A Contruibuicao Do Pensamento de Maturana para A Educacao

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A CONTRIBUICÃO DO PENSAMENTO DE MATURANA PARA A EDUCACÃO

Elisabeth Rossetto1
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

Resumo: Este texto se propõe a refletir sobre as contribuições de Humberto Maturana para o
campo da educação, tomando como referencial teórico a abordagem sistêmica. Essa
abordagem conduz-nos a uma educação mais holística, preocupada com o sujeito na sua
totalidade; indivíduo e contexto pensados como um conjunto de relações, descartando-se
qualquer vestígio de fragmentação e explicações simplistas. Maturana é um autor que,
partindo da biologia, provoca uma ruptura com o pensamento moderno, adentra ao mundo da
cultura e anuncia o pensamento sistêmico como base epistemológica para o estudo do ser
humano, propondo uma concepção ecossistêmica da realidade. Dessa maneira, as idéias de
Maturana nos levam a compreender que educar é conviver em um espaço de aceitação
recíproca, onde haja o respeito consigo mesmo e ao outro, delineando-se assim um novo
caminho a ser percorrido.

Palavras-Chave: Educação; Pensamento sistêmico; Concepção.

CONTRIBUTION OF THE THOUGHT OF MATURANA FOR THE EDUCATION

Abstract: This text proposition reflects on Maturana's contributions in the fields of education,
taking it as a theoretical reference to the systemic approach. This approach we are driven to a
more holistic education, concerned about subject in its totality; individual and context
thoughts like a set of relations, discarding any track of fragmentation and simplistic
explanation. Humberto Maturana is seen as an author who starting from biology, provokes a
break with the modern thought, enters into the world of culture and announces the systemic
thought, like epistemological basis in the study of human being proposing an eco-systemic
conception of reality. This way, Maturana’s idea about education makes us understand that
educate is to coexist in a space of reciprocal acceptance, where there is self-respect and to the
other, visualizing a new way to be done.

Key words: Education; Systemic thought; Conception.

1
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Unioeste - Campus de Cascavel/PR. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GEPES) e
do Núcleo de Estudos em Política de Inclusão Escolar (NEPIE). E-mail [email protected].
Educere et Educare – Revista de Educação
ISSN: 1981-4712 (eletrônica) — 1809-5208 (impressa)
Vol. 5 – Nº 10 – 2º Semestre de 2010
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O presente texto aborda o pensamento sistêmico, tomando como referência as idéias


do pensador Humberto Maturana. Meu movimento é no sentido de priorizar suas principais
obras, procurando estabelecer um diálogo com outros autores que também se dedicam a esta
matriz teórica. Para tanto, busco historicizar o movimento sistêmico, enfatizando tanto o
aspecto conceitual quanto os aspectos metodológicos.
A opção pelo referencial teórico de Maturana se dá no intuito de compreender, em
seus pressupostos, o anúncio de uma consciência fundamentada no respeito às diferenças,
uma vez que o sujeito proposto é um sujeito sistêmico, interligado ao meio onde se encontra
inserido.
Humberto Maturana Romesín pode ser considerado um autor que nos desafia a
sairmos da passividade, do conforto, rumo a um caminho estimulante, que é a procura da
compreensão do ser humano como ser vivo. Biólogo chileno, nasceu no ano de 1928, em
Santiago. Iniciou seus estudos em medicina na Escuela de Medicina de La Universidad de
Chile (1948), dando continuidade ao curso na Inglaterra (1954). Em 1958, obteve o título de
Ph.D. em Biologia na Universidade de Havard. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da
Universidade Livre de Bruxelas, o Prêmio McCulloch da Sociedade Americana de
Cibernética e o Prêmio Nacional de Ciências da Academia Nacional de Ciências do Chile.
Em 1960, no Chile, Maturana estudava os fenômenos de percepção da cor,
perguntando-se: “O que ocorre no fenômeno da percepção?” “Qual é a organização da vida ou
o que é vida?” No final desse período, já havia conseguido articular estes dois aspectos: a
cognição e o processo de viver como um único e mesmo fenômeno. Maturana (1997a, p. 42)
destaca: “[...] quando digo que conhecer é viver, e viver é conhecer, o que estou dizendo é que
o ser vivo, no momento em que deixa de ser congruente com sua circunstância, morre. Ou
seja, quando acaba seu conhecimento morre”.
Nesse sentido, um dos principais elementos estudados por Maturana é a biologia do
conhecer, denominada por ele próprio como o corpo de sua teoria, de cunho epistemológico e
ontológico. Sobre esse aspecto, Graciano & Magro (1997, p. 23) afirmam que “[...]
epistemologia e ontologia se encontram na teoria de Maturana, pois ele aponta que o ser e o
fazer de um sistema vivo são inseparáveis, uma vez que não há separação entre produtor e
produto em uma unidade autopoiética”.

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O interesse de Maturana pelo estudo da biologia2 começou na década de 1960, quando


era professor da Universidade do Chile e “intuiu que a abordagem convencional da biologia –
que basicamente estudava os seres vivos a partir de seus processos internos – podia ser
fertilizada por outro modo de ver” (MARIOTTI, 2001, p. 12). Dessa maneira, entendemos
Maturana como alguém preocupado com mudanças no pensamento humano acerca do
conhecimento.
Em sua ampla produção bibliográfica, destacam-se os livros: Ontologia da realidade
(1970 -19974); Da biologia à psicologia (1995-1998); A árvore do conhecimento (1984-
3

2001); O sentido do humano (1992-1997); Emoções e linguagem na educação e na política


(1998-1998); Conversando com Maturana sobre educação (2003-2003). Seu trabalho é
reconhecido em diversas áreas, tais como: direito, sociologia, filosofia, psicologia, educação,
terapia familiar, organização de empresas e a teoria geral dos sistemas. Envolve profissionais
das mais diferentes atuações, tais como antropólogos, sociólogos, pedagogos,
administradores, médicos.
A obra A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana,
escrita juntamente com Francisco Varela5, consagrou-se como um de seus livros mais
importantes e oferece uma ampla visão para se pensar a condição humana. Apresenta uma
reflexão epistemológica a respeito da biologia do conhecer, ou seja, busca entender como os
seres vivos conhecem o mundo e como se dá o conhecimento.
Humberto Maturana, entre outros autores como Edgar Morin e Gregory Bateson,
empenhou-se em estudos que transcendem o caráter objetivista e organicista do pensamento
sistêmico tradicional e propõe o estudo da realidade a partir de uma perspectiva sistêmica que
é processual e contextual. Os sistemas vivos são encarados como totalidades integradas, suas
propriedades são propriedades do todo e não podem ser reduzidas a partes menores, o que
envolve relações de organização das partes em um mesmo sistema.
O pensamento sistêmico surgiu em 1950, a partir das proposições da teoria dos
sistemas com Ludwing Von Bertalanffy (1901-1972), biólogo austríaco. Tinha como objetivo
abandonar a prática do reducionismo e da fragmentação, na tentativa de encontrar uma forma
unificada de fazer ciência. Maturana (1997a) afirma que uma visão sistêmica de mundo não se

2
O que distingue a teoria de Maturana é que ele não parte simplesmente de pressupostos epistemológicos, ontológicos, mas
acima de tudo, éticos e de reflexões acerca da biologia que transcende o aspecto organísmico para a compreensão de outros
sistemas, como os sociais. Denominou o corpo de sua teoria como a biologia do conhecer.
3
Ano da publicação original.
4
Ano da publicação no Brasil.
5
Trabalhou com Maturana entre 1970 e 1973 e, de 1980 a 1983. Juntos elaboraram a teoria de autopoiese.
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limita às atividades de cunho científico, mas volta-se, além de inúmeros outros aspectos, ao
social, a um contexto mais amplo da vida do sujeito. De um modo geral, o pensamento
sistêmico:

[...] reconhece que tudo está interconectado com tudo e o entrelaçamento da


vida não é meramente uma conclusão religiosa, mas sobretudo científica. [...]
um sistema não significa um objeto fechado em si mesmo e uniforme [...] é
algo que traduz a idéia de um todo constituído de elementos articulados,
encaixados entre si (MORAES, 2004, p. 83-85).

A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações de integração. Os


sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser
reduzidas às de unidades menores. Todo e qualquer organismo – desde a
menor bactéria até os seres humanos, passando pela imensa variedade de
plantas – é uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo (PISTÓIA,
2009, p. 69).

Nesse sentido, no decorrer da primeira metade do século XX, vários estudiosos


contribuíram para a organização de um novo modo de pensar surgindo, assim, as teorias
chamadas sistêmicas, consideradas integrantes de um paradigma que apresenta outra
concepção de mundo, de trabalho científico e de conhecimento, ao propor modificação nas
concepções de realidade, de pesquisador e de aprendizagem envolvida na produção da
ciência. Esse paradigma apresenta rupturas com o paradigma tradicional da ciência, que
trabalha com o sujeito a partir de um perfil experimental, naturalista e objetivista. Diferencia-
se do paradigma tradicional, sobretudo por priorizar o “sujeito do conhecimento” em uma
visão ampliada e integradora, bem como as relações entre os diferentes elementos envolvidos
numa situação, indo além do orgânico e inorgânico nos estudos científicos sobre a natureza e
a cultura.
Maturana estabelece um entrelaçamento permanente e contínuo entre o biológico, o
social e o cultural ao dizer que os seres vivos e o mundo não podem ser vistos em separado,
mas em constantes interações, isto é, “[...] os indivíduos em suas interações constituem o
social, mas o social é o meio em que esses indivíduos se realizam como indivíduos, [...] não
há contradição entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos”
(MATURANA, 1997a, p. 43). Refere-se ao homem como um ser vivo autônomo,
autoprodutor, que não foi criado para receber as informações passivamente.
Para o referido autor, a vida caracteriza-se como um eterno processo de conhecimento;
o mundo não está pronto e acabado, mas é formado pelos seres humanos num processo
contínuo e ativo. Assim como, o conhecimento é um fenômeno baseado em representações

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mentais que fazemos do mundo e é construído através das constantes interações que
acontecem ao longo da trajetória de vida, somos influenciados e modificados por aquilo que
vivenciamos e experenciamos no nosso dia-a-dia.
Assim, ao se estudar o que propõe Maturana sobre o ser humano, é possível identificar
a importância que atribui aos sistemas biológicos, mas também uma forte ênfase nos
fenômenos sociais, como dois elementos preponderantes para o desenvolvimento do
indivíduo, mostrando que os seres humanos são, ao mesmo tempo, individuais e sociais /
sociais e individuais. Para ele, não existe o humano fora do social, na justificativa de que as
questões genéticas apenas preparam o homem, mas não o determinam.
Portanto, Maturana nos apresenta uma mudança de paradigma ao aprofundar conceitos
já apresentados pela teoria dos sistemas. E através da biologia do conhecer, como acima
mencionado, enfatiza a importância dos aspectos não somente biológicos, mas também
sociais, na perspectiva de que há sempre um elemento maior que envolve um sistema, que é o
ambiente.6
Neste sentido, buscando outra maneira de fazer ciência, conhecimento, filosofia e
educação, o autor parte da compreensão do fenômeno biológico humano como um fenômeno
que não ocorre somente no corpo e na fisiologia, mas que opera no entrelaçamento das
mudanças na fisiologia e nas relações que vivemos. Maturana e Varela ressaltam que “[...]
nada mais difícil de entender e aceitar do que a espontaneidade dos fenômenos biológicos, em
uma cultura como a nossa, orientada ao explicar propositivo ou finalista do todo relacionado
com o vivo” (1995, p. 27). Os autores argumentam que o que predomina nas explicações da
biologia tradicional são formulações metafóricas espelhadas em suposições culturais
racionalistas, propositivas e finalistas.
Por meio de estudos em neurofisiologia, Maturana interessou-se pelas explicações
acerca da cognição e de como ocorre o fenômeno do conhecimento nos seres vivos. Com tal
interesse, procurou elaborar uma explicação do conhecimento a partir do fazer científico. E o
faz, refletindo a partir de estudos a respeito do agir7 dos seres vivos. Portanto, não estamos
tratando de uma teoria, estamos tratando da criação de um espaço para reflexão e para a ação
que propõe um outro olhar sobre nosso viver humano, ou seja, o que Maturana faz é nos

6
Entendido como contexto
7
Em Maturana encontramos o termo operar

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desafiar a seguirmos uma outra perspectiva epistemológica a partir da biologia do


conhecimento e da biologia do amor.8
Desse modo, o autor abre caminhos para nos envolvermos com o nosso operar como
seres humanos vivos e olharmos esse operar a partir das condições biológicas e culturais.
Direciona nosso olhar para outras fontes científicas que procuram compreender como o ser
humano consegue realizar reflexões a partir de si mesmo, tornando-se um ser autoconsciente,
que se constrói e se reconstrói a cada interação.
Nesse sentido, Maturana é visto como um autor que rompe com a genética como algo
predeterminado, introduzindo-a como uma possibilidade. O autor parte da premissa de que as
pessoas podem estar condicionadas geneticamente, porém não determinadas em seu
desenvolvimento, uma vez que este depende de dois elementos para se humanizar: a educação
e a cultura. Ele explica essa questão a partir do exemplo da pessoa com síndrome de Down:

La genética funda un espacio de posibilidades, pero qué se realiza?


Depende de la historia del vivir del organismo. Por eso es que el vivir no
está genéticamente determinado. La genética especifica un espacio de
posibilidad gigantesco […] la persona con síndrome de Down es mucho más
que su carga genética, es, fundamentalmente, un organismo que funciona
como un todo (MATURANA, 2003, p. 44).

Entendemos então que, segundo o pensamento sistêmico, através da educação e da


cultura, a pessoa pode romper com seu determinismo biológico, uma vez que parte-se do
pressuposto de que a pessoa transcende a sua “bagagem” genética, ou seja, a pessoa não é
somente constituída pela herança genética, mas caracteriza-se como um todo integrado.
Maturana & Varela (2001) vão além quando afirmam que os seres humanos
constituem sistemas vivos estruturalmente determinados. O que acontece a cada momento em
nossas vidas mostra que não somos sistemas com uma estrutura permanente, mas um sistema
com estrutura de trocas contínuas, que se dão de acordo com nossas interações. Tudo o que
acontece como seres vivos, ocorre através de modificações na nossa estrutura.9 Por isso,
afirma que:

Nós, seres vivos, somos sistemas determinados em nossa estrutura. Isso quer
dizer que somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre nós, o
que acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse momento, e
não de algo externo (MATURANA, 1998, p. 27).

8
Proposições criadas pelo autor.
9
“Entende-se por estrutura de algo os componentes e relações que constituem concretamente uma unidade
particular e configuram sua configuração” (MATURANA, 2001, p. 54).
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Nesse sentido, as mudanças nas nossas ações estruturais se dão em congruência com o
sistema nervoso central, que vai modificando sua configuração. Essas mudanças podem ser
originadas na própria dinâmica interna ou deflagradas no decorrer das interações com o meio.
Maturana enfatiza que tudo o que ocorre ao sistema vivo depende das operações
estruturais que ele próprio gera. E que o viver dos seres vivos é uma história na qual as
mudanças estruturais pelas quais passam são contingentes à história de suas interações. A
partir da mudança estrutural e da sequência de interações, o ser vivo e sua circunstância
modificam-se. Para tanto, enfatiza:

O que a constituição genética de um organismo determina no momento da


sua concepção é um âmbito de ontogenias possíveis no qual sua história de
interações com o meio realizará em uma delas em um processo de epigênese
(MATURANA, 1998, p. 96).

Quando Maturana fala em sistema determinado, está se referindo a uma construção


estrutural que vem se constituindo historicamente no próprio processo vital do sistema,
enquanto linhagem e enquanto indivíduo. O que ocorre é a constante autogeração do sistema
em relação com suas circunstâncias. Como o processo de determinação estrutural é constante,
é ele, na condição de sistema, que determina, no momento em que uma ação incide sobre ele,
sua própria ação.
Ao nos debruçarmos sobre a obra de Humberto Maturana na busca de uma explicação
científica do que vem a ser sistemas vivos estruturalmente determinados, deparamo-nos com
um outro elemento que compõe este contexto, que é a organização.10 Entende-se que é a
organização de um sistema que define sua identidade, suas propriedades como uma unidade.
O autor explica que:

As relações entre os componentes que definem uma unidade composta como


uma unidade simples de um dado tipo constituem sua organização. Portanto,
a organização de uma unidade composta define sua identidade de classe e
conserva-se como um conjunto invariante de relações, ao conservar sua
identidade de classe. Se organização de uma unidade composta muda, sua
identidade de classe muda e a unidade original se desintegra (1997a, p. 83).

Assim, a organização de um sistema são as relações entre os componentes que lhe dão
sua identidade de classe. A organização é invariante, mas a estrutura pode mudar.

10
“Entende-se por organização as relações que devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja
possível reconhecê-lo como membro de uma classe específica” (MATURANA, 2001, p. 54).

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Maturana também ficou conhecido através de suas pesquisas em neurofisiologia da


visão e pela idéia de autopoiese. Na década de 1960, em companhia de um amigo que
estudava genética molecular, Maturana define o conceito de autopoiese na tentativa de
descobrir uma maneira de falar das relações constitutivas do ser vivo e não só fazer referência
a elas. Assim, concomitante aos estudos em neurofisiologia, Maturana também tinha a
preocupação em estudar os seres vivos a partir dos processos que os constituem, partindo
então para a descoberta da autopoiese. A teoria da autopoiese origina-se do entendimento de
que os sistemas vivos são sistemas cognitivos e que a vida é um processo de cognição.
Autopoiese é uma palavra composta dos termos gregos “auto”, que se refere à
autonomia, e “puíeis”, que significa criação, construção. Portanto, autopoiese significa
autocriação. Maturana e Porksen trabalham com a palavra autopoiese para afirmar que os
seres vivos são sistemas autônomos como redes discretas de produção molecular, nos quais as
moléculas produzidas constituem a mesma rede que as produz. “[...] La autopoiesis es la
manera especifica en la que los seres vivos son autónomos, realizan su autonomía” (2004, p.
118). O que caracteriza o ser vivo é sua organização autopoiética. Seres vivos diferentes se
distinguem porque têm estruturas distintas, mas são iguais no que se refere à organização (p.
118).
Para Maturana & Varela (2001), a organização autopoiética se expressa em uma
unidade autopoiética celular, em que seus componentes deverão estar dinamicamente
relacionados em uma rede contínua de interações, ou seja, rede de produções de componentes,
na qual esses elementos produzem o sistema circular que os produz. “[...] a autopoiesis
sucede en un domínio en el cual las interacciones de los elementos que los constituyen
producen elementos del mismo tipo [...]” (p. 124).
Dessa maneira, entende-se por organização autopoiética o operar dos seres vivos como
sistemas que se autoproduzem e buscam equilíbrio em sua relação com o meio, ou seja, os
seres vivos se caracterizam por se produzirem de modo contínuo; essa é a organização que os
define como organização autopoiética.
Assim, a partir das idéias de Maturana, entende-se que o operar dos seres humanos se
dá em dois domínios operacionais distintos que se entrelaçam no nosso viver: o domínio
fisiológico do organismo, em sua dinâmica estrutural interna – do qual faz parte o sistema
nervoso – como um sistema fechado. O outro é o domínio do nosso viver na dinâmica
relacional, que são as relações com os outros e com o meio, que ocorre através da educação e
da cultura.

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No caso dos seres vivos, a organização que o define é a organização autopoiética.


Dessa maneira, um ser vivo permanecerá vivo enquanto sua estrutura, e morre se não manter
sua organização, ou seja, uma unidade pode mudar sua estrutura sem perda da identidade,
desde que sua organização seja mantida. É a organização de um esquema que define sua
identidade, suas propriedades como uma unidade e a tendência na qual ele deve ser
considerado como um todo unitário.
Portanto, de acordo com a abordagem sistêmica existe uma implicação entre esses dois
elementos no que constitui o funcionamento do ser humano enquanto um organismo vivo, ou
seja, estrutura e organização encontram-se mutuamente interligados. Nessa direção, todos os
seres vivos apresentam o seu desenvolvimento individual restrito pela sua própria estrutura e
organização e pelas transformações do meio ao qual estão submetidos: “a extensão daquilo
que um organismo pode fazer é determinada pela sua organização e sua estrutura”
(MATURANA, 1997a, p.162).
Desse modo, sem deixar de reconhecer que os seres vivos estão determinados em sua
estrutura, mas encontram-se em constante processo de transformação graças ao
papel atribuído à cultura e à educação como instrumentos mediadores para esse sujeito,
Maturana caracteriza o sujeito como mutável:

A célula inicial que funda um organismo constitui sua estrutura inicial


dinâmica, aquela que irá mudando como resultado de seus próprios
processos internos, num curso modulado por suas interações sociais.
Segundo uma dinâmica histórica na qual a única coisa que os agentes
externos fazem é desencadear mudanças estruturais determinadas nessa
estrutura. O resultado de tal processo é um devir de mudanças estruturais
contingente com as seqüências de interações do organismo que dura desde
seu início até sua morte como um processo histórico, porque o presente do
organismo surge em cada instante como uma transformação do processo do
organismo nesse instante. O futuro de um organismo nunca está determinado
em sua origem. É com base nessa compreensão que devemos considerar a
educação e o educar (MATURANA, 1997b, p. 28).

Portanto, ao estudarmos a história de vida dos seres humanos, partimos da perspectiva


de que não se pode negar a questão orgânica; no entanto, ela se encontra sujeita a mudanças,
de acordo com as suas necessidades e com a educação dedicada a ele. Ou seja, acreditamos
que a definição sobre o percurso do ser vivo depende da história de suas interações. Não
nascemos determinados, ou a sermos de determinada maneira em função da nossa estrutura
inicial, mas sim, somos o que as nossas possibilidades resultantes de nossa história nos
permitem. Como nos diz Maturana:

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[...] cada criança será o ser humano que sua história configura em um
processo de epigênese no qual aquilo que se passa surge na transformação da
estrutura inicial de maneira contingente a história do viver em que a criança
e a circunstância se transformam juntos de maneira congruente. [...]. Cada
um de nós é e será, de uma ou de outra maneira, de acordo com aquilo que
vivermos (1997b, p. 237).

Com isso, podemos dizer que as mudanças estruturais podem ocorrer da própria
dinâmica interna e nas interações com o meio, ou seja, numa combinação entre essas duas
variáveis. Em nossa cultura, essas mudanças acontecem prioritariamente em dois contextos.
Inicialmente, na família, que é o grupo social organizado com o qual a criança estabelece suas
primeiras relações. Por meio dela, o processo de aprendizagem se inicia. Depois, estende-se
para a escola, considerada o segundo grupo de relações da criança.
Segundo o pensamento sistêmico, no decorrer da infância cria-se a possibilidade de a
criança ser capaz de aceitar e respeitar o outro, a partir da aceitação e do respeito a si mesma.
Já na juventude, reafirma-se esse aprendizado como um espaço da vida adulta social e
individualmente responsável. São partes integrantes da educação, o respeitar e o aceitar os
erros como oportunidades de mudanças, a aceitação e o respeito por si e pelos outros, sem a
premência da competição. Nesse sentido, Maturana propõe:

[...] não desvalorizemos nossas crianças em função daquilo que não sabem:
valorizemos seu saber. Guiemos nossas crianças na direção de um fazer
(saber) que tenha relação com seu mundo cotidiano. Convidemos nossas
crianças a olhar o que fazem e, sobretudo, não as levemos a competir (2007,
p. 35).

Assim, ao tratar das questões de responsabilidade da escola, o autor diz que esta é um
lugar privilegiado em que se dão interações de aprendizagem, compondo o universo dos seres
vivos em permanente transformação. Para tanto, a escola deve se preocupar mais com a
formação humana do que técnica, chamando a atenção para que esse contexto não se converta
em uma mera reprodução do conhecimento. Maturana e Rezepka (2000) vão além ao dizerem
que é tarefa da escola guiar os alunos de maneira que ampliem seus conhecimentos reflexivos
e sua capacidade de ação, “corrigindo o seu fazer e não o seu ser” (p.15) e proporcionando-
lhes condições “que guiem e apóiem a criança em seu crescimento como um ser capaz de
viver no auto-respeito e no respeito pelo outro” (p.11). Sugerem criar um contexto relacional
que propicie condições em que os alunos possam crescer no respeito e na aceitação de si
mesmos a partir de si mesmos, não a partir de exigências externas ou mediante comparações.

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Para tanto, nos levam a refletir sobre questões fundamentais: O que é o ser humano? O
que é educar? Para que se quer educar? Que país queremos? O autor refere que a educação é
um processo de transformação na e pela convivência, que ela acontece em toda parte e
caracteriza-se como um processo contínuo que se dá no decorrer de toda a vida, com efeitos
de longa duração que não se modificam facilmente.
Através do estudo das obras de Maturana, observa-se a defesa da cultura da
diversidade. Desse modo, o autor sugere que as escolas devam trabalhar com as diferenças,
partindo do princípio de que não existem duas pessoas iguais. O “normal” é a diferença e não
a homogeneidade, a uniformização, a repetição, tão difundidas nos ambientes escolares. A
escola é um lugar para humanizar-se, e isto só ocorre a partir da aceitação das diversidades,
principalmente compreendendo que existem diferenças no processo de desenvolvimento e
aprendizagem de cada ser humano. Somos todos capazes de aprender e estamos aprendendo a
todo tempo alguma coisa na relação com o outro, desde que assim o desejarmos (FREIRE,
1997).
Contudo, faz-se necessária a aceitação do outro como legítimo outro, primando pela
sabedoria da convivência, lidando com os erros como oportunidades de mudança e atribuindo
valores às ações, por meio de uma postura reflexiva no ambiente no qual se está inserido. Um
espaço reflexivo que permita ao sujeito se perguntar: “Como estou fazendo, como estou
lidando com isso?”, tomando a si mesmo como referência:

[...] o educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive


com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de
maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente
com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o
tempo e de maneira recíproca. Ocorre como uma transformação estrutural
contingente com uma história no conviver, e o resultado disso é que as
pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo com o
conviver na comunidade em que vivem. A educação como “sistema
educacional” configura um mundo, e os educandos confirmam em seu viver
o mundo que viveu em sua educação (MATURANA, 1997b, p. 29).

Portanto, educar significa estabelecer um espaço de convivência no qual se convida o


outro a conviver conosco. Na visão de Maturana – da educação como convívio – a
congruência, que é a comunicação mais inteira do ser humano, é que vai construindo os
critérios de validade para a maior qualidade do conviver. Para Maturana, a educação está
relacionada a:

[...] saber vivir en armonía del hombre con la naturaleza, donde los niños de
hoy aprenden a respetar a la naturaleza através de las emociones y no del
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control de aquellas por medio de la razón [...] no solo ha de enseñar


valores, hay que vivirlos desde el vivir en la biología del amor, no hay que
enseñar cooperación, hay que vivirla desde el respeto por si mismo que
surge en el convivir en el mutuo respeto (2003 p.11-12).

Dessa maneira, o referido autor nos leva a refletir acerca da finalidade da educação e
da prática educativa - passando da busca mercadológica como objetivo educacional para a
melhor qualidade do conviver humano. A educação sempre é para que. Os seres humanos, por
motivos diversos selecionam, consciente ou inconscientemente, seus objetivos do educar. Para
Maturana isso se dá de uma forma intersubjetiva. Em outras palavras, as ações são construídas
nas relações, mas de uma maneira autônoma e partilhada ao mesmo tempo. Se entendermos a
importância do processo relacional na ação educativa, se a formação do outro como
totalmente outro se constitui como objetivo da educação, então é preciso repensar as
interações em que o educando possa confrontar-se como autônomo e construa sua
autoconsciência, que se exercita nas relações. Para Maturana:

A autoconsciência não está no cérebro – ela pertence ao espaço relacional


que se constitui na linguagem. A operação que dá origem à autoconsciência
está relacionada com a reflexão na distinção do que distingue, que se faz
possível no domínio das coordenações de ações no momento em que há
linguagem. Então a autoconsciência surge quando o observador constitui a
auto-observação como uma entidade ao distinguir a distinção da distinção no
linguajar (MATURANA, 1998, p. 28).

A autoconsciência passa a ser uma consciência de si na relação, já que na relação é


que se estabelece a identificação do outro como legítimo outro. O conhecimento é
compreendido como organização do vivo nas relações que vai vivenciando, como fenômenos.
O próprio ato de conhecer-viver se constitui em uma leitura da relação cognoscente-vivente.
Por isso, nesta perspectiva, o conhecer-viver é elemento fundamental no processo de
conscientização.
Outro aspecto importante a considerar, além da autoconsciência, é a permanência do
processo educativo. Os espaços de educação são aqueles criados pelo grupo social para além
do convívio do núcleo familiar. Valorizar e possibilitar o conviver nos espaços educativos é
caminho para existencializar o conhecer-viver e assumir a cultura como uma das dimensões
do convívio de tal modo que se torne – ela, cultura – cada vez mais humanizante, já que, ao
mesmo tempo, é comunicada aos sujeitos e transformada por eles na congruência. Nesse
sentido, no processo educativo, “ocorre como uma transformação estrutural contingente com
uma história no conviver, e o resultado disso é que as pessoas aprendem a viver de uma

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maneira que se configura de acordo com o conviver da comunidade em que vivem”


(MATURANA, 1998, p. 29).
No conviver como processo educativo, a transformação estrutural ocorre a partir da
compreensão sistêmica. Em vista disso, qualquer ação comunicada interfere na totalidade do
sujeito. Por isso a mudança é estrutural. E, além disso, não despreza o acúmulo que as
experiências anteriores do conviver lhe ofereceram; ao contrário, as considera como
elementos constitutivos no novo ato do conviver.
Assim, o ato de aprender se constitui em um fenômeno complexo que envolve as
múltiplas dimensões do humano em seu indissociável processo de ser e estar no mundo; uma
integração no ser e no fazer consigo mesmo e com o outro. Porém, é relativo às mudanças
estruturais que ocorrem nos seres de maneira contingente às histórias de suas interações.
Sempre aprendemos o que nossa estrutura permite aprender. Para Meirieu:

[...] aprender é compreender, ou seja, trazer comigo parcelas do mundo


exterior, integrá-las em meu universo e assim construir sistemas de
representação cada vez mais aprimorados, isto é, que me ofereçam cada vez
mais possibilidades de ação sobre esse mundo (1998, p. 37).

Nesse contexto, o papel do professor deve se dar de maneira diferente do que


presenciamos na educação tradicional. Nesta, a interação professor-aluno está alicerçada na
perspectiva de que a transmissão do conhecimento é planejada a partir de objetivos que
especificam o tipo de resposta que a criança deve dar, delimita-se previamente a conduta
particular que se espera na execução e o que deve ser usado como ferramenta física ou
conceitual para essa realização. Já na abordagem sistêmica, a relação professor-aluno
transforma-se de maneira congruente. É vista como um processo de aprendizagem coletiva,
pautado em alterações contínuas e recíprocas. O que o professor ensina precisa ter significado
para ele próprio, o ser e o fazer o mais próximo possível na sua atuação. Essa parece ser uma
preocupação de Maturana para a efetivação do processo de aprendizagem: “Entonces lo
central no es la temática que se aprende sino desde donde se está para aprenderla” (2003, p.
52). Percebe-se aí uma mudança nos papéis e responsabilidades entre as partes envolvidas no
processo de aprendizagem.
Portanto, cabe ao professor buscar priorizar não o que se aprende, mas a partir de qual
perspectiva o aluno aprende, interrogando-se sobre qual é seu lugar no contexto escolar.
Deve reconhecer que existem formas variadas de ensinar, que exigem novos posicionamentos

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em relação à diferença, com ações pautadas para além da transmissão de conhecimentos,


baseada na cooperação, solidariedade e respeito às diferenças.

O desafio da (o) professora (r) será criar um espaço de convivência no qual


as questões da aprendizagem serão trabalhadas a partir do ponto em que o
aluno se encontra [...]. O(a) professor(a), que será o elemento articulador de
ações que permitirão escutar os alunos e transformar isto em algo que faz
sentido no espaço educacional, [...] (PISTÓIA, 2009, p. 107-108).

“Para Maturana, o professor necessita da reflexão para desenvolver sua relação de


trabalho com os alunos. A reflexão é um espaço no qual a pessoa se pergunta como estou
fazendo, tomando a si mesma como referência” (ANDRADE, 2006, p.112). Maturana e
Varela (2001) dizem que esta prática de reflexão do professor sobre suas experiências e seus
atos trata-se de um desafio a ser conquistado ao longo do tempo. Para tanto, faz-se necessário
abandonar as maneiras de olhar já incorporadas em nós como pensamentos habituais,
suspender os pensamentos condicionados culturalmente e exercitar o olhar e a escuta da
experiência em toda sua expressão, abertos ao espaço para o conhecimento da experiência e
da conduta.
Nessa perspectiva, a aprendizagem é considerada como um processo vital de contínua
mutabilidade. Para Maturana e Rezepka (2000), o ambiente escolar deve cuidar para criar
condições em que os educandos convivam a partir de seus processos autopoiéticos, de modo
que ampliem sua capacidade de ação e reflexão no mundo em que vivem, contribuindo com
sua preservação e transformação no meio ambiente.
Assim, percebe-se que a experiência de Maturana sobre a educação o tem levado a
compreender que educar é conviver em um espaço de aceitação recíproca, onde haja o
respeito, a compreensão, e não meramente aprender conteúdos acadêmicos. Não basta
simplesmente ensinar, por exemplo, o que é democracia, senão viver democraticamente na
diversidade e no respeito às diferenças de cada um. Como enfatiza Maturana, falar em
educação, em seres humanos, implica falar em valores que, em vez de serem ensinados,
devem, na realidade, ser vividos no cotidiano de cada um.
Desnecessário seria dizer que tudo o que foi exposto no decorrer deste texto nos
sinaliza para a necessidade de desenvolvermos modalidades alternativas de constituição de
uma compreensão do mundo, renunciando ao pragmatismo e à suposta objetividade que
constituem o cerne do pensamento moderno.

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Para finalizar, trago as considerações de Moraes que, assim como Maturana, concebe
os seres humanos como parte de um sistema (ecossistema) que pode ser estudado, pesquisado
e explicado em seus múltiplos domínios e relações. Segundo a autora:

Necessitamos mais do que nunca de novas teorias cientificas capazes de


fundamentarem uma prática pedagógica renovadora e o que acreditamos que
deva ser o processo de construção do conhecimento e a aprendizagem. Hoje
sabemos que uma nova epistemologia implica em uma nova concepção de
trabalho cientifico, em uma nova concepção do conhecimento como também
uma compreensão mais adequada da realidade e do mundo em que se vive
(2003, p.18).

Assim como:

[...] novas práticas pedagógicas que favoreçam não apenas o


desenvolvimento da inteligência humana, mas, sobretudo, que colaborem
para uma reforma do pensamento [...] uma revisão conceitual básica a
respeito de nossa compreensão sobre o universo, o ser humano e o que
significa verdadeiramente as palavras progresso e evolução com
sustentabilidade (2003, p. 18).

Pode-se dizer que Maturana não nos apresenta uma nova teoria, mas nos coloca diante
de uma outra corrente de pensamento, que propõe a criação de um espaço para reflexão a
partir da nossa própria experiência sobre a origem do nosso pensamento e de nossas ações.
Destaca-se pelo olhar contextualizador na maneira de se estudar e compreender o ser humano
e na forma como o processo de desenvolvimento é concebido. É a totalidade que orienta o
olhar desse autor com relação à concepção de mundo e de sujeito. Suas idéias nos mostram a
necessidade, enquanto educadores e seres humanos, de criarmos alternativas de constituição
da realidade e do contexto que nos cerca, descartando o pragmatismo, a fragmentação e a
objetividade na forma como são utilizados pelo pensamento moderno.
No decorrer deste texto, tentamos mostrar que a proposta de Maturana é uma proposta
reflexiva articulada a uma mudança epistemológica, que se contrapõe a uma realidade que
seja independente do viver do observador, isto é, se contrapõe a existência de uma realidade
independente do que fazemos ao nos referirmos a ela.
Nessa perspectiva conclui-se que o pensamento sistêmico contribui para um outro
olhar ao se estudar os sujeitos da educação, uma vez que, ao interagir com essa abordagem, a
leitura que se faz a respeito desse contexto adquire outro contorno, delineando-se um novo
caminho a ser percorrido. Essa abordagem nos conduz a uma educação mais holística, com
um olhar voltado ao sujeito na sua totalidade – indivíduo e contexto pensados como um
conjunto de relações, logo, descartando-se qualquer vestígio de fragmentação e explicações
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simplistas. Esse pensamento, portanto, trabalha com a compreensão da existência de um


mundo através de uma rede de relações e conexões pautado em uma perspectiva sistêmica de
desenvolvimento.
É importante registrar ainda que, embora sejam muitas as obras de Humberto
Maturana, timidos são os estudos teóricos na esfera da educação que se dedicam ao seu
pensamento. Assim, a presente discussão toca apenas uma parte de suas proposições, no
intuito de apontar a necessidade de avançar no esclarecimento e no adensamento dos estudos
do autor, uma vez que ele traz contribuições importantes para se pensar o trabalho educativo.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Simone Girardi. Docência (s) no contexto da educação inclusiva: uma


perspectiva sistêmica. In: BAPTISTA, Claudio R. (Org.). Inclusão e escolarização: múltiplas
perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006, p. 107-117.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente: Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GRACIANO, Miriam; MAGRO, Cristina. Introdução. In: MATURANA, H. A ontologia da


realidade. Belo Horizonte: UFMG, 1997, p. 17-30.

MARIOTTI, H. Prefácio. In: MATURANA, R. H; VARELA, J. F. A árvore do


conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001,
p. 7-17.

MATURANA, R. Humberto. Ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG, 1997a.

---. De máquinas e seres vivos: autopoiése - a organização do vivo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997b.

---. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

MATURANA, R. Humberto; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases


biológicas do entendimento humano. Campinas: Editorial Psy II, 1995.

MATURANA, H.; REZEPKA, S. N. Formação e capacitação humana. Petrópolis: Vozes,


2000.

MATURANA, R. Humberto; VARELA, Francisco J. A Árvore do conhecimento: as bases


biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.

MATURANA, R. H. et al. (Orgs.) Conversando con Maturana de educación. Málaga:


Ediciones Aljibe, S. L., 2003.

MATURANA, H. R.; PÖRKSEN, B. Del ser al hacer. Santiago, Chile: Jcsáez Editor, 2004.
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MATURANA, H.; VERDEN-ZÖLLER, G. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do


humano. São Paulo: Palas Athena, 2007.

MEIRIEU, Philippe. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual


discursiva. Ciência & Educação, 2003; v. 9, n. 2, p. 191-211.

PISTÓIA, Lenise Henz Caçula. Gregory Bateson e a educação: possíveis entrelaçamentos.


Porto Alegre: UFRGS, 2009. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

Recebido em 15/08/2010.

Aprovado para publicação em 18/10/2010.

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