Colette Soler - Retorno Questão Sintoma e FPS

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RETORNO SOBRE A QUESTÃO DO SINTOMA E O FPS

Colette Soler (Paris)

As contribuições às primeiras jornadas UNS de pura diferença onde o gozo se deposita


do GREPS acentuaram a oposição entre sintoma e sobre o sintoma que não apela a nenhum
e o fenômeno psicossomático (FPS), apoiando- Outro. Desde então, se o que Lacan chama a
se, essencialmente, nas indicações dadas por realidade do inconsciente, a saber o UM, se opõe
Lacan no Seminário 11. Nós opomos o sintoma, a sua elucubração como sentido, que advém de
cuja estrutura de metáfora implica a substituição nossa oposição inicial entre FPS e sintoma? É a
significante, à holófrase do FPS, que reduz o par pergunta que mencionava Jean Guir esta manhã.
significante ao UM. Correlativamente, Se o sintoma é UM de gozo fora do
distinguimos a incorporação da estrutura, que inconsciente, se é uma letra que faz “fixão”, se
faz do corpo um “deserto de gozo”, da percebe de imediato que sua estrutura parece
incorporação do UM somente, como marcador completamente idêntica à do FPS, tal como a
de gozo. descrevemos até agora, ambos estão do lado do
Minha pergunta é a seguinte: o que UM de gozo. Há ali ao menos uma analogia.
decorre dessa oposição depois que, em 1975, no Porém, então, por que não fez Lacan um
Seminário RSI, Lacan reelabora sua concepção paralelismo com o sintoma? E é indubitável que
do sintoma para fazer do mesmo uma função em sua conferência em Genebra os separe
que transforma o significante em uma letra de explicitamente.
gozo? Desta conferência gostaria de reler a
Colocarei então duas datas em destaque: página 20 – Bloc-notes de la Psychanalyse nº 2
1964, data do Seminário 11, e 1975, data da – trata-se do FPS. Se bem Lacan não aproxima
Conferência de Genebra sobre o Sintoma. No FPS e sintoma, encontra entre eles um ponto em
que concerne ao FPS esses dois textos não têm o comum que é a referência ao escrito. Com este
mesmo nível. No primeiro, Lacan o menciona termo realça a “fixação” – Fixierung – que
no curso de sua elaboração, no segundo traduz assim: o corpo se deixa levar a escrever
improvisa uma resposta às perguntas que lhe algo da ordem do número. Não se acentua
apresentam. suficientemente, a meu entender, que esta frase
Em 1964, o simbólico, que tem sido apareça em um parágrafo que não se aplica
abordado a partir de sua articulação no discurso, especialmente ao FPS. Afinal de contas está
a partir da representação significante do sujeito, claro que fixierung freudiana não é introduzida
tem uma estrutura que implica o “algum dois” – em relação a ele, e o parágrafo de lacan em si
é uma expressão de “Radiophonie” – o “algum mesmo se refere de modo mais geral ao ternário
dois” graças ao qual se engendra o sentido. De palavra-corpo-escrito, e ao fato surpreendente,
repente, o que marca um problema, uma com efeito, de que “o corpo” no significante faz
anomalia, é o significante quando está só. traço, e traço que é um UM. Não é ali, então,
O FPS definido a partir da holófrase, se que se pode encontrar o elemento diferencial
inclui na série de casos – FPS, psicose, entre o FPS e o sintoma. Daí a lógica da
debilidade – nos quais o significante se observação sobre o FPS que nesse parágrafo está
apresenta como UM, homogêneo ao fenômeno a modo de inciso e que diz: a questão deveria ser
de “cadeia quebrada” que Lacan, desde 1956, julgada ao nível de “qual é a classe de gozo que
em seu texto sobre a alucinação, punha como se encontra no psicossomático?” O parágrafo
condição do aparecimento do significante no seguinte insiste especificando que é apontando a
real. este gozo específico “que se pode esperar que o
Em outubro de 1975, data da inconsciente – a invenção do inconsciente –
Conferência de Genebra, Lacan inicia a possa servir para algo”. A invenção do
elaboração do nó borromeano. Termina o inconsciente designa, evidentemente, ao
Seminário RSI e se dispõe a começar o de Joyce. inconsciente como elucubração de saber, como
Formula seu “há o UM” e o acento já não recai S2 que agregado ao S1 permitiria “dar-lhe o
tanto sobre a estrutura do par ordenado do sentido daquilo do que se trata”. Lacan continua:
sujeito mas sim sobre a própria língua, lugar dos “o psicossomático é algo que está, não obstante,
profundamente enraizado no imaginário”. Temos embora que o gozo fálico está fora do corpo
pois três traços: primeiramente, é da ordem do porém não fora do simbólico, são as ciências da
escrito (como o sintoma). Em segundo lugar, há vida, as que de imediato se encontram fora do
um gozo específico (pode ser compreendido, simbólico, situáveis somente pela forma de
parece-me, distinto do gozo do sintoma). Em pequenas letras no campo na menciona vida. Daí
terceiro lugar, está ancorado no imaginário. Este podemos construir uma analogia com o sintoma,
é o outro traço distintivo com respeito ao por pouco que refiramos o FPS a este gozo do
sintoma, que é do real, do simbólico elevado ao Outro, o único que se inscreve no imaginário,
real pela ruptura da cadeia significante, e está fora daquele que se aferra ao sentido.
fora do imaginário.
Primeira observação: Lacan estabelece
uma suposição de legibilidade. O problema, dito
um pouco mais acima, “é que não o sabemos
ler”. Quando dizemos que o escrito não é para se
ler, é para dizer que não está feito para ser lido,
que não tem por causa final a leitura. Porém, que
não é para se ler, não tem nada a ver com o fato
de que seja ou não legível. Ler é aqui idêntico a
encontrar o sentido, o sentido que descongelaria
o S1 da holófrase. Para dizer a verdade, este
problema dos limites da legibilidade é
incômodo. Com efeito, ao topar com este limite,
e se o experimenta em psicanálise não somente Do mesmo modo que o sintoma fixa o
com o FPS, podem ser concluídas duas coisas: gozo fálico em uma letra que êx-siste ao
ou bem se supõe haver chegado ao núcleo do inconsciente, nós podemos supor que o FPS fixa
real fora do sentido, ou bem se mantém a com um traço (porém, tomado de onde?) o gozo
suposição de sentido concluindo que não do Outro, o gozo outro que é fálico e que
encontramos, “o sentido daquilo de que se constitui o corpo Outro. Do mesmo modo que
trata”. Sempre tem aí algo que provém decisão tentamos tratar o gozo letrificado do sintoma por
do praticante, de seu desejo, inclusive de seu meio do gozo do sentido, por meio do
empenho. Com efeito, uma escrita ilegível não inconsciente, pode-se esperar fazer virar ao
deixa de ser uma escritura na qual a legibilidade sentido este gozo do Outro. Até tal ponto é
está em processo de parto. verdadeiro que na psicanálise tratamos um gozo
Volto a esta ancoragem do imaginário: com outro gozo, o qual deve revitalizar a ideia
como entendê-lo em 1975? Do mesmo modo da cessão do gozo e o que traça também o
que o simbólico escrito no nó borromeano não é problema do final da análise. Freud, como
o mesmo que o dos discursos, o imaginário sabem, estava convencido de que o ser humano
também merece ser retomado. Partimos do não renuncia a nada sem trocar algo.
imaginário do corpo: o UM da consistência do Qual é pois o UM que opera no FPS e de
corpo como bolsa retoma a referência anterior onde é tomado este UM? Se o gozo do Outro
do estádio do espelho que o abordava em termos está fora do simbólico, não se situa pelo
de forma. Porém devemos nos interessar agora significante, e se Lacan evoca aqui o nome
pelos gozos que se inscrevem com o próprio, é na medida que este está justamente
achatamento do círculo do imaginário. Existem fora da cadeia, ou seja, fora do Outro. Porém,
dois: o que Lacan escreve jouis-sens na acaso não há que se distinguir diferentes UM?
intersecção do imaginário e o simbólico, e o que Tem o UM do sentido e o UM do significante
chama “gozo do Outro” na intersecção do (Cf. o Seminário “RSI”). Tem também o UM da
imaginário do corpo com o real. Lacan mesmo letra, que é o significante transformado, e o
estabelece como muito problemático este gozo simples traço de numeração. Para situar um gozo
do Outro. O único que encontra para escrever fora do simbólico, a que UM referir-se se não é
nesta lúnula para civilizar este gozo que está ao UM aritmético? É assim em todo caso que
fora do simbólico, porém não fora do corpo, explico aqui a referência de Lacan ao número.
Patrick Valas propôs recentemente chamá-lo “o
UM a mais”. Pergunto-me se não é demais supor muito impressionada pelos exemplos que Jean
que todos os outros constituem, por isso, um Guir deu esta manhã: uma experiência corpo a
conjunto. Seria melhor Dasein de um UM. corpo no começo de, ao menos, dois casos. O da
Depois de tudo é isso o que implica a ideia de dama da túnica é um corpo a corpo com o pai, e
escritura: está aí como simples traço. o do menino mordido na bochecha.
Porém, de onde vem esse traço, como se Certamente, a cena de sedução fantasiada
fixa? Se se o aborda no momento da conjuntura pelo sujeito histérico é também um corpo a
constituinte, estabelecermos o problema da corpo. Porém é um corpo a corpo que, ainda
causa. Vi-me levada, a propósito de um ou dois realizado, responde a questão do desejo pela
casos, a interessar-me pela relação com o objeto. evocação do gozo fálico. Em oposição pode-se
Não aponto evidentemente a delinear uma lei. dizer que o que o FPS inscreve é um traço do
Serge Cottet assinalou esta manhã que a gozo Outro, o que nos conduziria a uma
Psicanálise não constitui leis. Aponta a causa distinção entre sintoma e FPS: um como insígnia
particular de casos particulares. Nos casos que do sujeito, e outro como insígnia, melhor
evoco não se pode ignorar uma relação crucial a dizendo, estigma do Outro, no corpo como
um objeto que parece desempenhar um papel no Outro. Isto iria bem com a expressão “gozo
aparecimento do FPS. Isto era também imposto” que recordava Patrick Valas esta
perfeitamente perceptível no caso apresentado manhã, assim como a presença opaca deste
esta manhã por Jean Guir, da dama das mangas objeto conservado no FPS e isto concordaria
curtas. Algumas vezes inclusive, o golpear do com o fato de que o FPS se encontra nas
FPS, seu aparecer-desaparecer, podem ser distintas estruturas: psicóticas, perversas ou
referidos à proximidade física ou mental de um neuróticas – isto é, de certo modo não é
objeto preciso. Como esse homem que totalmente solidário das posições e avatares do
desencadeava sua asma ao chegar perto da sujeito ainda que esteja localizado no corpo que
cidade em que residia sua mãe, ou aquela diz seu. E no fundo os pais evocados esta manhã
mulher cujo eczema flutua em função da por Jean Guir parecem-me mais figuras que
aproximação de sua mãe, como se o intervalo do presentificam a falta da versão do pai, ou seja
FPS respondesse a uma espécie de fort-da do (teria de retomá-los um por um) dos pais, onde
objeto. algo põe em questão a causa do desejo.
Podemos interrogar-nos sobre esse Compreender-se-ia assim igualmente que a
objeto. Jean Guir perguntava: É o pai? É a mãe? análise, ao voltar a por em jogo a dialética
Ele assinalava que depois de haver pensado que sujeito-objeto, mobiliza às vezes – sempre
era a mãe, agora chegava a supor que era o pai. incidentalmente, a meu entender – o FPS.
Esta dúvida, dada sua enorme experiência com Para dizer a verdade, avanço neste
fenômenos psicossomáticos, deve ter um terreno com precaução. Porém, se se diz que o
sentido. Se se pode duvidar entre “é o pai” e “é a FPS é um nome do sujeito (o que não é
mãe”, pois de fato se encontram casos que insustentável) não se pode distingui-lo mais do
acentuam a um ou ao outro, e talvez porque não sintoma e não me parece que Lacan estabeleça
se trata tanto de saber que personagem é, senão esta referência ao nome de maneira tão
mais ainda, que Outro? Não é o Outro do desejo afirmativa em sua conferência. Poderia falar-me
do Outro e é por isso que se pode duvidar entre muito mais de um nome do Outro inscrito no
pai e mãe. Se tem um traço unário do FPS, é um corpo, porém a importância do patronímico não
traço unário que não foi tomado nem da falta do a contradiz? Nem nome próprio, caso do
desejo nem do gozo fálico do objeto como na sintoma neurótico, nem tampouco “um fazer-se
histeria, ou melhor do que chamaria uma figura um nome” com seu gozo, como ocorre no caso
do Outro, havendo tomado emprestado do traço, de Joyce, mais bem se trata de levar o nome do
segundo os casos, seja da imagem, seja de uma Outro.
cena que comemora a presença corporal. Estou

Texto extraído de ESTUDIOS DE PSICOSOMÁTICA, vol. 2, Buenos Aires, Actuel-CAP, 1994


Traduzido por Maria Dolores Jordan Orfei Abe
Revisão técnica: Angelina Harari

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