Psicopedagogia Educação Neurociências

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CHEDID

PONTO DEKAK
VISTA

PSICOPEDAGOGIA, EDUCAÇÃO E NEUROCIÊNCIAS


Kátia A. Kühn Chedid

Como diz Gardner1, “mentes são difíceis de dade, o desenvolvimento, o tempo de cada um.
mudar”, embora nossas mentes mudem com o Segundo o professor Prigenzi* , a Neurociência
aprendizado a todo instante, ele fala de grandes trabalha nas interfaces de várias áreas de conhe-
mudanças, ou mudanças significativas, a cimento. Nestes anos de prática, percebo que cada
mudança que o professor e o psicopedagogo vez mais nos importamos com o método, com o
consegue ou tenta operar, a mudança que livro, com o conteúdo e esquecemos de “ver” este
influencia a auto-imagem, que influencia a aluno. Reclama-se da dispersão, da bagunça, da
relação do aluno com o aprender. Gardner1 fala indisciplina, da falta de aplicação dos estudantes.
em seu livro que a mente muda com facilidade, Não são poucos os que usam o argumento do
principalmente nos primeiros anos, mas que ao “antigamente era diferente”. Também acho que
mesmo tempo, em certos aspectos, esta mesma era, mas independente do método, do livro, do
mente é surpreendentemente resistente a número de alunos, algumas escolas e alguns
mudanças, eis que surge um paradoxo, que professores ainda enxergam este aluno e
possivelmente todos que trabalham com educação conseguem lhe dar significado e identidade. Em
e com crianças já viveram: como entender o pleno século XXI, nos deparamos com outras
desenvolvimento e representações mentais das formas de informação além do letramento formal,
crianças? Elas nos parecem familiares, mas o é necessário conhecer e ensinar outras linguagens
pensamento da criança sobre o mundo é muito que dão acesso a informações imprescindíveis
diferente do pensamento adulto e precisamos para a comunicação, existem os sites, filmes,
saber como esta criança pensa, para podermos mensagens de texto, sons, multimídias que
auxiliá-la e ensiná-la. Como saber quais teorias inundam o dia-a-dia de nossos alunos. Todas
nossas crianças estão desenvolvendo a respeito estas linguagens têm características muito menos
de seu mundo? lineares do que o texto impresso num livro, este
As Neurociências aparecem para responder tipo de comunicação também influencia e muda
ou tentar responder estas e outras inquietações. a forma de pensar e ver o mundo, tornando-o
Os neurocientistas estão tentando reconstruir o mais dinâmico e atraente, precisamos conhecê-
todo, reunindo saberes e olhares, unindo a visão las e entender as modificações que estão
de homem, de criança, por meio da troca entre as ocorrendo, olhar estes cérebros para saber como
várias disciplinas e áreas de estudo. Para a sala eles funcionam e determinar mudanças em como
de aula, para a educação, as Neurociências são e ensiná-los, estes são alguns aspectos nos quais
serão grandes aliadas, identificando cada ser as pesquisas neurocientíficas mais recentes
humano como único e descobrindo a regulari- podem nos auxiliar.

Kátia A. Kühn Chedid - Orientadora Educacional do Correspondência


Colégio Dante Alighieri; Pedagoga/Psicopedagoga E-mail: [email protected]
PUC-SP; Curso de extensão em Neuropsicologia; www.katiachedid.com.br
Participante de Pesquisa e Grupo de Estudos na
Faculdade de Educação da PUC-SP e da USP.

* Professor do grupo de estudo sobre Educação e Neurociência na Universidade de São Paulo (USP).

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 298-300

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PSICOPEDAGOGIA, EDUCAÇÃO E NEUROCIÊNCIAS

Quantas vezes, após ouvirmos o relato de que formam o pensamento5, o próprio desenvol-
uma mãe sobre o que a criança está passando, vimento infantil e diferenças básicas nos proces-
sobre sua rotina, seu dia-a-dia, nos pegamos sos cerebrais da infância, e tudo isto se torna
entendendo as atitudes desta criança na sala de subsídio interessante e imprescindível para nossa
aula. Identificar cada aluno e compreender seu compreensão e ação psicopedagógica. Os neurô-
desenvolvimento é essencial, muito mais nios espelho possibilitam à espécie humana
essencial que o método utilizado pela escola X progressos na comunicação, compreensão e no
e Y. Esta compreensão de cada aluno faz com aprendizado. A plasticidade cerebral, ou seja, o
que possamos utilizar estratégias diferenciadas conhecimento de que o cérebro continua a desen-
para chegar ao nosso objetivo. Hoje, em sala de volver-se, a aprender e a mudar, até a senilidade,
aula temos vários “diagnósticos”. O que fazemos também altera nossa visão de aprendizagem e
com estes diagnósticos na prática educativa? Vejo educação. Ela nos faz rever o “fracasso” e as
uma dezena de professores e psicopedagogos “dificuldades de aprendizagem”, pois existem
que não sabem traduzi-los para a sala de aula e inúmeras possibilidades de aprendizagem para
para o aprender. o ser humano, do nascimento até a morte. Nossa
A escola tem a função de ajudar a criança a prática na inclusão de alunos com necessidades
progredir do aprender por meio da observação, o especiais já sinaliza que não temos como afirmar
que faz o tempo todo, desde seu nascimento, para até que ponto cada um deles pode chegar. Nota-
chegar ao aprender por meio do ensino formal. A mos que, modificando estratégias de ensino, os
mudança mental provocada pela freqüência da alunos alcançam os objetivos propostos.
criança à escola é muito significativa1. A Neuro- Existem muitos estudos e pesquisas sendo
ciência, a multidisciplinariedade não vem como realizadas com o objetivo de compreender os
“receitas de bolo”, mas ensinam a olhar e adaptar processos neurológicos que envolvem a
estratégias diferenciadas para conclusão de aprendizagem. “Na realidade, quanto melhor
nossos objetivos. Em qualquer classe devemos entendermos o cérebro, melhor o poderemos
usar múltiplas estratégias, estímulos visuais, educar ” 6. Atualmente, sabe-se que existem
auditivos, táteis, senso de humor, afetividade e períodos mais receptivos, quando o cérebro acolhe
quanto mais diversidade de estratégias, mais melhor certos estímulos e mostra-se mais apto a
certeza de que nossa mensagem, nosso conteúdo, assimilar conhecimento. Sabemos também que
chegará a todos. Afinal, o que o cérebro faz existem múltiplas inteligências. A neurociência
melhor é aprender, o cérebro se auto-renova a será um poderoso auxiliar na compreensão do
cada estímulo, experiência ou comportamento2, que é comum a todos os cérebros e poderá nos
sua função é otimizar comportamentos, usando próximos anos dar respostas confiáveis a
informações recebidas com eficiência, para isso importantes questões sobre a aprendizagem
ensinamos e para isso a escola existe. Para outras humana7. Para tanto, buscamos na multidis-
espécies, o processo de aprendizagem é lento e ciplinaridade a parceria necessária. A prática
leva gerações para reestruturar o padrão de docente sempre se valeu de contribuições de
conexões geneticamente codificado, mas o homem psicólogos, biólogos, filósofos e médicos, dos
tem um processo ativo de reescultura neural e as quais podemos citar, entre outros: Ferreiro,
mudanças e os processamentos de memória Dewey, Piaget, Dècroly, Montessori, Froebel,
podem ocorrer quase que instantaneamente3. O Rousseau e Wallon. Produzir uma ponte entre
objetivo desta diferença nos homens e nos animais questões pedagógicas com a contribuição de
é o mesmo: a sobrevivência da espécie. profissionais de outras áreas deve ser a intenção
A Neurociência traz para a sala de aula o de quem quer conhecer seu aluno.
conhecimento sobre a memória, o esquecimento4, A Organização para a Cooperação Econômica
o tempo, o sono, a atenção, o medo, o humor, a e o Desenvolvimento (OECD), no livro
afetividade, o movimento, os sentidos, a lingua- “Compreendendo o cérebro”7, sugere a promoção
gem, as interpretações das imagens que fazemos de relações transdisciplinares e o investimento
mentalmente, o “como” o conhecimento é incorpo- em pesquisas transdisciplinares e reconhece a
rado em representações dispositivas5, as imagens emergência de criar uma nova ciência de apren-

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 298-300

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dizagem, além da necessidade de desenvolver pelas Neurociências. Quem compreende o


“instituições de ciência de aprendizagem”. processo de aprender como uma atividade deve
A influência da Neurociência na nossa prática pensar nas condições essenciais para que esta
educacional irá fortalecer estratégias já utilizadas atividade seja otimizada. Precisamos iniciar uma
em sala de aula, além de sugerir novas formas discussão entre professores e psicopedagogos
de ensinar. O conhecimento sobre o neurodesen- sobre a necessidade de uma visão neurocientífica
volvimento e as funções executivas pode nos em nossa ação.
auxiliar com subsídios práticos e teóricos não só A principal lição que esta troca de saberes nos
para as inclusões presentes na escola, mas no oferece é a cooperação, que aprendemos a ter ao
ensino e aprendizagem de todos os alunos. longo da vida, vivendo em sociedade, é esta
Acredito que tudo isto vai auxiliar a Psicopeda- cooperação que ensinamos aos nossos filhos e
gogia nas relações de professores, pais e alunos alunos. Uma comunidade é estável quando está
com o aprendizado. “Os alunos de hoje merecem organizada e quando cada ser isolado quer para
uma educação exemplar baseada na atual si o que também serve a sociedade, que o mantém
investigação sobre o cérebro. Isto não pretende e cuida dele10. Para a sobrevivência deste ser
sugerir que tudo o que os professores e as escolas humano que se preocupa com outros seres huma-
fizeram até aqui estava errado, mas sim, que nos e sabe cooperar com eles, a aprendizagem
temos uma nova informação, baseada na própria sobre como ele aprende, como o cérebro funciona,
biologia da aprendizagem do cérebro, que pode quais são suas necessidades, sua visão de mundo,
melhorar a educação”8. Como o cérebro processa o que pode facilitar seu aprendizado e inclusão
a informação que recebe, como ocorre o registro na sociedade é essencial. O psicopedagogo deve
sensório, como funciona a memória, como os beneficiar-se das pesquisas recentes para
ritmos biológicos afetam o aprender e o ensinar9 enriquecer sua prática clínica ou institucional,
são algumas das perguntas que nos fazemos e visando sempre à qualidade de seu trabalho e
que já começam a ter delineadas suas respostas sua eficiência na compreensão de cada indivíduo.

REFERÊNCIAS Paulo:Cia. da Letras;1996. p.132.


6. Wolfe P. A importância do cérebro. Porto:Porto
1. Gardner H. Mentes que mudam. A arte e a Editora;2006. p.6.
ciência de mudar as nossas idéias e as dos 7. OECD. Compreendendo o cérebro. São
outros. Porto Alegre:Artmed;2005. Paulo:SENAC;2003. p.1147-59.
2. Jensen E. O cérebro, a bioquímica e as 8. Erlauder L. Práticas pedagógicas
aprendizagens. Um guia para pais e compatíveis com o cérebro. Porto:Edições
educadores. Porto:Edições ASA;2002. ASA;2005. p.155.
3. McCrone J. Como o cérebro funciona. São 9. Sousa DA. Como aprende el cérebro. Corwin
Paulo:PubliFolha,2002. p.26. Press;2002.
4. Izquierdo I. Memória. Porto 10. Spitzer M. Aprendizagem. Neurociências e
Alegre:Artmed;2002. p.89. a escola da Vida. Climepsi Editores;2007.
5. Damásio A. O Erro de Descartes. São p.278.

Trabalho realizado no consultório particular da autora, Artigo recebido: 02/06/2007


São Paulo, SP. Aprovado: 12/09/2007

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(75): 298-300

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