Dom Casmurro e o Realismo No Brasil

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Dom Casmurro e o

Realismo no Brasil

CLARA CAMARGO E OTÁVIO SANTOS


Introdução
O Gênero Realista

Publicação de Madame Bovary do autor francês Gustave


Flaubert no ano de 1857.

Compromisso da verossimilhança e retratar a realidade


tal como ela era.

Em contraposição ao romantismo, movimento que


valorizava a subjetividade e a sentimentalidade, o
realismo privilegiava a objetividade e a racionalidade.
Contextualização histórica

Século XIX: Revolução Industrial e consolidação da classe


burguesa.

Cientificismo, Evolucionismo e Positivismo.

Novas condições de emprego, com longas jornadas de


trabalho e baixos salários, inspiraram outra corrente
filosófica do período: o socialismo.

No Brasil: Abolição da escravatura (1888) e a Proclamação


da República (1889).
Características do Realismo

Representação fidedigna da realidade.

Preferência pela temática dos conflitos sociais que surgiam em decorrência


da mudança dos paradigmas atuais.

Representação do presente e ao mesmo tempo crítica as contradições


sociais da moral burguesa.

Ao contrário do Romantismo, retratava-se a mulher adúltera, o amor


corrompido, o egoísmo, o cenário urbano e as condições miseráveis da vida
humana.

Abordagem psicológica e uso da ironia.


RAUL POMPEIA (1863-95) ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)
Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis, nascido em 21 de


junho de 1839, foi além de escritor, jornalista e
funcionário público.

Escreveu romances, contos, peças de teatro,


crônicas, crítica literária e teatral e poesias. No final
dos anos 70, passou a escrever a prosa realista.

Algumas de suas obras são: Memórias Póstumas de


Brás Cubas, Dom Casmurro (1899), O Alienista
(1882), Helena (1876) e Quincas Borba (1891).
Foi inicialmente no jornalismo que Machado de Assis destacou-se ao
escrever crônicas diárias sobre o cotidiano do Rio de Janeiro.

Em 1897, Machado de Assis fundou a Academia Brasileira de Letras,


onde foi presidente por 10 anos.

Em 1908, morreu e foi enterrado junto com sua esposa, Carolina


Augusta Xavier de Novais, no cemitério de São João Batista no Rio de
Janeiro.

Sua obra, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) é considerada


como inauguradora do movimento realista no Brasil.
Dom Casmurro
Sinopse

Dom Casmurro conta a história de Bento Santiago, um garoto


que se apaixona pela vizinha Capitu e decide abandonar o
seminário, e, com ele, as vontades de sua mãe, Dona Glória,
que desejava que o filho se tornasse padre.

Recepção e críticas

Na época de sua publicação, Dom Casmurro foi elogiado


pelos amigos próximos do autor. Machado de Assis mostrou-
se satisfeito com os comentários que eram publicados a
respeito do romance.
Recentemente, a obra teve um ressurgimento e passou por
uma reinterpretação, influenciada também pelas áreas da
sociologia, da psicanálise e dos estudos feministas.

Que excelente, e penetrante, e fino estudo de mulher nos deu, como a brincar,
recobrindo-o de riso e ironia, o Sr. Machado de Assis, nesta sua Capitu! E aos
demais, novo, original, bem nosso, como aliás são, sem embargo da sua real
generalidade humana, as criações do Sr. Machado de Assis. Porque, e é
seguramente um raro e alto mérito, sendo o autor de Dom Casmurro o único
talvez dos escritores brasileiros que na ficção se eleva até o geral, o
simplesmente humano, sem preocupação de representações etnográficas e
locais, nenhum, entanto, é mais verdadeiro e exato do que ele quando as faz.
A extrema flexibilidade do seu talento permite-lhe casar perfeitamente a
verdade geral e superior da natureza humana, com a verdade particular do
temperamento nacional. (VERRÍSIMO, 1903)
A obra como retrato da época

A sociedade brasileira no século XIX se dividia em 3 "categorias":


1. Os proprietários
2. Os escravizados
3. Os homens livres (brancos pobres ou negros libertos)

Gurgel, pai de Sancha, insiste que Bentinho almoce em sua casa. Bentinho recusa,
dizendo que não avisou sua mãe, e a seguinte resposta é dada: "Manda-se lá um
preto dizer que o senhor janta aqui, e irá depois." (p. 75)

No capítulo seguinte, quando tio Cosme solicita que o amigo jante com eles e
Escobar recusa, Bentinho diz: "Manda-se lá um preto dizer que o senhor janta aqui, e
irá depois." (p.76)
"Ia só andando, aceitando o pior, como um gesto do destino, como
uma necessidade da obra humana, e foi então que a Esperança, para
combater o Terror, me segredou ao coração, não estas palavras, pois
nada articulou parecido com palavras, mas uma idéia que poderia ser
traduzida por elas: "Mamãe defunta, acaba o seminário". (p.72)

"Não culpo ao homem; para ele, a cousa mais importante do momento


era o filho. Mas também não me culpem a mim; para mim, a cousa
mais importante era Capitu. O mal foi que os dous casos se
conjugassem na mesma tarde, e que a morte de um viesse meter o
nariz na vida do outro. Eis o mal todo. Se eu passasse antes ou depois,
ou se o Manduca esperasse algumas horas para morrer, nenhuma nota
aborrecida viria interromper as melodias da minha alma. Por que morrer
exatamente há meia hora? Toda hora é apropriada ao óbito; morre-se
muito bem às seis ou sete horas da tarde." (p.87)
Traiu ou não traiu?
TRAIU

Semelhança entre Escobar e Ezequiel.

Incômodo de Capitu com as imitações de Ezequiel.

Capitu não conseguia engravidar de Bentinho.

Reação de Capitu quando Bentinho "descobre".


"Ao teatro íamos juntos; só me lembra que fosse duas vezes sem ela, um benefício de ator, e uma
estreia de ópera, a que ela não foi por ter adoecido, mas quis por força que eu fosse. Era tarde para
mandar o camarote a Escobar, saí, mas voltei no fim do primeiro ato. Encontrei Escobar à porta do
corredor.
— Vinha falar-te. (Escobar)

Expliquei-lhe que tinha saído para o teatro donde voltara receoso de Capitu, que ficara doente.
— Doente de quê? (Escobar)
— Queixava-se da cabeça e do estômago. (Bento)
— Então, vou-me embora. Vinha para aquele negócio dos embargos... (Escobar)

Eram uns embargos de terceiro; ocorrera um incidente importante, e, tendo ele jantado na cidade,
não quis ir para casa sem dizer-me o que era, mas já agora falaria depois...
— Não, falemos já, sobe; ela pode estar melhor. Se estiver pior, desces. (Bento)

Capitu estava melhor e até boa. Confessou-me que apenas tivera uma dor de cabeça de nada, mas
agravara o padecimento para que eu fosse divertir-me. Não falava alegre, o que me fez desconfiar
que mentia, para me não meter medo, mas jurou que era a verdade pura. Escobar sorriu e disse:
— A cunhadinha está tão doente como você ou eu. Vamos aos embargos." (p.113)
NÃO TRAIU

A coincidência é uma "temática" dentro da obra.

O ciúme transcende Dom Casmurro, é algo que Machado de Assis sempre


trabalha.

"Já é tempo de se começar a compreender a obra de Machado de


Assis como um todo coerentemente organizado, percebendo que à
medida que seus textos se sucedem cronologicamente certas
estruturas primárias e primeiras se desarticulam e se rearticulam sob a
forma de estruturas diferentes, mais complexas e sofisticadas."
(SANTIAGO, 2000, p.27)
TRAIU E NÃO TRAIU

"Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros
omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que
faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as coisas que não
achei nele. Quantas ideias me acodem então! Que de reflexões profundas! Os
rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem
agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares; e os generais sacam
das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que
dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma prevista." (p.64)
A origem da pergunta "Traiu ou não traiu?"

Helen Caldwell, em O Otelo brasileiro de Machado de Assis (1960).

Comentário do autor Geovani Martins sobre a discussão aberta por Caldwell:

"Os personagens mais inesquecíveis são os contraditórios. E, no caso de Dom Casmurro, a


contradição é apresentada de forma bastante peculiar. Santiago, homem letrado e conhecedor
de grandes obras da literatura universal, sabe muito bem a importância do recurso da
incongruência para a construção de um personagem e usa esse conhecimento para manipular o
leitor a todo instante. Com a desculpa de contar toda sua experiência, sem omitir nem mesmo as
passagens e pensamentos mais sórdidos, Bento negocia o tempo inteiro com seu interlocutor.
Ao apresentar o lado mais sombrio de si, busca receber em troca a confiança de quem lê. Afinal,
se teve coragem de contar que chegou a desejar a morte da própria mãe para que pudesse se
casar com Capitu, que interesse ele poderia ter em faltar com a verdade? Os esforços para
demonstrar ao público as próprias contradições fazem da narrativa uma armadilha. Durante todo
o romance, Bento parece sussurrar ao ouvido do leitor: pode confiar em mim, amigo. Que
motivos teria eu para mentir?" (MARTINS, 2020, p.425)
Ainda sobre o autor Geovani Martins, ele "divide" a obra em duas partes:

1. A luta adolescente pelo casamento.


2. A ruína dessa união.

Transição de uma parte à outra.

"Não podemos esquecer que Bento é advogado por


formação. Olhando por esta perspectiva, o livro inteiro
pode ser percebido como uma grande acusação,
friamente calculada por um charmoso promotor que, na
ausência de provas, tenta fazer valer sua palavra através
da simpatia que busca despertar no júri ao longo de todo
o seu depoimento." (MARTINS, 2020, p.429)
Exemplificando com o próprio texto, Capitu desde sempre foi "controladora":

"Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já idéias atrevidas, muito menos que outras que lhe
vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e
alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos. Não sei se me explico bem.
Suponde uma concepção grande executada por meios pequenos. Assim, para não sair do
desejo vago e hipotético de me mandar para a Europa, Capitu, se pudesse cumpri-lo, não me
faria embarcar no paquete e fugir; estenderia uma fila de canoas daqui até lá, por onde eu,
parecendo ir à fortaleza da Laje em ponte movediça, iria realmente até Bordéus, deixando minha
mãe na praia, à espera. Tal era a feição particular do caráter da minha amiga; pelo que, não
admira que, combatendo os meus projetos de resistência franca, fosse antes pelos meios
brandos, pela ação de empenho, da palavra, da persuasão lenta e diuturna, e examinasse antes
as pessoas com quem podíamos contar. Rejeitou tio Cosme, era um "boa-vida", se não aprovava
a minha ordenação, não era capaz de dar um passo para suspendê-la. Prima Justina era melhor
que ele, e melhor que os dous seria o Padre Cabral, pela autoridade, mas o padre não havia de
trabalhar contra a Igreja; só se eu lhe confessasse que não tinha vocação..." (p.21)

Ainda assim, nesse momento, o narrador ainda descreve de uma forma positiva.
BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2010.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Ed. Antofágica, 2020.

FILHO, Barreto. Introdução a Machado de Assis. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1947.

DA SILVA, Ana Claudia. PRIMEIRAS RECEPÇÕES CRÍTICAS DE DOM


CASMURRO. Dossiê “Recepção: leitura e permanência”, n. 14 (2014).

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