Sergio Robinson Quintanilha

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História da Fórmula 1 deve ser dividida em sete períodos e quatro grandes fases

Sergio Robinson Quintanilha1

Sempre que um piloto se destaca na Fórmula 1, surge uma dúvida entre os especialistas
e os fãs: em que posição ele se encaixaria no panteão dos grandes automobilistas da história?
A primeira referência é sempre Juan Manuel Fangio, o argentino que conquistou cinco
campeonatos mundiais nos anos 1950. O assunto voltou à tona com as conquistas dos escoceses
Jim Clark e Jackie Stewart, com o francês Alain Prost, com o brasileiro Ayrton Senna, com os
alemães Michael Schumacher e Sebastian Vettel e agora com o inglês Lewis Hamilton. Mas é
possível indicar com algum critério técnico o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos?
Para tentar oferecer pistas a quem busca essa resposta, o presente artigo faz uma visita
ao passado e, por meio de uma pesquisa empírica, divide a história da Fórmula 1 em sete curtos
períodos e quatro grandes fases. Tal estudo é necessário porque, ao longo do tempo, a Fórmula
1 teve vários regulamentos diferentes – de forma que é impossível simplesmente contabilizar
as conquistas de cada piloto. Uma das razões é que a F1 começou sob o reflexo do fim da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e tinha poucas corridas no calendário, mas na atual
modernidade do excesso (Augé, 2010) o calendário normal tem mais de 20 corridas.
A divisão por períodos sugerida neste artigo baseia-se em fatos que influenciaram a
divisão de forças dentro da categoria. Vale lembrar que, embora a questão seja a busca do
melhor piloto de cada fase, a corrida é de carros e não de homens. No automobilismo, o atleta
é totalmente refém das condições de seu equipamento. Partindo desse princípio, a divisão dos
períodos é a seguinte (o sinal # corresponde ao número de cada GP na história da F1).
1º período: 1950 a 1957. Paradigma: disputa entre pilotos experientes, oriundos da
extinta categoria Grand Prix, dirigindo carros que haviam sido projetados antes da Segunda
Guerra Mundial por grandes marcas, como Alfa Romeo, Maserati, Ferrari e Mercedes. Total
de corridas: 64. Início: GP da Europa 1950 (#1). Final: GP da Itália 1957 (#64).
2º período: 1958 a 1968. Paradigma: início do campeonato de construtores, atraindo
inúmeros garagistas do automobilismo inglês e suas equipes, como Lotus, BRM e Cooper, além
de iniciativas de pilotos, como Brabham e McLaren. Total de corridas: 98. Início: GP da
Argentina 1958 (#65). Final: GP da África do Sul 1968 (#162).

1
Jornalista especializado em automobilismo. Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.
Doutorando na ECA-USP.
3º período: 1968 a 1980. Paradigma: presença dos grandes patrocinadores,
notadamente as empresas de tabaco e suas marcas, como Gold Leaf, John Player Special,
Marlboro, Camel, Gitanes, Rothmans e Mild Seven. Total de corridas: 180. Início: GP da
Espanha 1968 (#163). Final: GP dos EUA 1980 (#342).
4º período: 1981 a 1988. Paradigma: domínio dos motores turbo e impacto do primeiro
Pacto da Concórdia, que deu poder de decisão às equipes, tirando a categoria do domínio da
FIA (Federação Internacional de Automobilismo), cuja sede fica na Place de la Concorde, em
Paris. Total de corridas: 126. Início: GP dos EUA-Oeste 1981 (#343). Final: GP da Austrália
1988 (#468).
5º período: 1989 a 1996. Paradigma: banimento dos motores turbo, mas dependência
de um grande fornecedor de motor (como Honda, Renault e Ferrari), como consequência do
segundo e terceiro Pacto da Concórdia, que concentrou o poder nas grandes equipes (como
Ferrari, Williams e McLaren), em detrimento das equipes dos garagistas (como Tyrrell, Lotus
e Minardi). Total de corridas: 129. Início: GP do Brasil 1989 (#469). Final: GP do Japão 1996
(#597).
6º período: 1997 a 2013. Paradigma: poder concentrado nas equipes das montadoras
de automóveis (Mercedes, Renault, Ferrari), em detrimento de equipes tradicionais
independentes (como McLaren e Williams), em consequência do quarto, quinto e sexto Pacto
da Concórdia. Total de corridas: 300. Início: GP da Austrália 1997 (#598). Final: GP do Brasil
2013 (#897).
7º período: 2014 a 2020. Paradigma: propulsão híbrida nos carros, combinando um
motor a combustão interna com um motor elétrico alimentado por baterias. Total de corridas:
121. Início: GP da Austrália 2014 (#898). Final: em vigor. Último GP disputado até a conclusão
deste artigo: GP de Abu Dhabi 2019 (#1.018)
Acreditamos que a divisão da história da Fórmula 1 nesses sete períodos é mais eficiente
do que a divisão da história por décadas, pois muitas mudanças de paradigma ocorreram no
transcorrer das décadas. Entretanto, para efeito de comparação de resultados, não há
necessidade de tantas divisões. Por isso, a partir desse ponto, a pesquisa se divide em quatro
grandes fases com os seguintes paradigmas dominantes:
▪ Fase 1: 1950 a 1957 (campeonato de pilotos)
▪ Fase 2: 1958 a 1968 (domínio dos garagistas)
▪ Fase 3: 1968 a 1996 (grandes patrocínios)
▪ Fase 4: 1997 a 2020 (poder das montadoras)
Fase 1: Fangio vence em todos os critérios
Nos 64 grandes prêmios disputados na Fase 1 (1950 a 1957) não havia uma disputa
entre as equipes. As corridas tinham como foco o piloto. Por isso, era permitido a um piloto
trocar de carro durante a corrida, caso o seu apresentasse defeito. Os campeonatos de 1952 e
1953, por exemplo, foram disputados com carros de Fórmula 2 (Cimarosti, 1990, p. 136-139).
Juan Manuel Fangio foi o grande vitorioso dessa fase e teve o mérito de ganhar corridas e ser
campeão por todas as equipes que defendeu. Suas maiores conquistas foram pela Mercedes.

Fator Fator
PILOTO País GPs TIT VIT APR POL
carro motor
J.M. FANGIO ARG 51 5 24 47% 29 82% 83%

A. ASCARI ITA 32 2 13 41% 14 38% 39%

G. FARINA ITA 33 1 5 15% 5 54% 55%

Total/média 116 8 50 43% 48 58% 59%


Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor. GPs: Grandes Prêmios; TIT: títulos; VIT: vitórias; APR: aproveitamento
de vitórias por GP disputado; POL: pole positions.

O quadro acima mostra que Fangio teve o fator carro (82%) e o fator motor (83%) em
seu benefício acima da média (58% e 59%, respectivamente). O quadro abaixo, por outro lado,
mostra que Fangio foi responsável por oito das nove vitórias da Mercedes. Outra característica
dessa primeira fase é que os carros usavam seus próprios motores, por isso as estatísticas abaixo
se repetem, mas isso será diferente nas demais fases da Fórmula 1.

CARRO VIT FAN ASC FAR MOTOR VIT FAN ASC FAR

FERRARI 25 3 13 1 FERRARI 25 3 13 1

ALFA ROMEO 10 6 - 4 ALFA ROMEO 10 6 - 4

MERCEDES 9 8 - - MERCEDES 9 8 - -

MASERATI 9 7 - - MASERATI 9 7 - -

Total 43 24 13 5 Total 43 24 13 5
Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.

Fase 2: domínio de Clark, o Escocês Voador


As 98 corridas da Fase 2 começam em 1958 e vão até a primeira corrida de 1968. A
criação de um campeonato de construtores foi a primeira grande revolução da Fórmula 1. No
documentário Fangio: o rei das pistas (Netflix, 2020), o pentacampeão mundial – que se
aposentou após disputar uma única corrida em 1958 – conta que reclamou com um mecânico
da escolha de um determinado componente para seu carro, pois havia um produto melhor.
Ouviu como resposta que a equipe estava usando o produto da marca que pagava para ter seu
logotipo no carro. Fangio percebeu que os interesses, a partir dali, seriam outros. Essa nova F1
não contava com a Mercedes2 nem com a Alfa Romeo3. Em contrapartida, deu início à invasão
dos garagistas ingleses, atraindo de forma permanente construtores independentes com suas
marcas de competição, como a Lotus, a BRM e a Cooper. Na abertura do campeonato de 1957,
na Argentina, somente carros da Ferrari e da Maserati participaram na prova. E apenas três
marcas disputaram a última corrida de 1957, na Itália: Ferrari, Maserati e Vanwall.
Dez anos depois, em 1967, o campeonato teve a presença também das equipes Brabham
e McLaren, criadas pelos pilotos Jack Brabham e Bruce McLaren. Havia patrocínio nos carros,
mas todos eles eram relacionados à indústria da cadeira automotiva (autopeças, pneus,
lubrificantes etc.); muitas vezes o patrocínio era uma permuta com o fornecedor. Não havia
ainda o conceito de um grande patrocinador principal bancando todas as despesas e dando
grande lucro às equipes de Fórmula 1. A década dos garagistas teve muitos campeões mundiais:
Jack Brabham (três vezes), Jim Clark (duas vezes), Graham Hill, Mike Hawthorn, Phil Hill,
John Surtees e Dennis Hulme. Embora nossa pesquisa tenha sido completa, analisando todos
os pilotos que ganharam pelo menos um GP na história da Fórmula 1, o quadro abaixo mostra
somente os três campeões com mais destaque.
É preciso explicar, porém, que Graham Hill conquistou seu segundo título em 1968,
quando o paradigma passou a ser outro.

Fator Fator
PILOTO País GPs TIT VIT APR POL
carro motor
J. BRABHAM AUS 85 3 13 15% 12 27% 49%

J. CLARK ESC 72 2 25 35% 33 31% 60%

G. HILL ING 90 1 10 11% 11 13% 14%

Total/média 247 6 48 20% 56 24% 41%


Fonte: F1 Stats. Não aparecem no quadro pilotos que conquistaram apenas um título mundial na carreira. Tabela
criada pelo autor.

Pela quantidade de títulos conquistados, o australiano Jack Brabham poderia ser


considerado maior do que Jim Clark, cuja pilotagem extremamente rápida lhe valeu o apelido
de “Escocês Voador”. Outro fator a favor de Brabham: um de seus títulos foi conquistado ao
volante de seu próprio carro. A equipe Brabham se tornaria uma das mais fortes das fases 2 e

2
A Mercedes abandonou as competições após um acidente que matou um piloto e mais de 80 pessoas nas 24
Horas de Le Mans de 1955, retornando à F1 como equipe somente em 2010.
3
A Alfa Romeo disputou apenas as temporadas de 1950 e 1951, depois retornou para outro curto período, entre
1979 e 1985. Seu terceiro retorno aconteceu em 2019.
3, permitindo também os títulos mundiais do neo-zelandês Dennis Hulme (1967) e do brasileiro
Nelson Piquet (1981 e 1983)
Porém, a quantidade de vitórias de Clark, que teve um incrível aproveitamento de 35%
de bandeiradas em primeiro lugar, num total de 72 GPs disputados, pesa a seu favor. Da mesma,
o número de pole positions de Clark (33) também mostra como ele era um piloto difícil de ser
batido. Clark superou Fangio tanto em número de vitórias quanto em número de pole positions.
Seu fator carro (31%) nem era tão alto, mas o fator motor (60%) foi o maior de todos.

CARRO VIT BRA CLA GHI HAW SUR HUL PHI STE

LOTUS 30 - 25 - - - - - 0

FERRARI 17 - - - 1 4 - 3 -

COOPER 16 7 - - - 1 - - -

BRM 13 - - 10 - - - - 2

BRABHAM 10 6 - - - - 2 - -

HONDA 2 - - - - 1 - - -

Total 88 13 25 10 1 6 2 3 2
Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.

A tabela acima mostra que Clark obteve 25 das 30 vitórias da Lotus, a grande equipe
da Fase 2 da Fórmula 1, por conta da ousadia e genialidade de seu proprietário, Colin Chapman,
que apresentou carros revolucionários. Chapman foi a grande estrela entre os garagistas
ingleses. Porém, é precipitado dizer que Clark foi apenas beneficiado pelos carros da Lotus.
Sua competência ao volante também era um fator importante para as vitórias. Quando Chapman
teve a ideia de criar o Lotus 25, que exigia uma posição de dirigir praticamente deitada para
melhor aproveitamento aerodinâmico, coube a Clark readaptar sua pilotagem para tirar o
máximo do carro. Com o Lotus 25, Clark obteve 13 vitórias na Fórmula 1, entre 1962 e 1964.
Quanto aos motores, o domínio foi da Climax, que venceu 41% das corridas disputadas
na Fase 2. A maioria dos triunfos do motor Climax foi com os carros Lotus (24 vitórias) e
Cooper (14), além de duas vitórias com a equipe Brabham – mas não com o piloto Jack
Brabham e sim com Dan Gurney. O domínio dos motores Climax terminou quando surgiu o
Ford Cosworth, em 1967. O motor Ford Cosworth venceu já em sua segunda corrida, ao estrear
na Lotus, no Grande Prêmio da Holanda de 1967. Clark obteve cinco vitórias com ele, como
mostra o quadro a seguir. Já os campeões pela Ferrari (John Surtees e Phil Hill), obtiveram
apenas sete das 16 vitórias do motor italiano nessa fase.
A Fase 2 da Fórmula 1 foi uma das mais competitivas na questão dos motores, pois
também são dignos de nota o BRM e o Repco, ambos campeões. O motor BRM foi responsável
por 10 vitórias de Graham Hill (inclusive no título mundial de 1962) e pelas primeiras vitórias
dos dois maiores pilotos escoceses: Jim Clark e Jackie Stewart. BRM é a sigla de British Racing
Motors, o que explica a preferência dos três pilotos britânicos. Já o motor Repco, de origem
australiana, obteve todas as suas oito vitórias e dois títulos mundiais também com pilotos de
sua região, o australiano Jack Brabham e o neo-zelandês Dennis Hulme.

MOTOR VIT BRA CLA GHI HAW SUR HUL PHI STE

CLIMAX 40 7 19 - - - - - -

FERRARI 16 - - - - 4 - 3 -

BRM 14 - 1 10 - - - - 2

REPCO 8 6 - - - - 2 - -

FORD COSWORTH 5 - 5 - - - - - -

HONDA 2 - - - - 1 - - -

MASERATI 2 - - - - 1 - - -

Total 87 13 25 10 0 6 2 3 2
Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.

Fase 3: Stewart, Prost e Senna pulverizam os recordes


Uma nova era na Fórmula 1 teve início no GP da Espanha de 1968, o segundo da
temporada, quando a equipe Lotus abandonou a tradicional pintura verde dos carros ingleses e
correu com um carro vermelho e dourado da marca de cigarros Gold Leaf. Ao pintar seus carros
com as cores do patrocinador, estampar seu logotipo e mudar o nome da equipe para Gold Leaf
Team Lotus, Colin Chapman provocaria uma revolução na Fórmula 1. Estava inaugurada a era
dos patrocínios comerciais de empresas que não tinham ligação direta com o mundo do
automóvel. Até então, vigorava o sistema introduzido nas corridas da Copa Gordon-Bennet
(1900-1905), mas modificada nas corridas de Grand Prix nos anos 1930 (Contesini, 2014), que
determinava as cores dos carros pelo país do construtor: verde para a Inglaterra, vermelho para
a Itália, prata para a Alemanha e azul para a França. Isso provocou uma injeção de dinheiro
inimaginável nas equipes de Fórmula 1. Outro fator que marca o GP da Espanha de 1968 como
uma nova fase é que foi o primeiro sem Jim Clark, morto durante uma corrida de Fórmula 2
em Hockenheim, Alemanha, um mês antes da segunda prova do campeonato de Fórmula 1.
A partir de 1968, para vencer na F1 era preciso ter um grande patrocinador, por isso
sugerimos neste artigo um período de 30 anos como a Fase 3 na história da categoria. Coube
ao próprio Graham Hill, piloto que correu com um carro patrocinado pela primeira vez, ser o
campeão de 1968. Mas a ideia da Lotus foi rapidamente copiada e permitiu que vários pilotos
corressem em equipes competitivas. O período entre 1968 e 1996 foi marcado pela sucessiva
quebra de recordes de vitórias e pole positions. Os três maiores protagonistas desse período
foram o francês Alain Prost, o escocês Jackie Stewart e o brasileiro Ayrton Senna, mas outros
pilotos também brilharam intensamente, como o austríaco Niki Lauda, os brasileiros Emerson
Fittipaldi e Nelson Piquet, o alemão Michael Schumacher e o inglês Nigel Mansell.
O quadro a seguir mostra que o piloto menos favorecido pelo fator carro foi Jackie
Stewart. Apesar de ter conquistado 25 vitórias nessa fase e somado 27 primeiros lugares,
tornando-se recordista de vitórias por 14 anos, Stewart pilotou carros que venceram apenas
10% das corridas da Fase 3, contra 61% de Prost e 43% de Lauda. Quanto aos motores, o maior
beneficiado foi Senna, que teve 75% de benefício do fator motor.

Fator Fator
PILOTO País GPs TIT VIT APR POL
carro motor
A. PROST FRA 199 4 51 26% 33 61% 57%

J. STEWART ESC 70 3 25 36% 17 10% 39%

A. SENNA BRA 161 3 41 25% 65 32% 75%

N. LAUDA AUT 171 3 25 15% 24 43% 59%

N. PIQUET BRA 204 3 23 11% 24 34% 56%

M. SCHUMACHER ALE 84 2 22 26% 14 23% 53%

E. FITTIPALDI BRA 144 2 14 10% 6 32% 38%

N. MANSELL ING 187 1 31 17% 32 37% 52%

G. HILL ING 85 1 4 5% 2 12% 38%

J. BRABHAM AUS 42 - 1 3% 1 6% 38%

Total/média 1.348 22 238 25% 219 29% 51%


Fonte: F1 Stats. Não aparecem no quadro pilotos que ganharam apenas um título mundial na carreira, com
exceção de Mansell, devido ao seu grande número de vitórias. Tabela criada pelo autor.

Essa terceira fase da Fórmula 1, baseada em grandes patrocínios, permitiu não apenas
a ascensão inicial da Lotus (cigarros Gold Leaf e John Player Special) e da Tyrrell (petroleira
francesa Elf), mas a transformação da Williams e da McLaren em duas gigantes. A Williams
se tornou vencedora com gigantescos aportes financeiros da Saudia (companhia aérea árabe),
Cannon (câmeras fotográficas) e mais tarde com o cigarro Rothmans. A McLaren também
cresceu a partir de sua parceria com marcas de tabaco, inicialmente o cigarro Marlboro e já na
parte final desta fase o West. Até a Ferrari, embora fosse mais discreta na exposição do
patrocinador, cresceu com o dinheiro dessa fonte, criando duas longas parcerias, com Marlboro
e Shell (lubrificantes).

CARRO VIT PRO STE SEN LAU PIQ SCH FIT MAN

WILLIAMS 84 7 - - - 7 - - 27

McLAREN 80 30 - 35 6 - - 4 -

FERRARI 66 5 - - 15 - 3 0 3

LOTUS 50 - - 6 - - - 9 -

BENETTON 26 - - - - 3 19 - -

BRABHAM 25 - - - 2 13 - - -

TYRRELL 23 - 15 - - - - - -

RENAULT 15 9 - - - - - - -

MATRA 9 - 9 - - - - - -

MARCH 3 - 1 - - - - - -

Total 381 51 25 41 23 23 22 13 30
Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.

Como dissemos na introdução deste artigo, a Fase 3 da Fórmula 1 foi subdividida em


dois períodos: o primeiro com o dinheiro da indústria de tabaco e o segundo com o domínio
dos motores turbos. O primeiro Pacto da Concórdia deu maior poder às equipes tradicionais e
isso também teve grande influência nos resultados das pistas. O motor Ford Cosworth,
dominante até 1983, só voltou a ter relevância ao final da era turbo, a partir de 1989, mas uma
nova (e curta) fase de conquistas surgiu apenas em 1994 e 1995, no bicampeonato de Michael
Schumacher, com a equipe Benetton.
O quadro a seguir mostra que o motor Ford Cosworth foi o maior vencedor da Fase 3
da Fórmula 1, beneficiando especialmente Stewart e Fittipaldi. Porém, a pioneira dos motores
turbo, Renault, conseguiu superar a Ferrari e deu o impulso inicial à carreira de Prost, que
demoliu o recorde de vitórias. Contando sempre com motores competitivos, o “Professor”,
como era conhecido o piloto francês, não apenas quebrou o recorde de 27 vitórias de Stewart
como o levou ao impressionante patamar de 51 conquistas. Além da Renault (tanto na era turbo
quanto depois dela), Prost tirou grande proveito dos motores TAG Porsche e Honda. Outro
piloto que se beneficiou muito da eficiência do motor Honda foi Senna, que atingiu a marca de
65 pole positions – uma a cada quatro largadas. Além disso, Senna obteve 32 de suas 41 vitórias
com o motor Honda, tornando-se o maior ídolo do automobilismo no Japão.
Antes disso, coube a Nelson Piquet (que chegou ao seu tricampeonato com a Honda)
conquistar o respeito da alemã BMW ao se tornar o primeiro campeão da era turbo, obtendo
sete de suas nove vitórias, embora o desenvolvimento desta tecnologia na F1 tenha começado
com a Renault. Também cabe citar que a Alfa Romeo, imbatível nos dois primeiros anos da
Fórmula 1, voltou a vencer, obtendo duas vitórias como fornecedora de motor da equipe
Brabham, que tinha Lauda como seu principal piloto em 1978.

MOTOR VIT PRO STE SEN LAU PIQ SCH FIT MAN

FORD COSWORTH 169 - 25 5 2 9 10 14 -

RENAULT 86 16 - 1 - - 9 - 15

FERRARI 66 5 - - 15 - 3 - 3

HONDA 69 11 - 32 - 7 - - 13

TAG PORSCHE 25 19 - - 6 - - - -

BMW 9 - - - - 7 - - -

ALFA ROMEO 2 - - - 2 - - - -

Total 426 51 25 38 25 23 22 14 31
Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.

Finalmente, vale destacar que o fator motor foi preponderante para proporcionar a
Mansell 31 vitórias, o maior número entre todos os pilotos que possuem apenas um título
mundial. Renault (15 vitórias) e Honda (13) foram responsáveis por 28 dos 31 triunfos do piloto
inglês. Somados, os motores Renault e Honda obtiveram 155 vitórias nessa fase, número
próximo do conquistado pelo Ford Cosworth, que durante vários anos equipou quase a
totalidade dos carros que participaram dos grandes prêmios.

Fase 4: Schumacher, Vettel e Hamilton deixam a F1 monótona


A última grande fase da Fórmula 1 começa em 1997 e vem até os dias atuais. A Fase 4
também é subdividida em dois períodos. O primeiro (1997 a 2013) tem o poder concentrado
nas equipes das montadoras de automóveis, como reflexo das regras esportivas e da distribuição
dos lucros financeiros da categoria estipulados pelo quarto, quinto e sexto Pacto da Concórdia.
Dessa forma, as duas equipes remanescentes dos garagistas, McLaren e Williams, acabaram
perdendo poder e relevância nas pistas para Renault, Ferrari e Mercedes. O segundo período (a
partir de 2014) foi o dos carros híbridos, com domínio total da Mercedes.
Essas duas situações, combinada com o aumento do número de GPs em cada
temporada, fez com que as carreiras dos pilotos passassem a ter maior número de corridas.
Mais do que isso, como a categoria passou a ser gerida em função dos interesses das grandes
marcas de automóveis, tudo foi feito para que os carros não quebrassem durante as provas, pois
seria uma propaganda negativa. Além da durabilidade de carros e motores, os pilotos passaram
a contar com áreas de escape enormes, impedindo que uma escapada de pista os tirasse da
prova, e deixaram de ser os principais protagonistas para se tornarem empregados submissos
aos interesses das equipes. Em várias ocasiões, as corridas foram decididas nos boxes, com
ordens explícitas para que um piloto favorecesse o companheiro, seja renunciando à vitória e
permitindo a ultrapassagem do segundo colocado ou desistindo de tentar uma ultrapassagem
em busca do primeiro lugar.
O resultado dessa política foi a concentração de vitórias e títulos nas mãos de poucos
pilotos. Os três maiores vencedores da Fase 4 – o inglês Lewis Hamilton e os alemães Michael
Schumacher e Sebastian Vettel – ganharam 206 das 421 corridas realizadas. Ou seja: 48,9%
das vitórias ficaram concentradas em apenas três pilotos. Junto com a monotonia nos nomes
dos vencedores, veio uma certa banalização do título mundial, pois Schumacher, Vettel e
Hamilton conquistaram 15 dos 23 campeonatos disputados. Assim, apenas três pilotos ficaram
com 65% dos títulos da Fase 4.

Fator Fator
PILOTO País GPs TIT VIT APR POL
carro motor
L. HAMILTON ING 250 6 84 34% 88 41% 44%

M. SCHUMACHER ALE 223 5 69 31% 54 31% 32%

S. VETTEL ALE 240 4 53 22% 57 46% 49%

M. HAKKINEN FIN 82 2 20 24% 26 19% 44%

F. ALONSO ESP 312 2 32 10% 22 54% 93%

Total/média 1.107 19 258 24% 247 38% 52%


Fonte: F1 Stats. Não aparecem no quadro pilotos que ganharam apenas um título mundial na carreira. Tabela
criada pelo autor.

Para obter 27 vitórias em sua carreira, Jackie Stewart precisou disputar 99 corridas
durante nove anos. Na Fase 4, o espanhol Fernando Alonso chegou a 32 vitórias, mas com 312
GPs disputados em 17 anos. Ao igualar o tempo de carreira de Stewart, em 2010, Alonso já
contava 158 corridas em seu currículo. Além disso, Alonso teve 93% de benefício do fator
motor em suas conquistas, como mostra a tabela acima. O excesso em todos os sentidos fez
com que Schumacher não apenas quebrasse o recorde de cinco títulos de Fangio, mas que fosse
além e conquistasse mais dois, além de estabelecer o “inalcançável” recorde de 91 vitórias.
Sebastian Vettel deu sequência à saga alemã e também conquistou quatro campeonatos
seguidos, de 2010 a 2013. Depois dele, Lewis Hamilton obteve um retrospecto ainda mais
surpreendente, chegando a seis títulos mundiais, pulverizando o recorde de poles que era de
Senna e se aproximando do recorde de vitórias de Schumacher. Antes do início da temporada
de 2020, Hamilton já tinha em seu currículo 88 poles e 84 vitórias (contra 65 poles de Senna e
91 vitórias de Schumacher).
Quanto aos carros, devido às consequências do quinto e sexto Pacto da Concórdia, a
equipe Williams desapareceu do mapa das vitórias. A McLaren resistiu por algum tempo,
devido a um acordo de fornecimento de motor com a Mercedes, da mesma forma que a Red
Bull se valeu de acordo semelhante com a Renault, para dar a Vettel seus quatro títulos
mundiais.

CARRO VIT HAM SCH VET HAK ALO MOTOR VIT HAM SCH VET HAK ALO

FERRARI 130 - 69 14 - 11 MERCEDES 180 84 - - 20 4

MERCEDES 93 63 - - - - FERRARI 131 - 69 15 - 11

McLAREN 78 - - - 20 4 RENAULT 73 - - 38 - 17

RED BULL 62 - - 38 - - Total 384 84 69 53 20 32


Fonte: F1 Stats. Tabela criada pelo autor.
RENAULT 20 - - - - -

TORO ROSSO 1 - - 1 - -

Total 384 63 69 53 20 15

No caso dos motores, a concentração de vitórias foi ainda maior do que a verificada
com os pilotos. Somente três motores conquistaram 384 das 421 corridas disputadas na Fase 4.
Isso significa um índice inédito de 91,2% das vitórias para apenas três fabricantes. No último
período, a era híbrida (a partir de 2014), os carros Mercedes e os motores Mercedes ganharam
todos os títulos mundiais de pilotos e construtores. Cinco dos seis títulos de Lewis Hamilton
foram conquistados nesse último período. Sua pior colocação foi o vice-campeonato de 2016,
quando somou 380 pontos contra 385 do alemão Nico Rosberg, campeão da temporada com o
mesmo equipamento (Mercedes). Mesmo assim, Hamilton ganhou 10 corridas naquele ano,
contra nove de Rosberg. Nas cinco temporadas anteriores à era híbrida, a melhor colocação de
Hamilton foi o quarto lugar em 2010, 2012 e 2013 (anos dominados pelos carros Red Bull e
pelo motor Renault).

Conclusão
Não pretendemos neste artigo responder à questão: quem foi o maior campeão de todos
os tempos. A pesquisa mostra claramente que, embora o talento humano seja fundamental, ter
o melhor carro e o melhor motor é receita quase certa de sucesso. É possível perder um
campeonato tendo o melhor carro e o melhor motor, até porque existe pelo menos mais um
piloto com o mesmo equipamento. Porém, é quase impossível vencer várias corridas e ser o
campeão da temporada sem o melhor equipamento. É mais “fácil” ser campeão sem o melhor
conjunto carro-motor do que vencer várias corridas. Afinal, uma campanha regular pode levar
ao título mesmo sem o maior número de vitórias.
Para determinar quem é o maior piloto de todos os tempos, é preciso uma combinação
de títulos, vitórias e pole positions. Os títulos representam a sabedoria e a maturidade do piloto,
sua capacidade de resistir à pressão, sua inteligência para correr com o regulamento. As vitórias
representam a consistência do piloto, sua capacidade de repetir várias vezes a receita que o leva
ao topo de pódio. As poles representam a velocidade do piloto, seu talento puro ao extrair o
máximo de velocidade do carro em apenas uma ou duas voltas. Para encontrar o maior piloto
de todos os tempos, é preciso criar um modelo matemático que crie pesos específicos para cada
uma dessas conquistas, mas de forma a considerar também a fase em que ela aconteceu para
que não se cometam injustiças.
Também devemos observar que, dos pilotos citados nos quadros deste artigo, dois
ganharam corridas também na fase em que não foram campeões e dois foram campeões em
duas diferentes fases. Jack Brabham foi três vezes campeão na Fase 2 (1958 a 1968), mas
ganhou uma corrida na Fase 3 (1968 a 1997). Jack Stewart ganhou duas corridas na Fase 2,
mas foi três vezes campeão na Fase 3. Graham Hill faturou um título mundial na Fase 2 e outro
na primeira temporada da Fase 3. Michael Schumacher ganhou dois títulos na Fase 3 (até 1997)
e mais cinco títulos na Fase 4 (a partir de 1998). Portanto, no caso específico desses pilotos,
uma análise deveria considerar uma média das fases. Há outros casos, inclusive de campeões,
mas como não se destacaram em alguma fase, deixaram de ser citados nos quadros.
A pesquisa empírica revela que um piloto que reúna o talento e a sorte de estar numa
das três equipes vencedoras da atualidade terá mais chances de conquistar corridas do que um
piloto nas mesmas condições das fases 2 e 3, muito mais competitivas. Por isso, deixamos essa
questão em aberto para que surja um modelo matemático atualizável à medida em que a história
vai acontecendo. Deve-se levar em conta que simplesmente atribuir valores aleatórios para cada
título, vitória ou pole position não resolve o problema, pois é preciso ter valores que sejam
“neutros” quando confrontados com o número de grandes prêmios disputados (se é que isso é
possível).
Finalmente, cabe observar que a Fórmula 1, ao se transformar em espetáculo midiático,
com mais atenção ao público da televisão e das mídias digitais do que ao público que
comparece aos autódromos, mudou totalmente os parâmetros de comparação que havia nas
fases 2 e 3, de 1958 a 1996. A Fórmula 1 se transformou na categoria do excesso, com muitas
corridas no calendário (mais de 20, contra sete ou oito na primeira década), portanto com
muitas vitórias acumuladas para os pilotos vencedores. Ao fazer uma “introdução a uma
antropologia da supermodernidade”, Marc Augé (2010, p. 41) afirma que este fenômeno é
caracterizado por três figuras do excesso: “A superabundância factual, a superabundância
espacial e a individualização das referências”.
Essa necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado, é o resgate da
superabundância factual que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de
“supermodernidade” para dar conta de sua modalidade essencial: o excesso. (Augé,
2010, p. 32)

Tanto quanto os carros da Fórmula 1, o espetáculo esportivo em si se tornou acelerado


– daí a necessidade de encher o calendário com muitos grandes prêmios, de criar situações para
que os recordes sejam pouco duradores, por mais inalcançáveis que pareçam ser. É nesse
contexto que deixamos aberta a porta para um modelo matemático que compare épocas
diferentes e nos diga quem é o maior piloto de Fórmula 1 da história.

Referências
AUGÉ, M. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 8ª ed.
Campinas: Papirus, 2010.
CIMAROSTI, A. Grand Prix Story. Milano: Giorgio Nada Editore, 1990.
CONTESINI, L. United colors of racing: a história das cores e pinturas de corrida.
FlatOut, 2014. Disponível em: <https://flatout.com.br/united-colors-racing-historia-das-cores-
e-pinturas-de-corrida/>. Acesso em: 27 jun. 2020.
ESTATÍSTICAS. Stats F1, 1950-2020. Disponível em: <https://www.statsf1.com/pt/
statistiques/pilote.aspx>. Acesso: 28 jun. 2020.
FANGIO – o rei das pistas. Direção: Francisco Macri. Produção: Cinema 7 Films, Fox
Sports, Netflix. Buenos Aires: Netflix, 2020. Netflix.
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Observação: artigo publicado no livro “Jornalismo Esportivo no Brasil, Livro 2, 2020,
páginas 209 a 233.
Como citar:
QUINTANILHA, Sergio. História da Fórmula 1 deve ser dividida em sete períodos e
quatro grandes fases. In: Jornalismo Esportivo no Brasil. Livro 2. São Paulo: Amazon,
2020. MALULY, L.V.B.; LONGO. G. A.; VENANCIO, R. D. O. (Orgs.)

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