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ISSN 2177-3548

Ensino de aplicação de tentativas discretas a cuidadores de crianças


diagnosticadas com autismo
Teaching discrete trial implementation to caregivers of children diagnosed
with autism
Educación para aplicación de ensayos discretos a los cuidadores de niños
diagnosticados con autismo
Luciene Afonso Ferreira1, Álvaro Júnior Melo e Silva2, Romariz da Silva Barros3

[1] [2] [3] Universidade Federal do Pará (UFPA) | Título abreviado: Ensino de cuidadores de crianças com autismo | Endereço para correspondência: Tv Dr.
Enéas Pinheiro, 1602, apto 4. Bairro: Marco. Belém/PA. Cep: 66095-105 | Email: [email protected] | DOI: 10.18761/pac.2015.034

Resumo: Intervenção implementada por cuidadores pode ser uma alternativa plausível
no contexto brasileiro para a disseminação da intervenção analítico-comportamental ao
Transtorno do Espectro Autista (TEA), considerando a escassez ainda vigente de profissio-
nais formados nessa área e a baixa disponibilidade de serviços públicos voltados a esse fim.
O presente estudo verificou o efeito de um procedimento de ensino para implementação
de tentativas discretas sobre o desempenho de cinco cuidadores de crianças diagnostica-
das com autismo. O procedimento ocorreu em três etapas, pré-teste, treino e pós-teste.
Os resultados mostraram que todos os participantes alcançaram precisão de desempenho
apresentando 100% de acertos de acordo com o protocolo de avaliação preestabelecido. O
procedimento de treino adotado foi eficiente para o ensino por tentativas discretas a cui-
dadores de crianças autistas.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Análise Aplicada do Comportamento;
Treino de cuidadores.
Abstract: Caregiver-implemented intervention has been a plausible alternative in the
Brazilian context for dissemination of behavior analytic intervention in Autism Spectrum
Disorder (ASD), considering the still prevailing shortage of trained professionals in this field
and the low availability of public services aimed at this end. This study evaluated the effect of
a teaching procedure to discrete trial implementation on the performance of five caregivers of
children diagnosed with autism. The procedure comprised three phases: pre-test, training, and
post-test. The results showed that all the participants achieved performance accuracy where
100% correct according to predetermined evaluation protocol. The training procedure carried
out was considered efficient to teach discrete trial implementation to caregivers of children
diagnosed with autistic.
Key-words: Autism Spectrum Disorder; Applied Behavior Analysis; Training caregivers.

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Resumen: La intervención implementada por los cuidadores ha sido una alternativa plau-
sible en el contexto brasileño para la propagación de la intervención basada en Análisis
Conductual para el trastorno del espectro autista (TEA), teniendo en cuenta la escasez to-
davía prevaleciente de profesionales capacitados en esta área y la baja disponibilidad de los
servicios públicos destinados a este propósito. Este estudio evaluó el efecto de la enseñanza
de la implementación de ensayo discreto sobre el desempeño de cinco cuidadores con un
cómplice. El procedimiento se llevó a cabo en tres etapas: pre-test, entrenamiento y post-test.
Los resultados mostraron que todos los participantes han logrado presentar con precisión
el rendimiento 100% correcto según el protocolo de evaluación predeterminado. El proce-
dimiento de entrenamiento ha sido considerado eficiente para la enseñanza de los ensayos
discretos a los cuidadores de niños diagnosticados autistas.
Palabras clave: Trastorno del espectro autista; Análisis Aplicado de la Conducta; Formación
de Cuidadores.

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O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um do como Intervenção Comportamental Intensiva


transtorno neurobiológico determinado em par- e Precoce (Early Intensive Behavioral Intervention,
te por aspectos genéticos (Lord & Bishop, 2010) EIBI - Diggle, McConachie, & Randle, 2005;
e também por aspectos ambientais (Johnson & Lovaas, 1993).
Myers, 2007; Silver & Rapin, 2012). Pessoas com Embora a EIBI seja comprovadamente eficaz, é
TEA apresentam déficits persistentes na comuni- uma forma de intervenção bastante onerosa, pois
cação e na interação social e, ainda, padrões repe- seu modelo requer uma intervenção intensiva,
titivos e restritivos de comportamento (American duradoura, precoce e individualizada. Além de o
Psychiatric Association, 2013). plano de intervenção se individualizado, sua imple-
Conforme a Organização Mundial de Saúde mentação frequentemente ocorre na proporção de
(OMS) o TEA afeta, aproximadamente, 1% da po- um para um, ou seja, um instrutor para cada crian-
pulação mundial. No Brasil, embora os levanta- ça. A intervenção nos moldes de EIBI é, portanto,
mentos epidemiológicos sejam escassos, (BRASIL, difícil de disseminar na população brasileira, prin-
2013; Camargo & Rispoli, 2013) pode-se estimar, cipalmente em função da: 1) baixa disponibilidade
com base no percentual apontado pela OMS, que de profissionais especializados; 2) alta densidade
cerca de 2 milhões de pessoas podem apresentar populacional, com maior proporção de crianças
esse tipo de transtorno. (foco da intervenção precoce) na população do que
A Análise Aplicada do Comportamento (ABA) em países desenvolvidos e 3) fragilidade das redes
tem sido identificada como uma das formas mais públicas de assistência à saúde e educação. Assim
eficazes de intervenção ao autismo, pois efetiva- sendo, são de suma importância estudos que ve-
mente tem permitido o desenvolvimento de habi- nham propor alternativas para ampliar o acesso de
lidades e a redução de excessos comportamentais pessoas diagnosticadas com autismo a atendimento
(Howard, Sparkman, Cohen, Green, & Stanislaw, analítico-comportamental, mantendo-se presentes
2005; Landa, 2007; Naoni, 2009; Smith, Mozingo, os indicadores de qualidade de uma intervenção
Mruzek, & Zarcone, 2007; Eldevik, Hastings, Jahr, baseada em ABA (intervenção precoce, duradoura,
& Hughes, 2012; Reichow, 2012; Howard, Stanislaw, intensiva, individualizada e abrangente). A inter-
Green, & Sparkman, 2014). venção implementada por cuidadores é uma poten-
Lovaas (1987) realizou um estudo pioneiro cial alternativa nesse cenário.
que demonstrou a eficácia da intervenção em ABA No Brasil, pesquisas recentes (Barboza, Silva,
para crianças com autismo. Em seu estudo, 47% das Barros, & Higbee, 2015; Borba, 2014; Faggiani,
crianças do grupo experimental passaram de série 2012) têm explorado a viabilidade e a eficácia da
na escola em que estudavam, assim como apresen- implementação do ensino baseado em ABA jun-
taram funcionamento compatível com a sua idade to a crianças diagnosticadas com autismo por
(Sallows & Graupner, 2005). meio de seus pais/cuidadores. No estudo de Borba
Estudos posteriores apontaram resultados se- (2014), os cuidadores inicialmente passaram por
melhantes aos obtidos pela pesquisa de Lovaas ensino conceitual dos princípios da Análise do
em 1987, os quais demonstraram que interven- Comportamento. Em seguida, foram submetidos a
ção comportamental pode produzir ganhos du- procedimentos de modelação (por meio de vídeos
radouros e significativos para crianças com autis- ou ao vivo) e role-play, para que aprendessem a: fa-
mo (McEachin, Smith, & Lovaas, 1993; Sallows & zer avaliação de preferências, aplicar programas de
Graupner, 2005). ensino, registrar as respostas da criança dentro de
O sucesso do ensino está relacionado a diver- cada tentativa dos programas por eles aplicados e
sos fatores, dentre eles estão: a intensidade de sua avançar de passo após analisar os dados do desem-
aplicação (40 horas semanais); a durabilidade (no penho da criança. Os cuidadores tanto aprenderam
mínimo 2 anos) (Lovaas,1987; Salows & Graupner, as habilidades anteriormente citadas (com exceção
2005); e a precocidade (antes dos 4 anos de idade - da aplicação de critério para mudança de passo),
Cautili, Hancock, Thomas, & Tillman, 2002; Landa, como, de forma geral, foi verificado aumento na
2007). Esse modelo de intervenção ficou conheci- precisão de desempenho das crianças nos progra-

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mas por eles aplicados (com exceção de programas O presente trabalho se junta ao escasso con-
para aumento de contato visual). junto de estudos nacionais que contribuem para o
Sarokoff e Sturmey (2004), bem como, Lafazakis avanço do conhecimento sobre intervenção com-
e Sturmey (2007) realizaram experimentos utilizan- portamental a TEA implementada por pais e cui-
do o Treinamento de Habilidade Comportamentais dadores. Ele consistiu em uma pesquisa aplicada
(Behavioral Skills Training - BST) para ensinar pro- baseada no estudo de Lafazakis e Sturmey (2007) e
cedimentos baseados em ABA a pais e professores de Borba (2014). O objetivo foi verificar o efeito de
de crianças com atraso no desenvolvimento. O BST um pacote de treino para implementação de tenta-
é constituído de um pacote de treinos que consiste tivas discretas sobre desempenho de cuidadores de
em instruções, feedback, ensaios, modelação que crianças diagnosticadas com TEA. As famílias en-
produz, de forma rápida, grande aumento na pre- gajadas no estudo foram triadas a partir dos regis-
cisão da aplicação de ensino por tentativas discretas tros do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto,
(Lafazakis & Sturmey, 2007; Sarokoff & Sturmey, têm o perfil socioeconômico de maior carência de
2004). Os resultados de ambos os estudos demons- acesso a intervenção especializada. Por essa razão,
traram que o BST contribuiu para aquisição de de- os dados aqui apresentados permitem discutir a
sempenho por pais e professores e que a implemen- viabilidade de iniciativas de disseminação da inter-
tação do ensino baseado em ABA a filhos e alunos venção implementada por cuidadores no contexto
das pessoas treinadas produzira mudanças com- socioeconômico brasileiro e, em particular, do nor-
portamentais desejadas no repertório das crianças. te do Brasil.
O ensino por tentativas discretas tem um for-
mato estruturado e se caracteriza por dividir uni-
dades pequenas de instruções em pequenos passos Método
ensinados um de cada vez durante uma série de
tentativas. Consiste na apresentação de um estímu- Participantes
lo antecedente claro pelo instrutor, na emissão da Participaram do estudo cinco cuidadores de crianças
resposta da criança e o provimento de uma con- diagnosticadas com TEA. Estas crianças concentra-
sequência (Fazzio, 2007; Leaf & McEachin, 1999; vam boa parte de seus déficits na área de compor-
Lear, 2004). tamento verbal, com baixa incidência de comporta-
Os resultados do estudo de Lafazakis e Sturmey mentos auto lesivos e agressivos. A Tabela 1 apresenta
(2007) demonstraram uma média de 50% de preci- as informações sobre os participantes que, por ques-
são de desempenho dos pais durante a fase de linha tões éticas, receberam nomes fictícios. Os participan-
de base e mais de 80% de precisão após o treino. tes eram cuidadores de crianças assistidas por meio
O pai com menor quantidade de respostas corretas do Projeto “Caminhar” do Hospital Bettina Ferro de
teve sua precisão de desempenho aumentada em Souza, da Universidade Federal do Pará, e foram en-
mais de 30%. Sendo assim, o BST demonstrou ser caminhadas ao projeto “Atendimento e Pesquisa so-
um procedimento eficaz e eficiente para promover bre Aprendizagem e Desenvolvimento” (APRENDE)
as habilidades necessárias ao ensino por tentativas do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento
discretas a cuidadores.

Tabela 1. Informações Pessoais sobre os Participantes


Nome Idade Vínculo Escolaridade Profissão Renda
André 16 Primo Fundamental Estudante ½ salário
Antônio 49 Pai Médio Vidraceiro 3 salários
Jade 43 Mãe Médio Manicure 2 salários
Marlene 38 Mãe Médio Comerciante 4 salários
Henrique 46 Pai Superior Autônomo 3 salários

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da mesma universidade. Como pré-requisito para do currículo de ensino das crianças no APRENDE.
participar da pesquisa, os cuidadores não poderiam Na fase de pré-teste, o cuidador recebeu primei-
ter experiência anterior com ensino por tentativas ramente um texto contendo o protocolo geral dos
discretas. Cada participante assinou o Termo de programas de intervenção e foi orientado a reali-
Consentimento Livre e Esclarecido. O presente tra- zar sua leitura. O conteúdo do protocolo geral dos
balho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa programas de intervenção continha a descrição
do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, confor- de como se caracteriza uma tentativa discreta, os
me o parecer nº 175.303 de 14/12/2012, em conso- tipos de ajudas fornecidas, orientação de como se
nância com a Resolução 196/96 do CNS/MS. registravam as respostas corretas e incorretas, bem
como, o modelo de folha de registro das respostas.
Ambiente Após a leitura do protocolo geral dos programas,
Foi utilizada uma sala localizada no prédio do o cuidador recebeu instruções por parte dos expe-
Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da rimentadores sobre o conteúdo do texto. Os expe-
Universidade Federal do Pará medindo 12,5 m² (5 rimentadores disseram que aquele era um modelo
x 2,5 m), com iluminação artificial e direta, clima- de programa de ensino e que os demais programas
tizada. O mobiliário consistiu numa mesinha com possuíam a mesma estrutura, contendo sempre um
duas cadeiras. comportamento alvo e estímulos antecedentes e
Instrumentos e materiais consequentes. Ressaltaram, também, que havia a
Para registro em filmagens do pré-teste e pós- descrição de diferentes tipos de ajuda no progra-
-teste, foi utilizada uma câmera de vídeo. Além ma e que essas ajudas seriam fornecidas de acordo
disso, utilizou-se notebook, brinquedos e materiais com a necessidade da criança para a emissão do
impressos tais como: protocolo geral dos progra- comportamento-alvo. Logo após, o participante
mas de intervenção, folhas de registro do protoco- recebeu por escrito o programa de ensino que seria
lo de intervenção, programas de ensino (“Toque avaliado, sendo solicitado que realizasse a leitura
aqui”, “Imitação”, “Seguir Instruções”, “Intraverbal individualizada. Neste momento, o cuidador não
de Informações Pessoais”, “Tato com Autoclítico”, recebeu qualquer instrução sobre o conteúdo do
“Esperar” e “Mando com Gestos”) e protocolo de material lido.
avaliação de precisão de desempenho. De modo geral, os programas de ensino por
tentativas discretas foram subdivididos em passos
Delineamento Experimental que se referiam ao tipo de ajuda que devia ser for-
Foi utilizado o delineamento intrassujeito de necida para que a resposta desejada fosse emitida.
comparação de medidas pré e pós-tratamento. Esse parâmetro foi obtido a partir da observação
Considerou-se como variável dependente o per- do comportamento da respectiva criança de cada
centual de precisão das respostas dos cuidadores cuidador. Dependendo da criança, poder-se-ia ini-
na implementação dos programas de ensino por ciar o ensino fornecendo ajuda física total (AFT),
tentativas discretas e a variável independente foi o posteriormente ajuda física parcial (AFP) até que
treino de aplicação dos programas de ensino reali- respostas independentes (RI) fossem emitidas pela
zado com os cuidadores. criança. Respostas independentes são aquelas emi-
tidas sem qualquer tipo de ajuda.
Procedimento No pré-teste, elegeu-se como resposta de ajuda
do cuidador em relação ao confederado a ajuda fí-
Treino de Programas de Ensino por Tentativas sica parcial (AFP) que caracterizava o Passo 2 dos
Discretas. programas de ensino. O confederado era um expe-
rimentador que, durante o role-play simulava o com-
Pré-teste: avaliação do repertório de entrada. portamento da criança com diagnóstico de autismo
Cada participante foi exposto ao procedimento se- da qual o referido cuidador era responsável. Desta
paradamente, pois os programas de ensino foram forma, o cuidador foi instruído a realizar, com o
diferenciados para cada cuidador em decorrência confederado, cinco tentativas consecutivas no Passo

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2. Além de implementar o programa, o cuidador foi No role-play, o Experimentador 1 implementou


orientado a registrar as respostas certas e erradas na três tentativas de cada passo do protocolo de en-
folha de registro. As respostas registradas se referiam sino com o Experimentador 2 funcionando como
àquelas emitidas pelo confederado na simulação. A confederado. Enquanto isso, o cuidador-partici-
cada novo programa, o participante passava pelas três pante ficava como observador e era orientado so-
fases do procedimento: pré-teste, treino e pós-teste. bre o repertório comportamental necessário para
a implementação dos programas. Em seguida, os
Treino de programas de ensino por tentativas Experimentadores 1 e 2 inverteram seus papéis: o
discretas. Experimentador 2 aplicou três tentativas de cada
passo com o Experimentador 1 como confederado,
Nesta fase, foram utilizadas 3 horas semanais, durante enquanto o participante permanecia como obser-
os mesmos dias de atendimento das crianças por pro- vador. Depois, um dos experimentadores imple-
fissionais do APRENDE, totalizando 30 horas. mentou três tentativas de cada passo do programa
Durante o treino, o cuidador recebeu instruções com o cuidador-participante. Por fim, o próprio
por parte dos experimentadores sobre o conteúdo do cuidador realizou três tentativas de cada passo com
texto que continha a descrição do programa de en- um dos experimentadores.
sino recebido na fase de pré-teste. Na fase de treino, Durante o role-play, o participante podia pedir
o participante podia fazer perguntas e suas dúvidas explicações e era fornecido feedback imediato so-
eram esclarecidas. Os programas de ensino foram se- bre seu desempenho. A cada momento do treino,
lecionados para cada cuidador a partir da informação o participante recebeu instruções sobre o proce-
obtida com o profissional que atendia diretamente a dimento que devia ser adotado em cada passo do
criança no projeto APRENDE. Foram selecionados programa, partindo da ajuda física total (AFT),
inicialmente programas nos quais a criança apresen- posteriormente ajuda física parcial (AFP), até res-
tava alta precisão de desempenho. O objetivo dessa postas independentes (RI). Foram ressaltados os
seleção de programas foi aumentar a probabilidade seguintes aspectos durante a execução do progra-
de que a criança colaborasse quando o cuidador co- ma de ensino em tentativas discretas: garantia da
meçasse a aplicar o programa em casa, de forma que atenção da “criança” antes de apresentar o estímulo
as respostas corretas emitidas pela criança provavel- discriminativo; apresentação adequada do estímulo
mente o motivariam a voltar às sessões experimentais discriminativo pelo aplicador; o tipo de ajuda que
Os cuidadores passaram pelo treino de três pro- o passo requeria; a apresentação do estímulo refor-
gramas de ensino, exceto a participante Jade, que çador positivo imediatamente após a emissão da
foi treinada em dois programas, pois seu filho apre- resposta desejada e o registro da resposta.
sentava desempenho preciso somente nesses pro- Ao término do role-play, o cuidador teve acesso
gramas. O programa denominado “Toque aqui” foi à filmagem realizada durante a etapa de linha de
comum a todos os participantes. A escolha deste base. Nesta ocasião, foi solicitado ao participante
programa foi em decorrência de o mesmo ser um que observasse sua atuação identificando os seguin-
procedimento de ensino considerado fácil de ser tes aspectos: se garantiu a atenção do confedera-
implementado, por requerer respostas simples da do antes de fornecer o estímulo discriminativo, se
criança. Além disso, as crianças apresentavam altas apresentou a instrução, se forneceu ajuda conforme
taxas de respostas independentes neste programa. exigência do passo, se apresentou o estímulo refor-
O treino de aplicação de programas de ensino çador imediatamente após a emissão da resposta
foi realizado por meio de: observação da aplicação desejada e, ainda, se realizou o registro da resposta
dos programas de ensino, role-play com feedback na folha de registro.
imediato e vídeo-feedback. O que está sendo aqui
chamado de vídeo-feedback é a apresentação de ví- Pós-teste: repertório do cuidador após o treino
deo do próprio desempenho do cuidador, enquan- Nesta fase, foi solicitado ao cuidador que realizasse
to um experimentador fazia comentários sobre os cinco tentativas de ensino do Passo 2 do programa
acertos e erros de implementação. com o confederado.

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Tratamento de dados tadas por cada cuidador-participante no treino de


Para avaliação da precisão da aplicação dos pro- ensino por tentativas discretas.
gramas de ensino pelos cuidadores, foi utilizado A Figura 1 apresenta os resultados do partici-
um protocolo de avaliação de precisão baseado em pante Antônio que recebeu treino em três progra-
Fazzio (2007). Os comportamentos de interesse que mas distintos que foram: “Toque aqui”; “Espera” e
foram analisados foram: 1) garantir a atenção do “Imitação sem objeto”. Observa-se que, na fase de
confederado (conseguir contato visual com o aluno pré-teste do primeiro programa (“Toque Aqui”), o
chamando pelo nome ou virando a face do aluno participante obteve 0% de acerto. O mesmo partici-
em sua direção); 2) apresentar a instrução; 3) forne-pante apresentou, na fase de pós-teste, o percentual
cer ajuda (dar ajuda parcial conforme sugerido no de 80% de acertos. No segundo programa treinado,
Passo 2 do programa); 4) reforçar a resposta espe- o participante obteve 0% de acertos no pré-teste,
rada (consequenciar com elogios e acesso ao brin- passando para 100%, no pós-teste. No terceiro pro-
quedo); 5) realizar o registro da resposta (registrargrama de ensino, os resultados foram, respectiva-
cada resposta). mente, nas fases de pré e pós-teste, 80% e 100%.
O desempenho do cuidador, nas Fases de Pré Observa-se que este participante apresentou
e Pós-teste, foi avaliado com base no protocolo de evolução em seu desempenho, pois apresentou
avaliação de precisão, tendo como foco os compor- 100% de acertos em todos os programas de ensi-
tamentos de interesse descritos acima. O desempe- no após a fase de treino. Esses resultados permitem
nho foi considerado preciso quando alcançou 90% concluir que o procedimento de treino de ensino
ou mais de acertos em cada programa de ensino. O para implementação de tentativas discretas adotado
desempenho do participante foi considerado pre- foi efetivo para este participante.
ciso somente quando preenchia todos os critérios A Figura 2 apresenta os resultados do partici-
preestabelecidos no protocolo de avaliação precisão pante-cuidador André. Este foi treinado nos mes-
de desempenho. Caso algum comportamento pre- mos programas ensinados ao participante Antônio,
estabelecido fosse esquecido ou emitido de forma pois os dois eram cuidadores da mesma criança.
inadequado pelo participante, os observadores con- Observa-se que, na fase do pré-teste do programa
sideraram toda a tentativa de ensino como incor- “Toque aqui”, o participante obteve 40% de acertos
reta e era avaliada a próxima tentativa. A avaliação passando para 100 % na fase de pós-teste. Nos de-
da precisão dos comportamentos de interesse foi mais programas treinados, o participante obteve o
submetida a verificação de acordo entre observado- percentual de 0% de acerto no pré-teste e 100% de
res independentes. O segundo observador fazia sua acertos no pós-teste.
avaliação com base nos vídeos das sessões. Após Os dados demonstram que o procedimento de
a análise individual dos vídeos, foram somadas a treino também foi efetivo para este participante,
quantidade de acordos e o valor foi dividido pelo pois seu desempenho passou para 100% de acer-
somatório de acordos e desacordos, multiplicando- tos no pós-teste dos três programas ensinados. As
-se o resultado por 100. Houve 94% de concordân- habilidades adquiridas durante o treino de ensino
cia entre os observadores. do programa “Toque aqui” ficaram restritas a este
programa (que foi o primeiro programa treinado)
já que, para os programas de ensino subsequentes,
Resultados “Espera” e “Imitação”, a precisão de desempenho do
participante foi 0% na fase de pré-teste.
A presente pesquisa teve por objetivo verificar o Observam-se, na Figura 3, os resultados do
efeito de um procedimento de ensino, que consis- participante Henrique, que apresentou, respectiva-
tiu em instruções, modelação, role-play com feed- mente, na fase de pré-teste dos programas “Toque
back imediato e vídeo-feedback, sobre a precisão de aqui”, “Intraverbal” e “Seguir instruções”, 0%, 0%
aplicação de tentativa discreta por pais de crianças e 100% respectivamente. Na fase de pós-teste, foi
diagnosticadas com autismo. As Figuras de 1 a 5 verificada precisão de desempenho de 100% para
apresentam os resultados das respostas apresen- todos os programas. Verifica-se, portanto, evolução

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Ensino de cuidadores de crianças com autismo 101-113

Figura 1. Evolução de desempenho do participante Antônio após o procedimento de treino.

Figura 2. Evolução de desempenho do participante André após o procedimento de treino

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Figura 3. Evolução de desempenho do participante Henrique após o procedimento de treino.

Figura 4. Evolução de desempenho da participante Marlene após o procedimento de treino.

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Figura 5. Evolução de desempenho da participante Jade após o procedimento de treino.

na precisão de desempenho para os três programas medidas de pré-teste foram incluídas entre os pro-
de ensino treinados. cedimentos, mas seus resultados não foram discuti-
Conforme os resultados demonstrados na dos previamente ao treino nem com os participan-
Figura 4, a participante Marlene apresentou na fase tes e nem com os demais profissionais do serviço.
de pré-teste, no primeiro programa de ensino trei- Assim, entendeu-se que a participação de Marlene
nado, 0% de acertos, e no pós-teste 100% de acer- e Jade na fase de treino não lhes traria nenhum
tos. Nos demais programas de ensino, esta partici- prejuízo e, ao contrário, lhes incluiria em todas as
pante apresentou 100% de acertos tanto na fase de atividades previstas no serviço, embora fosse des-
pré-teste, como na fase de pós-teste. necessária do ponto de vista metodológico.
A Figura 5 apresenta os dados da participante Os resultados obtidos também demonstram
Jade. Esta foi treinada em dois programas de ensi- que, além de o procedimento ter sido eficaz para
no, uma vez que a criança dessa díade demonstrava estabelecer o repertório diretamente ensinado com
precisão de desempenho considerável apenas nes- um determinado programa, a programação de en-
ses dois programas de ensino. sino também permitiu que as habilidades adquiri-
A precisão de desempenho da participante Jade das para aplicação do primeiro programa se manti-
no pré-teste dos programas foi: 0% e 100%, nos vessem no momento do ensino da aplicação de um
programas “Toque Aqui” e “Mando com Gestos”, segundo e terceiro programa, para os participantes
respectivamente. Na fase de pós-testes, a precisão Antônio, Henrique, Marlene e Jade. Essa afirmação
de desempenho foi 100% nos dois programas. A ra- está baseada no fato de que a precisão de desempe-
zão pela qual as participantes Marlene e Jade foram nho no pré-teste dos novos programas ensinados
submetidas a treino mesmo para os programas em subsequentemente, foi maior (e frequentemente de
que apresentaram 100% de precisão no pré-teste se 100%) do que para o primeiro programa treinado
deve ao fato de a pesquisa aplicada ter sido condu- (ver Figuras 1, 3, 4 e 5). Contribui para esse fim o
zida no contexto da oferta de um serviço de atenção fato de que todos os programas foram formulados
ao autismo o qual previa o engajamento de todos completamente no formato de tentativas discretas e
os pais em todas as etapas. Por força da pesquisa, as tinham, portanto, a mesma estrutura: garantir aten-

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ção do confederado antes de fornecer o estímulo amplamente baseado em procedimentos individu-


discriminativo; disponibilizar o estímulo discrimi- alizados, como o role-play com feedback imediato
nativo antecedente à resposta; aguardar a resposta; e a vídeo-feedback a partir de registros em vídeo
fornecer ajuda conforme exigência do passo; apre- do próprio comportamento do participante. Apesar
sentar o estímulo reforçador imediatamente após a de sua eficácia ter sido confirmada, um programa
emissão da resposta desejada e realizar o registro da de ensino como este pode ser difícil de disseminar
resposta na folha de registro. para a população afetada exatamente porque ele en-
volve muita carga-horária de ensino individualiza-
do de cada cuidador. A intervenção implementada
Discussão por cuidadores só se sustenta como uma alternativa
à implementação intensiva direta por profissionais
O presente estudo verificou o efeito de um pacote se efetivamente representar uma redução de carga-
de treino para implementação de tentativas discre- -horária um-para-um. O presente estudo, contudo,
tas sobre a precisão de desempenho de pais junto dá um passo à diante na construção de modelos efi-
a um confederado. Este experimento se baseou no cientes e dissemináveis de intervenção implemen-
estudo de Borba (2014) e no modelo de treino im- tada via cuidador, na medida em que documenta
plementado por Lafazakis e Sturmey (2007), que a alta precisão de implementação por cuidadores
utilizou um pacote de ensino com instruções, mo- provenientes diretamente do Sistema Único de
delação, feedback e ensaios. Saúde. Estudos como este têm sido conduzidos
Os resultados obtidos, conforme as Figuras de com estudantes universitários como participantes,
1 a 5, mostram que houve significativo aumento que têm um nível de repertório e compreensão de
da precisão de desempenho para todos os parti- leitura e instruções diferenciado.
cipantes. Além da ocorrência de 100% de acertos Estudos subsequentes devem verificar outros
na implementação do protocolo de ensino no úl- procedimentos de ensino que também sejam efi-
timo programa ensinado para cada participante, cazes para a disseminação da Análise Aplicada do
verificou-se, para a maioria dos participantes, que Comportamento na intervenção ao autismo em
as habilidades adquiridas durante o treino de um países em desenvolvimento, como o Brasil; dimi-
programa de ensino foram mantidas quando da nuindo custos e ampliando o acesso das famílias a
implementação de outro programa que ainda não essa forma de tratamento. Uma alternativa já pro-
tinha sido ensinado. Os resultados, portanto, con- posta é o investimento em vídeo modelação instru-
firmam que o procedimento de treino aqui descrito, cional (Barboza, Silva, Higbee, & Barros, 2015) que
baseado em instruções, modelação, feedback e en- permite ao cuidador se expor às contingências de
saios, é eficaz para ensinar cuidadores a implemen- aprendizado de forma remota (à distância), além de
tarem este tipo de ensino junto a um confederado. permitir a ocorrência de desempenho mais preciso
O presente estudo confirmou os resultados obtidos desde o início do treino por role-play e contribue
no estudo realizado por Lafazakis e Sturmey (2007) para a otimização do tempo dispensado ao treino
e Borba (2014) que demonstrou a eficácia de um de cuidadores de crianças com TEA.
procedimento assemelhado ao Behavioral Skills
Training (BST), cujo pacote de ensino consistiu em
instruções, modelação, ensaios e feedback. Referências
Uma limitação desse estudo é que não avaliou American Psychiatric Association (2013).
o desempenho do cuidador implementando o en- Diagnostic and statistical manual of men-
sino por tentativas discretas diretamente com sua tal disorders. 5th ed. American Psychiatric
criança. Para pesquisas subsequentes, sugere-se a Publishing.
inclusão da avaliação do desempenho dos cuida- Barboza, A. A., Silva, A. J. M., Barros, R. S., &
dores na intervenção direta às suas crianças diag- Higbee, T. S. (2015). Efeitos de videomodela-
nosticadas com autismo. Outra limitação está no ção instrucional sobre o desempenho de cui-
fato de o pacote de ensino aqui aplicado ter sido dadores na aplicação de programas de ensino

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Informações do Artigo

Histórico do artigo:
Submetido em: 26/11/2015
Primeira decisão editorial: 16/02/2016
Aceito em: 10/05/2016
Editor Associado: Saulo Velasco

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