Aula 3 - Microbiota Normal e Microbioma
Aula 3 - Microbiota Normal e Microbioma
Aula 3 - Microbiota Normal e Microbioma
APRESENTAÇÃO
A microbiota normal (ou flora normal) refere-se à população de microrganismos comensais que
habitam o corpo humano. Normalmente a microbiota normal não causa prejuízos nos indivíduos
saudáveis e ainda pode ser benéfica na manutenção da nossa saúde. Entretanto, alterações da
microbiota normal podem trazer sérios problemas de saúde. Por exemplo, o intestino grosso é
colonizado por inúmeros microrganismos das mais variadas espécies, que normalmente não
causam problemas nesse local em indivíduos saudáveis; porém, se uma bactéria do intestino
grosso migrar para o trato urogenital, lá pode causar uma infecção urinária, sendo, nesse caso,
considerado um patógeno oportunista. O estudo dos microrganismos que compõem a microbiota
normal é de extrema relevância para se compreender o comportamento deles nos processos de
saúde e doença.
Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai aprender sobre as bactérias que compõem a
microbiota normal e sua localização, aprenderá a avaliar as propriedades que indicam a
patogenicidade de um microrganismo e identificará a importância do microbioma na saúde
humana.
Bons estudos.
DESAFIO
INFOGRÁFICO
O homem convive com uma grande variedade de microrganismos em seu corpo, normalmente
inócuos ou até mesmo benéficos à saúde. São chamados de microbiota normal. Algumas vezes,
porém, podem causar infecções oportunistas, como, por exemplo, se introduzidos em sítios
diferentes do seu habitat normal. Portanto, saber quais são as principais bactérias da microbiota
normal e sua localização usual no corpo humano é fundamental para se entender as infecções
oportunistas.
No Infográfico a seguir, você verá alguns sítios não estéreis do corpo humano e quais são os
principais exemplos de bactérias da microbiota normal, além de saber quais são os sítios
estéreis, ou seja, aqueles tecidos que normalmente não apresentam microbiota permanente.
CONTEÚDO DO LIVRO
Há quem diga que o ser humano é mais bacteriológico do que humano, já que o corpo abriga
dez vezes mais bactérias do que células humanas. Essa afirmação pode ser extremista e mesmo
sensacionalista, mas tem algum embasamento, pois o organismo humano abriga trilhões de
microrganismos, incluindo milhares de espécies de bactérias, arqueas, fungos, vírus e
protozoários. Esses microrganismos fazem parte da microbiota normal e habitam, de forma
permanente, diferentes partes do corpo. Quando existe um equilíbrio nesse ecossistema, esses
microrganismos podem ajudar na prevenção de infecções por patógenos virulentos e na
manutenção da saúde. Por outro lado, caso ocorra um desequilíbrio, esses microrganismos
podem causar infecções oportunistas e outros tipos de doença. Existe um esforço da comunidade
científica para identificar os microrganismos que habitam o corpo e entender como eles podem
causar doenças. Mais do que isso, os cientistas buscam como objetivo final aplicar esse
conhecimento para melhorar a saúde humana.
Boa leitura.
BACTERIOLOGIA
CLÍNICA
Introdução
O homem abriga em seu corpo uma variedade imensa e complexa de
microrganismos, os quais buscam benefícios, como alimentos e ambiente
ideal para o seu crescimento. Na maioria das vezes, esses microrganis-
mos não trazem qualquer prejuízo à saúde humana, podendo, inclusive,
beneficiá-la, como o fato de ajudar na proteção contra microrganismos
patogênicos e na estimulação do sistema imune. Entretanto, sabe-se que,
em algumas situações, esses microrganismos podem causar infecções
oportunistas, ou até mesmo outros tipos de doença, o que demonstra
a importância de se estudar esse ecossistema.
Neste capítulo, você vai entender o conceito de microbiota normal
e saber em quais partes do corpo humano esses microrganismos estão
localizados. Além disso, você também irá aprender as propriedades que
indicam a patogenicidade dos microrganismos e como a população da
microbiota normal pode causar infecções oportunistas. Por fim, você
entenderá o conceito de microbioma humano e o seu papel na saúde
e no desenvolvimento de doenças.
2 Microbiota normal e microbioma
Microbiota normal
O ser humano convive com muitos microrganismos permanentemente em
seu corpo, desde o nascimento até a morte, sem que necessariamente cau-
sem doenças. Eles estão presentes na pele, nas mucosas e em outros locais
do corpo humano, usufruindo dos nutrientes, da temperatura, da umidade,
da pressão osmótica e do pH do hospedeiro para utilizarem como fonte de
energia e se multiplicarem. Essa população de microrganismos são comensais
(relação simbiótica), pois colonizam o ser humano sadio de forma harmônica
em busca de benefícios, normalmente não trazendo problemas. Além disso,
são denominados como microbiota normal ou flora normal, fazendo parte
milhares de espécies de bactérias, arqueas, fungos, vírus e protozoários. Mui-
tos deles podem, inclusive, trazer benefícios ao ser humano, como proteção
contra infecções causadas por organismos patogênicos, digestão de alimentos,
produção de vitaminas e estimulação da imunidade. Em termos evolutivos,
os microrganismos que compõem a microbiota normal são mais adaptados ao
homem do que aqueles microrganismos extremamente patogênicos, pois estes
podem levar a óbito, o que não é vantajoso para o microrganismo (MURRAY
et al., 2004; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Além dos microrganismos que formam a microbiota normal (de forma
permanente), existem alguns que colonizam o homem de forma transitória
(permanecem por horas, dias ou semanas) e normalmente não são patogênicos,
os quais são chamados de microbiota transitória (BROOKS et al., 2014).
Infecções oportunistas
Conforme você aprendeu acima, existem microrganismos que podem colonizar
o homem de forma permanente (microbiota normal) ou de forma transitória
(microbiota transitória), normalmente não causando doenças em indivíduos
sadios. Entretanto, há algumas situações (p. ex., baixa imunidade) em que de-
terminados microrganismos podem causar uma doença infecciosa ou tóxica no
ser humano, os quais podem ser considerados patógenos estritos ou patógenos
oportunistas (LEVINSON, 2016; MURRAY et al., 2004).
Patógenos estritos são aqueles microrganismos que sempre estão as-
sociados à doença quando estão presentes no homem, como, por exemplo,
a Mycobacterium tuberculosis — agente patogênico da tuberculose —, e a
Neisseria gonorrhoeae, que é o agente patogênico da gonorreia (LEVINSON,
2016; MURRAY et al., 2004).
Por outro lado, os patógenos oportunistas são aqueles microrganismos
que dificilmente causam infecções em hospedeiros imunocompetentes (i.e.,
em indivíduos saudáveis), mas podem causar infecções oportunistas gra-
ves em pacientes imunocomprometidos (indivíduos com baixa imunidade),
como, por exemplo, pacientes com câncer, pacientes transplantados (os quais
utilizam medicamentos que induzem a imunossupressão), ou com síndrome
da imunodeficiência adquirida (aids, em inglês acquired immunodeficiency
syndrome). Esses microrganismos podem fazer parte da microbiota normal
ou não. Quando ocorre um desequilíbrio no corpo do hospedeiro, esses mi-
crorganismos podem se multiplicar de maneira descontrolada, ou serem in-
troduzidos em locais que são estranhos do seu hábitat normal, ou mesmo em
sítios estéreis, causando uma infecção oportunista. A bactéria E. coli, por
exemplo, faz parte da microbiota normal do intestino grosso. Em geral, ela não
causa doença em indivíduos saudáveis nesse local, porém, caso consiga migrar
para outros locais do corpo, pode causar infecção (p. ex., no trato urinário, ela
causa infecção urinária, ao passo que, em feridas da pele, causa abscessos).
Um outro exemplo é a bactéria S. epidermidis, que faz parte da microbiota
normal da pele e nesse local normalmente não gera doença em indivíduos
Microbiota normal e microbioma 9
saudáveis, apesar disso, ela causa doença infecciosa se migrar para as válvulas
cardíacas artificiais ou para as articulações prostéticas (LEVINSON, 2016;
MURRAY et al., 2004; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Um dos principais benefícios que a microbiota normal confere ao hospedeiro
é a proteção contra infecções causadas por microrganismos potencialmente
patogênicos. Esse benefício acontece quando há um equilíbrio entre a mi-
crobiota normal e os microrganismos potencialmente patogênicos, ou seja, a
microbiota normal impede o crescimento excessivo desses microrganismos ao
competirem por nutrientes e oxigênio, ao produzirem substâncias prejudiciais
aos microrganismos invasores e ao alterarem o pH do local (fenômeno chamado
de antagonismo microbiano ou exclusão competitiva). Entretanto, existem
situações que causam um desequilíbrio entre a população da microbiota normal
e dos microrganismos potencialmente patogênicos, sendo que esses últimos
se multiplicam de maneira descontrolada, podendo resultar no aparecimento
de uma doença infecciosa (MADIGAN et al., 2016).
O uso de antimicrobianos pode inibir o crescimento ou reduzir as bacté-
rias normais, favorecendo o crescimento de microrganismos potencialmente
patogênicos e, consequentemente, a instalação de infecções oportunistas.
As bactérias Lactobacillus, por exemplo, fazem parte da microbiota normal da
vagina e, por manterem um pH ácido, são essenciais para conservar o equilíbrio
entre a microbiota normal e os microrganismos potencialmente patogênicos.
O uso de antimicrobianos pode eliminar os Lactobacillus da vagina, tornando o
pH vaginal neutro, situação em que os microrganismos oportunistas crescem e
se tornam predominantes, o que causa infecções oportunistas, como a bactéria
Gardnerella vaginalis, que provoca a vaginose bacteriana (BROOKS et al.,
2014; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Um conceito médico importante que você deve conhecer é o estado de
portador, no qual um indivíduo abriga um patógeno em potencial sem apre-
sentar sintomas clínicos (a presença da bactéria Chlamydia trachomatis pode
ser assintomática em algumas pessoas), ou quando o indivíduo se curou de
uma doença infecciosa ativa, mas ainda carrega o patógeno em seu corpo
por um tempo. Por não saber que está infectado ou porque o patógeno ainda
está em seu corpo mesmo após o fim da doença infecciosa ativa, o portador
pode transmitir o patógeno para outro indivíduo e causar, neste, uma doença
sintomática (LEVINSON, 2016; MURRAY et al., 2004).
O Quadro 2 traz exemplos sobre as bactérias oportunistas ou patogênicas
estritas mais comuns e as respectivas localizações em que causam infecções.
10 Microbiota normal e microbioma
Bactérias oportunistas ou
Localização
patogênicas estritas mais comuns
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2007.
DICA DO PROFESSOR
Nesta Dica do Professor, você verá, com mais detalhes, a técnica de análise metagenômica
utilizada para mapear o nosso microbioma.
EXERCÍCIOS
C) A bactéria Haemophilus faz parte da microbiota normal das vias aéreas inferiores.
A) Os patógenos estritos são aqueles microrganismos que fazem parte da microbiota normal,
mas, por algum desequilíbrio no corpo humano, podem causar uma doença infecciosa.
B) O método utilizado pelo Projeto Microbioma Humano para mapear o microbioma humano
foi a microbiologia tradicional, que inclui, entre outras etapas, o crescimento dos
microrganismos em meios de cultura.
NA PRÁTICA
Neste Na Prática, você verá um caso clínico de um paciente internado com câncer, que contraiu
uma infecção oportunista após a hospitalização. O papel do profissional Microbiologista foi
fundamental para identificar o patógeno que estava causando a infecção oportunista no paciente.
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:
O que é microbiota?
A microbiota normal muda durante diferentes fases da vida humana. Veja a explicação de uma
pesquisadora sobre o que é microbiota e como ela é diferente se o bebê nasce por parto normal
ou por cesariana.
A maior parte do seu corpo não é humana - e é nova aposta de cientistas para vencer
doenças
Há cientistas que dizem que a maior parte do nosso corpo não é humano, já que existem muito
mais microrganismos vivendo no corpo humano do que células humanas. Veja nessa
reportagem, no site da BBC - Brasil, o que pensam alguns cientistas que dizem que a reposição
do microbioma é a nova aposta para se curar doenças.
Mapeamento do microbioma