Geometria de Laguerre
Geometria de Laguerre
Geometria de Laguerre
Departamento de Matemática
Ensino de Matemática no 3o Ciclo do Ensino Básico e no
Ensino Secundário
Covilhã 2010
Conteúdo
Introdução 1
1 Geometria de Laguerre 3
1.1 As geometrias de Lie, Laguerre e Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Tangência entre ciclos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Espaço de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.4 Modelo de Minkowski para a geometria de Laguerre . . . . . . . . . . 11
1.5 Separação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2 Teorema de Pitágoras-Laguerre 18
Introdução
Este trabalho iniciou-se com um estudo prévio de pontos notáveis associados a três
circunferências ([6], ver anexo) a partir de um lema de incidência no plano projectivo
([6], Lema 1). Particularizando ao caso das três circunferências estarem ex-inscritas
a um triângulo, este lema parece estabelecer uma caracterização geométrica unifi-
cadora de muitos centros de Kimberling.1
Querendo explorar mais profundamente a riqueza geométrica destas configura-
ções, acreditamos que, para tal, seria interessante estabelecer uma generalização
do Teorema de Ceva. Ora, a geometria de Laguerre será talvez o contexto teórico
adequado a esta generalização. De facto, nesta geometria, pontos e circunferências
são tratados como objectos matemáticos equivalentes. Por outro lado, em traba-
lhos recentes [2, 5], tem sido colocada em evidência a possibilidade de utilizar esta
geometria, no âmbito do seu modelo de Minkowski, para o estudo de problemas
clássicos em geometria euclidiana.
Neste trabalho procurámos apresentar de forma completa e detalhada as ideias
e resultados principais que estão presentes em [2]. Em particular, começamos por
definir, de acordo com as princı́pios de Félix Klein e do seu Programa de Erlangen,
as geometrias de Lie, Laguerre e Mobius. De seguida, descrevemos o modelo de
Minkowski para a geometria de Laguerre. Este é um modelo que é fácil de manipular
e que evidencia de forma clara que o espaço subjacente à geometria de Laguerre é um
1
Clark Kimberling elaborou uma lista [4] exaustiva de pontos notáveis associados a um triângulo,
catologando-os de acordo com as suas propriedades conhecidas. Por exemplo, o primeiro ponto é
precisamente o incentro, denotado por X(1). Os pontos aı́ presentes passaram a ser conhecidos
por centros de Kimberling.
1
espaço homogéneo. Por fim, enunciamos e provamos um resultado que generaliza o
clássico Teorema de Pitágoras. Em trabalho futuro, procuraremos aplicar algumas
destas ideias na perspectiva de encontrar uma generalização adequada do Teorema
de Ceva.
2
Capı́tulo 1
Geometria de Laguerre
3
de um ciclo-próprio define a sua orientação: caso o sinal do raio seja positivo a
orientação é no sentido anti-horário; caso o sinal do raio seja negativo a orientação é
no sentido horário. Um ciclo-ponto não tem orientação: o seu raio é zero. O termo
ciclo de Laguerre refere-se a ciclos-próprios (circunferências orientadas) ou a pontos-
finitos (pontos no plano Euclidiano); o termo ciclo de Lie refere-se a ciclos-próprios,
a pontos-ciclo ou a rectas orientadas. Estamos agora em condições de definir as
geometrias acima referidas:
4
Definição 1. a) Um ciclo-próprio (circunferência orientada) e uma recta orientada
tocam-se se a circunferência e a recta subjacentes forem tangentes e, no ponto de
contacto, as suas orientações coincidirem.
b
A
Figura 1.
Tangência entre circunferência e recta orientada
b A
Figura 2.
As duas circunferências orientadas tocam-se.
5
b
Figura 3.
As duas circunferências orientadas não se tocam, pois partilham duas rectas orientadas.
~x · ~y = x1 x2 + y1 y2 − z1 z2 ,
• Simetria
~a · ~b = ~b · ~a ∀~a, ~b ∈ R3
• Bilinearidade
6
Definição 2. Se ~x · ~x < 0, ~x diz-se um vector tipo-tempo. Se ~x · ~x > 0, ~x diz-se um
vector tipo-espaço. Se ~x · ~x = 0, ~x diz-se um vector tipo-luz.
O produto interno que fixámos tem assinatura (+, +, −), no sentido em que
existe uma base de R3 formada por dois vectores do tipo-espaço e um vector do
tipo-tempo. O espaço de Minkowski M 3 é o espaço R3 munido de um produto
interno de assinatura (+, +, −).
w
~
~u
b
A ~v
Figura 4.
Os vectores ~u, ~v e w
~ são do tipo-espaço, luz e tempo, respectivamente.
7
Figura 5.
Plano Euclidiano
Figura 6.
Plano de Lorentz
8
Figura 7.
Plano Singular
Observação 2. a) Um plano euclidiano admite uma base formada por dois vec-
tores do tipo espaço: tem assinatura (+, +).
−→ −→ −→ −→
ZP · ZQ = ZA · ZA.
−→
Demonstração. Sejam ~s = 12 P Q e M o ponto médio do segmento P Q. Uma vez que
−→ −−→ −→ −−→
AP = AM − ~s e AQ = AM + ~s são vectores do tipo-luz, vamos ter
−−→ −−→
AM − ~s · AM − ~s = 0 (1.1)
−−→ −−→
AM + ~s · AM + ~s = 0. (1.2)
9
Pela bilinearidade e simetria do produto interno, (1.1) e (1.2) são equivalentes,
respectivamente, a
−−→ −−→ −−→
AM · AM − 2AM · ~s + ~s · ~s = 0 (1.3)
−−→ −−→ −−→
AM · AM + 2AM · ~s + ~s · ~s = 0 (1.4)
−−→ −−→
Somando (1.3) a (1.4) resulta que AM · AM + ~s · ~s = 0. Assim,
−→ −→ −−→ −−→ −−→ −−→
ZP · ZQ = (ZM − ~s) · (ZM + ~s) = ZM · ZM − ~s · ~s
−−→ −−→ −−→ −−→
= ZM · ZM + AM · AM . (1.5)
−−→
Por outro lado, subtraindo (1.3) a (1.4) obtemos AM · ~s = 0, ou seja, as rectas
AM e ZM são perpendiculares. Assim,
−→ −→ −−→ −−→ −−→ −−→ −−→ −−→ −−→ −−→
ZA · ZA = (ZM + MA) · (ZM + MA) = ZM · ZM + AM · AM . (1.6)
−→ −→ −→ −→
Finalmente, de (1.5) e (1.6) concluimos que ZP · ZQ = ZA · ZA.
Estas transformações enviam rectas, planos e cones luz para rectas, planos e
cones luz, respectivamente, preservando o tipo. Se Z, A, e A′ são pontos sobre uma
recta em M 3 , então existe uma única homotetia de centro em Z que envia A para
A′ .
10
A′
b
Q′
A P′
b
M
b
b
Q
P
Z
b
Figura 8.
−−→′ −−→′ −−→′ −−→′
P P · QQ = AA · AA
Sendo assim,
−−→′ −−→′ −→ −→
P P · QQ = (λ − 1)2 ZP · ZQ. (1.7)
−→ −→ −→ −→
Pelo Lema 1, sabemos que: ZP · ZQ = ZA · ZA, logo
−→ −→ −→ −→ −→ −→ −−→ −−→
(λ − 1)2ZP · ZQ = (λ − 1)2 ZA · ZA = (λ − 1)ZA · (λ − 1)ZA = AA′ · AA′ . (1.8)
−→ −→ −−→ −−→
Finalmente, de (1.7) e (1.8) concluimos que ZP · ZQ = AA′ · AA′ .
11
todas as propriedades que se verificam na vizinhança de um dos objectos também
se verificam na vizinhança do outro.
No modelo de Minkowski para a geometria de Laguerre os ciclos são represen-
tados por pontos e as rectas orientadas por planos singulares. Fixando um plano
euclidiano, um ponto A ∈ M 3 representa um ciclo de Laguerre no mesmo plano,
como mostra o seguinte teorema.
−−→
−~u · A0 A,
onde ~u é o vector unitário ortogonal ao plano euclidiano tal que ~u · ~ez < 0, com
~ez = (0, 0, 1).
A ~
u
b
b
P
b
A0
Figura 9.
Circunferência orientada de centro A0 .
−−→
Demonstração. O que se pretende provar é que, pondo r = −~u · A0 A, vamos ter
−−→ −−→
r 2 = A0 P · A0 P para qualquer ponto P na intersecção do cone luz com o plano
euclidiano fixado.
Fixemos uma base ortonormada de M 3 com assinatura (+, +, −) formada por
v~1 , v~2 e ~u. Então:
−→ −→ −→
AP = −(AP · ~u)~u + AP ⊥ , (1.9)
12
−→ −→ −→ −→
onde AP ⊥ = (AP · v~1 )v~1 + (AP · v~2 )v~2 é a projecção ortogonal de AP sobre o plano
−−→
Π2E . Como ~u e A0 P são perpendiculares, vamos ter:
−−→
Por outro lado, como A0 A e ~u são paralelos,
−→ −→ −→
Tendo ainda em conta que AP é um vector do tipo-luz, de onde AP · AP = 0, e que
−−→ −→⊥
A0 A · AP = 0, resulta de (1.9), (1.10) e (1.11) que:
b) Para definir a orientação dos ciclos há que ter em consideração se o ponto A se
encontra, relativamente ao sentido positivo definido por ~ez = (0, 0, 1), acima
ou abaixo do plano euclidiano. Quando o ponto está acima do plano, então a
orientação do ciclo é no sentido anti-horário; se o ponto está abaixo do plano,
então a orientação é no sentido horário.
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recta comum aos dois cones luz. Neste caso, os pontos A e A′ vão gerar dois ciclos
tangentes, com orientações opostas, de acordo com o que vimos na Observação 3.
Por outro lado, a intersecção do plano singular Π2S que contém a recta ℓ e é tangente
aos dois cones luz com o plano euclidiano origina a única recta orientada que toca
ambos os ciclos. A orientação da recta é definida de acordo com a Figura 2 da
Definição 1. A orientação desta recta não depende obviamente do par de cones luz
escolhido tangente ao plano singular Π2S . Vemos assim como um plano singular no
espaço de Minkowski representa uma recta orientada no plano euclidiano.
Figura 10.
Ciclos Tangentes
1.5 Separação
Consideremos duas circunferências A e A′ , com centros em C1 e C2 , respectivamente,
no plano euclidiano. Seja Z um centro de similitude [3] de A e A′ ; tracemos por Z
uma recta ℓ que intersecta A em P e Q, como mostra a figura seguinte, e A′ em P ′
e Q′ .
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Q′
b
P′ b
Q
b
P b
b
Z b
C2
C1
T1
T2
Figura 11.
Separação e distância tangencial
P(Z; A) = ZP · ZQ.
PP′ C1 C2 QQ′ C1 C2
′
= e ′
= .
ZP ZC2 ZQ ZC2
Daqui,
′ C1 C2 ′ ′ C1 C2
PP = ZP e QQ = ZQ′ .
ZC2 ZC2
15
Logo, 2 2
′ ′ C1 C2 ′ ′ C1 C2
P P · QQ = ZP · ZQ = P(Z, C2)
ZC2 ZC2
16
Aplicando o Teorema de Pitágoras ao triângulo △ZT1 C1 , obtemos
Logo:
2 2 2
2 2 r2 2 r2 r2
(T1 T2 ) = (ZT1 ) · −1 = (ZC1 ) · −1 − r12 · −1
r1 r1 r1
= (C2 C1 )2 − (r2 − r1 )2 ,
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Capı́tulo 2
Teorema de Pitágoras-Laguerre
18
b
C
R
B
b
S b
Y
Y′
A b
b
Z′
Z b
Figura 12.
Transformação de Laguerre para o Teorema de Pitágoras no plano Π2E
Figura 13.
Teorema de Pitágoras-Laguerre
19
Os pontos A, B, C, Z e Y pertencem ao cone luz R. Os pontos Z ′ e Y ′ pertencem
ao cone luz S. Consideremos o plano definido pelos pontos R, A e B. Este plano
contém ainda a recta ZY . Por outro lado, o plano definido pelos pontos S, A e
B contém a recta Z ′ Y ′ , que, por hipótese, coincide com ZY . Logo os dois planos
também coincidem, ou seja, os pontos A, B, R e S são complanares.
Designemos por Π2 o plano euclidiano que contém os pontos A, B e C. A
intersecção do cone-luz com vértice em R com o plano Π2 é uma circunferência C,
de acordo com o Teorema 3. Esta circunferência contém obviamente os pontos A,
B e C. O próximo passo é provar que o centro dessa circunferência pertence ao
segmento AB. Deste modo, o triângulo △ABC é rectângulo em C, pois ∠ACB é
um ângulo inscrito numa semi-circunferência.
Como vimos, os pontos A, B, R e S são complanares. As rectas AR e BR são
do tipo-luz, uma vez que estão contidas no cone luz com vértice em R. Do mesmo
modo, as rectas AS e BS, contidas no cone-luz com vértice em S, são também do
tipo luz. Sendo assim, as rectas AR e BS são paralelas, tal como as rectas AS e
BR. Logo, RASB é um paralelogramo:
Rb
B
A b
Figura 14.
RASB é um paralelogramo
−→ −→ −→ −→ −→ −→
AB · RS = (AR + RB) · (RA + AS)
−→ −→ −→ −→ −→ −→ −→ −→
= AR · AS + RB · RA = AR · AS − AS · AR = 0.
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Logo, o ponto de intersecção do segmento AB e RS é o pé da perpendicular por
R ao plano Π2 . Logo, pelo Teorema 3, este ponto é o centro da circunferência C.
Assim, o triângulo △ABC é rectângulo em C, de onde resulta, pelo Teorema de
Pitágoras, que:
−→ −→ −→ −→ −−→ −−→
AB · AB = AC · AC + CB · CB.
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Bibliografia
[1] H.S.M. Coxeter, The Erlangen program, Math. Intelligencer, 0:22, 1977.
[2] Jay P. Fillmore and Arthur Springer, New Euclidean Theorems by the use of
Laguerre Transformations - some geometry of Minkowski (2+1) - space, Journal
of Geometry, Vol. 52, 1995.
[5] Robert D.Knight The Apollonius contact problem and Lie contact geometry,
Journal of Geometry, Vol. 83, 2005.
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