Renovação Do SS No Brasil - Iamamoto

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ARTIGO
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.188

Renovação do Serviço Social no


Brasil e desafios contemporâneos*
Renewal of Social Work in Brazil
and contemporary challenges

Marilda Villela Iamamotoa


http://orcid.org/0000-0002-4838-1290

Resumo: O texto reconstitui a história e Abstract: T he text reconstr ucts the


memória no III Congresso Brasileiro de history and memory in the III Brazilian
Assistentes Sociais, identificado como Congress of Social Workers, identified as
“Congresso da Virada”. No atual contexto “Virada Congress”. In the current context
de crise, desigualdades e resistências são of crisis, inequalities and resistance are
apresentados desafios na preservação de presented challenges in the preservation
conquistas do Serviço Social no país nos of achievements of Social Service in the
últimos quarenta anos. country in the last 40 years.
Palavras-chave: Fundamentos do Serviço Keywords: Foundations of Social Work. Social
Social. Serviço Social na América Latina. III Work in Latin America. III Brazilian Congress
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. of Social Workers.

*Conferência proferida no 12º Seminário Anual de Serviço Social — Renovação e os 40 anos do Congresso da
“Virada” no Serviço Social brasileiro. Memória, história e desafios contemporâneos, em 6 de maio de 2019,
­Tuca‑PUC-SP, promovido pela Cortez Editora. Em 1979 nesse mesmo congresso é lançada a revista Serviço Social
& Sociedade, atualmente na plataforma Scielo, com classificação máxima na Capes e 139 números ininterruptos:
um ícone editorial do Serviço Social no Brasil.
a
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), São Pedro/MG, Brasil.
Recebido: 16/5/2019    Aprovado: 27/5/2019

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Iamamoto, M.V.

Introdução

V
ivemos tempos de obscurantismo e profunda regressão conser-
vadora em favor dos interesses do grande capital produtivo e das
finanças. Eles permeiam decisões de um Poder Executivo mili-
tarizado, que confronta valores democráticos e propõe a eliminação de
direitos conquistados (Yazbek, 2018). Tempo de radical privatização, que
destrói direitos trabalhistas, a Previdência Social, a universidade pública
e o ensino superior federal público, pressionando sua privatização com o
contingenciamento total ou parcial de verbas. Censura-se a universidade
pública, as áreas de Filosofia e Sociologia são desqualificadas, e respeitá-
veis universidades brasileiras sofrem ameaças por supostas “balbúrdias”,
a que são reduzidas manifestações críticas à ordem instituída. Ante rea-
ções da comunidade acadêmica e da imprensa, o contingenciamento se
universaliza ao conjunto da educação pública. As universidades sofrem
um contingenciamento de 30% de receitas, além de expressivas restrições
de recursos no ensino técnico e no Fundo Nacional da Educação.
Elucidar as “constelações que ligam o presente e o passado” é um
movimento fundamental tanto para compreender o passado recente
quanto o ineditismo das atuais condições históricas; e para recriar, no
tempo presente, a práxis de enfrentamento às ameaças aos direitos ci-
vis, políticos e sociais, aos direitos humanos, à razão crítica, à liberdade
de pensamento e de informação, à vida universitária em suas funções
precípuas: ensino, pesquisa e extensão. Esta exposição pretende situar
o Serviço Social na história sob ao ângulo das relações entre as classes,
suas tensões e relações com o Estado, privilegiando o “ponto de vista dos
vencidos” ou “dos de baixo”, o que implica o reconhecimento do conflito
de classes em suas dimensões materiais e espirituais, assim como o
chamamento à resistência coletiva (Lowy, 2005).
Assistentes sociais brasileiros se posicionam publicamente no campo
da resistência política na cena pública (CFESS, 2018; Abepss, 2018) em
aliança com os segmentos de trabalhadores cujos interesses têm sido se-
veramente atingidos pelo poder político e econômico. É como parte dessa

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resistência que pensamos o Serviço Social nesses tempos sombrios e os


desafios prático-profissionais para alimentar a resistência.
A exposição aborda: 1) História e memória no III Congresso Brasileiro
de Assistentes Sociais (CBAS). 2) História e desafios contemporâneos; 3)
Conclusões.

I. História e memória do III CBAS: resistência


e renovação

No nível do senso comum vem sendo difundida uma visão mágica


do III CBAS: enredado em si mesmo, desvinculado da história sociopro-
fissional e das articulações no Serviço Social latino-americano para sua
viabilização.
Esse congresso é um marco simbólico na recusa do conservado-
rismo de origem no Serviço Social brasileiro em favor de sua renovação
histórico-crítica, ao associar-se aos interesses e necessidades dos tra-
balhadores em luta pela democracia. Contestam-se propostas exógenas
à realidade latino-americana e anuncia-se “a virada” dos compromissos
políticos com as classes dominantes e o poder político, que presidiram
a institucionalização e o desenvolvimento do Serviço Social no Brasil.
Esse Congresso foi a primeira e tardia manifestação massiva da categoria
dos assistentes sociais contra a ditadura militar-empresarial e o poder de
classe que a sustentou.
A “virada” expressa a sintonia do Serviço Social brasileiro com as
mobilizações de trabalhadores e entidades combativas da sociedade ci-
vil, numa aproximação com as lutas, organizações e movimentos sociais
que portam a defesa dos direitos, interesses e projetos societários das
classes subalternas — na criação de forças de resistência à ditadura do
grande capital (Ianni, 1981) e no apoio ao processo de construção demo-
crática. Dentre essas forças podem ser citadas (Alves, 1984): a) a Igreja
Católica, representada na CNBB, cuja ala mais progressista é sensível à
“Teologia da Libertação” — forte aliada na defesa dos direitos humanos

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e na denúncia da violência de Estado junto aos presos políticos. As Co-


munidades Eclesiais de Base (CEBS) marcam presença nas periferias, nas
favelas, junto aos migrantes, aos camponeses e assalariados rurais, aos
detentos, negros, índios e trabalhadores urbanos; b) as Associações de
Moradores de Favelas ou Associações Comunitárias na luta por melhorias
de condições de vida nos bairros e favelas, pressionam o poder público;
c) a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende presos políticos e
denuncia prisões arbitrárias, tornando-se destacada porta-voz da opo-
sição; d) a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) combate a censura de
imprensa no teatro, na literatura, no cinema, na música, livros, revista e
jornais; e) os estudantes universitários, sob a liderança da União Nacional
dos Estudantes (UNE), realizam grandes manifestações e passeatas; f)
o movimento sindical urbano e rural reage ao controle do Ministério do
Trabalho sobre os sindicatos, defende a revogação da política de controle
salarial e o reconhecimento do direito de greve, a autonomia sindical e
as negociações coletivas: g) a reforma política de 1979 faz emergir novos
partidos políticos. O Partido dos Trabalhadores, criado em 1980, passa a
canalizar as reivindicações de diferentes movimentos populares.
É a existência dessas forças políticas que torna possível a contesta-
ção, expressa massivamente pelos assistentes sociais brasileiros no III
CBAS, aos representantes do poder instituído em favor dos movimentos
de trabalhadores, na defesa de eleições diretas e da democracia. A classe
trabalhadora havia descoberto o seu poder, mantendo fortes vínculos
entre lideranças e bases, e os assistentes sociais são parte desse processo.
As forças acadêmico-profissionais acumuladas pelo Serviço Social
latino-americano e assistentes brasileiros são decisivas nessa “virada”
do Serviço Social. Elas remontam ao movimento de reconceituação do
Serviço Social (1965 e 1975), que cria bases materiais, intelectuais e
políticas à sua renovação. Recusa-se o assistencialismo e a benemerên-
cia, questiona-se os fundamentos positivistas da tríade do Social Work
norte-americano: o Serviço Social de casos, o Serviço Social de grupo e a
organização/desenvolvimento de comunidade difundida por ideólogos de
organismos internacionais durante a Guerra Fria. Busca-se um Serviço

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Social latino-americano fundado nas particularidades da formação


histórica da América Latina e do Caribe, denunciando as relações de
dependência ante os EUA.
O movimento de reconceituação foi impulsionado pela efervescência
de lutas sociais — em particular a experiência cubana de 1959 —, que se
refratam na universidade, nas ciências sociais, na Igreja, nos movimentos
estudantis, no teatro, no Cinema Novo e na arte em geral. Esse movimento
desencadeia-se no I Seminário de Serviço Social face às mudanças so-
ciais na América Latina, em 1965, em Porto Alegre (RS), primeiro marco
público da busca de um Serviço Social latino-americano. Denuncia-se a
importação de parâmetros profissionais, o capitalismo dependente e o
imperialismo norte-americano, num contexto político-cultural marcado
pela vitória dos revolucionários da Sierra Maestra sobre Havana, das
lutas estudantis de 1968, da abertura da Igreja Católica com o Concílio
Ecumênico do papa João XXIII e da Teologia da Libertação. Esse primeiro
seminário desdobrou-se em seis outros subsequentes, contribuindo para
a maior organicidade do Serviço Social no continente: em Montevidéu,
Uruguai (1966), em Concepción, Chile (1969), em Cochabamba, Bolívia
(1970), e novamente em Porto Alegre, Brasil (1972).
Forças profissionais então hegemônicas no Serviço Social brasileiro
reagem ao movimento desencadeado no Cone Sul. A hipótese é que os
seminários de teorização do Serviço Social — especialmente os de Araxá
(1967) e o de Teresópolis (1975) —, iniciativas voltadas para o aperfei-
çoamento e a modernização do Serviço Social “tradicional”, são uma
resposta às articulações progressistas do Serviço Social no Cone Sul. Tais
iniciativas, promovidos pelo Centro Brasileiro de Intercâmbio em Serviços
Sociais (CBCISS,) são expressões da luta pela manutenção do poder e
pela hegemonia por parte de orientações conservadoras e modernizantes
no cenário do Serviço Social brasileiro (Aquino, Silva e Vieira, 2017). Os
citados seminários são construídos em clara disputa com as orientações
profissionais emergentes nos países de língua hispânica, configurando
o que Aquin (2005) denomina de uma “reconceituação conservadora”.
Busca-se repensar o Serviço Social na perspectiva do “desenvolvimento”,

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voltado ao aperfeiçoamento técnico para a implementação de um conjunto


de programas sociais compensatórios da repressão, do arrocho salarial
e da desmobilização política, que convivem com a expansão do braço
repressivo do Estado ditatorial.
A Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais
(ESS/UCMG),1 integrada aos rumos do movimento de reconceituação la-
tino-americano nos países de língua espanhola, constrói um projeto aca-
dêmico que abrange a formação teórico-prática e o exercício profissional.
Inscrita na região ferrífera e no cinturão industrial e operário de Belo
Horizonte, as forças políticas aí presentes, com refrações no movimento
estudantil (Batistoni, 2017), balizam também a experiência da ESS/UCMG.
O conhecido “Método BH” é uma das expressões dessa experiência ao
lado da proposta de formação acadêmica, que confrontam linhas teóricas
dominantes na academia e nas entidades da categoria, como Associação
Brasileira de Ensino em Serviço Social (Abess), o Conselho Federal de
Assistentes Sociais e respectivos Conselhos Regionais (CFAS-Cras).
Nesse período ocorre na América Latina, uma (re)criação de entida-
des de Serviço Social: o Centro Latinoamericano de Trabajo Social (Celats),
organismo acadêmico da Associación Latinoamericana de Escuelas de
Trabajo Social (Alaets). Em 1976, o Celats foi reconhecido pelo governo
peruano como organismo de cooperação técnica internacional. A Alaets,
criada em 1965 no V Congresso Panamericano de Serviço Social da OEA,
tem sua refundação política em Quito (Equador), em 1971, redirecionada
aos dilemas latino-americanos, com independência do Serviço Social
norte-americano e de organismos internacionais.
O movimento de reconceituação (Alayón, 1976 e 2005) expressa
um amplo questionamento da profissão de Serviço Social (finalidades,
fundamentos, compromissos éticos e políticos, procedimentos operati-
vos e formação acadêmica), dotado de várias vertentes e com nítidas

Para uma análise global da experiência do grupo de Belo Horizonte, ver os seguintes documentos
1

elaborados entre 1971 e 1974: “A prática como fonte de teoria” (1971); “Uma proposta de rees-
truturação da formação profissional”, publicados em Quiroga (1973a e1973b, respectivamente).

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particularidades nacionais que reclamam pesquisa.2 Mas sua unidade


assentava-se na busca de construção de um Serviço Social latino-ame-
ricano: na recusa da importação de teorias e métodos alheios à nossa
história, na afirmação do compromisso com as lutas dos “oprimidos” pela
“transformação social” e no propósito de atribuir um caráter científico
às atividades profissionais. Denunciava-se a pretensa neutralidade po-
lítico-ideológica, a restrição dos efeitos de suas atividades aprisionadas
em microespaços sociais e a debilidade teórica no universo profissional.
Os assistentes sociais assumem o desafio de contribuir na organização,
capacitação e conscientização dos diversos segmentos trabalhadores e
“marginalizados” na região.
De base teórica e metodológica eclética, esse movimento foi ini-
cialmente polarizado pelas teorias desenvolvimentistas. Várias pers-
pectivas críticas à ordem instituída passam a incidir no Serviço Social
latino-americano: expressões políticas do marxismo na América Latina
(Guevara, Fidel Castro, Camilo Torres, entre outros), a Teologia da Liber-
tação, a Revolução Cultural chinesa, a experiência da União Soviética,
o ideário da social-democracia alemã, a educação para a liberdade
proposta por Paulo Freire aliada a experiências de educação popular e
investigação-ação (Falls Borda). Somam-se a esses, movimentos contes-
tatórios e expressões culturais de camponeses, trabalhadores industriais,
indígenas, estudantis, de mulheres, negros e moradores das periferias
urbanas. Mas esse movimento representou as primeiras aproximações
do Serviço Social à diversificada tradição marxista. Ela foi apoiada em
manuais de divulgação do marxismo-leninismo, em textos maoístas, no
estruturalismo francês de Althusser, dentre outros.

A pesquisa O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina (Argentina,


2

Brasil, Chile e Colômbia): Determinantes históricos, interlocuções internacionais e memória


(1960-1980), por mim coordenada, juntamente com a dra. Claudia Mônica dos Santos (UFJF),
expressa uma iniciativa nessa direção, constituindo uma rede internacional de pesquisadores
em fundamentos do Serviço Social. Dados relativos ao Celats são parte do subprojeto A Pes-
quisa Acadêmica no Centro Latinoamericano de Trabajo Social — Celats (1960-1980), sob a
coordenação Raichelis (PUC-SP).

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Dentre os eixos de preocupações fundamentais do movimento de


reconceituação podem ser salientados: o reconhecimento e a busca de
compreensão dos rumos peculiares do desenvolvimento latino-americano;
a criação de um projeto profissional abrangente, atento às características
latino-americanas, em contraposição ao tradicionalismo; a necessidade de
atribuir um estatuto científico ao Serviço Social; a explícita politização da
ação profissional, solidária com a libertação dos oprimidos e comprome-
tida com a “transformação social”. Tais preocupações canalizam-se para
a reestruturação da formação profissional que articule ensino, pesquisa e
prática profissional, exigindo da universidade o exercício da crítica e da
produção criadora de conhecimento no estreitamento de seus vínculos
com a sociedade (Iamamoto, 1998, p. 209). As unidades de ensino foram
o locus principal, ainda que não exclusivo, desse movimento.
São essas bases que tornam possível a “virada” ocorrida no III CBAS.
Dimensão importante nesse processo foi o suporte latino-americano na
articulação e no financiamento das entidades sindicais e associações
profissionais: a presença do Celats — à época sob a direção de Leila Lima
Santos — e da Alaets, sob a liderança do gaúcho Seno Cornely.
Pesquisa exploratória sobre as organizações gremiais de Serviço So-
cial na América Latina — incluindo o caso brasileiro — é realizada sob a
coordenação de Roberto Rodriguez e Walter Tesch (Celats, 1977). Em 1978,
sindicatos e associações de assistentes sociais alinhadas ao sindicalismo
classista se reúnem por duas ocasiões em Minas Gerais, com o patrocínio
do Celats (Pinheiro, 2012), voltadas para reativar o movimento sindical no
âmbito do Serviço Social no país. Propõem uma pesquisa nacional sobre
as condições de trabalho, salariais, carga horária de trabalho, pautando-
-se a luta pela jornada de trinta horas e pelo salário mínimo profissional
com o piso de dez salários mínimos (Abramides, 2012, p.54). O II Encontro
Nacional de Entidades Sindicais, em São Paulo, preparatório do III CBAS,
já registra a presença de 22 entidades sindicais e pré-sindicais, oposições
sindicais, associações profissionais e núcleos pró-associações. É criada a
Comissão de Executiva Nacional de Entidades Sindicais e Pré-Sindicais
— Ceneas (Abramides, 2012, p. 55; Abramides e Cabral, 1995). Decide-se

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disputar eleições para os CFAS-Cras e formula-se manifesto a ser distri-


buído no III CBAS. Essas entidades já se somavam às forças políticas de
resistência à ditadura e pela anistia, aos movimentos dos trabalhadores
e das periferias das grandes cidades contra a carestia.
O “Congresso da Virada” revela a luta política e profissional pela he-
gemonia presente no Serviço Social brasileiro. No segundo dia do evento
é feita uma assembleia paralela com a presença de cerca de seiscentos
participantes, sob a direção das entidades sindicais, da qual emerge a
moção de substituir a Comissão de Honra desse congresso. Ela era com-
posta por autoridades da ditadura militar nos níveis federal, estadual e
municipal, a saber: general João Figueiredo, presidente da República; Jair
Soares, ministro da Previdência; Murilo Macedo, ministro do Trabalho;
Paulo Maluf, governador de São Paulo; Antônio Salim Curiati, prefeito
biônico de São Paulo. A proposta foi de uma nova comissão formada por
trabalhadores demitidos e perseguidos pela repressão, pela Comissão
de Anistia e Movimento contra a Carestia (Souza, 2012, p. 40). A mesa
de encerramento foi formada por Lula da Silva, o maior representante
dos sindicalistas, Luiza Erundina de Souza representante do Ceneas. Ali
destacava-se uma faixa com os dizeres: “Por todos aqueles que lutaram
e morreram pelas liberdades democráticas no país” (Perez, 2012, p. 90).
Assim, o “Congresso da Virada” foi fruto de uma organização prévia com
direção política na disputa pela hegemonia no decurso do III CBAS. As
entidades sindicais enfrentam o legalismo, a burocratização e o con-
servadorismo político confrontam orientações oficiais do CFAS-Cras,
sintonizadas com o governo ditatorial.
Em agosto de 1979 ocorre no Rio de Janeiro, I Encontro Nacional de
Capacitação Continuada (Iamamoto, Carvalho e Lima, 1979), promovido
pelo Celats, em cooperação com o Instituto Nacional de Cooperativas
Habitacionais (Inocoop) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ). Esse encontro adensa bases analíticas à preparação do
Congresso da Virada, em uma explícita disputa teórica no Serviço Social
brasileiro. O evento congrega representantes progressistas de faculdades,
organismos e associações sindicais e entidades vinculadas ao trabalho

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de campo de treze estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Goiás,


Mato Grosso, Bahia, Paraíba, Espírito Santo, Sergipe, Rio Grande do
Norte, Maranhão, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Polarizam
os debates os temas: a relação entre prática profissional, instituições e
contexto social; a dimensão política da prática profissional e a organi-
zação profissional. O assistente social é reconhecido como trabalhador
assalariado, funcionário de uma instituição, cuja ação condensa inte-
resses de classe diferenciados. A resposta institucional às necessidades
dos trabalhadores depende da dinâmica da luta dos grupos e do poder
de negociação e pressão que a classe trabalhadora possa dispor em
determinadas conjunturas. O Serviço Social é compreendido enquanto
parte da prática social coletiva de classes e grupos sociais com interesses
contraditórios que conformam a sociedade, tendendo a ser cooptado por
aqueles que são dominantes. Daí deriva a necessária dimensão política
da prática profissional: o assistente social atua em políticas públicas que
traduzem intenções e interesses das classes fundamentais da sociedade
e é por eles polarizada, afirmando-se a necessidade de opção em favor
de interesses de uma das classes fundamentais. É constatado o precário
nível organizativo da profissão e a necessidade de sua revitalização em
uma conjuntura em que interesses imediatos da categoria se tornem
convergentes aos dos amplos setores de trabalhadores e suas famílias,
incentivando a participação conjunta em lutas reivindicatórias a partir
dos locais de trabalho e na organização sindical. Vários depoimentos
registram a participação direta dos assistentes sociais nas lutas e mo-
bilizações dos setores populares, que se reconhecem como trabalhadores
assalariados nas instituições em que trabalham, congregados em asso-
ciações e sindicatos de assistentes sociais.
No período que antecede o Congresso da Virada, Celats e Alaets inau-
guram na América Latina e Caribe, no VII Seminário Latinoamericano da
Alaets (1977), o debate sobre política social e Serviço Social,3 contribuindo

Esse debate tem continuidade nos dois seminários subsequentes: no VIII Seminário da Alaets
3

em Guayaquil, no Simpósio de Playas (Equador) e no IX Seminário da Alaets em Caracas, em

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para o reconhecimento da dimensão política do trabalho do assistente


social. A revista Acción Critica alimenta o debate da política social com
textos pioneiros entre 1977 e 1985. Essa abordagem acompanha esforços
desenvolvidos no Celats no sentido de situar o Serviço Social no âmbito
das relações entre as classes e destas com o Estado, rompendo a análise
isolada e endógena do exercício profissional. Na leitura da política social,
o Estado expressa a condensação de forças sociais e, nesse sentido, as
contradições das classes, não sendo instrumento exclusivo de realização
dos interesses da burguesia, ainda que seja um Estado burguês. Assim, a
dominação é contraditória em dupla dimensão: porque expressa alianças
de classes ou frações dominantes que não são similares, refletindo seus
conflitos e pressões permanentes; e, fundamentalmente, porque se o
Estado exclui as chamadas classes dominadas, tem, em certa medida,
que incorporar alguns de seus interesses, como um “pacto de domina-
ção” (Kowarick, 1979). As políticas sociais traduzem sempre uma tensão
contraditória entre os imperativos da reprodução do capital por um lado
e, por outro, as necessidades da reprodução da força de trabalho, para o
que os gastos públicos são fundamentais. Esse caráter contraditório do
Estado e da política social, cujo chão é a sociedade de classes, estende-se
também à análise da profissão.
Dentre as conquistas desse legado tem-se a ruptura de uma visão
do Serviço Social, prisioneira de seus muros internos, apoiada na díade
“homem-meio” e na relação “assistente social-cliente” voltada ao ajus-
tamento do indivíduo à sociedade. A “prática” é desvinculada da trama
social que cria sua necessidade e condiciona seus efeitos na sociedade.
Os processos históricos, quando considerados, tendem a ser reduzidos
a um “contexto”, distinto da prática profissional, que a condicionaria
“externamente”. A “prática” — tida como uma relação singular entre o
assistente social e o sujeito atendido individualmente, em grupo ou em

junho de 1979. Também no Encontro Prévio a Assembleia Geral Ordinária da Alaets realizada
em junho de 1980, em São Paulo, o sociólogo peruano Jorge Parodi apresenta um balanço desse
debate (Parodi, 1980).

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comunidades — é tratada desvinculada da “questão social” e das políti-


cas sociais correspondentes. Nessa perspectiva, a formação profissional
deveria privilegiar a construção de estratégias, técnicas e formação de
habilidades — centrando-se no “como fazer” — a partir da justificativa
de que o Serviço Social é uma “profissão voltada para a intervenção no
social” visando a integração social, sob influxos liberais na compreensão
e condução da “prática profissional”. Esse caminho trilhado na história
da profissão — que a reação conservadora busca reeditar no presente —
está fadado a criar um assistente social que aparentemente sabe fazer,
mas não consegue explicar as razões, o conteúdo, a direção social e os
efeitos de seu trabalho na sociedade. Corre-se o perigo de ele ser reduzi-
do a mero “técnico”, delegando a outros a tarefa de pensar a sociedade.
O resultado é um profissional mistificado e da mistificação, dotado de
frágil identidade com a profissão.
A contrapartida é outra leitura do Serviço Social no âmbito das
relações entre as classes e destas com o Estado no enfrentamento das
desigualdades sociais por meio das políticas públicas e na atuação junto
aos movimentos sociais.

II. História e desafios contemporâneos:


resistência e preservação de conquistas

Na perspectiva da preservação de conquistas do Serviço Social


dos últimos quarenta anos, há que reconhecer que o Serviço Social
no Brasil tem vivido um duplo e contraditório movimento: o mais re-
presentativo foi o processo de ruptura teórica e política com o lastro
conservador de suas origens; em sinal contrário, verificou-se o revi-
goramento de uma reação (neo)conservadora aberta e/ou disfarçada
em aparências que a dissimulam, apoiada na negação da sociedade
de classes (Netto, 1996).
O Serviço Social brasileiro, nas últimas décadas, no lastro das lutas
sociais contra a ditadura (1964-85) e pela defesa do Estado de direito,

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fez um radical giro na sua dimensão ética e política. Sua base norma-
tiva é formada pela Lei da Regulamentação da Profissão (1993), pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de graduação (1996)
e pelo Código de Ética do Assistente Social (1993), pilares do projeto
profissional brasileiro. Ele foi alimentado teoricamente pela tradição
marxista — no diálogo com outras matrizes analíticas — e politica-
mente pela aproximação às forças vivas que movem a história: as lutas,
organizações e movimentos sociais. Seu núcleo central é a compreensão
da história a partir das classes sociais, conflitos, o reconhecimento da
centralidade do trabalho e dos trabalhadores A partir dos anos 1980
depura-se a aproximação na área de Serviço Social aos textos originais
de Marx, em especial à sua Crítica da economia política. Ao mesmo tem-
po, diversifica-se ao debate no interior da tradição marxista,4 rompendo
barreiras disciplinares.
O Serviço Social é apreendido como uma especialização do trabalho
da sociedade, inscrito na divisão social e técnica do trabalho. O “significado
sócio-histórico e ideopolítico do Serviço Social inscreve-se no conjunto
das práticas sociais acionado pelas classes e mediadas pelo Estado em
face das ‘sequelas’ da questão social” (Abepss/Cedepss, 1996). O exercí-
cio profissional é necessariamente polarizado pela trama de relações e
interesses entre as classes sociais. Ele participa tanto dos mecanismos
de exploração e dominação, quanto, ao mesmo tempo e pela mesma ati-
vidade, de respostas institucionais às necessidades de sobrevivência das
classes trabalhadoras e da reprodução do antagonismo dos interesses
sociais (Iamamoto e Carvalho, 1982). Como a sociedade é portadora de
projetos sociais distintos — projeto de classes para a sociedade —, tem-se
um terreno histórico aberto à construção de projetos profissionais tam-
bém diversos, indissociáveis de projetos mais amplos para a sociedade.

Debate-se o poder político com A. Gramsci, a ontologia do ser social e a estética com G. Lukács;
4

a Escola de Frankfurt e o debate sobre a cultura; I. Mèszáros, Eric Hobsbawm, E. P. Thompson


na leitura da história; David Harvey na geografia, Ernest Mandel no debate do capitalismo
tardio, dentre outros.

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É essa presença de forças sociais e políticas reais — e não mera ilusão


— que permite à categoria profissional estabelecer estratégias político-
-profissionais no sentido de reforçar interesses das classes subalternas,
alvo prioritário das ações profissionais.
A orientação histórico-crítica do Serviço Social brasileiro é inédita na
literatura mundial do Serviço Social. Ela vem permitindo, no país, uma
série de conquistas coletivas, dentre as quais pode-se citar: a) o vínculo
da imagem do Serviço Social com os direitos na recusa da benemerência;
b) a ampliação dos espaços ocupacionais na órbita das políticas públicas
nos níveis federal, estadual e municipal, alargando o mercado de trabalho
especializado; c) a ampliação das competências do(a) assistente social
para além da execução de políticas, incluindo sua formulação, avaliação
e financiamento; d) a consolidação da formação pós-graduada (mestrado
e doutorado) na universidade pública, o desenvolvimento de cursos de
especialização nas áreas mais representativas do mercado de trabalho
aliada à qualificação das graduações com base em diretrizes curricula-
res nacionais da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social (Abepss); e) a consideração dos dilemas históricos da formação
social no Brasil em suas particularidades, propiciando o conhecimento
das expressões da “questão social” e dos sujeitos que vivenciam; f) a
defesa das condições de trabalho, do piso salarial e da jornada de trinta
horas estabelecida por lei federal; g) o debate ético em profundidade e na
defesa do princípios e valores éticos que guiam o Serviço Social brasileiro
e aderido no cotidiano de trabalho; h) os estudos de competências e atri-
buições profissionais (arts. 4 e 5 da Lei da Regulamentação da Profissão)
nas áreas de assistência, saúde, educação, sociojurídica, dentre outras; i)
entidades nacionais representativas e dotadas de capilaridade nacional:
a Abepss e o conjunto do Conselho Federal de Serviço Social e conselhos
regionais (CFESS-Cress) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço
Social (Enesso); j) a preservação da capacidade de indignar-se ante as
injustiças, discriminações no aprendizado da luta coletiva na defesa da
grande política.

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Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos

A proposta restauradora e conservadora parte de uma idealização


do passado nos moldes do Social Worker (Serviço Social de casos, Serviço
Social de grupo e desenvolvimento de comunidade), identificado como
modelo de profissionalização. Supostamente neutro e apolítico, é erigido
como referência de competência técnica na “intervenção”. Em nome do
Serviço Social internacional reclama-se o retorno a autores representati-
vos do Social Work, evidente no Serviço Social clínico. A superficialidade
na abordagem dos fundamentos do Serviço Social mostra-se incapaz
de responder ao debate teórico rigoroso. Sob o signo de “politização à
esquerda” ou “militantismo” — tidos como causa de suposta “desprofis-
sionalização” do Serviço Social —, reitera-se a velha crítica conservadora
à reconceituação. As circunstâncias sociais e históricas em que se ins-
creve o trabalho profissional são silenciadas e a politização à direita e a
militância religiosa presentes não são reconhecidas como tais. A crítica
ideológica é direcionada exclusivamente às propostas “de esquerda”. Esse
caldo cultural dispõe de aderente terreno societário à sua difusão ante
a crise econômica e o desmonte do Estado brasileiro e de suas políticas
públicas, impulsionando a defesa das conquistas do Serviço Social nas
últimas quatro décadas.
O presente retrocesso político-institucional do país ocorre no lastro
da crise financeira desencadeada na Europa em 2008 com a estagna-
ção da economia mundial. Ela é tributária de políticas governamentais
favorecedoras da esfera financeira e do grande capital produtivo — das
instituições e mercados financeiros e das empresas multinacionais —,
enquanto um conjunto de forças que captura os Estados nacionais e
redimensiona as políticas públicas sob inspiração neoliberal. Como sus-
tenta Salama (1999), a lógica financeira do regime de acumulação tende
a provocar crises que se projetam no mundo gerando recessão. A vola-
tividade do crescimento redunda em maior concentração de renda, da
propriedade e aumento da pobreza, não apenas nas periferias dos centros
mundiais, pois atinge os recônditos mais sagrados do capitalismo mun-
dial. Cresce a necessidade de financiamento externo e, com ela, a dívida

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interna e externa, os serviços da dívida — os pagamentos de juros —,


ampliando o déficit comercial. As exigências do pagamento dos serviços
da dívida, aliada às elevadas taxas de juros, geram escassez de recursos
para investimento e custeio. Favorecem os investimentos especulativos
em detrimento da produção, o que se encontra na raiz da redução dos
níveis de emprego, do agravamento das desigualdades e da regressão
das políticas sociais públicas.
As desigualdades são reforçadas com políticas tributárias regres-
sivas, em que a arrecadação fiscal tem uma incidência proporcional-
mente maior sobre as menores rendas, penalizando os contribuintes
de menor poder aquisitivo (Boschetti e Salvador, 2006; Behring, 2010,
Boschetti et al. 2010). As políticas liberais para enfrentar a crise bus-
cam restaurar e consolidar o poder do capital, privatizando lucros e
socializando custos (Harvey, 2011). Alarga-se a distância entre ricos
e pobres, radicalizando desigualdades sociais e as lutas contra elas.
Reativa-se as intolerâncias política, religiosa, racial e de gênero, os
xenofobismos e a pilhagem de recursos naturais do planeta: da água,
do ar e das florestas.
Características persistentes da “revolução burguesa” no Brasil (Fer-
nandes, 1975) — fruto de uma burguesia nacional subordinada e asso-
ciada aos núcleos imperialistas — são recicladas sob a prevalência do
capital que rende juros associado ao grande capital produtivo: o reforço
da heteronomia ou dependência externa e a ampliação das desigualdades
internas, enquanto estratégias de domínio de classe. Tais características
se atualizam nas atuais condições políticas do país: a forte presença
do poder militar no controle do governo; a estreita articulação com a
geopolítica norte-americana contra as forças progressistas na América
Latina; o ultraneoliberalismo na condução de políticas governamentais;
a criminalização e a eliminação das forças de oposição, o intenso inves-
timento ideológico na adesão ao poder instituído por meio da religião
de raiz protestante e de recursos midiáticos enquanto estratégias de
legitimação política, em detrimento do debate e defesa de projetos para

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Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos

o Brasil. As forças de resistência sofrem com a recessão econômica, a


repressão e a criminalização dos movimentos sociais.
Segundo a Cepal5 (2016, 2018), a América Latina e o Caribe con-
tinuam sendo as regiões mais desiguais do mundo, ultrapassando a
África Subsaariana. Em 2017, ainda vivem em pobreza 184 milhões de
latino-americanos (30,2% da população), dos quais 62 milhões (10,25%
da população) em situação de extrema pobreza, maior contingente já
registrado desde 2008. A pobreza afeta de maneira desproporcional as
crianças, adolescentes, jovens, mulheres, a população nas áreas rurais,
indígenas e afrodescendentes, havendo ainda a interveniência da iden-
tidade sexual.
Verifica-se uma expansão do mercado de trabalho predominan-
temente informal, com crescimento no setor de serviços de baixa
produtividade e altas taxas de informalidade, característica central
na América Latina e no Caribe (PNUD, 2016; Cepal, 2018). Ele também
atinge os assistentes sociais enquanto trabalhadores assalariados. A
informalidade implica falta de acesso à: seguridade social, jornadas
de trabalho definidas (com descanso semanal e férias remuneradas),
aposentadoria e pensão, seguro-desemprego, seguro contra acidentes e
doenças ocupacionais, proteção a paternidade e maternidade, bem como
outros direitos previstos na legislação trabalhista. Em média, cerca de
40% a população ocupada na informalidade tem rendimento inferior
ao salário mínimo.
Mas existem formas de articulação coletivas expressas em movi-
mentos de trabalhadores (rurais e urbanos) e de novos sujeitos coletivos
(Gramsci, 1981, 1979, 2001) presentes na luta contra as desigualdades

A Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina (Cepal) nos documentos
5

Panorama Social da América Latina (2016 e 2018), considera a desigualdade um fenômeno


multidimensional, englobando: a distribuição de renda, a estrutura de classe expressa na pro-
priedade de ativos físicos e financeiros, o gasto público e social, a estrutura etária, o tempo, a
presença das populações afrodescendentes, além da convivência com experiências de redução
da pobreza.

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na defesa dos direitos humanos: a mobilização estudantil na defesa


da educação pública; o movimento dos sem-teto e dos trabalhadores
sem-terra; o movimento das nações indígenas pela preservação de seu
patrimônio material e cultural; as lutas das mulheres contra a opressão,
o feminicídio, o assédio e pela legalização do aborto; as manifestações
coletivas contra o desmonte da Previdência Social; as lutas dos afrodes-
cendentes por direitos e contra o preconceito; da juventude trabalhadora
da periferia das grandes cidades contra o genocídio de jovens, negros,
pobres das periferias urbanas; a luta contra a fobia LGBTT e contra todas
as formas de racismo.
Amplia-se a criminalização das classes subalternas — especialmente
de jovens, trabalhadores, negros — e dos seus movimentos e expressões
coletivas. Aproximadamente 130 milhões de afrodescendentes vivem
na América Latina (21% da população), sendo 91% do total regional
concentrados no Brasil e em Cuba (Cepal, 2016). Nos ataques à classe
trabalhadora, mulheres e jovens negras(os) são as principais vítimas da
cultura que fomenta o ódio contra as diferenças de cor/raça, sexualida-
des, territórios. No Brasil, a fobia LGBTT matou, em 2017, 445 lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transsexuais (LGBTT), conforme denúncia
da Abepss (2017).
Esse panorama nos convoca a acumular forças políticas e forjar a
resistência na defesa da democracia, dos direitos humanos e da justiça
social, no horizonte da emancipação de cada um e de todos os indivíduos
sociais.

III. Conclusões

Reconhecendo a diversidade de propostas em disputa na arena do


Serviço Social brasileiro, o desafio é manter com garra a luta pela hege-
monia no Serviço Social como profissão e como disciplina científica. Há
que romper com as teias da pequena política, em termos gramscianos,

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Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos

como já nos alertou Coutinho (2000): a política deixa de ser pensada como
“arena de luta entre propostas de sociedade”, passando a ser concebida
como “simples administração do existente”, alheia à vida cotidiana dos
indivíduos. O burocratismo faz renascer o devotamento à técnica, ao
“como fazer” em nome da eficiência da “prática”, que é mistificada, favo-
recendo o obscurecimento ideológico do grande jogo político que subjaz
à rotina da burocracia estatal.
Importa reforçar alianças com outros profissionais, com entidades
de representação coletivas, com fóruns de representação de políticas, de
articulação de trabalhadores e movimentos sociais, de modo que suas
necessidades e interesses possam adquirir visibilidade e ser reconhecidos
na cena pública. “Não soltar a mão de ninguém” para preservar a força
de nossa resistência coletiva. Ela é potenciada na aproximação às lutas
dos trabalhadores e movimentos sociais na defesa dos direitos, inte-
resses e projetos societários das classes subalternas, expressando suas
necessidades e aspirações na cena pública. Esses tempos adversos exi-
gem dos assistentes sociais recriar seu trabalho considerando tanto sua
contribuição na reprodução material dos sujeitos, expressa na prestação
de serviços sociais de qualidade a partir de políticas públicas, quanto sua
dimensão educativa que incide na cultura das classes subalternas: nas
maneiras de ver, viver e sentir a vida, fortalecendo a dimensão coletiva
das lutas sociais.
A prof. Maria Inês Bravo, em entrevista no dia 1 de maio ao CFESS
(2019) sintetiza chaves de dilemas e desafios. Diz ela:

Esta conjuntura afeta os/as assistentes sociais nas condições de trabalho:


pressiona baixos salários, instabilidade e desemprego; afeta as atribuições
profissionais com a demanda de empregadores na burocratização das
ações, o desvio de funções, na solicitação de apassivamento dos sujeitos
com quem trabalhamos. Desafia o trabalho cotidiano; o efetivo trabalho
socioeducativo, reflexivo com indivíduos e grupos refletindo o impacto das
contrarreformas afetam suas condições de vida e de trabalho; o estímulo
à organização e participação dos sujeitos em fóruns, conselhos de direitos

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e de políticas e conferências pressionando para que se realizem; a organi-


zação e participação junto com a classe trabalhadora na mudança dessas
condições perversas que estamos vivendo.

Um desafio é romper com os burocratismos, com a naturalização


das rotinas de trabalho e atitudes passivas acolhedoras de ordens. E “ir
onde o povo está”, viver com ele suas paixões passíveis de serem por eles
traduzidas em projetos de ação coletiva, recriando estratégias, reinven-
tando formas culturais coletivas de organização política.
A defesa do Serviço Social enraizado nas particularidades e dilemas
de Nuestra América é hoje abraçado por nossas entidades acadêmicas e
gremiais, o que amplia nossa força: a Alaeits, a Federação Internacional
de Assistentes Sociais (Fits) — região da América Latina e Caribe — e o
Comitê Latino-Americano e Caribenho de Organizações Profissionais de
Serviço Social (Colacats).

Apesar dos tempos sombrios e por meio


deles “chegam aromas de amanhã em mim”

Manuel de Barros

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Sobre a autora
Marilda Villela Iamamoto – Professora titular aposentada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ). Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisadora do CNPq, bolsista pro-
dutividade nível 1 A. Autora de livros na área de fundamentos do Serviço Social.
E-mail: [email protected]

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