Mudanças Climáticas Globais

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Série Paradidática

Ecologia Aplicada

Mudanças climáticas globais


Evidências, causas, dinâmica, controvérsias e soluções

Edir E. Arioli

2022
Arioli, Edir Edemir

Mudanças climáticas globais: evidências, causas,


dinâmica, controvérsias e soluções. Edir E. Arioli.
Balneário Piçarras, SC. 2022.

65 p., ilustr., cores.

1. Clima. 2. Aquecimento global. 3. Sistemas complexos.


4. Gestão ambiental.

Foto da capa: Brasil247

2
“Neste mundo, uma espécie só consegue prosperar
se todas as outras ao seu redor prosperam também”.

“Depois de uma vida inteira explorando o mundo


natural, estou certo de que não se trata de salvar o
planeta, mas de salvar a nós mesmos”.

David Attenborough, 2020

3
Sumário

Mudanças climáticas e aquecimento global 5


Evidências do aquecimento global 6
Fontes de dados do clima 9
Dinâmica do clima na escala global 26
As mudanças climáticas nos sistemas naturais 33
Controvérsias sobre mudanças climáticas globais 43
Soluções para o aquecimento global 53
Referências 65

4
1. Mudanças climáticas e aquecimento global

A s mudanças climáticas globais são alterações nos padrões


regionais de temperatura, umidade, chuvas, insolação, direção
e intensidade dos ventos e correntes oceânicas, teores de gases e
poluentes na atmosfera terrestre, entre outros indicadores.
Aquecimento global é um tipo específico de mudança climática, que
envolve o aumento da temperatura média da atmosfera, dos
oceanos, das águas e do solo nos continentes.

Este livro aborda o aquecimento global, relacionando dentro do


possível as suas relações de causa e efeito com as mudanças
climáticas mais amplas. Deve ficar claro desde já que o aquecimento
global tanto pode ser consequência de mudanças climáticas em
escala planetária, como pode intervir como uma das suas causas.

Os sistemas complexos funcionam por meio de ciclos de


retroalimentação entre seus componentes, que mantêm entre si
relações intercambiáveis de causa e efeito, distantes entre si no
espaço e no tempo. Pequenas alterações em algumas variáveis locais
podem produzir grandes mudanças nos processos regionais e
maiores ainda na escala global. Sem a compreensão deste
funcionamento não é possível analisar os fenômenos da natureza.

Aquecimento global é o aumento anormalmente rápido da


temperatura média da superfície da Terra, desde o início do século
vinte até os dias de hoje (NASA, 2020). Ainda segundo a NASA –
National Aeronautics and Space Administration, a causa principal
dessas mudanças é o aumento da concentração de gases de efeito
estufa na atmosfera terrestre. Esses gases são principalmente gás
carbônico (CO2) e metano (CH4), liberados pela queima industrial,
doméstica e veicular de combustíveis fósseis. A partir de 1950, a
concentração de CO2 na atmosfera disparou, acompanhando a
industrialização, e já passou de 400 ppm (partes por milhão,
correspondente a 0,001%), limite considerado perigoso para a vida
animal.

5
2. Evidências do aquecimento global

A NASA (2020) registra como evidências do aquecimento global


as seguintes alterações climáticas, que se repetem quase
diariamente no noticiário mundial:

– Aumento da temperatura do ar e da superfície terrestre.


– Redução das geleiras continentais e calotas polares.
– Redução das camadas de neve nos continentes.
– Elevação global do nível do mar.
– Acidificação crescente dos oceanos.
– Eventos meteorológicos extremos.
– Extinção de espécies animais e vegetais.
– Migração de espécies animais e vegetais para os polos.

De acordo com informações publicadas pela NASA (2020), a


temperatura média da atmosfera terrestre aumentou 1oC no século
vinte e mais ainda depois de 1985. Os 5 anos mais quentes da
história ocorreram depois de 2010. Nos últimos 20 anos, contados
até 2016, 18 deles foram os mais quentes registrados na história.
Ainda em 2016, ano mais quente da história, foram registrados os 16
meses consecutivos mais quentes da história.
As análises da NOAA – National Oceanic and Atmospheric
Administration divergem ligeiramente da NASA, devido ao uso de
uma base de dados diferente (NOAA, 2020). Segundo ela, a
duplicação na taxa de aquecimento aconteceu nos últimos 40 anos,
com os 10 anos mais quentes da história registrados a partir de 1998
e os 4 mais quentes a partir de 2014.
O aquecimento das regiões tropicais está afugentando muitas
espécies animais, principalmente insetos e aves, mais sensíveis às
variações de temperatura. A migração permanente (não confundir
com a sazonal, que tem retorno) de populações animais rumo aos
polos está acontecendo ao ritmo de 6 quilômetros por ano. Mais
grave do que isto é a extinção de espécies, tanto animais quanto
vegetais, que acontece na base de 200 por dia.

6
Em Veneza, as inundações tornaram-se mais frequentes e dobraram
de 2017 para 2018. O centro histórico de Veneza, no nordeste da
Itália, registrou um recorde de inundações em 2018, de acordo com
balanço divulgado pela Prefeitura nesta sexta-feira (4). Segundo os
dados oficiais, o fenômeno da água alta se repetiu 121 vezes ao
longo do ano passado, quase o dobro do número verificado em 2017.
Isto inclui apenas marés superiores a 80 centímetros, mas em nove
ocasiões a cheia superou os 120 centímetros. O nível mais alto do
ano foi registrado em 29 de outubro, com maré de 156 centímetros, o
quarto maior patamar da história - o recorde é de 4 de novembro de
1966, com 194 centímetros.

Aquecimento dos oceanos está mais rápido


O Estado de São Paulo, 11/01/2019
Responsáveis por absorver aproximadamente 93% do excesso de energia solar aprisionado
no planeta por causa da alta concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, os
oceanos estão aquecendo mais rápido do que se imaginava e se apresentam como um
sinal claro das mudanças climáticas sofridas pelo planeta. De acordo com pesquisadores
da China e dos Estados Unidos, liderados por Lijing Cheng, do Instituto de Física
Atmosférica da Academia de Ciências Chinesa, observações feitas por quatro sistemas de
observação confirmam não só que o oceano está aquecendo, como de forma acelerada. A
análise foi publicada nesta quinta-feira, 10, na revista Science. Um dos modelos, o Argo,
conta com quase 4 mil robôs flutuantes ao redor do planeta, fazendo medições desde o
ano 2000. Os outros consideraram medições ajustadas desde os anos 1970. Os dados
apontam que 2018 provavelmente será o ano mais quente para os oceanos desde que se
iniciaram os registros históricos - recorde quebrado pelo terceiro ano consecutivo, o que
mostra a tendência de aquecimento.
Modelos usados no último relatório geral do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC) prevêem que num cenário sem mudanças, em que nenhum esforço seja
feito para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, a temperatura dos primeiros
2.000 metros de profundidade dos oceanos do mundo aumentará 0,78 °C até o final do
século. A expansão térmica causada por esse aumento na temperatura elevaria os níveis
do mar em mais 30 centímetros além da já significativa elevação do nível do mar causada
pelo derretimento das geleiras e dos lençóis de gelo. Oceanos mais quentes também
contribuem para a ocorrência de tempestades mais fortes, furacões e precipitações
extremas, além de afetarem a vida marinha, que precisa fugir para águas mais frias.

7
Estamos destruindo nossos sistemas de suporte à vida
Hypescience, 16/01/2019

O cientista Brad Lister retornou à floresta tropical de Luquillo, em Porto Rico, depois
de 35 anos para descobrir que 98% dos insetos haviam desaparecido do solo. Ele pode
notar a diferença de cara: não havia pássaros em nenhum lugar. Lister concluiu que a
população de insetos que alimentava as aves em todo o parque nacional havia
desmoronado. No chão, 98% tinham ido embora. Nas copas das árvores, 80% haviam
desaparecido. “É um verdadeiro colapso das populações de insetos na floresta tropical.
Começamos a perceber que isso é terrível – um resultado muito, muito perturbador”, disse.

Os insetos são 17 vezes mais abundantes que os humanos na Terra, e fundamentais


para a cadeia alimentar. Seu colapso beira um “Apocalipse Ecológico” e o culpado mais
provável é, de longe, o aquecimento global. O trabalho em Porto Rico é apenas um dos
poucos estudos que avaliam essa questão vital. O número de insetos voadores nas
reservas naturais da Alemanha despencou 75% em apenas 25 anos. O virtual
desaparecimento de aves em uma floresta australiana de eucaliptos foi atribuído à
falta de insetos causados pela seca e pelo calor. Lister e seu colega Andrés García
também descobriram que o número de insetos em uma floresta seca no México caiu
80% desde os anos 80.
Lister chama esses impactos de uma “cascata trófica de baixo para cima”, na qual os
efeitos colaterais do colapso de insetos são sentidos através da cadeia alimentar. “Eu
não acho que a maioria das pessoas tenha uma visão sistêmica do mundo natural. Mas
tudo está conectado e se os invertebrados declinam, toda a cadeia alimentar vai sofrer
e degradar”, alerta.

Em outro volume desta série, apresento uma compilação de


evidências científicas da crise climática, extraídas de artigos e
relatórios acadêmicos, e empíricas, fornecidas pela mídia impressa e
digital. Consulte Mudanças climáticas globais: evidências
científicas e empíricas na plataforma Scribd.

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3. Fontes de dados do clima

Materiais amostrados nos estudos climáticos

N as notícias publicadas sobre as mudanças climáticas,


normalmente são apresentados apenas dados de temperatura
do ar, como se faz nas previsões meteorológicas. Entretanto, a
climatologia trabalha com uma gama muito variada de dados. Os
registros utilizados para monitorar o clima atual e passado da Terra
são obtidos em várias fontes, por meio de uma grande variedade de
técnicas de coleta e tratamento de dados. Alguns desses dados
relacionam-se com ambientes específicos, muitas vezes de escala
local, mas eles são incorporados a modelos estatísticos para gerar
cenários em escala planetária.
Além disso, os modelos levam em consideração todos os meios
amostrais significativos e corrigem as distorções associadas à
correlação de dados de origens tão diferentes. Isto é comum na
pesquisa científica, principalmente em estudos dos fenômenos
regionais, que exigem a análise de dados produzidos em épocas
distintas, com recursos técnicos diferenciados. Esta abordagem faz
parte do que se chama visão sistêmica dos fenômenos naturais, de
apreensão um tanto difícil por parte do público leigo.
Meios amostrais são os materiais cujas propriedades físicas,
químicas e biológicas podem ser medidas para a construção de
estatísticas. Nos levantamentos climáticos, eles são principalmente
água, gelo, ar, rocha e solo.
A água pode ser dos oceanos e mares continentais, dos rios e lagos,
dos aquíferos subterrâneos e do vapor atmosférico. As medidas são
feitas na superfície dos corpos d’água e em profundidades variadas,
que chegam até 700 metros nos oceanos ou nos fundos dos rios e
lagos. Os dados em gelo são coletados em bolhas de ar, que
preservam amostras da atmosfera na época de formação. A
composição química, a temperatura e a umidade podem ser medidas
em amostras de ar junto à superfície da Terra, em altitudes

9
selecionadas, em ambiente urbano ou rural, dentro de florestas ou
sobre as copas das árvores.
A escolha do meio amostral depende do objetivo de cada estudo,
naturalmente. Quando se trata de avaliar mudanças climáticas
globais, é necessário trabalhar com dados de várias origens e que
guardem relações de causa e efeito passíveis de interpretação. Por
sua abundância, confiabilidade e representatividade regional, os
dados referentes à atmosfera e aos oceanos são, contudo, os mais
utilizados.

Atmosfera
A figura abaixo mostra a evolução da temperatura média da Terra
nos últimos 1.500 anos, medida diretamente na atmosfera e em
bolhas de ar contidas no gelo da Antártica. O aquecimento no século
vinte ultrapassou todos os picos do período e em ritmo 10 vezes
maior do que em qualquer outra época estudada. O trecho vermelho
do gráfico inicia no ano de 1900, no começo da Segunda Revolução
Industrial.

Fonte: NASA

Variações de temperatura média da Terra nos últimos 1.500 anos.

10
Quando se compara o consumo global de energia a partir de várias
fontes, como mostra a figura a seguir, ficam evidentes dois fatos: o
consumo acelerou-se fortemente a partir da década de 1950 e este
aumento foi dominado pelo consumo cada vez maior dos
combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural. A correlação
das curvas de consumo de energia e de variação da temperatura
média do planeta mostra que esta passou a crescer em paralelo à
primeira curva 25 anos depois de disparado o consumo dos
combustíveis fósseis.

Fonte: NASA

Consumo global de energia no período de 1830 – 2010.

Os gases de efeito estufa (GEE) estão aumentando na atmosfera de


forma acelerada: vapor d’água, gás carbônico, metano e óxido
nítrico. Pela alta qualidade e didatismo, a síntese publicada pelo
PROCLIMA, programa do Governo do Estado de São Paulo, é
reproduzida na íntegra abaixo.

11
PROCLIMA - Programa Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo

Gases do Efeito Estufa e Fontes de Emissão


Os principais gases que contribuem para o aumento do efeito estufa e suas respectivas
fontes antropogênicas são os seguintes:
CO2 – Responsável por cerca de 60% do efeito-estufa, cuja permanência na atmosfera é
de pelo menos centena de anos, o dióxido de carbono é proveniente da queima de
combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, turfa), queimadas e
desmatamentos, que destroem reservatórios naturais e sumidouros, que tem a
propriedade de absorver o CO2 do ar. De acordo com o IPCC (1995), as emissões
globais de CO2 hoje são da ordem de 7,6 Gt por ano. E a natureza não tem capacidade
de absorção de todo esse volume o que vem resultando em um aumento da concentração
atmosférica mundial desses gases.
CH4 – Responsável por 15 a 20% do efeito estufa, é.componente primário do gás
natural, também produzido por bactérias no aparelho digestivo do gado, aterros
sanitários, plantações de arroz inundadas, mineração e queima de biomassa. (Adendo do
autor: liberado pela matéria orgânica que entra em decomposição pelo degelo do
permafrost, tanto em terra quanto no fundo do mar Ártico).
N2O – Participando com cerca de 6% do efeito estufa, o óxido nitroso é liberado por
microorganismos no solo, através de um processo denominado nitrificação, que libera
igualmente nitrogênio. A concentração deste gás teve um enorme aumento devido ao
uso de fertilizantes químicos, à queima de biomassa, ao desmatamento e às emissões de
combustíveis fósseis.
CFCs – Responsáveis por até 20% do efeito estufa, os clorofluorcarbonos são utilizados
em geladeiras, aparelhos de ar condicionado, isolamento térmico e espumas, como
propelentes de aerossóis, além de outros usos comerciais e industriais. Como se sabe,
esses gases reagem com o ozônio na estratosfera, decompondo-o e reduzindo, assim, a
camada de ozônio que protege a vida na Terra dos nocivos raios ultravioletas. Estudos
recentes sugerem que, as propriedades de reter calor, próprias do CFCs, podem estar
sendo compensadas pelo resfriamento estratosférico resultante do seu papel na
destruição do ozônio. Ao longo das últimas duas décadas, um resfriamento de 0,3 a
0,5ºC foi medido na baixa estratosfera, onde a perda do ozônio é maior.
O3 – Contribuindo com 8% para o aquecimento global, o ozônio é um gás formado na
baixa atmosfera, sob estímulo do sol, a partir de óxidos de nitrogênio (NOx) e
hidrocarbonetos produzidos em usinas termoelétricas, pelos veículos, pelo uso de
solventes e pelas queimadas.
Vapor d’água – O vapor d’água presente na atmosfera também absorve parte da
radiação emanada pela Terra e é um dos maiores contribuintes para o aquecimento
natural do globo. Apesar de não ser produzido em quantidade significativa por
atividades antrópicas, considera-se que, com mais calor, haverá mais evaporação d’água
e, por conseguinte, um aumento de sua participação no aumento do efeito estufa.

12
Aumento Contribuição GWP em 100 Principais fontes
GEE
desde 1750 (%) anos de emissão

Queima de combustíveis fósseis,


CO2 31% 60% 1 desmatamento e mudança nos usos
do solo.

Produção e consumo de energia


(incluindo biomassa), atividades
CH4 151% 20% 21
agrícolas, aterros sanitários e águas
residuais, degelo do permafrost.

Uso de fertilizantes, produção de


N2O 17% 6% 310 ácidos e queima de biomassa e
combustíveis fósseis.

Halogenados Indústria, refrigeração, aerossóis,


(HFC, PFC e – 14% 140 a 23.900 propulsores, espumas expandidas e
SF6) solventes.
Fonte: IPCC

Contribuição dos gases de efeito estufa (GEE) para o aquecimento global.

Entretanto, os GEE têm diferentes potenciais de aquecimento global


(GWP) como mostra a tabela acima. O GWP do gás carbônico é igual
a 1, o do metano é 21, o do óxido nitroso é 310, o do SF6 é 29.500.
Isto significa que o metano absorve cerca de 21 vezes mais radiação
infravermelha do que o CO2, que o óxido nitroso absorve cerca de
310 e que o SF6 absorve cerca de 23.900, respectivamente,
considerando o horizonte de tempo de 100 anos. Mesmo assim,
apesar do GWP de todos os gases ser maior que o GWP do CO2, este
é muito mais abundante do que os demais na atmosfera, tornando-o
mais efetivo no efeito estufa. Além disso, o gás carbônico representa
cerca de 78% de todos os GEE emitidos pelas atividades humanas.
O vapor d’água não é relacionado entre os GEE, apesar de ser o gás
mais abundante da atmosfera e de exercer o efeito estufa, porque ele
atua como um fator de compensação ao aquecimento global. À
medida que aumenta a temperatura do planeta, aumentam a
nebulosidade e a quantidade de chuvas, que resfriam a atmosfera e
as superfícies molhadas.
13
Oceanos
Os oceanos cobrem 70% da superfície da Terra e têm uma
profundidade média de 4,3 quilômetros. As propriedades físico-
químicas da água tornam esse vasto volume líquido o fator mais
decisivo para a regulação do clima no planeta. Ela tem grande poder
de solubilidade para substâncias gasosas, líquidas e sólidas,
principalmente sais. Vale citar dois exemplos de cada tipo,
respectivamente: gás carbônico e gás sulfídrico, água doce em água
salgada e vice-versa, cloreto de sódio e carbonato de cálcio. Como a
água absorve grandes quantidades de energia antes de mudar do
estado líquido para o gasoso, ela funciona como um regulador de
temperatura para o planeta, armazenando calor durante períodos de
calor e liberando nos períodos de frio.
Por isto, os oceanos merecem prioridade como objeto de estudo,
mais ainda do que a própria atmosfera, por parte dos pesquisadores
das mudanças climáticas globais.
Argo é um projeto de observação dos oceanos da Terra que coleta e
disponibiliza em tempo real dados importantes para estudos do
clima, tempo, oceanografia e pesca. O sistema Argo consiste de um
enorme conjunto de pequenas sondas robóticas que ficam
espalhadas nos oceanos, posicionadas e submersas a profundidades
de até 2 km. Uma vez a cada 10 dias, essas sondas emergem,
medindo a condutividade, temperatura e outras características até a
superfície. Os dados são transmitidos aos laboratórios de pesquisa
via satélite e ficam disponíveis livremente para todos os
interessados, sem custos ou restrições.
A meta inicial de posicionar 3.000 sondas foi atingida em novembro
de 2007. Esse número muda continuamente, pois sondas são
perdidas ou esgotam a sua vida útil, enquanto novas sondas são
posicionadas. Cerca de 750 novas sondas são posicionadas a cada
ano para manter o sistema funcionando, com separação média de
aproximadamente 350 km. A figura abaixo dá uma ideia da grandeza
do projeto Argo.

14
Fonte: Projeto Argo
Distribuição das sondas Argo nos oceanos.

Os 700 m superiores dos oceanos aumentaram 0,5oC depois de 1970.


O nível dos oceanos subiu em média 20 cm no século vinte, o que
corresponde a 3 vezes mais do que no século dezenove. Isto levaria
5.000 anos se o aquecimento estivesse acontecendo ao ritmo natural
do planeta. No ritmo atual de aquecimento, os mares poderão subir
68 m até o ano 2100, alterando o perfil da linha costa sul-americana
como ilustra a figura a seguir.

.
Fonte: NASA
América do Sul com oceanos 68 metros acima do nível atual

15
Segundo BRINER (2016), nos últimos 25 anos, a espessura da
plataforma de gelo no Ártico diminuiu em 43%. Quando se compara
a redução da área da calota polar ártica medida a partir de 1900 com
a projetada por estudos do IPCC – Intergovenmental Panel for
Climate Change, verifica-se que a perda real foi muito maior do que
a prevista pelos modelos matemáticos. Isto é mostrado na figura
abaixo.

Fonte: IPCC

Redução da espessura da calota polar ártica a partir de 1900.

A acidificação dos oceanos pelo aumento do gás carbônico pode ser


comprovada por um experimento muito simples. Ligar uma
motoneta com a descarga jogada por uma mangueira dentro de um
tanque de água e medir em tempo real o pH da água. O pH cai
rapidamente à medida que o CO2 é assimilado pela água.
A equação completa da reação que acontece durante a acidificação
do oceano mostra que a acidez não vem somente do ácido carbônico,
mas principalmente dos íons de hidrogênio:

CO2 + H2O = H2CO3 = HCO3- + H+ = CO32- + 2H+

16
Em estações de controle, tais como as do Havaí, Canárias e
Bermudas, as variações de CO2, pH e teores de CO32- mostram que a
acidificação dos oceanos acontece de forma contínua e
estatisticamente comprovada.
A concentração de CO2 nos oceanos e mares aumentou 30% desde
1950. A acidificação está destruindo os recifes de corais tanto por
morte dos organismos quanto pela dissolução dos esqueletos
calcários.

Bolhas de ar preservadas em gelo


O gráfico abaixo mostra que a quantidade de gás carbônico na
atmosfera, medida em amostras de gelo da Antártica, cresceu
exponencialmente a partir de 1920, quando iniciou a segunda
revolução industrial, intensiva em queima de combustíveis fósseis. A
figura a seguir mostra a evolução desses teores ao longo dos últimos
400 mil anos.

Fonte: NASA

Evolução dos teores atmosféricos de gás carbônico em 400.000 anos.

Nos últimos 650.000 anos aconteceram sete eras do gelo e a última


acabou há 7.000 anos, dando lugar para o clima úmido e quente que
passou a dominar o planeta até hoje, exceto nos polos.

17
O gás carbônico gerado pelo desmatamento e pela indústria
distribui-se entre a atmosfera (49%), as florestas (29%) e os oceanos
(26%). Portanto, 75% do CO2 do planeta estão concentrados na
atmosfera e nos oceanos.
O volume de gás carbônico assimilado pelos oceanos, mostrado
como toneladas de carvão, se fossem carregadas em vagões
ferroviários, dariam 14 voltas em torno da Terra. E isto corresponde
a apenas 26% do total liberado anualmente na atmosfera!

Geleiras
Geleiras são grandes massas de gelo em movimento formadas pela
compactação e recristalização da neve, nas montanhas e regiões
polares. A calota de gelo do Polo Norte não é uma geleira porque é
uma placa flutuante sobre o oceano Ártico. As geleiras se classificam
segundo sua morfologia, em campos de gelo, geleiras de circo ou
geleiras de vale.
A formação de uma geleira pode levar milênios e seu tamanho
depende da quantidade de gelo que consegue acumular ao longo do
tempo. O seu deslocamento é semelhante ao dos rios e a sua
velocidade depende da fricção da base contra as rochas e do desnível
do terreno em que se assentam. No total, as geleiras cobrem 10% da
superfície terrestre e, juntamente com as calotas polares, perfazem
quase 70% da água doce do planeta.
O monitoramento contínuo das geleiras, no mundo inteiro, está
demonstrando que o ritmo de redução de extensão e volume
acompanha a aceleração do aquecimento global. Duas causas
específicas, associadas às mudanças climáticas, são consideradas as
mais críticas para esta redução: concentração de CO2 na atmosfera e
aquecimento dos oceanos.
Em 55 anos, de 1961 a 2016, as geleiras da Terra perderam mais de 9
trilhões de toneladas de gelo, contribuindo para um aumento médio
de 27 milímetros no nível oceânico global. Os dados são de um novo
estudo liderado pela Universidade de Zurique e publicado na revista
científica Nature. Para o estudo, foram reconstruídas modificações

18
ocorridas em mais de 19.000 glaciares em todo o mundo em 55
anos. Os pesquisadores combinaram medidas de campo e
dados compilados pelo Serviço Mundial de Monitoramento de
Geleiras, com observações das mudanças na espessura de gelo ao
longo do tempo.
Isso equivale ao volume de gelo armazenado nos Alpes europeus
e corresponde a um aumento no nível do mar de quase 1 milímetro
por ano. O derretimento das geleiras contribuiu para o aumento do
nível dos oceanos em 2,7 centímetros desde 1961. Além disso, as
geleiras do mundo têm gelo suficiente — cerca de 170.000
quilômetros cúbicos — para aumentar o nível do mar em quase meio
metro.
As maiores perdas foram registradas nas geleiras do Alasca, da
Patagônia (que recentemente registrou recorde de temperatura) e na
calota polar do Ártico. As geleiras dos Alpes europeus, a cordilheira
do Cáucaso e a Nova Zelândia também sofreram perda significativa
de gelo, mas devido às suas áreas relativamente pequenas, elas
desempenharam um papel menor no aumento do nível do mar.

Fonte: IBERDROLA

Frente da geleira Perito Moreno, na Argentina.

19
O degelo das geleiras está provocando a extinção de numerosas
espécies, pois elas abrigam populações de vários animais terrestres e
aquáticos. O desaparecimento das geleiras significa também menos
água para o consumo da população, menos capacidade para
gerar energia hidrelétrica e menos disponibilidade para a irrigação.
Segundo Englander (2019), o degelo da Antártica geraria o aumento
do nível do mar em 62 m e o degelo da Groenlândia elevaria os
oceanos em 11 m. O degelo total levaria o nível dos mares 73 m
acima do nível atual. Este efeito pode ser compreendido quando se
sabe que os territórios da Antártica e da Groenlândia equivalem ao
dobro da extensão dos Estados Unidos, cobertos por uma capa de
gelo com 1.000 metros de espessura média.

Permafrost
Permafrost é o nome que se dá às camadas de solo
permanentemente gelado que caracteriza as paisagens acima do
Círculo Polar Ártico. Este tipo de solo cobre vastas regiões na
Sibéria, no Canadá, no Alaska e na Groenlândia. O seu degelo está
acontecendo em ritmo mais rápido do que o previsto pelos modelos
climáticos. Isto preocupa pela grande extensão da sua área de
ocorrência, pelo enorme volume de solo e pelo gigantesco volume de
metano que estão sendo liberados na atmosfera, por efeito do
aquecimento global.
A importância do degelo do permafrost para o aquecimento global
(retroalimentação positiva ou aceleração exponencial) pode ser
avaliado pela sua distribuição no hemisfério Norte, vista no mapa da
figura abaixo.

20
Fonte: USGS

Distribuição do permafrost no hemisfério Norte.

O fundo do oceano Ártico e os solos da Sibéria contêm 8-10% mais


metano contido nos sedimentos e 100 vezes mais do que nos outros
oceanos (Shakhova et al., 2019). Este gás permanece dentro dos
sedimentos por causa das condições anaeróbicas (sem oxigênio), que
impedem a sua oxidação. Com o derretimento do permafrost, que
existe também no fundo do mar Ártico, e o alívio da pressão
confinante, a pressão do metano rompe a cobertura e o gás é
liberado na atmosfera, em muitos locais de forma explosiva. Por isto
estão aparecendo inúmeras crateras na paisagem da Sibéria, num
ritmo inesperado.
A figura a seguir mostra duas feições resultantes do degelo do
permafrost: depressões e grandes volumes de água acumulada em
lagos circulares e coalescentes. Em outras áreas, como se vê na outra
figura, o padrão resultante é de treliças, devido ao controle do degelo
por fraturas do terreno.

21
Fonte: Nathalia Shakhova

Lagos formados por degelo do permafrost, na Sibéria.

Fonte: Nathalia Shakhova

Padrão em treliça formado pelo degelo do permafrost na Sibéria.

O processo é muitas vezes explosivo e forma crateras como as de um


vulcão ou de um impacto de meteoro, ilustrado na figura a seguir. Os
microorganismos desenvolvidos nesses lagos produzem mais gás
carbônico e metano, retroalimentando de forma positiva o
aquecimento global. E positivo, aqui, não significa coisa boa...

22
Fonte: Nathalia Shakhova

Cratera formada por explosão de metano na Sibéria.

A figura abaixo mostra a rapidez com que o permafrost do Alasca


está sendo degelado e erodido, formando ravinas e voçorocas como
as da próxima foto. Repare que os córregos das fotos estão sendo
formados pelo degelo, não existiam antes.

Fonte: USGS

Erosão acelerada por degelo do permafrost no Alasca.

23
Como enfatiza Charles Miller, do Jet Propulsion Laboratory
(NASA), o degelo não se limita à superfície do terreno, mas alcança
profundidades de até 20 metros. O gráfico abaixo mostra a
distribuição de temperatura no subsolo de Jassonhaugen (Noruega),
no período de 1999 a 2016. A linha pontilhada indica o limite
inferior da zona de degelo, em torno de 18 metros.

Fonte: NASA

Variação de temperatura no subsolo de Janssonhaugen (Noruega).

Os termômetros registraram a temperatura de 38ºC na cidade russa


Verkhoyansk, em junho de 2020. A região siberiana normalmente
tem temperaturas muito mais baixas, mesmo no verão do hemisfério
norte. Esse é um problema gravíssimo na região de permafrost, uma
vez que o derretimento desse solo que deveria ficar
permanentemente congelado libera quantias enormes de metano,
um gás de efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO2. O
derretimento do permafrost já está visível ao ponto de fazer com que
edificações, rodovias e dutos de óleo e gás entrem em colapso devido
à perda de sustentação do solo.
Esse é um problema global, já que funciona como uma sequência de
dominós sendo derrubada em escala global. A Europa inteira e os

24
EUA, por exemplo, sentem os efeitos dessa mudança de temperatura
no Ártico, que interfere nas correntes de jato do planeta. Como
consequência, ondas fortes de calor ou de chuvas ficam estacionadas
no mesmo ponto por vários dias, quando normalmente elas
passariam rapidamente e não afetariam tanto uma região específica.

25
4. Dinâmica do clima na escala global

S egundo a Organização Mundial de Meteorologia, clima é o


conjunto de condições meteorológicas médias de um período
equivalente a pelo menos 30 anos. As condições climáticas resultam
das interações entre a atmosfera (ar), a hidrosfera (água), a criosfera
(gelo), a biosfera (seres vivos) e a litosfera (rochas e solo). Essas
interações, por sua vez, são reguladas por variações de temperatura,
pressão e umidade.
Os padrões de distribuição do clima na superfície terrestre são
determinados principalmente pela latitude (coordenadas geográficas
paralelas à linha do Equador), altitude (elevação sobre o nível do
mar), correntes atmosféricas (ventos, deslocamentos de frentes frias
ou quentes) e correntes marítimas (quentes e rasas, frias e
profundas). Todas essas componentes do clima respondem às
variações de intensidade na energia térmica produzida pela radiação
solar, que controla também o ciclo hidrológico do planeta.
As diferenças de aquecimento da superfície terrestre pela radiação
solar são constantes, quando se trata da distância de cada ponto de
medição em relação ao sol. Isto se comprova na distribuição das
zonas de clima do equador em zonas mais ou menos paralelas à
linha do Equador. Os polos estão, em média, cerca de 6.000
quilômetros mais distantes do sol do que o Equador. Esta diferença é
suficiente para explicar as diferenças de clima entre as regiões
equatoriais e polares.
Da base ao topo das montanhas, embora esta distância seja muito
menor, o efeito é oposto: as temperaturas caem à medida que nos
aproximamos do sol. Isto se deve à rarefação crescente da atmosfera
e à atenuação do seu efeito protetor sobre a irradiação do calor da
superfície para o espaço.
Diferenças de temperatura e salinidade nas águas dos oceanos
induzem a formação das correntes marítimas, na denominada
circulação termohalina. Estas correntes são os maiores agentes de
regulação do clima nos continentes, devido às suas extensões

26
planetárias, aos gigantescos volumes de energia transportada e às
persistências milenares de circulação. A distribuição das correntes
marítimas, ilustrada na figura abaixo, dá uma ideia da sua influência
sobre o clima do planeta.

Fonte: Boscoito

Distribuição das correntes marítimas na Terra.

Outras fontes de variações são eventuais ou cíclicas, como a


intensidade das erupções vulcânicas ao longo do tempo e a
concentração de gases poluentes na atmosfera. Desses gases são
mais importantes o vapor d’água, o gás carbônico (CO2), o metano
(CH4), o gás sulfídrico (H2S) e o óxido nítrico (NO). Eles são os
conhecidos gases de efeito estufa. O vapor d’água é o mais
abundante, mas o metano é o mais potente, 125 vezes mais poderoso
do que o gás carbônico no que diz respeito ao efeito estufa. Isto
significa que um metro cúbico de metano produz o aquecimento
atmosférico equivalente a 125 metros cúbicos de gás carbônico.

27
A contribuição de cada gás para o efeito estufa é mais ou menos a
seguinte: 50% do vapor d’água que forma a nebulosidade difusa da
atmosfera, 25% das nuvens, 20% do CO2 e 5% dos demais. Apesar
dos números, o vapor d’água e as nuvens não são tratados como
gases de efeito estufa, porque são produtos deste processo,
responsáveis pela retroalimentação positiva.
É importante não se deixar enganar pelos teores aparentemente
baixos, que tendem a minimizar o efeito estufa. Basta lembrar que
pequenas quantidades de sal na água do mar são suficientes para
criar propriedades físico-químicas profundamente diferentes da
água doce. Quem estuda Física dos Materiais sabe a diferença que
fazem alguns décimos percentuais de um aditivo para a resistência e
a condutividade elétrica de uma liga metálica.
Os comprimentos de onda do calor irradiado pela superfície
terrestre são maiores do que os da radiação recebida. Enquanto a
energia é recebida na forma de luz, a refletida tem a forma de raios
infravermelhos, isto é, de calor. Esta diferença faz com que o calor
irradiado pela superfície seja contido na troposfera, camada inferior
da atmosfera, cuja composição bloqueia os raios infravermelhos.
Isto cria o efeito estufa, exatamente como a cobertura plástica de um
viveiro de hortaliças.
Além da concentração dos gases mencionados acima, um fator
crítico para a evolução do efeito estufa é a refletância da luz solar
pela superfície terrestre. A refletância é muito maior nas áreas claras
do que nas áreas escuras, que absorvem boa parte da energia.
Nas regiões que perdem a cobertura de neve e gelo devido ao
aquecimento global ou sazonal, a superfície escurece e absorve mais
calor do sol, o que aumenta o efeito estufa e acelera o degelo. Isto
cria um ciclo vicioso, que escurece mais ainda a superfície e acelera o
aquecimento na região. A extensão da área afetada determina o
quanto ela contribuirá para o aquecimento do planeta como um
todo.
A atmosfera terrestre é formada por várias camadas, ilustradas na
figura da página seguinte: troposfera, estratosfera, mesosfera,
termosfera e exosfera. A troposfera ocupa os primeiros 7 a 17
28
quilômetros de altitude, contados a partir do nível do mar, e é a mais
rica em oxigênio e vapor d’água. A estratosfera vai até mais ou
menos 50 quilômetros de altitude, é muito estável, sem correntes de
ventos e rica em ozônio, que nos protege contra os raios ultravioleta.
A mesosfera alcança 80 quilômetros acima do nível do mar, muito
rarefeita e com temperaturas que descem a -100oC. A termosfera, ao
contrário, apesar de se estender até 500 quilômetros de altitude,
absorve tanto a radiação solar que atinge temperaturas de 1.000oC.
A exosfera alcança 800 quilômetros da superfície terrestre, é
composta apenas e hidrogênio e hélio. Ela está fora do alcance da
gravidade e contém a nuvem de satélites de comunicação,
sensoriamento remoto e telescópios.

Fonte: soparaalunosferas.org.br

Camadas da atmosfera terrestre.

29
A circulação atmosférica é impulsionada pelas diferenças de
temperatura (de energia, portanto) entre o equador e os polos, sob
influência da rotação da Terra. O ar quente dilata-se e torna-se mais
leve nas regiões equatoriais, onde se eleva na troposfera até se
resfriar e retornar à superfície nas regiões polares. Isto mantém um
sistema circulatório permanente, que é desviado para oeste entre os
trópicos de Câncer e de Capricórnio, por influência da rotação
terrestre. Esta combinação de movimentos forma as denominadas
células atmosféricas, ilustradas na figura abaixo. Assim se originam
as monções, grandes movimentos de ar e umidade responsáveis
pelas enchentes sazonais das regiões tropicais.

Fonte: Cláudio Ripinskas

Padrão global de circulação atmosférica.

Nas regiões costeiras, a direção dos ventos é determinada


principalmente por diferenças de pressão atmosférica entre o
continente e o oceano. O solo e as rochas são condutores térmicos
melhores do que a água. Assim, as terras emersas aquecem mais
rapidamente de dia e esfriam mais rapidamente à noite do que o
oceano. As massas de ar quente sobem e formam células de baixa
pressão, enquanto o ar frio faz o movimento contrário. Por isto, os
ventos sopram para o continente durante o dia e retornam para o
30
oceano durante a noite. O mesmo vale para as margens dos grandes
lagos e mares continentais.
Considerando a quantidade de variáveis que interagem para modelar
o clima na escala global, é natural que ele varie bastante ao longo do
tempo, seja nas estações de um ano, seja através das eras geológicas.
Algumas dessas variações são bastante conhecidas e delimitadas
regionalmente. O Atlântico Norte mantém um padrão decenal de
oscilação controlado por flutuações nas diferenças de pressão
atmosférica entre a Islândia e o arquipélago dos Açores. Esta
oscilação afeta o clima em toda Europa e atinge parte da Ásia.
Outras oscilações deste tipo são o fenômeno El Niño e La Niña, no
oceano Pacífico. Enquanto o primeiro identifica uma zona de
aquecimento persistente, que aumenta a incidência de chuvas na
América do Sul, La Niña é o fenômeno oposto, de resfriamento e
estiagem.
Partículas líquidas e sólidas em suspensão na atmosfera são
denominadas aerossóis. Elas são geradas por dispersão na superfície
dos oceanos (gotículas de água), por poeiras levantadas pelos ventos
em áreas de clima árido (grãos de silte e areia), pelas erupções
vulcânicas (dióxido de carbono, óxido de enxofre) e pela queima de
combustíveis fósseis (monóxido de carbono). De um modo geral,
elas bloqueiam a radiação solar e diminuem a temperatura da Terra,
mas parte delas contribui para o efeito estufa.
O clima sofre também a influência da biosfera, em vários sentidos.
Enquanto os vegetais produzem oxigênio, absorvem carbono e
reduzem a temperatura atmosférica, os animais produzem gás
carbônico, metano e aquecem o ar. Além disto, a vegetação é
normalmente mais escura do que o solo, de modo que absorve mais
a energia solar do que o terreno descoberto. Finalmente, como as
áreas florestadas promovem a formação de chuvas devido ao
aumento na umidade do ar, a sua influência geral sobre o clima é
altamente benéfica, em todos os sentidos.

31
Jim White et al., 2014
O que é uma mudança abrupta de clima? É uma mudança que acontece em 1 ou 2
anos, ou o aumento de 1oC por ano durante 5 anos, o que é 100 vezes mais rápido do
que o aquecimento que estamos vivendo, mas que pode acontecer a qualquer
momento da história. Na Groenlândia foram registrados aumentos de 5-10oC num
único ano, medidos em amostras de gelo, o que é 1.000 vezes mais rápido do que o
aquecimento atual.
Segundo White, é isto que pode acontecer: dentro de um padrão de crescimento
persistente, a temperatura média global ou regional pode aumentar 100 a 1.000 vezes
mais rápido em determinados anos, dando saltos imprevisíveis. Isto é o que se chama
equilíbrio pontuado.
Exemplos de mudanças abruptas que estamos vivendo: aumento na temperatura da
atmosfera em ritmo que dobrou nos últimos 40-50 anos, redução de 50% na calota
polar do Ártico nos últimos 30 anos, extinção de 200 espécies por dia, acidificação
rápida dos oceanos, morte dos corais em ritmo alarmante.

David Bromwich et al., 2013


Existem períodos curtos (2-5 anos) de pausa no aquecimento global, mas sucedidos
rapidamente por períodos mais longos (5-15 anos) de aquecimento cada vez mais
intenso, principalmente a partir de 1950 e de forma praticamente contínua a partir de
1970. As pausas são provocadas possivelmente por estocagem de energia no fundo
dos oceanos ou por aumento da poluição atmosférica em escala global.
A Antártica é uma das regiões que sofreu o maior grau de aquecimento no planeta,
com um aumento médio de 2,2oC no período de 1958 a 2010.
Uma pequena elevação no nível do mar provoca danos muito maiores do que antes
quando se soma a ondas de tempestades e ressacas. Isto é importantíssimo, porque
não basta observar a elevação média do nível do mar, mas devemos prevenir os danos
esperados durante eventos extremos de clima.

32
5. As mudanças climáticas nos sistemas naturais

Colapso dos sistemas naturais

N ão é possível descrever de forma precisa a dinâmica das


mudanças climáticas globais, porque elas envolvem processos
intrincados e relações intangíveis entre numerosos conjuntos de
causas e efeitos. Os efeitos dependem dos valores atingidos
regionalmente pelas variáveis críticas e que, em função das inúmeras
combinações possíveis de grandezas, podem se tornar imprevisíveis.
Trata-se, afinal de um sistema complexo de dimensões planetárias,
cujo comportamento caótico é determinado pela dinâmica de dois
subsistemas altamente instáveis, a hidrosfera e a atmosfera.

A característica mais importante da dinâmica dos sistemas


complexos é a tendência a entrar em colapso quando atingem o que
se denomina ponto de virada. Esta expressão indica o momento em
que o sistema em processo de decadência sofre uma mudança
irreversível, a partir da qual torna-se impossível o retorno às
condições normais de funcionamento.

Até atingir o ponto de virada, a degradação do sistema é gradual e


muitas vezes imperceptível ou negligenciada, porque pode parecer
passível de correção. Isto é o que sugerem muitas práticas de gestão
ambiental, tais como o reflorestamento, a recomposição de
populações animais, a eliminação da poluição em corpos d’água e o
retaludamento de encostas danificadas por deslizamentos de solo.

Como a dinâmica de um sistema complexo perdura por algum


tempo depois de atingido o ponto de virada, isto pode mascarar o
colapso em andamento. Remanescentes florestais numa área
degradada impedem o reconhecimento da magnitude da decadência
da vegetação, assim como a existência de alguns babuínos numa ilha
pode criar a ilusão de que a população está protegida da extinção
total. Isto se chama efeito transiente, que faz o colapso parecer um
processo gradual e que a eliminação das causas é suficiente para
reverter a destruição do sistema.

33
Padrão geral das mudanças climáticas globais
Não obstante as dificuldades de compreender a dinâmica dos
sistemas naturais, podemos identificar um padrão geral nas
mudanças climáticas a partir das seguintes relações entre os
macroambientes terrestres:

 As mudanças climáticas são provocadas por muitos fatores, mas


os mais decisivos são os gases que compõem a atmosfera terrestre
e determinam a sua refratariedade e reflectividade da radiação
solar, preparando as condições que rompem a estabilidade do
clima.
 As mudanças climáticas iniciam-se efetivamente na hidrosfera,
por causa das propriedades físico-químicas da água, da extensão
predominante dos oceanos sobre os continentes e do volume dos
oceanos muito maior do que o da atmosfera (1.370 bilhões e 13
milhões de km3, respectivamente).
 As mudanças iniciadas na hidrosfera transmitem-se à atmosfera,
cujos gases estão em contato físico mais extenso e constante com
a superfície dos oceanos do que os continentes.
 A atmosfera transmite aos continentes as alterações físico-
químicas do clima, funcionando como meio de propagação para
as mudanças ocorridas nos oceanos.
 A biosfera reage imediatamente às modificações ocorridas nos
outros subsistemas, de modo que os seres vivos tornam-se os
indicadores mais notáveis da degradação ambiental em escala
planetária.

Na atmosfera
Aumento da nebulosidade é o efeito mais imediato, observável na
atmosfera em resposta ao efeito estufa. O ar quente absorve mais
umidade do que o ar frio. A evaporação da água na superfície dos
rios, lagos, mares continentais e oceanos aumenta a umidade do ar,
mas mesmo a umidade já existente em suspensão aglomera-se nas
partículas formadoras das nuvens. A NASA informa que o volume
total de nuvens na atmosfera terrestre aumenta a cada ano.

34
Este efeito tende a reduzir o efeito estufa, pelo menos no que
depende das camadas baixas de nebulosidade, ao contrário das
nuvens da troposfera superior, que retêm a radiação infravermelha
longa refletida pela superfície terrestre.

O aumento da energia e da umidade na atmosfera intensifica a


formação de raios, tempestades, tornados e furacões. Os regimes de
ventos através do planeta estão sendo alterados por efeito do
aquecimento global. As velocidades aumentam, as direções
predominantes se modificam e os danos sobre o meio ambiente e as
estruturas construídas tornam-se cada vez mais frequentes.

A pluviosidade anual não tem mudado muito nas últimas décadas,


como informa o CPDEC/INPE, mas as chuvas estão se tornando
mais concentradas e torrenciais, com períodos de estiagem mais
longos.

A combinação dos efeitos acima – aumento de tempestades,


mudanças nos regimes de ventos e da pluviosidade, aumento da
umidade no ar – contribui para o aumento na poluição atmosférica.

Os gases de efeito estufa afetam também a camada de ozônio,


reduzindo a sua espessura e extensão. Isto reduz a proteção do
planeta contra a radiação cósmica de fundo.

A composição dos gases e das partículas sólidas da atmosfera é o


fator mais crítico na dinâmica das mudanças climáticas, com ou sem
aquecimento global. Na escala do microclima, por exemplo, as áreas
urbanas são mais chuvosas do que as vizinhanças rurais por causa
da maior concentração de partículas poluentes no ar. Elas
funcionam como nucleadores de chuva. Na escala regional, as
regiões mais florestadas, que liberam volumes de oxigênio, têm
temperaturas mais amenas porque a fotossíntese é um processo
endotérmico, que consome energia.

Sabe-se hoje que as nuvens baixas, como os cúmulos, resfriam a


superfície porque são formadas por vapor d’água, que reflete a
radiação solar. Ao contrário, as nuvens de grande altitude, como os
estratos-cirros, produzem efeito estufa porque deixam passar a
radiação infravermelha curta e retêem as frequências da faixa do

35
infravermelho longo, isto é, do calor emitida pela superfície do
planeta.

Nos oceanos
A elevação do nível dos oceanos por efeito do aquecimento global é a
preocupação que predomina nos debates sobre o tema, com
referência às inundações das regiões costeiras, à erosão, à destruição
de estruturas construídas e aos danos à biodiversidade. Citam-se
como causas óbvias o degelo das calotas polares, das geleiras de
montanhas e das camadas de gelo da Groenlândia. A elevação do
nível do mar por causa dessas alterações é estimada em alguns
decímetros até 6,5 metros.
Entretanto, a causa mais imediata a ser identificada é a dilatação das
águas oceânicas devido ao aumento da temperatura. Mais
importante do que as especulações sobre as dimensões desse
aumento é o fato de que, uma vez iniciado, ele se mantém por muitas
décadas devido à inércia calorífica da água.
O aquecimento da água tem sido responsável até agora por cerca de
40% da elevação total, mas essa proporção poderá mudar
futuramente com a variação da contribuição do derretimento dos
gelos. O IPCC calcula que a taxa de elevação média entre 1901 e 2010
foi de 1,7 milímetros (mm) ao ano, com uma faixa de variação de 1,5
a 1,9 mm. A elevação total neste intervalo foi calculada em 19
centímetros. Porém, nas últimas décadas a velocidade de elevação
tem aumentado. Entre 1993 e 2010 a taxa foi maior do que 3,2 mm
por ano, com uma faixa de variação de 2,8 a 3,6 mm.
Com o aquecimento mais rápido nas regiões polares do que nas
equatoriais, está sendo reduzido o gradiente térmico na escala
global. Este gradiente é responsável por manter em movimento as
correntes termohalinas e a sua redução poderá desacelerar até a
paralização completa das correntes. Esta previsão está sendo
desmentida por estudos publicados pelo Laboratório Goddard da
NASA, em 2020, que mostram uma aceleração das correntes, pelo
menos nas latitudes tropicais.

36
Os oceanos contêm pontos quentes, alguns com centenas de
quilômetros de diâmetro, que parecem estar sendo ampliados pela
aceleração das correntes. As consequências desta mudança para a
vida marinha ainda são desconhecidas, mas os pontos quentes são
verdadeiros desertos líquidos, de modo que não há muito a
especular sobre os efeitos da sua expansão.
A elevação do nível dos oceanos provoca marés e ressacas mais
fortes. Esses são os efeitos mais evidentes do aumento do volume
dos mares, porque os eventos meteorológicos mais fortes são
intensificados à medida que aumentam as ondas normais. Isto é,
para cada decímetro de elevação do nível médio local na costa
brasileira, por exemplo, as ressacas podem aumentar vários metros.
Esta proporção é especulativa, porque faltam dados estatísticos para
dimensioná-la, mas serve para dar uma ideia do processo. Alguns
dados do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) ilustram
muito bem este efeito. Medidas feitas na costa de Santos mostram
que, enquanto o nível médio do mar subiu 1,2 mm por ano, desde
1940, a altura das ondas subiu 30 cm de 1957 a 2002. Ao mesmo
tempo, a frequência das ressacas aumentou visivelmente. Na baía de
Guanabara, o aumento médio do nível do mar foi de 1,3 mm por ano,
no período de 1963 a 2011. Em Recife, o nível do mar subiu 24 cm
em 42 anos, o que dá uma média de 0,6 mm por ano, mas esta
subida aparentemente pequena provocou uma redução de mais de
20 metros na linha de costa.
A acidificação e o aquecimento dos oceanos são uma ameaça real
para a vida marinha, principalmente para corais, moluscos, mariscos
e algas. Estima-se que a acidez das águas marinhas aumentou em
30% desde o início do século vinte, pela absorção de um terço do
CO2 da atmosfera. Quando dissolvido na água, o gás carbônico forma
ácido carbônico, que se dissocia em carbonato e íon hidrogênio. O
ácido ainda em dissociação e o íon hidrogênio respondem pelo
aumento da acidez dos oceanos e essa pela destruição dos
organismos que dependem de carapaças e esqueletos de carbonato
de cálcio. O carbonato é altamente solúvel e qualquer aumento na
acidez do ambiente marinho destrói essas estruturas e os seres que
dependem delas para viver.

37
Existe entre os pesquisadores a preocupação de que se repita no
futuro o que aconteceu no final do período Permiano: uma extinção
em massa da vida em todo o planeta. Isto pode ser provocado pela
expulsão do gás sulfídrico para a atmosfera, tornando-a tóxica e letal
para todos os seres vivos. Como pode ocorrer esta expulsão? Vários
fenômenos naturais podem provocá-la: terremotos no fundo dos
oceanos, movimentos tectônicos relacionados com a deriva
continental, quedas de asteroides em áreas oceânicas, maremotos
causados por deslizamentos de sedimentos da plataforma
continental e das encostas vulcânicas submarinas, entre outros.
Períodos curtos (2-5 anos) de pausa no aquecimento global são
sucedidos por períodos mais longos (5-15 anos) de aquecimento
cada vez mais intenso, principalmente a partir de 1950 e de forma
praticamente contínua a partir de 1970. As pausas ocorrem quando
há estocagem de energia nos oceanos ou aumento da poluição do ar.

A capacidade de absorção do CO2 pelos oceanos diminui com o


aumento da temperatura, o que reduz a retroalimentação negativa
do planeta. Se pararmos de emitir CO2, com 410 ppm na atmosfera,
no ano 3000 ainda teremos 330 ppm no ar, como mostra o gráfico
abaixo.

Fonte: Susan Solomon

Redução de CO2 atmosférico após cessadas emissões mundiais.

38
Nos continentes
A elevação do nível médio dos mares e oceanos está provocando a
perda de áreas costeiras em proporções crescentes. No litoral
brasileiro, estas perdas são visíveis do Ceará ao Rio Grande do Sul.

As mudanças climáticas globais estão produzindo um efeito fácil de


observar na distribuição sazonal das chuvas, não apenas no Brasil,
mas em todo o mundo. Embora o volume anual não esteja
aumentando muito, as chuvas estão se tornando a cada ano mais
concentradas, o que torna mais frequentes as precipitações
torrenciais e mais longos os períodos de estiagem. Por isto, a erosão
acelerada aumenta, as inundações e os deslizamentos de terra
tornam-se mais comuns, mais destrutivos e mais preocupantes para
as populações.

Chuvas torrenciais concentradas em períodos curtos do ano e


intercaladas com longas estiagens caracterizam os climas tropicais e
subtropicais. Estes tipos de climas produzem dois fenômenos
indesejáveis para a qualidade de vida do ser humano: escassez de
água potável e solos cada vez mais áridos. As reservas superficiais de
água, tanto em lagos naturais quanto em açudes construídos,
reduzem-se nos longos períodos de evaporação, enquanto os lençóis
freáticos rebaixam-se por falta de recarga. Isto leva à concentração
dos sais solúveis nos corpos d’água, cujo uso para irrigação contribui
mais ainda para a salinização do solo.

Com a erosão intensificada, o solo perde as suas camadas férteis


mais rapidamente, o que prejudica as safras em todas as regiões
agrícolas do mundo. Estas perdas são ainda agravadas pela
mortandade dos insetos polinizadores, tais como abelhas, borboletas
e besouros, que são especialmente vulneráveis às mudanças de
temperatura.

Os solos brasileiros têm de 5.000 a 18.000 anos de idade. Isto


significa que eles se desenvolveram sob condições climáticas muito
diferentes das atuais. As suas estruturas (composição mineral,
tamanho de grãos, organização espacial e tipos de argilas, óxidos e
hidróxidos em cada camada), que variam nas diferentes classes
pedológicas, estão em desequilíbrio com as condições climáticas de

39
hoje em dia. Elas estão sendo destruídas pelas mudanças em curso
nos regimes de chuvas, na redução da cobertura vegetal e das
comunidades biológicas que as sustentam. Afinal, não podemos
esquecer que os solos são produtos das interações entre clima,
biosfera e as rochas subjacentes.

O aumento dos períodos de estiagem favorece as queimadas


naturais, ampliando as áreas desmatadas e, desta forma,
intensificando o aquecimento global e o desequilíbrio dos regimes de
chuvas. Menos árvores para produzir oxigênio e capturar gás
carbônico significam temperaturas mais elevadas e chuvas mais
concentradas em eventos torrenciais. Tudo isto produz degradação
na biosfera e no solo.

As partes congeladas do planeta – geleiras de montanhas e dos


polos, icebergs, permafrost – estão sofrendo degelo generalizado. A
Groenlândia perde volume de gelo 600% mais rapidamente do que
as outras massas geladas devido à combinação de extensão, latitude,
proximidade de correntes marítimas quentes e ventos. A calota de
gelo do polo Norte reduz-se a uma velocidade crescente, tendo
atingido a menor extensão conhecida em 2018. No período de 1958 a
2010, a Antártica é uma das regiões que sofreu o maior grau de
aquecimento no planeta, com um aumento médio de 2,2oC.

Um efeito imediato deste degelo é a redução da capacidade da


superfície terrestre para refletir a radiação solar. Desta forma, a
energia do sol é absorvida em maior quantidade pelo solo,
reforçando e acelerando o processo de aquecimento. Trata-se,
portanto, de uma redução da retroalimentação negativa, que
contribui para o equilíbrio ambiental, e de aumento da
retroalimentação positiva, que acelera o desequilíbrio.

O degelo do permafrost destrói as estruturas construídas, sejam elas


rodovias, ferrovias ou edificações, mas também libera gás carbônico
e metano na atmosfera em volumes preocupantes. O pior é que este
acréscimo de gases de efeito estufa ao meio ambiente não é
incorporado aos modelos de aquecimento global. Este é um dos
motivos pelos quais a velocidade da degradação ambiental associada
tem-se mostrado maior do que a prevista pelos modelos
matemáticos.
40
Para os que não acreditam em aquecimento global: todas as
projeções (modelos matemáticos) feitas nos últimos 10 ou 15 anos
estão sendo negativamente superadas pela realidade. Os dados de
aquecimento regional, redução das geleiras, extinção diária de
espécies (200 por dia!), acidificação dos oceanos, morte dos corais,
frequência e intensidade das secas e queimadas naturais,
intensidade dos furacões e das inundações – tudo está aumentando
em taxas maiores do que as previstas por estes modelos.
Os contrastes de aquecimento observados nos polos norte e sul do
planeta são naturais. O polo norte contém uma massa de água
coberta por uma fina camada de gelo e cercada por continentes,
enquanto o polo sul contém um vasto continente coberto por uma
espessa capa de gelo e cercado por oceanos. As reações e os ritmos
que acontecem no Ártico e na Antártica são, por isto, naturalmente
muito diferentes.
É importante considerar que as partes congeladas do planeta –
geleiras de montanhas, geleiras dos polos, icebergs, permafrost –
estão sofrendo degelo generalizado. O que muda é apenas o ritmo do
degelo em cada área, por motivos facilmente explicáveis. A
Groenlândia perde volume de gelo 600% mais rapidamente do que
as outras massas geladas devido a uma combinação especial de
extensão, latitude, proximidade de determinadas correntes
marítimas e de ventos, entre outros fatores.

Nos seres vivos


De alguma forma, os danos das mudanças climáticas sobre a
biosfera estão citados nos parágrafos anteriores, mas alguns
merecem ser acrescentados ou enfatizados.
A adaptação dos organismos vivos às mudanças ambientais não
ocorre sem danos. Deformações anatômicas e perda de fertilidade
são as mais frequentes. Ambas contribuem para a extinção das
espécies mais vulneráveis, tais como as comunidades bentônicas dos
rios e lagos, tais como insetos, moluscos e anfíbios. Por isto, essas
comunidades aquáticas são utilizadas como indicadores de
qualidade ambiental, nesses habitats.

41
Além das degenerações físicas e genéticas, as espécies animais estão
entrando em extinção por efeito de desequilíbrios criados na cadeia
alimentar pelo aquecimento global. Ao desaparecer uma presa em
determinado ecossistema, os seus predadores também se extinguem
ou migram para ambientes mais favoráveis. Isto acaba levando a
outra consequência das mudanças climáticas, que são as migrações
em massa. Entretanto, não é difícil de entender que, ao contrário das
migrações sazonais, elas são precursoras das extinções de espécies.
O desequilíbrio dos ecossistemas acaba levando à superpopulação de
algumas espécies que atuam como vetores de doenças e que se
tornam, assim, deflagradoras de epidemias e mesmo pandemias. A
redução das áreas florestadas força a migração de animais para
dentro de áreas urbanas ou periferias. Isto aumenta o contato com
as populações e as probabilidades de contágio epidêmico.
Mais de 130 estudos científicos estimam o risco de extinção por
ramos da vida animal e por regiões do mundo: 12% para os anfíbios,
9% para os répteis, 8% para os mamíferos e invertebrados, 7% para
os peixes e as plantas, 6% para as aves. A América do Sul apresenta
23% de risco de extinção dos seres vivos, a Austrália 14%, os oceanos
13%, a África 12%, a Ásia 9%, Europa e América do Norte 6%.
Outros estudos indicam as percentagens esperadas de extinção com
aumento de 2oC na temperatura do planeta: 100% dos corais, 18%
dos insetos, 16% dos vegetais e 8% dos mamíferos.

42
6. Controvérsias sobre mudanças climáticas globais

Origem do negacionismo climático

N o ano de 1989, as maiores empresas de vários ramos


industriais fundaram a GCC - Global Climate Coalition para
promover troca de informações e organizar pressão junto aos
legisladores para barrar leis que limitassem a produção e o consumo
de combustíveis fósseis (McMullen, 2022). A coalizão representava
as indústrias do petróleo, carvão, automóveis, produtos químicos,
fertilizantes, serviços, aço e ferrovias. Das 68 organizações que estão
relacionadas na lista de integrantes da GCC, citamos as mais
conhecidas: Aluminum Association Inc., American Farm Bureau
Federation, American Iron and Steel Institute, American Petroleum
Institute, American Portland Cement Alliance, Bethlehem Steel,
BHP Minerals, British Petroleum, Chevron, Chrysler, Dow Chemical,
DuPont, Eastman Chemical, ExxonMobil, Ford, General Motors,
Goodyear, Hoechst Celanese Chemical Group, McDonnell-Douglas,
Mobil Corporation, National Mining Association, Shell, Texaco,
Union Carbide e Union Pacific.
Em 1992, a GCC contratou E. Bruce Harrison, renomado especialista
em relações públicas ambientais para organizar uma campanha de
descrédito contra os alertas científicos para a crise climática. Ele
havia trabalhado para a indústria química, desacreditando as
pesquisas sobre a toxicidade de pesticidas, para a indústria do
tabaco, minimizando os efeitos nocivos do cigarro na saúde dos
fumantes, e havia liderado uma campanha contra normas de
emissões mais restritas para os grandes fabricantes de automóveis.
Harrison propôs uma estratégia para implantar a dúvida na opinião
pública sobre a confiabilidade dos modelos de mudanças climáticas,
que se tornavam rapidamente populares. O plano era pagar aos
cientistas céticos para ministrarem palestras ou escreverem artigos
de opinião, à base de US$ 1,5 mil (R$ 8 mil) por texto, e organizar
entrevistas em emissoras locais de rádio e televisão. Isto funcionou
intensivamente por pelo menos cinco anos.

43
Esta estratégia culminou na maior campanha da história em defesa
dos interesses da indústria: a oposição aos esforços internacionais
para negociar reduções de emissões em Kyoto, no Japão, em
dezembro de 1997. Naquele mesmo ano, Harrison vendeu sua
empresa e a GCC começou a se desintegrar, enquanto crescia o
desconforto de alguns membros com sua linha negacionista. Mas a
tática, a cartilha e a mensagem de dúvida estavam incorporadas — e
sobreviveriam além dos seus criadores. Três décadas depois, as
consequências estão produzindo os efeitos desejados pela coalizão.
Apesar da imagem pública de união da GCC, vários de seus
membros, tais como os representantes da British Petroleum, da
Dupont e da Shell, discordavam do caráter negacionista das suas
manifestações públicas e se retiraram da entidade. Em 1999 e 2000,
desligaram-se da coalisão as empresas Ford, Daimler-Chrysler,
Texaco, Southern Company e General Motors pelo mesmo motivo.
Outros, entretanto, como o American Petroleum Institute, se
mantiveram firmes na negação da influência antrópica sobre o
aquecimento global.
Dentro da GCC, contudo, debates e documentos analisavam com
isenção os relatórios das instituições acadêmicas e
intergovernamentais, como o IPCC, e reconheciam a consistência
das suas conclusões e a pertinência das suas recomendações. Vale
registrar esta conclusão do documento Predicting Future Climate
Change - A Primer: a evidência científica da influência humana
sobre a concentração de gás carbônico na atmosfera e suas
consequências sobre o clima está bem demonstrada e não pode ser
negada. Isto serve apenas para acentuar a hipocrisia das posições
públicas deste grupo que produziu uma geração de negacionistas
climáticos e seus seguidores na esfera política, mais interessados em
proteger os interesses dos financiadores de campanhas eleitorais do
que a segurança da sociedade.

44
Graus de alarmismo entre cientistas e na imprensa

A s facções que polemizam hoje sobre o aquecimento global


podem ser enquadradas em cinco grupos principais, listados
abaixo em ordem crescente de gravidade que cada grupo atribui ao
problema. Esta lista não tem respaldo em análise estatística de
informação, mas reflete apenas uma visão do autor a partir de
leituras e acompanhamento de debates na imprensa e na literatura
acadêmica.

Não estamos vivendo mudanças climáticas extremas. Eles


entendem que as oscilações de temperatura registradas no século
vinte até os dias de hoje estão dentro dos padrões normais de
evolução do clima na Terra. Estes grupos são formados
principalmente por políticos, leigos em geral e cientistas pouco
familiarizados com climatologia e comportamento dos sistemas
naturais. É interessante ressaltar que, embora o presidente Trump
lidere esta facção, devido ao seu peso político no mundo, ele não é
acompanhado por muitos governadores, deputados e senadores
norte-americanos, nem pelas agências governamentais de ciência
(NASA, NOAA, FEMA) que trabalham ativamente para cumprir as
metas do acordo climático de Paris, em 2015.

As mudanças climáticas atuais são mais intensas do que na


era pré-industrial, mas não são provocadas por atividades
humanas. Para eles, vivemos ciclos naturais de aquecimento e
resfriamento do planeta, principalmente por efeito dos ciclos de
atividade das manchas solares. A maior intensidade do aquecimento
atual é passageira e não são provocadas por emissão de gases de
efeito estufa pela indústria, queima de combustíveis fósseis ou
outras atividades humanas. Estes grupos envolvem essencialmente
cientistas sem vivência na área da climatologia.

As mudanças climáticas extremas são provocadas por


atividades humanas. Esses são formados pela grande maioria dos
cientistas ligados a instituições que trabalham diretamente ou
estudam os fenômenos do clima, compreendem os processos que
ocorrem na evolução dos sistemas naturais e conseguem
correlacionar dados representativos dos sistemas físicos (rochas,
45
solo, água, atmosfera) e biológicos (flora e fauna terrestre e
aquática) em escala planetária. São os que apresentam o maior
volume de dados, porque são autores de muitos deles, e as análises
mais consistentes, porque dominam os métodos aplicáveis.

A civilização industrial entrará em colapso em função das


mudanças climáticas extremas. Trata-se de grupos ligados a
instituições específicas, embora incluam pesquisadores avulsos, com
perfil altamente especializado e sem compromisso com governos ou
grupos econômicos. Possivelmente representem a corrente mais
realista do mundo acadêmico, no que se refere à gravidade do
problema, e engajada na emissão de alertas sobre a urgência de
medidas efetivas para reverter o processo.

A vida complexa do planeta será extinta pelas mudanças


climáticas globais. São grupos menores e radicais, ligados a
instituições de pesquisa e organizações não governamentais, mas
que trabalham isoladamente. Parecem acreditar nos modelos
lineares de evolução dos fenômenos naturais, o que leva a extrapolar
de forma automática as tendências atuais, sem consideração dos
processos de retroalimentação negativa (compensação de efeitos
dentro dos sistemas complexos).

As mudanças dentro de um sistema complexo, como é o nosso


planeta, acontecem de forma lenta, mas se aceleram e produzem
colapsos globais em períodos de tempo muito curtos, praticamente
explosivos. A isto se chama equilíbrio pontuado. Por isso, devemos
nos preocupar com a aceleração atual das variações de temperatura
e concentrações de gases do efeito estufa. Elas indicam que nos
aproximamos rapidamente do ponto de colapso. Não se trata de
alarmismo dos ambientalistas, mas de conhecimento das tendências
esperadas em cada fase de uma catástrofe natural.

46
Argumentos contra o aquecimento global
Não é possível prever com precisão as mudanças
climáticas.
Claro, em sistemas naturais não se trabalha com os conceitos de
previsão e precisão, mas com projeções (modelos probabilísticos) e
margens de erro. Quando estudamos os fenômenos da natureza,
lidamos com modelos, padrões, tendências e probabilidades.
O comportamento dos sistemas naturais é imprevisível, funciona por
meio de padrões que se repetem ciclicamente, mas nunca de forma
repetitiva, dentro do que se denomina equilíbrio pontuado.
Equilíbrio pontuado consiste na sucessão de períodos de evolução
lenta, pouco perceptível à observação visual, e rupturas bruscas a
catastróficas, que se manifestam na forma de extinções de espécies,
mudanças climáticas violentas, aumento na frequência e intensidade
de desastres naturais e assim por diante.
Entretanto, indicadores quantitativos permitem modelizar o
comportamento de alguns atributos dos sistemas complexos, tais
como temperatura, volume, velocidade, acidez. Esta diferença de
enfoques os leigos têm dificuldade para entender.

Não existem evidências científicas que provem que as


atividades humanas sejam as causas de uma mudança
climática.
Não é possível adivinhar o que um leigo considera prova científica
de uma relação de causa e efeito nos sistemas naturais, já que são
leigos os que usam este argumento.
Em ciência não se fala de provas, mas de evidências. Existem
relações estatísticas consistentes e de escala global que demonstram,
com 95% de confiabilidade, relações de causa e efeito entre
crescimento das atividades humanas e o aumento dos gases estufa
na atmosfera e entre este aumento e a temperatura no planeta.
A correlação entre aumento da temperatura do planeta com as
atividades solares não invalida a outra, mas mostra apenas que a
emissão de gases estufa por atividades humanas, principalmente a

47
queima de combustíveis fósseis, está intensificando uma tendência
natural, de origem astronômica.

O degelo das geleiras e dos polos não é um efeito


necessariamente negativo para a Humanidade, porque ele
cria terras aráveis.
O degelo generalizado cria mesmo é a aceleração do aquecimento,
porque expõe áreas cada vez maiores de terras nuas, que absorvem
mais calor do sol do que o gelo. As terras liberadas pelo gelo não
passam de campos de rochas, blocos, cascalho e areia estéreis.
Passar-se-ão séculos a milênios até que se crie solo fértil sobre esses
campos. Além disto, este argumento ignora o efeito imprevisível do
degelo sobre as correntes marítimas e, consequentemente, sobre os
padrões climáticos através do planeta.

Ao invés de mitigar o aquecimento global, devemos nos


adaptar a ele.
Isto acontecerá inevitavelmente, mas a custos altíssimos e
impossíveis de serem assumidos pelos países e sociedades que não
conseguem se sustentar nem nas condições normais de clima.

O aquecimento global pode ser benéfico para a vida na


Terra.
Isto é uma supersimplificação do problema porque ignora
deliberadamente as perdas em extinções de espécies, as mortes por
falta de alimentos, o esgotamento dos recursos de água potável, a
proliferação de epidemias, a desertificação, a perda de solo arável
devido ao clima extremo (chuvas torrenciais intercaladas a períodos
de clima árido), o aumento do custo da energia e assim por diante.

O planeta já passou por períodos com teores de CO2 dez


vezes maiores do que os atuais 400 ppm sem aquecimento
global.
Isto aconteceu 500 milhões de anos atrás, no período Cambriano,
quando o clima da Terra era árido. A vida se desenvolveu quase

48
explosivamente nos oceanos e mares, mas os continentes eram
desérticos, sem qualquer vegetação e sem vida animal. Portanto, esta
afirmativa é falsa porque ignora que as condições gerais da Terra
como um todo, e especificamente da hidrosfera, da atmosfera e da
biosfera, diferem profundamente ao longo da sua evolução.

Não existem registros de aquecimento generalizado no


planeta, nos últimos 20 anos.
A temperatura média da Terra subiu 0,9oC desde o século dezenove
e aumentou muito nos últimos 35 anos. Desde 2010 até hoje,
tivemos 5 dos anos mais quentes registrados no planeta. O ano de
2016 foi o mais quente registrado na história.
A maior parte deste aquecimento está sendo absorvida pelos 700 m
superficiais dos oceanos, com efeitos negativos: acidificação,
extinção de corais e redução da biodiversidade, entre outros.
A velocidade de degelo na Antártica triplicou na última década,
também com efeitos negativos, tais como maior geração de icebergs
e aumento das correntes marítimas frias. O degelo das geleiras está
provocando inundações, alterando o clima em países montanhosos
(Nepal, Índia, China, USA, Canadá, países andinos) e ameaçando o
suprimento de água potável a populações inteiras.
O nível médio dos oceanos subiu 20 cm no século vinte, 40 cm nos
últimos 20 anos e aumenta a cada ano que passa. Isto é um
crescimento exponencial!

O aquecimento global foi inventado pela comunidade


científica para arrecadar fundos.

Os políticos dizem que o aquecimento global foi inventado por


grupos de ambientalistas para ganharem dinheiro e impedirem que
os países subdesenvolvidos se desenvolvam. Pelo contrário, a
rejeição aos alertas contra o aquecimento global é patrocinada por
grupos de interesse muito evidentes: as indústrias petrolífera,
automobilística e aeronáutica, além dos grupos financeiros e lobistas
que ganham muito dinheiro com elas.
49
Não existe qualquer evidência de que os cientistas tenham qualquer
vantagem ou benefício ao informarem a sociedade sobre o
aquecimento global e que a sua causa principal, hoje, é o estilo de
vida da humanidade. Estas acusações são vazias e feitas por políticos
cujo alinhamento com os interesses da indústria petrolífera e
automobilística é muito bem conhecido.
Para manter o aquecimento global dentro do limite aceitável de 1,5oC
acima do nível de 1900, será preciso investir 2,5% do PIB mundial
em mudanças nas tecnologias de geração de energia, transporte e
produção de alimentos, até o ano de 2035. Isto é demais, nenhum
país está em condições de enfrentar este desafio. Então assistiremos
nas próximas décadas o aumento na frequência e intensidade dos
furacões, tempestades, enchentes, migrações forçadas de populações
inteiras e mortes por fome e epidemias.

Os modelos do IPCC ignoram a influência da radiação


solar e dos raios cósmicos nas mudanças climáticas.
Este argumento é defendido pelo professor Shaviv (2015), em cuja
opinião esta suposta omissão de dados leva a distorções muito
grandes nos resultados. Tanto isto é verdade, segundo este
astrofísico, que o aumento da temperatura nos últimos 20 anos foi
menor do que o previsto pelo modelo do IPCC.
Os modelos climáticos são muito sensíveis a um ou outro parâmetro,
isto é, produzem resultados muito diferentes a partir de qualquer
discrepância entre os dados usados nos cálculos. Um exemplo: o
resfriamento da atmosfera por causa de erupções vulcânicas foi
previsto nos últimos 50 anos em 0,3-0,5oC e nunca passou de 0,1oC.
Outro exemplo: o mesmo modelo, com os mesmos dados, pode
fornecer graus de aquecimento totalmente diferentes, de 1 a 5oC , se
a cobertura de nuvens for grande, e ela é totalmente imprevisível.
Ainda segundo o Dr. Shaviv, a forte correlação entre temperatura e
concentração de gás carbônico na atmosfera não pode ser
interpretada diretamente como uma relação de causa e efeito,
mesmo porque quando examinados em detalhe, os dados mostram
que os picos do gás ocorrem depois dos picos de temperatura. Isto
50
acontece porque quando os oceanos são aquecidos eles liberam gás
carbônico na atmosfera.
De um modo geral, os parâmetros da modelização climática do IPCC
são tão livres que qualquer mudança pode ser proposta, tanto
aquecimento como resfriamento do planeta. Finalmente, para o Dr.
Shaviv, o relatório do IPCC afirma que não existe outra explicação
para o aquecimento atual do planeta e isto não é verdade, porque a
atividade magnética do sol é uma causa bem conhecida e estudada
em vários países.

Fonte: NASA

Variação de temperatura e atividade solar a partir de 1880.

O gráfico da figura acima mostra que a temperatura média vem


aumentando continuamente desde 1880, ano em que foram
iniciados os registros sistemáticos do clima, mesmo com a redução
da atividade solar, isto é, da energia recebida do sol pela Terra. A
linha vermelha mostra a variação de temperatura, a linha fina
amarela representa a variação anual da radiação e a linha grossa

51
amarela mostra a variação desta energia calculada para os ciclos de
11 anos das manchas solares. Mesmo com as oscilações típicas dos
fenômenos naturais, as duas tendências são claramente opostas, o
que contraria o argumento do Dr. Shaviv.
A influência da radiação solar sobre as mudanças climáticas é um
fato fartamente conhecido pelos estudiosos. Uma pequena era do
gelo estendeu-se de 1650 a 1850, provocada por atividade vulcânica
excepcionalmente intensa. Entretanto, os dados atestam que, pelo
menos a partir de 1880, não existe correlação direta entre os dois
parâmetros em discussão.
Se a energia do sol fosse a causa do aquecimento global, a
temperatura deveria aumentar em todas as camadas da atmosfera
terrestre. Não é o que mostram as medições. As camadas superiores
estão resfriando à medida que as inferiores se aquecem, porque a
energia irradiada pela superfície do planeta está sendo barrada pelas
nuvens mais baixas. Por isto, os modelos climáticos que incluem a
radiação solar nos dados confirmam o aquecimento global somente
quando incorporam nos cálculos o aumento dos GEE na atmosfera.

52
7. Soluções para o aquecimento global

Relações de causa e efeito

A s soluções para os problemas associados ao aquecimento global


e, por extensão, às mudanças climáticas, podem ser adotadas
com duas abordagens diferentes: atitudes pessoais e soluções
tecnológicas. Quanto à primeira opção, existem muitas sugestões de
mudanças de hábitos oferecidas para quem se preocupa com o
problema:
 Produzir menores volumes de lixo doméstico e industrial.
 Substituir o transporte individual pelo coletivo, e sempre que
possível caminhar ou pedalar, para reduzir as emissões de GEE.
 Consumir produtos locais para diminuir as distâncias de
transporte entre os pontos de produção e consumo.
 Reduzir o uso de ar condicionado, que libera GEE.
 Evitar o desmatamento e plantar mais árvores.
 Substituir o consumo de carne vermelha por outras fontes de
proteínas, principalmente vegetais, para reduzir os rebanhos que
emitem metano no processo digestivo.
 Evitar o uso de canudos e copos de plástico, cuja produção libera
GEE.
 Economizar energia elétrica na iluminação doméstica e nos
ambientes de negócio.
 Comprar roupas de segunda mão para reduzir os impactos
ambientais da indústria do vestuário.
Por mais sensatas ou úteis que sejam estas recomendações, não é
possível acreditar que a sua adoção seja feita em escala suficiente
para reverter os efeitos do aquecimento global. Em termos
percentuais, é muito baixa a adesão das comunidades a medidas
coletivas de proteção ambiental. Por isto, soluções tecnológicas e
com efeitos multiplicadores imediatos precisam ser viabilizadas.
O diagrama a seguir apresenta um diagrama de relações entre os
eventos associados às mudanças climáticas, todos mencionados nos

53
capítulos anteriores. Trata-se de um quadro simplificado, montado
para ilustrar o raciocínio que se segue, porque uma análise mais
completa exige desdobrar os eventos em suas respectivas relações de
causa-e-efeito, responsáveis pelos resultados indicados em cada
etiqueta.
O diagrama deve ser lido de baixo para cima. Os eventos
relacionados na base do diagrama representam as causas básicas das
mudanças climáticas. O evento aumento dos gases de efeito estufa
na atmosfera é considerado causa imediata dos processos que se
distribuem acima desta etiqueta. As etiquetas azuis representam as
consequências sobre os oceanos, as amarelas são os eventos nos
ambientes continentais, as cinza-claro indicam os efeitos nas áreas
geladas do planeta e as verdes relacionam-se com os seres vivos.

Fonte: E.E. Arioli

Diagrama de relações entre eventos das mudanças climáticas.

54
Para simplificar, o diagrama limita-se a mostrar que eventos
situados numa mesma coluna mantêm relações genéricas de
precedência: os inferiores antecedem no tempo os superiores. As
setas vermelhas indicam apenas dois ciclos de retroalimentação
positiva de eventos. A primeira mostra que o degelo de geleiras e
calotas polares reforça o aumento dos GEE na atmosfera. A segunda
mostra que este aumento retroalimenta os eventos atmosféricos que
dão origem ao aquecimento global. Outros ciclos não são explorados
no diagrama para evitar dificuldades de visualização.
Um dos princípios da solução de problemas diz que ela deve
eliminar as causas e que a supressão dos sintomas deve ser aceita
apenas como uma estratégia de mitigação temporária, enquanto não
é possível agir sobre as causas. Todas as recomendações
mencionadas no início deste capítulo constituem apenas isto:
estratégias de mitigação. Elas não atacam as causas de um problema
de dimensões planetárias.
Voltando ao diagrama, as causas estão na base do problema,
divididas em dois grupos, um das causas naturais e outro das causas
de origem humana. As causas naturais são inacessíveis à nossa
intervenção imediata, devido à sua escala planetária. Elas podem ser
corrigidas por meio de soluções de alta tecnologia, mas os resultados
podem exigir mais tempo do que dispomos antes do colapso
apregoado pelos alarmistas mais radicais. As causas que estão ao
nosso alcance são as de origem humana, basicamente as associadas
ao consumo de combustíveis fósseis e ao desmatamento, como
demonstram as pesquisas climáticas mundiais.
A queima de combustíveis fósseis é feita no aquecimento doméstico,
no transporte aéreo, naval e automotivo e na indústria de
transformação. No que diz respeito aos meios de transporte, por
exemplo, é mais efetivo estimular por incentivos fiscais a produção
de motores elétricos ou não-poluidores. Esta medida tem a
vantagem adicional de se tratar de promoção de mudanças positivas,
estratégia de solução mais efetiva do que a restrição a ações
negativas.
Ao mesmo tempo, podem ser criadas vias de trânsito mais seguras
para veículos individuais com motores elétricos, bicicletas e
similares. Entretanto, cortar o consumo de combustíveis fósseis é
55
um processo lento e precisamos achar meios para extrair os gases de
efeito estufa diretamente da atmosfera. Esta é a já popular estratégia
do sequestro de carbono, que consiste na extração do CO2
diretamente da atmosfera.
A indústria de transformação utiliza processos para captura de
carbono dos seus efluentes desde pelo menos a década de 1930.
Dispositivos simples, como mangas flexíveis e filtros mecânicos,
extraem as partículas em suspensão nos gases das chaminés e as
estocam em locais seguros. Esses locais são geralmente depósitos
subterrâneos criados para este fim ou mediante o aproveitamento de
galerias de minas abandonadas, poços profundos e silos para
reprocessamento posteriormente. O carbono fica estocado na forma
de fuligem, que pode ser separada de outros componentes por
métodos físicos ou químicos, tais como centrifugação, filtragem e
solventes seletivos.

O sequestro de carbono pode ser natural ou artificial. Nos processos


naturais, principalmente na fotossíntese, os vegetais capturam o
carbono e liberam oxigênio na atmosfera. Isto é produzido tanto pela
vegetação em terra como pelas algas microscópicas que formam as
populações de fitoplanctons nos oceanos. Entretanto, em terra firme
o solo é o principal sequestrador de carbono que conhecemos, mais
ainda do que as plantas. A matéria orgânica em decomposição libera
gás carbônico, que se mantém armazenado no húmus, nas argilas e
nos poros do solo.

As técnicas de captura artificial de carbono reproduzem ou reforçam


as formas naturais. São exemplos o reflorestamento e o sequestro
geológico de carbono. Mencionada em parágrafos anteriores, a
expansão das áreas florestadas é a medida mais natural e efetiva de
se reduzir a concentração de GEE na atmosfera e contribuir para o
equilíbrio ambiental. Isto apenas requer a observação dos critérios
ecológicos da sucessão natural e a seleção das espécies mais
adequadas a cada ecossistema.

―Em fase de crescimento, as árvores são verdadeiros


aspiradores de CO2 da atmosfera. O tronco de uma árvore é

56
80% composto de carbono, portanto não é de admirar que
elas suguem, por hectare, 150 a 200 toneladas de CO2 do ar.
Uma árvore, sozinha, é capaz de absorver 180 quilos de CO2.‖
(Superinteressante, 31/10/2016).

Uma forma de devolver o carbono para o subsolo é comprimi-lo e


injetá-lo em reservatórios geológicos porosos, tais como camadas
produtoras de petróleo, sal ou carvão. A extração do carbono da
atmosfera é feita também por injeção direta nas zonas profundas dos
oceanos, onde o gás carbônico é absorvido e forma verdadeiros lagos
submarinos. Entretanto, este método produz alterações prejudiciais
aos ecossistemas, porque acelera a acidificação das águas, com todos
os seus efeitos nocivos para os organismos marinhos.
O controle do gás metano, entretanto, exige processos mais
complexos. Na pecuária, a redução da emissão de metano envolve
mudanças na dieta do gado, para melhorar a digestão dos rebanhos,
a melhoria dos pastos pela fertilização adequada do solo.
Em lixões e aterros sanitários, a queima do metano já assegura um
benefício ambiental por transformar metano em dióxido de carbono
que é mais fácil de ser sequestrado e menos impactante sobre o
efeito estufa. Outra opção, mais produtiva, é a transformação do lixo
em usinas geradoras de energia elétrica. Na cidade de São Paulo, as
usinas de biogás dos aterros Bandeirantes e São João respondem por
mais de 2% de toda a energia elétrica consumida na cidade. O
produto gerado abastece 800 mil pessoas e reduz em 20% as
emissões na cidade.
A queima industrial de combustíveis fósseis contém um dado que
merece análise: apenas 100 indústrias respondem por 70% das
emissões de CO2 na atmosfera e 25 delas respondem por 50% das
emissões. A importância deste gás para o efeito estufa e o
aquecimento global é óbvia, a se confiar na fonte desta informação.
Para proteger as geleiras, é imprescindível diminuir as emissões
mundiais de CO2 em pelo menos 45% na próxima década e até zero
após 2050 para frear o aquecimento global. A revista científica
Nature sugeriu levantar um dique de 100 metros em frente da

57
geleira Jakobshavn (Groenlândia), a mais atingida pelo degelo no
Ártico, visando conter sua erosão.
Um arquiteto da Indonésia, Faris Rajak Kotahatuhaha, foi premiado
pelo seu projeto Recongelar o Ártico, que consiste em recolher a
água das geleiras derretidas, dessalinizá-la e congelá-la de novo para
criar grandes blocos hexagonais de gelo. Graças à sua forma, estes
icebergs poderiam se juntar e formar massas geladas.
Pesquisadores da Universidade do Arizona propuseram uma solução
aparentemente simples: fabricar mais gelo. Este projeto consiste em
recolher água abaixo da geleira, com bombas movidas a energia
eólica, e derramá-la sobre a superfície para que congele e aumente a
sua espessura.

Casos de sucesso

Reflorestamento na Fazenda Bulcão, em Aimorés, MG


O renomado fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, arquiteta
Lélia Wanick, criaram o Instituto Terra em 1998 para recuperar a
floresta da Fazenda Bulcão, no município de Aimorés, de
propriedade da família. Com apenas 0,3% de mata nativa, a área
possui hoje mais de 2 milhões de árvores, plantadas em 608
hectares. A mata abriga 172 espécies de aves (seis delas ameaçadas
de extinção), 33 de mamíferos (dois deles em extinção no mundo e
três em extinção no Brasil), 15 de anfíbios e outras 15 de répteis. A
presença de animais que estão no topo da cadeia alimentar, como a
jaguatirica, atesta que o ecossistema está em perfeito equilíbrio. Este
é o maior projeto de recuperação da Mata Atlântica de área contínua
no país.
No primeiro ano de plantio de árvores na fazenda, no final dos anos
90, do total de mudas plantadas, fornecidas pela companhia Vale,
perto de 90% morreram. No segundo ano esse percentual caiu para
algo em torno de 80%, no terceiro para 50%. Hoje, de acordo com a
Coordenação do Instituto Terra, as perdas são muito pequenas.

58
Fonte: Instituto Terra

Registro da recuperação ambiental na Fazenda Bulcão.

Semeadura aérea de plantas nativas em Cubatão, SP


Na década de 1980, o município paulista de Cubatão sofria fortes
impactos da degradação ambiental, em consequência das atividades
de 23 complexos petroquímicos, siderúrgicos e de fertilizantes.
Instaladas próximo às encostas, essas plantas industriais eram
responsáveis por altos índices de poluição e pela destruição de parte
da Mata Atlântica. Os efeitos diretos desses impactos eram
processos de erosão acelerada e deslizamentos de terra, com riscos
tanto para o distrito industrial quanto para a ocupação urbana.
Em 1985, pesquisadores do IPT – Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo começaram a delinear
estratégias para recuperar a cobertura vegetal degradada. Após
quatro anos de estudos, a equipe chegou ao modelo de semeadura
aérea, inédito no Brasil, mas comum em países como Canadá, Japão,
EUA, Austrália e Nova Zelândia desde a década de 1920. A
metodologia do projeto foi adaptada pelo IPT em colaboração com o
IBt – Instituto de Botânica e a Cetesb – Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambiental.
Setores da Serra do Mar foram priorizados pelo mapeamento das
condições de estabilidade das encostas por equipes da Divisão de
Geologia do IPT. Amostras coletadas em árvores mortas da região
serviram para identificar as espécies a serem semeadas.

59
Para que as sementes pudessem atingir o solo sem ficarem retidas na
vegetação ou serem dispersas pelo vento, os técnicos da Cetesb
produziram glóbulos de gelatina hidrofílica com 4 mm de diâmetro,
desenvolvidos na Divisão de Química do IPT. A gelatina retém os
nutrientes e a umidade necessários à sobrevivência das sementes até
a germinação, em contato com o solo.

Fonte: IPT

Glóbulos de gelatina para semeadura aérea.

Foram coletadas aproximadamente 750 milhões de sementes de


árvores e arbustos, das quais 383 milhões eram de manacá-da-serra,
embaúba, figueira e pimenta-de-morcego, principais espécies
pioneiras da Mata Atlântica. A semeadura de 70 hectares de mata
demandou 10 horas de sobrevôo de helicóptero e 6 horas de avião
agrícola. Esta tecnologia reproduz a dispersão natural de sementes
feita pelo vento, pelas aves e pelos morcegos, entre outros animais.
O enriquecimento da floresta foi realizado posteriormente, a partir
de 1992, pela criação de três bosques de diversidade, com 10
hectares cada, para o cultivo de espécies tardias da Mata Atlântica,
aquelas que só se estabelecem quando o processo de recuperação é
mais avançado. Ao todo, cerca de 1.300 mudas de 35 espécies foram
plantadas manualmente nos três bosques. Segundo o último

60
levantamento realizado pela Cetesb, no ano de 2000, mais de 800
plantas sobreviveram.
Os resultados do trabalho como um todo, de acordo com o
engenheiro, foram ―moderadamente positivos‖. Avaliações mais
recentes indicaram que a semeadura aérea acelerou o processo de
reflorestamento natural, com altos índices de sobrevivência das
árvores. Apesar de menos efetiva em áreas de arbustos e onde havia
braquiária, teve ótimos resultados em solos nus e com vegetação
rasteira nativa. No estado do Rio de Janeiro, a mesma metodologia
produziu resultados insatisfatórios, porque a dispersão de sementes
foi feita em período de estiagem. Para dar certo, a semeadura aérea
precisa ser executada em períodos de chuva, sob pena de desperdício
de recursos e descrédito para este método comprovadamente eficaz
de recuperação ambiental.

Recuperação do deserto de Gobi na China


Embora apenas 12% do seu território sejam aráveis, a China é o
maior produtor mundial de bens agrícolas. Para abastecer uma
população de 1,3 bilhões de habitantes, o governo chinês investe
muito para ampliar a produtividade de cada hectare cultivado. Isto
inclui trechos de deserto, como o de Gobi, junto à divisa com a
Mongólia. Este é um dos desertos mais áridos da Terra e, embora
tenha origem natural, foi expandido pelo desmatamento e pela
agricultura descontrolada, ao longo de milhares de anos.
Em 1978, o governo chinês iniciou o Programa da Floresta dos Três
Nortes, em referência às três províncias que ocupam a fronteira
setentrional do país. O objetivo era criar uma barreira florestal no
limite sul do deserto para impedir a sua expansão para o interior do
território e em direção a Pequim. O plano prevê o plantio de uma
verdadeira muralha de árvores com 50 quilômetros de largura e
4.500 quilômetros de extensão, que aumentaria a cobertura vegetal
da China em mais ou menos 10%. Este é o maior plano de
recuperação ambiental conhecido no mundo.

61
Algumas técnicas relativamente simples permitem este aparente
milagre. A fixação da areia é conseguida pela implantação de
barreiras de palha, distribuídas em forma de malha quadrada com
aproximadamente 1 metro de largura. Dentro de cada célula são
plantadas mudas de espécies resistentes ao sol e à escassez de água.
A irrigação é feita gota a gota e complementada com medidas que
reduzem a evaporação. A produção inclui tomates, alho, cebola,
melancia, melão e uma grande variedade de hortaliças e grãos.

Fonte: xinhuanet.com

Implantação de malha com palha fincada na areia.

O reflorestamento começa com a plantação de gramíneas e árvores


nativas, seguidas por uma faixa de arbustos resistentes à seca, tal
como o algodoeiro. Embora o projeto deva ser concluído em 2050, já
mostra bons resultados, como o aumento de 5 a 15% da cobertura
vegetal, dependendo da região beneficiada. A área recuperada já
ultrapassa 13 milhões de hectares e o deserto parou de crescer. Nas
regiões que receberam os primeiros trechos da floresta, a vegetação
já atingiu maturidade, as chuvas aumentaram, o solo retém a água
precipitada e a vazão dos rios está recuperada. Os resultados
conquistados até agora são suficientes para a implantação de
parques naturais importantes, como o da floresta de Saihanba.

62
Fonte: Alessandro Gallo

Região de Saihanba antes e depois do reflorestamento.

Uma crítica ao projeto está na opção por uma única espécie de


árvores em vários trechos da floresta, o que a torna vulnerável a
epidemias. Além disso, florestas deste tipo não desenvolvem
biodiversidade e são impróprios para a vida animal. Em outras
regiões, a priorização da quantidade em relação à qualidade levou à
perda de porções da floresta, principalmente no inverno e durante
tempestades de verão. De qualquer forma, a Grande Muralha Verde
da China é a maior floresta já plantada pelo homem, em qualquer
época da História.

A Grande Muralha Verde da África


Este projeto nasceu por influência do modelo chinês de
reflorestamento e com o mesmo objetivo, impedir a expansão do
deserto do Sahara. Ele atravessa o norte da África da costa atlântica
até o oceano Índico, numa extensão de 8.000 quilômetros e largura
de até 15 quilômetros, cruzando as fronteiras de 11 países. Iniciado
em 2007, o reflorestamento já cobriu mais de 20 milhões de
hectares e plantou mais de 3 milhões de árvores. Uma das metas do
projeto é atingir a densidade de 400 árvores por hectare até o ano
2030. Prevê-se que esta floresta chegue a sequestrar 100 milhões de
toneladas de carbono e criar 10 milhões de novos empregos.
Mais do que impedir o crescimento do deserto, a Grande Muralha
Verde da África oferece oportunidade de emprego para milhares de

63
pessoas, cria solo fértil e reservas de água potável, protege
comunidades contra a fome, reduz o êxodo rural e ameniza os efeitos
das mudanças climáticas na escala regional. O Sahel registra
aumentos recordes de temperatura, que cresce uma vez e meia mais
rápido do que no resto do mundo. Entretanto, em 2020 somente
15% das metas de plantio foram atingidas principalmente devido a
problemas políticos e conflitos tribais.

Agricultura no deserto em Israel


Junto com Austrália, Arábia Saudita, Estados Unidos e Palestina,
Israel é um dos países líderes na milenar prática do que se denomina
fazendas de deserto. O deserto de Negev contém evidências de
agricultura datadas de pelo menos 5.000 anos.
A agricultura no deserto requer reaproveitamento e dessalinização
da água, irrigação por gotejamento, melhoria da fertilidade do solo,
controle da erosão, drenagem de pântanos, reflorestamento e várias
outras técnicas agronômicas inovadoras. A área cultivada em Israel
cresceu mais de 6 vezes, o número de fazendas dobrou e a produção
agrícola aumentou 16 vezes desde 1948 até hoje.
Três quartos da água potável do país são reservados para a irrigação
agrícola, através de uma extensa rede de reservatórios, estações de
bombeamento, aquedutos e canais. A produção agrícola concentra-
se em grãos, hortaliças e frutas, das quais os cítricos representam a
maior parte. No período de 1999 a 2009, o desenvolvimento
tecnológico adquirido por Israel permitiu produzir 26% mais com
um consumo de água 12% menor.

64
8. Referências

Bromwich, D. H.; Nicolas, J. P.; Monaghan, A. J.; Lazzara, M. A.; Keller, L. M.;
Weidner, G. A.; Wilson, A. B. Central West Antarctica among the most
rapidly warming regions on Earth. Nature Geoscience, 6, 139-145, doi:
10.1038/ngeo1671, 2013.

Englander, J. The unraveling: five predictions for the decade of climate comes
undone. Sea level rise now news digest, in www.johnenglander.net.
Acessado em 20/11/2019.

International Panel for Climate Change (IPCC). "Sea Level Change". In:
[Stocker, T.F. et al. (eds.)]. Climate Change 2013: The Physical Science
Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of
the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University
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McMullen, J. A operação secreta para negar as mudanças climáticas e como ela


afeta o mundo até hoje. BBC Brasil em
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62326984, acessado em
18 de julho de 2022.

National Administration of Space and Aeronautics (NASA). Climate change:


facts, evidence, causes, effects, science, solutions. URL:
https://www.climate.nasa.gov/evidence. Acessado em 20 de julho de
2020.

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change is making specific weather events more extreme. URL:
https://www.noaa.gov/categories/climate-change. Acessado em 20 de
julho de 2020.

Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). Impacto, vulnerabilidade e


adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas,
FAPESP, relatório, 2017.

Shakhova, N.; Semiletov, I.; Chuvilin, E. Understanding the Permafrost–


Hydrate System and Associated Methane Releases in the East Siberian
Arctic Shelf. Geosciences 2019, 9(6), 251.

White, J.; Alley, R.B.; Archer, D.E.; Barnosky, A.D.; Dunlea, E.; Foley, J.; Fu, R.;
Holland, M.M.; Lozier, M. S.; Schmitt, J.; Smith, L.C.; Sugihara, G.;
Thompson, D.W.J.; Weaver, A.J.; Wofsy, S.C. Abrupt impacts of climate
change: anticipating surprises. Vienna, EGU General Assembly 2014, held
27 April - 2 May, 2014.

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Títulos do mesmo autor disponíveis na plataforma Scribd

Série Paradidática Ecologia Aplicada


Ciclos do equilíbrio ecológico
Conceitos básicos de Ecologia
Ciclos astronômicos e geotectônicos da Terra
Funções ecológicas do vulcanismo do relevo e do solo
Funções ecológicas das águas continentais
Ciclos biogeoquímicos da Natureza
Dinâmica do clima na escala do planeta
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Mudanças climáticas globais: evidências científicas e empíricas
Evolução da vida na Terra
Ciclos e processos da sucessão ecológica
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Da Teoria Geral dos Sistemas às Teorias da Complexidade

Série Paradidática Geociências


Movimentos gravitacionais de massa: conceitos e avaliação de risco
Gestão de risco associado a movimentos gravitacionais de massa
Definição de limiares críticos de chuva para prevenção de acidentes do meio físico
Mapeamento geomorfológico para usos geotécnicos
Modelagem de estabilidade de encostas
Caderneta de campo para análise de risco de MGM
Comportamento geotécnico de solos tropicais
Estratégia da Exploração Mineral
Amostragem litológica

Série Paradidática Habilidades Gerenciais


Excelência Gerencial
Práticas Gerenciais

Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR
(2008), especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da
Qualidade (1991). Produz materiais paradidáticos para uso de professores e
estudantes de Ciências da Natureza. Email: [email protected]

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