Diss MVV Texto
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1. INTRODUÇÃO
O lixo - ou melhor, o que fazer com ele, que destino dar aos resíduos e
rejeitos das atividades humanas - tornou-se uma questão há cerca de dez mil anos,
quando, no alvorecer do período Neolítico, o homem deixou de ser nômade, passou
a se fixar em determinadas áreas e a se dedicar à produção agrícola, à
domesticação dos animais e ao desenvolvimento cultural. Até então, os restos
ficavam para trás; a partir de então, a preocupação em relação a eles só cresceu –
de forma exponencial desde a Revolução Industrial, quando os resíduos deixaram
de ser “apenas” ameaças à saúde (por causa do mau cheiro e da propagação de
doenças) e passaram a representar riscos também ao ambiente e aos cofres
públicos. Um problema proporcional ao dinamismo econômico e ao crescimento
urbano.
Assim, a questão da gestão eficaz e ambientalmente adequada dos resíduos
sólidos domiciliares nas grandes cidades é hoje um dos principais desafios a serem
enfrentados pelos países em desenvolvimento porque envolve não somente
variáveis econômicas e de saúde pública mas também as da sustentabilidade e do
próprio futuro dos padrões de produção e consumo. É também, dentro da esfera dos
problemas ambientais urbanos, um dos que mais diretamente afetam a população
em geral – já que tem uma influência direta sobre seus padrões de qualidade de
vida1 - e o que melhor exemplifica as possibilidades de formulação de políticas
públicas minimizadoras ou preventivas (JACOBI, 2001, p.387).
Ainda que, de certa forma, já façam parte da agenda internacional de
discussões, os problemas relacionados ao lixo urbano2 e as especificidades de que
1
Basta, por exemplo, lembrar, como faz Jacobi (2001, p.386), que, entre os impactos da destinação
inadequada do lixo, está a intensificação das conseqüências das enchentes - em grande parte pelo
entupimento das vias de escoamento - e acompanhar os protestos constantes de moradores vizinhos
ao aterro Bandeirantes, em Perus, na zona norte da cidade de São Paulo, contra sua eventual
ampliação. Para eles, o local, mesmo tendo uma operação considerada excelente, não deixa de ser
um “lixão” (GÓIS, 2001). Miziara (2001, p.151, 152) conta que o início da era dos aterros sanitários na
cidade de São Paulo, nos anos 70, foi marcado por conflitos com as populações das áreas próximas
aos locais e até por acidentes. Esse histórico de conflitos também é mencionado por Schneider e
Philippi Jr. (2004, p.225).
2
Este trabalho usará os termos “lixo” e “resíduo (sólido)” como sinônimos, embora Miziara (2001) faça
uma distinção interessante, afirmando, em linhas gerais, que a popularização da expressão resíduo
sólido se relacionou à crescente especialização do discurso em relação ao lixo e também a uma
mudança sociocultural e econômica na forma de encarar os restos, que deixaram de ser
simplesmente imundícies para se tornar algo passível de ser reaproveitado e gerar lucros financeiros
(sobretudo para as empresas que cuidam da limpeza urbana) e ambientais. A partir daqui também,
sempre que se mencionar lixo ou resíduo, está subentendido que é o de origem domiciliar urbana.
15
eles se revestem em países como o Brasil, e em metrópoles como São Paulo, ainda
enfrentam uma abordagem essencialmente retórica (JACOBI, 2001, p.388).
Ações municipais que buscam resolvê-los esbarram em obstáculos de toda
ordem. No campo econômico, as principais alegações dão conta da eterna
insuficiência de recursos financeiros públicos para a implantação das soluções
necessárias. Na esfera técnica, as polêmicas giram em torno da relação custo/
benefício das alternativas existentes para minimização, destinação final e tratamento
dos resíduos, da sua adaptação e adequação à realidade local e da formação
profissional deficiente - e deficitária - dos quadros do funcionalismo público. Já no
campo político, as dificuldades partem da não-priorização do assunto por parte das
administrações e, passando pela pressão das grandes empresas do setor de
limpeza pública - as quais buscam maximizar seus ganhos por tonelada de resíduo
recolhido, resistindo, portanto, a qualquer iniciativa que tire de suas mãos o domínio
cartelizado dessa atividade -, desembocam em incontáveis e constantes denúncias
de irregularidades e corrupção, que geralmente fazem da gestão dos resíduos
urbanos um problema da Justiça, quando não da polícia3.
Apesar das melhorias constatadas principalmente ao longo dos anos 90 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o quadro nacional da
destinação final dos resíduos sólidos urbanos, de uma forma geral, ainda é bastante
ruim.
Embora cerca de 95% dos moradores de áreas urbanas do Brasil tivessem
seu lixo coletado em 2002 (IBGE, 2004, p.138) e que uma análise comparativa dos
dados das Pesquisas Nacionais de Saneamento Básico (PNSB) de 1989 e 2000
mostre que o percentual de resíduos com destinação final considerada adequada
(aterro sanitário4) no país cresceu de 28,8% para 40,5% nesse intervalo de tempo
(IBGE, 2004, p. 144), quase 60% do que era coletado no início desta década ainda
ia parar em destinos inadequados, entre eles lixões a céu aberto e aterros
controlados, onde não há nenhum tipo de prevenção contra os possíveis impactos
que a degradação do material venha a causar ao ambiente e ao homem.
3
Sobre as denúncias de cartelização e corrupção envolvendo a limpeza urbana na cidade de São
Paulo, ver Tiveron (2001). Miziara (2001) também aborda o assunto sob o ponto de vista histórico.
4
A PNSB/IBGE adota a seguinte definição de aterro sanitário: “local utilizado para disposição final do
lixo, onde são aplicados critérios de engenharia e normas operacionais específicas para confinar
resíduos com segurança, do ponto de vista do controle ambiental e proteção à saúde pública” (IBGE,
2002, p. 380). Isso significa, na prática, sistemas de coleta e tratamento do chorume (líquido que se
forma com a decomposição do lixo orgânico) e coleta e extravasamento de gases, entre outros.
16
população, tinha mais de 96,5% dos domicílios atendidos pelo serviço, como mostra
a figura 2, a seguir.
Figura 2. Mapa dos distritos da cidade de São Paulo por faixa de percentual de domicílios
atendidos por coleta de lixo
Além da falta de locais livres numa cidade densamente urbanizada como São
18
Paulo5, o solo de terrenos para a implantação de aterros deve ter certas qualidades 6
que reduzam o perigo de contaminação das águas subterrâneas e do solo pelo
chorume, o que limita ainda mais as opções de destinação adequada do lixo
domiciliar.
A coleta seletiva de materiais, no lixo, que podem ser reciclados ou
reaproveitados, deixando, portanto, de ir para os aterros, é apontada unanimemente
como um pilar importante da gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) considera que, em média, a
fração do lixo domiciliar urbano passível de reciclagem fica em torno de 30% do
peso total, sendo por volta de 60% do lixo constituído de material orgânico
(MAGERA, 2003, p.29). A parcela reciclável, porém, aumenta proporcionalmente à
renda dos geradores do lixo7.
Nos Estados Unidos, a percentagem de papel, papelão, vidro e plásticos nos
resíduos domiciliares fica em torno de 75%; no Japão, é mais de 90%; na Europa,
por volta de 70% - segundo dados citados por Neder (1998, p.160) e atribuídos à
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Na Alemanha, a parte reciclável do
lixo domiciliar urbano fica em cerca de 45% (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE DA
ALEMANHA, 2005, p. 16).
Na cidade de São Paulo, uma análise de 2004 mostra que, a despeito do
programa municipal de coleta seletiva e das iniciativas não-oficiais de separação do
material reciclável, ainda era possível, ao menos em tese, reciclar cerca de 28% dos
resíduos coletados regularmente (PMSP, 2004), como se pode ver no quadro da
página seguinte.
5
Segundo Hereda (2004), um aterro deve estar a pelo menos 500 m de distância de qualquer
residência.
6
Boa capacidade de suporte, baixo potencial hidrogeológico, litologia predominante de anfibolitos,
filitos, xistos e micas-xisto (SOBRAL, 1996, p.69).
7
Cohen (2003, p.256) cita um estudo do Banco Mundial que faz essa constatação e verifica, por
exemplo, que, enquanto a quantidade de vidro no lixo cresce com o poder aquisitivo, a matéria
orgânica se comporta de maneira inversa.
19
Quadro 1. Composição média ponderada dos resíduos sólidos domiciliares na cidade de São
Paulo em 2004
8
A PNSB é feita com base no que as prefeituras informam ao IBGE.
20
seletiva e 1.082 (19,5%) disseram fazer a reciclagem do lixo (IBGE, 2005, p. 345 e
346).
A título de comparação, na Alemanha, considerada quase sempre um
exemplo em gestão de resíduos sólidos, em 2001, foram produzidos cerca de 40
milhões de toneladas de lixo municipal. Por volta de 20,5 milhões de toneladas (52%
do total) foram separadas. Dessas, 8 milhões de toneladas eram lixo orgânico,
reaproveitado por meio da compostagem (transformação dos resíduos em adubo),
enquanto as embalagens, vidros e papéis enviados para a reciclagem somaram 12,5
milhões de toneladas - o equivalente a 31,3% do total de resíduos (MINISTÉRIO DO
MEIO AMBIENTE DA ALEMANHA, 2005, p. 19). No Brasil, em 2000, das 228,4 mil
toneladas de lixo recolhidas por dia, apenas 4.290 toneladas (ou quase 2%) foram
alvo da coleta seletiva (IBGE, 2002, p.309 e 359).
Os programas de reciclagem via coleta seletiva do lixo domiciliar começaram
a surgir, nos países desenvolvidos, nos anos 70. No Brasil, a experiência pioneira
ocorreu justamente na cidade de São Paulo, no início da década de 90, na gestão
da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), eleita na época pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Estudos dessa e de outras iniciativas nacionais já encerradas
ou em andamento revelam alguns percalços no caminho da viabilização de projetos
oficiais de coleta seletiva e reciclagem.
Neder (1998, p.180-183) faz pelo menos três recomendações a partir da
análise das experiências de São Paulo, Santos (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre
(RS) e Santa Catarina (SC): i) realização de um estudo de balanceamento
econômico (custo/ benefício) dos projetos; ii) análise do mercado de reciclagem,
para assegurar que haverá fluxo de venda do material separado9; e iii)
desenvolvimento, em paralelo à coleta seletiva, de projetos de educação e
informação da população.
Ressalvas parecidas são feitas por Grimberg e Blauth (1998, p.13 e 14).
“Tanto pelo lado econômico quanto pelo ambiental, é necessário que se realizem
estudos mais aprofundados dos processos de reciclagem antes de intensificar a
separação dos resíduos domésticos.” As autoras não recomendam, porém, uma
“moratória” das iniciativas de coleta seletiva, mas que os projetos sejam colocados
9
“[...] determinados locais são totalmente inapropriados para a implantação de um projeto de coleta
seletiva [...] ou por sua distância do mercado consumidor, ou dada a escala que o projeto venha a
atingir, ou pelo alto custo de implantação diante da arrecadação municipal etc.” (NEDER, 1998,
p.181).
21
região da Vila Madalena (zona oeste), que obteve até 70% de adesão da população
atendida, levou à expansão do programa. Em 1990, eram atendidas cerca de 60 mil
casas, divididas em 17 circuitos de coleta, e recolhidas dez toneladas de materiais
recicláveis por dia - na época 0,001% do lixo produzido no município. Foram
instalados também cerca de 50 Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) em locais
públicos como parques, supermercados e escolas (NEDER, 1998, p.174).
O projeto, porém, foi encerrado pela gestão municipal que se seguiu à de
Erundina e que teve Paulo Maluf como chefe do Executivo. O fato de, na
administração Maluf (1993-1996), ter-se descoberto que os recicláveis recolhidos
nos PEVs eram misturados com o lixo comum e jogados no aterro Bandeirantes
(CHAGAS, 1994; CASTRO, 1994) contribuiu para criar um clima de descrédito e
desmotivação em relação à coleta seletiva entre os paulistanos. Ao mesmo tempo,
sempre houve uma certa cobrança em torno da retomada da atividade. O
envolvimento popular em iniciativas locais, de condomínios, associações de bairros,
entidades beneficentes, universidades e redes de supermercados, por exemplo,
mostrava que havia, apesar do esvaziamento do projeto oficial e das dificuldades em
tornar a reciclagem economicamente viável, um nível de conscientização em relação
ao problema do lixo urbano e um desejo de contribuir para a sua melhor gestão.
Com uma população fixa de cerca de 11 milhões de habitantes, a cidade de
São Paulo é a maior metrópole da América Latina e o pólo central da quarta região
metropolitana do mundo. Seu gigantismo populacional e econômico - sozinho, o
município é responsável por 10,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional13 - se
reflete na dimensão dos problemas urbanos e socioambientais que, ano após ano,
eleição após eleição, desafiam os administradores públicos e a própria sociedade. A
gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos é um deles - e por sustentável
entenda-se economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente adequada.
Estima-se que atualmente cada morador de São Paulo produza por dia, em
média, algo próximo de 1 kg de lixo domiciliar. Em 2004, foram recolhidas, por mês,
em torno de 9.000 toneladas por dia nas casas e ruas da capital paulista, quantidade
que inclui o lixo de varrição e das feiras livres. Embora esse volume venha caindo ao
longo dos anos - seja pela crise econômica, que inibe o consumo; seja pelo desvio
de materiais recicláveis por meio das coletas seletivas informal e oficial; seja pela
maior precisão na pesagem do lixo, em virtude das acusações de fraude e pelo fato
13
IBGE, 2005b, p. 14.
24
de o pagamento dos serviços de limpeza urbana não ser mais feito por tonelada
recolhida14 -, ainda tem dimensões únicas e impressionantes. É, por exemplo, pouco
mais do que a soma de todo o lixo que se coletava em 2000 em Belo Horizonte,
Salvador e Recife juntas15.
O tamanho do problema aumenta quando se avalia a conjuntura que o cerca.
Como visto anteriormente, de tudo o que é coletado nas residências, cerca de 30%
são materiais passíveis de serem reciclados. E, mesmo tendo dois aterros sanitários
em vias de esgotamento, sem muitas perspectivas de novas áreas disponíveis para
receber resíduos, a cidade reciclava em 2004, por meio do seu projeto oficial de
coleta seletiva, batizado de Coleta Seletiva Solidária, na melhor das hipóteses 0,9%
de tudo o que era coletado16, desempenho ainda abaixo do 1% previsto pela
prefeitura quando do lançamento do programa em 2003.
No aspecto econômico do tripé da sustentabilidade, o quadro não é muito
melhor. Coleta, transbordo, transporte, destinação final e tratamento do lixo
domiciliar de São Paulo consumiram, em 2004, cerca de R$ 211 milhões17, o que
representou 1,5% do Orçamento municipal para aquele ano (de cerca de R$ 13,2
bilhões). Pode parecer pouco, mas não é. Esses recursos saíram dos cofres da
Secretaria Municipal de Serviços e Obras (SSO), mesmo após a entrada em vigor,
em 2003, da taxa de lixo18, que deveria custear o novo modelo de limpeza urbana,
baseado na concessão dos serviços a empresas privadas por até 20 anos.
A questão social em torno do lixo também é complexa. Cerca de 18% das
pessoas economicamente ativas19 da cidade de São Paulo estavam desempregadas
em 2004. Segundo dados de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe), feita em 2000 a pedido da Secretaria Municipal da Assistência
Social, ao menos 8.704 desempregados viviam então nas ruas apenas da área
14
A mudança ocorreu com a concessão dos serviços, que passou a funcionar em outubro de 2004.
15
A soma do lixo coletado nessas três capitais ficava em 8.787 toneladas por dia (IBGE, 2002, p.309-
312).
16
Trata-se de uma estimativa otimista porque leva em consideração a média de material que chegou
por mês às 15 centrais de triagem do projeto em 2004, 2.340 toneladas, segundo a prefeitura, em
comunicação pessoal em dezembro de 2004. Não considera, portanto, a parte de rejeito nesse
material, que voltava aos aterros. Para chegar ao percentual, leva-se em conta a coleta convencional
de 9.000 toneladas por dia, ou 270 mil toneladas por mês.
17
A execução orçamentária da Prefeitura de São Paulo está disponível em
<http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//secretarias/financas/execucao_orcamentaria/execucao_orcamentaria
.asp>. Acesso em: 18.jul.2005.
18
Em 2006, a taxa do lixo foi extinta pela prefeitura.
19
Segundo o IBGE, a População Economicamente Ativa (PEA) é a parcela das pessoas de 10 anos
ou mais que estão empregadas ou procurando emprego.
25
central da cidade e, desse total, pelo menos 4.230 (ou quase metade) sobreviviam
informalmente da coleta e venda de produtos recicláveis retirados do lixo.
Descrita dessa forma, São Paulo se mostra, portanto, como a antítese da
idéia de sustentabilidade em termos de gestão dos resíduos sólidos, na medida em
que tal noção implica uma inter-relação entre justiça social, qualidade de vida,
equilíbrio ambiental e desenvolvimento que respeite a capacidade de suporte
(HOGAN, 1993, apud JACOBI, 2001, p.386). Nesse contexto, entregar a coleta
seletiva a quem dela já tira seu sustento, ainda que de modo informal e
desestruturado, é uma proposta que se investe de grande importância
socioambiental.
Desde 2001, vem crescendo uma mobilização dos catadores de materiais
recicláveis em todo o Brasil, ou, pelo menos, vem tomando forma um movimento
que reúne representantes da Igreja Católica, organizações não-governamentais
(ONGs), sindicatos e lideranças de associações mais ou menos organizadas de
catadores. Tal fato é evidenciado por eventos como o Primeiro Congresso dos
Catadores (KOTSCHO, 2001), em Brasília, o Primeiro Congresso Latino-Americano
dos Catadores, em janeiro de 2003, em Caxias do Sul (RS), os festivais Lixo e
Cidadania e pelo surgimento e consolidação de diversos grupos (a maioria não tem
status legal de cooperativa), cujos discursos buscam sensibilizar governos locais
para o duplo papel da atividade do catador de rua: melhoria ambiental e superação
da pobreza.
20
Essa revisão bibliográfica não pretende, claro, dar conta da totalidade de abordagens sobre os
temas, mas ambiciona ser completa e levantar os autores e idéias mais relevantes.
21
Palsule (2004, p. 40) lembra que, muito antes de o termo desenvolvimento sustentável virar a
“panacéia” do fim do século 20, o fenômeno da sustentabilidade – “tão antigo quanto a própria vida” -
já podia ser observado nos sistemas naturais. O autor defende que a sustentabilidade é uma
“herança evolucionária” e qualquer outro modo de vida que não seja sustentável é uma aberração –
um argumento cuja lógica é indiscutível, qual seja, só sobrevive no tempo o que é sustentável.
22
Para uma discussão sobre a aplicabilidade do termo sustentável a outras áreas, fora da ecologia,
ver Rebelo (1996).
23
O conceito de ecodesenvolvimento lançado por Sachs é considerado um dos principais precursores
da idéia por trás da expressão desenvolvimento sustentável, na acepção que ela adota no relatório
“Nosso Futuro Comum”.
30
24
Em homenagem a Gro Harlem Brundtland, à época primeira-ministra da Noruega e presidente da
CMMAD.
31
25
Herman Daly em Steady-state economics. s.l.: W. H. Freeman & Co, 1978.
26
Nicolas Georgescu-Roegen em Energy and economic myths: institutional and analytical
economic essays. Nova York: Pergamon Press, 1976.
27
Foram analisados indicadores de poluição atmosférica urbana, nível de oxigênio, contaminação
fecal e por metais pesados nas bacias dos rios.
28
Segundo Veiga (2003), já há um indicador construído por pesquisadores das universidades de
Columbia e Yale que revela tragédias ambientais de países ricos como a Bélgica.
32
(1993) indica que há, na verdade, a necessidade cada vez mais imperiosa de negar
o paradigma tal como ele vem sendo majoritariamente encarado até então e
encontrar um outro modelo, que Sachs (1999, p.28) chama de desenvolvimento
inteiro (whole development) e que prescinde de quaisquer adjetivos para especificá-
lo. “O” desenvolvimento incluiria, portanto, as dimensões econômica, social e
ambiental, em igual peso; promoveria um crescimento econômico socialmente
igualitário e ambientalmente benigno.
Logo um ponto a ser esclarecido é o da vinculação entre desenvolvimento e
crescimento econômico. O primeiro ainda é visto, de forma geral, como sinônimo do
segundo, ligado, sobretudo, à maior produção industrial (VEIGA,1993), e romper
esse laço exclusivista, o que só agora começa timidamente29 a ocorrer, é
fundamental para alcançar o triplo efeito positivo.
O desenvolvimento sustentável não é, portanto, uma tentativa de “[...]
recuperar o desenvolvimento como categoria capaz de integrar desiguais [...] em
torno de um futuro comum” (GONÇALVES, 1996, p.43, apud RIBEIRO, 2001,
p.113). Não se trata de um “esverdeamento” da visão desenvolvimentista atrelada
unicamente ao crescimento econômico, sob o risco de se inverterem os papéis: “[...]
em vez da natureza, o desenvolvimento passa a ser o objeto de preocupação e, em
vez do desenvolvimento, a natureza passa a ser o fator crítico a ser observado”
(SACHS, 1999, p.73).
Nesse sentido, o caminho da apropriação de certas ferramentas do
paradigma a ser suplantado - como é o caso da busca de indicadores ambientais
confiáveis e da atribuição de valor econômico aos bens naturais, como pressuposto
para a internalização dos custos de sua degradação num processo produtivo que até
agora os via como externalidades - é apenas um engatinhar. Encontrar e aplicar os
mecanismos para completar a mudança num nível que ultrapasse o das iniciativas
pontuais e locais, de pequena e média escala, são os grandes problemas a serem
resolvidos. Sugestões de como fazê-lo não faltam.
31
As expressões “cidades sustentáveis” e “assentamentos humanos sustentáveis” foram muito
utilizadas na Habitat II, a segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos
(também conhecida como Cúpula das Cidades), realizada em Istambul (Turquia), em 1996
(SATTERTHWAITE, 2004, p.131).
35
estão por trás dessa noção ou definir com que atitudes, medidas e políticas se
poderá conseguir atingir os seus ideais - os quais, ainda que vagos, são
considerados de forma praticamente unânime como fundamentais para a
manutenção da qualidade de vida nos grandes centros urbanos do mundo num
futuro próximo.
Mesmo que haja imprecisão quanto à data em que apareceu pela primeira
vez nas discussões sobre os impactos ambientais urbanos32, a idéia de
sustentabilidade relacionada à cidade e seu ambiente, ao menos com essa sintaxe,
surge certamente na esteira da eclosão e da popularização da noção de
desenvolvimento sustentável. Assim como seu predecessor, ela sofre, no entanto,
da síndrome da generalização: quer dizer tanta coisa que, na prática, não se sabe
bem ao certo o que realmente quer dizer.
O “Relatório Brundtland” já abordava “o desafio urbano”, dando maior ênfase
para as suas dimensões nos países em desenvolvimento. Afinal, previa
corretamente o texto, o mundo do século 21 será predominantemente urbano, o que,
então, significava que “o mundo em desenvolvimento” precisaria aumentar “em 65%
sua capacidade de proporcionar infra-estrutura, serviços e moradias urbanos apenas
para manter as condições atuais [da época], quase sempre bastante precárias”
(CMMAD, 1988, p.19). A receita geral da CMMAD para a sustentabilidade urbana
(ainda que a expressão não seja literalmente usada no relatório) é a seguinte:
Os governos terão de formular estratégias de assentamento bem
definidas para orientar o processo de urbanização, desafogar os
grandes centros urbanos e erguer cidades menores, integrando-as
mais estreitamente às áreas interioranas. Isto significa rever ou
alterar políticas – tributação, fixação de preços de alimentos,
transporte, saúde, industrialização -, que se opõem aos objetivos das
estratégias de assentamento. (CMMAD, 1988, p.19)
32
Uma das primeiras sistematizações acadêmicas sobre o tema data de 1956, em dois artigos
publicados na obra “Man’s Role in Changing the Face of the Earth”. Um deles tratava das alterações
climáticas nas cidades, e o outro ligava a história da urbanização às transformações na natureza da
cidade e da região de sua influência (SOBRAL, 1996, p.12).
36
dilemas, eles não chegam a determinar o que seria a sustentabilidade das cidades
na prática. Na verdade, passam ao largo e não se preocupam sequer em reconciliar
os conceitos de ambiente e de urbano, separados historicamente em suas origens e
até vistos como antagônicos durante anos, como lembra Costa (2000).
Apesar de, pelo menos desde a década de 70, a noção de ambiente
estritamente ligada à natureza e às preocupações preservacionistas com áreas
verdes, fauna e flora intocáveis ter dado lugar a uma visão muito mais ampla, que
inclui logicamente as cidades, Costa afirma que, por conta desse afastamento inicial,
muitos estudos e trabalhos ambientais ainda subestimam a dimensão urbana e até
mesmo a negam como não-ambiental (COSTA, 2000, p.57).
É para tentar dar conta dessa lacuna conceitual que Moreira (2000) faz a
seguinte sistematização. O ambiente urbano se constitui do conjunto de relações
dos homens com o espaço construído e com os remanescentes da natureza, em
aglomerações constituídas por fluxos de energia e informação para nutrição e
biodiversidade. Tais relações se dão pela percepção visual e atribuição de
significado às conformações dos aglomerados e pela apropriação e fruição do
espaço construído e dos recursos naturais. Os impactos ambientais não são
qualquer alteração no ambiente urbano, mas somente aquelas que, produzidas pelo
homem e suas atividades, nas relações que constituem o ambiente, ocorrem numa
intensidade tal que excedem sua capacidade de absorção.
Na última definição, fica clara a fonte em que bebe o autor: a ecologia.
Continuando nessa linha, Moreira afirma que, por analogia aos ecossistemas
naturais, os ecossistemas urbanos obtêm energia e matéria do seu exterior, e o
interesse que motiva e torna imprescindível a preservação do ar, da água, do solo,
dos microclimas etc. vem da noção de que esses fatores podem impor limites ao
desenvolvimento e, por que não dizer, à sobrevivência das cidades ecossistemas.
A analogia não é nova. Sobral (1996, p.12) lembra que a relação entre teoria
ecológica e cidade foi inicialmente desenvolvida por sociólogos da Escola de
Chicago, por volta de 1915. Nos primórdios, o modelo importado era aplicado ipsis
literis, e prevalecia uma interpretação naturalista da sociedade e do espaço, não
havendo foco nos impactos humanos sobre o ambiente. Mas, ainda que haja críticas
à abordagem estritamente ecológica das cidades33, alguns de seus preceitos,
33
Para evitar o erro de transferir de forma excessivamente mimética os conceitos ecológicos ao
estudo da cidade, Guillen (2004, p. 82) propõe a adoção da expressão sistema urbano, em oposição
a ecossistema urbano. A cidade não se comporta como um ecossistema, entre outras razões, porque
38
tomados de forma mais ampla, ainda são aplicáveis quando se trata de definir os
critérios de sustentabilidade urbana. A analogia entre cidade e ecossistema
ressurge, portanto, nos anos 70, no âmbito da geografia.
De acordo com a visão mais recente, a cidade é vista como um ecossistema
aberto, perpetuado por trocas e pela conversão de grandes quantidades de
materiais e energia, funções que requerem uma concentração de trabalhadores, um
sistema de transporte e uma área de influência, fora do sistema em si, que forneça
os recursos requeridos pela cidade e absorva seus produtos (SOBRAL, 1996, p.13).
Nesse ecossistema urbano, além da modificação do ambiente, das inter-relações
entre o meio físico e o antropizado, há também uma constante interação entre
homem, ambiente e cultura. No modelo atualizado, é preciso incluir ainda a
complexidade da teia de relações econômicas e sociais, que a remissão direta à
biologia não consegue explicar.
Dos ecossistemas urbanos, o homem retira recursos naturais (ou já
alterados). Devolve-lhes em troca produtos e resíduos. A figura a seguir pode,
mesmo que de forma simplificada e esquemática, traduzir essa relação.
nesse conceito está embutido um certo determinismo ecológico - as coisas ocorrem porque
fatalmente têm de ocorrer -, enquanto uma das características da cidade, como de qualquer obra
humana, é a imprevisibilidade, fruto da capacidade de criação cultural.
39
35
Uma consulta às dissertações e teses defendidas no próprio Procam pode comprovar isso.
36
Além de Olson, Fernandes (2002, p. 80) cita outros precursores dessa corrente: Anthony Downs,
James Buchanan, Gordon Tullock, Keneth J. Arrow e Richard D. Mckelvey.
43
37
Cujo texto básico é o artigo “The nature of the firm”, de 1937, escrito por Ronald H. Coase.
38
Alguns dos principais adeptos dessa corrente são Walter W. Powel, Paul Dimaggio, James March e
Johan Olsen (FERNANDES, 2002, p. 81).
44
(1995), Ferreira e Ferreira (1995), entre outros, com os quais esta pesquisa
concorda, voltando seu foco para um dos pontos do tripé: as políticas públicas, ou
seja, a atuação dos governos, no caso específico do lixo, o municipal40.
Afinal, conforme relata Jacobi (1999, p. 385), a partir dos resultados de uma
extensa pesquisa de campo na cidade de São Paulo em meados dos anos 90, para
os moradores dos grandes centros urbanos, é significativa a relevância da ação
governamental enquanto controladora, gestora-indutora e direcionadora da
conservação ambiental. Outra razão importante para a escolha desse viés de
análise é bem explicitada por Vieira (1995):
[...] a credibilidade do enfoque do ecodesenvolvimento junto à
opinião pública parece depender também, 15 anos após a sua
gênese, de um manejo mais lúcido e analiticamente rigoroso de
fatores ligados às pré-condições de viabilidade política das
estratégias sugeridas. [...] uma análise mais rigorosa de obstáculos
de natureza política, com ênfase para a elucidação de fatores ligados
à dinâmica institucional que condicionam a viabilização dos projetos,
deveria ser incorporada como elemento indispensável do trabalho de
concepção e implementação de estratégias regionalizadas (VIEIRA,
1995, p.131).
40
A gestão dos resíduos sólidos no Brasil é uma atribuição dos municípios e se insere na categoria
de serviço público, que é aquele instituído, mantido e executado pelo Estado, com o objetivo de
atender aos seus próprios interesses e de satisfazer as necessidades coletivas. A Constituição de
1988, em seu artigo 30, incisos I, II e V, estabelece que é competência do município legislar sobre
assuntos de interesse local, suplementar as legislações federal e estadual, quando necessário, e
organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local.
41
O que produzem os que governam, para alcançar que resultados e por que meios (MENY e
THOENIG, 1992, p. 7)
46
Por exemplo, o analista de políticas públicas pode concluir que nem sempre,
no decurso da implementação de tais políticas, houve ou há um genuíno desejo de
que as decisões sejam colocadas em prática. Isso porque não se pode esquecer do
caráter literalmente político das administrações públicas, que, obviamente, permeia
a elaboração e implementação das políticas, as quais não podem ser vistas apenas
do ponto de vista técnico-gerencial (SUBIRATS, GOMÀ, 1998, p. 31).
Especificamente em relação às políticas ambientais43, é possível distinguir
três etapas históricas de sua caracterização. Segundo a divisão feita por Lustosa,
Cánepa e Young (2003, p.136 e 137), a primeira fase se estendeu do fim do século
19 até o período anterior à Segunda Guerra Mundial e teve como forma preferencial
de intervenção estatal a disputa em tribunais, onde as vítimas dos prejuízos
ambientais entravam em litígio contra os agentes poluidores ou devastadores. A
longo prazo, porém, a disputa judicial se tornou custosa e excessivamente lenta, e
os casos começaram a se acumular.
Houve então a passagem progressiva para a segunda fase, a qual foi
denominada de “comando e controle” e tinha duas características bem definidas: i) a
imposição por parte das autoridades de regras e padrões ambientais e ii) a
determinação do uso da melhor tecnologia possível para evitar impactos sobre o
42
Neste trabalho, foi adotada a definição dada por Meny e Thoenig (1992, p.9): “política pública é o
programa de ação de uma autoridade pública. Esse programa e as atividades que implica compõem a
unidade base de que se serve o analista do trabalho governamental.”
43
Definidas por Lustosa, Cánepa e Young (2003, p.135) como conjuntos de metas e instrumentos que
visam reduzir os impactos negativos da ação antrópica sobre o meio ambiente. Necessárias para
“induzir ou forçar os agentes econômicos a adotarem posturas e procedimentos menos agressivos ao
meio ambiente” (p.139).
47
44
Como foi chamada a segunda Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento das
Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
49
homem se sedentarizou e não pôde mais simplesmente deixar para trás os resíduos
de sua existência, há cerca de 10 mil anos, o lixo é um dilema tipicamente urbano,
que vem crescendo em dimensão desde a virada do século 19 para o 20.
Na São Paulo dos séculos 17 e 18, por exemplo, a preocupação com a
limpeza da cidade concentrava-se nos espaços públicos, em dias de festejos, e a
identificação do que era sujo ou imundície estava relacionada, em geral, a
elementos naturais como restolhos de grama, espinhos, ervas, matos e
excrementos de animais. Naquela época, não havia sequer sistema de limpeza
organizado; no dia-a-dia da cidade, tal atividade era realizada por escravos e
detentos, portanto por excluídos do sistema social, como forma de castigo. A
necessidade de limpeza apoiava-se, assim, menos numa preocupação sanitária do
que em valores morais e intenções punitivas (MIZIARA, 2001, p.36-38).
Nas grandes cidades brasileiras, em especial em São Paulo, só com a
ocorrência de epidemias, no último quartel do século 19, o lixo passou a ser fonte de
inquietações para as autoridades e potencial perigo para a saúde e a ordem pública.
Na capital paulista, a montagem e estruturação dos serviços de limpeza ocorreram
entre 1891 e 1893 (MIZIARA, 2001, p.41 e 47). No início do século 20, a reutilização
informal de materiais encontrados no lixo, então largamente praticada pelos
trapeiros, carroceiros e sucateiros que já trabalhavam na cidade de São Paulo,
passou inclusive a ser condenada abertamente pelos sanitaristas - ainda que isso
não tenha sido suficiente para acabar com tais atividades.
Miziara (2001, p.80) afirma, com base em extenso e interessante
levantamento de documentos históricos, que o esforço higienista do começo dos
anos 1900 obedecia a um projeto de construção de uma “cidade civilizada” onde, a
partir de então, não só era preciso tirar o lixo do campo de vista nos dias festivos
mas também dar aos resíduos um destino correto no cotidiano. O progresso da
cidade começava a ser medido também pela existência em si dos resíduos e pelos
métodos de sua destinação final.
A partir da década de 70, o aumento da quantidade de lixo produzido nos
centros urbanos tornou-se um problema cada vez mais presente, despertando, por
um lado, preocupações - que acabaram por estimular a produção de estudos e
projetos técnicos sobre o tema - e, por outro, o interesse da mídia. De uma forma
geral, o lixo se apresentava, então, como algo “ameaçador da ordem social”
(MIZIARA, 2001, p.19).
51
45
Remetendo a jornais da época, Miziara (2001, p.197) cita o projeto Recuperação de Áreas por
Resíduos Sólidos (Rares), que visava associar urbanização e áreas deterioradas à destinação final de
lixo em aterros sanitários; e o da Empresa Regional do Lixo, que seria uma empresa metropolitana
para cuidar do transporte e destinação final dos resíduos.
52
46
Estudo da Environmental Protection Agency (EPA), de 1998, apontou que a reciclagem dos quatro
principais materiais encontrados no lixo doméstico nos EUA (papel, ferro, vidro e plástico, que, juntos,
representam metade do volume total de resíduos), em vez do seu simples aterramento ou queima,
resultaria na economia de 0,8 tonelada métrica de carbono equivalente por tonelada de lixo
reaproveitado, ou 17 milhões de toneladas métricas de carbono equivalente para cada 10% de lixo
reciclado (MURRAY, 2002, p.10 e 11). No Reino Unido, o mesmo modelo de cálculo levou a
resultados de igual impacto.
53
47
Lei 10.954/91, que dispõe sobre a coleta seletiva do lixo industrial, comercial e residencial, de
autoria do então vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e mais tarde Secretário Municipal do
Verde e do Meio Ambiente da gestão Marta Suplicy, Adriano Diogo.
48
É claro, porém, que as vantagens socioeconômicas estão longe de se restringir aos países em
desenvolvimento. Uma série de dados levantados por Murray (1999, p. 73) atestam que, em estados
e cidades norte-americanas, indicadores de reciclagem crescentes correspondem à criação de
milhares de empregos em indústrias de reaproveitamento de materiais ou baseadas na reciclagem.
54
49
Murray (2002), Miziara (2001), Rodrigues (1992), Carregal (1992), Eigenheer (1992) são apenas
alguns deles. Os três últimos estiveram entre os participantes de um seminário ocorrido em 1990, no
Rio de Janeiro, para discutir a questão do lixo sob os mais diversos pontos de vista. O evento gerou
uma interessante coletânea de pequenos textos.
55
O lixo tem sido visto como o lado negro, como a oposição ao que é
bom. Tem sido o intocável no sistema de casta das commodities. A
idéia de que o lixo poderia ser útil, de que tomasse seu lugar entre
os vivos vai muito além das questões técnicas. Ela desafia toda a
forma de pensar sobre as coisas e seus usos e a maneira como nós
nos definimos em relação às commodities: pelo que jogamos fora,
mais do que pelo que guardamos (MURRAY, 2002, p.18).
Murray (2002) ressalta que há duas linhas de pensamento que buscam dar
ao lixo uma nova identidade: a que combina o utilitarismo e o puritanismo, mais
antiga, e, recentemente, a ambiental.
A primeira advoga que nada deve ser desperdiçado e busca sempre novos
usos para os objetos, de forma a preservar o valor inerente a eles, particularmente
aquele advindo do trabalho empregado na sua fabricação50.
A segunda revê o papel do lixo no ciclo natural da matéria: em vez de encarar
o resíduo pelo seu valor de uso, o faz pela sua capacidade de reciclagem. Lixo bom
é lixo reciclável, e o teste de cada commodity é saber se ela poderá virar um bom
lixo. Essa corrente não apenas foca na reciclagem pós-uso mas se preocupa
também com o extremo oposto: a fabricação dos produtos, que, paulatinamente,
deve se livrar de materiais perigosos e não-recicláveis. Na última instância desse
estágio de pensamento, ainda distante da realidade brasileira, a questão central se
desloca para o redesenho dos processos industriais51.
50
Murray defende que tal ética em relação ao trabalho, ligada aos princípios puritanos, explica em
parte por que a reciclagem (e, portanto, a coleta seletiva) tem mais sucesso entre os países
protestantes europeus.
51
Em resumo, a política de “lixo zero” (“zero waste”) significa reciclabilidade e reciclagem máximas.
57
55
Essa comparação de valores adotada pelo Cempre ignora, no entanto, que os custos da coleta
convencional de lixo domiciliar não podem ser considerados isolados dos custos com transbordo e
disposição final, que, somados, elevam o gasto por tonelada. Em contrapartida, as despesas com
essas atividades praticamente inexistem na coleta seletiva, sobretudo quando feita em parceria com
cooperativas de catadores, como mostrará, mais adiante, o caso de São Paulo.
56
Sobre os ganhos econômicos com a reciclagem, ver Calderoni (1999), cujo trabalho, apesar de
questionado, continua a ser a única baliza para esse tipo de análise em relação à reciclagem.
63
Uma avaliação geral do quadro da coleta seletiva no Brasil, tendo como base
os dados do IBGE relatados na “Introdução” deste trabalho e os resultados da série
do Ciclosoft, não é muito animadora e indica haver dificuldades para que as
prefeituras coloquem em prática o discurso socioambiental no que diz respeito ao
lixo, fazendo com que a coleta seletiva não passe ainda de uma unanimidade
retórica no país. Mas que dificuldades podem ser essas é uma questão que ainda
encerra algumas lacunas e dúvidas, apesar de ser crucial para o sucesso de
projetos futuros e em andamento.
É claro que as razões para a não-adoção ou para o insucesso de programas
municipais de coleta seletiva variam de caso para caso, respondendo a
circunstâncias e características específicas de cada município. Entretanto, como o
objetivo deste trabalho é avaliar um projeto dessa natureza, vale uma tentativa de
enumerar fatores que geralmente se constituem limites comuns a iniciativas do
gênero, buscando-se, ao mesmo tempo, delinear um possível caminho de
superação desses obstáculos.
Uma vez implantados, os programas de coleta seletiva e reciclagem devem
seu sucesso fundamentalmente ao trabalho voluntário das pessoas em seus
domicílios, as quais, sem nenhuma compensação imediata por isso, deverão se
engajar na tarefa nem sempre muito simples de separar os materiais recicláveis do
restante do lixo. Do ponto de vista estritamente utilitarista, portanto, é surpreendente
que haja qualquer tipo de adesão a iniciativas dessa natureza.
64
57
Estudo detalhado feito por Murray na cidade de Essex, no Reino Unido, concluiu que um programa
intensivo de reciclagem corta algo em torno de 14% dos custos de limpeza urbana em geral,
conclusões que, segundo o autor, são reforçadas por resultados de iniciativas em Seattle e outros
locais nos EUA (MURRAY, 1999, p.97). Por sua vez, um estudo da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), citado por Grimberg e Blauth (1998, p.51), mostrou que a duplicação da quantidade
de resíduos separados nos domicílios de Florianópolis reduziria em 50% os custos do programa de
coleta seletiva municipal.
65
dois fatores mercadológicos que precisam ser corrigidos para que se tenha
viabilidade econômica na reciclagem: i) os custos dos sistemas de coleta seletiva e
reciclagem, que não refletem seus benefícios ambientais (e, no caso brasileiro,
sociais); e ii) imperfeições na operação do gerenciamento dos resíduos. Ambas as
questões podem e devem ser atacadas por políticas públicas (MURRAY, 1999,
p.89).
Numa avaliação que, apesar de não dizer respeito especificamente aos
países em desenvolvimento, pode perfeitamente ser aplicada ao caso das grandes
cidades brasileiras, inclusive São Paulo, Murray conclui que o problema é, como
antevisto no capítulo 2, institucional.
A indústria de lixo é estruturada em torno da disposição final: suas
funções têm sido reunir o máximo de lixo possível, compactá-lo o
máximo possível e mandá-lo para os locais de disposição final. Suas
formas de organização, história e cultura têm uma profunda
influência na maneira como as estratégias relacionadas ao lixo são
desenvolvidas. [...] As firmas privadas de lixo, em sua maioria, não
têm procurado se reestruturar em torno dessas habilidades
[necessárias à implantação de programas intensivos de coleta
seletiva e reciclagem] porque não é aí que está o dinheiro. Se elas
oferecem serviços de compostagem ou reciclagem, tais sistemas
estão focados em grandes instalações: usinas de compostagem ou
reciclagem baseadas em capital intensivo e nas formas tradicionais
de coleta58 (MURRAY, 1999, p.98 e 99).
58
O autor cita como exemplo dessa estratégia cara de reciclagem o caso alemão.
66
Assim como a história do lixo se confunde com a das cidades, a história dos
catadores de materiais reaproveitáveis ou recicláveis se confunde com a do lixo.
Na São Paulo59 da virada do século 19 para o 20, por exemplo, trapeiros,
sucateiros e carroceiros, entre outros, já eram personagens do cotidiano da cidade e
que subvertiam tanto a nascente lógica sanitarista como as ordens legal e
econômica vigentes. Era comum, naquela época, moradores contratarem seus
serviços, e, na maioria das ocasiões, os trabalhadores informais negociavam
diretamente com as donas-de-casa, que os viam com grande simpatia. Para elas, os
ambulantes prestavam um bom serviço, livrando-as de entulhos de pouco valor e
nenhuma utilidade (MIZIARA, 2001).
Entre os trapeiros, havia os catadores e os atacadistas. Os primeiros
retiravam do lixo em si papel, trapos, ferros e zinco e, na maior parte das vezes,
revendiam esse material aos segundos, que atuavam como antepassados dos
sucateiros. Retratos60 e depoimentos da época revelam que o trabalho era feito por
homens, mulheres e até crianças, alguns deles estrangeiros que haviam migrado
para o Brasil, a exemplo dos espanhóis, que dominavam entre os sucateiros e para
quem o principal material recolhido eram os metais. A indústria de trapos de São
Paulo havia iniciado suas atividades em 1896 e as intensificado a partir de 1918, por
ocasião da Primeira Guerra Mundial (MIZIARA, 2001, p.67-74). Um estudo de 1919,
levantado por Miziara (2001), localiza, naquele ano, 26 depósitos de trapos na
capital paulista.
Conforme exposto no capítulo anterior, porém, no início do século passado, o
lixo já era considerado uma potencial ameaça à saúde e à ordem pública. Sendo
assim, as atividades a ele relacionadas - dos trapeiros, carroceiros, sucateiros, entre
outros - passaram a ser classificadas oficialmente como perigosas. “De fato,
constatou-se que era uma atividade lucrativa e que estava nas ‘mãos’ de ‘outros’”,
lembra Miziara (2001, p.75).
Por essas duas razões, o Serviço Sanitário de São Paulo determinou, em
1914, uma série de regras que, pela primeira vez, disciplinavam a limpeza da
59
Tal situação estava longe de ser exclusiva da capital paulista, havendo registro de quadro
semelhante, por exemplo, no Rio de Janeiro. Mas, como o objeto desta pesquisa é uma política
pública de São Paulo, o texto vai se ater às informações referentes a essa cidade.
60
O livro de Miziara (2001) reúne algumas imagens interessantes, mas que, por serem de baixa
qualidade, não foram incorporadas a este trabalho.
68
Consumo
Recuperação de Taxa de
aparente de
Ano papéis recicláveis recuperação
papel de todos
(mil t) (%)
os tipos (mil t)
1980 3.428 1.052 30,7
1990 4.053 1.479 36,5
2000 6.814 2.612 38,3
2002 6.879 3.017 43,9
Fonte: Bracelpa
Os índices de reciclagem do vidro - segundo material mais importante na
coleta seletiva - também vêm crescendo, segundo os dados disponibilizados pela
61
Mais uma vez, convém lembrar que os dados levantados tiveram como “data limite” o ano de 2004,
por se tratar do período de trabalho de campo desta pesquisa.
62
De acordo com a revista “PPI – Pulp & Paper International”, de julho de 2002.
63
Com base em dados da American Forest & Paper Association (AF & PA).
70
64
<http://www.epa.gov/garbage/facts-text.htm>. Acesso em: 25 ago. 2005.
65
<http://www.feve.org/>. Acesso em: 25 ago. 2005.
66
A Plastivida é o instituto socioambiental do plástico. Representa institucionalmente a cadeia
produtiva do setor para divulgar a importância dos plásticos e promover sua utilização
ambientalmente correta, ao mesmo tempo em que prioriza iniciativas de responsabilidade social. Foi
fundada em 1994, e sua página na Internet fica em <www.plastivida.org.br>.
71
Alemanha 31,1
Áustria 19,1
Brasil 16,5
Holanda 16,2
Bélgica 15,4
Espanha 15
Europa Ocidental 14,8
Finlândia 13,6
Itália 12,9
União Européia 12,8
Noruega 10,5
Dinamarca 10,3
França 9,2
Suécia 8,3
Inglaterra 8
Irlanda 7,8
Suíça 7,3
Portugal 2
Grécia 1,9
0 5 10 15 20 25 30 35
Fonte:Plastivida
Fonte: Abal
mais) fundamental quanto o das questões técnicas como causas dos problemas
ambientais, logo, a solução desses passa necessariamente pelo equacionamento
daquelas. Como afirma Foladori (2001, p.102), as questões ambientais surgem
como resultado da organização socioeconômica das sociedades, e qualquer
problema aparentemente externo é, na verdade, primeiro um conflito no interior
dessa sociedade. Ou dito de forma talvez mais radical:
A maioria das análises ambientais parte de uma perspectiva técnica
[...] há uma questão técnica como denominador comum: os limites
físicos com os quais o ser humano se defronta em seu
desenvolvimento. [...] a contradição comumente delineada entre
limites físicos e desenvolvimento social é equivocada. A sociedade
humana nunca se defronta, em seu conjunto, com limites físicos.
Pelo contrário, a sociedade humana, antes de se deparar com
limites naturais ou físicos, está frente a frente com contradições
sociais. (FOLADORI, 2001, p.17 e 18)
68
Em setembro de 2005, sob a gestão do prefeito José Serra (PSDB), a subprefeitura de Pinheiros
deu um prazo de um mês para que a Coopamare deixasse a área ocupada com autorização
municipal, alegando que havia sido obrigada pela Justiça, após ação movida por moradores, a
despejar a cooperativa. A decisão gerou polêmica e mobilizou alunos e professores da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), que realizam aulas no local e têm o trabalho da cooperativa
como alvo de pesquisa. No início de outubro, era noticiada a desistência da prefeitura em retirar os
catadores (BALAZINA, 2005).
75
69
<www.coopamare.org.br>. Acesso em: 30 ago. 2005
70
Segundo reportagem publicada no jornal “Folha de S. Paulo” em 2 de janeiro de 2005.
76
71
Singer (2000) chega a sugerir que, adotando os princípios da economia solidária, notadamente a
autogestão, as cooperativas de produção conseguem escapar do dilema entre ter sucesso e se
tornarem firmas capitalistas ou fracassarem como empresas.
72
Largamente dominado por donos de ferros-velhos e de empresas de aparas de papel, que
costumam ter seus próprios catadores “free-lance” e funcionam como intermediários, comprando-lhes
o produto recolhido por preços geralmente muito abaixo dos de mercado para vendê-los mais caros
às empresas recicladoras.
78
de soja e trigo, e nos anos 60, também em razão de estímulos financeiros dados ao
setor agrícola pelos militares (MAGERA, 2003, p.62-64).
De acordo com a lei 5.764/71, uma cooperativa deve ter no mínimo 20
integrantes, regidos por um estatuto elaborado e aprovado por todos. Segundo
dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), em 2003 existiam 7.355
cooperativas no país, onde trabalhavam cerca de 5,8 milhões de pessoas. Essas
cooperativas foram responsáveis por 6% do PIB nacional naquele ano e atuavam
em 13 ramos, sendo que o maior número de iniciativas estava entre as cooperativas
de trabalho (2.024 ou 27,5%), seguidas pelas agropecuárias (1.519 ou cerca de
21%). O Sudeste concentrava a maior parte tanto das cooperativas como dos
cooperados em atividade.
O cooperativismo obedece a sete princípios normatizadores, que vêm sendo
ajustados segundo as transformações socioeconômicas e culturais por que passa a
sociedade, mas, em linhas gerais, estabelecem o seguinte: i) adesão livre e
voluntária; ii) controle democrático por parte dos sócios; iii) participação econômica
dos sócios; iv) autonomia e independência; v) oferta de educação, treinamento e
informação; vi) cooperação entre cooperativas; e vii) preocupação com a
comunidade (MAGERA, 2003, p.55).
Em relação especificamente à economia solidária, ela começa a ressurgir no
Brasil, ainda de forma esparsa, nos anos 80, como reação dos movimentos sociais à
crise de desemprego, tomando impulso a partir da segunda metade da década
seguinte. Em 1994, diversas empresas autogestionárias fundaram a Associação
Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação
Acionária (Anteag); praticamente no mesmo período, surgiram também as
Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), pertencentes a
universidades e voltadas à organização da população mais pobre em cooperativas
de produção ou trabalho, por meio de apoio administrativo, legal, político, entre
outros. Mais recentemente, outras entidades de apoio à economia solidária foram
formadas no âmbito de grandes centrais sindicais, da Igreja e das diferentes esferas
do próprio poder público (SINGER, 2000, p.24 e 25).
Tal ressurgimento, que não se restringiu ao Brasil, mas se verificou também
em outros países latino-americanos, se deveu também a quatro razões básicas, no
entender de Santos e Rodríguez (2002, p.35-37), relacionadas às condições
políticas e econômicas contemporâneas, as quais tornam as cooperativas de
80
73
O autor entrevistou dez cooperados de cada uma das cinco iniciativas que visitou, as quais não
foram identificadas.
83
74
É interessante notar que os apoios externos, principalmente de instituições ligadas à Igreja
Católica, foram cruciais para o desenvolvimento de algumas iniciativas de coleta seletiva oficial com
catadores e sua consolidação, a exemplo do que ocorreu em Belo Horizonte e Porto Alegre e, em
certa medida, em São Paulo. Com será visto mais adiante, tal “interferência externa” é vista como
benéfica por muitos estudiosos dos casos mineiro e gaúcho, mas, nos trabalhos de campo em São
Paulo, ela foi criticada por muitos dos líderes das cooperativas da Coleta Seletiva Solidária. De
qualquer forma, a existência de parcerias foi considerada um indicador positivo de sustentabilidade
tanto para os programas municipais de coleta seletiva com catadores como para as organizações de
catadores neles envolvidas.
84
não apenas recolher e triar o material reciclável mas também se ocupar da sua
transformação, conferindo a ele um maior valor agregado. Outro fator de sucesso foi
a venda dos produtos diretamente à indústria, se necessário, por meio de
cooperativas de venda. Um terceiro ponto foi a oferta, por parte da cooperativa, de
“regalias sociais”, como forma de atrair e manter os catadores no grupo e
motivados. “De fato, em alguns casos, [as regalias sociais] são até a única razão
pela qual os recicladores permanecem nela [na cooperativa]”, afirma o autor
(RODRÍGUEZ, 2002, p.355). Outros dois fatores importantes repetidamente
levantados são, por um lado, a constituição e fortalecimento de redes que
congreguem as cooperativas de catadores e, por outro lado, a sua integração com
organismos estatais de promoção social e econômica porque “é improvável [...] que
sem o apoio estatal possam ser criadas as condições para que prospere uma
economia solidária” (RODRÍGUEZ, 2002:362).
75
BATISTA, 2004, p.53.
87
78
O documento, sem data de elaboração, é de autoria de Marco Antonio de Almeida, a partir do
relatório de Marco Antônio Carvalho Teixeira para o Programa Gestão Pública e Cidadania. Está
disponível em <http://federativo.bndes.gov.br/dicas/residuos.htm>. Acesso em: 20 mar. 2006.
79
O relatório do Fórum Municipal Lixo & Cidadania de Belo Horizonte (2005) aponta a existência de
pelo menos outras seis associações em atividade na capital mineira; uma delas é, inclusive, fruto de
uma dissidência da Asmare.
89
para custeio de despesas. Todo o programa foi desenvolvido com verbas próprias
da prefeitura, que afirma ter sido o Orçamento Participativo muito importante para
concretizá-lo. A operação custa aos cofres municipais R$ 76,67 por tonelada,
segundo a prefeitura, o que corresponde a 2,3% do orçamento do DMLU. O custo é
considerado baixo pelo poder público, que o justifica pela otimização da frota e
principalmente pelo fato de não incluir despesas com a triagem – a cargo dos
catadores.
As unidades de reciclagem tiveram também o apoio e investimentos indiretos
de ONGs, principalmente as ligadas à Igreja.
No fim de 1998, foi constituída oficialmente uma Federação de Recicladores
do Rio Grande do Sul, que dá aos associados maior poder para negociar a venda
do material às indústrias. Assim como em Belo Horizonte, está em obras em Porto
Alegre uma usina de reaproveitamento que beneficiará o plástico triado em todas as
unidades de reciclagem. Há também um projeto de uma central de vendas, vista
como uma medida para resolver os eventuais problemas em relação à
comercialização, pois possibilitará o armazenamento das grandes quantidades
exigidas pelas indústrias e eliminará, em todos os casos, o intermediário. Outra
vantagem apontada é poder armazenar o material, respeitando sua sazonalidade de
valor comercial.
Segundo Martins (2003, p. 82), a renda líquida média dos trabalhadores das
associações de Porto Alegre ficava em torno de um salário mínimo em 2003 (R$
200 em valores da época)80. Além do ganho relativamente baixo, na avaliação do
caso de Porto Alegre, a autora enumera outros problemas: as associações não
recolhem para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS); são registradas muitas
faltas e alta rotatividade; os associados não têm praticamente nenhum benefício; os
regimentos internos das associações nem sempre estão formalizados; os galpões
de triagem têm um nível relativamente alto de insalubridade (ruídos, odores, animais
como ratos e baratas); há conflitos internos; a competição com catadores
autônomos não tem arrefecido; entre outros. Quase todos esse problemas são
comuns às cooperativas que atuam na Coleta Seletiva Solidária, em São Paulo,
como se verá mais adiante, no capítulo 5.
preparados e por dois caminhões tipo gaiola, que também fazem a coleta seletiva
nas escolas municipais.
Nas CSRs, os catadores trabalham com infra-estrutura e benefícios
adicionais, entre os quais cesta básica, seguro de vida, plano médico-assistencial,
entre outros, e tiram sua renda da produção e venda dos recicláveis.
A divulgação da coleta seletiva é feita por meio da imprensa e por
funcionários da Comlurb, que orientam os moradores.Com o objetivo de esclarecer a
população, a empresa distribui folhetos.
ainda não tinha sido implantada se dirigiam ao Centro de Reciclagem para levar o
lixo separado, o que demonstrava para os organizadores a viabilidade da iniciativa.
Sob influência dos bons resultados da coleta seletiva, foi promulgada em 28
de janeiro de 1991 uma lei de autoria do então vereador petista Adriano Diogo (mais
tarde Secretário do Verde e do Meio Ambiente, na gestão Marta Suplicy), prevendo
que todo o lixo da cidade deveria ser coletado de forma seletiva na fonte de
produção e que a forma de separação desse lixo se daria de duas maneiras: em
orgânico e não-orgânico.
O ano de 1992 foi marcado por um contínuo crescimento da coleta seletiva,
que teve o seu ápice, atingindo 80 mil domicílios, distribuídos em 37 circuitos, e 50
PEVs, com uma média diária de coleta em torno de 1% do total do lixo.
Apesar da boa avaliação geral e de ser uma política pública que teve o
reforço de uma lei municipal, o projeto foi paulatinamente abandonado pela gestão
municipal que se seguiu à de Erundina e teve Paulo Maluf como chefe do Executivo.
Já no terceiro mês de governo, Maluf anunciou o fim da coleta seletiva, alegando
que o sistema era deficitário e demonstrando que, enquanto a coleta regular tinha
um custo de US$ 25 por tonelada, a seletiva custava US$ 417.
As opiniões se dividiram até mesmo dentro do governo. Houve uma pronta
reação dos moradores das áreas atendidas pelo projeto. As críticas também tiveram
a adesão de setores organizados da sociedade, como sindicatos e ONGs.
Diante das pressões, o município acabou recuando e passou a afirmar que,
além de manter o sistema de coleta seletiva, até o fim do governo Maluf seria
duplicada a capacidade de operação do projeto – o que não ocorreu. Ao contrário, o
que se observaram no decorrer da gestão Maluf foram vários fatos que esvaziaram e
até desacreditaram a iniciativa.
Reportagem publicada pela “Folha de S. Paulo” em 29 de março de 1993
(TIVERON, 2001) mostrava que os funcionários da coleta seletiva estavam
trabalhando em péssimas condições de higiene e de segurança, sem luvas e roupas
adequadas. Duas semanas depois, a prefeitura anunciou que já tinha solucionado o
problema. Passou, porém, a não destinar corretamente os materiais recicláveis. Em
março de 1994, após receber denúncias, a “Folha” conseguiu flagrar a prefeitura
jogando lixo da coleta seletiva, previamente separado e retirado do centro de
triagem, no aterro sanitário, o que causou a indignação dos moradores envolvidos
com a experiência (CASTRO, 1994). No segundo semestre daquele ano, a coleta
96
Desde que assumiu, em 2001, a prefeita Marta Suplicy (PT) prometia ampliar
a coleta seletiva de São Paulo, então reduzida a quase nada. Naquele ano, a capital
paulista produzia pouco mais de 14 mil toneladas de lixo por dia. Do total, 36,1%
poderiam ser reaproveitados, mas a prefeitura reciclava apenas 0,03%. O Limpurb
dispunha de R$ 300 mil para o lixo reciclável, o que só era suficientes para manter o
que já existia: o contrato com uma empresa que passava por 22 áreas da cidade.
Uma alternativa para a reciclagem era separar o material e entregar a um dos 73
grupos organizados de catadores que atuavam então na cidade, em supermercados
ou a entidades beneficentes.
Mesmo afirmando que a coleta seletiva era a prioridade "número zero", o
primeiro diretor do Limpurb na gestão Marta não a incluiu na planilha de custos para
a primeira licitação do lixo. Sem isso, o objetivo do município, de aumentar o
percentual de reciclagem oficial para 1% parecia bastante difícil de atingir.
Numa das audiências públicas da referida concorrência, verificou-se a
primeira ação dos grupos organizados de catadores de rua no sentido de levar a
prefeitura a incluí-los no sistema de limpeza urbana - por meio do apoio financeiro às
iniciativas já existentes, de forma que elas pudessem ampliar sua estrutura. Na
época, segundo cálculos do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo 85, as
15 iniciativas de coleta seletiva e reciclagem existentes na capital paulista
precisariam de pelo menos cerca de R$ 5,5 milhões para garantir a capacitação dos
catadores e a ampliação da estrutura, uma vez que operavam no limite do espaço
83
PMSP/ LIMPURB (2004).
84
A análise gravimétrica da prefeitura é feita após o recolhimento do lixo nas casas, logo se algo foi
desviado antes, não entra na contabilidade.
85
O Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo é uma rede criada em 2000 pelo Instituto Pólis
em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). É constituído por cerca de 60
instituições dos mais diversos setores da sociedade, voltadas para a gestão sustentável dos resíduos
sólidos.
98
para a coleta seletiva, a Taxa do Lixo passou a valer em 2003. Estabelecia o pagamento mensal de
um valor proporcional à quantidade de lixo gerada em cada domicílio, a qual deveria ser declarada
pelo morador. O tributo tinha como objetivo o custeamento do novo sistema de limpeza urbana,
centrado na concessão dos serviços convencionais, que passou a valer em 2004. Foi, entretanto,
muito mal recebido e combatido juridicamente pela população e por entidades. Em 2006, a Taxa do
Lixo foi extinta pelo então prefeito José Serra (PSDB).
101
seria boa por falta de informação tanto da população quanto dos funcionários da
coleta e pelo fato de os caminhões coletores serem compactadores. Embora a
prefeitura tenha respondido que os caminhões não teriam o sistema de
compactação ativado, preservando os materiais, o fato é que o rejeito no material
recolhido pelas empresas ficou muito acima daquele no material recolhido pelas
próprias cooperativas87.
Embora o ritmo de implantação da proposta tenha sido mais lento que o
previsto, no fim de 2003 havia dez centrais. Em 2004, outras cinco foram
inauguradas, totalizando as 15 centrais em funcionamento no fim da gestão Marta
Suplicy.
87
Conforme informado pelos entrevistados nas centrais durante o trabalho de campo e relatado
também por Grimberg, Goldfarb e Tuszel (2004).
102
90
Cita a pesquisa “Ciclosoft” e o “Guia da coleta seletiva de lixo” do Cempre, Grimberg e Blauth
(1998), a dissertação de mestrado de Campos (1994), Aguiar (1999), Nunesmaia (1995), além dos já
utilizados pela prefeitura de Vitória (ES), entre outros.
91
Detalhes sobre a metodologia utilizada estão em Bringhenti (2004: 48 – 54).
104
92
Os dois modelos de questionário estão no “Apêndice A” e “Apêndice B”.
106
Variáveis
Ambientais e
sanitárias Sociais Econômicas Institucionais Infra - estrutura
Equipamentos
Destinação dos Renda mensal da existentes (nº e tipo de
resíduos sólidos cooperativa (faturamento funcionamento; cedido,
urbanos Número de cooperados bruto) Tempo do projeto próprio ou alugado)
Quantidade e tipo Renda mensal dos Transporte existente (nº
de material cooperados (por hora e tipo de veículos;
coletado Número de horas trabalhada nos últimos Regulamentação cedido, próprio ou
seletivamente trabalhadas por dia seis meses) da organização alugado)
Realização de
Taxa de desvio do Insalubridade no reuniões entre os
aterro ambiente de trabalho Gastos da cooperativa cooperados
Benefícios (cestas
básicas, serviços de
saúde, transporte, Divulgação e
benefícios sociais, Pagamentos de impostos educação
Taxa de rejeito alfabetização etc.) e encargos ambiental
Ocorrência de acidentes Valor de venda dos
de trabalho nos últimos materiais por item Parcerias e
dois meses comercializado acordos
Índice de recuperação
de materiais 5,1% a
4
recicláveis (IRMR) 11% ou maior 10,9% 5% ou menor
5
Índice de rejeito (IR) 7% ou menor 7,1% a 20% 20,1% ou maior
locado no Limpurb, mas foi concebido, implantado e era gerenciado por uma
estrutura funcional diretamente ligada ao gabinete do secretário de Serviços e
Obras.
Nessa “localização” jaz o primeiro problema institucional da iniciativa. Criada
como um projeto extraordinário, sem vinculação ao Limpurb, tampouco à estrutura
funcional do departamento e seu quadro fixo de servidores, ela ficou, durante toda a
gestão Marta Suplicy, ao sabor dos interesses e prioridades de quem esteve à frente
da SSO, e não se firmou como um plano de governo. Houve mudanças na
coordenação e na forma de condução da iniciativa em um curto período de tempo. A
inexistente intersetorialidade do programa dentro do governo municipal foi também
um ponto de enfraquecimento96.
Outra importante fragilidade institucional do programa reside no fato de que,
apesar de haver uma lei municipal97 permitindo a realização dos convênios com as
organizações de catadores, em dezembro de 2004, ao fim do mandato de Marta
Suplicy, apenas 2 das 15 cooperativas em atividade nas centrais de triagem oficiais
tinham o convênio efetivamente assinado, ou seja, 87% estavam trabalhando de
forma estritamente irregular no município. A insegurança causada pela inexistência
dos convênios transpareceu em praticamente todas as entrevistas com os
responsáveis pelas centrais.
Para esse quadro de incerteza, maximizado pela proximidade de mudança na
gestão à frente da prefeitura paulistana – Marta Suplicy não havia sido reeleita em
2004, e, no ano seguinte, assumiria uma nova administração, de oposição à anterior,
tendo como chefe do Executivo José Serra (PSDB) -, contribuía também o fato de
tanto as áreas em que foram implantados os galpões de triagem como os
equipamentos e veículos utilizados para a coleta, triagem e enfardamento do
material reciclável serem cedidos pela prefeitura. Essa situação demonstrava um
alto grau de dependência das cooperativas em relação ao poder público – mais um
ponto de fragilidade institucional, que colocava o projeto ao sabor dos interesses
políticos de curto prazo das administrações municipais que se sucedem.
96
Autores que avaliaram projetos municipais de coleta seletiva na prática, como Grimberg e Blauth
(1998), Martins (2003) e Batista (2004) apontam a intersetorialidade dentro do governo como
importante para o sucesso dessas iniciativas.
97
A lei municipal 13.478/02, nos seus artigos 67 a 71, dá permissão às cooperativas de catadores
para fazer coleta seletiva, estabelece a possibilidade de convênio entre a prefeitura e essas
cooperativas e permite a cessão de bens imóveis do município.
112
A dança de números mostra que só se pode ter uma certeza: não havia no fim
da gestão Marta Suplicy, em 2004, informações confiáveis sobre os custos do
programa Coleta Seletiva Solidária para a Prefeitura de São Paulo, um dado
preocupante, tendo em vista que o gasto por tonelada deveria ser um dos
indicadores mais importantes para um acompanhamento que se pretenda sério da
iniciativa. A dificuldade em conseguir o valor confiável explica também porque ele
não foi incluído como indicador na matriz de sustentabilidade.
Em 2004, a Prefeitura de São Paulo cobrava a Taxa do Lixo, mas o
responsável pela Coleta Seletiva Solidária não sabia informar quanto dos custos
gerais com limpeza urbana era coberto pelo tributo. Naquele ano, os contratos de
limpeza consumiam por volta de 3% do Orçamento municipal, enquanto os gastos
com a Coleta Seletiva Solidária não chegavam a 0,5%.
Em dezembro de 2004, a Prefeitura de São Paulo considerava que a Coleta
Seletiva Solidária era um programa consolidado no município. A justificativa para tal
opinião foi que já havia então uma lógica urbana que necessitava da coleta seletiva,
e que mudar isso significaria um grande problema. O responsável pela iniciativa
entrevistado afirmou que o programa havia se tornado essencial para a cidade.
Questionado sobre que problemas o programa enfrentava, ele apontou a falta
de continuidade na formação dos cooperados; interferência externa inadequada por
parte de algumas entidades; e falta de divulgação constante e regular.
Já no que diz respeito aos fatores considerados importantes para a
sustentabilidade futura do programa, foram citados os seguintes: i) campanhas de
informação/ conscientização ambiental; ii) infra-estrutura adequada; iii) inclusão de
empresas na coleta seletiva para aumentar a escala de comercialização de
recicláveis; iv) treinamento das cooperativas e apoio institucional por parte do
governo municipal; e v) transferência gradativa de toda a responsabilidade pela
coleta seletiva para as cooperativas.
O quadro a seguir faz um resumo da Coleta Seletiva Solidária em dezembro
de 2004.
115
Quadro 10. Nome e subprefeitura das cooperativas segundo seu número de questionário
Questionário Nome da
nº cooperativa Subprefeitura
1 Coopervivabem Pinheiros
2 Cooperação Lapa
3 Cooperativa Tietê Mooca
4 Coopere Sé
5 Cooperativa Santo Amaro
6 Cooperleste S. Mateus
7 Cooperunião Itaquera
8 Sem nome V. Prudente
9 Coopercaps C. do Socorro
Cooperativa Nova
10 Conquista Itaim Paulista
Cooperativa Vitória da
11 Penha Penha
12 Sem nome Pirituba
13 Sem nome Santo Amaro
Cooperativa Sem
14 Fronteiras Jaçanã
15 Coopervila Vila Maria
Fonte: questionários Coselix
3
4
até 39
40 a 50
mais de 50
Quanto à composição por gênero, verificou-se que, do total das 665 pessoas
trabalhando nas 15 organizações, 337 (50,7%) eram homens e 328 (49,3%) eram
mulheres – uma divisão próxima do igualitário. Essa situação de pouca diferença
numérica entre homens e mulheres mais ou menos se repetia em dez organizações,
com pequenas vantagens para um ou outro gênero. Vale ressaltar, porém, os casos
das cooperativas nº 6, 7 e 10, onde havia mais de 59,5% de homens, e, na outra
ponta, as organizações de nº 8 e 15, onde predominavam claramente as mulheres.
A comparação com o número inicial de membros permite observar expansão
ou redução do tamanho das cooperativas e, portanto, avaliar a sua capacidade de
119
100,0
93,3 93,3
86,7
90,0
80,0
66,7
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
13,3
10,0
0,0
Desempregados Donas-de-casa e Catadores de Catadores Catadores de
outros grupos autônomos lixão
organizados
99
Optou-se por não usar o número inicial de cooperados do projeto para que não houvesse uma
distorção do seu crescimento, uma vez que as cooperativas tiveram datas diferentes de início de
atividades e até agosto de 2004 ainda estava sendo criadas.
120
até 25%
3
entre 25,01% e 50%
8 Mais de 50,01%
S/R
100
É importante lembrar que nas análises da coleta seletiva de Belo Horizonte feitas por Jacobi e
Teixeira (1997), Batista (2004) e Grimberg e Blauth (1998), um dos importantes fatores de
permanência dos catadores na Asmare são as vantagens não-econômicas. O mesmo foi constatado
por Rodríguez (2002) na Colômbia.
122
2
4
Nenhum
1a2
3 ou mais
7
7
6
5 4
4 3 3
3
2 1
1
0
Férias Abono de Saúde Transporte Prêmio
fim de ano
Quadro 11. Distribuição das cooperativas por faixa de rejeito declarado, aferido e declarado a
respeito da coleta feita pelas empresas
Gráfico 13. Cooperativas divididas por faixa de rendimento médio mensal total
6 Até R$ 10 mil
Mais de R$ 20.001
101
Havia uma pergunta específica sobre a arrecadação mensal da cooperativa, mas, além de muitos
responsáveis não terem respondido, os que o fizeram raramente recorriam a algum documento que
desse credibilidade ao valor.
102
Pelos mesmos motivos supracitados. A retirada média diz respeito ao tempo de funcionamento de
cada cooperativa.
125
retirada mensal per capita para a cooperativa de nº 8 (sem nome, localizada na Vila
Prudente, zona leste). Segundo declaração do responsável pela organização, em
entrevista, sobre o valor do rendimento per capita por hora de trabalho, a retirada
mensal ficaria em R$ 416103.
Adotando-se o mesmo cálculo para as demais organizações que informaram
o rendimento-hora, porém, tem-se um aumento significativo na retirada média
mensal por membro, que passa para R$ 512,7 (54,0% a mais). As discrepâncias
podem mostrar inconsistência nos dados da prefeitura (tabulados com base no que
as organizações informavam) ou superestimativa no valor da hora paga por parte
das organizações. A seguir está o quadro com as diferenças.
Quadro 12. Retirada média mensal per capita (em R$) segundo a SSO e segundo declaração
dos informantes nas cooperativas e diferença (em %) entre um valor e outro
Cooperativa 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Média
Retirada
média
individual,
segundo a
SSO (R$) 263,9 281,6 475,6 510,9 175,6 483,3 296,0 SR 392,0 314,7 268,5 195,0 367,4 257,0 379,2 332,9
Retirada
média
individual
(R$)
declarada 671,6 SR 631,8 832,0 249,6 759,2 405,6 416,0 SR 540,8 374,4 585,0 370,2 374,4 455,0 512,7
Diferença
(%) 154,5 SR 32,8 62,8 42,1 57,1 37,0 SR SR 71,8 39,4 200,0 0,8 45,7 20,0 54,0
Fonte: pesquisa de campo
103
Multiplicando-se o valor do rendimento-hora pela média de horas trabalhadas informada, pelo
número de cooperados informado e por 26 dias.
126
Gráfico 9. Divisão das cooperativas por faixa de retirada mensal média dos membros (em
salários mínimos)
3 Entre 1 e 2 salários
mínimos
Menos de 1 salário
mínimo
SR
11
ambiental falha nas embalagens. Outra razão seria a quantidade de material triado
(que tem a ver, entre outros, com os altos índices de rejeito), insuficiente para a
comercialização com indústrias.
Para tentar superar essa dificuldade, as centrais articulam aos poucos e
informalmente uma rede entre elas, segundo as autoras, o que também foi
comprovado pelo trabalho de campo desta pesquisa. A comercialização conjunta é
apontada como uma solução por Grimberg, Goldfarb e Tuszel (2004, p.17). Uma
outra discussão relatada pelas autoras é a da formação de uma cooperativa de
segundo grau, que possa representar as cooperativas de catadores em
funcionamento em todo o estado de São Paulo e facilitar a interlocução com as
esferas governamental e empresarial.
Um terceiro empecilho à comercialização direta com as indústrias recicladoras
seria o caráter ainda informal de praticamente todas as organizações da Coleta
Seletiva Solidária. Como a maioria não paga os impostos devidos e não está 100%
legalizada, não pode fornecer nota fiscal das vendas, o que é exigência de muitas
empresas compradoras (GRIMBERG, GOLDFARB e TUSZEL, 2004, p.18).
Em relação ao recolhimento dos 10% destinados ao Fundo de Reserva da
cooperativa, uma exigência legal para sua existência, 13 das 15 organizações
(86,7%) faziam o recolhimento do percentual, sendo que uma delas (a nº 1,
Coopervivabem, de Pinheiros, zona oeste) afirmou recolher 15%.
Por sua vez, no que se refere ao pagamento ao INSS, outra obrigação legal,
visto que as cooperativas se constituem como empresas, a situação se inverte.
Apenas 3 das 15 (1/5 do total) afirmaram pagar o INSS de todos os membros.
No que diz respeito às demais despesas, como foi dito anteriormente, a
prefeitura subsidia aquelas com energia elétrica e água, além de não cobrar o
aluguel pelas centrais e equipamentos (inclusive veículos) e pagar tanto o
combustível quanto o salário dos motoristas que não são das cooperativas. Cabe às
organizações arcar apenas com as contas telefônicas, nas que tinham telefone
instalado.
14 14
14 12
12
10
8 6
6
4 2
2
0
Luvas Óculos Botas Protetores Máscara
auriculares
5
2 Nenhum
1 ou 2
3 ou 4
5 ou mais
Gráfico 17. Problemas enfrentados pelas cooperativas por nº de menções pelos entrevistados
14 13 13
12
10 10 10
10 9
8
2 1 1
0
Falta de Insegurança DesorganizaçãoBaixo rendimento Más condições Falta de Falta de Falta de
orientação de trabalho/ falta consciência assistência Assistência em
de infra-estrutura cooperativa/ social saúde
problemas
internos
parcial, 1 tenha dito que não saberia responder essa questão e apenas 2 (os líderes
das cooperativas de nº 11 e 13) tenham considerado a iniciativa consolidada.
Entre as justificativas para a não-consolidação do programa (uma resposta
livre), a mais freqüentemente apontada foi a falta de divulgação/ informação (cinco
entrevistados). Também foram informadas a competição com os núcleos, a
insegurança e falhas na implantação das centrais de triagem. Percebe-se que as
organizações enfatizam a importância da conscientização da população como fator
fundamental para a continuidade do programa, seja do ponto de vista “técnico”
(maior adesão, material de melhor qualidade e em maior quantidade), seja do ponto
de vista político (pressão para que ele continue, não seja abandonado).
Dos dois entrevistados que disseram estar o programa consolidado, apenas
um deu uma justificativa para sua resposta: “a reciclagem é a bola da vez”.
Ranking de
Sustentabilidade das
Organizações
Cooperativa nº Índice Grau
9 8,0 Alto
4 7,0 Médio
6 7,0 Médio
10 7,0 Médio
13 7,0 Médio
2 6,5 Médio
5 5,5 Médio
7 5,5 Médio
11 5,5 Médio
15 5,5 Médio
8 5,0 Médio
12 5,0 Médio
3 4,5 Médio
14 4,5 Médio
1 4,0 Médio
Fonte: elaboração própria a partir do relatório Coselix e da pesquisa de campo
6. CONCLUSÕES
104
Hoje significa junho de 2006.
105
A cidade de São Paulo tem 96 distritos.
106
A primeira alteração não foi noticiada claramente, mas consta da tabela atualizada das centrais de
triagem disponível em <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/servicoseobras/limpurb/0005> e
foi confirmada em comunicação pessoal por alguns líderes de centrais em março de 2006. A segunda
foi noticiada pela prefeitura no seu portal na Internet e pela “Folha de S. Paulo”, numa reportagem
(PEGORIM, 2005) e num editorial publicado dia 3 de outubro.
141
107
Na verdade, o nome do projeto parece ter passado a ser somente Coleta Seletiva, na gestão que
se seguiu à do PT, deixando o adjetivo solidária de lado.
108
Disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=4663.
109
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2006 (GEROLLA, 2006), afirmava
que, em setembro de 2005, haviam sido recicladas 1.850 toneladas de lixo, contra 900 do mesmo
mês de 2004 – já um aumento, portanto de 105%.
142