ARTIGO - A Integração Regional

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18

SÍLVIA REGINA RICCIO RESEDÁ

O DIREITO DA INTEGRAÇÃO E OS REFLEXOS NA


CONCEPÇÃO DE ESTADO-NAÇÃO. A
SUPRANACIONALIDADE NORMATIVA DA INTEGRAÇÃO
REGIONAL E UM NOVO CONCEITO DE SOBERANIA
NACIONAL

Recife
2002
19

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

SÍLVIA REGINA RICCIO RESEDÁ

O DIREITO DA INTEGRAÇÃO E OS REFLEXOS NA CONCEPÇÃO DE


ESTADO-NAÇÃO. A SUPRANACIONALIDADE NORMATIVA DA
INTEGRAÇÃO REGIONAL E UM NOVO CONCEITO DE SOBERANIA

NACIONAL

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de


Mestrado em Direito da Universidade Federal de
Pernambuco, realizado sob a orientação do
Professor Dr. Ivo Dantas, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre.

Recife

2002
20

Dados internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

Resedá , Sílvia Regina Riccio

O direito da integração e os reflexos na concepção de estado-nação. A


supranacionalidade normativa da integração regional e um novo conceito de soberania
nacional/ Sílvia Regina Riccio Resedá._ Recife: S.R. R. Resedá, 2002.

173 p.

Orientador: Professor Dr. Ivo Dantas

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Ciências


Jurídicas, 2002.

Bibliografia.

1. Direito Internacional Público. 2. Direito Econômico Internacional. 3. Direito da


Integração. 4. Supranacionalidade.. 5. Mercosul. 6.Globalização. I.Universidade Federal
de Pernambuco. II. Dantas, Ivo. III. Título

CDD-341.119
21

A Hudson Resedá, meu esposo e


companheiro, a quem dedico este trabalho,
com muito carinho e amor, por ter suportado
as longas horas em que não estive presente e
pelo apoio, sempre incondicional.
22

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar e, acima de tudo, minha eterna gratidão a Deus por


todos os dons que me concedeu, sobretudo o dom da vida.

Ao Professor e orientador Ivo Dantas e à Professora Ana Luísa Celino


Coutinho pelo carinho e atenção que sempre dispensaram e pelo esforço despendido em trazer
o curso de Mestrado em Direito para a Universidade Católica do Salvador.

Ao Professor Nelson Saldanha pela dedicação, interesse e carinho.

Aos Professores Ronald Amorim e Souza e Antonio Carlos Araújo de


Oliveira pela ajuda tão importante e abnegada.

Aos colegas do curso pelo companheirismo e amizade.

Ao Corpo de Funcionários, com destaque especial a Deyse, Eliana e


Adriana, pela paciência com que nos atenderam.

Às estagiárias de direito Arine Araújo Resedá, Priscilla Passos Lopes e


Anaiv Silva Viana, minhas colaboradoras nas pesquisas, pelo esforço e cooperação na
vontade de aprender.

A meus pais pelo incentivo constante e por acreditarem na minha


capacidade nos momentos em que sucumbi.

Agradecimento especial quero expressar a meu pai, pela ajuda,


dedicação, paciência e, principalmente, pelas discussões que me trouxeram luzes para galgar o
cume do meu labor.

A Thiana e Matheus, meus filhos queridos, pelo tempo que lhes roubei
do seu adorável convívio.

A Maria, minha estimada auxiliar, pela ajuda, paciência e incentivo, que


me permitiram maior dedicação ao estudo.

A todos não citados nominalmente, meu profundo agradecimento.


23

“A humanidade insaciável e insofrida na perquirição do ignoto, nessa ânsia de progresso e de


transformação, segue de maneira inelutável, constante, tenaz, a marcha dos grãos de areia da
ampulheta dos tempos. Cada grão minúsculo de pó é mais uma etapa que se vence, um mundo
que se descerra diante do engenho dos que puseram a sua inteligência, a sua faculdade
inventiva e a sua arte a serviço dos semelhantes, seja na busca de riquezas, seja na
alcandorada visão de uma paz que todos os povos almejam, desejam, e pregam”.

(ARAÚJO, Luiz Ivani de Amorim. Da globalização do Direito Internacional Público: os choques regionais.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000, p. 47).
24

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10

Uma nova forma de organização da sociedade política para a sobrevivência de Estados


menos favorecidos....................................................................................................................10
A forma e a organização utilizadas na investigação do estudo.................................................14

CAPÍTULO 1 – DO DIREITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL....................................18

1.1 O direito da integração e o fenômeno da globalização.......................................................19


1.1.1 Evolução histórica do fenômeno econômico...................................................................20
1.1.2 A complexidade da noção de globalização......................................................................23
1.1.3 Uma visão crítica do fenômeno da globalização e seus efeitos, pautada na sua
intrínseca relação com o direito da integração.................................................................27
1.2 Conceito de integração regional..........................................................................................32
1.3 Requisitos necessários à integração regional......................................................................39
1.4 Fases da integração regional...............................................................................................40
1.4.1 Zona de livre comércio....................................................................................................40
1.4.2 União aduaneira. .............................................................................................................41
1.4.3 Mercado comum. ............................................................................................................42
1.4.4 União econômica e monetária..........................................................................................44
1.5 Tipos de blocos regionais. ..................................................................................................44

CAPÍTULO 2 –A UNIÃO EUROPÉIA E O MERCOSUL..........................................47

2.1 A União Européia. ..............................................................................................................47

2.1.1 Fontes históricas que deram origem à Comunidade Européia.........................................49


2.1.2 Fases de implantação do mercado comum na União Européia........................................51
2.1.3 O surgimento do Direito Comunitário.............................................................................52
2.2 O Mercosul. ........................................................................................................................57
2.2.1 Escorço histórico abreviado do Mercado Comum do Sul................................................58
2.2.2 Fases de implantação do Mercosul..................................................................................62
2.2.3 Mercosul hoje. Análise quanto aos aspectos do direito da integração regional, do
princípio da soberania nacional e da adoção do instituto da supranacionalidade.....................62

CAPÍTULO 3 – O ESTADO-NAÇÃO E O DIREITO DA INTEGRAÇÃO. NOVA


CONCEPÇÃO?..........................................................................................75

3.1. Nação, Estado, evolução histórica das principais concepções de Estado-nação...............75


3.2. Do Estado liberal ao Estado social....................................................................................83
3.3. O fim do protecionismo estatal e o neoliberalismo...........................................................87
3.4. Do declínio do Estado-nação e a moderna tendência dos processos de integração...........91
25

CAPÍTULO 4 - O CONCEITO TRADICIONAL DE SOBERANIA EM


CONFRONTO COM O DIREITO DA INTEGRAÇÃO
REGIONAL.................................................................................102

4.1 O conceito tradicional de soberania estatal. .....................................................................104


4.2 Necessidade de reformulação do conceito........................................................................107
4.3 A diferenciação entre a delegação e a transferência de soberania....................................113
4.4 A relativização do conceito e a adoção da delegação de soberania no bloco
regional..............................................................................................................................115
4.5 O paradigma europeu: Como a União Européia trata a questão da
delegação da soberania......................................................................................................117
4.6 O exemplo do Mercosul com relação à delegação de soberania.......................................118

CAPÍTULO 5 – SUPRANACIONALIDADE. UMA ANÁLISE


CONSTITUCIONAL COMPARADA DA IMPLANTAÇÃO
NO BRASIL, NA ARGENTINA, NO URUGUAI E NO
PARAGUAI..............................................................................................122

5.1 Breve noção de direito comparado...................................................................................123


5.2 Possibilidade de implantação da supranacionalidade no Mercosul. O Protocolo
de Ouro Preto....................................................................................................................126
5.3 A Argentina e a supranacionalidade. Previsão constitucional e posição da
doutrina e dos tribunais.....................................................................................................130
5.4 A Constituição do Paraguai. Dispositivos pertinentes......................................................132
5.5 A Constituição do Uruguai e a interpretação do dispositivo de forma a
possibilitar a supranacionalidade..................................................................................134
5.6 A Constituição do Brasil...................................................................................................135
5.6.1 Interpretação construtiva do dispositivo constitucional brasileiro de forma a
permitir a adoção da supranacionalidade no bloco........................................................136
5.6.2 A posição crítica da doutrina brasileira..........................................................................137
5.6.3 A posição jurisprudencial brasileira...............................................................................138
5.7 A absorção da norma supranacional pelo direito interno de cada Estado.........................140
5.8 Pequena análise comparada das posições dos ordenamentos jurídicos, da
doutrina e da jurisprudência dos integrantes do Mercosul quanto à aplicação
do instituto da supranacionalidade....................................................................................143

CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO............................................................................................151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................160

LIVROS..................................................................................................................................160
PARTES DE MONOGRAFIA E ARTIGOS DE PERIÓDICOS...........................................167
REPORTAGENS....................................................................................................................172
26

RESUMO

O fenômeno da globalização econômica, com a descentralização do capital, dos bens e do


trabalho, destacando-se a necessidade de expansão dos mercados consumidores e a evolução
tecnológica, principalmente na área das comunicações (internet e transportes), reduziu as
distâncias e enfraqueceu as fronteiras territoriais geográficas, suscitando várias
conseqüências, algumas positivas, outras negativas. Como resposta e em razão da
globalização, nasceu a integração regional, objetivando reunir Estados-nação em blocos
visando fortalecê-los. O melhor exemplo de bloco regional é a União Européia que alcançou
um nível mais profundo de integração e, na América Latina, o Mercosul. A junção de Estados
pela integração regional, hodiernamente, é condição sine qua non para a sobrevivência das
nações, buscando força através da união. Para possibilitar maior integração, há necessidade de
revisão do conceito clássico de Estado e relativização do atributo da soberania, de forma a
permitir a adoção da supranacionalidade, a partir da delegação de parcela da soberania dos
integrantes a um órgão, que detenha poderes para defender os interesses do bloco. O objetivo
deste estudo consiste na análise investigativa do Estado-nação tradicional, comprovando-se a
imperatividade da reformulação do conceito como decorrência das novas experiências
verificadas no substrato social, em razão do processo de globalização econômica. Será
demonstrado, também, que o modus operandi a ser seguido passará necessariamente pela
adoção da supranacionalidade com a delegação de soberania, destacando-se o processo
integrativo da União Européia e do Mercosul.

Palavras-chave: globalização, integração, Direito da Integração, Direito Comunitário,


soberania, Estado-nação, supranacionalidade, União Européia, Mercosul
27

ABSTRACT

The economical globalisation phenomenon, that has decentralized capital, labour and goods,
and thus contrasted the need to expand the consumer trade and the technical evolution mainly
in the communications area (internet and transportations), has reduced the distances and
weakened the geographical territorial boundaries. This has occasioned much consequence,
some positive, and others negative. As a response and in the flow of globalisation, a regional
integration has risen, aiming at uniting nations into blocks in order to strengthen them. The
best example of a regional block is the European Union that has reached a deep level of
integration. In South America There’s the “Mercosul”. The union of nations through regional
integration is the sine qua non condition to the survival of nations, through the power of the
union of forces. To make a greater integration feasible, there is a necessity to revise the
classic concept of a Nation and to evaluate the relativity of the sovereignty characteristic in a
way that supranationality could be embraced, by assigning the parcel of moral supremacy to
each component of the organ that has the power to defend the interests of the whole block.
The aim of this study is to do a investigative analysis of the traditional Nation, to prove that it
is imperative to have a reformulation of the concept as a consequence of new experiences that
have occurred in the social subtract, due to the economical globalisation process. It will also
be demonstrated that the modus operandi to be followed will necessarily go through the usage
of supranacionality by assigning the parcel of moral supremacy to each component of the
organ that has the power to defend the interests of the whole block, contrasting the integration
process of the European Union and the “Mercosul”.

Key words: globalisation, integration, Integration Rights, Communitarian Rights,


sovereignty, Nation, supranationality, European Union, Mercosul
28

INTRODUÇÃO

Uma nova forma de organização da sociedade política para a sobrevivência


de Estados menos favorecidos

Os homens, desde que se tem notícia da sua existência, sempre buscaram


viver em sociedade com seus semelhantes, conquanto sentimentos de rivalidade e competição
os fizessem desentender-se e os levassem a disputar espaço e poder entre si.
Inicialmente, suas regras sociais eram ditadas com base na força – lei das
selvas ou lei do mais forte - e aquele que se destacasse, estabelecia seu território e
determinava seu poder sobre os que com ele conviviam. Com a evolução da raça humana, a
inteligência se sobrepôs à força e os chefes passaram a ser aqueles que sabiam tirar melhor
proveito de suas qualidades, surgindo também a ambição por riquezas e mais poder.
Aos chefes e seus descendentes foram dadas diversas denominações: reis,
imperadores, príncipes, czares, senhores feudais e outros.
Fez-se sentir a necessidade de organização das regras que estabelecessem
os direitos e deveres de cada indivíduo e que determinassem também os limites de seus
domínios.
Cada grupo de indivíduos passou a se constituir em entes organizados,
tendo suas próprias leis criadas com base na evolução dos povos e na demonstração de suas
tendências.
A evolução levou a humanidade a criar complexas organizações sociais
que abarcaram todo o continente europeu, especificamente o Império Romano. Com a queda
deste, que foi por longo período exemplo de grandeza e centralização de poder, ocorreu o
esfacelamento daquele tipo de organização.
A invasão dos bárbaros influenciou a organização do período seguinte, a
Idade Média, quando surgiram inúmeros pequenos feudos com suas forças de guerra
constituindo-se em unidades autônomas de pleno poder.
Esta situação perdurou até o nascimento do comércio que deu origem à
ascensão da burguesia, acontecendo, então, posteriormente, a Revolução Francesa, sob a
máxima da “liberdade, igualdade e fraternidade”.
29

A figura do governante necessitava de uma justificação da legitimidade


do poder, cuja fundamentação surgiu com as teorias contratualistas e não contratualistas.
Nasceu o Estado, com a concepção de que o poder emana do povo e em
seu nome será exercido, ou seja, o Estado-nação dos tempos modernos, com a soberania
imperando como uma das suas primordiais características.
Na atualidade, a sociedade mundial encontra-se transformada, e em face
da necessidade econômica de buscar novos mercados e mão-de-obra barata, os grandes grupos
financeiros uniram-se em empresas multinacionais, com seus tentáculos espalhados por toda
parte, buscando cada espaço passível de ser um núcleo consumidor de seus produtos.
Com isso, instalou-se a globalização onde o “capital” detém todo o poder
e as nações ricas aproveitam-se das pobres ou emergentes para tirar-lhes tudo aquilo que
signifique riqueza.

Pode ser afirmado que está a acontecer um retorno ao feudalismo e, em breve, as nações
se transformarão, umas em soberanos e outras em vassalos, totalmente desprovidas de qualquer meio de
subsistência 6 .

A evolução do ser humano e a imaginação de que é dotado levaram-no à descoberta e


criação de tecnologia comparável a filmes de ficção científica. O que há vinte ou trinta anos consistia em pura
imaginação, tornou-se realidade pela criação do que foi concebido pelas inventivas mentes de seres humanos.

Fazendo-se uma análise das diversas eras pelas quais passou o planeta, desde o seu
surgimento, correlacionando-as ao fator tempo, observar-se-á que os últimos séculos correspondem apenas a
minutos, talvez segundos. No entanto, as inovações mais significativas ocorreram exatamente neste período.

Tem-se a nítida impressão, e a comprovação científica não tardará, em razão de estudos


em andamento, de uma aceleração do tempo e de surgimento quase incessante de novos aparelhos eletrônicos,
além de sistemas de comunicação e transporte que integram todo o globo terrestre quase que de forma imediata.

Os avanços tecnológicos na área dos transportes e das comunicações alcançaram


patamares inimagináveis há poucas décadas, possibilitando a utilização da expressão “aldeia global” de Mac
Luhan 7 .

Esses fatores têm contribuído para uma evolução mundial e, mais ainda, para
aproximação de todos os povos, mas, não são fatores isolados. O fim da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim
e a quebra do Bloco Soviético com as conseqüentes relações com os países capitalistas que a partir de então
advieram, também consistem em ponto fulcral a incentivar o comércio internacional e a integração das nações,
realizada, principalmente, com a interdependência econômica e com a transnacionalização do capital.

6
BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a
recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 56.
30

Com a finalidade de sobrevivência do Estado no presente contexto


mundial, é imprescindível buscar o desenvolvimento em conjunto com outros Estados que
apresentem características semelhantes e proximidades geográficas, a fim de se propiciar o
crescimento e fortalecimento mútuo.
O mundo mudou e o direito precisa acompanhá-lo, uma vez que tem por
fundamento o substrato social. Não pode ficar estático diante das enormes inovações
tecnológicas ocorridas nos últimos anos.
A união dos países em blocos regionais gerou a fragilização do conceito
clássico de soberania estatal e como conseqüência, também, o enfraquecimento do Estado-
nação, já não mais tão soberano, uma vez que é limitado por diversas normas internacionais.
A adoção da supranacionalidade constitui mais um golpe no conceito
tradicional de Estado-Nação, ensejando a mudança de paradigma desta forma de organização
da sociedade política, para outra forma que melhor atenda aos interesses da sociedade
contemporânea, ou em sua reformulação, para se tornar adequada às necessidades e aos
perigos hoje existentes.
O presente estudo tem por finalidade dar modesta contribuição
analisando, inicialmente, o surgimento da integração regional, como decorrência da mudança
operada pela economia globalizada.
Em rápidas pinceladas será abordada a evolução histórica da globalização
econômica, a sua complexidade e a intrínseca relação com a integração regional, uma vez que
são antíteses, mas são também interdependentes.
Será demonstrado o surgimento da integração regional como uma forma
de defesa dos Estados contra o enfraquecimento de suas fronteiras geográficas, invadidas que
foram “pelo novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo
civilizatório mundial” 8 , em sua busca irrefreável por lucros e benefícios financeiros,
denominada de globalização.
Como forma de enfrentamento deste fenômeno real e irreversível
surgiram as associações dos países em blocos regionais com o objetivo de se fortalecerem e
minimizarem os efeitos nefastos da globalização, protegendo-se mutuamente.
A união dos fracos transforma-se em obstáculo intransponível para os
fortes. O exemplo da União Européia é inquestionável e o Mercosul, em escala muito menor,

7
STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr, 1998. p. 228.
8
IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 11.
31

é evidente, pode seguir-lhe os passos, fortalecendo-se através da reunião com os demais


países da América Latina.
Com o já referido enfraquecimento das fronteiras territoriais, e a
influência cada vez maior de organizações internacionais e transnacionais no âmbito interno
dos Estados, torna-se necessário o surgimento de uma nova forma política de organização da
sociedade que seja mais adequada aos tempos atuais. Ensejando a discussão no sentido de ser
reavaliada a concepção do Estado-nação a partir da clássica noção de soberania estatal.
O Estado-nação ainda pode ser o titular do atributo da soberania, a
summa potestas, a forma organizativa político-social mais apta ao atendimento das
necessidades sociais que nasceram e aumentaram astronomicamente a partir do surgimento da
globalização econômica, ou se faz necessária uma mudança de paradigma?
Neste trabalho serão analisadas as posições favoráveis e contrárias à
relativização da soberania estatal e a necessidade da mudança da forma de Estado.
Os países emergentes atualmente, em razão da influência exercida pela
caótica sociedade internacional - que impõe seu poder, enfraquecendo a fundamentação
básica e estrutural responsável pela legitimidade da autoridade estatal - encontram-se
relegados a papéis inferiores, sem qualquer possibilidade de atuar no mesmo nível de
igualdade com países detentores de capital 9 .
Hoje, em razão da conjuntura mundial, há necessidade de um Estado
fragilizado delegar competências que lhe são inerentes a órgãos supranacionais a fim de, em
bloco econômico, tornar-se mais forte, poderoso e, conseqüentemente, mais apto a exercer o
seu poder soberano revigorado a partir, e em razão, da união com outros Estados que lhe são
semelhantes.
Constitui-se a supranacionalidade em importante instituto para a
evolução da integração regional.
Torna-se possível, a partir da delegação de parcelas da soberania dos
Estados, a criação de um organismo supraestatal que será mais forte e dará em retorno uma
possibilidade de exercício mais pleno da fragilizada soberania dos Estados-nação aviltados
nos seus direitos políticos fundamentais.
Estes serão os principais enfoques a serem abordados e espera-se que, os
estudos e pesquisas realizadas, sirvam, não para solução dos problemas levantados, mas,

9
BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a
recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 56.
32

antes, como formulações de inúmeras hipóteses que servirão de substrato para discussão e
análise dos estudiosos.

A forma e a organização utilizadas na investigação do estudo

Para o desenvolvimento do tema em análise, utilizar-se-á, inicialmente, de uma revisão


literária sobre o direito da integração, abordando, dialeticamente, sua relação intrínseca com o fenômeno da
globalização, partindo-se da investigação da realidade através de dados estatisticamente colhidos por órgãos
oficiais, com relação ao volume de negócios alcançado pelo Mercado Comum do Cone Sul e da comprovação do
aumento dos índices de violência, desemprego e pobreza, que cresceram a partir da denominada globalização
neoliberal.

A União Européia servirá de base para uma análise comparativa dos institutos
estudados, com utilização do método próprio das ciências jurídicas, o método interpretativo.

Em se tratando de um estudo que envolve diversos ordenamentos jurídicos não se


poderia deixar de utilizar o método comparativo, de suma importância para se aferir as semelhanças e diferenças
dos sistemas jurídicos dos países integrantes de um mesmo bloco regional, através da análise de tratados
internacionais e de dispositivos constitucionais, primordialmente, no que tange ao princípio da soberania estatal
e da adoção do instituto da supranacionalidade.

A pesquisa proposta tem caráter eminentemente dogmático com utilização e


levantamento de fontes secundárias, a exemplo de reportagens jornalísticas, que acompanham a velocidade das
mudanças, atualizando-se a cada momento.

O trabalho tem início com uma breve análise do fenômeno da


globalização econômica e seu surgimento, a complexidade da sua noção e a intrínseca relação
que mantém com a integração regional.
Esse primeiro capítulo também analisa o conceito de integração regional,
os requisitos necessários à constituição de um bloco regional com o exame das fases
características de processos integrativos, como a de área de livre comércio, união aduaneira,
mercado comum e união econômica e monetária. Encerrando com a abordagem dos tipos de
blocos regionais.
O capítulo 2 analisa o maior exemplo de bloco regional da atualidade, - a
União Européia – o qual alcançou elevado grau de integração, e pontua os aspectos que têm
relevância para o estudo encetado.
Analisa, em seguida, o Mercado Comum do Cone Sul, estudando os
institutos pertinentes, findando com uma síntese do Mercosul hoje, principalmente no que se
33

refere aos aspectos do direito da integração regional, do princípio da soberania nacional e da


adoção do instituto da supranacionalidade.
O capítulo 3 desenvolve um estudo a respeito do Estado-nação, seu
surgimento, as noções de nação e de Estado, com uma breve evolução histórica das principais
concepções de Estado, através dos ensinamentos de mestres, como Hobbes, Rousseau, Bodin,
Marx, Maquiavel, dentre outros. Logo depois discorre sobre o ente estatal como forma de
organização política da sociedade atual, passando do Estado liberal ao social e ao fim do
protecionismo estatal, com o neoliberalismo, chegando ao declínio do Estado-nação, como
concebido historicamente, em razão da moderna tendência dos processos de integração
regional.
Enfatiza a necessidade de mudança do paradigma do Estado-nação ou, ao
menos, sua adequação à situação política da atualidade, uma vez que a concepção de seu
atributo principal, a soberania, encontra-se fragilizado em conseqüência dos processos
econômicos globalizantes e neoliberais - cujo estudo será efetuado no capítulo imediato.
Desenvolvendo uma abordagem semelhante àquela apresentada no
capítulo anterior, o capítulo 4 trata da concepção clássica da soberania estatal, analisando a
necessidade de reformulação do seu conceito, levantando-se a questão da diferença entre
delegação e transferência de soberania. Será avaliada a imprescindibilidade da relativização
do conceito de forma a permitir a sua delegação, possibilitando o aprofundamento da
integração regional, o que trará de retorno um poder maior para o bloco como um todo e para
cada um de seus membros de per si.
Utiliza como paradigma a forma como a União Européia aborda a
questão e a reticência do Mercado do Cone Sul em seguir-lhe os passos, mantendo-se à
margem do processo integrativo.
O desenvolvimento do capítulo que antecede a conclusão prioriza o
exame do instituto da supranacionalidade através de um breve estudo comparativo, avaliando
a possibilidade de implantação da supranacionlidade no Mercosul e como o Protocolo de
Ouro Preto abordou a questão.
A seguir, são apreciados os dispositivos constitucionais pertinentes e as
posições doutrinárias e jurisprudenciais da Argentina quanto à possibilidade de adoção da
supranacionalidade. Procede-se de forma idêntica com o Paraguai e com o Uruguai, com a
ressalva de que, com relação a estes dois integrantes do Mercado Comum do Sul, limita-se a
uma apreciação dos seus textos constitucionais.
34

Posteriormente, empreende-se uma interpretação construtiva do


dispositivo constitucional brasileiro de forma a possibilitar a implantação da
supranacionalidade no bloco regional, enfocando a posição da doutrina e da jurisprudência,
finalizando com uma análise comparada do instituto nos quatro países integrantes do
Mercosul.
A conclusão aborda a necessidade de reformulação do conceito clássico
de soberania estatal para possibilitar a adoção da supranacionalidade nos blocos regionais,
originando, como conseqüência, o surgimento de uma nova forma de organização da
sociedade política ou a reformulação, da forma existente de Estado-nação, de modo a
adequar-se às necessidades atuais, enfocando como aspecto principal a imprescindibilidade da
reunião, do agrupamento, da unificação, da junção, da anexação, o que seja, de países em
blocos regionais de integração de modo a poderem resistir como um “último moicano” na
guerra negra da selvagem globalização.
Por fim, merecem transcrição as palavras de Sálvio de Figueiredo
Teixeira citando o Prof. Carlos Alberto Carmona 10 :
“Fazendo coro com o Prof. Carlos Alberto Carmona, ‘o Brasil não
pode ficar alheio aos ventos que sopram em outros países’. Em
outras palavras, e repetindo Benjamim Cardozo, em sua evocação
a Roscoe Pound, ‘o direito deve ser estável, mas não pode
permanecer estático’, ‘o jurista, como viajante, deve estar pronto
para o amanhã’.”.

10
TEIXEIRA, Sávio de Figueiredo. A arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a
imprescindibilidade da corte comunitária. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio
(Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 171.
35

CAPÍTULO 1

DO DIREITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL

Os avanços tecnológicos ocorridos no entardecer do último século,


principalmente com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a exemplo dos transportes
e da INTERNET, deram causa a uma inter-relação mundial, facilitando de forma espantosa o
intercâmbio entre pontos distantes do globo.

Esta mundialização de bens, serviços, trabalhadores e capital causou o


enfraquecimento das fronteiras territoriais possibilitando o surgimento de mercados regionais,
o que, por sua vez, gerou o impressionante crescimento dos processos de integração
econômica.

A economia mundializa-se, os mercados de insumo, consumo e financeiro


internacionalizam-se tornando obsoleta “a noção de fronteira geográfica clássica” 11 .

Nas duas últimas décadas, pode ser constatado o surgimento de mais de


setenta processos de integração econômica, cuja justificação consiste na melhor alocação de
recursos, na economia de escala proporcionada pelo alargamento do mercado, na divisão mais
eficiente do trabalho, com o aumento da concorrência e da qualidade da produção 12 .

Estes processos surgiram, principalmente, como uma forma de resposta ao


fenômeno econômico que se denominou globalização. Foi uma tentativa de união para a
sobrevivência dos Estados neste contexto de busca de mercado consumidor, engendrado pelas
potências hegemônicas da atualidade.

A globalização ou mundialização da economia tem por finalidade a


liberalização do comércio com a busca de novos mercados consumidores, situação que se

11
ROMITA, Arion Sayão. Direito do Trabalho: temas em aberto. São Paulo: LTr, 1998, p. 39.
12
BARRAL, Welber. Defesa comercial no Mercosul. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber
(Coordenadores). Direito Internacional Público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 166.
36

impôs, principalmente, em razão da “revolução tecnológica acelerada dos últimos anos,


resultante da informática, da telemática e da robótica, somadas à implosão do comunismo
internacional” 13 .

1.1 O direito da integração e o fenômeno da globalização

Como forma de sobrevivência, em razão do processo de internacionalização,


surgiu a “formação de grupos regionais para integração econômica dos países participantes,
com redução das barreiras alfandegárias entre eles e o fortalecimento do bloco instituído
perante os demais grupos regionais e países plenamente desenvolvidos”, prática que se
constitui em modalidade de autodefesa 14 .

Anthony Giddens entende que a globalização não significa apenas laços


mais estreitos entre nações, tem maior abrangência, refere-se a processos, como o surgimento
de uma sociedade civil global, que atravessam as fronteiras das nações15 .

Nelson Saldanha afirma que a “técnica não tem pátria e dela parte o impulso
planetarizante, como partiu a massificação”. Houve uma padronização e uniformização de
imagens a partir da “modernice técnica” em virtude do desenvolvimento das comunicações e
da publicidade, que deram causa à perda da “exemplaridade histórica”. Atualmente as
vinculações internacionais e a “padronização tecnocrática” ensejaram a não existência de
“sentimento nacional”. “A ficção científica ocidental, bem como a literatura utópica,
antevêem um mundo unificado, tanto nos estilos e nos trajes como na ordem política e
econômica”, causando a crise no conceito de nação 16 .

13
SUSSEKIND, Arnaldo. Harmonização do Direito do Trabalho no Mercosul. Revista de Trabalho e Doutrina.
São Paulo: Saraiva, n. 24, 2000, p. 38.
14
SUSSEKIND, Arnaldo. Harmonização do Direito do Trabalho no Mercosul. Revista de Trabalho e Doutrina.
São Paulo: Saraiva, n. 24, 2000, p. 39.
15
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 149.
16
SALDANHA, Nelson. O declínio das nações e outros ensaios. Recife: FUNDAJ, Editora Massagana, 1990, p.
24-25, 123.
37

1.1.1 Evolução histórica do fenômeno econômico

Nos últimos vinte e cinco anos ocorreu uma verdadeira revolução científico-
tecnológica, que cumulou num processo de globalização em escala e em intensidade sem
precedentes.

Autores como Arion Sayão Romita 17 e Irineu Strenger 18 , além de outros,


examinam o que comumente têm o costume de denominar de terceira revolução industrial ou
tripla revolução.

Discorrendo sobre as revoluções, Romita caracteriza a primeira como a


proporcionada pela produção de motores a vapor por meio de máquinas que utilizaram como
fonte energética o vapor d’água. Relaciona-se, invariavelmente, com o aumento populacional,
com a aplicação da ciência à indústria e com o uso do capital de forma mais extensa e intensa.

A segunda revolução ocorreu com o desenvolvimento e aplicação do motor


elétrico e motor a explosão, no final do século XIX e início do século XX, quando a fonte
energética utilizada passou a ser a eletricidade e o petróleo. Teve tonalidade expansionista, no
modo de produção capitalista. Ocorreu o deslocamento progressivo da efetiva mão-de-obra
dos trabalhadores de fabricação para a posição de manutenção, vigilância e controle, em
função da automatização dos meios de produção.

A terceira revolução industrial caracteriza-se pela automação por meio de


aparelhos eletrônicos, quando a fonte de energia passa a ser a eletrônica e a energia atômica.

É o que se denomina de revolução tecnológica que decorre do enorme


número de descobertas científicas ocorridas nos últimos anos.

Joseph Finkelstein elenca as áreas que, no seu modo de entender, formam o


núcleo gerador dessas transformações: microprocessador; manufatura, desenho e controle de
estoques por computador integrado; fibras óticas e telecomunicações; biogenética e
bioagricultura; lasers e holografia 19 .

17
ROMITA, Arion Sayão. Globalização da economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 16, 22.
18
STRENGER, Irineu. Relações internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 228, 231.
19
FINKELSTEIN, Joseph. Capitalismo e Tecnologia: diálogo n. 1, v. 26, 1993, p. 20 apud ROMITA, Arion
Sayão. Globalização da Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 20.
38

A eficiência das políticas econômicas keynesianas foi atingida, a partir dos


anos 70, pelo alto grau de competitividade internacional da economia capitalista. Estas
políticas tinham bom funcionamento em escala nacional, entretanto o neoliberalismo obrigava
a abertura das economias ao mercado internacional, razão por que foram atingidas 20 .

Em face das enormes transformações tecnológicas, a empresa sofre, mais


uma vez, alterações, já que passa a atuar no âmbito de uma economia mundializada, dentro de
sistemas industriais mais complexos e interligados, sob a influência de tecnologias cada vez
mais sofisticadas que causam a desestabilização dos antigos equilíbrios, ameaçam os
mercados cativos e geram desemprego 21 .

A sofisticação tecnológica, que enfatiza a pesquisa científica e a informação


como fundamentais, constituiu-se na diretriz da “terceira revolução industrial”, que redefiniu
radicalmente as relações entre países desenvolvidos e, em desenvolvimento, tendo
desencadeado um processo de liquidação do padrão taylorista/fordista que marcou a economia
do século XIX 22 .

Adverte Finkelstein que a mudança das fontes energéticas traz como


conseqüência as transformações nos meios de produção, que, por sua vez, vão gerar mudanças
na organização do trabalho e reflexos sociais 23 .

Strenger, ao referir-se à tripla revolução, dá enfoque diferente. Salienta que


o mundo atual é um mundo globalizante e que o vocábulo tem expressão fidedigna:
totalidade, envolvimento, unificação, redução unitária e ressalta a afirmativa de Mac Luhan de
que “o mundo é uma aldeia global” 24 .

As três revoluções ele nomeia de tecnológica, econômica e sociológica.

20
GAMBARO, Carlos Maria. Globalização das economias – análise do pensamento de Guy Sormon. Revista de
Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 33, 2000, p. 48.
21
ROMITA, Arion Sayão. Globalização da Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 21.
22
GARCIA, Marco Aurélio. Integração e projeto nacional de desenvolvimento: algumas reflexões sobre
questões candentes na América Latina. In LAVINAS, Lena; CARLEIAL, Liana Maria da Frota; NABUCO,
Maria Regina (Organizadoras). Integração, região e regionalismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994, p. 31-
32.
23
FINKELSTEIN, Joseph. Capitalismo e Tecnologia: diálogo n. 1, v. 26, 1993, p. 20 apud ROMITA, Arion
Sayão. Globalização da Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 20.
24
STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 228-231.
39

Por tecnológica entende a revolução informática que substituiu o cérebro


pelo computador, pelo menos em um número mais ou menos importante de suas funções.

Como econômica, entende que o fenômeno da mundialização aumenta cada


vez mais, gerando a interdependência econômica entre os países em razão das exigências do
livre intercâmbio comercial. Para ele a “economia se impõe política”.

Sociológica em razão de que as revoluções anteriormente citadas põem em


crise o conceito tradicional de poder, principalmente, do poder político. Acrescenta que “a
democracia perde parte de sua credibilidade, pois os cidadãos não podem mais intervir
eficazmente, por seu voto, no domínio decisivo da economia, daí por diante colocada fora de
alcance”.

Os efeitos da globalização recaíram não somente sobre os governos mas


também sobre a sociedade civil, causando uma disponibilidade de novos bens e serviços, de
instrumentos de crédito de simples acesso, facilidade de circulação de pessoas que levaram,
principalmente, a uma lenta, porém contínua mudança social e cultural, causando processos
de transculturalização, instituindo uma nova cultura globalizada, promovida pelos meios de
comunicação de massas, que afetam os gostos e preferências dos consumidores que buscam
produtos estrangeiros ou serviços, como por exemplo, as roupas, a comida, os esportes e
outros mais 25 .

A expressão “sociedade global” é concebida como sociedade mundial,


distinguindo-se de globalização econômica que significa um expansionismo do sistema
econômico no plano mundial, com efeitos destrutivos para outras esferas sociais,
principalmente, para a política e para o direito. A sociedade mundial é aquela em que as
comunicações se reproduzem globalmente, e por esta razão, o agir e o vivenciar ultrapassam
as fronteiras regionais 26 .

25
PELUFFO, Martha Beatriz. Uma aproximacion al analisis multidisciplinario de la globalizacion y las
relaciones laborales. Revista da Sociedade Chilena de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Santiago:
M. Besser L., n. 2, 1998, p. 137.
26
NEVES, Marcelo. Justiça e diferença numa sociedade global complexa. In SOUZA, Jessé (Organizador).
Democracia hoje: Novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: UNB, 2001, p. 331-332.
40

1.1.2 A complexidade da noção de globalização

O fenômeno da globalização é um tema árduo e de difícil definição,


principalmente em razão da multiplicidade de conceitos que lhe são atribuídos e em face de
ser multifacetado e multidisciplinar.

A globalização não provém de uma simples ação, como acender a luz ou


ligar o carro. Ela resulta de um processo histórico muito acelerado nos últimos dez anos e que
continua refletindo mudanças contínuas 27 .

O termo globalização possui certa impropriedade em sua aplicação, uma vez


que não se sabe o seu alcance preciso nem tampouco tem-se conhecimento da totalidade dos
fenômenos que abrange. A resposta mais simples é que a globalização engloba a todos, o
mundo todo. Hoje já não se pode falar mais de uma Esparta e de uma Atenas, do Império
Romano do Oriente e do Ocidente, de um Velho e Novo Mundo. Hoje todos somos o Mundo.
E isto é fundamentalmente conseqüência do desenvolvimento tecnológico 28 .

A globalização econômica, cuja melhor denominação consistiria em


internacionalização da produção, do capital e do trabalho, não comporta definição exata por
ser um conjunto de fatores que causaram a mudança dos padrões de produção, dando ensejo a
uma nova divisão internacional do trabalho 29 .

Arion Sayão Romita acrescenta, ainda, ser mais facilmente entendido o


fenômeno, a partir do estudo das seguintes características 30 :

I – Substituição da fábrica tradicional baseada nas concepções de Taylor e


Ford pelos conceitos mais flexíveis com fundamento em noções toyotistas, onde há
prevalência de relações contratuais mais flexíveis entre capitalistas e trabalhadores;

27
HOBSBAWM, Eric J. O novo século: entrevista a Antonio Polito. Tradução do italiano para o inglês de Allan
Cameron, tradução do inglês para o português e cotejo com a edição italiana de Cláudio Marcondes. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 69.
28
MORA, Ângela Rosália. Globalización económica y negociación colectiva. Revista da Sociedade Chilena de
Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Santiago: M. Besser L., n. 2, 1998, p. 18.
29
ROMITA, Arion Sayão. Direito do Trabalho: temas em aberto. São Paulo: LTr, 1998, p. 39.
30
ROMITA, Arion Sayão. Globalização da economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 29-30.
41

II – O aperfeiçoamento dos meios de transporte e de comunicação criando


facilidades para o exercício de atividades econômicas em locais antes não acessíveis, o que
gerou o deslocamento de capital e de altos empregados de um país para outro;

III – Desenvolvimento da economia em âmbito mundial, com a derrocada


das fronteiras geográficas clássicas;

IV – Internacionalização do Estado em face do processo de integração


regional e celebração de tratados internacionais;

V – Fragmentação das atividades produtivas que são locadas em diversos


territórios onde a legislação seja mais favorável;

VI – Crescimento das empresas multinacionais, que com a facilidade dos


meios de transporte e de comunicação, têm possibilidade de aumentar sua produção e
distribuição;

VII – A nova concepção de Estado mínimo, sem intervir na economia e o


fato de a estabilização das macroeconomias gerarem, obrigatoriamente, ajustes estruturais e
privatizações.

No entanto, há autores que definem e conceituam globalização. Confira-se:

Para Maria de Fátima Ribeiro a globalização “é um fenômeno social,


consistente na aproximação de distâncias geográficas e na homogeneização das expectativas
de consumo, de práticas políticas decorrentes da globalização” 31 .

O conceito de globalização não pode ser considerado pronto e acabado. É


um importante referencial para fortalecer um conjunto de opiniões sobre o notável estado
mundial ou sobre as hipóteses de cenários para o futuro de toda a humanidade. Corresponde a
uma interação entre todos os povos facilitada pela revolução tecnológica na comunicação,
“sobre a visão de união numa aldeia global”. Pode ser considerada, também, um campo de

31
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, p.
10.
42

organizada relação de poder entre classes de pessoas e nações-Estados, bem como sobre
hegemonia, hierarquia e exclusão 32 .

Quanto à globalização econômica pode ser afirmado que a mesma “consiste


na progressiva internacionalização dos mercados de bens, serviços e créditos, induzida pela
redução de tarifas de exportação, de obstáculos aduaneiros e pela padronização das operações
mercantis” 33 .

Ivo Dantas 34 entende que o vocábulo globalização encerra uma


multiplicidade de sentidos. Citando Della Cunha 35 diz:

“DJASON B. DELLA CUNHA, em artigo intitulado Globalização e


ordem jurídica: o dilema da cidadania nos Estados Periféricos, ao
estudar Em que consiste o Fenômeno da Globalização, entende que
(esta) ‘é uma nova ordem paradigmática que opera a substituição
do conceito de sociedade nacional pelo de sociedade global.
Consiste também na mundialização de processos econômicos, como
a circulação de capitais, a ampliação dos mercados ou a integração
produtiva em escala mundial. Mas, comporta ainda fenômenos da
esfera social, como a criação e expansão de instituições
supranacionais, a universalização de padrões culturais e o
equacionamento de questões concernentes à totalidade do planeta
(meio ambiente, desarmamento nuclear, crescimento populacional,
direitos humanos, bioética, etc.)’.”

A globalização implica na existência de questões cujas conseqüências são


globais. Inclui áreas que exigem uma ação coletiva global, não sendo suficiente a atuação em
âmbito local. Diversos são os exemplos que podem ser trazidos à colação: como as questões
ambientais globais, o efeito estufa decorrente do uso de combustíveis fósseis que afeta a todos
indistintamente e a necessidade de dissipação de doenças contagiosas como a AIDS, que não
respeita fronteiras. O aumento da interdependência dos povos do mundo, que decorreu da
globalização, tornou necessária uma ação global coletiva. Os bens públicos globais tornaram-
se mais importantes e, conseqüentemente, instituições globais foram criadas como resposta,

32
SAHA, Suranjit Kumar. Mercosul, competitividade e globalização. In LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS,
Marcelo de Almeida (Organizadores). O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos Aires,
Argentina: CLACSO, 2000, p. 56.
33
FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues de Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 64.
34
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 111.
35
DELLA CUNHA, Djason B. Globalização e Ordem Jurídica: o dilema da cidadania nos Estados Periféricos.
Revista ESMAPE, Recife, v. 3, n. 7, 1998 apud DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba:
Juruá, 2000, p. 113.
43

mas não funcionam com perfeição, principalmente em razão da complexidade dos problemas
que dificultam a ação em qualquer nível 36 .

As incertezas econômicas globalizantes estimulam procedimentos político-


institucionais supranacionais que sejam aptos a coordenar uma posição de interdependência
real de forma a priorizar a razão. Ao mesmo tempo, no campo infra-estatal, questões culturais
e políticas impulsionam a uma reforma do Estado-nação que deve considerar as tradições
seculares e as práticas democráticas efetivas 37 .

Freitas Junior designa como globalização jurídico-política a perda da


capacidade do Estado-nação em formular, definir e executar políticas públicas. Como
conseqüência da globalização econômica, esta capacidade está sendo transposta para campos
transnacionais ou supranacionais 38 .

Hoje já é fato comprovado e aceito, até mesmo pelas organizações


internacionais responsáveis pelo processo, que a globalização neoliberal provoca efeitos
perversos e exclusão social, principalmente pelo fato de alicerçar-se em condições políticas,
sociais e econômicas, cuja tendência é acentuar a desigualdade em todas as escalas
geográficas, em nível global entre o norte e o sul e em nível nacional entre as classes sociais e
entre regiões e também pelo fato de reproduzir continuamente as referidas condições 39 .

Os processos que se verificam atualmente não atuam apenas no campo


econômico. Em verdade está a acontecer uma “padronização econômico-tecnocrática 40 ”, uma

36
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São
Paulo: Futura, 2002, p. 272-273.
37
MEDEIROS, Marcelo de Almeida. A hegemonia brasileira no Mercosul: o efeito samba e suas conseqüências
no processo institucional de integração. In LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida
(Organizadores). O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos Aires, Argentina: CLACSO,
2000, p. 191.
38
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 73.
39
RODRÍGUEZ César. À procura de alternativas econômicas em tempos de globalização: o caso das
cooperativas de recicladores de lixo na Colômbia. Tradução de Manuel Del Pino. In SANTOS, Boaventura de
Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2,
2002, p. 331.
40
SALDANHA, Nelson. O declínio das nações e outros ensaios. Recife: FUNDAJ, Editora Massagana, 1990, p.
123.
44

“universalização de padrões culturais 41 ” que atinge todas as sociedades contemporâneas


dando causa à perda da “exemplaridade histórica 42 ”.

A aproximação dos povos gera uma inter-relação entre Estados, de forma tal
que as decisões dos mais fragilizados causam reflexos em todos os demais, inclusive nos mais
ricos ou poderosos 43 .

1.1.3 Uma visão crítica do fenômeno da globalização e seus efeitos, pautada


na sua intrínseca relação com o direito da integração

O fenômeno da globalização tem natureza econômica e não há de ser


confundido com o que se designa de integração regional que consiste em integração entre
Estados de uma mesma região geográfica, por meio de acordos e compromissos
internacionais, com a unificação aduaneira e de mercado comum ou ainda união econômica 44 .

A globalização hoje é um fato inegável que aproxima e interliga todos os


povos do mundo de forma tal que “ações políticas, econômicas e sociais são em toda parte
sentidas e ressentidas”, de modo imediato 45 .

Em função da internacionalização dos mercados financeiros, verifica-se o


despreparo dos governos nacionais frente às relações estabelecidas de forma global.

Este descompasso gera a necessidade de serem adaptados os sistemas


nacionais à competitividade internacional, como forma de sobrevivência do Estado no

41
DELLA CUNHA, Djason B. Globalização e Ordem Jurídica: o dilema da cidadania nos Estados Periféricos.
Revista ESMAPE, Recife, v. 3, nº 7, 1998 apud DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba:
Juruá, 2000, p. 113.
42
SALDANHA, Nelson. O declínio das nações e outros ensaios. Recife: FUNDAJ, Editora Massagana, 1990, p.
24.
43
SALVETTI NETTO, Pedro. Curso de teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 160.
44
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul in
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, P.
10.
45
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
220.
45

contexto mundial. Uma das soluções encontradas traduz-se no surgimento de regimes


supranacionais 46 .

O progresso tecnológico aliado à concentração do capital, à divisão e


especialização do trabalho, propicia o fenômeno da globalização econômica, ao qual deve
contrapor-se, como reação dialética, a regionalização que deve ter como fundamento
afinidades históricas, sociais, culturais e econômicas, além de aproximação territorial 47 .

O esforço em favor da liberalização dos mercados nacionais é fator


característico da globalização, enquanto o movimento de proteção e expansão concertada
caracteriza a regionalização. Esta é a razão que justifica o entendimento de que são
fenômenos opostos. Entretanto, o que se tem são “duas faces da mesma moeda” que operam
em planos diferentes, mas voltam-se à maior introdução competitiva dos Estados no panorama
de trocas internacionais. As experiências de integração econômica devem ser identificadas
como espaços onde se elaboram normas particulares para a atividade financeira. Tais normas
não devem ser tão abrangentes quanto as normas internacionais e nem tão restritas quanto as
normas nacionais. São válidas em determinada região geográfica, para um determinado
número de Estados, ocupando uma posição mediana entre estas duas esferas de
normatividade 48 .

A análise da conjuntura atual do planeta demonstra a existência de dois


movimentos que aparentemente se contrapõem, mas que são interdependentes. O primeiro é o
fenômeno da globalização da economia mundial que “une todas as nações e regiões dentro de
um movimento único que integra o conjunto da humanidade numa civilização planetária”. E o
segundo consiste no fortalecimento local que se faz necessário para a competição em escala
mundial. Este fortalecimento das nações, das regiões e dos diferentes agentes sociais vem
ocorrendo através dos processos de integração das nações em blocos regionais 49 .

O processo de integração regional pode ser entendido como defesa em razão


da situação fática causada pela globalização, principalmente no que se refere às economias

46
NORRIS, Roberto. Contratos coletivos supranacionais de trabalho e a internacionalização das relações
laborais no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 19-20.
47
ROMITA, Arion Sayão. Direito do Trabalho: temas em aberto. São Paulo: LTr, 1998, p. 106.
48
FRANCESCHINI, Luis Fernando. A atividade financeira internacional e o acordo sobre serviços financeiros
do GATS/OMC. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber (Coordenadores). Direito
Internacional Público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 79.
49
SANTOS, Theotonio dos. Economia mundial, integração regional e desenvolvimento sustentável: as novas
tendências da economia mundial e a integração latino-americana. Petrópolis: Editora Vozes, 1999, p. 53.
46

que se mantiveram relativamente isoladas da competição do mercado internacional, até os


idos dos anos setenta 50 .

A propagação no espaço e no tempo dos povos, dos bens, das idéias e das
imagens deu origem a processos de desestabilização em âmbito global, a exemplo do
“fracasso na constituição de regimes políticos de ordem mundial, as migrações diaspóricas e o
enfraquecimento do Estado-nação”, caracterizando o que pode ser denominado de
“globalidade negativa”, sendo necessário o encetamento de esforços, tanto locais quanto
globais, na tentativa de controlar ou acalmar esses processos 51 .

A múltipla divisão das fases de produção de bens e a divisão do trabalho em


conjunto com o afastamento do Estado da sua função social de regulação estão produzindo, de
forma científica, globalizada e voluntária, a pobreza que, neste momento histórico, é
“pervasiva, generalizada, permanente, global” 52 .

A realidade da globalização é incontestável, porém é cada vez maior o


número de estudiosos e economistas que afirmam que o ponto negativo mais evidente da
globalização é a desigualdade que gera entre países e regiões. Os organismos internacionais,
diferentemente do que afirmam os defensores da liberalização econômica, não emitem
simples opiniões nesse sentido, mas sim afirmações que podem ser comprovadas através de
dados estatisticamente colhidos 53 .

Um grande número de pessoas no Terceiro Mundo vem enfrentando um


estado lamentável de miséria, com menos de um dólar para sobreviver por dia. Essa situação
fática é decorrente da distância cada vez maior entre “os que têm e os que não têm”. As
tentativas de redução dos índices de pobreza feitas durante o último século XX não foram
suficientes para diminuir a miséria. Paradoxalmente a miséria aumentou ao mesmo tempo em
que a renda total mundial cresceu, em média, 2,5% ao ano 54 .

50
FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 63.
51
MOREIRAS, Alberto. A exaustão da diferença: a política dos estudos culturais latino-americanos. Tradução
de Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001, p. 81.
52
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2001, p. 72.
53
SALA, José Blanes. La globalización y las regiones: experiencia europea y referencias para el Mercosur. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 143-144.
54
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São
Paulo: Futura, 2002, p. 31-32.
47

Estatísticas da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe -


55
CEPAL do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e do Banco
Mundial comprovam que o processo de globalização atinge positivamente apenas 20% da
população mundial. Exatamente os 20% que detêm 80% do PIB mundial. Relatórios do
PNUD demonstram que entre 1970 e 1985 o PNB mundial aumentou em 40%, no entanto
também cresceu o nível de pobreza em 17% 56 .

Bonavides, de forma lapidar, salienta que a globalização da economia, nos


moldes em que está sendo “seguida e executada, configura a antítese da soberania. Com o fim
do Estado constitucional e soberano, adeus Amazônia, adeus Brasil, adeus independência
nacional. Mas nós vamos lutar e resistir para que esta despedida nunca aconteça. Afinal de
contas somos um povo, não somos ainda uma sociedade de cafres e primatas num continente
globalizado pela recolonização” e continua expressando-se no sentido de que “... o Direito
Constitucional volta a ser nos nossos dias um Direito Político, um Direito Constitucional de
luta e resistência, como o foi no século XIX. Ontem, contra o absolutismo, hoje, contra a
globalização. Ontem, para elidir o passado, com a separação de poderes, hoje, para conquistar
o futuro com os direitos fundamentais” 57 .

Paulo Bonavides salienta, ainda, que existem dois tipos de globalização. A


primeira é a “globalização neoliberal do capitalismo sem pátria”, que classifica como
“hegemônica e satânica”. A segunda é a globalização da democracia que caminha lentamente
e é “continuamente obstaculizada e bloqueada ao longo dos séculos” e esta sim é “mais
aberta, mais humana, mais fraterna”. Posteriormente, faz interessante paralelismo com o texto
bíblico de David e Golias, onde exalta a importância dos tratados e do Direito Internacional,
afirmando que “têm sido buscadas iniciativas, tratados, congressos, convenções, conferências
e seminários internacionais, onde o David dos juristas do Direito Internacional desafia, com as
pedras da lei e da justiça, o gigante Golias dos filisteus da globalização” 58 .

55
Órgão criado pela Organização das Nações Unidas com a finalidade de efetuar estudos na América Latina e no
Caribe.
56
SALA, José Blanes. La globalización y las regiones: experiencia europea y referencias para el Mercosur. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, p. 144.
57
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros Editores,
2001, p. 107.
58
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros Editores,
2001, p. 99-101.
48

Boaventura de Sousa Santos, tomando como base o Relatório do


Desenvolvimento Humano do PNUD, relativo a 1999, afirma que “os 20% da população
mundial a viver nos países mais ricos detinham, em 1997, 86% do produto bruto mundial,
enquanto os 20% mais pobres detinham apenas 1%”. Posteriormente, aduz que “a diferença
de rendimento entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre era, em 1960, de 30 para 1, em
1990, de 60 para 1 e, 1994, de 74 para 1”. O que comprova de forma contumaz o crescimento
do nível de pobreza e a maior concentração de riqueza nas mãos de poucos 59 .

Origina-se do fenômeno da globalização a previsão no sentido de serem


superados os estados nacionais com o nascimento de uma nova organização política, que
poderá tomar a forma de um “Estado mundial”, sob a égide da ONU. Mas, apesar da força
que impele a globalização, ela não é capaz de anular as diferenças culturais que existem entre
todas as civilizações do planeta Terra (a exemplo da Muçulmana), razão por que é mais crível
o reagrupamento dos Estados atuais. Esta reunião de Estados se faz necessária, imperativa
mesmo, em face da globalização que tornou os estados nacionais incapazes de coordenar o
processo político, econômico e social dela decorrente. Este reagrupamento inicia-se pelos
interesses econômicos comuns com a posterior extensão ao plano político causando este
processo agregativo, a formação de nova estrutura de unidades políticas – os blocos regionais,
blocos de integração regional, as comunidades. Uma estrutura mais condizente com o novo
quadro mundial 60 .

Em síntese, em razão da globalização ou da mundialização ou, ainda, da


internacionalização, não se pode pensar mais em nações estanques com total soberania, como
classicamente entendido.

Impõe-se, nestas condições, a integração das nações em blocos regionais,


que, por sua vez, possuirão órgãos supranacionais e conseqüentemente a imprescindibilidade
de alterar-se o conceito clássico de soberania.

A seguir, será examinado o conceito e o surgimento do direito da integração


regional, com análise dos requisitos necessários, as fases que constituem a formação de um
bloco regional e os diversos tipos de bloco.

59
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In SANTOS, Boaventura de Sousa
(Organizador). A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2002, p. 34.
60
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p.
221, 223.
49

1.2 Conceito de integração regional

Com o fim das duas Grandes Guerras e com a necessidade de manutenção


da paz, houve uma tendência ao nascimento de organizações internacionais como a Liga das
Nações 61 .

Em verdade, o surgimento do que se denominou como a terceira geração de


direitos humanos, veio “ensejar uma reflexão inovadora sobre a estrutura e a essência do
Direito Internacional Público”. As relações internacionais sempre se estabeleceram e
desenvolveram entre Estados, como sujeitos de Direito Internacional. No entanto, no decorrer
do século XX, paulatinamente, “acederam também ao cenário do direito das gentes as
organizações internacionais e as pessoas privadas” 62 .

Salienta Roberto Luiz Silva que o fim da Guerra Fria alterou a organização
política internacional que se baseava no confronto entre o capitalismo e o socialismo,
substituindo o modelo bipolar por um modelo multipolar 63 .

O término da guerra fria e a desagregação da economia-mundo socialista


extinguiram a bipolarização mundial em bloco soviético ou comunista e bloco norte-
americano ou capitalista, o que gerou o surgimento de um novo gráfico do mapa do mundo
onde surgem diversas economias-mundo regionais em um novo cenário de uma economia-
mundo capitalista global 64 .

Com o término da Guerra Fria e da era bipolar, a grande maioria dos


Estados deixou de ter inimigos definidos, tendo passado a enfrentar perigos, razão por que, há
necessidade de buscar fontes de legitimidade diferentes das utilizadas no passado 65 .

Estes perigos consistem em problemas que atingem áreas superiores ao


perímetro geográfico dos Estados. São problemas “globalizados” que necessitam de
resoluções por parte de várias nações a um só tempo.

61
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17.
62
COMPARATO, Fábio Konder. O reconhecimento de direitos coletivos na esfera internacional. Revista
Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, n. 23, 1998, p. 5.
63
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17.
64
IANNI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 39.
65
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 80.
50

Neste diapasão, o tempo fez surgirem outras organizações internacionais de


natureza multilateral, com diferentes estruturas e finalidades, como a ONU, a OTAN, o
FMI/BIRD e outros 66 . E, mais recentemente, as tão faladas ONG’s – Organizações Não
Governamentais.

Os blocos de integração regional, tanto quanto as nações e as entidades


internacionais, na esfera externa, são consideradas sujeitos de Direito Internacional e
concebidas como uma “síntese de poderes soberanos” 67 .

Principalmente com o término da Segunda Grande Guerra e na segunda


metade do século XX, iniciou-se o recente processo de integração. A Queda do Muro de
Berlim, a desintegração da antiga URSS e o término da Guerra Fria deram ensejo ao processo
de integração a partir de um maior intercâmbio comercial entre os países. Acresce-se a estes
acontecimentos o fenômeno da globalização que causa “a diminuição do tamanho do mundo”
como conseqüência do desenvolvimento tecnológico e da rapidez com que as informações são
processadas 68 .

As rixas ideológicas, a partir deste modelo multipolar, são substituídas por


problemas de ordem regional, como o combate ao tráfico de drogas, os problemas ambientais
e a luta contra o terrorismo 69 .

Durante a fase da Guerra Fria, havia polaridades definidas, como Leste-


Oeste, Norte-Sul, mercado aberto, mercado fechado. Hoje, as polaridades são indefinidas e a
globalização (economia, valores, informações) e a fragmentação (das identidades, dos
Estados, dos fundamentalismos) exercem papel preponderante 70 .

A partir das lições dos povos, extraídas das duas Grandes Guerras desse
século e da mudança do mundo “bipolarizado” para o mundo “multipolarizado”, surge a
integração entre os povos. Nasce, assim, em 1957, a Comunidade Econômica Européia,
iniciando-se uma nova forma de integração, o mercado comum, que objetiva a união não

66
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17.
67
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de1988. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, v. 5, 1991, p. 2533.
68
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 29-30.
69
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17.
70
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 18.
51

apenas das economias, mas também proporciona condições de vida mais favoráveis aos
integrantes do bloco a partir da circulação de bens, pessoas, serviços e capitais 71 .

A idéia de integração regional foi se expandindo e invadiu áreas


anteriormente exclusivas dos Estados soberanos. A partir desta idéia de expansão, que tomou
por base as organizações internacionais, nasceram os blocos regionais 72 .

O processo constituído pela reunião de Estados-nação, dando origem a


blocos regionais que possuem interesses sócio-econômicos, “parece ser a conseqüência
histórica de vários fatores, dentre os quais podem ser destacados a globalização da economia,
o fim da fase colonialista, o término da Guerra Fria e o gigantismo das empresas
multinacionais” 73 .

Novos padrões de comportamentos passaram a ser estabelecidos com o


surgimento de inusitadas situações fáticas, originadas a partir da interligação de fenômenos
concomitantes, como a globalização econômica, rapidez na troca de informações, integração,
competitividade e transformação tecnológica constante, que geraram, em conseqüência, a
alteração de concepções mundiais clássicas 74 .

O mundo está transformado e continua transformando-se a uma velocidade


espantosa. A imensa gama de informações hoje facilmente acessíveis é uma das principais
causas desta mudança.

O processo de integração regional constitui, fundamentalmente, um


processo cultural. Para validar esta afirmação, a integração somente poderá realizar-se quando
exista um sistema de valores comuns entre os atores do processo, que incluam uma visão do
mundo em que se vive e no qual se pretende chegar e que o processo seja internalizado como
útil pelos cidadãos dos países-membros. O que somente se tornará possível quando a
comunicação interativa entre os indivíduos, independentemente de sua posição social,
política, econômica ou intelectual, produzir um sistema axiológico que gere melhores
condições de vida. Esta situação constitui um novo processo de legitimação de um estágio

71
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho da União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 289.
72
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17-18.
73
LAVOR, Francisco Osani de. Livre circulação de trabalhadores no âmbito do Mercosul. Revista de Trabalho e
Doutrina. São Paulo: Saraiva, n. 24, 2000, p. 69.
74
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Temas de integração. In CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes
(Coordenador). Temas de integração com enfoques no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p. 57.
52

superior de organização, assim como o é a união de Estados, seja aduaneira, econômica ou


política. Ressalte-se que as dimensões culturais constituem um dos problemas mais
importantes da integração, uma vez que, sem esta cultura comum, não haveria integração
real 75 .

A finalidade da integração de Estados consiste em reunir-se, agrupar-se,


congregar-se nações, em busca do desenvolvimento econômico e social do bloco. Os
integrantes do grupo devem possuir similitudes históricas e culturais, além de proximidades
geográficas, que são requisitos indispensáveis à integração regional.

A partir da crise do Estado tradicional, ocorrida em face do fenômeno da


globalização, determinados Estados buscaram integrar-se regionalmente, objetivando a
melhoria nas trocas econômicas internas e o aumento do seu peso político e econômico nas
relações com o resto do mundo 76 .

Pode ser afirmado que em decorrência dos inúmeros problemas surgidos a


partir do fenômeno da globalização, nasceu, entre diversos países, a necessidade de buscarem
a integração regional.

A nova ordem mundial apresenta-se como uma nova realidade, ampla e


complexa, constituindo-se em um conjunto de mudanças estruturais nos mais diversos setores
da sociedade. Alguns antigos conceitos devem ser repensados, a fim de se alcançar novos
modelos e referências que melhor se adequem às novas situações 77 .

No passado, a integração decorria das conquistas de guerras. Atualmente, o


conceito de integração universalmente aceito refere-se à criação de blocos econômicos, que
têm por fundamento regras legais. Desta forma, o direito coordena a convivência mútua entre
os Estados soberanos, que se equilibram de acordo com a reciprocidade de concessões
existentes entre eles. Em razão do processo de globalização, as dificuldades de sobrevivência

75
SALOMONI, Jorge Luis. Reforma Del Estado y Mercosur: hacia la construcción de un Derecho Público
Comunitario. In SUNDFELD, Carlos Ari / VIEIRA, Oscar Vilhena (Coordenadores). Direito global. São Paulo:
Max Limonad, 1999, p. 127-128.
76
ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Mercosul: manual de Direito da Integração. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2001, p. 3.
77
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 19.
53

cresceram e dificultaram sobremaneira as possibilidades de competição para os Estados que


não se inserirem em blocos econômicos 78 .

Com a necessidade da adequação dos Estados às novas mudanças e às regras


do novo mercado, faz-se a opção pela constituição de blocos regionais que advêm com o
movimento de integração, que nasce a partir de cessão de parcela da soberania estatal a uma
entidade supranacional, bem como com a nova tendência da atuação estatal na intervenção
econômica restrita aos campos do planejamento e da assistência social 79 .

A influência cada vez maior de organismos transnacionais (FMI, BIRD,


OMC, entre outros) dilapida o poder que era reconhecido aos Estados-nação na área de suas
fronteiras territoriais, gerando a necessidade de adequação e de redefinição do papel do
Estado 80 .

Razão pela qual hoje pode ser afirmado que a participação, ou união, em
grupo de nações que busquem objetivos comuns, é necessária para a própria sobrevivência
dos Estados.

Por outro lado, a integração de nações em blocos regionais é fenômeno mais


recente do que a globalização e, “ambos são diametralmente opostos”, uma vez que, o
surgimento de blocos regionais ocorre exatamente no momento em que o multilateralismo
sofre um enfraquecimento, mas é de advertir-se que esta situação não significa o término do
processo de globalização, mas “representa apenas a reação de Estados-membros e blocos aos
efeitos que ela acarreta”. Pelo que, pode ser afirmado que um bloco de integração regional,
corresponde a uma organização internacional constituída por Estados soberanos de uma
mesma região, que “iniciam uma integração econômica, levando a um processo de
interpenetração dos seus direitos internos” e, paulatinamente, dando origem a um
ordenamento jurídico baseado em acordos, que vai gradualmente adquirindo um “caráter de
unidade, podendo alcançar um nível tal de harmonização jus-político-econômica” que
consolide uma verdadeira “união semifederativa de Estados” 81 .

78
VAZQUEZ, Adolfo Roberto. El Mercosur y su necesaria complementación mediante un “tribunal
supranacional”. In PIMENTEL, Luiz Otávio (Organizador). Mercosul, Alca e Integração Euro-Latino-
Americana. Curitiba: Juruá Editora, v. 1, 2001, p. 15.
79
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 19.
80
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 19.
81
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 29.
54

A harmonização das diversas legislações nacionais é objetivo de


organizações internacionais de natureza integrativa, o que se dará com a remoção das
barreiras legais tarifárias ou não, que dificultem a livre circulação de produtos, serviços,
pessoas e capitais no âmbito do mercado comum integrado 82 .

Assim, a integração regional pode ser definida como o meio pelo qual se
procura reunir nações em busca de igual objetivo, visando-se, principalmente, ao crescimento
mútuo.

Não havendo herança comum no campo cultural, proximidade geográfica e,


sobretudo, interesse comercial e conveniência econômica, o processo integracionista não seria
possível, pois haveria um “fenômeno de acomodação geopolítica, normalmente movido por
estímulos de interesses econômicos recíprocos” 83 .

José Ângelo Estrella Faria defende que existem dois tipos de integração: a
internacional e a regional. A primeira tem como característica o fato de ser utilizada no
âmbito da economia capitalista global, sendo impulsionada pela interação e pela
interdependência dos Estados. A segunda é o resultado de acordos políticos entre países
geograficamente próximos, com o objetivo de obter vantagens típicas do processo 84 .

Para Garré Copello, autor uruguaio, a integração internacional é uma


característica da dinâmica da sociedade internacional que tende a unir entidades políticas
menores, transformando-as em outras maiores. E a integração regional está situada em um
plano inferior da integração global, ou seja, refere-se apenas a um processo que tem lugar
entre dois ou mais Estados, em uma escala geograficamente limitada 85 .

82
FRANCESCHINI, Luis Fernando. A atividade financeira internacional e o acordo sobre serviços financeiros
do GATS/OMC. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber (Coordenadores). Direito
Internacional público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 78.
83
PIRES, Alice / FONSECA, Amanda / CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São
Paulo: LTr, 1998, p. 12.
84
FARIA, José Ângelo Estrella. O Mercosul: princípios, finalidades e alcance do Tratado de Assunção. Brasília:
Subsecretaria Geral de Assuntos da Integração, Econômicos e do Comércio Exterior. Núcleo de Assessoramento
Técnico, 1993, p. 25-26 apud JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo:
LTr, 2000, p. 50.
85
GARRÉ COPELLO, Belter. El Tratado de Asunción y el Mercado Común del Sur: los megabloques
económicos y América Latina. Montevidéo: Editorial Universidad, 1991, p. 18, 26 apud JAEGER JUNIOR,
Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 50.
55

Outro autor uruguaio, Roberto Ruiz Díaz Labrano define a integração como
sendo: “o status jurídico no qual os Estados entregam, cedem ou trasladam algumas de suas
prerrogativas soberanas, com o fim de construir uma área dentro da qual, pela eliminação das
barreiras, circularão livremente as pessoas, os bens, os serviços e os capitais, mediante a
harmonização das políticas correspondentes e sob uma égide supranacional” 86 .

Ofélia Stahringer de Caramuti entende a integração como um processo


multidimensional que inclui tanto a dimensão da construção de instituições, como a formação
de uma autêntica cultura de integração, baseada no respeito e na convivência federativa das
culturas nacionais e locais 87 .

Flávio Augusto Saraiva Straus conceitua integração regional como uma


“união orgânica de estados soberanos visando à consecução de fins comuns” 88 .

Quanto à natureza dos processos de integração regional pode ser dito que é
programática, uma vez que envolve uma “mudança dos fins do Estado contemporâneo”, mas
que também é pragmática já que a sua efetivação se “implementa através de mecanismos
técnico-jurídicos concretos” que buscam alcançar sempre uma maior eficiência 89 .

A partir das características apresentadas surge um novo ramo do direito, que


terá princípios próprios e que ingressará diretamente no ordenamento jurídico interno dos
países membros, independentemente de norma de recepção e, vinculará imediatamente a
todos, não só Estados, como também cidadãos, de forma imediata e direta 90 . Este estudo será
efetivado no item 2.1.3.

86
LABRANO, Roberto Ruiz Díaz. Mercosur: Integración y Derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p.
60 apud JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 50.
87
STAHRINGER DE CARAMUTI, Ofélia. Introducción. In STAHRINGER DE CARAMUTI, Ofélia
(Coordenador). El Mercosur en el nuevo orden mundial. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1996, p. 15 apud
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 50.
88
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 56.
89
FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. As diretivas da Comunidade Européia. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 9, n. 37, 2001, p. 22.
90
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Princípios gerais de Direito Comunitário. In BAPTISTA, Luiz Olavo /
FONSECA, José Roberto Franco da (Coordenadores). O Direito Internacional no terceiro milênio: estudos em
homenagem ao professor Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 247.
56

1.3 Requisitos necessários à integração regional

Na verdade, o que se tem de certeza é que não há certeza alguma nos


processos de integração. Eles são constituídos passo a passo por cada bloco e cada um tem
suas características próprias, que são afetadas por inúmeras circunstâncias culturais, sociais e
históricas.

De acordo com Chiarelli, cada integração tem sua história. Esta se faz no
tempo e à luz das realidades da sua comunidade, não se podendo falar em uma integração
padrão. Afirma, ainda, a não existência de fórmulas pré-concebidas da instituição de
integração regional e que há necessidade de serem preenchidos alguns requisitos no processo
de integração, de ordem geográfica, histórica e cultural 91 .

Para haver integração é necessário que as sociedades dividam uma área


geográfica comum. Afinal, não pode haver integração sem que exista a participação ativa de
pessoas e isto as inovações tecnológicas não estão aptas a propiciar 92 .

Para que haja processo de integração jurídica é necessária a existência de


um mínimo de harmonização, dos princípios e das normas dos direitos nacionais,
principalmente quanto às matérias programáticas já tratadas pelas constituições dos Estados-
membros, que são assecuratórias de soberana garantia, como os direitos e liberdades
fundamentais de natureza humana e política 93 .

Assim, em uma economia globalizada, um único Estado isolado tende a


perecer ou a ser absorvido por outros economicamente mais fortes. Esta é a razão, a
necessidade mesmo, de se integrarem os países em blocos regionais, principalmente, os países
ainda em desenvolvimento que não têm uma economia equilibrada.

91
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Temas de integração. In CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes
(Coordenador). Temas de integração com enfoques no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p. 35.
92
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Temas de integração. In CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes
(Coordenador). Temas de integração com enfoques no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p. 18.
93
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, a. 8, n. 30, p. 23.
57

O adágio popular “a união faz a força” também aqui pode ser aplicado e se
mostra eficaz. “Juntos, os integrantes do MERCOSUL têm-se mostrado mais aptos a
conseguir alcançar patamares de negociação e acordo que isoladamente não tinham podido
lograr” 94 .

Com a união, ou integração dos países em blocos regionais, busca-se o


desenvolvimento social e econômico e a possibilidade de tratarem de igual para igual com as
economias gigantes que hoje compõem o cenário mundial.

1.4 Fases da integração regional

Diversas são as fases de integração passíveis de escolha a partir do grau


pretendido de aprofundamento no processo integracionista 95 .

Para formar um grupo regional é necessário que os Estados passem por


diversas fases de integração. Para Luizella Giardino B. Branco tais fases não devem ser
entendidas como estágios em um processo que leva, eventualmente, a completar a integração
política 96 .

1.4.1 Zona de livre comércio

Inicialmente, tem-se a fase da zona de livre comércio, pela qual se


estabelece a livre circulação de mercadoria, sem qualquer barreira ou limite, quando são

94
CASELLA, Paulo Borba. Direito Internacional: vertente jurídica da globalização. Porto Alegre: Síntese,
2000, p. 126.
95
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000, p.
28.
96
BRANCO, Luizella Giardino B. Sistema de Solução de Controvérsia no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p.
24.
58

subtraídos os direitos aduaneiros, ou seja, são eliminadas as tarifas de importação e as


barreiras não tarifárias no comércio intra-regional 97 . Caracteriza-se pela extinção total das
tarifas incidentes no comércio entre os Estados que integram o mesmo bloco 98 .

Elizabeth Accioly ressalta que a maior partes dos blocos regionais fez opção
por esta forma de integração, a exemplo da Associação Européia de Comércio Livre e o
NAFTA 99 .

Roberto Luiz Silva inclui uma fase anterior à área de livre comércio, que
seria a Área de Tarifas Preferenciais, com a redução parcial das tarifas alfandegárias100 .

1.4.2 União aduaneira

Posteriormente, tem-se a fase da união aduaneira, pela qual estabelece-se a


livre circulação de bens originários dos Estados que dela fazem parte ou bens importados de
terceiros países, desde que estejam legalizados com esta finalidade. A união aduaneira põe
fim à imposição de certificados de origem para que os produtos possam circular dentro do
bloco 101 .

A característica básica desta fase consiste no estabelecimento de “tarifação


idêntica para produtos similares de países diferentes” e fixação de “encargos iguais quando os
produtos forem diversificados e provenientes das várias nações partícipes” 102 .

97
PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In BRANDÃO, Antonio Salazar P.;
PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 12.
98
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30.
99
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 29.
100
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30.
101
CAMPOS, João de Motta. Direito Comunitário – o ordenamento econômico, v. III, Lisboa: Fundação
Calouste Gubenkian, 1994, p. 187 apud ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura
jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000, p. 32.
102
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes / CHIARELLI, Matteo Rota. Integração: direito e dever. São Paulo:
LTr, 1992, p. 57.
59

É a unificação da estrutura tarifária com relação a terceiros países. Já se


pode falar aqui, da existência de normas jurídicas comunitárias, uma vez que há o
estabelecimento de barreiras alfandegárias com a adoção de medidas conjuntas, para os países
não participantes do bloco 103 .

No entender de Elizabeth Accioly, a formação de uma união aduaneira


implica, necessariamente, uma cessão de soberania em grau mais elevado ao que se faz mister
em constituição de zona de livre comércio 104 .

Alerta, ainda, que se este foi o modelo eleito pelos dirigentes dos Estados-
membros, devem agora aceitar as conseqüências que derivam da escolha política e que são
inerentes à implantação de uma união aduaneira.

1.4.3 Mercado comum

A fase imediata é a de constituição do mercado comum, cujas


características são a livre circulação dos fatores de produção, capital e trabalho.

A circulação livre dos fatores de produção, do capital e do trabalho,


conseqüentemente, implicará no fato de os nacionais poderem, livremente, prestar serviços
em qualquer dos Estados-membros.

O mercado comum cria, prioritariamente, quatro liberdades:

• Livre circulação de bens;

• Livre circulação de serviços;

• Livre circulação de pessoas;

• Livre circulação de capitais.

103
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30.
104
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 33.
60

A livre circulação de bens gera como conseqüência imediata a abertura das


fronteiras entre os países que integram o bloco e a destituição das barreiras alfandegárias. Esta
destituição tem como finalidade precípua a livre circulação dos bens entre os países
componentes do bloco integrativo.

A livre prestação de serviços garante, além da circulação irrestrita de


pessoas, também a opção de se fixarem ou prestarem serviços nas mesmas condições que os
nacionais dos Estados, sem qualquer discriminação, no que diz respeito à nacionalidade 105 .

A livre circulação de pessoas caracteriza-se pelo fato de o nacional de um


país-membro poder circular livremente por outro, ou outros, países-membros com ampla
liberdade, sem ser submetido a fiscalização nas fronteiras.

A livre circulação de capitais é conseqüência natural das outras três


liberdades antes referidas, a livre circulação de bens, a livre circulação de pessoas e a livre
prestação de serviços.

Os mercados comuns originam-se a partir das decisões vinculantes


emanadadas do poder diretivo, que têm a capacidade de representar as soluções
circunstanciais, embora historicamente objetivadas na concretude, além das elaborações
jurídico-normativas que se encontram de acordo com os fatos e valores sociais mais urgentes.
Assim percebe-se, atualmente, a obrigatoriedade da organização econômica o que induz a
uma restrição de direitos no âmbito internacional e a uma imposição na esfera política,
jurídica, econômica e social. Este fenômeno, em verdade, representa uma forma de agir
originada e estabelecida, consubstanciada em razão das práticas capitalistas no contexto
econômico mundial. Outrossim, “processa-se ainda uma comunicação de posturas econômicas
de impacto característico”, já que se fundamenta pela existência de normas jurídicas que são
partilhadas pelos Estados-membros, consolidando-se as “diferenças numa arquitetura em que
as partes emergem como um bloco econômico”. Estas normas jurídicas comuns aos
participantes de um bloco de integração vêm sendo denominadas de Direito Comunitário 106 .

105
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 39-40.
106
CORREIA, Victor S. Antunes. Análise jurídico-política do Mercosul. Revista de Estudos da Integração.
Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. Porto Alegre: Associação Brasileira de estudos da
Integração, v. 11, 1997, p. 66.
61

1.4.4 União econômica e monetária

Nesta fase, ocorre a unificação das políticas monetária, fiscal e cambial com
a instalação de um Banco Central independente e a adoção de uma moeda única, quando
então haveria, como forma final do processo integracionista, a criação de uma “Autoridade
Supranacional” embasada em normas comunitárias com aplicabilidade direta e hierarquia
superior às normas estatais internas, com obediência de suas decisões pelos Estados-
membros 107 .

Esta última etapa da integração regional, que se caracteriza pela união


econômica e monetária, constitui campo ainda imberbe até mesmo para a União Européia,
que se encontra em fase de instituição de uma moeda única – o “EURO”, que emitida por um
Banco Central independente circulará livremente entre todos os países integrantes da União
Européia. O acompanhamento da situação demonstra que existem entraves a serem
suplantados, no entanto, hoje, o Euro já é uma realidade.

Elemento que constitui o principal móvel da união econômica comum é o


fato de que a política monetária e cambial passará a ser controlada pela comunidade. Na
União Européia terá como etapa mais marcante o Sistema Europeu de Bancos Centrais que
abarcará os bancos centrais de cada um dos países membros.

1.5 Tipos de blocos regionais

Não se pode falar na existência de uma “integração padrão”. Cada processo


integrativo tem sua história e se perfaz tendo por fundamento as realidades de cada
comunidade específica. Razão por que existem múltiplos processos de integração, cada um
adequado à sua realidade 108 .

107
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30-31.
108
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Temas de integração. In CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes
(Coordenador). Temas de integração com enfoques no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p. 35.
62

Como forma de sistematização da matéria, levando-se em conta os objetivos


principais de um grupo de nações, podem ser classificados os blocos regionais.

Os objetivos, finalidades e pretensões dos blocos regionais são diversos e


apresentam distintas características que possibilitam uma classificação em blocos
econômicos, blocos comerciais e blocos de produção 109 .

Cada processo de integração “vai gerar um tipo de estrutura, fruto do como


se fez e para que se fez” 110 .

Os blocos econômicos que são mais abrangentes, apresentam como


finalidade a livre circulação dos fatores de produção com uma maior integração entre seus
membros 111 . Como exemplos podemos citar a União Européia, e, em um estágio menos
adiantado, o Mercosul, tomando por base o disposto no artigo 1º do seu tratado de
constituição, o Tratado de Assunção 112 :

“(...) A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre


os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos
alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de
mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;(...)”

Os blocos comerciais buscam a livre circulação de produtos somente em


nível tarifário e normalmente constituem-se por zonas de livre comércio. Como exemplo
temos o NAFTA 113 .

O bloco de produção é constituído por um Estado principal que possui


capital e tecnologia e os fornece aos outros Estados periféricos. Por exemplo: o Japão e os
Tigres Asiáticos 114 .

109
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 32.
110
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Temas de integração. In CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes
(Coordenador). Temas de integração com enfoques no Mercosul. São Paulo: LTr, 1997, p. 36.
111
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 32.
112
ARAÚJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V. Magalhães; REIS, Márcio Monteiro. Código do Mercosul:
tratados e legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 18.
113
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 32.
114
SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 32.
63

Outra interessante classificação é a que entende que são diversas as


experiências de integração econômica regional, tanto nas propostas quanto na sua organização
estrutural, apresentando divergências nos objetivos a serem alcançados e nos meios que serão
utilizados. Podem ser divididas em dois tipos: as organizações de natureza cooperativa e as de
natureza integrativa 115 .

As de natureza cooperativa têm molde intergovernamental e é mínima a


atribuição de poderes soberanos aos seus órgãos componentes, constituindo-se em
organizações típicas do Direito Internacional Público. Já as organizações de modelo
integrativo não se aproximam do modelo intergovernamental, uma vez que são atribuídos à
organização internacional poderes de elaboração de normas que são hierarquicamente
superiores às do ordenamento estatal interno, razão que justifica a denominação de
supranacionais 116 .

No capítulo seguinte serão analisados os blocos regionais da União


Européia e do Mercosul, constituindo-se ambos em blocos econômicos, sendo o primeiro uma
organização de natureza integrativa e o Mercado Comum do Cone Sul uma organização de
natureza cooperativa, pelo menos até o momento da elaboração deste trabalho.

115
FRANCESCHINI, Luis Fernando. A atividade financeira internacional e o acordo sobre serviços financeiros
do GATS/OMC. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber (Coordenadores). Direito
Internacional Público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 78.
116
FRANCESCHINI, Luis Fernando. A atividade financeira internacional e o acordo sobre serviços financeiros
do GATS/OMC. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber (Coordenadores). Direito
Internacional Público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 78.
64

CAPÍTULO 2

A UNIÃO EUROPÉIA E O MERCOSUL

Ao se falar de Direito da Integração não há como deixar de abordar a União


Européia, que atualmente consiste no mais avançado bloco de integração regional,
salientando-se que o estudo não se propõe a exaurir o tema, mas apenas tratar de alguns
pontos que têm pertinência com a análise do Direito da Integração regional.

Será estudado, também, em rápidas pinceladas, o Mercado Comum do Cone


Sul em razão de ser o bloco regional de que o Brasil faz parte, nos pontos atinentes ao assunto
em estudo.

2.1 A União Européia

Há 50 anos, a Europa estava esgotada, exaurida, restaurando-se de uma


guerra oriunda das tensões entre os Estados europeus. Mesmo totalmente dilapidada,
cooperaram os Estados para a criação de um novo sistema de poder transnacional e delegado,
partilharam aspectos de sua soberania e instituíram tribunais eficazes. Esta realização
decorreu não apenas de idealismos, mas também, e principalmente, de interesses próprios,
assim como hoje há interesses semelhantes no governo global, relevante para todos os
Estados 117 .

A idéia contemporânea de “um mundo de nações” foi responsabilidade da


compreensão da noção de Estado que, em certa medida, constitui “um conceito ocidental
moderno”. Esta concepção gerou a “configuração das nações como realidade central no
panorama histórico contemporâneo”, uma vez que embasaram-se as nações em uma estrutura
tanto cultural quanto econômica. As experiências em busca de poder levaram à junção de
nações que se consubstanciaram nas “superpotências” com base na “posse de superarsenais”,

117
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 158-159.
65

dando causa à denominada Guerra Fria e à conseqüente divisão mundial em “dois blocos
toscamente chamados Oriente e Ocidente”, consagrando duas áreas de exploração e
influência, com prioridade absoluta do poder eminentemente econômico e militar, impondo ao
mundo “uma espécie de fusão entre o infantilismo cultural e o colossalismo material” 118 .
Grifos no original.

A superação do quadro de “divisão bipolar” (Leste-Oeste), com o fim da


guerra fria, deu ensejo ao esboço de uma nova ordem mundial, onde, com o cessar da política
da desconfiança, as “fronteiras territoriais deixam de ser barreiras intransponíveis e passam a
ser pontos de contato, elos de ligação” 119 .

É neste novo contexto global que podem ser inseridos a União Européia e os
demais blocos regionais.

A União Européia iniciou-se como parte do sistema bipolar, mas consiste,


em verdade, em uma resposta à globalização. Pode-se dizer que ela define a “Europa” como
uma entidade, mas a circunstância que possui de mais importante é o fato de que estão sendo
desenvolvidas instituições sociais, políticas e econômicas que se estendem além do Estado-
nação e chegam até o indivíduo. Tendo sido criada por cooperação entre governos nacionais,
consiste em muito mais do que uma mera associação regional de Estados 120 .

118
SALDANHA, Nelson. O declínio das nações e outros ensaios. Recife: FUNDAJ, Editora Massagana, 1990,
p. 20, 23-25.
119
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes; CHIARELLI, Matteo Rota. Integração: direito e dever. São Paulo:
LTr, 1992, p. 203-204.
120
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 154.
66

2.1.1 Fontes históricas que deram origem à Comunidade Européia

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial arrasaram a Europa, com muita


destruição e milhares de mortos. Esta situação fez surgir uma semente de união entre os países
europeus.

Diversas foram as conseqüências que advieram da Segunda Guerra


Mundial; entre elas ocorreu o “declínio e a descentralização da Europa no cenário mundial”.
Duas novas superpotências surgiram com o início da Guerra Fria, bipartindo a Europa tanto
geograficamente quanto politicamente; os Estados Unidos da América (EUA) de um lado e a
União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas (URSS) de outro. Com a injeção de capital
americano, em decorrência do Plano Marshall, iniciou-se a recuperação da Europa Ocidental,
que passou a ser ameaçada em razão da tensão entre a França e a recém criada República
Federal da Alemanha. A divergência consistia no fato de a região metalúrgica do Sarre, que
era almejada pela França, ter sido incorporada ao território da Alemanha. Foi quando surgiu o
Plano Shuman do Ministro das Relações Exteriores da França, Robert Shuman, propondo a
integração da siderurgia francesa e alemã “sob o comando de uma alta autoridade e aberta a
outros países”, tendo surgido a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA). O autor
intelectual deste plano foi Jean Monnet que hoje é considerado símbolo da União Européia.
Com o mecanismo de fusão supranacional do setor industrial, a França e a Alemanha
delegaram, voluntariamente, parcela de soberania, fenômeno esse que consistiu no “embrião
da entidade supranacional em que se constitui a atual União Européia” 121 .

O surgimento da União Européia, que nasceu com a Comunidade Européia


do Carvão e do Aço (CECA) e com a Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA),
constitui um ponto importante que dispensa “maiores digressões”, tendo sido responsável pelo
estreitamento das distâncias, ultrapassando barreiras das relações entre os países europeus 122 .

121
NOGUEIRA, Aloysio Pereira. União Européia: Os tratados básicos. In LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo
(Coordenador). Direito Comunitário e jurisdição supranacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p.
59-60, 62.
122
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. O Mercosul e as relações de trabalho: relações individuais, relações
coletivas, relações internacionais de trabalho. São Paulo: LTr, 1993, p.18.
67

Assim, em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, foi instituída a


Comunidade Econômica Européia (CEE) que deu origem a uma nova forma de integração, o
mercado comum, possuindo como finalidade não só a unificação, mas também buscando,
primordialmente, o crescimento, ensejando melhores condições de vida, através da livre
circulação de bens, pessoas, serviços e capitais.

Iniciou-se a Comunidade Econômica Européia com seis países. Além da


França e da Alemanha, como já citado, aderiram mais quatro parceiros – Itália, Holanda,
Bélgica e Luxemburgo 123 .

Em 1962 ocorreu o lançamento da política agrícola comum. Em 1968 tem


início a união aduaneira e em 1979 o Sistema Monetário Europeu (SME) que resultaram no
Tratado de Maastricht em 1991 sobre a União Européia 124 .

São três os Tratados que constituíram a Comunidade Européia: primeiro o


Tratado de Paris, em 1951, que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do Aço
(CECA); posteriormente, em 1957, o Tratado de Roma relativo à Comunidade Européia de
Energia Atômica (CEEA ou EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE); por
fim, com o Tratado de Maastricht, as Comunidades Européias passaram a utilizar a
denominação de União Européia e a Comunidade Econômica Européia passou a ser designada
apenas como Comunidade Européia, uma vez que deixou de perseguir somente fins
econômicos 125 .

Surge, a partir deste momento, quase que um novo país cujas divisas são as
que cercam o bloco regional, ficando abertas as fronteiras internas para que os cidadãos
circulem livremente, trabalhem, residam e invistam em todo o espaço comunitário.

Em 1993, chegou-se à fase de Mercado Comum, quando doze países já


integravam o bloco. Atualmente, quinze países participam da União Européia.

123
NOGUEIRA, Aloysio Pereira. União Européia: Os tratados básicos. In LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo
(Coordenador). Direito Comunitário e jurisdição supranacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p.
60.
124
ROCHA, José de Moura. Comunidade Européia, Mercosul, jurisdição. In BARBOSA MOREIRA, José
Carlos (Coordenador). Estudos de Direito Processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 220.
125
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 63.
68

Com a formação do mercado comum em 1993, esgotaram-se os objetivos do


Tratado de Roma, que passou por uma revisão, surgindo o Tratado de Maastricht ou Tratado
da União Européia que agora, alcançados os objetivos do mercado comum, procura avançar
ainda mais com a unificação da moeda (o euro), a cidadania e a defesa únicas 126 .

Interessante circunstância que vale a pena ser ressaltada é que, inicialmente


havia a supremacia do fator econômico, tendo sido relegado o aspecto social ao fato de serem
buscadas melhorias de condições de vida e de trabalho. No entanto, esta situação alterou-se de
forma substancial a partir do Tratado de Maastricht, tendo decorrido, esta alteração, de um
“clamor institucional”, uma vez que a Europa buscava, mais do que simplesmente a questão
econômica e a instituição de uma cidadania européia, buscava avanços na área social 127 .

A União Européia é a mais ousada experiência de integração econômica e


política e a segunda maior associação econômica internacional do mundo 128 .

Recentemente, em 17 de junho de 1997, foi assinado o Tratado de


Amsterdam, ainda não ratificado pelos quinze integrantes da União Européia, e que possui
quatro objetivos primordiais, a saber: fazer do emprego e dos direitos dos cidadãos o eixo da
União; suprimir os últimos obstáculos à livre circulação e reforçar a segurança; fazer com que
a voz da Europa se ouça melhor no mundo; fazer mais eficaz a arquitetura institucional da
União com vistas à próxima ampliação.

2.1.2 Fases de implantação do mercado comum na União Européia

Na Comunidade Européia a implantação do mercado comum deu-se em


duas fases, cuja finalidade consistiu em adequação das economias às novas realidades 129 .

126
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura Jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 67.
127
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 104.
128
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, p.
12.
129
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr, 1994, p. 18.
69

A primeira fase, a de coordenação, tinha como escopo a efetivação de ações


coordenadas, mantendo-se, entretanto, todos os aspectos da soberania.

A segunda fase, denominada de integração, “redundava na constituição de


uma formulação de aspectos da soberania de maneira supranacional e integrada”130 .

O mais importante tratado é o da Comunidade Econômica Européia, uma


vez que estabeleceu um mercado comum 131 .

A constituição do mercado comum, da “Europa unida”, integrada no âmbito


econômico, social e político, impôs o surgimento de um ordenamento jurídico fundado em um
sistema constitucional e institucional 132 .

Na segunda fase da implantação do mercado comum na União Européia, se


fez necessário a realização de um novo contrato social. Neste, certos aspectos da legislação de
cada país seria objeto de acordos internacionais, com a finalidade de ser implantada a
integração e, depois, a Comunidade, que passaria a ter normas comuns, de natureza superior,
com atuação sobre a vida de cada um dos países integrantes. A partir dessa análise, surge uma
nova figura jurídica que está baseada na união entre o Direito Internacional e o Direito
Constitucional. Em razão do nascimento deste novo ramo do direito, profundas mudanças
ocorreram nos sistemas jurídicos dos países europeus 133 .

2.1.3 O surgimento do Direito Comunitário

O direito constitui uma realidade social de dupla feição. Como integrante


das atividades humanas é marcado, naturalmente, pelas formas de organização de cada

130
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr, 1994, p. 18.
131
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 63.
132
FORTE, Umberto. União Européia – Comunidade Econômica Européia (Direito das Comunidades
Européias e harmonização fiscal). Tradução de Ana Tereza Marino Falcão. São Paulo: Malheiros Editores,
1994, p. 30.
133
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr 1994, p. 18.
70

sociedade e pela cultura. “Mas é uma realidade singular”, porque ao mesmo tempo em que
representa o reflexo de uma sociedade, ele constitui o projeto de atuar sobre ela. O direito
adequa-se ao estado da sociedade, é por ela influenciado, ao tempo em que também influencia
sobre a sociedade, quando exerce o seu papel de organizador da vida social, através da tarefa
normativa 134 .

As vinculações, os processos, as relações e as disposições de dominação e


apropriação, incompatibilidade e integração, ultrapassam delimitações, mares e oceanos. As
ciências sociais defrontam-se com vários problemas, que parecem exceder a capacidade
interpretativa das definições já existentes 135 .

Por esta razão, o direito deve procurar compatibilizar-se com os novos


instrumentos que têm aparecido nos dias hodiernos. É necessário que os estudiosos, valendo-
se das ricas experiências do substrato social, criem novas figuras jurídicas ou que procedam a
uma adequação das existentes, em face dos inúmeros novos processos que vêm sendo
observados.

A disciplina responsável pela análise da nova figura jurídica, que emergiu


de uma perspectiva marcadamente econômica, foi denominada de Direito Social Comunitário,
ou Direito Comunitário, em razão de “referir-se a um ramo do direito que estuda a questão
social no interior da Comunidade Econômica Européia”, hoje União Européia 136 .

Interessante situação que merece ser relatada, porque de suma importância,


é o fato de o Direito Comunitário garantir a possibilidade de acesso do trabalhador da
Comunidade a qualquer Estado-membro, circunstância que foi responsável por assegurar um
alto nível de emprego nos anos sessenta e setenta, tendo sido, posteriormente, criada a Rede
Européia de Serviços (EURES) 137 .

134
ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. XI.
135
IANNI, Octávio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 167.
136
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes; CHIARELLI, Matteo Rota. Integração: direito e dever. São Paulo:
LTr, 1992, p. 205-206.
137
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 75.
71

A Comunidade Européia criou um novo “centro de produção de direito e de


aplicação de normas” que se superpõem ou geram grande influência nas leis nacionais dos
Estados-membros 138 .

O Tratado que criou a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, ainda que


limitado ao campo carbo-siderúrgico, consistiu em ser a “primeira efetiva superação do
princípio da soberania nacional e constituiu um novo modelo de estrutura supranacional”,
tendo, em verdade, significado o surgimento de uma nova dimensão no campo jurídico, a
comunitária, gerando, em conseqüência, o nascimento do Direito Comunitário 139 , que
representa, indubitavelmente, “um novo direito”, “uma concepção absolutamente inédita das
relações entre direitos nacionais e a esfera supranacional” 140 .

Significa um novo aspecto concebido a partir das relações entre direitos


nacionais e as normas emanadas de organismos supranacionais, afastando-se, de forma
incontestável, da concepção clássica do Direito Internacional.

O Direito Comunitário não constitui, como dito, simples ramo do Direito


Internacional, Público ou Privado. Não se trata, também, de mero direito interno dos Estados-
membros. É um novo ramo do direito, complexo, na medida em que aborda tanto matérias
atinentes ao direito público como ao direito privado 141 .

O Direito Comunitário vincula os Estados-membros e tem supremacia sobre


o direito nacional, o que vale dizer: a legislação comunitária há de ter precedência sobre a
legislação interna.

A diferenciação entre o clássico ramo do Direito Internacional e o


novíssimo Direito Comunitário consiste em que o Direito Internacional não se impõe à ordem
jurídica dos Estados. Já no que se refere ao Direito Comunitário, ocorre uma subordinação das
ordens jurídicas internas ao Tribunal Comunitário Supranacional.

138
FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros
Editores, 1998, p. 49.
139
FORTE, Umberto. União Européia – Comunidade Econômica Européia (Direito das Comunidades
Européias e harmonização fiscal). Tradução de Ana Tereza Marino Falcão. São Paulo: Malheiros Editores,
1994, p. 30.
140
FRADERA, Vera Maria Jacob de. A jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Européia como
orientadora do novo direito. Revista do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, a. 36, n. 143, 1999, p. 270.
141
SEINTEFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 184.
72

Quanto ao direito interno, a diferença consiste em que os tribunais


comunitários possuem competências específicas 142 .

Diferentemente, os Tribunais dos Estados respondem pela manutenção de


todo o ordenamento jurídico interno, consistindo, inclusive, em princípio basilar a jurisdição,
que, em última medida, corresponde ao poder em abstrato de aplicar todo e qualquer direito,
ou seja, a possibilidade de apreciação, pelo poder judiciário, de qualquer lesão ou ameaça a
direito 143 , obedecida a circunscrição territorial do Estado.

Interessante concepção adota Flávio Augusto Saraiva Straus para quem não
se impõe uma preponderância do Direito Comunitário sobre o direito interno nem mesmo do
direito nacional sobre o comunitário. O que existe, em verdade, é uma “efetiva interação entre
ambos” 144 .

O sistema de Direito Comunitário que rege a União Européia não impõe a


necessidade de os Estados se desligarem das suas legislações nacionais 145 .

Circunstância que consiste, também, em mérito do Tratado da União


Européia, é o fato de ter procedido à clara distinção entre o âmbito de competência exclusiva
dos Estados e da Comunidade e a delimitação da área onde esta competência é concorrente,
criando o princípio da subsidiariedade, pelo qual, no âmbito da competência concorrente a
Comunidade somente intervirá, quando os objetivos da ação pretendida não possam ser
suficientemente realizados pelos Estados-membros, ou quando possam ser melhor alcançados
se realizados ao nível comunitário 146 .

As decisões do Tribunal de Justiça da União Européia, que é sediado em


Luxemburgo, formam jurisprudência que serve de orientação para o próprio Tribunal e para
os Tribunais Nacionais dos Estados-membros. Podendo ser afirmado que, no campo do

142
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 155.
143
Cf. o artigo 5o, inciso XXV da Constituição Federal do Brasil.
144
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 56.
145
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado, no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, a. 8, n. 30, 2000, p. 23-35.
146
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 102.
73

Direito Comunitário, prevalece a autoridade do Tribunal da União Européia sobre a


autoridade dos tribunais dos países-membros 147 .

Constituem fontes do novo ramo da ciência jurídica as definições contidas


nos tratados que deram origem à União Européia.

São princípios que regem o Direito Comunitário a aplicabilidade direta e


imediata de suas normas e a sua prevalência ou primazia sobre o direito comum.

Por aplicabilidade direta entenda-se a criação de direitos e obrigações pelo


órgão supranacional. A aplicabilidade imediata refere-se ao fato de não ser necessário
qualquer procedimento interno do Estado-membro para a eficácia das normas passarem a
integrar o ordenamento positivo de cada um dos países participantes.

Quanto ao princípio da primazia ou prevalência do Direito Comunitário


sobre as legislações nacionais, não resta qualquer dúvida de que a União Européia o adotou
como princípio basilar do seu sistema organizacional 148 .

A jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça da União Européia vem


demonstrando, indubitavelmente, a aplicação deste princípio da primazia do Direito
Comunitário.

Cabe ser feita a distinção entre o Direito Comunitário originário e o Direito


Comunitário derivado.

O Direito Comunitário originário tem como fundamentação os tratados


constitutivos dos blocos regionais a exemplo dos Tratados de Paris, Roma, Maastricht e
Amsterdam da União Européia. Pode ser afirmado que juntamente com os documentos,
protocolos e anexos, bem como com os estatutos das instituições criadas, os referidos tratados
“formam em seu conjunto, a Constituição escrita da União” 149 .

147
PIRES, Alice / FONSECA, Amanda / CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São
Paulo: LTr, 1998, p. 34.
148
PIRES, Alice; FONSECA, Amanda; CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 34.
149
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 158.
74

O Direito Comunitário derivado é subordinado ao Direito Comunitário


originário e consiste nos atos que as diversas instituições do bloco de integração emanam, no
exercício de suas funções 150 .

Na União Européia, a título de exemplo de Direito Comunitário derivado


podem ser citados os regulamentos, as diretivas, as decisões, as recomendações e pareceres 151 .

Como dito e demonstrado a União Européia constitui um bloco econômico


de natureza integrativa, enquanto que o Mercado Comum do Cone Sul, pelo menos até o
momento, tem a natureza de bloco econômico de cooperação. Análise que será encetada no
próximo item.

2.2 O Mercosul

A idéia de integração da América Latina não é recente e desde o século


passado vem sendo sustentada por autores do gabarito do chileno Andrés Bello e do argentino
Juan Bautista Alberdi, para quem o equilíbrio regional decorreria do equilíbrio das
potencialidades comerciais e não do poderio militar 152 .

Desde o século XIX, Simão Bolívar e José de San Martin, através do


Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre as Repúblicas da Colômbia, Centro
América, Peru, e Estados Unidos Mexicanos e na consolidação da Gran-Colômbia, país que
unia a Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Peru buscaram a unificação dos povos latino-
americanos, sem que fosse alcançado qualquer sucesso 153 .

Nos últimos anos, as economias nacionais dos Estados caracterizaram-se


como uma economia de mercado, com uma tendência protecionista, intervenções excessivas e
regulamentação estatal. Porém, tal economia não proporcionou os benefícios que deveriam
ocorrer em face deste modelo econômico, principalmente no que tange à integração na

150
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 159.
151
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 160.
152
PABST, Haroldo. Mercosul: Direito da Integração. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 7.
153
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 78.
75

economia mundial. A economia brasileira sofreu enormes distorções em razão desta


introspecção nacionalista, que, hoje, vêm sendo amenizadas com a adoção de medidas
econômicas de estímulo às exportações e importações, de extinção de reservas de mercado e
de competitividade e qualidade. Um exemplo que se pode indicar e que emerge como parte
desta técnica de integração do Brasil, interna e externamente, é a criação de Zonas de
Processamento de Exportação 154 .

A predisposição que passou a existir no sentido favorável à consolidação do


Mercado do Cone Sul, também pode ser considerada como decorrente desta busca pela
integração do Brasil no contexto internacional.

Como já dito anteriormente no capítulo 1, um processo de integração que se


proponha como verdadeiro “não pode e não deve ser apenas econômico e comercial”, mas
antes, deve abarcar dimensões diversas tão ou mais importantes, como a política, a jurídica, a
social, a cultural, a ecológica, entre outras. O Mercosul em seu nascimento foi eminentemente
político, “oriundo de um projeto geopolítico baseado no fomento da distensão política entre a
Argentina e o Brasil” 155 .

2.2.1 Escorço histórico abreviado do Mercado Comum do Sul

Não é de hoje que se procura unir os países integrantes da América Latina.


Esse ideal surgiu desde o manifesto de Cartagena, com Simon Bolívar.

Iniciativa que vale a pena ser ressaltada é a da criação da Comissão


Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), pela Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1948, com o objetivo de viabilizar o desenvolvimento dos países desta área, que,
inclusive, sugeriu a idéia de criação de um mercado regional sul-americano, com a proposição

154
LINDNER. Eduardo. ZPEs brasileiras: a necessidade de mudanças no contexto do Mercosul. Revista de
Estudos da Integração. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. Porto Alegre: Associação
Brasileira de estudos da Integração, v. 4, 1993, p. 60.
155
CHALOULT, Yves. Relações Mercosul, Alcsa, Alca e papel do Estado. In CHALOULT, Yves; ALMEIDA,
Paulo Roberto (Organizadores). Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social. São Paulo: LTr, 1999, p. 39.
76

de uma cooperação regional com fundamento em um sistema de preferências comerciais, que


seria responsável pela aceleração do desenvolvimento econômico 156 .

Mais recentemente, nos idos dos anos 60, buscou-se a integração econômica
da América Latina com a instituição da ALALC – Associação Latino-Americana de Livre
Comércio.

No entanto, diversas circunstâncias como a situação econômica vivida pelos


países participantes, problemas de estabilização e políticas protecionistas que eram
estabelecidas com a finalidade de alavancar a economia, constituíram-se em impedimentos
que justificaram o fato de não ter sido alcançado resultado positivo.

Diversos tratados buscaram a unificação, mas não lograram êxito. Dentre os


principais podemos citar o Tratado de Montevidéu que foi instituído em 1960 e implementou
a eliminação de barreiras aduaneiras com a finalidade de instituição de uma zona de livre
comércio.

Como afirma Elizabeth Accioly, a ALALC – Associação Latino-Americana


de Livre Comércio - foi, na América Latina, a primeira hipótese surgida de instalação de uma
zona de livre comércio, tendo sido instituída pelo Tratado de Montevidéu no ano de 1960 157 .

A ALALC apoiava-se na idéia de que a integração seria positiva para a


substituição de importações em razão da sua conseqüência lógica, qual seja, a obtenção dos
ganhos de economias de escala em função do alargamento do mercado 158 .

Em 1967 houve, em Punta del Leste, a tentativa de alcançar a solução para


um Mercado Comum da América Latina. Também fracassou.

Como a ALALC não alcançou êxito, foi então instituída a ALADI –


Associação Latino-Americana de Integração, em 1980, que tem como principal finalidade
proceder ao desenvolvimento sustentável da região, tanto no aspecto econômico, quanto sob o
ponto de vista social.

156
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 79.
157
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura Jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 30.
158
PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In BRANDÃO, Antonio Salazar P.;
PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 13.
77

Esta associação estabeleceu como objetivo, estimular acordos preferenciais


de tarifas entre os países-membros que assim desejassem. O objetivo da instituição de uma
área de livre comércio somente seria alcançado a partir da ampliação, pelos países, dos seus
acordos preferenciais. Não foram estabelecidos prazos rígidos, como no caso da ALALC, nem
prevista a eliminação de barreiras entre os países integrantes, através de instrumentos
automáticos 159 .

Com a mudança da situação mundial, na década de 80, consubstanciada


principalmente na tendência integracionista e no exemplo da União Européia, ressurgiu a
idéia de regionalização da América Latina, que, agora, com a instituição da democracia nos
países do Cone Sul, tem perspectivas de êxito. Inclusive, ressalte-se, uma das exigências para
ingressar no Mercado Comum do Sul é o regime democrático.

É interessante destacar que foi assinada, em 1996, uma Declaração


Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul, a denominada “Cláusula
Democrática” pela qual os quatro países-membros assumiram o “compromisso de
consultarem-se e de aplicarem medidas punitivas, dentro do espaço normativo do Mercosul,
em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática em algum Estado-
membro” 160 .

Em 1985 o Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-


Argentina foi formalizado com a assinatura da Ata de Iguaçu. E, posteriormente, em 1988, foi
assinado o Tratado Bilateral de Integração e Cooperação Econômica.

Finalmente, em março de 1991 foi assinado o Tratado de Assunção que


instituiu o Mercado Comum do Sul entre o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai 161 .

O Mercosul surge com o objetivo de incrementar e agilizar o intercâmbio


entre os países do Cone Sul. Desta forma os países integrantes deste pacto devem adotar

159
PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In BRANDÃO, Antonio Salazar P.;
PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 14.
160
CHALOULT, Yves. Relações Mercosul, Alcsa, Alca e papel do Estado. In CHALOULT, Yves; ALMEIDA,
Paulo Roberto (Organizadores). Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social. São Paulo: LTr, 1999, p. 39.
161
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, p.
17.
78

novas políticas econômicas, levando em conta os aspectos quantitativo e qualitativo para que
assim possam alcançar uma integração comercial, política, social e econômica 162 .

É importante salientar, que as finalidades do Tratado que instituiu a ALADI,


que também recebeu a denominação de Tratado de Montevidéu, e do Tratado de Assunção,
que instituiu o Mercosul, são totalmente compatíveis.

Por esta razão, não há qualquer impedimento em serem formadas zonas de


livre comércio com outros países que integram a ALADI.

É, inclusive, o que se pode observar dos acordos de complementação


firmados pelo Mercosul com o Chile e a Bolívia para a formação de uma zona de livre
comércio entre eles, fazendo surgir então uma nova forma mista – união aduaneira para os
países-membros do Mercosul e zona de livre comércio com o Chile e a Bolívia.

Foi ultrapassada, pelo Mercosul, a fase de criação de uma zona de livre


comércio, com total êxito, no período compreendido entre 1991 e 1994. Encontrando-se, hoje,
na fase de união aduaneira, que teve início em 1995, tendo sido possibilitada, com isso, a
integração das economias.

Todos os organismos criados até então eram de caráter intergovernamental e


aos governos nacionais cumpriria a tarefa da implementação das negociações firmadas e sua
fiscalização 163 .

Com a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto em 15 de dezembro de


1995, o Mercosul passou a ter personalidade jurídica de Direito Internacional. Isto significa
que pode negociar como bloco com outros países e outros blocos ou organismos
internacionais.

Já em dezembro de 1995, foi assinado o Acordo de Cooperação Inter-


regional entre a União Européia e o Mercosul, no que se refere à liberação do comércio de

162
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, p.
17.
163
PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In BRANDÃO, Antonio Salazar P.;
PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 18.
79

bens e serviços e que tem como principal finalidade o estreitamento das relações
comerciais 164 .

2.2.2 Fases de implantação do Mercosul

A implantação do Mercado Comum do Sul foi prevista inicialmente em


duas fases. A primeira – fase provisória, onde as instituições seriam também provisórias. Já na
fase definitiva devem ser instaladas instituições definitivas a fim de que seja possibilitada a
consolidação do processo de integração.

Serão necessárias reformas legislativas em todos os Estados-partes e em


algumas situações alterações constitucionais, com a finalidade de que sejam consolidadas as
cinco liberdades previstas no Tratado de Assunção, que, uma vez alcançadas, poder-se-á falar
em concluída a fase de mercado comum.

As liberdades de que trata o documento constitutivo do Mercosul são: a


liberdade de circulação de mercadorias, a liberdade de circulação de pessoas, a liberdade de
serviços, a liberdade de investimentos e a liberdade de circulação de capitais.

2.2.3 Mercosul hoje. Análise quanto aos aspectos do Direito da Integração


regional, do princípio da soberania nacional e da adoção do instituto
da supranacionalidade

A unificação do mercado, com a efetivação das liberdades, deveria vigorar a


partir de 1º de janeiro de 1995.

Não obstante, em 1995 o Mercado Comum do Sul não preenchia, ainda,


todos os critérios necessários à caracterização de um mercado comum.

164
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, a. 8, n. 31, p.
18.
80

As negociações ficaram limitadas à liberalização do comércio intra-regional


e ao estabelecimento de uma tarifa externa comum, mas com situações excepcionais, razão
pela qual o Mercosul é caracterizado, hoje, como uma união aduaneira imperfeita, uma vez
que houve a adoção de uma tarifa externa comum para todos os integrantes do bloco, embora
haja algumas exceções, razão por que é denominada de imperfeita.

Atualmente, o Mercosul ainda é uma união aduaneira em formação,


principalmente em face da parcialidade da adoção da tarifa externa comum, uma vez que não
se aplica à totalidade dos produtos importados de terceiros países 165 .

Sobreleva notar, que houve uma expansão comercial da ordem de 8% para


20% desde que foi instituído o bloco regional até o ano de 1994, o que demonstra
oportunidades de mercado que anteriormente eram desconhecidas pelos países-membros 166 .

É inegável que o Mercado Comum do Sul ampliou as condições de


negociação internacional de cada um dos Estados-partes, bem como que o respaldo do bloco é
imensamente superior ao de cada um de seus componentes separadamente 167 .

Em razão do estágio atual do Mercosul, que se encontra em fase de criação


de um mercado comum, não se pode falar na existência de um Direito Comunitário, mas
simplesmente em um direito de cooperação onde se busca a harmonização das legislações
nacionais. Seus órgãos têm caráter de intergovernabilidade e não de supranacionalidade,
sendo todas as suas decisões tomadas por consenso e não por maioria 168 .

De modo diferente do que ocorre com o Direito Comunitário Europeu, a


aplicação do Direito da Integração no Mercosul é baseada nos princípios gerais do Direito
Internacional Público, não havendo qualquer delegação de poderes, de soberania, a órgãos

165
FARIA, Werter R. Os processos latino-americanos de integração. In CASELLA, Paulo Borba (Coordenador).
Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 318.
166
PEREIRA, Lia Valls. Tratado de Assunção: resultados e perspectivas. In BRANDÃO, Antonio Salazar P.;
PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 11.
167
MELLO, Isabel Parente de. A inserção do Mercosul na economia mundial. In BRANDÃO, Antonio Salazar
P.; PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1998, p. 75.
168
RANDS, Maurício. Implicações dos sistemas regionais de integração na proteção ao trabalho: o Mercosul.
Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito. Recife: Universidade Federal de Pernambuco/ CCJ, n. 10,
2000, p. 191.
81

comunitários, até porque não foi criado nenhum órgão comunitário no âmbito do Mercosul,
que não admite a supranacionalidade 169 .

Os governos dos Estados-membros do Mercosul designam representantes ou


delegados que compõem os órgãos intergovernamentais, e que têm competência para decidir
acerca de questões comunitárias de ordem político-administrativa, técnica ou cultural. Desta
forma, expressam a vontade política de seus respectivos Estados, não exercendo, de forma
autônoma, funções deliberativas. Não é o que ocorre com os órgãos comunitários que
possuem natureza supranacional, uma vez que agem e decidem de forma independente, já que
integram poderes institucionais, executivos, legislativos e jurisdicionais, com competência
própria, diversa da que é exercida pelos Estados nacionais 170 .

Entretanto, há órgãos do Mercosul, como o Foro Consultivo Econômico-


social e a Secretaria Administrativa que apresentam traços de supranacionalidade. O
Secretário, ex vi, não é representante de qualquer um dos Estados-partes, nem mesmo do país
de onde é nacional. Ele representa o bloco regional e exerce suas atribuições no interesse da
organização sendo escolhido de comum acordo pelos governos, razão por que pode ser
caracterizado o direito do Mercosul como parcialmente comunitário, uma vez que apresenta
algumas notas típicas de supranacionalidade 171 .

O Tratado de Assunção previu um regime institucional transitório que


vigorou até 1994. A referida estrutura provisória compunha-se do Conselho do Mercado
Comum e do Grupo Mercado Comum, que constituem órgãos fundamentais do Mercosul.
Com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, outras instituições foram criadas, dentre elas a
Comissão de Comércio do Mercosul, a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo
Econômico Social e a Secretaria Administrativa do Mercosul 172 .

Houve grande discussão quanto à não fixação de uma estrutura definitiva do


Mercosul. Ivo Dantas 173 , em suas anotações sobre o artigo 4o da Constituição do Brasil, cita,

169
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 141.
170
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado, no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, a. 8, n. 30, p. 30-31.
171
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor –
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 196.
172
ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Mercosul: manual de Direito da Integração. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2001, p. 13.
173
DANTAS Ivo. Constituição Federal anotada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 6.
82

como um dos autores que se referem ao tema da integração com os países da América Latina
que o Brasil deverá buscar, a autoridade no assunto Deisy de Freitas Lima Ventura, que, em
recente artigo intitulado “Avaliação da Estrutura Institucional Definitiva do Mercosul”, faz
crítica à não fixação definitiva do modelo estrutural do Mercosul no Protocolo de Ouro Preto,
concluindo que “a estrutura em movimento está aquém do seu próprio e modesto desenho”
174
.

Com a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul adquiriu


personalidade jurídica e se tornou organização internacional, causando dificuldades à doutrina
quanto à sua classificação. Os questionamentos que surgem em torno do novo processo são
diversos, sendo o principal deles tentar saber se o que existe é um acordo de cooperação
econômica internacional ou uma nova organização internacional. Há doutrinadores para as
duas correntes. Os que defendem o primeiro ponto de vista alegam em seu benefício o
argumento das competências atribuídas aos órgãos no Tratado de Assunção, enquanto que os
defensores da segunda corrente invocam o fato de não existirem os caracteres habituais para
configurar a existência de uma organização internacional, a exemplo de supranacionalidade,
estruturas permanentes, etc, alegando que a maturidade do Mercosul será alcançada com a
posterior evolução do processo de integração regional, que se encontra em andamento 175 .

No entanto, no Mercosul, mais especificamente no Protocolo de Ouro Preto,


em seu artigo 41, nos incisos I e II, podem ser identificadas normas de Direito Comunitário
originário 176 .

Dispõe o artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, in verbis 177 :

“Artigo 41 – As fontes jurídicas do MERCOSUL são:

I. O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos


adicionais ou complementares;

II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus


protocolos:

174
VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Avaliação da estrutura institucional definitiva do Mercosul. In
VENTURA, Deisy de Freitas Lima (Organizadora). Direito Comunitário do MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997, p. 104.
175
FARIA, Werter R. Os processos latino-americanos de integração. In CASELLA, Paulo Borba (Coordenador).
Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 318-319.
176
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 159.
177
ARAÚJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V. Magalhães; REIS, Márcio Monteiro. Código do Mercosul:
tratados e legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 69.
83

III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do


Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio
do MERCOSUL, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de
Assunção.

As fontes secundárias são originadas a partir dos órgãos que formam o


modelo institucional do Mercosul.

O Conselho do Mercado Comum profere decisões, que têm caráter


obrigatório, sobre o funcionamento do bloco visando ao cumprimento dos tratados que
instituíram o Mercosul.

Essas decisões consistem em atos legislativos com a finalidade primordial


de assegurar o cumprimento dos objetivos acordados politicamente pelos Estados-membros.
Estas decisões têm prevalência sobre as resoluções e as diretrizes, que consubstanciam as
demais normas de Direito Comunitário derivado 178 .

O Grupo do Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado do Cone Sul,


que é coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores dos países-membros,
manifestando-se através de atos denominados resoluções, que têm por fim regular as políticas
a serem adotadas e o cumprimento das mesmas 179 .

A Comissão de Comércio do Mercado Comum do Sul formula as


denominadas diretrizes ou propostas que tratam das ações relativas aos instrumentos de
políticas comerciais necessárias ao funcionamento do bloco de integração 180 .

No Mercosul, segundo Elizabeth Accioly, há um direito derivado de


“primeiro nível” (decisões), enquanto as resoluções e diretrizes consubstanciam um direito
derivado de “segundo nível”, e têm a finalidade de contribuir para o bom desempenho dos
órgãos, buscando-se a integração comunitária e uma unidade jurídica comum 181 .

178
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 160.
179
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 153.
180
PIRES, Alice; FONSECA, Amanda; CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 29.
181
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000, p.
143.
84

As decisões são atos do Conselho do Mercado Comum, as resoluções, do


Grupo do Mercado Comum e as diretrizes, da Comissão de Comércio do Mercosul, todas
incluídas no inciso III do já referido e transcrito artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto 182 .

Por seu turno, estabelece o artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto 183 :

“Artigo 38 – Os Estados-Partes comprometem-se a adotar todas as


medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios
o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL
previstos no artigo 2 deste Protocolo.
Parágrafo único – Os Estados-Partes informarão à Secretaria
Administrativa do MERCOSUL as medidas adotadas para esse
fim”.

Com base no teor deste artigo, as normas provenientes dos órgãos do


Mercosul, quais sejam, Conselho do Mercado Comum, Grupo Mercado Comum e a Comissão
de Comércio do Mercosul, terão caráter obrigatório como prevê o artigo 42 do Protocolo de
Ouro Preto. Os Estados-membros, quando a necessidade se fizer, deverão internalizar estas
normas aos ordenamentos jurídicos nacionais, mediante os procedimentos que a legislação de
cada país estabelecer 184 .

Os países integrantes do Mercado Comum do Sul responsabilizam-se, de


acordo com o artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto, em adotar as providências que se fizerem
necessárias para garantir a incorporação das normas procedentes dos órgãos do Mercosul, em
seus respectivos territórios. Com a finalidade de produção simultânea de efeitos, em todos os
Estados-membros, impõe-se a notificação à Secretaria Administrativa do Mercosul, com sede
no Uruguai, que adotará as medidas cabíveis 185 .

Os destinos do Mercosul são do interesse de toda a comunidade mundial,


principalmente porque várias oportunidades se abrem nesse novo mercado ampliado. Para que

182
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 160.
183
ARAÚJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V. Magalhães; REIS, Márcio Monteiro. Código do Mercosul:
tratados e legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 68.
184
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 161.
185
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 161.
85

se possa enfrentar as restrições nos mercados dos países desenvolvidos, a tendência mundial à
globalização e à regionalização é de fundamental importância a integração do Mercosul 186 .

A América Latina, “palco de movimentos de aproximação no passado” com


a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e com a Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI), palmilha a integração do Cone Sul, “avivando esperanças
e criando expectativas favoráveis à integração que se propõe” 187 .

Ulrich Wehner afirma que o Mercosul é responsável por 50% do Produto


Interno Bruto (PIB) da América Latina, tendo sido a União Européia o seu primeiro parceiro
comercial. Com relação ao volume de negócios salienta que houve um acréscimo
significativo, principalmente, nos primeiros anos da integração latino-americana 188 .

O processo de elaboração do Mercosul não segue apenas “opções de política


comercial, de modernização econômica ou definições de caráter defensivo”. Ao contrário,
constitui a própria essência da estratégia político-diplomática dos governos, razão pela qual o
Mercado do Cone Sul está destinado a fortificar-se e a afirmar-se tanto em escala regional
quanto internacional. Já está sendo transposta a etapa de um mero processo de integração
econômica para mostrar-se como uma das fases “historicamente paradigmáticas no itinerário
já multissecular das nações platinas e sul-americanas”. A situação que se apresenta decorre,
primacialmente, das opções feitas pelas nações quanto à integração na economia mundial e de
sua confirmação de política mundial na era global. Como afirma Paulo Roberto de Almeida, o
Mercosul configura-se cada vez mais como um “work in progress” 189 .

Há desvantagens na inexistência de instituições supranacionais


principalmente em razão do costume histórico dos países latinos cuja tendência sempre foi no
sentido de serem autocentrados, o que os torna vulneráveis a pressões externas. Essas
questões ainda se encontram sem solução já que para a criação das referidas instituições é

186
MELLO, Isabel Parente de. A inserção do Mercosul na economia mundial. In BRANDÃO, Antonio Salazar
P.; PEREIRA, Lia Valls (Organizadores). Mercosul: perspectivas da integração. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1998, p. 75-76.
187
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 84-85.
188
WEHNER, Ulrich. Nuevo dinamismo o estancamiento: el futuro de las relaciones entre el Mercosur y la UE.
Revista de Direito do Mercosul. Buenos Aires: La Ley Sociedad Anônima Editora e Impresora, 2001, a. 5, n. 3,
p. 72.
189
ALMEIDA, Paulo Roberto de. O futuro do Mercosul: os desafios da agenda interna e da liberalização
hemisférica. In LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida (Organizadores). O Mercosul no limiar
do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000, p. 25-26.
86

necessário o decurso do tempo. Não pode ser seguido, de forma idêntica, o modelo europeu,
uma vez que as duas realidades são distintas, contudo é possível ser aproveitada a experiência
da União Européia 190 .

Em síntese, pode ser afirmado que a integração do Mercado Comum do


Cone Sul vem se firmando, paulatinamente, já se encontrando em vias de complementação de
uma união aduaneira.

O acordo celebrado com a União Européia no final de 1995, visando à


instituição de uma zona de livre comércio entre os dois blocos de integração, bem como a
possibilidade de “resistir à pressão” dos Estados Unidos que pretendem antecipar a instalação
da ALCA, com previsão inicial para o ano de 2005, ou ainda, a entrada como bloco regional e
não cada país isoladamente, são fatores que têm o condão de demonstrar que a “união
regional” reforça a autodeterminação e verdadeira independência das nações integrantes
perante o restante do mundo economicamente globalizado para que se possa ter uma “voz de
diálogo entre as regiões” 191 .

O próximo passo, sem dúvida, consiste na busca da integração, não só


econômica, mas também jurídica que, inobstante as recentes crises ocorridas no interior de
alguns de seus membros, se imporá como único meio capaz de fortalecer o bloco regional do
Mercosul como um todo e, como conseqüência lógica, cada um de seus integrantes de per si.

O Programa de Governo do Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em


tópico intitulado “Política externa para Integração Regional e negociação global brasileira”
defende o livre-comércio, desde que a competição ocorra em igualdade de condições. Assim,
afirma a necessidade de resgatar o Mercosul e, “a partir dele negociar a integração mais ampla
das Américas”. Aduz, ainda, que a proposta da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), da forma como está formulada, “representa menos uma verdadeira integração e mais
uma forma de anexação” 192 .

190
VIZENTINI, Paulo G. F. Mercosul: dimensões estratégicas, geopolíticas e geoeconômicas. In LIMA, Marcos
Costa / MEDEIROS, Marcelo de Almeida (Organizadores). O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo:
Cortez; Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000, p. 35.
191
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95-96.
192
[PROGRAMA de governo: crescimento, emprego e inclusão social. Política extena para integração regional e
negociação global]. Disponível em: <www.lula.org.br>. Acesso em: 24 nov. 2002.
87

Em inúmeras entrevistas, quando ainda canditado, afirmou Luiz Inácio Lula


da Silva que “a proposta da ALCA significa na prática uma espécie de anexação das
economias latino-americanas à economia dos Estados Unidos” e que, em verdade, se
procedida seguindo os moldes da atual proposta, daria causa a imensos prejuízos à indústria,
agricultura, comércio e serviços nacionais, até mesmo a própria cultura brasileira seria
atingida. Afirma que o caminho a ser seguido passa pela reafirmação da soberania com a
realização de potencialidades nacionais em âmbito mundial. As negociações devem ser
realizadas em igualdade de condições entre parceiros comerciais. Como subsídios de suas
afirmações indica que “60% das exportações brasileiras encontram algum tipo de obstáculo
para entrar nos Estados Unidos”, ou taxas exageradas ou cotas de importação. “Um estudo
feito pela embaixada brasileira em Washington constatou que as exportações brasileiras para
os EUA pagam uma tarifa média de 45%, enquanto as americanas para o Brasil pagam em
média 15%”. Diversos estudos demonstram que “na prática todos os setores da economia do
Brasil perdem mais do que ganham aderindo à ALCA, nas condições até agora propostas”. Se
a integração ocorrer de forma muito acelerada causará redução de direitos sociais e
trabalhistas, reforçando o desemprego e tornando ainda mais precárias as condições de
trabalho, levando-se em conta que os setores da industrialização e dos serviços serão afetados
e que as empresas terão que enfrentar maior competição com rápida redução de custos. “É por
isso que defendemos uma verdadeira integração política, econômica e cultural dos países
latino-americanos para poder negociar em melhores condições com os Estados Unidos. É por
isso que defendemos o fortalecimento e a ampliação do Mercosul. É por isso também que
defendemos uma posição de efetiva solidariedade à Argentina e aos demais países que vêm
sendo tragados pela grave crise das políticas neoliberais” 193 .

Entrevistas e reportagens ocorridas após a eleição presidencial que


consagrou o candidato do Partido dos Trabalhadores como Presidente do Brasil indicou que, o
novo governo dará ênfase ao processo integrativo do Mercado Comum do Cone Sul, como
forma de fortalecimento dos países Latino-americanos. Impõe-se a leitura de alguns tópicos
muito elucidativos:

• “Para o Brasil é mais interessante neste momento defender o Mercosul, do que


simplesmente aderir a um acordo sob a hegemonia dos EUA. Reforçar o
Mercosul significa atrair os países andinos para o acordo, estreitar laços com a

193
[PROGRAMA de governo: crescimento, emprego e inclusão social. Política extena para integração regional e
88

União Européia e ampliar o comércio com China, Índia, com a Ásia de modo
geral, com a África do Sul, e com todos os países onde haja espaço para
crescer. Confio na possibilidade de desenvolver relações de respeito mútuo
com os EUA, com base no reconhecimento do direito dos povos à soberania,
ao desenvolvimento e à democracia” 194 .

• “Quinta-Feira, 21 de Novembro, 06:21 PM. Mercosul é uma prioridade do


próximo governo, diz Singer. BRASÍLIA - A reconstrução do Mercosul será
um dos temas que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai tratar com
os presidentes da Argentina, Eduardo Duhalde, e do Chile, Ricardo Lagos, na
viagem que fará aos dois países nos dias 2 e 3 de dezembro próximo. Segundo
André Singer, porta-voz do presidente eleito, o Mercosul é uma prioridade
do próximo governo. Lula não quis adiantar os temas que discutirá com o
presidente norte-americano George W. Bush na viagem que fará aos EUA no
dia 12 de dezembro” 195 . Grifei.

• “Rio de janeiro, sexta-feira, 22 de novembro de 2002. Brasil vai jogar duro


com os Estados Unidos, diz Mercadante. BRASÍLIA - O governo do PT vai
jogar duro com o governo norte-americano no que diz respeito às relações
internacionais de comércio. O recado foi dado, ontem, pelo senador eleito por
São Paulo, deputado Aloizio Mercadante. Ele participou, na Granja do Torto,
da reunião do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com o secretário-
adjunto do Departamento de Estado dos Estados Unidos para Assuntos do
Hemisfério Ocidental, Otto Reich. "Essa foi a síntese da intervenção do
presidente eleito na reunião", contou Mercadante. Segundo o deputado, o novo
governo estará muito mais empenhado na defesa dos interesses nacionais, ao
mesmo tempo que está aberto a aprofundar as relações comerciais, políticas,
diplomáticas e institucionais com outras partes do mundo, especialmente com
o país economicamente mais importante, que é os Estados Unidos. (...) O
Brasil, segundo o deputado, não pode repetir o que houve no primeiro mandato

negociação global]. Disponível em: <www.lula.org.br>. Acesso em: 24 nov. 2002.


194
LULA esclarece questões sobre seu plano de governo Disponível em:
<http://www.comitesindical.kit.net/Noticias/noticias_entrevista_lula.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
195
MERCOSUL é uma prioridade do próximo governo,diz Singer. Yahoo Notícias, 21 nov. 2002. Disponível
em: <br.news.yahoo.com/21/panorama.html>. Acesso em: 24 nov. 2002.
89

do atual governo, quando as exportações americanas para o País cresceram


116% e as brasileiras para os EUA subiram apenas 5,6%. "Precisamos
restabelecer um comércio onde os dois países ganhem", afirmou.” 196 .

• “Domingo, 24 de Novembro de 2002. UE quer oferta mais ampla do Mercosul.


A União Européia mandou dois recados ao Mercosul, em especial ao futuro
governo brasileiro, que conduzirá a fase definitiva das negociações comerciais
entre os dois blocos, prevista para iniciar em maio de 2003. O primeiro: que o
Mercosul apresente, em fevereiro próximo, uma oferta de liberalização
significativamente melhor que sua proposta original. O segundo recado: que os
sócios do Mercosul aprofundem seu processo interno de integração e
continuem a negociar, como bloco, o acordo com os próprios europeus” 197 .
Grifei.

• “É possível que se caminhe, diante do impasse, para um adiamento - fala-se em


2010 - para o início eventual da ALCA, a ser utilizado pelos EUA para avançar
nesse caminho, enquanto o Brasil poderia caminhar na reconstrução do
Mercosul. Esta via passa necessariamente pela construção de uma moeda
comum, que afaste os riscos da dolarização, e por uma proposta para o
conjunto da região, centrada num acordo entre Buenos Aires e Brasília. Isto,
por sua vez, permitirá diversificar as alianças internacionais do Mercosul,
ampliando-se na direção do resto da sub-região, mas também da Europa e da
Ásia, especialmente dos maiores países desta - China e Índia” 198 .

• “Mercosul. 12. O Mercosul deve ser reavivado? Em que bases? Sim. Em


primeiro lugar, há que mudar os rumos do Mercosul, que hoje não passa de
uma união alfandegária incompleta. Temos insistido na importância de
fortalecer o Mercosul e ampliar sua projeção regional. Isso passa pelo
estabelecimento de acordos de complementação tecnológica e produtiva e pela
implementação de políticas públicas comuns, assim como pela criação de um

196
BRASIL vai jogar duro com os Estados Unidos, diz Mercadante. Tribuna da Imprensa on line, Rio de
Janeiro, 22 nov. 2002. Disponível em: <http://www.tribuna.inf.br>. Acesso em: 24 nov. 2002.
197
UE quer oferta mais ampla do Mercosul. Odisseu, 24 nov. 2002. Disponível em:
<www.odisseu.com.br/destaque8.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
198
SADER, Emir. Os EUA e o governo Lula. Correio da Cidadania, n. 321, nov. 2002. Disponível
em:<http://www.correiocidadania.com.br/ed321/internacional.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
90

marco institucional que permita a representação dos interesses dos Estados


membros e de suas sociedades. Temos falado na importância de contar com um
Parlamento diretamente eleito. A construção de políticas macroeconômicas
comuns deve contar com um sistema monetário de compensações, que poderá
no futuro exigir o nascimento de moeda comum” 199 .

• “Novo governo já considera alterar modelo de negociação com EUA 18h59 -


21/11/2002. Por Renata de Freitas. A proposta do PT é que a negociação de um
acordo bilateral com os EUA seja conduzida pelo Mercosul. O assunto pode
integrar os encontros do presidente eleito na visita que fará à Argentina no
início de dezembro. Uma semana depois, Lula participará informalmente da
cúpula do Mercosul, no Brasil”. “O senador eleito Aloizio Mercadante,
secretário internacional do PT, defendeu a negociação bilateral EUA-Mercosul
depois de ter se reunido com Allgeier. ‘Temos que buscar essa negociação
independentemente da Alca’, disse nesta quinta-feira”. “O Brasil conta com
um mecanismo de consulta do Mercosul com os EUA chamado de ‘4+1’, que
poderá ser transformado no fórum de negociação para um eventual acordo
bilateral. Até hoje as conversas do ‘4+1’ não avançaram, segundo o ministro
das Relações Exteriores, Celso Lafer”. “O '4+1' é uma moldura jurídica que
existe. Ela é sempre uma oportunidade a ser explorada. Agora, se vai mais
além, é tema que cabe ao próximo governo” 200 .

• “Domingo, 24 de Novembro de 2002. UE considera fundamental a


manutenção do Mercosul como União Aduaneira. A União Européia (UE)
considera fundamental a manutenção do Mercosul como União Aduaneira e
entende que o fortalecimento do bloco, proposto pelo presidente eleito, Luiz
Inácio Lula da Silva, além de reflexos positivos na economia regional poderá
reforçar o processo de negociação entre os dois blocos, que buscam um acordo
de associação inter-regional. A ponderação foi feita pelo diretor para Assuntos
de Livre Comércio da UE , Karl Falkenberg, que dirige a delegação européia

199
LULA esclarece questões sobre seu plano de governo Disponível em:
<http://www.comitesindical.kit.net/Noticias/noticias_entrevista_lula.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
200
FREITAS, Renata. Novo governo já considera alterar modelo de negociação com EUA. UOL Últimas
Notícias, 21 nov. 2002. Disponível em: <noticias.uol.com.br/inter/reuters/ 2002/11/21/ult27u28799.jhtm>.
Acesso em 24 nov. 2002.
91

na VIII Reunião do Comitê de Negociações Birregionais Mercosul-União


Européia (CNB) 201 ”.

• “A unificação européia, o Nafta e a recém anunciada zona de livre comércio


entre a China e os países do sudeste asiático demonstram como a reinserção
soberana no plano internacional supõe integrações regionais, que melhorem a
correlação de forças, especialmente dos países situados na periferia capitalista.
Um Mercosul fortalecido e ampliado será não apenas uma grande
contribuição para uma solução positiva da crise latino-americana, como
também uma contribuição para um mundo multipolar e, portanto, menos
violento, arbitrário e injusto” 202 . Grifei.

Em razão da análise engendrada neste item pode ser afirmado que não se
verifica no Mercosul, ainda, existência de delegação de parcela soberania. Quanto à
supranacionalidade podem ser observados apenas pequenos toques.

Uma coisa, no entanto, ficou clara, a pretensão do novo governo eleito é no


sentido de aprofundar o processo de integração regional com os países da América Latina. A
comprovação do quanto alegado encontra-se no próprio plano de governo proposto, bem
como em inúmeras entrevistas realizadas posteriormente ao pleito eleitoral.

Este aprofundamento terá que passar, necessariamente, ela criação de órgãos


com poderes supranacionais, o que somente será possível a partir da admissão da delegação
de parcela da soberania estatal, que consiste no principal atributo do Estado-nação.

Para ser alcançada a plena integração impõe-se a adoção de uma nova


concepção de Estado-nação, estudo que será empreendido no capítulo que se segue.

201
UE considera fundamental a manutenção do Mercosul como União Aduaneira. Odisseu, 24 nov. 2002.
Disponível em: <www.odisseu.com.br/destaque8.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
202
SADER, Emir. Os EUA e o governo Lula. Correio da Cidadania, n. 321, nov. 2002. Disponível
em:<http://www.correiocidadania.com.br/ed321/internacional.htm>. Acesso em: 24 nov. 2002.
92

CAPÍTULO 3

O ESTADO-NAÇÃO E O DIREITO DA INTEGRAÇÃO.

NOVA CONCEPÇÃO?

Será abordada neste capítulo a conceituação histórica do Estado-nação,


surgido no ocaso da Idade Média feudal e a necessidade da reformulação do conceito,
adotando-se uma nova concepção em face, principalmente, do surgimento do Direito da
Integração, passando-se dos conceitos históricos até ao declínio da forma de Estado, como
concebido no início da Idade Moderna.

A seguir, será analisado o Estado como forma de organização política


moderna, na sua vertente liberal, de Estado provedor e o que se vem denominando de Estado
neoliberal, com o fim do protecionismo estatal.

O objetivo primacial deste capítulo é o de demonstrar o enfraquecimento do


paradigma do Estado-nação e a necessidade de mudança de seu conceito clássico para outro
mais adequado aos tempos atuais, através do estudo das posições de diversos autores
consagrados.

3.1 Nação, Estado, evolução histórica das principais concepções de Estado-


nação

Dentre as formas que as sociedades humanas apresentam, a mais vasta e


complexa é a Nação, que pode ser considerada como “o meio social em que as diferenças de
93

interesses coletivos se produzem e se resolvem em harmonia com os interesses gerais da


sociedade e com os interesses dos indivíduos” 203 .

Somente se pode falar em nação depois do surgimento da ordem civil, uma


vez que na órbita rudimentar das sociedades primitivas não tinha cabimento o conceito de
nacionalidade. Não consistia em fenômeno do direito a personalidade humana e os indivíduos
não se constituíam sínteses particulares de direitos e obrigações. Situações estas, aliás, que
permanecem, ainda hoje, em inúmeras sociedades orientais, onde o individual não tem
importância e a prevalência é do coletivo.

A nação pode ser considerada como uma feição particular da vida social,
representativa de um aparelho definido, circunscrito, de harmonização de atividades e
interesses, ou seja, representa uma síntese de equilíbrios. Sendo que as pessoas, cujos
interesses individuais ou coletivos estão abrigados nesse ambiente de garantia ou proteção,
que constitui o meio nacional, encontram-se ligadas por um sentimento comum, perfeitamente
caracterizado, de apego e devotamento à pátria, de solidariedade com seus interesses e
aspirações e de hostilidade, mais ou menos intensa, conforme o grau do perigo apresentado, a
outra qualquer organização social cuja atividade possa trazer prejuízo ou ameaça às condições
de seu equilíbrio e desenvolvimento. A nação também pode ser definida como uma população
fixada ao solo, existindo entre os indivíduos desta população um conjunto de elementos
comuns de civilização que lhes são próprios 204 .

O Estado, no tocante ao âmbito jurídico, identifica-se como uma forma de


organização social que não pode ser dissociada, uma vez que é entendida como órgão de
produção jurídica e, no seu conjunto, como ordenamento jurídico 205 .

Para Jorge Miranda, o Estado é “uma sociedade política com indefinida


continuidade no tempo” com institucionalização, fundamentação e permanência do poder
(como ofício e não como domínio), bem como subordinação à satisfação de fins não
egoísticos, priorizando-se a satisfação do bem comum 206 .

203
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p. 3.
204
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p. 5.
205
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política. Tradução de Marco
Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 56.
206
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 47.
94

No pensamento kantiano, o Estado é ordem neutra que tem por finalidade


proteger os indivíduos contra a violência interna e externa. Essa idéia de Estado tem sua
origem histórica na transição do século XVIII ao século XIX 207 .

Estado é uma nação encarada sob o ponto de vista de sua organização


política que pressupõe sempre a existência de um governo, de um poder de coação, de uma
autoridade que utiliza a força como meio de fazer respeitar a ordem pública. Vale ressaltar
que os conceitos de nação e Estado são coincidentes, “Estado é uma nação politicamente
organizada” 208 .

Para Marx o princípio da força-dominação aparece de forma taxativa, já que


faz a distinção entre dominadores e dominados, repressores e reprimidos, exploradores e
explorados, atribuindo ao direito a simples (des)qualificação de ideologia. O que torna
relevante o conceito de dominação de Marx é o fato de esclarecer uma das origens da
concepção de domínio, que serve para a definição de formações político-estatais 209 .

As palavras do renomado autor do passado, Eusébio de Queiroz Lima,


referindo-se ao termo Estado na concepção de Karl Marx e de Friedrich Engels,
esclarecem 210 :

“(2) É certo que os escriptores filiados na escola de KARL MARX


sustentam que ‘o Estado é o producto e a manifestação da
irreconciliabilidade dos antagonismos de classes’(LENINE, A
revolução e o Estado). ‘O Estado nem sempre existiu. As sociedades
primitivas, em que não se produziam esses antagonismos de classes,
podiam passar sem o Estado, de que nem chegaram a fazer idéa. O
Estado nasceu com a formação das classes, num momento dado do
desenvolvimento economico da vida social’ (ENGELS, A origem da
família, da propriedade privada e do Estado). Mas com a visão
viciada pelos preconceitos do materialismo histórico, KARL MARX
e seus discípulos só tiveram em atenção o Estado, considerado como
um poder de mando, como ‘uma força organizada, que,
permanecendo acima das classes sociaes, possa moderar-lhes os
choques e conservá-las dentro dos limites da ordem jurídica’; ‘como
um instrumento de exploração e oppressão, pelo qual a classe mais
forte e economicamente predominante se converte em classe
privilegiada’ (ENGELS, ibidem). Não viram a nação, ambiente
jurídico e político, círculo social e economico, em que o Estado se
produz” (sic).

207
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 43.
208
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p. 7-
8.
209
ARENDT, Hannah. O que é política? Editoria de Ursula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarany. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 172-173.
210
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p. 5.
95

Na concepção marxista de Estado, é coerente a afirmação de que, com a


divisão do trabalho social, houve o surgimento de classes sociais. Quando ocorre por uma
dessas classes, o apossamento dos meios de produção e como conseqüência a exploração das
outras classes, nascem o direito e o Estado. Assim o direito é uma norma de conduta que
busca estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. Por
seu turno, o Estado caracteriza-se por ser uma autoridade social que pela utilização da coerção
busca assegurar o respeito a esta norma. Pode-se dizer que não há Estado sem Direito e nem
Direito sem Estado 211 .

Uma observação que pode ser feita quanto aos escritores que se inspiraram
na concepção de Estado de Marx e Engels, traduz-se no sentido de que são priorizados,
sempre, os aspectos negativos a serem repudiados da instituição por eles definida como
burguesa. No entanto, no Manifesto, Marx exalta a “função revolucionária e portanto positiva
da burguesia, no que diz respeito à transformação econômica da sociedade” 212 .

A consagração da designação genérica, neutra e abstrata “Estado” ocorreu


na Itália, onde se observavam inúmeras e variadas organizações e formas políticas213 .

Inicialmente, o “Estado nacional e soberano, numa palavra o Estado-nação”,


surgiu sob a forma monárquica, onde o rei o encarnava e governava; era a época do
absolutismo real. Com o Renascimento, que consistiu em um retorno à Antigüidade, fatores
como a reforma protestante, as guerras civis da França e da Inglaterra, além de outras crises,
direta e indiretamente, afetaram a evolução do pensamento político, de modo profundo. Neste
momento crítico da história, surge, no fim da Idade Média, Maquiavel que, com “clareza
incisiva”, separa a política da moral religiosa, afirmando “a autonomia e a prioridade da
política”, consagrando a idéia de Estado-nação como concebido na Idade Moderna e
Contemporânea 214 .

Foi Maquiavel quem introduziu de forma científica o vocábulo “Estado” ao


afirmar que: “Todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm império sobre os

211
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São
Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 157-158.
212
BOBBIO, Norberto. Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil. Tradução de Marco Aurélio
Nogueira e Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 82.
213
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 65.
214
CHEVALLIER, Jean-Jacques. História do pensamento político. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio
de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, t. 1, 1982, p. 257-258.
96

homens, são repúblicas ou principados” 215 . Iniciou, também, o movimento de secularização


da política ao desvincular a concepção de Estado da origem divina, tendo sido o primeiro
pensador que compreendeu o significado desta nova estrutura política 216 .

Explanando sobre o Estado Moderno, o estudioso Nelson Saldanha, entende


que ele surgiu a partir de “concentração do poder e absorção de forças históricas”, sendo o
responsável pela transformação das questões culturais e econômicas em questões políticas,
onde as nações assumiram forma e papel na história, surgindo o problema da soberania e o do
direito das gentes 217 .

Pode-se conceituar o Estado, no dizer de Ivo Dantas, como sendo forma “de
Organização Política típica das eras moderna e contemporânea”; ou ainda como estrutura “de
organização do poder político soberano, assentado sobre um determinado território, no qual a
Constituição desempenha um papel fundamental” 218 .

O Estado, como forma de organização política da sociedade originou-se na


Idade Moderna, razão por que constitui, no mínimo, um nonsense utilizar a expressão “Estado
Moderno”.

Embora o homem sempre tenha vivido sob o império de uma forma de


organização política, esta é gênero do qual Estado é espécie. A organização política é dado
cultural que sempre existiu e sempre existirá, o que não se pode afirmar quanto à espécie
Estado. Este é o pensamento do autor Ivo Dantas, expresso de forma quase literal 219 .

Garcia Pelayo coaduna com o pensamento de Ivo Dantas que o


transcreve 220 :

“Por fim, leia-se o que escreve GARCIA PELAYO no livro Las


Formas Políticas en el Antiquo Oriente6 sobre a denominação da
Organização Política Oriental: ‘...actualmente hay una tendencia que
duda, no sin ciertas razones, de la legitimidad de extender la
palabra ‘Estado’ a formaciones políticas que no sean las que se
originaron en Europa desde el final de la Edad Media, pues se

215
MACHIAVELLE, Niccolò. O Príncipe: com as notas de Napoleão Bonaparte. Tradução de J. Cretella Jr. e
Agnes Cretella. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 21.
216
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria política do direito: uma introdução política ao direito. Brasília:
Brasília Jurídica, 2000, p. 22.
217
SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 18.
218
DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2000, p. 54.
219
DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2000, p. 54-55.
220
PELAYO, Garcia. Las Formas Politicas en el Antiquo Oriente. Caracas: Monte Ávila Editores, 1978, p. 55-56
apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2000, p. 56.
97

piensa que cada época y cada cultura producen unas formas


políticas sui-generis, como la polis de los griegos, la respublica de
los romanos, el regnum de los cristianos medievales, cada una de
ellas com características mui precisas, y que, en consecuencia,
extender la palabra ‘Estado’, surgida para designar un fenómeno
históricamente concreto, a otras culturas y épocas significa
proyectar sobre realidades muy distintas, ideas y representaciones
adheridas al concepto moderno de Estado, com lo cual ademas se
desnaturaliza la significación de éste y se le arrebata su
singularidad histórica’.”.

É o mestre Ivo Dantas que ensina que ao “lado dos chamados socialistas
utópicos (MORUS, BACON e CAMPANELLA) e dos contratualistas (HOBBES e
ROUSSEAU) dois nomes tiveram importância fundamental para os estudos da Teoria do
Estado: NICOLA MACHIAVELLI (1469-1527) e JEAN BODIN (1530-1596), este último
trazendo à tona a característica que, a partir de então, passaria a distinguir esta forma de
Organização Política das outras formas que lhe antecederam. Referimo-nos à soberania, cuja
teorização foi por ele exposta nos Six Livres de la Republique, enquanto que, através do
escritor florentino se utilizou, pela primeira vez, o termo Stato na perspectiva aqui utilizada,
ou seja, o Estado como Forma de Organização Política Moderna” 221 .

Para o contratualista Thomas Hobbes, para quem a natureza primária do


homem é má e selvagem e o estado de natureza consiste em uma guerra de todos contra todos,
onde o homem é lobo do próprio homem 222 , a instituição da figura do Estado ocorre quando
um universo de indivíduos concorda e pactua em que seja atribuído a determinado homem, ou
assembléia de homens, o direito de representação, sem que sejam excepcionados nem mesmo
aqueles que votaram em sentido contrário, com a finalidade de alcançar paz e proteção para o
grupo como um todo 223 .

Rousseau, para quem os homens são seres bons por natureza, afirma que o
pacto fundamental substitui por uma igualdade moral e legítima a igualdade natural que, em
princípio, em razão de situações particulares, como força ou talento, poderia não estar
configurada. A igualdade seria então estabelecida pelo pacto fundamental através de
convenção ou de direito 224 .

221
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 123.
222
DELAMCAMPAGNE, Christian. A filosofia política hoje. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001, p. 94.
223
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 132.
224
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 30.
98

Anteriormente a vontade divina era a fundamentação do poder da autoridade


que passou a ser encontrada no contrato social e “na ‘vontade geral’ de que Rousseau viria a
falar” 225 .

Antônio Rodrigues de Freitas faz interessante análise do pensamento de


Bobbio ministrando que “com sua habitual clareza e capacidade de síntese, Bobbio é ainda
mais direto ao afirmar que ‘o problema fundamental do Estado constitucional moderno, que
se desenvolve como antítese do Estado absoluto, é o problema dos limites do poder estatal.
(...) O Estado, entendido como a forma suprema de organização de uma comunidade humana,
traz consigo, já a partir das suas próprias origens, a tendência para colocar-se como poder
absoluto, isto é, como poder que não reconhece limites, uma vez que não reconhece acima de
si mesmo nenhum outro poder superior. Este poder do Estado foi chamado soberania, e a
definição tradicional de soberania que se adequa perfeitamente à supremacia do Estado sobre
todos os outros ordenamentos da vida social, é a seguinte: potestas superiorem non
recognoscens’.” 226 .

A construção doutrinária de Bodin foi de importância essencial na


fundamentação da teoria do Estado absoluto, principalmente no que se refere à soberania 227 .

A clássica doutrina francesa de soberania delineia que existe no meio


nacional uma vontade superior às vontades individuais, uma autoridade que não reconhece
poder superior ao seu, no que se refere às relações que regula, uma suprema potestas, cujos
caracteres constituem-se no fato de ser una, não há sobre o mesmo território outra autoridade
soberana; de ser indivisível pelo qual o poder está centrado unicamente no Estado; e de ser
inalienável e imprescritível, uma vez que representa a própria personalidade da nação 228 .

Queiroz Lima esclarece que a doutrina alemã de soberania do Estado é a que


tem maior complexidade e precisão. No pensamento de Jellinek, soberania e autoridade
pública ou poder público do Estado não se confundem, sendo a soberania um aspecto peculiar
da autoridade do Estado 229 .

225
SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 24.
226
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 77.
227
SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 70.
228
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p.
40.
229
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p.
41.
99

Adiante, acrescenta que a noção de soberania surgiu no final da Idade


Média. Os gregos e os romanos tinham a autoridade da organização política como
indisputável. Somente no crepúsculo da Idade Média com a fragilidade da autoridade real em
razão da existência de várias ordens de poder, como a Igreja, o Sacro Império Romano, os
grandes vassalos, as corporações, foi que surgiu a noção de soberania do rei. Da luta entre os
diversos poderes concorrentes nasceu o conceito de soberania do Estado.

Inicialmente, a soberania nasceu como sendo a impossibilidade para o


Estado de ter o seu poder limitado por um outro poder qualquer, na ordem interna ou nas
relações com outros Estados, portanto, como um conceito negativo.

Posteriormente, do conceito negativo evoluiu-se para o conceito positivo


pelo qual a soberania “é a capacidade, que tem o Estado, de impor sua vontade, com exclusão
de outra qualquer pessoa, a todas as vontades que se encontrem dentro dos limites do
território em que impera” 230 .

Os povos europeus, com a desintegração política vivenciada na Idade Média


com os sistemas dos feudos e a descentralização do poder, buscaram, posteriormente,
centralizar o poder na figura do rei, que foi fortalecida até chegar-se ao absolutismo 231 .

Com a centralização do poder político e o sistema de estratificação social,


burocratizou-se o Estado que também se fortaleceu militarmente.

Habermas entende que, ainda nos dias atuais, a autocompreensão normativa


de Estados de direito democráticos é determinada em função da idéia dos direitos humanos e
da soberania dos povos 232 .

Vale repetir que na Idade Média a organização da sociedade política não


pode ser corretamente denominada de Estado e que na Idade Moderna, quando efetivamente
esta organização pode receber a denominação de Estado, existem períodos bem caracterizados
que merecem distinção 233 .

230
QUEIROZ LIMA, Eusébio de. Theoria do Estado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1936, p.
42.
231
GURGEL, Hylo. Globalização e Direito do Trabalho. In RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo (Coordenadores). Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao Prof. Luiz de Pinho
Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998, p. 678.
232
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. 1, 1997, p. 128.
233
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 51.
100

3.2 Do Estado liberal ao Estado social democrático

Em razão da excessiva opressão e do anseio de liberdade ocorreu a


Revolução Francesa, em 1789, criando-se a partir de então um novo tipo de organização
política da sociedade.

Entre os séculos XVII e XVIII, na Europa, nasceu a ideologia que veio a ser
denominada de Liberalismo, com uma nova visão global do mundo, tendo como base os
valores, crenças e interesses de uma classe social emergente (a burguesia), em confronto com
a dominação do feudalismo aristocrático que assolou a Europa com a queda do Império
Romano. O Liberalismo expressa-se como uma ética individualista, voltada para a noção de
liberdade total, em todos os âmbitos da realidade, filosófico, social, político, econômico,
religioso, etc. e tem como máxima “a igualdade, a fraternidade e a liberdade”, sendo utilizado
pela burguesia capitalista contra o Antigo Regime Absolutista, favorecendo, inicialmente,
tanto os interesses individuais da burguesia enriquecida, quanto os de seus aliados
economicamente menos favorecidos. Posteriormente, o capitalismo passa à fase industrial,
quando então assume o poder político a elite burguesa que, consolidando o seu controle
econômico, começa a aplicar apenas os aspectos da teoria liberal que mais favoreciam aos
seus interesses, denegando a distribuição social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao
governo 234 .

Neste ponto, a burguesia passa de antiga dominada a dominante, fazendo,


com os excluídos do seu círculo social, as mesmas coisas contra as quais lutou e esquecendo a
máxima “igualdade, fraternidade e liberdade”, bandeira sob a qual foi vitoriosa.

O término do século XVIII, depois das revoluções burguesas, consagrou o


conceito de Estado de Direito que emergiu da necessidade de ser garantida certeza e
segurança às liberdades individuais, tendo-se em conta a formação do pensamento liberal 235 .

Nas palavras de Hylo Gurgel, a “opressão foi o instrumento utilizado na


alocação de recursos que pesavam sobre a vasta base social daqueles que não tinham
privilégios”. O Estado (Moderno) foi montado com base nos princípios do constitucionalismo,

234
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.
116-117.
235
MACHADO, Regina Helena. Reforma do Estado ou reforma da constituição? Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2001, p. 48.
101

da divisão dos poderes, da soberania, “ao lado de um sistema de liberdades, o denominado


liberal, estruturado de modo a acolher as aspirações de liberdade, igualdade e fraternidade” 236 .

O Estado liberal nasceu com a finalidade de fazer oposição ao Estado


absolutista e à expansão livre do capital, tendo sido legitimado pela revolução francesa e pela
Declaração dos Direitos do Homem 237 .

Dividiu-se em duas vertentes: o liberalismo político e o liberalismo


econômico.

Esta organização de Estado perdurou até o pós-guerra de 1914, quando


então a Europa apresentava-se completamente destroçada.

A preocupação do Estado liberal sempre foi colocar os cidadãos, através da


garantia da liberdade interna, em condições de perseguir, de acordo com seu pensamento
próprio, os fins éticos, religiosos, econômicos e eudemonísticos que melhor satisfizessem os
seus desejos 238 .

Após a Primeira Guerra Mundial, como dito, a Europa encontrava-se


totalmente destruída. A reconstrução do continente europeu foi tarefa empreendida e
centralizada nos Estados que tiveram agregadas às suas funções a promoção do
desenvolvimento e a proteção social.

A partir da crise de 1929, que atingiu o liberalismo, surgiram modelos


antiliberais alternativos: o socialismo (soviético), o fascismo e o keynesianismo. No entanto, o
tempo encarregou-se de fazer fracassar estas modalidades o que ensejou o retorno do
liberalismo político e econômico, agora associados ao Estado mínimo e a uma expansão sem
precedentes das relações mercantis, com a denominação de neoliberalismo. Poucos foram os
países que resistiram a este modelo: os não democráticos, como a China, Cuba e a Coréia do

236
GURGEL, Hylo. Globalização e Direito do Trabalho. In RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo (Coordenadores). Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao Prof. Luiz de Pinho
Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998, p. 678.
237
SADER, Emir. Para outras democracias. In SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os
caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 1, 2002, p. 651.
238
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. São Paulo:
Mandarim, 2000, p. 212.
102

Norte e os fundamentalistas, como o Irã, o Iraque e a Líbia por não serem ricos e não
distinguirem a política da religião239 .

Hylo Gurgel afirma que a “luta ideológica deflagrada por um grupo de


nações encasteladas em princípios socialistas e formando uma área de dissensão fechada e
conflitiva era, também, uma frente de proporções” 240 .

Foi o período a que se denominou bipolar com o capitalismo a oeste e o


socialismo a leste.

Como solução ao capitalismo selvagem, que gerou inúmeras desigualdades


sociais, surgiu o Estado intervencionista, a partir da Revolução Industrial, que buscava,
principalmente, por justiça social 241 .

O Estado Social nasceu a partir de uma inspiração de justiça, igualdade e


liberdade, constituindo-se na mais sugestiva invenção do denominado século constitucional,
que buscava estabelecer o equilíbrio na repartição dos bens sociais através de meios
intervencionistas instituindo garantias objetivas e concretas que levaram a uma concepção
democrática de poder diretamente ligada aos direitos fundamentais 242 .

Na sociedade de classes, a hegemonia dos que são econômica e socialmente


mais fortes sobre os fracos seria algo inevitável com a liberdade sem limites. A diminuição de
liberdade para uns e aumento da mesma para outros são fatores que compõem
simultaneamente toda a regulamentação que serve à compensação de poder. Assim, a tarefa
primeira do Estado Social seria justamente esta regulamentação de interesses contrários, com
a forçosa limitação da liberdade que é reconhecida pelo seu postulado como necessária, daí, a
assunção por este, das conseqüências 243 .

239
SADER, Emir. Para outras democracias. In SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os
caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 1, 2002, p. 651-652.
240
GURGEL, Hylo. Globalização e Direito do Trabalho. In RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo (Coordenadores). Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao Prof. Luiz de Pinho
Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998, p. 679.
241
KERBER, Gilberto. Mercosul e a supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001, p. 67-68.
242
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editora, 2001, p. 12.
243
COSTA, Maria Isabel Pereira da. Constitucionalismo ou Neoliberalismo: O que interessa e a quem? Porto
Alegre: Editora Síntese, 1999, p. 162.
103

O Estado do Bem Estar Social recebeu diversas denominações, como


Welfare State, Estado Social Democrata, Estado de Partidos, Estado de Associações, Estado
Social, entre outros, e tem como significação histórica a tentativa de adaptação do Estado
tradicional, do Estado liberal burguês, às condições sociais da civilização industrial e pós-
industrial com seus novos e complexos problemas e em contraponto com suas grandes
possibilidades técnicas, econômicas e organizativas para resolvê-los. Surgiu com o objetivo
de remediar as péssimas condições vitais dos estratos mais desamparados da população. Não
se buscava transformar a estrutura social, mas solucionar os piores efeitos desta estrutura 244 .

O crescimento do Estado em excesso e o desejo de proteção eclodiram no


desequilíbrio das contas, no sacrifício do princípio da divisão dos poderes e na ineficiência da
regulação social. Muitos são os críticos do Estado do Bem Estar Social, no entanto, não se
pode olvidar, que este cumpriu o seu papel, tendo fortalecido o capitalismo que se consolidou
e deu causa ao grande desenvolvimento tecnológico, o qual, por sua vez, abriu novas
perspectivas para a organização da vida social, tendo gerado, em conseqüência, o
comprometimento do modelo ainda vigente 245 .

O Estado social de Direito apresenta profundos sintomas de crise, o que


passou a se denominar de crise do Estado-providência, que decorreu de diversas causas, como
financeiras, em razão do alto custo dos serviços prestados à população, causas
administrativas, em decorrência da corrupção e da burocracia, e causas comerciais,
principalmente pelo fato de competição com países que não ofereciam o mesmo grau de
proteção social 246 .

O Welfare State ou Estado Provedor, limitado ao espaço geográfico de suas


fronteiras, não possibilitava o crescimento do capitalismo exigido pelo avanço tecnológico.

Necessário se faz alterar a concepção de Estado-Nação, ou, como diz Hylo


Gurgel, partir-se para a “reengenharia do próprio Estado”, para adaptá-lo ao novo quadro de
fatos.

244
GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contemporáneo. Madrid: Alianza Editorial
S.A., 1996, p. 18.
245
GURGEL, Hylo. Globalização e Direito do Trabalho. In RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo (Coordenadores). Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao Prof. Luiz de Pinho
Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998, p. 679.
246
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 98.
104

3.3 O fim do protecionismo estatal e o neoliberalismo

José Eduardo Faria esclarece que uma “das facetas mais conhecidas desse
processo de redefinição da soberania do Estado-nação é a fragilização de sua autoridade, o
exaurimento do equilíbrio dos poderes e a perda de autonomia de seu aparato burocrático, o
que é revelado pelo modo como se posiciona no confronto entre os distintos setores
econômicos (sejam eles públicos ou privados) mais diretamente atingidos, em termos
positivos ou negativos, pelo fenômeno da globalização” 247 .

Celso Bastos e Ives Gandra afirmam que a situação do desmedido


crescimento do Estado e do “inchaço da burocracia” acabou por negar o Estado de Direito,
que não mais cumpre as suas finalidades, como o atendimento dos carentes e dos necessitados
e a efetivação de políticas econômicas e sociais 248 .

Como salienta Wolney de Macedo Cordeiro, se “o Estado não é mais


essencial para a expansão do capitalismo, desaparece o interesse no fortalecimento do ente
estatal. Se as fronteiras criam empecilhos para o comércio internacional, nada mais simples do
que enfraquecer os limites políticos. Muito embora simples e objetivas, as mudanças trazidas
pelo enunciado apontado, são profundas e quebram uma tradição de estatização de quase
setecentos anos” 249 .

Para os globalistas, a globalização vem consumindo a capacidade de os


Estados-nação atuarem com independência na articulação e na procura de objetivos políticos
internos e internacionais. Tanto o poder como o papel do Estado-nação territorial, encontram-
se em declínio e o poder político está sendo reconfigurado 250 .

Neste contexto, surgiu o que se denominou de neoliberalismo, que nada


mais é do que o retorno ao capitalismo selvagem, agora com nova roupagem, qual lobo em
pele de carneiro.

247
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 25.
248
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, v. 1, 1988, p. 422-423.
249
CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação das relações de trabalho individuais e coletivas no
âmbito do Mercosul. São Paulo: LTr, 2000, p. 70.
250
HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 36.
105

O neoliberalismo é uma “teoria globalizante, e contribuiu muito diretamente


para forças globalizantes”, onde são aplicadas em nível mundial as filosofias que orientam os
capitalistas em seus envolvimentos locais. Entendem seus defensores que os mercados
operam de melhor forma com pouca ou nenhuma intervenção. São defensores ferrenhos da
nação tradicional e entendem a sociedade global como uma sociedade de Estados-nação, onde
o que importa é o poder, com a prontidão para a guerra e a sustentação do poderio militar, que
consistem em elementos necessários do Estado-nação no sistema internacional 251 .

Interessantes são as palavras, que merecem transcrição, de Rodolfo Capón


Filas e Mario Antônio Lobato de Paiva em artigo que tem o sub-título “O retorno high tech ao
feudalismo”, onde afirmam que o fenômeno da globalização consiste em estratégia das
grandes corporações financeiras e conglomerados industriais, com a finalidade de expandir
seus mercados consumidores, utilizando, em escala mundial, a experiência acumulada em
suas regiões de origem. “Desnudada, a globalização é o imperialismo atualizado, o
neoliberalismo, o retorno high tech ao feudalismo” 252 .

Paulo Bonavides defende veementemente que “os neoliberais da


globalização só conjugam em seu idioma do poder cinco verbos”, que são: desnacionalizar,
desestatizar, desconstitucionalizar, desregionalizar e desarmar, com os quais pretendem a
extinção da soberania interna e da soberania externa, o que fará o “Brasil retrogradar à
condição de colônia ou protetorado” 253 .

O neoliberalismo oferece como resposta à crise a liberação ainda maior dos


mercados de capital. Porém, este posicionamento apenas traria transtornos maiores do que os
que têm sido experimentados ao longo desses anos. A afirmação de que o controle da
circulação livre do capital gera perdas de eficiência não leva em conta os custos sociais e
econômicos da crise gerada em razão desta livre mobilidade 254 .

251
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 24.
252
FILAS, Rodolfo Capón / PAIVA, Mario Antônio Lobato de. A mundialização do direito laboral (o retorno
higt tech ao feudalismo). Revista de Direito Internacional e do Mercosul. Buenos Aires: La Ley Sociedad
Anônima Editora e Impresora, a. 6, n. 1, 2002, p. 12-13.
253
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros Editores,
2001, p. 88-89.
254
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 161-162.
106

Joseph E. Stiglitz afirma que é ingenuidade acreditar que o governo pode


corrigir todos os fracassos do mercado, assim como imaginar que todos os problemas sociais
seriam solucionados unicamente pelos mercados. É importante que o governo adote uma
conduta tendente à resolução de problemas como a desigualdade, o desemprego e a
poluição 255 .

O Estado eficiente consiste em ser uma entidade capaz de com uma maior
intervenção no “mundo em desenvolvimento” e, com o fortalecimento de “integrações sub-
regionais e regionais”, funcionar como elemento de contenção do fenômeno da
globalização 256 .

A geração de riqueza é fato incontestável no sistema capitalista. Ocorre,


porém, que a sua distribuição não acontece de forma igualitária, bem como não são
respeitados os princípios universais de liberdade, democracia e respeito à lei, uma vez que os
negócios priorizam o lucro privado em detrimento do interesse público, razão por que se
impõe o estabelecimento de instituições que protejam estes interesses públicos, que não
podem ficar submetidos às forças de mercado. É errônea a idéia de que os mercados se
autoregularão e cuidarão de todas as necessidades, no melhor estilo laissez-faire do século
XIX, já comprovadamente ineficaz 257 .

Esta crise vem sendo comprovada em todo o mundo, e as estatísticas não


negam, ao contrário, reafirmam o crescimento da pobreza, do desemprego, o fechamento de
postos de trabalho, as privatizações em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, o
aumento da violência, da exclusão social, que entre outros são conseqüências diretas da
política de liberalização do capital, concentrando a riqueza mundial, cada vez mais, nas mãos
de poucos.

O ex-Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, “num rompante de


sinceridade”, em solenidade no Palácio do Planalto, afirmou que “os Estados Unidos são
liberais para fora e protecionistas para dentro” 258 . O que prova que aplicam para os outros o

255
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São
Paulo: Futura, 2002, p. 15.
256
KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e
convencionalismos. Tradução de Joaquim Ozório Pires da Silva. São Paulo: Cortez, 1998, p. 42.
257
SOROS, George. A crise do capitalismo global: os perigos da sociedade globalizada – uma visão crítica do
mercado financeiro internacional. Tradução de Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campos, 2001, p. 11.
258
BOMFIM, Benedito Calheiros. Globalização, reformas e desemprego. Revista Trabalho e Doutrina. São
Paulo: Editora Saraiva, n. 23, 1999, p. 13.
107

que não acham conveniente que lhes seja aplicado. Observe-se que os Estados Unidos são os
preconizadores da globalização e do neoliberalismo. Veja-se o que afirma o prêmio Nobel de
economia John Kenneth Galbraith: “Globalização não é um conceito sério. Nós, americanos,
o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países” 259 .

As duas grandes guerras mundiais mostraram ao mundo que um sistema


com fundamento na soberania estatal não garante paz nem estabilidade, principalmente em
função de que os Estados freqüentemente abusam de seus poderes, priorizando, sempre, os
seus interesses. A redução da soberania dos Estados e o fortalecimento das instituições
internacionais consistiriam em ponto positivo para o alcance deste mister. Neste ponto, o
fundamentalismo de mercado (nova denominação adotada por George Soros para designar o
laissez-faire do século XIX) torna-se um empecilho, pois opõe-se tanto à autoridade estatal
quanto à autoridade internacional. Mas o fundamentalismo de mercado não pode ser
responsabilizado sozinho, “a crença persistente na soberania nacional também tem sua parcela
de culpa”. A única potência hegemônica da atualidade tem interesse em ingressar em
organizações internacionais, a exemplo da Organização Mundial do Comércio, que “abrem
mercados e, ao mesmo tempo, oferecem alguma proteção ao capital investido”. Ocorre,
porém, que ao mesmo tempo em que interferem nos assuntos internos de outros países, não
admitem qualquer ingerência externa, que possa arranhar sua própria soberania 260 . Ou seja,
como já dito, pregam para os outros o que não aceitam para si próprios.

Com a finalidade de solucionar o problema de contenção do sistema


capitalista buscou-se a ampliação do mercado, para o que seria necessário romper com os
princípios estruturadores do Estado moderno, circunscrito a suas fronteiras territoriais por um
governo soberano.

Este também é o pensamento de José Eduardo Faria: “Com o fenômeno da


globalização, as estruturas institucionais, organizacionais, políticas e jurídicas forjadas desde
os séculos XVII e XVIII tendem a perder tanto sua centralidade quanto sua exclusividade. No
âmbito de uma economia transnacionalizada, as relações entre os problemas internacionais e
os problemas internos de cada país vão sendo progressivamente invertidas, de tal forma que
os primeiros já não são mais apenas parte dos segundos; pelo contrário, os problemas

259
GALBRAITH, John Kenneth. Globalização. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 nov. 1997. Disponível em:
<http://www.uol.com.br/fsp/opiniao/fz031108.htm>. Acesso em: 26 nov. 2002.
260
SOROS, George. A crise do capitalismo global: os perigos da sociedade globalizada – uma visão crítica do
mercado financeiro internacional. Tradução de Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campos, 2001, p. 14.
108

internacionais não só passam a estar acima dos problemas nacionais, como também a
condicioná-los” 261 .

Os Estados não mais podem ser compreendidos, cada um de per si, como
unidades políticas capazes de solucionar os grandes problemas políticos atuais que
compreendem uma enorme gama de funções públicas, o que, por sua vez, serve de
fundamentação ao pensamento de que há “redes de interligações regionais e globais,
permeadas por forças intergovernamentais e transnacionais quase supranacionais” que, além
de desafiar a soberania e a legitimidade dos Estados, os impedem de decidir o seu próprio
destino, principalmente pelo fato de a soberania estar sendo questionada em razão da
substituição da autoridade política dos Estados, que foi comprometida pela existência de
sistemas regionais e globais de poder, político, econômico e cultural. O questionamento da
legitimidade dos Estados surge a partir do momento em que estes não conseguem oferecer
bens e serviços fundamentais a seus cidadãos sem a cooperação internacional, em razão da
maior interdependência regional e global 262 .

Em seu livro “A Terceira Via”, Anthony Giddens afirma que os neoliberais


querem encolher o Estado, considerando o governo como inimigo, enquanto os sociais-
democratas sempre buscaram a expansão do Estado, entendendo o governo como a
resposta 263 .

3.4 Do declínio do Estado – nação e a moderna tendência dos processos de


integração

A globalização, a mundialização, a internacionalização, a quebra das


fronteiras, a necessidade de ampliação de mercados para a sobrevivência do sistema
capitalista são fatores que forçam um rompimento com os princípios estruturadores do Estado
e enfraquecem o clássico conceito de soberania estatal.

261
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 32.
262
HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 35-36.
263
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 80.
109

Além dos anteriormente citados, há outros fatores, como os avanços


tecnológicos e a diminuição das distâncias, em razão do crescimento na área dos transportes e
das comunicações, que também ocasionaram uma nova análise sobre as noções de fronteira
política, soberania e Estado politicamente organizado.

Atualmente, nenhuma nação isolada, nem mesmo os Estados Unidos da


América, tem condição de afirmar a sua soberania opondo resistência à força e às imposições
do capital transnacional. Todas as normas políticas, inclusive as constitucionais, moldam-se à
imprescindibilidade de contentar, agradar o “volátil capital especulativo, que não tem
nacionalidade, para que não se dirija ao vizinho, ou ao outro lado do Mundo” 264 .

Iniciou-se, então, o agrupamento de países por região através de tratados


de livre comércio, com a finalidade de abrirem-se as fronteiras e buscarem-se procedimentos
comuns possibilitando o livre fluxo do comércio. Conclui Hylo Gurgel acrescentando que esta
temática melhor se enquadra na “organização de um novo tipo de sociedade, onde se vão
definir o papel do Estado e das grandes empresas e consórcios, os limites da capacidade
reguladora do mercado, a concentração e volatização do capital, a mudança no modo de
produzir e a ruptura da relação de emprego, a pobreza, as exclusões, etc” 265 .

Os problemas que hoje se apresentam têm repercussão mundial e “ameaçam


a estabilidade do planeta”, razão porque se impõe a construção de um “novo modelo de
Estado, de sociedade, de economia” 266 .

Ivo Dantas afirma que a análise do fenômeno da globalização quanto aos


aspectos políticos e jurídicos refere-se, primacialmente, ao “Fim do Estado-Nação” e que o
“Estado, como dado cultural que o é, nem sempre existiu e nem sempre existirá”. Acrescenta,
contudo, que a“Organização Política, ao contrário, sempre existiu e sempre existirá” 267 .

A forma Estado-nação não é uma configuração de civilização mais elevada,


admirável ou útil, o que pode ser comprovado mediante a constatação de que os homens

264
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95.
265
GURGEL, Hylo. Globalização e Direito do Trabalho In RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo (Coordenadores). Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao Prof. Luiz de Pinho
Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998, p. 680-683.
266
FILAS, Rodolfo Capón; PAIVA, Mario Antônio Lobato de. A mundialização do direito laboral (o retorno
higt tech ao feudalismo). Revista de Direito Internacional e do Mercosul. Buenos Aires: La Ley Sociedad
Anônima Editora e Impresora, a. 6, n. 1, 2002, p. 12.
267
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 118-121.
110

passaram milênios muito bem, sem a existência dessa conformação, razão por que esta forma
de Estado-nação não pode ser tida como uma necessidade, nem geográfica nem histórica, mas
deve ser entendida como uma eventualidade, uma “contingência” que se mostra mais evidente
em alguns casos do que em outros 268 .

Existem autores, entretanto, que inadmitem o fim do Estado-Nação, como


Riccardo Petrella, Clóvis Brigadão e Gilberto Rodrigues, todos referidos por Ivo Dantas.

Riccardo Petrella afirma que “os Estados-nação desempenham um papel


crucial no desenvolvimento do capitalismo e não estão em vias de desaparecer”. Adiante
admite que a globalização está a corroer o mercado nacional, um dos pilares do Estado-
Nação, mas que isso “não significa que o poder do Estado-nação, em questões militares e de
segurança, esteja a declinar em termos absolutos, nem que o papel e o poder dos Estados-
nação esteja a ser substituído na esfera econômica pelas firmas transnacionais como alguns
observadores erradamente prevêem” 269 .

No que tange aos outros autores citados, coloca Ivo Dantas que, eles
igualmente inadmitem o fim do Estado-Nação, mas reconhecem que a noção de soberania está
se alterando e que “é a gradativa mutação de um tipo de Estado para outro, em que as noções
clássicas de fronteira e de interesse nacional estão mudando sua matriz, cedendo lugar para o
exercício de poder de uma ativa e mais consciente sociedade civil, a atuar simultaneamente no
nível local e na esfera global. É a própria noção de cidadania que se altera e se amplia:
cidadania nacional vai se transformar em ... cidadania global!” 270 .

Wolney de Macedo Cordeiro também advoga a tese da não extinção do


Estado-Nação e faz interessante estudo ao afirmar que a integração regional não é uma
conseqüência direta da globalização. Entende que a nova concepção de soberania afetou os
processos integracionistas, que, para ele, iniciaram-se muito antes do surgimento do
fenômeno da globalização. Afirma que a influência sofrida no processo da integração regional
decorreu da alteração do paradigma do Estado-Nação. “O fato inegável é que o Estado-Nação
enfraqueceu sob todos os prismas. Desgastou-se na sua ação interventiva interna, deixando,
cada vez mais, ao livre arbítrio do mercado a condução de seus interesses e deteriorou-se no

268
DELACAMPAGNE, Christian. A filosofia política hoje: idéias, debates, questões. Tradução de Lucy
Magalhães. Revisão técnica de Danilo Marcondes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 144.
269
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 126.
270
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 127.
111

seu relacionamento externo, abrindo mão da soberania como poder absoluto e perpétuo, no
sentido dado por Jean Bondin (Moreira Neto, 1995). Não é crível, entretanto, uma total
extinção do Estado-Nação. Não se vislumbra, dentro de um futuro próximo, qualquer
perspectiva para a criação de uma ordem global capaz de desintegrar todo o sistema estatal
vigente” 271 .

Acredita o mesmo autor não ser possível a extinção do Estado-Nação, mas o


crescimento da integração regional e o surgimento de blocos econômicos demonstram,
indubitavelmente, o “progressivo declínio do Estado-Nação” 272 .

Sua posição, no entanto, diverge da compartilhada pelos que denomina de


economistas liberais e defensores de uma globalização mais radical, como Kenichi Ohmae
para quem, em um “mundo onde as fronteiras econômicas estão desaparecendo
progressivamente, serão suas fronteiras arbitrárias, historicamente acidentais, realmente
significativas em termos econômicos?” 273 .

Ataliba Nogueira, conquanto tenha sido autor de outra época, coaduna com
o pensamento de Ivo Dantas 274 e de Ohmae, que são autores da atualidade, tendo posição
diametralmente oposta à dos autores anteriormente referidos.

Em brilhante aula de encerramento solene dos cursos jurídicos de 1970,


ministra o Professor Ataliba Nogueira, que o homem não prescinde da sociedade, que a
sociedade exige o direito e que o direito exige autoridade. Nisto se consubstancia a sociedade
política, que tem que existir sempre. Porém, a forma de organização política difere em razão
da época e dos lugares. E acrescenta 275 :

“Com a devida vênia dos mestres cuja opinião é contrária, não é


possível confundir sociedade e Estado, como, aliás, eu próprio
confundi nos primeiros anos de ensino (cf. o meu trabalho O Estado
é Meio e Não Fim, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, passim).

Entre as numerosas formas de sociedade estão as sociedades


políticas. Estas, por sua vez, também assumem formas as mais

271
CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação das relações de trabalho individuais e coletivas no
âmbito do Mercosul. São Paulo: LTr, 2000, p. 69-70.
272
CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação das relações de trabalho individuais e coletivas no
âmbito do Mercosul. São Paulo: LTr, 2000, p. 71.
273
OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-Nação – ascensão das economias regionais. Tradução de Ivo
Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. XVIII.
274
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 127.
275
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 11.
112

diversas. A sociedade política é que não pode deixar de existir. Uma


das suas formas é o Estado. Surgiu no Renascimento e não antes.
Poderá desaparecer para dar lugar a outras formas de sociedade
política.”

Afirma, ainda, que “nem sempre existiu o Estado”. Esta forma de


organização política da sociedade apareceu no Renascimento. E, hodiernamente, existem
formas de sociedades políticas que não são Estados, a exemplo dos emirados, sultanados e
tribos 276 .

A “dupla desestruturação do direito”, do direito formal e do direito


moderno, encontra sua razão de ser na “profunda transformação pela qual está atualmente a
passar o Estado moderno, entendido como tal o Estado datado da Revolução Francesa”. Sob
os escombros do Muro de Berlim encontram-se as ruínas deste modelo de Estado. A crise
atualmente vivida não diz respeito ao “socialismo real”, nem ao capitalismo, é, sem sombra de
dúvida, a “crise do Estado” 277 .

Há inúmeras hipóteses que comprovam a fragilização da organização


política Estado, como as empresas multinacionais que se espalham por toda parte e que
entram em conflito com a soberania do Estado, os direitos fundamentais da pessoa humana,
que hoje afirma-se, são declarações e não leis do Estado, princípios e não normas do Estado,
diante dos quais o Estado tem de estacar. Outrossim, as Nações Unidas, a UNESCO, a OIT, o
GATT, a CECA, o Mercado Comum e outras mais “dão idéia de algo do que talvez venha a
ser a ordenação jurídica da sociedade política do futuro” 278 .

Outros exemplos podem ser citados, como a normatização internacional


referente a assuntos que transcendem a um só Estado, como a aviação, as telecomunicações,
as Organizações Não Governamentais (ONG’s) e outros.

Abordando o tema de forma magistral, adiante salienta Ataliba Nogueira


que: “Asseveramos que o Estado vai perecer porque os fatos da vida política interna no
Oriente e no Ocidente e também da vida internacional nos mostram os sintomas do seu

276
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 11-12.
277
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 75.
278
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 12-14.
113

trespasse, e não porque tal ou qual doutrina o preconize”. E conclui dizendo que assim como
no final da Idade Média foi possível, apenas, prever-se a extinção do regime político feudal e
que a nova forma somente surgiu no Renascimento, também agora a “mudança das estruturas
há de ser profunda. As fronteiras dos Estados já não são mais adequadas para conter as
instituições que regulem globalmente a vida social. E tais instituições hão de ser múltiplas, ao
contrário do Estado, que pretende monopolizá-las”. Adiante aduz que 279 :

“Aos políticos, aos estadistas, aos juristas e a outros técnicos


incumbe a tarefa de inventar formas e institutos jurídicos para
regerem os interesses diversos e superiores aos dos Estados.

Sejam convictos de que a tendência é para a organização pública


internacional”.

Neste mesmo diapasão, segue Celso Ribeiro Bastos, ao afirmar que hoje já
se fala da possibilidade de no futuro ocorrer a supremacia da ordem internacional e das
normas dela emanadas sobre os Estados tradicionais, ou seja, uma submissão dos Estados a
normas internacionais. Em assim ocorrendo, a organização política assumirá feição totalmente
diferente da atual e esta unificação política mundial terá como conseqüência “a superação ou
perecimento do Estado” 280 .

A era tecnológica produziu profundas alterações no relacionamento entre os


Estados, e os vínculos obrigacionais tradicionais tornaram-se insuficientes para dar suporte a
essas múltiplas demandas, advindas de um processo de integração no qual todos viram
acentuar-se o teor da interdependência recíproca. Assim, houve um grande desenvolvimento
das organizações internacionais, que são junções de Estados que têm vontade própria
diferente da dos seus membros 281 .

Antônio Rodrigues de Freitas Jr., referindo-se à mudança ocasionada pela


globalização econômica, sustenta que, “até os anos oitenta o capitalismo cresceu e se
internacionalizou por intermédio de regulação, quando não da proteção do Estado-Nação. O
que implica mudança qualitativa nesse quadro de recíproca indução é a circunstância de que,
no presente cenário de globalização, a expansão do capitalismo não apenas demonstra

279
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 12-14.
280
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 252.
281
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 254.
114

prescindir do Estado-Nação como também parece pôr em questão a própria conveniência da


proteção e da regulação estatais” 282 .

Ao tratar da globalização sob o aspecto jurídico-político afirma que o


recente fenômeno consiste na “perda da capacidade de formulação, de definição e de
execução de políticas públicas pelo Estado-Nação, capacidade essa que progressivamente vai
se deslocando para arenas transnacionais ou supranacionais, como produto dos efeitos da
globalização econômica sobre o alcance do poder soberano” 283 .

Complementa que: “o quadro de modificações introduzidas com o


aprofundamento da globalização parece apontar para a superação do Estado-nação, tal como o
reconhecemos desde o advento da modernidade. Se o que está em questão não é propriamente
o “fim da história”, não é menos certo que está, sim, em profundo desafio, certa perspectiva
evolutiva que remonta ao historicismo hegeliano, em torno da qual nos habituamos a formatar
e a projetar nossos imaginários de emancipação política e de universalização do bem-estar. Se
ainda não parece definitivo qualquer vaticínio contra a função motivacional da razão utópica,
como condição de aglutinação de seres desiguais ao redor de uma pauta consensada de
solidariedade, tenho para mim como definitivamente exaustas as proposições utópicas
radicadas num ideal de Estado-Nação provedor e de sociedade estabilizada dentro de limites
territoriais de fronteira nacional” 284 .

Ao final, sintetiza diversas proposições entre as quais ressurge como mais


importante a de que “em termos habermasianos, a restauração do ideário republicano deve ser
pensada sobretudo tendo em vista a formação de novas arenas decisórias públicas, de caráter
supranacional ou internacional, em que as decisões do “governo” tenderão a fórmulas
caracterizadas sobretudo pela negociação e pela mediação, antes que por procedimentos de
tomada de decisão formatados pelos clássicos mecanismos do jogo de “soma-zero”, típicos
nas agências decisórias do Estado-Nação” 285 .

282
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 72.
283
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 72.
284
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 78.
285
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 79.
115

Ressaltando que “os movimentos ambientalistas, talvez em razão do fato de


terem sido os primeiros a fazer frente aos desafios de formular políticas em dimensões
planetárias, exibem sugestivos sinais de como harmonizar demandas transformadoras com
realismo pragmático na aceitação da grandeza das dificuldades produzidas pela
globalização” 286 .

Conclui dizendo que os compromissos inter e supranacionais que a


integração regional requer estão a “desafiar, com progressiva intensidade, a sobrevida do
Estado-Nação como manifestação institucional típica do poder soberano” 287 .

De tudo quanto foi exposto, pode-se concluir que mesmo os autores que não
acreditam na total extinção do paradigma do Estado-Nação, concordam em que a globalização
e a integração regional impõem, ao menos, uma alteração conceitual, uma vez que o Estado
dotado de soberania absoluta não mais se adequa à sociedade contemporânea, onde se
observam o desmantelamento das fronteiras geográficas e a crescente interdependência entre
os Estados.

De fato, não se pode mais falar em soberania absoluta do Estado-Nação


diante dos primados econômicos da atualidade.

A interdependência econômica e tecnológica é indiscutível e irreversível e


mostra a nítida perspectiva de um mundo unificado pela técnica para as próximas décadas 288 .

Em face da realidade de nossos dias, é de concluir-se que o conceito de


soberania estaria em declínio, em face do processo de integração internacional em
desenvolvimento, que cada vez mais cria uma interdependência entre os países, com o
surgimento de novos tratados, convenções e protocolos, numa busca de soluções para
problemas comuns, repercutindo diretamente sobre a ordem interna dos Estados 289 .

286
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 79.
287
FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de. Globalização, Mercosul e crise do Estado-Nação: perspectivas
para o direito numa sociedade em mudança. São Paulo: LTr, 1997, p. 80.
288
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – A questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 283-284.
289
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Princípios gerais de Direito Comunitário. In BAPTISTA, Luiz Olavo;
FONSECA, José Roberto Franco da (Coordenadores). O Direito Internacional no terceiro milênio: estudos em
homenagem ao Prof. Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 237.
116

Há autores, como Ivo Dantas 290 , Kenichi Ohmae 291 e Ataliba Nogueira292
que pregam a extinção do Estado-Nação, e outros, a exemplo de Riccardo Petrella, Clóvis
Brigadão, Gilberto Rodrigues (estes citados por Ivo Dantas 293 ) e Wolney de Macedo
Cordeiro 294 , que admitem a necessidade de uma alteração do conceito, mas não acreditam na
sua extinção.

José Maurício Domingues também sustenta a idéia de que, hodiernamente,


pode ser afirmado que o Estado-nação enfrenta uma “crise relativamente profunda”, não
obstante, não é razoável a suposição de que sua importância declinará ou que se tornará
irrelevante em razão da globalização. “O Estado-nação ainda controla instrumentos
importantes de poder – político, militar, e, em grande medida, econômico”. No entanto, vem
perdendo influência no interior de suas fronteiras e, no plano global, enfrenta problemas ainda
mais sérios, que ultrapassam sua capacidade de coordenação, tais como, o tráfico de drogas e
o crime organizado; a Aids e outras epidemias; o fluxo das finanças e do comércio
internacionais; a crise ecológica. Estes problemas exigem soluções coordenadas que
ultrapassam as fronteiras singulares de cada Estado-nação. Se aditadas as questões do
“desenvolvimento do segundo milênio, a moldura do Estado-nação faz-se ainda mais
tacanha”. Entretanto, as organizações internacionais e a atual sociedade civil mundial também
não estão aptas a solucionarem as complexas questões existentes. Impõe-se o surgimento de
novas soluções que “são necessárias e conformam o que deverá, ou deveria, consistir num dos
principais fulcros do pensamento sociológico e da ciência política nas próximas décadas” 295 .

Ivo Dantas 296 e Ataliba Nogueira 297 sustentam que Estado é uma forma de
organização política da sociedade que poderá desaparecer para dar margem ao surgimento de
novo modelo mais adequado à época atual. O que não pode deixar de existir é uma forma de
organização política, sendo ela qual for, não necessariamente a forma Estado.

290
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 127.
291
OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-Nação – ascensão das economias regionais. Tradução de Ivo
Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. XVIII.
292
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 12-14.
293
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 127.
294
CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação das relações de trabalho individuais e coletivas no
âmbito do Mercosul. São Paulo: LTr, 2000, p. 69.
295
DOMINGUES, José Maurício. Sociologia e modernidade: para entender a sociedade contemporânea. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 98-99.
296
DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Curitiba: Juruá, 2000, p. 127.
297
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 12-14.
117

Christian Delacampagne, após historicizar a filosofia política, afiança que o


Estado não representa a síntese de uma necessidade histórica. Tendo nascido do ocaso da
Idade Média feudal permanecerá apenas enquanto necessário. Diferentemente é o que ocorre
com a política. Um mundo sem Estado é possível, entretanto não se pode conceber um mundo
sem política, poupado de toda violência e desprovido de qualquer estrutura de poder. Por mais
que a política seja inevitável, o Estado não o é, sendo apenas a face eventualmente assumida,
nos dias atuais, pela política. Razão pela qual afirma o citado autor que, se o Estado é um mal,
ainda que necessário, ele é apenas um mal temporariamente necessário, “ou seja, durante mais
alguns séculos. Mas certamente não ‘para sempre’ 298 ”.

Estudando a globalização sob a perspectiva referente aos aspectos políticos


e jurídicos, que dizem respeito ao fim do Estado-nação, percebe-se que o Estado, sendo dado
cultural, “nem sempre existiu e nem sempre existirá”. Os elementos integrantes da concepção
de Estado “o tornavam modelo único na História da Organização Política”. Razão porque
existiram formas anteriores que não mereceram esta designação, assim como, com a alteração
desses elementos, as futuras que vierem a existir não merecerão a denominação de Estado 299 .

José Joaquim Gomes Canotilho, considerado um dos maiores


constitucionalistas da atualidade, entende que o modelo de Estado baseado na idéia de
unidade política soberana encontra-se, atualmente, em crise que decorre dos fenômenos da
globalização, da integração regional e da integração interestatal 300 .

Para o consagrado autor Nelson Saldanha “é no Estado moderno, ou sobre


seu arcabouço, que se darão as alterações constitucionais trazidas pelas revoluções
demoliberais burguesas” 301 . Grifei.

Outros, ainda mais inovadores e progressistas, como Celso Ribeiro Bastos,


André Ramos Tavares 302 e Ataliba Nogueira 303 falam do surgimento de um governo mundial.

298
DELACAMPAGNE, Christian. A filosofia política hoje: idéias, debates, questões. Tradução de Lucy
Magalhães. Revisão técnica de Danilo Marcondes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 179 - 180.
299
DANTAS, Ivo. Constitucionalismo & globalização: aspectos teóricos. Breve análise exploratória in
DANTAS, Ivo; MEDEIROS, Marcelo de Almeida; LIMA, Marcos Costa (Organizadores). Processos de
integração regional. Curitiba: Juruá, 2002, p. 69.
300
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1999, p. 86.
301
SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 18.
302
TAVARES, André Ramos. Estágio final: o fim do Estado? In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 123.
303
NOGUEIRA, Ataliba. Perecimento do Estado. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros,
n. 4, 1993, p. 12-14.
118

Marcelo Neves registra que, para o combate da injustiça estrutural da


sociedade global complexa do presente, uma sociedade que é caracterizada por amplas formas
de exclusão social e intolerância com o diferente, “é ainda o Estado democrático de direito
que, intermediando consenso procedimental e dissenso contenudístico”, oferece o modelo
jurídico-político mais adequado”. E, ao final, alerta que, se a justiça como igualdade
complexa não contar com os “procedimentos efetivos do Estado democrático de direito, estará
fadada, na sociedade global complexa do presente, a reduzir-se a um tópico da retórica
política, sobretudo daquela retórica política vinculada ao rótulo ‘globalização’, no âmbito da
qual o mercado é festejado como critério último de justiça” 304 .

Eric Hobsbawn refere-se ao “breve século XX” alertando que o mundo


“corre o risco de explosão e implosão”. Atento às contingências atuais, alertou que “não
sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até este ponto e por
quê. Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode
ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio
nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança
da sociedade, é a escuridão” 305 .

Efetivamente, cada vez mais o caminho a ser trilhado indica uma


internacionalização das relações entre Estados, sendo plausível falar-se em governo mundial.
Como, aliás, adverte André Ramos Tavares para quem “talvez o surgimento de um Estado
mundial, com toda a integração que este pode promover, gere, mais adiante, a perspectiva de
que o Estado pode ser eliminado, bastando um sistema preciso de coordenação da própria
sociedade” 306 .

304
NEVES, Marcelo. Justiça e diferença numa sociedade global complexa. In SOUZA, Jessé (Organizador).
Democracia hoje: Novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: UNB, 2001, p. 359.
305
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p. 562.
306
TAVARES, André Ramos. Estágio final: o fim do Estado? In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 123.
119

CAPÍTULO 4

O CONCEITO TRADICIONAL DE SOBERANIA EM CONFRONTO

COM O DIREITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL

O fenômeno da globalização e a internacionalização dos mercados


financeiros têm evidenciado o despreparo dos governos nacionais frente às relações
estabelecidas de forma global.

Este descompasso gera a necessidade de serem adaptados os sistemas


nacionais à competitividade internacional, como forma de sobrevivência do Estado no
contexto mundial. Uma das soluções encontradas traduz-se no surgimento de regimes
supranacionais 307 .

Os Estados, voltados para seu interior, foram surpreendidos pelos efeitos da


globalização. Viram surgir mega empresas multinacionais com enorme poder de barganha a
assustar e inibir a existência de empresas eminentemente nacionais.

O impacto do fenômeno da globalização, juntamente com o fim da era


bipolar, modificaram de forma radical a natureza da soberania dos Estados 308 .

O conceito tradicional de soberania nacional vem sendo questionado em


função das alterações que decorrem da denominada globalização econômica. Este
questionamento abarca não somente a conceituação da expressão, mas também, em razão das

307
NORRIS, Roberto. Contratos coletivos supranacionais de trabalho e a internacionalização das relações
laborais no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 19-20.
308
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 149.
120

necessidades econômicas, impulsiona os sistemas políticos a se organizarem em direção a


formas supra-estatais ou “macroformas estatais” 309 .

É impossível sobreviver enquanto Estado na sua tradicional forma, pois


inexiste condição de competitividade com as demais nações, muitas já se encaminhando para
formação de blocos.

Com a globalização, a soberania nacional dos Estados vem sendo dilapidada


como corolário da influência do mercado globalizado sobre os entes estatais. A possibilidade
de conservação da summa potestas “consiste no crescimento físico-político e econômico do
Estado”, o que vale dizer, no expansionismo deste ente com a finalidade de evitar a influência
tanto jurídica quanto política do mercado globalizado 310 .

A dimensão tecnológica do fenômeno da globalização deu origem a


transformações de grande impacto em âmbito mundial sem precedência na história311 .

O sociólogo Octávio Ianni afirma que a “soberania do Estado-nação não


está sendo simplesmente limitada, mas abalada pela base”. A transnacionalização do capital e
o desenvolvimento, tanto em intensidade quanto em extensão das forças produtivas e das
relações de produção, deram causa ao incremento das relações, dos processos e das estruturas
de dominação política e econômica em escala global, ultrapassando “territórios e fronteiras,
nações e nacionalidades. É claro que não se apagam o princípio da soberania nem o Estado-
nação, mas são radicalmente abalados em suas prerrogativas” 312 .

Por esta razão, impõe-se uma revisão de conceitos clássicos, até então
aceitos universalmente, em busca de novas formas de organização da sociedade política para
sobreviver neste novo mundo.

309
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Direito Constitucional do Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
23.
310
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Direito Constitucional do Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
23.
311
BASTOS, Celso Ribeiro. Da reconfiguração do Estado. In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 98.
312
IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 40-41.
121

4.1 O conceito tradicional de soberania estatal

A soberania entre os romanos era denominada de suprema potestas,


imperium e pode ser superficialmente definida como a qualidade que cerca o poder do
Estado 313 .

Etmologicamente o termo soberania remonta às expressões latinas do


medievo super omnia, superanus, supremitas, tendo como significado o sentido de superior,
de supremo 314 .

Em verdade, o Estado nada mais é que uma forma histórica de organização


jurídica da sociedade política, do poder, detentora de qualidades específicas, como o poder
soberano, a soberania, que pode ser designada como um poder supremo no plano interno e
como um poder independente no plano externo, internacional 315 .

O Estado é, ainda hoje, uma forma política que estrutura o pensamento


político-constitucional. Sua conceituação clássica nasceu a partir de Jean Bodin com o Les Six
Livres de la Republique (1576) e Thomas Hobbes com o seu Leviathan (1651), que definiram
o Estado, a soberania e o poder como elementos centrais da organização política moderna316 .

Desde o século XI existia a concepção de soberania, porém, foi somente no


século XVI, que Jean Bodin, considerado o teórico da soberania, afirmou que esta é a “summa
potesta”, ou seja, o poder absoluto e perpétuo de uma república, reconhecendo como
soberano apenas Deus e as leis naturais como fatores superiores de poder 317 .

A obra de Jean Bodin intitulada Les Six Livres de la Republique


provavelmente foi escrita por volta do ano de 1576, tendo abordado como tema central o
conceito de soberania. Bodin tomou como padrão a situação da França, naquela época,
levando em conta as suas próprias convicções do que deveria ser a autoridade real.

313
BASTOS, Celso Ribeiro. Da reconfiguração do Estado. In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 98.
314
FENANDES, Luciana de Medeiros. Soberania & Processo de Integração. Curitiba: Juruá, 2002, p. 48.
315
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1998, p. 85-86.
316
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1998, p. 85-86.
317
EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 10.
122

Conceituou República no Livro I, entendendo-a como um direito de governo de muitas


famílias e do que lhes é comum. No Capítulo VIII afirma que é “necessário formular a
definição de soberania, porque não há qualquer jurisconsulto nem filósofo político que a tenha
definido e, no entanto, é o ponto principal e o mais necessário de ser entendido no trabalho da
República”. Esclarece que a “soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República”.
Pode-se entender que República, com a significação que lhe dá Bodin, equivale ao moderno
entendimento do que se configura como Estado 318 .

A inalienabilidade, a indivisibilidade, a infalibilidade absolutas são


características da soberania e se originam do contrato social e da escolha do soberano, que é o
povo incorporado que define a vontade geral através da lei. A soberania consiste no “poder do
corpo político sobre todos os seus membros” e confunde-se com a vontade geral 319 .

Da mesma forma que Bodin concebeu a soberania como o poder absoluto e


perpétuo do Estado, também assim a definiram Hugo Grocio e São Tomás de Aquino. Estes
dois último autores reconheceram que o limite da soberania consistia na existência de uma
comunidade internacional composta por outros Estados 320 .

Simone Goyard-Fabre, ao comparar as versões em latim e em francês da


obra do autor, faz interessante digressão sobre o que pretendeu Bodin ao afirmar que a
soberania é absoluta. Não deu o significado de que é ilimitada, nem mesmo superlativa,
“superior a todos os outros poderes; isso quer dizer que é incondicional”. Para a mesma
autora, Bodin é perfeitamente claro quando afirma que “uma soberania condicional é uma
contradição nos termos” 321 .

Hobbes entende que o Estado é definido pela “soberania de seu poder


fundado num contrato e legitimado juridicamente”. A soberania tem suas qualidades jurídicas,
suas faculdades e seus direitos, provenientes diretamente e a priori do contrato que a produz.
Como já referido no capítulo anterior, em seu livro intitulado Leviatã, expõe este contrato
como um meio pelo qual um homem ou assembléia de homens recebe autorização dos outros

318
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76-77.
319
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Tradução de Lydia
Cristina. Rio de Janeiro: Agir, 2001, p. 170-171.
320
VÁZQUEZ, Adolfo Roberto. Soberanía, supranacionalidad e integración: la cuestión en los países del
Mercosur. In PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito da Integração: estudos em homenagem a Werter R. Faria.
Curitiba: Juruá, v. 1, 2001, p. 23.
321
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Tradução de Irene A.
Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 133.
123

homens, com a finalidade de representarem a todos. Com base neste contrato de autorização,
fica estabelecido o reconhecimento de todas as ações praticadas pelo representante, sendo esta
a única forma de dotar o Estado (representante) de um poder soberano (soberania estatal), um
poder que paira sobre controvérsias, que, uma vez supressas, não darão ensejo a uma
oponibilidade de poderes, consagrando-se o poder estatal como incontestável nas relações
jurídicas 322 .

A concepção de contrato social de Rousseau (ato pelo qual um povo é um


povo) leva-o a uma idéia distinta do conceito de soberania. A vontade geral própria deste
“corpo moral e coletivo” corresponde ao “eu comum da República”, que tem a denominação
de Estado, quando passivo; de Soberano, quando ativo; e de Potência, quando em comparação
com outros semelhantes. “A natureza da soberania só pode derivar do procedimento
contratual segundo o qual a multidão, unanimemente, substitui as vontades particulares pela
vontade geral”. Ou seja, a vontade geral é que identifica a essência da soberania 323 .

Na teoria pura de Kelsen, a soberania representa a unidade e validade de um


determinado sistema de normas, não sendo um “poder” como ensina a corrente tradicional,
nem tampouco uma “qualidade de poder”. Essa validade, de unidade das normas a que se
refere Kelsen, é uma decorrência lógica da “norma fundamental hipotética” colocada pelo
jurista como condição própria do sistema. Kelsen não considera que o poder ou soberania seja
algo que preceda e que garanta a atualização do Direito, pois em suas palavras “atrás do
direito não é preciso existir um poder que o sancione” 324 .

Bobbio conceitua a soberania como summa potestas, esclarecendo que é um


“poder que não reconhece acima de si qualquer poder superior”, sendo que por esta razão
“não obedece às leis positivas, mas apenas às naturais ou divinas” 325 .

A soberania, em sentido lato, para Bobbio pode ser definida como sendo o
“poder de mando de última instância numa sociedade política e, conseqüentemente, a

322
LIMONGI, Maria Isabel. Hobbes: filosofia passo a passo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 54-55.
323
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Tradução de Irene A.
Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 180.
324
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 80.
325
BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Tradução de Mabel
Malheiros Bellati. Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001, p.
80.
124

diferença entre esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra
este poder supremo, exclusivo e não derivado” 326 .

A soberania, enquanto poder supremo do Estado, pode ser dividida em


soberania interna, que tem como significado o poder superior do Estado sobre todo o território
e sua população, e em soberania externa, que representa a independência do Estado em
relação a outros Estados 327 .

A soberania é uma qualidade essencial do Estado que o qualifica como


autoridade suprema, detentora do direito ou do poder de emitir comandos obrigatórios. “Dizer
que o Estado é soberano significa que a ordem jurídica nacional é uma ordem acima da qual
não existe nenhuma outra. A única ordem que se poderia supor como sendo superior à ordem
jurídica nacional é a ordem internacional” 328 .

A soberania não é do Estado ou da nação, em verdade, pertence ao povo, ao


cidadão. A união destes cidadãos tem por finalidade assegurar e preservar o direito à
autodeterminação, formando, em conseqüência, uma nação que posteriormente é
instrumentalizada com a constituição de um Estado 329 .

4.2 Necessidade de reformulação do conceito

São criações históricas tanto a soberania quanto o conceito de Estado, razão


por que não só devem ser admitidas mudanças como também há de se encará-las com
naturalidade 330 .

326
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de
Carmen C. Varriale. Brasília: Editora Universidade de Brasília. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p.
1179.
327
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 110.
328
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 544-545.
329
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 15.
330
BASTOS, Celso Ribeiro. Da reconfiguração do Estado. In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 100.
125

A partir da análise das dimensões interna e internacional do Estado pode-se


chegar aos seus elementos constitutivos, que são o poder político de comando, que tem como
destinatários os cidadãos nacionais (o povo que é a um só tempo sujeito do soberano e
destinatário da soberania) e o território. O poder de o Estado criar o direito positivo, assim
como o seu poder de coação física legítima para determinar a efetividade das normas e a
obediência a seus comandos caracterizam a soberania interna. A soberania internacional ou
independência é relativa, uma vez que há sempre a independência de um outro Estado
soberano a ser considerada. Mesmo assim, fica claro que os Estados possuem “igualdade
soberana”, não reconhecendo a existência de nenhum poder que seja superior ao deles. Os
fenômenos da globalização, da internacionalização e da integração interestatal colocaram em
crise o modelo de Estado anteriormente referido, que surgiu da Paz de Westfália, nos idos de
1648 331 .

Flávia Piovesan enfatiza que o processo de globalização visa à criação de


um mercado mundial com a supressão das fronteiras territoriais. A clássica concepção de
soberania estatal está a passar por um processo de relativização, com a necessidade de sua
revisão, em razão, principalmente, da transnacionalização dos mercados 332 .

Atualmente o conceito de soberania estatal clássico, que consistia em um


“conjunto de atributos essenciais e inerentes à própria personalidade do Estado”, em razão da
propagação de organizações de âmbito internacional, auferiu “contornos de uma competência
regida pelo Direito Internacional” 333 .

Em verdade, a idéia de soberania vem sendo utilizada de maneira acrítica


difundindo o equívoco teórico tanto no direito interno quanto no Direito Internacional. Sob a
influência deste equívoco, as pessoas passaram a acreditar que haveria em cada sistema
jurídico interno um legislador soberano que não estaria sujeito a quaisquer limitações de
ordem jurídica, da mesma forma que os indivíduos acreditam, que na ordem internacional, os
Estados são soberanos e incapazes de limitação jurídica, exceto por eles próprios. Esta crença

331
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1998, p. 85-86.
332
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos globais. Justiça internacional e o Brasil. Revista da Fundação da
Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília: s/e, a. 8, v. 15, 2000, p. 93.
333
SANTOS, Ricardo Soares Stersi dos. Mercosul e arbitragem internacional comercial: aspectos gerais e
algumas possibilidades. Belo Horizonte: Del Rey, p. 108.
126

na existência precisa do “soberano juridicamente ilimitado” apenas acarreta prejuízos à


questão e não corresponde à realidade 334 .

Muito interessantes são as palavras de Pedro Salvetti Netto 335 :

“No Estado contemporâneo, no mundo conturbado em que vivemos


– onde, mais de perto se relacionam as diversas sociedades
políticas, pela possibilidade quase instantânea de aproximação – a
complexidade e a total necessidade destas mesmas relações
motivaram uma revisão no conceito de poder supremo e
incontestável de um Estado, poder de deliberar tão-só segundo seus
próprios interesses e conveniências, inteiramente despreocupado
das conseqüências de suas deliberações relativamente aos outros
Estados”.

O conceito de soberania encontra-se, atualmente, relativizado porque não


mais se admite a existência de uma soberania irrestrita e absoluta, principalmente em
decorrência da nova ordem mundial e dos processos de integração, que impõem a necessidade
de que os estados busquem atuar em conjunto. Saliente-se que esta relativização não é
“construção jurídica atual, pois, mesmo no início do século, estudiosos já admitiam a
limitação da soberania em favor da ordem internacional”, fundamentando na igualdade
jurídica dos Estados e na unidade entre Direito Internacional Público e Direito Nacional 336 .

Inicialmente, quando do seu surgimento, o poder do Estado era fraco.


Atualmente, a fragilidade é ainda maior em razão da existência de normas internacionais, a
que todos estão adstritos, como decorrência natural da própria conjuntura mundial que hoje se
apresenta. A título de exemplo, observe-se o que ocorre com a aviação, onde são necessárias
regras harmônicas internacionais, às quais todos os Estados devem submeter-se 337 .

Outros exemplos podem ser enumerados, como os direitos humanos que


adquiriram concepção universal, as regras atinentes à telefonia internacional, aos cartões de
creditícios, entre outras tantas.

334
HART, H.L.A. O conceito de direito. Tradução de A Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994, p. 239-240.
335
SALVETTI NETTO, Pedro. Curso de teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 160.
336
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 117.
337
BASTOS, Celso Ribeiro. Da reconfiguração do Estado. In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do Direito Público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 100.
127

O que pode ser afirmado é que a soberania do Estado já se encontra


extremamente atingida por uma série de normas internacionais a que o Estado deve obedecer
sob o risco de, em não o fazendo, não poder interagir no contexto mundial.

Outra situação que pode ser citada e que consiste no aquebrantamento do


conceito tradicional de soberania tem a ver com a proclamação internacional dos Direitos do
Homem. Em verdade, esta proclamação “contribuiu de modo inelutável para o eclipse do
dogma centrado na natureza ilimitada e indivisível da soberania dos Estados” 338 .

Modernamente, a partir do momento em que se atinou para o fato de que “o


planeta deve ser preservado para as gerações futuras”, surgiram inúmeras manifestações de
órgãos internacionais preocupados em proteger princípios humanitários universais e as
relações internacionais ganharam ênfase, pelo que o Estado está limitado, na ordem interna,
pelas restrições constitucionais e, no âmbito externo, esta limitação expressa-se através dos
princípios e valores consagrados pela comunidade internacional 339 .

A situação política e econômica gerada como conseqüência do fenômeno da


globalização da economia é uma das causas da mudança do conceito tradicional de soberania
com o acatamento, por parte dos Estados, de normas que emanam de um poder acima deles –
o poder supranacional. O exemplo clássico é dado pela Europa que inobstante ter sido local
dos grandes conflitos hodiernos, comprovou que a união, a cooperação entre os povos, a
delegação de parte de sua soberania é possível, propiciando, com isto, uma melhor qualidade
de vida aos cidadãos e uma “maior integração e desenvolvimento no âmbito econômico e
social” 340 .

Há que se buscar o desenvolvimento em conjunto com outros que


apresentam características semelhantes a fim de se propiciar o crescimento e fortalecimento
mútuo.
Ao tempo em que os Estados vêm tentando superar as crises políticas e
econômicas que espoucaram nas últimas décadas, também o conceito de soberania vem
sofrendo uma lenta e progressiva modificação, passando de um conceito absoluto para a
concepção de um conceito relativo, permitindo que parcelas de poder dos Estados nacionais

338
DUARTE, Maria Luísa. A liberdade de circulação de pessoas e a ordem pública no Direito Comunitário.
Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 40.
339
MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000, p. 49, 55.
340
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p.293.
128

sejam exercidas por um poder maior, concentrado nas organizações internacionais, que assim
darão ensejo à formação de um novo sistema de direito, com instituições, fontes, princípios e
conceitos próprios, que possibilitarão uma harmonização jurídica entre os Estados-
membros 341 .

A fragilização da autoridade, o esgotamento do equilíbrio dos poderes e a


perda de autonomia do aparato burocrático são aspectos que são observados no processo de
redefinição da soberania do Estado-nação. Tais aspectos são evidenciados pelo modo como se
situam no confronto entre os diferentes setores econômicos mais diretamente alcançados pela
globalização – em termos positivos ou negativos 342 .

Com o brilhantismo jurídico, que lhe outorga o título de um dos maiores


constitucionalistas do nosso tempo, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que a questão da
soberania e a questão da legitimidade e da legitimação foram problemas levantados pelo
movimento constitucional em razão da necessidade de aferir-se quem era o legítimo detentor
da titularidade e do exercício do poder soberano, bem como da obtenção da justificação da
titularidade e exercício desse poder. Assim, a soberania, para poder ser caracterizada como
tal, pressupõe a existência de um título de legitimação e o seu exercício deve acontecer em
termos materialmente legítimos (legitimidade); legitimidade e legitimação fundamentam a
soberania no que tange aos seus aspectos internos. Com a afirmação dos ideais democráticos,
a questão da legitimação da soberania dinástica entrou em pauta de discussão. “Não valia
argumentar com o elemento tradicionalista para dizer que a soberania do rei havia sido
legitimada pelo “velho bom direito”; não era pertinente invocar o carisma de chefe ou de rei
numa altura em que ele estava próximo do cadafalso ou se tinha desprestigiado perante a
Nação; argumentos racionais a favor da legitimidade dinástica acabavam na exaltação do
absolutismo ou identificavam-se com o discurso tradicionalista”. Impôs-se então, a idéia de
que “só a Nação é soberana, só os poderes derivados da Nação são legítimos”, tendo, assim,
sido acolhida a teoria da soberania nacional que só pode ser exercitada pelos representantes
legalmente eleitos. Nestas condições, fica consagrado, ao lado do “princípio democrático da

341
FRANCESCHINI, Luis Fernando. A atividade financeira internacional e o acordo sobre serviços financeiros
do GATS/OMC. In FRANCESCHINI, Luis Fernando; BARRAL, Welber (Coordenadores). Direito
Internacional Público & integração econômica regional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 78.
342
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 25.
129

legitimação – soberania nacional – o princípio do sistema representativo”. A autoridade do


Estado provém da Nação, é indivisível e inalienável 343 .

Reaparecem as discussões sobre a noção de soberania estatal com a


implementação dos blocos regionais, a exemplo da União Européia e do Mercosul 344 .

O modelo de soberania alterou-se em razão de uma nova forma de


organização do espaço territorial surgida a partir da conformação de grandes blocos
econômicos 345 .

No mundo contemporâneo, com o aparecimento de fenômenos mundiais


que “vazam, suplantam, ignoram, rompem as frágeis fronteiras territoriais e jurisdicionais dos
Estados” e que decorrem, primordialmente, da globalização econômica, surgem questões que
necessitam urgentemente de respostas, tais como: “O Estado-nação é ou não a última
instância de poder político (por isso soberano) no globo, legitimado por seu povo? O
monopólio do uso da força e do poder jurisdicional pelo Estado representa, de fato, a
existência de um único foco e fonte central de poder social – o próprio Estado -, ou estamos
diante de uma instituição dotada de poder soberano simbólico, passando por profunda crise
estrutural e de legitimidade?”. A quase totalidade dos conflitos armados decorreram de
problemas ligados à soberania. Sendo este um tópico delicado que abrange assuntos como
segurança nacional e autonomia política 346 .

Assim, em razão da globalização, ou da mundialização, ou ainda, da


internacionalização, não se pode pensar mais em nações estanques com total soberania, como
tradicionalmente entendido.

O mundo mudou e o direito deve acompanhá-lo, uma vez que tem por seu
fundamento o substrato social.

343
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1998, p. 108.
344
TAVARES, André Ramos. Estágio final: o fim do Estado? In BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André
Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 110.
345
BERTONI, Liliana. Las regiones em el Mercosur in PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito da Integração:
estudos em homenagem a Werter R. Faria. Curitiba: Juruá, v. 2, 2001, p. 43.
346
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 282.
130

Impõe-se, nestas condições, a integração das nações em blocos regionais,


que, por sua vez, possuirão órgãos supranacionais e conseqüentemente a imprescindibilidade
de alterar-se o conceito tradicional de soberania.

4.3 A diferenciação entre a delegação e a transferência de soberania

Não procede a afirmação de que a flexibilização do conceito importaria em


perda de soberania para os outros membros do bloco regional, uma vez que as decisões seriam
tomadas por órgãos supranacionais, cujos membros não são representantes de seus países,
mas sim dos próprios órgãos que representam.

É desconectada da realidade dos modernos modelos de organização


internacional essa afirmação que nada mais caracteriza do que um nacionalismo exacerbado e
fora de propósito. Não se pode olvidar o sucesso da adoção da supranacionalidade na União
Européia, embora sejam realidades distintas. Efetivamente, o exemplo europeu demonstrou
cabalmente que não há perda de soberania para os órgãos supranacionais, há delegação de
soberania 347 .

A diferença fulcral entre transferência e delegação de soberania por parte do


Estado é que, na delegação, o estado não abandona o seu poder de decisão não havendo,
assim, transferência. Ele apenas aceita uma limitação deste poder já que concorda em atribuir
determinadas competências a agentes localizados em âmbito externo da estrutura estatal 348 .

Fausto de Quadros faz a distinção de forma clara e objetiva, afirmando que


se trata de delegação e não de transferência, já que na delegação a titularidade do poder
continua em mãos do órgão delegante que pode, a qualquer tempo, revogar a delegação e,
cessada esta, a plenitude dos poderes delegados volve para o órgão delegante. Na

347
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 301.
348
REIS, Márcio Monteiro. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos estados e os
ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 71.
131

transferência há uma alienação de poderes, com perda da sua titularidade, o que significa
ceder definitivamente. Não é o que ocorre no Direito Comunitário 349 .

Como visto, não se trata de perda de soberania, mas tão somente de


delegação de parte dela a fim de que se concretizem objetivos comuns, resguardada sempre a
titularidade da soberania pelo Estado membro que pode retomar a parcela delegada a qualquer
tempo.

Outra questão que merece destaque é o fato de que o Estado-parte pode,


quando assim lhe convier, denunciar o Acordo Internacional firmado, se ocorrer algo que seja
contrário às suas expectativas e que não possa ser superado através de negociação com os
demais Estados integrantes.

O que vem a comprovar que se o Estado houvesse transferido em caráter


definitivo a soberania não poderia reavê-la com a denúncia do tratado, ou então, estaria
impedido de praticar a denúncia, circunstâncias que não ocorrem.

Outro elemento que é capaz de esclarecer qualquer dúvida quanto à


preservação da soberania dos Estados-membros relaciona-se com a ausência de um Poder
Constituinte, “não há no Direito Comunitário uma força originária de onde emane diretamente
algum poder”. A legitimidade dos órgãos comunitários deriva dos Estados 350 .

A formação de uma comunidade de Estados, portanto não está atrelada à


perda da soberania, nem mesmo à perda de parcela da soberania. Há, apenas, uma delegação
de poderes determinados a órgãos supranacionais que tratam de matérias específicas, “em que
a soberania de cada Estado membro é compartilhada por todos”. É o que se vem denominando
de soberania compartilhada 351 .

349
QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. Lisboa:
Almedina, 1991, p. 212 apud ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS,
Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 293.
350
REIS, Márcio Monteiro Reis. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos Estados e os
ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 76-77.
351
REIS, Márcio Monteiro Reis. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos Estados e os
ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 79.
132

4.4 A relativização do conceito e a adoção da delegação de soberania no


bloco regional

Somente motivos de grande interesse econômico levariam Estados


soberanos a relativizarem aspectos antes entendidos como de estrita segurança nacional. A
delegação de parte de sua soberania implica em inúmeras possibilidades de desenvolvimento
interno, que facilitam o intercâmbio tecnológico e cultural, ampliam mercados, viabilizam as
economias de escala, criam novas demandas à produção interna, e, o que também é muito
importante, fazem com que o bloco constitua-se como uma personagem de influência no
mercado mundial. Criam a imagem de uma grande unidade de atividade comercial a ser
considerada com respeito no panorama global 352 .

Esta é a posição atual da União Européia e do Mercosul, que possuem


personalidade jurídica de Direito Internacional, sendo considerados, como efetivamente o são,
como um sujeito no palco do comércio mundial.

Os países-membros têm, inquestionavelmente, mais poder de negociação e


influência quando associados numa única entidade do que quando eram considerados
individualmente.

Estas associações econômicas, que são extremamente complexas, podem ser


caracterizadas como sendo uma grande sociedade em transformação, em verdade, em
formação, com suas instituições ainda em adequação.

Isto é claro, desde que se admita a divisão de poder social dentro dos
territórios, nos blocos regionais, ao lado da delegação constante de parte da soberania aos
órgãos supranacionais.

Pode ser afirmado que a delegação de competências constitui-se em ato de


soberania dos Estados, que livremente e com fundamento em seus ordenamentos jurídicos,

352
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 282.
133

delegam poderes aos organismos comunitários, “podendo a qualquer tempo retomá-los, como
na hipótese de dissolução da União Européia” 353 .

Há de ser entendida como uma sociedade de poder social pulverizado,


dotada de instituições regionais comuns, com um interesse (ou finalidade) comum, qual seja,
a integração e o desenvolvimento, e, por fim, passando por um grande processo de
intercâmbio cultural e econômico 354 .

Pelo fato de as sociedades atuais serem democráticas e pluralistas, ao lado


do desenvolvimento dos fenômenos da integração regional, observa-se, também, o
desenvolvimento intensivo da integração das sociedades civis nacionais, que passam a
celebrar contratos de longo prazo entre empresas, cresce a circulação de pessoas e aumenta o
intercâmbio cultural.

A vida das pessoas começa a ser atingida e alterada pelo aparecimento de


uma sociedade transnacional. Este é um assunto por demais envolvente e que gera admiração
e “encantamento aos estudiosos do tema”. É também um encadeamento lógico, um processo
gradual, lento mas contínuo, que tem criado muitos interesses e gerado muitos benefícios 355 .

É importante que se ressalte que nos processos de integração regional a


mola propulsora é sempre o fato econômico e assim é porque para se concorrer no mercado
mundial é necessário competitividade 356 .

353
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 115.
354
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 297.
355
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 298.
356
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 298.
134

4.5 O paradigma europeu: Como a União Européia trata a questão da


delegação de soberania

Vários modelos de integração foram criados a partir dos anos cinqüenta. O


exemplo mais desenvolvido atualmente é a União Européia, que inovou o conceito de
soberania, o qual era anteriormente caracterizado como um poder uno, indivisível e
inalienável.

O Tratado de Roma, consubstanciado no ordenamento supranacional


decorrente da instituição da Comunidade Européia em 1957, modificou, por completo, o
sentido até então consagrado de soberania.

O Direito Comunitário, assim como os poderes comunitários, na União


Européia, têm prevalência sobre o direito local e os poderes locais. Os Estados flexibilizaram
o conceito de soberania “abrindo mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e
comandos normativos da comunidade” com isso surgiu uma “autêntica Federação de países”,
uma vez que delegaram parte de sua soberania para ter uma autonomia maior do que nas
“Federações clássicas” 357 .

Em decorrência do surgimento do novo conceito de soberania, o Direito


Internacional Público sofreu grande alteração e, por conseqüência, alinhou-se mais com o
Direito da Integração, que passou a influir na normatização interna dos Estados 358 .

Cássio Mesquita Barros, no que tange à designação Direito Supranacional,


reputa como sendo um fenômeno recente, surgido posteriormente à Segunda Grande Guerra e
realçado em face do surgimento da Comunidade Européia. Atualmente tem como significação
uma das formas de cooperação interestatal 359 .

357
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado do Futuro. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coordenador). O
Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 25.
358
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 291.
359
BARROS, Cassio Mesquita. La proclamación de los derechos laborales fundamentales en el Mercosur. Una
Carta Social del Mercosur. Relasur: OIT, 1994 apud ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União
Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira. Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São
Paulo: LTr, 1998, p. 291.
135

No âmbito das Comunidades Européias as decisões são, ainda, tomadas


pelos Estados-membros que são seus aplicadores, inobstante a tendência para o federalismo
do poder supranacional. Os celebrantes do Tratado delegam parte da sua soberania a um poder
supranacional com a finalidade de atuação apenas e tão-somente com relação aos objetivos
comuns, que foram determinados pelos próprios Estados e que pretendem concretizar. Já foi
ultrapassada a fase do mercado interno e o novo Tratado da União Européia, que entrou em
vigor em 1993, almeja alcançar a união política, econômica e monetária, a começar pela
adoção de uma moeda única, e de defesa e cidadania únicas360 .

Entretanto, a raiz, a titularidade e a essência desses poderes permanecem


com os Estados que podem, a qualquer tempo, revogar a delegação e recuperar o pleno
exercício dos poderes delegados. Ou seja, o poder político comunitário não é autônomo, está
sempre na dependência do poder político dos Estados, que podem, a seu livre dispor, dissolver
as comunidades, pondo fim ao poder político e à ordem jurídica comunitária 361 .

Na União Européia todas as Constituições dos Estados-membros


possibilitam a delegação do exercício de certas competências para um poder supranacional, e
isso se faz necessário, uma vez que o Direito Comunitário tem prevalência sobre o direito
nacional.

A conclusão lógica é a de que se impõe que os Estados-membros possuam


mecanismos próprios, com a finalidade de recepcionar e acatar as leis comunitárias, que são
editadas obedecendo-se estritamente ao limite da delegação efetuada 362 .

4.6 O exemplo do Mercosul com relação à delegação de soberania

Neste contexto, se integra o Mercosul que diferentemente da União


Européia, ainda não tem órgãos supranacionais, dotados de autonomia. Possui, a partir do
Protocolo de Brasília, um mecanismo para solução de controvérsias, porém não possui um

360
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 292.
361
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 292.
362
ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira
(Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 169.
136

tribunal comunitário, que emita decisões obrigatórias e imediatamente aplicáveis aos países-
membros. Não há que se falar, também, em existência de um ordenamento jurídico
comunitário.

Observe-se, porém, que, se a pretensão é a formação de um mercado


comum, existem questões delicadas que terão, inevitavelmente, de ser enfrentadas, e que
envolvem a questão da soberania dos Estados-partes. Basicamente, são as discussões sobre
adotar ou não o caráter de supranacionalidade para os órgãos comuns, bem como das normas
por esses emanadas, e, por fim, da criação ou não de um tribunal supranacional 363 .

A instituição, no Mercosul, de entes supranacionais implicaria, ao menos,


em reformas legislativas e constitucionais. Assim, seriam dois os momentos políticos
necessários à implementação da supranacionalidade. Primeiramente a decisão, o consenso dos
Estados-partes e posteriormente o convencimento político para as alterações na ordem jurídica
interna.

O Mercosul é uma organização internacional cujo tratado que lhe deu


origem prevê a formação de um mercado comum.

Nestas condições, os países que integram o pacto deveriam manter uma


linha de atuação convergente, com um discurso comum, ao menos em matérias essenciais
como comércio internacional.

Não é o que ocorre, no entanto, principalmente por parte do Brasil que


insiste em tomar medidas unilaterais, como, por exemplo, as que foram tomadas em 1997,
para conter o crescimento das importações prejudicial à balança comercial externa.

Sobre estas medidas houve severas críticas por parte dos parceiros do
Mercosul, tanto pelo caráter protecionista quanto pelo fato de terem sido adotadas
unilateralmente sem qualquer consulta ou, ao menos, aviso, aos demais Estados-partes.

Como diz o mestre Paulo Henrique Castex: “Esse é um exemplo típico de


política diplomática desastrosa. A mentalidade política brasileira é nitidamente nacionalista e

363
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 300.
137

individualista, não voltada a uma harmonização regional de políticas econômicas e


comerciais” 364 .

Lamentavelmente este é um problema que assola a todos os integrantes do


Mercosul, países que saíram a pouco tempo de regimes ditatoriais, quando a racionalidade da
democracia não está plenamente consolidada, nem na sociedade civil nem no Estado.

Contudo, há delegação de soberania e os interesses prioritários passarão a


ser os do bloco, e não os interesses nacionais.

Saliente-se, ademais, que se existe um Tratado Internacional em que o


Brasil, livre e soberanamente, decidiu pela integração regional e futura formação de um
mercado comum é porque optou pela defesa dos interesses do bloco regional, inobstante o
fato de eventualmente vir a conflitar com um interesse nacional.

Em verdade, o que se verifica, é o fato de que os blocos econômicos têm


maior poder de barganha e negociação do que quando cada país negocia individualmente,
caracterizando-se plenamente o conceito denominado de sinergia 365 .

Esta afirmação pode ser observada na prática com relação ao Mercado do


Cone Sul que tem recebido atenção especial das grandes regiões de influência econômica do
mundo, como a União Européia e os Estados Unidos, e observa-se um poder de negociação e
defesa de interesses muito maior do que antes da formação do bloco latino.

Acrescenta, por fim, Castex que: “Nesse sentido, então a “soberania do


bloco” aumenta o poder e influência dos Estados-partes. É bem verdade que trata-se de um
poder que é compartilhado, em contrapartida. É uma questão de estabelecer o que se tem
como prioridade. O que permeia toda essa polêmica é a existência ou não de vontade política

364
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 301.
365
O vocábulo sinergia significa: “Associação simultânea de vários fatores que contribuem para uma ação
coordenada.” SINERGIA. In FERREIRA ,Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa.
1. ed., 12 impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,[198-]. p. 1305. c. a.
138

para consolidar a integração regional. Essa, sim, será a condição sine qua non da formação do
Mercado Comum do Cone Sul” 366 .

O artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto 367 estabelece que, quando


necessário, se fará a incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul aos
ordenamentos jurídicos nacionais.

Saulo Casali Bahia questiona se este dispositivo não estaria estabelecendo a


existência de normas comunitárias supranacionais. Respondendo à questão diz que depende
do país onde a norma será aplicada. Se na Argentina e no Paraguai, em razão de dispositivos
constitucionais, há possibilidade de admitir-se a supranacionalidade. No entanto, no Brasil e
no Uruguai, somente será possível se for elaborada uma construção interpretativa das
respectivas constituições 368 .

Esta análise será efetivada no capítulo seguinte que abordará


especificamente o tema da supranacionalidade, priorizando os ordenamentos dos Estados
integrantes do Mercado Comum do Sul.

366
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 301.
367
GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. Mercosul: legislação fundamental específica. São Paulo: Editora
Jurídica Brasileira, 1997, p. 98.
368
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor –
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 195.
139

CAPÍTULO 5

SUPRANACIONALIDADE. UMA ANÁLISE


CONSTITUCIONAL COMPARADA DA IMPLANTAÇÃO NO BRASIL,
NA ARGENTINA, NO URUGUAI E NO PARAGUAI

Inicia-se este capítulo, esclarecendo a conceituação do que seja


supranacionalidade e a necessidade de sua implantação nos blocos regionais.

Cássio Mesquita Barros, no que tange à designação direito supranacional,


reputa como sendo um fenômeno recente, surgido posteriormente à Segunda Grande Guerra e
realçado em face do surgimento da Comunidade Européia. Atualmente, tem como
significação uma das formas de cooperação interestatal 369 .

A supranacionalidade expressa um “poder de mando que supera os poderes


dos Estados” e que resulta da delegação de parte da soberania efetivada pelos Estados que
integram um grupo regional 370 .

A supranacionalidade constitui-se em uma característica que não pode ser


explicada partindo-se de ramos tradicionais do Direito, como o Direito Internacional ou o
direito interno. Em verdade, constitui-se em um novo ramo do direito que vem sendo
denominado de Direito Comunitário e se encontra ainda em formação 371 .

O conceito de supranacionalidade foi sendo construído e elaborado a partir


da interpretação do Direito Comunitário pelos tribunais dos Estados-membros e pelo tribunal
supranacional da União Européia, o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias. A

369
BARROS, Cassio Mesquita. La proclamación de los derechos laborales fundamentales en el Mercosur. In
Una Carta Social del Mercosur. Relasur: OIT, 1994 apud ACCIOLY, Elizabeth. O Direito do Trabalho na União
Européia. In SANTOS, Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no
Mercosul. São Paulo: LTr, 1998, p. 291.
370
KERBER, Gilberto. Mercosul e a supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001, p. 80.
371
LORENTZ, Adriane Cláudia Melo. Supranacionalidade no Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001, p. 20.
140

supranacionalidade constitui um instituto peculiar do Direito Comunitário e tem agregado à


sua noção os “princípios da aplicabilidade e do efeito direto, da primazia do Direito
Comunitário e da uniformidade na interpretação e aplicação das normas comunitárias” 372 .

O fato de a jurisdição supranacional ser reconhecida como legítima não


deve significar a destruição da soberania e autonomia dos Estados. A cooperação que melhor
atenda à consolidação de uma integração dos cidadãos pode ser encontrada a partir do
equilíbrio das duas esferas de controle: o interno e o supranacional 373 .

5.1 Breve noção de direito comparado

Ressalta-se a importância do direito comparado, haja vista ter apresentado o


século XX uma gama de acontecimentos que transcendem fronteiras, atingindo nível
internacional 374 .

Neste contexto, o direito comparado apresenta-se como fundamentalmente


importante para o estudo e análise de fenômenos como a globalização, o Direito Comunitário,
o Direito da Integração e muitos outros.

O estudo de fenômenos como a integração regional não poderia alcançar


resultados positivos sem a necessária comparação dos sistemas jurídicos das nações
diretamente envolvidas, a fim de serem levantados os pontos comuns e os discordantes.

Os fenômenos jurídicos nacionais e internacionais do direito


contemporâneo, sob uma concepção crítica, favorecem os valores sociais e políticos da união
dos povos e dos Estados constitucionais de direito positivo, afirmando-se um consenso
comunitário de integração no aspecto econômico e cultural, consagrando o direito comparado
como instrumento útil e aperfeiçoador nas investigações históricas e epistemológicas da

372
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 111.
373
BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. O papel do Tribunal de Justiça Europeu no processo de integração
comunitária. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 9, n.
34, 2001, p. 73
374
HABSCHEID, Walter J. Introduzione al diritto processuale civile comparato. Maggioli, Rimini, 1985,
Introduzione, p. 15 apud SANCHES, Gislene Aparecida. Os sistemas jurídicos dos Estados-partes do Mercosul.
141

ciência do direito e dos direitos humanos reconhecidos nas constituições nacionais, nos
tratados e nos costumes internacionais 375 .

No entanto, não basta citar o dispositivo de outro ordenamento jurídico. É


indispensável que este seja analisado e que sejam estabelecidas as semelhanças e diferenças
existentes entre os modelos 376 .

Outro importante ponto que deve ser analisado é o fato de que, para um
estudo comparado metodológico, devem ser considerados os sistemas jurídicos em todos os
seus aspectos, começando pelas fontes do direito e pelos princípios gerais de cada sistema, ou
seja, deve-se apreciar o direito em sua totalidade, não apenas em seu aspecto legislativo, sob
pena de configurar-se um estudo incompleto que poderia levar a conclusões equivocadas.
Assim, devem ser objeto de comparação não apenas as leis, mas também a doutrina e a
jurisprudência 377 .

As comparações jurídicas têm como principal razão de ser o fato de


possibilitarem a apreensão e operacionalização de pelo menos um dos sistemas jurídicos
comparados 378 .

No artigo “Nota sobre as dimensões do Direito Constitucional Comparado”


a autora Ana Lúcia de Lyra Tavares afirma que se foge ao objetivo da matéria quando se
procede simplesmente à justaposição das estruturas constitucionais estrangeiras, sem,
efetivamente, compará-las. Salienta que comparar não é simplesmente “justapor disposições
de ordenamentos estrangeiros”. Há necessidade de que sejam observadas, analisadas e
levantadas as divergências e similitudes de pontos específicos e isto deve ser feito de forma
sistemática 379 .

In SANTOS, Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul.


São Paulo: LTr, 1998, p. 19.
375
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado, no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, a. 8, n. 30, 2000, p. 24.
376
DANTAS, Ivo. Direito constitucional comparado: introdução, teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, p. 26.
377
DELL’AQUILA, Enrico. Introducción al estudio del Derecho Ingles. Secretariado de Publicaciones,
Universidad de Valladolid, 1992 apud DANTAS, Ivo. Direito constitucional comparado: introdução, teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 27.
378
SANCHES, Gislene Aparecida. Os sistemas jurídicos dos Estados-partes do Mercosul. In SANTOS,
Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 19.
379
TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. Nota sobre as dimensões do direito constitucional comparado in Direito,
Estado e sociedade. Revista do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
142

As comparações jurídicas têm como “regra de ouro” o fato de possibilitarem


a apreensão e operacionalização de pelo menos um dos sistemas jurídicos comparados 380 .

A polêmica epistemológica quanto à aplicação supralegal e supranacional de


institutos jurídicos evidencia, de forma inequívoca, a importância do direito comparado para a
solução de problemas comunitários. Aplicar-se o método comparativo dos textos
constitucionais e das legislações nacionais, quando inexistirem regras específicas e efetivas de
Direito Comunitário, constitui tentativa válida para que se possa evoluir no processo de
integração 381 .

Na integração regional, especificamente no Mercado Comum do Sul, “essa


utilidade é patente porque a comparação visa à obtenção de resultados que possam ajudar na
escolha de novos rumos para compatibilizar as legislações dos quatro países”. A proximidade
geográfica possibilita o estreito convívio entre os integrantes do Cone Sul, que se intensificou
sobremaneira a partir do Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17.12.94, impondo-se a
necessidade de serem conhecidas as regras que norteiam os ordenamentos vizinhos 382 .

A comparação dos ordenamentos jurídicos dos países que compõem um


bloco regional é de suma importância e possibilita a aferição das compatibilidades e
incompatibilidades entre os ordenamentos nacionais facilitando que sejam detectados os
pontos específicos, onde se fará necessária uma harmonização ou uma alteração legislativa o
que dará ensejo a uma evolução mais sistemática e coerente do processo de integração
regional.

O trabalho que ora se propõe, limitar-se-á à análise microcomparativa dos


dispositivos constitucionais dos países integrantes do Mercosul no que têm pertinência com a
adoção da supranacionalidade no bloco regional.

n. 14, janeiro-julho, 1999, p. 90 apud DANTAS, Ivo. Direito constitucional comparado: introdução, teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 25.
380
SANCHES, Gislene Aparecida. Os sistemas jurídicos dos Estados-partes do Mercosul. In SANTOS,
Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 19.
381
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, n. 30, 2000, p. 28.
382
SANCHES, Gislene Aparecida. Os sistemas jurídicos dos Estados-partes do Mercosul. In SANTOS,
Hermelino de Oliveira (Coordenador). Constitucionalização do Direito do Trabalho no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 19-20.
143

Em verdade, no que tange ao Uruguai e ao Paraguai mais correto seria dizer


que se fará uma mera comparação dos textos constitucionais, uma vez que não se aprofundará
o estudo com o exame da doutrina e jurisprudência, quando então poder-se-ía nomeá-lo de
direito comparado.

Então, o breve estudo de direito comparado que se inicia terá como limite o
instituto da supranacionalidade no ordenamento argentino e no brasileiro, ainda mais porque
as disposições uruguaias em muito se aproximam das brasileiras, enquanto que o Paraguai
apresenta similitudes com a Argentina.

Após estas considerações genéricas que se faziam necessárias, passa-se à


avaliação dos ordenamentos jurídicos quanto aos aspectos da supranacionalidade.

5.2 Possibilidade de implantação da supranacionalidade no Mercosul. O


Protocolo de Ouro Preto

Uma das principais preocupações, atualmente, no âmbito jurídico


internacional e nos meios diplomáticos dos países integrantes do Mercado Comum do Sul,
relaciona-se com a implantação da supranacionalidade como forma de solução de conflitos no
bloco regional 383 .

Duas acepções diversas podem ser conferidas à supranacionalidade. A


supranacionalidade comunitária que seria a tomada de decisão do bloco, de modo superior à
vontade de cada uma das partes, e a supranacionalidade interna que seria a hierarquia superior
ao direito interno 384 .

Para Elizabeth Accioly o “fenômeno da globalização da economia e seus


conseqüentes desdobramentos fez com que a mentalidade dos países fosse paulatinamente se
modificando, a partir de interesses políticos e econômicos, e diante disso um novo conceito de

383
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
125.
384
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
126.
144

soberania foi se sobrepondo ao tradicional, ao ponto de os Estados aceitarem acatar e respeitar


as normas emanadas por um poder acima dele – o poder supranacional” 385 .

Paulo Borba Casella é cauteloso quanto à aplicação da supranacionalidade e


adverte que apenas a adoção de objetivo profundo de integração, com base em aspectos
econômicos que possuam repercussões políticas, justificaria a utilização dos métodos
denominados supranacionais 386 .

No Mercado Comum do Sul, as decisões são tomadas por consenso e com a


participação de todos os Estados integrantes, caracterizando-se o bloco como de tipo
intergovernamental e não supranacional.

O Protocolo de Ouro Preto, que definiu a estrutura institucional do


Mercosul, estabelece que os órgãos com capacidade decisória possuem natureza
intergovernamental 387 .

O Mercado Comum do Sul possui estrutura institucional de natureza


jurídica intergovernamental cujos organismos superiores não possuem caráter de
supranacionalidade, uma vez que agem e decidem em nome dos respectivos governos estatais
e tendo em vista que as suas deliberações são tomadas por consenso. Diferentemente, a União
Européia possui natureza jurídica supranacional desvinculada do poder soberano dos
Estados 388 .

A simples leitura do artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto (POP) comprova


a natureza intergovernamental, uma vez que estabelece que as “decisões dos órgãos do
MERCOSUL serão tomadas por consenso e, com a presença de todos os Estados-Partes”, não
houve a criação de um órgão supranacional 389 .

385
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia- estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1999, p.
165.
386
CASELLA, Paulo Borba. Direito da concorrência na Comunidade Européia e no Mercosul. In BAPTISTA,
Luiz Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo / CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: das negociações à
implantação. São Paulo: LTr, 1994, p. 218.
387
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
126.
388
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado, no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, n. 30, 2000, p. 30.
389
ARAÚJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V. Magalhães; REIS, Márcio Monteiro. Código do Mercosul:
Tratados e Legislação. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 68.
145

Como regra geral não se pode falar em supranacionalidade do tipo


comunitário. Há apenas o compromisso, entre os Estados, no sentido de se implantar
internamente o quanto decidido pelos órgãos do Mercosul 390 .

Não há qualquer imposição no sentido de serem aplicadas diretamente as


normas mercosulinas 391 , uma vez que somente há obrigatoriedade após a inserção das normas
comunitárias ao direito nacional, o que se dá através de atos normativos internos 392 .

Em caso de conflito, não prevalecem sobre o direito interno as normas


emanadas do Conselho do Mercado Comum que poderão ser abolidas, alteradas ou ser
interpretadas diversamente pelos juízes e tribunais dos países integrantes 393 .

Acrescenta Saulo José Casali Bahia que, em razão da posição adotada no


bloco regional, as normas originárias e derivadas do Mercosul deveriam ser consideradas
impróprias uma vez que, para diferenciar-se do Direito Internacional, o Direito Comunitário
deveria agrupar as características de: autonomia, efeito impositivo, efeito direto, primazia,
uniformidade de interpretação e de aplicação, além de causar ao Estado a sua
responsabilidade direta em caso de violação394 .

O artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto 395 estabelece que as normas


oriundas do Mercosul serão obrigatórias, mas a sua absorção ou incorporação aos
ordenamentos jurídicos nacionais dar-se-á mediante os procedimentos previstos pela
legislação de cada país.

Na segunda parte do artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto (POP), fica


estabelecido que os atos oriundos dos órgãos do Mercosul instituídos de poder normativo,
quando se fizer necessário, serão integrados aos ordenamentos jurídicos nacionais através do

390
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
126.
391
Vocábulo novo que vem sendo utilizado para referir-se às normas emanadas dos órgãos do Mercado Comum
do Sul, mas que ainda não é encontrado em compêndios da língua portuguesa.
392
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
126.
393
FARIA, Werter. Métodos de harmonização aplicáveis no Mercosul e incorporação das normas
correspondentes nas ordens jurídicas internas in BASSO, Maristela (Organizadora). Mercosul: Seus efeitos
jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 77-88
apud BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
126.
394
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
127.
395
GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. Mercosul: legislação fundamental específica. São Paulo: Editora
Jurídica Brasileira, 1997, p. 98.
146

procedimento interno de cada Estado-membro. Em razão da imprecisão deste dispositivo, o


Conselho Mercado Comum adotou, em 29.06.2000, a Decisão nº 23/00, que aponta as
situações em que as normas do Mercosul precisam ou não ser agregadas ao ordenamento
jurídico dos Estados 396 .

Como já visto anteriormente, o autor Saulo Casali Bahia interroga quanto à


possibilidade de este dispositivo estar a consagrar a possibilidade de não ser necessária a
incorporação das normas estabelecidas pelos órgãos do Mercosul aos ordenamentos jurídicos
internos de cada país integrante, admitindo-se, com isto, a existência de normas
supranacionais. A resposta a esta assertiva condiciona-se ao país onde a norma irá ser
aplicada, uma vez que tanto o Paraguai quanto a Argentina possuem previsão constitucional
que permite a supranacionalidade, o que, ressalte-se, não ocorre no Brasil e no Uruguai 397 .

Para este doutrinador é “característica invulgar” o fato de dois membros


preverem a possibilidade de adoção da supranacionalidade e os outros dois serem omissos,
mas acrescenta que se podem observar traços de supranacionalidade no bloco o que permitiria
a qualificação do direito do Mercosul “como um direito com notas comunitárias
supranacionais ou parcialmente comunitário” 398 .

A nota comunitária supranacional pode ser comprovada com o fato de que o


Foro Consultivo Econômico-Social deixou de ser essencialmente intergovernamental a partir
do momento em que em sua composição constam setores econômicos e sociais, em igual
número, de todos os Estados Partes. Também o fato de a Secretaria Administrativa ser
encabeçada por um Secretário que é representante de todos os Estados é um indício de
supranacionalidade 399 .

396
PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Direito Institucional e Material do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Editora
Lúmen Júris, 2001, p.56.
397
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
127.
398
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
127.
399
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
127.
147

5.3 A Argentina e a supranacionalidade. Previsão constitucional e posição


da doutrina e dos tribunais

O ordenamento argentino, mais especificamente a Constituição da


Argentina, estabelece em seu artigo 75, inciso 24, in verbis 400 :

“Artículo 75.º- Corresponde al Congreso:

(...)

24. Aprobar tratados de integracion que deleguen competencias y


jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de
reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los
derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen
jerarquía superior a las leyes.”

Como se verifica da leitura do artigo supra transcrito, a Constituição


argentina admite a supranacionalidade em condições de reciprocidade e igualdade
estabelecendo como condições tão somente o respeito à ordem democrática e aos direitos
humanos.

A Constituição Argentina, em seu artigo 75-24, admite a existência da


ordem supranacional, uma vez observados os parâmetros de igualdade e reciprocidade entre
os Estados. É importante ressaltar que a possibilidade de delegação de poderes soberanos e
jurisdição para as organizações supranacionais é prevista de forma expressa, elidindo
qualquer questionamento sobre a interpretação do dispositivo 401 .

A Constituição da Argentina faz alusão expressa à supraestatalidade, termo


que possui a mesma conotação de supranacionalidade, possibilitando a aceitação da regra
comunitária pelo ordenamento jurídico nacional, condicionada, no entanto, à observância dos
princípios da reciprocidade e igualdade, que têm a finalidade de preservar a soberania, uma

400
VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto alegre: Livraria do Advogado,
1996, p. 68.
401
GOMES. Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 142.
148

vez que impõe, como condição, a adoção de medida idêntica por parte dos outros membros do
bloco regional 402 .

No entanto, são grandes as dificuldades enfrentadas pelos doutrinadores


argentinos ao interpretar o artigo 75, inciso 24, da Constituição Argentina. Isto porque as
regras editadas em conseqüência do tratado de integração podem ser diversas, tais como:
normas deste próprio tratado, normas editadas pelo Congresso para dar efetividade a tais
normas ou normas e decisões emanadas dos organismos supranacionais. Cogita-se da
possibilidade de a Constituição ter instituído uma nova categoria de normas que ficaria
situada, hierarquicamente, entre a Constituição e as leis ordinárias 403 .

Além das alterações acima citadas, que foram procedidas na Constituição


em 1994, a Argentina está revendo conceitos tradicionais antes aceitos, tendo sua Corte
Suprema passado a adotar a posição monista em frente ao Direito Internacional.

Inicialmente, a Argentina acatava a teoria dualista, segundo a qual a


Constituição possuía supremacia sobre as leis e estas sobre os tratados, sendo necessária a
existência de lei interna a fim de possibilitar a sua aplicação. Atualmente adota a teoria
monista com primazia do Direito Internacional sobre o direito interno, ou seja, quando a
Nação ratifica um tratado, está se obrigando a que seus órgãos o apliquem sem necessidade de
norma interna de integração 404 .

Como comprovação da afirmação é de trazer-se à colação o exemplo


elencado pelo mestre Ekmekdjian que, referindo-se à causa “Ekmekdjian c. Sofovich’ y
‘Fibraca c. Comisión Técnica Mixta de Salto Grande” afirmou que os tratados internacionais
ratificados pela República Argentina têm hierarquia superior às leis internas, razão porque não
podem ser derrogados por estas, como era admitido até aquele momento. Sendo assim, a partir
deste fato, a Corte Suprema de Justiça adere à teoria monista nas relações entre o direito

402
VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto alegre: Livraria do Advogado,
1996, p. 69.
403
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
133.
404
GUARDIA, Ernesto de La. Los tratados en el derecho argentino. In CASELLA, Paulo Borba (Organizador).
Dimensão internacional do direito: estudos em homenagem a G.E. do Nascimento e Silva. São Paulo: LTr,
2000, p. 231-232.
149

interno e o internacional, desvinculando-se do dualismo que vinha aceitando até aquele


momento 405 .

Porém, há algo mais importante no voto majoritário da Corte quando afirma


que a interpretação do Pacto deve guiar-se pela jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que tem como um de seus objetivos a interpretação do “Pacto de San
José”. Com isto, está confirmada a obrigatoriedade vinculante da jurisprudência de um órgão
supranacional para os tribunais argentinos na interpretação de uma norma jurídica que integra
o ordenamento jurídico positivo argentino, a partir de 1994, a nível constitucional406 .

Aspecto relevante e que cabe ser examinado diz respeito à condição de


reciprocidade e de igualdade inserta no texto constitucional argentino. A questão que se
sobressai é a de que não contemplando o Brasil e o Uruguai idêntico permissivo
constitucional, haveria condições de a Argentina, o mesmo se diga quanto ao Paraguai,
reconhecer a vigência de norma supranacional proveniente do Mercosul, ou seja, se pelo fato
de haver reciprocidade por parte do Paraguai seria possível falar-se em um Direito
Comunitário supranacional a valer no território argentino 407 .

Assim, deve ser entendida como lícita a recusa do Paraguai e da Argentina


quanto à aplicabilidade interna de norma quando a situação envolver o Brasil, ou o Uruguai,
ou ambos, uma vez que não há reciprocidade por parte desses dois membros. No entanto, se a
norma envolver somente o Paraguai não pode deixar de ser aplicada, uma vez que Argentina e
Paraguai têm dispositivos similares.

405
EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 16.
406
EKMEKDJIAN, Miguel Angel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 16.
407
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
131.
150

5.4 A Constituição do Paraguai. Dispositivos pertinentes

No que tange ao Paraguai, como já foi dito, há previsão no ordenamento


constitucional quanto à supranacionalidade. Dispõe o artigo 145 da Constituição Paraguaia 408 :

“Artículo 145 - DEL ORDEN JURIDICO SUPRANACIONAL

La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros


Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la
vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la
cooperación y del desarrollo, en lo político, económico, social y
cultural.

Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoría absoluta de


cada Cámara del Congreso.”

O artigo 137 também traz dispositivo que merece transcrição 409 :

“Artículo 137 - DE LA SUPREMACIA DE LA CONSTITUCION

La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los


tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y
ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposiciones
jurídicas de inferior jerarquía, sancionadas en consecuencia,
integran el derecho positivo nacional en el orden de prelación
enunciado.”

Depreende-se dos artigos transcritos que a Constituição Paraguaia admite


claramente a adoção de um direito supranacional, não havendo, por este motivo, qualquer
impedimento constitucional à adoção da supranacionalidade410 .

O artigo 145 da Constituição Paraguaia acata de forma expressa a


possibilidade de existência de uma ordem jurídica supranacional, colocando como condição a
situação de igualdade com outros Estados. Não prevê, contudo, as condições para delegação

408
VENTURA, Deisy de Freitas Lima Ventura. A ordem jurídica do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1996, p. 72-73.
409
VENTURA, Deisy de Freitas Lima Ventura. A ordem jurídica do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1996, p. 70.
410
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
131.
151

de poderes soberanos a organismos supranacionais, o que não consiste em nenhum


impeditivo, uma vez que se entende que a admissão da supranacionalidade tem como
conseqüência lógica a delegação de poderes411 .

Constitui grande incerteza, porém, o fato de ser necessário ou não que


decisões de qualquer natureza, provenientes de um organismo internacional, tenham que ser
submetidas à aprovação da maioria absoluta de cada Câmara do Congresso, o que importaria
em verdadeira condição de exeqüibilidade dificultando, por conseguinte, o processo de
integração 412 .

Na hipótese de a deliberação legislativa referir-se às normas comunitárias


derivadas e não ao tratado constitutivo, mais coerente seria a interpretação do dispositivo de
forma a possibilitar a admissão de delegações genéricas ou autorizações implícitas. Se não
houver evolução interpretativa neste sentido impor-se-á a alteração constitucional para
exclusão da referida condição de exeqüibilidade, com o fim de “evitar conferir-se ao direito
derivado do Mercosul ares de Direito Internacional, e não de Direito Comunitário”, ou em
outras palavras, supranacional 413 .

O que foi dito pode ser aludido ao ordenamento argentino, uma vez que
também coloca como condição de exeqüibilidade a aprovação por maioria absoluta da
totalidade dos membros de cada Câmara.

5.5 A Constituição do Uruguai e a interpretação do dispositivo de forma a


possibilitar a supranacionalidade

As disposições constitucionais do Uruguai assemelham-se mais às


disposições brasileiras. O artigo 6º da Constituição da República Oriental do Uruguai não faz

411
GOMES. Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 142.
412
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
131.
413
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
131.
152

qualquer referência quanto à posição hierárquica dos tratados internacionais no seu


ordenamento interno, nada se podendo concluir quanto à adoção da supranacionalidade 414 .

Diz o artigo que: “a República procurará a integração social e econômica


dos Estados Latino-americanos, especialmente no que se refere à defesa comum de seus
produtos e matérias-primas. Do mesmo modo propenderá à efetiva complementação de seus
serviços públicos” 415 .

A aplicabilidade da supranacionalidade não é expressamente prevista pela


Constituição da República Oriental do Uruguai, assim como também não há qualquer
previsão quanto à delegação de poderes. Existe disposição constitucional quanto à formação
de blocos econômicos 416 .

Impõe-se a análise do dispositivo quanto à pertinência da adoção da


supranacionalidade, tendo por fundamento a busca da “integração social econômica dos
Estados Latino-americanos”, como preconizado no Estatuto constitucional 417 .

O ponto fulcral consiste em este dispositivo poder ser interpretado no


sentido da possibilidade de admissão de instrumentos e órgãos supranacionais em razão da
evolução do Mercosul, inferindo-se que a redação constitucional original já conteria,
implicitamente, este permissivo no artigo 6º antes referido, sem a necessidade de reforma
constitucional 418 .

Nestas condições, os poderes instituídos do Uruguai deverão atentar para a


necessidade de inferir-se que existe idéia implícita de supranacionalidade na Carta
Constitucional, sob pena de, em assim não procedendo, se fazer necessária alteração formal
através do poder constituinte derivado 419 .

414
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
128.
415
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Direito Constitucional do Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
31.
416
GOMES. Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 142-143.
417
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
128.
418
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor –
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 197.
419
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
128.
153

Como explanado, o Uruguai oferece resistência constitucional à


implementação de estruturas supranacionais, sendo, plausível, no entanto, a adoção de
interpretação hermenêutica que possibilite a adoção da supranacionalidade sem a necessidade
de alteração do dispositivo constitucional vigente.

5.6 A Constituição do Brasil

Como o Uruguai, também o Brasil apresenta, em princípio, obstáculo


constitucional ao estabelecimento da ordem supranacional no Mercosul.

Não há previsão expressa na Constituição Federal quanto à aplicação da


supranacionalidade, muito menos da prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação
ordinária.

5.6.1 Interpretação construtiva do dispositivo constitucional brasileiro de


forma a permitir a adoção da supranacionalidade no bloco

O parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal de 1988, em sendo


adequadamente interpretado, pode constituir-se em superação do óbice à
supranacionalidade 420 . Veja-se o dispositivo:

“Art. 4º . Parágrafo único – A República Federativa do Brasil


buscará a integração econômica, política, social e cultural dos
povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade
latino-americana de nações.”

420
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
133.
154

Assim como no Uruguai, também a Constituição Federal Brasileira poderá


ser interpretada no sentido de admitir-se as normas supranacionais, sem a necessidade de
qualquer alteração no texto constitucional. Sendo conveniente salientar-se que o esforço no
Brasil será bem menor que aquele a ser empregado no Uruguai, já que lá o texto trata somente
de integração a nível econômico e social, enquanto no Brasil a previsão constitucional alcança
também o âmbito político, que exige uma centralização quanto às decisões que não se
adequam à consensualidade 421 .

5.6.2 A posição crítica da doutrina brasileira

Diplomatas, a exemplo do Embaixador José Botafogo Gonçalves, defendem


a intergovernamentabilidade argumentando que permite “que cada país preserve seus
interesses nacionais fundamentais”, garantindo “que os avanços do processo de integração
tenham o exato alcance que lhe desejem atribuir os quatro Estados-partes do Tratado de
Assunção” 422 .

Futuramente, afirma Saulo Casali, quando se fizer necessário a adoção da


supranacionalidade, esta “deve ser admitida, de modo natural”, tendo-se por fundamento o
dispositivo inscrito na Constituição brasileira de construir a realidade de um mercado
comum. 423 .

Herber Vignali da Universidade da República Oriental do Uruguai citado


por Saulo Casali Bahia, salienta que “apesar de não haver no Brasil uma expressa admissão da
possibilidade de transferir-se poderes de governo a órgãos supranacionais ou supraestatais, o
referido parágrafo único, ‘como se encontra no capítulo de princípios e por sua própria

421
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
134.
422
GONÇALVES, José Botafogo. Tribunais do Mercosul, artigo publicado na Gazeta mercantil de 15.8.96 apud
BAHIA, Saulo José Casali. A Supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor-
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 206.
423
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
134.
155

terminologia, poderia ser interpretado no sentido positivo em que o admitisse em alguma


circunstância’.” 424 .

Francisco Rezek entende pertinente que o Supremo Tribunal Federal possa


interpretar como plausível, com a atual redação constitucional, uma integração regional que
adote princípios supranacionais, à vista do que dispõe o parágrafo único do artigo 4º da
Constituição Federal de 1988 425 .

O artigo 49, inciso I, da Constituição Federal estabelece que todos os


tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional devem ser submetidos ao Congresso Nacional. A existência deste
dispositivo é a causa que impede a aplicação direta de qualquer ato ou decisão que se
constitua em Direito Comunitário derivado, ou seja, que provenha de algum órgão do
Mercosul. A análise hermenêutica apropriada do artigo 4º, como anteriormente referido, seria
suficiente para vencer a resistência produzida pelo artigo 49, inciso I da Constituição Federal
Brasileira 426 .

Entretanto, para esta corrente interpretativa ser adotada far-se-á necessário


que a mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, altere a posição jurisprudencial
que vem presentemente acolhendo, como adiante se verá.

Armando Garcia Alvarez afirma a necessidade de incorporação das normas


editadas no âmbito do Mercosul ao ordenamento jurídico interno, acrescentando que não
possuem aplicabilidade direta, como ocorre no Direito Comunitário europeu 427 .

Assim, as normas mercosulinas 428 sujeitam-se à incorporação nos


ordenamentos nacionais de acordo com as determinações constitucionais de cada Estado-
parte.

424
VIGNALI, Herber Arbuet. Teoria Geral da Integração e sistemas Jurídicos Comunitários, RCEJ 2/24-28 apud
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 134.
425
REZEK, Francisco. Tratados e suas relações com o ordenamento jurídico interno: antinomia e norma de
conflito. RCEJ 2/58 apud BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor – Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 204.
426
BAHIA, Saulo José Casali. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
134-135.
427
ALVAREZ, Armando Garcia. Conflito entre normas do Mercosul e o direito interno. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 36.
156

5.6.3 A posição jurisprudencial brasileira

O Brasil mantém uma postura conservadora em relação ao Direito


Integracionista. Ainda hoje é aplicada a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal na
década de 70. A valoração concedida ao tratado internacional e à lei é dada de acordo com o
critério cronológico, ou seja, o tratado pode revogar a lei, assim como a lei pode revogar o
tratado, basta que exista antinomia entre eles e que um seja posterior ao outro 429 .

A análise da jurisprudência pátria demonstra que durante longo período o


Supremo Tribunal Federal consagrou a superioridade do Direito Internacional. Confira-se:
“Acórdão de 14.6.1905; Acórdão de 1914, no Pedido de Extradição n.º 7, de 1913; Acórdão
na Apelação Cível n.º 7.872, de 1943; Acórdão na Apelação Cível n.º 8.332, de 7.7.1944, da
2ª Turma; Acórdão na Apelação Cível n.º 8.992, de 4.10.1949; Acórdão na Apelação Cível n.º
9.587, de 21.8.1951; Acórdão de 23.7.1952 no Habeas Corpus n.º 24.637; Acórdão na
Apelação Cível n.º 9.504, de 16.10.1954; Acórdão no Recurso Extraordinário n.º 70.356;
Acórdão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de 31.8.1973, dentre outros” 430 .

Posteriormente, alterando a posição até então defendida, consagrou a


equiparação do tratado à lei federal. O Acórdão que mais se sobressai adotando esta nova
posição do Supremo é o que apreciou o Recurso Extraordinário n.º 80.004, no qual ficou
estabelecido, por maioria de votos, que uma lei interna posteriormente editada revoga um
tratado anterior, devendo prevalecer a última vontade soberana do Estado, in casu,
representada pela edição de uma lei interna, inobstante o fato de estar a praticar, o Estado
Brasileiro, um ilícito internacional, pelo qual terá que responder. Além disto, há a considerar
também a violação da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, que não
admite o término de um tratado em virtude de mudança provocada por direito superveniente.
A fundamentação utilizada cingiu-se ao fato de não haver na Constituição Brasileira

428
Vocábulo novo que vem sendo utilizado para referir-se às normas emanadas dos órgãos do Mercado Comum
do Sul, mas que ainda não é encontrado em compêndios da língua portuguesa.
429
REZEK, Francisco.Recepção da regra de Direito comunitário pelas ordens jurídicas nacionais. In
VENTURA, Deisy (Organizadora). Direito Comunitário do MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1997, p. 56.
157

consagração da hierarquia do tratado internacional sobre a lei interna, razão pela qual impor-
se-ia o princípio da lex posterior derogat legi priori, já que a hierarquia dos tratados e das leis
se equivalem 431 .

Diversamente do pensamento mais moderno quanto à prevalência do Direito


Internacional, o Supremo Tribunal Federal, como anteriormente afirmado, em suas mais
recentes decisões, tem equiparado o tratado à lei federal entendendo que os tratados revogam
as leis anteriores que lhes sejam contrárias, bem como podem ser revogados pela legislação
posterior. Essa posição implica em conseqüências internacionais, uma vez que viola a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados que determina a impossibilidade de um
tratado internacional não ter aplicação em razão de direito interno superveniente 432 .

Ressalte-se, no entanto, que não houve qualquer alteração, em termos


constitucionais, que viesse justificar a mudança de posição do Supremo. Quando decidia em
favor da posição monista, dando prevalência ao Direito Internacional, não havia qualquer
dispositivo constitucional que estabelecesse hierarquia de tratado internacional sobre lei
ordinária.

Em razão da omissão constitucional no que tange à relação entre o Direito


Internacional Público e o direito interno cresce em importância a jurisprudência,
primacialmente a do Supremo Tribunal Federal. A esmagadora maioria dos Estados que se
encontram integrados em blocos regionais, admitem, de forma induvidosa, a prevalência das
normas internacionais sobre as normas internas. Não as de nível constitucional, pois não se
coaduna esta posição com o atual nível de evolução e amadurecimento do direito, mas a
legislação infraconstitucional, que aos poucos enseja o que se denomina de
“internacionalismo jurídico” 433 .

430
ALVAREZ, Armando Garcia. Conflito entre normas do Mercosul e o direito interno. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 40.
431
ALVAREZ, Armando Garcia. Conflito entre normas do Mercosul e o direito interno. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 40-41.
432
RIBEIRO, Patrícia Henriques. As relações entre o Direito Internacional e o direito interno: conflito entre o
ordenamento brasileiro e normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.153.
433
ALVAREZ, Armando Garcia. Conflito entre normas do Mercosul e o direito interno. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 41-42.
158

5.7 A absorção da norma supranacional pelo direito interno de cada Estado

Para iniciar este item, foi escolhida uma citação com a finalidade de
demonstrar que a busca pelo aprofundamento do Direito Comunitário, do Direito da
Integração, em suma, da união, vem sendo reiteradamente defendida pela doutrina, como se
pode aferir da transcrição das palavras de Regis Fernandes de Oliveira 434 :

“Entretanto, para que avancem as nações na efetiva e real


incorporação de todos os países e que nossos povos se dêem as
mãos na busca firme e efetiva de interesses comuns, é
imprescindível que seus membros decidam superar eventuais
problemas e pensem na feliz frase do general venezuelano, no livro
de Gabriel Garcia Marquez, “o general em seu labirinto”, que
pediu permissão a Simón Bolívar para retornar à pátria e recebeu a
resposta do general de que “a Pátria, a América é a pátria”.

É assim que temos que começar a pensar o direito comunitário”.

Ao analisar o Direito Comunitário, o destacado autor argentino Miguel


Ángel Ekmekdjian, no que tange à supremacia, ensina que: “Las normas comunitarias tienen
jerarquía superior a las normas del derecho interno de los Estados miembros” e acrescenta
que a supremacia do Direito Comunitário é incondicional e absoluta, tendo o seu fundamento
na originalidade do Direito Comunitário que constitui um ordenamento jurídico autônomo, e
que, em verdade, caracteriza um novo gênero de ordem jurídica para cuja consolidação se
imporá a resolução de inúmeros conflitos 435 .

Existem duas teorias que procuram explicar o problema das relações entre o
Direito Internacional Público e o Direito Interno: a concepção dualista e a concepção monista.
A dualista consiste em que o Direito Internacional e o Direito Estatal são independentes entre
si, enquanto a monista afirma que o Direito Estatal encontra fundamento em uma norma de
Direito Internacional e consiste no próprio resultado desta norma 436 .

434
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Princípios gerais de Direito Comunitário. In BAPTISTA, Luiz Olavo;
FONSECA, José Roberto Franco da (Coordenadores). O Direito Internacional no terceiro milênio: estudos em
homenagem ao Prof. Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 248.
435
EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 72, 74-75.
436
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. As transformações ocorridas no constitucionalismo. Genealogia das
constituições modernas. Inovações contemporâneas no direito constitucional comparado. Anuário dos Cursos de
Pós-Graduação em Direito. Recife: Universidade Federal de Pernambuco/ CCJ, n. 11, 2000, p. 219.
159

Kelsen afirma que o Direito Internacional paira acima dos Estados, razão
por que se pode inferir que a soberania estatal internacional é essencialmente limitada. O
Estado aparece como ordem jurídica delegada pelo Direito Internacional, uma “ordem jurídica
parcial, relativamente centralizada, com um domínio de validade territorial e temporal
jurídico-internacionalmente limitada e, relativamente à esfera de validade material, com uma
pretensão à totalidade” que somente é limitada pela reserva do Direito Internacional. Aduz
que por “meio de tratado pode ser criada uma organização internacional a tal ponto
centralizada que tenha ela própria caráter de Estado, por forma tal que os Estados contratantes
que nela sejam incorporados percam o seu caráter de Estados” 437 .

De acordo com os ensinamentos de Kelsen, o Direito Internacional


caracteriza-se como um conjunto de normas que regulam a conduta recíproca dos Estados,
que são os únicos sujeitos específicos do Direito Internacional. Posteriormente, afirma que o
Direito Internacional, ao regular as condutas dos Estados, acaba por regular, de forma
indireta, a conduta humana 438 .

O Brasil adota a teoria dualista pela qual o Direito Interno e o Internacional


caminham paralelamente e o conflito somente surge no momento da internalização da regra
internacional. Vale a ressalva de que o Estado signatário ou aderente do tratado internacional
está obrigado a proceder à sua integração no ordenamento jurídico nacional, bem como a não
editar regras internas que contrariem as disposições do instrumento, sob pena de vir a ser
responsabilizado internacionalmente 439 .

A Constituição Brasileira, no seu artigo 4o, dispõe que constitui objetivo do


Estado Brasileiro buscar a integração latino-americana de nações. No entanto, não há no texto
constitucional qualquer norma expressa no sentido de permitir a adoção da
supranacionalidade. Poderia ser dito que a disposição constitucional revela apenas a
existência de “vontade política do país de formar uma comunidade latino-americana de
nações” 440 .

437
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 377, 378, 381, 383.
438
GARCIA, Maria. Os tratados internacionais e a Constituição – a Convenção n. 158 da OIT. Revista Trabalho
e Doutrina. São Paulo: Editora Saraiva, n. 11, 1996, p. 24.
439
ALVAREZ, Armando Garcia. Conflito entre normas do Mercosul e o direito interno. In BASTOS, Celso
Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 39-40.
440
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 143.
160

Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar o artigo referido, entende que a


finalidade primacial do parágrafo único não é apenas estabelecer uma comunidade latino-
americana de nações, mas também buscar uma integração com os povos do mundo, a partir
das discussões em torno da implementação do Mercado do Cone Sul 441 .

Entende Elizabeth Accioly de Almeida que inexiste na Constituição do


Brasil a previsão legal expressa que faculte a adoção da supranacionalidade. Salienta, no
entanto, que a Constituição Federal foi promulgada em 05.10.88, portanto, bem antes de
qualquer vislumbre quanto à possibilidade de surgimento do Mercosul. Registra que foi
perdida uma grande oportunidade de fazer constar no texto constitucional a relação existente
entre as normas internas e internacionais, previsão que existe na maior parte das constituições
modernas 442 .

Não há previsão no Direito Internacional positivado de norma que assegure


a superioridade hierárquica do tratado em relação às normas jurídicas internas. Compete ao
Estado, dentro das suas fronteiras geográficas, a definição quanto à relação entre o Direito
Internacional e as normas jurídicas internas, sendo certo que, qualquer que seja a posição
adotada, deve-se sempre ter em vista o “primado da Constituição” 443 .

5.8 Pequena análise comparada das posições dos ordenamentos jurídicos,


da doutrina e da jurisprudência dos integrantes do Mercosul quanto à
aplicação do instituto da supranacionalidade

De tudo quanto exposto, pode-se depreender que o Paraguai e a Argentina já


se encontram aparelhados constitucionalmente para a inserção da supranacionalidade no
Mercosul.

441
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 66.
442
ALMEIDA, Elizabeth Accioly de. Análise de la génesis de un mercado comun del sur: la supranacionalidad
in Revista Direito e Mercosul, a. 1, n. 1, p. 69-78, 1996, UFPR – Pós Graduação em Direito apud GOMES,
Eduardo Biacchi. Blocos econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 143.
443
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, v. 4, 1995, p. 98.
161

O mesmo não ocorre com o Brasil e o Uruguai, mas ambos os países contêm
dispositivos constitucionais que com adequada interpretação construtiva também
possibilitariam a adoção da supranacionalidade, sem a necessidade de alteração do texto
constitucional.

Com relação à jurisprudência, em razão do que foi visto, os tribunais


argentinos têm demonstrado acatar a prevalência do Direito Internacional sobre o direito
interno.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem adotado posição inversa,


encontrando-se, inclusive, na contramão da história, uma vez que a doutrina e a jurisprudência
da maior parte dos países têm defendido a supremacia do Direito Internacional sobre o direito
interno, enquanto a Corte Maior do Brasil vem acatando a posição monista dando prevalência
ao direito interno.

Também a doutrina brasileira mostra-se cautelosa quanto à adoção imediata


da supranacionalidade no Mercosul, preferindo defender a tese de que ainda não se
configurou o momento adequado para o surgimento de organismos supranacionais.

Inobstante esta posição, também se acredita que este momento surgirá.


Veja-se o pensamento de Saulo Casali Bahia ao afirmar que o “Itamaraty tem acentuado um
grande pragmatismo, realismo e gradualismo em sua atuação no processo de integração do
Mercosul, qualidades estas apontadas como pilares do processo integracionista. O
supranacionalismo não é esquecido, e sim amadurecido para vir a seu tempo, quando então
não se possa dizer que sua aparição não seja absolutamente necessária”444 .

Ressalte-se que, diferentemente dos políticos, diplomatas e juízes brasileiros


que têm oposto certa resistência à adoção da supranacionalidade no bloco, os demais
membros do Mercosul já vêm demonstrando interesse em fazê-lo. O temor pela perda da
soberania é o principal quesito que vem sendo levantado. O ponto central de oposição consiste
em que no modelo supranacional, a unanimidade no momento das decisões não é necessária,

444
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor,
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 206.
162

os membros dos órgãos não representam seus países o que tornaria impossível impedir as
decisões que viessem a contrariar os interesses brasileiros 445 .

Relevantes são as palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, considerado,


como anteriormente salientado, um dos melhores constitucionalistas dos tempos atuais, ao
afirmar que “as novas formas de modernidade política e econômica obrigam os cultores do
direito constitucional a prestar mais atenção a certos problemas como os da crise de
representação, da envolvência dos direitos constitucionais nacionais pelo emergente direito
constitucional global ou internacional e pelo já vigente direito constitucional comunitário,
além do surgimento de novos fenótipos organizatórios de comunidades supranacionais (União
Européia, Mercosul, NAFTA)” 446 .

Pode ser afirmado, ainda, que os impedimentos constitucionais não são as


únicas dificuldades para a adoção de estruturas supranacionais. Durante todo o período de
transição, sempre houve uma forte resistência em adotar-se o modelo europeu não tendo sido
levada em conta a opinião de alguns setores doutrinários e até mesmo públicos de alguns dos
Estados-partes que entendiam a implantação de um tribunal supranacional como uma
necessidade à viabilização da integração do Cone Sul 447 .

A relativização da soberania, nos blocos de integração econômica, além de


clara e muito acentuada é, sobretudo, consciente. Os governos dos países que integram o
bloco regional têm pleno conhecimento de que estão delegando aos órgãos comuns parcelas
cada vez maiores de sua soberania, e o fazem por livre opção política, ou seja, trata-se de algo
de grande interesse e segurança para o país, caso contrário, não haveria viabilidade política de
tais concessões 448 .

Paulo Roberto de Almeida defende que, no momento atual, optar-se pela


supranacionalidade entre países economicamente tão díspares poderia dificultar o processo de
integração e que a alternativa viável é a continuidade do esquema interestatal atual. Ao

445
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 301.
446
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1998, p. 24.
447
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor-
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 205.
163

mesmo tempo em que questiona se a institucionalização supranacional não seria fator


contributivo para o insucesso do grupo regional em face das assimetrias remanescentes e das
políticas divergentes entre os países-membros 449 .

Sebastião do Rego Barros Neto, também diplomata, analisa que a estrutura


institucional intergovernamental, desburocratizada, baseada na decisão por consenso, é a
responsável pelos rápidos entendimentos entre os Estados-partes, possibilitando agilidade nas
decisões o que reforça a União Aduaneira e fundamenta sua posição acrescentando que o
sistema funciona e por esta razão o Protocolo de Brasília, que prevê mecanismo de solução de
controvérsias, “não foi acionado sequer uma vez até hoje” 450 .

Saulo Casali Bahia coaduna com essas idéias ao afirmar que 451 :

“A experiência de outros regimes de integração, onde os meios


vieram adiante dos fins, abalando toda a credibilidade do sistema,
não foi ignorada pelas chancelarias envolvidas notadamente a
brasileira. A falta de instituições supranacionais, mais do que um
embaraço ao desenvolvimento do sistema, vem sendo
deliberadamente perseguida. Em outras palavras, a implantação
dos citados mecanismos (supranacionais) mais contribuiria para
retrocessos e criação de maiores dificuldades (inclusive
constitucionais) do que serviriam para pavimentar o sucesso da
iniciativa.

Tem-se, assim, a adoção do modelo “Benelux” de integração, já


que, nesta organização, o supranacionalismo não foi adotado de
modo imediato à sua criação, preferindo-se, por exemplo, num
primeiro momento, a fórmula arbitral para a solução de litígios.”

Com o amadurecimento da integração, surgiu o momento da


institucionalização da supranacionalidade para o Benelux, como também surgiu para o Pacto
Andino e como deverá surgir para o Mercosul. “Um tribunal permanente, aliás, é

448
CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional – a questão da soberania. In
CASELLA, Paulo Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 286.
449
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A institucionalidade Futura do Mercosul: Primeiras Aproximações, BILA n. 9
apud BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro;
FINKELSTEIN, Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso
Bastos Editor- Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 206, nota 15.
450
BARROS NETO, Sebastião do Rego. A Evolução do Mercosul em Nova Moldura, BILA n. 18 apud BAHIA,
Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio
(Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.
206/207, nota 16.
451
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor-
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 207.
164

indispensável quando se pensa em unidade das normas e uniformidade na aplicação e


interpretação” 452 .

A questão primacial diz respeito ao correto momento de ultrapassar-se a


intergovernabilidade e optar-se pela delegação de soberania a entes supranacionais. Será
necessário “um apurado senso para perceber o momento em que as barreiras devem ser
saltadas ou abandonadas”. Uma precipitação ou retardamento pode ensejar prejuízo
irrecuperável, mas a eliminação das mesmas, é pensamento unânime e configura-se como
inevitável 453 .

É somente questão de tempo a necessidade de serem eliminadas as barreiras


à aplicação da supranacionalidade no Mercado Comum do Sul. Este é o pensamento
dominante na doutrina brasileira.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao concluir o artigo “A


arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade
da corte comunitária”, defende posição similar à de Saulo Casali, afirmando que só a
jurisdição supranacional, com o auxílio dos tribunais nacionais “poderá assegurar a aplicação
eqüidistante das normas supranacionais”. Entende como imperativo que no futuro a solução
de conflitos no Mercosul venha a ser da competência de uma Corte supranacional, como na
União Européia. E conclui afirmando que caminha-se para a “exigência de criação de um
sistema judiciário supranacional do Mercosul” 454 .

Já o entendimento de Paulo Napoleão Nogueira da Silva é no sentido de


que em razão da pouca disparidade entre os membros do Mercosul no que se refere à
realidade política, histórica e geográfica, há possibilidade de instituir-se uma Constituição
comum, respeitando os postulados jurídicos de cada um dos países, integrando a todos em
uma só ordem constitucional supranacional. Com a “integração supranacional e
constitucional, a questão da soberania entre os membros do Mercosul fica adequadamente

452
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor-
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 208.
453
BAHIA, Saulo José Casali. A supranacionalidade no Mercosul. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN,
Cláudio (Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor-
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 208.
454
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e
a imprescindibilidade da corte comunitária. In BASTOS, Celso Ribeiro; FINKELSTEIN, Cláudio
(Coordenadores). Mercosul: lições do período de transitoriedade. São Paulo: Celso Bastos Editor- Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 191.
165

resolvida”, com a preservação da soberania nacional de todos, “a rigor, a soberania de todos


será a de cada um”. É preciso atuar no sentido de “vencer internamente as aludidas
resistências; não só as de natureza cultural, mas até mesmo as resistências ‘cartoriais’ e
corporativas” substituindo-se conceitos tradicionais parcialmente superados em face da nova
realidade universal. Pretende-se o agregamento de um novo elemento ao conceito de
soberania nacional, “o de sua cessão parcial interna ao Mercosul, para aumentar o grau de
eficácia soberana externa do conjunto de países que o integram, em relação ao restante do
mundo” 455 .

Diante de tudo quanto foi exposto, pode-se afirmar que o Brasil tem
evoluído muito lentamente em prol da integração regional. Isto não significa, no entanto, que
não esteja havendo um progresso, que apesar de lento, é constante e gradual.

Os outros três integrantes do Mercosul têm-se mostrado mais positivos na


evolução de união aduaneira para mercado comum. Acredita-se, porém, que a integração das
sociedades civis forçará uma adoção de posição mais flexível por parte do Brasil. Quando
então optar-se-á por ceder, delegar, parcelas de soberania nacional para órgãos do bloco
regional que terão poderes supranacionais.

Como analisado pelos autores citados, nada há que impeça a flexibilização


do conceito de soberania, como tradicionalmente entendido.

A estrutura constitucional da Argentina e do Paraguai permite a inserção de


modelos supranacionais, inclusive, a Constituição do Paraguai é expressa ao abordar o tema
da supranacionalidade.

A Argentina está se acomodando ao bloco e revendo conceitos tradicionais


antes aceitos, tendo sua Corte Suprema passado a adotar a posição monista em frente do
Direito Internacional, como já visto.

Categoricamente, afirma Ekmekdjian que a existência de organismos


internacionais, como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos, com
poderes para impor suas decisões coativamente, demonstra, referindo-se à soberania absoluta,

455
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Direito Constitucional do Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
26-27.
166

que: “se debe abandonar este concepto definitivamente, tanto en la ciencia política, como en
el derecho internacional público” 456 .

Eduardo Biacchi Gomes entende que não há disposição constitucional


unânime quanto à aplicação da supranacionalidade entre os integrantes do bloco regional do
Cone Sul, impondo-se, portanto, a alteração legislativa das Constituições do Brasil e do
Uruguai com a finalidade de tornar possível a “coexistência desse instituto com os seus
ordenamentos”, principalmente no que se refere à delegação de poderes soberanos 457 .

No Brasil e no Uruguai, serão necessárias reformas constitucionais ou, no


mínimo, construção interpretativa a ser realizada, principalmente, pelas Cortes Supremas de
cada um dos dois membros do Mercado Comum do Sul.

Saliente-se, ademais, que o Uruguai e o Paraguai têm se manifestado com


“reiterada insistência” pela adoção de instituições supranacionais 458 .

Observa-se que, dos quatro integrantes do Mercosul, o Brasil é o mais


reticente à adequação do clássico conceito de soberania, e a resistência à implantação de
estruturas supranacionais decorre de um nacionalismo exacerbado e despropositado, dentro
mesmo do próprio Congresso Nacional e entre diplomatas de escol, como os citados
anteriormente. Para estes resistentes doutrinadores abrir-se mão de parcela de soberania seria
abrir mão de tomada de decisão.

Esta posição é conhecida e comentada até por autores estrangeiros. Veja-se


Ekmekdjian: “Incluso hay sectores que se oponen a la trasferencia parcial de soberanía a
órganos supranacionales. Así hay cierta oposición en el Gongreso brasileño por
nacionalismos anacrónicos” 459 .

456
EKMEKDJIAN, Miguel Angel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 13.
457
GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos Econômicos e solução de controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001, p. 143.
458
ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o futuro do Mercosul: dilemas e opções. In CASELLA, Paulo
Borba (Coordenador). Mercosul: integração regional e globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 29.
459
EKMEKDJIAN, Miguel Angel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano: con especial
referencia al Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, p. 402.
167

A supranacionalidade não deve ser temida, uma vez que não atinge a
soberania como atributo jurídico internacional e tem como limite as matérias e os campos que
os parceiros definirem conjuntamente 460 .

O pensamento jurídico, pelo seu conservadorismo, raramente se


disponibiliza para o novo e o desconhecido, razão pela qual não possui uma visão macro e
lúcida da realidade do mundo, “talvez isto explique a desadaptação endêmica entre a Ciência
do Direito e o frenesi do admirável mundo novo que a cada dia bate em nossa porta” 461 .

A oposição hostil dos céticos e ultranacionalistas, além do antagonismo dos


“defensores da soberania absoluta e indivisível”, explicam o retardamento, assim como os
“equívocos e desvios” ocorridos ao longo do caminho dos processos de integração 462 .

A integração é o rumo para que se possa ter “um País politicamente mais
digno, socialmente mais humano, juridicamente mais justo, demograficamente mais
desenvolvido, economicamente mais eficiente”. Para tanto, basta que seja adotada uma
estrutura supranacional mais clara, menos viciada, voltada para o social, com maiores
463
oportunidades para o ser humano e com respeito à sua dignidade, integridade e soberania .

Apesar das críticas exacerbadas e fervorosas contra a delegação de parcela


da soberania e pela manutenção do sistema dualista, pode-se antever, nas simples estruturas
do Mercosul, pequenos toques de supranacionalidade como é o caso da Secretaria
Administrativa que representa todos os países membros, como explanado anteriormente.

Ademais, o jurídico decorre, é conseqüência do social, do substrato social.


Logo, se a sociedade buscar sua integração de tal forma que possibilite a criação ou o
surgimento de entidades supranacionais, o jurídico deverá adequar-se a essa circunstância,
buscando novas teorias que aquebrantem o conceito tradicional de soberania.

Como ocorreu na União Européia, seria conveniente e até mesmo


aconselhável que fossem realizados plebiscitos nos países integrante do Mercosul com a

460
D’ANGELIS, Wagner Rocha. O Mercosul em crise: intergovernabilidade ou supranacionalidade? In
PIMENTEL, Luiz Otávio (Organizador). Mercosul, ALCA e integração Euro-Latino-Americana. Curitiba: Juruá,
v. 2, 2001, p. 278.
461
FONTOURA, Jorge. Prefaciando D’ANGELIS, Wagner Rocha. Mercosul: da intergovernabilidade à
supranacionalidade? Curitiba: Juruá, 2000, p. 10.
462
D’ANGELIS, Wagner Rocha. Mercosul: da intergovernabilidade à supranacionalidade? Curitiba: Juruá,
2000, p. 225.
463
CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: exigências e perspectivas. São Paulo: LTr, 1996, p. 45.
168

finalidade de saber-se a opinião dos cidadãos, da sociedade civil. Este procedimento, acredito,
engajaria a sociedade civil no processo integrativo que muito mais do que econômico e
jurídico, é social.
169

CAPÍTULO 6

CONCLUSÃO

Torna-se cada dia mais evidente e real a assertiva de que a sociedade possui
papel fundamental não apenas para o surgimento, mas também para as modificações na área
do Direito, sendo impossível, por isso mesmo, conceber-se direito sem sociedade. Por outro
lado, pode-se afirmar, sem qualquer margem de erro, que é impossível a convivência em
sociedade sem o Direito, pois é ele o responsável pela regulação de normas que possibilitam a
vida social, ao tempo em que recebe influência desta sociedade que regula.

O Direito é uma relação que interfere intersubjetivamente e que tem por


escopo regular a vida social. As normas jurídicas ao tempo em que regulam as relações entre
as condutas dos agentes sociais, também são influenciadas por estas mesmas condutas em
uma relação dialética que não cessa nunca.

Nos dias atuais, há um dinamismo incessante que faz surgir novas formas de
relacionamento social que desafiam o direito no seu papel de regulador da sociedade,
impondo a necessidade de serem pensadas novas figuras jurídicas, alterando-se antigos
dogmas e conceitos.

Por esta razão, o Direito deve procurar compatibilizar-se com os novos


instrumentos que têm aparecido nos dias hodiernos. É necessário que os estudiosos, valendo-
se das ricas experiências do substrato social, criem novas figuras jurídicas, ou que procedam a
uma adequação das existentes, em face dos novos processos que vêm sendo observados.

Aspecto que se impõe abordar e que tem íntima relação com o assunto em
estudo diz respeito ao surgimento do fenômeno da globalização.
170

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa ficou totalmente devastada,


tendo o seu povo empobrecido e carente de quase tudo. Sua reconstrução começou a partir da
união dos países Europeus e da aplicação de capitais norte-americanos.

O mundo ainda vivia sob o receio da chamada Guerra Fria que poderia se
transformar em uma catástrofe mundial a qualquer momento, face aos armamentos nucleares
dos Estados Unidos e da União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas. Com a derrocada do
modelo econômico soviético teve fim a Guerra Fria, tendo como um dos seus marcos a queda
do Muro de Berlim.

O fim da era bipolar, com o declínio do modelo soviético, transformou os


Estados Unidos da América na única potência hegemônica existente, tendo surgido, então, a
expansão comercial que não respeita fronteiras.

Chegava a globalização, inicialmente, como um fenômeno meramente


econômico, decorrente da necessidade de expansão do capitalismo que se encontrava limitado
pelas fronteiras territoriais dos Estados, e finalmente, como verdadeiro devastador das
proteções sociais de cada Estado por ele alcançado.

Diversos foram os fatores que deram causa a este fenômeno, tais como a
evolução tecnológica, principalmente na área das comunicações com os transportes, a
informática, a exemplo da INTERNET, a telemática, a robótica, as fibras óticas, e outros
tantos, além da referida necessidade de novos mercados consumidores.

Em função da tecnologia e dos meios de comunicação, os problemas


adquiriram dimensões globais, transcendendo as fronteiras geográficas do Estado-nação,
modificando relações há muito assentadas e definidas. As atitudes em nível local não eram
mais suficientes para solucioná-los integralmente.

Cresce, então, a necessidade de uma filosofia não protecionista dos Estados,


pelo que nos deparamos com o retorno do antigo liberalismo econômico, que veio com nova
roupagem e com nova denominação – “neoliberalismo”. Só que de “neo”, de novo, nada tem.
É o mesmo velho liberalismo de antanho causando os mesmos problemas, com o agravante de
que agora suas conseqüências afetam todo o orbe.

Os economistas destacam a força do poder econômico e do próprio “poder


de mercado” como se este fosse um ente próprio e desconectado dos grandes detentores de
171

capital. Diante da sua incontestável força, o poder econômico conseguiu incutir nos Estados a
necessidade da não intervenção, a necessidade do Estado-mínimo, sob a alegação de que o
Estado do Bem Estar Social não conseguiu se manter, tendo assumido tarefas que não lhe
cabiam. Por ter crescido enormemente, O Estado do Bem Estar Social burocratizou-se,
tornou-se um “elefante branco” e não conseguiu atingir os fins a que se propôs.

Alega-se que a solução é um Estado não intervencionista na economia e que


os mercados livres de qualquer influência, se auto-regularão gerando progresso.

Instala-se, assim, o fenômeno da globalização, acompanhado do


neoliberalismo, que se difundiu de forma extremamente ágil, principalmente entre as nações
subdesenvolvidas ou em desenvolvimento.

O prêmio Nobel de economia, Galbraith, afirma que a globalização foi


inventada por seus patrícios, os americanos, como uma forma de penetrar economicamente
nos demais Estados nacionais.

O que se observa é que a maior potência hegemônica da atualidade não


adota a posição que defende veementemente, age contraditoriamente, buscando atingir suas
metas e objetivos meramente econômicos. Ao tempo em que defende a globalização como um
fenômeno positivo, necessário para o desenvolvimento da economia dos países ditos de
Terceiro Mundo, orientando-os no sentido de que precisam privatizar e liberalizar a
economia, observa-se, também, que fecha suas fronteiras comerciais cada vez mais, adotando
medidas altamente protecionistas para os seus produtos nacionais, com inaceitáveis barreiras
para o ingresso de produtos advindos de outros países, principalmente aqueles que compõem
o bloco dos subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

As conseqüências, algumas bem funestas, não se fizeram esperar e


começaram a aparecer sob a forma de maior concentração de riquezas nas mãos de poucos,
generalização da pobreza a níveis inumanos, violência, exclusão social, desemprego,
epidemias, com a volta de doenças que já estavam erradicadas, além de uma série de outros
problemas que, se listados, se desdobrariam infinitamente.

O que fazer? Como alterar este estado de coisas?

Os globalistas, denominação usada por alguns autores, como Held e


McGrew, continuam afirmando que a única solução viável é a liberalização total da economia
172

com a conseqüente auto-regulamentação dos capitais, gerando a riqueza, sem entretanto,


esclarecer se para todos ou para alguns.

Outra corrente, em posição diametralmente oposta aos globalistas


anteriormente referidos, amparada em pesquisas e dados estatísticos, defende que a solução
mais razoável e menos desumana consiste na adoção do Estado intervencionista.

O nível de complexidade dos problemas, que ultrapassam as fronteiras


geográficas, é um dos principais causadores do enfraquecimento do Estado-nação, uma vez
que atitudes localizadas, de um só Estado, não são capazes de solucionar problemas globais
ou regionais, que atingem uma ampla área territorial, transcendendo fronteiras nacionais.

O modelo do Bem Estar Social, Welfare State, que foi buscado com a
finalidade de procurar atender às necessidades sociais da população, foi testado e não deu
grandes resultados, exceto em alguns países que detinham um alto poder econômico.

Voltamos à questão inicial. O que fazer? Qual a melhor solução? Qual o


caminho a ser seguido?

A humanidade é sábia. Profetizavam os anciãos – “se o discípulo estiver


pronto o mestre surgirá”.

Para enfrentar os problemas que hoje se apresentam, trazendo no seu bojo


ameaças à estabilidade mundial, há que se criar um modelo novo de organização da
sociedade, com repercussão na forma de Estado e na economia.

Conceitos tradicionalmente aceitos não mais se conciliam nem se adequam


às inovações que surgem de minuto a minuto, abrangendo todo o globo terrestre de forma
quase imediata.

Os Estados-nação começaram a perceber que, encastelados e sozinhos, não


teriam condições de reagir, de fazer frente a esta situação. Começaram a surgir blocos de
nações que inicialmente se organizaram como blocos econômicos, com evolução posterior em
busca de uma integração mais profunda, tanto social quanto jurídica.

É o nascimento do Direito da Integração, do Direito Comunitário. É o


embrião de uma nova forma de organização política da sociedade.
173

Começam a surgir os blocos regionais de Estados como forma de se


protegerem mutuamente do “poder do mercado de capitais”, da globalização, de problemas e
perigos, a exemplos de problemas ambientais, tráfico de drogas, terrorismo, doenças que se
disseminam, fome, entre outros tantos, que ultrapassam os limites territoriais dos Estados.

A integração de países em blocos regionais pode ser uma solução aos efeitos
negativos da globalização econômica.

Nos dias atuais, inúmeros são os exemplos de integração regional, sendo


indiscutível e inquestionável o fato de que a União Européia se constitui no bloco mais
avançado e que alcançou maior profundidade de integração.

A União Européia é um exemplo vivo de que a “união faz a força”.


Totalmente destruída após a Segunda Grande Guerra, conseguiu a sua reconstrução forjando
como base estrutural a unificação de seus Estados. Hoje desponta vitoriosa, demonstrando
que, às vezes, é preciso ousar para poder alcançar resultados positivos.

A América Latina também deverá buscar a sua integração visando ao


progresso da região, o que consistirá na realização do sonho de Simón Bolívar que há
inúmeras décadas já propugnava pela unificação da América.

Cumpre destacar que a União Européia, para alcançar seu objetivo de


unificação, viu-se obrigada a modificar situações já assentadas, alterando conceitos clássicos
como os de Estado-nação e de soberania estatal.

Os países latino-americanos, com um grau de dificuldade infinitamente


maior, principalmente em virtude do estado de desenvolvimento que possuem (ou melhor, que
não possuem), também estão a buscar a sua integração, através do Mercado Comum do Cone
Sul, que teve início a partir de um acordo entre o Brasil e a Argentina com a adesão imediata
do Uruguai e do Paraguai. O Chile e a Bolívia estão em negociações e já foi instalada uma
área de livre comércio com o Mercosul que, como visto, é a primeira fase de uma integração.

Mas as coisas não são fáceis de serem atingidas, aliás, dizem que quando
são fáceis, o ser humano não lhes dá o devido valor. Talvez por esta razão, inúmeros são os
percalços do caminho.
174

Um dos principais entraves consiste no conceito tradicional de Estado com o


seu principal atributo, a soberania, surgido no final da Idade Média, com a Revolução
Francesa, com a finalidade de embasar o novo poder político da burguesia.

Diversos foram os teóricos que tentaram explicar a sua fundamentação, a


exemplo de Hobbes, Rousseau, Bodin e outros, tendo cabido a Maquiavel o emprego do
termo stato, pela primeira vez.

Da análise efetivada pode-se depreender que, de acordo com a concepção


clássica, o Estado consiste em uma forma de organização jurídica do poder político da
sociedade. Tendo nascido nos primórdios da era moderna e consistindo em uma contingência
da sociedade atual, pode deixar de existir a partir da mudança desta sociedade, transmutando-
se em uma nova forma de organização social.

O seu principal atributo é a soberania, da qual é detentor, como


representante de todos, com exclusão de qualquer outro. Esta consiste na supremacia do
Estado que não admite nenhum poder que lhe seja superior. Esta a conceituação de soberania
interna.

A soberania externa, diferentemente, é exercida em uma relação de


coordenação com os demais Estados nacionais, ou seja, o Estado é soberano dentro de seu
território estando em relação de igualdade com os demais Estados, na ordem internacional.

A integração regional, como fenômeno novo que é, possui determinadas


características que entram em choque com os conceitos tradicionais.

A característica da reunião de nações em blocos regionais que mais conflita


com a soberania, sem dúvida, é o fato de existirem órgãos detentores de poder que suplantam
um só Estado, característica esta que vem sendo denominada de supranacionalidade.

A fim de que possa haver uma maior integração entre as nações que se
reúnem em blocos, se faz necessário que haja uma identidade de ordenamentos jurídicos, uma
similitude nas decisões tomadas nos casos concretos e a definição de ações de forma rápida e
eficaz, o que só se faz possível quando há uma centralização em uma entidade supranacional.
175

A comprovação dos resultados positivos já começa a aparecer com a


demonstração da própria União Européia em negociar com o Mercosul, o que pode ser aferido
com a verificação do aumento do volume de negócios.

Por todo o estudo realizado, afirma-se que o Estado-nação é importante e


deverá permanecer. Conquanto esteja fraco e com sua soberania violentamente vilipendiada,
ainda sobreviverá, na sua forma originalmente concebida, por algum tempo.

É necessário buscar a união em blocos para o fortalecimento de todos e de


cada um, e para que esta união aconteça, todos deverão delegar um pouco de sua soberania
para a existência real de órgãos supranacionais, o que fortalecerá o bloco, que por sua vez
distribuirá este poder a todos os participantes.

O fato de um Estado-nação participar de um bloco de integração regional e


delegar parcela de sua soberania nacional não o tornará fraco.

Em verdade, como foi demonstrado, extremamente fraco ele já se encontra,


em razão de todas as modificações que ocorreram no mundo, como a globalização econômica
e a ingerência de entidades internacionais na vida econômica do Estado forçando a
liberalização dos mercados nacionais.

Ao buscar a integração regional com outros Estados e com a delegação de


parte de sua soberania a um órgão supranacional, ele se tornará cada vez mais forte, porque a
força, o poder de atuar na órbita internacional, será o poder maior de todos os Estados
reunidos. Esta união trará um poder estatal como também a possibilidade do exercício de uma
soberania estatal, que sozinho o Estado jamais cogitaria em alcançar.

Então se pode concluir que, ao delegar parcela de sua soberania, o Estado-


nação se fortalecerá e, não como pensam alguns, se enfraquecerá.

Nas suas ações internacionais atuará em conjunto com outros Estados e, por
esta razão, terá um poder de negociação muito maior.

Ao buscar a união em bloco para o fortalecimento de todos e de cada um,


alguns obstáculos terão que ser ultrapassados.
176

O principal deles é vencer as resistências que existem e conseguir


regulamentar a delegação de parte da soberania dos Estados a órgãos supranacionais que
deverão ser criados com a função específica de gerir os negócios do bloco. Para tanto, estes
órgãos terão legitimidade e competência em razão da delegação, efetivada por todos os
Estados participantes do bloco regional.

Assim, em razão de todo estudo encetado podem ser afirmadas as


proposições que se seguem:

• O Estado-nação encontra-se fragilizado em razão das mudanças ocorridas no mundo a


partir dos novos processos surgidos, especialmente da globalização econômica;

• Em razão das mudanças ocorridas no mundo atual, o Estado-nação, conquanto ainda seja
importante e deva permanecer existente, encontra-se enfraquecido e não é mais suficiente
para atender às demandas sociais solucionando os problemas globais que hoje se
apresentam, uma vez que sua atuação ocorre em âmbito local;

• Com a finalidade de retomar sua antiga fortaleza precisa unir-se com outros Estados
também fragilizados para que através da união se alcance a força. É o processo de
integração regional;

• Para o aprofundamento do processo de integração se faz necessária a adoção da


supranacionalidade o que será procedido através da delegação de parcela da soberania dos
Estados-membros, a partir da flexibilização do atributo da soberania;

• Esta delegação não é definitiva. O titular da soberania estatal continua sendo o Estado-
nação que concede legitimação a órgãos supranacionais quanto a matérias específicas,
delegando apenas uma parte da sua soberania que será compartilhada por todos os
integrantes do bloco integrativo;

• Essa gama de novos processos leva à conclusão final de que o Estado-nação é importante,
mas para sobreviver no mundo globalizado deverá ter sua concepção adaptada para
coadunar-se com o novo mundo que vem se delineando.
177

Vale salientar, que através do presente trabalho não se pretendeu esgotar as


discussões em derredor de tema tão palpitante e de inquestionável interesse para todos os
povos, mas apenas levantar as diversas hipóteses que permitirão futuras reflexões.

Ao jurista compete a formalização dos instrumentos necessários à regulação


das relações entre os agentes sociais adequando e adequando-se aos novos processos surgidos
no seio da sociedade. É tempo de os estudiosos da área do direito saírem a campo a fim de
buscarem e encontrarem as soluções necessárias à regulamentação das novas figuras que se
esboçam no campo internacional.

O jurista não pode ficar estático em frente aos ventos da mudança surgidos
na área dos processos integrativos. Deve permitir a influência do meio social e, alterando
dogmas e conceitos, regular o mesmo meio social que o influenciou partindo da modificação
da concepção de Estado-nação, a fim de possibilitar o aprofundamento da integração regional
que somente ocorrerá a partir da fragilização da soberania nacional, permitindo-se a delegação
de parcela a órgãos supranacionais que regularão as relações entre os integrantes de um bloco
regional ensejando o surgimento de um novo ramo do direito, o Direito Comunitário, o
Direito da Integração.

Por fim, repita-se a transcrição das palavras de Sálvio de Figueiredo


Teixeira citando o Prof. Carlos Alberto Carmona, já anteriormente referidas 464 :

“Fazendo coro com o Prof. Carlos Alberto Carmona, ‘o Brasil não pode
ficar alheio aos ventos que sopram em outros países’. Em outras palavras, e repetindo
Benjamim Cardozo, em sua evocação a Roscoe Pound, ‘o direito deve ser estável, mas não
pode permanecer estático’, ‘o jurista, como viajante, deve estar pronto para o amanhã’.”.

464
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