Renovação Do SS No Brasil - Iamamoto
Renovação Do SS No Brasil - Iamamoto
Renovação Do SS No Brasil - Iamamoto
ARTIGO
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.188
*Conferência proferida no 12º Seminário Anual de Serviço Social — Renovação e os 40 anos do Congresso da
“Virada” no Serviço Social brasileiro. Memória, história e desafios contemporâneos, em 6 de maio de 2019,
Tuca‑PUC-SP, promovido pela Cortez Editora. Em 1979 nesse mesmo congresso é lançada a revista Serviço Social
& Sociedade, atualmente na plataforma Scielo, com classificação máxima na Capes e 139 números ininterruptos:
um ícone editorial do Serviço Social no Brasil.
a
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), São Pedro/MG, Brasil.
Recebido: 16/5/2019 Aprovado: 27/5/2019
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 439
Iamamoto, M.V.
Introdução
V
ivemos tempos de obscurantismo e profunda regressão conser-
vadora em favor dos interesses do grande capital produtivo e das
finanças. Eles permeiam decisões de um Poder Executivo mili-
tarizado, que confronta valores democráticos e propõe a eliminação de
direitos conquistados (Yazbek, 2018). Tempo de radical privatização, que
destrói direitos trabalhistas, a Previdência Social, a universidade pública
e o ensino superior federal público, pressionando sua privatização com o
contingenciamento total ou parcial de verbas. Censura-se a universidade
pública, as áreas de Filosofia e Sociologia são desqualificadas, e respeitá-
veis universidades brasileiras sofrem ameaças por supostas “balbúrdias”,
a que são reduzidas manifestações críticas à ordem instituída. Ante rea-
ções da comunidade acadêmica e da imprensa, o contingenciamento se
universaliza ao conjunto da educação pública. As universidades sofrem
um contingenciamento de 30% de receitas, além de expressivas restrições
de recursos no ensino técnico e no Fundo Nacional da Educação.
Elucidar as “constelações que ligam o presente e o passado” é um
movimento fundamental tanto para compreender o passado recente
quanto o ineditismo das atuais condições históricas; e para recriar, no
tempo presente, a práxis de enfrentamento às ameaças aos direitos ci-
vis, políticos e sociais, aos direitos humanos, à razão crítica, à liberdade
de pensamento e de informação, à vida universitária em suas funções
precípuas: ensino, pesquisa e extensão. Esta exposição pretende situar
o Serviço Social na história sob ao ângulo das relações entre as classes,
suas tensões e relações com o Estado, privilegiando o “ponto de vista dos
vencidos” ou “dos de baixo”, o que implica o reconhecimento do conflito
de classes em suas dimensões materiais e espirituais, assim como o
chamamento à resistência coletiva (Lowy, 2005).
Assistentes sociais brasileiros se posicionam publicamente no campo
da resistência política na cena pública (CFESS, 2018; Abepss, 2018) em
aliança com os segmentos de trabalhadores cujos interesses têm sido se-
veramente atingidos pelo poder político e econômico. É como parte dessa
440 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 441
Iamamoto, M.V.
442 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 443
Iamamoto, M.V.
Para uma análise global da experiência do grupo de Belo Horizonte, ver os seguintes documentos
1
elaborados entre 1971 e 1974: “A prática como fonte de teoria” (1971); “Uma proposta de rees-
truturação da formação profissional”, publicados em Quiroga (1973a e1973b, respectivamente).
444 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 445
Iamamoto, M.V.
446 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 447
Iamamoto, M.V.
Esse debate tem continuidade nos dois seminários subsequentes: no VIII Seminário da Alaets
3
448 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
junho de 1979. Também no Encontro Prévio a Assembleia Geral Ordinária da Alaets realizada
em junho de 1980, em São Paulo, o sociólogo peruano Jorge Parodi apresenta um balanço desse
debate (Parodi, 1980).
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 449
Iamamoto, M.V.
450 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
fez um radical giro na sua dimensão ética e política. Sua base norma-
tiva é formada pela Lei da Regulamentação da Profissão (1993), pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de graduação (1996)
e pelo Código de Ética do Assistente Social (1993), pilares do projeto
profissional brasileiro. Ele foi alimentado teoricamente pela tradição
marxista — no diálogo com outras matrizes analíticas — e politica-
mente pela aproximação às forças vivas que movem a história: as lutas,
organizações e movimentos sociais. Seu núcleo central é a compreensão
da história a partir das classes sociais, conflitos, o reconhecimento da
centralidade do trabalho e dos trabalhadores A partir dos anos 1980
depura-se a aproximação na área de Serviço Social aos textos originais
de Marx, em especial à sua Crítica da economia política. Ao mesmo tem-
po, diversifica-se ao debate no interior da tradição marxista,4 rompendo
barreiras disciplinares.
O Serviço Social é apreendido como uma especialização do trabalho
da sociedade, inscrito na divisão social e técnica do trabalho. O “significado
sócio-histórico e ideopolítico do Serviço Social inscreve-se no conjunto
das práticas sociais acionado pelas classes e mediadas pelo Estado em
face das ‘sequelas’ da questão social” (Abepss/Cedepss, 1996). O exercí-
cio profissional é necessariamente polarizado pela trama de relações e
interesses entre as classes sociais. Ele participa tanto dos mecanismos
de exploração e dominação, quanto, ao mesmo tempo e pela mesma ati-
vidade, de respostas institucionais às necessidades de sobrevivência das
classes trabalhadoras e da reprodução do antagonismo dos interesses
sociais (Iamamoto e Carvalho, 1982). Como a sociedade é portadora de
projetos sociais distintos — projeto de classes para a sociedade —, tem-se
um terreno histórico aberto à construção de projetos profissionais tam-
bém diversos, indissociáveis de projetos mais amplos para a sociedade.
Debate-se o poder político com A. Gramsci, a ontologia do ser social e a estética com G. Lukács;
4
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 451
Iamamoto, M.V.
452 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 453
Iamamoto, M.V.
454 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
A Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina (Cepal) nos documentos
5
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 455
Iamamoto, M.V.
III. Conclusões
456 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
como já nos alertou Coutinho (2000): a política deixa de ser pensada como
“arena de luta entre propostas de sociedade”, passando a ser concebida
como “simples administração do existente”, alheia à vida cotidiana dos
indivíduos. O burocratismo faz renascer o devotamento à técnica, ao
“como fazer” em nome da eficiência da “prática”, que é mistificada, favo-
recendo o obscurecimento ideológico do grande jogo político que subjaz
à rotina da burocracia estatal.
Importa reforçar alianças com outros profissionais, com entidades
de representação coletivas, com fóruns de representação de políticas, de
articulação de trabalhadores e movimentos sociais, de modo que suas
necessidades e interesses possam adquirir visibilidade e ser reconhecidos
na cena pública. “Não soltar a mão de ninguém” para preservar a força
de nossa resistência coletiva. Ela é potenciada na aproximação às lutas
dos trabalhadores e movimentos sociais na defesa dos direitos, inte-
resses e projetos societários das classes subalternas, expressando suas
necessidades e aspirações na cena pública. Esses tempos adversos exi-
gem dos assistentes sociais recriar seu trabalho considerando tanto sua
contribuição na reprodução material dos sujeitos, expressa na prestação
de serviços sociais de qualidade a partir de políticas públicas, quanto sua
dimensão educativa que incide na cultura das classes subalternas: nas
maneiras de ver, viver e sentir a vida, fortalecendo a dimensão coletiva
das lutas sociais.
A prof. Maria Inês Bravo, em entrevista no dia 1 de maio ao CFESS
(2019) sintetiza chaves de dilemas e desafios. Diz ela:
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 457
Iamamoto, M.V.
Manuel de Barros
Referências
ABESS/CEPESS. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social (com base no currículo
mínimo aprovado em Assembleia Geral Extraordinária de 8 de novembro de 1996).
Caderno Abess, São Paulo, n. 7, 1997.
ABRAMIDES, M. B. C. Mesa de depoimentos históricos. In: CFESS. Seminário Nacional do
Congresso da Virada. 30 anos. 1979-2009. Brasília: CFESS, 2012. p. 51-60.
______; CABRAL, S. O novo sindicalismo e o Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995.
ALAYÓN, N. (Org.). Trabajo social latino-americano. A 40 años de la reconceptualiza-
ción. Buenos Aires: Espacio Ed., 2005.
______. Desafio al Servicio Social. Buenos Aires: Humanitas, 1976.
ALVES, M. H. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
458 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 459
Iamamoto, M.V.
NETTO, J. P. Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospec-
tiva da profissão no Brasil. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 50, p. 87-132, 1996.
PARODI, J. Seminário Latinoamericano de Alaets Proceso de reflexión coletiva: La política
social y los trabajadores sociales. Acción Crítica, Lima, n. 7, p. 51-58, jul. 1980.
PEREZ, M. C. V. Mesa de depoimentos históricos. In: CFESS. Seminário Nacional do Con-
gresso da Virada. 30 anos. 1979-2009. Brasília: CFESS, 2012. p. 87-90.
PINHEIRO, M. Mesa de depoimentos históricos. In: CFESS. Seminário Nacional do Con-
gresso da Virada. 30 anos. 1979-2009. Brasília: CFESS, 2012. p. 71-76.
QUIROGA, Consuelo (Org.). Compendio sobre la metodología del trabajo social. Buenos
Aires: Ecro, 1973a.
______. Compendio sobre la reestructuración de la carrera de trabajo social. Buenos Aires:
Ecro, 1973b. p. 25-67.
SALAMA, P. Pobreza e exploração do trabalho na América Latina. São Paulo: Boitempo,
1999.
SOUZA, L. E. Mesa de depoimentos históricos. In: CFESS. Seminário Nacional do Congresso
da Virada. 30 anos. 1979-2009. Brasília: CFESS, 2012. p. 39-46.
YAZBEK, M. C. Serviço Social e seu projeto ético-político em tempos de devastação:
resistências, lutas e perspectivas (25 anos do Código de Ética). Vitória: Abepss/Enpess,
2018. (Não publicado)
Fontes eletrônicas
460 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
PNUD. http://www.latinamerica.undp.org/content/rblac/es/home/presscenter/pressre-
leases/2016/06/14/reca-da-de-millones-de-latinoamericanos-a-la-pobreza-es-evitable-
-con-pol-ticas-publicas-de-nueva-generaci-n-pnud.html. Progreso multidimensional:
bienestar más allá del ingresso. Acesso em: 28 maio 2018.
Sobre a autora
Marilda Villela Iamamoto – Professora titular aposentada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ). Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisadora do CNPq, bolsista pro-
dutividade nível 1 A. Autora de livros na área de fundamentos do Serviço Social.
E-mail: [email protected]
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 439-461, set./dez. 2019 461