Deficiência Psicossocial - Do Conceito Ao Diagnóstico

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Deficiência psicossocial: do conceito ao


diagnóstico

Antonio Luiz da Silva Rodrigo Souza da Silva


Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD Deficiência - FUNAD

Ana Maria Andrade de Meneses Karla Alves Carlos


Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD Deficiência - FUNAD

Meire Glaucia Medeiros Ferreira Tarcísio Almeida Menezes


Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD Deficiência - FUNAD

Neide Maria de Oliveira da Silva Heloisa de Freitas Pacífico


Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD Deficiência - FUNAD

Patrícia Simplício da Silva


Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de
Deficiência - FUNAD

'10.37885/220508776
RESUMO

Objetivo: Este trabalho objetiva discutir o conceito de Deficiência Psicossocial (DP) e apre-
sentar critérios para a avaliação e diagnóstico de pessoas pertencentes a esse quadro.
Método: Trata-se de um escrito de abordagem dedutiva, alicerçado pela revisão de literatura,
que se classifica como um ensaio teórico. Resultado: Através do caminho metodológico
percorrido foi possível sinalizar critérios para a avaliação e diagnóstico de casos de DP.
Conclusão: Com esse escrito viu-se que a discussão da DP necessita de protocolos para
uma maior segurança diagnóstica, principalmente, na esfera de atenção à política pública,
sendo os critérios apresentados neste escrito elementos relevantes para o estabelecimento
dessa deficiência, caminho chave na garantia de direitos.

Palavras-chave: Pessoa com Deficiência, Transtorno Mental, Deficiência Psicosso-


cial, Diagnóstico.
INTRODUÇÃO

A preocupação contemporânea com a pessoa com deficiência tende a se ancorar em


diferentes racionalidades, pressupondo explicações de disciplinas das mais diversas áreas,
tais como filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, política, história, letras, direito, entre
outras. As contribuições, embora não prescindam da visão ainda dominante, estão para
além da lógica saúde/doença. Imagine-se, por exemplo, o que tem ensinado a estatísti-
ca. De acordo com Storniolo et al (2011, p. 377): “A Organização Mundial de Saúde (OMS)
estima que 10% da população de qualquer país, em tempo de paz, é portadora de algum tipo
de deficiência (intelectual, física, auditiva ou visual) [...]”. No Brasil, os dados oficiais indicam,
com base na contagem do IBGE de 2010, que 23,9% da população nacional encontram-se
convivendo com alguma deficiência (FREDERICO e LAPLANE 2020).
Está claro que muitas são as maneiras de compreensão e aproximação à deficiência.
Como destacaram Sampaio e Ferreira (2019, p. 25678): “A forma como uma determinada
sociedade entende a deficiência interfere definitivamente no modo (como) as pessoas com
deficiência são tratadas”. E, de fato, ao longo da história humana, pessoas com deficiências
vêm sendo entendidas das mais variadas formas, tendo sido colocadas nos mais variados
lugares da convivência social. Para Garghetti, Medeiros e Nuernberg (2013, p. 102): “A his-
tória registra diferentes formas de ver a pessoa com deficiência passando pelo misticismo,
abandono, extermínio, caridade, segregação, exclusão, integração e, atualmente, o processo
de inclusão”. Seguindo outra lógica, Sampaio e Ferreira (2019) mapearam a deficiência na
história mostrando-a em três momentos de interpretação, os quais sendo: místico/caritativo,
médico e social. Olhando para a história, Bisol, Pegorini e Valentini (2017) mostraram que
é possível enxergar e pensar a deficiência a partir de diferentes modelos, entre os quais, os
modelos médicos, o modelo social e o pós-social.
Outra forma de capturar o olhar sobre a pessoa com deficiência na história encontra-se
escondida no uso sutil ou grosseiro das palavras. Ana Cristina Bastos (2015, p. 110-11),
em seu levantamento acerca das expressões que já foram usadas para designar a pessoa
com deficiência, encontrou as seguintes expressões: inválido, incapacitados, indivíduos com
capacidade residual, defeituosos, deficientes, excepcionais, pessoas deficientes, pessoas
portadoras de deficiências, portador de necessidades especiais, pessoas com necessidades
especiais, pessoas especiais, dentre outras. Em seu texto Hellosman Silva (2014) também
destaca que tanto os avanços e conquistas no campo do direito quanto a percepção social
a respeito da pessoa com deficiência podem ser observada pelo uso das palavras. Em sua
visão, foram usados “Desde termos que carregavam um forte peso de exclusão social e
de inferiorização, tais como “inválido”, “ceguinho”, “mudinho” e “aleijados”, até os eufemis-
mos que mascaravam a discriminação. [...] “pessoas portadoras de necessidade especial”,

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“pessoa especial” e “pessoa incapaz”” (SILVA, 2014, p. 57). Cabe, portanto, frisar que por
trás das palavras encontram-se sempre lógicas explicativas, percepções sociais, domínios
conceituais e políticos, o que pode, inclusive, desaguar em possíveis usos abusivos.
Vale destacar que, no presente, a demanda da pessoa com deficiência, como todas
as demandas de grupos minoritários, tem sido um apelo histórico, fortemente marcado pela
participação dos movimentos ‘de’ e ‘para’ pessoas com deficiência, bem ao estilo do “nada
para nós sem nós” (SASSAKI, 2007), sendo assim tanto no mundo quanto no plano nacional.
Apesar de ainda não responder plenamente a todas as necessidades, é importante
compreender que a política pública de/para pessoa com deficiência no Brasil tem levado o
Estado a criar e/ou habilitar serviços e espaços capacitados para atender a essa popula-
ção. Seguindo a lógica preconizada pelo Decreto 7.612 que elaborou O Plano Viver Sem
Limites (BRASIL, 2011), pela Portaria GM 793 e pela Portaria GM 835 (BRASIL, 2012), pela
criação dos Instrutivos de Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual e Visual, e ainda pela lei
13.146, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto
da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), esses espaços acabaram sendo denominados
de Centros Especializados de Reabilitação (CER), já com instrutivos próprios revisados
posteriormente (BRASIL, 2020).
Dentro da política da pessoa com deficiência, os CERs têm sido organizados tanto por
Governos Municipais, com financiamento próprio ou federal, quanto por Governos Estaduais.
Além disso, o Governo Federal, visando ampliar a oferta desses serviços, também tem permi-
tido e credenciado Organizações Não Governamentais (ONGs), transformando-as em CERs.
Mas, hoje, quem é a pessoa com deficiência? Ela continua existindo, não há como
negá-la e nem é possível escondê-la mais, como foi feito em algum momento da história
humana. Sua existência na sociedade pode ser vista como discrepância, destoância, de-
sadaptação, como incômodo perceptível na convivência diária, como objeto de discrimi-
nação e preconceito, como diferença, como manifestação da pluralidade e da diversidade
humana. A pessoa com deficiência existe e sua disfuncionalidade é também resultado de
impedimentos diversos, sejam estes fisiológicos, orgânicos, físicos, arquitetônicos, sociais,
atitudinais, dentre outros.
A literatura especializada e também a legislação nacional e internacional tipificaram a
deficiência em 05 grupos distintos, considerando perdas e disfuncionalidades em domínios
físicos, auditivos, visuais, intelectuais e mentais. Este ensaio, apoiado na literatura e nas
contribuições e discussões trazidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), especial-
mente na Conferência Internacional da Pessoa com Deficiência, toma para discussão a de-
ficiência mental ou psicossocial (DP). Sabe-se que esta tem sido a última categoria incluída
na catalogação mundial de pessoa com deficiência. Entende-se que a ONU desempenha

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papel preponderante na promoção de pautas humanas, influenciando políticas públicas,
ações governamentais e não governamentais ao redor do mundo, mesmo não tendo po-
der jurídico/legal de imposição aos Estados particulares. Compreende-se que o Brasil tem
seguido a ONU em suas deliberações, e que não tem sido diferente no que diz respeito à
pauta da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2008).

MÉTODO

Tomando como tema a Deficiência Psicossocial, o presente trabalho caracteriza-se


como ensaio teórico, cuja metodologia encontra-se ancorada na revisão da literatura. A funda-
mentação inicial parte de um processo de reflexão coletiva, com base em diversos escritos li-
terários revisitados, tanto da literatura nacional e internacional, quanto dos marcos legislativos
contemporâneos no que se refere à compreensão geral e à garantia de direitos das pessoas
com deficiência, com atenção particular ao atual momento das políticas públicas no Brasil,
voltadas a esse segmento. Compreendendo a DP como categoria nova na discussão sobre
os tipos de deficiências possíveis ao ser humano, objetiva-se que das abstrações iniciais mais
genéricas se encaminhe o processo construtivo para delineamentos mais particulares, tanto
em relação ao domínio do conceito quanto à proposição de critérios para o diagnóstico de
DP. Inicia-se fazendo uma discussão acerca da definição legal de pessoas com deficiência,
trazendo elementos teóricos capazes de apontar características esperadas na pessoa com
DP. Chama-se a atenção para o aparecimento da DP na história do movimento das pessoas
com deficiência, apontando elementos de sua possível etiologia. Discutem-se conteúdo da
estatística e da prevalência da mesma, e, como esforço reflexivo coletivo subsidiado pelo
aporte teórico levantado, indicam-se critérios para o estabelecimento desse diagnóstico.
Reconhece-se finalmente que esse tema, dada à escassez de material temático, necessita
tanto de aprofundamento teórico/científico quando da criação de protocolo específico para
diagnóstico dessa deficiência.

DEFINIÇÃO LEGAL DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Quem é a pessoa com deficiência hoje? Como a legislação a compreende? Deve-se


estar claro que deficiência é uma realidade concreta, presente na vida humana, romantize-a
como ideal de superação, entenda-a como limitação insuperável, como sofrimento, como
castigo, como invalidez ou a veja como elemento de reivindicação de política pública. A de-
ficiência existe. Conforme Clemente (2015, p. 140): “Neste novo milênio, as pessoas com
deficiência representam 15% da população mundial, ou seja, mais de 01 bilhão de pessoas,
dessas 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis”.

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Desde o ano de 2008, por meio do Decreto Legislativo 186, que aprovou o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, o Brasil passou a considerar a pessoa
com deficiência como ali estava preconizado. É correto pensar que as legislações posteriores
não desabonaram o ideário desde lá estabelecido.
A deficiência não é considerada apenas numa limitação funcional qualquer, mas numa
limitação com características específicas, com marcos que precisam seguir critérios. É neces-
sário ter em mente que a deficiência é um diagnóstico importante com implicações concretas
para a vida do sujeito, para sua família e para a sua participação na comunidade.
Por essa razão o conceito de deficiência precisa ser compreendido de modo ampliado e
inequívoco. Deve-se ficar claro e estabelecido de partida que nem toda limitação é deficiência.
Em sintonia com o pensamento mundial, visando dirimir possíveis dúvidas e dar orienta-
ção legal, tendo por base a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
da ONU, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (Lei 13.146), estabelece que só é:

“[...] pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).

Primeiro, nessa definição chama atenção o fato inequívoco de que antes de tudo, antes
de qualquer prejuízo, vem à pessoa humana. Existe um ser humano, um sujeito em contexto
que convive com uma deficiência. Segundo, entenda-se que há ao redor da pessoa com
deficiência uma noção de impedimento, que se destaca como barreira à sua funcionalidade
usual. Assim, a noção de deficiência para ser considerada válida, obrigatoriamente, tem de
compreender prejuízos funcionais, devendo apresentar alterações para a vida da pessoa.
Aliás, se as alterações forem apenas de naturezas estéticas, por exemplo, elas não costu-
mam trazer prejuízos funcionais e por isso não se enquadram no rol das deficiências.
Terceiro, é fundamental observar as diferentes tipificações de deficiências trazidas pela
legislação. As tipificações dizem da natureza da limitação. A LBI entende que as limitações,
prejuízos, ou disfuncionalidades podem ter características diversas. Elas podem ser de na-
tureza física e considera as diferentes alterações funcionais que ela pode oferecer para a
vida do sujeito. Podem ser de caráter mental, que é aquela sequela deixada por transtorno
psiquiátrico, não importando qual o transtorno, mas sim o comprometimento cognitivo e
funcional relacionado ao transtorno. Podem ter natureza intelectual, trazendo impedimento
de natureza cognitiva e adaptativa para a vida do indivíduo. Podem apresentar alterações
de natureza sensorial, prejudicando o funcionamento de determinados segmentos corporais
como a capacidade de ouvir ou de enxergar e de se locomover.

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Chama-se ainda a atenção para o fato inegável de que toda deficiência, embora em
interação com diversos elementos da vida real, apresenta-se no corpo concreto de um ser
humano. Aliás, como bem lembrado por Costa (2013, p. 7): “A Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde define as deficiências como problemas nas funções
ou na estrutura do corpo, como um desvio importante ou uma perda. Destaca que as funções
psicológicas estão incluídas nas funções do corpo humano”. Então, é correto pensar que as
funções físicas, intelectuais, mentais/psicológicas ou sensoriais encontram-se prejudicadas
no corpo da pessoa.

DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL: ASPECTOS CONCEITUAIS

Como visto acima, com a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência (BRASIL, 2008) e especialmente com a LBI, Lei 13.146 (BRASIL, 2015), o
país reconhece que a deficiência pode ser de natureza física, mental, intelectual ou senso-
rial. O impedimento de natureza física está relativamente claro na compreensão usual, na
avaliação especializada e inclusive na aplicação da lei. O prejuízo de natureza intelectual,
anteriormente nomeado de retardo mental, também se encontra melhor discutido e docu-
mentado, com critérios bem estabelecidos na literatura nacional e internacional. O com-
prometimento de natureza sensorial se explica de modo inequívoco nas perdas variadas
relativas à visão e nas limitações diversas no campo auditivo. O que dizer da sequela de
natureza mental?
Deve-se dizer que a limitação de natureza psicossocial – DP – tem sido a última subdi-
visão no campo das deficiências, mesmo que não venha a ser para sempre a última. E em-
bora sempre tenham existido concretamente barreiras adaptativas para a inserção social
das pessoas que vivem com sequelas deixadas por transtornos psiquiátricos, a “deficiência
psicossocial”, como expressão para definir deficiência, somente tomou forma a partir da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, encabeçada pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, em 2006, que foi ratificada no Brasil em
2008. Contudo, apesar de presente na legislação nacional desde então (BRASIL, 2008), o
direito da pessoa com DP ainda precisa de regulamentação. E mesmo já tendo recebido
parecer favorável da Comissão de Seguridade Social e Família em 14 de setembro de 2017,
como informam Abreu, Vilardo e Ferreira (2019, p. 192-193):

“Está em andamento no Congresso o Projeto de Lei nº 5.907/2016 que altera a


Lei nº 10.216/2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtorno mental e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental […]. O Projeto de Lei apresentado à
Câmara dos Deputados acrescenta dispositivos à referida lei, entre eles, o
parágrafo único ao art. 1º pelo qual estabelece que a pessoa com transtorno
mental é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”.

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É claro que o entendimento ali estabelecido considera apenas as pessoas com trans-
tornos mentais graves, público hoje assistido pela Política de Saúde Mental Nacional. No en-
tanto, se o entendimento acima prevalecer, ele pode ser problemático, porque parece definir
Transtorno Mental e Deficiência Psicossocial- DP, como a mesma coisa. Ressalta-se que
não tem sido esse o entendimento da literatura sobre o tema.
Discutindo essa temática, reconhece Costa (2013, p. 09):

O transtorno mental severo compromete a capacidade de seu portador de


interagir com a família e com a sociedade. Trata-se de uma restrição crônica
que possui, entretanto, tratamentos capazes de oferecer um bom controle da
sintomatologia. Deste modo a pessoa é capaz de retomar sua rotina.

Ver-se assim que a literatura tem entendido que nem todo Transtorno Mental desen-
volve Deficiência Psicossocial.
De qualquer modo, ao que tudo indica, não apenas a legislação regulamentar caminha
vagarosamente. A mesma lentidão pode ser observada nas discussões e na difusão de um
entendimento seguro a respeito do que seja a DP. Aliás, tomando como exemplo a América
Latina, após mais de uma década da referida convenção, olhando especificamente para a
situação da Colômbia, Arena e Melo-Trujillo (2021), concluíram que há um amplo desconhe-
cimento tanto de profissionais quanto de estudantes universitários a respeito desse tema
nas ciências humanas, sociais e da saúde. E mesmo que não se tenha conhecimento de
pesquisas semelhantes sendo suficientemente replicadas, se isto acontecesse seria possível
compreender que esta é uma situação generalizada e ampliada para outros países e con-
tinentes. Por essa razão, a conceituação da DP precisa de melhor entendimento, de mais
discussão até que ganhe corpo nos espaços de avaliação, reabilitação, encaminhamentos
e operação no campo dos direitos.
Mas o que é mesmo a DP? Daquilo que se depreende do texto de Abreu, Vilardo e
Ferreira (2019, p.193):

O termo deficiência psicossocial refere-se à classificação de um problema


nas funções mentais de um indivíduo, que podem ser uma ou mais limitações
das capacidades de consciência, aprendizado, interação social, temperamen-
to, energia e impulso, estabelecimento de vínculos, personalidade, atenção,
memória, concentração, linguagem, percepção, conforme a classificação das
funções mentais pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapa-
cidade e Saúde (CIF).

Do que se pode colher da informação trazida pelos autores acima, está em tela um
conjunto de funções mentais em prejuízos no convívio social, limitando o desempenho e a
participação plena de um indivíduo tanto em sua vida doméstica quanto em sua comunidade.
A deficiência psicossocial é para Arena e Melo-Trujillo (2021, p. 71):

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“[...] um tipo de deficiência que se insere entre o mental e o social e que só na
última década tem sido reconhecida como tal, sendo precisamente na Conven-
ção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência onde, como instrumento
legal, se estabelece a distinção entre deficiência intelectual e mental [...]”.

Como todas as demais deficiências, a DP sofre todos os prejuízos e as discriminações,


podendo ser um pouco mais afetada, o que ocasiona desde cerceamento até alijamento do
convívio social.
De acordo com Maria Júlia Vaz (2018, p. 13): “A deficiência psicossocial é uma sequela
em razão de algum transtorno ou sofrimento mental, cujo quadro psiquiátrico já se encontra
estabilizado”. Deve-se ficar claro, como bem mostrou Redondo (2020, s/p): “Diferente de
transtorno mental, as deficiências psicossociais são quando quadros psiquiátricos já estabi-
lizados, acarretam limitações e prejuízos das funções mentais do indivíduo de forma perma-
nente”. Nas palavras da citada autora: “Assim, nem todo transtorno mental é uma deficiência
psicossocial. Mas sim, aquele em que se identificam sequelas permanentes” (REDONDO,
2020, s/p). Portanto, é a sequela que define a deficiência e não o transtorno em si.
Para Vaz (2018, p. 13): “Os transtornos mentais mais comuns são esquizofrenia, pa-
ranóia, mania, síndrome do pânico, depressão, transtorno bipolar e transtorno obsessivo/
compulsivo. Pessoas com estes transtornos apresentam perda intelectual que pode com-
prometer sua capacidade e desempenho para certas atividades”. Na mesma direção segue
a compreensão de Abreu (2019, p. 25): “Os transtornos mentais graves podem influenciar
na funcionalidade psíquica e social, caracterizando a deficiência psicossocial, caso persis-
tam as limitações funcionais após tratamento médico”. Nesse sentido, é importante deixar
claro que só se deve avaliar DP após tratamento, observando-se a entrada do transtorno
em quadro remissivo.

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL NO MOVIMENTO DAS


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O movimento de luta da pessoa com deficiência e da pessoa com transtorno mental,


mesmo que em algum momento eventual já tenha se aproximado na história (COSTA, 2013),
é bem provável que tenham se desenvolvido juridicamente por caminhos paralelos. Foi so-
mente no ano de 2006 na Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência
que ambos os movimentos solidificaram a possibilidade de diálogo, dando origem àquilo que,
muito acertadamente, Romeu Sassaki (2010) chamou de “nova categoria de deficiência”.
Naquela conferência, como observaram Severo, Maralgues e Fernandes (2017, p.
02), “Pela primeira vez na história dos direitos humanos, pessoas do campo da saúde
mental e pessoas do campo das deficiências trabalharam em torno do mesmo objetivo [...],

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reconhecendo que a sequela de um transtorno mental constitui uma categoria de deficiência
[...]”. E foi exatamente por isso, na opinião das autoras, que aquelas pessoas colocaram a
deficiência psicossocial junto das tradicionais deficiências física, intelectual, auditiva e visual.
Para Sassaki (2010, s/p):

“A inserção do tema “deficiência psicossocial” representa uma histórica vitória


da luta de pessoas com deficiência psicossocial, familiares, amigos, usuários
e trabalhadores da saúde mental, provedores de serviços de reabilitação física
ou profissional, pesquisadores, ativistas do movimento de vida independente
e demais pessoas em várias partes do mundo”.

Trata-se, portanto, de uma experiência nova para o segmento da pessoa com defi-
ciência e também nova para o movimento de pessoas com sofrimento psiquiátrico. Talvez
por essa razão, ainda não esteja sob domínio amplo das demais categorias de deficiência.
Parece haver certa urgência na implementação e condução desse debate:

“O reconhecimento da pessoa com transtorno mental como pessoa com de-


ficiência impõe-se como forma de dar eficácia à Convenção Internacional da
ONU recentemente incorporada ao nosso sistema jurídico. Segundo o preceito
expresso em seu preâmbulo, seu objetivo é “corrigir as profundas desvanta-
gens sociais das pessoas com deficiência e promover sua participação na
vida econômica, social e cultural em igualdade de oportunidades” (COSTA,
2013, p. 14-15).

Está claro que tanto o segmento da pessoa com deficiência tradicional quanto o mo-
vimento de saúde mental, ambos são formados por grupos discriminados, marcados pelo
estigma social e pela cruel história de exclusão, o reconhecimento dessa situação constitui
sim questão de justiça social (COSTA, 2013).

ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL

De onde vem à deficiência psicossocial? Como se origina? A primeira observação a


ser mencionada é que se entende que toda deficiência psicossocial é produzida a partir de
um transtorno mental. Uma das possíveis origens da deficiência psicossocial está no fun-
cionamento das estruturas adoecidas da mente. Na DP pode-se entender que a mente está
suscetível a sofrer disfuncionalidade nas relações sociais.
Contudo, antes de continuar, faz-se aqui necessário dizer que é bom não confundir a
deficiência psicossocial com o próprio transtorno mental. Tem sido esse o entendimento dos
autores que estão problematizando esse campo. E apesar de estarem ligadas, uma coisa
não deságua na outra, necessária e obrigatoriamente. É evidente que existem vários tipos
de transtornos mentais; de fato, uns são mais graves, mais difíceis de serem tratados; já

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outros são de controle relativamente mais manejável, não havendo necessidade de retirar o
sujeito do mercado de trabalho mesmo na fase mais aguda, por exemplo. Como parâmetro,
pode-se citar os seguintes transtornos mentais: mania, esquizofrenia, psicose, transtorno
esquizoafetivo, depressão, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, paranoia,
transtorno de ansiedade. Alguns desses transtornos são bastante limitantes na fase aguda.
Mas não trazem limitações funcionais quando o sujeito segue bom tratamento.
Por essa razão, como bem indica Sassaki (2010), os termos deficiência psicossocial
e transtorno mental não estão indicando a mesma coisa. É verdade, no entanto, que toda
pessoa com deficiência psicossocial tem transtorno mental, mesmo quando seu quadro clí-
nico se encontra estabilizado ou em remissão. Porém, nem todo transtorno mental produz,
de partida, uma deficiência psicossocial. Quando se pensa em deficiência psicossocial, não
é possível enquadrar todas as pessoas que tiveram ou têm doenças mentais. Nas palavras
de Sassaki (2010, s/p): “Trata-se, isto sim, de “pessoa com sequela de transtorno mental”,
uma pessoa cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou”.
A deficiência psicossocial é uma sequela, uma disfuncionalidade, um prejuízo que traz
consequência funcional para vida da pessoa acometida.
Além das perturbações deixadas por transtornos mentais como causas originárias
para essa conceituação, outra observação importante sobre a proveniência da deficiência
psicossocial pode ser extraída da orientação oferecida pelo Ministério do Trabalho (BRASIL,
2018). Para o referido órgão, podem ser enquadrados na citada rubrica, especialmente
para o cumprimento da lei de cota, além das advindas dos transtornos mentais graves,
pessoas pertencentes ao quadro do Transtorno do Espectro Autista, pessoas acometidas
por síndromes epilépticas refratárias, e indivíduos sequelados por déficits cognitivos leves
após os 18 anos.
Talvez aqui o conceito mais difícil de definição e compreensão seja o de remissão.
Quando se pode pensar que um quadro psiquiátrico entrou em remissão? É possível to-
mar-se como parâmetro aquilo que já é praticado para outras doenças? Quando se pode
entender que o transtorno foi suficientemente tratado e o que restou é a sequela? É possível
pensar que o sujeito com transtorno mental nunca mais vai entrar em surto, por exemplo?
Talvez não se tenha resposta para estas questões. Mas, sim, é possível observar quando
a funcionalidade ficou prejudicada.

ESTATÍSTICA E PREVALÊNCIA DA DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL

É possível realizar uma catalogação segura da deficiência psicossocial hoje? Certamente


ainda não é possível ter claro quantas pessoas pertencem a esse grupo. Pode-se dizer que
a maior parte do mundo não tem por hábito produzir essa estatística. Contudo, uma solução

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aproximativa é desenvolver uma estimativa técnica para esse grupo de pessoas que são
acometidas de algum sofrimento mental.
Deve-se dizer que quando se volta para a análise dos transtornos, como mostrado por
Lopes (2020, p. 01): “Estima-se que 30% dos adultos em todo o mundo atendam aos crité-
rios de diagnóstico para qualquer transtorno mental, e cerca de 80% daqueles que sofrem
com transtornos mentais vivem em países de baixa e média renda”. Portanto, o sofrimento
mental é uma realidade que está posta. As causas, provavelmente, são as mais diversas
possíveis. Do dado acima pode-se pensar que no mundo todo existem pessoas vivendo com
transtorno mental, embora o maior percentual esteja nos países mais empobrecidos, não
significa que não exista sofrimento mental no mundo dos mais aquinhoados. Além disso, se
30% da população mundial tem alguma forma de transtorno mental, quanto dessa população
também tem deficiência psicossocial?
De modo particular, afunilando a análise para o universo nacional, conforme Romeu
Sassaki (2010, s/p):

“No Brasil, são 03 milhões de pessoas com transtornos mentais graves (es-
quizofrenia e transtorno bipolar), mas considerando os tipos menos severos
(depressão, ansiedade e transtorno de ajustamento), cerca de 23 milhões de
pessoas necessitam de algum tipo de atendimento em saúde mental”.

Com base nos dados acima, pode-se pensar que a estatística nacional aponta para
uma população com um pouco mais de 200 milhões de seres humanos, vê-se que o percen-
tual adoecido mentalmente, mesmo que no nível leve, é bem alto e entende-se que muitas
perturbações estão ocorrendo a todo instante no convívio social. E, embora no nível grave
o número seja menor, isso não deixa de ser preocupante.
Olhando do ponto de vista econômico mundial, como bem lembrado por Rocha, Hara,
Paprock (2015, p. 592): “Estimam-se perdas acumuladas de cerca de US$ 47 trilhões en-
volvendo as doenças mentais, cardiovasculares, respiratórias crônicas, câncer e diabetes
mellitus, o que representava aproximadamente 75% do PIB global em 2010. As doenças
mentais são responsáveis pelo maior percentual dessas perdas”. É bem verdade que os
autores acima não traduzem os prejuízos trazidos pelos transtornos mentais em números,
mas não parecem exagerar, quando chamam a atenção do leitor.
Para completar a linha argumentativa, outro dado impressionante, também trazido pelos
autores acima citados, diz respeito ao investimento no que tange ao tratamento. “O custo
global estimado das doenças mentais em 2010 e em 2030 representou e representará US$
2,5 trilhões e US$ 6 trilhões, respectivamente” (ROCHA; HARA; PAPROCK, 2015, p. 592).

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Do que se percebe dos autores desse campo, especialmente dos acima citados, os
dados oferecidos são bastante expressivos e seus impactos políticos, culturais, sociais,
econômicos, familiares, não devem ser desacreditados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Partindo-se do que acima foi discutido, entende-se como passo importante estabelecer
critérios seguros para que o(a) avaliador(a) encaminhe-se para uma compreensão clínica
segura acerca do diagnóstico de pessoa com DP.
Recorde-se que para a LBI (BRASIL, 2015) em seu 1º parágrafo, no segundo Artigo a
avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe mul-
tiprofissional e interdisciplinar. É importante que não seja feita por um único profissional. A lei
também reza que a avaliação deve considerar os critérios seguintes: I - os impedimentos nas
funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação.
Como observado anteriormente, existem diferentes transtornos mentais, os quais po-
dem apresentar gravidades variadas na crise e prejuízos funcionais os mais diversos na fase
remissiva. Considerando que DP se origina de um transtorno mental grave, mas que nem
todo transtorno mental desenvolve sequelas disfuncionais, entende-se que alguns critérios
são necessários para que o usuário possa ser avaliado, diagnosticado, para assim acessar
direitos da pessoa com deficiência.

1. Tenha-se sempre em consideração que a deficiência psicossocial é uma sequela


importante oriunda de um transtorno mental grave.
2. A sequela compatível com DP, mesmo oriunda de transtorno mental precoce, só
pode ser avaliada em indivíduos depois de 18 anos de idade.
3. Por isso, para se pleitear avaliação de sequelas compatível com DP, o sujeito pre-
cisa ter diagnóstico pregresso de profissional ou instituição competente, indicando
que ele tem ou teve ao longo de sua vida um importante transtorno mental.
4. Em face do diagnóstico de transtorno pregresso, depois de cuidadosa observação,
cabe aos(às) avaliadores(as) decidir se devem ou não aceitar os pareceres trazi-
dos, se devem solicitar outra avaliação, porque, dependendo da validade ou da
validação profissional é aquele CID que constará no laudo que será tomado como
válido para o diagnóstico de DP.
5. Se não há problema claro de partida, podem ser aceitos para iniciar a avaliação, os
diagnósticos/encaminhamentos assinados por especialistas de áreas não filiadas
à saúde mental. Nesses casos, deverão ser revistos todos os CID emitidos, obser-

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vando sua adequação ao pleito avaliativo.
6. Para pleitear avaliação de pessoa com DP, ter transtorno diagnosticado pregressa-
mente e CID são importantes, mas não será o transtorno que será levado em conta.
Ressalta-se que o que importa é a sequela deixada, é o prejuízo funcional e esta
precisa ser diagnosticada/descrita.
7. Enfatiza-se que nem toda sequela deixada por transtorno mental é compatível e
enquadrável nos critérios necessários para a DP. Como por exemplo, dois sujeitos
podem ter recebido diagnósticos de CID 10 F 20, emitidos por instituições ou pro-
fissionais competentes. Pode ser que um deles tenha funcionalidade prejudicada e
o outro, após o quadro entrar em remissão, siga sua vida sem perdas importantes.
8. Como a DP é sequela, e representa perda na funcionalidade, ela pode ser avalia-
da, preferencialmente, em indivíduos que fizeram longos períodos de tratamento
para transtornos mentais, que se encontram em quadros estáveis, com o transtorno
controlado e em remissão. Isso não quer dizer que o quadro clínico do avaliado
nunca mais volte à situação de sofrimento agudo, mas quer dizer que no momento
da avaliação o sujeito não deve encontrar-se em surto, por exemplo.
9. Entende-se que o usuário que possa vir pleitear avaliação de pessoa com DP deve
ser ou ter sido oriundo dos serviços de atenção psicossocial, de acompanhamento
clínico especializado, tanto de serviços públicos quanto de serviços particulares.
10. Serão utilizados critérios avaliativos, observando-se prejuízos funcionais em domí-
nios sociais, conceituais e práticos.
11. Serão aplicados critérios das Habilidades Adaptativas para que a funcionalidade
prejudicada seja observada de modo criterioso.
12. Dentro das Habilidades Adaptativas, serão consideradas disfuncionalidades nos
seguintes seguimentos: Comunicação (verbal, não verbal, escrita, interpretação,
etc); Autocuidado/Cuidados pessoais (higiene pessoal, cuidado com o corpo, as-
seio diário); Vida doméstica (cuidado com a casa, compra e preparo de alimentos,
etc); Habilidades sociais e Interpessoais (relações fora do ambiente doméstico,
namoro, amizade, contatos ordinários, etc); Utilização de recursos da comunida-
de (ser capaz de buscar serviços presentes em sua comunidade, capacidade de
participar da vida comunitária, associações comunitárias etc); Autossuficiência/Au-
tonomia (capacidade de resolver questões do dia-a-dia de modo autônomo); Ha-
bilidades acadêmicas (aprendizagem escolar, participação em curso, educação);
Trabalho (exercício profissional); Lazer (ludicidade, divertimento, participação em
festas etc); Saúde (cuidado com a saúde, capacidade para seguir um receituário
médico, possibilidade de reconhecer seu próprio estado de saúde, de buscar so-

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corro médico, etc); Segurança (Ser capaz de reconhecer quando o perigo é real
ou quando é suposto sem fundamento, capacidade de não se expor ao perigo, ao
contágio de doenças infectos contagiosas, etc).
13. Para ser considerada pessoa com DP, faz-se necessário cumprir os seguintes cri-
térios combinados:
• I – Haver sido diagnosticado com CID compatível com transtorno mental pregres-
so;
• II – Encontrar-se fora de crises e em quadro estável e remissivo;
• III – Apresentar prejuízo em pelo menos duas ou mais áreas das habilidades adap-
tativas;
• lV – O avaliando precisa ter mais de 18 anos.

14. Como situação excepcional, caso o avaliando não tenha diagnóstico pregresso,
sendo maior de 18 anos, os avaliadores deverão solicitar e/ou investigar diagnósti-
co do transtorno correspondente.
15. Sugere-se de bom alvitre a utilização WHODAS (OMS, 2015) para o estabeleci-
mento do grau de severidade da DP, indicando-se se é leve, moderado ou severo.
Os critérios elencados acima norteiam parâmetros que podem ser considerados no
momento de avaliação diagnóstica da DP. A avaliação deve levar em consideração os cri-
térios levantados, mas não pode esquecer a complexidade que é avaliar as consequências
geradas pelo desencadeamento dos transtornos mentais durante a vida. Deve ter em mente
também a ainda escassez de instrumentos específicos propostos na literatura. Contudo, com
base na revisão bibliográfica entende-se ser possível apontar critérios diagnósticos para a
avaliação e diagnóstico de pessoa com DP.

CONCLUSÃO

Está claro que ao se percorrer a história, antes de se chegar ao momento atual, a


pessoa com deficiência já foi objeto da eliminação do convívio humano, da ocultação fa-
miliar, da negação sistemática de suas capacidades, da exclusão política e existencial, da
segregação social, dentre outros. Embora não seja possível dizer em que medida essas
situações foram superadas, hoje se pode pensar que a pessoa com deficiência é, também,
ente de proteção constitucional, ser humano com potencialidades, elemento de promoção
e sujeito central da inclusão social. É nessa ambiência política, jurídica e teórica que este
trabalho se destinou a pensar a pessoa com DP, indo do seu conceito até a indicação de
elementos para o diagnóstico.

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É usual que qualquer escrito encerre em si objetivos pretensos, os quais podem ser
confirmados ou simplesmente refutados ao final do trabalho. Nesse ensaio em questão, os
protótipos de resultados se apresentaram no percurso, no momento que é percebido que a
temática necessita de fato de maior produção, inclusive de áreas de conhecimentos diversas,
para melhor desenvolvimento dos elementos que compõem conceito e diagnóstico da DP.
O esforço coletivo para construção dos critérios apontados no texto não tem, na mais
otimista das pretensões, estabelecimento definitivo dos elementos componentes do diagnós-
tico da DP. Mas se caracteriza como contribuição teórica ao diagnóstico de DP. Encontra-se
também como reflexão aberta a futuras construções empíricas, visando ao robustecimento
de construções científicas e normas legais que garantam direitos às pessoas com DP.
Aponta-se ainda para a carência de protocolos que garantam uma maior segurança
diagnóstica, principalmente na esfera da política pública, sendo esse o espaço que deman-
dará maior procura desse público em específico. Os critérios aqui apresentados se põem
enquanto necessários para aprofundamento da discussão dessa deficiência, incubando uma
matriz teórica para esse fim.

Agradecimentos

Agradecemos a Fundação Centro Integrado de apoio à Pessoa com Deficiência –


FUNAD, e ao Instituto dos Cegos da Paraíba – Adalgisa Cunha – ICPAC, instituições de
trabalho dos(as) autores(as), por todo apoio e incentivo à construção científica e ao aper-
feiçoamento profissional.

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