Introdução A Sociologia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 4

2 A sociologia como ciência .............................................................................. 5

2.1 Compreendendo o conceito de sociologia ................................................. 5

2.2 O percurso histórico do surgimento da sociologia ..................................... 7

2.3 Características da sociologia como ciência ............................................... 9

3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS .................................................... 11

3.1 Teorias sociológicas clássicas e a solução das questões sociais............ 12

3.2 Teorias sociológicas contemporâneas: funcionalista, de conflito e


interacionista .................................................................................................... 13

3.3 Teorias sociais contemporâneas e a profissionalização da sociologia .... 14

4 A SOCIOLOGIA DO DIREITO COMO CIÊNCIA SOCIAL ............................ 15

4.1 Conceito e objeto da sociologia do Direito ............................................... 16

4.2 Sociologia do Direito e no Direito ............................................................. 18

4.3 Influência da sociologia no estudo do Direito ........................................... 20

5 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA AUTÔNOMA ....... 23

5.1 Émile Durkheim e a sociologia do Direito ................................................ 24

5.2 Sociologia do Direito ................................................................................ 26

5.3 Fato social e instituições .......................................................................... 27

5.3.1 Objeto .................................................................................................... 27

5.3.2 Método ................................................................................................... 28

5.4 Principais conceitos ................................................................................. 28

5.4.1 Solidariedade ......................................................................................... 28

5.4.2 Divisão do trabalho social ...................................................................... 29

6 EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS E OS SEUS EFEITOS SOCIAIS .... 30

6.1 Validade e eficácia das normas ............................................................... 31

6.2 Efeitos sociais da norma jurídica ............................................................. 33

6.3 Antinomias ............................................................................................... 35


2
6.3.1 Conflitos de primeiro grau ...................................................................... 35

6.3.2 Conflitos de segundo grau ..................................................................... 37

7 RELAÇÃO ENTRE SOCIEDADE, DIREITO E ESTADO ............................. 38

7.1 Função do Direito na sociedade .............................................................. 39

7.2 Relação entre Direito e Estado ................................................................ 41

7.3 Direito como meio de controle social ....................................................... 43

8 DEMOCRACIA, POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE DA POBREZA ..... 45

8.1 Democracia, políticas sociais e pobreza .................................................. 46

8.2 Controle social e a expressão da democracia ......................................... 51

8.3 Políticas públicas e a materialização dos direitos sociais ........................ 53

9 CONCEITOS BÁSICOS DE SOCIOLOGIA.................................................. 57

9.1 Fato Social e Ação Social ........................................................................ 57

9.2 Estratificação social e classe social ......................................................... 58

9.3 Sociedade, interação e cultura................................................................. 61

10 REFERÊNCIAS............................................................................................ 64

3
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

4
2 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

O ser humano apresenta, no percurso de seu desenvolvimento histórico,


inúmeras mudanças nas suas maneiras de viver e relacionar-se em sociedade, desde
as estruturas comunitárias mais simples, como a família, até a complexidade das
grandes corporações empresariais e das relações de governo estabelecidas. Para
analisar e entender como essas mudanças ocorreram, identificar os fatores que as
ocasionaram e compreender como a sociedade tem evoluído nas últimas eras,
podemos contar com a sociologia, que você vai conhecer neste capítulo.
(GOLDSPAN, 2018)

http://teoriacomprensivabeatrizcastro.blogspot.com/2016/10/que-es-la-teoria-comprensiva.html

2.1 Compreendendo o conceito de sociologia

O primeiro ponto a destacar quando falamos no ser humano é sua capacidade


e necessidade de viver como um ser social, de maneira organizada e interdependente,
em que suas características culturais podem ser ensinadas e aprendidas. Neste
processo de convivência social, as estruturas que constituem tais associações vão
sendo modificadas, incorporando novas maneiras de viver e de agir.
A vida do homem em sociedade passa por inúmeros movimentos e
reconfigurações associadas a diversos fatores, como o próprio desenvolvimento da
5
noção de comunidade, dos avanços nas áreas que envolvem as questões econômicas
e de governo, as mudanças de paradigmas nas buscas por explicações para os
fenômenos, entre outros. (GOLDSPAN, 2018)
O ser humano apresentou, no percurso de seu desenvolvimento histórico,
inúmeras mudanças nas suas maneiras de viver e relacionar-se em sociedade, desde
as estruturas comunitárias mais simples, como a família, até a complexidade das
grandes corporações empresariais e das relações de governo estabelecidas.
A busca pela conceituação do que vem a ser a sociologia enquanto ciência
passa pela percepção e pelo entendimento do que vem a ser o conceito de sociedade
em si e de como se organizam e se movimentam os mais diversos grupos humanos e
seus fenômenos sociais. (GOLDSPAN, 2018)
Temos que destacar que as reflexões em torno de como os seres humanos
vivendo em sociedade se organizavam remontam à Antiguidade Clássica, muito antes
da elaboração do conceito de sociologia por Auguste Comte, na Modernidade, mais
especificamente no século XIX. Sobre este fato, Vila Nova (2013, p. 29) comenta:

É óbvio que a reflexão sobre os fenômenos sociais não começou com a


sociologia, no século XIX. Antes que Auguste Comte inventasse, na primeira
metade daquele século, a palavra sociologia para denominar a nova ciência
e proclamasse a necessidade, a conveniência e a possibilidade de aplicação
dos princípios da ciência – até então aplicados apenas ao estudo dos
fenômenos da natureza – ao conhecimento da sociedade, os filósofos se
ocuparam da explicação dos fenômenos sociais. As reflexões de Platão, de
Aristóteles, por exemplo, na Antiguidade, ou mesmo de Maquiavel, já no
século XVI, apesar de toda a revisão, no Renascimento, das ideias
tradicionais até então predominantes, são muito diversas das teorias
sociológicas. A reflexão filosófica a respeito da sociedade difere da sociologia
tanto nos resultados quanto, principalmente, na maneira de alcançá-los.

A citação do autor nos aponta algumas questões muito interessantes, como a


busca do homem em fornecer explicações para os fenômenos sociais que nos
acompanham há muito tempo e a distinção entre a sociologia e a Filosofia enquanto
ciências.
Dentre os inúmeros conceitos apontados em busca de uma definição do que
seria a sociologia, veja o que nos dizem Lakatos e Marconi (1990, p. 22):

Estudo científico das relações sociais, das formas de associação,


destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes de
fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos
entre seres humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas interações
reciprocas. A sociologia não é normativa, nem emite juízos de valor sabre os
tipos de associação e relações estudados, pois se baseia em estudos

6
objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza dos fenômenos
sociais. A sociologia, desta forma, é o estudo e o conhecimento objetivo da
realidade social.

Como podemos perceber na conceituação das autoras, para a sociologia


interessam como principais focos de análise as relações entre os homens no meio em
que vivem.

2.2 O percurso histórico do surgimento da sociologia

Para que possamos entender de forma mais consistente o surgimento da


sociologia, precisamos pontuar alguns aspectos históricos que colaboram para que
isto ocorra. Para essa tarefa iremos nos remeter ao século XVIII e às transformações
que ocorrem na sociedade nos aspectos políticos e econômicos.
Claro que, antes disso, devemos apontar grandes acontecimentos históricos
que antecedem o surgimento da ciência como um todo e que modificam a forma como
a sociedade irá pensar e agir. Entre eles, temos, no século XV, os esforços em busca
de expansão territorial das nações europeias, conhecido como o período das Grandes
Navegações, e o estabelecimento de colônias nas Américas, na Ásia e na África, o
que acelera o desenvolvimento da economia monetária e fortalece a burguesia destes
países. (GOLDSPAN, 2018)
No século XVI, temos a Reforma Protestante, que marca um rompimento entre
o pensamento ou conhecimento teológico (explicações divinas) e o conhecimento
racional (explicações pela razão do homem). A Reforma Protestante vai muito além
da simples ruptura do modo de pensar da Igreja da época e da contestação dos
poderes papais, pois representa a busca do próprio homem para as explicações dos

7
fenômenos que ocorrem ao seu redor. Segundo Tomazi (2000), essa nova forma de
conhecimento da natureza e da sociedade, na qual a experimentação e a observação
são fundamentais, aparece neste momento, representada pelas ideias e pelas obras
de diversos pensadores, entre os quais Nicolau Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei
(1564-1642), Thomas Hobbes (1588-1679), Francis Bacon (1561-1626), René
Descartes (1596-1650). Junto com esses, há outros dois pensadores que farão a
ponte entre esses novos conhecimentos e os que se desenvolverão no século
seguinte: John Locke (1632-1704) e Isaac Newton (1642-1727).
Já no século XVII, percebemos a ascensão da burguesia comercial nos países
europeus, que se estendia a todo o restante do mundo. Nesta época, irão surgir novos
formatos de organização da produção das manufaturas, criando novos inventos que
pudessem aprimorar os processos e diminuíssem o número de pessoas envolvidas
neles. É quando surgem as primeiras máquinas de tecer, descascar algodão, as
máquinas a vapor, etc. O trabalho mecânico começa a ser utilizado paralelamente ao
trabalho artesanal. (GOLDSPAN, 2018)
O século XVIII começa em meio a toda essa ebulição de novas descobertas
focadas na produção e numa sociedade em modificação, proposta pelos eventos
anteriores. Da mesma forma, a Revolução Inglesa ocorrida no século anterior irá
inspirar as Revoluções Americanas e Francesas e irá trazer novos formatos de
organização política para as nações. As transformações nas esferas da produção, a
emergência de novas formas de organização política e a exigência de representação
popular dão características muito específicas a esse século, em que pensadores como
Montesquieu (1689-1755), David Hume (1711-1776), Jean-Jaques Rousseau (1712-
1778), Adam Smith (1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros,
procurarão, por caminhos às vezes divergentes, refletir sobre a realidade, na tentativa
de explicá-la (TOMAZI, 2000).
Estas tentativas de busca por explicações das novas realidades no século XVIII
citadas pelo autor irão servir de base para o surgimento da sociologia como uma
ciência; ciência esta que nasce em meio à consolidação do sistema capitalista. No
início do século XIX, pensadores como Saint-Simon, Hegel e David Ricardo irão fazer
com que Auguste Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883) venham a refletir sobre
a sociedade, porém de maneiras muito divergentes. Comte irá focar seus
pensamentos em busca de uma filosofia positiva, que busca a explicação dos

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fenômenos e a modificação da maneira de pensar do homem utilizando as ciências
existentes na época e propondo uma reforma prática das instituições. Outro expoente
da sociologia que irá se inspirar nas ideias propostas por Comte nesta época é Emile
Durkheim.

Karl Marx e Friederich Engels, por sua vez, irão analisar os aspectos sociais,
econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, entre outros, sem a preocupação de
definição de uma ciência específica para tal, como a sociologia representava para
Auguste Comte. Suas análises procuraram focar as mudanças nos processos
produtivos, o surgimento da sociedade capitalista, visando fornecer aos trabalhadores
condições de melhor analisar o contexto em que se encontram vivendo e as relações
entre as classes trabalhadoras e capitalistas. (GOLDSPAN, 2018)
Podemos dizer que a sociologia como ciência, acadêmica, irá afirmar-se nas
obras de Émile Durkheim, na França, e de Max Weber, na Alemanha; ambos
preocupados em integrar a sociologia aos aspectos científicos necessários para
garantir os métodos e teorias necessárias para tal afirmação.

2.3 Características da sociologia como ciência

A sociologia apresenta alguns aspectos bem particulares que a distinguem de


outras Ciências Sociais, como a Antropologia, a Economia ou a Filosofia Social.
Vamos conhecer, agora, alguns destes aspectos que caracterizam a sociologia
enquanto ciência. (GOLDSPAN, 2018)
 Indução como método predominante — através da observação
sistemática e planejada dos fatos, de casos bem particulares e
específicos, a sociologia vai formulando, construindo suas teorias e

9
explicações acerca da vida em sociedade. Lembramos que a
observação sistemática faz parte da própria característica de toda a
ciência que se vale do método científico para o estabelecimento de suas
regras e verdades sobre o objeto estudado; com a sociologia não é
diferente!
 Neutralidade valorativa — não cabe à sociologia realizar juízos de valor
sobre os objetos e fatos pesquisados, ou afirmar e estabelecer o certo e
o errado, o justo e o injusto, como faria a Ética. Tampouco apontar o que
deveria ser feito, o que seria legítimo, como faz o Direito. A sociologia
estuda as relações que ocorrem na sociedade, tentando classificar e
identificar seus componentes, porém isentando-se de julgá-los,
deixando de exercer os juízos binários que comentamos anteriormente
entre o que é bom e mau para a sociedade.
 Moralmente neutra — este aspecto refere-se ao não estabelecimento de
juízos de valores que falamos antes; porém, o sociólogo possui
compromisso moral com a verdade que foi buscada através da
observação realizada sobre os fenômenos sociais. É preocupação dos
sociólogos, também, não permitir que suas questões morais pessoais
interfiram nos resultados de suas análises, nas suas percepções e
leituras sobre as mais diversas realidades sociais que estejam sendo
observadas/ pesquisadas.
 A transitoriedade — a sociologia estabelece o estudo de fatos que
venham a acontecer na sociedade com uma certa regularidade. Esta
observação, porém, pode ser modificada com o próprio desenvolvimento
ou reconfiguração destes aspectos observados pelo pesquisador com o
passar do tempo. Ou seja, as teorias e análises sociológicas efetuadas
anteriormente sobre algum fato social poderão vir a ser reformuladas em
observações posteriores sobre este mesmo objeto pesquisado, o que
caracteriza este aspecto da transitoriedade.
 A busca pela classificação — as atividades do cientista sociólogo vão
além dos pressupostos estabelecidos pelo método científico, como a
elaboração de hipóteses, a observação em si, as generalizações típicas
e a criação de teorias. O sociólogo também se encarrega da busca pela

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classificação dos fenômenos que ocorrem no tecido social. Essas
classificações são observadas nos esforços em dividir a sociedade em
partes, como: grupos, culturas, categorias, castas, classes, entre outros.

Entender estes princípios é muito importante neste momento, pois são


marcadores que serão utilizados pelo sociólogo em suas análises e são estes que
reforçam o caráter científico da sociologia, ciência, conforme vimos anteriormente, que
nasce dentro do contexto do surgimento e afirmação da própria racionalidade
científica proposta no século XIX, através dos estudos de Francis Bacon e Renée
Descartes, principalmente com a criação do Método Científico. (GOLDSPAN, 2018)

3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS

Neste capítulo, você vai conhecer as principais teorias que fundamentaram a


abordagem clássica da sociologia. Essas teorias foram a razão da consolidação da
sociologia como ciência. Além disso, forneceram as bases para a profissionalização
do campo, no século XX. Como você vai ver, as teorias clássicas estão intimamente
ligadas com rupturas estruturais e com a reorganização das relações sociais
provocada pela Revolução Industrial.
Você vai ver que essas teorias deram origem a correntes sociológicas
específicas no século XX, como o funcionalismo, a teoria do conflito, o estruturalismo
e o interacionismo simbólico. Além disso, você vai verificar que as transformações
ocorridas entre o final do século XX e o início do XXI promoveram novos olhares sobre
e da sociologia. Porém, esses novos olhares continuam buscando referências nas
teorias clássicas (AUGUSTINHO, 2017).

11
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/pensadores-classicos-sociologia.htm

3.1 Teorias sociológicas clássicas e a solução das questões sociais

As teorias sociológicas combinam instrumentos de identificação de estruturas


e dinâmicas sociais a uma teoria que as explica. São compostas, portanto, por teoria
e método de análise específicos. É possível que um pesquisador utilize uma teoria
sociológica já estabelecida como base para o seu trabalho, mas acrescente a ela suas
perspectivas particulares, novos conceitos. Quando isso acontece, há a criação de
uma “corrente” ou uma “escola sociológica”: um conjunto de pesquisadores que
utilizam como base as teorias e métodos de um pesquisador pioneiro. Nesse caso,
eles corroboram a visão precursora, mas acrescentam suas perspectivas particulares
ou novas possibilidades de metodologia de pesquisa ou análise/interpretação de
dados (AUGUSTINHO, 2017).
Por exemplo: Marx elaborou a teoria do materialismo histórico. Essa é uma
teoria marxista. Autores que posteriormente utilizam esse aporte teórico estão se
valendo de uma teoria marxista. Se eles utilizam a mesma teoria para explicar outras
abordagens, que aprofundam, esclarecem ou fortalecem essa teoria, então são parte
de uma “escola” de produção de conhecimento — no caso, a escola marxista. O
mesmo acontece com os outros teóricos clássicos da sociologia.
12
3.2 Teorias sociológicas contemporâneas: funcionalista, de conflito e
interacionista

O século XX não ofereceu rupturas tão intensas como as vividas pelos teóricos
da sociologia no século XIX. Contudo, ofereceu transformações mais rápidas e mais
eventos de instabilidade social, política e econômica, além de duas guerras mundiais.
Por isso, os sociólogos que emergem nesse contexto trabalham com cenários
diferentes dos vividos pelos autores clássicos. Mas, por outro lado, se apoiam nas
teorias desses autores para estabelecer suas próprias leituras, fomentando o que se
denomina sociologia contemporânea (AUGUSTINHO, 2017).
A sociologia contemporânea passa a produzir análises segmentadas das
interações culturais, menos amplas do que as dos teóricos clássicos, que abarcavam
economia, política e sociedade. Elas se concentram em facetas, como a cultura, o
trabalho ou a identidade, por exemplo, embora esses segmentos tenham conexões
com os cenários políticos e econômicos e estes permaneçam sendo estudados. Uma
marca da sociologia do século XX foi a continuidade das escolas sociológicas. Por
isso, as produções marxistas, weberianas e durkheimianas fomentaram as leituras
contemporâneas, como o funcionalismo, o interacionismo e a teoria do conflito.
A perspectiva funcionalista compreende a função social sistêmica como um
organismo ou uma engrenagem. Assim, cada parte contribui para a formação do todo.
Nesse sentido, o todo é o foco, já que o objetivo dos órgãos é permitir que o organismo
sobreviva, ou o objetivo das engrenagens é permitir que o maquinário funcione.
Derivado especialmente da abordagem de Durkheim, o funcionalismo teve especial
influência nas leituras e produções antropológicas da primeira metade do século XX,
nas obras de Marcel Mauss e Radcliffe-Brown, por exemplo. Há ainda a derivação
teórica para o funcional-estruturalismo.
As teorias sociológicas do conflito são aquelas derivadas da noção de
mudança estrutural a partir de tensões entre partes sociais, como no caso em que
Marx definiu a luta de classes como o motor da história. Portanto, tratam-se de leituras
marxistas (que aplicam as mesmas teorias em suas abordagens científicas) e
derivadas do marxismo (que utilizam o aporte metodológico de Marx, mas que
consideram outras particularidades e teorias).
A teoria sociológica interacionista, conhecida também como interacionismo
simbólico, é derivada da sociologia compreensiva, que esteve presente nas leituras
13
weberianas. Parte do princípio de que as sociedades e culturas são diferentes.
Portanto, o significado social de uma ação precisa ser compreendido a partir do
sistema simbólico presente naquela cultura. A ação seria preenchida de significado
por meio da leitura simbólica de outras ações semelhantes que dão sentido à ação
individual.

3.3 Teorias sociais contemporâneas e a profissionalização da sociologia

A sociologia contemporânea surge de um processo que só foi possibilitado


pelas leituras e teorias promovidas pelos autores das teorias clássicas: a
profissionalização. A profissionalização trouxe a possibilidade de que profissionais da
área da sociologia exercessem as análises, em detrimento de profissionais de áreas
correlatas, especialmente da filosofia, da economia e do direito. Trata-se do produto
de um esforço realizado por décadas até que, a partir da década de 1930, pudesse se
concretizar. A profissionalização, no entanto, levou os sociólogos profissionais à
especialização. As teorias sociais clássicas emergem como forma de resposta ao
caos e à instabilidade provocados pelas rupturas sistêmicas dos séculos XVIII e XIX;
elas procuravam demonstrar uma saída. As teorias sociais especializadas, porém,
oferecem inúmeras abordagens intelectuais sobre especificidades das ações e
comportamentos sociais (AUGUSTINHO, 2017).
Entre 1930 e 1960, a teoria social proposta por Talcott Parsons fundamentou
as leituras sociológicas em todo o mundo. Parsons propunha uma leitura social
estrutural-funcionalista, segundo a qual as estruturas sociais, especialmente as de
dominação, condicionavam os comportamentos sociais (BAERT; SILVA, 2014). Por
isso, leituras em que existiam parâmetros de transferência de valores e regras de
comportamento se estabeleceram, como as que tratam de trocas entre culturas e
entre gerações. A alteração de paradigma acontece com as mobilizações estudantis
na década de 1960 e os confrontos contra as ditaduras no Cone Sul e na África. As
mobilizações sociais colocaram a sociedade civil numa forma de diálogo
horizontalizado com os Estados, e não mais verticalizado, seguindo as determinações
políticas institucionais.
Sociólogos como Karl Mannheim têm suas leituras pautadas nesse contexto,
assim como profissionais brasileiros, como Marialice Foracchi. As décadas de 1970 e

14
1980 abriram o espaço para as leituras do interacionismo simbólico, que relativizavam
as ações sociais a partir da constituição do espaço social em que emergiam. Afinal,
as mobilizações estudantis, por exemplo, que emergiram num mesmo segmento
temporal, se desenrolaram com múltiplos resultados nos diversos países em que
aconteceram. Nesse momento, emergem sociólogos como Pierre Bourdieu (que
carrega também pontos da sociologia francesa pautada em Durkheim). Há a tentativa
de aliar a sociologia estruturalista à perspectiva interpretativa, de modo que
extrapolasse as versões anteriores que se pautavam em determinismo e voluntarismo.
Os sociólogos procuravam o caminho do meio, com propensão a uma ou outra
direção.
O fim do século XX trouxe aos sociólogos novas perspectivas e novas questões
sociais (provocadas pela Terceira Revolução Industrial), que algumas das teorias
clássicas já não ajudavam a responder. As tecnologias alteraram novamente os
sistemas e padrões de produção e consumo. Mas a mais intensa alteração se deu no
tocante à maleabilidade das fronteiras territoriais provocadas pela globalização e
pelas telecomunicações, especialmente pela internet. O novo paradigma põe em
questionamento o que é o Estado e quem é o indivíduo na modernidade. As
identidades se tornam voláteis e, ao mesmo tempo, há uma busca para que elas não
se dissolvam completamente. Nesse cenário, emergem leituras que analisam as
relações estabelecidas, como em Manuel Castells, e a quebra de conexões sociais
reais fomentada pelo isolacionismo tecnológico, como em Zygmunt Bauman e em
Boaventura Sousa Santos (AUGUSTINHO, 2017).
O século XXI permite à sociologia uma abordagem mais etnológica quanto às
questões identitárias, mas também imprime a responsabilidade política da
manutenção das identidades culturais, especialmente nas temáticas sobre feminismo
e raça, como em Judith Butler e na retomada de Angela Davis por trabalhos como os
de Chimamanda Ngozi Adichie.

4 A SOCIOLOGIA DO DIREITO COMO CIÊNCIA SOCIAL

A sociologia do Direito como ciência social tem por objeto o estudo das relações
concretas entre o Direito e a sociedade. Para compreender tal fenômeno, você vai
estudar, neste capítulo, o conceito de sociologia do Direito, também chamada de

15
sociologia jurídica, após recordar os conceitos da sociologia e do Direito. Além disso,
você vai identificar a sociologia do Direito e no Direito, e como essas ciências se
relacionam, bem como ler sobre a influência da sociologia no estudo do Direito e
analisar as abordagens aqui destacadas (MELO, 2016).

https://estudodireito.com/resumos-esquematizados/sociologia-juridica/

4.1 Conceito e objeto da sociologia do Direito

Para que você entenda o conceito da sociologia do Direito, também conhecida


como sociologia jurídica, é importante recordar as definições da sociologia e do Direito
para precisar o conceito e o objeto da sociologia do Direito ou jurídica.
De acordo com o professor Ricardo Soares (2012, p. 15), a sociologia “é uma
ciência que estuda os modos de criação e organização das relações e instituições
sociais, abordando as conexões recíprocas entre os indivíduos e a sociedade”.

16
Tratando-se do conceito de Direito, para o professor Sérgio Cavalieri Filho
(2015), o Direito é um conjunto de normas de conduta, universais, abstratas,
obrigatórias e mutáveis, impostas pelo grupo social, destinadas a disciplinar as
relações externas do indivíduo com o objetivo de prevenir e compor conflito.
Partindo dessas definições, é possível destacar e traçar os principais aspectos
da sociologia e do Direito:
 estudo das relações e instituições sociais, sociedade, em relação à
sociologia;
 conjunto de normas de conduta que disciplinam as relações externas do
indivíduo (prevenção), pontos destacáveis em relação ao Direito.
Nesse sentido, segundo entendimento do professor Ricardo Soares (2012, p.
16), a sociologia do Direito, ou sociologia jurídica, é um:

Ramo da Sociologia Geral e que tem por objeto o estudo das relações
concretas entre o Direito e a sociedade, ou seja, busca investigar a influência
da sociedade na formação do direito, bem como o influxo do fenômeno
jurídico no campo das relações humanas em sociedade.

Para o professor Sérgio Cavalieri Filho (2015), a sociologia do Direito, ou


sociologia jurídica, descreve a realidade social do Direito sem levar em conta a sua
normatividade. Preocupa-se com a existência do Direito como produto ou fenômeno
social, decorrente das inter-relações sociais, não como foi concebido ou equacionado
pelo legislador. Dessa forma, fica evidenciado que o objeto da sociologia jurídica, ou

17
sociologia do Direito, é o estudo dos fatos sociais com relação à criação e aplicação
do Direito.
A definição da sociologia do Direito, ou sociologia jurídica, evidencia como é
constante e profunda a relação entre as duas ciências, ou seja, entre o Direito e a
sociologia, visto que, independentemente das suas definições primárias, ambas se
encontram conexas no que diz respeito à sociedade.

4.2 Sociologia do Direito e no Direito

Com o avanço da tecnologia, novas formas de relações sociais foram


estabelecidas na sociedade, principalmente quanto à comunicação e mudança
comportamental em relação a opiniões públicas sobre temas considerados polêmicos.
A globalização repercute diretamente no modo de vida do indivíduo, bem como no
funcionamento do Estado, que, apesar das suas debilidades funcionais estruturais,
busca assegurar, como um todo, as garantias constitucionais aos cidadãos. Nesse
sentido, convém destacar a opinião do professor Antonio Sérgio Spagnol (2013, p.
20):

O Estado, que antes aparecia como intervencionista através de planos


mirabolantes, sofre agora com a influência de novos agentes políticos,
econômicos e sociais que não levam em consideração nenhum tipo de
fronteira e estão presentes em todos os momentos e lugares. Temos diante
de nós um novo cenário que se descortina e que exige uma nova
configuração nas relações humanas. A sociologia busca assim analisar essas
mudanças e instrumentalizar o direito para tentar compreender esse novo
cenário.

De acordo com o professor Reinaldo Dias (2014), os sociólogos Émile


Durkheim (1858–1917) e Max Weber (1864–1920) foram responsáveis por consolidar
18
a sociologia do Direito como uma disciplina autônoma e com um sistema conceitual
próprio no campo jurídico. Além disso, os métodos científicos utilizados por estes e
outros pensadores, como, por exemplo, Karl Marx, contribuíram para o estudo da
sociedade.
Segundo o professor Richard Schaefer (2006, p. 45), o método científico “é uma
série organizada e sistemática de passos que garante a máxima objetividade e
uniformidade à pesquisa de um problema”. Seguindo o raciocínio sobre a aplicação
dos métodos, é importante destacarmos que, segundo o filósofo e sociólogo francês
Levy Brühl (1997, p. 100–117), os métodos empregados por um juristicista ao realizar
pesquisas se resumem em:
Observação — apresenta-se sob aspectos diferentes, dependendo de se os
fenômenos jurídicos estudados se encontram em sociedades contemporâneas de tipo
moderno (a sua principal fonte de informação são as fontes escritas, como a
jurisprudência, coletânea de leis e registro, sendo o inquérito e as estatísticas
procedimentos técnicos que facilitam o trabalho do juristicista), sociedades
contemporâneas de tipo arcaico (em consequência da falta da escrita, a observação
do pesquisador é realizada no próprio lugar, pois assim o pesquisador terá ampla
visão sobre a estrutura jurídica e econômica das sociedades contemporâneas de tipo
arcaico) ou sociedades desaparecidas (a observação é baseada na natureza dos
vestígios deixados pelos povos, por exemplo, os documentos jurídicos de povos da
Mesopotâmia).
Interpretação — consiste no exame e na classificação dos fatos sociais
coletados, extraindo-se deles as primeiras conclusões. Para isso, o pesquisador utiliza
vários métodos, como, por exemplo, o dedutivo (o que vale para o geral há de valer
para o particular) e o indutivo (o que vale para o particular há de valer para o geral).
Convém destacar que a aplicação dos métodos dedutivo e indutivo é objeto de
questionamento.
Comparação — ao aplicar o Direito, o jurista recorre à comparação (outras
sentenças, costumes, entre outros). O método comparativo pode ser realizado por um
plano temporal, histórico (também chamado de plano vertical, no qual comparam-se
os resultados de observações realizadas em uma mesma sociedade, mas em épocas
diferentes) e pode ser realizada por um plano espacial, geográfico, também chamado

19
de plano horizontal. Nesse plano, a comparação é feita entre os resultados obtidos
nas observações efetuadas em diferentes sociedades contemporâneas.
O jurista, ao valer-se de tais métodos, principalmente da observação e da
comparação, evita que haja violação da norma jurídica e que não seja preciso a
aplicação de sanções, visto que, segundo o professor Eduardo Iamundo (2013, p. 60),
“as normas do Direito servem simultaneamente como instrumentos para conformar de
modo sistemático a convivência social”. Cabe destacarmos, nesse sentido, que a
eficácia da norma jurídica depende de uma circunstância sociológica, ou seja, social.
Além disso, quanto à interação da sociologia do Direito ou jurídica no Direito, a
lei, segundo Eduardo Iamundo (2013, p. 62), “tem participação na manutenção e
transmissão dos fatores que compõem o meio social, assim as transformações sociais
devem ser observadas e obrigatoriamente incorporadas à lei”. Nesse sentido,
analisando a atualidade, temas como a transexualidade, o aborto de filhos gerados
por barriga de aluguel e a robótica humana devem ser observados, comparados,
interpretados e incorporados à lei, compaginado assim a sociologia, o Direito em
profusão dos estudos e do aperfeiçoamento da aplicação de estudos da sociologia
jurídica.
A legalização da maconha, por exemplo, destaca-se como tema de constante
debate sociojurídico no cenário brasileiro.

4.3 Influência da sociologia no estudo do Direito

Partindo do pressuposto de que o Direito é um fenômeno social, no qual as


normas são, em regra, estabelecidas para prevenir e sancionar os conflitos individuais
ou coletivos, a sociologia jurídica ou sociologia do Direito serve como ferramenta para
que o legislador crie, altere ou extinga uma norma jurídica.

20
Dessa forma, é importante que o legislador esteja atento à realidade social, pois
é por meio da observação da mudança comportamental da sociedade que o legislador
terá condições de idealizar a melhor norma para assegurar ou punir determinado ato.
A inobservância das mudanças sociais faz leis obsoletas seguirem existindo e projetos
de leis inócuos serem criados, que de nada contribuem para o progresso jurídico social
democrático de um Estado.
Além disso, os operadores do Direito — como juízes, advogados, promotores,
defensores, delegados e outros — valem-se da sociologia jurídica para analisar o caso
sobre o qual terão que expressar uma opinião jurídica. Como consequência, é cada
vez mais comum que juízes realizem interpretações extensivas ou restritivas a partir
da coleta de informações sociais sobre o caso em apreciação.
Nesse sentido, os costumes, a analogia e a eficácia da norma são utilizados
como recursos na aplicação da norma jurídica e, por exemplo, no convencimento de
um juiz.
A observância dos fatos sociais contribui para que o jurista, ao aplicar o Direito,
busque previamente entender o motivo da motivação do ato que requer a aplicação
do Direito, pois, assim, a partir da sociologia do Direito, o profissional do Direito terá
condições de estabelecer parâmetros e propor medidas de combate ao crescente
número de casos de violência sexual realizados em transportes públicos, suicídio de
jovens incentivados por jogos virtuais, alimentos geneticamente modificados, entre
outros.
Segundo o professor Reinaldo Dias (2014), os principais fatores sociais que
influenciam o Direito são:
Desenvolvimento econômico — as normas jurídicas são adaptadas segundo
o processo de produção, forma de distribuição e níveis de consumo. Um exemplo
disso é a diferenciação de sociedades agrícolas e industrializadas.
Transformações sociais — a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340, de 7 de
agosto de 2006, que combate à violência doméstica) e a Lei Carolina Dickman (Lei nº.
12.737, de 30 de novembro de 2012, que combate ao crime cibernético) são exemplos
de fatos sociais que implicaram na mudança no Direito. Acompanhando as
transformações sociais e a evolução da ciência, é cada vez mais comum a divulgação
de novas pesquisas de reprodução humana, como a divulgada no ano de 2014, que
causou polêmica social em consequência de cientistas ingleses e americanos criarem

21
embriões humanos a partir do DNA de um homem e duas mulheres. Em caso de
conflito, o operador do Direito teria que precisar quem seria a mãe biológica e o destino
dos embriões não utilizados.
Política — em decorrência da luta por poder e considerando a realidade atual,
é constante a judicialização política. Com relação ao poder e ao domínio da política e
do Estado, na concepção marxista, seria o Direito um mecanismo de domínio da
classe dominante sobre a dominada.
Tecnologia — os avanços da tecnologia são temas de embate social
principalmente em razão dos costumes e da religião. Contudo, influenciados pela
sociologia, os operadores do Direito, cada vez mais, têm recorrido à tecnologia para
avançar o acesso jurídico à população em geral, outro ponto que, em países como
Brasil, ainda carece de regulamentações.
Cultura — a cultura, um dos principais campos de estudo da sociologia, serve
como instrumento para compreendermos a formação e evolução social. Em
consequência disso, é notório o fato de que o Direito se relaciona diretamente com a
cultura da comunidade na qual está imerso, ou seja, integra-a, sofre influência e a
influencia.
Partindo de tais pressupostos, fica visível como a sociologia influencia
significativamente os estudos do Direito, visto que ambas as ciências, de modo direto
ou indireto, analisam os aspectos sociais, e, em comunhão com outros ramos da
ciência, os operadores do Direito impedem que sejam realizadas injustiças sociais e
que o Direito seja aplicado à letra fria da lei.
O cenário jurídico e social mundial demonstra como ainda é latente a
inobservância dos aspectos sociais na aplicação da norma, ponto esse que bloqueia
o progresso da justiça. Além disso, o desconhecimento e a confusão da sociologia
jurídica com outros ramos favorecem análises superficiais e aplicação errônea de
métodos científicos (MELO, 2016).
Assim, é importante que a sociologia do Direito siga influenciando o estudo do
Direito, possibilitando ao indivíduo perceber o fenômeno jurídico como fato social.

22
5 ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA AUTÔNOMA

Neste capítulo, você vai ler sobre um dos maiores nomes da sociologia pura e
do Direito: Émile Durkheim, um clássico que influencia autores até os dias de hoje.
Ainda neste capítulo, você vai conhecer os conceitos fundamentais da sua obra, como
de anomia, solidariedade e divisão do trabalho, conceitos interligados fundamentais
para a compreensão da teoria de Émile Durkheim (ARAUJO, 2019).

https://www.clicksociologico.com/2017/03/emile-durkheim-o-metodo-de-estudo-da.html

23
5.1 Émile Durkheim e a sociologia do Direito

Preliminares biobibliográficas
Émile Durkheim (1858–1917), junto com Karl Marx e Max Weber, é considerado
um dos pilares da disciplina que conhecemos hoje como sociologia. Nasceu em 15 de
abril de 1858, em Épinal, França. Formou-se na École Normale Superieure (Paris), à
época dirigida por Fustel de Coulanges, e, mais tarde, lecionou em Bourdoux, onde
escreveu:
 A divisão do trabalho social, como tese de doutoramento (1893);
 As regras do método sociológico (1895);
 O suicídio (1897);
 Lições de sociologia;
 Física dos costumes e do Direito (cursos ministrados entre 1896–1900).
Lecionou na Sorbonne em 1902, como professor auxiliar na cátedra de
educação, disciplina da qual se tornou titular em 1906, mudando, em 1910, o nome
da cátedra para sociologia. Assim, tornou-se o primeiro professor dessa disciplina. Os
seus principais discípulos foram:
 o antropólogo Marcel Mauss, que era seu sobrinho;
 o historiador Gustav Glotz;
 o jurista Léon Duguit.

A Figura 1 apresenta a biografia de Émile Durkheim.

24
25
5.2 Sociologia do Direito

Para Durkheim, a sociologia do Direito tem a incumbência de dar conta de


certas tarefas. Segundo ele, tendo em vista o papel que o Direito representa na
manutenção da ordem, o sociólogo deve investigar:
 as causas históricas das regras jurídicas;
 as funções das regras jurídicas;
 o funcionamento (como são aplicadas) das regras jurídicas.
Para ele, o Direito é coextensivo à vida social: “A sociedade tende
inevitavelmente a se organizar, e o Direito é a esta organização naquilo que ela possui
de mais estável e mais preciso” (DURKHEIM, 1995, p. 31-32).
Para Durkheim, a regra jurídica é definida como uma regra de conduta dotada
de uma sanção (DURKHEIM, 1995). Essa ênfase dada à sanção é típica de um
pensamento obcecado com a ordem.
Ao analisar a sanção, ele a divide em duas: a repressiva e a restitutiva. A
primeira consiste em impor um sofrimento ao indivíduo, privando-o de algum bem,
como a vida, a liberdade, a honra, a fortuna, entre outros. A segunda consiste na
recondução de uma relação perturbada à sua forma normal (DURKHEIM, 1995). Cada
tipo de sanção corresponde a uma função e um fundamento (Quadro 1).

Dessa forma, podemos também classificar o Direito em Direito repressivo, que


é aquele que utiliza as sanções repressivas, e o Direito restitutivo ou cooperativo, que
é aquele que utiliza as sanções restitutivas.

26
5.3 Fato social e instituições

5.3.1 Objeto

Embora Durkheim tenha estabelecido como conceito central do seu


pensamento o conceito de fato social, na segunda edição das Regras do método
sociológico, ele começa a utilizar o termo instituição. Instituição e fato social são
termos que preservam a objetividade do fenômeno social. Por ser mais corrente no
âmbito do pensamento jurídico, parece mais adequado a uma sociologia do Direito
(ARAUJO, 2019).
Assim, Durkheim define sociologia como “[...] a ciência das instituições, de sua
gênese e de seu funcionamento” (DURKHEIM, 1986. p. 31). Segundo ele, as
instituições são as “[...] crenças e modos de conduta instituídos pela comunidade”
(DURKHEIM, 1986. p. 31). Como exemplos de instituições, ele traz o Estado, a família,
o Direito de propriedade e o contrato (DURKHEIM, 1986).
Os fatos sociais e as instituições trazem consigo duas características
essenciais: a exterioridade e o caráter vinculativo ou coercitivo. O autor conceitua
exterioridade da seguinte forma:
Para que haja um fato social, é preciso que vários indivíduos combinem sua
ação e que desta combinação resulte um produto novo. E como esta síntese tem lugar
fora de nós (posto que nela entra uma pluralidade de consciências), tem
necessariamente como efeito o de fixar, instituir fora de nós certas maneiras de agir e
certos juízos que não dependem de cada vontade individual considerada à parte
(DURKHEIM, 1986, p. 30-31).
Como exemplo, podemos citar o sistema linguístico, a moral, a moda, a moeda,
entre outros, que são típicos fenômenos exteriores às consciências individuais.
Com relação à segunda característica, temos que tanto a instituição quanto o
fato social se impõem ao indivíduo. Um exemplo disso é a paternidade, que é um
fenômeno biológico, mas, enquanto instituição/fato social, cria uma série de deveres.
É certo que: “[...] cada um de nós fabrica para si, sua moral, sua religião, sua técnica.
Não há conformismo social que não comporte toda uma série de matizes individuais.
Contudo, o campo de variações permitidas é limitado” (DURKHEIM, 1986, p. 31).

27
5.3.2 Método

Quanto ao método utilizado por Durkheim, temos três regras:


Primeira regra — “Os fatos sociais devem ser concebidos como coisas”
(DURKHEIM, 1986, p. 18). Decorrem dessa regra duas consequências: a coisa é
exterior ao indivíduo, o que acarreta que essa coisa só pode ser conhecida pela
experiência; o elemento psicológico não é relevante: na verdade, é impossível
determinar com exatidão os motivos subjetivos que deram origem a uma instituição.
Segunda regra — deve haver uma prioridade do todo, da sociedade, com
relação à parte, o indivíduo. Pois, segundo Durkheim, a vida de uma célula não se
encontra nos átomos que a compõem, mas no modo como estão associados
(DURKHEIM, 1986). Desse modo, o todo mostra-se irredutível às partes que o
compõem, uma vez que possui propriedades que não estão presentes nas partes. A
sociedade, pois, é irredutível à soma dos indivíduos. De fato, se partirmos dos
indivíduos, nunca podemos compreender o que ocorre no grupo, uma vez que os
membros do grupo agem de modo diferente do que fariam se estivessem isolados.
Terceira regra — a ideia de que um fato social só pode ser explicado por um
outro fato social.

5.4 Principais conceitos

5.4.1 Solidariedade

Esse conceito fundamental na teoria de Durkheim pode ser descrito como o


vínculo objetivo, relação pacífica, existente entre os indivíduos em determinada
sociedade. A solidariedade, por sua vez, pode fundamentar-se na semelhança entre
indivíduos — chamada, então, de solidariedade mecânica — ou na sua diferença —
denominada, então, solidariedade orgânica.
A solidariedade mecânica é típica de sociedades primitivas, nas quais não
ocorreu uma especialização das funções sociais. A consciência individual depende
diretamente da consciência coletiva e segue todos os seus movimentos, “[...] como o
objeto possuído segue aqueles que o seu proprietário lhe imprime” (DURKHEIM,
1995, p. 107). É essa analogia que justifica o termo mecânica. Mas como se dá a
consciência coletiva na solidariedade mecânica? A consciência coletiva é o conjunto

28
das crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade.
Como é forte, abrange todas as esferas da vida.
A solidariedade orgânica, por sua vez, é a solidariedade fundada na diferença.
É típica das sociedades modernas, em que a divisão do trabalho provoca a
diferenciação entre as pessoas. O termo orgânica é utilizado em analogia com os
órgãos de um ser vivo: estes são diferentes, e é a sua diferença que os torna
indispensáveis uns aos outros. Cada membro da sociedade funciona como órgão de
um organismo.

5.4.2 Divisão do trabalho social

A divisão social do trabalho consiste na especialização das funções em todos


os âmbitos da vida social: econômico, político, religioso, militar, político, científico,
artístico, entre outros. Essa divisão não pode ser confundida com a divisão técnica do
trabalho, que consiste na decomposição do trabalho em várias fases, atribuindo a
cada trabalhador a responsabilidade sobre uma fase (ARAUJO, 2019).
As causas da divisão do trabalho dizem respeito à passagem da solidariedade
mecânica para a orgânica, em que pode haver:
 crescimento demográfico;
 crescimento da densidade demográfica (razão entre indivíduos e
superfície);
 crescimento no número de trocas entre os indivíduos de uma sociedade
(a chamada densidade moral).

29
6 EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS E OS SEUS EFEITOS SOCIAIS

A norma jurídica isolada sequer pode ser válida. Para ser estudada, ela precisa
ser considerada com as demais normas que, juntas, compõem o ordenamento
jurídico. Para a análise desse conjunto de normas, é necessário estudarmos conceitos
essenciais, como validade e eficácia. O primeiro diz respeito a estabelecer se uma
norma pertence ou não ao ordenamento jurídico; o segundo define o grau de
efetividade que essa norma encontra na sociedade — em outras palavras, se ela é
obedecida ou não.
Como o ordenamento deve ser um todo coerente, livre de contradições, quando
encontramos normas que se contradizem no sistema, devemos recorrer a algum
critério que defina qual norma deve prevalecer. Em nome da segurança jurídica,
recorremos aos critérios de resolução de antinomias (ARAUJO, 2019).
Neste capítulo, você vai descobrir quais são os tipos de antinomias que trazem
incoerência ao ordenamento jurídico e qual é o critério utilizado para a sua resolução.
Além disso, vai conhecer a hierarquia existente entre os critérios para solucionar os
conflitos entre os próprios critérios de resolução de antinomias.

https://diegoleonardoadvogado.jusbrasil.com.br/artigos/555790945/aplicabilidade-imediata-dos-
direitos-fundamentais
30
6.1 Validade e eficácia das normas

Validade e eficácia são dois termos que têm relação íntima. O primeiro diz
respeito à correspondência da norma a outra norma ou decisão superior estabelecida
formalmente pelo Estado; o segundo se refere a como as normas são realmente
observadas na sociedade. No Brasil, em termos simples, dizemos que uma lei “pegou”
ou “não pegou” se ela é considerada eficaz ou não. (ARAUJO, 2019)
O maior autor do positivismo jurídico, Hans Kelsen, vincula um conceito ao
outro dizendo que:

Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando


a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos
numa certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e
respeitada, isto é, uma norma que — como costuma dizer-se — não é eficaz
em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente).
Um mínimo de eficácia (como sói dizer-se) é condição da sua vigência.
Porém, uma norma jurídica deixará de ser considerada válida quando
permanece duradouramente ineficaz. A eficácia é, nesta medida, condição
da vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua
eficácia para que ela não perca a sua vigência (KELSEN, 1996, p. 12).

Portanto, a eficácia, ao mesmo tempo em que é a conformidade de uma


conduta à norma ou à sua aplicação pelos órgãos competentes, quando é seguida e
aplicada, é também a condição de validade de uma norma. Aqui, encontramos um dos
grandes problemas da teoria de Kelsen (1996), pois, ao separar ser e dever–ser e
dizer que o Direito corresponde somente ao segundo, ele cria um problema para a
sua estrutura teórica, pois a eficácia, que ele diz ser condição de validade da norma,
está no campo do ser, na dimensão dos fatos, e não do dever–ser (ARAUJO, 2019).
Norberto Bobbio, com a sua conhecida clareza na forma de desenvolver as
ideias, faz correspondência da validade da norma com a sua existência, afirmando
que a validade jurídica de uma norma equivale à sua existência. Vale a pena a
transcrição da sua obra:

[...] O problema é o problema da existência da regra como tal,


independentemente do julgamento de valor se for justa ou não. Enquanto o
problema da justiça é resolvido com um julgamento de valor, a questão da
validade é resolvida com um julgamento de fato. Trata-se, então, de ver se
existe uma regra legal ou não, ou melhor se essa regra assim determinada é
uma regra legal. A validade jurídica de uma regra é equivalente à existência
de tal norma como regulamentação legal. Embora para julgar a justiça de uma
norma seja necessário compará-la com um valor ideal, para julgar sua
validade, é necessário realizar pesquisas empírico-racionais, aquelas

31
pesquisas que são realizadas quando se trata de determinar a magnitude e
alcance de um evento (BOBBIO, 1993, p. 24, tradução nossa).

E continua dizendo que, para determinarmos a validade de uma norma,


devemos observar três critérios:
 verificar se a autoridade que criou a norma tem poder legítimo para fazê-
lo;
 verificar se não foi ab-rogada por outra norma;
 verificar se não é incompatível com o sistema.

Ou seja, a validade corresponde a um problema ontológico do Direito. Bobbio


também faz referência ao tema eficácia da norma, que se refere ao fato de saber se
as pessoas às quais as normas são direcionadas seguem-nas ou não, chegando à
conclusão de que a eficácia da norma diz respeito a um problema fenomenológico do
Direito. Nas suas palavras:

[...] o problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se aquela


norma é seguida ou não por aquelas pessoas as quais ela é dirigida (os
considerados destinatários da norma jurídica) e, no caso de que seja violada,
seja feita valer com os meios coercitivos da autoridade que a postou. Que
uma norma exista em quanto norma jurídica não implica que essa seja
constantemente seguida. [...] A pesquisa para verificar a eficácia ou a
ineficácia de uma norma é uma pesquisa histórico-sociológica destinada a
estudar o comportamento dos membros de um grupo social particular e que
difere tanto da busca mais filosófica em torno da justiça quanto da natureza
de validade mais tipicamente legal. Mesmo aqui, para usar a terminologia
ensinada, se em um sentido diferente do habitual, pode-se dizer que o
problema da eficácia das regras legais é o problema fenomenológico do
Direito (BOBBIO, 1993, p. 25, tradução nossa).

Ou seja, o problema relativo à eficácia da norma jurídica é o que se relaciona


mais diretamente com a sociologia jurídica. (ARAUJO, 2019)

32
6.2 Efeitos sociais da norma jurídica

Ao pensarem de forma diferente da dos autores da Antiguidade Clássica, os


modernos fizeram a separação do ser e do dever–ser, e, ao fazer essa separação,
criaram um problema lógico, pois do ser não pode derivar nenhum dever–ser
(ARAUJO, 2019).
Na lógica, existe uma falácia chamada de non sequitur, que surge quando, na
conclusão de um argumento, deduzimos mais do que aquilo que estava nas
premissas. Se, na conclusão, temos um elemento normativo, ele também deve estar
presente em uma das minhas premissas. Ou seja, segundo a lógica, do plano dos
fatos, nunca vamos poder tirar uma norma. De premissas factuais, nunca chegamos
a conclusões normativas. Assim, para haver uma coerência lógica, deve haver uma
junção entre o ser e o dever–ser. O ser está no fato de que homens se reúnem para
votar e, ao levantarem o braço ou apertarem um botão, decidem criar algo que
chamam de norma e no elemento normativo anterior ao ato, que é uma norma que os
autoriza a fazer isso. Assim, podemos dizer que uma norma isolada não traz efeito

33
social algum, pois só pode produzir efeitos se for considerada com outras normas
jurídicas. Disso, surge a ideia de ordenamento (ARAUJO, 2019).
O professor Luis Fernando Barzotto, ao analisar a obra de Kelsen, evidencia a
separação entre ordenamento e sistemas normativos de natureza moral:

O ordenamento jurídico se diferencia dos sistemas normativos de natureza


moral por ser um sistema dinâmico. Sistema dinâmico é aquele em que as
normas estão ligadas entre si por uma relação de autorização, e não de
derivação lógica. Uma norma pertence a um ordenamento jurídico por ter sido
produzida segundo o procedimento previsto em outra norma, e não pelo fato
de ter sido derivada logicamente desta. Quando a norma veio à existência
segundo os modos autorizados pelo ordenamento, dizemos que a norma é
“válida” (BARZOTTO, 1999, p. 37).

Norberto Bobbio, na obra Teoria geral do Direito, compartilha da ideia de que é


o sistema de normas que importa, em detrimento da norma isolada. Ele divide a obra
em dois momentos: no primeiro, estuda a norma jurídica isoladamente (teoria da
norma jurídica) e, no segundo, o ordenamento jurídico (teoria do ordenamento
jurídico), concluindo que as normas nunca existem isoladamente e usando a metáfora:
“considerava-se a árvore e não a floresta” (BOBBIO, 1996, p. 20).
Segundo o mesmo autor, Kelsen foi o primeiro a fazer essa divisão na obra
Teoria geral do Direito e do Estado, dividindo o estudo em nomoestática e
nomodinâmica, sendo o primeiro o estudo das normas jurídicas isoladas e o segundo
o estudo do conjunto do ordenamento jurídico.
Agora que sabemos que os efeitos sociais das normas jurídicas só podem
existir quando se parte da premissa que só podem ser observadas em conjunto,
analisaremos os problemas referentes à incompatibilidade dessas normas na
regulação da sociedade.
O ordenamento jurídico deve possuir três características principais:
 unidade;
 coerência;
 completude.
Como uma das características do ordenamento jurídico é a coerência, é
necessário resolver os conflitos que surgem entre normas jurídicas, para que se
observe um dos principais elementos do Direito: a segurança jurídica. Afinal, como
devemos agir diante de duas normas válidas que prescrevem comandos diferentes?

34
6.3 Antinomias

6.3.1 Conflitos de primeiro grau

Aqui não faz sentido falarmos em conflito entre ordenamentos, mas entre
normas.

Portanto, não é exato falar, como se faz frequentemente, de coerência do


ordenamento jurídico no seu conjunto; pode-se falar de exigência de
coerência somente entre suas partes simples. Num sistema dedutivo, se
aparecer uma contradição, todo o sistema ruirá. Num sistema jurídico, a
admissão do princípio que exclui a incompatibilidade tem por consequência,
em caso de incompatibilidade de duas normas, não mais a queda de todo o
sistema, mas somente de uma das duas normas ou no máximo das duas
(BOBBIO, 1996, p. 80).

Dessa ideia, surge o critério de resolução de conflito entre normas, para que o
ordenamento permaneça coerente. Pressupõe-se, portanto, a regra de coerência, que
diz que “num ordenamento jurídico, não devem existir antinomias”.
As regras fundamentais para a solução do conflito de antinomias são:
 critério cronológico;
 critério hierárquico;
 critério da especialidade.

35
Critério cronológico
O critério cronológico ocorre quando duas normas se contradizem, sendo uma
mais recente do que a outra. Nesse caso, a mais nova deve prevalecer, ou seja, lex
posterior derogat priori. “Existe uma regra geral no Direito em que a vontade posterior
revoga a precedente, e que de dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último
no tempo” (BOBBIO, 1996, p. 93). Assim, justifica-se, na ordem do sistema, que a
última vontade do legislador deve prevalecer, pressupondo que o legislador não faria
algo novo se o considerasse inútil.

Critério hierárquico
O critério hierárquico diz que, entre duas normas contraditórias, deve
prevalecer a norma superior, ou seja, lex superior derogat inferiori. Esse critério está
em consonância com a ideia de ordenamento hierárquico das leis, em que a superior
tem validade à inferior.

A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de


seu poder normativo; essa menor força se manifesta justamente na
incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à
regulamentação de uma norma hierarquicamente superior (BOBBIO, 1996, p.
93).

Critério da especialidade
O critério da especialidade afirma que, entre duas normas incompatíveis do
mesmo ordenamento jurídico, sendo uma mais geral e outra mais especial, prevalece
a mais especial, ou seja, lex specialis derogat generali. O motivo desse critério é claro.
Nesse caso, ou uma lei especial anula uma lei mais ampla ou simplesmente retira de
uma norma mais geral alguns elementos para submetê-la a uma legislação que pode
ser contrária ou contraditória. Essa característica é fundamental em termos de justiça,
porque aplica melhor a lei geral às particularidades de uma categoria de pessoas,
obedecendo a uma das regras fundamentais do Direito: suum cuique tribuere.

A passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo


natural de diferenciação das categorias, a uma descoberta gradual, por parte
do legislador, dessa diferenciação. Verificada ou descoberta a diferenciação,
a persistência na regra geral importaria no tratamento igual de pessoas que
pertencem a categorias diferentes, e, portanto, numa injustiça. Nesse
processo de gradual especialização, operado por meio de leis especiais,
encontramos uma das regras fundamentais da justiça, que é a do suum
cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). Entende-se, portanto, por que a
36
lei especial deva prevalecer sobre a geral: ela representa um momento
ineliminável do desenvolvimento de um ordenamento. Bloquear a lei especial
frente à geral significaria paralisar esse desenvolvimento (Bobbio, 1996, p.
96).

6.3.2 Conflitos de segundo grau

Vimos que, entre normas conflitantes, podemos usar os métodos de resolução


de antinomias. Porém, se os critérios entrarem em conflito, o que devemos fazer? Se,
por exemplo, estivermos diante de uma dicotomia entre uma norma constitucional
superior e uma norma ordinária posterior, o que fazer, já que não podemos aplicar
concomitantemente dois critérios? A esse conflito de critérios, dá-se o nome de
antinomia de segundo grau (ARAUJO, 2019).

6.3.2.1 Conflito entre o critério hierárquico e o cronológico

Se uma norma superior entra em conflito com uma nova posterior, normas
diferentes prevalecerão de acordo com o critério que utilizarmos. Nesse caso, sempre
deve prevalecer o critério hierárquico sobre o cronológico.

Essa solução é bastante óbvia: se o critério cronológico devesse prevalecer


sobre o hierárquico, o princípio mesmo da ordem hierárquica das normas
seria tornado vão, porque a norma superior perderia o poder, que lhe é
próprio, de não ser ab-rogada pelas normas inferiores (BOBBIO, 1996, p.
108).

Portanto, aplicamos o método cronológico somente com normas de mesmo


nível hierárquico. Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico Aqui há o
conflito entre uma norma especial que existe antes de uma geral. Nesse caso, deve

37
prevalecer, a princípio, a lei especial. A regra geral então seria: lex posterior generalis
non derogat priori speciali, mas isso deve depender da análise do caso em questão.

6.3.2.2 Conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade

O conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade não é de fácil solução,


não existindo uma resposta segura para a questão.

A gravidade do conflito deriva do fato de que estão em jogo dois valores


fundamentais de todo ordenamento jurídico, o do respeito da ordem, que
exige o respeito da hierarquia e, portanto, do critério da superioridade, e o da
justiça, que exige a adaptação gradual do Direito às necessidades sociais e,
portanto, respeito do critério da especialidade (BOBBIO, 1996, p. 109).

O mais de acordo com a teoria da norma seria prevalecer a superior ante a


especial e inferior, pois, ao preferir as inferiores, haveria um esvaziamento das normas
materialmente constitucionais, no entanto, a especialidade da justiça que traz o
princípio do Direito suum cuique tribuere também deve ser considerada.
Como observamos, os critérios de resolução de conflitos de segundo grau
estão dispostos em nível crescente de incerteza, mas funcionam como regra geral
para se alcançar a coerência do sistema de normas no ordenamento jurídico
(ARAUJO, 2019).

7 RELAÇÃO ENTRE SOCIEDADE, DIREITO E ESTADO

O Direito é um importante mecanismo de controle social, o que denota a sua


importância para a sociedade, assim como a sociedade também contribui para o seu
desenvolvimento e para a consequente construção de uma convivência justa e
solidária (GIACOMELLI, 2011).
Neste capítulo, você vai compreender o quanto Direito e sociedade se
relacionam, como instrumento de controle e como meio de atuação do Estado para
regular as relações sociais. O Direito e a sociedade contribuem mutuamente para o
desenvolvimento social, enquanto o Estado desempenha a função de legitimar a
aplicação do Direito, com foco em garantir uma convivência harmônica na sociedade.

38
https://vermelho.org.br/2018/11/27/defender-o-estado-democratico-nao-e-apenas-um-exercicio-
retorico/

7.1 Função do Direito na sociedade

Para viver em sociedade, o ser humano deve enfrentar um processo de


adaptação, que ocorre tanto interna quanto externamente. É um processo interno no
que se refere ao corpo, sem a interposição da vontade, como o funcionamento dos
órgãos diante de diferentes situações às quais deva se adaptar. Quanto ao aspecto
externo, a relação é do homem com o espaço em que habita: o ser humano tem
inúmeras necessidades, que são satisfeitas pela natureza, e cabe a ele adaptar e
transformar o mundo à sua volta para a satisfação dessas necessidades
(GIACOMELLI, 2011).

39
O Direito e o homem se influenciam mutuamente. Enquanto o Direito faz parte
do processo de adaptação do homem, devendo este se adequar e obedecer às
normas, o homem também influencia na criação do Direito, vez que este deve estar
focado e adaptado ao meio para o qual foi produzido, obedecendo aos valores que a
sociedade elege como essenciais.
O Direito possui importante missão: serve como instrumento para gerar a paz
e harmonia nas diversas relações sociais. É importante salientar que o Direito não
deve refletir interesses individuais, mas interesses de toda a coletividade, que muitas
vezes colidem com os interesses individuais, gerando conflitos que serão resolvidos
pelo próprio Direito (GIACOMELLI, 2011).
O Direito, por ser fruto da elaboração humana, sofre influência do tempo e do
local em que se aplica, e por isso, ele deve estar sempre aberto às mudanças que
ocorrem durante as diferentes épocas. As inúmeras e constantes transformações que
se verificam com o passar do tempo refletem nas normas de conduta impostas pelo
Direito, motivo pelo qual se deve buscar atualizações recorrentes (GIACOMELLI,
2011).
O reflexo do Direito na sociedade ocorre de duas maneiras principais, tendo em
vista o sistema normativo que constrói a ordem social: são as normas positivadas e
as normas de costume. Em geral, as normas de costume acabam sendo positivadas;
porém, as que não são, continuam valendo com igual força.
O direito à vida é um exemplo de norma de costume que também é uma norma
positivada, pois, trata-se de um valor social que prepondera nas sociedades em geral.
Já a união de pessoas do mesmo sexo é uma norma de costume, que a sociedade
reconhece como válida, mas que ainda sofre um processo de positivação no Brasil,
não sendo absoluta: a sociedade se transformou e agora cabe ao Direito tornar essa
norma de costume, também uma norma positivada (GIACOMELLI, 2011).

40
7.2 Relação entre Direito e Estado

O Estado é a sociedade politicamente organizada, que utiliza a aplicação do


Direito para estabelecer uma ordem da conduta humana: apresenta as condições
universais da ordem social em determinados território, povo e governo (GIACOMELLI,
2011).
O Estado, portanto, caracteriza-se pela soberania, internamente representada
pela faculdade de impor a sua vontade, por meio da força, se necessária,
independente da vontade do cidadão em particular, o que se legitima com o Direito.
Com relação aos demais Estados (países), a afirmação máxima da soberania é a
independência absoluta, admitindo que todos estão no mesmo nível de hierarquia,
não admitindo que nenhum Estado que superior a outro.
A relação entre Direito e Estado, no entanto, se explica por meio de três teorias
básicas: teoria monista, teoria dualista e teoria do paralelismo (GIACOMELLI, 2011).
Para a teoria monista, também conhecida como teoria do estatismo jurídico, o
Estado e o Direito se confundem em uma única realidade. No entendimento monista,
só existe o Direito estatal, não se admitindo a ideia de qualquer regra jurídica fora do
Estado. E o Estado é a fonte única do Direito, pois só ele dispõe de força coativa para
estabelecer normas. Logo, como só existe o Direito emanado do Estado, ambos se
confundem em uma só realidade (GIACOMELLI, 2011).
Já a teoria dualista, também conhecida como teoria pluralista, sustenta que o
Estado e o Direito são duas realidades distintas, independentes e inconfundíveis.
Nessa teoria, o Estado não é a única fonte do Direito, nem com este se confunde. O
que provém do Estado é apenas uma categoria especial do Direito: O Direito Positivo.
Em conjunto com o Direito Positivo, existem e vigoram os princípios do Direito Natural,
as normas do Direito Costumeiro e as regras que se firmam na consciência coletiva.
Essa corrente afirma que o Direito é uma criação social, não estatal, pois, é um fato
social em contínua transformação. A função do Estado é positivar o Direito, isto é,
traduzir em normas escritas os princípios que se firmam na consciência social
(GIACOMELLI, 2011).
A teoria do paralelismo entende que o Estado e o Direito são realidades
distintas, mas de natureza interdependentes. Essa corrente, procurando solucionar a
antítese monismo–dualismo, reconhece que o Direito não é estatal — sustenta que
vários centros de determinação jurídica surgem e se desenvolvem fora do Estado,
41
obedecendo a uma graduação de positividade. Sobre todos esses centros particulares
do ordenamento jurídico, prepondera o Estado como centro de irradiação da
positividade.

Convergindo com a teoria do paralelismo, Miguel Reale (REALE, 2010), jurista


de grande destaque no meio jurídico brasileiro, desenvolveu a teoria tridimensional do
Estado e do Direito. De acordo com essa teoria, o Estado não é apenas um sistema
de normas, como dita a teoria monista, nem um fenômeno estritamente sociológico,
como prevê a teoria dualista, mas, simultaneamente é a organização fática do poder
público, a realização do objetivo da convivência social e o órgão produtor e
mantenedor do ordenamento jurídico (REALE, 2010).
Diante disso, o Estado se compõe de três elementos, tornando a teoria
tridimensional a mais aceita pela doutrina para explicar a relação entre sociedade e
Direito:
 fato, que consiste na determinação de uma relação permanente do
poder, com uma discriminação entre governantes e governados;
 valor, em virtude do qual o poder é exercido (o ideal de justiça, por
exemplo);
 norma, que expressa a medição do poder na atualização dos valores da
convivência social (o próprio Direito).

Assim, sempre que houver um fenômeno jurídico, haverá também: um fato


subjacente, que poderá ser de ordem econômica, por exemplo) um valor, que confere
significação a esse fato (inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido
de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo) e, principalmente, uma norma, que
representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato
42
ao valor. Tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um
dos outros, mas coexistem em uma unidade concreta, e não só exigem reciprocidade,
mas atuam como elos de um processo de tal modo que a vida do direito resulta na
interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram (GIACOMELLI,
2011).

7.3 Direito como meio de controle social

É de ressaltar, de início, que o Direito não é o único responsável pela harmonia


da vida em sociedade. A religião, a moral e as regras de trato social igualmente
contribuem para o sucesso das relações sociais. Se devemos dizer que o direito não
é o único valor, nem o mais alto, ele é, contudo, a garantia da vida em sociedade
(GIACOMELLI, 2011).
Há outros instrumentos de controle social, e cada um o é na sua faixa própria.
A do Direito, por exemplo, é regrar a conduta social, com vistas à ordem e à justiça, e
os fatos sociais mais importantes para o convívio social é que são juridicamente
disciplinados.

43
É no meio social que o Direito surge e se desenvolve para a concretização dos
objetivos buscados pela sociedade, como, por exemplo, a manutenção da paz, da
ordem, da segurança e do bem-estar comum, de maneira a tornar possível a
convivência e o progresso social (GIACOMELLI, 2011).
Assim, o Direito é fruto de uma realidade social. O Direito, decorrente da criação
humana, é direcionado de acordo com os interesses impostos pela sociedade. Tal fato
o torna dinâmico, exigindo que ele, à cada época, acompanhe os anseios e interesses
da sociedade para qual foi criado. Desse modo, verifica-se, concretamente, constante
mutação dos significados dos institutos jurídicos. As instituições jurídicas são criações
da sociedade, que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de
transformação e adaptação social, o Direito deve estar sempre evoluindo,
considerando a grande mobilidade social (GIACOMELLI, 2011).

Portanto, como o Direito decorre da criação humana, isto é, da vontade da


sociedade em se autorregulamentar, ele se manifesta como controlador do homem
social ou como sistema de controle social. Sob esse prisma, o Direito é utilizado como
instrumento de dominação da sociedade, pois esta se submete, em grau de
obediência, às regras de controle instituídas para organizar a sua convivência.
Esse poder de dominação social característico do Direito, deve ser muito bem
estruturado, pois, caso seja irrestrito, há o sério risco de o Direito ser percebido como
força escravizadora, no lugar de libertadora. Essa estruturação deve ocorrer em
conjunto com outras formas de controle social (GIACOMELLI, 2011).
Para ilustrar esse entendimento, tracemos um paralelo entre Direito e religião.
Verificamos que, no início das civilizações, a religião exercia domínio absoluto sobre
44
o homem, e o Direito nada mais era do que expressão da vontade divina. A classe
sacerdotal possuía o monopólio do conhecimento jurídico.
Durante a Idade Média, ficaram famosos os Juízos de Deus com as suas
ordálias, em que as decisões eram condicionadas a jogo de sorte e azar, pois Deus
interferia diretamente no julgamento. Um prato de louça era jogado ao alto, por
exemplo. Caso se quebrasse ao cair, o réu seria considerado culpado; caso o prato
não se quebrasse, seria absolvido.
Foi só a partir do século XVII que o Direito começou a se desvincular dos
conceitos divinos, e temos hoje que Direito e religião são fenômenos distintos. Não
obstante, a todo momento, buscam inspiração um no outro. Há normas jurídicas de
conteúdo religioso, como a proibição do aborto e da bigamia, por exemplo. Ora, ao
tentar organizar a vida em sociedade, o Direito não pode se esquecer das
preocupações de cunho religioso, tão importantes para o homem. Além do mais, a
preocupação com o bem é inerente a ambos, Direito e religião (GIACOMELLI, 2011).

8 DEMOCRACIA, POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE DA POBREZA

Neste capítulo, você vai estudar os processos históricos que levaram ao


surgimento da democracia e conhecer suas principais formas de organização ao longo
dos tempos. Também vai ver alguns conceitos relacionados às políticas públicas e
sociais. Além disso, você vai verificar a importância dos sistemas democráticos de
governo para a aplicação dessas políticas. Nesse sentido, o Estado pode assumir
posturas tanto de combate como de desresponsabilização (BARBOSA, 2019).
Você ainda vai conhecer alguns conceitos relativos ao controle social. Por fim,
vai ver como esses conceitos se relacionam com algumas políticas públicas de
45
combate às desigualdades sociais, que são uma forma de concretização do processo
democrático em uma sociedade.

https://www.filantropia.ong/imagens/conteudo/RFKA179UMKN9VR0BR4IU/democracia-controle-
social-e-direitos-humanos3032.jpg

8.1 Democracia, políticas sociais e pobreza

O conceito moderno de Estado democrático tem origem no século XVIII. De


acordo com esse conceito, o Estado deve aplicar determinados valores que são
fundamentais para o bom andamento das engrenagens sociais e para o bom convívio
humano. Assim, ele deve ser organizado e trabalhar na tutela desses valores. Para
entender a ideia de Estado democrático, você deve conhecer seus princípios
implícitos, verificar os meios utilizados para a sua aplicação e as consequências
surgidas dessa aplicação, até mesmo como análise da viabilidade ou não desse
modelo (BARBOSA, 2019).
A palavra “democracia” vem do termo grego demokratía, que é composto por
demos (povo) e kratos (poder). Ou seja, a base do conceito de Estado democrático é
a noção de “governo do povo”. Portanto, é necessário analisar como esse modelo se

46
consolidou e que instituições surgiram pela efetivação desse tipo de governo. Nesse
percurso histórico, três modelos compõem os princípios básicos da democracia: a
democracia direta; a democracia indireta; e a democracia representativa semidireta
do século XX (BARBOSA, 2019).
A Grécia Antiga é o berço da democracia direta. Mais precisamente em Atenas,
o povo reunia-se em praça pública para a execução direta e imediata do poder político.
Nesse período, a democracia era tida como objeto de devoção do povo, que dedicava
a sua vida à coisa pública, priorizando as questões do Estado até mesmo em
detrimento de sua vida privada. Cada cidade mantinha um sistema democrático
próprio e tratava com orgulho sua ágora, praça onde os cidadãos se reuniam para
celebrar o exercício político daquela cidade. Esta fazia o papel do parlamento dos
tempos modernos (BARBOSA, 2019).
A crítica dos pensadores modernos ao sistema democrático dos gregos é que
este, na realidade, era uma aristocracia democrática. Afinal, os escravos, que eram
esmagadora maioria, não tinham direito de participação política. Essa base social
escrava permitia ao homem livre dedicar-se inteiramente aos negócios públicos, não
possuindo preocupações materiais. O homem econômico contemporâneo
corresponde ao homem político daquela época (BONAVIDES, 2011).
Essa distinção entre homens talvez represente a maior divergência entre a ideia
moderna de democracia e aquela da Grécia Antiga. Sobre isso, Dallari (2014, p. 146)
afirma:

No livro III de A Política, Aristóteles faz a classificação dos governos, dizendo


que o governo pode caber a um só indivíduo, a um grupo, ou a todo o povo.
Mas ele próprio já esclarecera que o nome de cidadão só se deveria dar com
propriedade àqueles que tivessem parte na autoridade deliberativa e na
autoridade judiciária. E diz taxativamente que a cidade-modelo não deverá
jamais admitir o artesão no número de seus cidadãos. Isto porque a virtude
política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àqueles que
não têm necessidade de trabalhar para viver, não sendo possível praticar-se
a virtude quando se leva a vida de artesão ou de mercenário. Esclarece,
finalmente, que em alguns Estados havia-se adotado orientação mais liberal,
quanto à concessão do título de cidadão, mas que isso fora feito em situações
de emergência, para remediar a falta de verdadeiros e legítimos cidadãos. A
regra, entretanto, era a restrição que em alguns lugares era bastante rigorosa
[...]. Como se vê claramente, essa ideia restrita de povo não poderia estar
presente na concepção de democracia do século XVIII, quando a burguesia,
economicamente poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e
a nobreza no domínio do poder público.

47
Após a democracia direta da Grécia Antiga, surge a democracia indireta nos
tempos modernos, que tem por característica a presença do sistema representativo.
Antigos pensadores, como Montesquieu, diziam que o povo era excelente para
escolher, mas péssimo para governar. Assim, necessitava de representantes que
decidissem e desejassem em nome dele. O povo, no entanto, não era o real
argumento que tornaria inviável de forma prática o antigo sistema grego de
representação direta (BARBOSA, 2019).
O Estado moderno não era mais a cidade-estado de outros tempos, e sim um
Estado-nação, de caráter unificador e com a missão de legislar todas as instituições
sociais que agora estavam alocadas em uma ampla base territorial. A ideia de um
corpo de cidadãos congregados em praça pública para administrar as leis do Estado
tornara-se impraticável nessa época. Bonavides (2011) afirma que o homem da
democracia direta, grego, era integralmente um homem político, ao contrário do
homem do Estado moderno, que era apenas acessoriamente político. Assim, o
homem, perante as esferas políticas, deixa de ser sujeito ou pessoa, tornando-se
objeto da organização política e social vigente. Veja:

Dizia Rousseau, criticando a democracia indireta ou representativa, que o


homem da democracia moderna só é livre quando vai às urnas depositar seu
voto. Para os opositores do filósofo contratualista, uma verdade fica patente:
não há fugir ao imperativo de representação, porquanto, no contrário, não
haveria nenhum governo apoiando no consentimento, tomando-se em conta
a complexidade social, a extensão e a densidade demográfica do Estado
moderno, fatores estes que embaraçam irremediavelmente o exercício da
democracia direta (BONAVIDES, 2011, p. 274).

Bonavides (2011) destaca que as principais características da democracia


indireta ocidental são:
 a soberania popular como fonte de todo poder legítimo;
 o sufrágio universal e a pluralidade de candidatos e partidos;
 a igualdade de todos perante a lei;
 a limitação de poder dos governantes;
 a adesão aos princípios da fraternidade social;
 a liberdade de opinião, de reunião, de associação e de fé religiosa;
 a defesa de um Estado de Direito com a proteção da ordem jurídica;
 a temporalidade dos mandatos;

48
 a defesa e a garantia de direitos das minorias políticas e sociais, com
incentivo à representação destes indivíduos na busca pela redução das
desigualdades sociais (talvez a mais importante das características).

Avançando historicamente, há a democracia representativa semidireta do


século XX. Ela se proliferou nas primeiras três décadas deste século, gozando de
grande prestígio, em especial no continente europeu. Tendo a Suíça como berço
tradicional, esse modelo espalhou-se por todo o continente europeu e pela América
do Norte. Assumindo características e peculiaridades em cada Estado, a democracia
representativa semidireta seguiu avançando até a Segunda Guerra Mundial. Nesse
período, ocorreu um movimento de transposição do poder para os partidos políticos,
que se tornaram depositários da esperança e da fantasia de uma sociedade melhor.
Assim, as forças democráticas deixam de pertencer ao povo como massa numérica e
mandatário direto do exercício plebiscitário e passam a ser do povo organizado, que
se concretiza por meio dos partidos políticos. Ocorre, assim,

[...] o declínio da democracia semidireta, que foi, segundo dizem, um grau


qualitativo apreciável no processo de dinamização e amadurecimento dos
princípios de organização democrática, volvidos porém à impotência, na
forma ainda há pouco adotada, face a prementes necessidades
contemporâneas, impostas pela nova e profunda revolução da ciência e da
técnica, inspirando a máxima racionalização do poder, até mesmo do poder
democrático (BONAVIDES, 2011, p. 276).

Deste movimento, então, surge uma descrença generalizada nos partidos


políticos, o que resulta em algumas iniciativas que incentivam a participação popular.
A Constituição brasileira de 1988, em seu art. 14, por exemplo, faz referência à prática
de plebiscito, referendo e iniciativa popular. Como você sabe, no entanto, essas
práticas no Brasil não são efetivas. Raras são as iniciativas que culminaram nessas
formas de participação popular no País. De 1993 a 2014, foram realizados três
plebiscitos e dois referendos no Brasil. Destes, somente um plebiscito e um referendo
realizaram-se a nível nacional (BARBOSA, 2019).
A democracia, no geral, é, portanto, um sistema político em que cidadãos
elegem seus representantes para gerir os interesses de determinada sociedade ou
nação. Uma das principais atribuições desses representantes eleitos é a elaboração,
a execução e o monitoramento de políticas públicas de interesse social. As políticas
públicas ou sociais são, então, parte do processo estatal de alocação e distribuição
49
de recursos, mediando valores e interesses de grupos e classes distintas. Seu objeto
é a realocação de recursos públicos obtidos por meio da tributação (BARBOSA, 2019).
Eis aqui o ponto crucial: de um lado estão os interesses do mercado e do
grande capital, que prezam por uma política social mínima de pouca ou nula
intervenção estatal; de outro, uma população em grande parte empobrecida que é
reflexo do processo de acumulação capitalista e que necessita de políticas sociais
para a garantia de suas necessidades básicas de subsistência. As políticas sociais
são, portanto, reflexo da política de relações econômicas. Elas são determinadas
pelas opções políticas dos representantes eleitos. Veja:

A política social intervém no hiato derivado dos desequilíbrios na distribuição


em favor da acumulação e em detrimento da satisfação das necessidades
sociais básicas, assim como na promoção da igualdade. A ação social do
Estado diz respeito tanto à promoção da justiça social, quanto ao combate à
miséria, embora sejam objetivos distintos. No primeiro caso, a busca da
equidade se faz, comumente, sob a forma da garantia e da promoção dos
direitos sociais da cidadania. No segundo, a intervenção do Estado se
localiza, sobretudo, no campo definido por escolhas políticas quanto ao modo
e ao grau de correção de desequilíbrios sociais, através de mudanças
setoriais e reformas estruturais baseadas em critérios de necessidade
(ABRANCHES, 1998, p. 11).

Políticas públicas ou políticas sociais são, então, um instrumento de combate à


pobreza e de nivelamento social. É por meio do compromisso político de determinado
Estado que se pode observar se essa política será uma política social de ruptura, que
visa à emancipação dos sujeitos, ou de viés assistencialista, que tem como finalidade
somente mascarar as mazelas sociais, mantendo o status quo efetivado. A política
social tida como obrigação permanente do Estado tem duas faces: a política, enquanto
garantia de padrões mínimos de vida; e a política de redução da pobreza, que objetiva
retirar os indivíduos da condição de miséria total, em que são impedidos de obter os
recursos mínimos à sua sobrevivência. A política de combate à pobreza estrutural tem
por finalidade eliminar a miséria e a destituição de bens ou direitos em um espaço de
tempo limitado, ainda que por vezes prolongado. Você pode tomar o programa Bolsa
Família como exemplo. Ele tem como objetivo incorporar os indivíduos ao meio social,
compensando as carências que comprometem a sua vida e a sua sanidade
(BARBOSA, 2019).
Essa política é formulada por equipes multidisciplinares que atuam no campo
social, preferencialmente com aval e participação dos usuários assistidos, e

50
combinam ações sociais compensatórias e permanentes. Ela é executada pelo Estado
e possui identidade e estratégias próprias (ABRANCHES, 1998).

8.2 Controle social e a expressão da democracia

A Constituição Federal de 1988 estabelece algumas estratégias de participação


e controle social no âmbito das políticas públicas. Entre elas, você pode considerar o
plebiscito, o referendo, a iniciativa popular para a elaboração de projetos, as
conferências e a criação dos conselhos de direitos. As conferências são espaços
democráticos, encontros com ampla participação social. Nelas, se reúnem gestores,
trabalhadores e usuários de determinada política que têm por objetivo refletir sobre as
práticas utilizadas e gerar novas contribuições. Após a realização da conferência, os
assuntos tratados são sistematizados com a finalidade de contribuir para a melhoria
da temática em questão e para a elaboração de programas e projetos de interesse
público. Sobre isso, considere o seguinte:

A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da participação social


como forma de afirmação da democracia. Desde então houve uma
proliferação de formas e instâncias de participação em todos os níveis da
Federação, cumprindo o papel de verdadeiras arenas públicas, lugares de
encontro entre sociedade e Estado. De 1941 a 2013 foram realizadas 138
conferências nacionais, das quais 97 aconteceram entre 2003 e 2013,
abrangendo mais de 43 áreas setoriais nas esferas municipal, regional,
estadual e nacional. Aproximadamente nove milhões de pessoas
participaram do debate sobre propostas para as políticas públicas — desde

51
as etapas municipais, livres, regionais, estaduais até a etapa nacional. As
etapas preparatórias (municipais, territoriais, temáticas) são momentos
importantes e ricos no processo de uma conferência. É nelas que o debate
se intensifica, tanto nos temas nacionais como nos locais, proporcionando ao
cidadão oportunidade de propor soluções para os problemas da sua cidade,
estado e do país (BRASIL, 2018, documento on-line).

De acordo com BARBOSA (2019), outra importante ferramenta de participação


e controle social são os conselhos de direitos. Eles são formados por integrantes da
sociedade civil que, juntamente ao poder público, têm por objetivo elaborar, executar
e fiscalizar políticas sociais em determinados segmentos da sociedade. Os conselhos
caracterizam-se pela atuação em áreas estratégicas que demandam o controle social,
objetivando a garantia de direitos e a criação de políticas de proteção, inclusão e
emancipação dos sujeitos ou da temática. Eles possuem composição paritária. São
formados por representantes da sociedade civil e do governo, com finalidade
deliberativa. A ideia é trabalhar na mediação das relações contraditórias da sociedade.
Você pode considerar, por exemplo, os conselhos que atuam nas áreas de saúde,
assistência social, infância e adolescência, terceira idade, educação, meio ambiente
e outros.

Os conselhos de direitos são compreendidos como mecanismos de


participação social e controle que possibilitam a atuação de sujeitos políticos coletivos.
São considerados espaços privilegiados de participação e deliberação da democracia.
A participação de diferentes sujeitos, com histórias e demandas distintas, possibilita a
discussão sobre demandas públicas que remetem à reflexão sobre a importância do
debate democrático. Isso permite a redistribuição do poder decisório entre os
diferentes indivíduos (BARBOSA, 2019).
52
Assim, os conselhos permitem a representatividade de classes com vistas ao
atendimento das necessidades oriundas do segmento social representado por eles.
Cabe destacar que o surgimento dos conselhos possibilitou a representação direta da
sociedade nas decisões políticas, ampliando o controle social da gestão pública e
fortalecendo o Estado Democrático de Direito.
O art. 204 da Constituição Federal de 1988 demonstra a preocupação do
constituinte com esse tipo de problemática e institui os conselhos municipais, órgãos
de representatividade, como forma de descentralização da gestão pública. A ideia é
aumentar o controle e a participação social nas administrações e reduzir os índices
de desigualdade social. Veja:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão


realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.
195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I — descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social; II — participação da população, por meio
de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis (BRASIL, 1988, documento on-line).

Os conselhos, apesar de não serem órgãos governamentais, organizam-se de


forma autônoma, com estruturas jurídicas próprias. É obrigação do município fomentar
e, acima de tudo, garantir o funcionamento desses espaços. Além disso, é dever do
ente público municipal promover a descentralização do poder, fomentando a
elaboração de projetos que visem à criação desses espaços deliberativos,
propositivos e fiscalizadores, a fim de que se tornem órgões permanentes de
participação nas decisões políticas.

8.3 Políticas públicas e a materialização dos direitos sociais

O plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e os conselhos são alguns


exemplos de mecanismos de participação popular e controle social existentes na
sociedade. Assim, cabe refletir sobre o papel desses instrumentos e a relação deles
com as políticas públicas e sociais que se materializam para garantir direitos e
combater desigualdades sociais (BARBOSA, 2019).
O debate sobre políticas públicas ou sociais tem como norte a busca por
estratégias de superação que contribuam para uma sociedade mais justa e menos
53
desigual. As relações de luta que surgem em meio a esse debate são historicamente
mais fortes e organizadas junto às classes sociais dominantes. Não por acaso, estas
são as detentoras do poder e, na maioria das vezes, representantes do Estado.
Zitkoski (2000) afirma que o rompimento desses processos deve ocorrer a partir do
empoderamento político dos oprimidos, para a desestruturação do sistema social
vigente em busca de uma nova sociedade mais humana e digna para todos. A tomada
de consciência de que as políticas públicas e o acesso a bens e serviços são direitos
deve ser o “impulso fundante desta utopia”. Assim:

A utopia política de libertação dos oprimidos, que historicamente têm sofrido


as consequências das práticas políticas alienantes promovidas pela elite
dominante, é o ponto de partida para fundamentar um novo projeto de
sociedade enquanto superação da atual realidade sociocultural. Dos seres
humanos que estão à margem das estruturas fundantes do sistema social
opressor é que se pode esperar a alternativa e/ou o novo na história
(ZITKOSKI, 2000, p. 223).

Em uma sociedade globalizada, hegemonicamente capitalista, predomina uma


cultura individualista nos sujeitos e nas classes sociais. Tal cultura pode ser
transpassada ou mediada com a implantação de políticas públicas ou sociais. Políticas
públicas, de acordo com a perspectiva marxista, são produto do desenvolvimento
capitalista resultante do processo de acumulação do capital e de suas contradições.
O Estado, nesse sentido, assume um papel de mediador dessas relações e tem
nessas políticas uma importante ferramenta de trabalho para suprir as necessidades
básicas da população (BARBOSA, 2019).
O Brasil teve, nas últimas décadas, um relativo avanço no que se refere à
implantação de políticas públicas em diversas áreas. Você pode considerar, por
exemplo, o Programa Universidade para Todos (PROUNI). O programa
governamental, instituído no ano de 2004 e implementado em 2005, traz hoje
resultados sólidos para a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil. Até
2013, o programa já havia concedido mais de 1 milhão de bolsas de estudos, sendo
70% delas na modalidade integral, promovendo o acesso ao ensino superior para as
populações de baixa renda.
Pode-se dizer que esse programa proporcionou o surgimento de um novo
público de estudantes universitários no Brasil. Os programas de inclusão social, entre
eles aqueles que promovem o acesso ao ensino superior, estão inserindo, pela
primeira vez na história do País, jovens e adultos de todas as raças e condições

54
sociais no ensino superior. Esses estudantes dividem espaço com as elites que
sempre utilizaram esse “privilégio” como forma de dominação e manutenção do status
quo. Com isso, já se obtém uma transformação imediata na vida dessa população,
tanto de suas condições socioeconômicas quanto de suas condições culturais
(BARBOSA, 2019).
O PROUNI, assim como outros programas executores de políticas públicas,
possui mecanismos de controle e acompanhamento. Nesse sentido, por meio da
Portaria nº. 1.132, de 2 de dezembro de 2009, o Ministério da Educação instituiu as
Comissões Locais de Acompanhamento e Controle Social do PROUNI (COLAPs).
Elas têm como finalidade articular a relação das instituições de ensino conveniadas
com a Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social (CONAP). Veja:

Art. 2º. Compete às Comissões Locais:


I — Exercer o acompanhamento, averiguação e fiscalização da
implementação do PROUNI nas Instituições de Ensino Superior (IES)
participantes do Programa;
II — Interagir com a comunidade acadêmica e com as organizações da
sociedade civil, recebendo reclamações, denúncias, críticas e sugestões para
apresentação, se for o caso, à Comissão Nacional de Acompanhamento e
Controle Social do PROUNI — CONAP;
III — Emitir, a cada processo seletivo, relatório de acompanhamento do
PROUNI; e
IV — Fornecer informações sobre o PROUNI à CONAP (BRASIL, 2009,
documento on-line).

Essa, portanto, é uma estratégia de promoção da democracia no que tange ao


controle social das políticas. Afinal, as COLAPs são compostas por integrantes dos
corpos docente (professores) e discente (alunos bolsistas), pela direção e por
integrantes da sociedade civil, todos com seu respectivo suplente devidamente eleito
por seus pares em processo direto de escolha, que deve ser amplamente divulgado
pelas instituições de ensino. Os integrantes da comissão não possuem remuneração.
Sua atuação é considerada uma função de relevante interesse social. Os mandatos
são temporários, possuindo caráter consultivo (BARBOSA, 2019).
Ainda sobre políticas relacionadas à educação superior, você pode considerar
a Lei nº. 12.711, de 2012, que institui a previsão de cotas para estudantes de baixa
renda, egressos de escolas públicas, bem como para autodeclarados pretos, pardos
e indígenas e para pessoas com deficiência. O Programa de Financiamento Estudantil
(FIES), instituído pela Lei nº. 10.260, de 2001, também facilitou o acesso ao ensino
superior em instituições privadas e comunitárias (BARBOSA, 2019).

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Com relação à moradia, se destaca o programa Minha Casa, Minha Vida, criado
pela Lei nº. 11.977 e alterado pela Lei nº. 12.424, de 2011, e pela Lei nº. 13.173, de
2015. O programa tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à construção e à
aquisição de imóveis em áreas urbanas para famílias de baixa renda.
Por fim, se destaca aquele que talvez seja o maior programa de distribuição de
renda já criado no País. Instituído em 2003, o programa Bolsa Família, em seus
primeiros 15 anos de existência, atingiu a marca de 14 milhões de famílias
beneficiadas. Isso compreende cerca de 50 milhões de pessoas, ou seja, um quarto
da população brasileira. Ao longo dos anos, o programa aumentou significativamente
o número de beneficiados, partindo de 3,6 milhões de famílias em 2003 e
ultrapassando a casa dos 11 milhões em 2006. Após isso, ocorreu uma estabilização
nesses números, com um crescimento desacelerado, alcançando a faixa de 13,7
milhões em 2012 e mantendo essa média até o ano final de 2015. Esses números
demonstram a importância do Bolsa Família, que se insere como uma política de
combate à pobreza estrutural do País (BARBOSA, 2019).
A democracia plena só pode ser alcançada quando o critério primordial das
práticas políticas for a busca pela formação ampla de cidadãos. Para tal, o combate
das expressões da Questão Social que se manifestam por meio da pobreza estrutural
e da pobreza cíclica torna-se pauta prioritária no fazer profissional do assistente social
e em suas escolhas políticas. O combate ao desmonte do Estado e à redução dos
direitos sociais e trabalhistas, conquistados com muito custo, deve ser uma
preocupação constante dos profissionais de Serviço Social. Como você sabe, os
assistentes sociais têm seu projeto ético-político norteado pela busca da efetivação
desses direitos e pelo combate à exclusão e à desigualdade social (BARBOSA, 2019).

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9 CONCEITOS BÁSICOS DE SOCIOLOGIA

A Sociologia é uma das Ciências Humanas que apresenta uma configuração


particular e específica para sua atuação. Como ocorre com todas as ciências, essa
também tem um campo discursivo próprio e termos e expressões conceituais que
foram forjadas historicamente e que são essenciais, centrais para as suas discussões
e problematizações pertinentes. Você vai conhecer alguns destes conceitos centrais
agora, no decorrer deste capítulo (BES, 2018).

9.1 Fato Social e Ação Social

Existem dois conceitos muito potentes e utilizados dentro da área da Sociologia


e que são muito importantes para as problematizações que recaem sobre a sociedade
de modo geral, que são os conceitos de fato social, criado por Durkheim, e ação social,
de Max Weber (BES, 2018).
Ambos os conceitos foram desenvolvidos pelos autores para entender como
são realizadas as interações sociais e questionar como as pessoas vivem
condicionadas por regras e normas: enfim, são escolhas livres, pessoais ou há coação
para que ajam?
Começaremos analisando o conceito de fato social. Durkheim, ao estudar a
sociedade, entendia que os indivíduos, ao nascerem, já se encontram inseridos em
grupos sociais que já se ocuparam da construção e do estabelecimento de um estatuto
de normas e condutas sociais que este indivíduo irá seguir. Este conjunto de
normativas preestabelecidas e que regem a conduta social foi definido pelo autor
como fato social (BES, 2018).
As características do fato social são: exterioridade, generalidade e
coercitividade. A exterioridade traduz bem a ideia de que não depende internamente
da pessoa o agir, que é exterior a ela, pois já foi regrado socialmente. A generalidade
diz respeito ao referir-se a toda a população. A coercitividade, por sua vez, traz o
caráter obrigatório e do dever em envolver-se nas ações que ocorrem na sociedade.
Nas palavras de Durkheim (1996, p.2), os fatos sociais são “maneiras de agir, de
pensar e de sentir que apresentam esta notável propriedade de existirem fora das
consciências individuais”.

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Para exemplificar, podemos dizer que a lei caracteriza bem a ideia de fato
social, pois todos os indivíduos precisam segui-la, independentemente de
concordarem ou não, ou de terem participado de sua criação. E, claro, optar por não
seguir a lei traz consequências aos indivíduos (BES, 2018).
Já o conceito de ação social foi desenvolvido por Max Weber e se traduz na
ideia de que as pessoas fazem escolhas, possuem poder e participam ativamente da
criação de regras e condutas sociais que serão estabelecidas. Ou seja, os indivíduos
participam da formação da sociedade, não são passivos a ela, simplesmente
conduzidos. Pelo contrário, são responsáveis pela criação das regras, normas,
regulamentos e condutas da vida social, de forma racional.
Um exemplo desta ação social desenvolvida por Weber pode ser a criação de
uma medida econômica a ser posta em prática num determinado país ou, ainda, uma
decisão sobre pesquisa científica a ser realizada para um determinado fim (BES,
2018).
É interessante perceber, nesta lógica weberiana, que os sentidos que os
indivíduos dão às coisas têm muita relação com seus valores pessoais, individuais.
Podemos reconhecer este aspecto quando nos sentimos compelidos no cumprimento
de algum dever ou algum ato diante do qual nossa consciência ou senso de dignidade
nos chame a atenção (BES, 2018).

9.2 Estratificação social e classe social

Durante toda a existência da humanidade, as sociedades sempre foram


constituídas seguindo algum critério de divisão ou hierarquia que separava seus
membros e os enquadrava em grupos específicos, de acordo com algumas

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características particulares. Podemos exemplificar valendo-nos das sociedades
feudais, nas quais basicamente existiam três divisões hierárquicas na sociedade da
época: o clero, os nobres e os camponeses. Estas categorias apresentavam uma
interdependência e tinham posições de poder bem marcadas por ocasião do
Feudalismo (BES, 2018).
Saindo da Idade Medieval, porém, estas divisões vão se modificando, aderindo
outros extratos, como a burguesia, e, então, novos formatos começam a ser utilizados
para realizar essa divisão da sociedade em grupos, também chamada de
estratificação social pelos teóricos da Sociologia (BES, 2018).
Émile Durkheim, influente pensador da Sociologia, ao analisar as divisões do
trabalho e suas influências na constituição da sociedade, ao defender o conceito de
solidariedade orgânica, compreende que:

No âmbito da solidariedade orgânica, os indivíduos são agrupados não mais


segundo suas relações de descendência, mas segundo a natureza particular
da atividade social a que se dedicam, seu meio natural e necessário deixa de
ser o meio de origem; agora é determinante o meio profissional. (DURKHEIM
apud GONZÁLES, 1998, p.185).

Este entendimento proposto pelas ideias de Durkheim é muito produtivo para


que possamos compreender como a nossa sociedade atual se encontra estratificada
também, tomando como um de seus parâmetros a questão profissional. Uma vez que
as pessoas acabam ocupando posições sociais mais ou menos elevadas de acordo
com os rendimentos auferidos na sua vida profissional, estas acabam determinando
as condutas a serem mantidas e perseguidas. Se não tenho uma profissão devo
buscar tê-la; se já a tenho, devo manter-me atualizado, procurando mais e mais
educação formal, aperfeiçoando-me, o que irá me proporcionar uma ascensão no meu
emprego, consequentemente, maior renda e, assim, ascensão social também (BES,
2018).
Porém, o estabelecimento do meio profissional como parâmetro de
estratificação nos leva, necessariamente, ao entendimento de que esta prática produz
desigualdades sociais. Cabe-nos, agora, antes de explorar melhor este tema,
conhecer o conceito de classe social (BES, 2018).
O conceito de classe social foi desenvolvido por Karl Marx, outro importante
pensador da Sociologia, que entendia que a divisão (estratificação) social era

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ocasionada muito mais pelas questões de ordem econômica do que por quaisquer
outras. Segundo as palavras de Marx e Engels (1998, p. 7):

A história de todas as sociedades até o presente é a história das lutas de


classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo,
membro de corporação e oficial-artesão, em síntese, opressores e oprimidos
estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta
ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta, que a cada vez terminava com uma
reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com a derrocada
comum das classes em luta.

Marx e Engels trazem o entendimento de que as classes sociais são


organizadas, divididas agrupando os indivíduos por características econômicas,
relacionadas à renda dos mesmos, modelo este utilizado ainda hoje nas classificações
da economia. Os autores entendiam haver uma discrepância muito grande, uma
relação fortemente assimétrica de poder entre aqueles que detinham o capital (no
momento de expansão e consolidação do sistema capitalista) e os trabalhadores,
entendidos como oprimidos pelo poder do capital (BES, 2018).
Trazendo as discussões propostas por Durkheim e Marx para a análise da
sociedade contemporânea, podemos perceber que a estratificação social ocorre em
nossos dias seguindo uma lógica de mercado, que leva às questões profissionais
citadas por Durkheim. Questões estas, porém, que acabam sendo determinantes da
classe social à qual o indivíduo irá pertencer, uma vez que seus rendimentos obtidos
profissionalmente lhe fornecem condições de pertencimento a esta ou àquela classe
(BES, 2018).
Realizando ainda uma conexão com a área da Educação, podemos perceber
que esta pode auxiliar, e muito, na inserção e nas melhorias conquistadas pelo
trabalhador frente a sua empresa. Atualmente, é notório o quanto a formação tem sido
valorizada pela absoluta maioria das organizações. Logo, quanto maior o nível de
educação formal a pessoa adquira, maiores chances tem de encontrar uma boa vaga
de emprego, com salário melhor, o que incide diretamente no pertencimento a uma
determinada classe. Isso nos leva a pensar naqueles que, por sua vez, não tiveram
acesso a uma educação formal de qualidade, que estarão em condição muito desigual
ou inferior no mercado de trabalho. Dessa forma, a própria educação, dentro desta
lógica de estratificação social, acaba agindo como mecanismo de produção de
desigualdades sociais (BES, 2018).

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9.3 Sociedade, interação e cultura

Para que possamos ter um claro entendimento do conceito da própria


Sociologia enquanto ciência, precisamos ter bem estabelecido em nossas mentes o
conceito de sociedade. Conceito este que deve sempre ser entendido como o
somatório das ações, pensamentos e práticas que constituem os grupos que a
compõem, que transmitem suas regras e valores através da linguagem e de sua
cultura (BES, 2018).
Para melhor entendermos o conceito de sociedade, vamos acompanhar a
definição de Vila Nova (2013, p.221):

A sociedade humana nada mais é do que uma complexa teia de indivíduos e


grupos interagindo de acordo com significado por eles atribuídos a suas
ações, principalmente os significados derivados da cultura, em função de
interesses e objetivos interpessoais.

Partindo da citação do autor, temos elementos bem importantes para utilizar


em busca do entendimento mais amplo do que vem a ser a sociedade, de como esta
funciona. Basta pensar que, dentro desta “teia de grupos e indivíduos”, existem muitos
arranjos e combinações nas formas de ser e agir que foram sendo criadas,
desenvolvidas e perpetuadas através das culturas destes grupos. Cultura, aqui, é
entendida como este conjunto de práticas que são ensinadas, transmitidas de geração
a geração como as práticas sociais aceitas e legitimadas pela sociedade (BES, 2018).
A cultura dos grupos sociais dos quais participamos acaba influenciando,
moldando e, muitas vezes, até mesmo regulando e conduzindo nossas condutas.
Através da cultura, aprendemos o significado de alguns papéis que iremos assumir
dentro desta população e nos posicionamos por entender que os objetivos desta
coletividade se aproximam ou se igualam aos nossos.
É claro que um dos aspectos a ser observado ainda é que, no interior da
sociedade, dentro do universo cultural e intercultural (entre as diferentes culturas),
ocorrem as interações que são objeto de estudo da Sociologia. Interações estas que,
ao mesmo tempo que ocorrem de forma harmoniosa em alguns casos, também
podem produzir preconceitos, discriminações e desigualdades (BES, 2018).
Como vimos anteriormente, ao estudarmos o conceito de classes sociais e
estratificação, podemos perceber que, no interior de cada classe, os indivíduos se
agrupam em torno da identificação de suas semelhanças e percebem, normalmente,
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sua relação de inferioridade ou superioridade econômica em relação aos demais, o
que acaba trazendo à tona estes efeitos, como o racismo e o preconceito.
Numa sociedade global, marcada pelo governo através das leis do mercado e
que sugere o consumo como um dos principais objetivos a ser perseguido pelos
indivíduos, fica evidente que as assimetrias entre os grupos sociais que possuem
maior ou menor renda se acentuem (BES, 2018).
Cabe ao docente, ao desenvolver suas atividades no interior das escolas,
sejam públicas ou privadas, conversar com seus alunos sobre estas questões
sociológicas, fazendo com que adquiram consciência crítica e capacidade de análise
sobre as diversas situações observadas na sociedade, como a histórica má
distribuição de renda no Brasil, a pobreza que ainda existe, o analfabetismo, o trabalho
infantil, a prostituição, o tráfico de drogas que alicia e recruta crianças diariamente,
entre tantas outras mazelas sociais que estão ao nosso redor (BES, 2018).
Cabe destacar que os indivíduos, dentro da visão da Sociologia, não são
autônomos, mas sim o produto das sociedades em que nasceram, cresceram e se
desenvolveram. Nestas relações e interações que ocorrem na sociedade, os
indivíduos também irão participar, porém, continuarão vivendo a partir dos preceitos,
regras e normas adotados/criados pela sociedade.
Segundo Tomazi (2000, p.16):

Interessa para a Sociologia, portanto, não o indivíduo isolado, mas inter- -


relacionado com os diferentes grupos sociais dos quais faz parte, como a
escola, a família, as classes sociais, etc. Não é o “homem” enquanto ser
isolado da história que interessa a estudo da sociedade, mas “os homens”
enquanto seres que vivem e fazem a história.

Finalizando essa análise sobre as inter-relações entre as interações que


ocorrem no interior das diversas culturas que compõem a sociedade, objeto de estudo
da Sociologia, cabe-nos destacar da citação do autor que a ênfase das análises
sociológicas sempre recairá sobre os homens em sua coletividade. Observamos,
ainda, que uma das instituições na qual ocorrem estas relações sociais entre os
indivíduos é a escola, onde podemos estar atuando e, de certa forma, ajudando a
construir e projetar os balizadores da sociedade atual e futura (BES, 2018).

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10 REFERÊNCIAS

ARAUJO, Sandro A. Fundamentos Da Sociologia E Antropologia. Soluções


Educacionais Integradas – SAGAH, 2019.

AUGUSTINHO, Aline M. N. Sociologia Contemporânea. Soluções Educacionais


Integradas – SAGAH, 2017.

BARBOSA, Anderson. Questão Social, Direitos Humanos E Diversidade. Soluções


Educacionais Integradas – SAGAH, 2019.

BES, Pablo R. Sociologia Da Educação. Soluções Educacionais Integradas –


SAGAH, 2018.

GIACOMELLI, Cinthia L. F. Introdução Ao Estudo Do Direito. Soluções


Educacionais Integradas – SAGAH, 2011.

GOLDSPAN, P. B. R. B, Sociologia Da Educação. Soluções Educacionais


Integradas – SAGAH, 2018.

MELO, Débora. Fundamentos Da Sociologia E Antropologia. Soluções


Educacionais Integradas – SAGAH, 2016.

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