A Relacao Familia e Escola Na Educacao Infantil
A Relacao Familia e Escola Na Educacao Infantil
A Relacao Familia e Escola Na Educacao Infantil
educação infantil
DOSSIÊ
FLUXO CONTÍNUO
Blenda Luize Chor Rodrigues
University of North Carolina at Greensboro, Carolina do Norte, Estados Unidos da América
Resumo
O artigo analisa como a literatura na área de educação no Brasil vem abordando as relações entre família
e escola na Educação Infantil. Realizou-se uma revisão no Portal de Periódicos da CAPES e no banco de
dados do SciELO. A partir das palavras-chave e dos critérios de inclusão e exclusão utilizados, obteve-se
um conjunto de 22 artigos. A análise revelou que as divergências entre as concepções de professores e
responsáveis sobre o compartilhamento da educação de crianças pequenas entre a escola e a família são o
principal tema apresentado nas publicações. Conclui-se que há uma lacuna nas investigações brasileiras
que abordam a relação família e escola de Educação Infantil sob a ótica das desigualdades sociais.
Palavras-chave: Família; Educação Infantil; Desigualdades.
Abstract
Family and school relationships in early childhood education
This article analyzes how the literature of Education Studies in Brazil has been approaching the rela-
tions between family and school in the period of the kindergarten level. We performed a literature re-
view using the CAPES Journal Portal and the SciELO database. A set of twenty-two articles has been
selected. The analysis revealed that the main theme evoked by these publications is the disagreements
between teachers’ and parents’ conceptions about the sharing of children’s education responsibilities
between the school and the family. We conclude that there is a gap in Brazilian education studies linked
to the relationship between family and preschool from the perspective of social inequalities.
Keywords: Family; Early Childhood Education; Inequalities.
Resumen
La relación família y escuela en la educación infantil
Este artículo analiza cómo la literatura de estudios de educación en Brasil se ha acercado a las relacio-
nes entre la familia y la escuela en la educación infantil. Realizamos una revisión de la literatura utili-
zando el portal CAPES y la base de datos SciELO. Se ha seleccionado un conjunto de veintidós artícu-
los. El análisis reveló que el tema principal evocado por estas publicaciones son los desacuerdos entre
las concepciones de los maestros y las familias sobre el reparto de las responsabilidades educativas de
los niños entre la escuela y la familia. Concluimos que existe una brecha en los estudios de educación
brasileños acerca de la relación entre la familia y las escuelas de educación infantil desde la perspectiva
de las desigualdades sociales.
Palabras clave: Família; Educación Infantil; Desigualdades.
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Introdução
A relação família e escola é um dos objetos de análise caro ao debate sobre de-
sigualdades de oportunidades no campo da Sociologia da Educação. Após os grandes
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surveys das décadas de 1960 (o Relatório Coleman, nos EUA; o relatório Plowden, na
Inglaterra, e a pesquisa do INED, na França), cujos resultados apontaram a relação
entre o nível socioeconômico familiar, o desempenho acadêmico e a trajetória esco-
lar dos alunos, um longo período de pessimismo instaurou-se no campo educacional
(BROOKE, SOARES, 2008). Na década seguinte, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Pas-
seron (1982), expoentes da vertente reprodutivista, interpretaram os dados fornecidos
por estas pesquisas em larga escala e atribuíram à herança cultural familiar a chave
da explicação para a reprodução social. No entanto, nas investigações destes autores
“o funcionamento interno das famílias ainda permanecia como uma caixa preta into-
cada” (NOGUEIRA, 2005, p. 567).
1
Taxa de escolarização, de acordo com o IBGE, é a percentagem dos estudantes (de um grupo etário)
em relação ao total de pessoas (do mesmo grupo etário).
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debate sobre as associações entre o pertencimento social das famílias, suas dinâmicas
internas e a escola. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017),
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91,4% das crianças de cinco anos de idade frequentam a pré-escola, percentual que era
inferior a 60% em 1997. Dentre as crianças de quatro anos, a frequência calculada no
mesmo ano, de apenas 40%, chega hoje a 77,3%.
Debate teórico
Apesar do crescimento das taxas de escolarização na EI registrado no Bra-
sil nos últimos anos, o segmento ainda permanece afastado do debate nas áreas de
sociologia e antropologia da educação. As desigualdades sociais são mencionadas
apenas em associação à dificuldade de acesso a creches, principalmente pelos mais
pobres (KRAMER, 2006). Os estudos sobre a relação família e escolas de EI se
reduzem à análise das percepções dos docentes deste segmento, que classificam as
famílias dos alunos como “desestruturadas” e as acusam de usar as escolas de EI
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como uma maneira de “se livrar dos filhos” ou “para poder trabalhar” (TANCREDI,
REALI 2001; PINHEIRO, 1997).
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de forma generalista e não problematizam tensões sobre estratificação social envol-
vidas na relação com a escola. São escassas as pesquisas que recolhem dados empíri-
cos sobre essa relação, seja no âmbito escolar ou familiar, ainda na primeira infância,
buscando averiguar as possíveis correlações entre o pertencimento social das famílias,
suas dinâmicas internas, formas de atuação e a escola.
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teórico-metodológica considera as crianças como atores de sua própria socialização na
medida em que negociam, compartilham e criam culturas com os adultos e seus pares.
Nesse sentido, os processos de socialização aos quais as crianças estão submetidas
em casa são estudados com o objetivo de entender os descompassos entre estes e a
socialização escolar. Assim, analisam elementos dos estilos parentais, como sanções,
modos de comunicação e relação com o tempo e espaço da escola (THIN, 2006), como
a autoridade parental (MONTANDON, LONGCHAMP, 2003), a linguagem (JOIG-
NEAUX, 2013) ou mesmo dos rituais relacionados à infância, como o aniversário
(SIROTA, 2001). Estas investigações, majoritariamente realizadas sob a perspectiva
antropológica, esmiúçam o “banho socializador” (LAHIRE, 2011) das experiências vi-
vidas na família pelas crianças, tais como as competições entre os irmãos ou as relações
de dominação entre pais e filhos.
Metodologia
A presente revisão de literatura realizou um levantamento sobre a produ-
ção acadêmica brasileira no campo da relação família e escola na educação infantil.
Duas bases de dados foram escolhidas, o Portal de Periódicos da CAPES e o Scientific
Electronic Library Online (SciELO). As duas são plataformas multidisciplinares e têm
acesso gratuito. Ambas permitem a realização de um retrato dos principais temas e
metodologias presentes no debate nacional sobre a relação família-escola na educação
infantil. Há certamente limitações nesta opção, posto que nem todas as revistas da
área de educação encontram-se nessas bases. Por isso, é importante antecipar a parcia-
lidade das conclusões aqui obtidas, que se apresentam como hipóteses plausíveis para
uma reflexão sobre o estado da arte dessa discussão no Brasil.
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família e “educação infantil”; (5) família e “primeira infância”; (6) família e escola
e “primeira infância”; (7) família e “criança pequena”. Nenhum recorte temporal
foi utilizado.
As pesquisas incluídas atenderam dois critérios: (1) apenas artigos; (2) estu-
dos sobre a relação família e escola na educação infantil. Foram excluídas publicações
estrangeiras, pertinentes a outra faixa etária ou nível educacional ou aquelas fora da
área de educação. Entende-se por “área de educação” todas as publicações em periódi-
cos da área de educação de acordo com a avaliação da Qualis CAPES3 do quadriênio
2013-2016, e por “publicações e pesquisas estrangeiras” toda a produção científica
que não tenha sido produzida e publicada no Brasil. Ao final do processo de seleção e
exclusão, restaram 22 artigos para análise.
Treze estudos foram publicados nos últimos cinco anos e 18 foram publicados
ao longo da última década. Isto indica que as publicações dedicadas ao tema da relação
família-escola na Educação Infantil são recentes na área de educação no Brasil.
2
As palavras-chave foram elaboradas de acordo com os operadores booleanos.
3
A lista de periódicos da área de educação e suas classificações Qualis CAPES pode ser acessada
em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/lis-
taConsultaGeralPeriodicos.jsf. Acesso em: 13/05/2018.
4
Esta nomenclatura é utilizada pela avaliação do Qualis CAPES.
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apenas as publicações consideradas empíricas5.
5
Os resultados sobre os artigos teóricos podem ser encontrados em uma das autoras (2018).
6
Para verificar tal hipótese, metade das mães entrevistadas não eram usuária deste serviço.
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as concepções sobre família ensinadas para as crianças e, até mesmo, o papel da for-
mação de professores na eficácia da participação dos pais nas escolas de Educação
Infantil. No sentido de expandir o escopo de análise, alguns estudos deste grupo
buscam as famílias para compreender as percepções dos responsáveis sobre as esco-
las de EI. Os temas identificados neste grupo foram: (1) a formação de professores,
investigado pelo estudo aplicado de Bahia e Mociutti (2017), cujos objetivos foram
refletir sobre a maneira pela qual a relação creche-família ocorre em uma unidade
de educação infantil e analisar em que medida a pesquisa-formação contribui para
a construção de práticas institucionais e docentes que favoreçam tal relação; (2) o
ensino sobre família, tema trazido por três artigos (MARCOS, 2014; 2015; FER-
NANDES, 2006) que se dedicaram a analisar como as concepções de “família” e de
“mãe” são ensinadas para as crianças na Educação Infantil; (3) o compartilhamento
da educação e do cuidado, tema abordado por três artigos (MONÇÃO, 2015; MA-
RANHÃO, SARTI, 2007; OLIVEIRA, 2015) que tratam das tensões resultantes do
compartilhamento do cuidado e da educação de crianças pequenas entre a família e
a escola; (4) o envolvimento dos pais na educação infantil, tema que reúne o maior
número de artigos deste recorte (sete) e trata das diversas estratégias elaboradas
pelas escolas de Educação Infantil direcionadas ao envolvimento dos responsáveis.
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Teóricos - -
Ferreira e Triches (2009)
O ingresso na creche Martins et al. (2014)
A concepção de infância Moro e Gomide (2003)
Casanova e Ferreira
Da família à escola A concepção de Educação Infantil
(2017)
O papel da creche na vida familiar Fernandes et al. (2017)
O ambiente familiar Ferreira e Barrera (2010)
A formação de professores Bahia e Mociutti (2017)
Marcos (2014)
O ensino sobre família Marcos (2015)
Fernandes (2006)
Empíricos Monção (2015)
O compartilhamento da educação e
Maranhão e Sarti (2007)
do cuidado
Oliveira (2015)
Da escola à família Anastácio e Pasuch
(2011)
Néia e Cunha (2013)
O envolvimento dos pais na Lima e Silva (2015)
Educação Infantil Costa (2015)
Bhering e De Nez (2002)
Saisi (2010)
Garcia e Macedo (2011)
Discussão
Do conjunto de publicações selecionadas, destacam-se três discussões princi-
pais: (1) as divergências de concepções sobre o compartilhamento da educação e do
cuidado de crianças pequenas entre a escola e a família; (2) as estratégias das escolas
de EI para envolver os pais; (3) as especificidades deste atendimento no que tange a
participação das famílias.
convivência social com outras crianças, aprendam a reconhecer letras e escrever seus
nomes. Estas famílias destacam a autonomia conquistada pelas crianças para realizar
a sua higiene e alimentação, bem como avanços na fala. Além disso, não apontam
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problemas de compartilhar a educação e o cuidado de seus filhos com as escolas de
educação infantil e, frequentemente, elogiam a qualidade do serviço prestado (MON-
ÇÃO, 2015; BAHIA, MOCIUTTI, 2017). Em outros estudos, as famílias aparecem
pouco interessadas no aspecto pedagógico proporcionado pela creche e entendem que
esta instituição é um lugar de segurança para seus filhos, no qual necessidades básicas
são atendidas. Por isso, tomam uma postura passiva e delegam as responsabilidades
pedagógicas inteiramente à escola (BHERING, DE NEZ, 2002).
A postura dos professores revelada pelas pesquisas indica que estes apresen-
tam mais dificuldades em compartilhar a educação e o cuidado das crianças do que
suas famílias. Em suas afirmações, entendem que as famílias transferem as suas res-
ponsabilidades para os professores, não têm interesse na vida escolar de seus filhos
e não têm a “capacidade” de compreender os processos pedagógicos das escolas de
EI (CASANOVA, FERREIRA, 2017; OLIVEIRA, 2015; BAHIA, MOCIUTTI, 2017;
SAISI, 2010). Monção (2015) identificou que docentes entendem EI como substitui-
ção da família, principalmente no caso de mães trabalhadoras. Isto evidencia que o
caráter assistencialista conferido a esta etapa da escolarização, muitas vezes negativo,
surge também dos profissionais deste segmento.
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A segunda dimensão mais explorada nos artigos trata das estratégias utili-
zadas pelas escolas para envolver as famílias com as instituições e a educação de seus
filhos. As principais delas são: as reuniões de responsáveis, as datas comemorativas, os
bilhetes na agenda e os encontros diários entre pais e professores. O comparecimento
às reuniões é entendido pelos docentes e gestores como o elemento central da partici-
pação da família na escola (NÉIA, CUNHA, 2013; LIMA, SILVA, 2015; ANASTÁCIO,
PASUCH, 2011; COSTA, 2015). Os encontros são realizados ora para apresentar o
trabalho educativo das instituições com as crianças, ora para formar pedagogicamente
os pais (GARCIA, MACEDO, 2011; ALVES, 2016). Enquanto os responsáveis rela-
tam ter dificuldades em comparecer à escola7, as professoras reclamam de sua ausência
nas reuniões e a isto atribuem a justificativa de que não valorizam a educação de seus
filhos (SAISI, 2010).
7
Néia e Cunha (2013) e Lima e Silva (2015) discutem sobre estas dificuldades no contexto rural,
cujas dificuldades são a distância geográfica entre a moradia das famílias e as escolas, bem como a
falta de transporte.
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famílias precisam saber mais sobre as reações comuns deste processo, pois existem
indicadores que demonstram qualidade de adaptação à creche, como o choro, o sono
e a alimentação. Monção (2015) também menciona a necessidade de aprofundamento
investigativo neste tema. O sucesso no processo de adaptação e o estabelecimento de
uma relação de confiança entre as famílias e a escola de EI estão também relaciona-
dos à matrícula e à permanência das crianças nestas instituições (MARTINS et al.,
2014; SILVA, 2014). Certamente há mais especificidades que envolvem a educação
e o cuidado de crianças e as famílias, seja na creche ou na pré-escola. Entretanto, a
análise dos artigos mostra que outras perspectivas têm sido ofuscadas pelas relações
conflituosas entre os pais e as escolas de EI, justificadas ora pela má comunicação
entre ambos, ora pelas concepções dissonantes.
8
Apenas cinco estudos apresentaram justificativas para suas amostras (SILVA, 2014; LIMA, SILVA,
2015; MARCOS, 2014; 2015; BHERING, DE NEZ, 2002).
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pante, análise dos documentos da instituição e entrevistas semiestruturadas. Foi de
Monção (2015) o único estudo que entrevistou professores, famílias, coordenadores,
diretora, supervisora, agentes técnicos de educação, auxiliar de limpeza e de cozinha.
Considerações finais
O presente estudo buscou mapear como a literatura na área de educação no
Brasil vem abordando as relações entre família e escola no período da educação in-
fantil. A análise das publicações selecionadas revelou que as concepções divergentes
entre os educadores das instituições de EI e os responsáveis, assim como as estratégias
utilizadas pelas escolas para envolvê-los são os principais focos investigados nas pes-
quisas. Há também estudos dedicados a estudar o envolvimento familiar nos aspectos
que parecem ser próprios do atendimento na EI, como o período de adaptação. Porém,
estas questões são abordadas por um número menor de artigos, indicando a necessi-
9
Martins et al. (2014) realizaram um estudo de caso coletivo com os dados do Estudo Longitudinal
de Porto Alegre: Da Gestação à Escola – ELPA.
10
A coleta de dados sobre o ambiente familiar foi realizada a partir de um questionário sobre a cons-
tituição familiar e as condições socioeconômicas e educacionais da família e o Inventário de Recursos
do Ambiente Familiar – RAF (MARTURANO, 2006). As habilidades de escrita dos pré-escolares
foram obtidas a partir de uma atividade de autoditadoae da escrita do próprio nome.
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muitas vezes problemática, entre estas duas instâncias.
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Sobre as autoras