Livro - Xerife Da Ria Formosa - Oceanário

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o xerife

da ria
formosa
TEXTO RICARDO HENRIQUES
ILUSTRAÇÕES ANA SEIXAS
o xerife
da ria
formosa
Missão da Fundação Oceano Azul
Contribuir para um oceano produtivo e saudável para salvar o planeta.

Missão do Oceanário DE LISBOA


Promover o conhecimento do oceano, sensibilizando para o nosso dever
de conservar a natureza, através da alteração de comportamentos.
Vai parar aqui.
O Edu não é pescador nem quer ser um.
O Edu é o xerife da pradaria marinha!

O XERIFE QUE NÃO É COWBOY


Diz-se que «filho de peixe sabe nadar».
E diz-se também que o Edu Almeida,
oito anos e meio de vida,
nascido com os pés na ria Formosa,
é descendente de trisavô pescador.
E de bisavô pescador.
E de avô pescador.
E de pai pescador.
Estão a ver onde é que isto vai parar?
O Edu não junta gado, mas anda com cavalos.
Não usa pistolas, mas é rápido com as lupas.
Não enfrenta flechas de índios, mas luta contra a pesca ilegal.

Desculpem um segundo, mas, para a história avançar,


temos de andar para trás.

No dia em que o Edu fez sete anos,


recebeu um cavalo-marinho seco e brilhante.
«É para dar sorte», disseram-lhe.

Como é que a morte de um animal lhe iria trazer sorte?


Não fazia sentido.
Por isso, no dia em que fez sete anos,
O Edu jurou a si mesmo
proteger os cavalos-marinhos da má sorte.

Atenção aos números:


os cavalos-marinhos, vizinhos da frente do Edu,
já foram mais de dois milhões e agora são menos de trezentos mil!
Como é possível? O que podemos fazer? Já vão saber.
A ria Formosa vive no Algarve
e tem sessenta quilómetros de extensão
entre o rio Ancão e a Manta Rota.

A ria é formosa mas não é ria, é um sistema lagunar.


As rias só têm uma entrada, e aqui temos seis:
as barras de Ancão, Faro-Olhão, Armona, Fuzeta, Tavira e Lacém.

A ria que não é ria é um parque natural cheio de vida


onde os animais e as plantas são protegidos por lei
e pelo xerife Edu.

Mas a vida por aqui anda muito ameaçada.


«Nesta ria que não é ria, vivem plantas que não são algas, É preciso navegar com cuidado, é preciso não poluir
são ervas que viviam em terra e se mudaram para a água salgada. e é preciso não incomodar esta maternidade de peixes indefesos,
Todas juntas formam a pradaria marinha, a casa dos cavalos-marinhos. cavalos-marinhos incluídos.
O meu nome é Edu e estou aqui para educar e proteger.
Esta pradaria estaria bem se não fosse tão mal frequentada. Por favor, fotografias sem flash.»
As âncoras dos barcos, a poluição sonora dos motores barulhentos
e a pesca estão a destruir a pradaria da ria.
O CAVALO QUE NÃO RELINCHA
Esqueçam o Neptuno, o Napoleão
e outros com a mania das grandezas,
os pequenos e frágeis cavalos-marinhos
são os verdadeiros reis dos mares.

Para começar, nascem com uma coroa


e podem olhar para dois sítios ao mesmo tempo.
Um olho na areia e outro no oceano.
Têm boca em forma de palhinha
para suuuuuuugar o que lhes apetece.

Preferem crustáceos e moluscos a sumos e batidos.


A barbatana dorsal serve para nadar para cima e para baixo
com toooooda a caaaaaalma do muuuuundo.
Já a barbatana caudal é como uma cauda de macaco
que prende onde calha.
Esqueçam os flamingos cor de rosa e os caimões de plumagem azul
Os cavalos-marinhos mudam de cor quando querem,
para se camuflarem no meio da pradaria.
Por fora têm uma armadura medieval,
porque são tão cavaleiros quanto cavalheiros.
No namoro passam dias a dançar de caudas entrelaçadas.
Na altura de ter filhos, a mãe passa os ovos ao pai com um beijo.
É nessa altura que ele transporta os filhos numa bolsa,
que lembra a de um canguru, até ao dia em que nascem.

Os cavalos-marinhos são assim,


reis sensíveis que vivem felizes para sempre
se nenhuma má sorte atrapalhar.
o cego que não quer ver
Diz-se que «o pior cego é o que não quer ver».
E diz-se também que o Edu Almeida,
oito anos e meio de vida,
com uma estrela de xerife ao peito,
ficou famoso por ver o que mais ninguém viu.

Primeiro convenceu a família


a ver e a deixar viver.
Depois não deixou nenhum barco zarpar
Deu nó de marinheiro atrás de nó de marinheiro
e explicou o que tinha a explicar,
ponto por ponto e a rimar:

«A vida não é só fazer dinheiro


O mar não é só pescar
É preciso pensar primeiro
Será que é tudo para matar?
Existirá outra maneira de fazer?
Que nos dê também de comer?
Sabem para aonde vamos?
Vamos salvar o Hippocampus.»
DUPLA 8 DUPLA 8
a mudança que não pode ser adiada
Depois do discurso do Edu,
alguns pescadores deixaram de pescar cavalos-marinhos
para vender aos países do Oriente.

Largaram as varas de arrasto, os sacos de plástico


e a pesca às escondidas,
e passaram a trabalhar ao lado de investigadores e biólogos,
turistas e ecologistas.

Outros pescadores continuaram a pescar o pescado legal,


mas com as redes certas,
daquelas que respeitam as espécies mais pequeninas.
A HISTÓRIA QUE QUEREMOS CONTADA
Desculpem um segundo,
mas, para a história avançar,
temos de mudar.

Temos de convencer todos os grandes


a respeitar os mais pequenos.
Este é um trabalho do Edu,
mas também de ti e de tu.

Se nesta pradaria já viveu


a maior comunidade de cavalos-marinhos do mundo,
temos de voltar ao que já fomos.

A superstição e o negócio de uns


não pode ser o azar de outros.
Por isso, nem mais um segundo de pesca
aos cavalos-marinhos!
Vamos lá rimar um bocadinho
Em honra do cavalo-marinho

A sua cabeça vem com coroa


Já viste isso numa pessoa?

Tem olhos de camaleão


E usa aquele mais à mão

Tem boca de papa-formigas


Para comer com ‘migos e ‘migas

Tem barbatanas-elevador
Que usa na pradaria em flor

Tem uma armadura medieval


Mas ninguém leva a mal

Apesar da cauda de macaco


Deixa-se apanhar com um saco

Por vezes dança apaixonado


E é sempre educado

Merece uma vida fabulosa


Na morada da ria Formosa

E nós? Aonde vamos?


Vamos salvar o Hippocampus!
glossário
Barbatana Estatuto de conservação Moluscos Ria
Órgão externo dos peixes que serve para nadar e equilibrar. Indicador que define qual a possibilidade de uma espécie Animais de corpo mole dividido em três partes diferentes: Vale formado na foz de um rio pela erosão, que é invadido
A barbatana dorsal fica na parte do corpo correspondente continuar a existir no planeta ou de desaparecer num cabeça, pé e manto. Podem ter o corpo protegido por pela água do mar, formando um sistema de canais.
às costas do animal. A barbatana caudal encontra-se na futuro próximo. Os estatutos de conservação, por ordem uma concha, ter concha interna, ou não ter concha.
parte posterior do corpo, na zona da cauda. decrescente de preocupação, são: extinto, extinto na Rio
Natureza, criticamente em perigo, em perigo, vulnerável, Napoleão Curso de água natural, que pode estender-se por vários
Cavalos-marinhos quase ameaçado, pouco preocupante, informação Nome do imperador dos Franceses que gostava de quilómetros e que transporta uma grande quantidade de
Pequenos peixes que vivem em águas pouco profundas insuficiente, não avaliado. descansar a mão dentro do casaco e que viveu entre 1769 água de terra para o oceano. Alguns correm durante todo
no oceano ou em estuários. O focinho tem a forma de e 1821. É também o nome de um peixe de recife que pode o ano, outros podem secar durante algumas estações.
palhinha, e a cauda pode prender-se em algas, plantas ou Hippocampus atingir 150 quilogramas e que se encontra em perigo de
onde calhar. As fêmeas transferem os ovos para uma bolsa Classificação científica dada a 42 espécies de cavalos- extinção. Sistema lagunar
na barriga dos machos, onde estes se desenvolvem, até -marinhos, incluindo as duas que vivem na ria Formosa. O Zona situada perto da costa completa ou parcialmente
nascerem completamente formados. nome deriva do grego hippos, «cavalo», e kampi, «monstro Neptuno submersa por água do mar ou dos rios. Estes sistemas podem
marinho», referindo-se à figura mitológica com patas de Deus romano dos mares, equivalente a Poseidon, o deus estar totalmente protegidos da ação do mar por barreiras
Crustáceos cavalo e cauda de peixe que Poseidon, deus grego dos grego e original. de areia ou de recifes, criando uma grande variedade de
Grupo de animais invertebrados que habita, na maioria, em mares, utilizava para puxar o seu carro quando saía do habitats, como ilhas, sapais, bancos de areia, dunas, salinas,
ambientes aquáticos. Têm o corpo dividido em cabeça, tórax palácio subaquático. Parque natural lagoas de água doce e salobra e outros cursos de água e
e abdómen, com vários apêndices, como antenas e patas. Área onde os ecossistemas naturais ou seminaturais também as nossas pradarias marinhas.
Camarões, cracas, percebes e lagostas são crustáceos. Hippocampus guttulatus são protegidos da atividade humana, assegurando uma
Espécie de cavalo-marinho que vive na ria Formosa. Tem utilização sustentável dos produtos naturais e dos serviços Xerife
Edu(ardo) Almeida o focinho comprido, e apêndices ao longo da cabeça e fornecidos pelos ecossistemas. Agente de autoridade, que faz cumprir a lei e tem funções
Eduardo significa «guardião das riquezas», «protetor das pescoço que fazem lembrar ramos. Pode medir até 25 policiais, administrativas e revólveres.
riquezas» ou «guardião rico». Almeida é a junção de duas centímetros, e a sua coloração é geralmente acastanhada, Pradaria marinha
palavras que significam «uma grande planície». Edu Almeida mas consegue mudar rapidamente de cor para se camuflar Planície coberta por ervas marinhas. São zonas de abrigo Zona de maternidade
é, por isso, o guardião das riquezas das pradarias marinhas. ou namorar. e de maternidade para muitas espécies e, na Europa, estão Locais para onde muitas espécies se deslocam para pôr
classificadas como ecossistemas ameaçados. ovos ou dar à luz, verdadeiras maternidades. É também
Ervas marinhas Hippocampus hippocampus nestas zonas que os juvenis crescem até saberem o que
Plantas que se adaptaram a viver em água salgada, formando A segunda espécie que (ainda) se encontra na ria Formosa. Redinha querem da vida.
um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Estas ervas Distingue-se por ter o focinho mais curto e não ter Arte de pesca que consiste em cercar uma área do mar
podem viver em estuários, praias e lagoas costeiras até aos apêndices na cabeça e no pescoço. Pode atingir cerca de perto da costa com uma rede de malha muito apertada, Zarpar
dez metros de profundidade. Geralmente, formam pradarias 15 centímetros e tem um espinho ao pé dos olhos. que é depois puxada, arrastando tudo o que se encontra Levantar a âncora e fazer-se ao mar. Vamos mas é zarpar
que cobrem grandes extensões submersas, que servem de nessa área. daqui para fora!
casa, esconderijo e de alimento para muitos animais.
As populações de cavalos-marinhos da ria Formosa já foram consideradas das maiores do
mundo. Hoje estão em risco de desaparecer, principalmente por causa da captura ilegal.

A campanha «Vamos salvar os cavalos-marinhos da ria Formosa», promovida pela Fundação


Oceano Azul, pretende contribuir de forma efetiva para a implementação de todas as medidas
necessárias de modo a travar o declínio destas populações.

Desenvolvida com vários parceiros, esta iniciativa tem diferentes eixos de atuação:

. ações de educação ambiental nas escolas;


. sensibilização da comunidade piscatória e da opinião pública;
. envolvimento de organizações não-governamentais e da comunidade científica;
. colaboração com as autoridades locais e nacionais.

Ficha técnica
O xerife da ria Formosa

Edição © Oceanário de Lisboa


Texto © Ricardo Henriques
Ilustrações © Ana Seixas
Direção de arte e design Sofia Pavia Saraiva
Coordenação e revisão científica Oceanário de Lisboa
Revisão Nuno Quintas
Impressão e acabamentos Gráfica Jorge Fernandes, Lda.
1.ª edição em abril de 2018
Tiragem 10 000 exemplares
ISBN 978-972-8712-19-8 | Depósito legal 438964/18

Este livro foi composto em caracteres Geomanist e Bakso Sapi


e impresso em papel Cyclus Offset de 135 g (miolo) e Cyclus Offset de 250 g (capa).

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