Desabafo de Um Exu Com Um Preto Velho
Desabafo de Um Exu Com Um Preto Velho
Desabafo de Um Exu Com Um Preto Velho
cidade de luz onde encontramos nossas amadas Entidades, um Exú que acabara de retornar de
um trabalho espiritual de incorporação em um médium trabalhador de uma casa umbandista,
vai até um Preto Velho, que se encontrava sentado em seu toco de madeira, pitando
calmamente seu cachimbo, soltando a fumaça no ar e observando toda a bela natureza da
cidade espiritual. O Exú chega olhando firme para o velho negro, e assim se inicia o diálogo:
Exú: Será que posso ficar um pouco com o senhor meu velho?
Preto Velho: Claro meu fio. Mas porque esse semblante tão entristecido?
Exú: Acabei de chegar de uma Gira em um Terreiro de Umbanda, no qual trabalhei com um
médium muito honesto, que me deixa à vontade em me expressar, sem que ele tente
interferir ou mistificar.
Preto Velho: Mas isso não é para nos deixar feliz fio? Tantos médiuns que são tomados pela
vaidade, arrogância, falta de humildade. Esse fio que vosmicê trabaia, sendo um exemplo na
religião, e vosmicê chega tristonho?
Exú: Sim meu velho, eu tenho muito carinho e respeito por esse médium caridoso, trabalhador
da honestidade. Mas, essa tristeza que está apertando em meu peito meu pai, não é pelo meu
amado aparelho. São pelas pessoas que foram ao terreiro, pessoas que se consultaram
comigo, com meus irmãos e minhas irmãs.
Preto Velho: Sim meu fio, estou começando a entender essa sua tristeza. Mas vamos tirar ela
de seu peito, encoste sua cabeça no ombro desse veio, deixe seu coração falar, deixe sua luz se
acender, desabafe tudo aquilo que você trouxe lá da terra, dos sentimentos dos homens sem
sentimentos.
O Exú encostando a cabeça no ombro do Preto Velho, como se pedisse um afago, fez uns
segundos de silencio, e logo após se pôs a falar, num tom baixo, um tanto desanimado,
cabisbaixo, parecendo tentar esconder algumas lágrimas que teimavam em cair de seus olhos.
Exú: Sabe meu pai, nessa gira de hoje tive muitos atendimentos. Homens que desejavam que
seu semelhante perdesse a vida, para que assim pudesse se apropriar de cargo superior em
local de trabalho de ambos.
Mulheres que traziam ódio no coração por um suposto amor, que só ela entendia que existia,
entre ela e um homem, que por seu livre arbítrio, achou por bem que deveria tomar outro
caminho. Tantas maldades pedidas, tantos desamores, tantas angústias, tanto ódio espalhados
em palavras, tantas cobranças, tantas aberturas dadas a obsessores, que invadiam os corações
e mentes dessas pessoas, fazendo delas fantoches do espírito do mal.
Preto Velho: Sim meu fio. Entendo o que deseja dizer. Já vi muita dessas pessoas nas casas de
Umbanda, e isso sempre nos traz essa tristeza que você tem em seu peito.
Exú: Meu velho, tive que lutar muito no dia de hoje, ´para tentar salvar as almas dessas
pessoas. A cada pedido para que seja feito o mal, novos obsessores chegavam. Meus irmãos
que tomavam conta da tronqueira, lutavam firmemente e arduamente para que nossa gira não
fosse dominada por Kiumbas e Zombeteiros. Minhas irmãs, Pombogiras, tentavam se fazer
entender, falando as pessoas de coração sombrio e cheio de ódio, que o amor não se amarra,
se conquista. Eu via por todos os cantos da casa grandes obsessores trazidos pelos filhos que
ali estavam simplesmente para pedir o mal, e trazendo nas mãos marafo, charutos, materiais
orgânicos, tentando comprar magias não existentes. E achando tudo isso a coisa mais natural
do mundo.
Exú: Não meu Pai. Estamos acima dessas vontades materiais e orgânicas. Mas infelizmente
temos alguns médiuns mistificadores que usam nossos nomes para tal recebimento. Dizendo
fazerem amarrações, trancamentos, maldades, fechamentos de caminhos, e muitas outras
coisas sujas.
Exú: Mas meu velho, era o próprio Babalorixá que se prestava a essas cobranças, usando o
nome de um de nossos irmãos.
Preto Velho: Cada vez mais entendo sua tristeza meu fio. Mas diria a ti para não se deixar ser
levado por esses medíocres da religião, pois meu fio, a Umbanda está muito acima disso, está
muito além dessa falta de compreensão, muito acima dessa ganância, muito acima desses
obsessores encarnados e desencarnados.
Preto Velho: Creia sempre meu fio. Pois Deus espera de nós, Entidades,essa grandeza de fazer
o bem, lutar contra o mal, ensinar os incompreensíveis a compreender, mostrar o caminhos de
luz a quem teima em buscar escuridão.
Exú: Sabe meu pai, no meu caminho de volta para Aruanda, para não chegar aqui com tantas
cargas negativas, tantos obsessores trancados, tantos sentimentos humanos ruins, fui até aos
irmãos da Calunga Pequena, para que me auxiliassem a me livrar de tantos pesos deixados
pelos consulentes e seus pedidos incoerentes. Vi muitas moradas de corpos inertes, corpos
esses que as almas estavam presas nas profundezas clamando por ajuda. Um desses corpos
me chamou a atenção meu velho. Era de um antigo consulente que hora ou outra vinha até
mim pedir para que seus caminhos abrissem, e para isso ele deveria então passar por cima de
um semelhante.
Esse homem, certa vez me disse que ali onde nos encontrávamos não teria o "trabalho
forte" que ele tanto buscava. Que ali só se falava em Deus, que ali não abria caminhos que ele
desejava abrir, do modo que ele pretendia. Escutei calmamente aquelas palavras, olhei em
seus olhos e disse, que o caminho dele era ele mesmo que fazia, seu livre arbítrio era
respeitado, assim como ele deveria respeitar o livre arbítrio de todos.
Preto Velho: Belas palavras meu fio. Vosmicê sabe muito bem como é o caminho dessa
escuridão, esteve lá milhares de vezes resgatando almas perdidas, buscando seres sem
humildade, sem amor, entregues ao ódio, que muito se arrependeram após conhecer a
verdadeira desgraça da maldade criada em seus próprios corações.
Exú: Isso mesmo meu pai. Um lugar dominado pelo mal, por obsessores,kiumbas, eguns e
Zombeteiros, tomados pela enorme vontade de sugar todas as energias, todas as formas
orgânicas, todos os sentimentos de ódio que os seres humanos possam espalhar uns para os
outros, fazendo assim que esses espíritos do mal possam ser fortalecidos dia após dia.
Preto Velho: Sim meu fio. Muito triste que os encarnados não compreendam isso. Esse
fortalecimento do mal. Fortalecimento esse feito pela ganância, por esses pedidos de
prejudicação a semelhantes, entregas de materiais orgânicos, como carne, sangue, e ainda
dizendoque são para os Exús. Muito triste isso meu fio.
Exú: Sim meu velho. Ao ver aquele corpo inerte na Calunga Pequena, e ao reconhecê-lo, fiquei
imaginando onde estaria o seu espírito. E foi ai que decidi ir até abaixo da linha da luz divina
para tentar encontrá-lo.
Exú: Sim meu velho. Ele estava nas profundezas, quase sem energia nenhuma, tomado por
obsessores de todos os lados, segurando em uma das mãos uma imagem de gesso, que ele
acreditava ser minha. Uma imagem de um homem de pés de bode, chifres e cauda do
demônio. Em outra das mãos ele segurava firmemente um grande pedaço de carne sangrenta,
meio apodrecida já, juntamente com uma garrafa de bebida alcoólica e alguns charutos. Dizia
que era sua oferenda para Exú, e que assim que conseguisse fazer essa entrega, todos seus
desejos mais obscuros iriam se realizar.
Preto Velho: Pobre alma. Não entendeu ainda que só estava energizando os obsessores, e
assim deixando seu espírito sem chance nenhuma de sair dali.
Exú: Isso mesmo meu pai. Foi aí que eu cheguei perto dele, chamei-lhe a sua atenção para
mim, ergui minha mão em sua direção e lhe disse,
"Venha comigo meu filho. Deixe essas coisas nesse chão imundo. Você e nem eu precisamos
disso."
Ele me olhou firmemente, abraçando junto ao peito todas aquelas coisas, e disse: "Quem é
você? O que quer de mim?"
O Exú que está aqui para tentar lhe mostrar que seu livre arbítrio ainda tem um poder para te
salvar da escuridão eterna e dos obsessores que tomam toda sua energia para que não tenhas
forças para vencer. O Exú que está lhe dando a mão para sua evolução verdadeira. Deseja vir
comigo?
Exú: Infelizmente não meu velho. Ele me olhou de modo desconfiado, de cima a baixo, e disse:
"Você não é um Exú. Onde está seus pés de bode, seus chifres e cauda. Onde está seus olhos
flamejantes, seu odor de enxofre? Você deseja me enganar para levar minhas oferendas, e
assim eu nunca vou conseguir fazer com que meus inimigos caiam para que eu consiga o lugar
deles, eu nunca vou conseguir fazer os males da doença seja espalhada a quem um dia me
ignorou, eu nunca vou conseguir aquele amor que deveria ser meu. Preciso amarrar aquela
mulher. E você desejando tudo que tenho para comprar a magia dos Exús de verdade."
Preto Velho: Sim meu fio, ele ainda não tinha aprendido a usar o livre arbítrio para fazer o
bem.
Exú: Não meu velho. Ele só via o próprio ódio que estava em seu coração. Infelizmente não
pude fazer nada, além de insistir mais um pouco, tentar mostrar que eu era um Exú, e que
somos Entidades de Luz, Entidades enviadas por Deus, e não apenas escravos das oferendas,
que para nós é totalmente sem importância. Tentei mostrar que minha imagem humanizada,
que minha voz serena, que minha face tranquila era exatamente a de um Exú, uma Entidade
evoluída que tenta auxiliar todos os filhos que ainda se prendem aos erros impostos por alguns
médiuns mistificadores ou interesseiros. E deixei bem claro que só poderia resgatá-lo pela
menção de sua vontade, pois respeitaria seu livre arbítrio eternamente.
Preto Velho: E isso deixou vosmicê bastante tristonho não é meu fio?
Exú: Sim meu Pai. Não conseguir resgatar uma alma da obsessão, dos espíritos caídos, das
trevas eternas, é de maltratar muito os sentimentos de protetores que nós, Exús e Pombogiras
temos. Mas ainda ficamos mais tristes quando são colocados nossos nomes como autores das
crueldades, das más intenções, das amarrações, e de tantas coisas ruins, criadas pelos
encarnados, feitos pelos Eguns, pelos Zombeteiros, pelos Kiumbas e depois cobrados a quem
fez esses pedidos por dezenas e dezenas de obsessores, que vão sugar todas as energias
desses encarnados até eles entregarem seus espíritos as trevas eternas. E depois nós, Exús e
Pombo Giras, temos ainda a missão de tentar resgatar essas almas, dentro do livre arbítrio
delas, as vezes não conseguimos, e muitas vezes conseguimos. E temos que ouvir alguns
líderes de algumas religiões nos taxando de demônios, senhores das trevas, vagabundos,
prostitutas e amaldiçoados.
Preto Velho: Sim meu fio. Mas vosmicê acredita se fosse fácil seria uma missão divina?
Será fio meu, que se ocês, Exús e Pombogiras, não tivessem essa missão tão árdua, vosmicês
estariam nesse grau tão maravilhoso de evolução?
Será que ter essa luta diária contra o mal, sem se deixar ser levado por oferendas sangrentas,
por marafo entregue na encruza, por pito que faz uma fumaceira que esconde as más
intenções, por ebós banhados por dendê, não faz dos amados Exús e Pombogiras entidades
supremas, acima do grau de evolução de muitos seres?
Será meu fio que quando um encarnado vem com a arrogância pedindo que faças uma
amarração amorosa ou espiritual a um semelhante, e ocês com toda a humildade, mostram
que o amor não pode ser amarrado, que o espírito é livre até que ele seja entregue aos
obsessores através das maldades feitas pelo próprio encarnado. Mesmo que esse encarnado
menosprezem seus trabalhos, chamando de "trabalho fraco", "trabalho sem força". Mesmo
assim, ocês continuam tentando demonstrar que o bem não pode ser trocado pelo mal, que a
luz não pode ser trocado pela escuridão, que o amor não pode ser trocado pela amarração. E
se mesmo assim esse encarnado lhe der as costas, ocês o acompanham e o protege, mesmo
sendo vistos ou como Exús fracos, ou como seres do demônio, mas sempre ali levando a luz.
Exú: Sim meu velho, é assim nosso trabalho. É assim que agimos. É assim que somos.
Preto Velho: Sabe meu fio, eu enquanto encarnado, nas fazendas de café, no cativeiro das
senzalas sujas e frias, acorrentado nas correntes da ignorância do homem branco, sendo
açoitado nos troncos da morte, já tive a mesma tristeza que ocês, exús e Pombo Giras trazem
no coração. Então eu elevava minha fé a Zambi, rezava uma oração, pedia a nosso Deus
poderoso para perdoar aqueles feitores que nos castigavam cruelmente, aqueles coronéis
sedentos da ganância que nos vendiam como animais, aqueles homens e mulheres de peles
branca como a nuvem que nos açoitavam, nos humilhavam, nos matavam friamente, apenas
para demonstrar poder, apenas porque éramos negros na pele, esquecendo que tínhamos um
coração que batia e chorava igualmente a todos, que tínhamos o sangue vermelho correndo
nas veias como todos os seres de Deus, que amávamos, sentíamos dor, fome, sede, e tudo
mais como os brancos. Mas mesmo assim éramos vistos como fracos, diferentes, escória,
feiticeiros, endemoninhados.
Então meu fio, talvez seja melhor fazermos uma prece para essas almas perdidas, para esses
mistificadores que tentam se passar por ocês, para esses falsos líderes religiosos que
necessitam de criar um inimigo que venha das trevas para induzir aos pobres fiéis sem
conhecimento, e assim tirar todo seu ouro e prata, para todos que por ignorância imagina que
a linha "docês" traz o mal, faz feitiçarias, amarra almas e sentimentos, tudo isso trocado pelo
sangue, carne, velas, marafo, ebó, padê, como escravos das trevas. A prece acalma, traz luz a
esses seres, afasta obsessores, encaminha almas, traz alegria. Vamos fazer essa prece meu fio?
Exú: Meu velho, o senhor tem uma sabedoria grandiosa suas palavras já acalmaram meu
coração. Vamos meu velho, vamos fazer nossa prece.
Preto Velho: Antes meu fio, dá cá um abraço nesse veio, que já está com lágrimas no zoio.
Preto Velho/Exú: Deus nosso Pai, que sois todo poder e bondade...
(Autoria desconhecida)