Aula Cof 59
Aula Cof 59
Aula Cof 59
algum modo, o seu próprio ritmo interior, a sua própria melodia interior, e viver mais
diretamente conectado com a dimensão mais profunda da sua personalidade.
No caso, eu estou me referindo mais à melodia separada; a uma enorme coleção de melodias
separadas que você vá se lembrando durante todo o dia, conforme o seu estado, conforme o
que lhe pareça necessário para se defender de um ambiente todo composto de banalidades e
small talking, como se diz aqui nos Estados Unidos. Isto o ajuda muito a ter certo senso de
continuidade interior. A apreensão da continuidade é um elemento extremamente importante
para a descoberta e fortalecimento da sua personalidade intelectual.
(02) Pensar é apenas um elemento do conjunto de experiências que nós temos, então não é
possível encontrar esta força unificadora numa esfera puramente cognitiva. Tem que ser numa
esfera ontológica. Não um conhecimento, mas um ser, efetivamente. Não uma forma de
conhecer, mas uma forma de ser. Para compreender este processo só tem um jeito: você
descobrir, por baixo de sua experiência diária, uma esfera de ser que seja mais duradoura e
mais contínua; e isto é exatamente o que aparece naquela experiência que nós chamamos da
alma imortal.
(03) O fato é que isto não é sintetizado no cérebro. É sintetizado onde? É sintetizado na
sua pessoa. No processo do conhecer, quem conhece não é seu corpo, não é sua alma, não
são suas percepções, é você! Nós não vamos caminhar nenhum passo na compreensão do
ser-humano se nós começarmos por dissolver a unidade do próprio objeto que estamos
estudando e achar que eu posso decompor esse fato, essa pessoa que é o meu “eu”, nos
seus elementos constitutivos ― memória, linguagem, pensamento, etc. ― [10:00] querendo
que estes elementos separados, que me compõem, me expliquem, de algum modo,
quando sou eu que tenho que explicá-los, evidentemente. Na simples audição de uma
melodia manifesta-se a unidade do seu “eu”, a unidade da sua pessoa. Não a unidade do
‘eu histórico’.
Não é possível explicar o todo apenas pela enumeração das partes, porque depois que
você enumera as partes você tem que dizer qual o fator unificante, e esse fator não é uma
função, não é uma faculdade, não é uma parte: é exatamente aquilo que se chama “eu”. O
“eu” tomado na sua totalidade e abrangendo também o eu narrativo e o eu social. Esse
“eu” profundo, verdadeiro e constante aparece, por exemplo, na experiência da confissão,
como em Santo Agostinho, em que o “eu” se coloca perante o Observador Onisciente e,
quanto mais ele vai falando de si, mais ele descobre a respeito de si.
(04) não há outra maneira de nós nos conhecermos senão quando encaramos a nós
mesmos como sujeitos agentes, num plano que não é totalmente de eternidade, mas é
de perenidade. É na perenidade, ou eviternidade, que nós existimos. Nós não existimos
na eternidade porque nós fomos criados. Eterno é o incriado: que nunca foi criado e
sempre existiu. Nós fomos criados: temos começo, mas não temos fim, e isso é o que se
chama perenidade ou eviternidade. É lá que nós estamos; e é lá que está o nosso
verdadeiro ser, e é só ali que podemos captar isso.
Na vida diária, com toda esta fragmentação de estímulos que se recebe do ambiente, e
entre toda a sua própria confusão e fragmentariedade interior, partindo disso, temos que
criar alguns artifícios para nos ajudar a tomar consciência desta nossa verdadeira
realidade. Tudo aquilo que nos dê um senso de continuidade no tempo é bom para isto,
assim como tudo o que nos dê um senso de totalidade da existência, lembrando sempre
que tudo isso são imagens, são figuras de linguagem. [20:00]
(08) As conversas também são extremamente importantes para isso. Se no seu círculo
imediato você não tem com quem conversar de letras, de armas e de gênios formidáveis,
não converse sobre nada.
(09) Do mesmo modo que eu sugiro que vocês absorvam e decorem centenas ou milhares
de melodias, façam a mesma coisa com poemas. Qualquer trecho lido que diga alguma
coisa à sua alma, guarde aquilo como uma preciosidade, porque é uma maneira de você se
expressar. Às vezes um autor disse com tanto vigor certas coisas que estão muito próximas
de nós e que nós não conseguiríamos dizer melhor.
(10) O que a pessoa está procurando no ato sexual? Não é o que ela está procurando: o
que ela está fazendo realmente?
O contato é o primeiro elemento. Este contato rompe a sua solidão corporal. Cada um de
nós se sente isolado no seu corpo, e esta é uma situação realmente insuportável. Se tudo
o que você experimenta no mundo viesse apenas do seu corpo, você seria a criatura mais
solitária do mundo.
Então, desde logo: nós não aguentamos viver fechados nos nossos corpos – se não fosse
isso ninguém teria experiência sexual alguma. É claro que não é só o sexo que rompe isso.
O que quer dizer que no ato sexual o indivíduo se transcende ― não apenas
horizontalmente, no contato com o outro ―, mas se transcende verticalmente, no sentido
de toda linhagem genética que está presente ali. De certo modo é quase toda a
humanidade que está participando daquilo. Note que isso não é um componente
psicológico da relação sexual: é um componente substantivo.
Ora, como é possível você sentir tanta coisa se a atividade mental está reduzida ao
mínimo? Isto quer dizer que você está tendo ali o tipo de percepção que você tem no
experimento de morte próxima. Dito de outro modo: as pessoas que estão se juntando
estão “inteiras” ali, não está só a parte que elas sabem. São as duas almas imortais; são as
pessoas inteiras. Note bem que isto acontece em qualquer relação sexual, mesmo a mais
banal. Isto quer dizer que ela só pode ser banal no sentido que o indivíduo capta, e não no
que está acontecendo. A parte psicológica, ― o que os indivíduos envolvidos captam ―
frequentemente é tão reduzida que ela vira uma caricatura do que realmente se passou.
[1:10] A imensa riqueza daquele acontecimento escapa às pessoas. Escapa porque a sua
mente não está preparada para a realidade do que ela está vivendo. Depois, mediante
uma palavrinha ou duas, o indivíduo pode reduzir o significado do que se passou, mas nem
por isso ele deixou de viver a experiência na sua totalidade.
(12) Aí surge sempre o problema de como articular essa tensão entre o que efetivamente
se passa e o que você absorve. Na medida em que existe uma insinuação da presença da
alma imortal, é justamente neste momento ― é justamente por este fator ― que aquele
momento da relação sexual lhe parece interminável, como se aquilo fosse durar para
sempre... Ou como se aquilo tivesse abolido o tempo. Essa abolição do tempo equivale à
diminuição da atividade cerebral, portanto à abertura para dimensões maiores.
(13) A expressão da experiência é a coisa mais importante em tudo isto que estamos
estudando, porque é só isto que garante que há alguma relação entre nossas ideias e a
realidade. Em geral, a atividade pensante humana se desenvolve numa esfera
sufocantemente verbal e formal: são palavras, são conceitos que se decompõem, e o
substrato de experiência ali é pouco ou nulo. Eu garanto que sempre, sempre, sempre que
alguém estiver falando de sexo por prazer, seja a favor ou contra, não sabe do que está
falando; está usando meras palavras. Pode ser que a pessoa tenha alguma experiência
real, mas como ela não se transpõe no campo da palavra, pode ser que a palavra acabe
predominando sobre a experiência e o indivíduo acabe acreditando, não no que ele
vivenciou, mas no que ele disse. Aquilo que nós dizemos sempre nos compromete. Tão
logo nós damos um nome a uma coisa, nós nos comprometemos a olhar essa coisa sob o
ângulo dessa definição, e frequentemente acabamos não enxergando mais nada fora o
que está naquela definição. E daí a conversa virou o cambalache. Cambalache é a troca
de objetos que não valem nada por outros que não tem valor nenhum. E é justamente
disto aí que nós temos que fugir.
Isso quer dizer que a qualidade da formação intelectual não tem nada a ver com o que eu
estou falando aqui. Se ela é adquirida no meio acadêmico apenas, você só tem
intercâmbio profissional. O círculo pessoal de intelectuais ― que são amigos, que se
conhecem, e que podem trocar experiências em profundidade ― esse é o verdadeiro
campo de aprendizado. Não é a escola. Não é a universidade.
(14) Se você está filosofando, discutindo ideias, você não está exercendo uma função
pública: tem que ser sua verdadeira pessoa que está ali presente, com toda a sua
sinceridade e com toda a sua presença humana.