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Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Ciências Humanas – IH


Departamento de Serviço Social – SER
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO SOCIAL PARA ACESSO AO BPC

Alan Teles da Silva

Brasília – DF, agosto de 2010


Alan Teles da Silva

OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO SOCIAL PARA ACESSO AO BPC

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de Serviço
Social do Instituto de Ciências Humanas da
Universidade de Brasília como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel
em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Ivanete Salete


Boschetti.

Brasília – DF, agosto de 2010

2
Dedico esse trabalho ao meu grande
e único amor ontem, hoje e amanhã,
Danuta.

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AGRADECIMENTOS

Como em tudo o que fazemos em nossas vidas, escolhemos um caminho que nos
leva a conquistas, alegrias, limites e dificuldades, caminho impossível se concretizar sem a
colaboração de outros sujeitos. Todo esse processo de escolha profissional, construção
teórico-metodológica e amadurecimento pessoal só foi possível diante da contribuição de
pessoas importantes e especiais que, cada uma ao seu modo e dentro das suas
possibilidades, permitiu a concretização deste sonho. Por isso, realizar alguns
agradecimentos nesse momento é uma necessidade imperiosa.
Inicialmente, agradeço a Deus, sobretudo, pela insistência em ser tão fiel na minha
vida, apesar de, em muitos momentos, eu não ser fiel a Ele. Com tantas angústias e alegrias
no decorrer desses semestres, era bom saber que “há tempo para todo o propósito debaixo
do céu”. O tempo chegou e um ciclo se fecha aqui.
À Danuta Dantas de Oliveira Martins, minha querida esposa e amiga, que
literalmente me apresentou o que é o Serviço Social e, como se fosse pouco me despertar
para tantas coisas da vida, em momento de grande dúvida sobre qual curso fazer, foi a
responsável pela minha escolha pelo nosso curso que tanta felicidade me traz. Obrigado por
me incentivar em todo o curso, acreditando na minha capacidade e apostando no meu
sucesso. Por todo o amor, carinho, compreensão e dedicação que tem me proporcionado
diariamente, obrigado. É bom ter a certeza de que casar com você foi a maior e melhor
decisão da minha vida. Como sempre irá terminar, amo você.
À minha mãe, Laudelina Teles da Silva, que sempre me incentivou a estudar, não me
pressionando pelas minhas incertezas profissionais com entradas e saídas de cursos; por
ter sido sempre tão presente na minha vida e nas minhas escolhas; por todo o carinho e
atenção que a fazem ser a melhor mãe do mundo.
À minha irmã, Angélica Teles da Silva, pelo carinho, atenção, confiança e amizade
presencial e virtual. Também agradeço à pequena e amada Lívia Teles da Silva Alves, minha
sobrinha que, embora eu tenha pouquíssima convivência presencial em seus cinco anos de
vida, ela é muito importante na minha vida.
À Profa. Dra. Ivanete Salete Boschetti, pela oportunidade de participação no Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre a Seguridade Social e Trabalho (GESST) e por ter aceitado o
convite para ser a minha orientadora. A discussão sobre o Serviço Social, a Política Social e
a Profa. Ivanete se confunde, parece uma coisa só. Ela sabe tudo. Outro sonho é ter o
conhecimento dela um dia.
À Profa. Dra. Rosa Helena Stein, exemplo de profissional e pessoa no Departamento
de Serviço Social da UnB. Ainda me lembro das preciosas aulas de Introdução ao Serviço

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Social que muito contribuíram para minha certeza em ser assistente social. Obrigado por
aceitar o convite para participar dessa banca.
Por ter aceitado em participar dessa banca, os meus agradecimentos à Maria Lucia
Lopes da Silva.
A todos os integrantes do GESST, Getúlio Ferreira, Júlia de Albuquerque Pacheco e
Jorge Augusto Bezerra, pelas discussões das pesquisas nesses dois anos.
Às assistentes sociais do INSS que aceitaram em contribuir com minha pesquisa por
meio da concessão de entrevistas com informações muito importantes, essenciais.
Às professoras e aos professores tanto do Departamento de Serviço Social quanto
de outros Departamentos da UnB que contribuíram para a minha formação profissional e
para o desenvolvimento de uma análise crítica da realidade social.
À Lívia Barbosa, agora Profa. Lívia, por ter aceitado ser minha supervisora de campo
na Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, pelas discussões e por ter
contribuído pela descoberta do meu objeto de estudo na temática do BPC.
A todos os colegas da turma 2007/1 do Curso de Graduação em Serviço Social da
UnB, turma da qual faço parte, um grupo que é muito perceptível o nível de amadurecimento
profissional e pessoal. Obrigado pelas discussões, debates, trocas de idéias e amizades que
muito contribuíram para a minha vida em Brasília longe dos meus familiares.
A todos que, de alguma maneira, contribuíram com esse processo de
amadurecimento e fechamento de uma etapa importante da minha história profissional e
pessoal, meus sinceros agradecimentos.

5
RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve como objetivo compreender em que
medida o processo de avaliação social para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada
da Assistência Social (BPC), realizado pelas assistentes sociais do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), pode contribuir para ampliar o acesso ao benefício e superar as
concepções restritas de deficiência e de incapacidade para o trabalho e para a vida
independente. Conhecer os desafios da avaliação social para acesso ao BPC é fundamental
para criar estratégias de superação de dificuldades no processo de avaliação social para
expandir o alcance da política social para as pessoas com deficiência. A pesquisa fez uso da
metodologia qualitativa de levantamento e análise de dados nas agências do INSS do
Distrito Federal onde havia assistente social que possuía a atribuição de realizar a avaliação
social nas pessoas com deficiência. Esta pesquisa apresentou as seguintes etapas
metodológicas: 1. levantamento bibliográfico da literatura sobre o BPC, Assistência Social,
Deficiência e Avaliação Social; 2. análise documental das categorias em análise; 3. trabalho
de campo: a) construção de um instrumento de coleta de dados para realizar as entrevistas
semi-estruturadas; b) realização de cinco entrevistas com as assistentes sociais
responsáveis pela avaliação social com gravação de voz das entrevistadas; 3. transcrição
das entrevistas e análise qualitativa dos dados. Os resultados da pesquisa apontam que: 1.
houve uma expansão do acesso ao BPC no Distrito Federal, principalmente, para pessoas
com deficiência moderada muito por conta da nova concepção do conceito de deficiência
para além dos critérios médicos, levando em consideração os domínios incorporados dos
componentes fatores ambientais e atividade e participação no processo de avaliação social;
2. os principais desafios da avaliação estão concentrados nas fragilidades do trabalho das
assistentes sociais que realizam a avaliação social em relação: a) às competências e
atribuições profissionais; b) aos aspectos materiais, éticos e técnicos no exercício
profissional; c) ao novo instrumento de avaliação social, existe uma dificuldade em avaliar
alguns elementos do componente atividade e participação em crianças. Os resultados
mostram que já existe a incorporação dos novos elementos necessários para se avaliar
quem é a pessoa com deficiência elegível ao BPC de acordo com a Classificação
Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF) e que a avaliação social é um
instrumento importante para a expansão do BPC para as pessoas com deficiência.

Palavras-chave: BPC, Deficiência, Avaliação Social, INSS.

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SUMÁRIO

Introdução 8

Justificativa 13

Metodologia 16
Método e Técnica da Pesquisa 16
Universo da Pesquisa 19
Análise dos Dados 20

Capítulo 1 – O Debate acerca do Fenômeno da Deficiência 21


1.1 Introdução 21
1.2 Termos, Definições e Conceitos sobre a Deficiência 21
1.3 A Pessoa com Deficiência no Curso da História 25
1.4 O Modelo Médico de Deficiência 28
1.5 O Modelo Social de Deficiência 31
1.6 O Fenômeno da Deficiência no Brasil 36

Capítulo 2 – A Trajetória do BPC no Brasil 42


2.1 O Benefício de Prestação Continuada 42
2.2 A Operacionalização do BPC 49
2.3 BPC e Pessoa com Deficiência 53
2.4 BPC, Deficiência e Avaliação Social 56

Capítulo 3 – Serviço Social e os Desafios da Avaliação Social 64


3.1 O Serviço Social Previdenciário 64
3.2 O Serviço Social, a Avaliação Social e o Desafio do Concurso Público 74
3.3 Competências e Atribuições Profissionais do Assistente Social no INSS 77
3.4 Aspectos Materiais, Técnicos e Éticos no Exercício Profissional 82
3.5 A Deficiência, os Critérios de Elegibilidade e a Avaliação Social 85

Considerações Finais 90

Referências Bibliográficas 94

Anexo 102

7
INTRODUÇÃO

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos


poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência social e à assistência social (BRASIL, 1988). Parte do trinômio da seguridade
social no Brasil, a assistência social é considerada um direito social, será prestada a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social (BRASIL, 1988;
1993; BOSCHETTI, 2002). A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é
política de seguridade social não contributiva, que deve prover os mínimos sociais, realizada
por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para
garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993). É a partir desse marco
regulatório que todas as legislações que fundamentam as principais políticas de assistência
social do Brasil vão se basear (BOSCHETTI, 2002; 2006).
A instituição do BPC no Brasil foi realizada pela Constituição Federal de 1988
(CF/1988), artigo 203, inciso V, regulamentada em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS (Lei n0. 8.742, de 07 de dezembro de 1993), complementada e retificada pelo
Decreto Federal n0. 1.744, de 08 de dezembro de 1995, pela Medida Provisória n 0.
1.426/1996, posteriormente Lei n0. 9.720, de 30 de novembro de 1998 (BRASIL, 2007d).
Hoje, o BPC está regulamentado pelos Decretos n0. 6.214, de 26 de setembro de 2007, e n0.
6.564, de 12 de setembro de 2008. O BPC substituiu a Renda Mensal Vitalícia (RMV) que,
no âmbito da previdência social, concedeu entre 1975 e 1996 uma renda a pessoas idosas e
com deficiência que comprovassem sua incapacidade para o trabalho. É um benefício
operacionalizado pelo INSS e financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência
Social – FNAS (BOSCHETTI, 2006).
O BPC é um benefício da assistência social que consiste na transferência mensal e
temporária de renda, sem contrapartidas, equivalente a um salário mínimo destinado às
pessoas com deficiência 1 e também às idosas com 65 anos de idade ou mais, ambas com
renda per capita familiar inferior a ¼ de salário mínimo (BRASIL, 1993; 2007a). Em maio de
2010, segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social, o benefício foi destinado para o
atendimento a 3.261.624 beneficiários em todo o Brasil, sendo que, desse total, 1.688.881
(51,78%) são pessoas com deficiência e 1.572.743 (48,22%) são idosos com 65 anos ou
mais. Em relação ao investimento de recursos públicos no BPC, obtivemos um grande salto:
de um montante de R$ 172,342 mi, utilizados para o atendimento de pessoas com

1 Existe um debate sobre como devem ser apresentadas as nomenclaturas sobre as pessoas que vivem
a experiência da deficiência. Neste TCC, será utilizada a expressão pessoa com deficiência para representar
todo o conjunto das pessoas que sofrem opressão pelo corpo, pois é a designação utilizada pelo Conselho
Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

8
deficiência e idosos no primeiro ano de implantação do benefício, em 1996, foi necessária a
quantia superior a 16 bilhões de reais para o pagamento dos beneficiários no ano de 2009 e
já foram aplicados R$ 8,2 bi somente entre os meses de janeiro e maio de 2010 para a sua
efetivação.
Para requerer o BPC, a pessoa idosa ou com deficiência deve procurar um dos
postos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), preencher o formulário de solicitação
do benefício e de declaração de renda dos membros da família, comprovar residência e
apresentar documentos próprios e da família para demonstrar as condições de renda
(BRASIL, 2007b). Após a habilitação inicial, a pessoa com deficiência será encaminhada
para uma avaliação social a ser realizada por assistente social do INSS e, em seguida, para
uma avaliação médica em que terá a deficiência e o grau de incapacidade avaliados
(MEDEIROS et. al, 2006; BRASIL, 2007b).
Vários são os pontos polêmicos da LOAS/1993, como o artigo 20, parágrafo 6º., ao
afirmar que a concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo
realizados pelos serviços de perícia médica do INSS. As maiores controvérsias sobre os
critérios de elegibilidade do BPC dizem respeito à avaliação do que seja incapacidade para
a vida independente das pessoas com deficiência requerentes do benefício assistencial
(MEDEIROS et. al, 2006; SQUINCA, 2007; BRASIL, 2007c). Pesquisas revelam que os
médicos-perito responsáveis pela avaliação pericial das pessoas com deficiência possuem
critérios diversificados para avaliar a elegibilidade delas ao benefício (DINIZ et. al, 2007;
MEDEIROS et. al, 2006). Essa constatação dos pesquisadores aponta para ausência de
critérios objetivos na legislação, o que relega a responsabilidade de definir tais critérios
somente às práticas individualizadas dos médicos-perito.
Uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria
Pública da União contra o INSS teve como objetivo requerer que as agências do INSS de
todo o país deixem de exigir para a concessão do BPC que a pessoa com deficiência seja
incapaz para os atos da vida civil (BRASIL, 2007c). A ação civil pública parte do pressuposto
de que tal exigência para a concessão do BPC não diz respeito ao grau de dificuldade das
pessoas para desempenharem os atos da vida diária, mas que a incapacidade para a vida
independente das pessoas com deficiência deve ser avaliada apenas em termos de
comprometimento da capacidade de exercer uma atividade laboral (BRASIL, 2007c). A ação
postula que a exigência de incapacidade para a vida independente, conforme exigido pelas
agências do INSS, é restritiva e excludente, retirando do alcance do benefício pessoas com
deficiência que nos termos da CF/1988 teriam direito de recebê-lo.
Uma pesquisa realizada com médicos-perito do INSS de todo o país mostrou que
47% deles consideravam ineficiente ou menos que eficiente o único instrumento

9
padronizado do INSS utilizado para avaliar a incapacidade para o trabalho e para a vida
independente dos solicitantes do BPC, e somente 5% acreditam que o questionário é muito
eficiente para o processo de seleção (DINIZ et. al, 2007; MEDEIROS et. al, 2006). Segundo
os autores do estudo, esses resultados sobre a avaliação que os médicos-perito têm do
único instrumento padronizado utilizado pelo INSS para dizer quem é a pessoa com
deficiência elegível ao BPC devem ser compreendidos para além de uma simples ineficácia
do questionário. As controvérsias em torno das categorias incapacidade para a vida
independente e para o trabalho podem comprometer os princípios éticos do BPC como uma
política pública de responsabilidade do Estado em atender uma demanda de justiça social, o
que representa uma disputa política e de fundo público em torno da política.
Segundo Diniz et. al (2007, p. 14), “quanto mais padronizada for a seleção, maiores
as chances de objetividade no acesso ao programa e menores os riscos de idiossincrasias
pessoais dos avaliadores interferirem na elegibilidade”. Com isso, os critérios não-
padronizados utilizados pelos peritos para dizer quem é elegível ao BPC comprometem os
fundamentos éticos em que o BPC está amparado por dispor de mecanismos
discricionários, o que torna a concessão do benefício vinculada à compreensão
pessoalizada que cada perito tem sobre quais devem ser as deficiências atendidas pelo
BPC.
Com o objetivo de tornar mais abrangente o conceito de deficiência, utilizado como
critério para acessar o BPC, ficou instituído pelo Decreto n 0. 6.214/2007, que a concessão
do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades,
Incapacidade e Saúde (CIF) e, ainda, que a avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade será composta de avaliação médica e social que serão realizadas,
respectivamente, pela perícia médica e pelo serviço social do INSS (BRASIL, 2007b).
A inclusão da avaliação social como integrante da avaliação de incapacidade da
pessoa com deficiência era uma reivindicação dos movimentos sociais das pessoas com
deficiência, do meio acadêmico e dos gestores da política de assistência social (SPOSATI,
2008). Foi, sobretudo, uma luta do Serviço Social do INSS, do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), defendida pelo Conselho Federal de
Serviço Social (CFESS). Passou-se, então, a defender uma avaliação social que
considerasse as relações sociais e econômicas das pessoas com deficiência em sua
totalidade, o que significa reconhecer as condições de vida individuais e familiares, as
possibilidades objetivas e subjetivas de acesso ao emprego e à renda e as
(im)possibilidades de estabelecimento de uma dinâmica de vida que garanta direitos básicos
como trabalho, moradia, lazer, educação.

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Por muitos anos se trava o debate da avaliação social como elemento essencial para
o acesso ao BPC para as pessoas com deficiência no Brasil. As entidades representativas
dos assistentes sociais foram protagonistas nesse debate e depois de forte movimento em
defesa da reestruturação do Serviço Social no INSS, conseguem a publicação de um Edital
em 2008, no âmbito do Ministério da Previdência Social, em que houve uma oferta de 900
vagas para o cargo de Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social para
suprir uma carência de assistentes sociais no INSS como reflexo da ausência de vinte anos
de concursos no órgão. Dentre as atividades destinadas às assistentes sociais, estavam: 1.
prestar atendimento e acompanhamento aos usuários dos serviços prestados pelo INSS e
aos seus servidores, aposentados e pensionistas; 2. elaborar, executar, avaliar planos,
programas e projetos na área de Serviço Social e Reabilitação Profissional; 3. realizar
avaliação social quanto ao acesso aos direitos previdenciários e assistenciais; 4. promover
estudos sócio-econômicos visando a emissão de parecer social para subsidiar o
reconhecimento e a manutenção de direitos previdenciários, bem como a decisão médico-
pericial; 5. executar de conformidade com a sua área de formação as demais atividades de
competência do INSS.
Atualmente, no Distrito Federal, há um conjunto de dez assistentes sociais, todas
mulheres, responsáveis pela realização da avaliação social para acesso ao BPC. Neste
estudo, o enfoque será na atribuição das assistentes sociais do INSS especificamente para
realizar avaliação social quanto ao acesso ao BPC.
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Departamento de Serviço Social
(SER) do Instituto de Ciências Humanas (IH) da Universidade de Brasília (UnB) tem como
objetivo compreender em que medida o processo de avaliação social, realizado pelas
assistentes sociais do INSS para a concessão do BPC, pode contribuir para ampliar o
acesso ao benefício e superar as concepções restritas de deficiência e de incapacidade para
o trabalho e para a vida independente. Quais os desafios do processo da avaliação social
tendo em vista as concepções restritivas da perícia médica sobre deficiência e grau de
incapacidade? Para responder a essa pergunta de pesquisa, foram realizadas entrevistas
com as assistentes sociais responsáveis em realizar a avaliação social para acesso ao BPC
para as pessoas com deficiência. A partir das entrevistas, foi possível conhecer os desafios
do processo de avaliação social de responsabilidade das assistentes sociais.
No seu conjunto, o TCC está dividido em três capítulos. O primeiro apresenta uma
discussão em relação ao fenômeno da deficiência, mostrando o debate dos modelos médico
e social da deficiência, bem como uma análise da deficiência no contexto brasileiro. Neste
capítulo, também buscamos refletir em torno do debate sobre a pessoa com deficiência a
partir da Antiguidade e conhecer os termos e conceitos utilizados ao longo da História.

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O segundo capítulo consiste em reflexões sobre o BPC nos seus quatorze anos de
existência. Neste capítulo, procuramos apresentar o BPC, esclarecendo sua origem e
destacando informações quantitativas quanto à demanda atendida, assim como procuramos
oferecer dados comparativos do benefício com o IBGE e entre os segmentos das pessoas
com deficiência que demandam o benefício. Buscamos fazer um levantamento da trajetória
da operacionalização do BPC, com o intuito de recuperar a construção das orientações
normativas do caminho operativo do benefício desde a sua origem até o ano de 2010 e,
dessa forma, poder traçar os elementos constitutivos da lógica sustentadora deste caminho.
O capítulo dois também traz o debate em torno do processo de avaliação social para acesso
ao BPC, um instrumento que queremos saber se contribui para a ampliação do acesso ao
benefício pelas pessoas com deficiência.
O terceiro capítulo busca conhecer o trabalho do/a assistente social no âmbito do
INSS. Inicialmente, conhecemos um pouco do conhecido Serviço Social previdenciário a
partir da década de 1940. No segundo momento, realizamos uma análise das entrevistas
com as assistentes sociais que realizam a avaliação social para o acesso ao BPC para
pessoas com deficiência no DF. Neste capítulo, buscamos: 1. avaliar quais as principais
mudanças provocadas no processo de acesso ao BPC com a utilização da avaliação social
realizada pelo Serviço Social nas agências do INSS; 2. discutir as dificuldades e os desafios
postos às assistentes sociais no processo de avaliação social em relação às questões
éticas, materiais e técnicas do trabalho profissional, considerando as condições de trabalho,
os princípios ético-políticos do Serviço Social e os princípios da CIF. Após o terceiro capítulo,
encontram-se as considerações finais.

12
JUSTIFICATIVA

A CF/1988 concebe a assistência social como direito social (BRASIL, 1988). O


Serviço Social, por sua vez, adota como um dos mais importantes princípios no Código de
Ética do Assistente Social (1993) a afirmação, ampliação e consolidação da cidadania,
considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis,
sociais e políticos das classes trabalhadoras (CFESS, 1993).
Segundo Iamamoto (2008), a política pública de assistência social no marco da
seguridade social tem sido um dos âmbitos privilegiados de atuação profissional e um dos
temas de destaque no Serviço Social brasileiro recente. O debate sobre as políticas sociais
vem oferecendo uma sólida sustentação teórica à qualificação da assistência social no
âmbito das relações entre o Estado e a sociedade civil, como direito dos cidadãos que dela
necessitam e dever do Estado.
Há um consenso entre os autores da área de assistência social sobre a posição
secundária que essa política vem tradicionalmente ocupando nas políticas públicas, com
ações tangenciais às demais políticas e terreno fértil ao clientelismo. Contudo, sendo a
assistência social uma das estratégias reguladoras das condições de reprodução social da
classe trabalhadora, é campo de acesso a bens e serviços, podendo ser um espaço de
reiteração da subalternidade ou meio de abancar na construção da cidadania (IAMAMOTO,
2008).
A assistência social tem sido um dos principais campos sócio-ocupacionais, em que
o profissional realiza uma mediação fundamental para acesso a direitos. O assistente social
dispõe de uma dupla função: é o intermediador direto das necessidades dos usuários
mediante a prestação de serviços assistenciais e responde pelo componente sócio-
educativo que o informa. Ele é demandado para dar conta do mecanismo assistencial que
permeia as políticas de corte social, fazendo frente a uma diversificada demanda de ações
assistenciais (YAZBEK, 1993; IAMAMOTO, 2008).
Este TCC surgiu de duas experiências distintas: 1. por meio da inserção no Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Seguridade Social e Trabalho (GESST), onde pesquisa-se as
tendências contemporâneas das políticas de previdência social, assistência social e saúde
no contexto da América Latina; 2. por meio do campo de estágio na Anis – Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero, onde foi feito o projeto de intervenção na área do
BPC e houve uma aproximação no debate sobre a deficiência, na intenção de descrever
como a CIF foi incorporada nos programas de previdência e assistência social por meio de
levantamento junto aos médicos-perito do INSS. No entanto, não havia qualquer publicação
sobre o trabalho dos assistentes sociais no processo de avaliação social do BPC, pois esta

13
é uma atribuição recente no âmbito do exercício profissional.
Com pesquisas realizadas no campo de estágio, observaram-se várias mudanças
nos critérios de acesso ao BPC que é o único benefício assistencial previsto na CF/1988 e
para onde é destinada a maior parte dos recursos do FNAS (BOSCHETTI e SALVADOR,
2006).
Uma dessas mudanças para a concessão do benefício à pessoa com deficiência
ficou sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos princípios
da CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde n 0. 54.21, aprovada
pela 54a. Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. Essa avaliação da
deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social, sendo
que deverão ser observados os fatores ambientais, sociais e pessoais, considerando a
limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades. As avaliações serão realizadas pela perícia médica e pelo Serviço Social do
INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este fim (BRASIL,
2007).
Diante dessa nova e importante atribuição profissional no INSS, bem como a
incipiente produção de conhecimento sobre o processo de avaliação social, surgiu o
interesse em estudar como se dá o processo de avaliação social que é realizado pelo
Serviço Social do INSS. É de grande preocupação conhecer como está sendo
operacionalizado esse serviço, haja vista que o BPC é o mais importante benefício
constitutivo da política de assistência social no Brasil.
Toda política social necessita de acompanhamento em seu processo de formulação e
implantação, não só para avaliar sua capacidade de ampliar direitos sociais, mas, sobretudo,
para compreender sua potencialidade (ou não) de atuar para reduzir desigualdades. Assim,
compreender se o processo de avaliação social pode tencionar os critérios restritos que
avaliam a deficiência e o grau de incapacidade e impedem o acesso de pessoas com
deficiência ao BPC poderá trazer contribuições para o Serviço Social e para possíveis
alterações no funcionamento do programa, com o objetivo de ampliar o acesso e promover a
garantia dos direitos sociais às pessoas com deficiência no Brasil.
A perspectiva deste TCC é de valorização do BPC como direito de assistência social
para idosos e pessoas com deficiência pobres no país. O BPC, na literatura de algumas das
áreas do conhecimento que tratam de políticas públicas e sociais, vem sendo transformado
em um símbolo de política social focalizada, de garantia apenas dos mínimos de
sobrevivência dos beneficiados e de alcance ainda restrito no combate à pobreza
(SPOSATI, 2008; PEREIRA, 2006). No entanto, é importante salientar que a persistência
nas literaturas sobre o BPC apenas como exemplo de política social com alcance restrito

14
pode contribuir para posicionar ao segundo plano a necessidade de estudos que tratam da
análise da implantação e acompanhamento do BPC, o que fragiliza ainda mais o benefício e
compromete seu alcance.
Portanto, analisar a operacionalidade da avaliação social para acesso ao BPC para
pessoas com deficiência, verificando se seguem na direção de expandir ou de reduzir os
direitos, é importante para a formação profissional como assistente social, uma vez que a
profissão lida diretamente com a temática das políticas sociais como garantia de cidadania,
principalmente, lutando para universalização dos direitos sociais, fazendo-se necessário
compreender a tendência que permeia o estabelecimento desse tipo de política hoje no
Brasil.

15
METODOLOGIA

Método e Técnica da Pesquisa

A metodologia é o “caminho pelo qual o pesquisador se guia para ter aproximações


sucessivas da realidade” (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 42), com a intenção de
compreendê-la e desvendá-la. Este trabalho parte desta concepção de metodologia que é
orientada pela “contribuição da tradição marxista” (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 36)
para a abordagem da política social, que promoveu uma guinada do ponto de vista da
relação sujeito-objeto:

uma perspectiva relacional, numa análise das políticas sociais como processo e
resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e
sociedade civil, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o capitalismo
e recusa a utilização de enfoques restritivos ou unilaterais, comumente presentes
para explicar sua emergência, funções ou implicações (BEHRING e BOSCHETTI,
2006, p. 36).

Como consequências dessa perspectiva para a relação sujeito/objeto, Behring e


Boschetti (2006) revelam a existência de um sujeito ativo, inquieto, que indaga o objeto,
procurando extrair o que se passa nele, seu movimento real. Por meio da análise da política
social pela tradição marxista, sujeito e objeto são situados de forma que não há nenhuma
perspectiva de neutralidade, reconhecendo as visões sociais do mundo que impregnam
sujeito e objeto.
Neste trabalho, a metodologia utilizada adota como referência o método materialismo
histórico e dialético marxista para compreender a sociedade. Tal concepção apresenta
bases materialistas, ou seja, admitindo a hegemonia da matéria, na reprodução das
relações sociais de produção, em relação às ideias, nas quais as contradições se
transcendem, mas dão origem a novas contradições que passam a requerer solução (GIL,
2000).
Aqui problematiza-se o surgimento e o desenvolvimento das políticas sociais no
contexto da acumulação capitalista e da luta de classes, com a perspectiva de demonstrar
seus limites e possibilidades na produção do bem-estar nas sociedades capitalistas
(MISHRA apud BEHING e BOSCHETTI, 2006, p. 37). Procuramos nos desprender das
análises unilaterais sobre o BPC que o situam ora “a emergência de política social como
uma das iniciativas exclusivas do Estado para responder a demandas da sociedade e
garantir hegemonia” (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 37), ora para “explicar a existência
das políticas como decorrência da luta e pressão da classe trabalhadora” (BEHRING e
BOSCHETTI, 2006, p. 37).
16
Não que essas análises estejam erradas, mas, no entendimento de Behring e
Boschetti (2006),

são insuficientes e unilaterais porque não exploram as contradições inerentes aos


processos sociais, não reconhecem que as políticas sociais podem ser centrais na
agenda de lutas dos trabalhadores e no cotidiano de suas vidas, quando conseguem
garantir ganhos para os trabalhadores e impor limites aos ganhos do capital (2006,
p. 37-38).

O método crítico de Marx consiste em situar e analisar os fenômenos sociais em seu


complexo e contraditório processo de produção e reprodução, determinado por múltiplas
causas na perspectiva de totalidade e inseridos na totalidade concreta: a sociedade
burguesa (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 38). Isso revela a condição histórica e social
da política social extraída do movimento da sociedade burguesa, numa perspectiva crítica,
histórica e ontológica, sendo o ponto central dessa linha de análise reproduzir idealmente o
movimento real do objeto pelo sujeito, extrair do objeto as suas características e
determinações, reconstruindo-o no nível do pensamento como um conjunto rico de
determinações que vão além das suas sugestões imediatas.
A investigação marxista caracteriza-se por não se deixar enganar por aspectos e
semelhanças superficiais presentes nos fatos, procurando chegar à essência do fenômeno
(MARX apud BEHRING e BOSCHETTI, 2006). É nessa perspectiva que se situa a análise
do BPC neste trabalho, não sendo percebidas apenas em sua expressão fenomênica,
buscando capturar o seu movimento essencial na sociedade burguesa.
Por meio desse método, analisamos o processo de avaliação social para acesso ao
BPC em suas múltiplas dimensões e determinações, não se contentando com os esquemas
abstratos de explicação, nem com as simples e evidentes representações do senso comum.
Buscamos desvendar o significado real das políticas que se esconde sob o mundo
fenomênico da aparência. Isso revela que

não consideramos as políticas sociais como produtos fixos, como objetos reificados,
como algo independente e a-histórico. Não aceitamos seu aspecto imediato e
aparente. Ao contrário, esse pensamento utiliza o método dialético materialista que
permite compreender e revelar que as formas reificadas se diluem, perdem sua
rigidez e naturalidade para se mostrar como fenômenos complexos, contraditórios e
mediados, campo produtos da práxis social da humanidade (BEHRING e
BOSCHETTI, 2006, p. 43).

Nessa perspectiva, o estudo das políticas sociais deve considerar sua múltipla
causalidade, as conexões internas, as relações entre suas diversas manifestações e
dimensões.
Para realizar esta pesquisa, buscamos seguir os passos de Netto (2009) que aponta
três momentos importantes no processo de pesquisa. Em primeiro lugar, o profissional
17
necessita possuir uma visão global da dinâmica social concreta, precisa conjugar o
conhecimento do modo de produção capitalista com a sua particularização na nossa
sociedade. Após, o autor afirma que é preciso encontrar as principais mediações que
vinculam o problema específico que se ocupa com as expressões gerais assumidas pela
“Questão Social”2 no Brasil contemporâneo e com as várias políticas sociais que se
propõem a enfrentá-las. E por fim, o autor afirma que o profissional deve apropriar-se
criticamente do conhecimento existente sobre o problema específico com o qual se ocupa,
sendo necessário dominar a bibliografia teórica, a documentação legal, a sistematização de
experiências, as modalidades das intervenções institucionais e instituintes, as formas e
organizações de controle social, o papel e o interesse dos usuários e dos sujeitos coletivos
envolvidos.
Esses três momentos não configuram “operações intelectivas sucessivas: são
passos constitutivos do processo pelo qual o profissional pode desenvolver de fato uma
atitude investigativa numa perspectiva compatível com o espírito do método de Marx”
(NETTO, 2009, p. 695).
Não se pretende conhecer todos os aspectos da realidade que perpassa o processo
de avaliação social para o acesso ao BPC, mas por meio de aproximações sucessivas,
pretende-se “reconhecer o caráter histórico do fenômeno, conhecer o conteúdo objetivo e do
significado do fenômeno, de sua função objetiva e de seu lugar histórico” (KOSIK apud
BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 42).
Este estudo será realizado por meio da pesquisa qualitativa, que privilegia análises
interpretativas, que tem como objetivos “descobrir conceitos e relações nos dados brutos e
de organizar esses conceitos e relações em um esquema explanatório teórico” (STRAUSS e
CORBIN, 2008, p. 24). Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa de cunho
exploratório.
Dentro das abordagens metodológicas de pesquisa qualitativa, foi selecionada uma
técnica de pesquisa, a entrevista semi-estruturada (CRESWELL, 2007). A entrevista semi-
estruturada é uma técnica de entrevista guiada por um roteiro que apresenta uma lista de
perguntas a serem respondidas (COMBESSIE, 2004). As perguntas são elaboradas de
modo a obter na resposta dos participantes, os dados da realidade estudada. A entrevista

2 Nesse trabalho, a expressão “Questão Social” é utilizada para designar o processo de politização da
desigualdade social inerente à constituição da sociedade burguesa. Sua emergência vincula-se ao surgimento do
capitalismo e à pauperização dos trabalhadores, e sua constituição, enquanto questão política, é datada da
primeira metade do século XIX, como resultado das lutas operárias, donde o protagonismo político da classe
trabalhadora – à qual se creditou a capacidade de tornar públicas as suas precárias condições de vida e
trabalho, expondo as contradições que marcam historicamente a relação entre o capital e o trabalho. A “Questão
Social” é a razão de ser do Serviço Social, referendada como o elemento que dá concretude à profissão de
assistente social de acordo com a Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional, é a base da sua
fundação histórico-social na realidade brasileira, devendo ser a sua compreensão e análise estruturadoras dos
conteúdos da formação profissional (MOTA, 2010a).
18
semi-estruturada busca manter em seu desenvolvimento uma lógica provável dos
encadeamentos e para isso utiliza-se de recursos como questões trampolim, que anunciam
o tema a ser abordado criando uma dinâmica na entrevista (COMBESSIE, 2004). A
entrevista semi-estruturada é um instrumento pelo qual o pesquisador se envolve com os
participantes na coleta de dados e tenta estabelecer credibilidade com os participantes
(CRESWELL, 2007).
A análise documental, outra técnica utilizada nesse trabalho, é importante para a
pesquisa em ciências sociais e humanas porque “é uma das técnicas de maior
confiabilidade” (GODOY, 1995, p. 21). Essa técnica apresenta-se como uma técnica de
verificação de dados, visa o acesso às fontes pertinentes, escritas ou não, sendo parte
integrante da heurística da investigação. É uma técnica que tanto complementa informações
obtidas por outras técnicas, quanto revela aspectos novos de um tema ou problema. A
análise documental é uma técnica importante porque a investigação histórica, ao pretender
estabelecer sínteses sistemáticas dos acontecimentos históricos, contribui às ciências
sociais no sentido da reconstrução crítica de dados que permitam inferências e conclusões
(COHEN e MANION, 1990).
Esta pesquisa, então, apresentou as seguintes etapas metodológicas: 1.
levantamento bibliográfico da literatura sobre o BPC, Assistência Social, Deficiência e
Avaliação Social; 2. análise documental das categorias em análise; 3. trabalho de campo: a)
construção de um instrumento de coleta de dados para a realização das entrevistas; b)
realização de cinco entrevistas com as assistentes sociais responsáveis pela avaliação
social no Distrito Federal com gravação de voz das entrevistadas; 4. transcrição das
entrevistas e análise qualitativa dos dados.
As entrevistas tiveram como objetivo captar o processo de trabalho, em seus
aspectos técnicos, materiais e éticos, as dificuldades e os desafios no processo de
avaliação social para acesso ao BPC.

Universo da Pesquisa

O então Presidente do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Marco Antônio de


Oliveira, tendo em vista a Portaria n 0. 108, de 14 de maio de 2008, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), publicada no Diário Oficial da União (D.O.U.),
de 15 de maio de 2008, republicada no D.O.U., de 16 de maio de 2008, tornou pública a
realização de concurso público para provimento de 900 vagas e formação de cadastro de
reserva para o cargo de Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social, em
conformidade com a Lei n0. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e suas alterações

19
posteriores, com a Portaria n0. 450, de 6 de novembro de 2002, do MPOG, e com a Lei n 0.
10.355, de 26 de dezembro de 2001, e suas alterações posteriores, após vinte anos sem
concursos na área para o referido órgão. O resultado final do concurso público foi
homologado no D.O.U. do dia 04 de junho de 2009, seção 3, página 98.
No Distrito Federal, baseado no D.O.U. de 04 de junho de 2009, há vinte e quatro
assistentes sociais na lista dos aprovados e classificados. Segundo o Edital n 0. 1/2008,
havia doze vagas, sendo uma para pessoa com deficiência. Os doze assistentes sociais
para além das vagas, formam um cadastro de reserva para possíveis convocações futuras.
O INSS se organiza por meio de Gerências Executivas (GEX). Há na GEX do Distrito
Federal (DF), atualmente, um universo de 18 assistentes sociais: a) no Distrito Federal, há 3
no Plano Piloto, 2 em Taguatinga, 2 em Ceilândia, 1 no Gama, 1 em Planaltina, 1 em
Sobradinho (DF=10); b) em Goiás (GO), há 1 em Posse, 1 em Luziânia, 1 em Unaí e 1 em
Formosa (GO=4). Existe ainda uma assistente social empossada no DF que foi para a
superintendência regional e 3 que estão na Divisão de Serviço Social (DSS).

Análise dos dados

As dificuldades e os desafios vivenciados pelas assistentes sociais na realização da


avaliação social, com vistas à concessão do BPC foram analisados qualitativamente a partir
do conteúdo das entrevistas que foram aplicadas às assistentes sociais. Os dados
levantados pelas entrevistas foram analisados sob a perspectiva de avaliação com base no
Projeto Ético-Político hegemônico do Serviço Social, com as competências e atribuições
asseguradas na Lei n0. 8.662/1993.
Após a realização das entrevistas, as informações foram transcritas e iniciamos a
fase de análise dos dados qualitativos das entrevistas. Foi realizada a transcrição por meio
de uma leitura na íntegra de todas as entrevistas com o objetivo de construir uma grade
temática com os desafios que se apresentam no processo de avaliação social.
Por fim, é importante entender que a utilização de metodologias e métodos,
acrescidos de conhecimentos teóricos, é um guia importante para o pesquisador na análise
da realidade. Os resultados dessa análise irão gerar novos conhecimentos da realidade
social (STRAUSS e CORBIN, 2008).

20
CAPÍTULO 1

O DEBATE ACERCA DO FENÔMENO DA DEFICIÊNCIA

1.1 Introdução

Exclusão e estigma. De acordo com Barbosa et. al (2009), a história da deficiência é


indissociável dessas duas características. O corpo da pessoa com deficiência foi submetido
a diferentes formas de controle, com discursos religiosos e biomédicos monopolizando os
saberes sobre a deficiência nos últimos séculos.
A deficiência é um campo ainda pouco explorado no Brasil. Isso ocorre
principalmente porque: 1. a deficiência ainda não se libertou da autoridade biomédica, com
poucos cientistas sociais dedicando-se ao tema e 2. a deficiência ainda é considerada uma
tragédia pessoal, e não uma questão de justiça social (DINIZ, 2007).
O debate sobre a deficiência encontra dificuldade em alcançar a esfera pública e sua
atenção prevalece no âmbito familiar privado. O desafio em torno de justiça no campo da
deficiência, na análise de Diniz (2007), está tanto em afirmar a deficiência como um estilo de
vida, quanto em reconhecer a legitimidade de ações distributivas e de reparação da
desigualdade em seus aspectos sociais e de cuidados biomédicos.
A deficiência é um tema emergente para as políticas públicas, particularmente as de
caráter distributivo e de proteção social (MEDEIROS et. al, 2006). O ponto de partida das
negociações políticas deve ser o trato da deficiência como instrumento de justiça social, e
não somente como questão familiar ou individual. Nesse sentido, é importante saber o que é
a deficiência, uma terminologia que ainda se encontra num patamar de imprecisão
conceitual.

1.2 Termos, Definições e Conceitos sobre a Deficiência

Ao longo dos séculos, os termos que geralmente empregamos para designar as


pessoas com deficiência estiveram carregados preconceitos e discriminações, intensificados
pela noção de que a condição em que as pessoas com deficiência se encontram é imutável.
Os conceitos apontam para ideias deterministas, provocando emoções que vão desde a
compaixão até a rejeição, o que contribui para uma espécie de desesperança a respeito das
possíveis mudanças. Certo é que cada novo termo vem acompanhado da justificativa de
ampliar o conceito de deficiência, na intenção de evitar conotações pejorativas.
21
Vários são os termos para se referir às pessoas que têm algum tipo de deficiência. O
debate científico sobre a deficiência informa que ninguém porta ou carrega sua deficiência,
apenas a tem (DINIZ, 2007). Nesse momento, queremos problematizar no sentido de
conhecer qual é o termo apropriado – portador de deficiência, pessoa portadora de
deficiência ou portador de necessidades especiais ou outro termo – para ser utilizado entre
as pessoas que possuem alguma deficiência.
Isso é de difícil resposta. Vários autores afirmam que não existe um único termo
correto, válido definitivamente. A razão disto reside no fato de que a cada época são
utilizados termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada
sociedade enquanto esta evolui em seu relacionamento com as pessoas que possuem uma
deficiência.
O termo deficiente é originário do latim deficiens, o que significa insuficiente,
insatisfatório, medíocre. O termo é um adjetivo atribuído a uma pessoa que tem diminuídas
as faculdades físicas ou intelectuais.
O portador de necessidades especiais é um termo mais utilizado pelo sistema
educacional, quando quer referir-se a alunos com necessidades educativas especiais.
Segundo Diniz (2007), esse termo é muito amplo porque uma pessoa que usa óculos, por
exemplo, tem uma necessidade especial.
Tão difícil quanto apontar um termo apropriado para as pessoas que sofrem
opressão pelo corpo, é definir o que é a deficiência. O modelo hegemônico foi o biomédico
que, de acordo com Diniz (2007), define a deficiência com uma característica individual, uma
anomalia humana que deve ser tratada, reconhecendo na lesão a primeira causa da
desigualdade social e das desvantagens vivenciadas pelas pessoas com deficiência,
ignorando o papel das estruturas sociais que fundamentam o sentido de exclusão, de
estigma e de não pertencimento.
No entanto, houve uma evolução no entendimento da concepção de deficiência nas
últimas décadas, sobretudo das condições sociais e dos direitos sociais referentes às
pessoas com deficiência, bem como das responsabilidades do poder público e da
sociedade.
As legislações são importantes meios para a garantia dos direitos das pessoas com
deficiência, principalmente no que se refere à inserção ao mundo do trabalho, à saúde, à
educação, dentre outros direitos sociais necessários para a reparação das desigualdades
daqueles que experimentam a deficiência. Nesse sentido, essas legislações precisavam
informar quem era a pessoa com deficiência.
A LOAS/1993 aponta que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a
vida independente e para o trabalho, um conceito que permite identificar qual a pessoa com

22
deficiência possui o direito ao BPC.
O Decreto n0. 1.744/1995, que regulamentava o BPC, definiu como pessoa com
deficiência “aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de
anomalias ou lesões irreversíveis, de natureza hereditária, congênita ou adquirida que
impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho” (BRASIL, 1995). O
Decreto de 1995 restringiu o conceito ao colocar a irreversibilidade da lesão ou anomalia e
ao definir como sinônimo de incapacidade de vida independente o não desempenho das
atividades da vida diária e do trabalho.
A Resolução n0. 48/1996 da Organização das Nações Unidas (ONU), que aprovou as
Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de
Deficiência, em seu art. 17, considera como deficiência “a perda ou limitação de
oportunidades de participar da vida comunitária em condições de igualdade com as demais
pessoas” (ONU, 1996). Essa Resolução já apontou a necessidade da participação social,
teve como objetivo conscientizar sobre a importância da adequação do meio físico capaz de
propiciar uma participação social em condições de igualdade com os demais cidadãos.
Já na Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 28 de maio de 1999, a
Convenção da Guatemala, deficiência significa “uma restrição física, mental ou sensorial, de
natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e
social” (CONVENÇÃO DA GUATEMALA, 2006).
O Decreto n0. 3.298/1999 definiu deficiência como sendo “perda ou anormalidade de
uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade para o
desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”
(BRASIL, 1999). Esse Decreto considera pessoa com deficiência aquela que apresenta, em
caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades dentro
do padrão considerado normal para o ser humano. Aqui há uma aproximação latente de um
conceito moral embasado na normalidade.
A Convenção n0. 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da
readaptação profissional e do emprego de pessoas com deficiência, ratificada pelo Brasil,
conceitua pessoa com deficiência como “toda pessoa cujas perspectivas de conseguir e
manter um emprego conveniente e de progredir profissionalmente são sensivelmente
reduzidas em virtude de uma deficiência física (aqui incluídas as deficiências sensoriais) ou
mental devidamente reconhecida” (OIT, 2001).
O Decreto n0. 3.956/2001 aplica uma definição mais ampla de deficiência: “restrição

23
física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade
de exercer uma ou mais atividade essencial da vida diária, causada ou agravada pelo
ambiente econômico e social” (BRASIL, 2001). A deficiência, portanto, diz respeito à
alteração em um órgão ou estrutura do corpo humano que resulta nas restrições citadas,
limitando a capacidade de exercer atividades da vida diária, causada ou agravada pelo
ambiente, envolvendo também aspectos sociais e econômicos.
De acordo com o Decreto n0. 5.296, de 02 de dezembro de 2004, pessoas com
deficiência são aquelas que possuem limitações ou incapacidades para o desempenho de
atividades. As limitações são enquadradas tecnicamente em categorias: a) deficiência física;
b) deficiência auditiva; c) deficiência visual; d) deficiência mental; e) deficiência múltipla
(BRASIL, 2004).
Em nível mundial, os movimentos sociais de pessoas com deficiência estão em
debate para identificar qual o termo que as pessoas com deficiência desejam ser
reconhecidas. A nomenclatura sugerida pela ONU, por meio da Convenção Internacional
para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, assinado
em Nova York em 2007, para caracterizar uma pessoa com deficiência passou a ser apenas
“pessoa com deficiência”.
No Brasil, o texto da Convenção de 2007 da ONU, que trata sobre os direitos das
pessoas com deficiência, foi aprovado por meio do Decreto Legislativo n 0. 186, de 9 de julho
de 2008. A Convenção, conforme o procedimento do § 3º. do Art. 50. da CF/1988, é
equivalente à emenda constitucional, uma vez que se trata de uma convenção internacional
sobre direitos humanos que foi aprovada, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.
Em 2009, a Convenção foi, então, promulgada no Brasil por meio do Decreto n0.
6.949, de 25 de agosto de 2009 e possui status de Constituição. O Decreto afirma que

Art. 1º. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009b).

Esse Decreto de 2009 defende um conceito de deficiência de acordo com a evolução


histórica e as diferentes dimensões presentes (biológica, econômica, social, política,
cultural), entendendo a deficiência em sua complexidade e em suas multideterminações.
Os princípios básicos para se chegar ao termo pessoas com deficiência são: 1. não
esconder ou camuflar a deficiência; 2. não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo
mundo tem deficiência; 3. mostrar a realidade da deficiência; 4. valorizar as diferenças e
necessidades decorrentes da deficiência; 5. combater neologismos e expressões que

24
tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com
deficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”,
“pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós
somos imperfeitos”; 6. defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais
pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades
para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades
especiais, que não devem ser ignoradas; 7. identificar nas diferenças todos os direitos que
lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a
sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou
incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com
deficiência).
Wendell (1996) informa sobre a necessidade de avançar na definição de deficiência,
a fim de incorporar no debate, por exemplo, as experiências de doenças crônicas que
limitam as atividades das pessoas. De acordo com a autora, as maiores causas de
deficiências nos países de “primeiro mundo” são em pessoas idosas e por doenças
crônicas, como: artrite, reumatismo, problemas do coração e respiratórios, mal de
Parkinson, hipertensão e epilepsia.
Por fim, é importante debater a definição de deficiência, pois isso contribui para o
reconhecimento das pessoas com deficiência como seres humanos e para a organização
política a fim de pressionar o Estado para garantir um efetivo acesso aos direitos sociais
para todos que sofrem opressão pelo corpo.

1.3 A Pessoa com Deficiência no Curso da História

Foi somente após a Segunda Guerra Mundial, principalmente devido à reabilitação


dos soldados americanos feridos, que as pessoas com deficiência começaram a entrar na
agenda de debates nas ciências sociais, embora ainda de forma incipiente. Por mais de
vinte séculos, as pessoas com deficiência foram invisíveis, segregadas, excluídas,
discriminadas (CLEMENTE, 2004).
Nas sociedades pré-capitalistas, o desenvolvimento das forças produtivas não
mercantilizado pelo capital foi a característica principal das sociedades primitivas, o que
levava a grande maioria dos homens a viverem no nomadismo, em que suas condições de
existência estavam totalmente na dependência do que a natureza lhes proporcionava, ou
seja, a coleta de frutos, a caça e a pesca, no que se refere à alimentação, e as cavernas no
tocante a abrigos. Devido ao caráter cíclico da natureza naquela época, os deslocamentos
do grupo eram constantes. "Em função desta prática, abandonavam aqueles que não

25
pudessem mover-se com agilidade, ou que tivessem alguma diferença que impedisse sua
mudança de um lugar para outro com rapidez" (BIANCHETTI, 1998, p. 27). Dentre estes
abandonados, encontravam-se pessoas com deficiência.
De acordo com Silva (1986), existiam alguns destinos para as pessoas com
deficiência na Antiguidade. Nos lugares onde ocorria grande concentração humana, as
pessoas com deficiência eram utilizadas para mendigar ou para serem ridicularizadas em
espetáculos circenses, passando a ter algum valor mercantil. Na intenção de explorar as
pessoas com deficiência, "existia em Roma um mercado especial para compra e venda de
homens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões, hermafroditas" (DURANT
apud SILVA, 1986, p. 130).
No entanto, ainda na Antiguidade, as pessoas com deficiência, em alguns lugares,
eram consideradas inúteis e amaldiçoadas, motivos que as levavam à morte. As leis
romanas autorizavam os pais a matarem os filhos com deficiência. Na Grécia, as pessoas
com deficiência eram lançadas em abismos, pois contrariavam as expectativas da
sociedade que cultivava os ideais da estética corporal (SASSAKI, 1997).
É na Idade Média que ocorreu uma guinada no tratamento daqueles que tinham
alguma deficiência. A Igreja Católica começa a difundir que todas as pessoas eram criaturas
de Deus, assim, as pessoas com deficiência deixavam de ser mortas para serem
abandonadas ou dependentes da caridade alheia para garantir sua sobrevivência. As
pessoas com deficiência eram abrigadas nas casas de assistência médica, pois agora elas
“mereciam” atenção caritativa, eram objetos merecedores de algum tipo de cuidado (SILVA,
1986).
Com a expansão marítima e comercial do século XVI, as pessoas com deficiência
passavam despercebidas ou ficavam isoladas em casas de saúde, fundadas por ordem do
rei ou por conservatórios das Igrejas Jesuíticas. Naquela época, elas desempenhavam
funções escravocratas, envolvendo trabalhos manuais ou permaneciam recolhidas por
pessoas que se sensibilizavam as suas vulnerabilidades.
A mitologia, o espiritismo e a bruxaria dominaram a discussão sobre as pessoas com
deficiência nos séculos XVI e XVII, quando elas eram submetidas a perseguições e
encarceramentos, demonstrando claramente os valores da ordem social e seus violentos
mecanismos de controle social (SILVA, 1986). Esse modelo místico começou a ser
contestado a partir das descobertas geográficas do final da primeira metade do segundo
milênio que contribuíram para que ocorresse um gradativo aumento do mercado por
produtos manufaturados, a possibilidade de maior acumulação de capitais e o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, ampliando as condições do homem na luta para
dominar a natureza.

26
Essas transformações, que representaram o fim do feudalismo e o surgimento do
modo de produção capitalista, fizeram com que, aos poucos, os tradicionais costumes
medievais fossem perdendo força e, em seu lugar, nascesse a cultura da sociedade
moderna. Com o modo de produção capitalista, as relações humanas passaram a ser
organizadas em função de um processo produtivo voltado para a acumulação de lucros.
Nesse modo de produção, aqueles que não se ajustam à lógica do sistema de exploração,
passam a ser considerados como perturbadores da ordem social (HUBERMAN, 1995).
Dentre estes, encontram-se as pessoas com deficiência que passaram a ser internadas em
asilos, manicômios, hospícios. "O que ocorreu, na verdade, foi o isolamento daqueles que
interferiam e atrapalhavam o desenvolvimento da nova forma de organização social,
baseada na homogeneização e na racionalização" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 63).
O capitalismo traz profundas mudanças para as pessoas com deficiência. Como o
custo da institucionalização e da segregação das pessoas com deficiência era caro para o
Estado, inicia-se o discurso da autonomia e da produtividade das pessoas com deficiência. A
exploração da força de trabalho também chega àqueles que outrora eram considerados
inúteis.
Já no século XX, surgem vários inventos que materializaram a oferta de melhores
meios de trabalho e locomoção para as pessoas com deficiência, tais como cadeiras de
rodas e a escrita em Braille, o que contribuiu para a exploração, para melhoria da qualidade
de vida e para lucrar junto ao contingente de mutilados das guerras.
Apenas em meados do século XX houve a preocupação com a inserção das
pessoas com deficiência no mundo do trabalho. Segundo Cardoso (2006), esse fenômeno
revelou a precariedade da assistência oferecida aos mutilados da guerra, sem condições de
se sustentar e considerados não produtivos. Dessa época surge a ideologia da
normalização, ideologia que pregava a necessidade de “inserir” a pessoa com deficiência na
sociedade mais ampla, auxiliando-o a adquirir as condições e os padrões o mais próximo
possível da vida cotidiana das demais pessoas (SILVA, 1986). Assim, começou-se a
defender a ideia de que as pessoas com deficiência têm os direitos de qualquer cidadão,
com qualidade de vida e inclusão no trabalho.
Estamos no século XXI e presenciamos a intensificação dos movimentos de defesa
dos direitos das pessoas com deficiência, buscando atender suas necessidades e melhorar
sua qualidade de vida. Apesar de todos os avanços, as pessoas com deficiência parecem
ainda não existirem na sociedade. Eles seguem vivendo com uma noção de diferença
relacionada com ideias de normalidade que se interpretam como divergências, infâmias,
estereótipos, preconceitos ou discriminações.
Certo é que o ainda hegemônico modelo médico da deficiência tem uma parte de

27
responsabilidade nessa realidade atual, está ligada a estereótipos ou preconceitos
decorrentes da caracterização patológica de deficiência em todas as práticas gerais e
narrativas que são utilizadas até hoje. O debate da “inclusão social” está na ordem do dia e
busca nortear todo o sistema de proteção institucional das pessoas com deficiência no
Brasil. É preciso que todos saibamos que as pessoas com deficiência foram tão
negligenciadas ao longo da história que a luta delas é pelo direito de existir enquanto
cidadãs nos marcos da justiça social, num Estado laico de direito (DINIZ, 2007). Isso revela
um entendimento da realidade que grita existir um débito social histórico a ser resgatado às
pessoas com deficiência no mundo.

1.4 O Modelo Médico de Deficiência

A narrativa biomédica foi a primeira guinada para a garantia dos direitos às pessoas
com deficiência no século XIX. Antes uma expressão do azar ou do pecado, os
impedimentos físicos, sensoriais ou cognitivos da pessoa com deficiência passaram a ser
explicados com base na embriologia e na genética, e surgiram soluções nos campos da
cirurgia ou da reabilitação (HUGUES apud BARBOSA et. al, 2009).
O modelo médico de Deficiência é um conjunto de ideias expostas pelos profissionais
de saúde, particularmente pelos médicos, que há três séculos se ocuparam em estabelecer
uma classificação de enfermidades (DINIZ, 2007), um forte discurso sobre o indivíduo, uma
reflexão reduzida numa comparação a partir de um padrão corporal de normalidade
(FOUCAULT, 1994).
O corpo com impedimentos tornou-se alvo do poder biomédico, cujo principal
objetivo era normalizá-lo. A cultura da normalidade ganhou fôlego com os saberes
biomédicos, que, ao explicarem a deficiência em termos científicos, apresentavam
alternativas para a sobrevivência em uma regra de exclusão a bens e serviços pela
diferença (BARBOSA et. al, 2009).
Este modelo está embasado por estudos e investigações sobre a etimologia da
palavra patologia que é a manifestação no corpo e no organismo dos sujeitos, mediando
concepção linear que ocorre em si mesmo na ideia do encadeamento entre a causa e os
efeitos, com uma perspectiva determinista e permanente.
Os indivíduos que experimentavam a deficiência eram considerados anormais e
necessitavam exclusivamente de acompanhamentos médicos para correções de suas
lesões. A deficiência é detectada por uma mensuração de um padrão de normalidade, é um
prejuízo social resultante de um azar individual.
No entanto, não há como descrever um corpo com deficiência como anormal. A

28
anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre os estilos de vida
conforme alerta Diniz (2007).
Discordar no entendimento da deficiência como algo anormal não significa ignorar
que um corpo com lesão necessite de cuidados médicos ou de reabilitação. É inegável que
os avanços biomédicos proporcionaram melhoria na qualidade de vida das pessoas com e
sem deficiência. Afirmar a deficiência como um estilo de vida não é resultado exclusivo do
progresso médico, é uma afirmação ética que desafia nossos padrões de normal e
patológico.
No modelo médico, a deficiência é um problema da pessoa, consequência de
qualquer problema de saúde que necessita de cuidados médicos. Esses cuidados visam à
cura, à adaptação do indivíduo ou à alteração do seu comportamento. Os cuidados médicos
são suficientes, apenas se considera o fator biológico na amplitude existente no fenômeno
da deficiência. É esse o modelo que tem se consolidado no campo das ciências naturais
(GUEDES et. al, 2006).
Foram as ciências médicas que criaram termos e conceitos que apontam as doenças
e lesões de forma restrita, excluindo a subjetividade humana. Esse pensamento ignora as
questões culturais, sociais e psicológicas que escapam ao biológico.
Tanto a diferenciação quanto a objetivação da lesão são práticas das ciências
médicas (MEDEIROS et. al, 2006). Um exemplo dessa objetividade médica é a publicação,
em 1980, da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens
(CIDID) pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (DINIZ, 2007; CHAGAS, 2006), um
manual de classificação das enfermidades.
A CIDID codificou as doenças e lesões para sistematizar a linguagem biomédica
baseando-se no modelo médico de deficiência, baseou-se em três principais conceitos que
descreviam em uma sequência linear as condições decorrentes da lesão: lesão-deficiência-
handicap (DINIZ, 2007).

Lesão: é qualquer perda ou anormalidade psicológica, fisiológica ou anatômica de


estrutura ou função;

Deficiência: é qualquer restrição ou falta resultante de uma lesão na habilidade de


executar uma atividade de maneira ou da forma considerada normal para os seres
humanos;

Handicap: é a desvantagem individual, resultante de uma lesão ou deficiência, que


limita ou dificulta o cumprimento do papel considerado normal (WHO, 1980).

No manual, há uma relação de dependência entre esses três termos, uma vinculação
à ideia de doença. O modelo médico coloca a deficiência como resultado de uma lesão no
corpo de um indivíduo. Deficiência é sinônimo de lesão. A CIDID medicalizou a deficiência
(WILLIAMS, 2001). No documento, tanto o conceito de handicap, como lesão e deficiência
29
são considerados inadequados.
Os conceitos de lesão e deficiência na CIDID são embasados em estatísticas de
normalidade, em curas de variação sobre os padrões dos corpos. Para a CIDID, lesão era
uma condição necessária à deficiência, uma conexão que fundamentava a deficiência em
termos exclusivamente biológicos: era a natureza quem determinava a desvantagem, e não
os sistemas sociais e econômicos.
A CIDID ganhou força nos debates sobre a deficiência no mundo, houve uma
valorização da autoridade do discurso médico com a devolução da deficiência ao campo das
doenças ou consequências de doenças.
O modelo médico surgiu da necessidade de saber mais sobre as consequências das
enfermidades, seria um manual de referência para as áreas médica, política e social. Muito
embora tivesse essa pretensão, esse modelo é parcial e não conseguiu compreender a
magnitude da deficiência em termos sociológicos, políticos e econômicos.
Para o modelo médico, a lesão leva a deficiência e pode gerar algumas condições de
dependência, o que contribui para a personificação da pessoa com deficiência como incapaz
no imaginário social coletivo. Parece que o modelo médico coloca em relevo a condição de
dependência permanente, como se as pessoas com deficiência não pudessem ser autoras
de seus próprios projetos de vida, representando um problema para a sociedade em que
vivem.
É preciso debater o real significado implícito no modelo médico e os efeitos
perversos que estão se assumindo no Estado e na sociedade. Nesse sentido, várias foram
as publicações na intenção de denunciar a fragilidade da CIDID para o enfrentamento da
questão política da deficiência. Oliver e Barnes (1998), então, apontam cinco críticas a
CIDID: 1. o documento foi produzido por pessoas que não tinham experiência na deficiência,
mas apenas sobre a deficiência, gerando uma fronteira ética importante; 2. a tipologia da
CIDID baseava-se em pressuposições de normalidade, numa aproximação com
fundamentos morais no debate sobre a deficiência; 3. existe um equívoco entre lesão e
deficiência, numa imprecisão no sistema classificatório, o qual pressupunha que as
desvantagens experimentadas pelas pessoas com deficiência resultavam exclusivamente
das lesões; 4. a intervenção no corpo deficiente aproximava deficiência de doença, um
corpo que precisava exclusivamente ser medicalizado; 5. a origem das desvantagens é na
lesão, sendo apenas o corpo com lesão que necessitava de enfrentamento, numa análise
individual e não sociológica, tendo implicações políticas na esfera da saúde pública.
A compreensão da deficiência pela CIDID era de uma limitação corporal resultante de
uma tragédia particular que necessitava de medidas sanitárias de reabilitações (DINIZ,
2007). Essa compreensão da deficiência recebeu várias críticas dos estudiosos do modelo

30
social de deficiência que propunham o entendimento da deficiência por aspectos sociais.
Devido às diversas críticas, a OMS iniciou um processo de revisão da CIDID a partir da
década de 1990 que resultou na publicação, em 2001, da CIF (DINIZ, 2007). Esse novo
documento substituiu a ênfase negativa da deficiência por uma descrição neutra das
estruturas corporais e seu funcionamento, considerando também a experiência da
deficiência na realidade social (CHAGAS, 2006). Como queremos um debate da deficiência
a partir da perspectiva da diversidade, nós devemos sim reconhecer as normatizações
médicas e ir além, sendo preciso conhecer os fatores sociais, econômicos, políticos e
culturais com os quais as pessoas com deficiência convivem.

1.5 O Modelo Social de Deficiência

O “modelo social da deficiência” é uma discussão sobre políticas de bem-estar e de


justiça social para as pessoas com deficiência (BARBOSA et. al, 2009). A deficiência sai da
exclusividade do discurso biomédico e entra para o campo das Ciências Humanas e Sociais
a partir da década de 1970, por meio de um movimento de pessoas com deficiência que
surge no Reino Unido, o que deu início ao “modelo social da deficiência”. O eixo do debate
sobre a deficiência foi modificado: o que antes era uma tragédia pessoal, passa a ser
entendido como uma forma de opressão social (OLIVER e BARNES, 1998). Assim, segundo
os teóricos do modelo social da deficiência, a deficiência deveria ser compreendida como
consequência de estruturas sociais pouco sensíveis às diferenças corporais e não como um
resultado de suas lesões (DINIZ, 2007; BARBOSA et. al, 2009).
Ocorreu uma transformação no conceito de deficiência a partir da Liga dos Lesados
Físicos Contra a Segregação (Upias), a primeira organização de pessoas com deficiência a
ser formada e gerenciada por pessoas com deficiência, foi um movimento político das
pessoas com deficiência (MEDEIROS e DINIZ, 2004). A ideia de formar a organização foi do
sociólogo Paul Hunt, que resolveu escrever uma carta ao jornal inglês The Guardian na
intenção de criar um grupo de discussão sobre a deficiência:

Senhor editor, as pessoas com lesões físicas severas encontram-se isoladas em


instituições sem as menores condições, onde suas idéias são ignoradas, onde estão
sujeitas ao autoritarismo e, comumente, a cruéis regimes. Proponho a formação de
um grupo de pessoas que leve ao parlamento as idéias das pessoas que, hoje,
vivem nessas instituições e das que potencialmente irão substituí-las.
Atenciosamente, Paul Hunt (DINIZ, 2007, p. 15).

Nesse primeiro momento, existia uma compreensão da deficiência a partir do


conceito de estigma proposto por Goffman. O estigma é uma marca social que certos
indivíduos carregam por possuírem características diversas daquelas padronizadas por uma

31
sociedade. O autor diferencia três tipos de estima: 1. as abominações do corpo; 2. as culpas
de caráter individual; e 3. os estigmas de raça, nação e religião. O conceito de deficiência
proposto pelo modelo social corresponderia ao primeiro tipo de estigma. O corpo com
deficiência está à margem do padrão corporal estabelecido e, por não se adequar às normas
sociais, é estigmatizado (GOFFMAN, 1988).
A Upias fundou o “modelo social de deficiência”, rejeitou a deficiência como um
problema individual, questionou a compreensão tradicional da deficiência, rompeu com o
entendimento de deficiência como uma tragédia pessoal, apresentou a deficiência como
uma questão eminentemente social. Nesse sentido, os objetivos da Upias eram

diferenciar natureza de sociedade pelo argumento de que a opressão não era


resultado da lesão, mas de ordenamentos sociais excludentes, na intenção de
dessencializar a lesão, denunciando as construções sociológicas que a descreviam
como desvantagem natural; e assumir a deficiência como uma questão sociológica,
retirando-a do controle discursivo dos saberes biomédicos, isto é, o tema da
deficiência não deveria ser matéria exclusiva dos saberes biomédicos, mas de ações
políticas e de intervenção do Estado (DINIZ, 2007, p. 18).

Dois foram os argumentos que deram origem ao que hoje é conhecido como modelo
social da deficiência. O primeiro é que o corpo ser lesado não determina e/ou explica o
fenômeno social e político da subalternidade das pessoas com deficiência. Explicar a
situação de opressão sofrida pelas pessoas com deficiência em termos das perdas de
habilidades provocadas pela lesão é confundir lesão com deficiência. A deficiência é um
fenômeno sociológico e lesão uma expressão da biologia humana. O significado da lesão
como deficiência é um processo estritamente social. Houve uma retirada da deficiência do
campo da natureza e sua transferência para a sociedade foi uma mudança revolucionária
(ABBERLEY, 1987).
A deficiência é um fenômeno sociológico, por isso a solução para os conflitos
envolvidos são da esfera política, não devendo se centrar na terapêutica. Isso é o central do
segundo argumento. Os primeiros teóricos do modelo social definiam-se em oposição a
todas as explicações individualizantes da deficiência, pois a deficiência não deveria ser
entendida como um problema do indivíduo, uma trajetória pessoal, mas como uma
consequência dos arranjos sociais pouco sensíveis à diversidade (ABBERLEY, 1987).
O marxismo foi a principal influência da primeira geração do modelo social da
deficiência. A deficiência era resultado do ordenamento político e econômico capitalista, que
delineava um tipo ideal de sujeito produtivo, era uma experiência vivenciada por pessoas
com lesões devido a arranjos sociais opressivos (DINIZ, 2007).
Conforme análise de Diniz (2007), Paul Abberley foi um teórico da primeira geração
que aproximou a compreensão da deficiência do fenômeno da opressão. A lesão não era um
produto da natureza, mas uma consequência das relações de produção capitalistas. Era a
32
divisão social do trabalho existente no capitalismo a responsável pelo aparecimento de
lesões e da deficiência. O entendimento da lesão como algo natural era para o modelo
social um entrave à consciência política das pessoas com deficiência.
O esforço do modelo social é informar que a deficiência não é um problema natural e
individual, mas uma manifestação da “Questão Social”, o que transfere a responsabilidade
pelas desvantagens das limitações corporais do indivíduo para a incapacidade da sociedade
em conviver com a diversidade humana (OLIVER, 1990). A deficiência deixa de ser um
problema trágico de ocorrência isolada de alguns indivíduos para ser abordada como uma
situação de discriminação coletiva e de opressão social para a qual a única resposta
apropriada é a ação política (OLIVER e BARNES, 1998).
Para Diniz (2007), a diferenciação entre lesão e deficiência foi uma grande inovação
trazida pelo modelo social da deficiência. O modelo social buscava diferenciar natureza e
sociedade, separando a relação de causalidade entre lesão e deficiência, buscava definir
deficiência como uma questão sociológica. Diferenciar lesão e deficiência contribuiria para
uma compreensão de que uma pessoa pode experimentar a deficiência sem ter lesões,
como pode ter alguma lesão e não experimentar a deficiência. A Upias assim redefiniu os
conceitos:

Lesão é a ausência parcial ou total de um membro, ou membros, organismo ou


mecanismo corporal defeituoso.

Deficiência é a desvantagem ou restrição de atividade provocada pela organização


social contemporânea, que pouco ou nada considera aqueles que possuem lesões
físicas e os exclui das principais atividades da vida social. A experiência da
deficiência é entendida como uma desvantagem resultante da discriminação de
sociedades pouco receptíveis a diversidade (DINIZ, 2007, p. 17).

A intenção era tornar os termos lesão e deficiência como distintos, o que contribui
para transferir o debate para o campo da organização social e política. Lesão seria uma
característica corporal e deficiência seria o resultado da opressão e da discriminação sofrida
pelas pessoas em função de uma sociedade que se organiza de uma maneira que não
permite incluí-las na vida cotidiana. Com a diferenciação dos conceitos, é possível uma
pessoa ter lesão e não experimentar a deficiência, o que dependerá do quanto a sociedade
esteja preparada para incorporar a diversidade (MEDEIROS e DINIZ, 2004). A partir dessa
redefinição, os teóricos do modelo social propunham compreender deficiência “como uma
experiência de opressão compartilhada por pessoas com diferentes tipos de lesões” (DINIZ,
2007, p. 22).
A crítica do modelo social não nasce para desqualificar a autoridade médica sobre os
impedimentos corporais, mas para denunciar o aspecto opressor da medicalização dos
corpos com impedimentos (DINIZ, 2007). Os defensores do modelo social concordavam que

33
a lesão deveria ser alvo de cuidados biomédicos, objetivando uma melhor qualidade de vida,
eles não recusavam os benefícios dos avanços biomédicos para o tratamento do corpo com
lesões. A ideia era ir além da medicalização da lesão e atingir as políticas públicas para a
deficiência.
A adoção do modelo social contribui para o entendimento de que as pesquisas e as
políticas sociais direcionadas à deficiência não podem concentrar-se apenas nos aspectos
corporais dos indivíduos para identificar a deficiência. Ao separar a deficiência da lesão,
abre-se espaço para mostrar que, a despeito da diversidade de lesões, há um fator que une
as diferentes comunidades de pessoas com deficiência em torno de um projeto político
único à experiência da exclusão.
Oliver (1990) informa que as pessoas com deficiência experimentam a deficiência
como uma restrição social, não importando se essas restrições ocorrem em consequência
de ambientes inacessíveis, de noções questionáveis de inteligência e competência social,
da inabilidade da população em geral para utilizar a linguagem de sinais, da falta de material
em braile ou das atitudes públicas hostis das pessoas que não têm lesões corporais visíveis.
Já sabemos que os sistemas sociais opressivos levavam pessoas com lesões a
experimentarem a deficiência. No entanto, era preciso deixar claro o quê o modelo social
entendia por opressão pela deficiência. Nesse sentido, o objetivo de Abberley era duplo:
diferenciar opressão de exploração e apresentar a lesão como uma consequência perversa
do capitalismo.
“Os argumentos de Abberley tinham uma relação de causalidade: capitalismo-lesão-
deficiência” (DINIZ, 2007, p. 24). Ele utilizou estatísticas de saúde que apresentava que 31%
dos casos mais severos de deficiência eram provocados por artrite. Diante da autoridade do
argumento biomédico, o caso da artrite era fantástico. Assim, Abberley lançou os
fundamentos do modelo social: 1. não se deve explicar o fenômeno da deficiência pela
esfera natural ou individual, mas pelo contexto socioeconômico no qual as pessoas com
lesão vivem; 2. é preciso estender os conceitos de lesão e deficiência a outros grupos
sociais, como os idosos (DINIZ, 2007).
A proposta de Abberley foi uma teoria social da lesão, cujo fundamento era a
estrutura do capitalismo, em especial o ordenamento social em torno do trabalho produtivo.
Ele inclui, na categoria pessoas com deficiência, grupos não considerados como tal, como
os idosos. A aproximação da deficiência ao envelhecimento foi um argumento estratégico
adotado pelos teóricos do modelo social, na tentativa de ampliar a representação
populacional, reconhecendo as demandas das pessoas com deficiência como demandas de
justiça social (MEDEIROS e DINIZ, 2004).
Com toda essa discussão, foi construída uma teoria da deficiência como opressão

34
pautada em cinco argumentos: 1. a ênfase nas origens sociais das lesões; 2. o
reconhecimento das desvantagens sociais, econômicas, ambientas e psicológicas
provocadas nas pessoas com lesões, bem como a resistência a tais desvantagens; 3. o
reconhecimento de que a origem social da lesão e as desvantagens sofridas pelas pessoas
com deficiência são produtos históricos e não resultado da natureza; 4. o reconhecimento do
valor da vida das pessoas com deficiência, mas também a crítica à produção social das
lesões; 5. a adoção de uma perspectiva política capaz de garantir justiça às pessoas com
deficiência.
A partir dos anos de 1990 as críticas feministas começaram a compor o debate sobre
deficiência e configuraram a segunda geração de estudiosos do modelo social de deficiência
(TOMAS e CORKER, 2004). Assim como as pessoas com deficiência eram oprimidas devido
ao corpo com lesões, as mulheres eram oprimidas por causa do sexo e, dessa forma, as
feministas encontraram na oposição à desigualdade uma aproximação argumentativa no
debate sobre deficiência (DINIZ, 2007).
A afirmação de que os limites eram apenas sociais e não do indivíduo foi o ponto de
partida das críticas feministas à primeira geração do modelo social de deficiência (THOMAS
e CORKER, 2004; DINIZ, 2007). O objetivo foi ampliar o fenômeno da deficiência por meio
da relação com outras variáveis de desigualdade, como raça, gênero, orientação sexual ou
idade (THOMAS e CORKER, 2004). Foram as feministas que discutiram a necessidade de
reconhecer os limites corporais, as dores e o sofrimento de determinadas lesões, pois era
preciso reconhecer as particularidades do modo de vida da pessoa com deficiência, que é o
corpo com lesão (DINIZ, 2007).
A deficiência, de acordo com o modelo social, é resultado de um processo histórico
que incorporou as ideias e experiências dos movimentos sociais de pessoas com
deficiência, as influências dos referenciais teóricos do materialismo histórico e das críticas
feministas. O conceito de deficiência é complexo e está expresso na variedade de
interpretações e experiências em torno do corpo e da relação deste com o ambiente
(MEDEIROS et. al, 2006).
Em consequência das discussões acerca do modelo social das últimas décadas, a
OMS lançou a CIF que apresenta o fenômeno da deficiência e da incapacidade tanto pela
função e/ou estrutura do corpo quanto sua participação social. A funcionalidade e as
incapacidades do indivíduo são determinadas pelo contexto ambiental e participação social
onde a pessoa vive. A CIF representa uma nova maneira de se pensar a deficiência, é um
instrumento importante para a avaliação das condições de vida e para a promoção de
políticas de inclusão (FARIAS e BUCHALLA, 2005).
A funcionalidade é o principal termo no modelo da CIF, cobre os componentes de

35
funções e estruturas do corpo, atividade e participação social, é utilizada em contraposição à
incapacidade como aspecto negativo. A CIF informa que incapacidade é

resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica


e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na
participação social, além dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores
ou como barreiras para o desempenho dessas atividades e da participação social
(WHO, 2001).

A CIF é baseada numa abordagem biopsicossocial que incorpora os componentes de


saúde nos níveis corporais e sociais, é dividida em cinco componentes que interagem entre
si: as funções e estruturas do corpo, a atividade social, a participação social, os fatores
ambientais e os fatores pessoais (WHO, 2001).
A utilização do modelo da CIF na saúde pública, segundo Farias e Buchalla (2005),
pode fornecer as bases para políticas e disciplinas em relação à população com deficiência,
pois o reconhecimento da contribuição do meio ambiente sobre as pessoas com deficiência,
agindo como barreiras ou facilitadores no desempenho de suas atividades e na participação
social, mudou o foco do problema da natureza biológica individual para a interação entre a
disfunção apresentada e o contexto ambiental onde as pessoas estão inseridas.
Ainda hoje não há unicidade no que se entende por pessoa com deficiência
(ALBRECHT; SEELMAN; BURY, 2001). No entanto, as últimas décadas revelaram o
entendimento de que a deficiência não pode ser identificada apenas por atributos corporais
dos indivíduos, devendo ser entendida como resultado da interação dos atributos corporais,
atributos socioeconômicos e o meio em que vive a pessoa (DINIZ, 2007; BARNES; OLIVER;
BARTON, 2002). Nesse sentido, é o modelo social da deficiência que representa um avanço
no debate sobre a deficiência em nível mundial, evidencia a necessidade de problematizar a
relação de um corpo com lesão com as estruturas sociais existentes, sendo necessária uma
relação com a política, a economia, o social. Após essa discussão, é importante conhecer
quem são as pessoas que sofrem a opressão pelo corpo no Brasil, saber sobre esse
segmento populacional que por muitas décadas foram invisíveis na sociedade e que lutam
por justiça, liberdade, equidade.

1.6 O Fenômeno da Deficiência no Brasil

A mais importante coleta de dados das pessoas com deficiência no Brasil é datada
do ano 2000, último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Antes desse censo, existiram formas distintas de coleta de dados e outras
perspectivas sobre a deficiência.
As contagens populacionais de 1872 e de 1900 e o Censo Demográfico de 1920
36
buscaram conhecer o contingente das pessoas com deficiência visual e auditiva no Brasil.
Em 1872, existiam 0,16% de pessoas cegas e 0,12% de surdos. Em 1900, existiam 0,18%
de cegos e 0,07% de surdos. No censo de 1920, esses números aumentaram para 0,30%
de cegos e 0,26% de surdos, todos esse dados em relação à população total (NÉRI e
SOARES, 2003).
O censo de 1940 foi um pouco além, buscou analisar a natureza da cegueira e da
surdez, detectou em que idade a deficiência foi adquirida. Com esse estudo, percebeu-se
que quanto maior a idade, maior é a possibilidade de se experimentar a deficiência.
Em 1981, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (PNAD) abrangeu um
universo maior das deficiências: cegueira, surdez, surdo-mudez, retardamento mental, falta
de membro, paralisia total, paralisia de um dos lados do corpo, outros tipos de deficiências,
mais de um tipo de deficiência. A PNAD/1981 concluiu que cerca de 1,78% da população
brasileira tinha alguma deficiência. Já o Censo de 1991 utilizou o mesmo universo de
deficiências da pesquisa de 1981 e o resultado foi que 1,15% da população brasileira tinha
alguma deficiência (NÉRI e SOARES, 2003).
O Censo de 2000 utilizou uma nova metodologia, incluindo pessoas com alguma
incapacidade de ouvir e enxergar, bem como limitações físicas e mentais em níveis
diferenciados. O Censo revelou que 14,5% da população brasileira apresentavam algum tipo
de deficiência, o que correspondia a 24,5 milhões de pessoas (IBGE, 2000). Esse grande
aumento estatístico não se referiu a um aumento do número de pessoas com deficiência no
Brasil. A grande diferença percentual foi por conta da mudança nos mecanismos de coleta
de dados que passou a considerar não apenas lesões graves, mas as dificuldades física,
motora, visual, sensitiva e mental em diferentes dimensões. A tabela 1 revela os resultados
do Censo/2000 sobre a representação percentual em relação às lesões.

Tabela 1 – Percentual da população total com alguma lesão pelo Censo 2000

LESÃO %
Dificuldade de enxergar 53,2
Dificuldade de caminhar 15,7
Dificuldade de ouvir 13,8
Deficiência mental 9
Tetraplegia,falta de um membro ou parte dele 4,3
Dificuldade permanente de caminhar 2,3
Dificuldade permanente de ouvir 0,7
Dificuldade permanente de enxergar 0,6
Paraplegia ou hemiplegia 0,4
Fonte: IBGE, 2000.

37
O Censo de 2000 revelou que as dificuldades de enxergar, de caminhar e de ouvir
representam 82,7% das lesões sofridas pelas pessoas com deficiência. Sob a perspectiva
de gênero, houve uma contagem de 13,1 milhões de mulheres com deficiência e 11,4
milhões de homens com deficiência, representados percentualmente no gráfico 1. As lesões
mais freqüentes entre as mulheres foram a dificuldade permanente de enxergar e de
caminhar (IBGE, 2000; CHAGAS, 2006).

Gráfico 1 – Representação percentual de pessoas com deficiência de acordo com o


gênero/sexo

Fonte: IBGE, 2000.

Segundo o Censo 2000, as pessoas com deficiência divididas por gênero/sexo


apontam uma ligeira predominância das mulheres. Do segmento de mulheres que possuem
algum tipo de deficiência, 46% não têm acesso a terapias e um terço é analfabeta ou
somam, no máximo, três anos de escolaridade.
Squinca (2006) informa que não é possível fazer uma análise das pessoas com
deficiência a partir de uma concepção homogênea, como se todos fossem iguais e tivessem
as mesmas necessidades, pois, assim, seria negada a existência de uma diversidade
corporal. Como exemplo, entre as pessoas com deficiência do sexo feminino, a relação de
subalternização é acirrada, existe a aglutinação entre duas categorias que sofrem
discriminação no capitalismo – pessoa com deficiência e mulher.
O Censo 2000, ao quantificar a porcentagem de pessoas com deficiência com o
recorte de idade, ilustrados no gráfico 2, revela-se que a porcentagem da população com
algum tipo de deficiência aumenta com a avanço da idade. A maior porcentagem fica entre
as pessoas com 50 anos ou mais, marcando 42,5% e a menor porcentagem é de 4,67%
entre as pessoas com 0 a 17 anos.

38
Gráfico 2 – Representação percentual das pessoas com deficiência com recorte de idade

Fonte: IBGE, 2000.

O Censo 2000 está de acordo com o entendimento de Medeiros e Diniz (2004) sobre
a relação entre deficiência e envelhecimento. Esses autores defendem um conceito de
deficiência para além de um problema individual, fruto de tragédia pessoal e colocam o
debate da deficiência para a esfera social e política, uma responsabilidade de todos,
principalmente porque vivemos num modo de produção que explora, exclui e discrimina. O
processo de envelhecimento, conforme já anunciado, é um exemplo paradigmático da
deficiência. A deficiência não é uma experiência limitada a uma minoria reduzida, mas um
fato ordinário e previsível no curso de vida das pessoas, assim como o envelhecimento. Os
autores mostram que a relação entre envelhecimento e deficiência é importante por várias
razões:

1. o envelhecimento vem acompanhado de algumas limitações nas capacidades


físicas e, às vezes, intelectuais mas, apesar do envelhecimento crescente de quase
todas as populações do mundo, na maioria delas pouco ou nada se tem feito para
que essas limitações não se tornem causa de deficiências; 2. na ausência de
mudanças na forma como as sociedades organizam seu cotidiano, todos seguem
em direção a uma fase da vida em que se tornarão pessoas com deficiência, o que
motiva, ainda que por meio da defesa de interesses egoístas, a melhoria das
políticas públicas voltadas à deficiência; 3. a interdependência e o cuidado não são
algo necessário apenas diante de situações excepcionais e sim necessidades
ordinárias em vários momentos da vida de todas as pessoas; 4. a previsibilidade do
envelhecimento permite entender que muito da deficiência é resultado de um
contexto social e econômico que se reproduz no tempo, pois a deficiência no
envelhecimento é, em parte, a expressão de desigualdades surgidas no passado e
que são mantidas (MEDEIROS e DINIZ, 2004, p. 18).

39
O Censo 2000 também observou a distribuição por cor das pessoas com deficiência.
A distribuição foi classificada de acordo com as nomenclaturas utilizadas pelo IBGE e
revelou a seguinte relação entre deficiência e raça/etnia.

Gráfico 3 – Pessoas com deficiência por raça/etnia

Fonte: IBGE, 2000.

Em relação ao aspecto da Educação, o Censo 2000 observou que a taxa de


alfabetização das pessoas que não tinham deficiência com 15 anos ou mais de idade foi de
87%. A taxa de 72% foi a observada entre as pessoas com deficiência (IBGE, 2000). Um
dado alarmante na relação pessoa com deficiência e escola é apontado pelo Censo 2000:
apenas 13% das pessoas com deficiência frequentavam a escola contra 34,7% de pessoas
que não tinham alguma deficiência com frequência escolar (CHAGAS, 2006). Nesse sentido,
é possível confirmar a desvantagem social das pessoas com deficiência na escola. A
educação é um direito social de todos, no entanto, de acordo com o Censo 2000, é um
direito que ainda é um desafio quanto à universalidade, um direito que não atende às
demandas das pessoas com deficiência.
A relação do trabalho com a deficiência também foi analisada pelo Censo 2000. A
participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho alcançou um índice de
38,6%, enquanto esse dado era expresso em 50% na situação das pessoas que não
possuíam deficiência (CHAGAS, 2006; IBGE, 2000). A questão do desemprego é um
problema da conjuntura política e econômica no Brasil, o que contribui para uma exclusão
de milhões de pessoas do trabalho e o não atendimento dos direitos da seguridade social.
Como um reflexo da questão do trabalho, a renda também é um problema no Brasil,
onde, de acordo com o Censo 2000, 44,5% da população de pessoas que não possuem
deficiência não recebem rendimentos, taxa superior a de 31% das pessoas com deficiência
40
(CHAGAS, 2006; IBGE, 2000). Chagas (2006) aponta que o motivo dessa prevalência dos
rendimentos das pessoas com deficiência deve-se ao BPC e à Renda Mensal Vitalícia
(RMV), recebidos por 1,5 milhão de pessoas com deficiência em 2006. Assim, 32% das
pessoas com deficiência recebem até um salário mínimo de rendimento, enquanto 15% das
pessoas que não possuem deficiência recebem esse mesmo rendimento, porém, em
relação às pessoas que recebem acima de cinco salários mínimos, 9,4% são pessoas com
deficiência e 11,6% são pessoas que não possuem deficiência (CHAGAS, 2006).
Um dos grandes desafios da relação trabalho e deficiência, apontado no Censo
2000, foi a dificuldade das pessoas com deficiência mental no ingresso no mercado de
trabalho. Segundo o Censo, 19% das pessoas com deficiência mental permanente estão
inseridas no mercado de trabalho e, em relação às outras deficiências, temos os seguintes
percentuais de inclusão no mercado trabalho: 41% das pessoas com dificuldade para
enxergar, 34% das pessoas com dificuldade de audição, 25% das pessoas com alguma
incapacidade física ou motora (IBGE, 2000; CHAGAS, 2006; NÉRI et. al, 2003).
Assim, com os dados apresentados, é possível concluir que existe uma relação de
desigualdade das pessoas com deficiência em relação às pessoas que não possuem
deficiência no Brasil. As pessoas com deficiência experimentam a exclusão no acesso a
diversas esferas da vida social: no trabalho, na educação, na renda, na acessibilidade.
Possuem os seus direitos básicos dificultados, e muitas vezes não atendidos, para além das
dificuldades das pessoas que não possuem deficiência porque ainda são várias as barreiras
impostas pela sociedade no próprio direito das pessoas com deficiência de estarem no
mundo. No entanto, é possível perceber um ligeiro avanço na perspectiva de “inclusão” na
vida social da deficiência como algo inerente à sociedade e na busca por igualdade, mesmo
que seja apenas a de oportunidade, por meio de algumas legislações de direito ao trabalho,
à acessibilidade, à educação, à renda. O BPC é um exemplo paradigmático do avanço na
relação deficiência e renda, é um benefício da política de assistência social, é um direito
para algumas pessoas que experimentam a deficiência no Brasil que iremos problematizar
no próximo capítulo.

41
CAPÍTULO 2

A TRAJETÓRIA DO BPC NO BRASIL

2.1 O Benefício de Prestação Continuada

A organização social do trabalho é o eixo estruturante da seguridade social que é


constituída de forma diferenciada em cada país, em decorrência de questões estruturais,
como o grau de desenvolvimento do capitalismo e de questões conjunturais, como a
organização da classe trabalhadora. A seguridade social brasileira, instituída na CF/1988,
incorporou princípios tanto da lógica do contrato (ou do seguro) do modelo alemão do
Chanceler Otto Von Bismarck quanto da lógica social do modelo inglês de William Beveridge
porque restringe a previdência social aos trabalhadores contribuintes, a saúde é universal e
limita a assistência social a quem dela necessitar. Esse mix em torno da seguridade social
no Brasil, que fica entre o seguro e a assistência, em um contexto de severa desigualdade
social, pobreza estrutural e fortes relações informais de trabalho, deixa sem acesso aos
direitos da seguridade social uma grande parcela da população (BOSCHETTI, 2006; 2009).
O BPC é parte da política de assistência social no Brasil, constitui transferência direta
de renda, independente de contribuição, o que aproxima a assistência social da garantia de
um padrão básico de atendimento de necessidades, de um direito incondicional. Indica a
direção de seu caráter universalizante (GOMES, 2008).
Historicamente, conforme Gomes (2008), as ações de assistência social para a
população idosa e pessoas com deficiência eram sinônimo de programas descontínuos,
incertos e desarticulados, marcados por características assistencialistas. Com o BPC,
iniciou-se um padrão de assistência social como certeza e regularidade, rompeu-se com o
tradicional campo de ações da assistência social em que predominava a ausência de regras
claras e definidas para acesso, dependente da disponibilidade financeira.
A partir do BPC ocorreu a primeira proteção social de massa na política de
assistência social, pois:

a) quebrou a tradicional regulação ad hoc, aquela operada caso a caso pelo


ajuizamento individual de técnicos sociais a partir de critérios pouco objetivos com
concessão no âmbito interno de uma instituição; b) introduziu a forma pública de
relação social do Estado no acesso a benefícios não contributivos no campo da
assistência social; c) afiançou a condição de certeza de acesso à atenção de idosos
e de pessoas com deficiência (SPOSATI, 2008, p. 125).

42
O BPC é um benefício em nível federal cuja operacionalização fica a cargo do INSS,
sob a coordenação do MDS. O benefício foi previsto na CF/1988 que estabeleceu o
seguinte:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de


deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL,
1988).

Após cinco anos de debates sobre a regulamentação da política de assistência


social, foi promulgada a LOAS/1993, uma lei que regulamentou os artigos 203 e 204 da
CF/1988 e dispõe sobre a organização da Assistência Social.
Foi a LOAS/1993 que apresentou os elementos constitutivos do BPC. Apesar de
instituído pela CF/1988 e regulamentado pela LOAS/1993, a implantação do BPC se deu
apenas em 1996 – oito anos após a sua inserção na CF/1988 e três anos após essa lei.
O BPC substituiu a RMV que era uma espécie de “braço assistencial” da previdência
e contribuiu para certa redução da pobreza absoluta dos idosos, pessoas com deficiência e
doentes crônicos. Segundo Gomes (1999), a inserção do BPC na CF/1988 realizou um
avanço em relação à RMV: com o BPC, não há exigência de quaisquer contribuições.
No entanto, com a substituição da RMV pelo BPC, constatam-se alguns problemas:
1. a solução de continuidade, pois os novos acessos à RMV foram interrompidos sem que
fosse iniciada a concessão do BPC; 2. o menor alcance e abrangência do BPC em relação à
RMV, uma vez que o primeiro possui critérios mais restritivos de acesso (GOMES, 2001).
Quando regulamentado pela LOAS/1993, o BPC teve seu alcance reduzido se
compararmos com a RMV: 1. inicialmente, a idade para acesso do idoso foi estipulada em
70 anos na LOAS/1993 e não em 65 anos conforme RMV; 2. houve uma restrição no
entendimento sobre deficiência: a RMV ia além da pessoa com deficiência incapacitada para
o trabalho e vida independente, alcançava pessoas com patologias crônicas (GOMES,
2008).
Após novas leis e decretos, o BPC, então, é reconhecido atualmente como o primeiro
benefício não contributivo garantido na CF/1988, é uma transferência de renda para idosos
com 65 anos ou mais ou pessoas com deficiência incapacitadas para a vida independente e
para o trabalho que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção e nem
de tê-la provida por sua família, o que representa uma comprovação de renda familiar per
capita inferior a um quarto de salário mínimo (R$ 127,50 em agosto de 2010). O valor do
benefício é igual a um salário mínimo mensal (R$ 510,00 em agosto de 2010). As
transferências não são vitalícias, são intransferíveis, independentes de contribuições prévias
43
para o sistema de seguridade social e não podem ser acumuladas a outros benefícios da
seguridade social com exceção da assistência médica e da pensão especial de natureza
indenizatória. É um benefício integrado às demais políticas setoriais, visa ao enfrentamento da
pobreza, à garantia da proteção social, ao provimento de condições para atender contingências
sociais e à universalização dos direitos sociais (BRASIL, 1993; 2007a; 2007d; 2008).
Entretanto, na análise de Gomes (2001), o BPC é bastante seletivo e focalizado
naqueles absolutamente incapazes de prover sua subsistência, os quais estão em situação
de vulnerabilidade social praticamente irreversível, considerando inclusive a renda per capita
exigida de um quarto de salário mínimo. Desse ponto de vista, o BPC se separou da
característica universalizante da assistência social.
BPC e renda per capita, a partir da LOAS/1993, passam a ser elementos
indissociáveis. Pereira (1998) afirma que a focalização revela o BPC como um direito
arbitrário, restrito, dependente de verificação de cumprimento dos critérios para acesso, de
um atestado de necessidade, o que contribui para a estigmatização dos beneficiários como
necessitados. O rigoroso critério de elegibilidade associado à inexistência de articulação
com outros programas e serviços, acaba por privilegiar o seu caráter emergencial,
constituindo-se numa “armadilha da pobreza” e, perversamente, reforço das desigualdades
sociais (PEREIRA, 1998).
Os parágrafos relativos ao art. 20 da LOAS/1993 procuram regulamentar mais
detalhadamente os critérios para acesso ao BPC:

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de


pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que
0
vivam sob o mesmo teto. (nova redação dada pela Lei n . 9.720/98).

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é


aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de


deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da
assistência média.

§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do Idoso ou do portador de


deficiência ao benefício.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo


realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social -
0
INSS. (nova redação dada pela Lei n . 9.720/98).

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do


beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu
encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (nova
0
redação dada pela Lei n . 9.720/98).

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo

44
requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos
previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (nova redação dada pela
0
Lei n . 9.720/98) (BRASIL, 1993).

Esses parágrafos apresentam uma série de elementos definidores dos termos


conceituais e dos parâmetros estabelecidos pela LOAS/1993 e que servem de base para a sua
operacionalização.
O BPC deverá ser requerido junto às agências da previdência social ou aos órgãos
autorizados para este fim (BRASIL, 2007a). Os formulários utilizados para o requerimento do
benefício serão disponibilizados pelo MDS, INSS, órgãos autorizados e em meios
eletrônicos oficiais.
Para fins de identificação da pessoa com deficiência e do idoso e de comprovação da
idade do idoso, deverá o requerente apresentar um dos seguintes documentos: 1. certidão de
nascimento; 2. certidão de casamento; 3. certificado de reservista; 4. carteira de identidade;
ou 5. carteira de trabalho e previdência social (BRASIL, 2007a).
A comprovação da renda familiar mensal per capita será feita mediante “Declaração
da Composição e Renda Familiar” em formulário próprio, assinado pelo requerente ou seu
representante legal, confrontado com os documentos pertinentes, ficando o declarante
sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou declaração falsa
(BRASIL, 2007a).
Os rendimentos dos componentes da família do requerente deverão ser
comprovados mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: 1. carteira de
trabalho e previdência social com as devidas atualizações; 2. contracheque de pagamento
ou documento expedido pelo empregador; 3. o Guia da Previdência Social – GPS no caso
de Contribuinte Individual; ou 4. extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida
por outro regime de previdência social público ou previdência social privada (BRASIL,
2007a).
A evolução nos números de idosos e pessoas com deficiência atendidos até maio de
2010 são bastante expressivos. Segundo o MDS, o BPC foi destinado a 346.219 idosos e
pessoas com deficiência em 1996, no seu ano de implantação. Em maio de 2010, o número
de beneficiários aumentou aproximadamente 842% em comparação a todo o ano de 1996,
sendo destinado a mais de 3,2 milhões pessoas no Brasil.

45
Quadro 1 – Evolução da quantidade de beneficiários do BPC no Brasil (1996-2010*)

Ano PcD % PcD Idosos % Idosos Total


1996 304.227 87,87 41.992 12,13 346.219
1997 557.088 86,25 88.806 13,75 645.894
1998 641.268 75,59 207.031 24,41 848.299
1999 720.274 69,76 312.299 30,24 1.032.573
2000 806.720 66,68 403.207 33,32 1.209.927
2001 870.072 64,97 469.047 35,03 1.339.119
2002 976.257 62,55 584.597 37,45 1.560.854
2003 1.036.365 60,92 664.875 39,08 1.701.240
2004 1.127.849 54,72 933.164 45,28 2.061.013
2005 1.211.761 53,21 1.065.604 46,79 2.277.365
2006 1.293.645 52,22 1.183.840 47,78 2.477.485
2007 1.385.107 51,67 1.295.716 48,33 2.680.823
2008 1.510.682 51,48 1.423.790 48,52 2.934.472
2009 1.563.970 51,17 1.492.302 48,83 3.056.272
2010* 1.688.881 51,78 1.572.743 48,22 3.261.624
Fonte: http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/download_beneficiarios_bpc.htm
*Dados de maio/2010

O quadro 1, que revela a evolução dos benefícios por categoria de usuário (idosos e
pessoas com deficiência), demonstra o desenvolvimento de uma proporção diferenciada ao
longo dos anos. No ano em que a operacionalização do benefício foi iniciada, os idosos
representavam apenas 12,13% do total de beneficiários, enquanto as pessoas com
deficiência representavam 87,87%. Os dados mais recentes evidenciam uma
proporcionalidade diferente, uma vez que os idosos representam aproximadamente 48,22%
do total dos beneficiários e as pessoas com deficiência representam aproximadamente
51,78%. As pessoas com deficiência ainda expressam a maior parte dos beneficiários
atendidos pelo BPC, no entanto podemos observar um crescimento significativo dos idosos
atendidos pelo programa.
Um componente que deve ser destacado para o aumento dos beneficiários idosos foi
a redução da idade limite: passou-se dos 70 anos no texto inicial da LOAS/1993 para 67
anos consequência da Lei n0. 9.720 de 1998 e para 65 anos a partir do Estatuto do Idoso de
outubro de 2003.
O aumento do número de idosos também está de acordo com o próprio processo de
envelhecimento populacional no Brasil. Os dados estatísticos do IBGE apontam o crescimento
quantitativo da população idosa no Brasil ao longo dos anos. O último censo revelou um
quantitativo de, aproximadamente, 10 milhões de pessoas com 65 anos ou mais no Brasil
(IBGE, 2000). Todavia, a constatação de que mais de 1,5 milhão de idosos acessaram o
BPC em maio 2010 tende a indicar a grave situação de vulnerabilidade social desse
46
segmento populacional.
O FNAS, como apontam Boschetti et. al (2006), vem apresentando crescimento ao longo
dos anos: 1,3 bi de reais (1996), 1,7 bi de reais (1997), 2,1 bi de reais (1998), 2,9 bi de reais
(1999), 3,7 bi de reais (2000), 4,8 bi de reais (2001), 5,7 bi de reais (2002), 8,1 bi de reais
(2003). Em 2009, o fundo contou com, aproximadamente, 19,2 bilhões de reais destinados para
a Proteção Social Básica e Especial. Desse montante, um investimento de, aproximadamente,
16,9 bilhões de reais foi utilizado para o pagamento do BPC, um valor, aproximadamente,
9.782% superior ao valor necessário para o pagamento do benefício em 1996 (quadro 2).

Quadro 2 – Evolução do investimento com o BPC no Brasil (1996-2010*) (em R$)

Ano PcD Idosos Total


1996 148.282.853 24.060.088 172.342.940
1997 674.961.409 94.771.269 769.732.678
1998 912.771.073 221.428.227 1.134.199.299
1999 1.107.283.715 425.838.708 1.533.122.422
2000 1.360.524.997 640.943.222 2.001.468.219
2001 1.767.144.248 926.877.264 2.694.021.512
2002 2.176.399.854 1.251.700.370 3.428.100.225
2003 2.790.381.784 1.742.839.724 4.533.221.508
2004 3.300.027.494 2.514.255.524 5.814.283.018
2005 4.054.094.729 3.469.766.715 7.523.861.444
2006 5.112.542.025 4.606.245.556 9.718.787.581
2007 5.987.030.235 5.561.314.689 11.548.344.925
2008 7.110.730.320 6.675.058.372 13.785.788.691
2009 8.638.336.138 8.221.076.468 16.859.412.606
2010* 4.227.816.610 3.970.546.638 8.198.363.245
Fonte: http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/download_beneficiarios_bpc.htm
*Dados até maio/2010

O financiamento da assistência social é orientado a partir da CF/1988 no art. 195


pelo princípio da co-responsabilidade entre governos federal, estadual e municipal e suas
fontes se originam tanto do orçamento da seguridade social como do orçamento fiscal.
Estudos acerca do financiamento da assistência social revelam que duas importantes
tendências têm marcado o comportamento dos recursos do FNAS.
A primeira é o crescimento constante dos recursos, que passaram de 0,68% do
orçamento da seguridade social, em 1996, ano de sua regulamentação, 1,28% (1997), 1,56%
(1998), 1,77% (1999), 2,03% (2000), 2,24% (2001), para 2,5% (2002), 2,7% (2003) e 3,48%
(2004) (BOSCHETTI et. al, 2006). A segunda tendência é de crescente concentração desses
recursos no BPC que foi responsável por 79,5% dos recursos do FNAS em 2003, 92% (2004),
89,15% (2005) (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006) e de 88,5% em 2009.

47
Gráfico 4 – Representação percentual dos gastos do FNAS em 2009

Fonte: http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/_LOA/Elaboracao:PL?p_ano=2009

Esses dados indicam a importância do BPC dentro da política pública de assistência


social, uma magnitude dada não só pelo montante dos recursos utilizados, mas pela
expressiva quantidade de usuários que o acessam.
Ao tomar conhecimento dos números do acesso ao BPC, podemos indicar
informações relevantes sobre os usuários que são atendidos pelo programa. Esses dados
expõem em parte as condições sociais pelas quais passam os idosos e as pessoas com
deficiência em situações de pobreza no Brasil. São milhões de pessoas que estão excluídas
do mercado formal de trabalho e, portanto, não tiveram acesso aos direitos previdenciários,
que procuram uma forma de sobreviver por meio de um benefício que contribui para a
redução da pobreza absoluta no Brasil (GOMES, 2008). Junto com o Programa Bolsa
Família, o BPC foi uma das soluções para minorar os efeitos do não acesso aos direitos da
seguridade social no Brasil, principalmente porque não alcançamos o patamar europeu de
sociedade salarial, sendo, portanto, uma estratégia de compensação de ausência de
rendimentos do trabalho (BOSCHETTI, 2006; 2008).
Após conhecermos alguns elementos do BPC e por esse trabalho se tratar dos
desafios da avaliação social para acesso ao BPC, uma atividade ligada à operacionalização
do benefício, o próximo item abordará como foi toda a trajetória operacional para saber
como esse direito está sendo implementado.

48
2.2 A operacionalização do BPC

O BPC, como já foi exposto, consiste em um programa que garante um salário


mínimo mensal aos idosos e às pessoas com deficiência no Brasil que não tenham
condições de manter a sua sobrevivência e que estejam comportados dentro de
determinados critérios como o de idade mínima (no caso dos idosos), renda per capita
inferior a ¼ de salário e deficiência que incapacite o sujeito para a vida independente e para
o trabalho (BRASIL, 1993; 2007a).
O Decreto n0. 1.330, de 8 de dezembro de 1994, foi o primeiro instrumento que
estabeleceu as regras iniciais para a operacionalização do BPC. O Decreto previa o início da
operacionalização do benefício para junho de 1995 com a consequente manutenção, no
âmbito da previdência social, do pagamento da RMV (BRASIL, 1994).
Entretanto, o benefício teve seu início protelado para janeiro de 1996. Um mês antes,
foi assinado um novo Decreto, o de n 0. 1.744, de 8 de dezembro de 1995, que redefinia a
data de início da operacionalização do BPC, assim como estabelecia a responsabilidade e a
competência de organizar e implementar os meios necessários à consecução da
operacionalidade do programa para o INSS, assim:

Art. 43. Compete ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) expedir as instruções
e instituir formulários e modelos de documentos necessários à operacionalização do
benefício de prestação continuada previsto neste Regulamento (BRASIL, 1995).

O decreto 1.744/1995, então, definiu os conceitos e os procedimentos que serviram


de modelo adotado pelo INSS para a organização de todo o instrumental necessário
(instruções normativas, formulários, etc.) à efetiva operacionalização do benefício.
Muito embora o BPC seja de origem da política de assistência social, foram
apresentadas duas justificativas para a escolha do INSS na sua operacionalização: 1. a
presença do órgão em grande parte dos municípios brasileiros; 2. a experiência acumulada
com a organização e o controle dos benefícios previdenciários que possuíam abrangência
nacional.
Durante o período de preparação para o início da operacionalização do BPC,
diversos comunicados foram expedidos e procuravam:

mobilizar os gerentes e chefes de postos para verificação de todas as medidas


necessárias e preconizadas para a implantação do benefício a partir do 1º dia útil do
ano, em especial, aquelas que possibilitam a orientação adequada a idosos e
deficientes que acorrerem aos nossos Postos, a partir da madrugada de 3ª feira, dia
02/01/96 (INSS, 1995, p. 8).

49
Iniciado o ano de 1996, várias foram as dúvidas que surgiam de diferentes
municípios, o que gerou a necessidade de confecção do instrumento denominado de “Nota
Técnica” (INSS, 1996) que compreendia um conjunto de perguntas e respostas sobre os
procedimentos operacionais do benefício.
Nos primeiros anos de implantação do BPC, os procedimentos para o acesso
sofreram alterações com relação aos critérios e às sistemáticas para a inclusão do
beneficiário. Em síntese, podemos identificar quatro períodos diferentes que expressavam
características particulares quanto aos critérios de acesso ao benefício.

1. por meio do Decreto 1.744/1995, quando se inicia a concessão, em 1996,


constatam-se exigências e interpretações que extrapolam a LOAS/1993, de par com
as resoluções e ordens de serviço do INSS. Esse período vai de janeiro de 1996 a
agosto de 1997, com a ressalva de que já em março de 1997, pela resolução INSS
nº. 435, os laudos e os pareceres emitidos pelas demais instituições ficam
submetidos à avaliação da perícia do Instituto Nacional de Seguridade Social –
INSS, sem a presença do beneficiário; 2. com a previsão do novo conceito de família
pela Medida Provisória nº. 1.473/34, somente a perícia do INSS compete a emissão
de laudos e pareceres, e delega ao próprio beneficiário a responsabilidade pela
declaração de renda – período a partir de setembro de 1997; 3. a partir de 1998,
ocorreu a sistemática para revisão e avaliação dos beneficiários para fins de
manutenção ou cancelamento do benefício (GOMES, 2001, p.117);

4. a Ordem Interna de Serviço do INSS/DIRBEN (Diretoria de Benefícios) / nº. 081,


de 15 de janeiro de 2003, que dispôs sobre os novos elementos para o roteiro de
procedimentos para operacionalização do benefício de prestação continuada,
destinado a idosos e pessoas portadoras de deficiência (INSS, 2003, p. 1).

Esses momentos expressam um conjunto de particularidades e procedimentos


específicos, no entanto todos têm o mesmo objetivo: estabelecer os critérios e os conceitos
adotados para a operacionalidade do BPC, os paradigmas adotados pelas equipes
responsáveis pela concessão e/ou revisão do benefício.
O texto inicial da LOAS/1993 estabeleceu alguns itens que deveriam compor os
procedimentos operacionais do benefício, como: 1. a compreensão a respeito do conceito
de família; 2. a idade mínima para o idoso; 3. a definição de pessoa com deficiência; 4. o
patamar financeiro per capita; 5. a proibição do acúmulo do BPC com outro benefício da
seguridade social exceto assistência médica; 5. a necessidade do laudo pericial expedido
por uma equipe multiprofissional que ateste a deficiência (BRASIL, 1993).
A LOAS/1993 procurou regulamentar os parâmetros que deveriam ser adotados na
organização dos procedimentos operativos do benefício. Alguns autores apontam que os
parâmetros de acesso foram muito restritivos, no entanto não podemos deixar de considerar
que a lei é produto de correlações de forças políticas em uma dada conjuntura histórica que,
no caso, está intimamente associada ao contexto de “contrarreforma” do Estado brasileiro
que gerou mudanças sociais e políticas importantes após o período de redemocratização do
país (BEHRING, 2003).

50
Após alguns anos de debate sobre os elementos colocados pelo Decreto 1.744/95,
principalmente nos requisitos de acesso ao BPC, foram editados dois novos Decretos que
promoveram algumas melhorias no sentido de se aproximar de um modelo de benefício com
maior justiça social. Dentre essas melhorias, destacamos: um novo instrumento de avaliação
da pessoa com deficiência, facilidade do acosso de pessoas em situação de rua, avanço no
cálculo da renda familiar per capita para o caso dos idosos, a acumulação do BPC com
outros benefícios no âmbito da seguridade social.
Atualmente, existem dois Decretos que regulamentam o BPC. O decreto n 0. 6.214,
de 26 de setembro de 2007, que revogou os Decretos n 0. 1.744/1995 e n0. 4.712/2003. No
Decreto de 2007, podemos apontar importantes avanços em relação aos seguintes pontos:
1. Estabeleceu-se que o desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou
educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação,
dentre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício e possibilita
novo acesso do benefício à pessoa com deficiência que teve o BPC cessado para assumir
trabalho remunerado;
2. Instituição de novo modelo para avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade para fins de acesso ao BPC, composta por uma avaliação médica e outra
social, que obedecerá aos critérios da CIF, o que permitiu analisar não apenas as limitações
na estrutura e funções do corpo, mas também o impacto de fatores ambientais e sociais na
limitação do desempenho de atividades e na restrição de participação social;
3. Instituição do Sistema Nacional de Monitoramento e Avaliação do BPC que
permitirá o registro do acompanhamento dos beneficiários e suas respectivas famílias no
âmbito do SUAS e do seu acesso a outras políticas e abarcará a revisão periódica de que
trata o art. 21 da LOAS/1993;
4. Mudança da concepção de família para o cálculo da renda per capita: conjunto de
pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido, o requerente, o cônjuge, a
companheira, o companheiro, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21
anos ou inválido, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21
anos ou inválido;
5. Quando o requerente for pessoa em situação de rua, deve ser adotado como
referência o endereço do serviço da rede socioassistencial pelo qual esteja sendo
acompanhado, ou, na falta deste, de pessoas com as quais mantém relação de proximidade;
6. As famílias das pessoas em situação de rua são as elencadas no tópico 4, desde
que convivam com o requerente na mesma situação de rua;

51
7. O BPC será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos
os requisitos de elegibilidade, no entanto o BPC concedido a idoso não será computado no
cálculo da renda mensal bruta familiar.
Já o Decreto n0. 6.564, de 12 de setembro de 2008, alterou o regulamento do BPC,
aprovado pelo Decreto de 2007, e aprovou as seguintes alterações:
1. O BPC poderá ser acumulado apenas com dois outros benefícios no âmbito da
seguridade social: a assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória;
2. No ato do requerimento do BPC, não é obrigatório apresentar o Cadastro de
Pessoa Física (CPF);
3. Para fins de reconhecimento do direito ao BPC às crianças e adolescentes
menores de 16 anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência e o seu impacto
na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com
a idade, sendo dispensável proceder à avaliação da incapacidade para o trabalho;
4. Também é beneficiário do BPC o brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil,
idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos, que não perceba qualquer
outro benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro,
salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza
indenizatória;
5. O MDS e o INSS tiveram o prazo até o dia 31 de maio de 2009 para implementar a
avaliação da deficiência e do grau de incapacidade.
Os decretos de 2007 e de 2008 possuem grande relevância para este trabalho, uma
vez que se constituem nos instrumentos reguladores do benefício hoje. A partir desses
Decretos, o INSS precisou organizar todos os procedimentos internos, com os
correspondentes instrumentais técnicos para a efetividade do BPC. Cabe considerar que

o decreto tem como função regulamentar a Lei, criando os procedimentos para a sua
efetiva operacionalização, não podendo, assim, extrapolar aos limites desta ou criar
obrigações, condições, restrições ou direitos não previstos pela Lei ou artigo que
objetiva regulamentar (CFESS, 1996, p. 4).

Partindo desse entendimento, pretendemos analisar neste TCC, principalmente, a


questão da obrigatoriedade da avaliação social a partir de 31 de maio de 2009, prazo
estipulado pelo Decreto de 2008 para a introdução desse novo instrumento que promoverá
acesso às pessoas com deficiência ao BPC. Parte essencial da avaliação social é conhecer
um pouco da história de acesso ao BPC pelas pessoas com deficiência. Nesse sentido,
vamos problematizar no próximo item a relação do BPC com a pessoa com deficiência no
Brasil.

52
2.3 BPC e Pessoa com Deficiência

Tanto a LOAS/1993 quanto o Decreto 6.214/2007 afirmam que “pessoa com


deficiência é aquela cuja deficiência a incapacita para a vida independente e para o
trabalho”, mediante avaliação da deficiência e do grau de incapacidade que será composta
de avaliação médica e social (BRASIL, 1993; 2007a).
Compreender o que vem a ser essa condição de incapacitado é bastante
problemática, principalmente a incapacidade para o trabalho, pois os procedimentos
técnicos adotados para o reconhecimento desta incapacidade referem-se ao enquadramento
do usuário em certos requisitos delimitados pelo INSS.
Até maio de 2009, o INSS utilizava uma tabela que avaliava se as pessoas com
deficiência eram consideradas aptas ao BPC. Era uma avaliação exclusivamente feita pelos
médicos-perito do INSS. O “Acróstico Avaliemos” foi o instrumento utilizado para enquadrar
as pessoas com deficiência à condição de incapacitado para a vida independente e para o
trabalho. Esse instrumento seguia uma lógica a partir de pontuação em uma tabela, sendo o
laudo uma conclusão resumida e foi utilizado como modelo em todas as agências do INSS
espalhadas pelo Brasil, independentemente das particularidades regionais (GOMES, 2008).
Entretanto, desconsiderou-se a realidade heterogênea dos estados e municípios
brasileiros, diferenças marcantes entre regiões e entre as áreas urbanas e rurais. Nesse
sentido, o “Acróstico Avaliemos” tendeu a uma operacionalização do BPC discriminatória e
injusta, já que um município que possui uma economia mais desenvolvida acaba contando
com uma oportunidade maior de acesso ao trabalho para as pessoas com deficiência.
O “Acróstico Avaliemos” colidia com a diretriz da descentralização político-
administrativa da LOAS/1993 e também com o princípio da igualdade no acesso ao
atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às
populações urbanas e rurais. Assim, a igualdade de direitos ao acesso implica em construir
as condições necessárias para os futuros beneficiários da assistência social tanto na zona
rural quanto urbana, o que remete à importância de organizar os critérios de elegibilidade de
forma descentralizada política e administrativamente e priorizar as características e
particularidades locais na implantação de ações do benefício.
Um grande problema do BPC para pessoas com deficiência encontra-se na
imprecisão conceitual sobre a deficiência. Parece existir um consenso do entendimento de
que a deficiência não pode ser identificada apenas por atributos corporais dos indivíduos,
conforme a perspectiva do velho “Acróstico Avaliemos”, devendo ser entendida como
resultado da interação dos atributos corporais, atributos socioeconômicos e o meio em que
vive a pessoa (DINIZ, 2007). O BPC está em consonância com esse debate: o Decreto

53
6.214/2007 determina que a definição de incapacidade leve em conta a interação entre a
pessoa e seu ambiente físico e social (MEDEIROS et. al, 2009).
Para endossar o problema anterior, a incapacidade para o trabalho não é objeto do
debate teórico sobre deficiência e BPC. A discussão sobre o BPC parece concentrar nos
critérios de renda utilizados pelo programa (COSTA, 2009). Segundo estudos, os próprios
peritos encarregados da seleção de beneficiários do BPC não utilizam critérios uniformes
para definir incapacidade para o trabalho (BARBOSA et. al, 2009; DINIZ et. al, 2007).
Não encontramos princípios constitucionais que contribuam no entendimento de
incapacidade como incapacidade absoluta, o que parece caracterizar a elegibilidade da
pessoa com deficiência ao BPC. Entendemos incapacidade para o trabalho como
incapacidade de conseguir um trabalho cuja remuneração seja suficiente para assegurar a
própria subsistência (MEDEIROS et. al, 2009).
O BPC, benefício componente da política de seguridade social, constitui como o
principal da política de assistência social para as pessoas pobres com deficiência, pois
garante proteção às necessidades básicas (MEDEIROS et. al, 2009). No entanto, a
imprecisão conceitual sobre quem seja a pessoa com deficiência contribui para a restrição
no acesso ao benefício.
O modelo médico de deficiência foi hegemônico para orientar a perícia médica para o
acesso ao BPC: a dificuldade estava em como estabelecer as fronteiras entre deficiências e
doenças crônicas. No entanto, a demonstração do limite do modelo biomédico para avaliar
os processos de exclusão ao benefício provocados pela deficiência contribuiu para
questionar a exclusividade dos saberes biomédicos para avaliar se uma pessoa com
deficiência tem direito ao BPC (BARBOSA et. al, 2009).
Os critérios que visam a compreensão de quem seja a pessoa com deficiência foram
alterados no Brasil em 2009 por meio da adoção da CIF, o que modificou os critérios de
elegibilidade ao BPC. Passa-se a avaliar a deficiência com base na participação de uma
pessoa com impedimentos corporais na vida social, o que aproxima o conceito do modelo
social de deficiência, resultado da relação entre um corpo com impedimentos e a sociedade.
Entende-se que o ambiente impõe restrições e barreiras à plena participação (BARBOSA et.
al, 2009).
Além da incorporação da CIF nos critérios de acesso ao BPC, o Congresso Nacional
ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, um novo instrumento
legal que contribui para uma nova era para as políticas sociais relativas à deficiência
(BRASIL, 2009). A Convenção apresenta o novo conceito de deficiência que vai além do
corpo com impedimentos, reconhece na restrição de participação um fenômeno
determinante para a identificação da pessoa com deficiência, conforme defendido pela CIF.

54
A Convenção reconstrói o conceito de deficiência, sendo a referência para identificar quem é
a pessoa com deficiência que terá direito ao BPC.
Muito embora tenhamos uma evolução no conceito de deficiência, existe uma disputa
do modelo médico e social de deficiência no momento da perícia médica. Pesquisas
revelam que afirmar o modelo biomédico como o único presente na perícia médica do BPC
é uma interpretação errada. O que existe é uma tensão entre os modelos biomédico e social
da deficiência na prática da perícia médica. Como exemplo, pesquisa realizada em Brasília
no II Congresso Brasileiro de Perícia Médica Previdenciária em 2009, que contou com a
participação de 850 médicos-perito, chegou-se a conclusão de que há casos em que o
modelo biomédico no processo da perícia médica é questionado. A tensão entre os dois
modelos pode ser identificada na pergunta sobre uma criança de três anos com anemia
falciforme e crises regulares de dor. Essa pergunta feita aos médicos buscou saber se o
caso seria elegível ao BPC. Como resposta, 38,2% (171) dos peritos responderam que não
e 59,2% (265) disseram que sim (BARBOSA et. al, 2009). A anemia falciforme é uma
doença genética que causa alterações nas hemoglobinas, prejudicando o transporte de
oxigênio pelo corpo e causando problemas circulatórios de várias ordens (SILVA;
RAMALHO; CASSORLA, 1993). A anemia falciforme não é tradicionalmente considerada
deficiência para o modelo biomédico, podendo gerar severas restrições de participação ou
ser amplamente controlada por meio de cuidados diários (GUIMARÃES; MIRANDA;
TAVARES, 2009). Segundo o modelo biomédico, a doença talvez não fosse considerada
deficiência, no entanto a maioria dos peritos respondeu que o caso era elegível ao BPC.
A subjetividade dos médicos na avaliação também é outro problema que podemos
apontar na antiga avaliação da deficiência e do grau de incapacidade: uma mesma situação era
avaliada de forma diferente, o que contribuía para o não acesso ao benéfico de milhares de
pessoas com deficiência no Brasil.
Os intensos debates sobre a questão do acesso ao BPC para pessoas com deficiência
fez surgir a necessidade de ir além da avaliação médica, foi reconhecida a necessidade
imperiosa de se adotar tanto a perícia médica, que sempre ocorreu desde o início do BPC,
quanto a avaliação social, realizada pelo Serviço Social do INSS, entendendo que o fenômeno
da deficiência vai além do aspecto médico, devendo ser considerados os aspectos sociais na
avaliação para saber se uma pessoa com deficiência é elegível ao benefício. Nesse sentido, em
2009, a avaliação social se tornou o mais novo instrumento para acesso ao BPC para mais de
1,6 milhão de pessoas com deficiência no Brasil. É sobre esse novo instrumento que trataremos
no próximo item deste capítulo.

55
2.4 BPC, Deficiência e Avaliação Social

A Lei n0. 8.662/1993, que dispõe sobre a profissão de assistente social, afirma ser
uma competência do assistente social “realizar estudos sócio-econômicos com os usuários
para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades” e ser uma atribuição privativa “realizar
vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de
Serviço Social” (BRASIL, 1993).
A perícia pode ser considerada como um processo por meio do qual um especialista
realiza o exame de situações sociais com a finalidade de emitir um parecer sobre a mesma.
Quando solicitada a um profissional de Serviço Social, é chamada de perícia social, que é
um estudo social, realizado com base nos fundamentos teórico-metodológicos, ético-
políticos e técnico-operativos próprios do Serviço Social (MIOTO, 2001). A perícia social diz
respeito a

uma avaliação, exame ou vistoria, solicitada ou determinada sempre que a situação


exigir um parecer técnico ou científico de uma determinada área do conhecimento,
que contribua para o juiz formara a sua convicção para a tomada de decisão
(FÁVERO, 2008, p. 43).

O trabalho do assistente social no âmbito do INSS exige diferentes competências e


atribuições. Nesse estudo, iremos analisar a função do assistente social como perito social,
responsável em realizar a avaliação social para analisar, após o requerimento da pessoa
com deficiência, se a sua deficiência é elegível ou não ao BPC.
A realização da avaliação social estabelecida pelo Decreto de 2007 representa um
avanço no reconhecimento inicial do direito ao BPC destinado às pessoas com deficiência.
No novo modelo, o fenômeno da incapacidade passa a ser entendido também como
resultante da maneira como a sociedade se organiza. Partindo desse entendimento, “a
incapacidade passa a ser não mais apreendida como um atributo da pessoa, mas como
consequência de um conjunto complexo de situações, das quais um número razoável é
criado pelo próprio contexto sócio-ambiental” (BRASIL, 2007d, p. 42)
Diferentes dimensões da saúde (biológica, individual e social), ao serem apreendidas
e consideradas na avaliação social e médica, permitem uma visão de totalidade,
entendendo o fenômeno da incapacidade para a vida independente e para o trabalho nos
seus múltiplos aspectos. Com o intuito de reduzir o grau de limitação e subjetividade
existente nos moldes anteriores de avaliação da pessoa com deficiência, esse novo modelo
busca uma uniformização na construção dos instrumentos de avaliação e inseriu a
perspectiva de totalidade prevista na avaliação social.

56
Essa compreensão está fundamentada na CIF que utiliza a terminologia
“incapacidade” para conceituar um fenômeno multidimensional que resulta da interação
entre pessoas e seu ambiente físico e social, não se tratando, porém, de uma classificação
de pessoas, mas das características de saúde das mesmas dentro do contexto das
situações individuais de vida e dos impactos ambientais (BRASIL, 2007d).
A trajetória da avaliação social é muito recente no BPC. Em maio de 2009, Patrus
Ananias, então Ministro de Estado do MDS, e Valdir Moysés Simão, Presidente do INSS,
assinaram a Portaria Conjunta MDS/INSS n 0. 1, de 29 de maio de 2009, que instituiu
instrumentos para avaliação da deficiência e do grau de incapacidade de pessoas com
deficiência requerentes ao BPC (BRASIL, 2009), tendo por base: 1. o novo modelo de
avaliação social que amplia a mera avaliação da deficiência e do grau de incapacidade da
pessoa com deficiência requerente ao BPC; 2. o estabelecimento da data de 31 de maio de
2009 para início da avaliação social para efeito da revisão e concessão do BPC (decreto n 0.
6.564/2008); e 3. a determinação legal acerca da responsabilidade de operacionalização do
BPC pelo INSS.
Os instrumentos são constituídos de dois modelos diferentes, assim discriminados:

a) avaliação da deficiência e do grau de incapacidade – Pessoa com deficiência – 16


anos ou mais;

b) avaliação da deficiência e do grau de incapacidade – Pessoa com deficiência –


criança e adolescente menor de 16 anos (BRASIL, 2009b, Art. 1º. § 1º.).

Cada modelo do instrumento para avaliação da deficiência e do grau de


incapacidade é constituído por duas partes distintas, sendo que os campos destinados à
utilização pelo assistente social do INSS possuem algumas particularidades, principalmente
nos elementos a serem avaliados considerando os grupos etários, da seguinte forma:

I - Assistente Social:

a) avaliação social, considerando e qualificando os fatores ambientais por meio dos


domínios: produtos e tecnologias; condições de moradia e mudanças ambientais;
apoios e relacionamentos; atitudes; serviços, sistemas e políticas.

b) avaliação social considerando e qualificando atividades e participação – parte


social, para requerentes com 16 anos de idade ou mais, por meio dos domínios: vida
doméstica; relação e interações interpessoais; áreas principais da vida; vida
comunitária, social e cívica.

c) avaliação social, considerando e qualificando atividades e participação – parte


social, para requerentes menores de 16 anos de idade, por meio dos domínios:
relação e interações interpessoais; áreas principais da vida; vida comunitária, social
e cívica (BRASIL, 2009b, Art. 2º, I).

A avaliação social destina-se a avaliar os fatores ambientais, sociais e pessoais da


pessoa com deficiência, considerando a limitação do desempenho de atividades e a
57
restrição da participação social, segundo suas especificidades. Essa nova forma de analisar
a deficiência está fundamentada na CIF que orienta uma avaliação que leve em
consideração a interação entre pessoas e seu ambiente físico e social, não se tratando,
porém, de uma classificação de pessoas, mas das características de saúde das mesmas
dentro do contexto das situações individuais de vida e dos impactos ambientais (BRASIL,
2007d).
O processo da avaliação social para acesso ao BPC consiste num instrumento
técnico-operacional que tem a finalidade de realizar o estudo e emitir a opinião profissional
sobre o grau de barreiras existente em relação aos fatores contextuais, ou seja, as
condições pessoais e do ambiente físico e social onde vive o indivíduo e o grau das
dificuldades existentes em relação à atividade e participação (BRASIL, 2007d). Nesse
sentido, a avaliação social objetiva avaliar o grau de deficiência e incapacidade e as
dificuldades vivenciadas pelas pessoas numa sociedade pouco tolerante à diversidade
corporal.
A avaliação social é realizada após o requerimento de pessoas com deficiência ao
BPC nas agências da previdência social do INSS, prioritariamente nessas agências ou,
quando necessário, em domicílios, instituições hospitalares e em outros locais. É o
assistente social, pertencente ao quadro próprio de pessoal do INSS, regularmente inscrito
no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), o responsável em realizar a avaliação
social.
Quanto aos princípios que norteiam a avaliação social, são postas exigências
contemporâneas para o assistente social que passam por três dimensões: conhecimento
teórico-metodológico, compromisso ético-político e capacitação técnico-operativa. Essas
dimensões remetem aos princípios elencados no Código de Ética do Assistente Social, de
1993, e na Lei de Regulamentação da Profissão, de 1993 (GUERRA, 1995).
São componentes da avaliação social os fatores ambientais e a atividade e
participação. Fatores ambientais são constituídos pelo ambiente físico e social no qual as
pessoas vivem e conduzem suas vidas. Esses fatores são externos ao indivíduo e formam o
contexto da vida, podendo influenciar de forma positiva (facilitador) ou negativa (barreira) na
capacidade de desempenhar ações na participação em sociedade ou sobre a função ou
estrutura do corpo (BRASIL, 2007d).
Atividade e Participação, o segundo componente da avaliação social, consiste na
execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo e seu envolvimento em uma situação da
vida. A atividade representa a perspectiva individual da funcionalidade e a participação a
perspectiva social da funcionalidade (BRASIL, 2007d).
No processo de avaliação social, há elementos importantes para saber o que e quais

58
são os domínios da avaliação social com base na CIF. Avaliam-se os conjuntos práticos e
significativos de ações, tarefas ou áreas da vida. Cada componente da avaliação social
contém vários domínios que são organizados em nível individual ou social (BRASIL, 2007d).
Em relação ao nível individual, é avaliado o ambiente imediato do indivíduo como:
domicílio, local de trabalho e escola. Inclui as características físicas e materiais do ambiente
em que o indivíduo se encontra, bem como o seu relacionamento com a família, conhecidos,
vizinhos, e outros. Já em relação ao nível social, são avaliadas as estruturas sociais formais
e informais, regras de conduta, sistemas predominantes na comunidade ou sociedade que
têm impacto sobre a vida do indivíduo: aqui inclui a existência de organizações, atividades
comunitárias, órgãos governamentais, serviços de comunicação e de transporte e redes
sociais, bem como leis, regulamentações, regras formais e informais (BRASIL, 2007d).
Os domínios do componente Fatores Ambientais são: 1. produtos e tecnologia; 2.
condições de moradia e mudanças ambientais; 3. apoio e relacionamentos; 4. atitudes; 5.
serviços, sistemas e políticas.

Quadro 3 – Domínios que são avaliados no componente Fatores Ambientais

Domínio Caracterização Descrição


Produtos e substâncias para consumo pessoal;
produtos e tecnologia para mobilidade na vida diária;
produtos e tecnologia para comunicação; produtos e
tecnologia para educação, cultura e lazer e produtos e
Produtos e tecnologia usados em projetos, arquitetura e
I Tecnologia construção de edifícios para uso público/privado.
Condições de
Moradia e
Mudanças Nível de vulnerabilidade e risco social do território de
II Ambientais moradia; e situação e condição de moradia.
Apoio e proteção da família; apoio e relacionamentos
com conhecidos, companheiros, colegas, vizinhos e
membros da comunidade; apoio e relacionamento com
profissionais da educação, saúde e cuidadores; e
Apoio e condições familiares que interferem na disponibilidade
III Relacionamentos de apoio e relacionamentos.
Vive situações de atitudes preconceituosas,
discriminatória e/ou negligentes de conhecidos,
companheiro, colegas, vizinhos, membros da
comunidade, profissionais de saúde e de educação e
IV Atitudes outros.
Serviços, Serviços, sistemas e políticas dos serviços públicos; de
Sistemas e transporte; de políticas legais; de saúde; de educação
V Políticas e treinamento; e de assistência social.
Fonte: Brasil, 2007d, p. 68. Elaboração própria.

Já no componente Atividade e Participação, existem quatro domínios a serem


59
avaliados pelo assistente social, tais sejam: 1. vida doméstica; 2. relação e interações
pessoais; 3. áreas principais da vida; 4. vida comunitária, social e cívica.

Quadro 4 – Domínios que são avaliados no componente Atividade e Participação

Domínio Caracterização Descrição


Tem problema em realizar atividade e ter
responsabilidades relacionadas a vida doméstica e de
VI Vida Doméstica cooperar com os demais membros da família.
Relação e Tem problema para se relacionar com os outros;
Interações Mantém relações sociais, interagindo com afeto e
VII Interpessoais respeito nos relacionamentos.
Tem problema em realizar atividades e cumprir as
responsabilidades relacionadas à escola; coopera com
os demais alunos; em participar de programas
educacionais para graduação ou nível superior; em
realizar transações econômicas básicas, utilizando
Áreas Principais dinheiro para efetivar compras ou troca de
VIII da Vida mercadorias.
Tem problema em participar de reuniões comunitárias,
cerimônias sociais, associações e grupos sociais;
problema em participar de atividades recreativas e de
Vida Comunitária, lazer; Problema em participar da vida política e
IX Social e Cívica cidadania.
Fonte: Brasil, 2007d, p. 69. Elaboração própria.

Não são todas as pessoas com deficiência que serão avaliadas em todos esses
domínios. Para realizar a avaliação social, também será levada em consideração a idade da
pessoa com deficiência requerente ao BPC, critério que irá orientar quais os domínios serão
avaliados. Nesse sentido,

quando a pessoa com deficiência tiver 16 anos ou mais de idade: avaliar quatro
domínios: vida doméstica, relação e interações interpessoais, áreas principais da
vida e vida comunitária, social e cívica.

quando a pessoa com deficiência tiver mais de 03 anos de idade e menos de 16


anos: avaliar três domínios: relação e interações interpessoais, áreas principais da
vida e vida comunitária, social e cívica.

quando a pessoa com deficiência tiver até 03 anos de idade: avaliar dois domínios:
relação e interações interpessoais e áreas principais da vida (BRASIL, 2007d, p. 34).

Orientado pela CIF, o instrumento de avaliação social conta com um qualificador no


processo de avaliação social que é um valor em escala que indica a presença e gravidade
de um problema em funcionalidade nos níveis pessoal ou social.
Para os Fatores Ambientais, o qualificador indica a presença de obstáculo ou barreira
em uma escala de 0 a 4, que aponta o grau ou a gravidade da barreira. Barreiras são fatores
60
ambientais que, por meio da sua ausência ou presença, limitam a funcionalidade e
provocam a incapacidade. São avaliados aspectos como um ambiente físico inacessível,
falta de tecnologia de assistência apropriada, atitudes negativas das pessoas em relação a
incapacidade, bem como serviços, sistemas e políticas inexistentes ou que dificultam o
envolvimento de pessoas com uma condição de saúde em várias áreas da vida (BRASIL,
2007d).

Quadro 5 – Escala para avaliar o impacto das barreiras em relação aos fatores ambientais e
as dificuldades na avaliação da restrição de participação

Genérico % Atividades e Participação Fatores Ambientais


0 0-4 Nenhuma Dificuldade Nenhuma Barreira
1 5-24 Dificuldade Leve Barreira Leve
2 25-49 Dificuldade Moderada Barreira Moderada
3 50-95 Dificuldade Grave Barreira Grave
4 96-100 Dificuldade Total Barreira Total
Fonte: CIF apud Brasil, 2007d, p. 43.

Para o componente Atividades e Participação, o qualificador indica a presença de


uma dificuldade utilizando a mesma escala. Para os domínios do componente Atividades e
Participação, dois importantes princípios são oferecidos: desempenho e capacidade. Juntos,
estes possibilitam identificar a extensão ou magnitude de dificuldade que um indivíduo
apresenta (BRASIL, 2007d).
O qualificador de capacidade descreve a habilidade ou condição de um indivíduo
para executar uma tarefa ou desenvolver uma ação.
Existindo dificuldades em executar atividades, podemos dizer que existem limitações
de atividade, definida na CIF como sendo dificuldades que um indivíduo pode encontrar na
execução de atividades. Existindo dificuldade de participação na vida social, podemos dizer
que existem restrições de participação definida na CIF como sendo: problemas que o
indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações da vida.
Os instrumentos técnico-operativos utilizados no processo de avaliação social são: 1.
a observação; 2. a documentação; 3. a abordagem; 4. a visita técnica (domiciliar e
institucional); 5. a entrevista.
A observação requer do assistente social clareza e conhecimento para compreender
e explicar a realidade. Não é neutra, nem um instrumento de constatação. A documentação
é concebida como um instrumento que organiza e veicula informações, de interesses da
população usuária e do próprio assistente social. A abordagem exige uma relação de

61
horizontalidade e de respeito com o usuário (BRASIL, 2007d).
A visita técnica compreende a visita domiciliar e a visita institucional. A visita
domiciliar deve ser objetivada como um instrumento facilitador para emissão da avaliação
social. Deve ser realizada nas situações de impossibilidade de comparecimento do
requerente ou quando o assistente social necessitar de subsídios para o seu estudo. Deve,
sempre que possível, ser agendada com o usuário, familiares e/ou representante legal,
evitando o fator “surpresa” e situações vexatórias e constrangedoras. Não tem a intenção
fiscalizadora. A visita institucional deve ser realizada quando o requerente/usuário encontrar-
se na situação de internado em hospital ou em instituição de longa permanência e sem
condições de comparecer ao local da realização da avaliação. Pode ainda ser realizada,
quando o assistente social necessitar manter contato com profissionais de determinadas
instituições (hospitais, conselhos tutelares, entre outros) para obter informações
complementares necessárias à conclusão da avaliação social (BRASIL, 2007d).
A entrevista é instrumento primordial do fazer profissional do assistente social no
momento de realização da avaliação social, que se concretiza por meio do atendimento
individual ao usuário, aos familiares e/ou o representante legal, com a finalidade de obter
elementos relevantes para subsidiar o estudo e a análise das condições pessoais, do
ambiente físico e social que impactam na funcionalidade e incapacidade. Exige do
profissional conhecimento e habilidade, evitando-se situações vexatórias e constrangedoras
(BRASIL, 2007d).
Em meio a tantas mudanças no acesso ao BPC para pessoas com deficiência,
principalmente pela introdução da avaliação social para saber qual pessoa com deficiência
tem direito ao benefício, é possível afirmar que existem várias dúvidas no processo de
avaliação social. Conhecer todo o processo é uma tarefa complexa, exige um profissional
competente do ponto de vista teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político,
conforme aponta as Diretrizes Curriculares da Associação Brasileia de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social (ABEPSS) (1996). É preciso pesquisar esse novo método de avaliação,
conhecer quais as dificuldades e os desafios encontrados pelas assistentes sociais quando
estão frente a uma pessoa com deficiência requerente ao BPC, pois dessa forma será
possível apontar novos direcionamentos para minimizar cada vez mais as arbitrariedades
ainda muito presente em todo o processo de concessão do benefício e expandir o BPC,
valorizando a importância dos fatores ambientais e a participação social no momento de
avaliação da pessoa com deficiência que requere o benefício.
Podemos, então, entender avaliação social como um instrumento técnico-operacional
que tem a finalidade de realizar o estudo e emitir a opinião profissional sobre o grau de
barreiras existente em relação aos fatores contextuais, ou seja, as condições pessoais e do

62
ambiente físico, social e de atitude onde vive o indivíduo e o grau das dificuldades existentes
em relação à atividade e participação. Construído com base nos princípios da CIF, a
avaliação social possibilita identificar situações que interferem na funcionalidade e na
incapacidade do indivíduo, que buscam o acesso ao BPC.
Por atender um grande contingente populacional sem exigir contribuições prévias ao
sistema de seguridade social, o BPC apresenta-se como um programa de grande importância
no Brasil que possui um mercado de trabalho marcado pela informalidade e desemprego bem
altos. A avaliação social é um novo instrumento que busca superar a limitação anteriormente
vigente que avaliava a deficiência apenas nos seus aspectos biomédicos. A CIF e os novos
decretos que regulamentam o BPC tentam minimizar injustiças no momento de acesso ao
benefício para pessoas com deficiência, incorporando elementos sociais, ambientais e avaliação
da participação das pessoas com deficiência na sociedade. O que ocorreu foi uma guinada em
relação ao processo avaliativo para saber qual pessoa com deficiência possui direito ao
benefício, um reconhecimento que era preciso ir além do critério corporal, sobretudo avaliar a
relação deficiência e sociedade. Isso gerou um forte impacto no único benefício da política de
assistência social antes prevista na CF/1988, o que hoje gera grandes desafios na
operacionalização do BPC. No próximo capítulo, iremos conhecer um pouco da trajetória do
assistente social no INSS, assim como analisar alguns desafios colocados pelas profissionais
quando realizam a avaliação social.

63
CAPÍTULO 3

SERVIÇO SOCIAL E OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO SOCIAL

3.1 O Serviço Social Previdenciário

A compreensão da trajetória do Serviço Social previdenciário nesse trabalho justifica-


se porque são os/as assistentes sociais do INSS que realizam a avaliação social para
acesso ao BPC. A partir da análise dos projetos profissionais orientadores do trabalho dos
assistentes sociais em diferentes momentos históricos, queremos recuperar um pouco
dessa trajetória do Serviço Social na previdência social. Para realizarmos essa análise,
tomamos como referência os projetos profissionais dos Planos de Ação do Serviço Social
dos anos de 1972 e de 1978 e a Matriz Teórico-Metodológica do Serviço Social no INSS
publicada em 1994 (SILVA, 2008).
Na intenção de entendermos melhor a trajetória do Serviço Social na política
previdenciária, apresentamos um quadro esquemático a partir da década de 1940.

Quadro 4 – Cronologia do Serviço Social na previdência social

1942 Seção de Estudos e Assistência Social no IAPC.


1944 Autorização para a implantação de Serviço Social nos IAPs e CAPs – Portaria n0.
52 do Conselho Nacional do Trabalho (CNT).
1945 Organização de cursos intensivos de Serviço Social para os funcionários dos IAPs
e CAPs – Portaria do DNPS/MT.
1948 Adoção do Serviço Social nas instituições de previdência: assistência
complementar – Ofício n0. 250/DNPS.
1948 Oficialização do Serviço Social no IAPC em São Paulo.
1950 Seções ou turma de Serviço Social nas Delegacias Regionais dos IAPs.
1960 Definição da assistência complementar na Lei Orgânica da Previdência Social.
1965 Concepção do Serviço Social como assistência complementar.
1972 Plano Básico de Ação do Serviço Social – Resolução INPS n0. 401.4.
1976 Assistência complementar por meio do Serviço Social – Art. 71 da Consolidação
das Leis da Previdência Social.
1978 Plano Básico de Ação do Serviço Social – Resolução INPS n0. 064.2.
1991 Competência do Serviço Social: esclarecimento quanto aos direitos sociais e
meios de exercê-los; ações intra e extra-institucionais – Art. 88 da Lei n0. 8.213 de
24/07/1991.
64
1994 Matriz Teórico-Metodológica do Serviço Social na Previdência Social.
Fonte: Silva, 2008, p. 20-1.

A primeira experiência oficial de implantação do Serviço Social na previdência social


ocorreu por meio da Seção de Estudos e Assistência Social no Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Trabalhadores do Comércio (IAPC) em 1942. São, então, 68 anos de história
do chamado Serviço Social previdenciário (SILVA, 2008).
Foi, então, a partir do governo de Getúlio Vargas que o Serviço Social previdenciário
recebeu um sopro de vida, em um momento em que a previdência social passava a ter
importância como expressão da ofensiva do governo autoritário, populista, corporativo e
gestor das relações de trabalho, tendo como marcos a criação dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs) (ABREU e LOPES, 2008; BOSCHETTI, 2006).
O Serviço Social na previdência social só foi institucionalizado seis anos após sua
primeira experiência no IAPC por meio do Ofício Circular n 0. 250/1948, expedido pelo então
diretor-geral do Departamento Nacional de Previdência Social, Moacir Veloso Cardoso de
Oliveira. Esse Ofício orientava para adoção das seguintes medidas que deveriam ser
adotadas pelas instituições da previdência: 1. organização de seções de Serviço Social; 2.
lotação nas seções dos servidores com curso regular de assistência social ou com curso
intensivo de “auxiliar social”; 3. controle do registro de entrada e saída dos servidores,
observadas as necessidades dos “trabalhos de serviço social”; 4. colaboração dos diversos
órgãos da instituição; 5. não aumento de despesa quanto a pessoal pelo aproveitamento
dos servidores já disponíveis; 6. concessão de bolsas de estudo para o preparo de novos
servidores (SILVA, 2008).
O Serviço Social previdenciário historicamente parece ser reduzido a uma mera
assistência complementar importante tanto para o futuro da previdência social quanto no
sentido da individualização do benefício a fim de poder prestar apoio à solução dos
problemas dos desajustamentos sociais no Brasil. Essa afirmação encontra fundamento nas
atividades que foram atribuídas ao Serviço Social na previdência no final da década de
1940: 1. orientação quanto aos benefícios e à obtenção de documentos, tutelas, registros de
nascimento, etc.; 2. orientação social nas casas dos segurados; 3. encaminhamento de
segurados a outras instituições públicas ou privadas quando uma demanda não esteja no
âmbito da previdência social; 4. estudo e exame dos casos individuais de desajustamento
dos segurados e beneficiários e seu acompanhamento por meio de visitas periódicas e
registro em fichas reservadas, uma função de ajuda, quando identificada a dificuldade ou
impossibilidade de agir do segurado (SILVA, 2008; NEVES e SILVA, 2008; IAMAMOTO e
CARVALHO, 2005).
Essas atividades contribuíram para ratificar a configuração da individualização dos
65
benefícios e a humanização da ação educativa a ser desenvolvida pelos assistentes sociais
(IAMAMOTO e CARVALHO, 2005).
Durante décadas, o Serviço Social previdenciário seguiu a orientação “complementar,
supletiva, individualizante, humanizante, educativa em torno da previdência social, tendo
como objeto o ajustamento social” (SILVA, 2008, p. 22). O termo complementar, que parece
caracterizar certo status de estigma ao Serviço Social previdenciário, tem diferentes
significados: o de satisfação de necessidades que o mercado não satisfaz; o de que as
necessidades, no caso, são realmente residuais no âmbito da reprodução social; o de
provisão de necessidades que o trabalhador e sua família não são capazes de prover por si
mesmos (PEREIRA, 2006).
O entendimento de Serviço Social como algo complementar na previdência social foi
confirmado por meio da Lei n0. 3.807/1960 – Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) –
que, então, definiu a assistência complementar:

Art. 22. As prestações asseguradas pela previdência social consistem em benefícios


e serviços, a saber: I – Quanto aos segurados: a) auxílio-doença; b) aposentadoria
por invalidez; c) aposentadoria por velhice: d) aposentadoria especial; e)
aposentadoria por tempo de serviço; f) auxílio-natalidade; g) pecúlio; h) assistência
financeira. II – Quanto aos dependentes: a) pensão; b) auxílio-reclusão; c) auxílio-
funeral; d) pecúlio. III – Quanto aos beneficiários em geral: a) assistência médica; b)
assistência alimentar; c) assistência habitacional; d) assistência complementar; e e)
assistência reeducativa e de readaptação profissional.

Art. 52. A assistência complementar compreenderá a ação pessoal junto aos


beneficiários, quer individualmente, quer em grupo, por meio da técnica do Serviço
Social, visando à melhoria de suas condições de vida.
0
§ 1 . A assistência complementar será prestada diretamente ou mediante acordo
com os serviços e associações especializadas.
0
§ 2 . Compreende-se na prestação da assistência complementar a de natureza
jurídica, a pedido dos beneficiários ou “ex-oficio” para a habilitação aos benefícios de
que trata esta lei e que deverá ser ministrada, em juízo ou fora dele, com isenção de
selos, taxas, custas e emolumentos de qualquer espécie (BRASIL, 1960).

Muito embora o Serviço Social já se fizesse presente de alguma forma na


previdência social há dezoito anos (1942-1960), ainda existia uma ausência em termos
jurídicos do que seria o Serviço Social na previdência, um ranço, que já podemos anunciar,
ainda presente no Serviço Social previdenciário hoje que veremos mais adiante como um
dos desafios da avaliação social para acesso ao BPC.
Cinco anos após a promulgação da LOPS/1960, foram detalhadas as Normas Gerais
para o Serviço Social na previdência. Para os que tinham alguma dúvida, a Resolução de
1965 formalizou o Serviço Social na previdência como

assistência complementar que através de métodos, instrumentos e técnicas próprias:


I – atende os beneficiários carentes de ajuda, individualizando e tornando humanas
as relações com a Instituição na concessão e manutenção das prestações

66
asseguradas pela Lei; II – contribui pela atuação junto aos setores da Instituição
incumbidos das prestações, para que estas não tenham apenas caráter paliativo,
mas sejam rela fator de ajustamento social; III – previne e corrige desajustamentos
através de atuação direta na família, no trabalho e na comunidade (MTPS, 1965, Art.
3º.).

A resolução 1.081/1965 não conseguiu ultrapassar a noção de prevenção e correção


de desajustamentos por meio da atuação direta na família, no trabalho e na comunidade.
Aos profissionais que ainda precisavam de um instrumento jurídico mais explícito da
perspectiva funcionalista, foi lançado o Regulamento Geral da Previdência Social, em 1973,
que reiterou a ajuda pessoal nos desajustamentos individuais e do grupo familiar em seu
artigo 180 (FALEIROS, 2008).
O Serviço Social previdenciário da década de 1970 não conseguiu ir além da mera
reprodução das ideias de seu tempo histórico. As práticas tradicionais continuaram sem
qualquer tipo de questionamento. O trabalho, totalmente orientado pelo Movimento de
Reconceituação do Serviço Social3, era descobrir instrumentos de acordo com a realidade
sem chegar a um questionamento das estruturas sociais vigentes e continuando a ter como
referencial teórico o funcionalismo.
Embora o Movimento de Reconceituação do Serviço Social tenha surgido como um
movimento de revisão e crítica na década de 1960, com pretensões a romper com o
metodologismo tradicional que caracterizava o Serviço Social de origem norte-americana
anacrônico à realidade histórica, social, econômica e política latinoamericana (MACEDO,
1986), a crítica de Netto (2007) identifica tal movimento como a

perspectiva modernizadora, um esforço no sentido de adequar o Serviço Social,


enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser
operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, às
exigências postas pelos processos sociopolíticos emergentes no pós-64. Trata-se de
uma linha de desenvolvimento profissional que, se encontra o auge da sua
formulação exatamente na segunda metade dos anos sessenta, sem dúvidas, são os
textos dos seminários de Araxá e Teresópolis, revelar-se-á um eixo de extrema
densidade na reflexão profissional: não só continuará mobilizando energias nos anos
seguintes, como, especialmente, mostrar-se-á aquele vetor de renovação que mais
fundamente vincou a massa da categoria profissional (NETTO, 2007, p. 154).

3 Aguiar (1982) explicita que, no início da década de 1960, grupos de assistentes sociais passam a
questionar o Serviço Social quanto a sua natureza e operacionalidade. Esse questionamento é o da validade do
corpo teórico do Serviço Social em face à realidade da América Latina. No Brasil, esse questionamento se fez
por um número significativo de assistentes sociais, quer pelos que estavam comprometidos com os programas
do governo, mas que desejavam reformas, quer por aqueles mais ligados com o povo. Coloca-se que um dos
aspectos da reconceituação é o de sistematizar as experiências para reelaborar, a nível latinoamericano, uma
teoria própria de Serviço Social. Um grupo de assistentes sociais preocupados com essa nova realidade passou
a ser conhecido como a “geração 65”. Esse movimento nasceu para adequar o Serviço Social para a América
Latina e tinha como referência o desenvolvimentismo. Um importante teórico que merece ser destacado, Lucena
Dantas, também se preocupa em adequar a metodologia para a realidade brasileira. O Movimento de
Reconceituação no Brasil tem o seu início como o Primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social,
promovido pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS), que convocou um
grupo de 38 assistentes sociais para uma semana de estudos sobre “Teorização do Serviço Social”. Esse
encontro aconteceu em março de 1967, em Araxá, Minas Gerais, momento em que foi resolvido discutir um
roteiro sobre conceitos básicos e estudar a metodologia sob um prisma genérico, ao invés da dinâmica dos
processos. Após o Seminário, houve a publicação do que se chama Documento de Araxá.

67
O núcleo central da Reconceituação é a tematização do Serviço Social como
interveniente, dinamizador e integrador no processo de desenvolvimento. O que caracteriza
esta perspectiva está longe de resumir-se à exclusão de tendências contestadoras: antes, o
que lhe confere seu tônus peculiar é a nova fundamentação de que se socorre para legitimar
o papel e os procedimentos profissionais. Constatam-se reiterações da tradição, registram-
se avanços inequívocos, com aportes extraídos do estrutural-funcionalismo norte-
americano. Este é o caráter modernizador desta perspectiva: ela aceita como dado
inquestionável a ordem sociopolítica derivada do golpe militar de 1964 e procura dotar a
profissão de referências e instrumentos capazes de responder às demandas que se
apresentam nos seus limites, uma característica tecnocrática do perfil que pretende atribuir
ao Serviço Social no país. No âmbito estrito da profissão, a “modernização” se reporta aos
seus valores e concepções mais tradicionais, não para superá-los ou negá-los, mas para
inseri-los numa moldura teórica e metodológica menos débil, subordinando-os aos seus
vieses modernos do lastro eclético de que é portadora. Seu traço conservador e sua
colagem à ditadura incompatibilizam-na com os segmentos profissionais críticos quer em
face da burguesia, quer em face dos seus substratos teóricos – segmentos cuja incidência
acadêmica e na categoria profissional ganha tanto mais densidade quanto mais a autocracia
burguesa experimenta o seu ocaso (NETTO, 2007).
A expressão do Movimento de Reconceituação no Serviço Social previdenciário,
então, foi marcada pela ilusão e integração social. O desenvolvimento não passou de
interpelação ideológica, representou não mais que uma ilusão.
O Plano Básico de Ação do Serviço Social no então Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS) foi aprovado por meio da Resolução INPS n 0. 401.4, de 07/02/1972, seguido
da Padronização de Documentação Técnica – Sistema Básico de Registro de Dados. O
Plano de 1972 é uma das mais significativas expressões da perspectiva modernizadora no
exercício da prática profissional de então (FALEIROS, 2008). O plano pressupõe

a capacidade para tomada de decisões, com o fim de selecionar e nortear as


atividades do Serviço Social no INPS, construindo-se, no seu todo, uma tentativa de
unificar teorias emanadas da prática. É, outrossim, fundamental que ele represente
junto às demais linhas de atividades do INPS, a interpretação do papel do Serviço
Social na instituição considerando-se como papel o conjunto de expectativas em
torno de determinada função no sistema social. Essas expectativas devem
corresponder aos objetivos do Instituto, às finalidades do Serviço Social e às
necessidades da clientela (INPS, 1972, p. 6).

A função do Serviço Social vai se expressar na racionalidade técnica e administrativa


do enfoque assistencialista da política previdenciária. O projeto profissional que se define
nesses marcos reafirma-se como ação político-pedagógica com orientação individualista e
psicossocial, tendo a prestação e administração de serviços como a principal referência

68
material, ao mesmo tempo em que reforça e contribui para o ocultamento dos processos de
racionalização desses serviços nos limites do padrão burocrático do assistencialismo
implantado pela ditadura militar (FALEIROS, 2008; ABREU e LOPES, 2008).
O Serviço Social previdenciário, então, com o Plano de 1972, foi reduzido a uma
“ação educativa individualizada, subalternizante, centrada na necessidade de manutenção
do trabalhador e sua família em permanente estado de necessidade em relação aos meios
de sua subsistência física” (INPS, 1972, p. 15).
O projeto profissional do início da década de 1970, ao incidir sobre as manifestações
individuais da “Questão Social”, reduzida a suas expressões psicossociais, reatualizou
princípios tradicionais da individualização e da autodeterminação do sujeito, que tendem a
respaldar a pulverização do atendimento às demandas sociais e legitimar a ênfase no
esforço individual na busca de respostas às suas necessidades imediatas (IAMAMOTO,
2008).
A partir de 1977, a “assistência social previdenciária” foi definida como atividade
autônoma, exigindo (re)estruturação no âmbito nacional em face da extensão e
peculiaridade dos serviços que deverá prestar. O final da década de 1970 ocorreu uma
valorização da assistência social do MPAS e superestimou as possibilidades profissionais do
Serviço Social:

há apenas um reduzido contingente da população, em termos percentuais,


permanecendo marginalizada no tocante à proteção social, mas mesmo esse
contingente de pessoas carentes deverá ser um dia redimido graças à programação
prevista pra o setor de assistência social do MPAS (SILVA, 2008, p. 27).

Em um contexto de ditadura militar, com restrições de direitos políticos, o Serviço


Social é superdimensionado em face da complexidade e da gravidade da “Questão Social”
(NETTO, 2007). Na verdade, percebe-se que ainda se tinha mais do mesmo para o Serviço
Social previdenciário: uma “ilusão integradora com termos que remetiam para um campo
mágico, para uma suposta capacidade redentora da assistência social” (MOTA, 2010, p.
138).
A ilusão integradora continuou a sobreviver com o lançamento do Plano Básico de
Ação do Serviço Social de 1978 que, conforme assinalado por Pereira (1978), apresenta
ainda um Serviço Social

selecionado para seu sistema cliente, não apenas a pessoa do beneficiário, mas
também o seu meio ambiente […] nossa prática no INPS é orientada na busca da
integração social do beneficiário e reconhece as implicações da interação (pessoa
em situação), e que esta prática se situa no “social abrangente”, que compreende a
realidade social através da identificação de categorias de fenômenos que são:
psicossociais, socioculturais, socioeconômicos, etc., e que esses fenômenos são
tomados na dimensão da interação social das relações sociais (PEREIRA, 1978, p.
304).
69
O Plano Básico de Ação para o Serviço Social, RS/INPS n 0. 064.2/1978, a partir da
perspectiva funcionalista do tratamento psicossocial, superdimensionada em suas
possibilidades, tentava buscar “a solução de problemas que impediam a integração social de
grupos que se apresentavam em processo de adaptação ao meio urbano”. Na verdade,
buscava-se encontrar solução para o processo de acumulação nas grandes cidades e o
equacionamento dos “profundos desequilíbrios entre os recursos sociais existentes e a
demanda de serviços” (PEREIRA, 1978, p. 300, 312-3).
O que fica evidente é uma tendência de se entender os serviços prestados pelo
Serviço Social na previdência mais como dever moral de ajuda, não como direito (PEREIRA,
2006). O ajustamento social sob a abordagem psicossocial e a integração social, tendo
como foco a interação da pessoa ao meio ambiente é o caminho encontrado pelo Serviço
Social previdenciário das décadas de 1970 e 1980.
As críticas aos Planos Básicos de 1972 e de 1978 podem ser assim resumidas:

enquanto o Serviço Social definir sua política de ação e formular programas a partir
do conhecimento imediato da política previdenciária e institucional, sem buscar
conhecer seus motivos reais, distorções continuarão a existir, tornando cada vez
mais difícil a identificação da programação do Serviço Social com a clientela. É
necessário duvidar. Procurar conhecer as relações que está por trás, compreender,
portanto, as relações entre as classes e a mediação do Estado como determinantes
no estabelecimento da política previdenciária, sendo esta uma manifestação da
política trabalhista adotada pelos governos em cada período histórico. Caso
contrário, as programações do Serviço Social continuarão apenas dando respostas
às exigências da Instituição (CABRAL apud SILVA, 2008, p. 30-1).

Essa perspectiva integradora isenta de um debate crítico não pode ser aceita por um
Serviço Social que aspira ir além de uma atitude adaptativa. Nesse sentido, a preocupação
vai além do como fazer e se volta para a direção que toma o conhecimento em produção
(IAMAMOTO, 2008). Segundo Cartaxo (1995, p. 143), “importa entender a questão pelas
condições mais amplas, em seus elementos estruturais e conjunturais, assim como pela
ineficiência do próprio organismo previdenciário”.
Na década de 1990, de acordo com Moreira (2008), o Serviço Social previdenciário
passa a expressar os avanços consubstanciados na CF/1988 em torno dos direitos sociais e
da participação dos usuários na gestão das políticas sociais. A Lei n0. 8.213, de 24 de julho
de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, foi capaz de
revelar a competência do Serviço Social no âmbito da política previdenciária.

Art. 88. Compete ao Serviço Social esclarecer junto aos beneficiários seus direitos
sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo
de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a previdência social,
tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade.
0
§ 1 . Será dada prioridade aos segurados em benefício por incapacidade temporária

70
e atenção especial aos aposentados e pensionistas.
0
§ 2 . Para assegurar o efetivo atendimento dos usuários, serão utilizadas
intervenção técnica, assistência de natureza jurídica, ajuda material, recursos
sociais, intercâmbio com empresas e pesquisa social, inclusive mediante celebração
de convênio, acordos ou contratos.
0
§ 3 . O Serviço Social terá como diretriz a participação do beneficiário na
implementação e no fortalecimento da política previdenciária, em articulação com as
associações e entidades de classe.
0
§ 4 . O Serviço Social, considerando a universalização da previdência social,
prestará assessoramento técnico aos Estados e Municípios na elaboração e
implantação de suas propostas de trabalho (BRASIL, 1991).

A partir de 1991, na análise de Silva (2008), as atividades do Serviço Social ganham


espaço nos âmbitos internos e externos. No interno, ficaram destinadas as seguintes ações
para o Serviço Social: prestação e socialização das informações previdenciárias, articulação
com os setores da Instituição, prestação de recursos materiais e emissão de laudo e parecer
social. No âmbito externo, o Serviço Social do INSS ficou responsável pela articulação com
as associações, entidades de classe, sindicatos, empresas, obras sociais e outros recursos,
por meio da criação de canais contínuos que possibilitem a discussão e análise dos direitos
sociais e da política previdenciária, a inclusão dos trabalhadores na participação,
implementação e fortalecimento da mesma.
A prestação e socialização das informações previdenciárias constituem um trabalho
social que possibilita ao usuário a decodificação da lei e de seus procedimentos burocráticos
para facilitar ao usuário o acesso aos benefícios e serviços e, ao mesmo tempo, possibilitar
uma análise crítica das questões previdenciárias (MOREIRA, 2008).
Essa guinada na principal atividade no Serviço Social previdenciário a partir da
década de 1990 aponta para um avanço do projeto de profissão na previdência social
ancorado a uma concepção de projeto societário com uma perspectiva voltada para os
interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora (MOREIRA, 2008; CARTAXO e
CABRAL, 2008).
A concepção de projeto profissional articulada a um projeto societário emancipatório
tem no Código de Ética do Assistente Social (1993), na Lei de Regulamentação da Profissão
(1993) e nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), uma nova legalidade reafirmada na
década de 1990, orientada por uma nova direção social hegemônica do Serviço Social nos
anos de 1980. O projeto profissional e sua direção sociopolítica têm sua influência decisiva
nas lutas e movimentos sociais em uma perspectiva classista em que o trabalho profissional
vai perfilando uma nova configuração no interior da contradição capital-trabalho
(IAMAMOTO e CARVALHO, 2005; CARTAXO e CABRAL, 2008).
O movimento de ruptura do Serviço Social na previdência ocorreu uma década após
a ruptura pública e coletiva da profissão, que tem no III Congresso Brasileiro de Assistentes
71
Sociais (1979) sua referência emblemática (IAMAMOTO, 2008). Foi na década de 1990 que
se consolidou, na previdência social, a maturidade teórico-profissional do projeto de ruptura
que se materializou na Matriz Teórico-Metodológica do Serviço Social (1994) na previdência
social que orienta a ação profissional. Essa Matriz declarou o compromisso de ruptura do
Serviço Social com o modelo tradicional na previdência social e assumiu nova identidade
pela aproximação com o discurso hegemônico da profissão, o projeto ético-político
profissional (CARTAXO e CABRAL, 2008).
A Matriz de 1994 apresentou um novo paradigma para o Serviço Social na área da
previdência social que reestrutura o fazer profissional do Serviço Social na área e vai se
constituir um marco na história da profissão na previdência, revelando “uma opção clara e
fundamentada pelos princípios democráticos que buscam recuperar e resgatar o exercício
da cidadania e do direito” (INSS, 1994, p. 7).
Com a Matriz, um novo sopro de vida foi dado ao Serviço Social previdenciário, um
sopro bem diferente de cinquenta anos atrás. Esse documento surge como contraposição às
orientações funcionalista/ajustadora dos velhos Planos de Ação de 1972 e 1978 que durante
anos orientaram a prática dos assistentes sociais da previdência social. A partir da metade
da década de 1990 foi iniciado um embate com as forças institucionais conservadoras que
foi capaz de traçar uma trajetória diferenciada, construída a partir de uma apreensão crítica
da realidade. Esse novo paradigma vai apoiar-se no método crítico dialético, apresentando
como fundamento novas bases teóricas, estratégicas, éticas e legais para a ação
profissional, sendo orientado por uma concepção de previdência social como direito
(MOREIRA, 2008; SILVA, 1999).
O debate avançou em algumas dimensões, como: 1. a compreensão do Serviço
Social inserido no processo de reprodução das relações sociais; 2. a explicitação das
demandas colocadas socialmente ao Serviço Social e das necessidades sociais a que a
profissão busca responder pelo caráter contraditório da prática profissional; 3. a análise do
trabalho do assistente social e de algumas de suas particularidades como a vinculação
histórica com a assistência social; 4. as bases legais do Serviço Social (IAMAMOTO e
CARVALHO, 2005; CARTAXO e CABRAL, 2008).
A Matriz trouxe muitas mudanças para o Serviço Social previdenciário e afirmou que

a ação prioritária do Serviço Social, a partir de 1994, se voltou para assegurar o


direito, quer pelo acesso aos benefícios e serviços previdenciários, quer pela
contribuição para a formação de uma consciência cidadã de proteção social ao
trabalho, que leve os usuários a participar da implementação da política
previdenciária (SILVA, 1999, p. 19).

Silva (1999) informa que essa competência foi concretizada por meio de ações
profissionais coordenadas pela Divisão de Serviço Social (DSS) extinta em junho de 1999
72
pelo decreto n0. 3.081/1999. Foi no contexto da “contrarreforma do Estado” (BEHRING,
2003) que a cobertura e o acesso aos direitos da política previdenciária sofreram grave
queda, momento também que foi posta em discussão a existência do Serviço Social no
INSS.
Silva (1999) aponta dois momentos importantes que contribuíram na luta da
categoria e da sociedade pela permanência do Serviço Social no INSS: 1. em dezembro de
1998, quando, como parte da contrarreforma, foi publicada a Medida Provisória 1.729, cujo
texto continha, dentre outros assuntos, a extinção do Serviço Social do INSS. Tal medida
indignou o Serviço Social e a sociedade pela forma autoritária e não transparente como foi
editada. A DSS só tomou conhecimento da medida por meio do Diário Oficial da União. Toda
a categoria profissional se mobilizou, articulada com entidades e personalidades políticas da
sociedade civil. Em dois dias, mais de 220 organizações da sociedade, manifestaram-se
pela exclusão dos artigos referentes ao Serviço Social da MP. A capacidade de mobilização
da categoria e da sociedade em torno da MP 1.729/1998 significou uma vitória parcial do
Serviço Social e usuários desse serviço; 2. o período decorrido entre a mobilização pela
alteração do conteúdo da MP 1.729/1998 e o que antecedeu a publicação do decreto
3.081/1999: foram mobilizadas mais de 1800 organizações da sociedade civil, incluindo
personalidades políticas, das quais 931 manifestaram-se, enviando defesas escritas pela
permanência do Serviço Social no INSS e representantes do governo.
A mobilização da categoria dos assistentes sociais em relação à permanência do
Serviço Social na previdência repercutiu no Ministério da Previdência e Assistência Social
que recuou da extinção definitiva do Serviço Social, conforme pretendeu com a MP
1.729/1998, mantendo-o como atividade no âmbito do INSS (LOPES, 1999).
Tanto na análise de Silva (1999) quanto de Cartaxo e Cabral (2008), as demandas
contemporâneas que desafiam o Serviço Social previdenciário estão orientadas para ações
e projetos que possuem como principais objetivos a confirmação da previdência social como
um direito do cidadão; a ampliação da visibilidade interna e externa do Serviço Social; o
fortalecimento das articulações com outros setores da instituição; o engajamento com os
movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
A luta do Serviço Social previdenciário, conforme Cartaxo e Cabral (2008), também
está na recomposição do espaço sócio-ocupacional em face da publicação da Portaria
Interministerial n0. 01/2007 – MPS/MDS, de 20/03/2007, que constituiu um grupo de trabalho
para reestruturar este serviço, com a participação de representações do Ministério da
Previdência, MDS e do CFESS.
Outra luta dos assistentes sociais da previdência e também do conjunto
CFESS/CRESS, está no combate ao Projeto de Lei que regulamenta os fundos privados de

73
previdência complementar criados com a Reforma Previdenciária de 2003 na perspectiva do
fortalecimento da previdência privada e a Lei 11.457, que regulamenta o funcionamento da
Receita Federal, com a fusão das Secretarias da Receita Previdenciária e da Receita
Federal, o que implica injetar recursos da seguridade social no caixa único da União, que
tem priorizado o pagamento da dívida pública. É nesse cenário de incertezas que se
inscreve a reestruturação do Serviço Social previdenciário.
Muito embora uma tendência de avanço em termos teórico-metodológicos, ético-
políticos e técnico-operativos do Serviço Social na previdência nos últimos dezesseis anos,
as antigas expressões do pensamento conservador não estão suprimidas da agenda
político-institucional (CARTAXO e CABRAL, 2008).
Exemplo desse pensamento conservador, o progressivo desmonte da seguridade
social em três diferentes tendências, tais sejam: 1. desconfiguração dos direitos previstos
constitucionalmente; 2. fragilização dos espaços de participação e controle democrático
previstos na CF/1988; e 3. apropriação indevida do orçamento, em que estão em disputa
interesses antagônicos, a luta pela apropriação de bens, serviços e recursos sociais, talvez
seja o principal desafio na relação Serviço Social e previdência social hoje (BOSCHETTI,
2008; 2009).
Em uma realidade de crise estrutural da economia mundial atual em seus aspectos
global, permanente e sistêmico e de seu rebatimento sobre as políticas sociais (ACANDA,
2010), a resposta profissional é de afirmação e defesa do caráter público da previdência
social, de sua universalidade e democratização enquanto política de direitos de cidadania.
Os assistentes sociais da previdência social não estão alheios a esse debate e buscam
resistir, no cotidiano profissional, às reformas conservadoras e lutam na construção de
políticas sociais politizadas e voltadas aos direitos de cidadania de seus usuários.

3.2 O Serviço Social, a Avaliação Social e o Desafio do Concurso Público

A luta em defesa do Serviço Social na previdência social não é recente e se vincula à


garantia de um espaço de trabalho profissional comprometido com a defesa dos direitos
sociais, com a efetivação da seguridade social pública e de qualidade, consonante com a
direção do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro (CFESS, 2010a).
O Conjunto CFESS/CRESS vem sendo um dos protagonistas na defesa desse
espaço sócio-ocupacional. Na gestão 2005/2008 do CFESS, foram realizadas duas
audiências com o Ministério da Previdência Social, para tratar sobre o concurso público, que
resultou na criação do Grupo de Trabalho (GT) pela Portaria Conjunta nº. 1, de 28/03/07, do
Ministério da Previdência Social e do MDS, com a participação do CFESS, conforme já

74
anunciado (CFESS, 2010a).
Esse GT teve como objetivos: a) apresentar proposta de reestruturação do Serviço
Social do INSS de modo a contemplar as novas exigências quanto aos serviços específicos
a serem prestados à população previdenciária e àquela necessitada dos benefícios
assistenciais de modo a subsidiar a realização de concurso público para profissionais da
área; b) definir atribuições, competências, funções dos profissionais de Serviço Social no
âmbito da previdência social a fim de readequar a estrutura existente às demandas atuais;
c) propor alterações que se fizerem necessárias no que diz respeito às condições de
trabalho dos assistentes sociais no INSS (CFESS, 2010a).
O GT apresentou como resultado do seu trabalho uma minuta de Decreto, que dentre
outras previsões, estabelece as atribuições de assistentes sociais no âmbito do INSS,
documento que foi encaminhado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG), e que ainda hoje se encontra nesse órgão (processo 04500.006030/2007-24).
A publicação do Decreto 6.214/2007, que estabelece a obrigatoriedade da avaliação
social como parte integrante do processo de avaliação da incapacidade para a vida
independente e para o trabalho das pessoas com deficiência para acesso ao BPC a partir de
2009, reforçou a necessidade do concurso público para assistentes sociais no âmbito do
INSS.
Em resposta à exigência expressa pelo Decreto de 2007, inicialmente, o MPOG
autorizou 600 vagas para o concurso público, insuficientes para a necessária recomposição
do quadro. Foram realizadas diversas articulações e dessa forma conseguiu-se a
concordância do MPOG em aumentar o número de vagas (CFESS, 2010a).
Após anos de lutas para (re)estabelecer o quadro de assistentes sociais no INSS, foi
publicado no D.O.U. o Edital nº. 1, de 6 de novembro de 2008, concurso público para
provimento de 900 vagas no cargo de Analista de Seguro Social com formação em Serviço
Social para todo o Brasil.
O concurso realizado foi para assistente social, no âmbito do INSS, tendo como
objetivo principal atender a demanda de realizar a avaliação social da deficiência e do grau
de incapacidade para a vida independente e para o trabalho das pessoas com deficiência
que buscam o BPC (CFESS, 2010)
As 900 vagas, embora superior a oferta inicial do MPOG, é insuficiente para o
provimento do quadro de pessoal das 100 Gerências Executivas e 1.217 Agências da
Previdência Social no Brasil. Antes da realização do concurso público, o INSS contava com
apenas 548 profissionais, sendo que somente 270 desempenhavam suas ações nas seções
específicas de Serviço Social. Os demais profissionais atuavam nos setores de Reabilitação
Profissional, Recursos Humanos, exerciam cargos comissionados e/ou atuavam nos

75
diversos setores do órgão. Os estudos realizados pelo GT demonstravam a necessidade de
contratação de aproximadamente 1.600 profissionais para suprir as reais demandas de
atendimento aos usuários das políticas da previdência e assistência social (CFESS, 2010a).
Uma grande conquista, a Portaria 450 sobre o concurso, do MPOG, admite a
possibilidade de nomeação de candidatos aprovados até o limite de 50% a mais do
quantitativo original de vagas, o que implica dizer que ainda existe a oportunidade de 450
assistentes sociais serem nomeados, podendo chegar ao patamar de 1.350 nomeações em
todo o Brasil, número mais próximo da necessidade de profissionais apontado pelo GT
(CFESS, 2010a).
A pesquisa de campo realizada em Brasília, Taguatinga e Ceilândia, cidades do
Distrito Federal, foi possível pela autorização dada pela diretora da Saúde do Trabalhador
do INSS, após submissão do projeto e instrumento de coleta de dados inicialmente
censurado em questões relativas: 1. aos aspectos éticos, técnicos e materiais do trabalho do
assistente social no INSS; 2. às competências e atribuições profissionais no órgão; 3. à
autonomia profissional; 3. aos desvios de função. Essa ação comprometeu a autonomia da
pesquisa, mas fizeram parte das entrevistas por serem elementos essenciais para uma
análise qualificada desse estudo.
Reflexo do concurso público de 2009, o perfil das assistentes sociais entrevistadas
revela uma nova identidade do Serviço Social previdenciário no Distrito Federal. Grande
parte das entrevistadas, 80%, ainda se encontra em estágio probatório em seus postos de
trabalho e são recém-formadas, o que ainda causa certa imprecisão quanto ao objetivo
fundamental do seu trabalho, o conhecimento do que é “deficiência” no contexto capitalista
e, em alguns momentos, dúvidas e incertezas no cotidiano profissional quando estão de
frente com a pessoa com deficiência. Muitas dessas dúvidas e incertezas ocorrem,
essencialmente, por uma falta de orientação das competências e atribuições do cargo de
Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social para além dos caracteres
expressos ainda no edital do concurso realizado em 2009.
O processo de trabalho do assistente social na avaliação social está repleto de
desafios colocados à categoria profissional conforme alerta Cartaxo (2010): 1. discussão
com um novo olhar na forma de avaliação da incapacidade para o trabalho baseada na CIF;
2. rigoroso trato teórico-metodológico para apreensão crítica da realidade social; 3.
constante pesquisa como fundamento do exercício profissional em seus programas e
projetos – numa relação dialética entre a teoria- prática profissional; 4. permanente
capacitação profissional qualificada às demandas dos usuários e as requisições
institucionais de acordo com o Código de Ética da profissão; 5. reafirmação da Matriz
Teórico-Metodológica do Serviço Social; 8. articulação da política previdenciária com a

76
saúde e assistência social.
Moreira (2010) também coloca alguns desafios a serem problematizados e
superados entre os assistentes sociais que realizam a avaliação social: 1. defesa da
ampliação da renda per capita dos membros da família do requerente considerado no
cálculo da renda familiar; 2. realizar estudos e pesquisas sobre os resultados alcançados
com a adoção do novo modelo; 3. intensificar o debate junto à sociedades sobre o novo
modelo; 4. identificar necessidades e demandas e propor soluções de aperfeiçoamento do
instrumento; 5. agilizar a implementação das ações necessárias ao aperfeiçoamento do
instrumento e da avaliação; 8. ampliação o acompanhamento dos beneficiários do BPC na
rede de serviços socioassistenciais.
Em meio a tantos desafios apontados por Moreira (2010) e Cartaxo (2010), vamos
focar, nesse estudo, aqueles que se apresentam com maior regularidade entre as
assistentes sociais pesquisadas e os pontos mais polêmicos apresentados à categoria após
um ano de implantação da avaliação social.

3.3 Competências e Atribuições do Assistente Social no INSS

A realização de concurso público, pelo INSS, para contratação de assistentes sociais,


foi um marco histórico para a categoria. No entanto, o cenário que se configurou após a
nomeação dos profissionais é conflituoso devido ao entendimento equivocado, por alguns
gestores do INSS, que insistem em determinar aos profissionais a realização de atividades
estranhas às competências do Serviço Social do INSS, nos termos da Lei 8.213/1991, e às
competências e atribuições desses profissionais previstas na Lei que regulamenta a
profissão – Lei 8.662/1993, assim como as atividades estabelecidas no Edital do concurso
de 2009 (CFESS, 2010; 2010a).
O Parecer Jurídico CFESS 12, de 2010, informa que o documento OS IAPAS – SAD
nº. 135, de 04/03/1986, que trata das atribuições dos assistentes sociais no INSS se
encontra desatualizado e já não atende às novas demandas institucionais. Em função do
intervalo de tempo decorrido e das alterações na estrutura organizacional do INSS, os
assistentes sociais procuraram adequar suas atividades às demandas apresentadas pelos
usuários.
O trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais do Serviço Social no INSS tem
respaldo na Lei nº. 8.213/1991, artigo 88, e no Decreto nº. 3.048/1999, artigo 161, que
divergem daqueles elencados no documento de 1986.
A Lei 10.855/2004, após alteração pela MP 359/2004, convertida na Lei 11.501, de
2007, possibilita a regulamentação das atribuições de Analistas do Seguro Social, com

77
atribuições específicas, conforme especificados nos seguintes artigos:

0
Art. 5 . A. Os cargos de provimento efetivo de nível superior de analista
Previdenciário, integrantes da Carreira do Seguro Social, do Quadro de Pessoal do
INSS, mantidas as atribuições gerais, passam a denominar-se Analista do Seguro
Social (BRASIL, 2007e).

O cenário de incerteza sobre competências e atribuições ainda presente no cargo de


Analista em Seguro Social com formação em Serviço Social tem ampla contribuição na
própria relação das assistentes sociais com os gerentes das Agências da Previdência
Social.

Antes, não tinha analista nas agências da previdência, nós somos as primeiras e
isso provocou certa instabilidade na relação profissional. Avalio que os gerentes
ficaram em alerta na possibilidade de perderem seus cargos (entrevistada 5).

Inicialmente, tive dificuldade no trabalho principalmente com o gerente da agência.


Temos visões sobre determinadas coisas diferentes. O gerente não sabe o que é o
trabalho do assistente social no INSS e isso implica em dizer que temos que a todo o
momento reafirmar o nosso papel aqui (entrevistada 2).

Muito embora a publicação do ato normativo possa ser um instrumento capaz de


resolver parte desses problemas, a espera pelo documento não é tão tranquila para todas as
assistentes sociais do INSS do Distrito Federal.

Sinceramente, não sei o que esperar desse ato normativo. Tenho medo dos
desdobramentos e do que virá escrito nele (entrevistada 4).

Existe um discurso hegemônico de que a publicação deste ato normativo é urgente


para um respaldo e objetividade do trabalho do assistente social. Os relatos a seguir trazem
uma reflexão sobre ausência de um termo jurídico que aponte as competências profissionais
no INSS:

A falta do ato normativo do INSS sobre as atribuições profissionais do cargo de


Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social pode ser uma brecha
para que ocorram desvios de função. Só tenho o edital do concurso para questionar
sobre minhas atribuições profissionais aqui, além da Lei de Regulamentação.
Embora exista o entendimento de que a habilitação do BPC seja competência do
Técnico do Seguro Social, o ato normativo viria a responder a todos que isso não é
competência do Serviço Social (entrevistada 2).

O ato normativo ajudaria e protegeria o profissional. Por exemplo, aqui não tenho
apoio administrativo. Isso faz com que eu tenha que protocolar processos, solicitar
transporte para visitas, telefonar para o usuário para remarcar o processo. Nunca
habilitei benefício, mas existe um discurso de colocar qualquer coisa para o
assistente social fazer: se colar, se topar, ótimo (entrevistada 3).

O problema da falta do ato normativo está na “ingerência” dos gerentes das Agências

78
da Previdência Social sobre a orientação no trabalho do assistente social no INSS. Exemplo
de determinações equivocadas, destacamos o memorando 72/2009 de Gerência Executiva
do INSS em Juazeiro/BA, de 29/12/2009, e o memorando circular 02/INSS da Gerência
Executiva do INSS em Petrolina/PE, de 19/10/2009, determinando a realização de
habilitação de benefícios pelos assistentes sociais. Nessa tensa relação entre o gerente da
agência e o assistente social, foram realizadas ameaças por alguns gestores nas quais
registram que o não acatamento das ações determinadas por eles gerará avaliações
negativas nos estágios probatórios destes profissionais, na avaliação de desempenho e em
denúncias aos órgãos de corregedoria do INSS (CFESS, 2010; 2010a).
Toda a normatização que regulamenta a ação do Serviço Social na instituição, bem
como as diretrizes teórico-metodológicas, bem diferente de habilitar benefícios, determinam
que as ações do Serviço Social tenham como focos principais a socialização de informações
previdenciárias, o fortalecimento do coletivo e a assessoria às organizações públicas e
privadas em matéria de previdência social, com intuito de contribuir para o melhor acesso do
trabalhador aos direitos previdenciários (INSS, 1994).
Iamamoto (2005) nos lembra que o Serviço Social é regido por normas próprias, ou
seja, qualquer alteração no que se refere às suas competências e atribuições privativas
deve estar de acordo com a regulamentação vigente e submeter-se a discussão da
categoria profissional nos seus mecanismos representativos, CRESS e CFESS. Sobre
competências e atribuições privativas do assistente social, a Lei 8.662/1993 determina que:

Art. 4º Constituem competências do Assistente Social:


I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da
administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações
populares;
II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam
do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil;
III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à
população;
IV - (Vetado);
V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de
identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus
direitos;
VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;
VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da
realidade social e para subsidiar ações profissionais;
VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias
relacionadas no inciso II deste artigo;
IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às
políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da
coletividade;
X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de
Serviço Social;
XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e
serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas
privadas e outras entidades.

79
Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social:
I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos,
programas e projetos na área de Serviço Social;
II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço
Social;
III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e indireta,
empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social;
IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres
sobre a matéria de Serviço Social;
V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós
graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos
em curso de formação regular;
VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social;
VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de
graduação e pós-graduação;
VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em
Serviço Social;
IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de
concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam
aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social;
X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre
assuntos de Serviço Social;
XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais;
XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas;
XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em
órgãos e entidades representativas da categoria profissional (BRASIL, 1993).

Diante disso, pode-se afirmar que a realização de habilitação de benefícios é uma


prática contraditória às competências e atribuições privativas do profissional de Serviço
Social, da mesma forma que, forçar os assistentes sociais a tal prática se torna uma
ilegalidade, ferindo toda a legislação que regulamenta a atuação profissional no INSS, o
Código de Ética Profissional (1993) e a Lei que regulamenta a profissão (8.662/1993).
Em relação ao BPC, o assistente social atua na realização da avaliação da
deficiência e do grau de incapacidade das pessoas com deficiência que buscam o BPC,
juntamente com a perícia médica, conforme determina o Decreto 6.214/2007. Além disso,
realiza ações de socialização das informações junto aos usuários e à sociedade civil, por
meio de abordagens individuais e grupais viabilizando articulações com instituições e os
poderes públicos.
Sobre a descrição do cargo de Analista do Seguro Social com formação em Serviço
Social, o Edital 1/2008 é bastante claro na descrição do que chama de “atividades” do cargo:

2. DO CARGO
2.1. Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social
2.1.1. Descrição das atividades: Prestar atendimento e acompanhamento aos
usuários dos serviços prestados pelo INSS e aos seus servidores, aposentados e
pensionistas; elaborar, executar, avaliar planos, programas e projetos na área de
Serviço Social e Reabilitação Profissional; realizar avaliação social quanto ao acesso
aos direitos previdenciários e assistenciais; promover estudos sócio-econômicos
visando a emissão de parecer social para subsidiar o reconhecimento e a
manutenção de direitos previdenciários, bem como a decisão médico-pericial; e
executar de conformidade com a sua área de formação as demais atividades de
competência do INSS (CFESS, 2010).

80
Tendo como referência o constante no item 2 do Edital 1/2008, não há dúvida de que
as atividades ali previstas, majoritariamente, são atribuições privativas dos assistentes
sociais, conforme estabelece a Lei 8.662/1993, que regulamenta a profissão de assistente
social, tais como:

elaborar, executar, avaliar planos, programas e projetos na área de Serviço Social;


realizar avaliação social quanto ao acesso aos direitos previdenciários e
assistenciais; promover estudos sócio-econômicos visando à emissão de parecer
social para subsidiar o reconhecimento e a manutenção de direitos previdenciários,
bem como a decisão médico-pericial (BRASIL, 1993, Art. 5º.).

Acrescente-se, ainda, de acordo com o Parecer Jurídico CFESS 12/10, que no


mesmo item consta a exigência da formação em Serviço Social para o cargo de Analista de
Seguro Social, ou seja, somente profissionais com formação em Serviço Social, portanto
assistentes sociais, estavam aptos à inscrição no certame, apresentando o diploma
respectivo. De acordo com a Lei 8.662/1993, para o exercício regular da profissão de
assistente social, além da apresentação do diploma do curso de Serviço Social
regularmente reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), é obrigatória a inscrição no
CRESS da respectiva jurisdição onde se dará a atuação profissional.

0
Art. 1 . O exercício da profissão de assistente social requer prévio registro nos
Conselhos Regionais de Serviço Social, que tenham jurisdição sobre a área de
atuação do interessado, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº
8662/93.
0
Art. 3 . A designação profissional de “assistente social” é privativa dos inscritos nos
Conselhos Regionais de Serviço Social/CRESS, estando obrigado ao registro ou a
permanência deste perante os CRESS, inclusive aqueles que estejam em desvio de
função, mas que tenham cargo, registro ou contrato sob esta denominação.
0
Art. 6 . É prerrogativa do assistente social e de qualquer trabalhador,
independentemente da denominação de seu cargo ou função, exercer somente as
funções pertinentes ao cargo que ocupa ou que foi investido ou contratado (CFESS,
2010).

Esclarecemos que a não obediência a essas exigências legais caracteriza exercício


ilegal da profissão (CFESS, 2010).
Por fim, o edital prevê que aquele que for empossado no cargo em questão, deve
executar, em conformidade com a sua área de formação, as demais atividades de
competência do INSS. Neste aspecto, fica evidente que as demais atividades executadas
deverão ser na área de formação de Serviço Social. Portanto, só pode ser exigido que o
assistente social, analista de seguro do INSS, exerça atribuições compatíveis a sua
formação profissional e de acordo com a Lei de Regulamentação da profissão de assistente
social de 1993 (CFESS, 2010).

81
3.4 Aspectos Materiais, Técnicos e Éticos no Exercício Profissional

Tratar dos aspectos materiais, técnicos e éticos no trabalho do assistente social é


também tomar conhecimento dos elementos para uma análise do trabalho do assistente
social em tempo do capital fetiche, que considere suas particularidades e focalize as tensas
relações entre projeto ético-político profissional e estatuto assalariado (IAMAMOTO, 2008).
O dilema condensado na inter-relação entre projeto profissional e estatuto
assalariado significa afirmar a relativa autonomia do assistente social na condução de suas
ações profissionais, socialmente legitimada pela formação acadêmica de nível universitário
e pelo aparato legal e organizativo que regulam o exercício de uma “profissão liberal” na
sociedade. A autonomia é condicionada pelas lutas hegemônicas presentes na sociedade
que alargam ou retraem as bases sociais que sustentam a direção social projetada pelo
assistente social ao seu exercício, permeada por interesses de classes e grupos sociais,
que incidem nas condições que circunscrevem o trabalho voltado ao atendimento de
necessidades de segmentos majoritários da classe trabalhadora (IAMAMOTO, 2008).
Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, Iamamoto (2008)
defende que o Serviço Social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente social
não detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho: financeiros,
técnicos e humanos necessários ao exercício profissional autônomo. Parte dos meios ou
recursos materiais, financeiros e organizacionais, necessários ao exercício desse trabalho,
são fornecidos pelas entidades empregadoras. Portanto, a condição de trabalhador
assalariado não só enquadra o assistente social na relação de compra e venda da força de
trabalho, mas molda a sua inserção socioinstitucional na sociedade brasileira.
Falar em autonomia profissional no âmbito do INSS é delicado para algumas
assistentes sociais que são subordinadas tecnicamente à Divisão de Serviço Social e
administrativamente ao gerente da Agência da Previdência Social. O chefe próximo e direto
das profissionais é o gerente da agência. O limite da autonomia profissional está na
confusão estabelecida para saber quem é o profissional que irá marcar a avaliação social e
ainda na confusão de alguns gestores em não conhecer o significado do trabalho do
assistente social.
A autonomia profissional constitui um dos desafios contemporâneos postos ao
assistente social, embora esta questão seja garantida como um dos seus direitos no artigo
2º alínea “h” do Código de Ética de 1993: “[...] ampla autonomia no exercício da profissão,
não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições,
cargos ou funções” (CFESS, 1993, p. 13).
Uma das condições do exercício democrático é captar os reais interesses e

82
necessidades da classe trabalhadora, conhecer suas demandas para que se possa efetuar
a crítica do senso comum da herança intelectual acumulada (IAMAMOTO, 2008).
O Código de Ética do Assistente Social (1993) nos indica um rumo ético-político, um
horizonte para o exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na
cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstratos,
descolados do processo social.
Um importante desafio ético colocado às assistentes sociais do INSS é o sigilo
profissional. Elemento imprescindível na relação com a pessoa com a deficiência no
momento da avaliação social, alguns problemas foram encontrados na efetivação daquilo
que trata o capítulo V (do Sigilo Profissional) do Código de Ética de 1993.

Quando cheguei aqui não tinha sala do Serviço Social. Ao questionar com o gerente
da agência, encontrei a resposta que o atendimento seria no balcão, um lugar
aberto, de frente para dezenas de cadeiras com pessoas esperando pelo
atendimento. Já nessa primeira reunião, informei que o atendimento do Serviço
Social não poderia ser feito dessa maneira, era necessário uma sala específica para
garantir o sigilo profissional (entrevistada 5).

Uma conversa nesse tom que estamos tendo, não é possível pessoas que estejam
aqui fora, esperando pelo atendimento, ouçam. Mas, por exemplo, nesse momento,
conseguimos ouvir o que a funcionária aqui do lado conversa com outra pessoa.
Acredito que, nessa sala, não exista um sigilo profissional absoluto (entrevistada 3).

O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito a portas fechadas, de
forma a garantir o sigilo (CFESS, 2006). No entanto, só isso por si não garante o sigilo
profissional. As salas das entrevistadas acima eram delimitadas por meio de divisórias que
realmente não possuem um eficiente isolamento acústico, o que, mesmo de portas
fechadas, torna difícil, em alguns momentos, seguir o que é preconizado pelo Código de
Ética de 1993 ao afirmar que constitui direito do assistente social manter o sigilo profissional
e que tal sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo de que o assistente social tome
conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional (CFESS, 1993).
Outro importante instrumento que merece destaque nesse item, a Resolução CFESS
n0. 493, de 21 de agosto de 2006, dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício
profissional do assistente social. Na intenção de deixar claro como deve ser a realidade
profissional do assistente social no espaço sócio-institucional, a Resolução de 2006
apresenta logo no primeiro artigo:

É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer


atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas
condições que esta Resolução estabelecer (CFESS, 2006, Art. 1º.).

Em algumas Agências da Previdência Social, encontramos um cenário, em termos


materiais, que vão de encontro à Resolução CFESS 493/2006, ao afirmar que o local de
83
atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente para
abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e
deve possuir e garantir as seguintes características físicas: 1. iluminação adequada ao
trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; 2. recursos que garantam a
privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção
profissional; 3. ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas
fechadas; 4. espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de
material técnico de caráter reservado (CFESS, 2006).
A questão da iluminação das salas das assistentes sociais foi considerada boa para
todas as profissionais entrevistadas. Já a questão da ventilação e do espaço foi ponto em
destaque na falas das assistentes sociais.

A estrutura física aqui é muito ruim. Essa sala é muito pequena e totalmente
fechada, sem janela. Já tivemos casos aqui de usuários passarem mal. Claramente,
não houve uma preparação da agência para me receber, um profissional que
executa parte de uma ação obrigatória para acesso das pessoas deficientes ao BPC
(entrevistada 2).

Outro problema apresentado pelas entrevistadas é sobre a condição do material


necessário na operacionalização do trabalho e a segurança do arquivo material técnico na
Agência da Previdência Social.

Mesmo já reclamando algumas vezes com o gerente da agência, ainda temos mesa
caindo aos pedaços, gaveta quebrada, porta da sala que não tem chave, o que
provoca falta de segurança em relação aos processos, […] a impressora é lenta, o
computador defasado. A modernidade do INSS tem um limite, somente está onde a
mídia chega. Quando vejo reportagens pela televisão, vejo computadores modernos,
mesas em bom estado. Isso não ocorre no Serviço Social, talvez por um
pensamento conservador que até hoje coloca que o Serviço Social não é prioridade,
é algo complementar e também, talvez, por eu ser uma servidora nova no órgão. Em
termos materiais, é uma modernização que ainda não chegou por aqui (entrevistada
3).

Essa realidade revela certo descaso ao trabalho do assistente social no INSS, ainda
carregado do ranço conservador histórico do caráter complementar, não essencial, do
trabalho do assistente social no INSS (SILVA, 2008). Já sabíamos, e a Resolução CFESS
493/2006 tornou escrito, o material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter
reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais (CFESS, 2006), o que
não ocorre em algumas agências no Distrito Federal.
O assistente social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão que
trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações
constatadas por este, quanto às condições éticas, físicas e técnicas do exercício
profissional, sugerindo alternativas para melhoria dos serviços prestados (CFESS, 2006). Os
problemas relatados aqui já foram levados ao setor competente pelas profissionais que
84
ainda tentam resolver esses problemas por meios administrativos.
Os aspectos materiais, éticos e técnicos do trabalho profissional, em comparação
aos outros aspectos que procuramos conhecer, foram relatados com mais propriedade e
angústia pelas assistentes sociais. Elas apresentaram um cenário complexo e com muitos
desafios ainda a serem superados no exercício profissional, o que contribuiu para
entendermos a fragilidade e dificuldades do trabalho do assistente social no INSS mesmo
após um ano do concurso nacional em que centenas de profissionais foram aprovadas,
classificadas e se encontram em exercício.
No item a seguir, iremos tratar sobre alguns elementos que as profissionais relataram
como os mais difíceis no momento da avaliação social, bem como estabelecer um diálogo
crítico com os critérios de elegibilidade do BPC a partir das entrevistas.

3.5 A Deficiência, os Critérios de Elegibilidade e a Avaliação Social

A exigência da pobreza familiar como critério de acesso ao BPC transforma o


benefício em uma garantia de renda destinada à família e não somente à pessoa com
deficiência. O critério de ¼ de salário mínimo per capita familiar de renda que permite o
acesso ao BPC aliado à pobreza das famílias das pessoas com deficiência configuram o
alcance do benefício como restrito para promover mudanças significativas nos padrões de
consumo das pessoas com deficiências atendidas (SPOSATI, 2008; GOMES, 2008).
Fato considerado motivo de estigma no BPC pelas entrevistadas é a comprovação
por parte dos usuários dos critérios restritos de elegibilidade (SPOSATI, 2008). Em resposta
a isso, as profissionais entrevistadas apresentaram alguns pontos a serem superados
quanto aos critérios de elegibilidade do benefício. Os critérios restritivos do BPC que devem
ser superados, apontados pelas assistentes sociais, e que se caracterizam também como
desafios são:
1. a renda familiar per capita de ¼ de salário mínimo tem de ser alterada para, pelo
menos meio salário mínimo, com o objetivo de expandir o BPC a um número maior de
pessoas;
2. a necessidade de uma melhor compreensão do que seja deficiência e luta para
que as doenças crônicas sejam entendidas como incapacitantes para o trabalho;
3. a redução da idade para 60 anos na condição de acesso ao benefício para idosos,
o que estará de acordo com a idade mínima que caracteriza alguém como pessoa idosa
estipulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Estatuto do Idoso (2003);
4. a não inclusão do benefício como cálculo da renda per capita no caso de uma
segunda pessoa com deficiência na família conforme já ocorre com os idosos.

85
Em relação a prática da atividade da avaliação social, os domínios vida doméstica,
relação e interações pessoais, áreas principais da vida, e vida comunitária, social e cívica,
referentes ao componente Atividade e Participação, são os mais difíceis de serem avaliados
de acordo com as profissionais entrevistadas.
Unanimidade apresentada pelas assistentes sociais foi a dificuldade em avaliar
crianças de até quatro anos com o novo instrumento. Um questionamento colocado pelas
profissionais foi

como avaliar uma criança de um ano se ela tem problema para se relacionar?
(entrevistada 3).

Assim, como a questão anterior, algumas assistentes sociais relataram que algumas
questões do instrumento não deveriam ser perguntadas para crianças como “tem problema
para se relacionar com os outros?” ou “mantém relações sociais, interagindo com afeto e
respeito nos relacionamentos?”. Outras profissionais consideram desnecessário crianças
com deficiência passarem por avaliação social.

Por muitas vezes, parece não fazer sentido realizar avaliação social com crianças. É
bem difícil e me parece algo descabido (entrevistada 5).

A falta de certa objetividade do instrumento é capaz de gerar entendimentos


diferenciados sobre uma mesma questão. Não existe visão única acerca da aplicação do
instrumento. Uma assistente social relatou que, no momento de um recurso de processo,
avaliou bem diferente uma mesma pessoa com deficiência, antes avaliada por outra colega.
Acerca da objetividade de todo o processo necessário para acesso ao BPC,
reafirmamos o posicionamento de Diniz et. al (2007), quando informa que as maiores
chances de objetividade no acesso ao BPC está condicionada a uma maior padronização no
momento da avaliação para saber qual pessoa com deficiência tem direito ao benefício.
As dúvidas, por meio das entrevistas, sobre a uniformidade no entendimento de
todas as questões presentes na avaliação social revelam um caráter difuso dos critérios
ainda não padronizados para dizer quem é elegível ao BPC. Segundo Diniz et. al (2007),
isso ainda revela a concessão do benefício vinculada à interpretação individual profissional
sobre quais devem ser as deficiências atendidas pelo BPC.
As questões “tem problema em brincar sozinho ou com os outros?”, “tem problema
em participar da educação pré-escolar?” e “tem problema em realizar as atividades e
cumprir as responsabilidades relacionadas à escola?” e “coopera com os demais alunos?”
são exemplos da chamada “Áreas Principais da Vida” que se referem à realização das
tarefas e ações necessárias para participar das atividades de educação e das transações
econômicas. Essas são questões que as assistentes sociais devem fazer para crianças de
86
dois anos por exemplo.

Como devo avaliar isso? É no campo real, no imaginativo? E se a criança não tiver
na escola? O que é ter problema em participar da educação pré-escolar? Temos de
imaginar o que seria essas coisas para realizar a avaliação (entrevistada 3).

Todas as assistentes sociais afirmaram que a avaliação é importante instrumento


quando se fala em BPC para pessoas com deficiência. Ao reconhecer a importância de se
avaliar fatores ambientais e participação social, é estabelecida tanto uma exigência presente
no decreto 6.214/2007 quanto se ultrapassa um entendimento da deficiência além do corpo
e do biológico, sendo possível compreender e avaliar a relação social estabelecida da
pessoa com deficiência e o mundo em que ela vive, o que aproxima o BPC à CIF e ao
“modelo social de deficiência” que questionou o saber puramente biomédico no
entendimento da deficiência.
Embora ainda exista certa imprecisão conceitual no que seria deficiência por parte
das assistentes sociais no INSS, é possível identificar falas que revelam o entendimento de
que a deficiência não pode ser identificada apenas por atributos corporais dos indivíduos,
devendo ser entendida como resultado da interação dos atributos corporais, atributos
socioeconômicos e o meio em que vive a pessoa.
O “modelo social da deficiência”, que parece ser o defendido entre as entrevistadas,
representa um avanço no debate sobre a deficiência em nível mundial, evidencia a
necessidade de problematizar a relação de um corpo com lesão com as estruturas sociais
existentes, sendo necessária uma relação com a política, a economia e o social (DINIZ,
2007).
As entrevistadas apontaram que a avaliação social é parte de um processo capaz de
transformar vidas por meio da transferência de um salário mínimo. Muito embora um valor
bem limitado, o benefício é capaz de contribuir para uma melhoria relativa do beneficiário,
sendo o valor, por exemplo, capaz de promover o pagamento de um aluguel, melhorar a
condição alimentar.
As assistentes sociais também relataram que a avaliação social tem o poder de
promover a ampliação do acesso ao BPC para pessoas com deficiência, embora ainda
acreditem que a perícia médica tenha um poder decisório. Segundo as entrevistadas, a
avaliação social pode resolver um caso de uma deficiência moderada que antes do novo
instrumento de avaliação social era praticamente impossível de se conseguir. Já os casos
de deficiência leve, segundo as entrevistadas, é bem difícil conseguir.
Colocar o potencial da avaliação social capaz de definir o acesso ao BPC de uma
pessoa com deficiência moderada vai além da análise de Diniz et. al (2007, p. 2.589, grifo
nosso) ao colocar, em um momento em que ainda não se realizava a avaliação social, que
87
“as transferências monetárias do BPC são concedidas a pessoas idosas ou pessoas com
deficiência grave, cuja renda familiar per capita seja inferior a um quarto de salário mínimo”.
Segundo relato das entrevistadas, parece existir certa subordinação da avaliação
social à perícia médica. O grau da deficiência parece ainda ser um elemento essencial no
acesso ao BPC. No entanto, com a introdução do novo instrumento, ampliou-se o benefício,
foi possível ir além do acesso ao benefício apenas aquelas pessoas com deficiência que
tinham deficiência grave.
Há uma clareza por parte das profissionais de que o BPC para pessoas com
deficiência é um direito que está sendo garantido devido à incapacidade para o trabalho e
para a vida independente. A concessão do benefício é a efetivação de um direito social.
Reafirmar o BPC como um direito é importante em um momento em que parece
existir uma crise na efetivação de direitos na nossa sociedade capitalista, (re)afirmar o BPC
como direito ainda é um desafio colocado às profissionais. A fala das assistentes encontram
respaldo teórico na literatura crítica do Serviço Social que “o balanço do caminho percorrido
pela introdução do BPC exige um conjunto de reflexões que permitam consagrá-lo como
política de direito à proteção social não contributiva” (SPOSATI, 2008, p. 125).
Na intenção de qualificar, entender melhor e sanar dúvidas sobre a avaliação social,
as profissionais entrevistadas consideram importante a construção de uma política de
participação em cursos de treinamento e especialização sobre temas relacionados tanto,
exclusivamente, ao instrumento de avaliação social, quanto aos programas, projetos,
serviços e benefícios sociais. Todas relataram que realizaram um curso de capacitação para
a prática profissional antes de entrarem em exercício. Avaliaram o curso como quase
perfeito, afirmando que seria necessário um maior tempo para discussão do instrumento de
avaliação social e estudos de caso. As assistentes sociais reportaram a importância da
capacitação continuada para trocar experiências, compartilhar e solucionar dúvidas sobre o
instrumento na intenção de alcançar uma maior uniformidade da avaliação em todo o Distrito
Federal.
Sobre a capacitação continuada no Serviço Social, Mota (2003) realiza uma defesa
como necessidade latente que contribui para uma direção social coerente com o projeto
ético-político profissional. Entretanto, conforme Iamamoto (2008), o conjunto de princípios e
valores que norteiam o exercício profissional, que têm relação estreita com a perspectiva
ídeo-política e com as escolhas de cada assistente social, também são pautadas na visão
de mundo dos sujeitos profissionais.
Por fim, a avaliação social realizada pelas assistentes sociais do INSS para o acesso
ao BPC contribui para ampliar o acesso ao benefício e superar as concepções restritas de
deficiência e de incapacidade para o trabalho e vida independente. Isso implica em ir além

88
do saber biomédico que decidia qual pessoa com deficiência tinha direito ao benefício. Esse
estudo se mostrou importante por revelar que a implantação da avaliação social representa
também a existência de algumas tensões no momento da avaliação no sentido da
compreensão de algumas questões do instrumento, falta de uniformidade entre as
pesquisadas sobre o entendimento de outras questões e apontamentos de alguns
problemas no momento da operacionalização do BPC.

89
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate acerca da deficiência passou muitos séculos construído a partir de um


discurso místico. Antes considerada uma expressão do azar, a deficiência ganha um novo
status por meio da narrativa biomédica do século XIX em que o principal objetivo era
normalizar o corpo com lesão, ajustar o corpo com deficiência a partir de um julgamento
moral estético. A partir de 1970, a deficiência sai da exclusividade do discurso biomédico. O
modelo médico de deficiência passa a ser questionado, a deficiência não é mais uma
simples expressão de uma lesão que impõe restrições à participação social de uma pessoa.
Deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também
denuncia a estrutura social que oprime a pessoa com deficiência (DINIZ, 2007).
A valorização do corpo considerado perfeito para produzir ao gosto capitalista é
comparado ao corpo com lesão. As estruturas sociais vigentes discriminam o corpo com
alguma restrição e promovem a exclusão ao mercado de trabalho milhões de pessoas com
deficiência. As diversas expressões da deficiência exigem do Estado ações e instrumentos
legais que permitam a proteção social às pessoas com deficiência. A deficiência é um
produto da sociedade capitalista e constitui um problema do Estado e da sociedade, sendo
necessária a introdução de instrumentos que promovam equidade e justiça social.
Precisamos reconhecer a deficiência como expressão da diversidade humana. A proteção
social assume várias orientações por meio de diferentes políticas sociais. Nesse trabalho, foi
escolhida a política de assistência social como urgente e privilegiada muito por conta da
importância e abrangência do BPC como uma resposta às desvantagens sociais em que se
encontra as pessoas com deficiência e como resposta para reduzir a pobreza extrema no
Brasil.
O BPC é o único benefício não contributivo do sistema de seguridade social
brasileiro para pessoas com deficiência, objetivo da assistência social da CF/1988, benefício
de destaque na LOAS/1993 e hoje regulamentado por meio dos Decretos 6.214/2007 e
6.564/2008. Não é letra morta, materializa-se como um importante e real instrumento de
proteção social também para pessoas com deficiência.
Talvez os limites do benefício se encontrem nos rigorosos critérios de seletividade
para o acesso e escassez nos estudos sobre o BPC que tratam da implementação,
gerenciamento e expansão do seu alcance. A pesquisa que fundamentou esta monografia
avaliou aspectos relativos à operacionalidade do BPC, variável com presença tímida entre
os intelectuais da temática.
O Decreto 6.214/2007 incorporou as propostas feitas pela CIF que analisa a
experiência da deficiência a partir de aspectos médicos e sociais, ou seja, a avaliação da

90
deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social. A
avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade considerará as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo, e a avaliação social considerará os fatores ambientais,
sociais e pessoais, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a
restrição da participação social, segundo suas especificidades. As avaliações médica e
social serão realizadas, respectivamente, pela perícia médica e pelo serviço social do INSS,
por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este fim (BRASIL, 2007).
Para atender a uma ampla demanda do BPC em relação à avaliação social, uma
exigência do Decreto 6.214/2007, o órgão responsável pela operacionalização do benefício,
o INSS, após mais de vinte anos sem concurso para assistentes sociais e ampla luta do
CFESS e da sociedade, liberou o Edital para o concurso para Analista do Seguro Social com
formação em Serviço Social em novembro de 2008 com a prova em janeiro de 2009.
Em resposta à pergunta que norteou esse estudo – quais os desafios do processo da
avaliação social tendo em vista as concepções restritivas da perícia médica sobre
deficiência e grau de incapacidade? –, os achados da pesquisa mostram que os principais
desafios a serem enfrentados pelas assistentes sociais nos processos relacionados são: 1.
construção e publicação das competências e atribuições profissionais em relação ao cargo
que as profissionais ocupam – Analista do Seguro Social com formação em Serviço Social;
2. efetivação dos aspectos ético, material e técnico profissional de acordo com a Resolução
CFESS 493/2006, bem como respeito a autonomia profissional; 3. a dificuldade em avaliar
crianças em relação ao componente Atividade e Participação com o instrumento vigente.
Esses desafios revelam a dificuldades das condições para o exercício profissional do
assistente social no âmbito do INSS, um órgão público em que o contrato de trabalho é
estabelecido pelo considerado melhor meio jurídico do mercado de trabalho hoje que é o
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações
Públicas Federais, mediante a Lei n 0. 8.112/1990. Talvez essa fragilidade encontre resposta
no pouco tempo, um ano, de exercício profissional no órgão.
As tendências da profissão, em relação ao exercício profissional, estão articuladas:
1) à realidade objetiva, ou seja, às condições éticas, materiais e técnicas de trabalho e ao
conjunto de exigências e demandas (im)postas pelo empregador; b) à capacidade das
assistentes sociais de decodificar criticamente as estrutura sociais vigentes e propor
iniciativas que se contraponham ao processo atual de exploração e dominação burguesas; e
c) às possibilidades de organização e participação política coletiva dos profissionais
(DUARTE, 2007). As assistentes sociais que realizam a avaliação social no Distrito Federal
encontram grandes problemas, principalmente, em relação ao item 1 apontado por Duarte
(2007).

91
A literatura do Serviço Social informa que parece existir uma crise de identidade na
profissão também devido às novas competências e atribuições apresentadas na
contemporaneidade (MARTINELLI, 2000). A inserção das profissionais de Serviço Social nas
Agências da Previdência Social estudadas é pautada por limites e desafios em relação às
exigências profissionais e à autonomia. Muito embora algumas realidades diferenciadas,
esses desafios aparecem muito claros nos discursos das assistentes sociais. É certo que os
maiores desafios estão ligados ao exercício profissional, em assegurar os direitos do
assistente social em relação à Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social
(1993), ao Código de Ética do Assistente Social (1993) e à Resolução CFESS 493/2006.
Provável perda de identidade profissional no âmbito do INSS, que poderia revelar
prejuízos tanto no poder de luta quanto no reconhecimento e fortalecimento da profissão na
atualidade, não encontra fundamentação empírica nesse estudo. Muito embora exista certa
fragilidade em termos de identidade profissional por conta da confusão entre cargo (Analista
do Seguro Social com formação em Serviço Social) e profissão (assistente social), todas
fizeram questão de demonstrar que a Lei 8.662/1993, importante instrumento jurídico do
assistente social, é importante para assegurar as competências e atribuições do assistente
social no órgão, já que o descaso em relação à divulgação do ato normativo sobre tais
competências e atribuições na instituição é algo genuíno. Também podemos chegar a uma
conclusão de que existe forte engajamento em busca de solução para os problemas dos
assistentes sociais no âmbito do INSS por meio de algumas reuniões para tratar do trabalho
do assistente social no INSS inclusive no XIII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
que ocorreu em 2010.
Para além de uma dificuldade em avaliar crianças, principalmente, o questionamento
na necessidade de avaliar algumas questões para crianças, e o desconforto ético no
momento da avaliação quando os dados de renda não condizem com a realidade de algum
solicitante ao benefício (atualizar ou não atualizar a renda?), o instrumento utilizado para
realizar a avaliação social não foi motivo de críticas severas e sistematizadas pelas
profissionais. No entanto, afirmaram acerca da necessidade imperiosa de construção de
cursos na intenção de uniformizar o entendimento de algumas questões e sanar dúvidas
que possam existir.
O caminho percorrido neste trabalho não encerra as reflexões e os debates sobre os
desafios da avaliação social para acesso ao BPC para pessoas com deficiência. Isso porque
a avaliação social é uma exigência nova e precisa de alguns ajustes e porque se considera
que a realidade é uma totalidade sempre mais rica do que todas as determinações que se
possam reconstruir, ou melhor, abstrair, sendo possível conhecê-la somente por
aproximações sucessivas. Por isso, concluir esse TCC não significa finalizar análises e

92
reflexões sobre o objeto de estudo. Espera-se ter contribuído com o debate sobre os
desafios da avaliação social para acesso ao BPC, possibilitando elementos para novos
estudos, questionamentos e aprofundamentos da temática que iluminem, não só o fazer
profissional no INSS, mas que possibilitem a crítica qualificada e articulada aos processos
sociais da atualidade.

93
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101
ANEXO

ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

1. Há quanto tempo é assistente social do INSS?

2. Quais são as competências e atribuições profissionais do assistente social no INSS?

3. Qual a sua análise sobre as atribuições e competências do assistente social no INSS?

4. A Sra. avalia que todas as suas atividades executadas são próprias do Serviço Social? A
Sra. realiza a atividade de habilitação do BPC? Considera desvio de função?

5. Qual a sua análise sobre os aspectos materiais do seu trabalho?

6. Qual a sua análise sobre os aspectos técnicos do seu trabalho?

7. Qual a sua análise sobre os aspectos éticos do seu trabalho?

8. Existe autonomia no exercício da sua profissão?

9. Como é a relação profissional entre a Sra. e o gestor ou chefe da agência?

10. Como é a sua relação profissional com a chefe do Serviço Social?

11. Como a Sra. avalia os critérios estabelecidos pelo governo para dizer quem tem direito
ao BPC?

12. A Sra. acha que a perícia médica é suficiente para avaliar a incapacidade para a vida
independente e para o trabalho de uma pessoa com deficiência?

13. O que a Sra. entende por deficiência?

14. Qual a média numérica de avaliações sociais que executa por dia?

15. Qual é o objetivo da avaliação social para acesso ao BPC?

16. Como a Sra. avalia o instrumento de avaliação social para acesso ao BPC?

17. A Sra. recebeu algum tipo de treinamento, curso ou especialização para realizar as
avaliações sociais para acesso ao BPC?

18. Caso tenha feito o treinamento, o que achou? Por quê?

19. Caso não tenha feito algum tipo de treinamento, a Sr a. acha que é necessário que haja
treinamento para executar a avaliação social?

20. Como se avalia os fatores ambientais no instrumento de avaliação social?

21. Como se avalia o domínio atividade e participação no instrumento de avaliação social?

22. A Sra. acredita que todas as assistentes sociais que realizam a avaliação social
102
interpretam os fatores ambientais e atividade e participação da mesma forma?

23. A Sra. realiza visita domiciliar para conhecer as condições de moradia da pessoa com
deficiência que solicita o BPC? O que acha dessa prática?

24. Quais os desafios encontrados no preenchimento do formulário para acesso ao BPC?

25. Quais os desafios encontrados na análise da avaliação social?

26. Como é a dinâmica da avaliação social na relação assistente social e pessoa com
deficiência?

27. A avaliação social é um instrumento que contribui para a redução de desigualdades? Por
quê?

103

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