PDF - Virgínia Malta de Farias
PDF - Virgínia Malta de Farias
PDF - Virgínia Malta de Farias
JOÃO PESSOA – PB
2016
VIRGÍNIA MALTA DE FARIAS
JOÃO PESSOA – PB
2016
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pelo maior presente já me dado nesta vida, qual seja, minha filha
Maitê, que foi o motivo de meu retorno aos estudos e, consequentemente, de meu crescimento
profissional.
A você, filha, devo o meu reinício, desta vez, com o melhor dos combustíveis a me
mover: o amor.
Agradeço a meu marido, Ricardo, por todo apoio, por ser meu braço direito em todas
as ocasiões de minha vida; por ser meu alimento nas horas em que mais tenho fome, seja me
levando um lanche no plantão, seja me fazendo um cafuné antes de dormir, ou me ouvindo
quando mais preciso.
A você, mãe, por estar comigo em tudo na vida; por ser minha força motriz e meu
modelo de mulher.
Agradeço aos meus irmãos, por serem os meus melhores amigos.
Agradeço a minha orientadora Aline Lobato Costa, pelo acompanhamento constante
durante este trabalho e por estar incentivando meu crescimento na área acadêmica, através da
doação de um dos seus mais valiosos tesouros: o conhecimento.
Muita gratidão à ACADEPOL/PB, por ter me cedido a oportunidade de dar meu
primeiro passo frente à pesquisa científica.
Muito obrigada, Eloá, minha cunhada, por ter me ajudado na confecção deste trabalho,
seja cuidando de minha filha, seja me auxiliando com o trabalho em si. Sem você, não teria
conseguido terminar a tempo.
Agradeço à Delegada de Polícia Civil Sylvana Lellis por ter sido a inspiração desta
pesquisa.
Por fim, agradeço aos Delegados de Polícia Civil da Paraíba por terem contribuído,
amistosamente, com meu trabalho.
RESUMO
People have three basic social instincts: aggressiveness, territorialism, and familiarity. When
social institutions - religion, government, law, politics, art, beliefs, etc. - or methods of control
fail to achieve their goals, human beings tend to regress to their primitive instincts of
aggressiveness, territoriality, and familiarity. This also occurs with the behavior of criminals,
because when identified as suspects, they tend to lie, pretend and hide their real intentions.
When instincts are in action they leave a psychophysiological trail: signs detectable by the
reading of body language. In order to discover the truth, interviewing and interrogation
techniques were developed, evolving over time and, currently, are in line with body reading,
in order to facilitate the construction of "rapport" between investigator and suspect. At the
same time, compliance with national legislation was focused, especially, safeguarding the
Principle of Human Dignity, avoiding that there are nullities arising from the use of torture,
truculence or malpractice of criminal investigators. Data were collected through an
exploratory field survey, with a deductive approach. The study was attended by 30 police
officers in charge of investigation from the state of Paraíba. Participants answered a
questionnaire containing open and closed questions that asked them for their knowledge about
the theme. Data were analyzed by means of SPSS (Statistical Package for Social Sciences,
version 20). The results indicated a good knowledge about the techniques of interview and
interrogation, but the same did not occur with non-verbal communication. The results of the
research revealed aspects that can improve the performance of these professionals, such as the
elements that should be included in training and retraining. Finally, it was verified the
possibility of extending the scope of the study to the other civil police officers, as well as its
application with participants from different States, so that the public policy applied in the
Brazilian Civil Police could be identified and, if necessary, suggest which aspects can be re-
evaluated and updated by the Brazilian Government.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
2 TÉCNICAS DE ENTREVISTA E INTERROGATÓRIO ............................ 14
2.1 Origem das técnicas de entrevista e interrogatório ........................................ 14
2.2 Verdades e mentiras .......................................................................................... 19
2.3 Reações psicofisiológicas a fatores estressantes .............................................. 23
2.4 A linguagem corporal: conceito e contribuições para a investigação
criminal .............................................................................................................. 24
2.5 Comportamentos não verbais e seus significados .......................................... 25
2.6 Entrevista e interrogatório .............................................................................. 35
2.6.1 Conceitos e diferenças ......................................................................................... 35
2.6.2 Interrogatório integrado: conceito, características e aplicação ........................... 36
2.6.3 Entrevista cognitiva melhorada: conceito, características e aplicação ................ 40
2.6.4 Contextualização jurídica .................................................................................... 45
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................... 54
3.1 Participantes ...................................................................................................... 54
3.2 Instrumento de coleta de dados ....................................................................... 55
3.3 Procedimentos .................................................................................................... 56
3.3.1 Procedimentos éticos ........................................................................................... 56
3.3.2 Coleta de dados ................................................................................................... 56
3.3.3 Análise de dados ............................................................................................... 56
4 RESULTADOS .................................................................................................. 57
4.1 Técnicas de entrevista e interrogatório ........................................................... 57
4.2 Linguagem corporal e microexpressões faciais .............................................. 64
4.3 Contextualização jurídica ................................................................................. 68
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 70
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 75
APÊNDICE A .................................................................................................... 78
APÊNDICE B .................................................................................................... 79
10
1 INTRODUÇÃO
cavaleiro que estivesse com a “verdade” ao seu lado seria vitorioso por causa da intervenção
divina, pois um Deus justo não iria permitir que a injustiça prevalecesse (GORDON;
FLEISHER, 2011, p. 02).
A próxima evolução na busca pela verdade foi através do “julgamento pelo calvário”.
Novamente, Deus assumiria um papel de intervenção em nome do inocente. Apesar dessas
tentativas para detecção da verdade parecessem estar baseadas em crenças religiosas, na
verdade, elas eram formuladas em observações práticas tanto do fenômeno psicológico,
quanto do fisiológico dos seres humanos, os quais têm importante papel no processo do
encontro da verdade (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 02).
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 02), na China, aproximadamente em 1.000 a.C.,
era uma prática comum fazer uma pessoa acusada de algum delito mastigar um punhado de
arroz seco moído, e depois fazê-lo tentar cuspir; se o arroz ficasse úmido e, portanto, fácil de
cuspir, a pessoa era considerada confiável; se o arroz ficasse seco e preso na boca do suspeito
quando ele tentasse cuspi-lo, então ele era considerado mentiroso.
A intervenção divina estaria tão envolvida, nesse contexto, quanto as glândulas
salivares. Esse teste era baseado no fenômeno fisiológico da inibição da salivação causada
pelo medo ou estresse. O indivíduo confiável teria salivação normal e assim seria fácil cuspir
o arroz; já aquele que estivesse estressado ou com medo teria a boca seca e o arroz moído
permaneceria em sua boca quando tentasse cuspi-lo (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 02).
Não se sabe ao certo como os chineses chegaram a essa conclusão – se eles meramente
observaram que as bocas de pessoas mentirosas permaneciam secas ou se tinham algum
entendimento de como o sistema nervoso autônomo inibe a salivação e todo processo
digestivo quando um indivíduo está sob alguma ameaça. Note-se que a medicina tradicional
chinesa existe por, pelo menos, 5.000 anos (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 02).
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 03), os testes de “boca seca” eram e ainda são
encontrados em um amplo número de culturas pelo mundo. O mais severo deles consistia em
colocar um tipo de metal quente na língua do indivíduo.
Se ele fosse confiável, a salivação normal em sua boca iria proteger sua língua, agindo
como um dissipador de calor. Se ele estivesse mentindo, a boca ficaria seca e o metal quente
queimaria sua língua desprotegida. Até hoje, em alguns países do Oriente Médio, é comum
que os acusados possam escolher esse método tradicional para provar sua inocência
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 03).
Ainda de acordo com Gordon e Fleisher (2011, p. 03), em várias sociedades, testes
para se detectar a verdade foram desenvolvidos com premissas psicológicas, não fisiológicas.
16
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 08), o teste do polígrafo, embora tenha sua força
óbvia, tem algumas limitações: requer consentimento escrito, uma longa entrevista,
instrumento apropriado e análise específica para determinar a verdade. Ele pode ser
interpretado como um questionamento invasivo, por causa da necessária união do instrumento
ao corpo do sujeito.
Ainda, o aparelho em si pode criar um estado emocional elevado, o que pode explicar
o maior número de falsos positivos (pessoas dizendo a verdade, porém detectadas como
mentirosas) do que falsos negativos (indivíduos mentirosos, porém determinados como
verdadeiros). E finalmente, o teste não pode ser aplicado por qualquer pessoa, mas por um
técnico da área (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 08/09).
Segundo a doutrina brasileira, quando a prova é produzida em desacordo com as
normas processuais, estamos diante de uma prova ilegítima (GUBERT, 2016); se produzida
com a “violação de uma norma de direito material ou da Constituição no momento de sua
obtenção”, temos a prova ilícita (LOPES JUNIOR, 2014, p. 428).
Segundo Gubert (2016, p. 01), o detector de mentiras, na seara processual penal, é
uma prova ilícita, visto que nosso país carece de legislação que regule seu uso –
principalmente no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais do acusado, pois o
ordenamento jurídico permite que o suspeito não produza provas contra si mesmo.
Gubert (2016, p. 01) alerta que a utilização dos resultados de teste de polígrafo em
qualquer processo, penal ou não, fere a Constituição Federal (artigo 5º, inciso LVI).
Por ser um teste não regulado por lei, torna-se inviável admiti-lo como prova. Nesse
sentido, Gubert (2016, p. 01) explicita o entendimento dos tribunais brasileiros:
19
De acordo com Gordon e Fleisher (2011, p. 09), os processos psicológicos que causam
mudanças no corpo da pessoa durante o uso do polígrafo também podem ser observados de
maneira menos formal e invasiva por um entrevistador treinado em técnicas de entrevista.
A mentira é detectada através da análise do comportamento não verbal consciente e
inconsciente do suspeito e uma análise de projeção de pistas não intencionais,
independentemente do uso do polígrafo (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 09).
As técnicas de entrevista, que são uma análise não instrumental, podem ser
vistas como limitadas, pois não há embasamento tecnológico, no entanto,
elas oferecem uma vantagem considerável: a ausência de tecnologia deixa o
suspeito menos alerta do que está sendo monitorado e menos “na defensiva”
ou intimidado. O mais importante é que o entrevistador possa avaliar um
número maior de respostas do suspeito para chegar a uma análise confiável
da credibilidade do suspeito ou da testemunha. (GORDON; FLEISHER,
2011, p. 09).
repentinamente colide com uma viatura policial. O policial sai do carro e pergunta aos dois
amigos o que eles viram. Ambos dão depoimentos que representam duas versões
substancialmente diferentes do que aconteceu (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 11).
Poderiam os dois estar falando a verdade? A resposta é sim, porque ambos contaram o
que perceberam e acreditaram que aconteceu. Essa última característica é crucial. Como
percebemos as coisas, afeta a lembrança do evento. A percepção é influenciada por fatores
internos, como a idade, peso, saúde, carga cultural, acuidade dos sentidos e preocupações
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 11).
Fatores externos, que afetam a percepção, incluem o local de onde estamos
visualizando o fato, o que estamos fazendo naquele momento, quão iluminado está o local,
etc. O que percebemos é o que acreditamos ser verdade. Portanto, se dois amigos contam o
que acham que aconteceu, embora suas percepções tenham sido, de alguma forma, diferentes,
ambos podem estar dizendo a verdade (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 11).
De acordo com Gordon e Fleisher (2011, p. 12), para os propósitos desta pesquisa, a
definição operacional da verdade é que ela é a comunicação deliberada, completa e objetiva
(seja verbal, escrita ou através de gestos) das lembranças de uma pessoa, lugar, coisa e/ou
evento, que o comunicador acredita existirem ou terem ocorrido.
De maneira informal, a mentira é:
Existem mentiras que são convenções sociais: elas reduzem o embate interpessoal e
estimulam boa vontade. São chamadas de mentiras “brancas” ou mentiras, eticamente,
necessárias. Geralmente, não ameaçam nosso bem-estar, seja quando nós as contamos, seja
quando as contam para nós (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 12).
Já a outra categoria de mentira é problemática – a mentira intencional por motivos
egoísticos ou destrutivos. Felizmente, é a mais aberta à detecção. O processo de socialização,
em que as pessoas são condicionadas a se sentirem culpadas e temerem a subsequente
punição, quando elas dizem mentiras graves, produz reações observáveis (GORDON;
FLEISHER, 2011, p. 12).
21
Uma vez que alguém tomou a decisão de mentir, há dois caminhos primários para ela
tomar: mentir por omissão ou por comissão. Mentir por omissão é, geralmente, o método mais
escolhido, pois é tácito, mais fácil e envolve menos risco, porque nenhuma invenção é
requerida (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 12).
Ao negar ou deixar de informar alguma informação relevante, o mentiroso escolhe o
caminho que oferece o menor risco de detecção, já que ele corre da verdade e não se
compromete em fabricar informação, escolhendo o caminho da mentira passiva (GORDON;
FLEISHER, 2011, p. 12).
Entretanto, mentir passivamente geralmente contém alguns elementos de fabricação ou
evidências de informações faltantes que um entrevistador experiente pode detectar e expor
através de um questionamento detalhado; isto irá forçar o mentiroso a ter que fabricar ou
inventar informação, aumentando o medo de ter sua mentira detectada (GORDON;
FLEISHER, 2011, p. 13).
Mentir por comissão, fabricar informação, pode ser visto como uma mentira ativa. Isso
envolve energia cognitiva maior – comprometimento, invenção e defesa – e o risco atrelado
de se contradizer ou de fornecer informação que, mais adiante, poderá ser provada como falsa
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 13).
O risco, nesse caso, é maior. Quando lhe é perguntado algo, o suspeito tem duas
escolhas: dizer a verdade, ou mentir. Se ele escolhe contar a verdade, é mais fácil, porque a
verdade flui naturalmente e requer muito pouca energia mental (GORDON; FLEISHER,
2011, p. 13).
Se ele escolhe mentir, a ele agora são apresentadas inúmeras escolhas e preocupações:
quão extensa a mentira será, o que dizer, o que não dizer, invenções contraditórias, a punição
que receberá se for descoberto, etc. Deveria ser levado em conta que a maioria do que um
suspeito diz é realmente verdade (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 13).
Um bom entrevistador precisa aprender a avaliar qualquer verdade que apareça em
uma estória de um bom mentiroso. Ele não pode ser levado ao erro por uma reação superficial
do entrevistado. O entrevistador deve focar nos componentes do depoimento que indicam
possibilidade de mentira ou omissão de informação. Para isso, ele deverá compreender o
comportamento não verbal e o acesso a pistas não desejadas pela testemunha (GORDON;
FLEISHER, 2011, p. 13).
De acordo com Gordon e Fleisher (2011, p. 13), é notório que todos que são
entrevistados se sentem um pouco apreensivos e nervosos, não podendo responder de forma
desinteressada, o que é natural.
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Navarro e Karlins (2008, p. 21) informam que, quando conseguirmos aprender por que
e como o cérebro humano recruta o corpo para expressar suas emoções de forma não-verbal,
também saberemos como interpretar tais comportamentos.
Além disso, Navarro e Karlins (2008) também afirmam que:
A maioria das pessoas pensam que têm um cérebro que guarda suas
habilidades cognitivas. Na verdade, há três cérebros dentro do crânio
humano, cada um deles executando funções especializadas que trabalham
conjuntamente como um ‘centro de controle e comando’, que regula tudo
que nosso corpo faz. (NAVARRO; KARLINS, 2008, p. 21, 22).
Ainda de acordo com Navarro e Karlins (2008), em 1952, um cientista chamado Paul
MacLean elaborou a teoria do “triune brain”1, que dividiria o cérebro em três unidades
funcionais diferentes, quais sejam:
Navarro e Karlins (2008, p. 17) afirmam que o corpo humano é capaz de apresentar
milhares de mensagens não-verbais, já estudadas e interpretadas por pesquisadores do campo
científico, bem como por investigadores do FBI (Federal Bureau of Investigaton)2.
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 17), a fonte fisiológica dessas manifestações é
encontrada no sistema nervoso autônomo, em um mecanismo, comumente, chamado de
resposta “fight or flight”3.
Essa resposta psicofisiológica ocorre quando um indivíduo, consciente ou
inconscientemente, percebe uma ameaça ao seu bem-estar imediato. Isso envolve um número
complexo e específico de mudanças fisiológicas que ocorrem espontaneamente, as quais
preparam o indivíduo para lutar ou para escapar da ameaça (GORDON; FLEISHER, 2011, p.
17).
Contudo, o primeiro comportamento de defesa contra uma ameaça ou um perigo
chama-se síndrome “freeze/hide”4 (NAVARRO; KARLINS, 2008, p. 27). Essa ocorre
quando o indivíduo é muito jovem, muito fraco ou muito frágil psicologicamente para brigar
ou para escapar (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 17).
Fonte: <http://www.bodylanguageproject.com>.
Fonte: <http://www.bodylanguageproject.com>.
Segundo Navarro e Karlins (2008, p. 38/39), por vezes, é mais eficiente descobrir o
significado de um adaptador do que tentar, atabalhoada e apressadamente, encontrar a
verdade, pois eles mostram quais os assuntos que perturbam ou estressam a testemunha.
Assim, o entrevistador poderá explorá-los para obter informações subliminares que podem
muni-lo de novas pistas.
Ao se estressarem, as pessoas geralmente massageiam o pescoço, tocam suas faces
(Fotografia 6), brincam com o cabelo, esfregam as bochechas, passam a língua nos lábios,
exalam devagar com as bochechas cheias de ar (NAVARRO; KARLINS, 2008, p. 41).
Qualquer toque na face, cabeça, no pescoço, ombro, braço, na mão (Fotografia 7) ou
perna, em resposta a um estímulo negativo, como, por exemplo, uma pergunta difícil ou
situação embaraçosa, podem ser considerados comportamentos pacificadores (NAVARRO;
KARLINS, 2008, p. 41).
Como visto anteriormente, Navarro e Karlins (2008, p. 30) consideram as ações de
tocar a face, fechar os olhos, etc., manifestações de bloqueio ou fuga.
Assim, podemos deduzir que os adaptadores com essa característica são derivados do
comportamento “flight” (Fotografia 6), e demonstram a timidez, a falta de confiança e a
ansiedade do indivíduo submetido a algum tipo de situação desagradável.
Da mesma forma, o comportamento pacificador de fechar as mãos como boxeador (a)
demonstra a contenção do cérebro, para que o indivíduo não lute ou agrida quem o está
retirando da sua zona de conforto (Fotografia 4).
Fonte: <http://www.bodylanguageproject.com>.
30
A face nos provém de três tipos de sinais: a) os estáticos (como a cor da pele,
formato do rosto, estrutura óssea, cartilagem, depósitos de gordura; tamanho,
forma e localização dos olhos, nariz, boca), b) os lentos (mudanças que
ocorrem, gradualmente, na face, com o passar do tempo, como rugas
permanentes, textura da pele e tonicidade dos músculos) e c) os rápidos
(produzidos pelos movimentos dos músculos da face, resultando em
mudanças temporárias da aparência facial, como o arqueamento das
sobrancelhas, rugas momentâneas – essas mudanças aparecem no rosto por
alguns segundos ou frações de segundo). (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 10,
11).
Calha saber que todos esses tipos de sinais podem ser modificados ou disfarçados por
escolha do indivíduo, através de tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, uso de chapéus,
óculos escuros, etc., o que poderá dificultar a identificação da expressão pelo entrevistador
(EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 11).
A leitura das microexpressões deve ser focada nas mensagens transmitidas através dos
sinais rápidos da face, que também podem ser chamados de emoções transitórias, tais como a
surpresa, o medo, a raiva, etc. (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 11).
É importante observar que, apesar de as emoções não serem transmitidas pelos sinais
estáticos e lentos, eles podem afetar sua transmissão. Por exemplo, se uma pessoa tem olhos
enrugados naturalmente, o entrevistador terá que se munir de outras características de sua
face, para tentar ler o conjunto das expressões (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 12).
Segundo Ekman e Friesen (2003, p. 12), existe diferença entre emoção e humor.
Apesar de intimamente relacionados, pois o humor também pode ser transmitido através dos
sinais rápidos da face, ele dura mais tempo que a emoção.
Exemplos de humores que podem ser percebidos pelas microexpressões faciais são a
depressão (a face mostra sinais de tristeza, medo ou uma mistura dos dois), a ansiedade (a
face mostra evidências de medo) e euforia (a face exibe sinais de felicidade e excitação)
(EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 12).
As pessoas possuem mais prática em mentir através das palavras do que da face (e
mais prática em mentir através da face do que do movimento corporal), pois é mais fácil
“falsificar” palavras do que expressões faciais (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 136).
Isso ocorre porque os indivíduos foram ensinados a falar desde que nasceram, ou seja,
falar é uma prática cultural inerente ao ser humano e suas relações sociais. Por isso, mentir
através das palavras também se torna mais confortável para o indivíduo (EKMAN; FRIESEN,
2003, p. 136).
32
A maior parte das pessoas segue as seguintes regras: a) os olhos são a parte
do rosto que melhor demonstram a emoção de uma pessoa, b) se alguém fala
que está se sentindo triste, porém não mostra isso na face, desconfie das
palavras, c) se alguém nega uma emoção, mas a demonstra na face, acredite
no que a face diz e d) há casos em que, mesmo ocorrendo incongruências
entre as palavras ditas e as expressões faciais, as palavras estão munidas da
verdade, pois as expressões podem apenas significar um consenso social. Por
exemplo, se alguém diz que está com medo de ir ao dentista, logo depois
dando um sorriso, pode-se deduzir que essa pessoa realmente está com
medo, pois o sorriso seria uma praxe cultural que ratificaria esse medo.
(EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 137).
a) regras culturais – através delas são ensinados, aos indivíduos, seus papéis
sociais;
b) regras íntimas – hábitos que são produto de idiossincrasias da vida
familiar (p. ex.: nunca bater em mulher);
c) regras profissionais – atores, políticos, vendedores, advogados, entre
outros, precisam dessa expertise em seus trabalhos; d) a necessidade do
momento – um suspeito preso, ao ser interrogado, mentirá tanto através das
palavras como da face, com o único intuito de se salvar. (EKMAN;
FRIESEN, 2003, p. 137, 138).
33
Quando uma pessoa está controlando o que está sendo mostrado em sua face,
mais esforços são realizados com a área da boca e lábios. Isso se deve,
provavelmente, por conta do papel da boca nesse contexto, qual seja, o de
falar. Mas também pode ocorrer devido ao que deveria emanar da boca em
situações de expressões emocionais incontroláveis que o indivíduo tenta
inibir, como grito (quando há raiva/medo), choro (quando há tristeza), cuspe
ou regurgitação (quando há nojo) e riso (quando há felicidade). (EKMAN;
FRIESEN, 2003, p. 145, 146).
Quanto ao tempo da expressão, não há uma medida exata e qualquer um que tentasse
padronizar essa questão, estaria sendo falacioso. Segundo Ekman e Friesen (2003, p. 150), o
tempo da expressão facial dependerá do contexto social em que a pessoa está inserida.
Em relação à localização da expressão no curso da conversa, deve haver uma
justaposição entre a expressão facial e as palavras que o indivíduo diz. Caso ele revele que se
sente com raiva, porém só demonstra essa emoção em sua face depois que o diz, tal expressão
pode parecer falsa (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 151).
Se a pessoa demonstra a raiva, através de suas expressões, sem dizer que está
com raiva, pode levar o entrevistador a pensar que o indivíduo está com dificuldade em
decidir se deve expressar verbalmente aquela raiva, e como expressá-la (EKMAN; FRIESEN,
2003, p. 151).
De acordo com Ekman e Friesen (2003, p. 151), as microexpressões faciais ocorrem
quando o indivíduo tenta neutralizar, mascarar ou mudar a intensidade de determinada
expressão facial, interrompendo uma expressão que já está em curso.
Embora a maioria das expressões faciais dure mais de um segundo, a microexpressão
facial acontece em menos de um segundo – talvez de 1/5 a 1/25 de segundo. Apesar de serem
sinais extremamente rápidos, há pessoas que conseguem visualizá-las, principalmente com
treinamento e prática (EKMAN; FRIESEN, 2003, p. 151).
De acordo com Ekman e Friesen (2003, p. 151), embora as microexpressões faciais
sejam uma fonte valiosa de informações, não se podem fazer quaisquer conclusões quando
estiverem ausentes na face do indivíduo.
Na verdade, elas incorrem no mesmo raciocínio realizado, anteriormente, sobre a
leitura corporal: ambas são instrumentos de uso paralelo às técnicas de entrevista e
interrogatório, com o objetivo de munir o entrevistador/interrogador de informações sobre
como o indivíduo pensa a respeito de determinado assunto discutido.
Assim, o entrevistador terá a capacidade de modular suas técnicas, com o objetivo de
encontrar o melhor meio para descobrir a verdade.
O conhecimento, a prática e a experiência do entrevistador serão pontos fulcrais na
avaliação de um comportamento não-verbal e em seu julgamento como sendo indicativo de
uma mentira ou não.
As técnicas de entrevista e interrogatório, munidas do auxílio da leitura corporal e
facial, são apenas instrumentos para se tentar encontrar a verdade. Elas são um dos meios para
se obterem informações na investigação criminal e atuam conjuntamente com as outras
provas, como, por exemplo, o corpo de delito.
Não obstante, ao identificar um comportamento mentiroso, caso o
entrevistador/interrogador, após o exaurimento de todos os esforços metodológicos citados até
o momento, não obtenha a verdade da testemunha ou a confissão do suspeito, deve “reduzir a
termo” (documentar) o que for dito por eles.
Destarte, estar-se-á garantindo o respeito aos princípios constitucionais e à legislação
processual penal pátria que rege o assunto.
35
O interrogador, por outro lado, deve projetar para o suspeito que não há qualquer
dúvida em sua mente sobre a culpa do suspeito. Ele deve demonstrar uma atitude de confiança
que ele irá conseguir essa verdade. Essa postura de confiança será crucial para quebrar a
resistência do suspeito mentiroso (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 27, 28).
Naturalmente, se o interrogador notar, com o decorrer do processo, que o interrogado
não é culpado, esse ar de confiança pode causar hostilidade e agressividade na pessoa que está
falando a verdade, o que alertará o interrogador a rever suas conclusões sobre o suspeito
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 28).
Gordon e Fleisher (2011, p. 28) ainda relatam que, quando o objetivo do investigador
é coletar informações, a entrevista deve ser fluida, não sendo direcionada e, de acordo com
cada caso, é flexibilizada.
Porém, nos dias de hoje, a culpa não é mais o fator universal que poderia
mover um suspeito a confessar. Com o rompimento da estrutura familiar e
mudança dos códigos sociais, um número elevado de suspeitos perdeu o
senso de culpa e, assim, a necessidade de alívio psicológico por confessá-la.
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 256).
Gordon e Fleisher (2011, p. 256) afirmam que, possivelmente, 70% dos suspeitos
tenderão a não confessar e enfrentarão a punição, enquanto apenas 30% estarão dispostos a
confessarem.
Apesar disso, o entrevistador deve focar na parte psicológica do suspeito que poderá
levá-lo a confessar, tentando reduzir o medo da punição do interrogado e aumentar o desejo
de confessar (GORDON; FLEISHER, 2011, p. 256).
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 257), a técnica de interrogatório integrado se
baseia em dez mandamentos que devem ser repetidos, diversas vezes, durante o
interrogatório:
Deve-se atentar para o fato de que, com o psicopata, que não tem culpa ou remorso, o
interrogador pode jogar com o orgulho do suspeito, dizendo quão brilhante foi o crime por ele
cometido, ou desafiar sua habilidade em ter cometido o crime pela sua pouca inteligência
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 260).
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 28):
[...] obter uma confissão de uma pessoa culpada por algum crime. O tempo
de coletar informações já se passara, portanto, não há necessidade para
questões em busca daquelas. O interrogador deve apenas procurar confirmar
a informação que ele já possui ou suspeita fortemente. Tudo que o
interrogador mais deseja é que o suspeito confirme sua pergunta, seja com
um balançar da cabeça, seja dizendo “sim”. Na verdade, fazer perguntas para
galgar informações sugere que o interrogador não tem o conhecimento
necessário para ter a certeza de que o suspeito cometeu o crime, o que
diminui as chances de sucesso do interrogador, que tem que conduzir o
interrogatório de forma que o suspeito fale apenas durante 5% do tempo total
disponível. Outra razão para o interrogador manter o controle da
verbalização é que, se o suspeito disser que não cometeu o crime, a única
possibilidade que lhe resta será insistir, até o fim, em sua defesa.
Esse modelo de entrevista tem sido utilizado pelas forças policiais de diversos países,
como Inglaterra, Gales, Nova Zelândia, mostrando-se eficaz, também, com diferentes
testemunhas, sejam crianças, adultos ou idosos (VERKAMPT; GINET, 2009; WRIGHT;
HOLLIDAY, 2006 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 22).
Além de mostrar eficiência com diferentes tipos de contextos a serem recordados
(CAMPOS; ALONSO-QUECUTY, 2008 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p.
22) e variados lapsos temporais entre os episódios a serem lembrados e a entrevista
41
banco roubado ou que se recorde do seu estado emocional anterior ao roubo do banco. Isso
facilitará a evocação de novos detalhes (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
Passados alguns anos, Fisher e Geiselman (1992 apud PAULO; ALBUQUERQUE;
BULL, 2014, p. 23) concluíram que a utilização dessas quatro técnicas não produziria,
necessariamente, um bom relato.
Tais autores perceberam que os investigadores negligenciavam, frequentemente,
procedimentos fulcrais para garantir o bem-estar psicológico e a cooperação das testemunhas,
diminuindo a qualidade das informações obtidas. Por isso, eles adicionaram ao protocolo da
Entrevista Cognitiva aspectos sociais e comunicativos, surgindo, destarte, a Entrevista
Cognitiva Melhorada (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
O primeiro procedimento agregado foi o “Rapport Building”, que consiste na
construção de um relacionamento adequado com a testemunha (PAULO; ALBUQUERQUE;
BULL, 2014, p. 23), através da provisão de um ambiente e de condições favoráveis, pelo
entrevistador, com o intuito de que ela fique à vontade e motivada para realizar o seu relato.
O estudo sobre esse tema demonstra que uma testemunha tranquila e segura é
geralmente capaz de se lembrar de mais detalhes do que uma testemunha nervosa ou
desconfortável (PAULO et al., 2013 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
Segundo Paulo, Albuquerque e Bull (2014, p. 23), o segundo aspecto adicionado foi a
“Transferência do controle da entrevista para a testemunha”, que consiste em dizer, durante a
entrevista, à testemunha, que ela é a única que está na posse da informação sobre os
acontecimentos e que se sinta à vontade para relatar.
Assim, deve ficar claro à testemunha que ela deve esforçar-se para fornecer o máximo
de informações possíveis e não apenas responder às questões do entrevistador. Também deve
ser dito a ela que, como detém completo controle sobre seu relato, pode iniciá-lo pelo
momento do crime que considerar mais pertinente. Essa instrução tem o condão de
responsabilizar a testemunha pelo seu próprio relato, otimizando seu desempenho (PAULO et
al., 2013 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
O terceiro procedimento inserido à Entrevista Cognitiva foi o “Questionamento
compatível com a testemunha”, que consiste em realizar as questões certas no momento
adequado, isto é, todas as perguntas devem ser compatíveis com o relato da testemunha e suas
estratégias de recuperação mnemônica (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
Por exemplo, caso a testemunha inicie seu relato contando como o ladrão saiu do
banco, o entrevistador não deve interrompê-la para questionar-lhe sobre como o ladrão entrou
no banco. Deve-se levar em conta que a utilização deste procedimento impossibilita que se
43
estabeleçam protocolos de entrevista padrão, pois cada entrevista terá que ser adaptada ao
discurso da testemunha (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
Finalmente, o último aspecto adicionado foi a “Visualização Mental”, semelhante à
técnica do “Restabelecimento do Contexto”. A diferença entre elas está no fato de que, em
vez de se pedir à testemunha que recrie, mentalmente, a cena do crime, sugere-se a ela que
recrie, mentalmente, detalhes mais específicos – “feche os olhos e pense na melhor imagem
que tem da roupa que o ladrão vestia” (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 23).
Segundo Paulo, Albuquerque e Bull (2014, p. 24), a Entrevista Cognitiva Melhorada é
aplicada por inúmeras forças policiais, e por outros profissionais, em todo o mundo. Apesar
disso, apenas em alguns países, como Inglaterra, Gales, Nova Zelândia, existem diretrizes
para o uso dessa entrevista.
A Inglaterra é o melhor exemplo de um país onde tal tipo de entrevista foi adaptado e
inserido nos protocolos das forças policiais como procedimento principal para a entrevista de
testemunhas (GRIFFITHS; MILNE, 2010 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p.
24).
Paulo, Albuquerque e Bull (2014, p. 24) construíram um guia, em língua portuguesa,
baseado no modelo PEACE (Planning and preparation; Engage and explain; Account;
Closure; Evaluation15), que é o protocolo usado para entrevistar testemunhas cooperantes na
Inglaterra e Gales (GRIFFITHS; MILNE, 2010 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL,
2014, p. 24).
Urge esclarecer que, apesar de, na prática, por questões de controle protocolar, sejam
geralmente aplicados todos os procedimentos da Entrevista Cognitiva Melhorada, usando uma
ordem de aplicação padronizada, o entrevistador terá a liberdade de flexibilizar esses aspectos
no contexto em que estiver inserido (PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 24/25).
Isso é imprescindível para o uso correto de qualquer entrevista investigativa (FISHER;
GEISELMAN, 1992 apud PAULO; ALBUQUERQUE; BULL, 2014, p. 25).
De acordo com Paulo, Albuquerque e Bull (2014, p. 25), embora algumas mnemônicas
da Entrevista Cognitiva Melhorada devam ser usadas em todas as entrevistas, como, por
exemplo, “Relatar Tudo”, outros aspectos poderão ser inapropriados para determinada
investigação, como a “Mudança de Perspectiva” ou a “Mudança de Ordem”.
15 Planning and preparation; Engage and explain; Account; Closure; Evaluation significa:
Planejamento e preparação; Compromisso e explicação; Narração; Encerramento; Avaliação –
tradução livre.
44
policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das
infrações penais e da sua autoria”.
Logo, é imperativa a definição de investigação policial, pois é nessa fase que ocorre a
apuração das infrações penais e de sua autoria e, consequentemente, a entrevista e o
interrogatório. Esses últimos reaparecerão apenas no final da instrução criminal durante a fase
processual.
Garanta ao réu uma entrevista prévia e reservada com o seu defensor, bem
como o seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que
lhe forem formuladas (art. 186, “caput”). O silêncio do réu não poderá ser
interpretado como confissão, nem em prejuízo de sua defesa (art. 186,
parágrafo único), apenas constituirá elemento para a formação do
convencimento do juiz (art. 198). Além disso, a confissão será divisível e
retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame
das provas em conjunto (art. 200).
48
Segundo Távora e Alencar (2013, p. 395), vez que as provas derivadas das ilícitas
devem ser excluídas, por imprestáveis que são, cabe ao magistrado dar os limites desta
contaminação, analisando, no caso concreto, a extensão do dano, que está ligado ao grau de
vínculo existente entre a prova originária e a derivada.
Se o nexo for afastado, a ilicitude também será. A reforma do Código de Processo
Penal tratou da Teoria da Prova Ilícita por Derivação, através da Lei nº 11.690/08, senão
vejamos:
Ainda segundo Távora e Alencar (2013, p. 396), com o acolhimento da referida teoria,
se a contaminação probatória for extensa, faltará verdadeira justa causa para a deflagração da
49
ação penal, de maneira que a inicial acusatória deve ser rejeitada, caso os elementos
informadores sejam contaminados pela extensão da prova ilícita, com amparo no art. 395, em
nova redação da pela Lei nº 11.719/08.
Deflagrado o processo, e faltando-lhe lastro probatório mínimo, pois o compilado está
contaminado, o remédio é o habeas corpus, com o objetivo de trancar o procedimento
iniciado (TÁVORA; ALENCAR, 2013, p. 396).
Há decisão no STJ (Superior Tribunal de Justiça), p. ex., o HC nº 22.371 – RJ, que
ordena o desentranhamento de provas ilícitas dos autos (art. 5º, LVI da Constituição Federal),
quais sejam, depoimentos de policiais cariocas, por esses serem resultantes de confissão
obtida em conversa informal com o réu, onde não foi obedecido o princípio constante do art.
5º, LXIII da Magna Carta, segundo o qual “o preso será informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”
(BRASIL, 2003, p. 05).
Segundo Gordon e Fleisher (2011, p. 252), nos Estados Unidos, existe o chamado
“Miranda Warning”, que é o aviso dado a um suspeito por um policial, de que ele tem o
direito de ficar em silêncio, quando esteja em custódia policial ou antes do interrogatório.
Esse alerta confere credibilidade ao que foi dito pelo indivíduo, bem como preserva a
prova colhida, de forma que ela possa ser utilizada contra o suspeito na seara judicial
(GORDON; FLEISHER, 2011, p. 252).
Há semelhanças entre a aplicação do “direito de permanecer calado” em ambos os
países, pois, pode-se deduzir que não é necessário que tal aviso seja manifestado aos suspeitos
antes de entrevistas, pois essas não ensejarão a perda do direito de liberdade do indivíduo. Já
no caso do interrogatório, o alerta deve ser dado ao indivíduo, visto que se trata de situação
em que tal direito encontra-se ameaçado.
Sob outro ângulo de avaliação, a decisão de nº 20050310172045APJ do TJDFT:
As decisões acima corroboram o princípio pás de nullité sans grief (não há nulidade
sem prejuízo), encontrado no art. 563 do Código de Processo Penal (BRASIL, 2015):
“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou
para a defesa”.
Também reafirmam a Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa
constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo
para o réu” (BRASIL, 1969).
Além disso, a Lei nº 9.455/97 é clara ao definir o crime de tortura:
como “que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação”
(FERRAJOLI, 2002 apud BORGES, 2010, p. 01).
A discussão doutrinária quanto à aplicabilidade dos supramencionados direitos durante
a investigação policial é acirrada.
Todo ato pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa por instigação
sua, inflija, intencionalmente, a uma pessoa, penas ou sofrimentos graves,
físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de um terceiro, informação ou
confissão, de castigá-la por um ato que tenha cometido ou se suspeite que
tenha cometido, ou de intimidar essa pessoa ou outras. (BRASIL, 2001, p.
67).
Destarte, o autor afirma que, vez que nem a ciência, nem estudiosos do tema,
conseguem resolver a dúvida se deveríamos usar a tortura para prevenir ameaças de ataque,
onde poderíamos procurar por aconselhamentos sobre o que deveríamos fazer nessa situação
(EKMAN, 2016, p. 01)?
Segundo Ekman (2016, p. 01), a melhor forma de agir seria aplicar os princípios que
nos regem: tratamento humanizado inclusive para os que são suspeitos ou criminosos do
crime de terrorismo.
Além disso, devemos estar cientes de que as sociedades sobrevivem a ataques
terroristas, pois são vulneráveis, mas não serão destruídas, a não ser que, por desespero, elas
abandonem a fundação moral em que foram construídas (EKMAN, 2016, p. 01).
Cabe observar que o investigador não é obrigado a desvendar qualquer crime a todo
custo, pois os fins não justificam os meios. Ele deve fazer tudo o que está ao seu alcance, mas
nunca passar dos limites, porque ele não vai consertar o mundo. Ninguém é super-homem. O
investigador tem que estar ciente de que não existe hierarquia entre as provas na nossa
legislação; o que existe é a livre convicção do juiz.
Caso o entrevistador extrapole a fronteira legal e principiológica que rege o
procedimento investigativo, suscitará a possibilidade do desentranhamento de provas ilícitas
ou delas decorrentes, na fase processual, prejudicando assim, todo o trabalho desenvolvido na
persecução criminal.
Além disso, ele estará sujeito às punições cabíveis em decorrência de sua conduta,
sejam penais, cíveis ou administrativas.
54
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 Participantes
3.3 Procedimentos
4 RESULTADOS
Com esse resultado, pode-se perceber que alguns Delegados fazem distinção sobre a
necessidade de participarem, obrigatoriamente, das entrevistas e dos interrogatórios,
considerando sua presença essencial apenas nos interrogatórios e deixando as entrevistas para
outros servidores da Delegacia.
No entanto, é preciso destacar que, pelas recomendações de procedimento e de
ordenamento jurídico, os Delegados devem, obrigatoriamente, estar presentes tanto durante as
60
Tipo de entrevista F F%
Cognitiva 14 48,3
Estruturada 21 72,4
Ostensiva 25 86,2
Semiestruturada 16 55,2
Mista 24 82,8
Encoberta 29 100
Fonte: Elaboração da autora (2016).
62
Comportamento F F%
Congelamento 19 82,6
Fuga 19 82,6
Luta 22 95,3
Fonte: Elaboração da autora (2016).
65
Comportamento ou emoção F F%
Imagem 1 – Nojo 21 91,3
Imagem 2– Sarcasmo 13 56,5
Imagem 3– Tristeza 20 87
Imagem 4– Congelamento (“Efeito Tartaruga”) 10 43,5
Imagem 5– Luta 1 4,3
Imagem 6– Fuga 5 21,7
Imagem 7– Felicidade 20 87
Imagem 8– Fuga 5 21,7
Imagem 9– Espelhamento 19 82,6
Imagem 10– Submissão 10 43,5
Imagem 11– Fuga 1 4,3
Imagem 12– Luta 14 60,9
Imagem 13– Sarcasmo 17 73,9
Imagem 14– Fuga 9 39,1
Imagem 15– Luta 14 60,9
Imagem 16– Fuga 4 17,4
Imagem 17– Luta 9 39,1
Imagem 18– Fuga 3 13
Fonte: Elaboração da autora (2016).
Nesse sentido, ao responderem a essa pergunta, 90% dos 27 delegados (as) (90% dos
participantes) afirmaram que o uso dessas provas é inadmissível, enquanto 2 delegados(as)
(6,7%) consideraram as provas “inválidas, mas admissíveis, devendo ser mantidas nos autos,
em obediência ao princípio da ‘busca da verdade real’”e 1 (uma) pessoa (3,3,%) não
compreendeu o conteúdo das afirmativas, mostrando desconhecimento sobre esta questão
jurídica. Esses resultados mostram que existe um bom conhecimento sobre os impedimentos
jurídicos do uso de tortura para coleta de provas durante o interrogatório.
É relevante destacar que os dois participantes que consideraram o uso de provas
obtidas, sob tortura, admissíveis são os dois participantes mais velhos da amostra, com,
respectivamente, 60 e 63 anos de idade, ou seja, os participantes com mais tempo de atuação
na polícia, com formação de nível superior em Direito. Esse resultado mostra a necessidade
de uma reciclagem sobre os aspectos legais envolvendo a condução das entrevistas e dos
interrogatórios, que deve abranger todos os servidores da polícia.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
área, como os psicólogos ou psiquiatras, não podem afirmar quando um indivíduo está
mentindo. Eles podem indicar que há sinais de que o indivíduo não possa estar falando a
verdade! Isso ocorre porque jamais algum ser-humano terá a capacidade de ter certeza do que
o outro esteja sentindo ou falando.
Assim, as técnicas de entrevista e interrogatório são meios para atingirmos
determinado objetivo, no caso, a obtenção da informação desejada. Elas podem ser
conjugadas umas com as outras; adaptadas a cada caso (algumas podem ser usadas, outras
não); a ordem de sua aplicação pode ser modificada, etc.
Urge esclarecer que, apesar de serem utilizadas apropriada e exaustivamente, em
alguns casos, as informações desejadas não serão obtidas, pelos mais variados motivos (o
suspeito não se submeter ao “rapport”, inexperiência do entrevistador/interrogador, medo do
suspeito, entre outros).
Nessas oportunidades, a melhor atitude do entrevistador/interrogador é a aceitação do
resultado obtido e a sua documentação nos autos. O entrevistador deve ter a ciência de que fez
o possível, dentro dos limites legais, para cumprir a sua função. O insucesso na obtenção da
informação necessária não justifica o desvirtuamento de suas atitudes (aplicação da tortura ou
de outros meios cruéis contra o suspeito).
Outra oportunidade de aplicação dessas técnicas ocorre durante o recrutamento de
fontes humanas para contribuição com a polícia. A arregimentação de informantes é de alta
relevância para o bom desempenho da atividade policial.
Através das técnicas de “rapport”, leitura corporal e das microexpressões faciais, o
investigador pode realizar, mais facilmente, o vínculo com uma fonte humana, bem como
pode se aperceber de possíveis mentiras ou verdades que aquela possa transmitir. Isso pode
ser determinante para o sucesso de uma investigação criminal.
Evidencia-se, portanto, a relevância dessa pesquisa para a polícia, visto que ela
fornecerá conhecimento técnico-científico internacional que proporcionará o aprimoramento
de seus profissionais.
Isso alavancará o modus operandi (modo de operação) dos investigadores paraibanos,
ao ponto de torná-los aptos a entrevistarem uma quantidade maior de pessoas, em
investigações das mais diferentes naturezas.
Objetiva-se, através de estudos futuros, a ampliação da abrangência da pesquisa para
os demais servidores da Polícia Civil, bem como sua aplicação com mais participantes do
interior do Estado da Paraíba.
74
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Penal. In: VADE MECUM Saraiva. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2015.
_______. Constituição (1988). In: VADE MECUM Saraiva. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2015.
_______. Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal. Data de Aprovação: Sessão Plenária de
03/12/1969. Fonte de Publicação: DJ de 10/12/1969, p. 5933; DJ de 11/12/1969, p. 5949; DJ
de 12/12/1969, p. 5997. Referência Legislativa: Código de Processo Penal de 1941, art. 563; e
art. 564, III, "c".
_______. Superior Tribunal de Justiça. T5 – Quinta Turma. Penal. Habeas Corpus. Roubo
circunstanciado. Legitimidade do Ministério Público para impetrar Habeas Corpus. Delação
premiada. Efetiva colaboração do corréu na apuração da verdade real. Aplicação da minorante
no patamar mínimo. Ausência de fundamentação. Constrangimento ilegal configurado.
Ordem concedida. Habeas Corpus 97509 – MG (2007/0307265-6), Relator: Ministro
Arnaldo Esteves Lima. Data de julgamento: 15/06/2010. Data de Publicação: 02/08/2010.
Documento 10276061 – Ementa, Relatório e Voto, p. 06.
_______. Superior Tribunal de Justiça. T6 – Sexta Turma. Habeas Corpus, Pedido não
examinado pelo tribunal de origem. Writ não conhecido. Prova ilícita. Confissão informal.
Ordem concedida de ofício para desentranhar dos autos os depoimentos considerados
imprestáveis. Constituição Federal. Art. 5º, incisos LVI e LXIII. Habeas Corpus nº 22.371 –
RJ (2002/--57854-0). Eduardo Oliveira da Silva e Quinta Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Paulo Galotti. Data de julgamento:
22/10/2002. Data de publicação: 31/03/2003. Documento 379340 – Inteiro teor do acórdão, p.
05.
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________________________________ _______________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável Assinatura do Voluntário-Participante
79
APÊNDICE B - Questionário
4) Estado civil:
Outro município da Paraíba. Caso deseje identificar seu município (isso pode levar à
identificação da pessoa que está respondendo o questionário, por isso, não é obrigatório):
_________________________/PB
80
Sessão 3: Contém questões sobre seu nível de conhecimento a respeito das técnicas de
entrevista e de interrogatório.
10) Você conhece as diferenças entre entrevista e interrogatório?
( ) Sim ( ) Não. Neste caso, pule para a pergunta 20.
Em caso afirmativo, responda as questões abaixo:
11) Correlacione as características da entrevista e do interrogatório da seguinte maneira:
a) Escreva 1, quando se tratar de uma característica da entrevista;
b) Escreva 2, quando se tratar de uma característica do interrogatório.
Sessão 4: Contém questões sobre seu nível de conhecimento a respeito da linguagem corporal
(incluindo microexpressões faciais).
20) Você conhece a estratégia do uso da linguagem corporal e das microexpressões faciais
durante uma entrevista ou interrogatório?
( ) Sim ( ) Não. Neste caso, pule para a pergunta 27.
21) Em sua opinião, qual a importância que a linguagem corporal (incluindo as
microexpressões faciais) do indivíduo possui durante a entrevista ou o interrogatório?
( ) Nenhuma ( ) Pouca ( ) Média ( ) Muita
22) Você utiliza a linguagem corporal (incluindo as microexpressões faciais) para auxiliar a
realização de uma entrevista ou interrogatório?
( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Raramente ( ) Nunca.
23) Enumere as afirmativas abaixo, associando os comportamentos, conhecidos como
“congelamento”, “fuga” ou “luta”, a algumas de suas características.
(1) Congelamento (2) Fuga (3) Luta
( ) Perceptível nas entrevistas quando as pessoas prendem a respiração ou a tornam mais
superficial/rápida, diminuem sua exposição física ou seguram fortemente nos braços da
cadeira.
( ) Bloquear-se ou distanciar-se da presença física de coisas ou indivíduos indesejados.
( ) Uso de argumentos fervorosos ou inconsistentes, contra-alegações, tentativa de diminuir
o status profissional do outro, sarcasmo.
83
24) Enumere as possíveis interpretações dos comportamentos nas figuras abaixo (OBS: há
interpretações de comportamentos que aparecem em mais de uma figura17).
(1) Sarcasmo (5) Espelhamento (9) Nojo
(2) Luta (6) Submissão
(3) Fuga (7) Felicidade
(4) Congelamento (“efeito tartaruga”) (8) Tristeza
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( )
26) Você acha que o treinamento em linguagem corporal e/ou microexpressões faciais da
polícia judiciária da Paraíba é satisfatório? Justifique sua resposta e, caso entenda que precisa
de melhorias, descreva-as.
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________