes estudantes.

A pesquisa proposta no âmbito do projeto da segunda fase da Iniciativa


Educação, Pobreza e Desigualdade Social buscou conhecer essa problemática do
acesso e da permanência dos alunos que vivenciam a situação de pobreza ou extrema
pobreza, caracterizados como aqueles beneficiários do Programa Bolsa Família no
Estado do Tocantins. Algumas questões que se apresentam ao refletirmos sobre essa
problemática dizem respeito às seguintes indagações: Qual é o pefil socioeconômico
e cultural/educacional desses estudantes e dos seus familiares? O que apontam os
dados da educação pública do Estado do Tocantins sobre o acesso à escola por parte
dos estudantes pobres?

O presente texto debruça-se sobre esta primeira questão e tem por


objetivo conhecer o perfil social, econômico e educacional/cultural dos estudantes, e
seus familiares, que vivenciam a situação de pobreza e pobreza extrema no Estado
do Tocantins. De modo específico buscaremos: discutir os fundamentos teóricos
da relação entre desigualdades sociais e educacionais; apreender as condições
socioeconômicas dos estudantes das escolas públicas do Tocantins; e, identificar o
perfil social, étnico-racial, etário, de gênero e educacional das famílias tocantinenses
pobres e extremamente pobres.

Para o alcance destes objetivos, os procedimentos metodológicos realizados


foram pesquisa bibliográfica e documental, de abordagem qualitativa, quantitativa e
descritiva, a partir de buscas realizadas em livros e artigos, e bases de dados oficiais.
Na busca pelos fundamentos da relação entre educação e desigualdades sociais, a
pesquisa biblibográfica levou-nos às sínteses explicativas propostas pela sociologia
educacional de abordagem reprodutivista (BOURDIEU;PASSERON, 2013; BOURDIEU,
1998; NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002; TIBALLI, 2016), contraditada pela abordagem
crítica (SAVIANI, 1999; 2013; FRIGOTTO, 2010; MÉSZAROS, 2008).

Para conhecermos a trajetória escolar dos estudantes em situação de


pobreza do Estado do Tocantins, recorremos aos dados oficiais disponibilizados
em bases do governo federal, a exemplo do Censo Escolar e o Indicador de Nível
Socioeconômico (Inse) das escolas de educação básica, disponibilizados pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (BRASIL, 2015b).
Para traçar o perfil socioeconômico e cultural das famílias pobres e extremamente
pobres no Tocantins, realizamos coleta nas bases de dados do governo federal, por

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 16
meio do Ministério da Cidadania, que disponibiliza o Relatório sobre Bolsa Família e
os dados do Cadastro Único, bem como dados disponibilizados pelo Inepdata – Painel
Educacional Estadual – Tocantins. (BRASIL, 2019b).

Os dados disponíveis nestas bases não se encontram agregados, portanto,


realizou-se um trabalho de recolhimento destes dados, síntese, análise e inferências
acerca de suas implicações para os objetivos desta pesquisa. A investigação realizada
seguiu o método quali-quantitativo, que segundo Minayo e Sanches (1993, p. 247):

do ponto de vista metodológico, não há contradição, assim como não há


continuidade, entre investigação quantitativa e qualitativa. Ambas são
de natureza diferente. A primeira atua em níveis da realidade, onde os
dados se apresentam aos sentidos (...) A segunda trabalha com valores,
crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. A primeira tem
como campo de práticas e objetivos trazer à luz dados, indicadores e
tendências observáveis. Deve ser utilizada para abarcar, do ponto de vista
social, grandes aglomerados de dados, de conjuntos demográficos, por
exemplo, classificando-os e tornando os inteligíveis através de variáveis. A
segunda adequa-se a aprofundar a complexidade de fenômenos, fatos e
processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados
em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente.

Apresentamos, destarte, a primeira parte da discussão realizada no


relatório da pesquisa sobre a trajetória escolar dos alunos em situação de pobreza,
contemplando uma discussão teórica sobre as relações entre educação, pobreza e
desigualdades sociais, que problematizam os pressupostos que fundamentam as
relações entre desigualdades sociais e educacionais frente às teorias reprodutivistas
e às teorias críticas. Num segundo momento, discutem-se as relações entre as
trajetórias escolares e as desigualdades socioeconômicas, apontando-se para o perfil
dos estudantes e dos seus familiares beneficiários do Programa Bolsa Família no
Estado do Tocantins.

Condições socioeconômicas e trajetórias escolares: explicações teóricas


sobre desigualdades sociais e educacionais
Parte do debate acerca das relações: educação, pobreza e desigualdade
social têm se debruçado, atualmente, sobre as trajetórias escolares dos alunos pobres,
sobretudo, para refletir sobre as condições de acesso e permanência desses alunos na
escola, suas dificuldades reais e suas potencialidades para concluírem os estudos.

A sociedade moderna capitalista tem, nas desigualdades  especialmente,


econômica e social  um dos seus pilares estruturais de sustentação, conforme alerta
Mészáros: “a desigualdade estruturalmente imposta é a característica definidora
mais importante do sistema do capital, sem a qual não poderia funcionar nem um só

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 17
dia” (2009, p.112, grifos do autor); e, ao longo do último século, demonstra uma visão
otimista de que isto se trataria apenas de um desvio, um defeito de organização e de
planejamento das instituições modernas que tem sido corroborado até mesmo pelas
ciências humanas e sociais.

A Sociologia da Educação5, adotando essa visão otimista, afirma a função


da educação escolar, conforme instrumento de superação, das falhas do capitalismo
e das suas consequências na vida dos indivíduos, ao postular que a escolarização tem
papel decisivo na superação do atraso econômico e na construção de uma sociedade
justa e democrática, através da igualdade de oportunidade no acesso à educação e
aos postos de trabalho, via aquisição de diplomas escolares. Essa visão funcionalista6
imperou até metade do século XX, em quase todos os países capitalistas avançados.
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002)

Esta concepção meritocrática da igualdade de oportunidades foi


reforçada no período imediato ao segundo pós-guerra, com o desígnio
de a escola proporcionar a identificação dos talentos necessários à
reconstrução e à expansão econômica. Esta procura da “reserva de
talentos”, acompanhada das teorias do capital humano, que atingiram
o seu expoente máximo também neste período, veio reforçar a ideia do
papel redentor que a escola podia ter na mudança societal. (SEABRA,
2009, p. 76)

A crise dessa concepção, nos anos 1960, desembocou no surgimento


das perspectivas questionadoras desse caráter redentor e do poder de mobilidade
social promovido pela escola. Colaboraram para isso, tanto a massificação do ensino
quanto a consequente desvalorização dos diplomas escolares, que aos poucos
minou a confiança na ideologia da “igualdade de oportunidades”. Podemos citar os
debates ocorridos na Europa e que tiveram grande repercussão na academia e no
planejamento das políticas públicas em vários países da América Latina, por exemplo,
os estudos sobre a dimensão reprodutora da escola frente às desigualdades sociais,
econômicas e culturais (ALTHUSSER, 1973; BAUDELOT e ESTABELET, 1971; e BOURDIEU
e PASSERON, 2013).

5 Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1990) o grande tema da “Sociologia da Educação é o dos mecanismos pelos quais a
Educação, ou mais concretamente, a escola, contribui para a produção e a reprodução de uma sociedade de classes.
Este é o tema unificador desta tradição teórica e empírica, o fio de ligação entre estudos que, de resto, podem se mostrar
bastante divergentes. Seria mesmo em torno deste tema que se poderia tentar uma definição da Sociologia da Educação
hoje. Mas o que é mais importante é que os estudos que marcaram e delimitaram o campo da Sociologia da Educação
nos últimos 20 anos centram-se em torno dessa problemática: o Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado de Althusser
(1970), o Schooling in Capitalist America de Bowles e Gintis (1976), a Reprodução de Bourdieu e Passeron (1970), o L´École
Capitaliste en France de Baudelot e Establet (1971), e o Knowledge and Control de Michael Young (1971), muitas vezes
englobados sob o título, impróprio e depreciativo, de reprodutivistas.” (p.4-5)
6 “A sociologia da ordem identificava-se ao estrutural-funcionalismo de Talcott Parsons, seu representante máximo, e a
ela associava-se o funcionalismo de Robert Merton e seus seguidores. Em princípio essa corrente de pensamento teria
uma concepção holística na qual a sociedade seria constituída por partes, cada uma com funções específicas no intuito
de promover a estabilidade do sistema social. Sua contra-cara seria um pensamento voltado para o entendimento dos
conflitos, ou seja, os mecanismos que colocavam em xeque essa mesma estabilidade.” (ORTIZ, 2013, p. 86)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 18
Bourdieu e Passeron (2013), citando caso análogo, elaboraram uma nova
interpretação sociológica do papel da escola e da educação no contexto da sociedade
capitalista. A teoria desses autores, alicerçada na forte evidência empírica e em
pesquisas realizadas em vários países, afirma enfaticamente que há um entrelaçamento
entre o desempenho escolar e a origem social dos estudantes, desmistificando as
promessas da escola em ascender socialmente os indivíduos que nela ingressarem e
virem a adquirir um diploma. Os autores afirmam que a escola é um instrumento de
reprodução e legitimação das desigualdades sociais e manutenção dos privilégios das
classes mais favorecidas econômica e culturalmente. Segundo Tiballi (2016)

Os estudos de Bourdieu e Passeron foram os que mais diretamente


contribuíram para elucidar os equívocos da ideia do déficit cultural.
Reconhecendo que a cultura transmitida pela escola é uma cultura de
classe, que favorece os favorecidos, os autores defenderam a tese de
que existem diferenças culturais, diferenças de capital cultural e de ethos
cultural em uma mesma sociedade. Nas sociedades capitalistas a escola
transmite a cultura dominante, estando o ambiente cultural da criança
mais ou menos próximo dessa cultura. Ao tratar a todos de maneira igual,
a escola favorece a aprendizagem daqueles que vivem o ethos cultural
por ela veiculado, segregando e marginalizando os que apresentam
características culturais diferentes. (p.118, grifos da autora)

Para Bourdieu, em que pese o reconhecimento do caráter social das


atitudes, valores e comportamentos individuais, é a herança cultural familiar que
determina a posição social dos indivíduos. A ação individual é conduzida pelo conjunto
de disposições já incorporadas e transmitidas na forma de habitus7, como herança do
ambiente social e familiar. A bagagem social herdada na forma de capital econômico
e social é o fator que vai dar acesso ao capital cultural institucionalizado, na forma de
títulos escolares e cultura geral. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002)

Segundo Bourdieu (1998), o capital cultural é o que tem maior impacto na


trajetória escolar dos indivíduos, pois, conforme o autor:

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas
que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores
implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir,
entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição
escolar. A herança cultural, que difere sob os dois aspectos, segundo
as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças
diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito.
(BOURDIEU, 1998, p. 41-42)

7 Segundo Ortiz, em Bourdieu “o habitus é um mecanismo que atua de maneira imperceptível, não se trata de um
comportamento no qual o indivíduo escolhe essa ou aquela direção em função da existência de determinados valores”
(2013, p.88)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 19
Nesse sistema teórico, o capital econômico tem importância à medida
que permite o acesso e a fruição a outros bens culturais que podem ser comprados
no mercado, por exemplo: boas escolas privadas, viagens de estudo, cursos de
línguas, visitas a museus e galerias de arte, etc.; contudo, a própria escolha dessas
oportunidades depende do capital cultural familiar (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
A escola, portanto, “produz e reproduz a divisão social de classes, impondo – sob a
forma de violência simbólica – um padrão cultural legítimo, e eliminando qualquer
outra forma de expressão cultural” (TIBALLI, 2016, p.118).

Uma importante constatação das ideias de Bourdieu e Passeron foi essa


estreita relação existente entre estrutura social e econômica e o aparato ideológico
do Estado, sobretudo da Educação, que negou a aparente autonomia e neutralidade
da escola em relação à manutenção da divisão de classes na sociedade capitalista.
Segundo Saviani:

Desse caráter da estrutura social capitalista decorre que o papel da


educação escolar será um se ela for posta a serviço do desenvolvimento
do capital, portanto, a serviço dos interesses da classe dominante. E será
outro, se ela se posicionar a favor dos interesses dos trabalhadores. E
não há possibilidade de uma terceira posição. A neutralidade é impossível.
É isso o que se quer dizer quando se afirma que a educação é um ato
político. (SAVIANI, 2013, p. 26)

Esse caráter relacional entre educação e sociedade foi tomado por vários
estudiosos tentando explicar seus fundamentos sócio-históricos e pedagógicos, bem
como, suas características e funções sociais. Saviani (1999) categoriza essas teorias
educacionais em relação às respostas dadas ao problema da “marginalidade”8,
referentes “ao fenômeno da escolarização” (p. 15), classificando-as em três grandes
correntes: a) as teorias não-críticas  que postulam a autonomia e neutralidade
da educação escolar frente à sociedade e aos problemas das desigualdades
socioeconômicas, políticas e culturais, bem como, à crença do poder da escola para
corrigir esses problemas; b) as teorias crítico-reprodutivistas  que compreendem
a educação em intrínseca articulação com a sociedade, reprodutora das relações
sociais capitalistas e de seus valores, portanto, das desigualdades sociais, econômicas,
políticas e culturais; e c) as teorias críticas  que compreendem a dialeticidade
das relações entre educação e sociedade, dentre as quais, a educação tem papel
importante e determinado historicamente, numa formação humana comprometida
com a transformação social.

8 O termo marginalidade advém dos estudos realizados nas décadas de 1960 a 1980 sobre os mecanismos de marginalização
que “produziram excelentes trabalhos de reconstrução histórica e de análise teórica sobre a produção e reprodução da
pobreza” (REGO; PINZANI, 2014, p.21).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 20
A perspectiva crítica da educação não a autonomiza e nem a subordina
aos determinantes econômicos, políticos e culturais da sociedade capitalista, mas a
concebe como determinada e influente destes determinantes. Segundo Frigotto

A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações


sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações,
apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica.
Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a
organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais
amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de
classe. (2010, p. 27)

Nessa compreensão, a educação é um direito a ser garantido para a


emancipação individual e coletiva a partir dos interesses da classe social. Nesse sentido,
é possível que a escola não apenas transmita conhecimentos e reproduza os valores
inerentes à sociedade capitalista, mas, também, atue na produção e reprodução
de novos (e emancipadores) conhecimentos e valores sociais, formando sujeitos do
processo histórico em constante mudança. O que está em jogo, portanto, não é o fato
de a escola reproduzir conhecimentos e valores sociais, mas, sim, quais são os valores
e os conhecimentos produzidos e reproduzidos, e diante de quais finalidades.

Conforme Mészáros (2008, p. 260):

Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades


sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo
sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção
e reprodução da estrutura de valores dentro da qual os indivíduos definem
seus próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção
capitalistas não se perpetuam automaticamente.

Não se nega, portanto, o papel reprodutor das relações sociais capitalistas


que a escola detém, mas, afirma-se seu caráter contraditório e dialético. Assim,
o questionamento a essa escola seria: Quais são os resultados que a escola, ou a
garantia do direito à educação formal, das classes sociais empobrecidas da sociedade
do capital tem conseguido com a inserção de alunos pobres em suas redes de ensino?
Qual têm sido as trajetórias escolares dessas crianças e desses jovens empobrecidos
que adentram a escola pública?

Trajetórias escolares e desigualdades socioeconômicas: o que apontam os


dados da educação pública do Estado do Tocantins
Para conhecermos o perfil socioeconômico dos estudantes tocantinenses,
utilizamos o Indicador de Nível Socioeconômico (Inse) das escolas de educação básica
estabelecido pelo Inep, que tem como fonte “os dados dos questionários contextuais

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 21
dos estudantes, fornecidos pelos Microdados9 disponibilizados pelo Inep, do Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
referentes ao ano de 2015.” (INEP, 2015a, p.5) Utilizaram-se os dados de educação
dos pais, assim como a renda familiar, declarados pelos estudantes. Segundo o Inep

o nível socioeconômico é considerado um constructo latente, que sintetiza


de maneira unidimensional informações sobre a escolaridade dos pais e
sobre a renda familiar, e o Inse objetiva contextualizar o desempenho das
escolas nas avaliações e exames realizados pelo Inep, bem como o seu
esforço na realização do trabalho educativo, ao caracterizar, de modo
geral, o padrão de vida de seu público, relacionados à respectiva posição
na hierarquia social. (2015a, p.5)

Um dos objetivos do Inse, segundo o Inep (2015a, p. 1) é o “de contextualizar


os resultados obtidos pelos estabelecimentos de ensino, nas diferentes avaliações e
exames realizados pelo Inep”. Esse indicador é representado por uma escala de seis
grupos referentes aos níveis do padrão de vida dos estudantes, elaborado a partir
dos questionários contextuais respondidos pelos estudantes ao realizarem o Saeb10 e
o Enem em 2015. Estes grupos vão do 1, ou seja  o nível mais baixo da escala, que
indica que as famílias dos alunos possuem apenas os bens básicos, pais sem renda
mensal e analfabetos  ao grupo 6, o nível mais alto da escala, que indica um alto
padrão de vida, com acesso aos diversos bens materiais, à contratação de serviços, à
renda familiar mensal acima de 20 salários mínimos e à escolaridade dos pais de nível
superior (INEP, 2015a). Os níveis intermediários vão crescendo conforme crescem o
acesso a bens, à renda da família e a escolaridade dos pais.

O Estado do Tocantins tem 139 municípios e, segundo dados da Secretaria


Estadual de Educação do Tocantins – Seduc/TO, possui um total de 402.681 alunos
matriculados somente na Educação Básica em todas as redes de ensino: estadual,
federal, municipal e privada. A tabela 2, abaixo, sintetiza o total de escolas e de
matrículas por dependência administrativa, e a tabela 3 apresenta o total de matrículas
por níveis e etapas de escolaridade:

9 De acordo com o Inep a opção pelos Microdados deveu-se “tanto por fornecerem informações com o menor nível de
agregação, cuja unidade mínima é o indivíduo, quanto porque essas bases incluem um amplo espectro de escolas públicas
e privadas. Além disso, estão disponíveis para download no site do Inep e tornam os cálculos replicáveis” (2015a, p.5).
10 De acordo a Nota Técnica do Inep sobre o Inse, “em 2015, os testes censitários foram aplicados aos estudantes do 5° e 9°
ano do ensino fundamental regular, das escolas públicas, urbanas e rurais, que tinham 20 ou mais alunos matriculados na
série avaliada” (2015a, p.5).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 22
Tabela 2 – Número total de escolas e de matrículas por dependência administrativa
no ano de 2018, no Estado do Tocantins.
DEPENDÊNCIA DMINISTRATIVA TOTAL DE ESCOLAS TOTAL DE MATRÍCULAS
ESTADUAL 521 157.973
FEDERAL 11 5.252
MUNICIPAL 949 196.407
PRIVADA 174 43.049
TOTAL GERAL 1.655 402.681
Fonte: SEDUC/TO, Gerência de Dados e Estatísticas − 2018.

As escolas pertencentes às redes municipal e estadual em Tocantins


atendem o maior número de alunos, respectivamente: 196.407 e 157.973; nos níveis
de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. A rede federal tem a
menor quantidade de matrículas e de escolas no estado, atendendo prioritariamente
no Ensino Médio integrado, educação profissional e EJA profissionalizante. A rede
privada, contudo, tem uma participação também expressiva no número de matrículas:
43.049; sobretudo no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. Concernente à
Educação Infantil destaca-se o atendimento, ainda incipiente, por parte do poder
público municipal, responsável pela oferta deste nível de ensino, no tocante à criação
de vagas em Creches, contando apenas 23.616 crianças pequenas, de 0 a 3 anos,
matriculadas, conforme observamos na tabela 3:

Tabela 3 - Matrículas totais da Educação Básica no Estado do Tocantins, por


dependência administrativa, no ano de 2018.
EDUCAÇÃO ENSINO
DEPENDÊNCIA PRÉ- ANOS ENSINO EDUCAÇÃO
CRECHE FUNDAMENTAL ANOS FINAIS EJA***
ADMINISTRATIVA ESCOLA INICIAIS MÉDIO*** PROFISSIONAL
INFANTIL* **

ESTADUAL 172 112 60 87.978 14.438 73.540 56.556 2.317 13.065

FEDERAL -- -- -- -- -- -- 3.041 5.252 216

MUNICIPAL 55.806 20.247 35.559 136.470 107.481 28.989 -- -- 4.131

PRIVADA 9.208 3.257 5.951 21.735 14.047 7.688 3.787 7.914 531

Total Geral 65.186 23.616 41.570 246.183 135.966 110.217 63.384 15.483 17.943

Fonte: SEDUC/TO, Gerência de Dados e Estatísticas, 2018.


Notas:
*Educação Infantil: inclui as matrículas regulares e da educação especial.
** Ensino Fundamental: considera as matrículas regulares e da educação especial.
*** Ensino Médio: considera as matrículas do Ensino Médio propedêutico, integrado e normal/
magistério.
***EJA: considera o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a EJA profissionalizante (Fundamental FIC
Integrado, Médio FIC Integrado e Médio Técnico Integrado).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 23
Referindo-se às condições socioeconômicas dos alunos da Educação
Básica, do Ensino Fundamental e Médio, o Inep traçou o perfil do alunado das escolas
públicas estaduais e municipais por meio do Inse. A tabela 4 abaixo demonstra o
contexto socioeconômico das escolas públicas no Estado do Tocantins no ano de 2015:

Tabela 4 - Indicador de Nível Socioeconômico: percentual de escolas por faixa Ensino


Fundamental e Médio - Tocantins/2015.
  ANOS INICIAIS ANOS FINAIS ENSINO MÉDIO
NÍVEIS RE* RME** RE RME RE
% Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant.
Grupo 1 0,86 1 3,19 9 1,74 5 4,84 6 2,70 6
Grupo 2 14,66 17 28,72 81 23,69 68 29,84 37 33,78 75
Grupo 3 68,10 79 63,48 179 67,25 193 57,26 71 59,91 133
Grupo 4 12,93 15 3,55 10 5,92 17 5,65 7 3,15 7
Grupo 5 3,45 4 1,06 3 1,3 9 4 2,42 3 0,45 1
Grupo 6 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0
Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados pelo Inepdata, Painel
Educacional Estadual – Tocantins. (BRASIL, 2015b)
Notas:
*RE – Rede Estadual.
**RME – Rede Municipal do Estado.

Observamos, nos dados citados, que a maioria das escolas pertencentes às


Redes Estadual e Municipal encontra-se no grupo 3, sendo que no Ensino Fundamental
 anos iniciais  estão 68,1% dentre as 79 escolas pesquisadas da Rede Estadual e,
63,48%, dentre as 179 escolas pertencentes às Redes Municipais em todo o estado.
Nos anos finais, são 67,25% das 193 escolas pesquisadas da Rede Estadual e 57,26%
das 71 escolas Municipais que oferecem essa etapa de ensino e que participaram
da pesquisa. O percentual de escolas do Ensino Fundamental, que se encontra no
grupo 2, é digno de nota, pois apresenta índices bastante significativos da situação
socioeconômica dos seus alunos: 14,6% (17) e 28,7% (81) escolas nos anos iniciais do
Ensino Fundamental das redes estadual e municipais, respectivamente. E, nos anos
finais, 23,69% de 68 escolas da rede estadual e 29,84% de 37 escolas municipais.

No Ensino Médio também predominam as escolas que atendem a um público


juvenil inserido no Grupo 3, representando quase 60% das 133 escolas que tiveram
dados considerados para composição do Inse. Nesse nível de ensino, é expressivo,
também, o percentual de escolas do grupo 2, ou seja, 33,78% de 75 escolas da rede
estadual investigadas.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 24
As escolas que compõem os grupos 2 e 3 do Inse são aquelas em que a
maioria de seus alunos está num nível socioeconômico que varia entre os níveis II, III e
IV da escala que descreve o padrão socioeconômico dos alunos, em termos de bens,
renda mensal familiar e escolaridade dos pais. Esses níveis são assim descritos:

Nível II - (20;40]: Neste, os alunos, de modo geral, indicaram que há em


sua casa bens elementares, como uma televisão, uma geladeira, um ou
dois telefones celulares, um banheiro e até dois quartos para dormir.
Não possui máquina de lavar roupa ou computador entre seus bens.
A renda familiar mensal é de até 1 salário mínimo; e seu pai e sua mãe
(ou responsáveis) sabem ler e escrever tendo ingressado no ensino
fundamental, completando ou não o 5º ano de estudo.

Nível III - (40;48]: Neste, os alunos, de modo geral, indicaram que há


em sua casa bens elementares, como banheiro e até dois quartos para
dormir, possuem televisão, geladeira, dois ou três telefones celulares;
bens complementares como máquina de lavar roupas e computador (com
ou sem internet); a renda familiar mensal é entre 1 e 1,5 salários mínimos; e
seus responsáveis completaram o ensino fundamental ou o ensino médio.

Nível IV - (48;56]: Já neste nível, os alunos, de modo geral, indicaram que


há em sua casa bens elementares, como dois ou três quartos para dormir,
um banheiro, uma geladeira, três ou mais telefones celulares, e um ou
dois televisores e; bens complementares como máquina de lavar roupas,
micro-ondas, computador (com ou sem internet), um telefone fixo e um
carro; bens suplementares, como freezer; a renda familiar mensal está
entre 1,5 e 3 salários mínimos; e seus responsáveis completaram o ensino
médio ou a faculdade. (INEP, 2015a, p.8-9)

De modo geral, o Inse mostra-nos um cenário da escola tocantinense em


que mais de 80% das escolas de Ensino Fundamental e mais de 90% das escolas do
Ensino Médio, se somarmos a quantidade de escolas dos grupos 2 e 3, têm seus alunos
nos níveis baixos (níveis II, III e IV) da escala socioeconômica estabelecida por esse
indicador e que corresponde ao universo de famílias que têm acesso aos bens básicos,
por exemplo: geladeira, celulares, televisores, computador (nível II e III), e outros bens,
como: micro-ondas, máquina de lavar roupa, freezer e, até mesmo, carro (nível IV);
residem em casa com dois ou três quartos e um banheiro; possuem renda mensal
variando entre 1 e 3 salários mínimos e, em termos de escolaridade, os pais oscilam
na escala entre o Ensino Fundamental incompleto (nível II) até o término da faculdade
(nível IV).

Registra-se que as 27 escolas públicas inseridas em contextos


socioeconômicos do grupo 1, ou seja, o mais baixo; apesar de representarem menos
de 5% dessas unidades escolares significam um cenário preocupante e caracterizam
uma realidade social que, quando somada aos grupos 2 e 3, consolidam o perfil
socioeconômico empobrecido das crianças e dos jovens estudantes da escola pública.
Nesse grupo, a maioria das famílias dos estudantes pertence aos estratos de nível

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 25
II, ou seja, possui poucos bens básicos e a renda “mensal é de até 1 salário mínimo;
e ou pai e a mãe (ou responsáveis) sabem ler e escrever tendo ingressado no Ensino
Fundamental, completando ou não o 5º ano de estudo” (INEP, 2015b, p.8).

No extremo desta realidade temos as escolas dos grupos 4 e 5 em menor


percentual, e o grupo 611 sem escolas públicas inseridas. As escolas desses dois grupos
atendem a um público infanto-juvenil que, em sua maioria, oscila entre os níveis IV e V
da escala socioeconômica, isto significa que

Nível V (56;65]: Neste, os alunos, de modo geral, indicaram que há em


suas casas dois ou mais banheiros e três quartos para dormir, quatro ou
mais telefones celulares, dois ou três televisores; bens complementares,
como máquina de lavar roupas, um ou dois computadores (com ou sem
internet), um telefone fixo, um carro, além de uma TV por assinatura;
bens suplementares, como freezer e um aspirador de pó; não contratam
empregada mensalista; a renda familiar mensal está entre 2,5 a 7 salários
mínimos; e seu pai e sua mãe (ou responsáveis) completaram o ensino
médio ou a faculdade. (INEP, 2015a, p.9)

De modo geral, esses dados permitem-nos inferir que a escola pública de


educação básica do Estado do Tocantins atende prioritariamente aos estudantes 
crianças e jovens  pertencentes aos estratos socioeconômicos mais baixos da escala
social. Isto significa que as famílias desses estudantes possuem um fraco acesso a
bens materiais, mas, sobretudo, aos bens culturais e ao acesso precário aos direitos
básicos, por exemplo: saúde, saneamento básico e alimentação adequada.

Para uma visão mais precisa desse cenário, buscamos conhecer um pouco
mais sobre o perfil das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no Estado do
Tocantins, que estão inseridas no Cadastro Único para programas sociais12 do governo
federal, realizado em colaboração com os municípios. Utilizaremos essa base de dados
porque é oficialmente o mais completo sistema cadastral de famílias de baixa renda no
Brasil, também, porque contêm dados sobre o perfil socioeconômico dessas famílias,
levando-se em consideração as características de residência, renda, escolaridade, o

11 O grupo 6 de escolas pertencem ao nível VI, o terceiro maior nível da escala do Inse, onde “os alunos, de modo geral,
indicaram que há em sua casa um quantitativo alto de bens elementares, com três ou mais quartos de dormir em suas
casas, três ou mais televisores; bens complementares, como uma máquina de lavar roupas e dois ou mais computadores
(com ou sem internet), um telefone fixo, uma TV por assinatura e, um ou dois carros; bens suplementares, como freezer e
um aspirador de pó; contratam empregada mensalista; a renda familiar mensal é entre 7 e 20 salários mínimos; e seu pai e
sua mãe (ou responsáveis) completaram a faculdade”. Além deste nível, a escala Inse vai até o nível VIII, o maior da escala
em que os alunos indicaram possuir alta quantidade de bens elementares , complementares e suplementares, bem como
renda mensal familiar de mais de 20 salários mínimos e escolaridade superior dos pais. No Estado do Tocantins nenhuma
escola pública está inserida nesses três últimos níveis (VI, VII e VIII) mais altos da escala em termos de posse de bens,
renda, escolaridade e contratação de serviços. (INEP, 2015a, p.9)
12 Segundo o Ministério da Cidadania, “é a partir das informações do Cadastro Único que as famílias são incluídas em
programas e serviços que as ajudam a superar a pobreza e a extrema pobreza”. Dentre os Programas sociais estão: o
Programa Bolsa Família, o Tarifa Social de Energia Elétrica, o Bolsa Verde, o Minha Casa, Minha Vida, e mais 19 outros
programas sociais. Esse Cadastro pode ser utilizado para seleção de beneficiários também por parte dos governos
estaduais e municipais. (BRASIL, 2019a, p.2)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 26
nível de acesso aos serviços e a algumas das principais vulnerabilidades das famílias
pobres de todo o país.

Perfis das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no Estado


do Tocantins
No Estado do Tocantins, segundo dados do Relatório resumido do
Programa Bolsa Família e Cadastro Único Estadual, disponibilizados pelo Ministério da
Cidadania (MC) referentes a setembro de 2019 (BRASIL, 2019b), estão cadastradas
297.332 famílias. Deste total, 221.564 famílias possuem renda de até ½ salário mínimo,
conforme podemos observar no quadro 1:

Quadro 1: Quantidade de Famílias de baixa renda, por faixa de renda per capita de
até ½ salário mínimo no Estado do Tocantins, no mês de setembro de 2019.
Faixa de Renda Quantidade

Renda per capita familiar de até R$ 89,00 100.327


Renda per capita familiar entre R$ 89,01 e R$ 178,00 39.381
Renda per capita familiar entre R$ 178,01 e meio salário 81.856
mínimo
Renda per capita acima de meio salário mínimo 75.768
Total 297.332
Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados pelo Relatório sobre
Bolsa Família e pelo Cadastro Único do Ministério da Cidadania/SAGI (BRASIL, 2019b).

Ainda, segundo o Relatório do Ministério da Cidadania, o Tocantins possui


113.287 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) ou 348.808 pessoas
beneficiadas, correspondendo à aproximadamente 22% da população do estado. O
valor médio do benefício recebido por cada família é de R$ 190,85 (cento e noventa
reais e oitenta e cinco centavos).

Segundo recente estudo sobre o balanço dos 15 anos do PBF no Brasil,


publicado pelo Instituto de Pesquisas Educacionais Aplicadas − Ipea (SOUZA et al,
2019), dentre as duas linhas de elegibilidade adotadas pelo Programa  linha da
pobreza e da extrema pobreza  ao longo de mais de uma década de sua existência,
o PBF foi se modificando e dando acesso aos tipos variados de benefícios. Além do
“benefício básico, de valor único, para todos” foram criados os benefícios variáveis que
cobririam as famílias que “tivessem crianças de até 15 anos de idade (até o limite de
três, depois cinco, por família)”. Assim, os autores do estudo destacam:

Em 2007, surgiu o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ), pago


a famílias com jovens entre 16 e 17 anos (até o limite de dois por família).
Entre 2012 e 2013, o Benefício de Superação da Extrema Pobreza (BSP)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 27
foi criado: trata-se de uma transferência de valor variável e que eleva a
renda dos beneficiários até certo ponto (isto é, um benefício do tipo top-
up), permitindo que superem a extrema pobreza. (SOUZA et al., 2019, p.8)

A quantidade de beneficiários que recebem PBF, por tipo de benefício, no


Estado do Tocantins pode ser observado no quadro a seguir:

Quadro 2: Quantidade de Benefícios pagos no Estado do Tocantins, por tipo de


benefício do Programa Bolsa Família (PBF), no mês de setembro de 2019.
Tipo de Benefício – PBF Quantidade
Benefícios Básicos 95.121
Benefícios Variáveis 177.570
Benefícios Variáveis Jovens – BVJ 25.477
Benefícios Variáveis Nutriz − BVN 3.436
Benefícios Variáveis Gestante – BVG 6.144
Benefícios de Superação da Extrema Pobreza − BSP 41.060
Total 348.808
Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados no Relatório sobre
Bolsa Família e Cadastro Único do Ministério da Cidadania/SAGI (BRASIL, 2019b).

Um aspecto do PBF a ser destacado é seu caráter volátil e focalizado, o que


faz com que o número de beneficiários varie consideravelmente, até mesmo de um
mês para outro. Assim, podemos perceber que o número de famílias PBF beneficiárias
no Estado do Tocantins vem decaindo significativamente: dentre um total de 138.848
famílias, de janeiro de 2015, aos atuais 113.000 famílias, houve uma queda de mais de
22% em 4 anos. O Gráfico 1 retrata a curva descendente do número de famílias PBF 
entre 2015 e 2019  no Estado do Tocantins:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 28
Gráfico 1 - Famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no Estado do Tocantins,
de 2015 a 2019.

140,000

130,000

120,000

110,000
01/2015
03/2015
05/2015
07/2015
09/2015
11/2015
01/2016
03/2016
05/2016
07/2016
09/2016
11/2016
01/2017
03/2017
05/2017
07/2017
09/2017
11/2017
01/2018
03/2018
05/2018
07/2018
09/2018
11/2018
01/2019
03/2019
05/2019
07/2019
09/2019
Fonte: Extraído de MC/Secretaria Nacional de Renda e Cidadania − SENARC, MDS, Aplicações.

As causas desta diminuição podem ser variadas: a) bloqueio, suspensão


ou cancelamento13 do benefício por descumprimento das condicionalidades do PBF;
b) corte nos recursos do Programa, por parte do governo federal; c) não atualização
cadastral no Cadastro Único; ou d) melhoria das condições econômicas da família,
elevadas acima do valor per capita instituído para entrada no Programa, que é de
até meio salário mínimo. Outro fator pode ser de causa administrativa do Programa,
segundo Souza et al. (2019, p. 9), citando Barros et al. (2008), que afirma que

a concessão do benefício está subordinada a cotas municipais, isto é,


estimativas do número de famílias pobres em cada município. Uma vez
que a cota de um município é atingida, as concessões tornam-se menos
frequentes, o que gera pressão sobre a gestão municipal para que
melhore sua focalização.

O PBF é um Programa de Transferência de Renda bastante focalizado, seu


alvo são os mais pobres, entre os 20% mais pobres do país. A focalização nas políticas
sociais, sobretudo àquelas de combate à pobreza no Brasil, tem sido apontada em
pesquisas como uma das maiores fragilidades dessas políticas, uma vez que as
reduzem ao problema do combate à fome, atrelando-as a uma necessidade, e, ao criar
um sistema complexo de critérios de inclusão  o que acaba por gerar também muita
exclusão  “a eficácia da gestão” desse complexo sistema, “centraliza grande parte

13 Segundo o site do Ministério da Cidadania, Secretaria do Desenvolvimento Social (acessado em 16/10/2019), os efeitos dos
descumprimentos das condicionalidades do PBF são: Advertência: a família é comunicada de que algum integrante deixou
de cumprir condicionalidades, mas não deixa de receber o benefício. Bloqueio: o benefício fica bloqueado por um mês, mas
pode ser sacado no mês seguinte junto com a nova parcela. Suspensão: o benefício fica suspenso por dois meses, e a família
não poderá receber os valores referentes a esse período; Cancelamento: a família deixa de participar do PBF. (disponível
em http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/gestao-do-programa/condicionalidades/condicionalidades#cond3)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 29
das preocupações no lugar de questões como a dignidade, o direito e a consolidação
da cidadania” advertem Mariano e Carloto (2011, p.65). Para estas autoras, citando
Habemas,

A focalização representa não a garantia, e sim o desmonte da proteção


social, mas esta precisa, necessariamente, continuar a existir. As políticas
de focalização desempenham o papel de dar resposta ao dilema atual
que, de acordo com Habermas (1987, p. 109), se expressa nos seguintes
termos: “o capitalismo desenvolvido nem pode viver sem o Estado social
nem coexistir com sua expansão contínua”. Com isso, segundo a sentença
do autor, “o desenvolvimento do Estado social acabou num beco sem
saída. Com ele esgotaram-se as energias da utopia de uma sociedade
do trabalho” (HABERMAS, 1987, p. 112, apud MARIANO; CARLOTO, 2011,
p.67)

A cobertura dessa parcela focalizada, segundo Souza et al. (2019), desde


2012 tem permanecido estável em torno de 60% do quinto mais pobre da população
brasileira. Segundo os autores:

O PBF não cobre apenas famílias pobres e extremamente pobres. Ter


renda abaixo da linha de elegibilidade é um critério para o ingresso,
mas não para a permanência. As famílias que entram no PBF recebem
a transferência por dois anos, mesmo que sua renda aumente, desde
que não ultrapasse meio salário mínimo (SM) per capita. Essa “regra
de permanência” permite que o programa leve em conta a volatilidade
de renda das famílias e atue como uma ponte para que melhorem suas
condições de vida, caso tenham oportunidades para isso. (SOUZA et al.,
2019, p.14)

Temos, portanto, na falta de uma política social universalista de combate


à pobreza concebida como direito a uma vida digna, pelo menos 40% da população
em situação de pobreza desassistida da cobertura social. Na composição dos grupos
familiares do Programa Bolsa Família no Estado do Tocantins, por exemplo, crianças e
adolescentes são a maioria, dentre 0 e 17 anos, totalizando 196.168 pessoas, 49,9% do
total de beneficiários. A concentração maior reside na faixa etária entre 7 e 15 anos, ou
seja, 103.037, 26,23% do total, conforme se observa no gráfico 2, abaixo:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 30
Gráfico 2 - Pessoas em famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no Estado
do Tocantins, por faixa de idade − Pirâmide Etária, Agosto de 2019.

Beneficiários do PBF

Maior que 65 Masculino


Entre 60 a 64 Feminino
Entre 55 a 59
Entre 50 a 54
Entre 45 a 49
Entre 40 a 44
Entre 35 a 39
Entre 25 a 34
Entre 18 a 24
Entre 16 a 17
Entre 7 a 15
Entre 5 a 6
Entre 0 e 4
100000 50000 0 50000 100000

Fonte: Extraído de MC/Secretaria Nacional de Renda e Cidadania - SENARC, MDS, Aplicações 2019c.

Se incluirmos as crianças de 6 anos, o número sobe para 136.510


beneficiários, crianças e adolescentes, dentre 6 e 17 anos14, com perfil educação, ou seja,
aptos a estarem matriculados na educação básica e a disporem das suas frequências
acompanhadas pela rede de acompanhamento e registros no Sistema Presença do
Ministério da Educação (MEC). Deste total, 93,86%, ou seja, 128.131 estudantes PBF,
foram acompanhados em sua frequência à escola (nos meses de Jun/Jul de 2019) 
taxa acima da Nacional, que foi de 91,18% no mesmo período. (BRASIL, MDS, 2019b).

Quadro 3 – Beneficiários PBF com perfis educação acompanhados pelo Sistema


Presença do MEC – Tocantins − julho de 2019
Público acompanhamento Quantidade
Total de beneficiários com perfis educação (6 a 15 anos) 114.307
Total de beneficiários com perfis educação (16 e 17 anos) 22.203
Resultados do Acompanhamento
Total de beneficiários acompanhados pela educação (6 a 15 anos) 108.888
Total de beneficiários acompanhados pela educação (16 a 17 anos) 19.243
Total de beneficiários acompanhados com frequência acima da
108.251
exigida (6 a 15 anos − 85%)
Total de beneficiários acompanhados com frequência abaixo da exigida
637
(6 a 15 anos − 85%)

14 As crianças pequenas na faixa etária de 0 a 5 anos não têm acompanhamento Educação e nem registro de sua frequência
à escola. Para elas a condicionalidade é o acompanhamento Saúde, que é realizado pelo Ministério da Saúde, por meio do
recolhimento de informações das crianças abaixo de 7 anos sobre o calendário vacinal, o peso e a altura.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 31
Total de beneficiários com frequência acima da exigida (16 a 17 anos −75%) 18.769
Total de Beneficiários com frequência abaixo da exigida (16 a 17 anos −75%) 474
Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (6 a 15 anos) 5.419
Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (16 a 17 anos) 2.960
Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados pelo Sistema presença, MEC.

Outra característica que podemos inferir, a partir dos dados do gráfico 2


acerca do perfil dos beneficiários do Programa Bolsa Família, é quanto ao gênero 
que em sua maioria é feminino  sobretudo na faixa de idade entre 18 e 44 anos,
em que o percentual de mulheres beneficiárias é bem maior que o dos homens. Isto
se deve ao desenho do Programa que dá preferência à mulher para recebimento do
benefício, conforme §14 do Art.2º da Lei 10.836 de 9 de Janeiro de 2004, que cria
o PBF (BRASIL, 2004). Na faixa entre 0 e 17 anos, observam-se equidades entre os
gêneros das crianças e dos adolescentes que recebem o Programa Bolsa Família.
O Gráfico 3, abaixo, possibilita uma melhor visualização do percentual elevado de
mulheres beneficiárias do PBF nos 15 maiores municípios, em termos populacionais,
do Estado do Tocantins:

Gráfico 3 - Percentual de beneficiários do PBF, por gênero, nos 15 maiores municípios


em termos populacionais, do Estado do Tocantins – em agosto de 2019.

Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados pelo Ministério da Cidadania/
SAGI/CECAD 2.0 (BRASIL, 2019e).

Essa importância dada à mulher diante do recebimento do beneficio é


uma importante conquista na luta pela autonomia feminina numa sociedade de
tradição patriarcal e machista como a brasileira, pois, reconfigura o papel da mulher no
compartilhamento do poder no grupo familiar; o que pode ser entendido, também, como

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 32
uma responsabilização maior da mulher no cuidado com os filhos, com a casa e com a
geração de renda ou uma “sobrecarga de obrigações relacionada à reprodução social”
(MARIANO; CARLOTO, 2011, p.63). Todavia, em que pese essa contradição, corroboramos
com as conclusões do estudo realizado por Bartholo, Passos e Fontoura (2017) de que

a racionalidade do desenho do PBF reforça a naturalização da


atividade de cuidado como tarefa feminina, mas também ocasiona um
desbalanceamento no papel de provisão tradicionalmente masculino.
O acesso à renda regular propiciada pelo programa parece provocar
mudanças nas trajetórias dessas mulheres: na percepção que têm de
si, no questionamento da sujeição a relações conjugais indesejadas,
na ampliação de sua liberdade de fazer escolhas e da capacidade de
participarem no mundo público. Essas mudanças aparecem tanto em
estudos realizados em contextos urbanos quanto em áreas rurais. (p. 28)

Não podemos desconsiderar, portanto, que as políticas sociais sejam


instrumentos de mudança cultural e não reproduzam as mesmas desigualdades
que prometem combater, pelo “uso acrítico de tradições sociais e culturais”, tal
como, a reprodução do papel da mulher como cuidadora e responsável pela saúde
e educação dos filhos, eximindo o homem, ou a figura paterna, de compartilhar essa
responsabilidade. Nesse sentido, Mariano e Carloto defendem que “o PBF teria mais
contribuições a oferecer na luta pela redução das desigualdades se viesse a incorporar
concepções mais críticas acerca dos papéis de gênero” (2011, p. 75).

Outra característica que marca o perfil dos beneficiários do Programa Bolsa


Família é quanto ao aspecto de cor ou raça/etnia. Os dados do Cadastro Único do
governo federal mostram que dentre as pessoas de baixa renda cadastradas, ou seja,
beneficiárias ou não do PBF, de um total de 832.497 pessoas no Estado do Tocantins,
a maioria: 631.498, declarou-se parda; pessoas brancas: 119.400; negras: 60.702;
indígenas: 13.173; e amarelas: 7.461; conforme visualização na tabela 4 abaixo:

Tabela 4 – Quantidade de pessoas de baixa renda, beneficiária ou não do PBF, por:


cor ou raça/etnia; no Estado do Tocantins, setembro 2019.
Não Beneficiários Beneficiários Total
Cor ou raça
PBF PBF Não PBF e PBF
Branca 70.570 48.830 119.400
Preta 33.380 27.322 60.702
Amarela 4.313 3.148 7.461
Parda 328.640 302.858 631.498
Indígena 2.464 10.709 13.173
Não preenchido 234 29 263
Total 439.601 392.896 832.497
Fonte: Tabulador do Cadastro Único, SAGI/CECAD/Ministério da Cidadania.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 33
O Gráfico 4 permite-nos visualizar, em termos percentuais, a composição
por cor/raça/etnia dos beneficiários PBF no Estado do Tocantins:

Gráfico 4 – Percentual de beneficiários do Programa Bolsa Família no Estado do


Tocantins, por cor ou raça/etnia, setembro de 2019.

Branca
Preta
Amarela
Parda
Indígena
Não preenchido

Fonte: Elaboração dos autores(as) a partir dos dados disponibilizados pelo Tabulador do Cadastro
Único, SAGI/CECAD/Ministério da Cidadania.

Dentre os beneficiários do Programa Bolsa Família, conforme podemos


visualizar no Gráfico acima, a maioria (77%) se autodeclara parda; 12% branca (12%);
negra, apenas 7%; indígena 3% e amarela 1%. O contraste frente ao elevado número de
pessoas que se autodeclaram pardas merece ser analisado com cuidado, posto que,
a separação identitária entre pardos e pretos é tênue, sendo ambos considerados a
população negra do país, segundo a classificação utilizada nos censos demográficos
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Gomes (2012),
citando Santos (2002), relembra que

a diferença entre pretos e pardos no que diz respeito à obtenção de


vantagens sociais e outros importantes bens e benefícios (ou mesmo em
termos de exclusão dos seus direitos legais e legítimos) é tão insignificante
estatisticamente que podemos agregá-los numa única categoria, a de
negros, uma vez que o racismo no Brasil não faz distinção significativa
entre pretos e pardos, como se imagina no senso comum. (SANTOS, 2002,
p.13, apud GOMES, 2012, p. 40)

Esse dado, portanto, confirma o que já vem sendo apontado por diversas
pesquisas realizadas sobre desigualdade e cor/raça, ou seja, que é a conclusão de
“que existe uma racialização da pobreza no Brasil”, tendo em vista que a população
negra encontra-se sobrerrepresentada nos estratos sociais mais baixos.

Outra característica que compõe o perfil das famílias pobres e


extremamente pobres no Estado do Tocantins é o baixo grau de instrução,
caracterizado por pouco tempo de escolarização, ou nenhum, e pela incompletude dos

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 34
anos de estudo fundamental ou básico. A tabela 5 revela-nos o número de pessoas
em extrema pobreza, pobreza, baixa renda e aquelas que vivem com pouco mais de
meio salário mínimo no Estado do Tocantins, cadastradas no CadÚnico, beneficiárias
ou não do PBF, e que possuem baixa escolaridade ou constam, ainda, na condição de
analfabetas, sem instrução.

Tabela 5 – Número de pessoas por grau de instrução e faixa de renda familiar per
capita, Tocantins – Agosto de 2019.
Faixa da renda familiar per capita
Grau de
Extrema Baixa Acima de TOTAL
instrução Pobreza
Pobreza Renda 1/2 S.M.
Sem instrução 77.563 29.293 47.309 34.638 188.803
Fundamental
117.560 46.173 82.261 44.739 290.733
incompleto
Fundamental
21.394 9.206 15.166 5.161 50.927
completo
Médio
25.720 11.309 19.161 5.197 61.387
incompleto
Médio
41.108 21.808 56.963 27.188 147.067
completo
Superior
incompleto ou 2.039 1.805 9.188 10.285 23.317
mais
Sem Resposta 41.265 13.726 13.265 2.007 70.263
TOTAL 326.649 133.320 243.313 129.215 832.497
Fonte: Tabulador do Cadastro Único, SAGI/CECAD/Ministério da Cidadania.

Observamos, na tabela acima e no gráfico 5, que entre as pessoas na


condição de extrema pobreza sobressaem-se aquelas com nível fundamental
incompleto (36%), ou seja, que não completaram o 5º ano do Ensino Fundamental; e
sem instrução (24%); isto é, na condição de analfabetismo.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 35
Gráfico 5 – Número de pessoas por grau de instrução e faixa de renda extrema
pobreza no Estado do Tocantins – agosto 2019
Faixa da renda familiar per capita
Extrema Pobreza
Superior Sem resposta Sem instrução
incompleto ou 13% 24%
mais
1%

Médio completo
12%

Médio
incompleto
8%
Fundamental Fundamental
completo incompleto
6% 36%

Fonte: extraído de TabCad/CECAD/SAGI do Ministério da Cidadania, 2019.

Os dados da tabela 5 ainda demonstram que o acesso aos graus mais altos
de escolaridade decai entre as pessoas pobres e extremamente pobres, chegando a: a)
apenas 3.844 pessoas (1%) com o ensino superior incompleto ou mais; b) 62.916 (12%)
com o Ensino Médio completo e c) 37.029 (8%) com Ensino Médio incompleto. Esses
dados confirmam a forte associação entre pobreza e dificuldade de acesso à educação
escolar ou acesso precário ao ensino formal. Quanto menos acesso aos bens básicos,
por exemplo: renda, trabalho, residência, saneamento básico, saúde e educação; mais
pobreza pode-se observar. Trata-se de um ciclo vicioso, pois o não acesso à educação
formal torna menores as chances de obter-se acesso a um trabalho formal com renda
suficiente para o acesso aos outros direitos básicos necessários à vida social. Segundo
Craveiro e Ximenes (2013)

a educação entendida como um direito individual humano e coletivo, com


poder de habilitar para o exercício de outros direitos e potencializar o ser
humano como cidadão pleno, cria condições para tornar os cidadãos de
diferentes condições sociais, étnicas e intelectuais aptos para viverem,
conviverem em determinado ambiente, em sua dimensão planetária. A
educação assim entendida inscreve-se no processo e prática que se
concretiza nas relações sociais. Como tal, transcende o espaço e o tempo
escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que a demandam. (p.101)

As garantias de acesso, permanência e conclusão à educação escolar


revestem-se de grande importância na luta contra as desigualdades sociais e
educacionais, assim como no enfrentamento à pobreza. Esse perfil das famílias dos
estudantes pobres e extremamente pobres do Tocantins pode contribuir à leitura do
cenário e da trajetória dos resultados da educação escolar das crianças e adolescentes
pobres matriculadas na escola pública.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 36
Considerações finais
Neste artigo apresentamos uma breve discussão sobre os fundamentos da
relação entre desigualdades sociais e educacionais nas teorias reprodutivista, crítico-
reprodutivista e nas teorias críticas. Estas últimas contestam uma relação direta entre a
escola e a reprodução das desigualdades sociais. As trajetórias escolares são marcadas
pelas trajetórias de vida das pessoas em seus contextos sociais e culturais, todavia, não
são determinantes do tipo de vida que as crianças pobres irão ter quando adultas.

A perspectiva crítica demonstra que a educação escolar é um direito


social que contribui para emancipação individual e coletiva, a partir dos interesses de
classe social e, nesse sentido, a escola transmite conhecimentos e reproduz os valores
inerentes à sociedade capitalista, mas, também, atua na produção e reprodução de
novos e emancipadores conhecimentos e valores sociais, formando, assim, sujeitos do
processo histórico, que está em constante mudança.

Os dados da realidade tocantinense referentes ao perfil dos estudantes e


dos seus familiares em situação de pobreza revelam que a escola pública de educação
básica do Tocantins atende, em sua maioria, crianças e adolescentes pertencentes
aos estratos socioeconômicos mais baixos da escala social. Os perfis socioeconômico
e cultural das famílias que estão no Cadastro Único para benefícios sociais confirma
que 22% da população do Estado do Tocantins são beneficiárias do Programa Bolsa
Família, um dado que, todavia, não revela o quadro real da pobreza no estado, posto
que o caráter focalizado do PBF deixe fora de sua cobertura, pelo menos, 40% da
população pobre.

Contudo, observa-se que a população beneficiária do PBF  composta,


principalmente, por mulheres, de cor parda e negra, e com baixa escolaridade 
tem envidado esforços no sentido de manter seus filhos na escola, o que pode ser
evidenciado pelo índice de mais de 93% de frequência acompanhada das crianças e
adolescentes com perfil educação, 6 a 17 anos de idade. Contudo, ainda fica velado o
que acontece com os mais de 6% de estudantes não frequentes à escola.

Os resultados sumariamente apresentados por estes estudos abrem campo


às reflexões e às críticas importantes sobre a relação entre trajetórias escolares, pobreza
e desigualdades sociais. Os estudos a serem empreendidos deverão voltar-se: a) para
o desvelamento das condições e b) para os resultados dos processos educacionais
dos estudantes cujas famílias empobrecidas se beneficiam ou não dos Programas
de Transferência de Renda; assim, problematizando o impacto dessas realidades
nas trajetórias escolares e nas condições objetivas e subjetivas dessas crianças e
adolescentes estudantes da escola pública, também, é importante reconhecer-se em
que condições essa escola pública educa esses sujeitos.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 37
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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 39
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE ESTUDANTES
TOCANTINENSES: RESULTADOS, DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
João Nunes da Silva15

Introdução
O texto a seguir é um estudo sobre as taxas de rendimentos escolares
no Estado do Tocantins; assim sendo, o artigo apresenta os índices de aprovações,
reprovações e abandonos escolares neste Estado brasileiro, considerando-se o período
entre 2016 e 2018, de acordo com os dados relacionados às distorções idades-séries
e as taxas de aprendizado em Língua Portuguesa e Matemática, nos âmbitos das
escolas públicas e privadas.

A partir dos índices de rendimentos escolares demonstra-se uma breve


análise da situação escolar em que se encontra o mais novo Estado da Federação,
juntos dos seus principais problemas vinculados às causas escolares e às possíveis
perspectivas futuras.

As taxas de rendimentos escolares apresentam-se em duas situações:

a) Por dependência administrativa; e

b) Por etapa escolar.

Referindo-se às dependências administrativas consideram-se: as


dependências públicas, privadas, estadual, municipal e federal existentes no Estado
do Tocantins. A análise e a comparação enquadram-se no período entre 2016 e 2018.

A metodologia utilizada para este estudo foi uma pesquisa quantitativa e


qualitativa, a partir dos dados documentais apresentados: a) pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, plataforma QEDU, b) Dados Prova Brasil
2015−2017; e c) dados da Secretaria de Educação do Tocantins SEDUC.

Taxas de rendimento escolar − 2016


Conforme os dados do INEP e da Secretaria de Educação do Estado
do Tocantins, as taxas de Rendimento Escolar no Ensino Fundamental durante o
ano de 2016 apontam números equilibrados, considerando-se as dependências

15 Professor Doutor da Universidade Federal do Tocantins/Campus de Miracema. Pesquisador do Núcleo de Estudo e


Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. E-mail: joã[email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 40
administrativas. A taxa de aprovação no Ensino Fundamental contou com a totalidade
de 89,4%; a taxa de reprovação 9,1% e, a taxa de abandono, 1,5%.

Concebendo-se as relações entre as dependências públicas e privadas


nota-se que as públicas revelaram um índice de aprovação pouco menor que as
privadas; enquanto, nas públicas a aprovação foi de 88,6%, nas privadas a aprovação
apresentou quase 10 pontos a mais, com 98% de aprovação. Referindo-se à reprovação,
a iniciativa privada apresentou um pequeno índice, de 1,9%, enquanto, a iniciativa
pública indicou que a reprovação atingiu 9,8%.

Tabela 6 – Aprovação por dependência − 2016 (em %).


ANOS ANOS ENSINO
DEPENDÊNCIA TOTAL
INICIAIS FINAIS MÉDIO
PRIVADA 98,0 99.2 95,8 93,1
PÚBLICA 88,6 92,6 83,8 81,2
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados disponibilizados pelo Inep 2016.

A rede pública estadual apresentou maior índice de reprovação em


comparação às outras dependências; ou seja, demonstrou 13,3% de reprovação em
2016.

Quanto ao abandono, no Ensino Fundamental  em 2016, a rede pública


apresentou um índice de 1.6%, enquanto, na rede privada, houve apenas 0,1% de
abandono.

Os indicadores relacionados às reprovações por dependência administrativa


pública e privada, entre 2016 e 2018, para os anos iniciais, finais e Ensino Médio, são
representados na tabela abaixo.

Tabela 7 – Reprovação por dependência administrativa− 2016 (em %).


ANOS ANOS ENSINO
DEPENDÊNCIA TOTAL
INICIAIS FINAIS MÉDIO
PRIVADA 1,9 0,8 4,1 6,7
PÚBLICA 9,8 6,8 13,3 11,9
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados disponibilizados pelo Inep 2016.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 41
Rendimento escolar por dependência administrativa no ano 2018
A rede privada apresentou um índice de aprovação de 98,3% em 2018; ou
seja, em anos iniciais o índice foi 99,2%; nos anos finais 96,5% e no Ensino Médio 94,6%.
Temos, portanto, uma diferença mínima de 0,3% nos anos iniciais e, nos anos finais, ou
seja, um relativo aumento de 1,3%. Para o Ensino Médio houve um aumento de 1,5% na
aprovação; em relação à rede pública houve um aumento substancial na aprovação
 de 2,2%  considerando-se a totalidade da aprovação. Para os anos iniciais a
aprovação aumentou para 1,1%; nos finais o índice aumentou 3,6 %. Quanto ao Ensino
Médio  na rede pública  ocorreu um aumento de 4%. Tais números apresentam
uma importante melhoria no índice de aprovação dos alunos comparando-se os anos
entre 2016 e 2018. Mas, é importante refletir-se sobre esses índices de aprovação
de maneira cautelosa, de maneira a problematizar sobre a realidade educacional,
especialmente voltando-se o pensamento sobre o rendimento escolar e sobre as
dificuldades de aprendizado que os alunos apresentam em relação às disciplinas como
Língua Portuguesa e Matemática.

Tabela 8 - Quadro da aprovação no período de 2016 − 2018 em dependências


públicas e privadas (em %).
ANOS ANOS ENSINO
ANO DEPENDÊNCIA TOTAL
INICIAIS FINAIS MÉDIO
PRIVADA 98.3 99,2 96,5 94,6
2018
PÚBLICA 90,8 93,7 87,4 85,2
PRIVADA 98,0 99.2 95,8 93,1
2016
PÚBLICA 88,6 92,6 83,8 81,2
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados disponibilizados pelo Inep 2016.

O aumento substancial no índice de aprovação requer a reflexão sobre as


condições da aprendizagem de fato; ou seja: passar de ano não significa que o aluno
apreendeu suficientemente. Os dados sobre a evolução do aprendizado no Estado
do Tocantins no período 2015−2017, que serão destacados no item sobre Evolução do
aprendizado no Estado do Tocantins nesse período, demonstram claramente que é
necessário deter-se bastante atenção à forma como os alunos são aprovados, isto é,
na qualidade da aprovação.

Esses dados permitem-nos perceber, também, que a rede privada apresenta


melhores índices no quesito: “rendimento escolar”; mas requer um lançamento de
olhares críticos sobre os números apresentados para não virmos a cair em grave
erro de acreditarmos que “o que é público não presta”, “não tem qualidade”, ou algo
relacionado a essa ideia.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 42
Os melhores índices apresentados pela rede privada de ensino demonstram
que, embora se percebam esforços do Estado voltados à melhoria do ensino, de maneira
geral, isso poderá significar a necessidade de maiores investimentos na rede pública;
ou seja, são necessários planos de ações concretas para o segmento público vistos
em melhores condições de ensino, o que implica em: a) qualificação de professores,
b) investimentos em recursos materiais, c) acompanhamento das metodologias
aplicadas, d) formas de avaliação; dentre outras necessidades.

Evidentemente, os estudantes da rede privada, em geral, pertencem


às famílias cujas condições financeiras são melhores. Nota-se que os estudantes
vinculados às escolas públicas, em sua maioria, originam-se da classe pobre, isto é,
da classe trabalhadora que apresenta rendimentos que não lhes permitem o acesso à
escola privada  quando ativos  uma vez que a maioria sobrevive com o montante
de um salário mínimo  no máximo  que, basicamente, não é suficiente nem à
alimentação. Neste ponto convém voltarmos o pensamento sobre os processos de
ensino e de aprendizagem e, de maneira exclusiva, sobre o significado de aprendizagem.

O sociólogo e educador Paulo Freire chamou a atenção da sociedade


através da sua obra, exatamente porque priorizou a aprendizagem significativa16 e
questionou o ensino tradicional, que ele denominou “educação bancária”.

Freire (1987; 1998) criticou duramente a educação bancária, cuja função é


garantir a desigualdade através de uma metodologia tradicional, mecânica e bancária
em que o aluno é tido como mero receptor de conteúdo (CARRIL et al, 2017)

O pensamento de Freire permitiu que os(as) educadores(as) percebessem a


extrema desigualdade a que foram submetidos(as) àqueles(as) que estão na base da
pirâmide social e, hoje, muitos deles(as) vinculam-se à escola pública. Deve-se rever as
próprias concepções e perceber como (e o quanto) a educação pode ser instrumento
de importante transformação social (CARRIL et al, 2017, p.70).

Em consonância com o pensamento de Paulo Freire, podemos perceber


a desigualdade evidente no sistema educacional quando nos deparamos com os
dados das escolas públicas em comparação com as privadas. Nestas últimas notam-
se, claramente, os melhores índices educacionais e, em contrapartida, os índices
negativos vistos na rede pública repetem-se, porém, não porque as escolas públicas
sejam piores, mas, por outros motivos, por exemplo: a falta de mais investimentos.

16 A aprendizagem significativa defende que o sujeito já carrega consigo uma estrutura cognitiva construída a partir de suas
vivências e realidades. Nessa forma de aprendizagem o aluno dá sentido ao que estuda e aprende; assim sendo, os alunos
são prioridades e o conhecimento não é imposto, como na Pedagogia tradicional. Ausubel (1979), teórico da aprendizagem
significativa, destaca a ideia de conhecimento prévio, interação social e questionamento.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 43
Não é por acaso que os índices de reprovação também se demonstram substanciais
nas escolas públicas; pois é nesse segmento que se apresentam os filhos da classe
trabalhadora. Vários alunos da rede pública desistem da escola, principalmente
devido às razões financeiras, uma vez que necessitam, logo cedo, deixar a escola em
substituição ao trabalho. Assim se explicam os índices de reprovação, de evasão e de
abandono escolar.

Os índices de reprovação e de abandono, geralmente, podem estar


associados às variadas dificuldades que os estudantes pobres encontram para
manterem-se na escola e, em grande escala, para alcançarem notas altas; e isso não
é representado pelas suas incapacidades, mas, devido à estrutura socioeconômica
que empurra a maioria dos escolares pobres para uma situação bastante complexa;
por exemplo, muitos alunos que abandonam a escola são obrigados a tomarem essa
decisão em troca de um emprego, com vistas a sustentarem a família.

Esse não é o único fator agravante; em muitos casos, a evasão escolar


relaciona-se, também, a outros fatores, por exemplo: a) gravidez na adolescência; b)
pobreza; c) violência; d) clima escolar; e) falta de percepção da importância da escola;
que se associam às outras causas, por exemplo: a própria situação de pobreza, baixa
qualidade na educação, etc.

A evasão escolar, em muitos casos, pode se relacionar a outros motivos, tais


como: escolas distantes, falta de transporte escolar ou falta de interesse nos estudos.
Tais fatores acontecem, principalmente, em relação à escola pública  frequentada
pelos filhos dos trabalhadores. Percebe-se, então, que a ausência de políticas públicas
eficientes e eficazes voltadas à educação deva ser a principal responsável pela evasão
escolar e pelo baixo rendimento dos estudantes das escolas públicas, quando ela
não considera as particularidades e especificidades sociais, culturais e econômicas.
Sequencialmente percebem-se os dados relacionados ao rendimento escolar nas
dependências públicas e privadas no meio urbano e no meio rural, considerando-se o
período entre 2016 e 2018.

Rendimento escolar por localização urbana e rural


De acordo com o Inep, a aprovação no Ensino Fundamental, frente ao meio
urbano, nas dependências públicas, foi 93% para os anos iniciais e 83,8% para os
anos finais, em 2016; enquanto, no Ensino Médio, a aprovação foi 81,0. No meio rural
a aprovação nos anos iniciais foi 90,6% e, nos anos finais, 83,3%. No Ensino Médio,
o índice de aprovação no campo foi 84,2. Percebe-se que o meio rural apresentou
menores índices de aprovação apenas no Ensino Fundamental; no Ensino Médio a
aprovação no meio rural foi superior ao meio urbano.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 44
A taxa de reprovação nas dependências públicas, no Ensino Fundamental e
no meio urbano foi 9,8%, sendo 6,6% nos anos iniciais e 13,5% nos anos finais. O índice
total no Ensino Médio foi 12,1%. No meio rural o Ensino Fundamental atingiu um índice
de reprovação de 9,6%, sendo 7,9% nos anos iniciais e 12,3% nos anos finais; no Ensino
Médio o índice foi 10,6%.

O abandono escolar em 2016  nas dependências públicas e no meio


urbano  foi 1,4%, sendo: 0,4% nos anos iniciais e 2,7% nos anos finais; no Ensino
Médio, o índice de abandono foi 6,9%. Quanto ao meio rural, os índices de abandono
foram 2,6% no total, sendo 1,5% nos anos iniciais e 4,4% nos anos finais do Ensino
Fundamental; no Ensino Médio a taxa de abandono nesta localidade foi de 5,2% (Inep,
2016).

O abandono escolar mostrou-se maior no Ensino Médio, tanto no meio


urbano quanto no meio rural; assim, pode-se perceber, também, que à medida que
aumenta a série, também aumenta o índice de abandono, então, isso pode relacionar-
se ao grau de dificuldades dos alunos para permanecerem nas escolas, através das
questões vinculadas: a) à necessidade de trabalharem para auxiliarem no orçamento
da família; b) dificuldades pessoais; c) falta de interesse; dentre outros; desse modo, é
possível salientar-se a questão do trabalho como fator que se faz necessário à medida
que os escolares contam com o aumento das suas idades.

Os índices de rendimento escolar no meio rural apontam para uma estrutura


social que insiste na desigualdade. Embora sejam percebidos os esforços por parte do
Estado diante da melhoria dos índices educacionais; nota-se, todavia, a prioridade
em relação às escolas urbanas. A situação precária nas escolas rurais, por exemplo: a
falta de recursos humanos, físicos e materiais; revela a ausência de políticas públicas
efetivas para o meio rural. Em outras palavras, priorizam-se as escolas urbanas em
detrimento das escolas do meio rural.

Sobre a realidade das escolas rurais, a autora Vendramini destaca que

Os programas governamentais para as escolas rurais centram-se


na lógica economicista, buscando despender poucos recursos para
escolas pequenas e com poucos alunos, agrupando as escolas por
meio da nucleação ou mesmo fechando-as, ou implantando programas
de “fortalecimento” das escolas, como: formação de professores a
distância; tele-ensino; programas de escolarização e instrumentalização
profissional de jovens; bem como ensino tecnológico direcionado pela
lógica empresarial (VENDRAMINI, 201, páginas 54-55).

A citação da autora esclarece algo sobre a situação das escolas rurais e, de


forma mais precisa, sobre as políticas adotadas para elas, pautadas no economicismo.
A resposta está na prioridade que o sistema burguês aplica e impõe conforme uma

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 45
realidade desigual, que prioriza o mundo urbano e coloca a maioria dos escolares,
especificamente os filhos dos agricultores pobres, frente à escola da cidade, como
um modelo a ser seguido. Não por acaso se investe mais em transporte escolar para
conduzir os estudantes do campo às aulas escolares na cidade, em vez de investirem-
se nas escolas rurais.

A seguir, apresentamos os dados gerais da taxa de rendimento decorrentes


no ano de 2017 e, sequencialmente, faz-se uma comparação considerando-se os anos
de 2016 e 2018 no Estado do Tocantins.

Quanto à taxa de rendimento (reprovação, abandono e aprovação) por


etapas escolares, percebem-se os dados referentes ao ano de 2016 e registrados na
tabela 9.

Tabela 9 − Taxa de rendimento por etapas escolares, no Estado do Tocantins, 2016.


ETAPAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA TAXAS DE RENDIMENTO
Anos iniciais 5,3 0,5 94,2
Anos finais 9,9 2,3 87,8
Ensino Médio 10,3 5,5 84,2
Fonte: Seduc – Inep, 2016.

Os dados vinculados ao rendimento escolar em 2017 no Estado do Tocantins,


em comparação aos índices nacionais apontam uma situação equilibrada quanto: a)
à reprovação; b) ao abandono e c) à aprovação; referentes aos anos iniciais, finais e
ao Ensino Médio. Conforme a tabela, representam-se as informações agrupadas na
tabela 10.

Tabela 10 - Rendimento escolar no Estado do Tocantins e no Brasil, em 2017.


ETAPA REPROVAÇÃO ABANDONO APROVAÇÃO
UF
ESCOLAR % % %
Anos
5,2 0,8 94,0
iniciais
BRASIL Anos finais 10,1 2,7 87,2
Ensino
10,9 6,0 83,1
Médio
Anos
5,3 0,5 94,2
iniciais
TOCANTINS Anos finais 9,9 2,3 87,8
Ensino
10,3 5,5 84,2
Médio
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados disponibilizados pelo Inep 2017.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 46
Comparando-se os dados nacionais, o Estado do Tocantins destaca-se
com um baixo índice de reprovação nos anos finais e no Ensino Médio, por exemplo. A
reprovação nos anos finais em 2017 foi 10,1%. No Brasil, e no Estado do Tocantins foi
9,9%. No Ensino Médio nacional foi 10,9% e, especificamente, no Estado do Tocantins
foi 10,3%.

Pode-se perceber, através do quadro apresentado, que tais números


indicam um equilíbrio no rendimento escolar e, em comparação aos índices nacionais,
percebemos até mesmo uma pequena diferença, fator que coloca o Estado do
Tocantins numa situação mais confortável em relação ao rendimento escolar no Brasil,
especialmente em referência aos índices de reprovação e de aprovação.

Considerando-se o período entre 2016 e 2018, os índices de rendimento


escolar no Estado do Tocantins: a) aprovação; b) reprovação e c) abandono; no Ensino
Fundamental e no Ensino Médio apresentaram uma melhoria substancial. Diante da
reprovação, por exemplo, no Ensino Fundamental, em 2016, os anos iniciais obtiveram
um índice de 6,2% e, nos anos finais, de 12,7%. Em 2018 esses índices caíram para 5,4%
e 10%, respectivamente. Quanto ao Ensino Médio, em 2016 a reprovação foi 11,6% e,
em 2018, o índice caiu para 9,3%.

Os números relacionados à aprovação, comparando-se esse mesmo


período entre 2016−2018, demonstram que o Estado do Tocantins aos poucos vem
apresentando uma melhoria referente ao rendimento escolar; assim, esse fator sinaliza
a que as possíveis medidas adotadas apresentam resultados concretos no sentido
de avançarem na qualidade educacional. A aprovação nos anos iniciais do Ensino
Fundamental no estado em 2016 foi 93,3% e, nos finais, foi 84,6%. No Ensino Médio foi
82,0%. Em 2018 esses índices apresentaram uma relativa melhoria, sendo, nas séries
iniciais, 94,3% e, nas finais, 88,0%; no Ensino Médio, 8,0%.

Tabela 11 – Rendimento escolar no Estado do Tocantins, por etapa escolar e taxas de


aprovação, abandono e aprovação – 2016 – 2018.
ETAPA REPROVAÇÃO ABANDONO APROVAÇÃO
ANO ESCOLAR % % %
Anos iniciais 5,4 0,3 94,3
2018 Anos finais 10 2,0 88,0
Ensino Médio 9,3 4,9 80,0
Anos iniciais 6,2 0,5 93,3
2016 Anos finais 12,7 2,7 84,6
Ensino Médio 11,6 6,4 82,0
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados disponibilizados pelo Inep.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 47
A seguir, analisam-se os dados referentes à distorção idade-série, considerando-
se o período entre 2016 e 2018.

Distorção idade-série: comparação 2016−2018


“A distorção idade-série corresponde à proporção de alunos com mais
de 2 anos de atraso escolar”17. Considera-se que nesta situação, os alunos dão
continuidade aos estudos, embora com defasagem em relação à idade demonstrada
como adequada para cada ano de estudo, de acordo com o que propõe a legislação
educacional do país. As principais causas das distorções Idades-Séries relacionam-se
ao abandono e à evasão escolar. Geralmente tais causas podem ligar-se às situações
socioeconômicas dos estudantes.

Com o objetivo de apresentar uma solução para o problema da distorção, o


Ministério da Educação criou o IDEB− Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
em 2005. O IDEB, entre outras medidas, utiliza uma medida de fluxo para avaliar as
escolas com vistas a melhorar esses índices a partir da “pressão” da comunidade local,
conforme destaca Camila Moreira18.

De acordo com o Inep − 2018, percebe-se, nitidamente, que no Estado do


Tocantins a distorção Idade-Série foi maior no meio rural, assim como acontece em
todo o território nacional; por sua vez, a maior distorção apresenta-se no Ensino Médio
 na 4ª série, o índice de distorção chegou a 65,3% no meio rural  enquanto, no
meio urbano, foi 31,1%; significa afirmar que é praticamente mais do que o dobro da
distorção em relação à cidade.

Ainda, considerando-se o Ensino Médio nas dependências administrativas


Federais, o índice de distorção Idade-Série também se apresentou maior no meio rural;
enquanto, no meio urbano a distorção foi 11,8%, no meio rural ela chegou a 26,5% em
sua totalidade.

A taxa de distorção Idade-Série, comparando-se ao ano de 2016, demonstra


os dados disponíveis na plataforma QEdu: nos anos iniciais, do 1º ao 5º ano. Dessa
maneira, a taxa de distorção idade-série foi 10% em 2016; o índice caiu para 9% nas
séries iniciais em 2018. Percebe-se, portanto, uma pequena queda na distorção, de 1%
(Fonte: extraído de QEdu, 2018).

Quanto à taxa de distorção no Ensino Fundamental, os dados apontam que


 do 6º ao 9º ano foi 28% em 2016. Em 2018 esse índice caiu para 27%; portanto,
houve uma queda na distorção, também, de 1%. (Extraído de QEdu, 2018).

17 Cf https://academia.qedu.org.br/censo-escolar/distorcao-idade-serie
18 https://cmoreira2.jusbrasil.com.br/artigos/111821615/distorcao-idade-serie-na-educacao-basica. Acesso em 12-06-2021.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 48
Quanto ao Ensino Médio, a distorção demonstrou em 30% e, para 2018, a
taxa decaiu para 29% no ano de 2016. Se considerar-se o mapa da evolução entre
2006 e 2018, pode-se perceber que houve uma melhoria significativa, de maneira
que, dentre uma distorção de 60% referente ao Ensino Médio em 2006 houve uma
decadência para apenas 30% em 2018. Necessário identificar-se quais são os fatores
históricos e sociais que possibilitaram essa queda (Extraído de QEdu, 2018).

Comparando-se estes dados com os dados nacionais, em 2018, a distorção


Idade-Série foi 11% nas séries iniciais  no Ensino Fundamental foi 25%, em 2018, e
26% em 2016. O gráfico, abaixo, refere-se aos números nacionais, de acordo com as
distorções Idades-Séries, extraídas de Qedu, 2018.

Distorção Idade-Série por localização urbano e rural


Os dados vinculados ao ano de 2018 apontam que a distorção Idade-Série
também foi maior no meio rural em comparação ao meio urbano; enquanto, neste, a
distorção em anos iniciais foi 8,2%, no meio rural foi 13,7%. Em relação aos anos finais,
o meio urbano apresentou uma distorção de 24,9%, e no meio rural, chegou a 38,4%.

Em relação ao Ensino Médio, a distorção idade-série apresentou-se com


27,7% no meio urbano e, no meio rural, com 42,7%. Nota-se, portanto, que à medida
que aumenta a série, também aumenta o grau de distorção, que, aliás, é muito maior
no meio rural.

Tabela 12: Distorção idade-série no Estado do Tocantins, por localização urbana e


rural, no ano de 2018 (em %).
ANOS INICIAIS ANOS FINAIS ENSINO MÉDIO
TOTAL
GERAL
UF TOTAL 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 1º 2º 3º 4º

16,9 9,0 1,6 2,0 8,7 13,0 18,2 6,5 24,7 28,0 27,8 25,7 8,9 33,1 27,8 23,6 48,9
TOCANTINS

Urbana 15,8 8,2 1,2 1,7 8,3 11,8 16,7 24,9 23,2 26,5 26,1 23,8 27,7 32,2 26,5 22,1 31,1

Rural 23,5 13,7 4,2 3,9 11,4 19,4 26,5 38,4 35,0 38,9 40,0 40,6 42,7 43,9 43,0 39,8 65,3

Fonte: Inep, 2018.

Percebe-se, portanto, a partir dos dados sobre a distorção Idade-Série, mais


uma vez, a evidência da falta de políticas públicas eficazes voltadas à educação no meio
rural. Os dados comprovam que o meio urbano recebe maior atenção em referência
às políticas públicas para a educação. Tal situação de desigualdade ampara-se no
modelo elitista excludente da sociedade brasileira que, deliberadamente, concebe
uma educação para os privilegiados e, também, para servir. Neste sentido, o modelo
de educação baseada na desigualdade tem amparo em teorias elitistas, como, por

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 49
exemplo, no pensamento de Durkheim (1998), que tinha uma concepção elitista e
classista, de maneira a defender uma escola para ricos e outra para pobres; portanto,
que se materializa nos dias atuais quando se percebem melhores índices escolares
nas dependências urbanas e nas escolas privadas. Sobre o assunto Arroyo, citado por
Pinheiro (s/d)19, critica a falta de políticas públicas para a população rural e lembra
que: “A educação urbana não é a do campo, e a do burguês não é a do operário”.

Segundo Pinheiro, Marx20 também se reporta aos aspectos das


desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social que submete o
mundo ao poderio do capital 21. Para a autora,
O paradigma de produção capitalista permite maior exploração entre as
pessoas, causa a marginalização do trabalhador do campo e, a mão de obra
humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-se numa mercadoria a serviço
da burguesia, do capitalismo que também se articula pelo processo educativo.

A partir das ideias apontadas pela autora, as desigualdades sociais são


reproduzidas pelo capitalismo; portanto, que se percebe nitidamente nas diferenças
apontadas pelos índices educacionais relacionados às escolas públicas e às escolas
privadas nos meios urbanos e rurais. Não é por acaso que, mesmo diante de algumas
melhorias, a realidade no campo mostra-se cada vez mais difícil, conforme apontam os
índices de rendimentos escolares, especialmente referentes à evolução do aprendizado
no Estado do Tocantins.

Evolução do aprendizado no Estado do Tocantins no período 2015−2017


Segundo os dados da Prova Brasil, compilados pelo QEdu 2018,
comparando-se os anos entre 2015 e 2017, o aprendizado dos estudantes da escola
pública em Língua Portuguesa e Matemática apresentaram índices abaixo do esperado,
ou seja, menores que 70%. Em 2015, no quinto ano das escolas estaduais, a taxa de
aprendizado em Língua Portuguesa foi 46% e, no 9º ano, apenas 22%. Em Matemática
os índices foram 33% no 5º ano e 9%, no 9º ano.

O quinto ano apresentou o índice de 57% em 2017 e o nono ano 31 % em


Língua Portuguesa; em Matemática, os índices foram 9% e 15%.

Embora os números apresentem uma evolução, percebe-se que estão


consideravelmente abaixo do que se espera, ainda. Em Matemática, os dados são
bastante inferiores às metas. Sobre o nono ano, a situação é mais preocupante,

19 Disponível em: https://www.monografias.com/pt/trabalhos915/educacao-campo-politicas/educacao-campo-politicas2.shtml


20 MARX, K. Terceiro manuscritos. [Propriedade privada e trabalho]. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991; p. 163-
208.
21 Disponível em: https://www.monografias.com/pt/trabalhos915/educacao-campo-politicas/educacao-campo-politicas2.shtml

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 50
pois, apenas 9% dos alunos apreenderam o conteúdo básico dessa disciplina. Entre
2015−2017 o índice aumentou para 15%; porém, ainda abaixo das metas. A tabela a
seguir refere-se aos percentuais dos resultados dos aprendizados dos estudantes em
Língua Portuguesa e Matemática.

Tabela 13: Percentual dos resultados dos aprendizados dos estudantes da escola
pública do Estado do Tocantins em Língua Portuguesa e Matemática − 2015–2017.
SÉRIE SÉRIE
COMPONENTE RESULTADO RESULTADO
ANO ANOS ANOS
CURRICULAR (%) (%)
INICIAIS FINAIS
Português 46% 22%
2015
Matemática 33% 9%
5º Ano 9º Ano
Português 57% 31%
2017
Matemática 47% 15%
Fonte: QEdu, dados prova Brasil.

Considerações finais
O trabalho apresentou dados e índices relacionados às taxas de rendimento
escolar no Estado do Tocantins, além das taxas de distorção idade-série, considerando-
se o período entre 2016 e 2018. Todas as informações constam das fontes do Inep e,
também, da plataforma QEdu.

Demonstraram-se os principais índices de aprovação, reprovação e


abandono; além dos índices de distorções Idades-Séries, assim, a análise fixou-se
diante dos dados relacionados: a) à dependência administrativa (pública e privada) e
b) à localidade; isto é, urbana e rural.

As informações apontam que a educação pública ainda apresenta sérios


problemas, muito embora tenha demonstrado melhorias, considerando-se o período
entre 2016 e 2018, principalmente referentes à reprovação e ao abandono. Percebe-
se, também, que a rede privada urbana apresenta melhores índices em relação à rede
pública. Tal fato aponta a necessidade de maior investimento na educação pública
que atenda à maioria da população pertencente aos extratos sociais mais pobres,
principalmente no meio rural.

No Estado do Tocantins percebe-se uma melhoria importante vinculada


aos dados educacionais, uma vez que, a taxa de rendimento apresenta um relativo
aumento a cada ano, comparando-se os anos entre 2016 e 2018; muito embora os
índices de aprovação apresentem um aumento simplório e sinalizem que as políticas
adotadas mantêm uma crescente estabilidade.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 51
Percebe-se, ainda, que a taxa de rendimento escolar mostra uma tendência
negativa à medida que aumentam as séries. No Ensino Fundamental, por exemplo, a
reprovação nos anos finais é maior que nos anos iniciais e, no Ensino Médio, chega a
ser superior ao Ensino Fundamental, tanto em 2016 quanto em 2018.

Quanto à aprovação, os anos iniciais refletem melhores índices em relação


aos anos finais do Ensino Fundamental. No Ensino Médio, a aprovação indica um
índice menor. Este fator demonstra o grau de dificuldade dos alunos secundaristas,
relacionando-se ao conhecimento e à conclusão dessa fase escolar.

De acordo com a dificuldade no aprendizado, os dados da Prova Brasil


que medem o aprendizado em Língua Portuguesa e Matemática, apresentam-se
simplórios. Embora tenha ocorrido uma evolução, em comparação aos anos entre
2015 e 2017, então, percebe-se ainda uma situação preocupante, tendo em vista
que o aprendizado, principalmente em Matemática mostra-se bastante abaixo das
exigências.

Depreende-se, através desse estudo, que o Estado do Tocantins, em


relação aos índices nacionais não se posiciona numa situação tão complexa, tendo em
vista que os dados nacionais, especialmente referentes à aprendizagem em Língua
Portuguesa e Matemática ainda se mostram bastante inferiores. Nota-se, todavia,
um relativo crescimento na qualidade da educação voltado ao mais novo Estado da
Federação. Quanto à situação da educação no meio rural percebe-se, nitidamente, a
ausência de maiores investimentos, uma vez que os melhores índices permanecem nas
escolas da cidade.

Referências
ARROYO, Miguel: FERNANDES, Bernardo M. A Educação Básica e o Movimento Social do Campo. Vol. 2.
Brasília. BF: articulação nacional por uma educação básica do campo, 1999.

AUSUBEL, D.P. Psicología educativa: um punto de vista cognoscitivo. México, Editorial Trillas. Traducción
al español de Roberto Helier, de la primera edición de Educational psychology: a cognitive view, 1976.

CARRIL et al. Considerações sobre aprendizagem significativa a partir da visão de Freire e Ausubel –
uma reflexão crítica. in: E-Mosaico – Revista Multidisciplinar de ensino, pesquisa, extensão e cultura do
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, V. 6, Número 13, 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992.

MARX, K. Terceiro manuscrito. Propriedade privada e trabalho. In: Os pensadores. São Paulo: Nova
Cultural, 1991; p. 163-208.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 52
MOREIRA, Camila, Distorção idade-série na educação básica. Disponível em https://cmoreira2.jusbrasil.
com.br/artigos/111821615/distorcao-idade-serie-na-educacao-basica. Acesso em 11-04-2020

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS – INEP. Disponível em http://portal.


inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais. Acesso em 01 de junho de 2019.

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SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO TOCANTINS SEDUC https://seduc.to.gov.br/, Acessso Em 06 de maio


de 2019.

VENDRAMINI, Célia Regina. Qual o futuro das escolas do campo? Educação em Revista [online]. 2015, v.
31, n. 3, pp. 49-69. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-4698126111. Acessado 12 Junho 2021.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 53
REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO ESTADO DO TOCANTINS
Juciley Silva Evangelista Freire22
Layanna Giordana Bernardo Lima23
Diva Nunes Rezendes24

Introdução
As disposições gerais constantes da Carta Constitucional de 1988
valorizaram especialmente as conquistas referentes aos direitos civis e políticos que
foram amplamente violados na vigência do Regime Militar no Brasil. E, durante um
período relativamente estável de consolidação das instituições democráticas no país,
pode-se dizer que esses direitos civis e políticos passaram por processos mínimos de
concretização (ABRAÃO, 2011). Contudo, outros direitos, como os sociais, culturais,
econômicos e ambientais, não tiveram a mesma atenção.

O Estado, como principal agente responsável pela efetivação e garantia


dos direitos por meio das políticas públicas, mostrou-se ineficiente, conforme aponta
Abraão (2011), sobretudo no que concerne à garantia “dos direitos de grupos em
vulnerabilidades, identificados como grupos especiais diferenciados, que precisam de
atenção na medida de suas diferenças” (p. 2). Segundo a autora,

Apesar do Estado Democrático de Direito em que vivemos prever expressamente


em suas bases o caráter multicultural e plural da sociedade brasileira, as
reivindicações de grupos diferenciados no Brasil ainda são um problema.
(ABRAÃO, 2011 p. 2)

Na colônia brasileira, império, e nos demais períodos da história do Brasil,


os povos indígenas sempre foram tratados pela sociedade nacional como empecilhos
para o desenvolvimento. Na perspectiva histórica dos diretos indígenas, Gersem Baniwa
descreve que no Brasil, antes de 1988, as legislações direcionadas aos povos indígenas
foram utilizadas de forma a “garantir e facilitar o processo de integração dos índios à
chamada comunhão nacional, ou mesmo a sua eliminação física, para abrir caminho
aos projetos de expansão territorial e econômica do poder colonial” (BANIWA, 2012,

22 Professora doutora da Universidade Federal do Tocantins, Campus de Palmas. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. E-mail: [email protected]
23 Professora Doutora do curso de Pedagogia da UFT/Campus de Miracema. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em
Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. E-mail: [email protected]
24 Professora da Educação Básica. Coordenadora Estadual do PBF na Educação (SEDUC-TO 2010 - 2020). E-mail:
[email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 54
p.206). As apropriações de seus territórios, e os processos de educação catequizadora
que promovia a política da assimilação aos modos de vida da sociedade nacional,
trouxe a destruição de muitos povos indígenas brasileiros.

O país, contudo, já apresenta um importante arcabouço legal, impulsionado


pela Carta Constitucional de 1988, que garante aos povos indígenas diversos direitos,
dentre eles o direito à educação escolar e à preservação de suas tradições e identidades
culturais. Nesse contexto, a Educação escolar indígena tornou-se um tema de reflexão,
debates e estudos por parte da academia e da sociedade civil organizada em torno
da questão da garantia do direito social à educação para todos e da problemática
da proteção e valorização da diversidade sociocultural e das identidades étnicas
que constituem a população brasileira, uma luta da qual o movimento indígena25 é
mandatário desde a década de 1970.

Até os anos 1990, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) era a instituição


que coordenava toda a política para os povos indígenas no país. O Decreto presidencial
n° 26/1991 mudou essa situação ao repassar ao Ministério da Educação (MEC) a
responsabilidade pela proposição da política de educação escolar indígena, e aos
estados e municípios a sua execução sob orientação do Governo Federal. Nesse
contexto, foram criados os Núcleos de Educação Indígena nas secretarias estaduais
de educação (MATTOS, 2011). Desde então, a LDB de 1996 e uma série de outras
regulamentações por parte do Estado têm constituído a educação escolar indígena
como uma política pública.

Neste texto, problematizamos a efetivação do direito social à educação dos


povos indígenas no Estado do Tocantins, com base no delineamento da concepção
de escola indígena e das políticas públicas que a promovem em âmbito nacional,
questionando, sobretudo: Como vem sendo desenvolvida a escola indígena no Estado
do Tocantins nesta última década?

Para responder a esta questão, o objetivo geral é traçar a trajetória das


políticas para a educação escolar indígena no Estado do Tocantins e, especificamente,
identificar a construção da nova concepção de escola indígena diferenciada nas
conquistas legais e políticas para a educação escolar indígena no Brasil e delinear
a trajetória da educação escolar indígena no que concerne à legislação, oferta/
matrículas e formação de professores indígenas no Estado do Tocantins, no período
2009 a 20019.

25 O movimento indígena é um conjunto de organizações sociopolíticas dos povos indígenas criadas por lideranças indígenas,
intelectuais e religiosos, para lutarem por seus direitos e afirmação de suas identidades étnicas e culturais, desde a década
de 1970, objetivando superar “a situação de tutela a que historicamente foram submetidos” (BRASIL, 2012, p, 379).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 55
O estudo foi desenvolvido com base na pesquisa bibliográfica e
documental. Contou com aportes teóricos de autores que discute a temática da
educação escolar indígena em artigos científicos, livros e em teses/dissertações; e
na busca de informações em base de dados e documentos oficiais publicados em
sites governamentais (Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins e do
Governo Federal) e da sociedade civil (FUNAI, CIMI). A pesquisa bibliográfica forneceu
informações importantes sobre os aspectos socioculturais dos povos indígenas e das
políticas de educação escolar indígena no Brasil e no Estado do Tocantins; a pesquisa
documental nos municiou, por meio da legislação pertinente (CF 1988, LDB 9.394/96,
DCNEI e RCNEI, PNE/PME, Regimento das Escolas Estaduais do TO) e das bases de
dados oficiais (INEP/Censo Escolar; Gerência de Educação Indígena /Seduc-TO) de
informações qualitativas e quantitativas acerca das políticas para educação escolar
indígena em Tocantins.

No presente texto apresentamos inicialmente uma breve caracterização


dos povos indígenas do Estado do Tocantins, destacando suas lutas pela sobrevivência
física, cultural e garantia de seus direitos. Na segunda seção, tratamos das concepções
e políticas de educação escolar indígena que vem sendo construídas no Brasil a partir
da CF de 1988. Na última seção, traçamos a trajetória da educação escolar indígena
no Estado do Tocantins, retratando as principais políticas desenvolvidas ao longo da
década de 2009 -2019. Finalizamos com algumas considerações sobre as conquistas
identificadas no plano educacional e inferências aos retrocessos em curso no âmbito
dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

Povos Indígenas no Estado do Tocantins


Os antepassados das populações indígenas do Estado do Tocantins têm
suas existências comprovadas nos registros de viagens, notícias e estudos etnográficos
de aproximadamente mais de 250 anos. Os territórios indígenas do sertão goiano
aparecem nas bibliografias históricas como terras extensas compostas por muitas
matas, riquezas, rios com águas em abundância e com uma população indígena
numerosa e guerreira que resistiam às frentes pioneiras de expansão. Palacin (1972)
assim descreve, com riqueza de detalhes, a ainda inexplorada paisagem goiana:

O extenso território goiano – “este continente” como chamam com frequência


os documentos do século XVIII – alongado de sul a norte, apresenta-se como
uma continuidade de planalto central brasileiro, com uma suave inclinação na
metade norte para a bacia amazônica, com a qual se comunica através de seus
grandes rios, Tocantins e Araguaia. Sem grandes obstáculos naturais, o território
goiano oferecia-se aberto à penetração pelo leste partindo de São Paulo – ou
também do Rio e Bahia, pelo norte, remontado a corrente dos rios amazônicos.
Os grandes obstáculos haveriam de ser as enormes distâncias, os desertos de
vida, longos trechos do sertão, na viagem por terra, os rápidos e cachoeiras na
vencida das águas; os índios hostis em ambos os casos. Dificuldades graves,
mas não insuperáveis havendo uma força motivadora (PALACIN, 1972, p. 16).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 56
Farias (1994) e Ribeiro (1996) confirmam o processo de invasão destas terras,
pertencentes aos povos indígenas, pelas bandeiras dos exploradores de riquezas:

[...] o território goiano acabou sendo vasculhado. Durante o séc. XVIII, teve
início, efetivamente, sua “ocupação populacional” pela população não
nativa. Os garimpeiros, mineradores, e seus escravos, foram os primeiros
a invadir o território que até então era habitado por índios Karajá, Xavante,
Xerente, Acroá, Xacriabá, entre outros. Esses povos indígenas ainda não
tinham experimentado nenhum contato com esse processo efetivo de
ocupação estrangeira (FARIAS, 1994, p. 26).

[...] Sobre os campos dos Timbira avançaram criadores e rebanhos vindos


de várias direções: dos sertões de Pernambuco e da Bahia, através dos rios
São Francisco e Parnaíba, numa lenta expansão que levara dois séculos
para atingi-los; de Goiás, descendo pelas margens do rio Tocantins, do
Maranhão mesmo, avançando ao longo do vale do Itapicuru [...] (RIBEIRO,
1996, p. 72-73).

A constituição do território do Estado do Tocantins foi composta pelas


complexas relações de reocupação26 do norte goiano aproximadamente no Séc. XVIII
pelas políticas indigenistas efetivadas para a colonização, povoamento e exploração
das terras do norte. As invasões foram diversas sobre os territórios indígenas, bandeiras
atrás de mão de obra escrava indígenas, bandeiras de garimpeiros para a exploração
de minas de pedras preciosas, criadores de gado, grileiros, posseiros, e muitos foram
os que reocuparam as terras do norte goiano e entraram em disputas com os povos
indígenas que aqui habitavam.

Nas décadas de 1950 a 1980 não foi diferente, continuaram ocorrendo


inúmeras invasões de territórios tradicionalmente ocupados. À medida que o Brasil
crescia, foram realizadas, por intermédio da política do governo desenvolvimentista,
grandes obras sem considerar as populações indígenas, como construções de rodovias,
empreendimentos de hidrelétricas, e principalmente a consolidação de grandes
latifúndios, gerando inúmeros conflitos agrários com posseiros, indígenas e grileiros.
Ressalta-se que este modelo de desenvolvimento potencializou as grandes mazelas
sociais que temos, pois fortaleceu o desenvolvimento territorial e social desigual.

É nesse contexto que nasce o Estado do Tocantins. O território tocantinense


conhecido como “norte goiano” ou “sertão goiano”, teve sua separação do Estado do
Goiás formalmente oficializada em 1988, quando o país vivenciava o contexto de
redemocratização do estado e de lutas pelas garantias de direitos sociais para a
população brasileira. Mas, este ato de emancipação política para as populações do
norte goiano foi fruto, como afirma Lima (2016), de um longo movimento separatista
iniciado no século XVII.

26 O termo Reocupação foi utilizado no estudo de Lima (2016) por considerar que o sertão goiano era ocupado por populações
indígenas antes das invasões das Bandeiras e das demais Frentes Pioneiras de Expansão.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 57
Dessa forma, são contraditórios os motivos políticos trazidos como pautas
para a criação do Estado do Tocantins e a sua inclusão na Amazônia legal. Pode-se
afirmar que isolamento, pobreza e descaso do poder público com o norte goiano, a
insatisfação da população com os políticos que não resolviam as suas demandas
sociais foram alguns dos motivos para a luta separatista de séculos. Todavia, em 1988
a pauta do desenvolvimento da região/política desenvolvimentista novamente presente
fundamentou a justificativa para sua criação, esta foi imprescindível para a constituição
da dinâmica política e econômica do Estado do Tocantins até os dias atuais.

Após a criação do Estado, muitas ações foram realizadas para a consolidação


das políticas de abertura das fronteiras agrícolas e grandes empreendimentos como,
por exemplo, a construção da hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães, que modificou e
impactou o modo de vida de populações ribeirinhas, do campo e indígenas.

O Estado do Tocantins, de acordo com o último censo do IBGE de 2010,


possuía uma população 1.383.445 pessoas. Dados de 201927 estima que sua
população atualmente corresponda a 1.520,448 pessoas. A população indígena,
segundo o censo de 2010 seria em torno de 13.171 pessoas, pertencentes ao Tronco
Macro – Jê, que estão divididos em três famílias linguísticas: Akwẽ (Akwẽ−Xerente),
Timbira (Apinajé, Krahô e Krahô – Kanela) e Iny (Karajá, Javaé e Xambioá).

Conforme os registros da Funai de 2013 e o Relatório de populações


tradicionais do Estado do Tocantins de 2016 as Terras indígenas formalizadas28 no
estado são:

1. Apinayé – terra indígena tradicionalmente ocupada, e regularizada com


área de 141.904,21 ha, que abrange os municípios de Cachoeirinha, Maurilândia do
Tocantins, São Bento do Tocantins, Nazaré e Tocantinópolis;

2. Canoanã (Javaé) – terra indígena tradicionalmente ocupada, entretanto


ainda em estudo, no município de Formoso do Araguaia;

3. Funil – faz parte do território dos Akwẽ−Xerente, terra indígena


tradicionalmente ocupada e regularizada, com uma área de 15.703,80 ha, no município
de Tocantínia;

27 Estimativa de 2019 do IBGE. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/to/panorama.


28 Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: São as terras indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal
de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.
Reservas Indígenas: São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse
permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com
as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados-membros,
principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional. http://www.
funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 58
4. Inãwebohona (Javaé, Karajá)29 – terra indígena tradicionalmente
ocupada e regularizada, com área correspondente a 377.113,57 ha; localiza-se entre
os municípios de Lagoa da Confusão e Pium;

5. Krahô – Kanela – reserva indígena com uma área de 7.612,77 ha, no


município de Lagoa da Confusão;

6. Kraolândia (Krahô) – terra indígena tradicionalmente ocupada e


regularizada com uma área de 30253340 ha, abrangendo os municípios de Goiatins
e Itacajá;

7. Maranduba (Karajá) – terra indígena tradicionalmente ocupada e


regularizada com uma área de 375.153,8 ha, que envolve os municípios de Araguacema
no Estado do Tocantins, mas parte dela está localizada também em Santa Maria das
Barreiras, no Pará;

8. Parque do Araguaia (Ava-Canoeiro, Javaé, Karajá e Tapirapé) – terra


indígena tradicionalmente ocupada e regularizada com extensão de 1.358.499,48 ha,
é uma área de gestão conjunta com o IcmBio e engloba os municípios de Formoso do
Araguaia, Lagoa da Confusão e Pium;

9. Taego Ãwa30 (Ava-Canoeiro) – terra indígena tradicionalmente ocupada


e declarada com uma área de 28.510,00 ha no município de Formoso do Araguaia;

10. Utaria Wyhyna/ Iròdu Iràna (Karajá, Javaé) – terra indígena


tradicionalmente ocupada e declarada com uma área de 177.466,00 ha, no município
de Pium, localizada no norte da Ilha do Bananal, em territórios tradicionais das etnias
Karajá e Javaé. Essa TI está sobreposta ao Parque Nacional do Araguaia.

11. Wahuri (Javaé/Ava Canoeiro) – em situação de estudos complementares31,


no município de Sandolândia;

12. Xambioá (Guaraní, Karajá) – terra indígena tradicionalmente ocupada


e regularizada, com uma área de 3.326, 35 ha, no município de Santa Fé do Araguaia;

13. Área Grande Xerente (Akwẽ-Xerente) – terra indígena tradicionalmente


ocupada e regularizada com uma área de 167.542,11 há, no município de Tocantínia.

29 Isolados na TI Inãwébohona. De acordo com o relatório do Cimi de violência contra os povos indígenas de 2018, estes
podem ser afetados por projetos de desenvolvimento na região, sobretudo pelo projeto de construção da Rodovia TO 242
cortando o Parque Indígena do Araguaia. Sobreposição do Parque Nacional do Araguaia. (Dados do Cimi de 2018).
30 Em 17 de maio de 2016, o senador Ronaldo Caiado (DEM/GO) entregou ao ministro da Justiça do governo interino,
Alexandre de Moraes, um ofício no qual questiona o “mérito duvidoso” da portaria declaratória referente à TI Taego Ãwa e
solicita sua “reanálise”. https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/166479.
31 Em estudo: Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam
a identificação da delimitação da terra indígena. http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 59
Ao tratar da dominação dos povos indígenas, Souza Filho (2012) descreve
que as ações promovidas pelas políticas indigenistas de integração retiraram deles
mais do que as “terras”, junto com os seus territórios tradicionais levaram as identidades
culturais,
A nova sociedade tirou dos indígenas tudo o que eles tinham, especialmente
a sua identidade, para lhes oferecer uma integração que nem mesmo os
brancos pobres, embebidos pela cultura burguesa logram conseguir. Os
colonialistas roubaram o ouro, a madeira, a vida dos indígenas, dizendo
que queriam purificar sua alma; os Estados burgueses exigiram sua alma,
não para entregar a um deus, mas para igualá-las a de todos os pobres e,
então, despojados de vontade, apropriar-se de seus bens (SOUZA FILHO,
2012, p.64).

A conquista dos territórios traz às populações indígenas esperança de


continuidade e de valorização cultural. A luta pelos direitos sociais reconhecidos
demonstra que são sujeitos ativos de sua história. Os artigos 210, 215, e 231 da
Constituição Federal (CF) de 1988 refletem o amadurecimento da política indigenista32
e o resultado da luta do movimento indígena no país, quando reconhece seus
legítimos direitos e os institui como indivíduos aptos ao exercício da sua cidadania e ao
reconhecimento da sua sociodiversidade.

Importante ressaltar o caput do artigo 231 que garante “aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”. Segundo Grupioni (2001, p 13) “com a aprovação
do novo texto constitucional, os índios não apenas deixaram de ser considerados uma
espécie em via de extinção, como passaram a ter assegurado o direito à diferença
cultural, isto é, o direito de serem índios e de permanecerem como tal”.

No que concerne à educação escolar, o parágrafo 2º do Art.210 reconhece


a esses povos “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.” Esse reconhecimento tem valor histórico crucial, posto que a escola
foi utilizada amplamente no processo de genocídio cultural dos povos indígenas,
reduzidos em suas identidades étnicas. Conforme Kreutz (1999, p.84) “a função da
redução e da escola deveria ser a de transformar o modo de ser indígena, ajustando-o
aos princípios euro-cristãos”.

Ao tornar-se objeto da política pública, a educação escolar indígena ganha


a atenção do estado brasileiro. A definição de uma nova concepção de escola e as
garantias legais registrados nesta modalidade de educação a partir da promulgação

32 Conforme Mattos; Kamimura; Araújo (2012, p. 59) “O conceito de política indigenista (ISA, 2004) é utilizado como sinônimo
de toda e qualquer ação política governamental ou não, que tenha as populações indígenas como objeto”.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 60
da Constituição de 1988 podem ser conferidos quando traçamos o panorama geral
das políticas para a educação escolar indígena no Brasil; o que faremos na seção
seguinte.

Concepções e políticas de educação escolar indígena no Brasil


Davi Kopenawa, ativista político do Povo Yanomami, reconhecido
mundialmente, ao tratar do relacionamento contemporâneo da nossa sociedade com
os povos indígenas relata que,

Hoje, os brancos acham que deveríamos imitá-los em tudo. Mas não é


o que queremos. Eu aprendi a conhecer seus costumes desde a minha
infância e falo um pouco sua língua. Mas não quero de modo algum ser
um deles. A meu ver, só podemos nos tornar brancos no dia em que
eles mesmos se transformarem em Yanomami. [...] Os brancos se dizem
inteligentes. Não o somos menos. Nossos pensamentos se expandem
em todas as direções e nossas palavras são antigas e muitas. Elas vêm
de nossos antepassados. Porém, não precisamos, como os brancos, de
peles de imagens para impedia-las de fugir da nossa mente. Não temos
de desenhá-las, como eles fazem com as suas. Nem por isso elas irão
desaparecer, pois ficam gravadas dentro de nós. (KOPENAWA; ALBERT,
2015, p.75).

Os povos indígenas resistiram no passado e continuam resist para serem


respeitados em seus territórios e no seu modo de vida. No que diz respeito aos
conhecimentos culturais, Kopenawa e Albert (2015) afirmam que as palavras de seus
antepassados, os ensinamentos, devem permanecer na memória de seu povo. Para os
autores, o ensino da língua portuguesa e a negação da língua materna das populações
indígenas que residiam no início da invasão europeia, de certa forma serviram de
estratégia de desconstrução do “sujeito cultural”, para a construção do “novo ser”.

A educação indígena tradicional é não somente importante como vital para


os povos indígenas. A vida dentro dos seus territórios traz o convívio com os saberes
dos seus antepassados. A escola na aldeia, portanto, precisa ser contextualizada com
a continuidade desses saberes culturais. Para Baniwa (2012), a reorganização dos
povos indígenas, por intermédios das garantias dos diretos sociais reconhecidos a
eles, que trouxe o “acesso aos benefícios materiais e tecnológicos do mundo moderno
está possibilitando a reafirmação das identidades reprimidas e a (re)elaboração (re)
construção de novos projetos societários para o futuro” (BANIWA, 2012, p.206).

Neste contexto, a educação escolar indígena tem o desafio de mudar o


sentido histórico da escola no território, evitar ser o espaço de colonização dos povos
e criar “espaços” de troca de conhecimentos culturais, tecnológicos e acadêmicos,
não apenas de um saber intelectualizado sobre “o mundo dos brancos”, mas um
aprendizado do respeito ao outro/os do diálogo com os anciões acerca do futuro.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 61
A educação escolar indígena inicia-se com os religiosos das missões que
atuaram nos primeiros períodos da história do Brasil. No Séc. XVII, por intermédio do
regime dos Aldeamentos os jesuítas tiveram um papel fundamental na catequização dos
indígenas. Os religiosos tinham como objetivos “transformá-lo num trabalhador braçal,
com a mentalidade do homem ocidental” (GAGLIARDI,1984 p.28), em contradição, os
colonos queriam ter poder de utilização dos indígenas na produção de mercadorias.
Dessa forma, no período do governo de Pombal, com a proposta de resolver estas
questões, foram instituídas legislações que tiveram consequências de grande alcance
para a extinção de muitos povos indígenas, por intermédios das expropriações de seus
territórios e dos processos de educação catequizadora que promovia a sua assimilação
aos modos de vida da sociedade nacional.

O Marquês de Pombal, em 1755, criou umas das primeiras legislações que


deram origens a inúmeras outras que oscilavam de acordo com os interesses dos
dominadores e da elite política ao longo dos processos de formação da sociedade
brasileira. A resolução da problemática, envolvendo a Coroa Portuguesa, religiosos,
colonos e os povos indígenas, foi de incorporar as reivindicações tanto dos religiosos
como as dos colonos no Alvará de 14 de abril de 1755,

[...] no dia 14 de abril de 1755, foi decretado o primeiro alvará que, entre
outras providências, incentivava o casamento inter-racial e equiparava
os índios aos colonos, em termos de trabalho e direitos. Em 6 de junho
de 1755, foi decretada a liberdade irrestrita do índio, e no dia seguinte
foi totalmente suprimido por lei – Alvará de 7 de junho – o trabalho dos
religiosos junto aos índios, o que vigorou inicialmente no Pará e Maranhão,
e após o Alvará de 8 de maio de 1758 estende-se para todo Brasil. Essa
legislação, ao mesmo tempo que se preocupava com a liberdade e
educação dos índios, bem como em prepara-los para a vida civilizada sem
escraviza-los, proibia o uso da língua geral, o tupi, tornando o português
a língua oficial. As aldeias em que moravam logo foram transformadas
em vilas ou freguesias. Era a primeira tentativa de solucionar o problema
indígena sem o recurso da violência armada, dentro do quadro institucional
da época. (GAGLIARDI,1984 p.28 e 29, grifos nossos)

As consequências desses processos são vividas, ainda hoje, pelos povos


indígenas Brasil a fora. Em pesquisa realizada com os Akwẽ-Xerente33 (LIMA, 2016) do
Tocantins, os indígenas fizeram referências ao tempo de existência da escola na aldeia
e da importância de aprender o português,

[...] Antigamente nós íamos pescar todo final de semana, porque a escola
existe desde o tempo que a gente andava nu. Era naquela cabeceira lá
da barragem para cá da ponte, naquelas pedras debaixo da ponte até o
limite do território indígena, hoje não conseguimos passar de pé para lá,
ficou limitado. (Liderança indígena Akwẽ-Xerente, novembro de 2015)

33 Tese de doutorado de Lima (2016) “Os Akwẽ-Xerente no Tocantins: território indígena e as questões socioambientais”

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 62
[... ] Fala português assim, é uma coisa que eu uso, mas eu falo português
não é porque quero, tive muita dificuldade para poder aprender, eu
aprendi depois dos 12 anos, e foi na escola não foi falando não, então é
uma necessidade, para não ser passado para traz. (Professor, novembro
de 2014).

A escola na aldeia quando não respeita os saberes culturais e o modo de


vida do indígena pode ser colonizadora, sendo apenas um espaço de transmissão
de conteúdos desarticulados da realidade vivenciada por crianças, jovens e adultos
indígenas.

Segundo Freire (2004, apud HENRIQUES et al, 2007, p. 11)

Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição


oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos
da sala de aula. A função da escola era fazer com que estudantes indígenas
desaprendessem suas culturas e deixassem de ser indivíduos indígenas.
Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execução de uma
política que contribuiu para a extinção de mais de mil línguas.

Grupione (2006) afirma que diferentes modelos e formas da escola foram


aplicados aos povos indígenas ao longo da história, “cumprindo objetivos e funções
diversas” (p. 43). Os internatos indígenas objetivavam promover a educação formal das
crianças indígenas, obrigando-as a aprenderem o português e alguns ofícios, longe de
seu ambiente sociocultural e familiar. Outro modelo de escola largamente usado era
aquele da escola no ambiente da aldeia, mas com professores não-indígenas, que
necessitavam da assistência de outros índios como tradutores das suas orientações
pedagógicas aos estudantes indígenas, que deveriam aprender o português e os
valores da sociedade nacional. Segundo o autor, “nesse modelo valorizava-se a língua
indígena porque ela era a chave para o aprendizado da língua nacional” (p. 44). Método
esse conhecido como o “bilinguismo de transição” que retiraria a criança indígena do
“monolinguismo da sua língua de origem para o monolinguismo em português” e,
consequentemente, “também abandonassem seus modos de vida e suas identidades
diferenciadas” (GRUPIONE, 2006, p. 44).

Esses dois modelos, ou concepções de escola, conhecidos como “escola


missionária e escola civilizadora”, impostos aos povos indígenas ao longo da história,
tem se modificado nas últimas décadas no Brasil.

De algo historicamente imposto, a escola passou a ser tomada e depois


reivindicada por comunidades indígenas, que pressentiram nela a
possibilidade de construção de novos caminhos para se relacionarem e se
posicionarem frente aos representantes da sociedade envolvente, com a
qual estão cada vez mais em contato. Novos modelos de escola indígena
estão surgindo, pautados por paradigmas de respeito ao pluralismo cultural
e de valorização das identidades étnicas. (GRUPIONE, 2006, p. 45)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 63
A negação, pelos povos indígenas, dos processos forçados de assimilação
e integração à sociedade nacional tem levado-os a lutarem pela autodeterminação.
Nessa perspectiva, a escola reivindicada por esses povos atualmente é outra. Segundo
Henriques et al. (2007), na luta pelo direito à educação, eles cunharam uma concepção
de educação escolar indígena própria e diferenciada, caracterizada:

pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias


históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos
indígenas e pela revitalizada associação entre escola/sociedade/
identidade, em conformidade aos projetos societários definidos
autonomamente por cada povo indígena. (p. 9)

Sobre a importância social e cultural dessa nova escola indígena, Luciano


(2001, p. 119) afirma que:

A escola é hoje uma necessidade “pós-contato”, que tem sido assumida


pelos índios, mesmo com todos os riscos registrados ao longo da
história. A escola é, dentro desse contexto, o lugar onde a relação entre
conhecimentos tradicionais e novos conhecimentos deverá se articular
de forma equilibrada. Além de ser uma possibilidade de informação
a respeito da sociedade nacional, facilitando o diálogo intercultural e
a construção de relações igualitárias – fundamentadas no respeito,
reconhecimento e valorização das diferenças culturais – entre os povos
indígenas, a sociedade civil e o Estado. (...) Acreditamos que a escola, como
instrumento usado durante a história do contato, para descaracterizar
e destruir as culturas indígenas, possa vir a ser instrumento decisivo na
reconstrução e afirmação das identidades.

Em consonância com estas reelaborações das concepções da diversidade


cultural, da educação escolar indígena e do preconizado pela CF de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) ratifica, em seu artigo 32,
o preconizado pelo artigo 210 da Constituição sobre a oferta do Ensino Fundamental
em Língua Portuguesa garantindo, contudo, às comunidades indígenas a utilização de
suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

Nos artigos 78 e 79 das Disposições Gerais da LDB se estabelece a oferta


de educação bilíngue e intercultural, que propicie o fortalecimento das práticas
socioculturais e linguísticas próprias de cada povo indígena e a recuperação de suas
memórias históricas e reafirmação de suas identidades étnicas, não descurando,
todavia, do acesso aos conhecimentos técnico-científicos da sociedade nacional.
Tratam, ainda, do compartilhamento de responsabilidades, do apoio técnico e
financeiro, e da formulação de programas de ensino e pesquisa, com participação das
populações indígenas, para desenvolver currículos e materiais didáticos específicos e
diferenciados em seus conteúdos culturais, de acordo com cada comunidade indígena
e, também, cursos de formação de professores indígenas e de técnicos especializados
para elaboração e publicação de materiais. (BRASIL, 1996)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 64
Maiores detalhamentos das especificidades curriculares, da organização e
gestão da Educação Escolar Indígena e das normas de funcionamento destas escolas
são encontrados em vários outros documentos oficiais, tais como: os Referenciais
Curriculares da Educação Escolar Indígena (RCNEI) de 1998; o Parecer CNE/CEB
nº 14/1999 que trata das Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas
indígenas; a Resolução CNE/CEB nº 5/2012, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (DCNEI); dentre
outros pareceres, resoluções, leis e decretos que tratam de aspectos específicos como
a formação de professores indígenas em curso superior, o financiamento da educação
escolar indígena e a criação dos territórios Etnoeducacionais.

Nesse contexto, o Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas


(RCNEI), publicado em 1998, objetivou oferecer subsídios para a elaboração e
implementação de programas de educação escolar intercultural que melhor atendam
aos anseios e interesses das comunidades indígenas, tratando também da formação
de educadores e técnicos indígenas que possam assumir essas tarefas de educar,
apoiar e viabilizar a educação intercultural. É neste documento que se encontra a
caracterização da escola indígena comunitária, intercultural, bilíngue/multilíngue,
específica e diferenciada. O RCNEI, também apresenta princípios, fundamentos e
orientações para subsidiar os professores em suas práticas pedagógicas cotidianas,
bem como sugestões aos técnicos e dirigentes educacionais na definição de políticas
para a educação escolar indígena. (BRASIL/ MEC/RCNEI, 1998).

O Parecer CNE/CEB n° 13/2012, do Conselho Nacional de Educação (CNE), que


fundamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, reforça
essa concepção de educação indígena diferenciada, alicerçada na valorização cultural,
linguística e territorial ao declarar que um dos objetivos das DCNEI é “assegurar que os
princípios da especificidade, do bilinguismo e multilinguismo, da organização comunitária
e da interculturalidade fundamentem os projetos educativos das comunidades indígenas,
valorizando suas línguas e conhecimentos tradicionais” (BRASIL, 2012, p. 376). Esse
documento cria a categoria Escola Indígena, que passará a nortear as propostas de
políticas públicas educacionais voltadas as populações indígenas.

Nos processos de reelaboração cultural em curso em várias terras


indígenas, a escola tem se apresentado como um lugar estratégico para a
continuidade sociocultural de seus modos de ser, viver, pensar e produzir
significados. Nesta nova perspectiva, vislumbra-se que a escola possa
tanto contribuir para a melhoria das condições de vida das comunidades
indígenas, garantindo sustentabilidade, quanto promover a cidadania
diferenciada dos estudantes indígenas. (BRASIL, 2012, p. 377)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 65
No que concerne a esse aspecto da interculturalidade, tão enfatizado nos
documentos legais citados, segundo Lopez-Hurtado Quiroz (2007, apud CANDAU,
2012, p.242) interculturalidade pode ser entendida como

abertura diante das diferenças étnicas, culturais e linguísticas, aceitação


positiva da diversidade, respeito mútuo, busca de consenso e, ao mesmo
tempo, reconhecimento e aceitação do dissenso, e na atualidade,
construção de novos modos de relação social e maior democracia.

Educação intercultural, portanto, segundo Candau (2012) pode ser


concebida “como um elemento fundamental na construção de sistemas educativos
e sociedades que se comprometem com a construção democrática, a equidade e o
reconhecimento dos diferentes grupos socioculturais que os integram” (p.242).

Além destes documentos normativos e legais, o movimento indígena em


luta pela educação do seu povo, tem construído espaços de discussão e diálogo com
o Estado para proposição e acompanhamento das políticas educacionais, tais como
a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI) realizada no ano de
2009, em Luziânia-Goiás, que resultou na produção de um documento que apresenta
diretrizes básicas no intuito de atender as demandas educacionais indígenas (MATTOS;
KAMIMURA; ARAÚJO, 2012) e que teve por finalidade, segundo o Documento Final
da I CONEEI, “discutir amplamente as condições de oferta da educação intercultural
indígena, buscando aperfeiçoar as bases das políticas e a gestão de programas
e ações para o tratamento qualificado e efetivo da sociodiversidade indígena, com
participação social” (I CONNEI, 2009, p.1).

A II CONEEI, realizada em Brasília, em 2018, tratou do tema “O sistema


nacional de Educação Escolar Indígena: regime de colaboração participação e
autonomia dos povos indígenas” e debateu pontos importantes para esta modalidade
de educação, sendo as principais reivindicações das comunidades indígenas “a
realização de concursos públicos específicos para professores indígenas, garantia de
infraestrutura nas escolas indígenas e valorização das línguas indígenas” (MEC, 2018)

Os Planos Nacionais de Educação são documentos normativos que também


tratam da concepção e políticas da educação escolar indígena. O Plano Nacional de
Educação (PNE) para a década 2001-2010, aprovado pelo Congresso Nacional por
meio da Lei 10.172 de 2001, possuía 21 metas para a modalidade de educação indígena
dentre as suas 295 metas (PNE, 2001). Em pesquisa de avaliação sobre os resultados
destas 21 metas, Almeida (2012, p. 10) afirma que

Constatou-se que o desenvolvimento da política de educação escolar


indígena nos estados e municípios encontra-se em situação muito
diversa, confirmando que as diretrizes e princípios ainda não direcionam
as políticas, mas dependem das vontades dos governos e da mobilização
indígena, ou seja, a educação escolar indígena com suas diretrizes e
princípios ainda não é uma política do Estado brasileiro.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 66
O atual PNE (2014-2024) destaca, dentre os princípios educacionais, “as
necessidades específicas das populações do campo e das comunidades indígenas
e quilombolas, asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural” (PNE,
2014). Neste PNE, as demandas das comunidades indígenas estão presentes em 16
estratégias distribuídas em 13 das 20 metas, e incorporam as propostas da escola
diferenciada, comunitária, intercultural e bilíngue já preconizada em outros documentos
(MILITÃO, 2018).

Grupione (2002) sintetiza esse movimento da regulamentação da educação


escolar indígena no Brasil, afirmando que:

O conjunto da legislação nacional a respeito do direito dos povos


indígenas a uma educação diferenciada, como visto anteriormente, está
estruturado a partir de duas vertentes, que necessariamente precisam
convergir, para que esse direito se materialize: de um lado, trata-se
de propiciar acesso aos conhecimentos ditos universais e, de outro, de
ensejar práticas escolares que permitam o respeito e a sistematização de
saberes e conhecimentos tradicionais. É da junção dessas duas vertentes
que deve emergir a tão propagada escola indígena. (p. 135)

Podemos perceber, portanto, nas últimas duas décadas, avanços na


regulação legal da educação escolar para os povos indígenas, que garantem uma nova
concepção de escola indígena, baseada em um currículo adequado às características
socioculturais próprias de cada comunidade, com ações específicas de programas de
ensino intercultural e formação de professores indígenas e financiamento e gestão
próprios. Todavia, ao mesmo tempo em que esses povos são reconhecidos em seus
processos próprios de aprendizagem, está o desafio de implantação de uma pedagogia
intercultural e de políticas públicas eficazes que garantam os direitos adquiridos.

As diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar definidas pelo


MEC (BRASIL/MEC,1993, p. 176) já preconizavam que nas escolas indígenas “as
características de cada escola em cada comunidade, só poderão surgir do diálogo, do
envolvimento e do compromisso dos respectivos grupos indígenas, como agentes e
coautores de todo processo”.

Por conseguinte, segundo Mattos; Kamimura; Araújo (2012) essa escola


específica, diferenciada, comunitária e intercultural depende, para sua concretização,
da “vontade e decisão política” (p. 6). Isso porque são necessários arranjos políticos entre
os diferentes entes federativos e as comunidades indígenas locais na coordenação
das políticas de educação indígena. Conforme Bergamaschi e Sousa (2015)

até a primeira década do século XXI não foram instituídos mecanismos


operacionais específicos e eficazes no sentido de ordenar e normatizar
o atendimento diferenciado anunciado na legislação para as escolas
indígenas. Em decorrência disso, observamos secretarias estaduais e

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 67
municipais de educação desarticuladas, implementando escolas em Terras
Indígenas de forma semelhante às escolas urbanas, desconsiderando
os processos próprios de aprendizagem e os sistemas educacionais
específicos de cada povo. (p.153)

Todavia, a legislação também produziu instrumentos normativos para


sanar essa problemática. O decreto presidencial nº 6.861 de 2009 criou os Territórios
Etnoeducacionais, e em 2013 a Portaria MEC nº 1.062, instituiu o Programa Nacional
dos Territórios Etnoeducacionais. Esses dois instrumentos criaram mecanismos
de atuação cooperada e interfederativa entre União, estados e municípios na
implementação das políticas de educação indígena que, segundo o IPEA, “impõem-se
sobre fronteiras estaduais e municipais — estendendo-se por territórios de um ou mais
municípios e estado — intensificando as discussões nas esferas institucionais estatais
sobre o acesso ao direito à educação culturalmente diferenciada e ao reconhecimento
dos saberes indígenas” (IPEA, 2019, p.30). Segundo o Decreto 6.861/2009, o território
etnoeducacional,

compreenderá, independentemente da divisão político-administrativa do


País, as terras indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas por povos
indígenas que mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes
sociais e históricas, relações políticas e econômicas, filiações linguísticas,
valores e práticas culturais compartilhados. (BRASIL, 2009).

A forma de organização educacional das escolas indígenas em territórios


etnoeducacionais:

passaram a designar uma categoria específica de estabelecimento


escolar de ensino, com autonomia pedagógica e organizativa, com aulas
ministradas, prioritariamente, por professores (indígenas) das próprias
comunidades, independentemente da localização rural ou urbana do
território indígena e da situação de regularização fundiária. (IPEA, 2019,
p.30).

Tem-se, portanto, com a criação dos territórios etnoeducacionais34,


importante instrumento para a concretização da autodeterminação e autonomia das
comunidades indígenas na oferta do tipo de educação escolar que se quer para suas
crianças e jovens. Isso está reafirmado no supracitado Decreto, no item VI do parágrafo
2º, que destaca para a educação escolar indígena a “afirmação das identidades étnicas

34 Conforme Sousa (2016), até 2016 existiam “vinte e cinco (25) territórios etnoeducacionais pactuados, dos quarenta e
um (41) previstos, distribuídos por doze (12) estados brasileiros. São eles: Baixo Amazonas (AM) Rio Negro (AM); Povos
do Pantanal (MS); Cone Sul (MS); A’uwê Uptabi (MT); Juruá/Purus (AM); Xingu (MT); Yby Yara (BA); Médio Solimões (AM);
Cinta Larga (MT e RO); Pykakwatynhre (PA); Alto Solimões (AM); Vale do Javari (AM); Ixamná (PA); Tupi Mondé (RO); Tupi
Tupari (RO); Tupi Txapakura (RO); Yjhukatu (RO); Vale do Araguaia (MT, TO, GO e PA); Timbira (TO e MA); Tapajós e Arapiuns
(PA); Médio Xingu (PA); Yanomami e Ye’kuana (AM e RR); Potyrõ (CE e PI); Serra Negra Berço Sagrado (PE). Outros três
(03) TEE estão em processo de implantação e treze (13) em fase de consulta e diagnóstico (nos quais se encontram
povos indígenas das regiões Sul e Sudeste)” (p. 110). Ainda segundo a autora, no ano de 2015, “o MEC promoveu, em
parceria com a Universidade Federal do Rio de janeiro e com o Museu Nacional, um curso de aperfeiçoamento em gestão
etnoterritorializada da educação escolar indígena” (SOUSA, 2016, p.109).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 68
e consideração dos projetos societários definidos de forma autônoma por cada povo
indígena” (BRASIL, 2009).

Bergamaschi e Sousa (2015, p. 154), afirmam que estes instrumentos


normativos ao reconhecerem “as territorialidades indígenas” acolhem, também, as
especificidades étnicas e socioculturais de cada comunidade indígena e a “autonomia
de suas escolas”. Mas, vai além disso. Segundo Sousa (2016) “a construção de territórios
etnoeducacionais reestabelece grande parte do significado e da força do território
como espaço vital da existência indígena” e citando Baniwa (2010) reafirma que

A noção de território indígena ou etnoterritório recupera o sentido e a


força do espaço simbólico e cosmológico do lugar e habitat tradicional e
ancestral dos povos indígenas, uma vez que com a tradição de relembrar
os tempos dos antigos, os povos indígenas nunca ficam sem território,
pois é o território de onde saíram e onde estão presentes nos rituais, nas
crenças e, principalmente, nas histórias e mitos de criação. (BANIWA,
2010, p.6, apud SOUSA, 2016, p.102)

E, Baniwa (2010, p.6, apud SOUSA, 2016) complementa,

[...] território aqui é compreendido como todo espaço que é imprescindível


para que um grupo étnico tenha acesso aos recursos que tornam possível
a sua reprodução material e espiritual, de acordo com características
próprias da organização produtiva e social, enquanto que terra é
compreendida como um espaço físico e geográfico. Deste modo, a terra é
o espaço geográfico que compõe o território onde o território é entendido
como um espaço do cosmos, mais abrangente e completo (p. 103).

Observamos, portanto, um conjunto de aparatos legais constituídos de forma


dialógica e participativa entre o Estado e os movimentos dos povos indígenas, com
suas lideranças e organizações indigenistas, que, embora não estejam efetivamente
sendo concretizadas, são importantes instrumentos de luta para a afirmação dos
direitos garantidos.

Ressalta-se, todavia, que somente a garantia formal do direito à educação


escolar aos povos tradicionais não revela a qualidade e a extensão da valorização
cultural e do respeito às características do princípio da escola indígena, diferenciada,
intercultural, bilíngue e comunitária. Conforme aponta Giraldin (2010)

Esse princípio permanece mais no discurso que se efetivando na prática.


E não se efetiva porque há um empecilho sociocultural provocado pelo
pouco entendimento, por parte dos não-indígenas gerenciadores da
educação escolar indígena, do que venha a ser o processo próprio de
ensino e aprendizagem de cada povo. (p. 270)

Essa garantia, contudo, é um importante instrumento para as comunidades


indígenas se organizarem para reivindicar e acompanhar a escolaridade de suas
crianças e jovens, já que nenhuma escola indígena pode ser criada sem a anuência dos

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 69
povos que dela se beneficiarão. Partindo desta premissa, apresentaremos um quadro
geral da trajetória da educação escolar indígena no Estado do Tocantins.

Trajetória da educação escolar indígena no Estado do Tocantins: retrato de


uma política pública
Trataremos a educação escolar indígena como uma política pública,
objetivando traçar um panorama geral da sua trajetória no Estado do Tocantins, a
partir de um recorte histórico de dez anos, considerando os anos de 2009 e 2019
como referenciais de análise. A construção dessa trajetória teve como base as
informações e dados da Secretaria de Estado da Educação, Juventude e Esportes –
Seduc, das legislações e normas emanadas do Conselho Estadual de Educação (CEE)
e da própria Secretaria, do Censo Escolar – Inepdata, dentre outras fontes como
artigos e dissertações que tratam da temática tanto do ponto de vista político quanto
antropológico.

A Seduc−Tocantins assumiu a gestão e organização da educação escolar


indígena no estado a partir de 1991 e vem seguindo os dispositivos legais que a
regulamentam em nível nacional e as normativas próprias do sistema educacional.
No estado existem seis Diretorias Regionais de Ensino (DRE) – Araguaína, Gurupi,
Miracema do Tocantins, Paraíso, Pedro Afonso e Tocantinópolis – que têm sob sua
jurisdição escolas indígenas localizadas nos municípios de Goiatins, Santa Fé do
Araguaia, Formoso do Araguaia, Sandolândia, Tocantínia, Lagoa da Confusão, Itacajá,
Maurilândia do Tocantins e Tocantinópolis. Nesses municípios estão localizadas as
Terras Indígenas dos povos das etnias Krahô, Xambioá, Javaé, Xerente, Karajá, Krahô/
Kanela, Krahô e Apinajé. São mais de 147 aldeias, e atualmente possuem 96 escolas
que ofertam da Educação Infantil ao Ensino Médio, a modalidade EJA e atendimento
especializado para pessoas com deficiência. O quadro abaixo detalha esse cenário da
educação escolar indígena em Tocantins:

Quadro 1 – Número de Escolas Indígenas no Estado do Tocantins, por Diretoria


Regional de Ensino, Município, povo/etnia e etapas/modalidades ofertadas – 2019.
DIRETORIA NÚMERO
ETAPAS E MODALIDADES DE
REGIONAL DE MUNICÍPIO DE POVO
ENSINO OFERTADAS
ENSINO - DRE ESCOLAS

Educação Infantil
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Goiatins 13 Educação de Jovens Adultos
KRAHÔ
ARAGUAÍNA Atendimento Educacional
XAMBIOÁ
Especializado

Santa Fé do Ensino Fundamental


4
Araguaia Ensino Médio

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 70
DIRETORIA NÚMERO
ETAPAS E MODALIDADES DE
REGIONAL DE MUNICÍPIO DE POVO
ENSINO OFERTADAS
ENSINO - DRE ESCOLAS

Ensino Fundamental
Formoso do
7 Ensino Médio
Araguaia Educação de Jovens e Adultos
GURUPI JAVAÉ
Ensino Fundamental
Sandolândia 3 Ensino Médio

Educação Infantil
Ensino Fundamental
Ensino Médio
MIRACEMA DO
TOCANTINS
Tocantínia 38 XERENTE Educação de Jovens Adultos
Atendimento Educacional
Especializado
Educação Profissional

KARAJÁ Ensino Fundamental


PARAÍSO DO Lagoa da
9 KRAHÔ/KANELA Ensino Médio
TOCANTINS Confusão JAVAÉ Educação de Jovens Adultos

Ensino Fundamental
PEDRO AFONSO Itacajá 11 KRAHÕ
Ensino Médio

Maurilândia
1 Ensino Fundamental
do Tocantins
TOCANTINÓPOLIS APINAJÉ Ensino Fundamental
Ensino Médio
Tocantinópolis 10 Atendimento Educacional
Especializado

Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados disponibilizados pelo Inepdata/Catálogo de Escolas
(2019) e pela Diretoria de Políticas Educacionais/Gerência de Educação Indígena − Seduc-TO.

O povo da etnia Akwẽ-Xerente35, conforme dados do quadro acima, é o que


tem o maior número de escolas, 38, e de acordo com a DPE/Gerência de Educação
indígena da Seduc−TO possui mais de 1500 alunos, distribuídos nos três níveis da
educação básica e suas modalidades – Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação
profissional e atendimento educacional especializado. É um dos povos indígenas
mais escolarizados no estado36, conforme já constatado por diversas pesquisas
(GIRALDIN, 2010; MELO; GIRALDIN, 2012; BRAGGIO, 2000), que evidenciam também
as contradições, incompreensões e confrontos dessa relação entre o processo de
escolarização e as ameaças a seu modo de vida, vindo a ser a escola atualmente uma
das frentes desse enfrentamento, conforme apontam Melo e Giraldin (2012):

Em contato com a sociedade não indígena há mais de 250 anos, o povo akwẽ
já enfrentou as mais diferentes faces e fases do contato. Atualmente a visão
de mundo Xerente tem sido confrontada pelo discurso desenvolvimentista
expresso pelos inúmeros empreendimentos econômicos que cercam o

35 O território indígena Xerente localiza-se na margem direita do rio Tocantins, no município de Tocantínia (TO), a 70 km ao
norte da capital do estado, Palmas.
36 Segundo Ferreira e Morais Neto (2016), os Akwẽ-Xerente têm registro de escola desde 1876, possuindo já em 1877, 50
alunos indígenas. O Ensino Fundamental tem registro em 1940. E, em 1950, registra-se a chegada dos missionários
batistas. As escolas mantidas pelo Estado vão surgir no “final dos anos de 1990 e início dos anos 2000, nas terras indígenas
Xerente e Funil.” (p.55)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 71
território akwẽ. Ilhados em meio a grandes áreas cultivadas pelo Projeto
PRODECER III (com financiamentos do governo japonês), muito próximos
ao lago da usina hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães, na área de
influência de projetos futuros (projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins) e
ainda tendo como vizinha a capital do estado do Tocantins, os Xerente
têm buscado, de diferentes formas, enfrentar a pressão exercida pela
sociedade não indígena. A ampla adesão ao processo de escolarização é
apontada como uma delas. (MELO; GIRALDIN, 2012, p.195)

No Regimento Escolar do Estado do Tocantins, a educação indígena é


caracterizada como uma modalidade de ensino apta a ofertar o Ensino Fundamental
e o Ensino Médio. No art. 47, § 2º, o Regimento estabelece que aos povos indígenas
o currículo deverá: “I – garantir, como primeira língua, o estudo da língua materna
indígena das suas respectivas etnias e a língua portuguesa como a segunda; II – o ensino
da arte e da educação física deverá contemplar as especificidades de cada etnia”.
(TOCANTINS, 2017, p. 35) O Regimento não apresenta mais nenhuma outra menção
ou norma específica para a organização das escolas indígenas. Não se tem notícia
de um regimento específico para as escolas indígenas que respeite a concepção de
escola diferenciada, intercultural e comunitária e as lógicas territoriais e socioculturais
para a organização, funcionamento e gestão dessa escola.

Segundo Ferreira e Morais Neto (2016) a Proposta Curricular das Escolas


Estaduais Indígenas do Tocantins preconiza a valorização dos conhecimentos
socioculturais dos estudantes indígenas com base na integração escola-família-
comunidade e por meio de um ensino transdisciplinar. Todavia, segundo os autores, “o
currículo utilizado para todas as Escolas Estaduais Indígenas – EEI não possuem uma
diferenciação, que valorize as identidades das sete etnias, mas busca ofertar uma
educação homogênea para todos esses povos indígenas” (p. 58).

O Estado do Tocantins foi o terceiro estado da federação a criar o Conselho


Estadual de Educação Indígena (CEEI), em 2005, por meio do Decreto n° 2.367, de 14
de março de 2005, com sede em Palmas−TO. O CEEI é um órgão vinculado à Secretaria
da Educação e Cultura, com poderes consultivos, de assessoramento e “deliberativo
sobre políticas, programas e ações de promoção e desenvolvimento da Educação
Escolar Indígena” e com assentos de representantes das sete etnias do estado e de
três representantes da Seduc e dois do Conselho Estadual de Educação. Conta, ainda,
com a participação de representantes convidados da Associação dos Professores
Indígenas do Tocantins, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Distrito Sanitário
Indígena, Funai, UFT e União dos Estudantes Indígenas do Estado (TOCANTINS, 2005)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 72
O Plano Estadual de Educação (PEE/2015-2025) estabelece na meta 13,
que trata especificamente da educação indígena, que em três anos após a aprovação
do PEE essa modalidade de educação seria universalizada, “em regime de colaboração
com a União e os Municípios, a oferta de educação escolar indígena diferenciada,
bilíngue, intercultural e comunitária, em todas as etapas e modalidades da educação
básica, em conformidade com as características e especificidades de cada povo
indígena” (PEE, 2015).

A meta de universalização da educação escolar indígena parece ainda não


ter sido alcançada, mas, percebe-se um crescimento significativo na última década
– de 2009 a 2019 – nas matrículas dessa modalidade de ensino no Brasil, na região
Norte e no Estado do Tocantins, conforme podemos observar na tabela 1 abaixo:

Tabela 1 – Número de Matrículas totais na educação básica de estudantes indígenas,


por gênero, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação, Tocantins –
2009 e 2019.

MATRÍCULAS INDÍGENAS
ANO REGIÃO GEOGRÁFICA/UF TOTAL
FEMININO MASCULINO
Brasil 106.228 109.858 216.086
2009 Norte 35.908 39.046 74.954
Tocantins 1.731 1.938 3.669
Brasil 157.448 163.727 321.175
2019 Norte 72.762 77.131 149.893
Tocantins 3.654 3.638 7.292

Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados disponibilizados pelo Inep/Censo Escolar – Sinopses
Estatísticas da Educação Básica de 2009 e 2019.

No Estado do Tocantins, assim como apontam os dados nacional e regional,


as matrículas em 10 anos dobraram, saindo de 3.669 em 2009 para 7.292 em 2019,
um aumento de mais de 98% no período considerado. Na tabela 1, acima, podemos
observar, ainda, que, em ambos os períodos, o aumento nas matrículas tem ocorrido
de forma mais ou menos equilibrada entre meninos e meninas indígenas, sendo maior
o número de meninos. Contudo, em 2019 observa-se um leve aumento no número de
matrículas das meninas no Estado do Tocantins. Essa é uma questão que merece ser
ressaltada porque entre as diferentes etnias tocantinenses há tradições patrilineares,
em que as mulheres tradicionalmente não podiam acessar espaços públicos e de
poder. Mas, este é um traço cultural que vem se modificando, como observado entre os
povos Xerentes, através do qual, atualmente, as mulheres já ultrapassam os homens
nas matrículas escolares (MELO; GIRALDIN, 2012; FERREIRA; MORAIS NETO, 2016).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 73
O crescimento na demanda por educação formal pelos povos indígenas
tem sido observado em todos os níveis e etapas da educação básica nos últimos dez
anos. No gráfico 1, abaixo, podemos ver que da Educação Infantil ao Ensino Médio o
crescimento de matrículas tem ocorrido. Chama à atenção a evolução das matrículas
nas etapas de Creche e Pré-Escola na escola indígena do Tocantins, posto que a oferta
da educação infantil indígena seja ainda um tema polêmico e não consensual entre
estes povos. Todavia, em que pesem as controvérsias a esta questão, aqui se observa
que em 2009 eram apenas 16 matrículas na creche e em 2019 esse número chegou a
325 matrículas de crianças até 3 anos de idade; na pré-escola, saiu das 66 matrículas
em 2009 para 484 em 2019.

Gráfico 1 – evolução das matrículas indígenas no Tocantins – 2009-2019.

Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados disponibilizados pelo Inep/Censo Escolar – Sinopses
Estatísticas da Educação Básica de 2009 e 2019.

O Ensino Médio entre os indígenas também tem registro de crescimento


no número de matrículas nos dez anos considerados. De 325 matrículas em 2009
para 1.150 em 2019, inclusive com oferta de cursos profissionalizantes, como os
de enfermagem e informática ofertados aos Xerentes. Do mesmo modo, o Ensino
Fundamental em suas duas etapas (anos iniciais e anos finais) também aumentou a
quantidade de alunos indígenas atendidos de 2009 a 20019.

Os números da Educação de Jovens e Adultos também indicam crescimento


no período considerado, como podemos observar na tabela 2 a seguir:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 74
Tabela 2 – Matrículas indígenas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Estado
do Tocantins, por sexo, região e ano — 2009-2019.

Região Geográfica/ Matrículas indígenas EJA


Ano
Unidade da Federação
Feminino Masculino
Brasil 10.790 10.252
2009 Norte 3.426 3.346
Tocantins 101 88
Brasil 12.867 12.340
2019 Norte 5.227 5.035
Tocantins 296 184

Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados disponibilizados pelo Inep/Censo Escolar – Sinopses
Estatísticas da Educação Básica de 2009 e 2019

Esses dados indicam que o interesse pela escola tem sido marcante entre
os povos indígenas do Estado do Tocantins. E tem iniciado cedo, inclusive com a oferta
de creches às crianças bem pequenas. Esse cenário suscita alguns questionamentos
sobre a qualidade e a concepção da escola oferecida a estes povos: que escola é esta?
Quem a pensa e quem a executa? Qual o conteúdo e a forma do processo de ensino-
aprendizagem e como ele se relaciona com as tradições socioculturais de cada povo?
Qual o sentido dessa escola para cada um dos povos e suas comunidades? A escola
diferenciada, intercultural, bilíngue e comunitária de fato se efetiva nestas unidades
escolares?

Esses questionamentos tornam-se mais pertinentes quando observamos


o cenário atual e a trajetória da formação e da profissão do magistério indígena no
estado.

No tocante à formação dos professores indígenas, o estado tem investido


recursos desde a década de 1990, a partir da implantação do Curso de Capacitação
de Professores Indígenas em 1991, também denominado Magistério Indígena, que
formou nessa primeira turma 38 (trinta e oito) professores “oriundos de trinta e sete
comunidades e por elas escolhidas, representando os povos Karajá, Javaé, Karajá
Xambioá, Xerente, Krahô e Apinajé, na proporção de um indígena por comunidade”
(MUNIZ, 2016, p.87). Atualmente, o Curso de Magistério Indígena está em sua 31ª turma
(T1 Notícias, 17/01/2020) oferecendo formação intercultural, bilíngue e diferenciada,
que possibilita aos seus cursistas o prosseguimento dos estudos em níveis posteriores
de escolaridade e o exercício da atividade docente nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental na escola indígena.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 75
No âmbito da profissão de professor da Educação indígena, no Estado do
Tocantins foi criado o Cargo Especial do Magistério, pela Lei nº 2.141 de 2009, que
em 2014 foi referendado pela Lei nº 2.859 como Quadro Especial do Magistério
Indígena, integrado pelos cargos de Professor de Educação Indígena I e Professor de
Educação Indígena II, com atuação na docência da Educação Infantil e anos iniciais
do Ensino Fundamental ou em desempenho de função gratificada (Art. 5º), para
atuarem exclusivamente na Educação Indígena, compondo uma classe única (Art. 6º).
O Professor Auxiliar de Ensino I deve ter como formação “até o Ensino Médio Completo”
e o Professor Auxiliar de Ensino II “o Ensino Médio Completo” (TOCANTINS, 2014, p. 4
e 12).

Segundo informações disponibilizadas por e-mail pela Gerência de


Desenvolvimento da Educação Indígena da Seduc−TO, em 2019 o quadro especial
do magistério indígena tem um total de 453 professores, destes 247 são indígenas e
206 não indígenas, conforme tabela 3 abaixo (SEDUC-TO, 2019). Chama à atenção o
número daqueles que são indígenas, numa proporção maior do que os não indígenas.
Essa é uma situação que reflete a formação de indígenas para o exercício do magistério,
resultado da oferta dos cursos de Licenciatura nas IES, com reserva de vagas, da
Licenciatura Intercultural e do Magistério Indígena.

Tabela 3 - Número de professores atuantes na Educação Escolar Indígena no Estado


do Tocantins em 2019.
PROFESSORES
PROFESSORES
POVOS/ETNIAS DRE NÃO TOTAL
INDÍGENAS
INDÍGENAS

Xerente Miracema 87 14 101


Krahô Pedro Afonso 65 71 136
Javaé Gurupi 29 22 51
Karajá
Paraíso 22 06 28
Krahô kanela
Karajá xambioá
Araguaína 29 56 85
Krahô
Apinajé Tocantinópolis 15 37 52
TOTAL GERAL 247 206 453
Fonte: Gerência de Desenvolvimento da Educação Indígena − Seduc−TO, 2019.

Na perspectiva de uma educação escolar indígena diferenciada que


priorize a valorização cultural, defende-se a importância de que o(a) professor(a)
tenha conhecimento da história cultural e da língua da etnia indígena em que trabalha.
Dentre os professores não indígenas, a comunicação na sala de aula faz-se por
intermédio apenas da Língua Portuguesa? Como fazem as articulações dos saberes

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 76
científico-universais com os saberes tradicionais-locais? São questões que o presente
estudo não consegue responder, mas problematiza a proposta pedagógica do estado
que reafirma a concepção da escola indígena diferenciada, intercultural, bilíngue e
comunitária, prescrita pelos documentos nacionais.

Mesmo com a presença dos indígenas nos cursos de licenciaturas das


instituições de ensino superior do estado, parece ainda não haver um número suficiente
de professores indígenas formados para atender a demanda de docentes para o
Ensino Fundamental e, principalmente, para o Ensino Médio, tendo em vista que este
requer formações específicas em letras, geografia, história, matemática e outras. Os
dados da tabela 3 não informam se todos os professores têm formação acadêmica.

No que concerne ao acesso à formação em nível superior, os indígenas do


estado têm duas instituições como referência, uma delas é a Universidade Federal
de Goiás – UFG, que desenvolve um papel importante já há alguns anos na formação
acadêmica dos povos indígenas do Estado do Tocantins, por meio da oferta de cursos
de graduação e pós-graduações com uma proposta pedagógica intercultural. A outra
é a Universidade Federal do Tocantins − UFT, que desde 2004 tem possibilitado o
acesso aos estudantes indígenas nos cursos de formação acadêmica, via o sistema de
cotas para indígenas.

Em que pesem os graves ataques à dignidade dos povos indígenas e violação


de outros direitos, a educação escolar indígena no Estado do Tocantins apresenta
uma significativa trajetória na última década aqui considerada (2009 a 2019), com
importantes iniciativas desenvolvidas pelo poder público e pela sociedade civil e uma
forte adesão das comunidades indígenas ao processo de escolarização em todos os
níveis da educação.

Considerações Finais
Na atual conjuntura política brasileira observamos graves retrocessos nas
políticas públicas voltadas às garantias dos direitos sociais, sejam dos mais pobres, dos
povos tradicionais, das minorias étnicas, dos homossexuais ou dos imigrantes. O atual
governo de extrema direita no Brasil (2018-2022) tem desferido violentos ataques
às políticas públicas de inclusão social e de valorização da diversidade étnico-cultural
que os governos democrático-popular de Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2015)
implementaram, ainda que de modo incipiente e focalizado.

No que concerne particularmente aos povos indígenas, o atual governo tem


sinalizado para profundos retrocessos, como o envio de um Projeto de Lei ao Congresso
Nacional que prevê a liberação de atividades econômicas em terras indígenas e a

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 77
nomeação de um ex-missionário evangélico37 para a coordenação dos povos isolados,
órgão da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Dentre outras medidas e declarações do
atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, como o travamento das demarcações
das terras indígenas, essas duas em particular afetam profundamente a dinâmica de
condução da política indigenista que vinha sendo adotada no país e ameaça tanto a
sobrevivência física quanto cultural dos povos, sobretudos daqueles isolados.

A violência aos povos indígenas tem aumentado desde 2018, devido à


proximidade das TIs com as cidades ou da grilagem de suas terras que têm gerado
conflitos agrícolas, resultando em mortes de indígenas e não indígenas. Segundo o
Cimi (2018), foram registrados no Estado do Tocantins 09 casos de violências contra
o patrimônio, 09 registros de omissão e morosidade na regulamentação de terras,
08 registros de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos
diversos ao patrimônio. Em relação à violência promovida pela desassistência geral
foram 05 registros, a desassistência na área da educação 01 registro e na área da
saúde 05 registros. A mortalidade infantil é outra evidência no relatório de 2018 com
registro de 13 casos38.

Mesmo com direitos reconhecidos e garantidos na constituição de 1988, os


povos indígenas no Brasil vivem em constante vigilância e luta. A luta pela continuidade
da vida, e permanência nos territórios tradicionais, a luta pelo transporte escolar,
merenda, professores, enfim, pela escola na aldeia, são travadas todos os dias pelas
lideranças, professores, velhos, famílias e crianças e jovens indígenas. São inúmeros os
desafios: culturais, pedagógicos, políticos e estruturais. Entretanto, os povos indígenas,
como fizeram no passado, continuam criando mecanismos e estratégias de resistência
para permanecerem (re)existindo em contexto de adversidades políticas e econômicas.

Nesse estudo evidenciamos a conquista da concepção de escola indígena


diferenciada, autônoma, bilíngue, intercultural e comunitária, gerida e organizada por
meio de arranjos políticos interfederativos com participações das próprias populações
indígenas e baseados nos Territórios Etnoeducacionais, que consideram não apenas
a extensão física do território, ou da Terra Indígena, mas, sobretudo, os elementos
socioculturais característicos de cada povo indígena. Sem dúvida um avanço que
precisa ser constantemente acompanhado, avaliado e replanejado em seus objetivos
e finalidades na concretização das políticas públicas.

37 Segundo matéria da Revista Carta Capital o coordenador nomeado é “Formado em antropologia e ciências sociais” e
“atuou por dez anos na Missão Novas Tribos do Brasil, organização que trabalha na evangelização dos índios da Amazônia
e que já foi expulsa pela Funai das terras do povo Zo’é em 1991, acusada de impor a doutrina cristã e espalhar doenças”
(MAGALHÃES, 2020. p.1).
38 Fonte: Siasi/DGISI/DGESI/Sesai/MS. Acesso em 11/1/2019. Data de referência: 30/9/2018. Dados sujeitos a alterações
por processo de alimentação e qualificação. (CIMI, 2018)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 78
No Estado do Tocantins, o interesse pela escola tem sido acentuado entre
os povos indígenas. O crescimento no número de escolas, de matrículas em todos os
níveis da educação e de professores indígenas formados na última década (2009-
2019) evidencia a trajetória de uma escola indígena que é tanto resultado quanto
instrumento da luta pela própria sobrevivência sociocultural desses povos. Por trás
dos números, todavia, há uma realidade que precisa ainda ser desvelada e que
repousa sobre questões relativas às intencionalidades da escolarização, às práticas
educativas desenvolvidas, à qualidade e à concepção de escola indígena que vem
sendo implementada para e por estes povos.

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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 82
PARTE II

TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES:


EDUCAÇÃO, POBREZA E
DESIGUALDADES SOCIAIS NA ESCOLA

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 83
POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL:
A (IN)VISIBILIDADE DO DEBATE NA ESCOLA
Adir Valdemar Garcia39
Jaime Hillesheim40
Tânia Regina Krüger41

Introdução
O tema “pobreza e desigualdade social” ganhou destaque no campo
da educação, nos últimos anos, em função da criação, em 2003, do Programa
Bolsa Família (PBF). Este Programa do Governo Federal constituiu-se no principal
instrumento de combate à pobreza por meio da transferência de benefício financeiro,
associada ao acesso aos serviços básicos, por exemplo: saúde, educação, assistência
social e segurança alimentar. No âmbito da educação, o PBF promoveu o ingresso
de milhões de crianças, adolescentes e jovens nas escolas, a partir de determinadas
condicionalidades42. Um conjunto importante de estudos mostra que são mais evidentes
os impactos positivos do PBF sobre os indicadores mais diretamente relacionados a
essas condicionalidades, especialmente no que diz respeito exatamente à frequência
escolar e às taxas de abandono (SANTOS et al, 2017). Contudo, ainda há questões que
carecem de avaliações mais aprofundadas, particularmente, o impacto do PBF sobre
o aproveitamento escolar dos estudantes pertencentes às famílias beneficiárias.

Seguindo a trilha de outros estudos sobre o tema, o objetivo, neste texto, é


apresentar e analisar como a questão da pobreza e da desigualdade social é tratada
nos Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) e no cotidiano das escolas. A fonte privilegiada
de pesquisa foram as respostas dadas a um questionário aplicado junto dos(as)
trabalhadores(as) da educação que participaram de um curso de especialização
denominado Educação, Pobreza e Desigualdade Social43, tendo como objetivo construir

39 Professor Doutor do Departamento de Estudos Especializados em Educação, da Universidade Federal de Santa Catarina
(EED/UFSC). Coordenador e Professor Pesquisador do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade social da
UFSC 2015-2017. E-mail: [email protected]
40 Professor Doutor do Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina (DSS/UFSC). Professor
Pesquisador do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade social da UFSC 2015-2017. E-mail: jaimehil@
yahoo.com.br
41 Professora Doutora do Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina (DSS/UFSC).
Professora Pesquisadora do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade social da UFSC 2015-2017. E-mail:
[email protected]
42 Maiores informações sobre o conjunto de condicionalidades do PBF consultar BRASIL. Ministério da Cidadania. Carta
de Serviços ao Usuário. O que são as condicionalidades? Disponível: <http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/mds-pra-
voce/carta-de-servicos/gestor/bolsa-familia/condicionalidades>. Acesso em: 1 out.2019.
43 Este curso, ofertado na modalidade EaD, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no período de 2015-2016,
foi uma das ações do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social (PNEPDS), derivado da Iniciativa

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 84
um perfil desses(as) trabalhadores(as). O questionário foi estruturado a partir de um
conjunto de questões abertas e fechadas sendo algumas delas a respeito da discussão
aqui proposta. Após a aplicação do questionário, a equipe do Programa Nacional
Educação, Pobreza e Desigualdade Social (PNEPDS/UFSC) organizou os dados em
um documento intitulado “Perfil Geral dos Cursistas do Curso de Especialização em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social” (GARCIA, DALMANN, AVERSA, 2017),
cujos dados quantitativos são, aqui, analisados e associados aos registros da livre
manifestação dos(as) trabalhadores(as) da educação que participaram do curso de
especialização supracitado. Trata-se, portanto, de uma análise documental.

Os indicadores construídos a partir da universalização da educação nos


anos de 1990 e 2000 apontam, de modo geral, uma melhoria do nível de escolaridade
em termos do aumento de matrículas nas escolas e de um número maior de anos de
escolaridade. Ao mesmo tempo, revelam que esta universalização não se completou
nas áreas mais periféricas do meio urbano e rural44. Inúmeros estudos demonstram
que, neste período, as condições sociais e de infraestrutura  saneamento básico,
rede elétrica, abastecimento público de água  nas áreas mais distantes melhoram.
Contudo, o avanço em relação à universalização da educação não foi suficiente
para superar a segregação centro-periferia, questão que certamente interfere
no desempenho educacional. Ademais, as dificuldades de ultrapassagem dessa
segregação estão relacionadas aos investimentos em educação. E, nesse sentido,
dados recentes apresentados pela Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe (CEPAL) sobre os gastos na função educação pelos governos centrais de países
na região, em 2016, mostram que o Brasil continua sendo um dos países que menos
investe nessa área, tendo como referência o seu Produto Interno Bruto (PIB) (CEPAL,
2018, p. 123).

Dados mais recentes divulgados pelo IBGE (2019), por meio da PNAD
Contínua, mostram que o nível de desigualdade no Brasil aumentou em 2018. Segundo
o Instituto, o Índice de Gini45 do rendimento médio mensal real domiciliar per capita, foi
estimado em 0,545 em 2018, mantendo uma tendência iniciada em 2016, quando o

Educação, Pobreza e Desigualdade Social (IEPDS), criada, em 2014, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão, do Ministério da Educação (SECADI/MEC). O PNEPDS previa três ações: 1) Desenvolvimento de um
Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social; 2) Desenvolvimento de uma pesquisa na mesma
temática; e 3) Divulgação do conhecimento produzido nos âmbitos da formação e da pesquisa. Na Universidade Federal
de Santa Catarina, o PNEPDS (primeira etapa) foi desenvolvido no período de 2015 a 2017. O PNEPDS foi financiado com
recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) e SECADI/MEC.
44 Tal fato frustrou as expectativas do Ministério da Educação apresentadas no documento intitulado FUNDEP:
avanços na universalização da educação básica. Brasília: INEP/MEC, 2006. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/
documents/186968/484184/Fundeb+avan%C3%A7os+na+universaliza%C3%A7%C3%A3o+da+educa%C3%A7%C3%A3o+
b%C3%A1sica/9be4477d-88b3-4fe8-a3bc-fc263d878002?version=1.3>. Acesso em: 25 out. 2019.
45 O Índice de Gini varia de zero (igualdade) até um (desigualdade máxima).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 85
índice aumentou para 0,537 em detrimento da diminuição ocorrida no período 2012 e
2015 (de 0,540 para 0,524). Informa ainda que, em 2018, o rendimento médio mensal
real do 1% da população com maiores rendimentos era de R$ 27.744, correspondendo
a 33,8 vezes o rendimento dos 50% da população com os menores rendimentos que
correspondia a R$ 820,00. Já a massa de rendimento médio mensal real domiciliar per
capita, que em 2017 era de R$ 264,9 bilhões, passou para R$ 277,7 bilhões em 2018,
sendo que os 10% da população com os menores rendimentos detinham 0,8% dessa
massa, enquanto que os 10% com os maiores rendimentos concentravam 43,1%. A
pesquisa também demonstra que o percentual de domicílios atendidos pelo PBF caiu
de 15,9% em 2012 para 13,7% em 2018. Essa queda não significa, efetivamente, que
tenha havido uma diminuição da pobreza no país. Temos que considerar dois aspectos:
a) nem todas as famílias que necessitam do PBF estão recebendo o benefício; b) o
demarcador de pobreza adotado pelo PBF é extremamente baixo, como mostram os
dados que seguem, ficando aquém, inclusive, do estipulado para a definição global de
extrema pobreza (US$1,90) a depender do valor do dólar adotado46.

Referindo-se, especificamente, aos níveis de pobreza, o IBGE (2018)


informa que, se considerarmos a linha de extrema pobreza global, US$1,90 por dia o
que correspondia a cerca de R$140,00 mensais em valores de 2017, verificamos que
entre 2016 e 2017 tivemos um aumento do percentual da pobreza, sendo que em 2016
havia 6,6% da população abaixo desta linha, atingindo 7,4% em 2017 (o que equivalia
a mais de 15 milhões de pessoas). Se considerarmos a linha de US$3,20 (cerca de R$
236,00 mensais) o percentual de pobreza alcançou 13,3% da população em 2017 (em
2016 esse percentual era de 12,8%). Se a medida adotada for àquela indicada pelo
Banco Mundial (BM) para países como o Brasil, ou seja, US$5,50 PPC diários, 26,5%
da população, correspondendo a quase 55 milhões de pessoas, viviam na pobreza
em 2017 (com renda de cerca de R$406,00 mensais). Em 2016 esse percentual foi
de 25,7% da população. A tendência de aumento da pobreza no Brasil foi confirmada
no relatório do BM no início de 2019. De acordo com o documento intitulado Efeitos
dos ciclos econômicos nos indicadores sociais da América Latina: quando os sonhos
encontram a realidade, no Brasil, em 2017, 21% da população (43,5 milhões de pessoas)
vivia em condições de pobreza. Em 2014 esse percentual era de 17,9% (36,2 milhões de
pessoas). A despeito de indicar a necessidade de os países da América Latina e Caribe
envidarem esforços para ampliar programas de proteção social de combate à pobreza,

46 Se considerarmos que em maio de 2017, o dólar valia R$3,23, teríamos que pobre era quem tinha uma renda mensal de
até R$184,20, tomando por base a linha de pobreza de US$1,90, portanto, R$14,20 abaixo do valor estabelecido pela linha
administrativa adotada para estabelecer os valores do PBF em 2017 (R$170,00). Se considerarmos que em maio de 2018,
quando foi editado o Decreto Nº 9.396, que atualizou os valores dos benefícios, o dólar valia R$3,63, teríamos que pobre
era quem tinha uma renda mensal de até R$207. Neste caso, a linha de pobreza adotada pelo governo federal em maio
de 2018 estava R$29,00 abaixo da linha de US$1,90, piorando muito se a comparação for com a linha de US$5,5.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 86
o BM na condição de instituição orgânica aos interesses do capital internacional, insiste
na orientação de que medidas de ajustes fiscais são também necessárias. No referido
documento, o BM afirma que “[na] área fiscal, a região permanece em situação difícil,
embora avance lentamente na direção certa” (WORLD BANK, 2019, p. 3, grifo nosso).

Somados a esses indicadores o país enfrenta, no ano de 2019, elevados


índices de desemprego (cerca de 12,8 milhões de pessoas) e o crescimento da
informalidade (aproximadamente 11,5 milhões de pessoas)47. As contrarreformas,
trabalhista e previdenciária, que objetivaram desonerar o capital em relação aos custos
da reprodução da força de trabalho com vistas a criar contratendências à queda das
taxas de lucro, por certo, farão intensificar ainda mais os processos de precarização de
vida e de trabalho. Essa parece ser a “direção certa” defendida pelo BM no documento
supracitado.

Estes são alguns elementos que justificam e mostram a relevância de


nosso texto, no sentido de conhecer também por dentro da dinâmica escolar, segundo
seus(suas) trabalhadores(as), se e como o tema da pobreza e da desigualdade social
é problematizado.

Pobreza e desigualdade social nos Projetos Político-Pedagógicos e no


cotidiano escolar
A Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (IEPDS) partiu da
constatação de que o tema da pobreza e da desigualdade social não era tratado nas
escolas. Duarte (2013) e Yannoulas e Duarte (2013) já apontavam isso em análises
feitas sobre a realidade do Distrito Federal. Garcia, Hillesheim, Krüger (2018) mostram
que PPPs de escolas de municípios de Santa Catarina também não contavam com
uma reflexão sobre a pobreza e a desigualdade social.

Estes estudos evidenciam que mesmo com os avanços relativos à


universalização da educação e com o ingresso e permanência de milhões de crianças/
adolescentes/jovens pobres na escola, esta parece não ter se preparado para lidar
com as demandas de estudantes que pertencem aos estratos mais expropriados da
classe trabalhadora que, historicamente, não tiveram acesso ao sistema de educação,
tanto que a condição de pobreza desses sujeitos acabou por ser invisibilizada no
cotidiano escolar. Na dinâmica da escola, a despeito de alguns avanços, ainda se
reproduzem práticas que tipificam determinadas situações, a exemplo da reprovação
ou do não aprendizado, como falta de esforço, carências de conhecimento e de
valores, decorrentes da condição de pobreza, o que representa, de acordo com Arroyo

47 Ver: Desemprego cai, mas renda média diminui e crescem trabalhadores informais. Folha de São Paulo, São Paulo, 31
jul. 2019. Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/taxa-de-desemprego-cai-e-fica-em-12-no-
segundo-trimestre-de-2019.shtml?loggedpaywall>. Acesso em: 25 out. 2019.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 87
(2015), uma visão moralista da pobreza, secundarizando uma reflexão sobre sua
determinação social. Essas concepções, ainda que constituam inversões da realidade
fática por não assimilarem os elementos estruturais do modo de produção capitalista
que geram os processos de concentração de renda e riqueza, têm funções prático-
sociais na medida em que orientam as práticas pedagógicas dos(as) trabalhadores(as)
da educação. Nesse sentido, a escola, que deveria ser um espaço privilegiado para a
reflexão sobre as multicausalidades dos fenômenos pobreza e desigualdade social,
acaba, não raramente, reproduzindo formas de pensar e práticas que reiteram os
processos geradores desses fenômenos.

Cabe salientar que a compreensão da pobreza como determinação social


está presente em perspectivas teórico-políticas distintas, a exemplo do liberalismo/
neoliberalismo48, da socialdemocracia e do marxismo. Porém, as causas da pobreza
apresentadas por essas perspectivas são distintas e, por consequência, implicam na
indicação de diferentes soluções.

De acordo com Garcia (2012), a perspectiva socialdemocrata é a que exerce


maior influência quando se trata da pobreza e da desigualdade social. As soluções
para debelar a pobreza e a desigualdade social, propostas a partir dessa perspectiva,
estão intimamente relacionadas, principalmente, à distribuição de renda, à educação,
à empregabilidade que, por sua vez, possibilitariam o exercício da cidadania, cabendo
ao Estado desenvolver políticas econômicas e sociais que encaminhem, em última
instância, a construção da “sociedade justa”. A educação recebe grande destaque no
processo de construção dessa sociedade desejada, haja vista que a ela é atribuído
o papel de formar/qualificar para o trabalho e para o “exercício da cidadania”. Nesta
perspectiva, portanto, o “problema” da pobreza e da desigualdade social é passível de
resolução com a melhoria da distribuição da riqueza, restando intocada a necessária
transformação das estruturas produtivas e a supressão da propriedade privada dos
meios de produção.

Cabe destacar que nossa compreensão é distinta da adotada pelas


perspectivas liberal/neoliberal e socialdemocrata. Compreendemos que a pobreza
é efeito e condição do modo de produção capitalista, não podendo ser diminuída
de modo sustentável, muito menos erradicada nessa forma social (SOTO, 2003). O
desenvolvimento econômico, colocado como fundamental, por si, para o aplacamento
da pobreza e diminuição da desigualdade, nessa forma social, também pode ser
considerado falacioso (NETTO, 2007), haja vista que é a acumulação e não a distribuição
a regra do capital, como bem nos mostram os estudos marxianos.

48 Sobre os sentidos e a validade do conceito de neoliberalismo nas ciências sociais, ver: Andrade (2019). Para colocar luzes
sobre esse mesmo debate, a partir de outra chave analítica, ver: Wood (2014) e Harvey (2008).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 88
Os dados que apresentamos a seguir servem para qualificar ainda mais
essa constatação de que a temática pobreza e a desigualdade social, em geral, não
é abordada nos PPPs, o que se reflete na dinâmica do cotidiano escolar. Reforçam,
portanto, a invisibilidade dos(as) estudantes pobres.

Inicialmente, cabe destacar que o curso desenvolvido no âmbito da IEPDS


foi ofertado para um público específico, cujo perfil funcional é detalhado na Tabela
1. A função exercida foi indicada pelos(as) cursistas no ato da matrícula. Do total de
499 matriculados(as), 434 responderam ao questionário, sendo que desses(as), 381
atuavam em escolas, ou seja, eram agentes educacionais, diretores(as), membros de
equipe pedagógica e professores(as). Os dados aqui analisados derivam, unicamente,
das respostas desses(as) trabalhadores(as).

Tabela 1- Número e proporção de cursistas, por função, declarada no ato de


matrícula no curso.
Função Nº %
Agente Educacional (Operador/a Escolar do Sistema Presença) 34 7,83
Coordenador(a) Estadual do PBF na Assistência Social 1 0,23
Coordenador(a) Estadual do PBF na Educação 1 0,23
Coordenador(a) Municipal do PBF na Assistência Social 23 5,30
Coordenador(a) Municipal do PBF na Educação 21 4,84
Gestor(a) (Diretor(a) Escolar) 32 7,37
Membro da Equipe Pedagógica (Orientador(a) Educacional,
40 9,22
Supervisor(a) ou outros(as) profissionais da equipe)
Operador(a) Estadual Auxiliar do PBF na Educação 7 1,61
Professor(a) 275 63,37
Total 434 100
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

No instrumento de pesquisa utilizado, os sujeitos participantes foram


estimulados a pensar se o tema da pobreza e da desigualdade social era tratado nos
PPPs das escolas onde atuavam. Em caso afirmativo, solicitou-se que respondessem
como isso ocorria. A Tabela 2 mostra que a maior parte dos(as) 381 cursistas,
235(61,68%), informou que a temática não era tratada nos PPPs. Dos 125 (32,81%)
que responderam que sim, apenas 106 (27,82%) disseram como a temática era
contemplada. Vejamos:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 89
Tabela 2 - Número e proporção de respostas sobre: “Se a temática ‘pobreza e
desigualdade social’ era ou não era tratada no PPP.”
Pobreza e desigualdade social no PPP Nº %
Sim 125 32,81
Sim, informando como o tema é tratado 106 27,82
Sim, sem informar como o tema é tratado 19 4,99
Não 235 61,68
Total de cursistas que não responderam 21 5,51
Total de cursistas que deveriam responder 381 100
Total de respostas 360 94,49
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Os dados corroboram a compreensão de que, de modo geral, as escolas


acabam invisibilizando a pobreza que se encontra em seu interior, haja vista que a
temática sequer aparece na maioria dos PPPs das escolas49. É importante mencionar
que em 2015, ano de aplicação do questionário, de acordo com dados do Ministério do
desenvolvimento Social (MDS), Santa Catarina tinha um total de 184.876 estudantes
beneficiários do PBF, sendo 151.417 na faixa de 6 a 15 anos e 33.459 na faixa de 16 a
17 anos50. O fato de essa realidade não servir de subsídio para a construção dos PPPs,
indica que, de fato, a pobreza é invisibilizada no espaço escolar. Afinal, isso correspondia
a 12,16% dos(as) 1.520.901 estudantes matriculados(as) em Santa Catarina em 2015
(INEP, 2015). Se considerarmos que a linha de pobreza estabelecida para balizar o
PBF é extremamente baixa, haja vista que pobre, em 2015, era aquele(a) que vivia
com até R$154,00 mensais51, podemos afirmar que existia um percentual muito maior
de estudantes pobres nas escolas, bastando adotar a linha de pobreza de US$5,5,
proposta pelo BM, desde 2011. Viver com renda inferior a US$1,90 (cerca de R$7,06) por
dia reflete a pobreza extrema; com menos de US$3,20 (cerca de R$11,90) reflete a linha
da pobreza em países de renda média-baixa; enquanto, US$5,50 (cerca de R$20,45)
por dia é a linha-padrão para países de renda média-alta. A região da América Latina
e Caribe tinha quase 11% da população com renda inferior a US$3,20 por dia e mais

49 Garcia, Hillesheim e Krüger (2018), analisando 11 PPPs de escolas de Santa Catarina, mostram que os termos pobre,
pobreza/extrema pobreza e desigualdade social não apareciam na ampla maioria deles. Os autores encontraram o
temo “extrema pobreza” apenas no PPP de uma escola quando feita referência à situação do município, comparando a
condição dos grupos sociais. No de outra escola encontraram menção aos termos “desigualdade” e “desigualdade social”
quando apresentadas as concepções de sociedade e de mundo, bem como quando tratava do papel da escola. Em outro
PPP aparecia uma menção à “desigualdade local” dando a entender que se tratava da desigualdade social existente no
município. Em outros dois encontraram o termo “desigualdades sociais” e/ou “desigualdades”, quando da apresentação da
concepção de homem e da visão de mundo.
50 Esses dados foram coletados em: <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data/data-table.php>. Acesso em: 25 set. 2019.
Para acessar os dados por ano é necessário utilizar o gerenciador da tabela.
51 Informação disponível em: <http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2016/junho/apos-dois-anos-bolsa-familia-
tem-aumento-de-12-5>. Acesso em: 25 set. 2019.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 90
de 26% com renda inferior a US$5,50 por dia em 2015 (WORLD BANK, 2018). Estes
dados evidenciam que os 12,16% de estudantes catarinenses pobres viviam com renda
equivalente à metade do que para o BM é a linha da pobreza em países de renda
média-baixa e, provavelmente, estão no que se caracteriza como pobreza extrema.

Como dito anteriormente, solicitou-se aos(as) cursistas, caso respondessem


afirmativamente, que indicassem como a temática era tratada. Esperava-se que as
respostas evidenciassem as concepções de pobreza e de desigualdade social que por
ventura constassem nos PPPs; porém, estas, em sua maioria, não se referiram a uma
concepção propriamente dita, mas às ações voltadas ao trabalho de valorização do
ser humano, a defesa de uma “sociedade justa”, da “cidadania” e da “inclusão”, e de
modo mais específico, aos(às) estudantes/famílias pobres da comunidade escolar.
De qualquer modo, na Tabela 3 apresentamos uma categorização que auxilia na
identificação de aspectos mencionados das respostas.

Tabela 3 - Como a temática da pobreza e desigualdade social é tratada no PPP,


segundo os(as) cursistas.
Como a temática sobre “pobreza e a desigualdade social” é tratada no PPP
Quando eram apresentadas às condições socioeconômicas do
22
município, da comunidade e das famílias.
Em ações pontuais como oficinas, projetos, parcerias com o CRAS. 20
Relacionado às referências/ações voltadas à necessidade de
valorização do ser humano, à defesa de uma sociedade justa, da
cidadania e da inclusão. 17
De forma superficial. 17
A partir de temas transversais; interdisciplinarmente e em disciplinas
05
específicas.
Relacionado ao cumprimento da condicionalidade posta pelo PBF. 03
Como fator de risco social, como provocador de evasão escolar. 02
Como questão que não pode ser resolvida, não cabendo à educação. 01
Respostas que não permitiram uma interpretação do tratamento
19
dado ao tema.
Total 106
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Os dados mostram que o maior número de respostas (22) indicou que a


temática era tratada no PPP quando eram apresentadas às condições socioeconômicas
do município, da comunidade e das famílias. No que tange a esse aspecto, não se
evidencia, em função da própria questão, o nível de detalhamento da realidade
apresentado nos PPPs. Considerando-se a pesquisa realizada por Garcia, Hillesheim e

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 91
Krüger (2018), que evidenciou que, de maneira geral, os PPPs não apresentavam um
diagnóstico mais apurado sobre as condições do município, muito menos da realidade
da comunidade e dos(as) estudantes, podemos inferir que o mesmo aconteça em boa
parte dos PPPs referidos pelos(as) cursistas.

Em segundo lugar, 20 dos(as) cursistas indicaram que a temática era tratada


quando eram apresentadas ações pontuais como oficinas, projetos e parcerias com o
Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). Neste caso, não fica explicitado
o tipo de trabalho desenvolvido a partir dessa parceria, mas, parece haver uma
compreensão de que o tratamento do tema da pobreza e da desigualdade social no
PPP ocorre quando se possibilita o atendimento do pobre, provavelmente porque é
este o público que “demanda” estas parcerias ou é alvo das ações.

Outras respostas, dentre as mais representativas, aparecem vinculando


a temática da pobreza e da desigualdade social “à referências/ações voltadas à
necessidade de valorização do ser humano, à defesa de uma sociedade justa, da
cidadania e da inclusão” e, ainda, indicam que a questão é tratada de “forma superficial”
nos PPPs, o que, de certo modo, evidencia uma abordagem genérica do tema, bem
como reforça as análises apresentadas anteriormente sobre a invisibilização da
pobreza. Ademais, chama a atenção também o fato de em 19 respostas (17,92%)
não ser possível uma interpretação do tratamento dado ao tema, o que indica pouca
reflexão a respeito por parte dos(as) trabalhadores(as) da educação que lhes permita
formular sínteses e avaliações sobre como a temática da pobreza e da desigualdade
social é tratada nos PPPs.

Os(as) cursistas foram questionados(as) se o tema sobre a pobreza


e a desigualdade social era tratado no cotidiano escolar para o planejamento das
atividades pedagógicas. Nesse sentido, conforme a Tabela 4, 39,11% informou que
sim. Os(as) que disseram que não, totalizaram 53,02% e os(as) que não responderam,
7,87%. Vejamos o conjunto desses dados:

Tabela 4 - Número e proporção de respostas com relação ao tema “pobreza e


desigualdade social” no planejamento das atividades pedagógicas cotidianas.
O tema sobre a pobreza e a desigualdade social é
tratado no cotidiano escolar para o planejamento Nº %
das atividades pedagógicas
Sim 149 39,11
Não 202 53,02
Não responderam 30 7,87
Total de cursistas que deveriam responder 381 100
Total de respostas 351 92,13
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 92
Aqueles(as) que responderam positivamente, informando que o tema
“pobreza e desigualdade social” aparecia no planejamento das atividades pedagógicas
cotidianas foram convidados(as) a dizer como o tema era contemplado. O maior
percentual de respostas, 21,48%, conforme Tabela 5, indica que o tema era “tratado
em projetos/atividades desenvolvidos na escola”. O segundo maior percentual, 10,07%,
indica que o tema era “tratado no planejamento escolar e em reuniões/conselho
de classe”, seguido daqueles que indicam que o tema era “tratado em disciplinas
específicas”, 7,38%, e “tratado em atividades específicas dirigidas aos(as) alunos(as)
pobres”, 6,04%. As demais respostas foram pouco representativas. Cabe salientar que
dos(as) 149 cursistas que responderam afirmativamente, 32 não disseram como a
temática era tratada. O conjunto desses dados está sintetizado a seguir:

Tabela 5 - Número e proporção de respostas com relação ao tratamento dado ao


tema “pobreza e desigualdade social” no cotidiano escolar para o planejamento das
atividades pedagógicas.
Como os temas “pobreza e desigualdade social” são tratados
no cotidiano escolar para o planejamento das atividades Nº %
pedagógicas
Em projetos ou atividades desenvolvidos na escola 32 21,48
Em disciplinas específicas 11 7,38
No planejamento escolar e em reuniões/conselho de classe 15 10,07
Em atividades específicas dirigidas aos(às) alunos(as)pobres 09 6,04
Por meio do tratamento igualitário 07 4,70
De forma interdisciplinar/tema transversal 06 4,03
No cotidiano do fazer pedagógico 03 2,01
Como natural/de forma superficial 03 2,01
Como um problema social 02 1,34
Como forma de justificar problemas de aprendizagem 01 0,67
Respostas genéricas pouco explicativas 28 18,79
Não responderam como 32 21,48
Total de cursistas que deveriam responder 149 100
Total de respostas 117 78,52
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Da mesma forma que não responderam, conforme se esperava, à pergunta


sobre como a temática pobreza e a desigualdade social era tratada no PPP, a ampla
maioria dos(as) cursistas também não respondeu como ela era tratada no cotidiano
escolar. Por outro lado, dentre as respostas que indicaram o tratamento dado ao
tema destacam-se aquelas que ressaltam que a pobreza e a desigualdade social

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 93
são abordadas “como natural/de forma superficial”; “como um problema social”; e
“como forma de justificar problemas de aprendizagem”. Tais manifestações dos(as)
sujeitos da pesquisa evidenciam formas de entender a questão, cujos fundamentos se
afastam das perspectivas mais críticas que a concebem como inerente aos processos
de organização, da própria forma social e histórica, erigida sob os domínios do capital.
Esse afastamento, por sua vez, corrobora para o não desvelamento dos processos
sociais e históricos geradores da pobreza e da desigualdade social e, ao mesmo tempo,
converge para manter os(as) filhos(as) dos trabalhadores alheios a tais processos de
modo que sequer identifiquem suas necessidades humanas e como elas são negadas
pela sociedade vigente. Isso foi exposto muito simplesmente por Marx (2013) em O
Capital quando aborda a lei geral da acumulação capitalista. Ao se apropriar dos
escritos de Bernard de Mandeville sobre as formas de como a burguesia pensava
a pobreza vivida pelos(as) trabalhadores(as) e suas famílias, Marx o subscreve nos
seguintes termos:

[...] ‘numa nação livre, em que escravos não sejam permitidos, a riqueza mais
segura está numa multidão de pobres laboriosos. Além de constituírem
uma inesgotável fonte de homens para a marinha e o exército, sem eles
não haveria qualquer satisfação e nenhum produto de nenhum país seria
valorizável. Para fazer feliz a sociedade’ (que, naturalmente, é formada de
não trabalhadores) ‘e satisfazer ao povo mesmo nas circunstâncias mais
adversas, é necessário que a grande maioria permaneça tão ignorante
quanto pobre. O conhecimento expande e multiplica nossos desejos,
e quanto menos um homem deseja, tanto mais facilmente se podem
satisfazer suas necessidades’ (MARX, 2013, p. 691-692, grifo nosso).

Marx chamava atenção para o fato de que os burgueses à época ainda não
percebiam que

[...] o próprio mecanismo do processo de acumulação aumenta, juntamente


com o capital, a massa dos ‘pobres laboriosos’, isto é, dos assalariados,
que convertem sua força de trabalho em crescente força de valorização do
capital crescente e, justamente por isso, têm de perpetuar sua relação de
dependência para com seu próprio produto, personificado no capitalista
(MARX, 2013, p. 692).

Nesse sentido, a realidade do cotidiano das escolas mostra que o tema


“pobreza e desigualdade social” precisa ser mais amplamente discutido na própria
formação dos(as) educadores(as) para que sejam desconstruídas a naturalização e
a superficialidade das análises sobre essas expressões da questão social, sínteses da
relação entre capital e trabalho.

No contexto da pesquisa, cujos dados aqui estamos problematizando,


identificamos respostas ao instrumental já referido que apontam que a questão
da pobreza e da desigualdade social é enfrentada por meio de ações ou espaços/
momentos específicos sem, contudo, na maior parte delas, mencionar como isso é

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 94
feito. Por outro lado, chama a atenção aqueles registros que afirmam que o tema
é abordado por meio de “atividades específicas dirigidas aos(as) alunos(as) pobres”,
sugerindo que essas ações são desenvolvidas e dirigidas exclusivamente para os(as)
estudantes considerados(as) pobres, o que evidencia a vinculação da dificuldade de
aprendizagem com a situação de pobreza.

Essa concepção ganha destaque nos registros constantes do instrumental


de pesquisa utilizado, como se pode constatar nos excertos que seguem:

“Como nossos alunos são carentes e encontram grandes dificuldades


de aprendizagem sempre buscamos auxiliá-los com atividades e aulas
de apoio pedagógico” (Agente Educacional – Operador(a) do Sistema
Presença 15).

“Atendimento individualizado, conversas e auxílios de acordo com as


necessidades” (Gestor/a – Diretor/a Escolar 27).

“De forma subjetiva, ao adaptar à realidade dos alunos, utilizando


determinados materiais ao invés de outros” (Professor(a) 158).

Essas respostas mostram que o tema “pobreza e da desigualdade social”,


em alguns casos, é tratado considerando apenas as necessidades do grupo de
alunos(as) pobres, o que pode levar à compreensão de que a condição de pobreza é
um “problema individual”, assim como faz com que ela não seja uma questão discutida
de maneira ética e política direta com os demais estudantes em processo de formação.

Os registros de pesquisa também apontam uma preocupação para que a


questão da pobreza e da desigualdade social quando abordada, tanto nos projetos
e ações cotidianas como nas atividades de planejamento pedagógico, objetivem
“minimizar” as consequências das diferenças geradas por esses fenômenos. Isso resta
evidenciado nos excertos que seguem:

“Através de Projetos, orientações, atividades que visam à percepção das


diferenças, assim como a melhor maneira de minimizar as diferenças”
(Membro de Equipe Pedagógica 12).

“Para o planejamento das atividades pedagógicas os temas são pensados,


repensados, socializados, para que nenhum aluno se sinta constrangido
ou triste diante das diferenças” (Gestor/a – Diretor/a Escolar 16).

Esses registros expressam a concepção de que a pobreza provoca


“diferenças” entre os indivíduos sociais e não, efetivamente, desigualdades, o que
revela a abstração dos antagonismos gerados na sociabilidade capitalista em face da
divisão de classes e da forma como a produção se organiza e como a riqueza social é
distribuída. Entendemos que nem toda diferença é geradora de desigualdades sociais,
salvo aquelas que, ao servirem de garantia para alguns acessarem a riqueza social,

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 95
condenam outros à privação do usufruto dessa mesma riqueza e/ou impedem a livre
manifestação dos modos de vida. A perspectiva de que a ação pedagógica deve se
atentar para que o(a) estudante não se sinta “constrangido(a)” ou “triste” evidencia
uma prática que pretende a assunção de posturas de resiliência diante das condições
de pobreza e desigualdades sociais a que estão submetidos os(as)estudantes,
reforçando formas de pensar e agir que convergem para a manutenção da ordem
social geradora da própria pobreza e da desigualdade social. Nesse sentido, entende-
se que a diferença é intrínseca ao gênero humano e sua explicitação é um indicador
da consolidação de determinado padrão civilizatório que potencializa a realização
do ser humano (singular e genérico), nos termos adotados por Agnes Heller (2004)
que, dentre outras coisas, se assenta na liberdade e nas escolhas conscientes. Já a
desigualdade social gerada pela propriedade privada dos meios de produção e pela
divisão de classes constitui invariavelmente um impeditivo para o desenvolvimento
histórico do gênero humano, para a emancipação social. E, na sociabilidade regida
pelo capital, a educação tem um papel central para a disseminação de ideologias52
que ocultam a essência das desigualdades sociais e as suas determinações. Por outro
lado, como adverte Mészáros (1981, p. 170, grifo do autor):

[...] a educação é o único órgão possível de automediação humana, porque


a educação – não no limitado sentido institucional – abarca todas as
atividades que se podem tornar uma necessidade interna para o homem,
desde as funções humanas mais naturais até as mais sofisticadas funções
intelectuais. A educação é uma questão inerentemente pessoal, interna;
ninguém pode educar-nos sem nossa própria participação ativa no
processo. O bom educador é aquele que inspira a autoeducação.

A despeito das questões até aqui suscitadas, por outro lado, o processo
de pesquisa permitiu identificar que no espaço do cotidiano escolar as práticas
pedagógicas também são pensadas com base no entendimento de que as condições
objetivas e subjetivas dos(as) estudantes devem orientar essas práticas:

“Não podemos planejar sem ter claramente o cotidiano das nossas


crianças. Além disso, oferecemos projetos, como Mais Educação, PENOA
e PNAIC” (Professor(a) 176).

52 Nos termos indicados por Lukács “[...] está correto que os marxistas entendem por ideologia a superestrutura que
necessariamente surge de uma base econômica, mas, por outro lado, é errôneo compreender o conceito de ideologia
em seu uso pejorativo, que representa uma realidade social indubitavelmente existente, como formação arbitrária do
pensamento de pessoas singulares. Antes de qualquer coisa: enquanto alguma ideia permanecer o produto do pensamento
ou a alienação do pensamento de um indivíduo, por mais que seja dotada de valor ou de desvalor, ela não pode ser
considerada como ideologia. Nem mesmo uma difusão social relativamente mais ampla tem condições de transformar um
complexo de ideias diretamente em ideologia. Para que isso aconteça, é necessária uma função determinada com muita
precisão, a qual Marx descreve de modo a fazer uma diferenciação precisa entre as revoluções materiais das condições
econômicas de produção e ‘as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, nas quais
os homens se conscientizam desse conflito e o enfrentam até solucioná-lo’. [Determinadas ideias] [...] podem se converter
em ideologia só depois que tiverem se transformado em veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos
sociais, sejam estes de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do mundo ou episódicos” (LUKÀCS, 2013,
p. 464-467).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 96
“O planejamento é elaborado sempre levando em conta o nosso cotidiano.
Quem são nossos alunos. De onde vem. Como vivem...” (Membro de Equipe
Pedagógica 16).

Há que se destacar que entre as concepções teóricas, éticas e políticas


sobre a pobreza e a desigualdade social existe um conjunto de mediações que incide
diretamente sobre as práticas pedagógicas. Por isso os sujeitos de pesquisa foram
questionados se o tema da pobreza e da desigualdade social era tratado em alguma
disciplina. E, nesse sentido, a sistematização dos dados mostra que 47,51% deles
disseram que sim. Os que responderam negando que o tema era objeto de discussão
em disciplinas representam 19,95%. Os(as) que informaram não saber responder
totalizaram 24,93%. De modo geral, dada à importância da questão, podemos inferir
que esta é pouco tratada nas disciplinas e, portanto, no âmbito da escola em sua
totalidade. Esses dados constam na Tabela 6 apresentada a seguir:

Tabela 6 - Número e proporção de respostas com relação ao tratamento dado ao


tema “pobreza e desigualdade social” em disciplinas.
O tema “pobreza e desigualdade social” é tratado em
Nº %
disciplinas
Sim 181 47,51
Não 76 19,95
Não soube responder 95 24,93
Não responderam 29 7,61
Total de cursistas que deveriam responder 381 100
Total de respostas 352 92,39
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Aos que responderam positivamente à questão anterior solicitou-se que


indicassem as disciplinas que tratavam do tema. A Tabela 7 traz as informações a esse
respeito. As disciplinas mais citadas foram: História, Geografia, Sociologia, Filosofia,
Ensino Religioso e Português53.

Chama a atenção o fato de 28 cursistas terem indicado a disciplina Ensino


Religioso. A vinculação entre pobreza e religião remonta o período pré-capitalista, como
nos mostra Castel (1998). Ao atribuir à disciplina Ensino Religioso a tarefa de discutir
pobreza e desigualdade social, podemos considerar que a temática seja tratada a
partir dos princípios teológicos e não dos científicos. Portanto, neste caso, mesmo que

53 Para além das disciplinas que constam na Tabela 7, outras foram citadas com menor frequência: Artes, Ciências, Biologia,
Sustentabilidade, Matemática, Educação Financeira, Química, Educação Étnico-Racial. Outras respostas não especificaram
a disciplina em si, mas sinalizaram áreas ou estratégias pedagógicas: área de humanas, de forma interdisciplinar, em
todas, diversas, atividades e projetos, atualidades, momentos motivacionais, eixo educacional, rodas de conversa.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 97
possa ser feita uma crítica, no âmbito dessa disciplina, as discussões sobre a existência
da pobreza e as formas de enfrentá-la, aqui, estarão fundamentadas em preceitos
confessionais, na ideia da ajuda e da caridade cristã, que reiteram percepções sobre
a pobreza no campo da moral e da responsabilização individual. Reitera, ainda, o
pensamento de que o caminho para a superação da condição de pobreza está na sua
disponibilidade para o trabalho, atividade capaz de forjar o caráter do “bom” e “justo”
homem. A análise de Castel (1998), nesse sentido, evidencia que na história, os pobres
que mereciam ser atendidos pela assistência patrocinada pela igreja eram aqueles
que não se revoltavam contra a “ordem do mundo” desejada por Deus. A prática
assistencial, portanto se inscreve em uma “economia da salvação”, na qual o pobre
serve de instrumento para as classes abastadas praticarem a caridade, considerada
a suprema virtude cristã, possibilitando a sua salvação.

Tabela 7 – Disciplinas que tratavam do tema “pobreza e desigualdade social” mais


citadas pelos(as) cursistas.
Disciplina Número de citações
História 77
Geografia 71
Sociologia 53
Filosofia 30
Ensino Religioso 28
Português 21
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Por outro lado, é importante destacar-se o fato de que o debate sobre a


pobreza e a desigualdade social é realizado num conjunto significativo de disciplinas, o
que de certa maneira sugere que se trata de uma temática transversal, ainda que não
se possa identificar, pelos dados coletados, as perspectivas teórico-metodológicas e
políticas que subsidiam tais abordagens.

Na tentativa de conhecerem-se as estratégias pedagógicas levadas a


cabo pelos(as) trabalhadores(as) da educação para promover as reflexões sobre o
tema da pobreza e da desigualdade social, estes(as) também foram questionados(as)
sobre projetos/ações já desenvolvidos ou em desenvolvimento nas escolas nas quais
atuavam. A Tabela 8 traz os números relativos a essa questão:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 98
Tabela 8 - Número e proporção de respostas com relação à existência ou não de
projetos/ações já desenvolvidos(as) ou em desenvolvimento, para o enfrentamento
da pobreza e da desigualdade social.
Existência de projetos/ações já desenvolvidos(as) ou em
desenvolvimento para o enfrentamento da pobreza e da No %
desigualdade social
Sim 106 27,82
Não 239 62,73
Não responderam 36 9,45
Total de cursistas que deveriam responder 381 100
Total de respostas 345 90,55
Fonte: Garcia, Dalmann, Aversa (2017).

Neste caso, mais da metade informou que não existiam projetos/ações


com esse fim. A negativa foi apontada por 239 (62,73%) dos(as) cursistas. Os(as)
que responderam positivamente totalizaram 106 (27,82%). Desses, 40 (37,74%)
informaram que os projetos/ações existentes foram propostos pela escola e 53 (50%)
disseram que foram desenvolvidos por indução de políticas/Programas/Projetos/
Ações governamentais e 13 (12,23%) não indicaram a forma. Cabe lembrar que mais
da metade dos(as) cursistas já havia informado que o tema “pobreza e desigualdade
social” não era tratado nos PPPs das escolas em que atuavam.

Aqui, merece relevância o fato de que os sujeitos da pesquisa foram, em


sua ampla maioria, trabalhadores(as) da rede pública de educação, cujas unidades
de ensino atendem os(as) estudantes vinculados(as) à classe trabalhadora pobre.
E, nesse sentido, quaisquer projetos/ações que tenham esses(as) estudantes como
público-alvo, deveriam ser formulados levando em conta suas condições concretas de
vida. De outra banda, talvez a dinâmica do cotidiano escolar, marcado por enormes
desafios e por processos intensos de precarização do trabalho, não permita que os(as)
próprios(as) trabalhadores(as) da educação percebam que nesse mesmo cotidiano,
por mais alienado que seja, eles(as) realizam um conjunto importante de práticas que
corrobora para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade social. O desafio,
nesse sentido, é a criação de espaços de reflexão sobre essas práticas, com vistas
a reorientá-las ou consolidá-las em conformidade com um projeto de educação
vinculado à construção de uma sociabilidade distinta dessa que, pela sua estrutura
e dinâmica, engendra e reproduz processos de acumulação de riqueza de um lado e,
miséria e exploração, de outro.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 99
Considerações finais
Os dados recentes divulgados por órgãos nacionais e por organismos
internacionais mostram que os índices de pobreza e desigualdade social no Brasil
voltaram a crescer. Tal fato reafirma a potência explicativa da teoria social marxiana
de que tais fenômenos são inerentes ao processo de desenvolvimento da forma social
capitalista e de que a redução desses fenômenos não é e nem poderia ser perene.
Sua dinâmica está organicamente relacionada à dinâmica da acumulação. Por isso,
os estudos sobre a pobreza e a desigualdade social são importantes, haja vista que
permitem identificar as percepções sobre tais fenômenos que ao invés de elucidá-los,
não raramente, encobrem suas determinações sócio-históricas.

O objetivo do presente artigo foi problematizar se e como o tema da


pobreza e da desigualdade social é abordado nos PPPs e no cotidiano escolar, a
partir da realidade de escolas catarinenses. Os dados apresentados evidenciam
que a questão ainda é pouco debatida, bem como demonstram que as percepções
sobre suas determinações reiteram formas de pensamentos que não a vinculam à
dinâmica da sociedade de classes. Tais percepções acabam por orientar as práticas
pedagógicas que, ao fim e ao cabo, fragilizam o potencial dos processos educativos
como estratégias de enfrentamento dessas formas de aparecer da questão social,
produto da relação entre capital e trabalho no âmbito da sociabilidade burguesa.

A despeito disso, mesmo que de modo ainda incipiente, constata-se


algumas iniciativas que problematizam a questão da pobreza e da desigualdade
social, procurando apreender as condições objetivas da vida dos(as) estudantes para
subsidiar o planejamento das ações pedagógicas. Resta evidenciada, pelo presente
estudo, a necessidade de dar-se maior importância, já no espaço de formação dos(as)
trabalhadores da educação, à temática da questão social  incluindo-se, aí, as
reflexões sobre a pobreza e a desigualdade social  e sua relação com a educação e
com os processos pedagógicos, à luz da teoria social crítica.

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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 102
DA EXCLUSÃO AO FRACASSO ESCOLAR:
DESAFIOS DA CRIANÇA POBRE NA ESCOLA
Francisca Rodrigues Lopes54

Introdução
Entendido como a não apropriação dos conteúdos de aprendizagem
propostos pelos programas de ensino, o fracasso escolar afeta um número muito
alto de crianças no Brasil deixando-as em situação de marginalização, provocando o
desinteresse e a exclusão em relação à dinâmica escolar. Dados do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas (Inep, 2018) revelam que 11,6% dos alunos matriculados no
Ensino Fundamental são reprovados no final do terceiro ano, quando deveriam estar
completamente alfabetizados, com capacidade de leitura e escrita fluente e domínio
das operações matemáticas básicas.

Os motivos que levam uma criança a fracassar na escolar são muitos e


variados, dentre eles “a pobreza continua a ser a barreira mais significativa para a
educação em todo o mundo, com as crianças mais pobres em idade escolar primária
tendo uma probabilidade quatro vezes maior de estar fora da escola do que aquelas
das famílias mais ricas” (UNICEF, 2017). Assim, considera-se que a situação econômica
da família contribua fortemente, já que, devido a isso, a criança chega à escola sem o
aporte necessário para que se sinta em posição de igualdade com as outras, pois lhe
falta algo.

O algo que falta a uma criança em situação de pobreza é mais que a


alimentação, vestimenta, calçados, cadernos e livros escolares. Para estas crianças,
geralmente faltam-lhes moradia e estruturas familiares adequadas, segurança,
amor e referencial paterno/materno que lhe permita identificar-se; falta companhia e
incentivo nas etapas de crescimento, o que implica na construção da identidade e da
autonomia como ser no mundo. Tudo isso, a criança carrega consigo para a escola e o
convívio com os outros.

Portanto, ao se pautar a questão do fracasso escolar é importante indagar


quem fracassa nesse processo. Tendenciosamente a resposta recai sobre as crianças,
porém uma reflexão mais profunda leva a se indagar: Será que as crianças que
fracassam estão intelectualmente imaturas para entender as situações propostas?

54 Doutora em Comunicação e Semiótica; Professora da Universidade Federal do Tocantins-UFT; membro do NEPED/UFT.


E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 103
Será que não são os professores que não conseguem perceber as reais necessidades dos
alunos? Não conseguem apresentar métodos capazes de conduzi-los ao aprendizado
exigido? Não serão as famílias que não acompanham os filhos e, por isso, os deixam
sozinhos com seus problemas? Ou ainda, não seria a escola incapaz de oferecer um
ambiente aconchegante e com infraestrutura adequada ao perfil das crianças?

A verdade é que sempre estivemos buscando culpados para este problema


que afeta a sociedade brasileira e desafia diariamente a competência dos profissionais
da educação em todos os níveis de atuação: direção, coordenações pedagógicas e
professores. Arroyo (apud KRAMER, 1995, p, 23) considera que uma das tendências ao
fracasso escolar é a retomada da ênfase “no direito à educação básica e no direito a não
sacrificá-la a ritmos diferenciados de avanço no processo de ensino-aprendizagem”.

Estudos revelam que o fracasso escolar advém de fatores internos ao aluno


como os problemas e distúrbios de aprendizagens e de fatores externos provocados
por problemas sociais, econômicos e estruturais. Nesse sentido, entende-se que as
medidas direcionadas à superação do fracasso escolar deveriam ir além dos ditames
legislativos e estenderem o olhar às pessoas, uma vez que o fracasso escolar abrange
tanto a reprovação como a evasão escolar de milhares de crianças e jovens anualmente.
É preciso pensar que, dentre os motivos que levam um aluno a evadir da escola, a
constante reprovação pode ser justamente um estímulo à baixa autoestima e a falta
de motivação de permanecer na escola.

É, portanto, não só necessário como urgente desmistificar as causas das


desigualdades e dos preconceitos sofridos por crianças pobres marcadas como
incapazes de aprender. O sentimento de incapacidade e de rejeição que estas crianças
experimentam, logo no início da vida escolar, vai acompanhá-las em suas trajetórias
e será naturalmente projetado nos diversos grupos sociais dos quais tomarão parte.

Este artigo pretende refletir sobre a questão da pobreza como impulsionadora


da desigualdade social e geradora do fracasso escolar que aumenta ainda mais a
exclusão e o distanciamento de muitas crianças do conhecimento e dos bens culturais.
Para isso, primeiramente discutir-se-á sobre o fenômeno da pobreza e da exclusão; em
seguida procura-se entender o que é e como se produz o fracasso escolar; depois se
reflete o papel da escola diante de crianças em estado de vulnerabilidade e propensas
a fracassar e, por fim, traçam-se considerações sobre as questões aqui levantadas.

Exclusão e pobreza: uma reflexão sobre a desigualdade


A desigualdade na distribuição das riquezas do mundo faz com que poucas
pessoas detenham a maioria e o restante da população divida o pouco que sobra, e
entre estes, tem aqueles possuem menos ainda ou quase nada para sobreviver. Essa

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 104
diferença é o que caracteriza ricos, pobres e os que estão abaixo da linha de pobreza.
De acordo com dados do Banco Mundial (2018) quase a metade da população
mundial vive com dificuldades para satisfazer as suas necessidades básicas e os que
são multidimensionalmente pobres no mundo, chega a mais de um bilhão de pessoas,
sendo as mulheres e as crianças as mais vulneráveis.

A pobreza tem sido um importante fator de exclusão do sistema escolar e da


sociedade, mas não é o único. O lugar onde mora, a cultura, os costumes e as opções
e vida são fatores que favorecem ao aumento das desigualdades, geram a exclusão
de muitos e aumentam ainda mais as chances de sair da linha de pobreza. Crianças
em condições de extrema pobreza não conseguem chegar à escola ou permanecerem
nela a fim de adquirirem as possibilidades de galgarem outros patamares que venham
a melhorar suas condições de subsistência. A maioria das crianças em situação de
pobreza extrema sequer chega à escola e as que chegam estão fadadas ao fracasso
escolar.

Investigar a temática exclusão e fracasso escolar é, portanto, um desafio


que incita a mergulhar em diversas questões que podem ser focalizadas sobre dois
aspectos: um, pelo viés das políticas públicas que, sobre essas questões, têm buscado
disseminar políticas de inclusão e programas de educação e assistência compensatórias,
através de benefícios para as crianças que estão em situações de propensão ao
fracasso escolar; o outro, sob a ótica da história social que busca entender a história e
a cultura dos povos, considerando os fatores de desigualdades entre eles, assim como
o desenvolvimento da ideia de infância e de educação para todos.

Nosso olhar sobre essas questões tem avançado para outros fatores que
perpassam os conhecimentos da educação, do desenvolvimento infantil e das políticas
de inclusão escolar. E estes fatores estão arraigados nas representações que se
manifestam através de discursos e práticas discriminatórias contra crianças pobres
e em contexto de vulnerabilidade que já carregam em si a marca da desigualdade.
Crianças nessas condições, por não atenderem aos padrões de aprendizagem exigidos
pela escola estão fadadas ao fracasso e a desistência, e, por isso, carecem de políticas
de assistência.

O problema é que no cotidiano escolar a discriminação e o preconceito


podem passar ‘disfarçadas’ tanto por de um discurso que prega respeito às diferenças,
como também por algumas ações sociais que a política inclusiva impõe às escolas.
Para Kramer (1995, p. 18), a escola precisa entender que: “Nem todos os indivíduos
que coexistem em uma sociedade, tanto as crianças quanto os adultos, enfrentam
as situações da vida, sejam elas banais ou extraordinárias, com os mesmos meios
intelectuais e culturais”. É essa desigualdade que faz uns diferentes dos outros; uns
aceitos e outros excluídos.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 105
Segundo Sisto et. al. (2000) estudos demonstram que as crianças que
convivem com o preconceito de inferioridade, têm suas potencialidades diminuídas
porque o cognitivo e o afetivo são partes inseparáveis. São crianças imaturas, inseguras
e com muita dificuldade na tomada de decisão, pois na relação com os outros se sentem
afetadas pelo autoconceito baixo que construíram. Tais referências se colocam como
dificultadores determinantes na aquisição da aprendizagem e, consequentemente
levam à exclusão e ao fracasso escolar.

Hoje há um consenso de que a exclusão tem faces e se relevam diferentes


em cada tipo ou pessoa, por exemplo, a exclusão de classes minoritárias com base na
cultura e na etnia; a exclusão pela pobreza caracterizada pela situação econômica; a
exclusão de pessoas por causa do seu gênero ou opção sexual; a exclusão de idosos;
a exclusão de deficientes dentre outros tipos. É importante argumentar que toda e
qualquer forma de exclusão é preconceituosa, perversa e maléfica, pois tira do excluído
a possibilidade, sobretudo quando se trata de crianças em fase de constituição de sua
identidade social.

O Relatório da Unicef sobre a “Pobreza na Infância e na Adolescência” no


Brasil, publicado em agosto de 2018, indica que 61% das crianças brasileiras vivem
em pobreza, sendo monetariamente pobres e/ou privadas de um ou mais direitos. A
pobreza é também entendida como a privação das garantias que permitam o básico
para viver, assim, a Unicef classifica a pobreza não só como a falta de recursos, mas
a falta de educação, de informação, de água potável, de moradia, de saneamento
básico e inclui também a exploração do trabalho infantil.

Qualquer uma dessas condições deixa a criança em situação de


vulnerabilidade e tira dela a possibilidade de ir à escola ou nela permanecer. Além da
falta de algo que está fora, que deveria ser proporcionado pela família, a criança pobre
passa a sentir-se também diminuída em relação às outras crianças, o que certamente
acarreta outras dificuldades como a adaptação, o acompanhamento das proposições
escolares e a participação em todas as atividades, gerando um descompasso e o
fracasso escolar.

Fracasso escolar: Alguns entendimentos


À palavra fracasso atribuem-se os seguintes significados: Ação de
fracassar; malogro; fragor; estrépito; barulho; insucesso. E se é uma ação, fracassar
significa: Não ter o resultado esperado; falhar; malograr. (LAROUSSE CULTURAL,
1999, p. 628). A ideia de coisa ruim, perda, mau êxito para a criança que fracassa, ou
seja, que não consegue acompanhar as proposições escolares permanece nelas como
que lhe faltasse algo. Essas crianças desenvolvem uma frustração constante porque

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 106
a sensação de incompetência em relação às outras lhes acompanha. São crianças
marcadas e rotuladas com algo a menos.

A partir da década de 1960 o foco das atenções deslocou-se para os


aspectos culturais, provocando o surgimento das concepções de privação ou carências,
culturais, alimentar, afetiva etc. Essas explicações ficaram ainda mais sofisticadas
com o uso da “expressão ‘déficit’ cultural, déficit de linguagem, e com o surgimento
das conhecidas ‘dis’: disfunção cerebral mínima, dislexia, disgrafia, dislalia, discalculia,
disortografia, etc.”. (COLLARES; MOYSÉS, 1992, apud ABRAMOWICH & MOLL, 1997, p.
29).

As inquietações provocadas por estas descobertas fizeram com que,


a partir da década de 1980, surgisse uma nova explicação para fracasso escolar.
Assim, superada a ideia dos aspectos orgânicos, as justificativas assentaram-se nos
aspectos emocionais e sociais, como fatores intraescolares que influenciavam no
processo de aprendizagem. Acreditava-se que as crianças das classes populares,
embora não sendo inferiores ou deficitárias, tinham saberes “diferentes”, por isso o
processo educativo deveria levar em consideração, conforme Kramer (1995, p. 113),
que “às condições reais da vida das crianças, procurando garantir que elas aprendam
verdadeiramente, acreditando em suas potencialidades de consegui-lo”.

O que é pior de tudo isso é que pesquisas demonstraram que essas crianças
que fracassam na escola são, na grande maioria, negras e pobres, já que a grande
maioria das classes populares é de negros. Ora, se noventa por cento das crianças
negras estudam em escolas públicas, então o fracasso escolar é excludente, racista e
preconceituoso. Para Arroyo,

A consciência do direito à educação básica universal avançou, porém


não conseguimos que a escola se estruturasse para garantir esse direito,
ela continua como instituição seletiva e excludente. A escola enquanto
instituição – não enquanto boas vontades de seus mestres – mantém a
mesma ossatura rígida e excludente já faz um século... (ARROYO, 1992, p.
46/47).

A cultura da exclusão está materializada na organização e na estrutura do


sistema escolar, e a cultura do fracasso escolar se materializou no processo de ensino.
De acordo com Weiss (1997, p. 16), “considera-se como fracasso escolar uma resposta
insuficiente do aluno a uma exigência ou demanda da escola. Essa questão pode ser
analisada e estudada por diferentes perspectivas: a da sociedade, a da escolar e a do
aluno”.

Do ponto de vista do aluno é preciso pensar que o fracasso escolar não


se dá desvinculado do seu modo de pensar, sentir, falar e agir. Por isso é importante

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 107
considerar fatores internos, ou seja, aspectos orgânicos, cognitivos e emocionais
como fortes determinantes do fracasso escolar e que ganharam muita força por
representarem uma espécie de “determinismo biológico”, ainda muito presente na
atualidade. Os aspectos orgânicos estão relacionados à linguagem e a capacidade de
aprendizagem de leitura e escrita; os aspectos cognitivos, relacionados aos domínios
da memória, atenção, antecipação, percepção e fatores intelectuais; os aspectos
emocionais estão ligados ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção
do conhecimento e a expressão deste através da produção escolar.

Quando a explicação para o fracasso escolar é buscada como um fator


fora da escola, mais uma vez cai-se na tentação e focalizar situações internas às
crianças como a desnutrição, por exemplo. Porém, pesquisas demonstraram que
uma desnutrição leve não afeta o potencial intelectual que torna a criança incapaz de
aprender. A criança desnutrida apenas tem seu crescimento sacrificado para manter
o metabolismo interno. (ABRAMOWICZ; MOLL, 1997).

O fracasso escolar olhado do ponto de vista da sociedade é mais amplo, pois


ele envolve a cultura, as condições e relações político-sociais e econômicas vigentes,
ideologias dominantes e as relações implícitas e explícitas desses aspectos com a
educação escolar. Esses aspectos sociais estão ligados às perspectivas da sociedade
em que estão inseridas as famílias e a escola, se elas respondem aos anseios dos
alunos, se são capazes de oferecer situações de desafios, etc.

Desse ponto de vista vem à tona a questão da privação cultural. A privação


cultural é entendida como a falta de oportunidade que as crianças das famílias de
baixa renda têm de participar dos bens sociais. Por isso são consideradas carentes,
deficientes, inferiores, na medida em que não correspondem ao padrão estabelecido,
pois lhes faltam determinados atributos, atitudes e conteúdos conceituais que deveriam
ter sido incutidos, mas que a falta de oportunidade lhes tirou essas possibilidades
(ABRAMOWICH; MOLL, 1997).

Do ponto de vista da escola, é preciso observar que ela não está isolada
do sistema socioeconômico, mas o reflete; por isso, a escola não pode se furtar de
tentar oferecer o melhor que puder para seus alunos. Não quer dizer que uma criança
pobre não tenha o direito e a oportunidade de se apropriar dos recursos materiais e
tecnológicos que a sociedade moderna faz uso. Os aspectos pedagógicos contribuem,
muitas vezes, para o fracasso escolar. São problemas intraescolares que envolvem o
currículo escolar, a má formação dos professores, os recursos materiais, a estrutura
física, a dosagem dos conteúdos de ensino e, principalmente, os critérios de avaliação.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 108
De acordo com Mello (1983) o teor das avaliações contribui para o fracasso
escolar de crianças das classes desfavorecidas, ainda que, em grande parte, esse
fracasso se deva à pobreza a que as crianças estão submetidas, pois as condições
escolares contribuem para reproduzirem a desigualdade social. São justamente essas
oportunidades e professores preparados e com vontade de ensinar que fazem a
diferença. Pois o processo educativo já se dá de forma agônica, isto é, o ato de aprender
não é tranquilo, exige renúncia e sacrifício.

A escola e a criança pobre


Tratar da desigualdade e da exclusão no contexto educacional significa
perceber que no interior das escolas públicas convive uma diversidade de sujeitos
sociais com situações socioeconômicas e histórias de vidas diferentes e que precisam
conviver no universo microssocial da sala de aula. Essa convivência torna-se complexa
quando alguns desses sujeitos não dispõem das mesmas condições existenciais que os
demais; quando a pobreza econômica lhes premia com a aquisição rótulos  geralmente
excludentes  e lhes tira algumas possibilidades de aquisição de conhecimento.

Sim, pois uma criança marcada com rótulos discriminatórios, somados à


pobreza material resulta em um grave problema social que a escola e os sistemas de
educação devem ser os primeiros a se preocuparem. É nesse momento que as políticas
de inclusão são necessárias com o intuito diminuir as desigualdades entre os sujeitos
que convivem no espaço escolar. Além das políticas compensatórias, é necessário um
trabalho de conscientização e de respeito às diferenças.

As iniciativas particulares e políticas de atendimento de crianças no Brasil


se desenvolveram a partir da concepção de que era preciso resgatar a infância ou
compensá-la pelo descaso com que foram tratadas durante todo tempo. Nesse
sentido, segundo Kramer (1995) tem um caráter de estratificação que pode ser visto
em três dimensões: o da Saúde, o da Previdência e Assistência Social e o da Educação,
ambos com a intenção de tirar a criança da classe à qual pertence e elevá-la a outra
situação econômica e social.

No plano da Saúde, segundo Kramer (1995) as iniciativas foram tomadas


em resposta ao alto índice de mortalidade infantil, especialmente nas regiões norte e
nordeste, que provocavam indignação em pesquisadores, médicos e educadores que
passavam a denunciar em congressos, pois todos sabem que a educação nessa faixa
de idade não onera a infraestrutura econômica da sociedade brasileira. Assim “A fim
de suprir as deficiências de saúde e nutrição, as escolares ou as do meio sociocultural
em que vivem as crianças, são propostos diversos programas de educação pré-escolar
de cunho compensatório”. (KRAMER, 1995, p. 24)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 109
Para a pedagogia, a criança é sempre vista por um lado fisiológico, ou seja,
levando em conta o seu desenvolvimento físico, e por outro o aspecto temporal. Nesse
sentido existem alguns níveis de compreensão da criança. O primeiro deles refere-se à
imagem dela como um ser fraco e incompleto, atribuindo tais características à natureza
infantil; o segundo nível considera a criança como um ser que não é social, pois não é
produtivo. Desempenha o papel de consumidor, portanto dá prejuízo à sociedade e à
família, pois não se sustenta nem gera renda.

Essa concepção é uma tendência da sociedade capitalista que deposita


suas esperanças na educação como um investimento em longo prazo quando a criança
poderá compensar os gastos que foram feitos com ela. Nesse sentido, Kramer (1995)
vê a inclusão das creches e pré-escolas nos sistemas de ensino como uma alternativa
compensatória que, além do mais, camufla a desigualdade de condições sociais.

O plano da Previdência e Assistência Social talvez tenha sido o que mais se


destacou, apesar de ter iniciado tardiamente. Do descobrimento até 1870 não se tem
conhecimento de nenhuma iniciativa quanto ao atendimento de crianças pequenas, a
não ser dos pontos de vista jurídico e religioso.

A primeira referência que foi possível encontrar, através de Kramer


(1995), foi da fundação, em 1873, pelo estado, da “Casa dos Expostos” ou “Roda”
para o atendimento de crianças pequenas abandonadas pelos pais, e da “Escola de
Aprendizes Marinheiros” para os abandonados maiores de onze anos de idade.

No século XX encontrou-se um registro de 1919 da criação do Departamento


da Criança no Brasil mantido por recursos particulares. No ano seguinte, esse
departamento foi reconhecido como utilidade pública, cujo objetivo era “fomentar
as iniciativas de amparo às crianças e à mulher grávida, pobre, publicar boletins,
divulgar conhecimentos, promover congressos, concorrer para a aplicação das leis de
amparo à criança e uniformizar as estatísticas brasileiras sobre mortalidade infantil”.
(KRAMER, 1995, p. 53).

A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930 deu um


incentivo às políticas de amparo e proteção à criança. O Departamento Nacional da
Criança, criado em 1940, tinha como objetivo unificar os serviços relativos, não somente
à higiene, à maternidade e à infância, como, também, à assistência social de ambos.

O Serviço de Assistência aos Menores (SAM), que permaneceu em


atividades de 1941 a 1964, foi criado com o objetivo de prestar serviço de amparo
social às crianças em todo território nacional, cujo atendimento consistia em todos os
aspectos à menores desvalidos e infratores da lei penal. Em plena segunda guerra

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 110
surge a LBA (Legião Brasileira de Assistência), a qual tinha como objetivo “congregar
os brasileiros de boa vontade e promover por todas as formas, serviços de assistência
social, (...) proteger a maternidade e a infância dando ênfase especial ao amparo total
à família do convocado” (KRAMER, 1995, p. 71).

Depois da guerra, a LBA passou a redimensionar suas formas de assistência,


através da criação de creches e pré-escolas. Mais tarde, a LBA transformou-se em
Fundação e criou o Projeto Casulo que pretendia atender às crianças para que as
mães pudessem entrar no mercado de trabalho. As unidades do projeto Casulo
foram implantadas em todo território nacional atendendo crianças durante quatro a
oito horas diárias; porém, o projeto definia que não tinha “a intenção de compensar
carências intelectuais, psicológicas ou mentais em função do ingresso futuro do menor
no sistema escolar” (KRAMER, 1995, p. 73).

Em 1946 criou-se o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) com
objetivo principal de socorrer as crianças e suas famílias dos países devastados pela
Segunda Guerra Mundial, principalmente na Europa, no Oriente Médio e na China.
Depois da guerra, tornou-se um órgão permanente e redimensionou as suas atividades
para países subdesenvolvidos de várias partes do mundo, inclusive da América Latina.
No Brasil, o Unicef está presente desde 1950.

No plano da Educação, as iniciativas não se desvincularam do caráter


assistencialista, pois compreendia a ideia de recompensa. Quando aparece pela
primeira vez na lei, a educação de crianças é carregada pela concepção compensatória
quanto à negligência em relação à saúde e à assistência social. Como se pode conferir,
depois das leis, 4.024 e da 5.692/72 que apontavam a intenção de que a educação de
crianças pequenas fosse implantada como política, o decreto 2.018/74, embora reforce
essa ideia, concebe a criança como culturalmente carente justificando o atendimento
como uma solução para suas defasagens escolares conforme o seguinte trecho citado
por Kramer (1995, p. 96).

Estudos e pesquisa em vários países do mundo demonstraram que os


cuidados dispensados ao pré-escolar contribuem para a preservação do
retardo escolar e de outros distúrbios oriundos de carências nutricionais
e afetivas, e para a promoção do desenvolvimento da criança com pleno
aproveitamento de todas as suas potencialidades. (Art. 16).

Portanto, a educação pré-escolar continua sendo a resposta para os


problemas do fracasso escolar enfrentado no Ensino Fundamental. O parecer também
dá a entender que a criança é a culpada pelo seu insucesso escolar, porque lhe faltara
oportunidade de participação e aquisição de experiências anteriores. Por isso, a
educação pré-escolar se propõe compensatória. Como a descrição a seguir:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 111
Enquanto não se eliminar a principal causa da reprovação maciça que se
observa nas primeiras séries do ensino brasileiro do 1º grau, causa essa
que reside na falta de prontidão para a aprendizagem de que sofrem as
crianças advindas das camadas menos privilegiadas da população, não
se terá cumprido inteiramente no Brasil o mandamento constitucional da
igualdade de oportunidades educacionais. (KRAMER, 1995, p. 98).

Nesse sentido, observa-se que as iniciativas de educação para crianças


pré-escolar têm caráter compensatório, ou seja, de compensação pelas perdas que
a situação de pobreza a submeteu; portanto, oferecer uma educação compensatória
traz em si a ideia de oportunidade para que o sujeito educado tenha a possibilidade
de sair do ciclo da pobreza.

Essa não é uma ideia nova, o Departamento Nacional da Criança (DNCr)


projetou, em 1942, a Casa da Criança cujo espaço deveria ser composto de creches,
escolas maternais, jardins de infância, escolas primárias, parque infantil, posto de
puericultura e clube agrícola para a aprendizagem do uso da terra, embora os jardins
de infância que funcionavam junto às escolas primárias tivessem o número de vagas
limitados. Em 1948, fundou-se a OMEP (Organização Mundial para Educação Pré-
Escolar), organização não-governamental que tinha como finalidade atender às
crianças na faixa etária de 0 a 06 anos de todas as classes sociais.

De acordo com Kramer (1995) outro aspecto é uma educação compensatória


é o da redenção, isto é, que tem como objetivo tirar as crianças que já se encontram
na marginalidade, considerando que essa é o principal fator do fracasso escolar de
crianças provenientes das classes culturalmente e economicamente desprovidas. Essa
concepção escamoteia o verdadeiro sentido do fracasso escolar.

É preciso conceber as crianças como cidadãs que têm direito e por quem
o estado tem deveres a cumprir, por isso a educação destinada a elas deve ser de
qualidade e com condições de acesso e permanência para todas. Essa possibilidade
de emancipação e respeito às crianças só será possível se os adultos também forem
sujeitos emancipados. Isso implica em uma série de fatores, entre eles, condições de
moradia, empregos e salários dignos.

Somente a garantia de que é preciso implantar políticas de educação infantil


não é suficiente para a implementação destas, é preciso destinar verbas, mudar a
concepção de infância e das consequências do fracasso escolar. E, por fim, superar
o entendimento de que as crianças que não atendem aos padrões de exigências da
escola são as culpadas pelo fracasso na escola.

Por outro lado, numa versão inclusiva e para que o fracasso não seja da
escola, refaz-se sua programação, exigindo dessas crianças atividades de ensino
e instrução menos exigentes, com conteúdos reduzidos e diversas estratégias de

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 112
pontuação quantitativa no ranking das médias para aprovação. Nesse sentido,
o currículo é adaptado para que essas crianças “passem de ano”, mas não para
adquirem formação de qualidade que lhes garanta concorrer em mesmas condições
de igualdade por empregos mais dignos.

Essa atitude, isto é, da facilitação, ajuda a criança a passar de ano, mas não
contribui para a aquisição de saberes para a vida. A defasagem, nesse sentido, contribui
ainda para vulgarização dos conteúdos disciplinares que de forma fragmentada vão
passando pelas crianças sem deixar nelas fundamentos conceituais que lhes produza
afeitos intelectuais. No entanto é sobre o domínio dos conteúdos que os alunos serão
julgados, reprovados e excluídos do saber social.

Considerações
O direito à educação infantil brasileira está longe de ser efetivada para a
uma grande parte de crianças entre 0 e 06 anos. O reconhecimento de sua necessidade
começou a surgir em nível de discursos, tanto de documentos oficiais como de
pronunciamento e interpretações, bem como de propostas de programas desenvolvidos
por iniciativas estaduais ou municipais e até de ONGs, mas não alcança a todas devido a
alguns fatores, como o número de ofertas de vagas e as condições familiares.

Embora seja uma boa alternativa de oportunidades às crianças em situação


de pobreza o acesso ao ensino desde cedo, é preciso que a educação de crianças seja
despojada da concepção de compensação, mas que a ação pedagógica se diversifique
e “leve em consideração as condições reais da vida das crianças, procurando garantir
que elas aprendam verdadeiramente, acreditando em suas potencialidades de
consegui-lo”. (KRAMER, 1995, p. 113).

O grande desafio no que diz respeito à implantação de políticas às crianças


pequenas está na elaboração de propostas que visem à construção da cidadania e
a superação das concepções de crianças como seres que não sabem nada. Nesse
contexto, pensou-se que as causas do fracasso escolar derivassem da diversidade
de alunos e de famílias, numa perspectiva de determinismo biológico. Porém, logo foi
possível perceber que a grande maioria das crianças inapetentes provinha das classes
populares, com baixo rendimento financeiro e poucas atividades sociais.

Por isso, conclui-se que cabe ao estado maior, isto é, a nação brasileira, a
implementação de políticas de educação que abarquem todas as parcelas estudantis;
pois, sabe-se que existe um contingente muito grande de crianças fora das escolas ou
em situações precárias de atendimento. Sabe-se, também, que a falta de uma formação
adequada para os profissionais que trabalham na área é um fator determinante para
a exclusão e o fracasso escolar de muitas crianças.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 113
Referências
ABRAMOWICZ, Anete & MOLL, Jaqueline. Para Além do Fracasso Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1997.

ARROYO, Miguel G. Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da educação básica.


Em Aberto, Brasília, ano 11, n.53, jan./mar. 1992.

DICIONÁRIO da Língua Portuguesa Larousse Cultural, São Paulo: Universo/Moderna, 1992.

INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_


publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/dados-do-censo-escolar-ensino-fundamental-brasileiro-tem-
quase-duas-escolas-de-anos-iniciais-para-cada-escola-de-anos-finais/21206. Acesso em setembro
de 2019.

KRAMER, Sônia. A Política do Pré-Escolar no Brasil: a arte do disfarce. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1995.

MELLO, Guiomar N. Magistério de Primeiro Grau: da competência técnica ao compromisso político. 3.ed.
São Paulo: Autores Associados, 1983.

SISTO, Fermino Fernandes, et. al. (orgs.) Leituras de Psicologia para Formação de Professores. Petrópolis,
RJ.: Vozes, São Paulo: USF, 2000.

UNICEF (2017). A Future Stolen: Young and out-of-school. Relatório, disponível em: https://data.unicef.
org/resources/a-future-stolen/ Acessado em setembro de 2019.

UNICEF (2017). Quase metade da população global vive abaixo da linha da pobreza. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/banco-mundial-quase-metade-da-populacao-global-vive-abaixo-da-
linha-da-pobreza/ Acesso: outubro de 2019.

WEISS, Maria Lúcia L., Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem
escolar. 5.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 114
OS PROFESSORES E SUAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS EM CONTEXTOS EMPOBRECIDOS:
ALGUMAS REFLEXÕES
Ana Carolina Pontes Costa55
Cristiane Damiana dos Santos de Andrade56

Introdução
Mudanças na configuração das ações das políticas sociais foram adotadas
pelo Estado brasileiro nas últimas décadas, cabendo especial destaque às ações
de enfrentamento da pobreza, sobretudo socioeconômica (privação material). Para
tentar minimizar os problemas relacionados à vulnerabilidade e à desigualdade social,
houve, por parte dos governos anteriores, investimentos em políticas públicas de
transferência de renda que impuseram a condicionalidade da educação (frequência
mínima exigida), evidenciando a premissa de que o maior tempo de escolaridade
poderia garantir maiores possibilidades de superação da pobreza e pobreza extrema.

No entanto, embora essas ações sejam significativas, os efeitos da pobreza


continuam a se manifestar de maneira expressiva nas instituições escolares e, também,
a produzir, além de novas desigualdades, novas tensões de diversas ordens nas formas
tradicionais de organização e funcionamento da escola.

Diante deste cenário, esta pesquisa, originária do Trabalho de Conclusão


de Curso (TCC), do Curso de Pedagogia, teve como tema “a pobreza e a desigualdade
social dentro da escola”, e como os professores, com suas concepções sobre a pobreza,
modificam (ou não) sua prática pedagógica a partir do conhecimento da realidade
social na qual seus alunos estão inseridos.

Assim, este trabalho apresenta o estudo cujo objetivo foi analisar, a partir da
fala dos professores que atuam em escolas com alta concentração de alunos pobres e
extremamente pobres, como as suas concepções sobre a pobreza manifestam-se em
sua prática pedagógica.

Desigualdades sociais e escolares


As desigualdades existentes na sociedade e originárias do modo de

55 Professora Doutora do Curso de Pedagogia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). E-mail: [email protected]
56 Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal. Professora da rede
municipal de Corumbá/MS.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 115
produção capitalista manifestam-se no interior das instituições escolares, embora
haja uma crença disseminada de que elas atuam como instituições promotoras da
igualdade e que, no seu interior, as marcas das desigualdades são deixadas “portão a
fora”. Dubet (2004), no entanto, defende um papel protagonista da escola, no sentido
de que ela poderia equilibrar as desigualdades existentes no seu interior, encontrando
uma forma de compensá-las, distribuindo melhor as vantagens e os benefícios que
estão ao alcance de poucos, o acesso a bens culturais para todos.

Ainda, o autor defende que a escola poderia sustentar essa ideia, sendo
a porta voz daqueles que, por sua condição de desvantagem em relação à escola,
não conseguem fazê-lo. Assim, ao discorrer sobre “A escola justa” o autor afirma
que “O sistema justo, ou menos injusto, não é o que reduz as desigualdades entre os
melhores e os mais fracos, mas o que garante aquisições e competências vistas como
elementares para os alunos piores e menos favorecidos” (DUBET, 2004, p. 546 -547).

Ainda sobre o papel da escola como “mediadora” das desigualdades,


Candau (2008) salienta a importância da escolha de novas estratégias pedagógicas
que favoreçam uma efetividade, praticamente presente em todas as propostas
pedagógicas, de que queremos formar professores capazes de colaborar com
a transformação social, situando-as como sujeitos de direitos. No entanto, esse
discurso, em grande parte das situações, não se concretiza porque as estratégias
pedagógicas adotadas acabam não olhando para seus alunos, como o membro mais
importante desse planejamento, permanecendo centradas em exposições verbais,
sem estabelecimento de espaços de diálogo.

Esse tipo de estratégias atua fundamentalmente no plano cognitivo,


quando muito oferece informações, ideias e conceitos atualizados, mas
não levam em consideração as histórias de vida e experiências dos
participantes e dificilmente colaboram para a mudança de atitudes,
comportamentos e mentalidades. Em geral, no melhor dos casos,
propiciam espaços de sensibilização e motivação para as questões de
Direitos Humanos, mas seu caráter propriamente formativo é muito frágil.
(CANDAU, 2008, p. 291)

A igualdade na oferta escolar, muitas vezes, ignora as desigualdades


sociais dos alunos, fazendo com que os socialmente privilegiados mantenham os
seus privilégios no interior nas escolas, através de melhores cursos, professores mais
motivados e experientes e infraestrutura de qualidade.

Outro fator é a injustiça que ocorre quando o “fracasso” escolar dos alunos
empobrecidos passa a ser visto como única responsabilidade do estudante e suas
famílias, sob a justificativa do acesso “igualitário” a todos pela escola pública. No entanto,
este discurso amplamente difundido, permite a responsabilização dos “pobres pela sua

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 116
pobreza” material, cultural e escolar, aumentando ainda mais a exclusão social destes
estudantes. O modelo meritocrático prioriza a uniformização da disputa no interior da
escola, submetendo todos(as) às mesmas provas, modelo este que evidencia, ainda
mais, as diferenças entre os alunos.

Arroyo (2015) corrobora com as reflexões e análises sobre o sistema escolar,


ao mostrar-nos e alertar-nos que, geralmente, a prática de condenar os alunos e seus
coletivos de origem, para inocentar o sistema, o estado e as instituições, é presente
para que a sociedade não enxergue que ainda produz e reproduz a desigualdade.

Avaliamos mais os alunos, seus coletivos do que o sistema, suas estruturas,


seus ordenamentos, suas lógicas, seus rituais e seus valores reprodutores
e legitimadores das desigualdades sociais, raciais, de gênero, campo e
periferia. Temos mais políticas de intervenção nos alunos do que no sistema
e suas estruturas. As formas estruturantes de organizar o trabalho, os
tempos, os níveis, de disciplinar e segmentar o conhecimento e a condição
docente, até os brutais mecanismos de segregar, enturmar, sentenciar,
reprovar milhões de alunos populares permanecem intocados. Não são
objetos de políticas de Estado. Nossas políticas e diretrizes privilegiam o
acesso e os resultados dos alunos. (ARROYO, 2011, p. 85)

É importante ter o olhar do professor e até mesmo da escola para as


estratégias pedagógicas que ampliam ou reduzem as desigualdades, sendo que,
segundo Duru-Bellat e Mingat (1997), uma das formas dessa ocorrência é através da
enturmação dos alunos, já que dependendo a maneira como são agrupados dentro
da sala de aula, pode contribuir para a ampliação das desigualdades, pois, separando,
rotulando de um lado os melhores e de outro lado os mais fracos, esta estratégia pode
ampliar uma distância de desempenho entre eles.

Quando acontece a divisão dentro da escola, induzida pelo desempenho


entre eles, criam-se, assim, grupos distintos, que socializam apenas o mesmo espaço
físico:

As desigualdades entre os alunos podem depender do nível de segregação


social e escolar dos estabelecimentos. A maneira como se agrupam os
alunos pode desempenhar um papel decisivo em suas aquisições e na
formação das desigualdades. Reunir os melhores de um lado e os mais
fracos do outro pode aumentar as distâncias e baixar o nível médio, pois,
nesse caso, os mais fracos progridem particularmente pouco. (DURU-
BELLAT; MINGAT, 1997).

Os estudos das escolas eficazes têm demonstrado que inúmeros são os


fatores intraescolares que fazem com que as escolas se distingam entre as outras,
promovendo práticas de redução das desigualdades, mesmo quando o contexto social
dos estudantes seja caracterizado pela falta de acesso ao capital econômico, social
e cultura. Nessa perspectiva, Sammons (2008) apresenta onze fatores para escolas
eficazes:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 117
1. Liderança profissional: firme e objetiva; um enfoque participativo; um
profissional que lidera. 2. Objetivos e visões compartilhados: unidade de
propósitos; prática consistente; participação institucional e colaboração.
3. Um ambiente de aprendizagem: um ambiente ordenado; um ambiente
de trabalho atraente. 4. Concentração no ensino e na aprendizagem:
maximização do tempo de aprendizagem; ênfase acadêmica; foco no
desempenho. 5. Ensino e objetivos claros: organização eficiente; clareza
de propósitos; aulas bem estruturadas; ensino adaptável. 6. Altas
expectativas: altas expectativas em geral; comunicação de expectativas;
fornecimento de desafios intelectuais. 7. Incentivo positivo: disciplina
clara e justa; feedback. 8. Monitoramento do desempenho do aluno;
avaliação do desempenho da escola. 9. Direitos e responsabilidades do
aluno; aumentar a autoestima do aluno; posições de responsabilidade;
controle dos trabalhos. 10. Parceria casa-escola: envolvimento dos
pais na aprendizagem de seus filhos. 11. Uma organização orientada
à aprendizagem; desenvolvimento de pessoal baseado na escola
(SAMMONS, 2008, p. 351, grifos nossos).

Do item quatro ao item nove, em grande parte a responsabilidade recai


sobre os professores, que possuem um papel determinante na promoção de práticas
que reduzam as desigualdades escolares no interior das instituições.

É necessário apontar que determinados contextos escolares tornam mais


prováveis as práticas pedagógicas capazes de levar os alunos a aprenderem além
do que sabem, principalmente os alunos mais vulneráveis socialmente. No entanto, é
importante ressaltar que a sala de aula, e também os fatores que a influenciam mais
diretamente, têm uma relativa autonomia em relação ao contexto escolar. Além disso,
é na sala de aula que a prática pedagógica dos professores tem sido um dos principais
fatores associados à eficácia escolar.

Além do tempo de aprendizagem, também importam a organização da


aula e a adequação da seleção dos objetos de ensino de acordo com os objetivos
de aprendizagem. A preparação, o desenvolvimento e o encerramento da aula são
fatores importantes para a sua organização e denotam a importância do professor na
preparação das atividades pedagógicas e na aprendizagem dos alunos.

Ainda, para a qualidade do ensino importa a capacidade dos professores


em fazer com que o que está sendo ensinado em sala de aula faça sentido e seja
interessante para os alunos. A qualidade do ensino também se relaciona com: a) a
capacidade de o professor adaptar o que se ensina às diversas necessidades e ritmos
de aprendizagem dos alunos; b) despertar a curiosidade dos alunos e mantê-los
atentos e envolvidos na aula; e c) com o tempo de aula bem alocado e adequado ao
ritmo de aprendizagem dos alunos.

No cotidiano da sala de aula, os professores tomam constantemente


decisões sobre estes aspectos, quando alocam os alunos em grupos, definem as
atividades a serem realizadas, escolhem as abordagens do processo de ensino e o uso

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 118
de materiais, avaliam os alunos, decidem sobre a forma e o momento de devolver os
resultados obtidos pelos alunos na avaliação, estabelecem sanções, etc.

Assim, quando o professor reconhece o contexto social dos seus alunos,


poderá contribuir para a promoção das práticas e estratégias que garantam
aprendizagens significativas e que se traduzam em superação das desigualdades
historicamente produzidas pela sociedade, em possibilidades objetivas de superação
da pobreza através da escola.

Aspectos metodológicos da pesquisa


A presente pesquisa teve como objetivo analisar, a partir da fala dos
professores que atuam em escolas com alta concentração de alunos pobres e
extremamente pobres, como suas concepções sobre a pobreza se manifestam em sua
prática pedagógica.

Em primeiro momento, foi feito um levantamento bibliográfico que considerou


os estudos referentes à relação entre educação e pobreza; desigualdades sociais e
escolares; e estudos que contemplassem características da prática pedagógica do
professor que poderiam minimizar o peso da origem social dos estudantes.

Em seguida, foram utilizados os dados do Sistema Presença57 do relatório


de dezembro do ano de 2018, no qual foi possível identificar as escolas com maior
concentração de beneficiários do PBF, ou seja, instituições com maior número de alunos
que são caracterizados socioeconomicamente como pobres e extremamente pobres.
Destas, selecionou-se a escola com maior número de beneficiários para a realização
das entrevistas com os professores, conforme o quadro a seguir demonstra:

57 O Sistema Presença tem o objetivo de agregar informações dos beneficiários do Programa Bolsa Família com a
condicionalidade educação, a partir dos relatórios bimestrais, nos quais são visualizados os motivos da baixa frequência
escolar dos alunos beneficiários.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 119
Quadro 1 - Informação de frequência escolar PBF
SISTEMA PRESENÇA − INFORMAÇÃO DE FREQUÊNCIA ESCOLAR PBF
Frequência 85% (antigo BFA)
DEZ/2018
Documento gerado no dia 14/12/2018 às 02:47:06
Região: Centro-Oeste
Município: Corumbá Estado: MS

Cumpriram a Não Cumpriram a


Sem Informação
Dependência frequência mínima frequência mínima
Escola Mês
Administrativa Total
Quant. Percental Quant. Percentual Quant. Percentual

0
Out 503 98.63% 0.00% 1.37%
7
Escola 1 Municipal 510
Nov 503 98.63% 0 0.00% 7 1.37%

Out 433 100% 0 0 0.0%


0.00%
Escola 2 Municipal 433
Nov 433 100% 0 0.00% 0 0.0%

Out 354 98.33% 6 1.67% 0 0.0%


Escola 3 Municipal 354
Nov 354 98.33% 6 1.67% 0 0.0%

Fonte: Relatório de acompanhamento escolar do Sistema Presença da coleta de dezembro/2018.

Desta seleção, optamos pela escolha de uma escola, e como sujeitos da


pesquisa, professores dos 5º anos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Como
instrumento da coleta de dados, a escolha foi feita pela entrevista semiestruturada,
com questões fechadas e abertas, para que os sujeitos pudessem expressar a sua
opinião sobre os diversos temas relacionados a esta pesquisa.

Para a caracterização dos sujeitos e objetivando a não identificação dos


mesmos, numeramos os professores de acordo com a sequência da realização das
entrevistas, sendo P1, P2, P3 e P4, totalizando quatro sujeitos.

A opção da entrevista, segundo Gil (1999), se pode ser definido “como


a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevados de
questões apresentados por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de
opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas”. (GIL,
1999, p.128)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 120
Caracterização da escola e dos sujeitos
A escola lócus desta pesquisa foi uma escola da rede municipal de ensino,
localizada na zona urbana, na parte alta, do município de Corumbá − MS.

Segundo os dados do QEdu (2018), o número de funcionários da escola,


ao total, foi 95, sendo que a escola fornece alimentação e água filtrada aos alunos,
possui biblioteca, cozinha, laboratório de informática, sala para diretoria, sala para os
professores, aparelho de DVD, impressora e televisor e computadores para alunos e
funcionários.

Quadro 2 - Alunos matriculados por Série


Matrículas 1º ano EF 75
Matrículas 2º ano EF 115
Matrículas 3º ano EF 138
Matrículas 4º ano EF 108
Matrículas 5º ano EF 105
Matrículas 6º ano EF 110
Matrículas 7º ano EF 85
Matrículas 8º ano EF 59
Matrículas 9º ano EF 36
Fonte: QEdu, 2018.

Esta tabela informa-nos que as matrículas dessa instituição estão


prioritariamente alocadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com expressiva
redução nos anos finais. Estes dados nos levam a questionar sobre as altas taxas de
evasão que persistem, conforme passam os anos do Ensino Fundamental, afinal, onde
estão estes alunos?

O professor P 01, do sexo masculino, 37 anos, atua na área de Pedagogia


há 9 anos, formou-se na UFMS, no curso de Pedagogia, é concursado e possui pós-
graduação.

A Professora P02, do sexo feminino de 44 anos atua na área de Pedagogia


há 21 anos, formada na UFMS no curso pedagogia, concursada e atua na área e possui
pós-graduação.

A Professora P03, do sexo feminino de 31 anos atua na área de Pedagogia


há 05 anos, formada na UFMS no curso pedagogia, concursada e atua na área e
possui pós-graduação.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 121
A Professora P04, do sexo feminino de 39 anos atua na área de Pedagogia
há 06 anos, formada na UFMS no curso pedagogia, concursada e atua na área e
possui pós-graduação.

Conclui-se que todos os professores entrevistados concluíram a sua


formação inicial na mesma universidade pública federal, sendo três deles com até 10
anos de experiência no magistério e, apenas um, com mais de 20 anos de formação.
Ainda, os quatro profissionais são concursados na rede pública municipal.

O que os dados apontaram


A partir da fala dos professores que atuam em escolas com alta concentração
de alunos pobres e extremamente pobres, como suas concepções sobre a pobreza se
manifestam em sua prática pedagógica, construímos um instrumento de coleta de
dados que abordou as seguintes temáticas: a) o conhecimento dos professores sobre
a condição socioeconômica dos alunos; b) as percepções do cotidiano escolar para o
reconhecimento das condições socioeconômicas dos alunos; c) as interferências na
aprendizagem a partir da condição socioeconômica dos estudantes; e d) o planejamento
e as considerações sobre a pobreza.

Quando inquiridos sobre como eles caracterizam as condições


socioeconômicas dos estudantes da escola, os professores utilizaram termos como
“precária”, “pobreza extrema”, “carente” e “muitas dificuldades” para identificar os
alunos. A professora, citada abaixo, caracteriza da seguinte forma:

Famílias de baixa renda, mais de 60% dos alunos passam por dificuldades
em casa, falta de dinheiro, alimento e alguns casos até moradia.
Participam de projetos sociais de apadrinhamento do programa criança
feliz, participantes do programa bolsa família, vale renda e outros. (P04)

São socialmente de uma condição que diria de nível baixo, são totalmente
humildes, carentes, os alunos são bem carentes a região onde a escola se
localiza é de um nível bem carente mesmo. (P03)

Aqui tem crianças que estão em situação extrema pobreza, e em situação


de pobreza e crianças que vivem no meio em que os pais trabalham e
conseguem sustentar sua família (P01)

Isso demonstra que os professores conhecem a realidade socioeconômica


dos alunos, uma vez que suas falas refletem o que os dados quantitativos de alta
concentração de alunos pobres e extremamente pobres matriculados na instituição.

Ainda sobre o conhecimento da realidade dos alunos, inquiriu-se sobre as


situações do cotidiano dos professores às quais permitiam que eles conhecessem as
condições socioeconômicas dos alunos, conforme podemos verificar a seguir:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 122
Começar pela participação das famílias na escola, grande parte dos meus
alunos a maioria dos pais são separados, às vezes a maioria não tem
materiais escolares, eles receberam os kits escolares deve ter uns 2 meses
e hoje já não tem mais materiais e percebemos que não tem quem cuida,
as vezes os alunos vêm para a escola sujos com as roupas rasgadas, não
por causa da condição de ser pobre mais por serem relaxados, mas você
vê que eles não são cuidados. (P03)

Nas vivências em sala de aula, alguns veem sem material básico, lápis,
borracha, caderno, quando questionado falam que o pai não tem
dinheiro, emprego. Outros vem sem almoçar, sem banho, com roupas
sujas, rasgadas, sem calçados adequados. (P04)

Os professores, em unanimidade, relataram esta percepção através


da falta de condições da família para a aquisição de materiais escolares, para dar
suporte à aprendizagem e às atividades didáticas. Esta percepção está fortemente
arraigada nos discursos professorais que “desqualificam” as famílias pobres para o
acompanhamento das atividades escolares, ou correspondentes às necessidades de
higiene que a escola espera dos seus alunos. Ao afirmar “às vezes os alunos vêm para
a escola, sujos, com as roupas rasgadas, não por causa da condição de ser pobre mais
por serem relaxados”; esta professora sinaliza àquilo que Arroyo (2010, p.1389) faz-nos
refletir, ou seja, que a visão das desigualdades e dos coletivos feitos desiguais como
problema, alimenta-se das formas de pensá-los. Ou seja, a forma como enxergamos
os pobres e reproduzimos no cotidiano, reforça o seu estereótipo e o estigma das
populações empobrecidas.

Outra forma de pensar os coletivos feitos desiguais é como marginalizados,


até como marginais ou na margem de lá, onde predomina a miséria não
tanto social mas moral, a falta de valores, de hábitos, onde domina o
tradicionalismo e até a cultura da pobreza e da miséria (ARROYO, 2010,
1389).

Ao serem indagados se eles acreditavam que o “perfil socioeconômico


das famílias que possuem alunos matriculados nesta escola pode interferir na
aprendizagem”, percebemos uma preocupação por parte dos professores, que citam
“a falta de alimento na casa dos alunos”, ou seja, a falta material dos estudantes como
algo que interfere na aprendizagem:

Com certeza sentimos isso na pele no dia o perfil da família é muito


importante na maioria das crianças apresentam alguma dificuldade, que
tem a dificuldade de aprender realmente, se você vai fazer uma pesquisa o
problema é na família, é uma família que não tem uma estrutura, não falo
estrutura não só financeira, não é porque você tem uma situação mínima
que você não vai dar uma educação para seu filho e aqui nos vemos muito
isso ambas às coisas, tanto aqueles pais que não tem compromisso com a
família em si e nem com o cotidiano da criança e somando com a pobreza
(P02).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 123
Com certeza acredito que sim pensa em uma criança que às vezes vem
pra escola que não teve o que comer, um almoço em sua casa como que
essa criança vai render se não tem uma família estruturada como vai
render. Eu acredito na participação da família, para o aluno ter um bom
desempenho, quando os pais dos meus alunos são participativos os filhos
vão muito melhor à escola. Acredito que influenciam muito para o perfil
deles (P03).

Através das respostas percebe-se a responsabilização exclusivamente


da família, pela “desestrutura” que gera “baixo ou pouco” rendimento dos alunos,
vinculados à falta de acompanhamento dos filhos em todas as esferas, além da escolar.

Sobre o planejamento anual e diário, percebemos que os professores


demonstram preocupação com o desenvolvimento dos alunos e com as suas
dificuldades cotidianas, e pensam em diferentes formas de planejamento às aulas,
com seus recursos próprios e recicláveis, além das discussões sobre o cenário político
e econômico do país, conforme podemos ver a seguir:

Sim procuro em disciplinas que favoreçam a conversa sobre o que passa


economicamente no país, em Geografia, História e Ciências, a falta de
uma moradia adequada, falta de empregos, crescimento populacional,
saúde precária e outros. (P04)

Sim considero, porque quando você monta um planejamento, porque


todo professor sonha em principalmente quem já trabalhou em escola
particular, eu nunca trabalhei, mas tenho uma irmã que trabalha e lá na
escola particular tem variedades de materiais. Então quando ao professor
de escola pública quando ele faz o seu planejamento, o professor já tem
que saber que não tem como pedir muitas coisas, não tem como sonhar
com tantas atividades que você tenha materiais porque o você tira do
bolso ou não será possível realizar a atividade. (P02)

Considero, considero sim porque, eu se sei que meus alunos são carentes
e eu não vou, por exemplo, fazer uma lista pra pedir para os pais já que o
material porque vai demorar a eles ganharem, e eu não vou pedir uma lista
de materiais gigantes se eu sei que eles não vão ter de onde tirar, se não
ter condições de comprar, muitas atividades que eu faço vou adequado
as atividades. Exemplo: precisa de uma cartolina tem criança que não
te 1 real para comprar uma cartolina, então vamos nos adequando a
trabalhando com o que tem na escola ou eu mesmo compro com meu
dinheiro, mais não tem como exigir dos alunos sabendo que eles não têm
da onde tirar. (P03)

Nos seus planejamentos, suas falas indicam que procuram organizar as


atividades voltadas à maneira que seus alunos vivem, “falta de uma moradia adequada,
falta de empregos, crescimento populacional, saúde precária e outros.”

No entanto, a condição socioeconômica dos alunos aparece como um


limitador das práticas pedagógicas e não há uma responsabilização dos professores
aos sistemas de ensino, ao Estado e às instituições escolares devido à falta de condições

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 124
materiais de trabalho nas escolas. Ou seja, mais uma vez, responsabiliza-se o pobre
pela sua condição de pobreza, exclusivamente. No entanto, concordamos com Yazbek
(2009) que a pobreza é uma expressão direta das relações sociais, que “certamente não
se reduz às privações materiais” (YAZBEK, 2009, p. 7374). Trata-se de uma categoria
multidimensional, e, portanto, não se caracteriza apenas pelo não acesso aos bens,
mas é categoria política que se traduz pela carência de direitos, de oportunidades, de
informações, de possibilidades e de esperanças (MARTINS, 1991, p. 15).

Sobre as maneiras como os professores costumam conhecer seus alunos


mais intimamente, indicaram através de “questionários”, “rodas de conversas”, “fichas
informativas, como podemos ver:

Sim eu tento fazer na medida do possível as atividades que eu faço tem que
estar de acordo com a realidade deles. Por exemplo, uma lembrancinha
para o dia das mães tem que ser algo acessível a eles não posso pedir nada
que até mesmo vai constranger alguns deles, não são todos tem alguns se
você for pedir tem condições de trazer, mais 90% não tem, então temos que
trabalhar com a maioria. Sempre quando trabalho não só essa data, mas
como outras datas e outras atividades eu peço o que está ao alcance deles
procuro trabalhar mais com sucatas e materiais reciclável. (P02)

Quando vou organizar uma atividade a primeira coisa que penso é


que eles não têm. Eles gostam de trabalhar e trabalhamos muito com
materiais recicláveis, a nossa oficina pedagógica que está sendo criada de
materiais recicláveis, caixa de papelão, caixa de sapato, papel reciclável
estamos aprendendo sobre materiais recicláveis. Para que eles possam
perceber que do lixo pode sair muitas coisas. (P03)

Gosto de trabalhar no início do ano a atividade “Eu e quem mora comigo”.


Faço questionários para levarem para casa e com a ajuda de todos da
casa respondem para ajudar o trabalhinho do aluno. Questões como:
Número de pessoas que moram com o aluno, quem trabalha tipo de
moradia, participa de programas sociais, escolaridades das pessoas da
casa. E assim conhecer a situação do aluno. (P04)

A percepção do contexto empobrecido, na qual a escola está inserida,


orienta as práticas dos professores, na tentativa de adequarem as atividades a partir
da contextualização das vidas dos alunos. Merece destaque o fato de estas práticas
focarem também às possibilidades de planejamento pedagógico do “o que fazer” e
“como fazer”, com materiais que os alunos possam adquirir. Essa visão, muitas vezes
reducionista, sobre o fazer pedagógico em contextos empobrecidos, leva-nos às
reflexões das limitações impostas pela pobreza.

Assim, ao refletir sobre a escola que “sobrou” para os pobres, Libâneo


(2012) indica que ela é:

caracterizada por suas missões assistencial e acolhedora (incluídas na


expressão educação inclusiva), transforma-se em uma caricatura de

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 125
inclusão social. As políticas de universalização do acesso acabam em
prejuízo da qualidade do ensino, pois, enquanto se apregoam índices de
acesso à escola, agravam-se as desigualdades sociais do acesso ao saber,
inclusive dentro da escola, devido ao impacto dos fatores intraescolares
na aprendizagem (LIBÂNEO, 2012, p.23).

Em dimensão ao que acontece em sala de aula e na prática pedagógica


do professor é necessário reiterar-se, inicialmente, que determinados contextos
escolares tornam mais prováveis as práticas pedagógicas capazes de levar os
alunos a aprenderem além do que sabem, principalmente os alunos mais vulneráveis
socialmente. No entanto, é importante ressaltar-se que a sala de aula e, também, os
fatores que a influenciam mais diretamente, têm uma relativa autonomia em relação
ao contexto escolar.

Ao serem indagados sobre suas concepções relacionadas à pobreza, eles


citaram a “falta de dinheiro”, “cultura”, “saúde”, “os bens materiais”, “alimentação
adequada”, “moradia”, “uma roupa limpa”, “uma cama para descansar”. Como podemos
ver a seguir:
Vejo-os contando três extremos, tem a extrema pobreza que é a que você
não tem nem o que comer, não tem o que vestir, não tem nada e ter que
ficar pedindo pra outras pessoas, como tem crianças que os pai e mamãe
saem na rua pra pedir comida, não é porque tem problemas com drogas,
é porque não tem nada mesmo. Tem um monte de filhos e aquele outro
que é mais pobre, mas o pai tem um pequeno trabalho e a mãe também
tem um trabalho que tem como ter sua comida e acaba ganhando as
coisas também, mas não precisa sair de casa pra pedir nada e nem os
pais estão pedindo nada. Eles ainda conseguem viver e comer, e ainda
vivem de Bolsa Família, isso que vejo com relação à comida eles reclamam
de fome, “professor estou com fome” por que sabem que terá o lanche.
Na minha realidade nunca vivi esse dilema de ter fome e não ter o que
comer, sempre comi quando tinha vontade, de não saber o que vou comer
quando chegar, eu se que vou ter café da manhã, almoço, mais eles não,
não sabem o que vai ter pra comer ou se vai ter, qualquer coisa que der
pra comer eles aceitam, é triste essa realidade eu nunca passei. Aí uma
coisa ajunta com a outra um problema familiar que eles estão passando
porque quando uma família está desestruturada tudo acontece. (P01)

Pra mim a pobreza, na real pobreza assim pra mim... É acho que é o
abandono da família eu sou de uma família muito pobre, mas na minha
mesa e na minha família, a gente não tinha os melhores alimentos, os
melhores uniformes, a melhor mochila, o melhor lanche pra levar na escola
pobre. Mas minha mãe passou pra gente a dignidade que tínhamos que
estudar sempre pra poder alcançar nossos objetivos então eu acho que a
pobreza pra mim seria o abandono, e eu estou nessa jornada há 21 anos
e de lá pra cá, eu vi que a educação piorou muito e um dos fatores é a
família o abandono da família, não sei se é porque as mães hoje em dia
trabalham mais do que antigamente, elas saem isso eu vejo todos os dias,
de relatos dos meus alunos elas saem pra trabalhar, pergunto por que
não fez a tarefa, o trabalho, porque às vezes a criança vem até com seu
uniforme sujo. É criado às vezes só pela mãe, não tem pai, então eu acho
que essa é a pior pobreza, a ausência de alguém que esteja no cotidiano
cuidando e pra poder orientar eles, eles fazem por si próprios. (P02)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 126
Pobreza pra mim vai muito além da pobreza da falta de dinheiro, os
meus alunos tem a pobreza no acesso, acesso de cultura, saúde, os bens
materiais, que infelizmente o dinheiro que traz, mais muito mais mesmo
os acesso cultural e a pobreza em si. E porque muito dos pais dos meus
alunos não conseguem acompanhar eles, porque os pais não tiveram
acesso à educação, então o pai não sabe ler como vai ajudar seus filhos
na atividade, acho que mais essa falta da pobreza cultural que prejudica
muito e que não é culpa dos pais também. Porque muitos pais não tiveram
oportunize de estudar e começaram a trabalhar muito cedo. E tem muitos
filhos o que dificulta muito. (P03)

Pobreza é quando a pessoa não adquiriu as mínimas condições de poder


viver com dignidade, não ter condições de uma alimentação adequada,
moradia, uma roupa limpa, uma cama para descansar, é isso. (P04)

Os sujeitos P01 e P02, reforçam uma concepção alicerçada na


responsabilização das famílias pela própria condição de pobreza à qual se encontram.
Ao sinalizarem para a “ausência” das famílias na promoção de condições dignas de viver
aos seus filhos, de alimentação, da “sujeira” dos uniformes ou da sua desestruturação
familiar, demonstram incorporar um discurso da irresponsabilidade das famílias pobres
em relação aos filhos, historicamente construída e que sobrevive até os dias atuais.

Os outros dois sujeitos abordam a pobreza de forma mais estrutural,


considerando outros condicionantes, sendo o P03 reforça outra forma de pobreza, a
cultural, além da pobreza material.

Algumas reflexões
As reflexões expostas permitiram-nos constatar que os professores
possuem concepções diversas em relação ao contexto empobrecido em que trabalham
e que, de formas mais explícitas ou implícitas, são manifestadas diariamente em suas
práticas pedagógicas.

Deste o momento da abordagem aos alunos sobre as suas histórias,


perpassando pelo planejamento do ano letivo, como também na proposição das
atividades, o reconhecimento de que os estudantes são majoritariamente pobres,
indicam que a relação entre pobreza e educação precisa ser amplamente discutida nas
escolas e cursos de formação inicial e continuada, com a finalidade de proporcionarmos
uma educação de qualidade, livre de estigmas e preconceitos em relação às escolas
de contextos empobrecidos.

Referências
ARROYO, Miguel G. Corpos precarizados que interrogam nossa ética profissional. In: ARROYO, Miguel G.;
SILVA, Maurício R. da (Org.). Corpo-infância: exercícios tensos de ser criança; por outras pedagogias dos
corpos. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 23-54.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 127
CANDAU, Vera Maria Ferrão. In: Educação e metodologia para direitos humanos. São Paulo/ 2008.
P.285-298.

DUBET, F. O que é uma escola justa? In: Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 539-555, set./dez. 2004.

DURU-BELLAT, M.; MINGAT, A. La constitution de classes de niveau par les collèges: les effets pervers
d’une pratique à visée égalisatrice. Revue Française de Sociologie, XXXVIII, 4, p. 759-790, 1997.

LIBANEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para
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MARTINS, José de Souza. O massacre dos inocentes: a criança sem infância no Brasil. São Paulo:
Hucitec, 1991

SAMMONS, P. As características-chave das escolas eficazes. In: BROOKE, N.; SOARES, J. F. (Orgs.).
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YAZBEK, M. C. Classes subalternas e assistência social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 128
ESCOLA, TERRITÓRIO E MECANISMOS DE
SEGREGAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS (INTER)
RELAÇÕES ENTRE DIMENSÕES EDUCACIONAIS E
TERRITORIAIS
André Luiz Regis de Oliveira58

Introdução e discussão teórica


Frente à grande expansão dos estabelecimentos de ensino e das políticas
que favorecem o acesso escolar, faz-se necessária uma análise em que se refere às
relações entre as condições socioeconômicas dos alunos e as características individuais,
que combinadas entre si, dão-nos evidências para uma melhor compreensão desse
mecanismo. Nos sistemas educacionais que se encontram em expansão, como é o caso
do Brasil, as desigualdades sociais e educacionais continuam presentes, muitas vezes
associadas a um modelo de segregação residencial que acaba por gerar o processo
de segregação escolar.

Ribeiro e Koslinski (2008) fazem um breve histórico do cenário mundial,


destacando que na configuração mundial do pós-segunda guerra, a sociologia
da educação dá ênfase em um processo de investigação das questões tangentes
às desigualdades educacionais e à democratização do ensino. Como processo de
investigação das questões relacionadas à Sociologia da Educação foram realizadas
três grandes pesquisas com o objetivo de obter-se um melhor entendimento das
relações que se estabelecem entre escola e a sociedade.

A primeira geração de estudos, de base na mobilidade social, obteve


conclusões pessimistas quanto à capacidade da escola de reverter às desigualdades
socioeconômicas dos alunos, oriundas de suas famílias. Contrapondo-se a esta, uma
segunda geração buscou o efeito das oportunidades escolares, através do desempenho
escolar, para demonstrar que a “escola faz diferença”, podendo alcançar maior
eficácia e equidade de resultados. Conjugando-se a sociologia urbana e a sociologia
da educação, surge uma terceira geração para ampliar além da família e da escola,
a organização social do território e seus possíveis efeitos sobre as oportunidades
educacionais (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2008).

Pode-se pensar e, de certa maneira, simplificar as explicações sobre as


desigualdades educacionais no contexto urbano a partir dos seguintes mecanismos

58 Professor do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp/UFRJ). Doutor em educação pelo Programa de Pós- Graduação em
Educação da UFRJ (PPGE/ UFRJ). E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 129
presentes em Koslinski, Alves e Lange (2013):

Figura 01: Mecanismos que influenciam as desigualdades educacionais em contextos


urbanos

Socialização das
crianças e adolescentes

Segmentação e Qualidade da escola:


segregação residencial infraestrutura, recursos
humanos, clima escolar

Segmentação/
segregação das escolas

Acesso e composição
do alunado

Fonte: Koslinski, Alves e Lange (2013)

Nas grandes cidades brasileiras observa-se a emergência de um modelo de


organização espacial no qual a diferenciação das classes sociais é transformada em
separações físicas e simbólicas. Bruel e Bartholo (2012) problematizam a importância
destes processos socioespaciais para a compreensão dos mecanismos de produção/
reprodução das desigualdades sociais; esta segregação gera diferenças de atributos,
de recursos, de poder e de status que se constituem nas bases materiais da formação
de categorias sociais, que tendem a buscar localizações específicas na cidade, criando
a divisão social do território.

A sociologia urbana, analisando com atenção os processos de segregação


residencial de grupos sociais, referencia “os efeitos dos contextos sociais de vizinhança
sobre os processos de assimilação dos indivíduos na ordem social competitiva”.
Estes estudos procuraram estabelecer relações de “causalidade entre o indivíduo
(motivações, escolhas, comportamento e situação social) e os contextos sociais onde
reside” (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2008).

Os bairros pobres reduzem as potenciais virtudes da socialização da


vizinhança, enfraquecendo o paradigma que afirma que a educação é a principal
mudança para a movimentação social e realização pessoal. À medida que família
e bairro deixaram de cumprir sua função complementar, as escolas encontraram
barreiras para desenvolver seu papel de integração, ou seja, sua capacidade única
para dissociar conquistas educacionais de origens sociais. Em estudo realizado por
Koslinski et al. (2015), confirma-se a associação entre características de moradia dos

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 130
alunos (como abastecimento e água e esgotamento sanitário) e a defasagem idade-
série.

A diferença existente no desempenho escolar dos alunos, mais do que uma


decorrência de dons e aptidões dos indivíduos, seria o resultado de condições sociais
e culturais que o aluno traz consigo ao entrar no ambiente escolar. Dessa maneira, o
presente trabalho visa a analisar as relações entre determinados fatores educacionais
e alguns indicadores de território, buscando ver como ambientes marcados por
segregação residencial podem provocar a existência de certos elementos nos bairros
e nas redes sociais que influenciam (negativamente ou positivamente) os indivíduos
que ali habitam.

Nos diferentes níveis da estrutura social, diversas oportunidades


educacionais são oferecidas, mas os indivíduos possuem diferentes potencialidades
para aproveitá-las em decorrência de seus recursos individuais, os quais são
apresentados por Bourdieu como os diferentes tipos de capitais: (i) o capital econômico,
constituído pelos recursos físicos e financeiros que a família pode utilizar para auxiliar
na formação e possibilitar um maior empenho e consequente permanência escolar;
(ii) o capital cultural, que é observado através do nível educacional dos membros da
família e na transmissão de conhecimentos, gostos, atitudes e comportamentos que
são reconhecidos pelo sistema escolar, portanto, quanto maior o nível educacional
dos pais, maior formação cultural eles podem dar aos filhos, de maneira que o capital
cultural pode ser incorporado, objetivado ou institucionalizado; (iii) o capital social,
pautado nas relações dos indivíduos entre si e com a estrutura social como um todo,
favorecendo a ação dos indivíduos sobre essa estrutura e evidenciando a rede de
relações que se constituem como uma estratégia consciente ou inconsciente de
relações sociais das quais se pode tirar proveito (VALLE; SILVA, 2003).

Faz-se necessário, assim, compreender-se a questão da organização


geográfica e social do território e as consequências desses fatores nas distribuições
de oportunidades educacionais (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2008), as escolhas familiares
em busca de um “efeito de composição” e acentuação das desigualdades (COSTA;
PRADO; ROSISTOLATO, 2012; VAN ZANTEN, 2010), mas também as escolhas e as
barreiras que as escolas acabam gerando para o ingresso dos alunos, tornando-se
altamente seletivas e, consequentemente, espaços de segregação, sobretudo em uma
cidade como o Rio de Janeiro, marcada por proximidades físicas e distância social
entre segmentos (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2008; BRUEL; BARTHOLO, 2012; COSTA;
PRADO; ROSISTOLATO, 2012).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 131
Abordagem metodológica
As análises operacionalizadas no presente trabalho são decorrentes das
informações de diferentes bases de dados, e desenvolvidas a partir de ferramentas
de análises socioespaciais. A partir das respostas aos questionários contextuais da
Prova Brasil 2013 para alunos, professores e diretores, bem como os resultados nesta
avaliação educacional, desenvolveu-se um conjunto de indicadores que englobam
dimensões da educação, agrupados por área de ponderação59. São eles: contexto
social dos alunos; expectativa docente; recursos humanos e pedagógicos e resultados
escolares. Em relação ao território, os indicadores utilizados, também tendo como
unidades de análise as áreas de ponderação, são provenientes do Censo Demográfico
2010 e IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional); são eles:
índice de bem-estar urbano; fragilidade de laços com mercado de trabalho; tipologia
socioespacial e renda. Para efeitos de análise, foram consideradas apenas as escolas
municipais que oferecem o 5º ano.

No que se referem ao território, os indicadores utilizados  também tendo


como unidades de análise as áreas de ponderação  são provenientes do Censo
Demográfico 2010 e IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional).
São eles: índice de bem-estar urbano; fragilidade de laços com mercado de trabalho;
tipologia socioespacial e renda.

O quadro 01, a seguir, apresenta cada um dos indicadores utilizados e suas


descrições respectivas:

59 Define-se área de ponderação como sendo uma unidade geográfica, formada por um agrupamento mutuamente exclusivo
de setores censitários contíguos, para a aplicação dos procedimentos de calibração dos pesos de forma a produzir
estimativas compatíveis com algumas das informações conhecidas para a população como um todo. O tamanho dessas
áreas, em termos de número de domicílios e de população, não pode ser muito reduzido, sob pena de perda de precisão de
suas estimativas. (Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra_
areas_ponderacao/default.shtm)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 132
Quadro 01: Descrição dos indicadores utilizados

Indicador Descrição

Desempenho médio Média por área de ponderação do desempenho em


em Matemática Matemática dos alunos.
Desempenho médio Média por área de ponderação do desempenho em Língua
em Língua Portuguesa Portuguesa dos alunos.
Percentual de alunos Porcentagem de alunos por escola que obtiveram
no nível abaixo do desempenho igual ou inferior a 175 pontos na escala de
básico em Matemática proficiência de Matemática para o 5º ano
Percentual de alunos
Porcentagem de alunos por escola que obtiveram
no nível abaixo do
desempenho igual ou inferior a 150 pontos na escala de
básico em Língua
Educação

proficiência de Língua Portuguesa para o 5º ano


Portuguesa
Porcentagem de alunos cujos pais apresentam escolaridade
Escolaridade dos pais igual ou superior ao Ensino Médio completo. Utilizou-se a
máxima educação da mãe e do pai.
Expectativa docente Porcentagem de professores que afirmam que mais da
(universidade) metade de seus alunos ingressarão na universidade.
Índice de clima escolar calculado a partir da resposta
Índice de clima
de diretores sobre problemas que dificultam o
escolar
funcionamento da escola.
Índice de carência Índice de carência calculado a partir da resposta de
de recursos diretores sobre a carência de recursos pedagógicos na
pedagógicos escola.
Avalia a dimensão urbana do bem-estar, usufruído pelos
Índice de bem-estar cidadãos brasileiros, promovido pelo mercado, via o
urbano (IBEU) consumo mercantil, e pelos serviços sociais prestados pelo
Estado60.
Território

Indicador para análise social do território a fim de identificar


Tipologia socioespacial
padrões organizacionais do território metropolitano.
Fragilidade de laços Indica a porcentagem de chefes de domicílio na área de
com mercado de ponderação que apresentam laços frágeis com o mercado
trabalho de trabalho61.
Logaritmo da renda presente nos dados amostrais do
Renda
Censo Demográfico 2010.
Fonte: Elaboração própria.

60 O IBEU contém cinco dimensões: mobilidade urbana; condições ambientais urbanas; condições habitacionais urbanas;
atendimento de serviços coletivos urbanos; infraestrutura urbana. E cada uma dessas dimensões é constituída por um
conjunto de indicadores, construídos a partir do censo demo gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
de 2010. (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013).
61 O indicador de fragilidade de laços com o mercado de trabalho agregou as seguintes situações: (i) desempregado; (ii)
trabalhador por conta própria de baixa qualificação; (iii) trabalhador de baixa qualificação sem carteira assinada com
renda inferior à dois salários mínimos; (iv) trabalhador doméstico sem carteira assinada; (v) trabalhador doméstico
com carteira assinada e com renda inferior à dois salários mínimos; (vi) empregador de baixa qualificação com carteira
assinada e com renda inferior à dois salários mínimos; (vii) trabalhador na produção para o próprio consumo e, aprendiz
ou estagiário sem remuneração.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 133
A criação dos mapas envolveu ferramentas de geoprocessamento, a partir
do Sistema da Informação Geográfica (SIG), tendo como unidade de análise áreas de
ponderação. O município do Rio de Janeiro possui 200 áreas de ponderação, destas
13 (6,5%) não possuem escolas. A distribuição espacial pode ser observada no Mapa
01, que trata da quantidade de escolas por áreas de ponderação.

Mapa 01: Quantidade de escolas, por área de ponderação.

Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da Prova Brasil 2013 e IBGE.

A partir destas informações educacionais e territoriais, buscou-se, em


um primeiro momento, realizar as análises de como as características distribuem-
se especialmente e, em um segundo momento, uma análise de correlação entre as
variáveis que compõem a dimensão educacional e as que compõem a dimensão
territorial.

Resultados
Através do Mapa 02 é possível visualizar-se que as regiões do município do
Rio de Janeiro que estão nas faixas inferiores do índice de bem-estar urbano estão
mais localizadas na zona oeste da cidade, em que as condições de bem-estar urbano
são muito ruins ou ruins, enquanto as faixas mais elevadas estão concentradas,
em sua maioria, na zona sul da cidade. Em caráter complementar, no Mapa 03
observamos a distribuição da renda no município, que, de certa maneira, acompanha
a distribuição espacial no território de maneira similar ao IBEU, isto é, percebe-se uma
predominância das faixas 01 e 02 (faixas mais baixas de renda) na zona oeste e as
faixas 04 e 05 (correspondes às rendas mais altas) estão localizadas, também, na
zona sul do município.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 134
Mapa 02: Índice de bem-estar urbano

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPPUR/UFRJ.

Mapa 03: Distribuição de renda

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPPUR/UFRJ.

Os Mapas 04 e 05 apresentam a distribuição espacial da tipologia


socioespacial e do índice de fragilidade ocupacional, respectivamente. Percebe-se que
as regiões em que a tipologia socioespacial corresponde ao nível superior, a fragilidade
ocupacional apresenta percentual reduzido e, de maneira análoga, nas regiões em
que a tipologia socioespacial corresponde aos níveis de popular operário e popular é
onde estão concentrados os maiores índices de fragilidade ocupacional.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 135
Mapa 04: Tipologia socioespacial

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPPUR/UFRJ.

Mapa 05: Fragilidade ocupacional

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPPUR/UFRJ.

A tipologia socioespacial62 é um indicador sintético, proxy da estrutura


socioespacial da metrópole, criado a partir de 24 categorias da estratificação sócio-
ocupacional e áreas territoriais, além de outras variáveis auxiliares, também é um
indicador utilizado como instrumento de análise que nos permite identificar o perfil
social das áreas do território metropolitano (RIBEIRO; RIBEIRO, 2011).

62 Para um aprofundamento na temática de tipologia socioespacial sugere-se a leitura do trabalho metodológico


desenvolvido por Ribeiro e Ribeiro (2011), disponível em http://www.observatoriodasmetropoles.net/ download/texto_
metodologico_observatorio.pdf

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 136
A questão ocupacional pode ser vista como um elemento de mobilidade
social. Fundamentando as teorias de estratificação social, Pastore (1979) destaca a
importância de compreendê-las para se chegar a um entendimento sobre os modelos
de mobilidade social. Segundo o autor, para uma análise da diferenciação social devem
ser consideradas a tese conservadora e antítese radical, compreendidas através de
duas abordagens:

• Abordagem funcionalista  é a mais convencional, caracterizada


pela diferenciação social que emerge como algo necessário para o
desenvolvimento da sociedade, já que o grau de qualificação é considerado
com um fator que dá maior ou menor prestígio, pois as gratificações
maiores estariam destinadas àqueles que possuem cargo de maior
importância e maior dificuldade e que, portanto, serve como estímulo em
busca de status ocupacionais numa competição por posições mais altas
e mais gratificadas, assim, “a promoção individual seria a base funcional
da eficiência social” (p.16). A mobilidade está relacionada com o grau de
qualificação e o quão reduzida é a demanda.

• Abordagem de conflito  a diferenciação não se encontra no grau de


qualificação, mas na posição ocupada em relação ao capital, tendo
mais importância o poder que o indivíduo possui e não sua ocupação. A
mobilidade é compreendida como sinônimo de mudança de profissão.

Tangente à educação, os Mapas 06 e 07 mostram as médias de desempenho


em Língua Portuguesa e Matemática por área de ponderação e, embora no Mapa 07
possa-se perceber uma concentração de áreas de ponderação com médias inferiores
localizadas na zona oeste, há também uma distribuição desses níveis inferiores
em outras regiões do município. É importante destacar-se que os resultados em
Matemática são mais determinados pela escola do que na área de Língua Portuguesa,
que é consideravelmente influenciada por fatores não escolares e desenvolve-se em
diferentes ambientes sociais frequentados pelos alunos (FRANCO; BONAMINO, 2002;
FRANCO et al., 2007a).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 137
Mapa 06: Desempenho em Língua Portuguesa

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013 e dados do Censo Demográfico 2010.

Mapa 07: Desempenho em Matemática

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013 e dados do Censo Demográfico 2010.

Os dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação


Básica (SAEB) apontam que, em relação à aprendizagem, o desempenho médio nas
áreas de matemática e leitura  campos do conhecimento considerados essenciais ao
término do primeiro segmento do Ensino Fundamental  das escolas públicas, deixa
muito a desejar (FRANCO et al., 2007b).

Tal constatação levou pesquisadores e gestores políticos a se debruçarem


mais cuidadosamente sobre o tema da qualidade do ensino, no sentido de buscar
estratégias que viabilizassem um melhor rendimento discente. Não sem razão, tem
crescido o número de estudos sobre o impacto dos fatores escolares no desempenho
cognitivo dos estudantes.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 138
Segundo Soares e Andrade (2006), reconhecem-se, na literatura
educacional, que os fatores que determinam o desempenho cognitivo do aluno
pertencem a três grandes categorias: a estrutura escolar, a família e as características
do próprio aluno. Estudos que investiguem tais fatores são importantes para a
compreensão da dinâmica e dos determinantes do processo educacional, e contribuem
para a formulação de políticas educacionais baseadas em evidências.

Os Mapas 08 e 09 apresentam o percentual de alunos que estão abaixo


do básico63 em Língua Portuguesa e Matemática. Pode-se perceber, diante da
comparação entre os mapas 02 e 03, que as áreas que apresentam um menor índice
de bem-estar urbano são aquelas em que há uma maior concentração de alunos no
nível abaixo do básico, seja em Língua Portuguesa ou em Matemática; o mesmo se
repete ao analisarmos a renda. Assim, pode-se levantar a hipótese que a segregação
territorial tende a causar segregação escolar, ou seja, escolas que estão localizadas
em regiões mais vulneráveis são mais propícias a ter em sua composição um perfil de
alunado mais homogêneo, proveniente de seu entorno.

Mapa 08: % de alunos abaixo do básico em Língua Portuguesa

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013.

63 Esta é uma das 4 categorias utilizadas por Soares (2009) ao explicitar o processo de construção do Índice de
desenvolvimento da educação de São Paulo – IDESP. Segundo o autor, abaixo do básico indica que os alunos que estão
neste nível apresentam domínio rudimentar da competência medida.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 139
Mapa 09: % de alunos abaixo do básico em Matemática

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013.

O Mapa 10 mostra a porcentagem de pais cuja escolaridade envolve o Ensino


Médio ou superior, onde podemos perceber que também não há uma homogeneidade
no que se refere à distribuição espacial e, encontramos na zona sul, áreas contendo
poucos pais com baixa escolaridade. Van Zanten (2010) e Bruel e Bartholo (2012) fazem
uma análise destacando que a escolaridade dos pais (operacionalizada enquanto
proxy de nível socioeconômico) pode ser compreendida como um indicador de capital
cultural e, também, que pode ser mobilizada no processo de busca de informações por
estabelecimentos de ensino. O capital social também desempenha um papel bastante
importante na instrumentalização das relações, podendo ser operacionalizado em
termos de ampliação ou compensação dos efeitos do capital cultural ou econômico.

Mapa 10: % de pais cuja escolaridade é Ensino Médio ou superior.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 140
Referindo-se à expectativa docente, pode-se observar o que nos mostra
o Mapa 11, que mostra a porcentagem de professores que afirmam acreditar que
mais da metade de seus alunos ingressarão na universidade; estudos mostram que
professores que possuem altas expectativas em relação aos seus alunos tendem a
propiciar um maior aprendizado (SAMMONS, 2008).

Mapa 11: Expectativa docente.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013.

Sobre os índices de clima escolar e de carência de recursos pedagógicos


apresentados nos Mapas 12 e 13 pode-se entender que  quanto maior o valor,
maior a percepção de carência por parte dos diretores64. Como o índice de carência
foi calculado a partir da resposta dos professores sobre a falta de recursos humanos
e pedagógicos, pode-se pensar que  quanto maior o seu valor, mais deficitária é a
escola em termos de recursos que poderiam favorecer uma educação de qualidade.

64 Os índices de clima escolar e de carência de recursos pedagógicos foram obtidos através de um processo estatístico
chamado análise fatorial, que permite agrupar variáveis fortemente associadas entre si em um único fator ou dimensão,
resumindo e explicando esse conjunto de variáveis. O resultado mostrou-se significativo, com o valor de Alpha de Crombach
= 0,775. (Alpha de Crombach é um indicador que mede a consistência interna dos itens, ou seja, os itens devem medir o
mesmo constructo e assim ser altamente inter-relacionados; nas ciências sociais, tem-se que valores acima de 0,70 são
considerados ótimos).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 141
Mapa 12: Índice de clima escolar.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013 e dados do Censo Demográfico 2010.

Mapa 13: Índice de carência de recursos.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Prova Brasil 2013 e dados do Censo Demográfico 2010.

A Tabela 01 mostra a correlação de Pearson entre as variáveis utilizadas na


análise. A correlação de Pearson mede a relação entre as variáveis, duas a duas,
indicando a força e a direção do relacionamento entre elas e permite-nos verificar que
determinadas variáveis estão correlacionadas às outras. Para o presente trabalho, que
visa estabelecer relações entre variáveis educacionais e de território, esta ferramenta
nos é particularmente útil, a partir da qual podemos observar:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 142
• Correlação moderada, estatisticamente significativa e positiva entre
índice de bem-estar urbano e as médias de Língua Portuguesa e
Matemática;
• Correlação moderada, estatisticamente significativa e negativa entre o
logaritmo da renda e o percentual de alunos abaixo do básico em Língua
Portuguesa e, também, em Matemática;
• Correlação fraca, estatisticamente significativa e negativa entre índice
de fragilidade ocupacional e porcentagem de alunos cuja escolaridade
dos pais é Ensino Médio ou superior;
• Correlação fraca, estatisticamente significativa e negativa entre índice
de fragilidade ocupacional e expectativa docente em relação ao ingresso
na universidade.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 143
Tabela 01: Correlação entre as variáveis.

Índice de carência
Médio ou superior
escolaridade dos
abaixo do básico

abaixo do básico
médio em língua

% de alunos cuja
em matemática
Índice de bem-

Índice de clima
Logaritmo da

socioespacial

Desempenho

Desempenho

pais é Ensino
estar urbano

matemática
ocupacional

% de alunos

% de alunos

Expectativa

de recursos
portuguesa

portuguesa
fragilidade

médio em

em língua

escolares
Tipologia

Índice de

docente

escolar
renda
Correlação de
1
Índice de bem- Pearson
estar urbano Sig. (2-tailed)
N 185
Correlação de
,810** 1
Logarítmo da Pearson
renda Sig. (2-tailed) ,000
N 185 185
Correlação de
,745** ,760** 1
Tipologia Pearson
socioespacial Sig. (2-tailed) ,000 ,000
N 185 185 185
Correlação de
Índice de -,778** -,808** -,726** 1
Pearson
fragilidade
Sig. (2-tailed) ,000 ,000 ,000
ocupacional
N 185 185 185 185
Desempenho Correlação de
,453** ,542** ,454** -,495** 1
médio em Pearson
Língua Sig. (2-tailed) ,000 ,000 ,000 ,000
Portuguesa N 185 185 185 185 185
Correlação de
Desempenho ,393** ,503** ,405** -,446** ,952** 1
Pearson
médio em
Sig. (2-tailed) ,000 ,000 ,000 ,000 ,000
Matemática
N 185 185 185 185 185 185
% de alunos Correlação de
-,372** -,446** -,397** ,416** -,892** -,875** 1
abaixo do Pearson
básico em Sig. (2-tailed) ,000 ,000 ,000 ,000 ,000 ,000
Língua
N 185 185 185 185 185 185 185
Portuguesa
% de alunos Correlação de
-,317** -,415** -,339** ,364** -,867** -,909** ,888** 1
abaixo do Pearson
básico em Sig. (2-tailed) ,000 ,000 ,000 ,000 ,000 ,000 ,000
Matemática N 185 185 185 185 185 185 185 185
% de alunos cuja Correlação de
,252** ,143 ,232** -,308** ,487** ,470** -,427** -,412** 1
escolaridade Pearson
dos pais é Sig. (2-tailed) ,001 ,052 ,001 ,000 ,000 ,000 ,000 ,000
Ensino Médio ou
N 185 185 185 185 185 185 185 185 185
superior
Correlação de
,136 ,153* ,097 -,153* ,207** ,169* -,156* -,182* ,166* 1
Expectativa Pearson
docente Sig. (2-tailed) ,064 ,038 ,187 ,037 ,005 ,022 ,034 ,013 ,024
N 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185
Correlação de
,089 ,040 ,082 -,011 -,230 **
-,220 **
,289 **
,278** -,154 *
,111 1
Índice de clima Pearson
escolar Sig. (2-tailed) ,226 ,590 ,270 ,887 ,002 ,003 ,000 ,000 ,036 ,132
N 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185
Índice de Correlação de
-,005 -,002 -,006 ,007 -,028 -,008 -,007 -,081 -,067 -,066 ,037 1
carência de Pearson
recursos Sig. (2-tailed) ,941 ,982 ,935 ,922 ,704 ,910 ,922 ,276 ,368 ,373 ,618
escolares N 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185 185
**. Correlação significativa ao nível de 0,01 (2-tailed). / *. Correlação significativa ao nível de 0,05 (2-tailed).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 144
Um espaço aberto às discussões
O presente trabalho realizou uma análise das possíveis relações entre
variáveis educacionais e territoriais, buscando articular o motivo como estão
distribuídas no município do Rio de Janeiro, a partir dos dados da Prova Brasil 2013 e
Censo Demográfico 2010.

Nas grandes cidades brasileiras observa-se a emergência de um modelo de


organização espacial, no qual a diferenciação das classes sociais é transformada em
separações físicas e simbólicas. No município do Rio de Janeiro este processo tem um
caráter ainda mais singular, com um modelo de proximidade física e distância social.
Estes processos socioespaciais são importantes para a compreensão dos mecanismos
geradores de desigualdades sociais. Os resultados indicam que a organização do
território tende a influenciar também no processo educacional e a percepção de
professores e diretores sobre os alunos e sua longevidade escolar, de maneira que
áreas mais frágeis são aquelas em que os indicadores educacionais se apresentam
mais alarmantes.

Os dados reportados indicaram que, de forma geral, está presente no


município do Rio de Janeiro um modelo de segregação territorial que se transforma e
consolida-se em segregação escolar e que deve ser estudada mais densamente em
sua complexidade.

Perpassando as questões entre escola e território há, ainda, outra dimensão


que se revela importante e exerce influência: o modelo de segregação nele presente,
já que o território passou a ser estudado como um condicionante das oportunidades
educacionais. É um campo, além disso, aberto às novas investigações, propício às
discussões e incentivos em prol do desvendamento e estabelecimento das diferentes
relações objetivas (e também subjetivas) que nascem da relação entre escola e
território.

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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 145
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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 146
ENFRENTAMENTO À POBREZA: O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA E SEUS EFEITOS NO DESEMPENHO
ESCOLAR DE ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA NO
MUNICIPIO DE FÁTIMA−TO
Rosiene Pereira da Costa Barros65
Conceição Aparecida Siqueira da Cunha66
Marlene Barros Sandes67

Introdução
Esta proposta de discussão abarca os conceitos de pobreza, desigualdade
social e educação, suscitando um debruçamento sobre o tema por se tratar de questões
de grande relevância no que diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos
da sociedade brasileira. Nesse sentido, deu-se enfoque ao Programa Bolsa Família,
política social pública, em cumprimento às ações prescritas na Constituição Federal de
1988 e sua efetividade para abrandar o sofrimento de milhares de famílias brasileiras
extremamente carentes.

A pobreza, neste contexto, emerge e, é cercada por problemas sociais que


não impactam apenas o desenvolvimento escolar de garotos e garotas que as vive,
também porque em contextos empobrecidos há violência de natureza diversa que
atinge tanto os sujeitos por ela afetados quanto toda a sociedade, independentemente
da classe social. A pobreza evidencia o aumento da desigualdade social, considerada
injusta, egoísta e desumana.

A educação coloca-se como uma condição de reversão desse quadro, no


entanto, é uma ação que demanda tempo, sendo assim, seu resultado é demorado.
Ademais, a escola, espaço onde ocorre a educação formal, convive com problemas
internos e externos que, muitas vezes, inviabiliza o ensino e a aprendizagem escolar.

65 Doutoranda em Letras, Graduada em Normal Superior e Licenciatura Plena em Letras, dupla habilitação em Língua
Português e Espanhola e suas respectivas literaturas pela Universidade do Tocantins (UNITINS), pós-graduação lato
sensu em Pedagogia Escolar: administração, supervisão e orientação escolar e em Língua Portuguesa e Literatura. Possui
Mestrado Profissional em Letras pela Universidade Federal do Tocantins, concluído em 2016. Professora efetiva da Rede
Estadual de Ensino do Estado do Tocantins. Atualmente, cursa doutorado em Letras na Universidade Federal do Tocantins
(iniciado no 2º semestre de 2018). Email: [email protected]
66 Pós Graduada em Comunicação, Sociedade e Meio Ambiente - Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora de
Captação de Recursos da APAE de Porto Nacional. E-mail: [email protected]
67 Mestranda em Letras – Ensino de língua e literatura pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Graduada em
Pedagogia/Letras pela Universidade Federal de Goiás. Agente Especialista na Unidade Socioeducativa de Semiliberdade
Feminina da Secretaria de Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 147
Todavia, dadas às situações que permeiam a pobreza e a extrema pobreza, tem-
se observado uma inquietude social, e esse é o primeiro sinal para que as devidas
transformações aconteçam.

É nessa perspectiva que esta pesquisa tem como objetivo conhecer os


efeitos do Programa Bolsa Família na interface da educação. Para tanto, avaliamos
o desempenho escolar de estudantes beneficiários deste programa entre as
turmas/2109 dos 6ºs anos do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada
no município de Fátima, Estado do Tocantins. As indagações que buscamos responder
são: os estudantes do PBF apresentam desempenho satisfatório na escola? Quais
os efeitos do PBF, enquanto política social pública, na educação dos estudantes
beneficiários (as)? Os objetivos específicos se concentram em identificar e analisar os
resultados efetivos do PBF frente ao desenvolvimento estudantil desses(as) alunos(as).

O artigo constitui-se por introdução e desenvolvimento, nos quais


enfatizamos a fundamentação teórica para sustentar-se os pontos de vista, até
aqui implementados, assim como o percurso metodológico, os dados obtidos, as
considerações finais e as referências.

Desenvolvimento e percurso metodológico


Em primeiro lugar, faz-se o levantamento dos saberes concernentes à
problemática da pobreza, educação e desigualdade, considerando-se os aspectos
negativos e positivos que o tema acarreta aos coletivos empobrecidos. Na sequência,
traça-se o caminho metodológico da pesquisa, na qual se traz uma apresentação
da conclusão alcançada mediante a análise dos procedimentos adotados. Por
último, formalizam-se as considerações sobre a importância que os estudos nos
proporcionaram, com respeito ao reconhecimento da missão que temos a cumprir
nesse contexto, trazendo para o centro do fazer docente estudantes empobrecidos
para, a partir de suas vivências, empreendermos nossa prática, de modo que o ensino
faça sentido e tenha significado para eles (as).

Pobreza e Desigualdade Social: desafios constantes


Vive-se em uma época em que a pobreza ou extrema pobreza deixou de ser
uma condição natural, ela incomoda. Como assinala Cândido (2004, p. 13), “a imagem
da injustiça social constrange”, e assim “a insensibilidade em face da miséria deve
ser pelo menos disfarçada”. A luta pela equidade, portanto, é basilar nesse processo,
sendo necessária a criação de políticas sociais que regulem a situação da pobreza em
curto prazo.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 148
O quadro de vulnerabilidade, na dimensão mais contemporânea, abrange
aspectos físicos, sociais, culturais, psíquicos, comportamentais e econômicos, ou seja,
abarca os processos de onde partem, a quem se dirigem e em que se sustentam
valores, concepções, relações intersubjetivas e recursos materiais que conformam e
reproduzem as situações que expõem os sujeitos a determinados agravos.

A pobreza instalou-se no Brasil desde a sua “descoberta pelos portugueses”,


com a vinda dos escravos. Com a libertação destes povos concedida pela Lei Aurea, em
1889, houve um exacerbamento das condições da pobreza porque o governo da época
não criou políticas sociais para garantir a subsistência dos ex-escravos e a situação
tornou-se mais crítica pela discriminação racial, acrescida da social. A problemática
reverberou alcançando proporções impensáveis e é nesse contexto que a pobreza
esteve e continua presente na vida de grande maioria do povo brasileiro. Mas, afinal, o
que é a pobreza? Quais condições se caracterizam como pobreza?

Em linhas gerais, a pobreza é caracterizada por uma carência, algo que


o ser humano necessita para sua subsistência. Podemos elencar estas necessidades
em duas vertentes: necessidade física (moradia, alimentação, vestuário, mobílias, etc.)
e social (educação, cultura, lazer, saúde, transporte, saneamento, dentre outras.).
Muitas vezes, a situação de privação é tão grave que falta ao sujeito alimento, condição
básica para manter sua sobrevivência e, nesta circunstância, já caracteriza estado de
indigência, já que falta o indispensável.

Sposat (1997, p. 13) declara:

O conceito de pobreza é relativo, refletindo hábitos, valores e costumes


de uma sociedade; entretanto, com a globalização, essa noção passa
a aproximar-se de uma medida comum. Os indicadores utilizados para
estimar o grau de pobreza de uma sociedade partem de medidas
quantitativas comparativas, demarcando os estratos sociais que
enfrentam os mais baixos padrões de vida.

A definição da autora é superficial, acreditamos que seja devido ao fato


de não haver um conceito universal para o termo, afirma-se que a pobreza seja
condicionada pela cultura da sociedade. Neste viés, essa autora adverte que a
globalização trouxe mudanças com indicadores que estimam a categoria da pobreza
com base em medidas de quantidades que se comparam.

No Brasil, por exemplo, existe uma linha que demarca a pobreza no momento
político atual. A linha de pobreza extrema está firmada na renda per capita mensal
de até R$ 85, e a linha de pobreza, na renda per capita mensal entre R$ 85,01 e R$
170,00. Observa-se, contudo, que essa demarcação, em renda per capita, é incoerente
(PINZANI; REGO, 2014, p. 19).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 149
Por exemplo, uma família que conta com um rendimento de R$ 85,01 ou
R$ 180,00 per capita, questionamos se a diferença entre R$ 0,1 ou R$ 10,00 é tão
expressiva a ponto de classificar determinada família como pobre ou extremamente
pobre? Este ponto merece atenção, pois, sem dúvidas, o número de famílias pobres
ou/extremamente pobres parece bem mais elevado que aquele divulgado oficialmente
pelos institutos que veiculam esses dados.

O Plano Plurianual (PPA) é um instrumento que o governo federal brasileiro


utiliza para identificar quem pertence à determinada classe social, com o objetivo de
avaliar os níveis de renda da população, tendo como critério de rendimento familiar,
per capita, até meio salário mínimo para pobreza e de até um quarto de salário mínimo
para extrema pobreza (IPEA, 2010). Porém, conforme ponto de vista de especialistas
da área, é incorreto determinar a pobreza com embasamento apenas no nível de
renda, mesmo reconhecendo que isso seja um fator que pode defini-la, outros aspectos
devem ser levados em conta.

O que ainda se pode dizer é que a pobreza e desigualdade social caminham


juntas. Na modernidade, Boaventura de Souza Santos (1999) afirma que desigualdade
e exclusão possuem significados distintos e, também, que esses conceitos são de
extrema relevância para se pensar o lugar social e os direitos de sujeitos em situação de
vulnerabilidade. O autor completa que o paradigma da modernidade converge e reduz-
se ao desenvolvimento capitalista, levando as sociedades modernas à contradição
entre os princípios da regulação, que passam a gerir os processos de desigualdade
e de exclusão produzidos pelo próprio desenvolvimento capitalista. Neste contexto,
desigualdade e exclusão configuram dois sistemas de pertencimento hierarquizados.

Na desigualdade, Santos (1999) defende que o pertencimento ocorre


mediante à integração subordinada, enquanto no sistema de exclusão, pertencer ao
sistema configura a exclusão propriamente dita. A desigualdade implicaria um sistema
hierárquico de integração social. Quem está por baixo está presente, está dentro e sua
presença é indispensável, a relação é de subordinação. Na exclusão, o sujeito pertence
pela forma que é excluído, quem está por baixo está fora, a relação é de expulsão.

Embora alguns economistas verbalizem que a desigualdade não é um fator


totalmente ruim, sendo necessária porque serve de base para se propor melhorias
por parte dos governos. A desigualdade social e a exclusão social operam na vida
das pessoas trazendo-lhes privações de natureza estrutural, na forma de abandono
social, revelado na omissão de políticas públicas, na homogeneização caracterizada
pela debilidade no enfoque do estrato econômico, de cultura, etnia, gênero, dentre
outros, consequentemente, incidindo na ausência de oportunidades de inclusão social
efetiva.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 150
Educação, pobreza e as políticas sociais: relações complexas
Em princípio, quando se põe em pauta discussões que envolvem educação,
pobreza e políticas sociais, provavelmente, o assunto ficaria incompleto, caso não se
mencionassem os direitos fundamentais que assistem aos seres humanos, assegurados
em documentos oficiais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e
a Constituição Federal de 1988 que, dentre outros direitos, asseguram o direito social
à educação e à vida digna, sendo, portanto, a garantia desses direitos uma obrigação
do estado.

O ponto de partida para compreenderem-se as interligações que existem


entre pobreza, políticas sociais públicas e educação evidencia-se pelo olhar que os (as)
educadores (as) conseguem visualizar a partir da escola e da ação-reflexão-ação.

Nesse pressuposto, comecemos pela educação porque ela representa a


ação central à qual se direcionam as demais, ou seja, toda a concentração de atos
que envolvem a pobreza e o PBF, como política pública, visa transformar ou, ao menos,
amenizar os problemas dos coletivos empobrecidos, concretizando-se, via de regra,
por atividades realizadas pelas instituições de ensino, através da educação.

Educação possui amplos sentidos. Aqui, vamos limitar o sentido do termo à


adequação do que é pertinente neste artigo, isto é, o processo formal da escolarização
de crianças, adolescentes, jovens e adultos ofertado pelas escolas (instituições de
ensino), as quais têm a função de ensinar, instruir, mediante a sistematização dos
conhecimentos gerais da cultura humana, mediados pela prática docente, com o
intuito de possibilitar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um
ser humano.

Segundo Luckesi (200l, p. 30):

A educação é um típico ‘que-fazer’ humano, ou seja, um tipo de atividade


que se caracteriza fundamentalmente por uma preocupação, por uma
finalidade a ser atingida. A educação dentro de uma sociedade não se
manifesta como um fim em si mesma, mas, sim, como um instrumento de
manutenção ou transformação social.

O autor define a educação como um instrumento movido pelas ações


humanas, que apresenta uma finalidade em suas relações e que se caracteriza por
manter ou transformar a realidade social. A educação, nesta perspectiva, representa
uma ação capaz de organizar e modelar a sociedade.

Essa premissa é contrariada por Paulo Freire (2003, p.118) quando assegura
que “[...] não é a educação que forma a sociedade, de certa maneira, mas a sociedade
que, formando-se de certa maneira, constitui a educação de acordo com os valores

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 151
que a norteiam”. É obvio que a educação e a escola têm estado a serviço do capitalismo
e da classe dominante, condição que de certa forma tem sido questionada pelo
governo atual (embora ele próprio tenha negligenciado as demandas educacionais de
populações mais empobrecidas), que vê a classe de professores como doutrinadores.

Fato é que a escola precisa deixar de representar e reproduzir os valores e as


ideologias da elite. Todavia, é com base na visão de educação apresentada por Luckesi
(2001) que encontramos a solução para a superação da pobreza e da desigualdade
social que afetam milhares de crianças e adolescentes brasileiros. Para isso, a escola
necessita efetivar, na prática, a educação libertadora de Paulo Freire (2003), em vez
da educação dominadora, que reflete a perspectiva apenas da classe dominante, cuja
visão se assenta numa prática educativa que se efetiva pela transferência descritiva
da realidade (transferir conhecimento), enquanto aquela se caracteriza por atos de
conhecimentos, isto é, há uma valorização do desenvolvimento crítico do ser humano
e da conscientização.

Frisa-se que os conflitos advindos da pobreza atingem todos os contextos


da sociedade, a começar pela escola, que tem uma função contraditória nesta
situação, porque ao mesmo tempo em que pode oferecer oportunidade de ascensão
social, também contribui com a reprodução da pobreza e, consequentemente, da
desigualdade social. Dessa forma, “escola pública, que deveria ser igual para todos
acaba por reproduzir e reforçar as desigualdades econômicas, sociais e políticas
presentes na sociedade” (ARROYO, 2014, p. 16).

Desse modo, a educação provoca a exclusão das minorias68 já que esse


modelo de “escola pública igual para todos” não reconhece as diversas culturas
existentes, mas apenas uma cultura, homogeneíza-se a heterogeneidade.

Sabemos de todos os problemas que permeiam o processo formal da


educação do nível básico ao superior, no entanto, o que se pode comemorar é a intenção
de interromper-se o ciclo da pobreza via educação, pois já era uma preocupação do
governo federal desde a década de 1990, quando se criou o PBF, implantando-o nas
cidades de Campinas (SP) e Brasília (DF). Desde então, houve significativas ampliações
do Programa nos governos precedentes, estendendo-se a distribuição de renda a
famílias que vivem em situação de pobreza e/ou extrema pobreza por todo o país. O
PBF ampara cerca de 14,3 milhões de famílias pobres, o que abarca uma média de 45
milhões de pessoas (NÓBREGA, 2019).

68 As minorias abrangem grupos de pessoas negras, indígenas, pobres, mulheres, homossexuais, dentre outros, sendo todos
diferentes do padrão de cultura dominante.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 152
A criação do PBF foi motivada pela percepção de que as crianças pobres
e em idade propícia detêm o aprendizado. A neurociência indica que é na infância
que ocorrem as principais sinapses, depois desta fase a aprendizagem dificulta-
se. É exatamente neste período que muitas famílias contam com os filhos para o
complemento da renda familiar, então, muitas crianças começam a trabalhar, saem
às ruas vendendo balas e doces, pedem esmolas, e em contextos de turismo podem
ser presas fáceis de aliciadores para o turismo sexual, pedofilia e tráfico humano. Se
não houver uma intervenção por intermédio da educação, o futuro dessas crianças
será comprometido, perpetuando-se o ciclo vicioso da pobreza, que em si traz outras
mazelas sociais.

Na intenção de cessar esse movimento cíclico da pobreza, implantou-


se o Programa Bolsa Família (PBF) pelo Governo Federal, considerado um dos
programas sociais mais eficazes já criados no Brasil. O PBF ajuda as famílias pobres
com um beneficio pecuniário para substituição da renda do trabalho das crianças,
sob a condição de que a família as mantenha na escola e atente-se ao calendário de
vacinação. Na verdade, a finalidade desse programa é que a aprendizagem na escola
traga conscientização para banir o ciclo da pobreza, garantindo o subsídio às famílias
para que a educação básica seja garantida aos estudantes beneficiados.

Diante do exposto, é possível entendermos como acontece essa relação


entre a escola e essa política social pública de grande sucesso, que é o PBF, mediante
a formação escolar dos coletivos empobrecidos. Neste sentido, adiantamos a
confirmação de efetividade do programa diante do desempenho dos estudantes,
condição verificada na análise documental da escola pesquisada neste levantamento.

A presença dos alunos nas aulas, condicionada pelo PBFa, é o fator mais
importante para o êxito do desempenho verificado. O valor do beneficio varia conforme
as distinções especificadas na constituição dos membros familiares, sendo R$ 89,00
por pessoa, da família que vive na linha da extrema pobreza; presença de cada criança/
adolescente na família com até 15 anos de idade – R$ 41,00 (pode-se cadastrar até
05 crianças); presença de jovens na família – R$ 48,00 (permitido o cadastro máximo
de 02 jovens); famílias que contam como membros jovens de até 17 anos de idade –
R$ 96,00; gestante com estado de gravidez identificado até o nono mês – R$ 41,00;
mulheres que amamentam (nutrizes) com criança identificada no CadÚnico até o sexto
mês de vida – R$ 41,00 (site do PBF).

Os valores financeiros que as famílias assistidas pelo PBF recebem não são
expressivos, mas é bastante importante àquelas famílias que convivem em contextos
empobrecidos, porque lhes permite melhorar seu poder aquisitivo, influenciando
diretamente na melhoria da qualidade de vida. O mais importante, certamente, é a

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 153
quebra do ciclo vicioso da pobreza através do viés educacional, pois, assim, podemos
visualizar um futuro sem a pobreza ou/extrema pobreza e os problemas sociais que
ela gera.

Ressalta-se que o PBF é visto como um programa assistencialista, portanto,


condenado por muitas pessoas, nem tanto pelo valor irrelevante distribuído às famílias
assistidas, mas por acreditar-se que o auxílio acomode as famílias beneficiadas,
condicionando-as a permanecerem na apatia, sem procurarem outros meios para
vencerem sua condição de pobreza.

Enfim, a relação entre educação, escola, políticas educacionais e todas as


questões voltadas à prática docente necessitam ser fortalecidas, de modo que a escola e
os profissionais sintam-se preparados para acolher os coletivos empobrecidos em sala
de aula, valorizando seus saberes e partindo deles para ousar novos conhecimentos.
A escola e seus ensinamentos devem fazer sentido para esses sujeitos. Ensaiar novas
práticas de ensino para possibilitar o aprendizado de crianças e adolescentes inclusos
no PBF é boa alternativa, se isso não ocorre, a escola continua a serviço do capitalismo,
que não tem interesse no desenvolvimento das classes populares.

Percurso metodológico e dados obtidos


Para encontrar respostas às indagações levantadas no estudo, percorremos
um caminho metodológico à luz da abordagem qualiquantitativa, sobre as quais
afirmou Scaramucci (1995, p. 516): “a análise estatística não elimina a necessidade
de um entendimento qualitativo, uma vez que a escolha de um modelo estatístico e a
interpretação dos resultados envolve conhecimento qualitativo”.

Utilizamos a análise documental, da qual extraímos o corpus, para


elucidarmos se o PBF contribui para o desenvolvimento escolar dos discentes pobres,
enfatizando umas das finalidades desta política social, que objetiva, dentre outros,
garantir a permanência escolar de coletivos empobrecidos. Esta análise documental
compõe-se de levantamento do desempenho escolar de discentes dos 6ºs anos,
referente ao I e II bimestre de 2019, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática,
apontadas como críticas pelas avaliações externas, a saber, Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) e Prova Brasil.

O diário de classe foi o instrumento de coleta de dados essencial para


evidenciar os resultados do PBF em conexão com a escola, tendo a assiduidade dos
estudantes beneficiados pelo Programa como uma das prerrogativas, uma vez que é
uma condicionalidade de participação das famílias, impostas pelo PBF. Manini (2002)
afirma que o documento é a concretização de toda informação registrada (e útil, para

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 154
ser guardada)  independente de qual seja o suporte desta informação  passível de
transmitir conhecimento; é o testemunho da realização da atividade humana.

Diante disso, e com a finalidade de respondermos às perguntas do estudo


quanto aos efeitos do PBF sobre o desempenho escolar de estudantes advindos de
famílias favorecidas por este programa, fizemos o levantamento em uma escola da
rede estadual de ensino no município de Fátima, no Estado do Tocantins. Os dados
obtidos não apenas trazem elementos para enriquecimento da discussão sobre a
pobreza, mas servem de instrumento para avaliar se o Programa, como política social
pública, propicia reais benefícios à aprendizagem na educação básica.

Tabela 1 – Quantitativo de matrícula nos 6ºs anos /2019.


ALUNOS (AS) DO
TURMAS Nº DE ALUNOS (AS) PBF DISTORÇÃO IDADE/SÉRIE
I BIM. II BIM.
6º ano 01 29 08 08 01
6º ano 02 22 09 10 04
6º ano 03 14 07 08 _
TOTAL 65 24 26 05
Fonte: Diário de classe de LP e Matemática e Lista do Sistema Presença do MEC, 2019.

A tabela 1 demonstra que entre o total geral de 65 alunos (as) matriculados


(as) nos 6ºs anos em 2019, 26 são beneficiários do PBF, representando um índice de
40%. Um fator negativo na análise desses dados são os discentes com distorção idade/
série, que perfaz um total de 19%, todos os alunos pertencem ao PBF. Este percentual
é muito alto, o ideal seria zero distorção.

A evidência de reprovação desses estudantes, com faixa etária entre 14 e 17


anos e ainda cursando o 6º ano comprova a autenticidade das descobertas científicas
quando afirmam que o meio de vivências desses (as) alunos (as) não favorece o
desenvolvimento escolar, acrescenta-se a isso a inadequação às regras e normas da
escola.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 155
Tabela 2 – Desempenho discente − 6ºs anos nas disciplinas críticas – I semestre/2019.
I BIMESTRE/2019 II BIMESTRE/2019
TURMAS 6º ANO 01 6º ANO 02 6º ANO 03 6º ANO 01 6º ANO 02 6º ANO 03
Alunos (as)  LP  M  LP  M  LP  M  LP  M  LP M  LP M
do PBF com
desempenho
abaixo da  00  01  06 04  01 01 00 00 01  02 00 00
média
Alunos (as) LP  M  LP  M  LP  M  LP M  LP M  LP M
do PBF com
desempenho
regular –  03  04  03 04  02 01  07 04 08  05 06 02
média: 7,0
Alunos (as)  LP  M  LP  M  LP M LP M LP M  LP M
do PBF com
desempenho
acima da  04 02  00  01  04  05 01 04 01 03  02 06
média: a
partir de 8,0
Fonte: Diário de classe de LP e Matemática, em 2019.

Observando-se o rendimento quantitativo (notas) dos discentes inscritos


no PBF, dos 6ºs anos em 2019, no primeiro bimestre, a tabela mostra o seguinte
resultado: 07 alunos (as) obtiveram notas abaixo da média em Língua Portuguesa, o
que equivale a 29%. O percentual na disciplina de Matemática foi 25%, pois 06 alunos
(as) tiraram notas abaixo da média. Aqueles que conseguiram atingir a média (7.0)
foram 08 alunos (as), correspondente a 33% em Língua Portuguesa e, 09 alunos em
Matemática, correspondente a 37%. Aqueles (as) com desempenhos a partir e acima de
8.0 foram 08 estudantes em Língua Portuguesa, sendo 33%. Esse mesmo percentual
repetiu-se em Matemática.

No segundo bimestre de 2019, os resultados foram mais animadores,


demonstrando uma recuperação relativa ao primeiro bimestre, no qual se conseguiu
o seguinte desfecho: 01 aluno (a) reprovado em Língua Portuguesa, equiparando-se
a 3.8%; 02 em Matemática, equiparando-se a 7.7%. Obtiveram a média: 21 alunos(as)
em Língua Portuguesa, igual a 80%; em Matemática, 11 alunos (as), igual a 42%. Os(as)
alunos(as) que se mantiveram com média a partir de 8.0 ou acima foram: 04 em Língua
Portuguesa, equivalentes a 15%, e 13 em Matemática, ou seja, 50%.

Diante do exposto, podemos dizer que os discentes pertencentes ao PBF,


com base no segundo bimestre de 2019, alcançaram mais de 95% de aprovação
(soma da média mais acima ou a partir de 8), tanto em Língua Portuguesa como em
Matemática, constatando-se avanço significativo em relação ao primeiro bimestre.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 156
Desse modo, concluímos que o PBF auxiliou os (as) alunos (as) no alcance
desse resultado à medida que seus pais são conscientizados de que seus filhos (as)
não devem faltar às aulas para que façam jus ao benefício que recebem. Para isso,
existe o monitoramento do Sistema Presença do Governo Federal, em parceria com
as Secretarias Municipais de Educação, às quais realizam esse levantamento da
frequência escolar junto às escolas públicas da Educação Básica.

É importante enfatizar que famílias que participam do PBF sobrevivem


com renda de até R$ 85,00, por pessoa, limite fixado como pré-requisito para
adentrar-se ao Programa de Transferência de Recurso a fim de abrandar o estado
da pobreza ou extrema pobreza. Este valor poderá chegar a R$ 170,00 por pessoa,
dependendo da composição familiar, havendo, por exemplo, gestantes, nutrizes (mães
que amamentam), crianças de 0 a 12 anos e adolescentes de 16 e 17 anos. Esse recurso
ajuda na melhoria da vida dos empobrecidos, principalmente para a aquisição de
alimentos.

Assim, em resposta à indagação posta pelo estudo inicialmente, provocadora


desta proposta de trabalho, quando se questiona se o desempenho dos estudantes
do PBF é satisfatório na escola, a resposta é positiva. A aprovação de mais de 95%
dos (as) alunos (as) beneficiários(as) do PBF nas disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática torna inquestionável esta constatação mediante o acompanhamento
da frequência escolar, dada à assiduidade dos discentes, fator primordial para que
consigam aprender e sejam aprovados. Logo, os efeitos do PBF na educação se
mostram proveitosos e necessários.

Quanto à segunda indagação do estudo sobre qual seria o efeito do PBF


– enquanto política pública e que visa à permanência exitosa de alunos e alunas na
escola – na educação dos estudantes beneficiários, afirmamos, com maiores ênfases
em conhecimentos empíricos do que científicos, que as consequências são evidentes
diante da assiduidade total dos discentes que pertencem ao PBF nas turmas de 6º
ano da escola pública pesquisada.

Reiteramos que essa distribuição de renda concedida pelo Governo Federal


para subsidiar a educação de estudantes advindos de famílias pobres, apesar de muito
criticada pela sociedade, representa um incremento muito importante, pois minimiza
a carência alimentar. A melhoria na alimentação contribui para o desenvolvimento
escolar. Uma criança ou um(a) adolescente com fome não se concentra no aprendizado.
Enfatiza-se, contudo, que esta renda não é suficiente para suprir todas as necessidades
dos coletivos pobres, por outro lado, reconhecemos que seria muito pior sem ela.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 157
Acrescenta-se sobre esta análise que não é só a pobreza ou extrema
pobreza que dificulta o ensino e a aprendizagem. Existem outros pontos importantes
a considerar-se no âmbito educacional, tais como: o currículo escolar, a metodologia
de ensino e a atenção docente aos distúrbios de aprendizagem. No entanto, nota-se
que esses processos, muitas vezes, são ignorados, levando a escola a padronizar as
diferenças socioeconômicas de seus estudantes, repetindo com isso, de forma cíclica,
seu papel contraditório de reprodutora das desigualdades sociais e da pobreza.

Os desafios vivenciados por estudantes em contextos de dificuldades


econômicas e sociais convergem para um reducionismo e/ou estereótipos que
impedem o exercício de suas capacidades e de seus direitos, vistos como um processo
de inviabilização desses sujeitos em suas particularidades e potencialidades. Esta
perspectiva vem ao encontro das postulações de Arroyo (2014, p. 08) quando declara:

[...] a escola é historicamente um espaço de reprodução da limitação dos


direitos dos sujeitos, seja pelos conhecimentos que privilegia seja pelas
vivências que cerceia, portanto, ela deve ser considerada como um espaço
a ser repensado e transformado para tornar-se um espaço de direitos.

A escola, certamente, possui sua parcela de culpa pelo insucesso dos(as)


alunos(as) em situação de pobreza e/ou extrema pobreza, especialmente quando
ignora os saberes desse coletivo empobrecido e não os utiliza como ponto de partida
à aquisição de outros saberes, partindo do local para o global e vice-versa. Quando a
escola prioriza os conhecimentos da classe dominante, tendo como referência o homem
branco e europeu, ela afasta os discentes pobres porque eles não veem sentido no
que, ali, é ensinado para suas vidas.

É preciso que escola e seus educadores desconstruam seus saberes para


darem abertura a outros, e isso apenas ocorrerá quando docentes transformarem
suas práticas e inserirem seus(as) alunos(as), em sua inteireza, no centro do processo
de ensino e aprendizagem, partindo da perspectiva de que o ser e o conhecimento são
inseparáveis.

Considerações Finais
A diversidade das questões que envolvem pobreza, desigualdade social e
educação são amplas. A literatura relativa a essas questões possui uma produção
bem extensa e importante para os profissionais da educação básica que estão frente
às situações de vulnerabilidades advindas da pobreza. Quanto mais conhecimento
obtivermos sobre as condições que envolvem essa problemática, mais propriedade
teremos para intervir no acompanhamento escolar dos estudantes que vivenciam
essa realidade em seu cotidiano e que se encontram condicionados pela pobreza.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 158
No estudo em pauta, quando se analisa os efeitos do PBF no desempenho
dos estudantes que dele são beneficiados, constata-se satisfatório tal desempenho.
Embora, nesta análise, seja considerada a permanência desse(a) aluno(a) na escola,
há todo um processo que contribui para isso, sendo a família um dos agentes que
incentiva tal permanência, porque se sente amparada, em termos, pelo auxílio do
Programa, apesar de sabermos que o erário disponibilizado garante, minimamente, a
alimentação básica cotidiana, apenas como garantia de sobrevivência. De outro modo,
para muitas famílias nem isso lhes seria possibilitado com a ausência do PBF, dada a
condição de vulnerabilidade e exclusão social a que estão submetidas.

Referências
ARROYO, M. G. Módulo Introdutório – Pobreza, Desigualdades e Educação. Curso de Especialização
Educação, Pobreza e Desigualdade Social. SECADAI, Ministério da Educação, 2014. Disponível em
http://egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/intro. pdf> Acesso em: 10 de agosto de 2019.

_________. Módulo IV – Pobreza e Currículo: uma complexa articulação. Curso de Especialização Educação,
Pobreza e Desigualdade Social. SECADAI, Ministério da Educação, 2014. Disponível em http://egpbf.
mec.gov.br/modulos/pdf/intro. pdf>Acesso em: 10 de jul. de 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil : texto constitucional


promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais
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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 159
PARTE III

DIVERSIDADE, DESIGUALDADES E
SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 160
QUESTÃO SOCIAL, CIDADANIA E EDUCAÇÃO:
REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA
Doracy Dias Aguiar de Carvalho69
Roberto Francisco de Carvalho70

Introdução
O debate sobre questão social, cidadania e direitos sociais, entre eles, a
educação, tem pautado historicamente a agenda política dos governos, nos diferentes
países, seja no sentido da sua negação ou da sua incorporação na pauta das ações
a serem realizadas pelo Estado por meio de políticas públicas. Partindo desse
entendimento, o texto busca problematizar a relação entre questão social, cidadania e
educação e demonstrar o movimento histórico a esse respeito no âmbito da sociedade
capitalista, especificamente da sociedade brasileira.

O texto está estruturado em quatro partes  além desta introdução e das


considerações finais  e apresenta em seu primeiro item o debate contemporâneo sobre
a questão social e sua constituição histórica com base em Castel (1998), Netto (2001),
Pereira (2004) e Iamamoto (2001). A partir dos autores brasileiros aqui mencionados,
ressalta-se o núcleo central ou estrutura geradora da questão social, que diz respeito
à contradição resultante das relações entre capital e trabalho, amplificada no contexto
da revolução industrial do século XIX.

Em seguida, o texto aborda o processo de constituição dos direitos de


cidadania no Brasil, demonstrando seu movimento controverso e sua tardia conquista,
que coincide com o momento inicial de implementação do projeto neoliberal em alguns
países. O referido projeto tem como um de seus propósitos centrais a desconstrução
dos sistemas de proteção social e dos direitos assegurados pela luta dos trabalhadores
ao redor do mundo.

No terceiro item, o texto aborda a concepção liberal de cidadania que


sustenta o processo educacional brasileiro, tendo como centralidade os direitos e
deveres do cidadão consumidor. O item aponta, como tensão à cidadania formalizada,

69 Doutoranda em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Assistente Social da UFT. Membro dos grupos de Estudo
e Pesquisa: Práxis Socioeducativa e Cultural (UFT); Democracia, Sociedade Civil e Serviço Social (GEPEDSS - UnB) e Núcleo
de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas (NEPED – UFT). E-mail: [email protected]
70 Professor Pós-Doutor da Universidade Federal do Tocantins (UFT)/Campus de Palmas e do Programa de Pós-Graduação
Profissional em Educação/UFT. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa Práxis Socioeducativa e Cultural e membro do Núcleo de
pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas (NEPED) e Rede Universitas/Br. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 161
a concepção democrático-popular de cidadania defendida por Gramsci (2006),
que tem como horizonte a educação realizada na perspectiva da filosofia da práxis
vislumbrando, como limite, a superação da sociedade de classe.

O quarto e último item trata das implicações das contrarreformas neoliberais


para a cidadania no Brasil e aponta diversas medidas que vêm sendo realizadas
pelos governos após a década de 1990 para atender aos interesses do mercado, em
detrimento dos interesses públicos. Tais medidas vêm destruindo, de modo cada vez
mais agressivo, as conquistas sociais e os direitos dos trabalhadores brasileiros, e
contribuindo para o acirramento da questão social expressa, principalmente, por meio
do crescimento da pobreza, do desemprego e da violência.

O debate contemporâneo sobre a questão social e a cidadania no


capitalismo
O conceito de questão social tem sido objeto de disputa teórica entre
diferentes autores na contemporaneidade, dentre eles, Castel (1998), para quem
a “questão social” constitui-se um desafio que coloca em xeque a capacidade da
sociedade de manter a coesão social a partir de relações de interdependência ou de
integração. Nesse sentido, a emergência da mencionada “questão social” está vinculada,
segundo o autor, ao processo de constituição do proletariado industrial no século XIX71
quando a pobreza assume novos contornos a partir do surgimento de uma massa
de trabalhadores miseráveis, desprovida de condições mínimas de sobrevivência,
que passa a ameaçar a ordem social. Esse fenômeno foi gerando, gradualmente,
um processo revolucionário a partir da tomada de consciência política da classe
trabalhadora, que passa a exigir condições minimamente dignas de trabalho e coloca
o pauperismo no centro da luta classes, luta essa que é, portanto, determinante da
“questão social” na modernidade. “A ‘questão social’ é então, exatamente, a tomada
de consciência de que essa fratura central, posta em cena através das descrições do
pauperismo, pode levar à dissociação do conjunto da sociedade.” (CASTEL, 1998, p.
415-416)

No entendimento de Netto (2001), a ampliação e intensificação da pobreza


no período da industrialização, iniciada na Inglaterra no último quartel do século
XVIII, foi determinante para o surgimento da chamada questão social. Esta emerge
num cenário de aumento da capacidade de produção e de riqueza, que, num efeito
contrário, amplia a pobreza em grandes proporções, dando origem àquilo que passou
a ser chamado de “questão social”. Assim,

71 Embora a pobreza anteceda o surgimento da sociedade capitalista e tenha sido vivenciada em períodos anteriores ao
século X, esse fenômeno foi incapaz de colocar em xeque a ordem social da época em razão da existência de laços de
proximidade de proteção típicos de uma sociabilidade primária. (CASTEL, 1998).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 162
[...] tanto mais a sociedade se revelava capaz de progressivamente
produzir mais bens e serviços, tanto mais aumentava o contingente de
seus membros que, além de não ter acesso efetivo a tais bens e serviços,
viam-se despossuídos das condições materiais de vida de que dispunham
anteriormente. Se, nas formas de sociedade precedentes à sociedade
burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez (quadro
em larguíssima medida determinado pelo nível de desenvolvimento das
forças produtivas materiais e sociais), agora ela se mostrava conectada
a um quadro geral tendente a reduzir com força a situação de escassez.
(NETTO, 2001, p. 42-43)

Nesse contexto, diante da ampliação da pobreza e da precarização das


condições de vida dos trabalhadores, os protestos dos pauperizados contra tal
situação configuraram-se numa ameaça real às instituições sociais. No entanto,
segundo Netto (2001), os conservadores viam a fome, o desemprego, as doenças, as
penúrias e o desamparo como desdobramentos da sociedade moderna (burguesa),
que se tratavam, para eles, de características inelimináveis do sistema capitalista.
Essas características poderiam até ser objeto de intervenção política, mas, apenas,
de forma limitada, pois era fundamental preservar a estrutura social e a propriedade
privada dos meios de produção.

Netto (2001) recorre a Marx para afirmar que a questão social vai além do
pauperismo. Trata-se de um complexo social muito mais amplo que não significa uma
sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações
são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante.
Sendo assim, a “questão social” é, portanto, constitutiva do desenvolvimento do
capitalismo, de modo que não se suprime a primeira conservando-se o segundo.

Nessa mesma direção, Pereira (2004) afirma que o surgimento da questão


social está vinculado às demandas da classe trabalhadora relativas à proteção social
e legal  em razão das condições de miséria a que esta estava submetida no período
de industrialização da Inglaterra  e à tomada de consciência dessa realidade. A
autora ressalta que até 1830 a pobreza não era considerada um “problema”, ou um
“fenômeno disfuncional”, o trabalho estafante era tido como “terapia”, “pedagogia”, que
impossibilitava as revoltas contra o sistema e a exteriorização das “más-qualidades”
dos trabalhadores relativas aos vícios, à preguiça e à falta de ambição. “Os pobres
eram considerados ‘homens comuns’, toscos, brutos, colocados utilitariamente a
serviço dos ‘homens de qualidade.’” (PEREIRA, 2004, p. 113)

Na visão de Pereira (2004), a questão social é composta por dois elementos


fundamentais: um estrutural e outro histórico. O primeiro independe da ação dos
sujeitos em dadas circunstâncias e o segundo refere-se às ações deliberadas e
conscientes dos sujeitos para mudarem suas histórias. Sendo assim, a questão social
é produto de uma relação que expressa a contradição fundamental entre capital e

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 163
trabalho. Trata-se de um desafio histórico estrutural que possui como determinantes
indissociáveis: a) “o empobrecimento agudo da classe trabalhadora (produzido pelo
modo peculiar de exploração burguesa); b) a consciência dessa classe quanto à sua
condição de exploração; e c) a luta política desencadeada por essa classe contra seus
opressores a partir dessa consciência”. (PEREIRA, 2004, p. 115)

Compreendendo, também, que a questão social é constitutiva das relações


sociais capitalistas, Iamamoto (2001, p. 16-17) afirma que esta diz respeito ao “conjunto
das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista
madura, impensáveis sem a intermediação do Estado”. Sua gênese encontra-se no
caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade
humana  o trabalho  das condições necessárias à sua realização, assim como de
seus frutos. As expressões da questão social referem-se, conforme a autora,

[...] às disparidades econômicas, políticas e culturais das classes


sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-
raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre
amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal. Isso envolve,
simultaneamente, uma luta aberta e surda pela cidadania. [...] Foram as
lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital
e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo
a interferência do Estado para o reconhecimento e legalização de direitos
e deveres dos sujeitos sociais envolvidos. Esse reconhecimento dá origem
a uma ampla esfera de direitos sociais públicos atinentes ao trabalho
consubstanciados em serviços e políticas sociais – que, nos países
centrais, expressou-se no Welfare State, Estado Providência ou Estado
Social. (IAMAMOTO, 2001, p. 17)

Ainda que o Estado implemente políticas sociais que contribuam para a


melhoria das condições de vida dos indivíduos, segundo Marx (1984), a existência da
pobreza no capitalismo é algo necessário. O autor, ao tratar da Lei Geral da Acumulação,
afirma que o modo de produção capitalista torna o exército de reserva indispensável
ao seu modelo de acumulação e ao crescimento das taxas de lucros do capitalista, ao
mesmo tempo em que a manutenção de baixos salários favorece o crescimento da
economia a partir da exploração do trabalhador.

A partir do que afirma Marx e os demais autores que, neste texto, partilham
do seu entendimento, é possível dizer que a pobreza é inerente à própria lógica
estrutural do capitalismo, fundado e sustentado na exploração de uma classe sobre
a outra e na apropriação privada da riqueza socialmente produzida. Nesse sentido,
fazem parte das estratégias do desenvolvimento do capitalismo a existência da
pobreza, do desemprego, dentre outras mazelas que afligem a sociedade, pois estas
são imprescindíveis ao capital, que se alimenta e se reproduz por meio da exploração
dos trabalhadores e da manutenção das desigualdades socioeconômicas entre as
classes.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 164
Para a sustentação e regulação da relação entre capital e trabalho na
sociedade capitalista, como afirmou Iamamoto (2001), torna-se imprescindível a ação
do Estado, ente constituído e historicamente colocado a serviço do capital, a fim de
assegurar as condições necessárias ao seu processo de produção e reprodução. É,
também, função do Estado garantir o processo de reprodução dos trabalhadores por
meio de políticas sociais mínimas direcionadas ao atendimento de suas necessidades
essenciais de modo a caucionar as condições para o desenvolvimento do trabalho e
da produção.

Nessa perspectiva, como mecanismos de proteção social entram em cena,


na segunda metade do século XX, as políticas sociais. Tais medidas foram inicialmente
adotadas pelos países da Europa Ocidental visando ao atendimento das necessidades
fundamentais dos indivíduos no contexto do chamado Estado de bem estar social, como
forma de garantir, também, direitos conquistados pela luta da classe trabalhadora.

Importa lembrar, entretanto, que as políticas sociais têm natureza


contraditória e que resultam não exclusivamente da ação da elite, detentora do capital,
nem da subsunção do Estado à classe trabalhadora, mas, são fruto das “relações
contraditórias determinadas pela luta de classes, pelo papel do Estado e pelo grau de
desenvolvimento das forças produtivas.” (BOSCHETTI, 2016, p. 17) Para esta autora,
embora limitadas, as políticas sociais instituíram sistemas de direitos e deveres que,
combinados com uma tributação mais progressiva e com a ampliação do fundo
público, alteraram o padrão de desigualdade entre as classes sociais, especialmente
a partir da segunda metade do século XX. Tais alterações, entretanto, não significam
a superação das desigualdades, mas possibilitam a redução das distâncias entre as
classes no que se refere aos rendimentos e ao acesso a bens e serviços.

Ao assumir, no seio da luta de classes, o compromisso com a melhoria da


vida dos trabalhadores, o Estado passa a assegurar condições mínimas de bem-estar
ligadas às necessidades educativas, de habitação, moradia, saúde, segurança etc.
condições essas necessárias ao exercício da cidadania72, compreendida a partir da
junção dos direitos alcançados historicamente na sociedade capitalista.

A cidadania, na visão de Marshall (1967), é constituída dos direitos civis,


políticos e sociais, conquistados, respectivamente, nos séculos XVIII, XIX e XX. Esses

72 Contrária à perspectiva da cidadania liberal marshalliana, comprometida com o aperfeiçoamento e manutenção da ordem
burguesa, defende-se a concepção de cidadania adotada por Coutinho (1997, p.146). Esta diz respeito à “capacidade
conquistada por um (e no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriar de bens socialmente
criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana aberta pela vida social em cada contexto
histórico.” Tal concepção, aponta, nos termos gramscianos, para a “[...] superação da sociedade de classes, na medida em
que supõe, ou mesmo exige, que os subalternos estejam preparados para assumir a posição de governantes, isto é, para
deixar sua condição de subalternos, o que só pode ocorrer plenamente com a abolição do modo de produção capitalista.”
(GRAMSCI, 2006, C 12, § 2, p. 49)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 165
direitos, em seu conjunto, possibilitam a alteração do padrão de desigualdades a partir
desses três elementos: o civil, o político e o social.

O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual


— liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito
à propriedade e de concluir contratos válidos e do direito à justiça[...]. Por
elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do
poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. O elemento
social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar
econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança
social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que
prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com
ele são o sistema educacional e os serviços sociais. (MARSHALL, 1967, p.
63-64)

A concepção de cidadania em Marshall, entretanto, diz respeito a um


status, a uma “espécie de igualdade humana básica da participação  o qual não é
inconsistente com as desigualdades que diferenciam os vários níveis econômicos da
sociedade. Em outras palavras, a desigualdade dos sistemas de classes sociais pode
ser aceitável desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida.” (MARSHALL,
1967, p. 62)

A coexistência “harmoniosa” entre cidadania e desigualdades sociais, como


defende Marshall, no nosso entendimento, denuncia a própria contradição dessa
concepção de cidadania, que naturaliza as desigualdades e é incapaz de possibilitar
aos cidadãos a garantia do conjunto dos direitos que a compõem, sobretudo do ponto
de vista social. Portanto, trata-se de uma cidadania ineficaz, passiva, desprovida
da capacidade de contribuir para a transformação da sociedade e assegurar aos
indivíduos efetiva igualdade política e socioeconômica.

Nos países europeus de capitalismo avançado, a luta em torno dos direitos


sociais, conquistados no final da primeira metade do século XX, embora não tenha
resultado em transformações revolucionárias, possibilitou, segundo Harvey (2005,
p. 139-140), “o crescente poder das organizações e dos partidos políticos da classe
trabalhadora, que obtiveram ponderáveis melhorias nos padrões de vida associados
à institucionalização de uma ampla gama de proteções sociais.”

Tais conquistas, entretanto, começaram a ser derruídas no final dos


anos de 1970, a partir da crise de super acumulação do capital. A mencionada crise
foi marcada pelo esgotamento da perspectiva keynesiano-fordista das relações
econômicas, políticas e sociais e do compromisso firmado entre os grupos e as
classes sociais voltadas para o crescimento econômico, com impacto na estrutura
das desigualdades sociais, possibilitado pelas políticas sociais amplas e universais.
(BEHRING E BOSCHETTI, 2008)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 166
A saída para a crise acima referida foi buscada por meio do projeto
neoliberal, instrumento econômico, político e ideológico imprescindível à retomada
das taxas de lucratividade do capital e à restauração do poder das elites econômicas.
Segundo Harvey (2008, p. 06),

o processo de neoliberalização, no entanto, envolveu muita “destruição


criativa”, não somente dos antigos poderes e estruturas institucionais [...],
mas também das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção
do bem-estar social, das combinações de tecnologias, dos modos de vida
e de pensamento, das atividades reprodutivas, das formas de ligação
à terra e dos hábitos do coração. Na medida em que julga a troca de
mercado uma ética em si capaz de servir de guia a toda ação humana, e
que substitui todas as crenças éticas antes sustentadas, o neoliberalismo
enfatiza a significação das relações contratuais no mercado. O bem social
é maximizado se maximiza-se o alcance e a frequência das transações de
mercado, procurando enquadrar todas as ações humanas no domínio do
mercado. Isso requer tecnologias de criação de informações e capacidades
para acumular, armazenar, transferir, analisar e usar massivas bases de
dados para orientar decisões no mercado global.

Fundado em ideais convincentes, valiosos e sedutores, como dignidade


humana e liberdade individual, o discurso neoliberal tornou-se hegemônico e passou
a afetar amplamente os modos de pensamento que se incorporaram às maneiras
cotidianas de muitas pessoas interpretarem, viverem e compreenderem o mundo.
Como argumenta Harvey (2008, p. 15), “nenhum pensamento se torna dominante
sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos instintos,
nossos valores e nossos desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo
social que habitamos.”

Nessa perspectiva, a partir de 1980 as diretrizes neoliberais têm sido


implementadas em diversos países por meio das chamadas contrarreformas, que, no
caso brasileiro tiveram início a partir da década de 1990 e atingiram plenamente os
direitos sociais, recém conquistados, e as políticas sociais. Assim, de forma paulatina
e numa perspectiva global, cada vez mais intensificada, têm sido subtraídos os direitos
de cidadania conquistados historicamente a partir da luta travada pelos trabalhadores
ao longo da história do capitalismo, ao mesmo tempo em que se aprofunda o processo
de exploração do trabalho em prol da expansão dos lucros do capital.

No caso brasileiro, os direitos sociais, conquistados tardiamente, no final


da década de 1980  numa conjuntura internacional de desmonte do Estado de
bem estar social nos países do centro capitalista europeu  passam a ser subtraídos
já na década seguinte. A partir de então, no Governo de Fernando Collor, inicia-se
a implementação das contrarreformas neoliberais, as quais são continuadas e
aprofundadas pelos governos posteriores.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 167
Antes, porém, de adentrar à discussão sobre os retrocessos dos direitos e da
cidadania no Brasil a partir das contrarreformas neoliberais, o item a seguir delineará,
ainda que brevemente, como tais direitos foram constituídos historicamente, abordando,
inicialmente, o debate sobre a questão social, tratada no país até a década de 1930
como caso de polícia, vagabundagem e desarranjo dos indivíduos.

Questão social e cidadania no Brasil: avanços e retrocessos


A constituição da questão social no Brasil se apresenta, segundo Ianni
(1996, p. 87) como “um elo básico da problemática nacional, dos impasses dos regimes
políticos ou dos dilemas dos governantes. Reflete disparidades econômicas, políticas e
culturais, envolvendo classes sociais, grupos raciais e conformações regionais”. Sendo
assim, ainda que a pobreza e as desigualdades socioeconômicas tenham perpassado
o processo de formação da sociedade brasileira, inclusive o período escravocrata e de
substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, sua manifestação mais intensa
ocorreu durante a República, e ganhou espaço na agenda política do Estado somente
a partir de 1930. Até então, a chamada questão social era criminalizada, tratada como
caso de polícia e dimensionada para o campo do dever moral.

De acordo com Theodoro (2008), a constituição da questão social no Brasil


está relacionada à Lei das Terras, à Lei da abolição e ao estímulo à imigração no Brasil,
fatores que impediram que a mão de obra escrava fosse absorvida pelo mercado de
trabalho. Esse processo fez com que os trabalhadores passassem a sobreviver de
pequenos serviços ou da agricultura de subsistência, o que, mais tarde, deu origem
ao denominado “setor informal”. As medidas tomadas pelo Estado, nesse sentido,
reforçaram a consolidação do racismo no país por meio da cultura do “branqueamento”,
e suscitou a “adoção de ações governamentais que findaram por desenhar a exclusão,
a desigualdade e a pobreza que se reproduzem no país nos dias atuais.” (THEODORO,
2008, p. 15). Segundo o mesmo autor, no processo de construção das cidades brasileiras

a questão da urbanização, ou seja, os problemas concernentes à


excessiva concentração de população em certas cidades, se mostra de
maneira mais complexa a partir de 1930. Entretanto, pode-se observar,
já no final do século XIX, o início de um processo de aglomeração da
pobreza e da exclusão nas cidades, resultante da chegada em profusão
de contingentes de ex-escravos. Em resumo, à época já proliferavam, nas
maiores cidades, as favelas, verdadeiros guetos onde se encontravam os
pobres. No que concerne aos primeiros anos de trabalho livre, pode-se
constatar que em 1890 a população total do Brasil era de 16,5 milhões
de habitantes, dos quais 1,1 milhão era de imigrantes. Nos anos seguintes,
até 1920, assiste-se à intensificação da industrialização e do crescimento
urbano sem maiores alterações no perfil da mão-de-obra absorvida.
(THEODORO, 2008, p. 102)

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 168
Os anos de 1930 marcam o processo de regulamentação do trabalho
e do mercado de trabalho no Brasil, ocorrido no contexto da crise internacional de
1929, quando o Estado promove diversas medidas objetivando compor uma força de
trabalho capaz de servir à indústria, em processo de consolidação.

Nesse cenário, o Estado estabelece uma política de assalariamento de


caráter restrito, somente para uma parte da força de trabalho, que passa a contar
com garantia de férias pagas, aposentadoria e assistência médica. “As medidas no
campo da política de emprego restringiram-se à ação de qualificação profissional,
estavam ausentes quaisquer medidas de proteção contra a situação de desemprego.”
(THEODORO, 2008, p. 110) Dessa maneira, o Estado irá se engajar diretamente no
processo de modernização econômica, ao introduzir as bases da nova economia sob
o argumento da necessidade de libertar o país de seu atraso secular. Contudo, as
questões ligadas ao emprego, ao desemprego e ao subemprego não faziam parte da
agenda estatal, além disso, a cobertura dos direitos, como, saúde e previdência social,
ficaram restritas aos trabalhadores assalariados.

De acordo com Ianni (1996), como resultado do modelo de desenvolvimento


capitalista brasileiro, intensivo e extensivo, ocorreu a movimentação e migração do
campo para a cidade, de modo que as crescentes diversidades se fizeram acompanhar
pelo aumento das desigualdades sociais, o que levou muitos trabalhadores ao
pauperismo e ao desemprego. Tais desigualdades passam a ser expostas e
problematizadas por meio dos movimentos sociais e sindicais, que se polarizam em
torno da luta pelo acesso a terra, ao emprego, ao salário, às condições de trabalho na
fábrica e na fazenda e em busca de garantias trabalhistas, além de saúde, educação,
direitos políticos e cidadania.

Nesse sentido, a luta por melhores condições de vida e de trabalho travada


pelos segmentos privados do acesso aos bens materiais e culturais, no Brasil, evidenciou
os antagonismos sociais e trouxe a possibilidade do debate, do controle, da negociação
e da busca de solução para os problemas sociais enfrentados.

Apesar da repressão e da violência do poder estatal e privado, a legislação


pós abolição supõe a possibilidade de negociação e de diversas formas de protestos
no campo e na cidade, o que leva os governantes e alguns setores dominantes da
sociedade a reconhecerem a questão social como uma realidade que não pode ser
negada. (IANNI, 1996)

No entanto, segundo Carvalho (2012), embora os movimentos sociais


e sindicais intensificassem sua luta por melhores condições de vida, as práticas

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 169
democráticas no Brasil eram muito frágeis antes de 1930, de modo que políticas sociais
desse período restringiram-se a uma parcela da população, pois, foi adotada uma

[...] concepção de política social como privilégio e não como direito. Se


ela fosse concebida como direito, deveria beneficiar a todos, da mesma
maneira. Do modo como foram introduzidos, os benefícios atingiam
aqueles a quem o governo decidia favorecer, de modo particular aqueles
que se enquadravam na estrutura sindical corporativa montada pelo
Estado. Por esta razão, a política social foi bem caracterizada por
Wanderley dos Santos como “cidadania regulada”, isto é, uma cidadania
limitada por restrições políticas. (CARVALHO, 2012, p. 114-115)

No tocante às relações de trabalho, importa destacar, segundo Carvalho


(2012), que o primeiro Decreto sobre a sindicalização no Brasil surge em 1931, porém,
embutido da filosofia do governo, que defendia uma relação harmônica entre capital
e trabalho, cabendo ao Estado garantir tal harmonia. Por essa razão, o sindicato
ficou impossibilitado de representar os interesses de operários e patrões e tornou-se
instrumento de cooperação entre as duas classes e o Estado. O sindicato constitui-
se, então, um órgão consultivo e técnico  sob o controle do governo  ao qual
empregados e patrões eram obrigados a se filiarem, de modo que a existência de
mais de um sindicato era inviável. Dessa maneira, o Estado protegia o trabalhador
com a legislação trabalhista e constrangia com a legislação sindical de tal forma que
as greves foram proibidas em 1939 e 1943.

Apesar de tudo, de acordo com Carvalho, é preciso reconhecer que


o período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais, visto que, grosso modo, foi
implantada a legislação trabalhista e previdenciária no Brasil. Esta, também, foi a era
da legislação sindical, modificada somente a partir de 1985. Entretanto, o significado
dessa era foi ambíguo, pois a sequência de surgimento dos direitos civis, políticos e
sociais relacionados à concepção de cidadania marshalliana foi invertida pelo governo
brasileiro. Assim, os direitos sociais antecederam os direitos políticos, de maneira que
“os trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não
de sua ação sindical e política independente” (CARVALHO, 2012, p. 124) Desta forma,

[...] a antecipação dos direitos sociais fazia com que os direitos não fossem
vistos como tais, como independentes da ação do governo, mas como um
favor em troca do qual se deviam gratidão e lealdade. A cidadania que
daí resultava era passiva e receptora, antes que ativa e reivindicadora.
(CARVALHO, 2012, p. 126)

Na visão de Carvalho (2012), entre 1937 e 1945, sob o regime ditatorial


civil, houve avanços importantes no campo dos direitos sociais no Brasil a partir da
legislação trabalhista e social implementada pelo governo de Getúlio Vargas, ainda que
a política social tenha sido considerada privilégio e não direito. Esse foi um período de
baixa ou nenhuma participação política e de vigência precária dos direitos civis, o que

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 170
resultou numa cidadania passiva e receptora, ao invés de ativa, como já explicitado.
A promulgação da CF de 1946 marca uma fase que pode ser considerada a primeira
experiência democrática da história do Brasil, posto que se mantiveram os direitos
sociais e foram acrescentados os direitos civis e políticos. Adicionalmente, foram
garantidas a liberdade de imprensa e de organização política, além da realização
regular de eleições e a organização de vários partidos políticos.

Com a derrubada de Getúlio Vargas e a promulgação da Constituição


Federal (CF) de 1946 foram mantidos os direitos sociais e estabelecidos os direitos
civis e políticos. Além disso, o direito ao voto foi estendido a homens e mulheres,
maiores de 18 anos, com exceção dos analfabetos que, em 1950 compunham 57% da
população. Todavia, em decorrência do aumento da participação social e política, que
se apresentava como uma ameaça, um novo golpe foi efetuado em 1964, restringindo
de modo violento os direitos civis e políticos, mantendo, entretanto, os direitos sociais,
numa ditadura militar que durou 21 anos. (CARVALHO, 2012)

Os avanços trazidos pela CF de 1946 foram, então, interrompidos pelo golpe


militar de 1964, consolidado pela ação violenta do Estado que restringiu os direitos
civis e políticos da população de maneira ampla e controlada.

A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade


de reunião; os partidos políticos eram regulados e controlados pelo
governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção;
era proibido fazer greves; o direito de defesa era cerceado pelas prisões
arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da
correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura
nos cárceres do governo; o próprio direito à vida era desrespeitado.
As famílias de muitas vítimas até hoje não tiveram esclarecidas as
circunstâncias das mortes e os locais de sepultamento. Foram anos de
sobressalto e medo, em que os órgãos de informação e segurança agiam
sem nenhum controle. (CARVALHO, 2012, p. 163-164)

Para sustentar o referido regime, os governos ditatoriais implementaram,


por duas décadas, políticas de favorecimento do capital imperialista assentadas na
superexploração da força de trabalho assalariada, na indústria e na agricultura, um
dos segredos da persistência e reafirmação do lema “segurança e desenvolvimento”,
sob o qual floresceu a indústria do anticomunismo. (IANNI, 1981, p. 8) Entretanto, o que
se considerou comunismo, segundo Sanfelice (1986, p. 65), tratava-se do esforço de
organização e unificação do movimento sindical, da reforma agrária e da lei que limitava
a remessa de lucros, contrária aos interesses do imperialismo norte-americano, dos
latifundiários e dos empresários. O suposto comunismo era a própria democracia que,
com a presença de Goulart na presidência da República, possibilitava a emergência
política dos trabalhadores.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 171
A radicalização do regime militar em 1968, acrescida da falência do ciclo
expansivo da economia no período de 1968 a 1973, o chamado “milagre econômico”
não tiveram como se sustentar, o que, na visão de Nogueira (1986), jogou o país numa
grave crise recessiva e fracionou o bloco de sustentação do regime, ocasionado o seu
fim na década de 1980.

Nesse contexto, a luta da sociedade civil pela conquista de direitos e pela


redemocratização do país se intensifica no final da década de 1970 e ganha maior
ressonância na década seguinte. Com a reabertura política, favorecida pela Lei da
Anistia (1979), amplia-se, então, a luta por eleições diretas e por direitos políticos e
sociais, luta essa que culminou na aprovação da CF de 1988.

A despeito da disputa de poder estabelecida em torno da CF de 1988 


especialmente quanto ao papel do Estado e à destinação do fundo público , alguns
avanços sociais foram alcançados dentro do escopo de reivindicações postas pelas
camadas populares, cujas demandas foram incorporadas, em grande parte, ao texto
da Constituição.

No campo social o artigo 6º da CF de 1988 assegurou os direitos73 relativos


à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança,
à previdência social, à proteção à maternidade, à infância, e à assistência aos
desamparados. Os direitos políticos, por sua vez, foram traduzidos pela soberania
popular, pelo sufrágio universal e pelo direito ao voto direto e secreto conforme está
expresso no artigo 14. (BRASIL, 1988)

Como está plasmado na CF em vigência, entre os direitos sociais no Brasil,


está a educação, política historicamente marcada pelo descaso por parte do Estado
brasileiro, que passou a reconhecê-la como parte de suas obrigações apenas a partir
de 1988. A garantia da educação como direito, e, também, como uma obrigação,
não apenas do cidadão para consigo mesmo, mas como um dever do Estado, como
já apontava Marshall em relação à Inglaterra, deve se ao fato de que a sociedade
reconheceu, portanto, a necessidade de uma população educada. (MARSHALL, 1967)

No caso brasileiro, ao compor o rol dos direitos sociais, a educação foi


concebida constitucionalmente como direito do cidadão e dever do Estado, direito
esse considerado fundamental à cidadania. Frente a esse entendimento, aborda-se
a seguir a concepção de cidadania que perpassa o conjunto normativo relacionado à
educação brasileira e evidencia seus fundamentos bem como as diretrizes adotadas
quanto ao preparo dos indivíduos para o exercício da cidadania.

73 Mais recentemente, o transporte foi acrescido como direito social à CF de 1988, por meio da Emenda Constitucional nº 90
de 16/09/2015.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 172
Concepção de cidadania na educação brasileira
O entendimento sobre a cidadania na educação brasileira tem como marco
referencial legal a CF de 1988. O artigo primeiro dessa Lei define o Brasil como um
Estado Democrático de Direito que tem na “cidadania”, conforme o inciso II, um de seus
fundamentos. A compreensão de cidadania depreendida da CF brasileira vigente tem
sinônimo de nacionalidade, está relacionada ao direito de solo – lugar em que a pessoa
nasce – e ao direito de sangue – relativo à nacionalidade de seus ascendentes, isto é, dos
pais. Ao pertencer a um determinado país ou Estado o cidadão se torna beneficiário
de certos direitos e submete-se a certos deveres estabelecidos socialmente em seu
processo histórico. No caso do Brasil, com base no que expressa a mencionada Lei,
a cidadania se realiza, portanto, por meio do exercício de direitos e deveres. (BRASIL,
1988)

Como direitos e deveres, a CF de 1988 estabelece em geral, dentre outros: I)


a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade (Artigo 5º); II) a educação,
a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (Artigo
6º); III) a soberania popular, o sufrágio universal, o voto direto e secreto (Artigo14).

Também foi instituída na CF de 1988 a educação brasileira como valor


público, “direito de todos e dever do Estado e da família”. (BRASIL, 1988, Artigo 205)
Para que esse valor público se realize em uma perspectiva cidadã as políticas públicas
são elaboradas e operacionalizadas por meio das ações que concretizam a gestão no
território nacional.

Em relação à educação, o sentido geral atribuído à cidadania está expresso


no Artigo 205 da CF de 1988. Esse dispositivo determina que “a educação deve preparar
os jovens para o exercício da cidadania”, ou seja, prepará-los para que conheçam seus
direitos e deveres, exijam o respeito aos primeiros e cumpram com responsabilidade
os segundos.

Na legislação específica, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) – nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – a relação entre educação e cidadania
está presente no artigo 2º, que estabelece como princípios e fins da educação
nacional “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1996) É importante destacar
que, na legislação referida, a preparação para a cidadania aparece acompanhada
da qualificação para o trabalho. Essas finalidades podem ser observadas no artigo
22, referente à educação básica (Ensino Fundamental e Médio), cujo propósito é
“desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 173
exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores.” (BRASIL, 1996)

A formação comum em pauta  em busca da formação para cidadania,


articulada ao trabalho  constitui-se o ponto de partida para a definição das políticas
educacionais, a exemplo das políticas curriculares, de formação de professores, de
planejamento, de práticas pedagógicas e de avaliação no âmbito da educação
brasileira.

No que tange ao currículo, de modo geral, os componentes curriculares


da educação básica devem ter como uma de suas diretrizes “a difusão de valores
fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito
ao bem comum e à ordem democrática” (BRASIL, 1996, Artigo 27, inciso I). Referente
à cidadania, portanto, uma das tarefas da educação básica é difundir os valores
vinculados aos direitos e deveres de cunho liberal formalmente definidos no marco
legal forjado na lógica do denominado Estado de direito.

Na sequência do marco legal geral elaborado, os gestores da educação


brasileira elaboraram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) contemplando a
concepção de cidadania aventada. Nos PCN a cidadania é compreendida no “contexto
do trabalho”, pois é este quem lhe proporciona o “sentido prático para sua realização”
(BRASIL, 1999, p. 331). Novamente reaparecem os valores fundamentais já anunciados
na LDB nº 9.394/1996 relacionados ao “interesse social, aos direitos e deveres dos
cidadãos, ao respeito ao bem comum e à ordem democrática”, acrescidos dos valores
que “fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca” (BRASIL, 1999, p. 331):

Depreende-se do exposto que os valores fundamentais defendidos pela


legislação educacional são valores liberais, constitutivos, portanto, de uma concepção
também liberal da cidadania, que se expressa no conjunto de conteúdos, experiências
e práticas educativas realizadas no âmbito das escolas brasileiras. Essa concepção
de cidadania liberal  relacionada ao cidadão consumidor , em grande medida,
permanece apenas no plano formal, pois encontra dificuldades de realização na vida
cotidiana dos sujeitos sociais.

Diante disso, é imperativo ressaltar que uma educação cidadã, que


extrapole a ideia do cidadão consumidor, é aquela que se fundamenta numa educação
democrática substantiva pensada como disputa do poder, sem desconsiderar a
articulação entre os aspectos econômicos, sociais e políticos. Trata-se de uma cidadania
na perspectiva da filosofia da práxis na qual os aspectos econômico-corporativos
serão subsumidos aos aspectos ético-políticos.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 174
A educação cidadã, nesse sentido, conforme o pensamento gramsciano
precisa ser democrática e promotora de formação das crianças e jovens das camadas
populares “como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem
dirige” (GRAMSCI, 2006, C 12, § 2, p. 49). Nesse sentido, o caráter intrinsecamente
democrático de uma escola não está, portanto, no fato de qualificar profissionalmente
os jovens das camadas populares, mas na sua capacidade de “transformar cada
‘cidadão’ em ‘governante’ [assegurando-lhe] o aprendizado gratuito das capacidades
e da preparação técnica geral necessárias a essa finalidade.” (GRAMSCI, 2006, C 12,
§ 2, p. 50)

Por inferência, podemos, portanto, dizer que a cidadania articulada à


educação, para Gramsci, não se limita ao conhecimento e à defesa dos direitos e
deveres constitucionais ou à aquisição de competências para o ingresso no mercado
de trabalho. Essa dimensão da cidadania, que pode, entretanto, proporcionar avanços
na qualidade de vida da classe trabalhadora, é normalmente praticada sem pôr em
questão a ordem liberal burguesa, a divisão da sociedade em classes e a relação entre
dominantes e dominados, dirigentes e dirigidos.

Ao opor-se à manutenção e naturalização de tal ordem, Gramsci defende,


como finalidade central, a superação da sociedade de classes, ao defender que os
dirigidos estejam preparados para assumir a posição de governantes, isto é, para
deixar sua condição de subordinado cativo, o que só pode ocorrer completamente
com a abolição do modo de produção capitalista. A educação, em geral, e a educação
escolar, em particular, cumpre um papel decisivo na formação desse cidadão de outro
tipo, na medida em que for capaz de formar o jovem das camadas populares para
uma cidadania efetiva que vá além da ideia do cidadão consumidor e o transforme
num cidadão que pensa, participa efetivamente, dirige e controla os que dirigem.

A ideia de cidadania que depreendemos de Gramsci recoloca a educação


e a escola como um espaço de disputa em que a luta pela efetivação dos direitos
sociais possa ser travada na perspectiva da transformação, e não da conservação
ou aprofundamento das desigualdades sociais. Nesses termos, tudo indica que uma
educação calcada na cidadania liberal, de defesa de direitos e deveres, não é suficiente
para se assegurar nem mesmo os direitos básicos que a classe trabalhadora necessita.

Por essa razão, outra cidadania e outra formação cidadã é necessária, e,


nesse sentido, Gramsci pode nos inspirar, visto que sua concepção de cidadania coloca-
se como uma tensão necessária na atual fase do capitalismo, em que o neoliberalismo
constitui uma visão de mundo hegemônica e os direitos sociais têm sido continuamente
destruídos pelo avanço do mercado sobre a esfera pública.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 175
Dessa maneira, como racionalidade dominante, o neoliberalismo tem
implicado na ampliação do suporte estatal ao capital – via fundo público – e na
perda sucessiva dos direitos de cidadania, perdas essas efetivadas por meio das
contrarreformas adotadas pelos Estados nacionais, a exemplo do Brasil, para garantir
os interesses do mercado, conforme discutiremos a seguir.

Implicações das contrarreformas neoliberais para a cidadania no Brasil


Como já anunciado, o desmonte dos direitos de cidadania no Brasil teve
início na década de 1990, que foi palco da reforma do Estado, capitaneada pelo
Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), sob a coordenação de
Bresser Pereira. O Plano da referida reforma foi aprovado em setembro de 1995, sob
o argumento de que o Estado se desviara de suas funções e de que era necessário
fortalecer sua ação reguladora, considerada rígida, lenta, ineficiente e sem memória
administrativa. (BEHRING, 2003)

De acordo com o MARE, assim como a América Latina, o Brasil vivenciava


uma dura crise fiscal nos anos de 1980, acirrada pela crise da dívida externa e
pelas práticas de populismo econômico, o que exige imperiosas formas de disciplina
fiscal; privatização dos bens e serviços públicos; e liberalização comercial. Assim, a
reforma do Estado foi justificada por Bresser Pereira em razão da necessidade de
recuperar a governabilidade – legitimidade – do Estado e a governança – capacidade
financeira e administrativa de governar. O ministro em questão também argumentou
que, no caso brasileiro, a crise estaria localizada na insolvência fiscal do Estado e
na rigidez e ineficiência dos serviços públicos. A estratégia de transição da reforma
foi, então, executada em três dimensões: 1) na mudança na legislação  reformas
constitucionais; 2) na introdução de uma cultura gerencial; e 3) na adoção de práticas
gerenciais. No âmbito da reforma, o Estado transfere para o mercado as empresas
estatais lucrativas além de descentralizar serviços para o setor público não estatal
como educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Esse processo é denominado
de publicização e envolve, especialmente, as políticas sociais. (BEHRING, 2003) Em
consequência disso, as conquistas da CF de 1988 vêm sendo derruídas, contrariando
o previsto originalmente na Lei e comprometendo a garantia de direitos e a cidadania
no Brasil. Com as contrarreformas realizadas no Brasil, pós 1990,

[...] a configuração dos padrões universalistas e redistributivos de


proteção social foi fortemente tencionada: pelas estratégias de extração
dos superlucros, em que se incluem as tendências de contração dos
encargos sociais e previdenciários; pela supercapitalização, com a
privatização explícita e induzida de setores de utilidade pública em que
se incluem saúde, educação e previdência; e pelo desprezo burguês
para com o pacto social dos anos de crescimento, configurando um
ambiente ideológico individualista, consumista e hedonista ao extremo.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 176
Tudo isso num contexto em que as forças de resistência se encontram
fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores, em
função do desemprego, da precarização e flexibilização das relações de
trabalho e dos direitos. (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 155-156)

Nessa direção, os governos brasileiros têm agido eficazmente no sentido


de implementar medidas que suprimem as garantias sociais e os direitos de
cidadania. Entre outras estratégias supressoras de direitos adotadas pelo Estado
brasileiro com base no aporte neoliberal, pode-se destacar a Lei 13.4567/2017, que
visa o enfraquecimento dos sindicatos e extingue a exigência obrigatória do desconto
da contribuição sindical dos trabalhadores, bem como o recolhimento compulsório das
empresas para entidades laborais. Também podem ser acrescentadas as medidas
que buscam criminalizar os movimentos sociais e as manifestações da sociedade civil,
materializadas por meio da Lei 13.260/2016, que altera o disposto no inciso XLIII do
art. 5o da CF de 1988 e disciplina o terrorismo e o conceito de organização terrorista.

Há claras evidências do aprofundamento do ataque neoliberal aos direitos


de cidadania no Brasil, especialmente após o recente golpe midiático, jurídico e
parlamentar operado contra a Presidenta Dilma Rousseff. O referido golpe teve por
objetivo precípuo “trocar os atuais mandatários por outros mais reacionários, os quais,
não constrangidos por qualquer passado combativo e sindical, podem agora realizar
o ajuste fiscal, tudo isso no grau, no ritmo e na intensidade exigidos pelo capitalismo
brasileiro em crise.” (DEMIER, 2017, p. 91) Consolidado o golpe, em 2016, o governo
de Michel Temer aprovou, logo em seguida, a Emenda Constitucional 095/2016, que
congela investimentos na educação e na saúde pública por 20 anos. O subfinanciamento
dessas políticas públicas visa, tacitamente, forçar a precarização desses serviços com
o propósito de privatizá-los, em atendimento às exigências do mercado.

Mais recentemente, passou a compor o rol de medidas destruidoras dos


direitos e da cidadania no Brasil a contrarreforma da previdência – iniciada pelo
governo de Michel Temer e aprovada no governo de Jair Bolsonaro por meio da
Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 –, defendida e justificada a
partir de três argumentos:

O envelhecimento populacional e a ideia de crise, forjando a imagem


de inviabilidade da previdência pública sob o regime de repartição; as
alegações de altos custos do trabalho, forçando as renúncias tributárias
em favor das empresas, reduzindo a participação do capital no custeio
da previdência pública e ampliando a participação dos trabalhadores;
a falácia de que os investimentos na previdência pública provocam o
aumento da dívida pública dos governos e desequilibram os orçamentos.
(SILVA, 2016, apud SILVA, 2018, p. 135)

A reforma da previdência soma-se aos demais retrocessos acima elencados


que consistem em grandes prejuízos aos trabalhadores. Além disso, é oportuno

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 177
destacar os constantes ataques do governo de Jair Bolsonaro contra a saúde e a
educação públicas – imprescindíveis à população brasileira – e a ameaça contínua de
privatizá-las, colocando-as na mira dos interesses do mercado e de diversos grupos
econômicos.

No campo da educação, especialmente de nível superior, como medidas


contrarreformistas destacam-se: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394/1996); o Decreto nº 2.306/1997, que alterou artigos referentes à
diversificação das IFES; a Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/2004); a Lei nº
11.079/2004, que regulamentou as Parcerias Público-Privadas; o Decreto Presidencial
nº 5.205/2004, que regulamenta as Fundações de Apoio privadas nas IFES; o
ProUni (Lei nº 11.096/2005); a Educação a Distância – EAD (Decreto Presidencial nº
5.622/2005 ), que institui a abertura do mercado educacional nacional para o capital
estrangeiro); o “pacote de abril/2007” (Decreto nº 6.096/2007), intitulado Reuni; e,
mais recentemente, em julho de 2010, a Lei nº 12.349/2010, a partir da conversão da
Medida Provisória nº 495/2010, conhecida como “pacote da autonomia.” (LEITE, 2012).
Acrescenta-se, ainda, em relação à educação, a reforma da estrutura organizacional
da educação e do Ensino Médio (BRASIL, 2017) e a construção e implementação
da BNCC (BRASIL, 2018). Esse processo tem levado à transformação do direito à
educação em mercadoria negociada, visto que, até o final de 2014, entre os 15 ou 16
setores mais lucrativos no mercado de ações presentes na Bovespa estava o setor
educacional. (SGUISSARDI, 2015) A esse respeito, Pereira e Silva apontam:

a) [a] criação de grandes conglomerados de grupos econômicos que


detêm parcela significativa das instituições particulares de Ensino
Superior, como o grupo empresarial transnacional Kroton/Anhanguera
Educacional, um dos maiores acionistas da Bovespa; b) as parcerias com
fundações e institutos – como a Fundação Lemann, Fundação Itaú Social,
Instituto Unibanco, Todos Pela Educação - que, no geral, são vinculados
e/ou sustentados por grupos empresariais que se apresentam como
alternativa à suposta má gestão do Estado brasileiro, e passam a receber
recursos públicos para administrar escolas e gerir sistemas de ensino.
(PEREIRA; SILVA, 2019, p. 540)

Além das contrarreformas já levadas a cabo pelos governos brasileiros, é


digna de nota, igualmente, a contrarreforma administrativa, ora em tramitação no
Congresso Nacional, que, entre outras medidas anunciadas pelo atual governo, visam
à completa subsunção do Estado aos interesses do mercado, em detrimento dos
direitos de cidadania e dos interesses gerais da população braisleira.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 178
Considerações finais
A partir do exposto pelos autores que tratam da gênese da questão social,
especialmente Netto (2001); Pereira (2001) e Iamamoto (2004), é possível afirmar que,
para além do pauperismo, a questão social resulta do embate travado entre o capital e
o trabalho no contexto da industrialização capitalista. Está, portanto, relacionada aos
desdobramentos políticos por ela assumidos e à sua inserção na agenda de debates
da burguesia, como forma de evitar o comprometimento dos pilares de sustentação
do capitalismo.

Nesse sentido, a evolução histórica da luta dos trabalhadores em prol de


condições dignas de sobrevivência e de trabalho – contrapondo-se à naturalização da
miséria que, socialmente problematizada, passou a ser chamada de questão social –,
resultou na conquista dos direitos sociais e da sua materialização por meio de políticas
sociais públicas. Esses direitos, alcançados arduamente no século XX, se somaram
aos direitos civis e políticos conquistados, respectivamente, nos séculos XVIII e XIX,
compondo, assim, o tripé da cidadania liberal, como defende Marshall (1967).

Contudo, as conquistas da cidadania, especialmente do campo social e


político, vêm desmoronando ao longo das últimas quatro décadas em prol das exigências
do projeto neoliberal implementado a partir dos anos de 1980 para responder à crise
de acumulação vivenciada pelo capital no final da década anterior.

Tal projeto, efetivado por meio das medidas neoliberalizantes adotadas


pelos Estados nacionais, têm implicado em sucessivas perdas de direitos para os
trabalhadores do mundo inteiro. Tais perdas têm se dado, também, por meio do
esvaziamento dos processos democráticos, da criminalização dos movimentos sociais;
do enfraquecimento da classe trabalhadora e do encolhimento da luta coletiva voltada
para a redução das desigualdades socioeconômicas e para a garantia de direitos.

Em se tratando do caso brasileiro  cuja formação social sustentou-se


historicamente no trabalho escravo e numa cultura política autoritária, efetivada por
meio da ação do Estado patrimonial e clientelista  os direitos sociais e a cidadania
constituíram-se de maneira contraditória e bastante frágil. Em razão disso, o embate
travado entre o capital e o trabalho no âmbito da sociedade brasileira tem sido
imensamente desfavorável aos trabalhadores, a despeito da sua luta contínua no
sentido de barrar esses retrocessos, que se ampliam cada vez mais.

Portanto, as contrarreformas adotadas no Brasil têm sido responsáveis


pela regressão dos direitos sociais de cidadania e pelo recrudescimento da questão
social, expressa, entre outros aspectos: a) pelo aumento da concentração da renda,
do desemprego, da pobreza, da falta de moradia e da violência que extermina,

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 179
sobretudo, a juventude negra e periférica; b) pela privatização do patrimônio público
e pela transformação dos direitos sociais em mercadoria, a exemplo da educação e
da saúde; c) pela subtração do fundo público em prol dos interesses do mercado,
especialmente do capital financeiro; d) pelo retorno da caridade e da filantropia,
financiada pelo Estado, para fazer frente à pobreza e a miséria, em constante
crescimento; e) pela criminalização dos movimentos sociais e trabalhistas; f) e pelo
ecocídio da biodiversidade e pelo massacre deliberado de ativistas de direitos
humanos e de lideranças indígenas na tentativa de expulsá-las de seus territórios
para beneficiar grandes empreendimentos capitalistas.

Essa realidade, contraditória e sombria, impõe imensos desafios aos


trabalhadores brasileiros que necessitam repensar sua ação política no sentido da
intensificação da luta coletiva e em defesa de uma educação emancipadora que
extrapole a noção de cidadania, com foco somente nos direitos e deveres liberais, e
abranja a cidadania democrática na qual a classe trabalhadora possa, além de ser
dirigida, também dirigir os seus destinos (GRAMSCI. 2006).

Nesse sentido, a ação política da classe trabalhadora, como diz Boron


(2009), requer, inevitavelmente, o conhecimento crítico sobre a estrutura e dinâmica
da sociedade capitalista, bem como a articulação e intensificação da luta social,
numa perspectiva ampla, tendo como horizonte a garantia da igualdade política e
socioeconômica como condição para a construção de uma nova sociabilidade.

Referências
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF, 1988.

_________. Congresso Nacional. Lei nº 9.394. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
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_________. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros


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_________. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil03/ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso: 20
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_________. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições
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EDUCAÇÃO E ENVELHECIMENTO HUMANO: UMA
ABORDAGEM FREIRIANA
José Carlos da Silveira Freire74
Neila Barbosa Osório75
Ana Letícia Covre Odorizzi Marquezan76

Introdução
O artigo problematiza a relação Educação e Envelhecimento Humano a
partir do pensamento de Paulo Freire. Trata-se de uma reflexão teórico-conceitual
sobre a exigência ético-política de se pensar a Educação do Idoso na perspectiva da
autonomia e da formação do sujeito crítico. Em geral, o envelhecimento na(da) pessoa
idosa é visto como um problema social que requer elevados investimentos em políticas
governamentais de assistência e previdência social. Ou seja, o idoso é representado
ora como vítima ora como empecilho de um sistema social que não reconhece sua
dignidade como sujeito de direito. Nesse trabalho concebemos o Idoso como ser social,
de cultura que tem dignidade e que por isso precisa de cuidados e de educação.

A despeito de que haja uma evolução no entendimento do idoso como


pessoa, cidadão e sujeito de direitos, ainda predominam preconceitos e violações do
seu direito de envelhecer com dignidade. Prova disso é o lugar marginal que o Idoso vem
ocupando nos discursos de autoridades do governo federal e de setores da sociedade
no contexto da crise sanitária provocada pelo novo Coronavírus − Covid-19. É neste
contexto ambíguo e contraditório de ataque à dignidade humana que se deve lutar pelo
reconhecimento formal dos direitos da pessoa humana inscritos nos ordenamentos
jurídicos do Estado de Direito e Democrático. Na conjuntura atual de retomada do
neoliberalismo, de retida e de violação dos diretos fundamentais da pessoa Idosa
entendemos que é preciso defender a vida, garantir as condições de produção e
reprodução de todas as pessoas. Afinal o direito à vida é o mais fundamental de todos
os direitos constitucionais (CF/1988, Art. 5. °).

O envelhecimento humano, enquanto objeto de estudo, tem despertado


a atenção de profissionais de diferentes áreas do conhecimento. O interesse por

74 Professor Doutor da UFT/Campus de Palmas. Docente do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da UFT. Membro
do Grupo de Pesquisa em Educação, Políticas Púbicas e Desigualdade Social - GEPEDS/NEPED. E-mail: [email protected]
75 Professora Pós-Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFT na Linha de Pesquisa Estado, Sociedade
e Práticas Educativas. Autora do Programa Universidade da Maturidade na UFT. E-mail: [email protected]
76 Mestre em Educação. Psicóloga e Docente do Centro Universitário de Palmas - Ceulp/Ulbra.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 183
essa temática tem sido atribuído à importância da posição do idoso na sociedade,
notadamente em relação a sua condição de consumidor ou de objeto nas/das políticas
de assistência e previdência pública. O fenômeno do aumento de idosos na pirâmide
etária, em países como o Brasil, tem sido o argumento recorrente na produção
teórica da área. Trata-se de um objeto em construção que requer uma abordagem
multifacetada que evite reducionismos em seu entendimento.

Ser idoso ou ficar velho não é uma questão cronológica ou apenas


semântica. Na verdade não se fica idoso aos 60 anos. Trata-se de uma condição e
possibilidade humana que se ancora numa dupla dimensão: natural e sociocultural.
Natural porque, como os demais seres vivos, implica considerar que o Idoso é um ser
de carências e necessidades, cuja satisfação requer uma relação com a natureza, com
seu corpo inorgânico77, a fim de se produzir como Ser objetivo. Ou seja, o Idoso assim
como qualquer outro indivíduo não sobrevive se não retirar da natureza seus meios
e condições de existência material. Logo, “enquanto ser natural, corpóreo, sensível,
objetivo, ele é um ser que sofre, dependente e limitado, assim como o animal e a planta,
isto é, os objetos de suas pulsões existem fora dele, como objetos independentes dele.”
(MARX, 2004, p. 127).

Isto quer dizer que sua condição originária é a de ser um ente natural que
deve satisfazer suas necessidades imediatas. Entretanto, para prover as necessidades
de autopreservação como comer, habitar, vestir-se precisa retirar da natureza seu
sustento. Ao agir de maneira livre e consciente opera uma transformação da natureza
conforme fins que traça no processo de produção de sua vida. Tal processo se realiza
mediante a associação livre de indivíduos que buscam coletivamente garantir sua
existência como seres humanos. Esse é o caráter sociocultural de sua gênese como
ser histórico e social.

O preconceito contra o Idoso, principalmente aquele de condição social


vulnerável e pobre é revelador do caráter excludente da sociedade e do Estado
capitalista. A primazia dos interesses econômicos, a busca do lucro a todo custo, em
detrimento do direito à vida, constitui o imperativo da sociedade capitalista. A despeito
de considerar formalmente o Idoso como sujeito de direitos o Estado e suas políticas
públicas negam sua efetivação como pessoa e cidadão. A revisão da literatura da
área, bem como, dos documentos oficiais evidencia que o envelhecimento precisa ser
compreendido e assimilado como um direito e uma fase do desenvolvimento humano
que requer investimento em educação, saúde e assistência social.

77 Em Marx (2004), corpo inorgânico é a natureza exterior ao corpo humano, que se apresenta como condição de sua
existência física e espiritual. A natureza inorgânica, constituída pelas plantas, pelos animais, minerais, pelo ar, pela luz, etc.
formam, teoricamente, uma parte da consciência humana e, praticamente, os elementos da vida e da atividade humana.
Como parte da natureza, a universalidade do homem reside no fato de que este faz da natureza inteira o seu corpo
inorgânico, tanto como um meio de vida imediato quanto um objeto/matéria de sua atividade vital (p. 84).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 184
Assim como noutras etapas do desenvolvimento humano a pessoa idosa
necessita continuar aprendendo, o que supõe a socialização de práticas educativas
que possibilite a emergência de suas potencialidades, reconheça seus limites e valorize
seus saberes. Sabemos que a educação não se resume aos processos de socialização
formal que acontece no ambiente escolar. Da infância a velhice “ninguém escapa da
educação...de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela:
para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar.” (BRANDÃO, 2007, p. 07). Ou
seja, nascer é estar submetido à obrigação de aprender, aprender a ser, aprender a
fazer e aprender a conviver. Tudo em nós é aprendido nos contextos de socialização
e de convivência humana. Neste sentido afirma Brandão (2007) que “não há uma
forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde
ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e
o professor profissional não é o seu único praticante” (p. 07). É nesta perspectiva, de
prática sociocultural, que pensamos a educação do Idoso, como prática de cuidado
com a vida e de socialização das práticas culturais que promovem sua autonomia
como ser social.

Sobre a concepção de Educação em Paulo Freire


Historicamente o conceito de educação refere-se ao aprendizado da cultura
para a inserção na vida social. A socialização dos hábitos e costumes acontecia na
forma de impregnação cultural78. No âmbito das civilizações do mundo grego e romano,
a educação confundia-se com a cultura no sentido de “processos de desenvolvimento
humano”, intelectual ou espiritual. Ou seja, a educação como prática cultural é anterior
à ideia de escola como projeto explícito de escolarização.

A cultura letrada, inaugurada na modernidade79, apresenta-se como


exigência do processo de socialização e participação para a vida social e produtiva.
Quando se pensa em educação postula-se pela socialização dos indivíduos, das novas
gerações como “ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não
estão maturas para a vida social” (DURKHEIM, 2011, p. 53-54). É neste sentido que
se concebe a educação como prática social, como processo formal de socialização do
indivíduo aos valores e costumes vigentes numa cultura. Segundo Abbagnamo (2000)

78 Trata-se de uma forma de socialização que se faz pelo conjunto das interações que se produzem no ambiente da criança,
sem que o adulto tenha consciência da ação educativa que ele está a exercer. (Novóa, 1991, p. 110).
79 Conjunto de transformações sócio-históricas, principalmente de ordem cultural, que caracterizou a sociedade moderna
como uma época própria, cujo início se deu com o Renascimento (século XVI) e apogeu com o Iluminismo do século XVIII.
A questão do estatuto e da legitimidade da idade moderna é motivo de polêmicas e controvérsias. Do nosso ponto de
vista, assumimos que a singularidade do projeto da modernidade define-se em torno do princípio da subjetividade, do
horizonte, a partir de onde tudo é pensável. Portanto, o que legitima a modernidade é a emergência de uma racionalidade
autoassertiva, ou seja, a racionalidade não é mais determinada exteriormente, pelos cosmos ou por entidade divina, mas
pela atividade autônoma de reflexão do sujeito pensante (SOUZA, 2005, p. 118).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 185
uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de
geração em geração. Chama-se Educação aos processos sociais que visam garantir
essa transmissão cultural (p. 305 e 305).

Segundo Saviani (1999) a educação escolar moderna é tributária de um


novo tipo de sociedade, a sociedade burguesa-capitalista, fundada no contrato social
assumido livremente entre os indivíduos. O desafio que se punha era o de construir
uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesa. Para tanto era
necessário edificar um modelo de educação com uma estrutura pedagógica capaz de
vencer a barreira da ignorância e converter os súditos em cidadãos. Para a burguesa
nascente a educação escolar teria como papel “difundir a instrução, transmitir os
conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente” Nesta
perspectiva o professor seria o autor dessa obra educativa. Cabe a “escola transmitir
o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são
transmitidos” (p. 17-18).

Entretanto esse modelo de educação centrado no acervo cultural que deve


ser transumido pelo professor, revelou-se inadequado. A promessa de distribuição
igualitária dos conhecimentos disponíveis não se efetivou, pois, esse tipo de escola
tratava igualmente os desiguais. Ou seja, não reconhecia as condições socioculturais
desiguais de acesso ao saber. Na prática havia diferenças de aquisição e domínio do
conhecimento e do desempenho cognitivo. A desconsideração do saber dos alunos
das camadas populares, bem como de suas formas de aprender e viver o mundo
reforçaram a discriminação e sua exclusão da escola centrada na cultura erudita, no
intelecto e nos conteúdos cognitivos foi amplamente denunciada e tematizada por
Paulo Freire80 em seus escritos, no conjunto de sua obra.

A concepção de educação em Paulo Freire é tributária de sua inscrição


sociocultural no movimento de Educação Popular81, ocorrido entre 1960 e 1964. Trata-
se de uma acepção em processo de elaboração e submetido à crítica, especialmente,

80 Paulo Reglus Neves Freire, conhecido por Paulo Freire, foi declarado, pela Lei nº 12.612/2012 como o “Patrono da Educação
Brasileira. ” Nascido em Recife – PE, em 19/09/1921. Paulo Freire notabilizou-se como teórico da educação popular a
partir das experiências e reflexões sobre alfabetização de adultos. Mediante aplicação de seu “Método de Alfabetização”
consegui alfabetizar 300 trabalhadores em 45 dias em Angicos, Rio Grande do Norte, em 1963. Com o apoio do Presidente
Joao Goulart decidiu-se aplicar o método em todo o território nacional. Entretanto e devido o Golpe Militar de 1964 o
plano foi abandona e Paulo Freire foi preso durante 70 dias e depois exilado no Chile entre 1964 e 1969 (Paulo Freire, 1979,
Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire).
81 Conjunto de ideias e propostas alternativas de educação que parte da cultura e se realiza por meio da cultura a fim de
promover a educação do povo. Para Freire, a expressão educação popular designa a educação feita com o povo, com os
oprimidos ou com as classes populares, a partir de uma determinada concepção de educação: a educação Libertadora,
que é, ao mesmo tempo, gnoseológica, política, ética e estética (FREIRE, 1997). Trata-se de uma educação orientada para
a transformação da sociedade, exige que se parta do contexto concreto/vivido para se chegar ao contexto teórico, o que
requer a curiosidade epistemológica, a problematização, a rigorosidade, a criatividade, o diálogo, a vivência das práxis e o
protagonismo dos sujeitos (FREIRE, 1995). (Strek, 2010, pág. 246 a 248).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 186
à autocrítica82 do próprio educador ao longo de sua história. Freire afirma que o
esclarecimento do conceito de educação depende do conceito de Homem. Em sua
definição “(...) o homem é um ser de relações que estando no mundo é capaz de ir
além, de projetar-se, de discernir, de conhecer (...) e de perceber a dimensão temporal
da existência como ser histórico e criador de cultura.” (1959, p. 8). Nessa perspectiva
o homem define-se como um sujeito-no-mundo, “com o mundo”, inserido numa
objetividade, que nesse caso é o mundo enquanto realidade sociocultural. Logo sua
vocação ontológica é a de ser sujeito, ser autônomo, capaz de inserção consciente e
ativa na construção de um mundo adequado as finalidades que estabelece para si.

Entretanto o Homem se sabe incompleto, condicionado. Primeiro pela sua


condição de ser natural que lhe impõe a necessidade de buscar fora de si os elementos
matérias de sua subsistência físico-biológica (alimentar-se, vestir-se, habitar-se etc.).
Segundo e, por decorrência desse, como ser sócio-histórico precisa construir práticas
relacionais, que estabelecem relações sociais e de produção da vida, uma vez que o
indivíduo existe como Ser Humano senão na convivência em grupos familiares e/ou de
caráter sociopolítico. É nesse âmbito de sociabilidade que os indivíduos conquistam
direitos e deveres que condicionam seu pensar e agir. Os direitos sociais e individuais
assegurados nos ordenamentos jurídicos regulam a existência social e individual das
pessoas.

Entretanto, na época moderna, o fundante das relações entre pessoas


e(ou) grupos é a riqueza83 que emerge da propriedade privada84. Segundo Wittmann
(2000) no mundo moderno, “a riqueza potencializa a força, permite comprá-la e pô-
la a seu serviço. Enquanto que a força somente pode ameaçar e castigar, a riqueza
pode também premiar” (p. 90) isto quer dizer que a determinante das relações sociais
fundada na riqueza é a vantagem. Ela, mais do que a força, continua definindo as
relações, em muitos casos.

82 Segundo Scocuglia (1999) uma das principais virtudes de Paulo Freire é submeter-se, em debates e reuniões, a críticas,
encarando-as seriamente, a ponto de modificar conceitos a partir delas. Com isso, a autocrítica permanente faz parte
de seu itinerário intelectual, implicando uma certa seqüência de seus escritos, o que permite rever e alterar categorias e
relações (p. 22).
83 Para Marx (1988): a riqueza aparece para o capital como “imensa coleção de mercadorias” que tem como forma elementar
a mercadoria individual, cuja definição é a de ser “um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz
necessidades humanas de qualquer espécie” (Marx, 1988. pág. 45). Entretanto, é somente sob o capitalismo que a
mercadoria possui duas formas: valor de uso e valor de troca. Na forma de valor de uso ela corresponde ao seu estado
natural, ou seja, em sua dimensão corpórea, física, material, e constituem o conteúdo material da riqueza social, enquanto
valor de uso adquire sua feição de valor de troca, ou seja, se converte numa relação de valor que possibilita a troca
de mercadorias com distintos valores de uso. Isso é possível porque o valor de uso constitui, ao mesmo tempo, suporte
material do valor de troca. A riqueza, ou seja a mercadoria é assim uma relação quantitativa no qual valores de uso de
diferentes espécies se trocam de forma proporcional (MARX, 1998.p. 46).
84 Entendemos como Marx (2008) que trabalho e propriedade privada constitui expressões equivalentes: a primeira refere-
se à atividade, a segunda a realização do produto da atividade. A divisão do trabalho “encerra, portanto a propriedade,
cuja primeira forma, o seu germe, reside na família, onde a mulher e os filhos são escravos do homem” (p.27-28).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 187
Entretanto, na contemporaneidade vem se instituindo uma nova base
material, que é o conhecimento. Sobre o potencial e caráter qualitativo dessa nova
base material, nas relações sociais, assevera Wittmann (2000):

O conhecimento é uma base radicalmente superior para fundar as


relações. Ele não é soma zero. O conhecimento não se (des)gasta quando
usado. Enquanto a força e a riqueza se esvaem no seu uso, o conhecimento
cresce e aumenta, quando usado; multiplica-se quando dividido. Além
disto, o conhecimento não é privatizável. Os mecanismos que procuram
privatizá-lo apenas retardam sua socialização. O conhecimento pode
humanizar e emancipar.

A despeito das situações adversas que negam nosso direito de pensar e


agir Paulo Freire acredita na educação como prática da liberdade, isto é, como ato
de conhecimento, como possibilidade de apreensão crítica da realidade. Portanto é
um ato de um sujeito que ao criar o mundo recria a si mesmo como sujeito sócio-
histórico. Por outro lado, a ciência e seus produtos na sociedade capitalista encontram-
se submetidos aos interesses do capital, usando a educação como instância de
controle da consciência e como mero fator de (re)produção do capital e sua ideologia.
A subsunção da educação ao capital produz uma formação cultural de um sujeito
alienado e heterônomo85, cuja causa se encontra na opressão de classe exercida pela
burguesa sobre os trabalhadores.

Freire entende que não há educação fora das sociedades humanas


assim como não há homem no vazio. Esse é sempre um projeto sociocultural de que
a educação ajuda a realizar. Brandão (2007) expressa esse entendimento de Freire
afirmando que ela é na verdade “uma fração do modo de vida dos grupos sociais que
a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade”.
Ou seja, a educação ajuda a pensar e criar tipos de homens requeridos pela cultura
e a sociedade. Processo esse que se dá pela socialização do saber que os constitui e
legitima. Por isso ela não é uma prática neutra, uma vez que “participa do processo de
produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades”, inscritos nas trocas
de símbolos, bens e poderes que produzem tipos de sociedades (p. 10-11).

A ideia de educação como processo de formação da consciência é cara


na Pedagogia Freirena86. O significado comum do termo consciência87 remete a ideia

85 Aquele que se submete às vontades de uma outra pessoa. Termo derivado de Heteronomia que significa a condição de
um indivíduo ou grupo social que se encontra em situação de opressão, de alienação, de domesticação, aquele que é “ser
para outro” (FREIRE, 1983, p. 38).
86 O significado de pedagogia é mais bem compreendido no contexto do conceito de práxis, no qual Freire tensiona
dialeticamente a ação e a reflexão. A pedagogia se situa no âmbito dessa tensão, em que a prática e a teoria estão em
permanente diálogo. Nesse sentido, pedagogia refere-se a práticas educativas concretas realizadas por educadores e
educadoras, profissionais ou não. Vem a ser o próprio ato de conhecer, no qual o educador e a educadora têm um papel
testemunhal no sentido refazer diante dos educandos e com eles o seu próprio processo de aprender e conhecer (STREK;
REDIN; ZITKOSKI, 2010, p. 538).
87 Consciência é um termo técnico e especializado muito utilizado na Filosofia e na Psicologia. Na filosofia moderna

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 188
“de estar ciente dos próprios estados, percepções, ideias e sentimentos. Ou seja, a
possibilidade de dá atenção a seus modos de ser e a suas ações”. Nessa definição
duas noções são complementares: a noção de moral, relacionada a capacidade
de autorregular-se e, teórica, como instrumento de conhecimento da realidade
(ABBAGNANO, 2000, p. 185).

Como dito, anteriormente, o homem é um ser de relações e não só de


contatos. Como ser natural e humano é um ser objetivo, inserido no mundo, que precisa
produzir sua existência. Entretanto suas necessidades não são apenas de ordem
biológica (comida, abrigo, procriação, etc.) mas, também, de ordem social. Sua ação
no mundo não é só objetiva, mas também subjetiva. Ou seja, ele estar no mundo e com
o mundo. Sua atividade se distingue dos animais em geral pelo modo como atua no
mundo, isto é, sua atividade é livre e consciente e orienta-se por uma finalidade. Sua
consciência opera transformações no real como exigência deste, mas sempre a partir
da produção de fins88 e de conhecimentos89 que se elaboram antes, durante e depois
do processo de trabalho. Ou seja, sem a intervenção da consciência não há trabalho
humano, pois, essa prefiguração ideal do resultado de uma atividade prática, real é
o que distingue a atividade do homem de qualquer outra atividade animal. O homem
age conhecendo, do mesmo modo que se conhece agindo.

A despeito de que a consciência seja um atributo humano, condição de


efetivação da existência humana, nossos atos nem sempre expressam uma adequada
relação entre fins e resultados. Em geral nossa consciência da realidade é imediata,
direta, aparente. O mundo é percebido de forma ingênua, como um todo harmônico,
onde os indivíduos devem cumprir sua função no seio de sua cultura e sociedade.
Ou seja, esse não se apresenta como algo complexo e problemático que necessita
ser conhecido, logo não requer sofisticado trabalho de elaboração teórica. O mundo
é como é, seus fins socioculturais já estão definidos. Cabe-nos apenas adaptá-los e
cumprir nossa função definida pelo sistema. Paulo Freire se contrapõe a essa forma
de consciência que apenas reproduz o mundo como ele é. A consciência precisa
se libertar de sua relação imediata com a realidade. Para tanto cabe à educação
promover uma conscientização, ou seja, promover situações e práticas de superação
da consciência enquanto mero reflexo da realidade, ou seja, a conscientização consiste

e contemporânea designa “uma relação da alma consigo mesma, de uma relação intrínseca ao homem, “interior” ou
“espiritual”, pela qual ele pode conhecer-se de modo imediato e privilegiado e por isso julgar-se de forma segura e infalível.
Trata-se, portanto, de uma noção em que o aspecto moral - a possibilidade de autojulgar-se - tem conexões estreitas
com o aspecto teórico, a possibilidade de conhecer-se de modo direto e infalível (ABBAGNANO, 2000, p. 185).
88 Para Vasquez (1977) A proposição de fins constitui uma atividade teleológica, atividade da consciência que traz implícita
uma exigência de realização, pois tende a fazer do fim uma exigência de realização (p. 223)
89 Trata-se da atividade cognoscitiva, ou seja, da atividade da consciência que produz teorias, conceitos e hipóteses como
exigência de efetivação de fins ou propósitos estabelecidos pela atividade teleológica e da prática social do trabalho (idem).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 189
no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. Como dirá Freire (1979):

a conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea


de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual
a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume
uma posição epistemológica”. A conscientização é, neste sentido, um teste
de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade,
mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos
encontramos para analisá-lo (p. 11)

Nessa perspectiva a relação entre conscientização e mundo é dialética. Ela


não pode existir fora das “práxis”90. A conscientização não pode existir sem o ato ação-
reflexão. Trata-se de uma atitude crítica dos homens e mulheres perante o mundo.
Para tanto é necessário ter uma utopia91, ou melhor assumir uma posição utópica
frente à realidade. Por tanto não há conscientização ou consciência crítica sem utopia,
pois esta é referência, o motor que sustenta a possibilidade de mudança social.

A concepção de Educação como formação da consciência crítica, em


Paulo Freire, visa a construção da autonomia92 individua e coletiva. Trata-se de um
conceito que na acepção liberal moderna, guarda estreita relação com a ideia de
liberdade. Nesta perspectiva configura-se uma concepção geral de autonomia como
liberdade do indivíduo ou de uma instituição, ou seja, ausência de coerção externa
e independência frente a algo que limita ou constrange a liberdade individual ou
institucional. Certamente não é nesse sentido como livre-arbítrio que Paulo Freire define
autonomia como liberdade. Na verdade, ele postula a autonomia como experiência da
liberdade. Liberdade não apenas subjetiva no sentido de liberdade de consciência e
crença, pensar e agir criticamente no mundo, mas, também, como liberdade política ou
de participação na gestão da coisa pública, que garante o direito de fazer a crítica da
opressão e dominação social.

90 Trata-se de um conceito básico que perpassa toda a obra de Paulo Freire. É indissociável do pensamento, da análise e da
compreensão do papel da educação na sua globalidade. Está intimamente ligado aos conceitos de dialogicidade, ação-
reflexão, autonomia, educação libertadora, docência (...) Práxis pode ser compreendida como a estreita relação que se
estabelece entre um modo de interpretar a realidade e a vida e a consequente prática que decorre desta compreensão
levando a uma ação transformadora. Opõe-se às ideias de alienação e domesticação, gerando um processo de atuação
consciente que conduza a um discurso sobre a realidade para modificar esta mesma realidade (ROSSATO, 2010, p. 574 In:
STREK; REDIN; ZITKOSKI, 2010).
91 Na obra Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, é explícita sua
compreensão de que “o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e
anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante” (p. 27). A utopia freiriana
está relacionada à concretização dos sonhos possíveis (ver verbete) e decorre de sua compreensão da história como
possibilidade, ou seja, a compreensão acerca de que a realidade não “é”, mas “está sendo” e que, portanto, pode vir a ser
transformada (FREITAS, 2010, p. 720).
92 A palavra autonomia provém do grego autós, que significa “por si mesmo,” e de nómos, que significa “lei, regra, modelo”,
mas também de nomós, que significa uma “região delimitada, denotando a ideia de distrito, comarca, território”. No âmbito
da democracia grega, refere-se às formas de governo autárquicas, isto é, à capacidade das cidades-estados realizarem
suas próprias leis (CURY, 1989).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 190
Em suma, Freire postula a autonomia como práxis sócio-histórica que visa
à emancipação humana. Nesse sentido autonomia é a condição e possibilidade do
homem, como ser livre e consciente produzir sua existência como ser social. A essência
e efetividade humanas constroem-se nas práxis produtivas dos homens, e não
elaborações morais desligadas das determinações sócio-históricas que constituem a
humanidade do homem (FREIRE, 2013, p. 62).

Considerando as concepções de educação de Freire reveladas nesse texto


indagamos sobre as condições do envelhecimento Humano na atual conjuntura sócio-
histórica. Como dissemos na introdução desse trabalho no intuito é o de problematizar
a relação Educação e Envelhecimento Humano a partir do pensamento de Paulo
Freire. Cotejamos seu pensamento em sua elaboração sobre o conceito de Educação
como prática de liberdade, como conscientização na perspectivada da autonomia. Daí,
questionamos: em que medida os princípios fundamentais da Pedagogia Freireana
podem ser utilizados para se pensar o desenvolvimento e a educação de idosos numa
perspectiva de envelhecimento autônomo? Vamos refletir sobre essas questões.

Envelhecimento autônomo: considerações sobre desenvolvimento e


educação do Idoso na atualidade.
Dissemos anteriormente que ser idoso não é uma questão cronológica. De
nossa elaboração genérica sobre o conceito de Homem depreendemos que envelhecer
é uma condição natural e sociocultural dos indivíduos no processo de produção de sua
vida e existência. Logo o envelhecimento precisa ser compreendido e assimilado como
um processo e um direito humano dentro do contínuo que é a vida: ser infante, ser
adolescente-juvenil, ser adulto e ser idoso. A vida requer que seja aprendida como um
todo que necessita de cuidados e de educação especifico, conforme cada fase vivida.

Segundo dados da Unesco em ternos globais o número de pessoas Idosas


– com 60 ou mais anos de idade – está projetado para aumentar 1,4 bilhão em 2030
e 2,1 bilhões em 2050. Isto significa crescimento exponencial em todas as regiões
do mundo, exceto a África, ou seja, teremos no mundo quase um quarto ou mais de
pessoas com 60 anos de idade ou mais. No Brasil a projeção indica que teremos 32
milhões de pessoas acima de 60 anos até 2025. Atualmente temos 8,6% da população
brasileira constituída por idosos. A população com 60 anos ou mais está crescendo a
uma taxa de cerca de 3% por ano. Globalmente, a população com 60 anos ou mais
está crescendo mais rápido que todos os grupos etários mais jovens (OSÓRIO, 2000).

Os termos velhice, idoso, terceira idade e outros recortes etários servem


para delimitar períodos das fases da vida e conferir identidades aos seus referentes.
Na verdade, esses atributos não são naturais, sendo antes produzidos socialmente

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 191
para discriminar períodos históricos. Rozendo & Justo (2011) realizam uma análise a
diferenciação da terceira idade no processo de envelhecimento. Para tanto, apoiam-se
na obra de Debert (1999) ‘A Reinvenção da Velhice’. Nesta obra a antropóloga fornece
uma análise do processo que vem presidindo a construção social da velhice no Brasil.
Atualmente, a questão do Idoso faz presente no debate sobre políticas públicas. A
gereontologia, ‘ciência da velhice’, já tem elementos teóricos para ajudar a pensar as
ações de cuidados e de educação. Esse é o intento desse trabalho. Segundo Debert
(2009) “as nomenclaturas servem para delimitar as diferenças entre dois públicos
bastante distintos. Enquanto o termo velhice serviria para designar um período da
vida de retraimento frente à pobreza, à dependência e à passividade, o termo terceira
idade serviria para assinalar os idosos ativos, inclusive sexualmente, aptos a desafios
e às novas experiências, com poder aquisitivo suficiente para preterirem os estigmas e
os sinais estéticos do envelhecimento.

Segundo Osório (2000, p.25) “o problema não é envelhecer, pois faz parte
do ciclo ou desenvolvimento humano, e sim a ‘condição anciã’, isto é, a situação na qual
a sociedade e o Estado tratam do velho em relação aos seus limites e possibilidades”.

Nesse contexto, a educação para o Idoso surge como uma possibilidade de


autoeducação, voltada para um envelhecimento com autonomia, valorizando o Idoso
como ser que produziu e produz saberes e conhecimentos que podem e devem ser
socializados. Nesta perspectiva, os princípios da Pedagogia Freireana como diálogo,
conscientização, participação, formação contínua devem orientar os programas e
projetos que tem como horizonte a autonomia dos sujeitos Idosos.

Nesse sentido a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire contribui para se


pensar estratégias de cuidado (corpo) e de educação (moral e intelectual) dos Idoso
como condição para potencializar a criatividade e seu reconhecimento como sujeitos
de aprendizagem em busca do envelhecimento ativo e consciente. Para isso, devem-
se propiciar situações socioeducativas de valorização da pessoa do Idoso e de seus
talentos, com suas vivências, experiências e saberes.

Na educação para autonomia é preciso que o Idoso compreenda que é


um ser social e cultural, que é fundamental ver e estar com pessoas, compartilhar as
vicissitudes e prazeres da vida. Ou seja, é imprescindível expandir e viver as relações
sociais. (OSÓRIO, 2000).

O Idoso ou Velho que procura conviver, relacionar-se com outros, deixa


sempre acessa a chama da vitalidade, da alegria, da expressão de opinião, da
descoberta do novo, das relações sociais. Para um envelhecimento com mais qualidade,
e que seja uma fase interessante que sirva de exemplo para os mais jovens, é preciso
se manter ativo para construir uma nova e boa visão sobre o envelhecimento. (CÔRTE;
BRANDÃO, 2011).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 192
Beauvoir (1990) destaca que “a velhice não é um fato estático; é o resultado e
o prolongamento de um processo. Mudar é a lei da vida”. Acredita-se que educação
para autonomia que a Gerontologia deve promover aplica-se ao desenvolvimento
físico e moral do Idoso, assim como fortalece o potencial criativo na velhice. Além disso,
proporciona maneiras novas de se relacionar, criar e cultivar amizades, descobrir novos
hobbies, como música, dança, informática, atividades comunitárias, pintura, enfim.

Segundo Marquezan (2016) a dimensão da criatividade deve ser estimulada na


educação para o envelhecimento ativo e consciente. Considerando a capacidade de
aprender ao longo da o Idoso precisa desenvolver seu potencial criativo. Cabe à educação
pensar e desenvolver atividades práticas que demandam essa potencialidade.

Sem esgotar as inúmeras possibilidades de se pensar a relação educação e


envelhecimento em Paulo Freire, na perspectiva da autonomia, recomendamos que
sejam realizados estudos e pesquisas visando explorar o potencial teórico e metodológico
do pensamento e da Pedagogia Freirena, principalmente no que diz respeito aos
procedimentos metodológicos para execução de projetos de reconhecimento do
envelhecimento como experiência humana referenciada socialmente na emancipação
dos sujeitos.

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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 194
ALUNOS(AS) INDÍGENAS: UMA ANÁLISE SOBRE O
BAIXO COEFICIENTE DE RENDIMENTO ACADÊMICO
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
Jaquelliny Odete C. de O. Teixeira93
Célia Maria Grandini Albiero94
Marília de Fátima Marques Lopes Golfeto95

Introdução
Este estudo explana os resultados da execução do Projeto de Intervenção,
que foi elaborado e executado para a disciplina de Estágio e Supervisão Acadêmica
III e IV em 2017.1 a 2017.2, do curso de Serviço Social do Câmpus de Miracema da
UFT, envolvendo um processo de investigação, através da aproximação com os(as)
alunos(as) indígenas entrevistados.

A temática deste estudo partiu da discussão em sala de aula sobre a


Educação como uma política social pública, enquanto um direito fundamental da
Constituição Federal de 1988, com ênfase na Educação Superior e na lei de cotas
para a população indígena, bem como, os mecanismos disponíveis  a Política de
Assistência Estudantil e o Programa Bolsa Permanência − MEC (PBP-MEC)  para
propiciar a garantia de permanência dos estudantes indígenas no ensino superior
público, gratuito e de qualidade.

A proposta do estudo objetivou: a) a discussão sobre a equidade social que


assegure a universalidade de acesso aos bens e serviços da universidade, visando à
garantia dos direitos dos(as) alunos(as) indígenas à formação superior de qualidade,
consoante com a Política de Educação Superior; b) a prevenção da não retenção e não
evasão acadêmica, através da proposição de ações que garantam a permanência do
discente indígena na universidade; c) a contribuição para a melhoria do coeficiente de
rendimento acadêmico do(a) estudante indígena que participa do PBP–MEC.

93 Graduanda em Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – Câmpus de Miracema. Membro do Grupo de
Estudo e Pesquisa sobre Serviço Social, Formação e Exercício Profissional (GEPESSFEP).E-mail: [email protected]
94 Professora Associada II da Universidade Federal do Tocantins (UFT/TO). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Serviço Social, Formação e Exercício Profissional (GEPESSFEP).
E-mail: [email protected].
95 Professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT/TO), supervisora de campo, coordenadora do projeto de
extensão: “Análise dobaixo coeficiente acadêmico indígena da UFT”. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 195
Ressalta-se que o Coeficiente de Rendimento Acadêmico (CRA) é a média
que avalia o desempenho acadêmico do discente ao fim de cada semestre letivo. O
valor varia de 0 (zero) a 10 (dez), e é calculado levando-se em consideração dois fatores:
a) o valor de créditos da disciplina cursada e b) o resultado final da disciplina cursada.
Também, é possível conhecer o coeficiente de rendimento geral para saber qual é o
desempenho acadêmico geral do discente durante todo o período da graduação e
não apenas no semestre. Além de servir como uma maneira de avaliar o desempenho
acadêmico, tal Coeficiente de Rendimento é relevante para a vida acadêmica do
estudante, porque serve como base de critério para seleção de participação em vários
programas dentro da própria universidade, e ainda, como em programas de pós-
graduação, porque, tal rendimento acadêmico irá acompanhar o currículo acadêmico.

Através do estudo foi possível identificar as prováveis causas do baixo


coeficiente de rendimento dos(as) acadêmicos(as) indígenas da Universidade Federal
do Tocantins (UFT) – Câmpus de Miracema, e indicar algumas alternativas de ação que
propiciem as suas melhorias dentro desse segmento específico.

O projeto partiu da necessidade de intervenção na realidade vivenciada


pelos(as) acadêmicos(as) indígenas da UFT − Câmpus de Miracema, detectada
através da realização do estágio supervisionado no setor do NAPS96 na UFT − Câmpus
de Miracema. Nesse primeiro contato, mediante as demandas apresentadas pelos
estudantes observou-se que, dentre eles, um grande número de bolsistas apresentava
o coeficiente de rendimento menor que 07 (sete), taxa considerada de baixo
desempenho escolar pela UFT, podendo acarretar em retenção e evasão acadêmica,
pois, o(a) aluno(a) bolsista indígena não detém condições materiais para manter-se na
universidade sem a remuneração do Programa Bolsa Permanência.

No decorrer da investigação teórica e da realidade econômica e social dos


sujeitos pesquisados recorreu-se à discussão crítica em torno da Política de Educação
e de Assistência Estudantil em âmbito do ensino superior, tendo como referência inicial
a Constituição Federal de 1988, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Evidencia-se que a ampliação ao acesso à educação superior, promovidos pelo REUNI
e pela política de cotas para determinados segmentos da população, embora tenha
propiciado o ingresso no ensino superior, não visam à permanência e nem à qualidade,
pois houve a massificação em detrimento da democratização.

96 Núcleo de Apoio Psicopedagógico Social – NAPS. Composto por Assistente Social, Pedagogo e Psicólogo com as atribuições
de informar e realizar o cadastramento dos acadêmicos para o acesso aos programas de assistência estudantil;
acompanhar o acadêmico, visando evitar a evasão acadêmica; acolher as demandas da comunidade acadêmica;
identificar as dificuldades de aprendizagem dos acadêmicos; realizar oficinas de orientação profissional e de orientação
de carreira; desenvolver atividades específicas para indígenas e quilombolas; entre outras. (NAPS, 2015).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 196
A expansão do acesso foi permeada por Programas Nacional de Assistência
Estudantil (PNAES) e o Programa Bolsa Permanência – MEC, para que os ingressantes
dos novos perfis socioeconômicos pudessem permanecer na universidade e concluir
os estudos de ensino superior. Tornou-se necessária a ampliação e a discussão destes
fatores, também na atuação do Serviço Social, bem como, suas demandas e atribuições
na UFT – Câmpus de Miracema.

Políticas de educação e assistência estudantil no âmbito do ensino superior


A educação é um direito estabelecido na Constituição Federal de 1988, e
para que esse direito seja garantido, de forma abrangente, implementou-se a Política
Educacional através de legislações como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), e outros textos federais como o Plano Nacional de Educação, Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), Programa Nacional
de Assistência Estudantil (PNAES), criados para aprimoramento estadas colocações
citadas na Constituição Federal de 1988.

A CF de 1988, afirma que a educação é dever do Estado e da Família e tem


princípios como, por exemplo, a criação de condições para acesso e permanência na
escola; e a oferta do ensino de qualidade. Como se pode observar nos artigos:

Art. 205º. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,


será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206º. O ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios: I-  Igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola;VII- Garantia de padrão de
qualidade. (BRASIL, 1988, p.136).

É dever do Estado, criar meios para o acesso à educação dos estudntes,


assim como suas permanências com qualidade, tanto na educação básica como na
educação superior, profissionalizante e tecnológica; sendo que a formação contribui
para o desenvolvimento do país, como é colocado na LDB/96 (2015, art.43º, inciso
II p. 36), “II-Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para
a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, e colaborar na sua formação”.

Segundo Alves (2002), a educação na legislação brasileira, é instituída como


um direito fundamental e universal, e faz-se instrumento de formação na luta pelos
direitos da cidadania e pela emancipação social, sendo parte primordial na formação
do ser humano, e suas relações com a sociedade.

De forma a ampliar o acesso e a garantia da permanência com êxito


na educação superior pública, institui-se o Programa de Apoio aos Planos de

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 197
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) em 2007, “[...] com
objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação
superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de
recursos humanos existentes nas universidades federais.” (DECRETO 6096, 2007, Art.
1º, p. 01).

Para executar o objetivo do REUNI, de ampliação do acesso à educação


superior, foi necessária a formulação de meios para tal, por exemplo, a Política de
Cotas. Silveira (2012) afirma que:

Para atingir a meta de aumento do número de matrículas em cursos de


graduação, o Ministério da Educação vem criando políticas de acesso que
garantam que mais brasileiros consigam ingressar no ensino superior.
Também foram aprovadas políticas de cotas para pessoas com deficiência,
afrodescendentes, indígenas e oriundos do ensino público. (SILVEIRA,
2012, p. 36).

De acordo com a lei de cotas, as instituições deverão ofertar, em cada


concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo
50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado
integralmente o Ensino Médio em escolas públicas, inclusive em cursos de educação
profissional técnica. Destas 50%, a metade deverá se destinar aos estudantes com
renda familiar bruta igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita; e a outra
metade, aos autodeclarados: pretos, pardos e indígenas. (Lei 12.711, 2012).

A política de cotas ampliou o acesso à educação superior de forma


significativa, cedendo a possibilidade de ingresso de alguns segmentos específicos, com
o objetivo de se estabelecer a equidade de acesso ao ensino superior de cidadãos que,
historicamente, foram alijados desse processo, tal qual, os indígenas e quilombolas.

A partir das diretrizes do REUNI e da Política de Cotas, perceberam-se as


ações realizadas pelo governo para a “democratização” do ensino superior, sendo que
estas proporcionaram, de fato, maiores oportunidades de acesso à educação superior
pública para determinados segmentos da população que, por algum motivo, não
detinham condições de ingresso à graduação. Conforme Alves (2002, p. 04) afirma:

A busca da redução das desigualdades socioeconômicas faz parte do


processo de democratização da universidade e da própria sociedade
brasileira. Essa democratização não se pode efetivar apenas mediante
o acesso à educação superior gratuita. Torna-se necessária a criação
de mecanismos que garantam a permanência dos que nela ingressam,
reduzindo os efeitos das desigualdades apresentadas por um conjunto
de estudantes, provenientes de segmentos sociais cada vez mais
pauperizados e que apresentam dificuldades concretas de prosseguirem
sua vida acadêmica com sucesso.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 198
Nota-se a necessidade da existência, não apenas das políticas de
acesso, mas, também, de uma política de assistência aos estudantes contando com
acompanhamentos da vida acadêmica e auxílios frente aos recursos financeiros,
para que se propicie satisfatoriamente a garantia de permanência e conclusão
da graduação com êxito, criando maneiras para que os novos ingressantes com
dificuldades socioeconômicas e diferenças étnicas ou culturais possam permanecer
na universidade e concluir o curso superior com qualidade. No âmbito da legislação,
em 2010 criou-se, através do Governo Federal, o Programa Nacional de Assistência
Estudantil (PNAES), para ser executado pelo Ministério da Educação com finalidade
de desenvolvimento de programas nas Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES) que ampliassem as condições de permanência aos estudantes inseridos em
vulnerabilidades97 econômicas. (BRASIL, 2010).

Assim, o art. 2º do Decreto que dispõe sobre o PNAES, tem os seguintes


objetivos:

I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação


superior pública federal;II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais
e regionais na permanência e conclusão da educação superior;III - reduzir
as taxas de retenção e evasão; e IV - contribuir para a promoção da
inclusão social pela educação. (BRASIL, 2010, p.01).

No âmbito da assistência estudantil, foi criado o PBP−MEC, que é uma ação


do Governo Federal, instituída pela Portaria Nº 389, de 09 de maio de 2013, destinada
à concessão de bolsas-permanências aos estudantes indígenas e quilombolas de IFES
detentores de situações socioeconômicas precárias, essa ação foi decorrente das
contradições que permeiam a sociedade capitalista que ocasionam as multifacetadas
expressões e manifestações da questão social.

O PBP−MEC é um auxílio financeiro que tem a finalidade de minimizar as


desigualdades sociais e contribuir para a permanência e a diplomação dos estudantes
de graduação em situação de precarização socioeconômica. Tem um valor diferenciado
dos auxílios pagos aos demais estudantes, em virtude das especificidades dos
indígenas e quilombolas “[...] com relação à organização social de suas comunidades,
condições geográficas, costumes, línguas, crenças e tradições, amparadas pela CF de
1988.” (BRASIL, 2013, p. 02).

Nessa perspectiva, Silveira (2012) argumenta que a política de assistência


estudantil,

97 Essa terminologia é utilizada pelos Organismos Internacionais, por exemplo, pelo Banco Mundial, sem considerar os
aspectos econômicos, sociais e políticos, culpabilizando os trabalhadores pela precarização da sua vida. Desconsidera as
contradições advindas da relação capital e trabalho no modo de proidução capitalista.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 199
[...] embora tenham como finalidade destinar recursos e mecanismos
para que os estudantes possam permanecer na universidade e concluir
seus estudos, essas políticas não devem se voltar apenas para a parte
econômica, devendo também ser trabalhadas em consonância com
aspectos pedagógicos e psicossociais, ou seja, a partir de uma política
pública pensando o indivíduo como um todo. (SILVEIRA, 2012, p. 50).

Percebe-se que a assistência estudantil não é apenas uma concessão de


bolsas e auxílios, mas um conjunto de ações que envolvem além da questão econômica,
dessa forma nota-se a importância da atuação da equipe que executa a política
estudantil nas IFES, que deverá criar meios para a efetivação desse objetivo em todos
os âmbitos da política.

Partindo-se do pensamento da necessidade de uma equipe que atue e


acompanhe os alunos em suas dificuldades, constata-se a importância da atuação do
Assistente Social na educação, e neste caso, nas IFES, de forma atuante na garantia
de que os alunos universitários permaneçam e concluam suas graduações com
qualidade. Assim, no item abaixo, aborda-se sobre a atuação do Serviço Social na
educação superior.

Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de 2016−2020, a


Política de Assistência Estudantil consiste “[...] num conjunto de ações voltadas para a
promoção do acesso, da permanência e do êxito dos estudantes, na perspectiva da
inclusão social, da produção do conhecimento, da melhoria do desempenho escolar e
da qualidade de vida”. (UFT, 2016, P. 97). E dentre os objetivos da Assistência Estudantil
ressalta-se a necessidade de:

Identificar necessidades e propor planos, programas, projetos e ações


de apoio à comunidade universitária, em consonância com as demais
políticas institucionais que assegurem aos discentes os meios necessários
para sua permanência e sucesso acadêmico. (UFT, 2016, P. 98).

Na Universidade Federal do Tocantins (UFT) existe a Pró-Reitoria de Assuntos


Estudantis (PROEST) que atua como a gestora da Política de Assistência Estudantil,
tendo por competência: gerir as ações do PNAES no âmbito da UFT, desenvolvendo a
política de assistência estudantil através dos programas de auxílios para os estudantes
da UFT, respeitando às especificidades de cada Câmpus da Universidade.

Vinculada a PROEST está o Serviço Integrado Multiprofissional e


Interdisciplinar de Assistência Estudantil com profissionais da área de Serviço Social,
Pedagogia, Psicologia, Enfermagem, além de outras áreas que poderão integrar o
serviço, pois cada campi da UFT deverá ter uma equipe dessa, tendo por objetivo:

[...] atender as demandas inerentes à política de assistência estudantil


da UFT, que busca assegurar o acesso e a permanência na instituição de

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 200
ensino, de forma sistemática, ampla e integral, por meio de uma intervenção
multiprofissional e interdisciplinar. Pauta-se pela apreensão das várias
dimensões dessa política, através da identificação dos determinantes
sociais, políticos, culturais e econômicos que perpassam a realidade de vida
do aluno. (RESOLUÇÃO CONSUNI UFT nº 27, 2010, Art. 1º).

A PROEST é a responsável pela gestão, criação e implementação dos


programas de assistência estudantil tendo por base o PNAES, então, em cada campus
universitário da UFT há uma equipe que atua na execução dos programas, realizando
análises sociais dos estudantes visando ao cadastramento nos programas, através de
acompanhamento destes estudantes, para tentar evitar a evasão acadêmica.

A UFT, através do PNAES, procura atender às demandas dos estudantes


diante do auxílio estudantil em áreas prioritárias como: a) auxílio moradia; b) auxílio
permanência; c) auxílio saúde; d) auxílio alimentação; e) auxílio transporte; f) auxílio
eventos; g) auxílio esporte e lazer; h) auxílio creche; e muitos outros programas e auxílios
estudantis98; dentre estes, encontra-se o programa em questão deste estudo, ou seja,
o Programa Bolsa Permanência MEC.

Atuação do Serviço Social no contexto contemporâneo junto à política de


educação
O Serviço Social caracteriza-se como uma profissão que intervém em
diversas realidades da sociedade, sendo essas realidades as consequências das
expressões e manifestações da “questão social”, originárias do modo de produção
capitalista em que estamos inseridos.

As intervenções realizadas pelo(a) Assistente Social embasam-se no Projeto


Ético-Político da profissão, resultado de um processo histórico intenso de construção
constante em torno de implicações éticas na profissão. O Projeto Ético-Político
fundamenta-se: a) na construção de uma nova ordem societária, sem exploração
ou dominação de classe, etnia e gênero; b) na eliminação de todas as formas de
preconceitos; c) na ampliação da cidadania com vistas à garantia dos direitos civis,
sociais e políticos das classes trabalhadoras. É com base nesse projeto que o Código
de Ética do Assistente Social foi formulado:

98 Programas e auxílios estudantis oferecidos no âmbito da UFT: I - Programa de Integração dos Discentes Ingressantes -
PIDI; II - Programa Auxílio Alimentação - PAA; III - Programa Moradia Estudantil - PME; IV - Programa Auxílio Transporte
- PTr; V - Programa Auxílio Permanência - PAP; VI - Programa Esportes e Lazer - PROEL; VII - Programa Apoio à
Participação dos Discentes em Eventos - PAPE; VIII - Programa Acompanhamento Acadêmico - PROAC; IX - Programa
Auxílio Saúde - PSaúde; X - Programa Auxílio Creche - PAC; XI - Programa Apoio ao Discente Ingressante -PADI; XII -
Programa Inclusão e Acessibilidade - PAEI; XIII - Programa Bolsa Permanência MEC - PBP; XIV - Programa Institucional
de Bolsa de Extensão - PIBEX; XV - Programa de acesso democrático à Universidade - PADU; XVI - Programa de Acesso
Democrático de Indígenas e Quilombolas PADIQ; XVII - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC;
XVIII - Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica - PIVIC; XIX - Programa de Mobilidade Acadêmica - PMA;
XX - Programa Institucional de Monitoria - PIM; XXI - Programa Institucional de Monitoria Indígena - PIMI; XXII - Programa
de Educação Tutorial - PET; XXIII - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID (UFT, 2017, p. 5-6).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 201
Tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético
central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade
de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a
autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais.
Consequentemente, o projeto profissional vinculasse a um projeto
societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem
dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. (NETTO, 1999, P.
104-105).

Como as próprias legislações embasam que o agir profissional do(a)


Assistente Social deve ser em prol da classe trabalhadora, dos pobres, dos oprimidos,
dos excluídos, então, deve-se combater toda forma de preconceito, exclusão,
homofobia, ou seja, o(a) Assistente Social trabalha diretamente com as expressões e
manifestações da questão social, consequência do modo de produção capitalista em
que a sociedade encontra-se inserida.

Na política de educação, considerados seus diversos níveis e modalidades


de ensino, manifestam-se as mais variadas expressões da questão
social, que interferem no processo de ensino e aprendizagem. [...]Esta
realidade tem prejudicado as finalidades do processo educacional, tem
negligenciado demandas que se colocam como violação de direitos
dos/as educandos/as[...].A constituição de uma política educacional
fundamentada na formação humana integral e emancipatória sugere
a afirmação do atendimento das necessidades sociais e comunitárias,
a afirmação dos direitos sociais, dos valores democráticos e de justiça
social e, em especial, a construção de uma nova ordem societária. Dessa
forma, a atuação do Serviço Social espraia-se como possibilidade de
enfrentamento das manifestações da questão social. (ALMEIDA, 2011,
p.58-59).

A inserção do(a) Assistente Social na política de educação deve ir ao


encontro da luta pelo direito ao acesso e à permanência do aluno na escola, assim
como, na efetivação da educação como um direito social; conforme expõe Almeida:

A presença dos assistentes sociais na educação, tem sido tomada como


a presença de um profissional que possa contribuir com a ampliação do
processo educacional em sentido amplo, ou seja, contribuindo para o
acesso e a permanência das crianças e jovens na educação escolarizada
e superior, assim como para a extensão dessa convivência para outros
membros da família, que por razões sociais diversas não concluíram ou
experimentaram plenamente esta oportunidade. (ALMEIDA, 2005, p. 06).

Observa-se que a partir da criação da política nacional de assistência


estudantil houve um aumento no quadro de vagas de assistentes sociais voltado
ao trabalho em universidades e institutos federais. E, que, a maior parte “[...] dos
assistentes sociais nomeados para trabalhar nas universidades recebe como principal
atribuição o planejamento e a execução da assistência estudantil, sendo lotados nos
campi universitários ou nas pró-reitorias.” (SILVEIRA, 2012, p.113).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 202
A atuação do Assistente Social, no âmbito das universidades públicas, está
mais direcionada à política de assistência estudantil, com atribuições de: a) planejamento,
implementação e execução da política; b) realização de análise social dos estudantes
para cadastramento nos programas de assistência estudantil; c) companhamento
dos estudantes visando evitar a evasão acadêmica; d) trabalho interdisciplinar
visando à efetivação dos direitos sociais através do esforço coletivo; e) promoção de
discussões dos problemas sociais e educacionais junto a toda comunidade acadêmica,
trazendo para discussão diferentes temas que perpassam o ambiente universitário;
f) realização de atividades que desenvolvam o fortalecimento de segmentos sociais
como o movimento estudantil, sindicatos, associações de moradores e profissionais da
educação, apoiando, assim, o processo de mobilização social; g) realização de visitas;
enfim, são muitas as atribuições do Assistente Social nos espaços das universidades
públicas. (SILVEIRA, 2012)

O(a) Assistente Social, diante da realização do Projeto de Intervenção no


Câmpus de Miracema, tinha como atribuição as seguintes atividades: a) análise do baixo
coeficiente acadêmico indígena; b) atuação na busca pela garantia do amplo e integral
acesso e permanência do estudante indígena no Ensino Superior, fundamentado
na legislação vigente, quais sejam: 1) Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB);
2) Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e 3) Programa Bolsa
Permanência MEC.

Além das atividades acima descritas, o(a) Assistente social responsável


pelo Projeto de Extensão: “Análise do baixo coeficiente acadêmico indígena” norteava-
se: a) pela Lei de Regulamentação da Profissão (8.666/93); b) pelo projeto ético-
político da profissão; c) pelo código de ética e os 11 princípios nele inseridos, ou seja,
comprometendo-se com as questões éticas que garantem a qualidade do exercício
profissional e com os atendimentos dos usuários. Tais atividades envolviam a realização
de: atendimentos; supervisões; avaliações; acompanhamentos e demais atividades.
A partir dessas diretrizes, da intencionalidade do(a) Assistente Social e do objetivo
do Projeto de Extensão, desenvolveu-se a seguinte estratégia de efetivação, sob a
execução da estagiária de Serviço Social, aluna da disciplina de Estágio e Supervisão
Acadêmica IV: realização de atendimento social aos alunos bolsistas indígenas do PBP
– MEC, através de entrevista semi-estruturada, objetivando-se a coleta dos dados da
realidade dos sujeitos da pesquisa, com vistas à garantia da melhoria do coeficiente
acadêmico, a despeito das dificuldades encontradas por eles ao inserirem-se nos
cursos superiores da UFT do referido Câmpus.

A partir da realização de tais atividades, notaram-se as principais causas do


baixo rendimento acadêmico indígena, pois, a aproximação, através do atendimento

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 203
individual, possibilitou que os alunos indígenas dialogassem abertamente, sem
timidez, sobre suas dificuldades e necessidades com os estudos acadêmicos, sendo
elas expostas no próximo tópico.

Principais motivos do baixo rendimento acadêmico indígena


Através do estágio III e IV da aluna do curso de Serviço Social no projeto de
extensão: Análise do baixo coeficiente de acadêmico indígena99, sob a coordenação e
supervisão da professora e Assistente Social responsável pela supervisão de campo
e por docente responsável pela supervisão acadêmica, planejou-se e desenvolveu-se
o Projeto de Intervenção intitulado “Coeficiente Acadêmico Indígena: identificação e
análise do baixo rendimento”, o qual foi executado na UFT – Câmpus de Miracema.

O estágio III desenvolveu-se no período entre junho e outubro de 2017 e


foi realizado através do projeto de estudos e planejamentos  seguido do estágio IV,
dentro do período entre novembro de 2017 e março de 2018. A investigação realizou-
se junto dos(as) alunos(as) indígenas, através de entrevistas semiestruturadas, sendo
necessárias, primeiramente, as identificações deles(as) conforme indivíduos com baixo
rendimento acadêmico, frente à secretaria acadêmica, contato pessoal através de
e-mail, telefones, então, a partir dessas ações, as presenças dos estagiários com
os(as) alunos(as), apresentando-lhes o projeto e convidando-os a participarem.
Posteriormente, iniciaram-se análises e exposições dos dados coletados, a partir dos
documentos da UFT ou das análises das entrevistas100 realizadas com os sujeitos da
pesquisa, com a finalidade de obter-se o conhecimento e a aproximação dos possíveis
motivos relacionados ao baixo rendimento acadêmico indígena.

Também se realizou um levantamento de dados para detecção de qual seria


o quantitativo de alunos indígenas que concluíram o curso em relação ao quantitativo de
ingressantes em dez anos (2007 a 2017). Cabe-nos sinalizar que os dados obtidos pela
secretaria acadêmica do Câmpus de Miracema revelaram que os índices de indígenas
formados são bastante inferiores comparando-se ao quantitativo de indígenas que
ingressam, pois, realizaram-se as matrículas de 31(trinta e um) indígenas no Câmpus
e, destes, apenas 05 (cinco) conseguiram concluir os cursos. Se compararmos os
números veremos que dentre estes alunos: a) 32.2% estavam retidos nos cursos; b)
22.6% evadidos e c) 29% permaneciam dentro do tempo limite de término; apenas
16.2%, conseguiram concluir seus cursos. Dessa forma, não podemos ignorar essa
realidade em que o quantitativo de alunos retidos e evadidos é alarmantemente maior

99 Cabe ressaltar que o referido Projeto de Extensão foi cadastrado no SIGPROJ, da Universidade Federal do Tocantins.
100 Todos os entrevistados foram convidados à participarem como voluntários da pesquisa, os mesmos se disponibilizaram e
concordaram com os termos da pesquisa assinando o Terno de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 204
que o quantitativo dos alunos que concluíram o curso e, até mesmo, dos que cumpriam
em períodos estabelecidos. (UFT, 2018).

Partindo-se dessa realidade, através do projeto de intervenção


identificaram-se as possíveis causas do baixo rendimento acadêmico indígena,
portanto, contribuirmos, de alguma maneira, para que essa realidade se transformasse.
O Plano de Desenvolvimento Institucional da UFT apresenta as cinco áreas prioritárias
de atuação da instituição, e entre as áreas, está a área de:

Educação  - O Tocantins possui uma população bastante heterogênea,


que agrupa tribos indígenas e uma significativa população rural. A UFT
tem, portanto, o compromisso com a melhoria do nível de escolaridade
do Estado, oferecendo uma educação participativa e inclusiva. Dessa
Forma a Universidade tem desenvolvido ações voltadas para a educação
indígena, educação rural e de jovens e adultos. (PDI da UFT, 2016, p. 25).

A partir desta colocação, nota-se que a UFT estabelece, diante de uma


entre as suas prioridades de atuação, o compromisso com a educação e a inserção
indígena na graduação, devido ao grande número de etnias101 existentes no Estado do
Tocantins.

O projeto desenvolveu-se mediante os instrumentais técnicos102, tais


como: entrevista; diálogo; recursos de áudios; observação e documentação; sendo
estes embasados nos princípios do Código de Ética da Profissão. Para a realização
dos atendimentos, fizeram-se necessárias as solicitações dos dados através da
secretaria acadêmica e NAPS, para a identificação dos(as) alunos(as) indígenas
que se encontravam com os coeficientes de rendimentos menores que 07 (sete).
De acordo com os dados coletados, identificaram-se 18 alunos(as) indígenas com
baixos rendimentos. Fato que, realmente, mereceu análise, visto que existiam 39
alunos indígenas registrados no Câmpus. Ou seja, 46.2% dos acadêmicos indígenas
apresentavam baixos rendimentos.

Foram realizadas entrevistas com 06 (seis) dentre 18 (dezoito) alunos(as)


indígenas, que demonstravam baixos rendimentos acadêmicos, então, uma mostra de
33.4%. Os estudantes indígenas foram convidados a participarem, sendo entrevistados

101 No município de Tocantínia é onde se encontra a etnia Indígena Xerente, onde tem o maior número de indígenas nas
proximidades do Câmpus de Miracema e é de onde os/as alunos/as entrevistados residem. “As aldeias Xerente existentes
em Tocantínia hoje e registradas pelas redes de informação que são 83 aldeias no território do município, sendo algumas
ainda não adicionadas nas listas disponíveis. See more at: http://cidadaniaejustica.to.gov.br/noticia/2015/8/17/povo-
indigena-xerente-apresenta-a-forca-de-sua-cultura-e-tradicao/#sthash.wkvKwhPK.dpuf.” (CURCINO, 2017).
102 Conceituamos como Instrumental Técnico-operativo do Serviço Social “[...] o conjunto articulado de instrumentos e
técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional. Nessa concepção é possível atribuir-se ao instrumento a
natureza de estratégia ou tática, por meio da qual se realiza a ação, e à técnica, fundamentalmente, a habilidade no uso
do instrumental. [...] Decorre também que o instrumental não é nem o instrumento nem a técnicas tomados isoladamente,
mas ambos, organicamente articulados em uma unidade dialética (entrevista, relatório, visita, reunião, observação
participante etc.).” (MARTINELLI; KOUMROUYAN, 1994, p. 137).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 205
aqueles que se dispuseram, com consentimento através do TCLE. As entrevistas
visavam descobrir as possíveis causas dos baixos coeficientes de rendimentos
acadêmicos indígenas, e também, buscar com estes, as possibilidades que viessem a
melhorar seus rendimentos.

Diante da entrevista realizada com os participantes, foi notável o fato de


que todos possuíam suas particularidades; porém, existiam fatores comuns que todos
os(as) entrevistados(as) relataram. E, de acordo com as opções postas, eles elencaram
as principais causas que levavam aos seus baixos rendimentos acadêmicos, sendo
essas: a) não adaptação às vidas acadêmicas; b) dificuldades de aprendizagem e falta
de habilidade de estudo; c) dificuldades na formação escolar anterior; d) problemas
de saúde do estudante ou familiar; e) problemas familiares; f) discriminação por parte
dos outros alunos; g) problemas financeiros do estudante ou da família; h) inexistência
ou ineficiência de programas institucionais para o estudante (assistência estudantil,
iniciação científica ou monitoria); i) problemas com a gestão acadêmica do curso
(horários, oferta de disciplinas, etc.); j) problemas de ordem didático-pedagógicas; k)
problemas econômicos e sociais; l) dificuldades financeiras da instituição e m) falta de
reconhecimento social do curso.

As dificuldades apresentadas pelos(as) alunos(as) indígenas entrevistados


foram apontadas através das alternativas escolhidas por eles(as) dentro de um
quadro de múltiplas escolhas, elaborado pela equipe do projetos, que se pautou em
estudos teóricos e experiências práticas relacionadas aos possíveis motivos de baixo
rendimento acadêmico, e com base em tais experiências é que as perguntas foram
questionadas de maneira aberta para que os(as) entrevistados(as) pudessem expor
suas particularidades e não permanecessem presos(as) apenas às alternativas
apresentadas.

Percebemos que não existe, por parte das instituições de ensinos superiores
brasileiras, uma preparação adequada para o recebimento de alunos(as) que portam
especificidades tão distintas e diversas. A universidade deve lançar um olhar sensível
que perceba a inclusão de grupos de diferentes, etnias e culturas, pois não existirá
uma preparação acadêmica adequada sem que o pensamento se volte ao acesso, à
permanência e à conclusão do curso; porque a instituição acaba por excluir esses(as)
alunos(as), provocando ainda maiores discriminações com relação: a) à educação; b)
aos povos; c) à cultura; e tantos outros aspectos. Como Paula (2013, p.798) indica-
nos, deve-se pensar em especificidades como, “[...] que tipo de currículo, calendário,
professor, infraestrutura, material didático a universidade deve oferecer para os alunos
indígenas [...]” para lhes garantir permanência e conclusão do curso de graduação.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 206
Assim, ao pensarmos em acesso, permanência e conclusão da graduação,
expõe-se a explícita necessidade de garantia desses aspectos: 1) consideração da
cultura; 2) da etnia; 3) da linguagem e 4) da relação social; enfim, das principais
especificidades e particularidades dos povos indígenas, pois, tais dificuldades
apresentadas são reais e interferem diretamente no desempenho acadêmico do(a)
aluno(a) indígena, assim como nos baixos níveis de rendimento, acabando por acarretar
a retenção e a evasão.

O tipo de educação escolar indígena oferecido – ou imposto – a cada uma


das mais de 230 etnias presentes em território nacional gera um fator
de destaque. Maior ou menor ênfase no bilinguismo ou no monolinguismo
(seja ele em língua materna indígena ou em língua portuguesa) deve ser
um fator decisivo em um diagnóstico que busque avaliar, por exemplo,
a permanência ou a evasão dos estudantes indígenas no ensino
superior. Outro momento fundamental, no qual a biografia escolar do
candidato indígena se faz decisiva, ocorre diante do vestibular indígena.
Cabe dizer que, certamente, o leitor deve estar se perguntando quais
seriam então as grandes diferenças dessa trajetória indígena, quando
comparadas às dos não índios: biografia escolar, vestibular. A resposta
é que estamos lidando com um público-alvo composto por mais de 230
etnias, que fala 180 línguas distintas, que possui cosmologias e histórias
de contato e, portanto, processos culturais e de escolarização complexos
e diversificados. Há povos que só falam o português como primeira língua;
outros que só falam, praticamente, a língua do grupo [...].” (PAULA, 2013,
p.797-798).

Porém, quando os entrevistados perceberam-se diante da pergunta:

“...além destes itens, você acha que tem mais algum que possa influenciar
para seu rendimento acadêmico estar menor que 07 (sete)?”

As repostas foram unânimes em relação à linguagem e à distância. Em


relação à linguagem eles relataram:
“Tenho muita dificuldade na interpretação. É uma dificuldade que vem
lá da aldeia para cidade, dificuldade com a linguagem e isso tem um
impacto muito grande nos estudos.” (Entrevistado A).

“Primeiramente, o meu baixo rendimento é por conta da linguagem, meu


Deus é muito complicado, a gente prestando muita atenção ainda não
consegue, temos que prestar atenção e depois estudar e pesquisar mais
para poder entender aquilo que está sendo passado pelo professor. Essa
linguagem que a gente tem a aprender é muito difícil, e todas as vezes
que o professor fala uma palavra que não entendo eu vou lá e pesquiso,
porque se ficar escutando eles falarem e não pesquisar a gente não
vai entender nada mesmo. Eu pesquiso todos os dias o significado das
palavras que não entendo.” (Entrevistado B).

“Pelo fato de eu saber duas línguas, difícil de acompanhar o ritmo, muitas


das vezes eu acabo desistindo de algumas disciplinas para poder me dedicar
a outras, [..]. Tenho muita dificuldade de interpretação.”(Entrevistado C).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 207
“Para mim a linguagem é um problema muito grande, é um desafio, além de
estudar o que é da profissão ainda tenho que estudar a linguagem usada,
tenho que ficar pesquisando o significado de quase tudo.” (Entrevistado E).

Percebemos que a linguagem é uma grande dificuldade para os estudantes,


porque eles são educados em sua língua materna e estudam nas próprias aldeias,
principalmente para aqueles que moram nas aldeias até a idade de 08 (oito) anos e
falam apenas a língua materna. Quando eles vêm à cidade, quando contam com mais
de 11 anos de idade (segundo os relatos) é que começam a ter contato com a Língua
Portuguesa. Deste modo, faz-se necessário que a instituição desenvolva mecanismos
voltados à intervenção das dificuldades referentes à linguagem, visando à superação
dessa dificuldade linguística, assim, garantindo a permanência e a melhoria dos
desempenhos acadêmicos dos estudantes. E, sobre a distância, os relatos foram os
seguintes:
“Eu moro em Tocantinía, acho muito longe, quase sempre tenho que
passar o dia aqui, porque tenho aula de manhã e noite e aí ir em Tocantinía
e voltar duas vezes no dia fica muito cansativo e caro, então fico aqui,
passo o dia aqui. E tem colegas meus que moram nas aldeias, as aldeias
que ficam mais próximas de Tocantinia, eles andam muito, e está tendo
muito assalto principalmente de noite, isso é muito perigoso e desanima
a gente, e transporte que nós usa é a bicicleta. E pior fica na época da
chuva.” (Entrevistado A).

“A gente tem que ter um preparo físico e psicológico muito grande, porque
a caminhada de lá para cá não é fácil não, principalmente quem estuda
à noite, na vinda é perigoso, mais na volta é muito mais, e a espera da
balsa é muito demorada. Nossa é muito cansativo!!! Quando chego em
casa já está tarde da noite e eu não quero pegar em nenhuma folha para
estudar, quero dormir.” Eu quase não venho aqui na UFT por causa da
distância, venho mais no horário das aulas mesmo.” (Entrevistado B).

“Nossa é muito longe, fico muito cansada, a balsa atrasa muito, a gente
chega atrasados na aula, além de ser muito perigoso.” (Entrevistado F).

Diante das afirmativas, nota-se que: a) a linguagem; b) a distância  são


as maiores dificuldades que os alunos(as) indígenas enfrentam, sendo relatadas por
todos os entrevistados como sendo os maiores entraves inerentes a todos os indígenas
que estudam na UFT.

Além de todos os motivos apresentados, mais da metade dos entrevistados


apontou outros motivos como: a) a discriminação e b) as dificuldades de interação
social:
“Quando eu fiz a disciplina de antropologia tinha umas colegas que não
gostava quando a professora falava de indígenas, ficavam de cara feia,
teve uma vez que a professora falou que seria bom a gente ir na aldeia para
conhecer, e aí elas falaram: ‘pode marcar para ir na aldeia mais eu mesmo
que não vou para aldeia’ elas falaram de forma bem arrogante. Aí eu falei:
‘não sei porque você está fazendo esse curso, você está no curso errado,
porque vai trabalhar com pobre, preto e indígenas.” (Entrevistada A).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 208
“Teve colegas meus que falaram que eram contra cotas e tal, e eu me senti
ofendida porque eu sou cotista, senti que estavam me desvalorizando só
porque eu entrei por cotas.” (Entrevistada B).

“Quase não tenho envolvimento com ninguém, eu sinto uma distância


entre mim os outros, e como sou tímida, não me aproximo de ninguém se
ninguém se aproxima de mim, vejo que ainda existe aquele preconceito em
relação ao povo indígena sabe?! Mas nunca tive problemas com ninguém.
Tenho problemas de interação social, não consigo interagir, tenho um
bloqueio e isso me atrapalha muito e estou fazendo acompanhamento
com psicólogo para tentar melhorar.” (Entrevistado C).

As questões culturais que diferenciam os(as) alunos(as) indígenas dos não


indígenas não devem ser ignoradas, pois o reconhecimento das suas especificidades,
suas crenças, tradições, línguas, costumes e formas de vida são importantes vínculos
à universidade. Assim, compreende-se que é atribuição da UFT criar meios que
contribuam para o enfrentamento das questões:

a) Discriminação; e

b) Dificuldade de interação social voltada à permanência acadêmica e à


conclusão dos cursos.

Outro objeto de questionamento aos(às) alunos(as) indígenas entrevistados foi:

 “... vocês conhecem o Programa de Acompanhamento Acadêmico


Indígena ofertado pela UFT, o PIMI103 (Programa Institucional de Monitoria Indígena)?

Todos os entrevistados afirmaram que conheciam o Programa, sendo


que, alguns, não se utilizavam da monitoria, porque não conseguiam alcançar os
contraturnos nos horários das aulas. E, para os que faziam uso da monitoria, foi-
lhes questionado sobre qual seria o impacto que o PIMI apresentava no rendimento
acadêmico. As respostas foram as seguintes:
“Temos os Monitores que nos ajuda muito. Têm muitos deles que só ganha,
e não faz nada, mais outros monitores nos ensina muito, a gente aprende
muito com esses que nos acompanha sempre.” (Entrevistado A).

“Eu procuro tirar as dúvidas com os professores, pois só tem um ou dois


monitores que estão dispostos ajudar, que nos ajuda com trabalhos
e tudo. Tem monitores que são de 3 e 4 período e acho que não estão
preparados para está ali, pois eles não tem experiência o suficiente pois
estão começando igual a gente. Acho que a gente tinha que fazer uma
avaliação dos monitores, porque é assim que acontece, eles escolhe os
monitores e dizem aqui estão os monitores e depois perguntam o que a
gente acha deles, mais não vamos falar nada na frente dos monitores,

103 “O Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi) tem como objetivo facilitar a inclusão dos alunos indígenas nas
atividades de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para a sua permanência e sucesso acadêmico.” Disponível em:
<http://ww2.uft.edu.br/ensino/graduacao/programas-institucionais/10679-programa-institucional-de-monitoria-
indigena-pimi>. Acesso em 19. Abr.2018.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 209
poderia ser em particular essa avaliação, pois a gente já é tímido e
expressar o que a gente acha do monitor na frente dele, não dá. Nós
que estamos recebendo a monitoria é que deveria fazer a avaliação dos
monitores.” (Entrevistado E).

Diante das falas dos entrevistados, percebeu-se um descontentamento por


parte dos usuários do PIMI. Este é o principal Programa que o Câmpus disponibiliza em
auxílio às dificuldades pedagógicas que os(as) alunos(as) indígenas apresentam. Assim,
pode-se notar que o Programa deixou muitos pontos a desejar, segundo os relatos dos
próprios usuários da monitoria. Partindo-se dessa realidade, pôde-se atribuir a esse
motivo, a uma das causas do alto índice de baixo rendimento acadêmico indígena.

O PIMI é um importante programa oferecido pela UFT para acompanhamento


e auxílio pedagógico aos estudantes indígenas, e diante dos relatos, ficou o
questionamento sobre:
1. Como tem sido essa interação entre monitor(a) e aluno(a)?
2. Como se dá a preparação dos(as) monitores(as) para atender os(as)
alunos(as)?
3. Os(as) monitores(as) lançam olhares diferenciados às especificidades que
os(as) alunos(as) indígenas apresentam?
4. Os(as) alunos(as) indígenas são instruídos para o entendimento sobre o que é
a monitoria indígena?
5. Qual é o objetivo do Programa e dos(as) monitores(as)?

Através dos relatos dos(as) alunos(as) indígenas percebemos que existe


um distanciamento significativo entre eles(as) e os(as) monitores(as) do PIMI, assim,
fazendo-se necessária uma atenção maior diante dessas questões que, aliás, requerem
uma reavaliação sobre como a monitoria está sendo ofertada. Isso poderá vir a ocorrer
através de uma aproximação pessoal e individual junto dos estudantes que recebem
esse auxílio, pois, estes são os mais indicados frente a uma avaliacão na sugestão de
mudanças que atendam às suas especificidades. Segundo os relatos proferidos por
eles(as), durante as entrevistas percebeu-se nitidamente: a) quais eram os seus ideais;
b) o que almejam; c) do que sentem falta e d) o que apreciam. Na verdade, o que
desejam é que haja uma proximidade entre eles(as) e todo o restante da comunidade
acadêmica, aspirando assim, a sentirem-se reconhecidos(as) em suas etnias, culturas,
povos e línguas. Tornou-se possível, portanto, o conhecimento das suas especificidades
e, também, quais seriam as maneiras mais viáveis para auxiliá-los(as) diante desse
enfrentamento, para que não guardem em si o sentimento amargo da discriminação
sofrida ou do abandono.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 210
Além de questionarem-se aos(as) referidos(as) alunos(as) sobre as causas
do baixo rendimento, também houve uma interpelação direta sobre quais seriam as
suas opiniões sobre o alto índice de alunos indígenas portadores dos baixos coeficientes
de rendimentos ou, ainda, de que maneira poderia haver uma redução nestes índices
de dificuldades, de acordo com a pergunta:

 “Quais execuções o Câmpus poderia desenvolver visando ao saneamento


dessas dificuldades?”

Obtivemos as seguintes sugestões:

“Seria muito bom se conseguissem um transporte para pelo menos


buscar e deixar nós na beira do rio. Isso ai seria muito bom, isso seria
um passo e tanto se eles fizessem isso. No meu olhar eu acho que isso
ajudaria muito, porque tem muitos colegas que vem de bicicleta da aldeia
pra cá, é muito cansativo e isso desanima principalmente na época da
chuva.” (Entrevistado B).

“Fazer um acompanhamento com os indígenas ver o que estão passando


na vida e o que está nos afetando, para a gente está indo mal nas
disciplinas. E também preparar os monitores para nos ajudar melhor.
[...]. Isso que você está fazendo é muito bom, isso tinha que ser sempre.”
(Entrevistado C).

“Acho que mais conversa, mais incentivo, tem que arrumar uma forma de
mostrar para os indígenas os benefícios e a importância de participar do
que é oferecido pra nós [...].” (Entrevistado D).

Torna-se imperativo o acompanhamento do rendimento acadêmico, como


maneira de garantir a permanência e o êxito acadêmico, prevenindo a retenção
e a evasão, e consequentemente, o baixo rendimento. No caso dos indígenas, essa
intervenção é fundamental, porque a portaria que criou o PBP – MEC exige que as IFES
que aderirem ao Programa realizem o acompanhamento acadêmico dos estudantes
beneficiados e envie os resultados para o MEC. Poderá ocorrer o cancelamento da
bolsa, acaso se constate um desempenho acadêmico inferior ao estabelecido pelo
Programa, conforme as medidas que estimulam a qualidade do ensino.

Além da importância para a continuação no PBP – MEC, “[...] o rendimento


escolar esta ligado à avaliação do conhecimento adquirido no âmbito escolar. Desse
modo, é uma avaliação das capacidades do aluno, que proclama o que este tem
aprendido ao longo do processo de formação acadêmica ou escolar.” (QUEIROZ, 2016,
p. 48).

As dificuldades semelhantes expostas aqui, também são dificuldades


enfrentadas por alunos(as) indígenas em demais regiões do Brasil, como mostra o
texto:

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 211
[...] é preciso admitir que seguem exíguas as informações sobre os
povos indígenas e as existentes não retratam a realidade com clareza.
Seriam, certamente, relevantes dados mais precisos sobre estes alunos.
Desconhecemos as suas histórias e como foi o ingresso desses índios na
universidade. Com certeza, a maior parte deles, é egressa de escolas
públicas, em especial de escolas localizadas em aldeias, nas quais as
condições de ensino e aprendizagem são precárias. [...] Com certeza não
foi essa a escola reivindicada pelos povos indígenas. Uma vez acolhido
pela Constituição de 1988 o direito dos povos indígenas a uma educação
diferenciada, foram abertos caminhos para a oficialização de escolas
indígenas e de políticas públicas que respondessem aos direitos dos
índios a uma educação intercultural, multilíngüe, comunitária e voltada
à autodeterminação dos povos. No plano jurídico, o reconhecimento da
diversidade cultural, a valorização e o respeito às etnias está claro, porém,
não suficientemente assumido pelos responsáveis pelas políticas públicas.
[...] São poucos os alunos índios que conseguem concluir a educação
superior, em decorrência de uma gama de entraves e obstáculos. Os
currículos e as metodologias seguem sendo importados, em muitos lugares,
de escolas não-indígenas. No entanto, apesar das barreiras enfrentadas
pelos indígenas, estão conseguindo entrar nas universidades[...],Contudo,
os indígenas que ingressam nas instituições de ensino superior enfrentam
outros problemas, muito maiores. Muitos testemunharam que, de uma
forma ou de outra, já foram discriminados na escola ou na universidade,
pelo fato de serem índios. As políticas de cotas, ao que parece, permitem
ações que possibilitam uma maior abertura para a inserção de grupos
étnicos no ensino superior público. Mas, muitas pessoas, que estão nas
universidades, não compreendem o sentido dessas iniciativas. Para elas,
o diferente, o outro, segue sendo visto como um estranho. Com certeza
crêem “que a pobreza é do pobre; a violência, do violento; o problema
de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; e a exclusão, do
excluído. (DUSCHATSKY; SKLIAR apud ATHAYDE; BRAND, 2010, p. 3; 5).

Essa conjuntura exige reflexão crítica e, também, intervenção através da


criação de projetos e programas que possam favorecer não apenas o ingresso, mas,
também, a permanência efetiva e o sucesso acadêmico dos indígenas no ensino
superior. (ATHAYDE; BRAND, 2010).

Assim, percebemos a necessidade premente de investimentos


nos mecanismos já existentes na UFT – Câmpus de Miracema, referentes ao
acompanhamento indígena, que busquem fortalecer as propostas de trabalho do
Programa de Monitoria Indígena (PIMI), inclusive propiciando aos monitores uma melhor
preparação de trabalho. A monitoria de acadêmicos indígenas exige, especificamente,
maiores envolvimentos e compreensões da cultura própria, bem como, a criação de
novas estratégias de capacitação aos docentes que irão trabalhar, futuramente, com
estes públicos acadêmicos procedentes de uma cultura diferenciada, que apresentam
valores e costumes que extrapolam a lógica capitalista da cultural brasileira. Dessa
maneira, busca-se que haja um aumento do número de alunos(as) indígenas, com
permanência e conclusão nos variados cursos de graduação, assim, melhorando o
coeficiente de rendimento acadêmico. A necessidade de um trabalho específico com
os(as) alunos(as) indígenas é imprescindível, com vistas a que sejam recebidos com

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 212
compreensão no ambiente universitário, conforme as suas dificuldades e diferentes
modos de vidas, nesse enfrentamento diante do preconceito e da discriminação,
porque a este público deverá lhe ser proporcionado maiores conhecimentos, respeito
e interação facilitem a suas convivências. Observa-se, com isso, o enriquecimento do
repertório informacional e cultural entre ambas as culturas.

Considerações finais
A execução do projeto contribuiu para a identificação das possíveis causas do
baixo coeficiente dos rendimentos acadêmicos indígenas. Os resultados apresentados
retrataram os desafios e as dificuldades que os estudantes indígenas do Câmpus
de Miracema enfrentam no transcurso de seus estudos, sendo os seus objetivos as
continuidades dos seus estudos, considerando-se, dentre eles, as dificuldades: a)
de domínio da Língua Portuguesa; b) de interação social e c) de enfrentamento do
preconceito.

Diante das informações apresentadas através da execução do projeto


de pesquisa, reforça-se, mais uma vez, a importância e a emergência frente aos
investimentos nos mecanismos já existentes na UFT – Câmpus de Miracema,
relacionados ao acompanhamento indígena. Assim, torna-se possível contar com as
ações que fortalecem as propostas de trabalho do Programa de Monitoria Indígena
(PIMI), inclusive propiciam maiores desenvolvimentos aos monitores, através da
preparação de trabalhos específicos e atuantes na monitoria indígena. O envolvimento
e a compreensão da cultura própria, bem como, a criação de novas estratégias de
capacitação aos docentes atingirá a função de reconhecimento, diante da cultura
que procede e insere valores e costumes extrapolantes da lógica capitalista e cultural
brasileira, aumentando, dessa maneira, o número de alunos(as) indígenas matriculados
na universidade, e, consequentemente, encorajando-os quanto à permanência e
futura conclusão dos cursos de graduação escolhidos, melhorando o coeficiente de
rendimento acadêmico. Vale ressaltar, também, a necessidade de um trabalho com
os demais alunos (não indígenas) para que recebam os seus colegas indígenas,
compreendendo-lhes as dificuldades que lhes são próprias, junto dos diferentes modos
de vida ou diante do enfrentamento do preconceito e da discriminação. Essas ações
propiciarão novos conhecimentos, respeito e interações, facilitando-lhes a convivência
e o enriquecimento do repertório informacional e cultural entre ambas as culturas.

Diante do estudo realizado, percebemos as inquietações e desafios que


os(as) estudantes indígenas manifestam diante dos estudos, pois, valorizam as
dificuldades que enfrentam, e estas são inúmeras, por exemplo: a) transporte; b)
discriminação; c) compreensão de uma língua estrangeira; d) interação social; etc.; além

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 213
de apresentarem a real necessidade de identificação diante das pessoas, devido às suas
culturas próprias. Este público requer, essencialmente, um tratamento diferenciado,
porque são “diferentes”. São diferentes positivamente, porque, em verdade não se
deve tratar como iguais àqueles que são portadores de outras culturas ou modos
de vida, pois eles exigem atenções específicas. Com isso se diz, que são “diferentes”
por requererem igualdade de condições não reconhecidas pela maioria das pessoas
entre cenários de desigualdades, resultados dos frutos de uma sociedade capitalista,
que não observa quais são as diferenças; também, por enfrentarem o desrespeito
e a naturalização das questões indignas. Esta questão inicia uma discussão sobre a
equidade social, na perspectiva de assegurar a universalidade de acesso aos bens
e serviços da universidade, visando à garantia dos direitos à formação superior de
qualidade, consoante à Política de Educação Superior.

Entendemos que através das indicações deste estudo, pautadas nas


colocações dos(as) alunos(as) indígenas, poderá prevenir a retenção e a evasão,
através da proposição de ações pontuais junto à monitoria, aos docentes e aos demais
acadêmicos, motivando e garantindo a permanência dos(as) alunos(as) indígenas e,
assim, contribuindo para a melhoria do coeficiente de rendimento acadêmico indígena
do público participante do PBP–MEC.

Afirma-se que este segmento tem especificidades em cultura, linguagem


e educação, e que este estudo, através da dimensão investigativa, demonstrou a
necessidade efetiva com o compromisso de uma formação inclusiva aos indígenas e
com as práticas educativas que possibilitam a permanência e o sucesso acadêmico
no âmbito da UFT, junto do contexto das desigualdades socioculturais dos estudantes
indígenas.

O Serviço Social  enquanto protagonista deste estudo  é uma profissão


interventiva direcionada: a) à crítica empenhada na defesa intransigente dos direitos
humanos; b) à garantia do pluralismo, no compromisso com a qualidade dos serviços
prestados à população; c) ao reconhecimento da autonomia, emancipação e plena
expansão dos indivíduos sociais. Através das suas propostas, percebe-se nitidamente
as suas responsabilidades profissionais que visam à articulação de um trabalho
com intervenções multiprofissionais e interdisciplinares, junto dos professores, em
geral, e com os demais setores profissionais da UFT, bem como, com os acadêmicos
não indígenas, criando e viabilizando estratégias de intervenção na realidade social
apresentada. Essas ações garantirão o direito, a permanência e a conclusão das
graduações dos estudantes indígenas, dentre os mais variados cursos de graduação
pelos quais eles possam vir a optar, com sucesso, demonstrando que eles alcançaram
seus objetivos como cidadãos brasileiros.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 214
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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 215
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TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 216
“ÍNDIO COME GENTE?”: IMAGENS SOBRE OS POVOS
INDÍGENAS EM UM LIVRO DIDÁTICO
Juliete Predi Xerente104
Ladislau Ribeiro do Nascimento105

Introdução
Em geral, os povos indígenas são retratados em filmes, revistas, livros e
em outros canais de comunicação como se representassem uma unidade. As suas
diferenças sociais, linguísticas e culturais não são levadas em consideração. Deste
modo, constrói-se uma imagem reduzida, homogênea e fictícia acerca destes povos
tradicionais.

A autora deste estudo e pesquisa, em seus tempos de estudante universitária


vinculada ao Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT) 
Campus de Miracema  realizou uma prática de estágio supervisionado em Educação
Infantil. Pertencente ao povo Akwẽ-Xerente e residente em uma aldeia situada às
margens do Rio Tocantins, essa acadêmica executou atividades pedagógicas para uma
quantidade expressiva de crianças não indígenas. Aquela experiência desenvolveu-se
numa escola municipal localizada fora da aldeia, em cidade vizinha.

Naquela ocasião, a pesquisadora ouviu perguntas do tipo:


 “...índio come gente?”,
 “...índio anda sem roupa na aldeia?”,
 “...índio mata não indígena?”,
 “...as casas na aldeia são tipo ‘ocas’?”

As perguntas expressavam o desconhecimento das crianças não indígenas


em relação ao que, de fato, se expressa nos domínios da cultura e do território do povo
indígena. Vale observar que os indígenas Akwẽ-Xerente vivem bastante próximos do
local em que a referida escola localiza-se.

Além daquelas perguntas, a autora inquietou-se com as características e


com a escassez de conteúdos expostos em livros didáticos utilizados para o ensino de
História. Deparou-se com a reprodução e a legitimação do preconceito em relação

104 Pedagoga, Coordenadora Pedagógica na Escola Indígena Srêmtôwê - Aldeia Porteira Nrõzawi, Reserva Indígena Xerente,
município de Tocantínia, Tocantins - TO. E-mail: [email protected]
105 Professor Doutor no Curso de Psicologia da UFT/Campus de Miracema e colaborador na Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social (EPDS) da Universidade Federal do Tocantins – UFT. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 217
aos povos indígenas. Assim, mobilizou-se no sentido de elaborar uma proposta de
pesquisa com a finalidade de colocar em análise as imagens sobre os povos indígenas
em um livro didático que deveria ser utilizado para a formação educacional básica.

Revisão de Literatura
Conforme escrito por Maldonado (2009, p.29):

Os povos indígenas possuem um caráter específico na medida em que são


portadores de valores, de significado e de identidade histórica. A proteção
e valorização de seus patrimônios revestem um interesse excepcional à
humanidade por ser parte de um legado universal: a riqueza cultural e
a biodiversidade de seus territórios representam uma preciosidade em
nosso planeta.

Todavia, indígenas vêm sendo “classificados” genericamente nos livros


didáticos. Dificilmente encontramos especificações sobre as diferentes etnias. As
peculiaridades e características linguísticas, organizacionais ou culturais próprias e
inerentes a eles não são levadas em consideração (LEMOS, 1999). Cria-se um vácuo
entre a realidade vivenciada pelos referidos povos e as imagens propagadas naqueles
materiais. Deste modo, as visões estereotipadas sobre os indígenas, acompanhadas
de preconceito e de discriminação étnico-racial são intensificadas.

No subtexto dos materiais didáticos encontramos o que Bonin (2010)


chamou de “discurso de tolerância”. São discursos reducionistas, com potencial
para reificar as imagens daqueles povos, transformando-os em uma falsa unidade.
Consequentemente,

[...] os mais de 230 povos indígenas que, na atualidade, vivem em terras


brasileiras, falantes de mais de 180 línguas distintas, são lembrados como
povos do passado, aprisionados em representações fixas, ou recordados
por algumas contribuições e marcas que deixaram na chamada cultura
nacional, aspectos que, em geral, reconhecemos como parte do folclore
brasileiro (BONIN, 2010, p. 78).

Não por acaso, sobretudo na educação básica, a temática indígena vem


sendo lembrada anualmente a cada dia 19 de Abril, no convencionado Dia do Índio,
quando crianças são pintadas e adornadas com adereços que fazem menção aos
povos indígenas. Em geral, as atividades realizadas na referida data não incluem
problematizações e análises sobre a questão indígena nos dias atuais (GOBBI, 2006).

Bonin (2010) identifica um desejo eurocentrado de ordem e controle, tanto no


enquadramento espaço-temporal para a abordagem das temáticas indígenas quanto
no emprego de visões reducionistas sobre aqueles povos. Estilos de vida indígenas são
empobrecidos, homogeneizados e distanciados da realidade. As expressões culturais
são classificadas como exóticas.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 218
E porque são vistos como sujeitos genéricos, amalgamados à natureza,
causa-nos grande estranhamento a presença de indígenas nas feiras,
participando de atividades comerciais, nas ruas de centros urbanos
pedindo esmolas, ou em noticiários que deixam ver, de relance e de modo
fugaz, a situação de miséria e violência a que eles estão submetidos na
atualidade brasileira (BONIN, 2010, p. 79).

De acordo com Mota e Rodrigues (1999), a visão estereotipada sobre


os povos indígenas conforme seres aprisionados ao passado ganhou tônus em
decorrência da crença de que eles não possuíam perspectiva de futuro. Entretanto,
a referida crença é cada vez mais confrontada em virtude das lutas e conquistas de
lideranças indígenas que passaram a desempenhar papéis mais ativos na sociedade.

Batalhas travadas em busca da valorização cultural, do respeito pela


diversidade e pelo direito de viver em territórios demarcados tornaram-se cada vez
mais frequentes. Em meio aos avanços e retrocessos observados, a história dos povos
indígenas permanece sendo contada de modo enviesado pelas inúmeras imprecisões
impressas nos livros didáticos (MOTA, RODRIGUES, 1999).

Do ponto de vista legal, leis e resoluções estabelecem normas e diretrizes


para a inclusão e a transversalização dos temas associados ao ensino de História e
Cultura Indígena nos processos de formação básica.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua convenção nº 169


adotada em 27 de Junho de 1989 e promulgada pelo decreto nº 5.051, de 19 de abril
de 2004, postula que

[...] deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os


setores da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam
em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo de se
eliminar os preconceitos que poderiam ter com relação a esses povos. Para
esse fim, deverão ser realizados esforços para assegurar que os livros de
História e demais materiais didáticos ofereçam uma descrição equitativa,
exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos interessados (OIT,
1989).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), nº 9.394 de 20 de


Dezembro de 1996, capítulo II, art. 26, § 4º, estabelece: “o ensino da História do Brasil
levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação dos
povos brasileiros, especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (MEC, 1997) oferecem diretrizes


para a elaboração de materiais didáticos, a partir dos quais a pluralidade étnica seja
respeitada e abordada como tema transversal ao currículo escolar. O documento
recomenda

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 219
[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural
brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças
culturais, de classe social, de crença, de sexo, de etnia ou características
individuais e sociais (PCN/MEC, 1997, p. 7).

Estas regulamentações sugerem a adoção de posicionamentos críticos,


contrários aos modos de opressão e de reprodução de desigualdades comumente
operadas pelo sistema educacional (BOURDIEU, 1989).

Em uma orientação específica sobre a questão indígena, os PCNs consideram


que,

[...] tratar da presença indígena, desde tempos imemoriais em território


nacional, é valorizar sua presença e reafirmar seus direitos como povos
nativos, como tratado na Constituição de 1988. É preciso explicitar sua
ampla e variada diversidade, de forma a corrigir uma visão deturpada
que homogeneíza as sociedades indígenas como se fossem um único
grupo, pela justaposição aleatória de traços retirados de diversas etnias.
Nesse sentido, a valorização dos povos indígenas faz-se tanto pela via da
inclusão nos currículos de conteúdos que informem sobre a riqueza de
suas culturas e a influência delas sobre a sociedade como um todo, quanto
pela consolidação das escolas indígenas que destacam, nos termos da
Constituição, a pedagogia que lhes é própria (id. ibid. p. 39).

Em 2003, a Lei no 10.639 (BRASIL, 2003) alterou a Lei no 9.394, de 20


de dezembro de 1996, para incluir a temática História e Cultura Afro-Brasileira no
currículo da rede de ensino. Pouco tempo depois, ela foi complementada pela Lei no
11.645, publicada em março de 2008, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura das Populações Indígenas.

O cumprimento das leis é basilar para honrarmos o nosso papel enquanto


cidadãos e educadores. O respeito em relação às diferenças e à diversidade étnica em
nossa cultura é a chave para construirmos uma sociedade mais justa.

Conforme apontado por Lima e Almeida (2010), os índios estão presentes


de modo enraizado no Brasil. Esta presença faz-se sentir na literatura, bem como, nas
manifestações sociais e culturais emergentes nos mais diversos espaços geográficos
do país. A cultura indígena está em nossa língua e na culinária brasileira.

Dessa maneira, a negação da dimensão humana dos povos indígenas,


através dos equívocos praticados nos processos formativos, faz perpetuar as
discriminações, exclusões e violências vinculadas à nossa sociedade. Por que os livros
didáticos difundem imagens distorcidas sobre os povos indígenas, desrespeitando-os,
assim, enquanto cidadãos de direitos?

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 220
Lima e Almeida (2010) afirmam que a construção de representações sociais
sobre os índios decorre das ações e produções de não indígenas, desde o chamado
“descobrimento” do Brasil, passando pela colonização até os dias atuais.

Sob a influência etnocêntrica e eurocentrada do pensamento hegemônico


sobre o saber-fazer pedagógico, livros didáticos silenciam, invisibilizam e excluem os
povos indígenas. Conforme temos exposto exaustivamente,

[...] pouco se ouve falar sobre a história atual dos índios e das consequências
do contato entre eles e os portugueses no passado e eles e os outros
brasileiros no presente. Os índios permanecem, cinco séculos depois do
descobrimento, ignorados, desconhecidos e estrangeiros num país talvez
mais deles do que dos outros brasileiros (LIMA, ALMEIDA, 2010, p. 26).

De acordo com Grupioni (1992), na contramão das abordagens


tradicionalmente utilizadas para o ensino das temáticas indígenas, os materiais
didáticos devem oferecer informações adequadas. Além dos cuidados com a imagem,
é importante considerar-se o lugar ocupado pela temática que envolve a questão
indígena ao longo dos processos formativos.

A escola poderia cumprir um papel interessante diante da desconstrução de


estereótipos. Seria imprescindível para enfrentarmos inúmeros conflitos vivenciados
pelos povos indígenas. Além disso, alcançaríamos maiores condições na integração de
indígenas e não indígenas.

De acordo com Bonin (2010), as ações estratégicas podem ser


implementadas para abordarem as temáticas associadas aos índios brasileiros de
modo mais assertivo. Uma saída decorreria da produção de materiais didáticos ricos
em informações, capazes de valorizar a pluralidade e a diversidade dos povos indígenas.
Dentre os recursos, incluiríamos documentários, livros de literatura, fotografias,
estudos acadêmicos, exposições, palestras com a participação de indígenas, além de
outros elementos.

Propõe-se, neste estudo, a análise das imagens e representações sobre os


povos indígenas no contexto de formação educacional básica. Os percursos trilhados
para o alcance dos objetivos estão detalhados na próxima seção.

Método
Com a finalidade de investigar a representação dos povos indígenas no
contexto da formação básica, elegemos um livro didático como objeto de análise. O
material compõe a coleção: História, Sociedade e Cidadania, aprovada no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD - 2014).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 221
De autoria de Alfredo Boulos Júnior (2015), o livro escolhido tem sido
amplamente utilizado para o ensino de História, no 6º ano da formação educacional
básica. A opção deu-se porque, entre toda a coleção utilizada para o ensino de
História no Ensino Fundamental II, aquele volume era o único a reservar um capítulo
de introdução à temática da história dos povos indígenas.

Imagem 1: capa do livro de História utilizado como objeto de análise.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a ed.
São Paulo, FTD, 2015.

Analisamos o material a partir do uso de técnicas de análise de conteúdo


(BARDIN, 1994). O processo dividiu-se em três etapas:
1. Pré-análise, voltada à organização do material;
2. Descrição analítica, destinada à categorização de informações reunidas na
coleta de dados; e
3. Interpretação referencial, empregada na articulação entre as imagens
expostas e os elementos teórico-conceituais do quadro teórico da pesquisa.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 222
Resultados e Discussão
No capítulo analisado, intitulado: “Os indígenas: diferenças e semelhanças”,
Boulos Júnior (2015) discorre sobre traços físicos, expressões culturais, valores, hábitos
e costumes de diferentes etnias indígenas. Baseando-se na Lei nº 11.645/08, o autor
respeita a diversidade ao mencionar que “[...] os indígenas enfeitam seus corpos com
cocares, braceletes, colares e outros. Mas, cada povo, o faz de um jeito próprio...”
(BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 94).

Em outra seção do capítulo, Boulos Júnior (2015) faz a seguinte ponderação:

[...] hoje em dia, muitas pessoas continuam vendo os índios como se fossem
todos iguais. Ocorre, porém, que o “índio” genérico não existe. Existem
os tupiniquins, os caetés, os kaiapós, os yanomamis e muitos outros.
Cada grupo se vê como um todo e diferente de outros grupos. (BOULOS
JÚNIOR, 2015, p. 95).

Na seção denominada “Diferenças entre os povos indígenas”, línguas e


traços físicos apontam-se como aspectos de diferenciação entre as etnias. Em seguida,
o autor considera as diferenças linguísticas conforme importantes marcadores da
diversidade étnica entre os povos indígenas.

Em seção denominada “As semelhanças entre os indígenas”, Boulos Júnior


(2015) cita a relação com a terra e a divisão etária e sexual do trabalho conforme
traços de semelhanças entre as etnias.

O autor afirma que a terra é de uso coletivo para todos os povos indígenas;
enquanto, apenas na sociedade capitalista, ela seria definida como uma propriedade.
Vale salientar que não há menção aos intensos conflitos associados às lutas pelas
terras. Pelo contrário, a passagem identificada deixa a impressão de que as culturas
indígenas passariam incólumes em meio aos anseios e às pressões do capitalismo.

Segundo Boulos Júnior (2015), no que diz respeito às informações sobre a


divisão sexual do trabalho e a realização de tarefas cotidianas, caberia às mulheres
a realização das seguintes atividades: plantar; acompanhar o crescimento da
lavoura e fazer colheita de frutos; transportar produtos; produzir farinha; tecer redes;
confeccionar cestos, vasos e objetos usados em rituais e festas; preparar alimentos e
cuidar das crianças.

Os homens, por sua vez, ficariam incumbidos da realização das tarefas, por
exemplo: preparação da terra para o plantio, construção de armas de guerra, canoas
e moradias; vigilância da aldeia; caça e pesca (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 98).

Mediante tais afirmações, devemos ponderar e oferecer informações sobre


as diferentes formas de organização adotadas pelos distintos povos indígenas. De

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 223
acordo com as vivências da autora deste estudo, entre os Akwẽ-Xerente, além de
produzirem artesanatos de diferentes formatos, tamanhos e utilidades, as mulheres
são designadas para oferecerem cuidados necessários ao desenvolvimento dos filhos
e transmitirem valores como: respeito ao próximo e lealdade. Em referência às tarefas
masculinas, destaca-se a atuação dos adultos no Warã, local onde jovens são iniciados
à vida adulta. Naquele espaço eles são preparados para pescarias, caças, plantio,
colheita e eventuais guerras.

Como se pode observar, os elementos históricos, políticos, econômicos,


culturais e sociais atrelados aos referidos povos merecem consideração e cuidados
para não serem cristalizados em discursos e ideias reducionistas. Incontáveis atos de
injustiça promovidos contra as minorias, especialmente contra os povos indígenas,
merecem espaço nos processos formativos. Os riscos de abordarmos a história dos
povos indígenas, de modo distante da realidade, são notórios.

Segundo Skliar (1999), nesta sociedade excludente em que vivemos há um


padrão de normalidade estabelecido. Existe um modelo hegemônico de sujeito pautado
na imagem e nos valores do homem branco, europeu, heterossexual. Qualquer distinção
em relação ao padrão emerge como desvio e torna-se alvo de discursos e de práticas
reducionistas operadas com a intenção de classificar, discriminar e marginalizar as
diferenças expressas entre os diferentes grupos étnicos e culturais.

Em uma seção destinada à proposição de atividades, duas imagens


pareadas representam diferentes formas de organização de moradias. À esquerda
é exposta uma vista aérea da aldeia indígena Kalapalo, no Parque Indígena do Xingu,
em Mato Grosso e, à direita, mostra-se uma vista sobre a Aldeia Wai Wai, situada às
margens do Rio Mapuera, no Amazonas.

Imagem 2: vista aérea de duas aldeias de etnias distintas.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a
ed. São Paulo, FTD, 2015.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 224
A atividade proposta tem o objetivo de ressaltar a diversidade entre as
etnias, embora advirta para o fato de haver semelhanças entre os povos. Dentre as
recomendações associadas ao exercício, destacamos um pedido para os estudantes
listarem atividades femininas e masculinas.

Em seguida, Boulos Júnior (2015) expõe duas frases de um texto sobre a


Cachoeira de Iauaretê, situada na região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas.
Os fragmentos apontam o fato de pedras, lajes e ilhas da Cachoeira simbolizarem
episódios de guerras, perseguições e mortes naquele contexto.

A passagem mencionada acima é relevante, especialmente porque no


início do capítulo, quando Boulos Júnior (2015) introduz o assunto “povos indígenas no
Brasil” (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 95), não há menção à violência atrelada à questão
indígena. Nas palavras do autor:

[...] quando o primeiro navio português chegou às terras brasileiras, os


indígenas eram muitos; suas aldeias eram grandes se comparadas às
da Amazônia atual e suas moradias eram ruidosas e movimentadas. A
população indígena que aqui vivia era de 3 a 5 milhões de pessoas. Hoje,
segundo o IBGE, vivem no Brasil 817 mil indígenas, agrupados em 231
povos. (BOULOS JÚNIOR, 2015, p. 95).

A redução drástica no quantitativo da população indígena não foi analisada


ou problematizada ao longo do texto. Não há informações sobre conflitos. A luta pela
terra e seus agravantes não aparece. Deste modo, discursos e imagens forjam uma
realidade à população indígena, distinta daquela vivenciada cotidianamente (MOTA,
RODRIGUES, 1999).

Os referidos dados numéricos sobre populações indígenas no Brasil


antecedem duas imagens. A primeira ilustra um momento festivo. Na ocasião, homens
indígenas estão perfilados em primeiro plano. Ao fundo, observam-se três indígenas
do sexo feminino.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 225
Imagem 3: Representação de atividade cultural indígena.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a
ed. São Paulo, FTD, 2015.

A autora deste texto, indígena do povo Akwẽ-Xerente, reconheceu a


etnia dos indígenas expostos na imagem analisada. No entanto, observa o fato de a
nomeação não aparecer no texto.

Na segunda imagem, Boulos Júnior (2015) buscou indicar as características


dos indígenas residentes das cidades localizadas fora dos territórios indígenas. A
fotografia mostra um grupo de homens em uma arquibancada. De braços erguidos,
trajando vestimentas semelhantes àquelas utilizadas pelos não indígenas, agem como
se estivessem em momento de comemoração.

Imagem 4: Representação sobre indígenas que vivem na cidade.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a
ed. São Paulo, FTD, 2015.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 226
O autor utiliza a imagem exposta para falar sobre a existência de indígenas
moradores nas cidades. Seria importante mencionar, todavia, que muitos indígenas
aldeados usam roupas iguais àquelas utilizadas pelos não indígenas. Além disso, fazem
uso de smartphones, computadores, dentre outros dispositivos tecnológicos utilizados
fora dos territórios indígenas.

A despeito da ausência de informações sobre a influência da cultura


ocidental nos hábitos e costumes indígenas, observamos o empenho do autor em
considerar a existência de hábitos dos povos tradicionais entre os não indígenas. Como
podemos notar através das imagens abaixo, ao destacarem-se as semelhanças e
diferenças entre indígenas e não indígenas, Boulos Júnior (2015) reconhece e valoriza
a influência dos povos tradicionais aos processos de socialização engendrados no
contexto ocidental.

Imagem 5: Representação de atividade lúdica entre crianças não indígenas.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a
ed. São Paulo, FTD, 2015.

Imagem 6: Representação de atividade lúdica entre crianças indígenas.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano/Alfredo Boulos Júnior. 3a
ed. São Paulo, FTD, 2015.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 227
Em vias de finalizar esta análise, consideramos que, não obstante tenhamos
elaborado críticas em relação ao conteúdo exposto no material em questão, o referido
texto introduz à temática da História dos Povos Indígenas aos estudantes do Ensino
Fundamental II (SOUSA, 2017). A coleção prevê o aprofundamento da temática nos
anos seguintes.

Em outras palavras, reconhecemos o valor do material utilizado como alvo


de nossas análises. Agindo assim, diminuiremos o risco da reprodução errônea, aqui é
colocado o reducionismo no centro de nossas análises e críticas.

Considerações finais
Reforçamos o nosso compromisso com a produção de pesquisas e de
ações educativas pautadas no respeito às culturas dos povos tradicionais. Por meio
de aproximações e conexões entre universidade e instituições escolares podemos lutar
contra os processos excludentes perpetrados contra as minorias.

Esta pesquisa colabora com o levantamento de questionamentos sobre


os limites e alcances de materiais didáticos utilizados nos processos de ensino e de
aprendizagem. Ela abre novas perspectivas de atuação aos educadores inseridos em
diferentes contextos.

Futuros estudos são necessários com vistas ao fortalecimento dos indígenas


e não indígenas na luta pela consolidação da democracia em nosso país, sobretudo
em tempos de constantes ameaças ao Estado democrático de direito.

Finalmente, reafirmamos nosso compromisso com a transformação da


realidade social. Apostamos no agenciamento de ações que valorizem as diferenças e
o respeito à pluralidade étnica.

Referências
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.

BONIN, I. T. Povos indígenas na rede das temáticas escolares: o que isso nos ensina sobre identidades,
diferenças e diversidade. Currículo sem Fronteiras, v. 10, no 1, págs. 73-83, 2010.

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: Sociedade e Cidadania, 6° Ano, 3a ed. São Paulo: FTD, 2015.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC / SEF, 1997.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 228
GOBBI, I. A temática indígena e a diversidade cultural nos livros didáticos de História. 2006. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Federal de São Carlos, 2006.

GRUPIONI, L. D. B. (Org.). Índios no Brasil. Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, São Paulo,
1992.

LEMOS, C. M. Os índios invisíveis: o ensino de História sem etnicidade, In: Anais do IV Encontro Nacional
de Pesquisadores do Ensino de História. Ijuí: Editora Unijuí, 1999.

LIMA, M. E. O; ALMEIDA, A. M. M. de. Representações sociais construídas sobre os índios em Sergipe:


ausência e invisibilização. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 20, n. 45, p. 17-27, Apr. 2010.
Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0103-863X2010000100004&
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MALDONADO, C.. O turismo comunitário na América Latina: gênesis, características, e políticas. In:
BARTHOLO, R.; SANSOLO, D. G.; BURSZTYN, I. (Orgs). Turismo de base comunitária: diversidade de
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SKLIAR, C. A invenção e a exclusão da alteridade” deficiente” a partir dos significados da normalidade.


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SOUSA, J. S. de. A história indígena e sua presença nos livros didáticos. Revista de História (UFBA), v. 6,
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VYGOTSKY, L. S.. A formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto. São Paulo, 1991.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 229
O PROCESSO DE TOMBAMENTO DAS ESCOLAS
RURAIS NO MUNICÍPIO DE CANAÃ DOS CARAJÁS−
PA NO PERÍODO entre 2007 e 2016
Valder Almeida Nogueira106
Ritianne de Fátima Silva de Oliveira 107

Introdução
O estudo em questão visa a contribuir com a discussão acerca de uma
temática que ganhou destaque nas políticas públicas educacionais nos últimos
anos, todavia ainda pouco explorado cientificamente: O fechamento das escolas no
campo. O Brasil vive um processo de fechamento e paralisação das escolas do campo.
Levantamento realizado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) traz a luz
dados preocupantes no tocante as escolas rurais.

Entre 2002 até o primeiro semestre de 2017, cerca de 30 mil escolas


rurais deixaram de funcionar no país. Essa situação também é abordada por Taffarel
e Munarim (2015), ao afirmarem que relacionado ao problema do fechamento das
escolas do campo, que vem ocorrendo nos últimos 10 anos, tende a acentuar-se frente
à atual política recessiva e de cortes orçamentários. O fechamento das escolas do
campo vem sendo denunciado como um crime contra a nação brasileira.

O interesse por pesquisar tal processo surgiu após as importantes discussões


relacionadas à Educação no(do) Campo realizadas na disciplina: Educação dos Povos
Tradicionais, vinculada ao Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal
do Tocantins – UFT. Na tentativa de compreendermos a problemática, organizamos a
pesquisa em três momentos. No primeiro, destaca-se a caracterização dos aspectos
geo-histórico do município de Canaã dos Carajás−PA, aspectos históricos da Educação
no Campo, bem como, as diferenças conceituais entre Educação do Rural e Educação
do Campo. No segundo, apresenta-se o processo de fechamento e extinção das
escolas rurais no município de Canaã dos Carajás−Pará, no período entre 2007 e
2016 e, o terceiro, reflete sobre o papel do Conselho Municipal de Educação de Canaã
dos Carajás no processo de tombamento das escolas. Por fim, tecemos algumas
considerações que obtivemos no decorrer da pesquisa.

106 Professor Efetivo da Rede Municipal de Educação de Canaã dos Carajás, Pedagogo da Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Para – UNIFESSPA e Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Tocantins – UFT.
E-mail:[email protected]
107 Professora da Secretaria Municipal de Educação de Canaã dos Carajás e Mestranda em Educação pela Universidade
Federal do Tocantins – UFT. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 230
A metodologia da pesquisa deu-se por meio de: fontes bibliográficas,
documentais e entrevista semiestruturada realizada com a diretora do Setor de
Documentação das Escolas Extintas− SEDEEX. Assim, o estudo ora apresentado, tem
como justificativa contribuir com a nossa formação acadêmica e profissional, bem
como, apresentar essa pesquisa científica ao Sistema Municipal de Ensino de Canaã
dos Carajás−PA, a fim de contribuir no processo de ação-reflexão-ação, acerca do
fechamento das escolas no campo no município.

Inicialmente, realizou-se um levantamento bibliográfico, procurando-


se aprofundar a compreensão do conhecimento científico acerca de tal temática.
A pesquisa documental baseou-se em dados oficiais levantados junto do Setor de
Documentação das Escolas Extintas−SEDEEX do Conselho Municipal de Educação
de Canaã dos Carajás. E, para finalizarmos a pesquisa, realizamos uma entrevista
semiestruturada com a professora Lira Santos, atual diretora do SEDEEX.

1. Caracterização de Canaã dos Carajás – Pará.

Abordaremos uma breve contextualização geo-história do município de Canaã


dos Carajás visando a uma melhor compreensão do território que estão localizadas as
escolas extintas.

1.1 Aspectos históricos


Em 1982, o Governo Federal, por meio do Grupo Executivo das Terras do
Araguaia Tocantins – GETAT implantou o Projeto de Assentamento Carajás na região
sudeste do Pará. E, assim, foram assentadas 1.555 famílias de colonos imigrantes
vindos, principalmente, dos Estados do Maranhão, Tocantins e Goiás. Neste período,
a região onde se estabeleceu o Projeto Carajás integrava o município de Marabá, que
se fragmentou em três subáreas áreas denominadas: Centro de Desenvolvimento
Regional, CEDERE I, II e III.

O CEDERE I foi criado em 1983, com o assentamento de aproximadamente


550 colonos, essa área localiza-se no município de Parauapebas. O CEDERE
II instituiu-se em 1984, área que a posteriores deu origem à sede do Município de
Canaã dos Carajás; por fim, o CEDERE III iniciou-se em 1985 e localiza-se a 42 km da
sede do município Canaã dos Carajás, constituindo-se, atualmente, na comunidade
denominada: Vila Ouro Verde.

Até meados da década de 1990, Canaã dos Carajás era uma vila agrícola
de Parauapebas (CEDERE II) formada basicamente pela população de cristãos
evangélicos que, em agradecimento à terra farta e abençoada “recebida”, decidiram
nomear o lugar de “Canaã” da origem bíblica (Terra prometida).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 231
A escolha do nome é resultado da forte presença dos cristãos evangélicos
que moravam na antiga Vila CEDERE II, o nome alude à Canaã-Palestina, a terra
prometida por Deus aos Hebreus. O nome Carajás relaciona-se com o principal
acidente geográfico e geológico da região sudeste do Pará, a Serra dos Carajás.

Finalmente, em 5 de outubro de 1994, através da Lei Estadual nº 5.860, o


CEDERE II desmembrou-se do município de Parauapebas, dando origem ao município
de Canaã dos Carajás que, por sua vez, havia se emancipado de Marabá em 1988. A
instalação deu-se em 1º de janeiro de 1997, com a posse do prefeito, do vice-prefeito
e dos vereadores eleitos em 3 de outubro de 1996.

1.2 Aspectos geográficos


Canaã dos Carajás é um município brasileiro localizada na Mesorregião
Sudeste do Estado do Pará. Detém 3.146,407 Km² de extensão territorial e fixa-se
a uma latitude 06º29’49” sul e a uma longitude 49º52’42” oeste, distando de uma
altitude de 210 metros; limita-se ao norte e a oeste com o município de Parauapebas,
ao sul com os municípios de Água Azul do Norte e Xinguara e a Leste com os municípios
de Curionópolis e Sapucaia.

Pertence à Região de Integração Carajás1 ao lado de outros onze municípios


que, juntos, possuem uma população estimada de 36.050 habitantes, conforme dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018.

O clima em Canaã dos Carajás é tropical. Chove bastante, mas, menos no


inverno que no verão. Sua temperatura anual varia entre a mínima de 25.4 °C. Sua
média anual de pluviosidade é de 1.766mm, sendo o mês de julho o mais seco, com
média de 18 mm de chuva, enquanto o de maior precipitação é março, com 290 mm,
em média. O principal rio que corta o Município de Canaã dos Carajás é o Parauapebas.

1.3 Educação do campo


Historicamente a educação brasileira nunca foi prioridade do Estado, não
obstante em relação ao campo a situação é gravíssima. Neste contexto, a educação
do campo, no Brasil, funcionou de forma precária, estando sempre a serviço da elite
dominante em cada época.

Assim, se analisarmos a história da educação brasileira desde o período


colonial até o início do século XX, comprova-se que ela apenas auxiliou a população
elitizada, excluindo grande parte da população rural, sendo o campo visto como
“local de atraso e de ‘gente ‘rude, diferentes, selvagens’”, sem higiene; estes são os
estereótipos que permanecem até os dias de hoje, sendo vistos como padrão do Jeca
Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato, em 1914.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 232
No período colonial, o ensino inicial teve como propósito catequizar e
domesticar os indígenas a serviço dos colonizadores, bem como, disseminar a fé
e a doutrina católica, e destinava-se, apenas, aos senhores de engenho, à classe
dominante da época. Souza salienta que:

A educação, com uma concepção elitista, esfacelada, de “aulas avulsas”,


que “excluía da escola os camponeses, os negros, os índios e quase a
totalidade das mulheres (sociedade patriarcal), gerou inexoravelmente,
um grande contingente de analfabetos”, porque a economia semifeudal
e semicolonial não necessitava sequer da educação primária. (SOUZA,
2014, p.99)

Neste contexto, o Estado, segundo Freire (1989, p.57), encarregou-se


apenas de manter a instrução superior com o objetivo de avalizar a posição social,
política e econômica da classe dominante. Com o surgimento da República em 1989,
iniciou-se a “educação rural” no Brasil, quando o governo brasileiro criou uma pasta
chamada Agricultura, Comércio e Indústria, que, dentre suas atribuições, deveria
contemplar o atendimento educacional aos povos do campo.

O governo republicano tinha a educação como eixo central no processo de


desenvolvimento socioeconômico, como forma de modernizar o país, então, obrigou os
fazendeiros a abrirem escolas em suas fazendas. Foi neste contexto, que se iniciou a
escola no campo (LEITE, 1999).

Não obstante, apesar de a população rural representar mais de 80% da


população brasileira, nos primeiros anos da República, a educação não alcançava o
campo, como esclarece Leite (1999, p.14):

A educação rural no Brasil, por motivos socioculturais, sempre foi relegada


a planos inferiores, e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado
do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação
ideológica da oligarquia agrária conhecida popularmente na expressão
‘gente da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade’.

Assim, a sociedade brasileira somente despertou para a educação do campo a


partir das duas primeiras décadas do século passado movida, em grande parte, pelo
forte movimento migratório interno, na qual um grande contingente de pessoas deixou
o meio rural em busca de novas oportunidades nos centros urbanos, que iniciavam
o processo de industrialização no Brasil. Neste contexto, desponta, em 1920, o
primeiro movimento em defesa da educação dos camponeses, chamado de Ruralismo
pedagógico108.

108 Predominam-se como defensores do ruralismo pedagógico SUDS Minucia, Carneiro Leão e Alberto Torres.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 233
O “Ruralismo pedagógico” foi um movimento baseado na defesa da escola
integrada às condições locais, tendo como objetivo maior a promoção da fixação do
homem ao campo e a contenção do êxodo rural. O “ruralismo pedagógico” consistia

O “ruralismo pedagógico” consistia [...] na defesa de uma escola adaptada


e sempre referida aos interesses e necessidades hegemônicas. Estes se
encontram diluídos entre o que se puderam perceber como interesses de
caráter econômico das classes e grupos de capitalistas rurais ou como
interesses de grupos, principalmente políticos interessados na questão
urbana (PRADO, 1995, p. 6).

Com o passar dos anos, novas iniciativas por meio de novas políticas
públicas foram despontando com relação à educação rural, todavia, somente a partir
do século XX, por volta dos anos 30, que se começou a pensar em projetos direcionados
para o desenvolvimento da Educação do Campo, com destaque ao aparecimento na
Constituição Federal de 1934 do termo rural, com ensino instrumental primário. De
acordo com Souza (2014, p.115):

A educação do campo existente até 1980 se limitava a escolas


multisseriadas, de 1ª a 4ª séries. O ensino de 5ª a 8ª séries e médio
praticamente não existia no campo. Com as novas orientações dos
organismos externos e suas estratégias de desocupação do campo,
paulatinamente as salas multisseriadas foram sendo substituídas por
escolas concentradas em que as crianças e jovens teriam de se deslocar
a longas distâncias para terem acesso à escola, pois os objetivos do
imperialismo nas últimas décadas é esvaziar o campo, principalmente na
Amazônia.

Foi na contramão da Educação Rural, que os movimentos sociais


organizaram a I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo realizada
em Luziânia, em julho de 1998, evento este que produziu uma crítica à realidade
educacional brasileira, em especial àquela dos povos que vivem do(no) campo, além
de apresentar a expressão educação do campo.

Assim, a partir I Conferência Nacional por uma educação do campo, em


1998, “a expressão campo passa a substituir o termo rural”. De acordo Caldart (2010,
p. 64):

A Educação do Campo nasce da luta social dos camponeses, o MST,


Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, a partir da necessidade
dos acampados e assentados, que carecem de educação, mas não da
educação que conforma os trabalhadores a uma lógica que é de sua
própria destruição como classe, como grupo social e cultural, como
humanidade, (CALDART, 2010, p. 64).

1.4 Educação Rural x Educação do Campo


Considerando-se o processo histórico vivenciado pela população do campo

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 234
no tocante ao direito à educação, faz-se necessário deixar clara a diferença existente
entre Educação do Campo e Educação Rural, tendo em vista que ambas vão se aludir
ao direito à educação da população do campo, mas com perspectivas diferentes, pois
elas surgem em épocas históricas distintas. Mas, apesar das mudanças ocorridas
no ordenamento jurídico e nas políticas públicas educacionais, ainda há rastros da
educação rural na contemporaneidade.

O vocábulo Educação do Campo menciona-se a um conceito atual na política


educacional, pois, até metade da década de 1990, o que havia era a nomenclatura
Educação Rural. Neste contexto, o termo Educação do Campo surgiu no seio dos
movimentos sociais, principalmente no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) como contraponto à Educação Rural, não como sua continuidade.

A distinção dos referidos conceitos é importante, uma vez que a Educação


Rural e a Educação do Campo são concepções educacionais divergentes. Então, ao
falar-se em educação rural ou mesmo do campo, antes de tudo, deve-se ter ciência do
antagonismo teórico-conceitual entre ambas, pois a Educação do Campo tem, no seu
ideário, o rompimento com o modelo educacional rural até então utilizado.

Nesse sentindo, a Educação Rural não dialoga com os interesses e aspectos


culturais do campo ou do meio rural, entretanto, a Educação do Campo engloba a
educação desde a participação e realidade que os cercam.

Caldart (2011) afirma que:

A educação do campo se identifica pelos seus sujeitos: é preciso


compreender que por trás da indicação geográfica e da frieza de dados
estatísticos está uma parte do povo brasileiro que vive neste lugar e desde
as relações sociais especificas que compõem a vida no e do campo, em
suas diferentes identidades e em sua identidade comum; estão pessoas de
diferentes idades, estão famílias, comunidades, organizações movimentos
sociais (p.150-151).

Para exemplificar essas mudanças de conceitos e concepções elaboramos


um quadro sintético pontuando algumas diferenças entre o sentido de Educação Rural
e a atual concepção de Educação do Campo.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 235
Quadro 1 - Diferenças entre Educação Rural e Educação no Campo.
EDUCAÇÃO RURAL EDUCAÇÃO DO CAMPO
Nasce de um movimento dos próprios
“[...] transposição empobrecida
sujeitos sociais do campo que reivindicam
da educação construída nas
seus direitos a terra, à educação, à cultura,
áreas urbanas” (BRASIL,
entre outros, em um conjunto de lutas contra
Projeto Base, 2003, p. 12).
hegemônicas.
Objetiva a ampliação das escolas do
“[...] concebe o campo como
campo, dos cursos de Educação Profissional
espaço prosaico de atraso,
e Superior, das políticas de formação
desprovido de dinamismo e
dos(as) professores(as) e gestores(as), dos
de perspectivas de futuro, cujo
programas de livros didáticos específicos,
destino inexorável é ceder lugar
do apoio técnico e pedagógico, entre outros
à modernidade associada à
direitos dos sujeitos do campo, como, por
vida urbana” (ANDRADE, 2004,
exemplo, políticas contínuas e afirmadoras
p. 21).
de igualdade.
A Educação do Campo se afirma no
combate aos ‘pacotes’ (tanto agrícolas como
educacionais) e à tentativa de fazer das
“[...] escolarização elementar
pessoas que vivem no campo instrumentos
historicamente oferecida aos
de implantação de modelos que as ignoram
filhos dos agricultores” (MOLINA
ou escravizam. Também se contrapõe à visão
et. al., 2010, p. 89).
estreita de educação como preparação
de mão de obra e a serviço do mercado
(CALDART, 2004, p. 5).
Fonte: Nogueira; Oliveira (2019).

Em suma, os dados acima mencionados sistematizam as características de


cada educação; conforme os autores supracitados, é possível afirmar-se que, apesar
de a Educação do Campo ter surgido na Educação Rural, ela propulsiona uma maior
relevância aos povos do campo.

Sobre a educação rural do município a diretora das escolas extintas na


entrevista nos evidencia que:

A educação no meio rural, ainda tem muito a desenvolver, pois a falta


de políticas educacionais voltadas para o homem do campo estabelece
limitações na educação dos filhos. São grandes as dificuldades de acesso,
haja vista que não existe um horário adequado em todas as unidades
escolares e os alunos acabam por terem que acordar muito cedo e
percorrer grandes distâncias para chegarem até as escolas. Em relação
aos currículos, estes precisam ser adequados à realidade dos mesmos
ainda existem salas multisseriadas, algumas escolas não possuem
infraestrutura adequada, percebe-se a necessidade de um setor e/ou
técnico para tratar especificamente da educação no campo, através de
programas específicos. (SANTOS, informações verbais, 05/08/19).

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 236
De acordo com Rosa (2015), sobre o impacto das políticas de estado em
nosso país, na década de 90, dentre outras consequências, cita que ocorreu em
fechamento avassalador de escolas no campo. Na terra prometida essa realidade não
foi diferente do cenário brasileiro, pois, muitas escolas surgiram no meio rural e, depois,
fecharam-se sem regularização, sendo os seus documentos guardados e enviados à
sede Estadual do Estado do Pará.

2. O processo de fechamento e extinção das escolas


A criação e expansão das escolas rurais na terra prometida, situada no
sudeste do Estado do Pará, possui relação direta com a frente de ocupação do território.
Com a implantação do CEDERE II e o grande número de famílias que passaram a viver
na região, trazendo seus filhos. Houve a necessidade de buscar mecanismos para que
estas crianças estudassem, e devido às grandes distâncias e ao difícil acesso, foram
iniciadas as primeiras salas de aula nas residências dos produtores rurais  ainda na
década de 80  sob a coordenação das religiosas da Congregação do Amor Divino,
inicialmente com: Irmã Angelita, Irmã Maria Madalena Andrade e Irmã Maria Weber;
posteriormente, com Irmã Laura Martins, entre outras, que percorriam grandes
distâncias a pé, a cavalo, de canoa e moto, para orientarem os professores que não
possuíam sequer a formação básica de magistério, daí destacam-se o mérito e o
reconhecimento a estas freiras, que se desdobravam entre suas obrigações religiosas
e seus trabalhos na educação.

Com a criação do Sistema Municipal de Educação de Canaã dos Carajás−


SMECC, através da Lei 167/2007, bem como, a aprovação da Lei 168/2007 que
implantou o Conselho Municipal de Canaã dos Carajás−CMECC, desatrela-se
efetivamente a normatização da educação do Conselho Estadual do Estado do
Pará, cumprindo-se assim a determinação da Constituição Federal de 1988, de que
os municípios passassem a definir pressupostos de participação, “descentralização”
e normas de gestão democrática na Educação Básica, pois a manifestação do
nascimento de políticas educativas refletiu os conflitos de interesses, arranjos feitos
nas esferas do poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade.

Quadro 2 − Escolas extintas e sua localização

UNIDADE/ESCOLAS LOCALIZAÇÃO
EMEF. Adailton Gomes VS 78
EMEF. Américo Ribeiro VP 12
EMEF. Belmonte VS - 77
EMEF. Boa Esperança VP - 20

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 237
UNIDADE/ESCOLAS LOCALIZAÇÃO
EMEF. Bom Jesus VS -13
EMEF. Bom Jesus II VS - 48
EMEF. Carlos Alberto M. Barros VP – 50/51
EMEF. Cecília Campos Botão VS - 76
CEJA Canaã dos Carajás – Zona Urbana
EMEF. Cícero Cordeiro VP - 80
EMEF. Chico Mendes VS - 45
EMEF. Conselho da Mamãe VP - 12
EMEF. Córrego do Arara Três Braças
EMEF. Criança Feliz VE – 03
EMEF. Cristo Redentor VS – 52
EMEF. Cunha da Musa Cunha da Musa
EMEF. D. Pedro I VS – 77
EMEF. Frederico Figueira VS – 40
EMEF. Grota da Fumaça VP – 12
EMEF. Israel Rodrigues Alves VP – 12
EMEF. João Figueiredo VP – 80
EMEF. Joaquim Carlos Vila Sossego
EMEF. Jonas Pinto VS – 52
EMEF. José de Anchieta VS – 51
EMEF. Lauro Queiroz VS – 40
EMEF. Lourival Ribeiro VE – 03
EMEF. Manoel Jorge da Silva VS - 47
EMEF. Mª de Lourdes R. Rodrigues Córrego da União
EMEF. Monte Pio Fazenda Brasília
EEIF. Monte Sião Canaã dos Carajás – Zona Urbana
EMEF. Narciso Carneiro VP - 47
EMEF. Nossa Srª Aparecida I VS – 44 A
EMEF. Nossa Srª Aparecida II Fazenda Brasília
EMEF. Nova Canaã Três Braças
EMEF. Nova República Fazenda Brasília
EMEF. Nova União VS - 77
EMEF. Novo Brasil VS - 47
EMEF. Odail Alves Racha Placa

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 238
UNIDADE/ESCOLAS LOCALIZAÇÃO
EMEF. Padre Josimo Tavares VS - 53
EMEF. Presidente Costa e Silva VP - 12
EMEF. Santa Madalena VS - 79
EMEF. Santa Paz VS - 52
EMEF. Santo Antônio VP - 21
EMEF. Santos Dumont VS - 53
EMEF. São Francisco do Canindé VS - 76
EMEF. São Geraldo VP – 21
EMEF. São José Nova Esperança
EMEF. São Sebastião VP - 45
EMEF. Saturnina Barbosa da Silva VS - 47
EMEF. Senhor do Bonfim VE - 03
EMEF. Serra Dourada VP – 40/VP - 12
EMEF. Serra Norte Racha Placa
EMEF. Sorriso da Criança VP - 80
EMEF. Três Colchetes Fazenda Brasília
EMEF. Treze de Maio VS - 40
EMEF. Vida Nova VS - 50
EMEF. Vila Raposo Fazenda Brasília
EMEF. Zenilda Ribeiro da Silva VP - 12
Fonte: Dados do Setor de Documentação das Escolas Extintas− SEDEEX − 2019.

A localização das escolas foi um fator que facilitou a busca dos documentos
necessários ao subsídio do processo de tombamento das escolas, pois elas funcionavam
na própria casa da professora e, algumas, em outros espaços nas terras dos colonos.
O tombamento das escolas extintas é um trabalho intenso que requer uma busca de
materiais e documentos como, por exemplo, fotos, cartas, diários de classes, rascunho
de professores, os boletins dos alunos, entre outros, que auxiliaram neste processo.

2.1 Escolas extintas do município de Canaã dos Carajás


Antes da institucionalização do Conselho Municipal de Educação de Canaã
dos Carajás no ano 2007, as escolas extintas tinham seus documentos encaixotados
e entregues à 4ª Unidade Regional de Ensino, localizada na cidade de Marabá e/
ou permaneciam em depósitos da Secretaria Municipal de Educação, sem nenhum
processo de tombamento, regularização e/ou convalidação de estudos dos alunos

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 239
egressos. Não obstante, somente no ano de 2011, após a criação do Setor de
Documentação das Escolas Extintas – SEDEEX, ligado diretamente à Câmara de
Legislação e Normas do Conselho Municipal de Educação de Canaã dos Carajás;
inicia-se o processo de tombamento dos processos das escolas que estavam extintas,
sendo garantido neste setor uma equipe administrativa formada por um diretor(a) e
um secretário(a) escolar, como forma de viabilizar a legalidade dos documentos, além
das comissões temporárias, compostas por cinco pessoas, para dar celeridade aos
processos.

Quadro 3 - Relação de escolas fechadas até 2016.

ESCOLAS ANO RES. DECRETO MOTIVO


EMEF Adailton Gomes 1990-2005 029/2015 Nº195/2006 Baixo nº de alunos
EMEF América Ribeiro 1999-2007 011/20015 Nº516/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Boa Esperança 1990 –1992 020/2011 Nº161/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Belmonte 1986 –2012 005/2015 Nº512/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Bom Jesus 1990-1999 010/2013 Nº 160 /2006 Baixo nº de alunos
EMEF Bom Jesus II 1999-2007 008/2014 521 /2011 Baixo nº de alunos
EMEF Carlos A. M. de Barros 1993-1997 009/2013 Nº 159/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Carlos Henrique 1994 –2012 004/2012 Nº 526/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Cecilia Campos Botão 1996-2000 020/2011 Nº 158/2006 Baixo nº de alunos
CEJA 2008-2011 005/2013 Nº 525/2011 Ilegalidade
EMEF Chico Mendes 1990-2000 010/2013 Nº 173 /2006 Baixo nº de alunos
EMEF. Cícero Cordeiro 1986 –1999 005/2015 Nº 524/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Conselho da Mamãe 1999-2007 009/2013 Nº 517/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Córrego da Arara 1996-1999 008/2014 Nº 504/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Criança Feliz 1990-2004 003/2015 Nº 147/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Cristo Redentor 1990-2000 029/2015 Nº 174/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Cunha da Musa 1995-1996 021/2011 Nº 157/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Dom Pedro I 1987-2005 011/2015 Nº194/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Frederico Figueira 1989-1993 008/2014 Nº 153/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Grota Da Fumaça 1991-1996 013/2013 Nº 152/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Hilário Lunardelli 1992-2000 010/2013 Nº 176/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Israel Rodrigues 1999-2005 013/2013 Nº 515/2011 Baixo nº de alunos
EMEF João Figueiredo 1999- 2005 020/2011 Nº 509/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Joaquim Carlos 1986 –2000 005/2015 Nº 520/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Jonas Pinto 1999-2007 011/2015 Nº 498/2011 Baixo nº de alunos
EMEF José de Anchieta 1990-1990 021/2011 Nº 170/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Lauro Queiroz 1989-200 008/2014 Nº 168/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Lourival Ribeiro 1992-1996 003/2015 Nº 181/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Manoel Jorge da Silva 1990-2000 004/2014 Nº 171/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Maria de L. Rodrigues 1999-2007 029/2015 Nº 506/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Monte Pio 1999-2007 003/2015 Nº 519/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Monte Sião 2000-2007 010/2011 Nº 523/2011 Ilegalidade

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 240
ESCOLAS ANO RES. DECRETO MOTIVO
EMEF Narciso Carneiro 1991-2001 004/2014 Nº 167/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Nossa Sr.ª Aparecida I 1994-2001 021/2011 Nº 522/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Nossa Sr.ª Aparecida II 1990-2001 010/2013 Nº 178/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Nova Canaã 1990- 1990 009/2013 Nº 175/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Nova República 1996-1997 029/2015 Nº 166/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Nova União 1999-2007 011/2015 Nº 499/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Novo Brasil 1992-2000 004/2014 Nº 177/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Odail Alves Ferreira 1986 –2014 011/2016 Nº 514/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Padre Josimo Tavares 1989-1999 003/2015 Nº 165/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Presidente C. e Silva 1993-2001 011/2015 Nº 164/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Santa Madalena 1986 –1998 005/2015 Nº 505/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Santa Paz 1990-1990 029/2015 Nº 139/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Santo Antônio 1990-2000 020/2011 Nº 172/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Santos Dumont 1990-2000 029/2015 Nº 169/2006 Baixo nº de alunos
EMEF São F. do Canindé 1988 –2004 005/2015 Nº 163/2006 Baixo nº de alunos
EMEF São Geraldo 1999-2007 029/2015 Nº 518/2011 Baixo nº de alunos
EMEF São José 1996-1997 008/2014 Nº 162/2006 Baixo nº de alunos
EMEF São Sebastião 199-2005 013/2013 Nº 507/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Saturnina B. da Silva 1990-2001 004/2014 Nº179/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Senhor do Bom Fim 1992-1996 009/2013 Nº 182/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Serra Do Norte 1999-2005 011/2015 Nº 497/2011 Baixo nº de alunos
EMEF Serra Dourada 1990-2001 010/2013 Nº 180/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Sorriso da Criança 1993-1999 011/2015 Nº 151/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Três Colchetes 1993-1996 003/2015 Nº 150/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Treze De Maio 1997-2006 021/2011 Nº 208/2006 Baixo nº de alunos
EMEF Vida Nova 1992-1997 029/2015 Nº 149/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Vila Raposo 1989 –1996 005/2015 Nº 148/2005 Baixo nº de alunos
EMEF Zenilda R. de Souza 1987 –2001 013/2013 Nº 129/2005 Baixo nº de alunos
Fonte: Dados do Setor de Documentação das Escolas Extintas− SEDEEX − 2019.

Percebe-se, no quadro 3, que para aproximadamente 96,66% das escolas,


o motivo dos seus fechamentos foi o número baixo de alunos e, apenas 3,33%,
desativaram-se devido à ilegalidade, ficando sobre a responsabilidade do Conselho
Municipal de Educação a regularização da vida escolar de cada aluno. Neste sentido, o
trabalho deste egrégio Conselho consolida-se; por um lado, na busca de documentos
que subsidiassem os tombamentos, e por outro, na emissão dos atos normativos que
regulamentassem todo esse processo.

Destaca-se o processo da Escola Municipal de Ensino Fundamental Adailton


Gomes, localizada na VS – 78, criada em 20/03/1990 para atender aos filhos dos
colonos da região, haja vista que era uma área de difícil acesso e não era ofertado o
transporte escolar. Foi paralisada em 23/12/2005 e, extinta, posteriormente, através

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 241
do Decreto Nº 195/2006 de 31 de maio de 2006, devido ao baixo número de alunos
e à implantação de transporte escolar para vila mais próxima. Seus documentos
foram arquivados na EMEIF Carlos Henrique, na Vila Ouro Verde, município de Canaã
dos Carajás. No ano de 2015, o Setor de Escolas Extintas – SEDEEX do Conselho
Municipal de Educação de Canaã dos Carajás recolheu tal documentação e requisitou
a mantenedora instituição de comissão para regularização da documentação escolar
dos estudantes.

Todas as escolas são registradas no sistema do SEDEEX e possuem um


acervo com os documentos resgatados das instituições de ensino deste período de
funcionamento, assim, possibilitaram a regularização da vida escolar dos estudantes,
e mais de 260 pessoas realizaram os resgates dos seus históricos escolares, que os
ajudaram a prosseguir com seus estudos, e outros, utilizaram-nos para alcançar sua
tão sonhada aposentadoria. Algumas escolas estão sem o período de funcionamento,
devido a que, nas buscas realizadas pelos autores, apenas foi encontrada a data de
início de funcionamento, pois o CMECC ainda está no processo de resgate.

No que tange às resoluções emitidas pelo CMECC, constataram-se que


algumas resoluções possuíam mais de uma escola, chegando ao máximo de sete por
resolução. O gráfico 1 explicita essas informações.

Gráfico 1 - Quantidade de escolas tombadas por Resolução

Fonte: Nogueira; Oliveira, 2019.

Observando os dados contidos no gráfico 1, podemos perceber a evolução


no processo de tombamento das escolas rurais no município de Canaã dos Carajás-
PA, apresentando o seu apogeu no ano de 2015. Assim, as Resoluções nº 10/
CMECC/2011, nº 004/CMECC/2012, nº 005/CMECC/2013 e a Resolução nº 011/
CMECC/2016, viabilizaram o tombamento de quatro escolas rurais. Já as Resoluções
nº 20/CMECC/2011, nº 009/CMECC/2013, nº 013/CMECC/2013 e Resolução nº 004/

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 242
CMECC/2014, possibilitaram o tombamento de dezesseis escolas rurais. As Resoluções
nº 21/CMECC/2011, nº 010/CMECC/2013, nº 005/CMECC/2013, nº 008/CMECC/2014
e nº 003/CMECC/2015, proporcionaram o tombamento de vinte escolas rurais. Por
fim, as Resoluções nº 005/CMECC/2015 contribuiu para o processo de tombamento
de seis escolas rurais e, as Resoluções nº 011/CMECC/2015 e nº 029/CMECC/2015,
viabilizaram o tombamento de quatorze escolas rurais, totalizando-se 60 escolas
tombadas, catalogadas, registradas no período de 2011 a 2016, trabalho este que
regularizou as vidas escolares de centenas de estudantes, trazendo dignidade aos
mesmos.

2.2 As contribuições do CMECC no processo de tombamento das escolas


O Conselho Municipal de Educação de Canaã dos Carajás realiza um trabalho
de tombamento de mais de 60 escolas. Na tabela 2 estão elencadas sessenta (60),
descritas pelo nome de cada escola, período de funcionamento, resolução/decreto e
motivo de desativação. Na entrevista com a diretora do SEEDEX, ela relatou-nos que
o processo de tombamento da EEIF Monte Sião deu-se por delegação de competência
do Conselho Estadual de Educação – CEE, ao qual esta era credenciada, e com seu
fechamento, o CEE delegou ao CMECC a regularização das vidas escolares dos alunos
egressos e as guardas de seus documentos por tempo indeterminado. Essa referida
escola apresenta várias pendências, inclusive, o período de funcionamento, no entanto,
à medida que as demandas vão surgindo, o setor extinto da escola tenta resolver o
problema para que nenhum aluno fique prejudicado, e a resolução nº 010/2011 rege
o tombamento desta instituição de ensino. Neste sentido, Lira Santos nos revela que:

O papel do CMECC foi primordial, pois o colegiado autônomo entendeu o


processo como um resgate histórico documental de um período em que as
legislações não eram garantidas a contento, seja para dar continuidade
de estudos, aposentadoria de colonos que necessitavam comprovar sua
permanência na terra através de documentos escolares de seus filhos,
entre outros. Haja vista que todas as resoluções que dão legalidade ao
processo são do CMECC. (SANTOS, 04/07/19)

Desde a implantação e implementação deste egrégio Conselho, o resgate


histórico- documental vem contribuindo positivamente para a memória da história da
educação da terra prometida, bem como, para vida das pessoas que moravam ou
moram no campo e necessitam de um documento que comprove que eles estudaram
nessas instituições de ensino. Até cinco de agosto do ano em curso verificou-se o
número de escolas tombadas em cada ano.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 243
Gráfico 2 – Quantidade de escolas tombadas entre os anos de 2011 e 2016

Fonte: Nogueira; Oliveira, 2019.

Nota-se que das 60 escolas, aproximadamente 41,66% foram tombadas no


ano de 2015, 23,33% em 2013, 16,66% em 2011, 15% em 2014 e 1,66% nos anos 2012 e
2016. Normalmente os dados percentuais são arredondados, mas, preferiu-se manter
o valor numérico encontrado com o cálculo de matemática básica para mostrar ao
leitor o real valor numérico encontrado. Com estes dados, verifica-se o empenho do
CMECC para o tombamento das escolas, mas houve uma redução drástica nos anos
de 2012 e 2016.

Atualmente o Setor de Documentação de Escolas Extintas perpassa


pela garantia de uma política pública que garante documentação, regularização e
convalidação de estudos de alunos egressos, seja para prosseguimento de estudos,
recebimento de seguro-desemprego ou apresentação ao INSS, como parte integrante
da documentação exigida para aposentadoria de produtores rurais. Ademais, este
egrégio conselho vem desempenhando um trabalho significativo para a comunidade
local, pois procura, sempre, honrar com suas funções estabelecidas pela Lei nº 168/2017
Art. 4º, que trata das funções que Conselho Municipal de Educação de Canaã dos
Carajás exerce.

I - consultiva, provendo resposta a consultas sobre questões que lhe forem


submetidas, no âmbito de sua competência, pelas escolas, secretaria
de educação, Câmara de Vereadores, Ministério Público, universidades,
sindicatos, pela sociedade civil organizada, bem como por qualquer
cidadão ou grupo de cidadãos, de acordo com a lei;

II - propositiva, tomando a iniciativa de emitir opinião, oferecer sugestões


e participar da discussão e da definição das políticas e do planejamento
educacional;

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 244
III - mobilizadora, estimulando a participação da sociedade no
acompanhamento e controle da oferta e qualidade dos serviços
educacionais prestados;

IV - deliberativa, decidindo sobre políticas educacionais a serem


implementadas pelo Município, bem como sobre alterações no currículo
escolar.

V - normativa, elaborando normas complementares e interpretando a


legislação e as normas educacionais.

VI - fiscalizadora e avaliadora, monitorando a execução das políticas,


dos planos e dos programas municipais de educação e avaliando o
cumprimento da legislação educacional no Município.

Por meio desta Lei, o CMECC é consultivo, propositivo, mobilizador, normativo


e fiscalizador. Para tanto o SEDEEX visa a contribuir com a sociedade, valorizando
e preservando as identidades desses estudantes, bem como, a regularização da
vida escolar, porém, perceberam que esse trabalho pode ir além. Devido a esses
registros, as vidas profissionais dos docentes que atuaram nestas unidades escolares
estão sendo resgatadas, então, este processo está em andamento, pois, também irá
contribuir para comprovar o tempo de serviço do profissional. Em agosto de 2018 o
Conselho Municipal de Educação completou dez anos e a professora Lira Cristinne
Ferreira Santos idealizou e desenvolveu um projeto intitulado de “Dez anos do Conselho
Municipal de Educação: Entre lápides, cascos de cavalo e trilhos da estrada de ferro”109.
Este trabalho contou a história da educação da terra prometida desde a implantação
do CEDERE II, conforme se mencionou no início do texto. Realizou-se uma exposição
sobre as escolas extintas por meio de mural, objetos, imagens e documentos que
retrataram esse período, então, vieram as irmãs que contribuíram para a formação
desses estudantes no meio rural e ocorreram rodas de conversas, várias oficinas e
palestras gratuitas para a comunidade. Diante do exposto, perguntamos à professora:

 Qual foi o legado deste evento?

Ela nos informou que o maior legado do evento consistiu em:

O maior legado do evento em comemoração aos dez anos de implantação


do CMECC consiste no cumprimento no cumprimento da função
mobilizadora presente na Lei 168/2007, que institui o conselho, haja
vista que foram cinco meses de palestras, rodas de conversa, oficinas,
mesa redonda com comunidade e representantes de órgãos de defesa

109 “Lapides, retrata a história das pessoas que faleceram e que contribuíram com o fortalecimento do Conselho Municipal
de Educação de Canaã dos Carajás. Cascos de Cavalo descreve o processo das escolas que tiveram seu funcionamento
encerrado e passaram ou passarão pelo processo de tombamento, a fim de regularizar a vida escolar de centenas de
cidadãos que estudaram nessas instituições educacionais. E Trilhos da Estrada de Ferro, apresenta os acontecimentos
educacionais ocorridos na terra prometida, a partir do ano de 2003 com a chegada da mineração.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 245
da criança e adolescente, audiência pública onde a muitas mãos foram
construídos saberes, desconstruindo preconceitos. Dentre os atores
envolvidos tivemos um total de 960 pessoas. Sendo considerado o maior
evento já ocorrido na educação de Canaã dos Carajás. Idealizado e
promovido pelo CMECC. (SANTOS, informações verbais 05/08/2019).

Esta exposição estava vinculada à linha de pesquisa sobre Políticas Públicas


e refletiu sobre o papel dos Conselhos Municipais de Educação na Gestão Democrática
de Políticas Públicas, tendo como objetivo principal estudar quais as efetivas condições
para que estes sejam realmente espaços de promoção da gestão democrática e de
definição de políticas educativas.

3. Tecendo considerações
Este estudo objetivou: a) a compreensão do processo de tombamento
das escolas extintas no município de Canaã dos Carajás; b) o conhecimento sobre o
processo de fechamento das escolas; c) a identificação das escolas que foram desativadas
e extintas e d) a verificação das causas e consequências desses tombamentos.

A literatura que versa sobre o fechamento das escolas rurais indica que
os impactos para a comunidade são: a) os grandes distanciamentos da escola e b) a
família  mas, principalmente, no que tange à aprendizagem, pois, os alunos passam
muito tempo em rotas de transportes para se deslocarem, possibilitando-lhes uma
desigualdade educacional latente neste processo e acarretando que as escolas e os
governantes não se atentem às especificidades deste público.

Na terra prometida temos essa realidade descrita na literatura e a solução


encontrada pelos governantes é o uso dos transportes coletivos e salas multisseriadas,
devido ao número muito baixo de alunos e a não valorização do sujeito do campo.

Identificou-se que sessenta escolas foram tombadas pelo conselho municipal


de Canaã dos Carajás, por meio do setor de documentação das escolas extintas.
Evidenciaram-se dois momentos, o antes e depois da institucionalização deste egrégio
conselho. O antes era feito apenas por decretos através da prefeitura e, o depois,
intensificou a busca pelos registros e documentos que mostravam as vidas escolares
dos estudantes de cada instituição de ensino que fora fechada; e, a partir de 2011
a 2016, as escolas foram tombadas. As buscas continuam, pois, ainda, havia mais
quatro escolas, porém, o processo delas não foi finalizado, por isso não participaram
deste estudo.

O tombamento das escolas extintas é um resgate histórico-documental da


comunidade local e contribui para regularização da vida escolar desses estudantes
quando, antes, era impossível terem seus certificados, seja para a sequência dos seus

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 246
estudos ou para a comprovação da escolaridade no trabalho. Segundo a diretora do
SEDEEX, o conselho mobilizou uma parceira com o Instituto Nacional do Seguro Social−
INSS, assim, muitas pessoas, através do certificado, comprovaram que são moradores
rurais e alcançaram sua aposentadoria. Com esse estudo, percebe-se que há outras
perspectivas de indagação sobre o tombamento das escolas rurais no município de
Canaã dos Carajás, que nos imputa a responsabilidade de pensar em alternativas de
contribuição com as escolas rurais.

Deste modo, o quantitativo de escolas fechadas, ou que se encontram em


processo de extinção, quase nunca aparecem de forma clara nos relatórios oficiais.
São dados que permanecem restritos, e que só se mostram claros diante da ótica das
pesquisas, como esta.

Por fim salientamos que, dada à abrangência, à importância e à complexidade


da temática abordada neste trabalho, a continuidade e o aprofundamento do estudo
são de extremas necessidades. Nesse sentido, tal desafio poderá ser enfrentado em
futuros estudos e/ou trabalhos científicos.

Referências
CALDART, Roseli Salete. Caminhos para a transformação da Escola: reflexões desde práticas da
licenciatura em Educação do Campo. Expressão Popular. Cadernos do Iterra, ano X, nº 15, 2010.

CALDART, Roseli. Por uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção IN: ARROYO,
Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Monica Castagna (orgs.). Por uma educação do
campo. 5.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

CANAÃ DOS CARAJÁS, LEI Nº 167/2007. Dispõe sobre a instituição do Sistema Municipal de Educação
e dá outras providências. Disponível: http://canaadoscarajas.pa.gov.br/transparencia/leis-decretos/
Acesso em: 08/03/2020.

CANAÃ DOS CARAJÁS, LEI Nº 168/2007. Dispõe sobre a instituição do Conselho Municipal de Educação
e dá outras providências. Disponível: http://canaadoscarajas.pa.gov.br/transparencia/leis-decretos/
Acesso em: 08/03/2020.

PRADO, A. A. Ruralismo pedagógico no Brasil do Estado Novo. Estudos Sociedade e Agricultura. Rio de
Janeiro, no 4, págs. 5–27, jul. 1995.

ROSA, Luana Carletto da. Fechamento das escolas do campo: análise do município de Nova Laranjeiras.
Universidade Federal da Fronteira Sul, 2015.

SOUZA, Marilsa Miranda de. Imperialismo e educação do campo. Araraquara: São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2014. 328 p. (Temas em Educação Escolar, n.19).

FREIRE, A. M. A. Analfabetismo no Brasil: da ideologia da interdição do corpo à ideologia nacionalista, ou


de como deixar sem ler e escrever desde as Catarinas (Paraguaçu), Filipas, Madalenas, Anãs Genebras,
Apolônias e Grácias até os Severinos. São Paulo: Cortez, 1989.

LEITE, S. C. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. 2a ed. São Paulo: Cortez, 1999.

TAFFAREL, Celi Zulke e MUNARIM Antonio. Pátria Educadora e Fechamento de Escolas do Campo: O
Crime Continua. Revista Pedagógica, V.17, No35, Maio/Ago. 2015.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 247
AUTORES E AUTORAS

Adir Valdemar Garcia: Professor Doutor do Departamento de Estudos Especializados


em Educação, da Universidade Federal de Santa Catarina (EED/UFSC). Coordenador
e Professor Pesquisador do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade
social da UFSC 2015−2017. E-mail: [email protected]

Ana Carolina Pontes Costa: Doutora em Educação − Pontifícia Universidade Católica


do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do Curso de Pedagogia, da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal. Coordenadora do Grupo de Pesquisa
em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). E-mail: [email protected]

Ana Letícia Covre Odorizzi Marquezan: Mestre em Educação. Psicóloga e Docente do


Centro Universitário Luterano de Palmas − Ceulp/Ulbra.

André Luiz Regis de Oliveira: Professor do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp/UFRJ).


Doutor em educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da UFRJ (PPGE/
UFRJ). E-mail: [email protected]

Célia Maria Grandini Albiero: Graduada em Serviço Social − Instituição Toledo de Ensino
de Bauru/SP (ITE/SP); Mestra e Doutora em Serviço Social − Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). Atualmente, é Professora Associada II da Universidade
Federal do Tocantins (UFT/TO), Docente desde 2008 e Coordenadora do Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social desde 2018. Líder do Grupo de Estudo e
Pesquisa sobre Serviço Social, Formação e Exercício Profissional (GEPESSFEP) desde
2008. Supervisora acadêmica. E-mail: [email protected]

Conceição Aparecida Siqueira da Cunha: Licenciatura em História − Universidade


Federal do Tocantins e Licenciatura em Pedagogia, Faculdade Integrada de
Araguatin. Pós Graduada - Comunicação Sociedade e Meio Ambiente− Universidade
Federal do Tocantins / Lato Sensu, Gestão, Orientação e Supervisão Escolar −
Faculdade Suldamérica. Servidora da Rede Municipal de Educação de Porto Nacional
TO.    Coordenadora de Captação de Recursos da APAE de Porto Nacional. E-mail:
[email protected]

Cristiane Damiana dos Santos de Andrade: Licenciada em Pedagogia, pela Universidade


Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal. Professora da rede municipal
de Corumbá/MS.

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 248
Diva Nunes Rezendes: Professora da Educação Básica, Licenciada em História −
UNITINS, Especialista em Administração Educacional − UNIVERSO. Participou da
Equipe de Monitoramento e Avaliação do Ensino Médio (SEDUC−TO 2007 a 2009).
Coordenadora Estadual do PBF na Educação (SEDUC−TO 2010−2020). Especialista
em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela UFT (2018). Estudante do 8º
período do curso de Psicologia no Ceulp-ULBRA – TO (2020). E-mail: divarezendes@
hotmail.com

Doracy Dias Aguiar de Carvalho: Doutoranda em Política Social − Universidade de Brasília


(UnB), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Assistente
Social da UFT. Membro dos grupos de Estudo e Pesquisa: Práxis Socioeducativa e
Cultural (UFT); Democracia, Sociedade Civil e Serviço Social (GEPEDSS − UnB) e Núcleo
de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas (NEPED
– UFT). E-mail: [email protected]

Francisca Rodrigues Lopes: Doutora em Comunicação e Semiótica; Professora da


Universidade Federal do Tocantins−UFT/Campus de Tocantinópolis; Participante do
projeto EPDS e membro do NEPED. E-mail: [email protected]

Jaime Hillesheim: Professor Doutor do Departamento de Serviço Social, da Universidade


Federal de Santa Catarina (DSS/UFSC). Professor Pesquisador do Programa Nacional
Educação, Pobreza e Desigualdade social da UFSC 2015−2017. E-mail: jaimehil@yahoo.
com.br

Jaquelliny Odete C. de O. Teixeira: Graduanda em Serviço Social da Universidade


Federal do Tocantins (UFT) – Câmpus de Miracema. Membro do Grupo de Estudo
e Pesquisa sobre Serviço Social, Formação e Exercício Profissional (GEPESSFEP).
Extensão universitária em Serviço Social do Grupo de Estudo em Formação e Exercício
Profissional em Serviço Social (GEFESS). E-mail: [email protected]

João Nunes da Silva: Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Professor


do Programa de Prograduação em Serviço Social − PPGSS − UFT e do PROFNIT –
Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia
para Inovação, Pesquisador do Grupo de Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED, do Observatório de Pesquisas
Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino – OPAJE e do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão em Sexualidade, Corporalidade e Direitos. E-mail: [email protected]

José Carlos da Silveira Freire: Doutor em educação e professor da Universidade


Federal do Tocantins, atuando no Campus de Palmas. É Pesquisador do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/
UFT e atuou como coordenador adjunto dos Cursos de Especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, no período de 2016-2017 e o de Aperfeiçoamento
EPDS/UFT, nos anos de 2018−2019, que contaram com financiamento do MEC/Secadi
e FNDE. E-mail: [email protected]

Juciley Silva Evangelista Freire: Doutora e mestre em educação. Professora da


Universidade Federal do Tocantins, Campus de Palmas. Pesquisadora e líder do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 249
UFT. Coordenou na UFT a pesquisa da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade
Social do MEC, nos anos de 2016−2017 e, numa segunda etapa de 2018−2019, que
contou com financiamento da MEC/Secadi e FNDE. E-mail: [email protected]

Juliete Predi Xerente: Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Tocantins


(UFT). Campus de Miracema. Coordenadora Pedagógica na Escola Indígena Srêmtôwê
− Aldeia Porteira Nrõzawi, Reserva Indígena Xerente, município de Tocantínia, Tocantins
− TO. E-mail: [email protected]

Ladislau Ribeiro do Nascimento: Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São


Paulo (USP). Professor no Curso de Psicologia e colaborador na Iniciativa Educação,
Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) da Universidade Federal do Tocantins – UFT.
E-mail: [email protected]

Layanna Giordana Bernardo Lima: Doutora em Ciência área de concentração em


Geografia Humana (2012-2016) − Universidade de São Paulo (USP), Mestre em
Ciência do Ambiente (2009) − Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Graduada
em Pedagogia (2001) − Universidade do Estado do Tocantins (Unitins). Docente na
Universidade Federal do Tocantins desde 2010, atuando no curso de Pedagogia.
Atualmente é vice-líder do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Mundo Rural −
EDURURAL (UFT/Miracema) e membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Desigualdade Social e Políticas Públicas − NEPED. E-mail: [email protected]

Marília de Fátima Marques Lopes Golfeto: Graduada em Serviço Social; Mestra


e Doutora em Serviço Social − Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/RJ),
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Serviço Social, Formação e Exercício
Profissional (GEPESSFEP). Docente Adjunta da Universidade Federal do Tocantins
(UFT/TO), supervisora de campo, coordenadora do projeto de extensão: “Análise
dobaixo coeficiente acadêmico indígena da UFT”. E-mail: mariliamarqueslopes@gmail.
com

Marlene Barros Sandes: Pós-graduanda em nível de mestrado em Letras – Ensino de


língua e literatura − Universidade Federal do Tocantins (UFT). Especialista em Língua
Portuguesa. Graduada em Pedagogia/Letras − Universidade Federal de Goiás. Atua
como Agente Especialista Socioeducativo Pedagogia na Unidade Socioeducativa de
Semiliberdade Feminina da Secretaria de Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins.
E-mail: [email protected]

Neila Barbosa Osório: Pós-Doutora em Educação − UEPA. Doutora em Ciência do


Movimento Humano − UFSM/RS. Docente do Mestrado em Educação da UFT na
Linha de Pesquisa Estado, Sociedade e Práticas Educativas. Autora do Programa
Universidade da Maturidade na UFT. E-mail: [email protected]

Ritianne de Fátima Silva de Oliveira: Mestranda em Educação − Universidade Federal


do Tocantins – UFT; Graduada em Matemática − Universidade Estadual do Maranhão
(2007), especialização em Administração Escolar, Supervisão e Orientação − Faculdade
do Grupo UNIASSELVI (2016), Especialização em Educação em Ciências e Matemática
para Séries Iniciais − Universidade Federal do Pará (2009). Atualmente é Professora
da Secretaria Municipal de Educação de Canaã dos Carajás. E-mail: ritianne19@
hotmail.com

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 250
Roberto Francisco de Carvalho: PhD em Políticas Públicas e Formação Humana
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ); Doutor e Mestre em Educação −
Universidade Federal de Goiás (UFG); Professor Associado da Universidade Federal
do Tocantins (UFT)/Campus Universitário de Palmas − Cursos de Filosofia e Teatro;
Membro do corpo docente do Mestrado Profissional em Educação da UFT (PPPGE);
Pesquisador na área de Política/Gestão Educacional e Currículo, vinculado ao Grupo
de Estudo e Pesquisa Práxis Socioeducativa e Cultural (Líder) e Núcleo de pesquisa em
Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas (NEPED) e Rede Universitas/Br.
E-mail: [email protected]

Rosiene Pereira da Costa Barros: Doutorado em Letras – Ensino de língua e literatura


pela Universidade Federal do Tocantins, Mestra em Letras UFT/2016 e Graduada
em Letras – Língua Portuguesa e Língua Espanhola e respectivas literaturas e
Normal Superior pela Universidade do Tocantins – UNITINS. Especialista em Língua
Portuguesa e Literatura e Pedagogia Escolar: Administração, Orientação e Supervisão
Escolar. Professora efetiva da Rede Estadual de Ensino do Tocantins (Afastada para
aprimoramento profissional). Não temos vínculo direto ao projeto EPDS, mas lidamos
com coletivos empobrecidos. E-mail: [email protected]

Tânia Regina Krüger: Professora Doutora do Departamento de Serviço Social, da


Universidade Federal de Santa Catarina (DSS/UFSC). Professora Pesquisadora do
Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade social da UFSC 2015−2017.
E-mail: [email protected]

Valder Almeida Nogueira: Professor Efetivo da Rede Municipal de Educação de


Canaã dos Carajás, Pedagogo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Para –
UNIFESSPA e Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Tocantins - UFT
[email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 251
OS ORGANIZADORES

Juciley Silva Evangelista Freire: Doutora e mestre em educação. Professora da


Universidade Federal do Tocantins, Campus de Palmas. Pesquisadora e líder do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/
UFT. Coordenou na UFT a pesquisa da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade
Social do MEC, nos anos de 2016-2017 e, numa segunda etapa de 2018-2019, que
contou com financiamento da MEC/Secadi e FNDE. E-mail: [email protected]

João Nunes da Silva: Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Professor


do Programa de Prograduação em Serviço Social− PPGSS−UFT e do PROFNIT –
Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia
para Inovação, Pesquisador do Grupo de Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação,
Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED, do Observatório de Pesquisas
Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino – OPAJE e do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão em Sexualidade, Corporalidade e Direitos. E-mail: [email protected]

José Carlos da Silveira Freire: Doutor em educação e professor da Universidade


Federal do Tocantins, atuando no Campus de Palmas. É Pesquisador do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/
UFT e atuou como Coordenador Adjunto dos Cursos de Especialização em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social, no período de 2016-2017 e o de Aperfeiçoamento
EPDS/UFT, nos anos de 2018-2019, que contaram com financiamento do MEC/Secadi
e FNDE. E-mail: [email protected]

TRAJETÓRIAS, TEMAS E PROBLEMAS DAS RELAÇÕES ENTRE


EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS 252
A obra Trajetórias, temas e problemas da relação educação, pobreza
e desigualdades sociais, em formato de E-book, é fruto do trabalho acadêmico
realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdades
sociais e Políticas Públicas − NEPED, da Universidade Federal do Tocantins –
UFT, no âmbito da segunda fase do projeto da Iniciativa Educação, Pobreza e
Desigualdade Social (EPDS) − Trajetórias Escolares, com apoio da Secadi/MEC e
recursos do FNDE, nos anos de 2018-2019. Trata-se de textos que trazem reflexões
sobre o fenômeno educativo e sua relação com a pobreza e as desigualdades
sociais em várias partes de regiões do Brasil, e mais precisamente do Estado do
Tocantins. O objetivo que permeou o processo investigativo foi o de desvendar os
condicionantes sócio-históricos das trajetórias escolares causados pela pobreza
e a desigualdade social. A leitura atenta dos textos deixa-nos entrever como a
pobreza em suas múltiplas determinações afetam a qualidade dos processos de
formação e aprendizagem desenvolvidos pela escola. Isso se deve em parte à
estrutura social concentradora de riqueza e renda que condena a maioria da
população a uma condição degradante de vida, expresso na falta de acesso aos
direitos sociais básicos como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia
etc. Os textos desse E-book estão organizados em três partes, conforme a
temática ou área em questão. A primeira parte intitula-se Trajetórias escolares de
estudantes em situação de pobreza na educação pública do Tocantins: resultados
de pesquisa. A segunda parte trata de Temas e problemas da relação educação,
pobreza e desigualdades sociais na escola e, a última parte trata de questões
sobre Diversidade, desigualdades e suas relações com a educação. Sua leitura
é indicada a todos e todas interessados(as) na temática social e educacional,
especialmente professores e professoras da Educação Básica que lidam em seu
cotidiano pedagógico com crianças e jovens que vivenciam, nas escolas públicas
desse país, as consequências das desigualdades sociais e da pobreza.

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