Richelieu P. - A Viagem de Uma Alma. (PDF Versão Otimizada 2022)

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PETER RICHELIEU

A VIAGEM
DE UMA ALMA

Tradução de
NAIR LACERDA

rn
EDITORA PENSAMENTO
São Paulo
Dedicado a
Todos os que Procuram
"Assim como um homem se despe das roupas
velhas e veste roupas nouas, assim o ego, quando
se manifesta, despe-se do corpo velho e passa para
outros e nouos corpos,"
Bhagavad Gita
Introcíuçao

;2'lpesar de não ser escritor, e de não reivindicar dotes ou expe ri-


ência nesse sentido, entrego este livro ao m undo sem por ele me
desculpar, já que estou cumprindo ordens daqueles que devem ser
obedecidos.
A parte do livro que irá manter o interesse de maior número de
leitores é a que se inicia no capítulo quatro. Para as pessoas que não
guardam le mbrança do sua vida e atividades duran te o sono, mesmo
essa parte do /furo conterá muitos idéias completamente novas. Dado
q ue muitas dessas Idéias requerem explicação, previne-se os leitores
contra a tentação de se esgueirarem rapidam ente através dos capítu-
los preliminares, a fim de chegar mais d epressa a esse! Esses capítu-
los introdutórios, escritos sob a forma de conversação com u m guru
h indu, estão de tal forma repletos de info rmações vitais que mantêm
a chave, não só do que se segue no decorrer do livro, mas daqu ilo que
acontece com todos nós, em determinadas ocasiões. Os que lerem
len ta e cuidadosamente, voltando a /é-los com freqüência, irão obter
as informações mais gerais, e adquirir melho r fundamento para a apre-
ciação da história que se segue.
Escrevendo minhas experiências, não lhes acrescentei ornamen-
tos. Se essas experiências ajudarem alguns leitores o compreende r o
esquema da vida, e com isso se sentirem confortados, se lhes de rem
algum d iscernimento quanto à nat ureza da e volução, e lhes fornece-
rem uma razão para se tornarem amigos dos animais - elas não
terão sldo escritas em vão.
Peter Richelieu

7
Pró{ogo

'Era o dia 7 de julho de 1941, e eu ainda estava meditando sombri-


amente a respeito de um telegrama que recebem do Ministério da Guer-
ra, três dias antes, informando-me de que Charles, meu querido irmão
mais novo, fora morto em ação, sobrevoando a lnglatem1. Charles tinha
apenas vinte e três anos, e havia pouco mais de um ano ingressara na
R.A.F. e fora qualificado como piloto. Estávamos orgulhosos dele, natu-
ralmente - e quem não desejaria ingressar na R.A.F., se tivesse vinte e
três anos, fosse muito bem-disposto e estivesse ansioso por fazer sua
parte em benefício da velha pátria? Sabíamos, como é natural, que a .
vida de um piloto era precária, mas, fosse como fosse, não nos parecia
que alguma coisa lhe pudesse acontecer. As pessoas amiúde pensam
assim em relação àqueles que amam, e Charles e eu tínhamos sido sem·
pre mais ligados um ao outro do que habitualmente acontece entre ir-
mãos, embora houvesse uma diferença de dez anos entre nossas idades.
Recordo-me ela primeira vez em que ele, orgulhosamente, disse-nos
ter abatido seu primeiro avião inimigo. O choque inicial produzido pela
notícia da morte de Charles foi rude e, no momento, pela primeira vez
em minha vida, sentia-me amargurado contra os Poderes que Existem,
contra o Criador benéfico do qual se fala tão loquazmente. Como podia
Ele ser benéfico, se permitia que um inocente fosse morto?
Eu fora educado como católico, talvez não muito ortodoxo, e aceita-
m muitas coisas tal como as recebera, como costumam fazer os cristãos.
A religião fazia parte da vida de cada qual e, em certos dias, seria neces-
sário conceder-lhe algum tempo. Em outras ocasiões, não se pensava
muito no que se esperava de um cristão, de um seguidor de Cristo. Ago-

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ra, pela primeira vez, eu cogitava nessas coisas, e não sentia o desejo de \
ir a uma igreja - e, certamente, não queria procurar um padre. Não
desejava rezar. E por que o faria? Deus me levara a coisa mais preciosa
que eu possuía neste mundo e, embora não amaldiçoasse Deus por isso,
o fato é que, com toda a certeza, estava muito tendente a odiá-lo.
Um amigo me dissera que Charles estava bem, fora daquela guerra.
Que, sem dúvida alguma, o outro mundo era melhor lugar do que o
nosso, naquele momento. E que eu deveria sentir-me agradecido. Con-
tudo, eu não me sentia agradecido. Tinha antegozado tanto a presença
de meu irmão, de seu riso cordial, de seu rosto animado, quando che-
gasse, em sua prôxima licença que tínhamos combinado passar juntos.
Agora o futuro era corno um vácuo.
Nessa disposição de espírito encontrava-me eu. naquela manhã para
sempre inesquecível, há algumas semanas atrás, no dia em que ele veio.
Apesar de agora, a julgar pela modificação que se processou em mim,
parecer que tudo aconteceu numa existência passada, posso recordar
todos os pormenores, e os recordarei até o dia da minha morte. Tenta-
rei contar a história, tal como aconteceu, mas, se o registro parecer
desconexo, os leitores devem desculpar-me, porque até agora nunca
tentei escrever uma história, e só o faço, neste momento, porque desejo
que outros sejam consolados, tal como eu o fui.
Mais ou menos às 11 horas daquela manhã bateram à porta da
minha casa, e meu criado veio dizer-me que no vestíbulo estavc:1 um
jovem que desejava falar comigo.
- Que espécie de homem? - indaguei.
- Um homem estranho, senhor, penso que veio pedir alguma coisa.
Mandei que o rapaz descesse e perguntasse o que aquele homem
desejava, e que depois viesse dizer-me do que se tratava. Voltando, disse-
me ele que o homem tinha uma mensagem que só poderia ser dada a
mim. Tomado de certa irritação, respondi, apesar disso, que trouxesse o
homem A minha presença.
Embora depois dessa ocasião eu tivesse visto com freqüência aquele
homem, ainda sinto dificuldade em descrevê-lo - mas farei o melhor
que puder. Era alto, magro, de uns quarenta e cinco anos, mais ou me-
nos, e usava barba. Um nativo da Índia do Norte, indiscutivelmente,
embora sua pele fosse quase tão branca quanto a minha. Estava vestido
com um simples costume indiano, feito de um material de cor indefinida,

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que, à primeira vista,, se poderia considerar sujo, mas que, quando me-
lhor observado, via,- se que. estava imaculadamente limpo. Tinha os pés
metidos em sandálias e usava turbante.
Eu disse ao criado, qme nos deixasse, e convidei meu visitante a sen-
tar-se. Ele o fez, não, n:a cadeira que eu lhe havia indicado, mas no tape-
ie, com as pernas cruzadas. Foi então que reparei na expressão benevo-
lente de seus olhos, ql!le pareciam conter a sabedoria dos tempos. Até
então ele não falara.
- Bem -rli'sse·lhe eu. - Em que lhe posso ser útil?
O visitante pareceu surpreendido com aquela pergunta, e levou al-
guns segundos para uesponder.
- O senhor' é que mie mandou chamar - disse ele.
Aquilo foi d1ern.ais paira mim, e então respondi:
- Que quer o senhor dizer com isso? Nunca pus os olhos em sua
pessoa, portanto a propósito de que iria chamá-lo? Vamos, diga-me o
que quer, porque tenho trabalho a fazer.
- O senhor mandol!.l·me chamar - repetiu ele, e suponho que a
surpresa que senti deve, ter-se refletido na minha expressão, porque ele
sorriu, e continuou:
- Não acaba de· perder seu irmão? Não é verdade que esteve fazen-
do perguntas sobre uma Providência oculta, que o senhor acusa de ter
sido o instrumento usado para arrebatar-lhe o irmão? Não disse, muitas
vezes: "Por que acontecem coisas assim? Por que seria ele levado, e não
outros? Que adianta acreditar num deus, quando não se pode fazer-lhe
perguntas e ouvir dele respostas a essas perguntas que tanto significam
para nós?" Nesfas últimas três noites, enquanto dormia, o senhor so-
nhou que estava conversando com seu irmão. O senhor esteve conver-
sando com ele. Fez essas perguntas, e muitas outras, durante aquelas
horas de um solilo írregula,r. Eu sou a resposta a essas perguntas. Sou o
mensageiro que fa~ênvrado para tornar daras essas coisas para o se·
• nhor, já que o Cristo disse: "Pede, e receberás; bate, e a porta te será
aberta." O senhor pediu, o senhor bateu, e agora fica a seu cargo dizer
se ainda deseja receber a,s respostas pelas quais tantas vezes clamou.
- Claro está que desejo respostas para as minhas perguntas -
disse eu. - Mas quem é o senhor, e como posso saber se tem condições
para me dizer o que quero? Está evidente que é um homem como eu,
vivo, usando um corpo, embora diga que conhece meu irmão, que fala

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com ele, que me ouviu fazer as perguntas que fiz. Isso é magia ou estou
sonhando? Convença-me, se pode. Encontrará em mim um bom ouvin-
te, não muito crédulo, receio, mas como já parece saber tanto a meu
respeito, ouvirei o que tem a dizer.
O homem falou, então:
- Receio que isso tome algum tempo, até que o faça compreender
mas, se quiser dispor desse tempo, eu virei procurá-lo por uma ou duas
horas, quase todos os dias, até que minha história se conclua. Nao posso
prometer que se irá convencer através de tudo quanto eu lhe tenho a
dizer, mas posso prometer, pelo menos, que se sentira mais feliz do que
se sente agora. Portanto, nem que fosse apenas por esse motivo, seu
tempo talvez não será inteiramente desperdiçado. Está bem para o se-
nhor, às 11 horas, todas as manhãs?
- Sim, sim - confirmei, de certa forma cogitando em que me
estaria deixando envolver, mas ao mesmo tempo sentindo que poderia
livrar-me dele depois do primeiro dia, se aquilo se revelasse um embuste.
Levantei os olhos. pretendendo continuar a conversa, mas o ho-
mem havia desaparecido. Não havía ninguém ali, embora eu não tivesse
ouvido a porta abrir-se ou fechar-se. Comecei a imaginar se não teria
sonhado, ou se meu cérebro começava a desarranjar-se um tantinho,
em conseqüência da aflição e da falta de sono. Cheguei a chamar o
criado, perguntando-lhe se realmente tinha feito subir um homem que
desejava falar comigo. Quando ele confirmou, perguntei-lhe se o tinha
visto partir, ao que.ele respondeu que não, negando, resolutamente, que
alguém pudesse ter deixado minha sala e saido da casa pela porta da
frente sem que ele visse. Isso não ajudou, e eu ainda estava imaginando
se não havia sido um sonho, porque. de certa forma, a declaração do
criado, de que trouxera um homem à minha presença, não me parecia
real. Decidi esperar pelo día seguinte - 11 da manhã, eis a hora que ele
fixara. E eu estaria em minha sala àquela hora, com toda a certeza, para
ver se ele viria ou não.
Bem estranhamente, adormeci naquela noite como não dormia des-
de que recebera o funesto telegrama. Quando acordei, naquela manhã,
parecia-me ter estado conversando com Charles, falando-lhe sobre o
meu visitante. Charles não se mostrara absolutamente surpreendido, e
eu acordei com a certeza de que meu amigo hindu retornaria, conforme

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estava combinado. Resolvi perguntar-lhe, assim que chegasse, como se
arranjava para partir sem ser visto nem ouvido.
Suponho que. a, minha porta tenha ficado entreaberta, porque exa-
tamente às 11 horas, uma, voz agradâvel, a meu lado, disse:
- Bem. o senhor ainda quer as respostas para aquelas perguntas?
Eu não, o ouvira entrar, mas, de certa forma estranha, senti-me tão
tranqüilizado pela sua presença que respondi:
- Certamente. Estou pronto.
Sem mais preâmbulos, ele sentou-se no chão. e eu me recostei na
minha cadeira. E o homem começou a contar-me a mais extraordinária
história que· eu já, ouvira, - uma história que até agora não compreendo
integralmente, mas que me pareceu autêntica desde a primeira palavra,
uma história, que, sinto, parecerá autêntica para outros que possam lê-la .
Durante todos os dias que se seguiram. pouco conversamos. Ele
chegava, tal como cheg~ra no primeiro dia: às vezes falava durante uma
hora, às vezes mais, e, quando terminava a sessão da manhã, juntava as
palmas, à: moda oriental e partia. Penso que sentia quando eu já ouvira
o bastante , quando meu cérebro, tomado de um remoinho de fatos es-
tranhos, alcançava um ponto em que não podia receber mais nada, pois
reparei que, à,s vezes, ele ierminava subitamente, e, sem uma palavra de
despedida. deixava, a, sala, para retornar na manhã seguinte, quando,
sem qualquer introdução, começava a falar como se tivesse terminado
naquele momento a sentença final da narração do dia anterio r.

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Capítu{o 1
~

- 'J\f...ão vim para convertê-lo a qualquer nova fé, a qualquer filoso-


fia nova. Eu fui mandado ao senhor por aquele que é o meu Mestre, a
fim de. fornecer respostas para as perguntas que o intrigam presente-
mente. A única forma através da qual eu posso fazer isso é falar-lhe
sobre os fatos fundamentais da vida, na esperança de que assim adquira
um embasamento de conhecimentos, e com eles possa construir uma
filosofia própria. Também lhe.darei assistência na obtenção da experi-
ência prática, por intermédio da qual possa provar muitas coisas a si
mesmo. Muito do que eu lhe disser parecerá incomum, mas, em_ muitas
vidas, estudei muito, e tive provas que me convenceram de que certos
fatos são verdadeiros. Não desejo que o senhor aceite o que eu digo
como fatos ou verdades, porque só poderá pensar assim quando chegar
a saber essas coisas dentro de sua própria consciência.
"Há uma velha frase do senhor Buda, fundador da religião que tem
seu nome, frase que ilustra o que eu digo. Um dia, um de Seus discípulos
veio ter com Ele, e disse: 'Senhor, em quem devo acreditar? Um homem
diz-me isto, outro diz-me aquilo, e ambos parecem seguros de terem
razão.· O senhor Buda respondeu: 'Meu filho, não acredites no que ho-
mem algum te disser, nem mesmo em mim, o senhor Buda, a não ser·
que o que ouves corresponda ao teu senso comum. E, ainda assim, não
acredites nele, mas trata o caso como hipótese razoável, até que chegue
a ocasião em que possas obter a prova por ti mesmo.'
''Antes de mais nada, eu irei dar-lhe um traçado tosco do camin ho
chamado evolução, e de como essa coisa indefinível que se chama vida.
flui através dos reinos da Natureza.

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"Da fonte da vida eu não lhe posso dar idéia. Não o sei, e jamais
encontrei alguém que o soubesse. Mas que importa isso? Todos os ho-
mens que pensam concordam em que deve haver um poder criador
'
l1
1
atrás do Universo. Não parece ter grande importância que pensemos l
nesse Poder como sendo um Deus pessoal, ou apenas como se fosse o !
poder de criar. Há muitas pessoas que ainda gostam de pensar em Deus
com sendo um venerável ancião de barbas, figura idealística baseada no
que de mais alcandorado cada pessoa possa imaginar, porém com pode-
res ilimitados, e uma compreensão de justiça que não tem igual entre os
homens. Quem pode dizer que tal idéia seja insensata? Ela pode satisfa-
zer muita gente, mas não se fundamenta em fatos, porque não há ho-
mem vivo qlte possa falar, com conhecimento próprio, tanto da criação
do Universo como dessa coisa a que chamamos vida.
"Embora não possamos analisar a vida, podemos ter contato com
ela. Quem já não viu um animal, ou um ser humano, vivo há um minuto,
morrer no minuto seguinte? Que aconteceu durante esse minuto? Certa-
mente algo deixou o corpo que se tinha visto em ação, deixando a carne
imóvel, aquela carne, que, mesmo no instante em que a contemplamos,
parece começar a desintegrar-se e a voltar para a Mãe-Terra. Assim,
podemos reconhecer a vida como um fato, embora não tenhamos a
possibilidade de compreendê-la. E, certamente, não podemos criá-la,
como podemos criar tantas outras coisas nestes dias esclarecidos. A mente
do homem produziu muitos auxiliares sintéticos da Natureza, mas não
produziu vicia sintética.
"O mundo da ciência d\z-nos que a vída é encontrada em todos os
reinos da Natureza - o mineral, o vegetal, o animal e o humano. Não é
preciso que nos digam que há vida nos reinos animal e humano - pode-
mos ver isso por nós mesmos - porém é mais difícil acreditar que tam-
bém haja vida nos reinos vegetal e mineral. Fontes dignas de crédito
dizem-nos que mesmo as pedras têm vida, e que, ao lhes ser retirada a
força da vida, elas começam a apodrecer. Com o tempo, desmoronam e
retornam ao pó, mL1ito à feição do que acontece com o corpo humano,
embora, nas pedras, o processo use maior espaço de tempo. É mais
fácil, sem dúvida, aceitarmos o fato de que os vegetais têm vida, do que
a mesma coisa em relação às pedrns, porque os vegetais, quando arran-
cados à terra, que é para eles a fonte da vida, mostram-nos como mur-

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1
1 cham e morrem, tornando-se pó, com o tempo, o que acontece com
1· todas as coisas vivas quando a força da vida lhes é tomada.
1 "Os filósofos ainda remontam a vida a um reino adícional, a que
1 chamam reino super-humano, porque, quando o homem conquista o
! reino humano, sua evolução não chega a um fim súbito, mas prossegue
em ascensão, sempre subindo, até que, finalmente, alcance a fonte de
onde surgiu, há quantas incontáveis eras antes desta nenhum simples
homem é capaz de adivinhar sequer. Eles declaram ainda mais: que a
vida é progressiva, e que a meta da vida é a experiência; que ela enceleira
e colhe à proporção que passa através dos reinos da natureza, desde as
formas mais baixas, nas quais a vida é encontrada, até as maís altas, que
podem ser descritas como as do Homem Perfeito, ou 'do homem torna-
do perfeito'.
"Depois, devemos considerar qual é a diferença entre a vida encon-
trada no reino mineral, e a vida que conhecemos nos reinos animal e
humano. Sua essência é, indubitavelmente, a mesma, porque, confor-
me expliquei, a origem de toda vida é Divina. Quanto é diferente, contu-
do, em sua expressão! Quando a vida começa a funcionar sob o aspecto
de vários minerais, não tem individualidade, tal como a compreendemos
no nível humano. Nos tipos mais baixos de mineral, a força da vida,
depois de ganhar a experiência que. deve obter, passa para as formas
mais altas. Mais tarde, passa para os tipos mais baixos de vegetais, e
assim por diante, até os mais altos tipos desse mesmo reino. Tudo isso
demanda muitos milhares de anos, tal como o tempo é contado neste
planeta, mas só quando a vida passa do reino vegetal para o reino ani-
mal é que certa espécie de divisão se torna aparente. Mesmo nesse
estágio não há individualidade, porém e simplesmente uma consciência
de grupo, ou alma grupal, comum a todos os animi;l.is da mesma espécie,
consciência que trabalha esses animais e os dirige, externamente. Quan-
do a força da vida passa para o reino humano, um espírito, ou ego
r-esidente, habita cada corpo individual e dita os pensamentos e ações de
cada ser humano. Nesse estágio, as almas grupais têm influência sobre
raças, mas não a têm sobre o indivíduo que agora possui o livre-arbítrio.
"Para os animais, o homem é um superanimal, tal como para o
homem um homem perfeito é um super-homem. E é lamentável desco-
brir que esse superanimal é inclinado a agir com crueldade em relação a
seus irmãos mais novos, e não com misericórdia e compreensão, pare-

17
cendo ser, realmente, a causa principal dos sofrimentos que eles supor-
tam. Se os homens matassem apenas com o propósito de obter alimen-
to, .como o fazem os animais, ou porque algum animal selvagem amea-
çasse matá-los, tal coisa poderia ser vista como em concordância com as
leis da natureza, mas eles torturam animais através de vários meios, para
que suas mulheres possam se adornar com peles e p.lumas. E matam por
aquilo a que chamam "esporte", quando experimentam sua "habilidade"
em pontaria, sem se importar com o sofrimento que podem causar em
relação àqueles que não se mostram tão bem equipados quanto eles.
Toda essa impensada crueldade traz à tona a emoção do medo, que é a
mais retardadora das emoções. O medo diante do superanimal começa
nas mais baixas formas de vida animal, e continua através do reino ani-
mal, até que os animais entrem em contato com o homem, em sua vida
doméstica. Então, o medo nascido nos estágios primitivos vai sendo,
lenta, mas seguramente, substituído por amor. Até que isso aconteça, o
progresso dos animais é lento, ao longo do caminho da evolução.
"Vou retraçar para o senhor a passagem da força da vida através do
reino animal. Tente 'imaginar a força da vida como a água de um canal
que corre lentamente. Esse canal é limitado, de ambos os lados, pelas
margens, dando assim a impressão de um propósito controlador. Não
há, praticamente, diferença nessa corrente, quando passa através dos
reinos mineral e vegetal, mas há modificação nítida quando ela emerge
do canal para as condições que governam o reino animal.
"O reino animal é uma estrutura complexa de diferentes níveis de
evolução, indo dos micróbios aos vermes, dos animais das selvas até os
animais que os homens domesticaram. Passando através do reino ani-
mal, a força da vida adquire coloração pela experiência. Toma a forma,
digamos, de miríades de girinos. A força da vida existia na larva produzi-
da por uma rã: no devido tempo, ela emerge, representada por muitos
milhares de girinos. Eles nascem para ter contato com a vida, e ganhar
a experiência que irá colorir a água, que era clara. Muitos girinos mor-
rem na infância, jamais alcançando seu destino de rãs, e essas unidades
de água, podemos dizer, retornam às almas grupais quase sem colorido.
Algumas tornam-se rãs, e embora seja por falta de alimento, seja por
outras mil razões diferentes, suas vidas possam ser curtas. As unidades
de água que compreendem essas jovens rãs, quando eventualmente che-
gam a um fim, retornam às suas almas grupais, coloridas apenas com a

18
pequena experiência de desconforto ou sofrimento devido à causa de
sua morte. Outras vivem mais tempo e, na devida ocasião, entram em
contato com a vida humana. A rã aprende a temer seus atormentado-
res, a fugir deles, a esconder-se sempre que possível, a fim de evitar
contato com eles. Quando chega a ocasiao, morre; seja por morte natu-
ral, o que, na maioria dos casos, é pouco provável, seja pela impensada
crueldade do reino humano, ou pelo ataque vindo de um inimigo natural
das rãs, como as cobras. Quando as unidades de água que compreen-
dem esses fragmentos de vida retomam a seus compartimentos, sua
experiência irá, com toda certeza, colorir a água, aquela água que no
início era clara. E com muitas cores, expressando o sofrimento sob suas
diversas formas. A experiência toda, mesclando-se, deixa aquele com-
partimento colorido com a experiência de todas a.s unidades, nenhuma
das quais tem uma identidade separada, sendo todas parte de uma alma
grupal completa.
"Depois de uma ou duas vicias nesse estágio de evolução, a força da
vida, com suas experiências de água acumuladas, passa para o nível
seguinte. Em lugar de dezenas de milhares de girinos, ela se divide em
dezenas de milhares de unidades de ratos, ou camundongos, por exem-
plo. O rato nasce com o medo do ser humano e de seus inimigos natu-
rais, porque não foi a água colorida pelo medo que retornou, vindo das
vidas vividas no estágio anterior. Nessa série de vidas, o medo continua
a crescer. No início de sua vida o rato aprende, através de amarga expe-
riência, a evitar a todo o custo o homem, a trabalhar à noite, quando o
homem parece menos aterrador do que durante o dia. E, se consegue
viver até uma idade mais avançada, isso acontecerá, com certeza, como
resultado de sua esperteza e domínio de métodos para esquivar-se de
seus inimigos naturais."

Quando eu estava ainda ponderando sobre essas palavras finais, le-


vantei os olhos, e a sala estava vazia. Fiquei sentado, imóvel, por algum
tempo, e tentei apreender a essência do que ele tinha dito. Depois de
algum tempo, grande parte daquelas idéias retornou à minha mente. De
início, não considerei se acreditava ou não naquilo. Isso parecia não
importar. Era tudo tão novo - mas, com certeza, interessanle. Embora
estivesse cansado, já comecei a antegozar o dia seguinte, pois tinha
certeza de que o homem voltaria.

19
No dia seguinte, estava eu sentado à minha escrivaninha, com os
olhos postos na porta, determinado que me sentia a observar se ele a
abriria ou passaria através dela, mas, se alguma coisa de sobrenatural
estava na minha expectativa, fiquei desapontado, pois exatamente às
11 horas a porta se abriu sem ruído, da maneira comum, e ele me
cumprimentou, tal como eu deveria ter esperado que faria, dizendo ape-
nas: - Bem , está disposto a ouvir mais, ou eu o entediei ontem? -
Acho que a minha resposta o satisfez, porque continuou do ponto em
que parara.

"O nível de evolução da força da vida, que chega ao animal da selva,


está distante do humilde verme como está distante do mundo vegetal.
Os próprios animais vivem pela lei natural, que é a da 'sobrevivência do
mais forte', e a tônica do reino animal é a da autopreservação. Os ani-
mais mais fracos são mortos para servirem de alimento, e o medo em
relação à sobrevivência dá colorido às experiências de todos esses ani-
mais, desde o dia em que nascem até o dia em que morrem, seja sua
morte nátural, ou devida à exploração de animais mais fortes, ou, ainda,
à bala da espingarda de um caçador. É de admirar, pois, que o instinto
predominante em todos os animais da selva seja o do medo? Medo dos
animais mais fortes e medo do superanimal chamado homem.
"Muitas vidas são vividas pelas almas grupais nos corpos de onimois
selvagens, já que, nessas encar.naçôes, eles aprendem a importante li-
ção da autopreservação e a nec.essidade de. trabalhar a fim de sobreviver,
porque somente a obtenção de alimento para cada um, e para todos os
animais, torna-se um dever diário que não pode ser negligenciado. Du-
rante os períodos em que o alimento é escasso, o instinto animal ensina
a procurar novas pastagens e a aprender a adaptabilidade, o que mante-
rá a alma em boa disciplina, para quando chegar o tempo em que ela
deva emergir como entidade humana se.parada. O instinto maternal
aparece em evidência, pela primeira vez, nesse estágio da vida da alma
grupal.
"Eu já disse o bastante para que o senhor compreenda que os animais
selvagens representam o topo da espiral que cobre as vidas vividas pela
alma grupal do reino animal, porque está pronta para progredir mais, a
alma grupal habita corpos que a traz-em cada vez para mais perto do reino
humano, ao qual deverá passar a pertencer, na plenitude dos tempos.

20
"Em seu estado selvagem, os elefantes, os burros e os búfalos çom-
baterão selvagemente contra a capt ura pelo homem e, quando apanha-
dos, só se forem amansados pela bondade é que se tornam domestica-
dos e dispostos a usar seu poder natural no interesse do progresso hu-
mano. Mesmo depois de anos de cativeiro, eles raramente se tornam de
fato domesticados. Contudo, nas vidas que se seguem, a maior parte
de.les nascem em çi;l tiveiros; por isso o ambiente em que vivem desde o
nascimento ensina-lhes a perder um pouco do medo natural que as vidas
passadas produziram neles. Os mais evoluídos entre esses animais são
os que formam o gado, porque amiúde são alimentados no estábulo, du-
rante os meses de inverno. E admite-se, geralmente, que o funcionamen to
da alimentação aos animais tem mais sucesso, no que se refere a ganhar
sua confiançç1 e extirpar seu medo natural, de que qualquer outra coisa.
"Lenta, porém seguramente, parte desse medo da raça humana é
obliterada e a alma grupal está pronta a passar a seu último estágio no
mundo animal, o dos animais verdadeiramente domésticos - o cavalo,
o cão e o gato. A alma grupal, que no início saíra a buscar experiência
sob a forma de aproximadamente dez mil girinos, gradual, porém segu-
ramente, dividiu-se em quantidades cada vez menores, até que nos últi-
mos estágios do reino animal ficou em duas partes apenas: dois cavalos,
dois cães e dois gatos.
"Quando a alma grupal alcança o estágio em que é dividida pelo
meio, está, realmente, domesticada , e chega a compreender o que o
homem de fato é. Então, a possibilidade de se individualizar como um
ego humano separado torna-se um fato . O número de vidas que ainda
têm de ser vividas por essa alma gru.pal depende, inteiramente, dos seres
humanos aos quais esses animais estiverem ligados. Se um dos dois pos-
suidores desses cavalos, cães ou gatos não amar os animais, e dispensar,
portanto, ao animal um tratamento pouco amigo, ou cruel, um pouco
do medo que nas últimas vinte vidas tinha sido extirpado em parte volta-
rá, e mais vidas terão de ser vividas antes que a individualização tenha
lugar. Não posso enfatizar com demasiada freqüência ou demasiada for-
ça o fat-o de que, se as pessoas compreendessem o quanto é importante
para elas se fazerem amigas de todos os animais domésticos, realizando
a parte que lhes cabe para que esses animais compreendam o homem,
então esse último estágio seria alcançado muito mais rapidamente do
que, com muita seqüência , acontece.

21
"Por favor, compreenda isso claramente: nenhuma alma grupal pode
individualizar-se como alma humana enquanto o medo da raça hu-
mana não tiver si.do dominado. O amor não é uma emoção relaciona-
da apenas com o reino humano: em sua mais alta f arma abrange toda a
Natureza, portanto a parte do homem na evolução animal é ver que, no
verdadeiro sentido, 'o perfeito amor expulsa o medo', porque, sem um
auxílio compreensivo, o progresso dos animais no caminho da evolução
pode ser retardado por um ilimitado período de tempo.
"Como, afinal, surge a evolução? Pode acontecer de dois modos, ou
de um só modo - tanto através do caminho do coração como da cabe-
ça, o que varia segundo o tipo do animal. Podemos dizer que um cão
passa com maior freqüência ao reino humano através do amor, e/ou do
sacrifício de sua vida para que a alma grupal se individualize. Depois que
um cão aprendeu todas as lições que lhe cabia aprender no reino animal
e depois que todo o medo da raça humana foi extirpado, seria um des-
perdício de tempo para a alma grupal continuar sob a forma animal por
mais algumas encarnações. Seu destino, então, está em outro lugar, e
assim tem chegado o momento da transferência para uma nova e mais
esclarecida esfera de existência.
"A primeira encarnação num corpo h umano não é passada neces-
sariamente num corpo tão pouco desenvolvido, como acontece com os
mais baixos tipos humanos que estão sobre a Terra, porque, amiúde, o
novo ego, através de muita experiência, obtida em suas últimas vidas no
reino animal - especialmente aquela em que deu sua vida pela de um
ser humano-, adquiriu o direito a um corpo humano ligeiramente mais
desenvolvido que os dos típos menos desenvolvidos encontrados no mun-
do.
"Um cavalo individualiza-se de maneira semelhante à do cão - pela
notável dedicação a seu dono. Muitas vezes se ouve contar a respeito de
um cavalo que fez estupendo esforço, quando chamado a isso, apenas
para tombar morto quando esse esforço é bem-sucedido.
"Enquanto um cão e um -caval,o passam para o reino humano atra-
vés da devoção e/ou do sacrifício, o gato ganha o direito de viver como
entidade mais alta aprendendo a compreender o homem. Nos velhos
dias, muitos filósofos disseram que o cão e o cavalo ganhavam o direito
ao progresso através do devotamento, enquanto o gato emprega a
ardilosidade, que é a primeira centelha da faculdade da razão.

22
"Podemos ver exemplos de elefantes, treinados para servir ao ho-
mem, e de macacos que viveram nos tipos certos de jardins zoológicos,
e que, obviamente, qualificam-se a esse respeito. Em ambientes despi-
dos de medo, usaram seu cérebro e, assim, podemos dizer que compre-
enderam, dentro de limites mínimos, as maneiras do homem. Os ani-
mais que não tiveram vida como animais domés_ticos, passam para as
formas mais baixas do corpo humano conhecidas no mundo. Por outro
lado, a alma grupal de muitos cães, altamente evoluídos, deixa de habi-
tar os corpos das mais baixas farmas de vida humana conhecidas, e
nasce em corpos de L1m tipo mais evoluído de homem - provavelmente
como membros de tribos que serviram à humanidade durante gerações.
"Antes de passar para as vidas primitivas da raça humana, com suas
tremendas diferenças da vida do reino animal, devo mencionar o caso
em que o animal se individualiza como ser humano quando ainda está
ocupando o corpo de um animal. A transferência da esfera animal para
a humana deve ter lugar quando chega o momento certo, quando todo
o medo se foi , e quando o lado amoroso do animal está suficientemente
desenvolvido. No caso em que um cão, que seja a metade de uma alma
grupal, tenha morrido de morte natural, e quando a segunda metade
dessa alma grupal, outro cão, continua viva, embora já não tenha nada
mais a aprender, esse cão torna-se. um ser humano sob todos os aspec-
tos, menos em sua forma. Sem dúvida, já lhe aconteceu saber de ca-
sos em que um cão parecia compreender quase todas as palavras
que lhe eram ditas, revelando, com sua misteriosa assimilação dos
pensamentos e ações do dono, uma intuição para além do que pode-
ríamos imaginar possível num animal. Um cão assim é, de fato, um
"cão humano" - um animal na forma, mas um humano pela inteli-
gência e capacidade de raciocinar e de tomar decisões, pelas quais
apenas ele será responsável.
"A principal diferença entre um ser humano e um animal está na
faculdade de raciocinar - e, com ela, no dom do livre-arbítrio. Um
homem sabe qual é a diferença entre o certo e o errado. Mesmo nos
primeiros estágios de sua vida como humano, ele pode tomar suas pró-
prias decisões, enquanto um animal tem de obedecer às leis do mundo
animal. Um animal vive pelo instinto e, fora dos limites do instinto, não
pode pensar. Um homem pode escolher o caminho do mal, mesmo
sabendo que é mal, e contra as forças progressistas que governam o

23
mundo, mas um animal deve agir sempre de acordo com o instinto que
o compele à ação - pois essa é a lei."

Mais urna vez não o vi partir, porque minha mente estava demasiado
ocupada com essas estranhas idéias. Resolvi escrever tudo o que pudes-
se recordar sobre essas duas palestras, e cheguei à conclusão de que, em
conversas futuras, tomaria notas taquígráf icas.

24
Capítulo2

- 'Então, esteve -e screvendo o que eu lhe disse? Isso é bom.


Hoje, novamente, não vi meu professor entrar, porque estava relen-
do as notas que tomara.
- Sim - respondi - , mas como soube o que eu estava fazendo?
- O senhor mesmo me contou, na noite passada, quando estava
adormecido e fora de seu corpo - respondeu ele. - Nã-o pretendo
explicar-lhe, agora, como foi que o senhor me disse, ontem à noite, que
tinha resolvido manler um registro integral das minhas palestras. Quan-
do eu tiver terminado minhas visitas, o senhor compreenderá tudo tão
claramente que estará em condições de responder por si mesmo a qual-
quer pergunta.
Mostrava-se entusiasmado com a minha decisão de tomar notas, e
disse-me que seria um prazer acrescentar o que faltasse no meu registro
dos últimos dois dias. Reparei que ele não alterou uma só palavra do que
eu escrevera, até onde o registro fora, mas passou algum tempo preen-
chendo os claros que eu deixara, quando eu não fui capaz de me lembrar
exatamente dos fatos.
- O senhor deve se lembrar de que eu lhe disse que a tônica do
reino animal é a autopreservação. Como é diferente da tônica do reino
humano, pois essa é a do auto-saoifício. Embora esse seja o padrão
importante para qualquer vida humana, há outras leis que devem ser
compreendidas por aqueles que procuram descobrir os segredos do ca-
minho da evolução. Essas leis são, é natural, diferentes das que gover-
nam os animais e, ainda assim, durante as poucas vidas vividas pelo
homem não evoluído, ele é mais animal do que homem. Embora tenha

25
se libertado do medo em relação ao homem, ainda persistem nele os
hábitos que trouxe do reino animal, quando arrebatava para si o que
p odia, usando o poder do seu cérebro ou de sua força física .
"A primeira lei importante que influi no reino humano é a lei da
reencarnação. Essa lei afirma que um ego, uma vez individualizado, vai·
ta e torna a voltar a encarnar-se num corpo físico humano, até que
tenha aprendido, pela experiência adquirida em todos os tipos de ambi-
entes, o total das lições que pode absorver sob condições físicas. Quan-
do a força da vida progride através dos reinos vegetal e mineral, essa lei
existe em extensão limitada, mas não é muito apa rente. No reino ani-
mal ela também existe, apenas em extensão limitada, pois a inda não há
entidades separadas. Vai se desdobrando, entretanto, durante o perío-
do de evolução, depois que o ego se in dividualizou no reino humano.
"A segunda lei importante, que influi sobre os humanos , embora
não influa sobre os animais, é a lei do carma - muitas vezes citada
como lei de causa e efeito. No momento em que a alma grupal se torna
um ego separado, essa lei passa a agir. A lei do carma decreta que cada
pensamento, palavra ou ação que emanem do homem deve produzir
um resultado definido, seja bom ou mau , e que esse resultado deve ser
trabalhado por n6s em nossas vidas no plano físico. Não há nada de
injusto nisso, pois, conforme diz o ensinamento cristão, 'colherás o que
semeares'.
"De acordo com a lei do carma, um ato egoísta de nossa p arte, ato
que venha a causar imensa angústia a o utra alma, recebe uma unidade
de mau carma, que deve ser resgatada por nós, através de sofrimentos
oriundos dessa m esma ação, por mãos de outrem, seja nesta vida, seja
numa outra depois desta. Da mesma maneira, uma boa ação de nossa
parte significa o gan ho de uma unidade de bom carma, tendo como
resultado o resgate de uma unidade de mau carma que tenhamos criado
- o bom compensando o mau - ou a dádiva da mesma quantidade de
bondade, vinda de outra fon te. Quando um novo ego inicia suas vidas
humanas, o número de ações, pensamentos ou palavras, insensatos ou
maus, excedem d e muito, naturalmente, os de tipo benéfico e , se a lei
funcionasse literalmente, o homem levaria uma existência de perma-
nente sofrimento e angústia, causados, inteiramente, por suas próprias
ações, palavras e pensamentos, cada um deles produzindo seu justo re-
sultado. Tal vida seria intolerável, impossível de se suportar. O suicídio

26
depressa se tornaria um hábito, entre as almas jovens. Método ma is
humano é adotado, contudo, e, de acordo com isso, pretende-se que,
em qualquer vida, um homem não sofra mais do que pode suportar. E as
un idades de ma u carma, criadas por e le nessa vida, a través da
inexperiência , e que não tenham sido resgatadas o u desfeitas por unida-
des similares de tom carma, são levadas adian te , para que funcionem
em vidas futuras. O re sultado dessa disposição é que durante as primei-
ras duzentas ou mais encarnações o homem aumenta o que se pode
chamar seu saque a descoberto de um banco. Mas durante todo esse
tempo ele estará desenvolvendo o que se chama a voz da consciência.
Enquanto essa pequena voz vai sendo construída através ela experiência
que o ego respiga em seus diferentes corpos humanos, ela não chega a
influenciar de modo a preciável du rante muitas vidas.
"Aqui temos um exemplo: um homem não evoluído, pouco sabendo
dos métodos humanos, porém muito dos métodos animais, deseja pos-
suir algo que pertence a outrem. Seu instinto animal é o de tomar, pela
força, o que deseja. Se é forte o bastante, tenta fazer isso, e o resultado
é uma luta, na qual outro ser humano é morto. As leis que governam os
homens entram em ação, o assassino é preso, julgado e condenado à
morte. O reservatório de conhecimento, que existe em nível mental mais
alto, anota o resultado dessa ação e, numa vida futura, quando o mes-
mo homem, num corpo diferente , desejar possuir algo que é proprieda-
de de outrem , a voz da experiência - sua consciência - o adverte de
que, se matar seu inim igo, ele próprio sofrerá o mesmo destino, às mãos
do Estado. Dessa forma, gradualmente, o reservatório de conhecimento
vai sendo formado, cada acontecimento importante na vida vivida vai
sendo registrado com o propósito de se fazer advertência, na próxima
vida. Através dessa simples explicação, podemos facilmente compreen-
der que o homem, portador de uma consciência sensível, e que sabe
o uvi-la, deve ter uma alma antiga, porque não p oderia ter consciência
suficiente, a não ser que possuísse muita experiência, vinda de existênci-
as anteriores, durante as quais sua consciência, ou reservatório de co-
nhecimento, foi formada.
"Durante talvez d uzentas vidas, cada vida produz mais unidades de
mau carma do que de bom canna. Parte desse mau carma é resgatado
através de sofrimento e infortún io, mas o saldo é transferido para o
saque a descoberto. À proporção que o ego se torna mais evoluído (real-

27
mente mais experiente) o senso comum ensina-lhe que o mal produz
distúrbios para ele próprio, enquanto as boas ações, os gestos benevo-
lentes, resultam em felicidade e no acúmulo de amigos. Dessa maneira,
ele evolui para um estágio em que o número de unidades de mau carma,
feitas numa só vida, é excedido pelo número de unidades de bom carma,
obtidas através de boas ações. Isso constitui-se num estágio muito impor-
tante no desenvolvimento de um homem, porque, desse ponto em dian-
te, ele passa a ser um membro realmente. valioso e útil para a sociedade.
" Em todas as suas futuras vidas, antes que uma nova encarnação
comece, pequena porcentagem de seu saque a descoberto é designada
para. que ele a resgate naquela vida, e tal cota deve ser paga, além do
pagamento_de qualquer nova unidade de mau carma que seja criada
naquela nova vida. Atos positivos de bondade proporcionar-lhe-ão mui-
ta felicidade e o ajudarão ao longo do caminho.
"Em métodos tais como esses, todas as leis naturais podem ser vistas
como que encaixadas umas nas outras, assim como as peças de um
quebra-cabeça. Minha tarefa é apresentar-lhe as peças desse quebra-
cabeça, e, com elas, afinal, o senhor deverá aprender a formar um qua-
dro.
"A fim de que possa compreender como é possível aos membros do
reino humano adquirir toda a experiência necessária, quero que aceite
as seguintes proposições:

1. O homem é um ego e, no curso da evolução, a partir do estado


não desenvolvido, que é o selvagem, para o do homem perfeito, tem de
usar três veículos de consciência ou corpos. Esses corpos são conheci-
dos como o mental, ou corpo mental, o astral, ou corpo astral ou corpo
emocional, e o corpo físico. Este último é aquele no qual o senhor e eu
estamos funcionando, e que é visível aos olhos humanos.
2. Que esses três corpos são usados por nós quando funcionam em
três diferentes estados de consciência, que são: o plano mental, o plano
astral e o plano físico.
3. Que a sede do ego, em torno do qual se exerce a atração sobre
esses corpos, é a parte superior do mundo mental, conhecida como
nível causal.

"Quando o ego parte do nível causal para uma nova encarnaçãÓ,


tem que ter um de cada um daqueles corpos. Desejo que visualize o ego

28
como um homem despido que se prepara para se vestir corn suas três
coberturas ou corpos. O menos denso em tessitura é o corpo mental, e
o ego o atraí a si tirando-o da matéria de que o mundo mental é construído:
podemos compará-lo às roupas íntimas de um homem. O tipo de corpo
mental que cada homem recebe está de acordo com o seu desenvolvi-
mento mental, ao fim de sua última encarnação. Assim, é óbvio que o
corpo mental de um homem não evoluído é muito diferente do que
pertence ao ser evoluído, a uma alma antiga, que já teve muitas vidas e
ganhou muita experiência. A seguir, o ego atrai para si um veículo ligei-
ramente mais denso, feito do material do mundo astral. Esse corpo fica,
por assim dizer, por cima ou por fora do corpo mental, e o tipo desse
corpo também estará de acordo com o desenvolvimento emocional do
homem. O corpo astral pode, portanto , ser comparado ao temo que o
homem veste. Um corpo, ainda mais rústico e mais denso, faz-se neces-
sário agora e, para obtê-lo, será for,çoso que um corpo seja encontrado
através de meios físicos, no nível físico. Em outras palavras, uma mulher,
com a assistência de um homem, produz uma criança. Esse corpo físico
novo também está de acordo com os merecimentos do homem, mereci-
mentos que seu carma formou em vidas anteriores. O corpo físico
corresponde ao sobretudo do homem.
"Assim, cada homem que é visto no nível físico é, por assim dizer, o
usuário de três corpos, um sob o outro. Devido, porém, à densidade do
corpo externo, o físico, é impossível ver os outros doís. Quando um
homem morre, tudo quanto acontece é que ele abandona o corpo físico
- o seu sobretudo. O homem ainda está ali, vestido com seus corpos
astral e mental. O astral, sendo o mais denso, está na parte externa, e o
mental fica sob o astral. Antes que eu explique o que realmente aconte-
ce depois da morte, devo falar um pouco mais sobre esses corpos.
"O corpo físico, que todos podemos ver, é composto de matéria
razoavelmente densa, mas há , também, uma parte menos densa desse
corpo, chamada duplo etérico (no antigo Egito referiam-se a ele como
Ka) que tem parte muito importante, tanto durante a vida como no
momento da morte do corpo físico. Não é um corpo, no sentido comum
da palavra, pois não podemos viver nele, como podemos viver em nos-
so corpo físico. Não podemos sequer vê-lo, a não ser que tenhamos
desenvolvido a forma mais baixa de clarividência, que é a chamada visão
etérica.

29
''A matéria de que é composto o corpo etérico também rodeia nos-
sos nervos. Há um conceito de eletricidade que afirma que a corrente
não corre ao longo do fio elétrico, mas ao longo de uma cobertura de
matéria etérica que o rode ia. Isso também é verdadeiro no que se refere
à ação dos nervos do nosso corpo. A corr ente nervosa não corre, real-
mente, ao longo do fio branco do nervo físico, mas ao longo do revesti-
mento de matéria etérica que o rodeia, de forma que quando esse reves-
timento é removido do nervo físico não sentimos qualquer sensação. É o
que tem acontecido quando se usa um anestésico. No caso da anestesia
local, a matéria etérica, que conduz a sensação, é afastada para uma
curta distâ ncia desse nervo em particular. O nervo branco ainda está ali,
claramente à vista. Contudo, quando cortado, o paciente nada sente. Se
é usado um anestésico mais poderoso, tratando-se de operação de maior
importância, que exige que o operado fique inconsciente e privado de
sensações por considerável espaço de tempo, a matéria etérica é quase
que inteiramente retirada do corpo denso. Se for inteiramente retirada,
o paciente morre. É o que tem acontecido quando o paciente morre ,
ocasionalmente, ainda sob o efeito de um anestésico. Um pouquinho a
mais foi administrado, e isso e xpulsou a matéria etérica, que não pôde
retornar.
"Essa matéria etérica, de tessitura diáf ana e extremamente elástica,
e que é parte tão importante do corpo físico, tem outra função. Atua
como ligação ou e lo entre o corpo físico e o corpo astral durante o sono .
Quando o senhor, por exemplo, o ego, desembaraça-se do seu corpo
físico, deitado numa cama, um cordão de matéria etérica, ligado ao seu
corpo astral, mantendo seu maior volume dentro e em torno do corpo
físico, se estica à proporção que o senhor viaja para qualquer parte do
mundo que deseje. Contudo, p or mais longe que vá, _esse elo físico com
seu corpo, que ficou na cama, permanece. Chegando o momento em
que seu corpo deve acordar, um S.O.S. é enviado ao longo desse cordão
etérico até onde o senhor estiver, e deverá retornar ao corpo físico,
reentrando nele. É quando o senhor "acorda", e vai tratar de seus deve-
res em outro nível.
"Quando vai dormir, o senhor, o ego, desliza para fora do corpo
físico, no momento em que ele perde a consciência: o senhor está reves-
tido de seu corpo astral e vivendo no mundo astral, sob as condições do
plano astral. É livre para ir onde deseje, deixando seu corpo físico na

30
cama , onde ele fica repousando e ganhando forças para o trabalho do
dia seguinte. É apenas o limitado corpo físico que exige repouso, da
mes ma maneira pela qual exige alimento e bebida, a fim de sustentar
sua saúde e sua vida. O senhor, o ego, não precisa de repouso. Em seu
corpo astral pode mover-se muito facilmente, e viajar a longas distân-
cias. No nível astral a força da gravidade não existe; portanto o senhor
pode deslizar ao longo do percurso, e não faz diferença se é terra ou mar
o que está cruzando, pois não é afetado por uma coísa nem pe la outra.
A distância que pode percorrer nas poucas horas em que o corpo físico
fica em repouso é mais ou menos ilimitada. Se eu lhe disser que pode
viajar em torno do mundo em cerca de dois minutos e meio, isso lhe
dará alguma idéia da velocidade que pode ser alcançada.
"O corpo astral, composto de matéria muito mais fina do que a
física, é atraido para rodear o ego quando este desce, a fim de se
reencarnar. Enche o que chamamos o corpo causal, formando um ovóide
de névoa luminosa. O corpo físico, entretanto, sendo mais denso, tem
uma atração muito forte para a matéria astral, e chama-a para mais
junto de si, de forma que temos uma reprodução astral da forma física,
no centro desse ovóide, e daí ser o corpo astral tão reconhecível como o
corpo físico, apenas se mostrando construído de matéria mais fina. Quan-
do o corpo físico morre, já não há necessidade de que o corpo astral se
adapte. Assim, a tendência dele é permanecer tal como era quando o
corpo físico deixou de existir, e não cresce mais . O motivo disso é ser o
corpo astral um veículo desprovido de órgãos, de ossos, de carne e de
sangue, como acontece com o corpo físico , sendo, antes, constituído
como um corpo feito de névoa.
"Durante a existência, o homem tem oportunidade de viver sob as
condições do plano astral, sempre que seu corpo estiver adormecido,
mas, na realid ade, é apenas o homem, cuja situação evolutiva está aci-
ma da média, que tira proveito dessas oportunid ades. A a lma jovem, o
ego não evoluído, sai certamente do corpo que adormece - não pode-
ria deixar de sair - mas sua inteligência (corpo mental ou me nte) não
está suficientemente desenvolvida para lhe fornecer a quantidade de co-
nhecimento necessário a fim de que ele possa usar de todas as suas
faculdades em maior extensão. Assim, habitualmente, ele fica flutuando
junto do corpo adormecido, esperando pelo chamado que o levará a
reen trar nele, quando já dormiu o bastante e deseja acordar - e, por-

31
tanto, nunca poderá acostumar-se às condições do plano astral, da mes-
ma forma com que o faz o ego mais velho. Quando um homem desse
tipo morre, e já não tem seu corpo físico, sente-se num mundo comple-
tamente estranho. Há ocasiões, imediatamente depois da morte, em
que tal homem deseja, ardentemente, a vida física que ele conhece, mas
nada pode fazer para retornar a ela - pois desde que a matéria etérica
foi afastada de um corpo físico não pode voltar a ·ele.
"A morte do corpo físico é causada por vários motivos: doença,
quando o corpo sente que não pode realizar suas funções como devia;
velhice, quando o corpo está gasto; acidentes, nos quais partes vitais do
corpo foram lesadas irremediavelmente. Em todos esses casos a parte
etérica do corpo físico foi forçada a deixar a parte densa, apenas porque
o corpo denso não pode continua~ a realizar com propriedade suas fun-
ções e, sem esse corpo, o duplo etérico não pode viver. No momento da
morte, quando o coração pára de bater, o duplo etérico registra medo
extremo, e envolve-se, pela parte externa, no corpo astral, no qual o
homem que acaba de morrer já está de pé, tendo sido forçado a deixar
o corpo quando a morte veio. A parte etérica do corpo físico sabe que a
morte da parte mais densa significa também a morte para ela própria, e,
em seu desejo de continuar existindo, agarra-se ao corpo astral do ho-
mem, na esperança de sobreviver por mais tempo. Por um esforço da
vontade, o homem pode facilmente livrar-se desse empecilho. Enquanto
não fizer isso, fica suspenso entre dois mundos da consciência. Não
pode agir no p lano físico, pois perdeu seu corpo físico, e não pode agir
apropriadamente no plano astral, porque a matéria etérica que a ele se
prende torna-lhe impossível ver ou ouvir claramente.
"Os homens que temem a morte, recusam, com freqüência, fazer o
necessário esforço de vontade que os amigos vindos ao seu encontro, do
outro lado, pedem-lhes que façam. Agarram-se às partículas remanes-
centes da matéria física, na esperança de continuarem sua existência
física, sendo essa a única que conhecem. É claro que não adianta lutar,
porque, mais cedo ou mais tarde, eles terão de se convencer, e farão o
esforço de vontade que mencionei. Resistir ao inevitável significa apenas
ficar suspenso entre dois mundos por mais tempo além do necessário. O
homem que durante a existência adquiriu algum conhecimento sobre a
morte, através do estudo de assuntos cognatos, imediatamente sacudirá
de si esse empecilho, tornando-se livre e iniciando sua vida naquilo que

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eu talvez possa chamar de condições astrais permanentes. Digo 'perma-
nentes' porque agora, tendo perdido o corpo físico, e não recebendo
outro enquanto não chegar a ocasião propícia para uma nova encarnação
e passagem de outro curto período de tempo no mundo físico, ele viverá
sob as condições do plano astral, tanto durante o dia como durante a
noite. Assim que é feito o esforço da vontade para repelir o duplo etérico,
a matéria etérica se desprende e começa a se desintegrar, de forma
bastante parecida com o que acontece ao corpo físico. Contudo, en·
quanto podem passar-se meses ou anos antes que a desintegração do
corpo físico se complete, sua parte etérica, sendo muito mais fina e mais
leve, retorna ao pó quase que imediatamente. Agora, não tendo mais o
corpo físico ligado a ele, o ego veste-se com seu corpo astral, e funcio-
nará nesse corpo enquanto permanecer no mundo astral.
"O mundo astral é o mundo das emoções e das ilusões. É composto
de matéria mais fina do que qualquer gás que conheçamos, na qual há
vários graus de densidade. O corpo astral é o veículo das emoções. As
emoções são causadas por vibrações da matéria astral. O que se conhe-
ce como emoções mais altas - o amor, a gratidão, o altruísmo e outras
desse gênero - mostram-se à visão do clarividente como vibrações de
matéria mais fina, enquanto as emoções mais baixas - a avareza, a
inveja, o ciúme, o amor egoísta (análogo à paixão), o orgulho, e outros
- mostram-se como vibrações de matéria relativamente muito mais rús-
tica ou densa. Tal como o homem é antes da morte, será depois da
morte, apenas sem seu corpo físico é sem as limitações do mundo físico.
Suas virtudes e vícios permanecerão os mesmos, mas, devido à natureza
fluídica do corpo astral, tornam-se forças de grande bem ou de grande
mal. Assim, um sentimento de ligeiro antagonismo, no plano físico, tor-
na-se puro ódio a li, com d€sagradáveis resultados para ambas as partes,
enquanto uma afeição branda chamará a si recíproca oferenda de amor,
produzindo extraordinária atmosfera de harmonia e paz. Sendo o mun-
do astral o mundo da ilusão, não há necessidade de usar o tempo ou o
trabalho, tal como são usados no mundo físico . Tudo - roupas, alimen-
to, etc. - é produzido pelo pensamento. A vida, ali, p ode ser um longo
feriado . Podemos nos devotar ao que quer que realmente desejemos
fazer, e nos entregar a passatempos inteiramente conformes ao nosso
desejo. Não há limitações que nos impeçam de adquirir mais conheci-
mento, no sentido de não haver tempo suficiente para estudos, nem

33
inibições causadas por fraqueza da vista ou cansaço do corpo. Nada há
no corpo astral que se canse.
"Enquanto nossos corpos físicos dormem, funcionamos no nível as-
tral, em nossos corpos astrais, e ali nos encontramos com amigos e
parentes que morreram. É loucura, portanto, tentar esquecer essas pes-
soas durante o dia, porque elas estão em torno de nós, sendo a única
separação a limitação da consciência. É uma pena, sob vários aspectos,
que tão poucas pessoas se recordem do que fazem durante a noite. Se o
fizessem , sentir-se-iam muito menos perturbadas pelo estado chamado
morte - e os maldosos rumores que circulam sobre o inferno e a dana-
ção eterna não teriam maior efeito sobre elas do que o ogre dos livros de
histórias infantis sobre o leitor adulto.
"Poucas são as pessoas, no mundo físico, que compreendem que o
homem médio passa a maior parte de seu tempo trabalhando num escri-
tório, numa o ficina , na terra, ou em qualquer ocupação que não teria
escolhido, não fosse a necessidade de ganhar dinheiro para o que co-
mer, para o que beber, para as roupas - tanto para si próprio como
para os que dele dependem. E talvez seja bom que tão poucas pessoas
compreendam isso, já que de outra maneira viveríamos todos extrema-
mente descontentes. Isso seria um obstáculo à nossa evolução, e produ-
ziria perturbações por toda parte. Apenas alguns poucos e afortunados
homens podem ganhar a vida fazendo o que mais gostam de fazer. Um
pintor ou um músico, embora recebam vultosa herança, continuarão
com seu trabalho, porque em geral o trabalho é parte deles, e torna-se
um prazer.
"Vou traçar-lhe um esboço geral das condições existentes no plano
astral . Para o homem que durante a existência em pouco mais pensou
do que além de seu negócio, a próxima existência tende a ser monóto-
na, de início. especialmente se ele tiver o hábito de amar o dinheiro por
amor ao dinheiro. Dinheiro é coisa puramente física, e inútil no plano
astral. Esse tipo de homem terá de desenvolver outros interesses, se
quiser ser realmente feliz no outro mundo. Entretanto, se um homem
gostou muito de música durante a existência, gostará dela depois da
morte, e encontrará muitas oportunidades de satisfazer os desejos que
não pôde satisfazer antes. Se o desejar, o amante da música pode passar
todo o seu tempo ouvindo a mais bela música que o mundo pôde produ-
zir. A distância já não é limitação: ele pode ouvir uma ópera em Lon-

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dres, durante algum tempo e, então, com a diferença de apenas um
minuto, pode estar ouvindo outro espetáculo musical em Nova York ou
na Austrália. Pode conhecer os grandes músicos do passado - a não
ser que eles já se tenham reencarnado. Pode ver as poderosas formas-
pensamento q ue a música do plano físico produz na matéria mais fina
do plano astral. Mesmo que durante a existênciç1. física ele não tivesse
lido possibilidade de tocar' um instrumento, agora pode produzir música
usando a imaginação. No plano físico há muitas pessoas capazes de
imaginar belas passagens musicais, embora sejam incapazes de se ex-
pressar, em conseqüência da falta de conhecimentos técnicos. No plano
astral todas essas pessoas realmente se tornam dignas de inveja, pois
seu ardente desejo natural para as coisas não depende do auxílio de
condições puramente relacionadas com o plano físico.
"Para o homem apreciador da arte, todas as obras-primas do mun-
do estão à sua disposição, quer em galerias de arte, quer em coleções
particulares. Há muitos amantes da arte que desejaram, por muito tem-
po, ir a Roma. Pense nas horas deleitosas que eles terão, devorando os
trabalhos de arte que só lá existem. Poderão conhecer artistas do passa-
do, e não se deve supor que esses artistas tenham perdido o interesse
pelo seu traba lho apenas porque morreram. Longe disso. Agora, eles
criam belas formas·pensamento, porque não precisam mais depender
do uso de pincéis e telas para expressar sua arte. Esse foi o único méto-
do de expressão que usaram no mundo físico, mas, depois da morte, as
formas-pensamento que eles criam são como as pinturas aqui, da mes-
ma maneira visíveis, e muito mais belas. Muitos artistas deste mundo
têm declarado que se sentem sempre insatisfeitos com seu trabalho, quan-
do o terminam, mesmo quando o mundo aplauda seu gênio. Dizem,
com freqüência: "Se eu ao menos pudesse expressar na tela exatamente
o que a minha imaginação pinta. Mas isso nunc,, chega a ser feito de
maneira exata ." No plano astral, as pinturas criadas são, exatamente, o
que os artistas sentem, e, assim, nesse plano, suas criações são mais
belas do que as mais belas pinturas que se encontram no mundo. Os
amantes dos livros também passam horas felizes, pois as bibliotecas do
mundo estão abertas à sua inspeção .
"Como exemplo do que acontece a um homem depois da morte,
tome um tipo de pessoa que vive inteiramente para o plano físico da
vida. Não quero, com isso, referir-me a coisas más, ou dizer que essa

35
pessoa tenha muitos vícios. Pelo contrário, talvez se trate de um homem
extremamente popular durante a sua existência, sempre rodeado· por
uma legião de amigos, e pessoa a respeito da qual geralmente se fala
bem. Seus prazeres consistem, provavelmente, em viver bem, em ir a
teatros, a bailes, etc., e fazer as mil e uma coisas necessárias para com-
por a vida do que se chama "um homem de sociedade" . Indubitavelmente,
é bem-sucedido nos negócios e considerado marido modelo, mas, seja
como for, sua vida - tanto nos negócios como nos prazeres - depende
de coisas físicas, coisas que só podem ser obtidas no plano físico . Há
muitas pessoas assim, como qualquer um pode verificar, olhando a seu
redor.
"Depois da morte, um homem desse tipo vai se sent ir, provavelmen-
te, muitíssimo entediado, e não terá, praticamente, nada a fazer. De-
pressa compreende que criar formas-pensamento de bons jantares e
complicados negócios toma-se um método muito insatisfatório de matar
o tempo, quando não há resultados físicos. Não obtém satisfação física,
aquela a que estava habituado depois de um bom jantar com vinhos
escolhidos, embora possa imaginar, e mesmo apreciar, o sabor das igua-
rias e vinhos que costumava sentir na Terra. Torna-se impossível, para
ele, sentir, após beber álcool, o mesmo resultado que sentia durante sua
existência, por mais que beba, e a sensação de repleção que se segue a ·
um bom jantar, no plano físico, está inteiramente ausente quando se
trata de uma "refeição" astral. Também não consegue muita satisfação
através. de transações comerciais produzidas por sua imaginação, já que
não pode usar o d inheiro assim ganho, pois no plano astral as coisas
não podem ser compradas nem vendidas. Pode criar formas-pensamen-
to de quantas moedas de ouro quiser, mas que irá fazer com elas? Nada!
Ele pode ser comparado a alguém que sofreu um naufrágio e foi atirado
a uma ilha deserta, onde está rodeado de tesouros, que seriam inestimá-
veis para ele se os pudesse transportar para um país civilizado, mas que
se tornam inúteis num lugar onde não há compradores, nem nada que
possa ser comprado. -O homem da ilha deserta tem uma vantagem so-
bre o homem do plano astral, já que lhe fica a possibilidade de ser salvo,
podendo retornar a seu pais com o tesouro recém-descoberto. O ~o-
rnem "morto" não tem essa esperança, porque, quando volta a este
mundo, vem como criança, sem outras posses a não ser a experiência
ganha em vidas anteriores, experiência armazenada pelo seu eu supe-

36
rior no reservatório de conhecimento que, à proporção que vai evoluin-
do gradualmente, é trazida cada vez mais para o plano físico . Insatisfa-
ção semelhante é sentida no que se refere aos esportes habituais. É
muito provável que esse homem jogasse golfe. Pode ainda jogá-lo, se
assim o quiser, em sua nova vida, mas depressa se cansará, porque sem-
pre irá acertar o ponto exato que tem em mente no instante em que
aciona a bola. Cada partida jogada é uma partida perfeita, jamais dife-
rente da que foi jogada antes. Cada putt encaixa automaticamente a
bola , pois o jogador faz uma forma-pensamento do que deseja realizar, e
a fluídica matéria astral obedece de imediato, dando forma ao pensa-
mento que a mente expressou. É fácil imaginar quanto , e bem depressa,
uma partida assim se pode tornar enfadonha, e quanto é diferente das
partidas jogadas no nível físico, onde num dia se pode jogar como um
mestre, e no dia seguinte mostrar-se pouco melhor do que um coelho. A
incerteza fazia o encanto do jogo, e essa incerteza já não existe no plano
astral.
"Considere um homem que durante toda a vida aprendeu que o
fogo do inferno e a danação eterna constituem a sina dos que não alcan-
çaram o padrão de perfeição exigido. Depois da morte, a dificuldade
para se libertar desses pensamentos faz com que ele passe por muita
angústia. Sente-se continuamente torturado pelo pensamento de que o
estão enganando, embora lhe assegurem que essas crenças não são ver-
dadeiras. Até que consiga descartá-las, não conseguirá instalar-se em
sua nova vida, onde há tanto que ver e tanto que aprender.
"Há outros que são infelizes porque ao contemplar, daquele plano
mais alto, sua vida física, compreendem quantas oportunidades desper-
diçaram. A isso reagem de maneira diferente. Alguns ficam repletos de
remorsos; outros, mais sensíveis, decidem não perder oportunidades numa
próxima vez. Encontramos, ainda, o homem que manteve esposa e uma
grande família, antes da morte. Provavelmente, não tomou as disposi-
ções adequadas em relação a eles, e fica preocupado, pensando no modo
como irão se arranjar. Isso é muito natural, mas, infelizmente, também é
uma tolice. Tendo deixado o corpo físico, ele não tem mais qualquer
responsabilidade no nível físico . Não há preocupação que possa se cons-
tituir em auxílio prático, e isso provoca, nos que ficaram, uma reação
que os toma mais de primidos do que seria necessário. Esse homem
estará aumentando a perturbação dos seus, em lugar de diminuí-la, e só

37
surgirá uma solução para o problema quando ele compreender que aque·
les que deixou são egos separados, cada um esgotando seu próprio carma,
e que, provavelmente, as dificuldades pelas quais estão passando consti-
tuem uma oportunidade de resgate para parte do mau carma que são
obrigados a esgotar naquela existência em particular.
"Há pessoas, neste mundo, que sempre arranjam aborrecimentos
para si próprias, "preocupando-se com coisas sobre as quais não têm
controle, ou sendo pessimistas quanto ao futuro - sempre se sentindo
seguras de que o pior irá acontecer. Depois da morte, essas pessoas
continuam as mesmas, sentindo-se deprimidas e irradiando depressão
onde quer que estejam. Infelizmente, pessoas com essas idéias depressivas
continuam ·a juntar-se umas às outras, como fizeram no plano físico, e
ainda acreditam no que acreditavam antes, embora o erro esteja, por
assim dizer, diante de seus olhos. Mais cedo ou mais tarde, homens
desse tipo são levados a compreender a própria insensatez, através da-
queles que estão sempre alertas para as oportunidades de prestar a uxílio
nesses casos tristes. O novo mestre , abrindo claros para retirar o que
havia de condenável nessas mentes, deve preenchê-los, e, para isso,
oferece-lhes algo mais razoável, mais confortador - algo que explica
não apenas o presente, mas o passado e o futuro.
"Nunca rejeite uma idéia porque ela lhe é estranha; ouça antes todos
os lados da questão e tire suas próprias conclusões. Sua mente poderá
tornar-se caótica, por um tempo, mas, a p artir desse caos, poderá en-
contrar a luz, a luz que há de colocar seus pés no caminho que o levará,
finalmente, ao conhecimento, à sabedoria do homem perfeito. Livre-se
das idéias de recompensa e castigo . Não há recompensa, não há casti-
go, mas há o resultado, há a causa e o efeito e a Lei tanto atua nos
planos mais altos como aqui, no plano físico. Tal como vivemos agora, e
como somos agora, viveremos e seremos d o outro lado da morte . Nossa
vida, então, será condicionada pelos pensamentos de que nos rodeamos
enquanto aqui estivemos. Portanto, interessemo-nos de um modo inteli-
gente por coisas mais altas, pela ciência, pela arte, pela música, pela
literatura e pelas belezas da natureza . Assim, no próximo mundo tere-
mos vida feliz e estaremos em condições de gozar de oportunidades que
serão inúteis para nós, se não estivermos preparados para essa nova
vida ."

38
Capítulo3

- Ontem comecei a dar-lhe um breve esboço das condições exis-


tentes no plano astral e continuaremos na mesma linha, hoje.
"A teoria da grande Igreja de Roma declara, muito rústica e resumi-
damente, que depois da morte O!i irremediavelmente maus caem de ime-
dia to num inferno eterno , enquanto os santos verdadeiramente grandes
vão, sem tardança, para o céu. O homem comum, nem muito bom nem
muito mau, precisa de um estágio, longo ou curto, numa condição inter-
mediária - chamada Purgatório - na qual suas faltas serão eliminadas.
Como eu já lhe disse, não há inferno eterno - nem poderia haver, se
não por outro motivo, ao menos porque uma causa finita jamais pode
produzir resultado infinito - e os que passam para o plano astral com
um medo desses em suas mentes atravessam um estágio inicial difícil.
Há um pouco mais de fundamento no que se refere aos santos verdadei-
ramente grandes, porque há um estado chamado o mundo do céu, e é
muito possível que uns poucos santos muito gra ndes deslizem, rapida-
mente, através do mundo intermédio, o astral, e passem diretamente
para o mundo mental, a fim de ali continuarem sua evolução . Para a
grande maioria das pessoas, não existe esse problema de ir para o céu
ou para o inferno. Sua maneira de progredir é passar por dois estados,
o mais baixo dos quais é conhecido como purgatório, e é com o purga-
tório que eu quero começar hoje.
"A doutrina católico-romana do purgatório, como um estado inter-
mediário no qual as faltas são eliminadas através de um processo bastan-
te doloroso - simbolizado pelo fogo que queima - tem muita verdade
em si, mas é inteiramente despojada de sua dignidade pela ridícula teoria

39
das indulgências, sugerindo que se pode comprar a fuga a esse inconve-
niente estágio sem aprender as lições para cujo aprendizado ele existe.
Não há, é óbvio, possibilidade de que isso aconteça. Não há milhões, em
dinheiro, que possam fazer a mais leve diferença no que acontece a um
homem depois da morte. O dinheiro pode ajudá-lo a fugir às leis do
plano físico, durante sua existência. Depois que ele deixa este mundo,
porém, o dinheiro perde seu valor, e se amigos e parentes que permane-
cem no mundo o gastarem com essa intenção, só o estarão desperdi-
çando. Sempre me pareceu coisa ridícula sugerir que o dinheiro possa
desviar a lei da Natureza. Não podemos desviar a lei da gravidade ofere-
cendo-lhe dinheiro, nem se pode afastar a lei da justiça divina subornan-
do-a com velas, orações e oferendas.
"Esse purgatório, tal como é chamado - e com muita propriedade,
pois se trata de um estado de consciência onde teremos de adquirir gran-
de refinamento e melhora - fica situado nos mais baixos planos do
mundo astral, lugar para onde o homem vai imediatamente depois da
morte. Trata-se de uma região onde ele é depurado da cegueira, desejos
mais baixos, que o tornariam indefinidamente ligado a seu corpo de
desejos. A evolução exige que ele se transfira para regiões mais altas e,
para que possa conseguir isso, passa através das esferas em que vai
sofrer as mesmas dores que infligiu a outras pessoas durante a vida física
- através da desonestidade, da crueldade, etc. Com o tempo, e pelo
sofrimento, ele aprende a importância da honestidade, da justiça, da
tolerância, etc. Na encarnação seguinte ele nascerá livre de pecado -
embora a tendência a sucumbir aos mesmos desejos ainda esteja presen-
te nele. Cada ato mau que cometa nessa nova vida será por obra de seu
livre-arbítrio. Um homem continuará dessa maneira até que aprenda,
através de amargas experiências depuradoras, que deve praticar a tole-
rância e o bem em relação aos demais, sem se importar com a forma
pela qual será retribuído. Certas leis eternas foram estabelecidas, e pre-
cisamos tentar entendê-las como tal. Se não houvesse leis da Natureza,
depressa estaríamos em condições caóticas, sem que de nada pudésse-
mos depender. Mas há leis n a Natureza, e essas leis são a expressão da
Vontade Divina.
"Tentarei explicar o que acontece no purgatório, dando-lhe alguns
exemplos. O exemplo que sempre é dado em primeiro lugar, porque é o
mais facilmente compreendido, é o caso do homem que cedeu, em ex-

40
cesso, à maldição da bebida - o ébrio. Todos nós sabemos o que pode
representar a maldição da bebida, sabemos de muitos casos de homens
que desgraçaram a própria vida, obrigando esposa e filhos a passarem
fome, chegando até a cometer inúmeros crimes, apenas e simplesmente
para saciar seu insaciável desejo daquela sensação que a bebida produz.
Se alguém bebe apenas para matar a sede, não terá, depois da morte,
desejo algum de beber - porque a sede, como a fome, é desconhecida
no mundo astral - mas a origem desse desejo não é a sede, mas o
insaciáuel desejo de certa sensação agradável. Depois da morte, o mes-
mo desejo, que o arrastou durante a existência a tão terríveis caminhos,
será mais forte do que nunca, mas então, tendo perdido seu corpo físi-
co, não haverá possibilidade de satisfazê-lo. O desejo não pertence ape-
nas ao corpo físico, mas, e principalmente, pertence e é função do veí-
culo do desejo. Os outros nomes do plano astral são ''plano do desejo" e
"plano emocion al", e nesse plano os desejos e as emoções são
imoderados. A força integral do desejo despedaça agora o homem que,
em seu corpo físico, só sentiu mais ou menos a centésima parte do
desejo real. Ninguém negará que isso é sofrimento, mas ninguém pode-
rá dizer, também, que a pessoa está sendo castigada. Tudo quanto acon-
teceu foi que a lei da causa e efeito foi posta em ação e ela está, agora,
colhendo o que semeou. Está sentindo o resultado de suas ações durante
a vida que teve, mas não está sendo punida. Cultivou em si própria um
desejo e, por isso, sofre. O tempo de duração desse sofrimento pode
bem lhe parecer a eternidade, embora se trate, realmente, de apenas
alguns dias, semanas ou meses. Até uma extensão muito limitada, ela
pode saciar esse desejo através da imaginação. Pode produzir formas-
pensamento de bebidas, e imaginar que está bebendo. Pode até imagi-
nar o sabor do líquido, mas não pode produzir o resultado, a sensação
pela qual bebeu durante toda existência. O mais próximo dessa sensa-
ção a que pode chegar é ir aos lugares onde as pessoas bebem, e inalar,
por assim dizer, os vapores do álcool, o que lhe dá uma espécie de
satisfação muito limitada. Não consegue muito, mas é alguma coisa, o
melhor que pode obter, agora que já não tem seu corpo físico.
"Temos aqui, portanto, o caso de um homem que, se relatasse suas
experiências, diria que foi atirado, realmente, ao inferno. Não eterno,
naturalmente, mas bastante longo e suficientemente doloroso enquanto
durar, a ponto de levar esse homem a sentir que esse período representa

41
a eternidade. O mal é que ninguém pode, realmente, ajudar esse ho-
mem, no sentido de evitar que passe por essa experiência. A única coisa
que se pode fazer é explicar-lhe, cuidadosamente, o que está acontecen-
do e por que está acontecendo. E dizer-lhe que a única saída para ele
está no libertar-se do desejo, porque enquanto não conseguir lutar e
libertar-se, livrando-se dele, o sofrimento deve continuar. Mais cedo ou
mais tarde ele compreende isso, e seu estágio no purgatório chega ao
fim.
"Tomemos, depois, o caso de um avarento, que acumula seu ouro
sobre a terra e esconde-o tanto que só ele sabe onde encontrá-lo. Pense
no prazer que sente, enquanto vive, quando visita o local onde guarda
seu tesouro, e quando, juntando moedas de ouro, ou notas, deixa que
elas caiam, uma a uma, de entre os dedos, retornando à pilha que inici-
almente fizera . Imagine-o a exclamar, em sua alegria: "Tudo meu, tudo
meu, e ninguém tocará nisto, a não ser eu!" Pense, depois, nos senti-
mentos desse homem quando, do plano astral, vir seu tesouro descober-
to, e, provavelmente, gasto sem cuidado por aqueles que tiveram a sorte
de encontrá-lo. Ele nada pode fazer, embora, sem dúvida, tivesse paira-
do em torno dele por muitíssimo tempo, depois de sua morte. Pode ter
tentado influenciar os que procuravam seu tesouro, a fim de que fossem
para outro lugar e, indubitavelmente, tudo fez para afastá-los da pista.
Não conhecia, porém, método algum para se comunicar com eles, a
não ser quando estavam adormecidos e, temporariamente, em seu ní·
vel. Na maioria dos casos eles de nada se lembrariam, no que se referis-
se a esses encontros, e, assim, não seriam influenciados pelos seus es-
forços. Ainda nesse caso ninguém estaria punindo esse homem, embora
ele estivesse sofrendo através das emoções incontroladas de cobiça e
avidez. Ele precisará afastar-se elas coisas puramente físicas, se quiser
encontrar a felicidade.
"Outro caso muito comum é o do homem extremamente ciumento,
que pensa amar alguém, quando, na realidade, deseja possuir essa pes-
soa, de corpo e alma, para sua própria satisfação pessoal. Uma pessoa
que ama de verdade ficaria grato, é certo, ao ver o objeto de seu amor
receber atenção e admiração por parte de outras pessoas, mas isso não
acontece com o ciumento. Tendo sido ciumento durante a existência,
continuará ciumento depois da morte, torturando-se, indefinida e inutil-
mente, ao vigiar, de maneira constante, a aproximação de outros em

42
relação ao objeto de seu suposto amor, odiando essas pessoas e tentan-
do de toda: forma influenciá-las, mas peTcebendo que seus esforços são
inúteis. Ninguém está castigando essas pessoas por serem ciumentas.
Elas estão, simplesmente, colhendo os resultados de sua própria insen-
satez, através da incontrolável operação da lei do carma - ou lei da
causa e e feito. A única forma possível de ajudá-las é usando o método
intelectual de dar-lhes conselhos, tentando mostrar-lhes como estão agin-
do de modo insensato e explicando-lhes que tudo o que precisam para
encontrar a paz é eliminar o egoísmo de seu amor, e compreender que
ninguém pode possuir outro ego, em corpo e alma, por mais que o
deseje.
"Outro exemplo, e termino com o purgatório. Houve ocasião em
que um homem de negócios arruinou um de seus concorrentes e, quan-
do criticado por alguns amigos, disse que o tratamento duro era bom
para os negócios, que assim havia aprendido e que, futuramente, seu
concor~ente não desperdiçaria a lição recebida. Realmente, depois de
decorridos alguns anos, o homem arruinado se refez e, na verdade, com
sucesso maior do que o daquele que o arruinara no passado. O talho-
mem rude muitas vezes comentava o caso, como prova de quanto tinha
estado certo naquela ocasião, pois, de fato, fora o tratamento áspero
que dera ao concorrente uma bênção disfarçada. E não pensou mais
nesse incidente durante o resto da vida.
''Como tudo lhe pareceu diferente quando a história toda lhe foi
mostrada nesse lugar chamado purgatório! Ali ele viu o outro homem,
depois de arruinado, voltando para casa e contando à esposa a infelici-
dade que tivera. Viu, também, que o filho desse homem, que iniciava
uma carreira universitária, teve de abandoná-la e aceitar o primeiro
emprego que lhe ofereceram, o de um humilde escriturário. O pai reco-
meçou o t rabalho e, como já disse, com o tempo, tornou-se rico. Tarde
demais, contudo, para ajudar o filho. Que acontecera ao moço? Ficara
amargurado com a trapaça que o Destin o lhe reservara, e então, em vez
de se firmar em sua nova esfera de atividade, fazendo o melhor que
pudesse, meteu-se com más companhias, tentou arranjar dinheiro fácil,
através de meios desonestos, e terminou, afinal, na prisão, o que partiu
o coração de sua mãe, causando-lhe a morte. A história toda, vista ago-
ra em sua perspectiva integral, era uma grande tragédia, e o senhor
pode imaginar, facilmente, o sofrimento desse rude homem de negó-

43
cios, ao compreender que o resultado de sua a mbição, tão desconsiderada
naquela época, causara não só a ruína temporária de um pequeno con-
corrente, mas também a mo1ie de uma mulher e a ruína da carreira de
um jovem .
"Do outro lado, vemos o resultado integral e completo de todas as
nossas ações. Poucos, entre nós, deixam de sofrer e de fazer votos para
agir de maneira difere nte em vidas futuras. A mudança de ponto de vista
em relação a essas coisas é o que o purgatório pretende conseguir e,
desde que nosso ponto de visla se modifique, nossa experiência no pur-
gatório chega ao fim. Aprendendo inteiramente essas lições, podemos
ter a certeza de que, após vidas futuras, nossa passagem pela parte mais
baixa do mundo astral será pouco retardada por experiências semelhan-
tes às que citei . Temos que aprender uma lição de uma só vez e, se nosso
caráter se modificar daí por diante, evita remos no futuro muita aflição e
angústia temporárias.
"Assim como as experiências astrais do homem médio e do homem
abaixo da média padrão estão de acordo com os tipos de vida que tive-
ram na Terra, as do homem intelectual , do homem acima da média,
também estão de acordo com seu modo de vida. Essas pessoas passam
mais rapidamente através dos níveis mais baixos para os mais altos,
onde não só podem continuar qualquer trabalho experimental em que
estejam interessados, como reunir em torno de si estudantes que te-
nham gostos idênticos. Essas reúniões são vastas, freqüen temente: cien-
tistas com seus grupos de estudantes, matemáticos com grupos meno-
res, encontram no mundo astral um plano muito mais apropriado para
seu trabalho do que o plano físico, porque agora o espaço em quatro
dimensões pode ser estudado, com oportunidade para experimentos. O
artista tem seu grupo de discípulos, que tentam imitar-lhe o talento, e o
mesmo acontece com os músicos. A essa altura , os músicos é que são
realmente felizes, pois têm a oportunidade de ouvir não só a música do
mundo, mas a música da Natureza, vinda da música do mar e do vento,
a música das esferas - porque existe a música das esfe ras, porque há
uma canção determinada à proporção que os planetas se movem atra-
vés de suas poderosas cUJvas no espaço. Há música e há cor, relaciona-
das com todo o vasto mundo cósmico, mas, por enquanto, nós compre-
endemos tão pouco a glória da vida cósmica quanto a rastejante formiga
compreende nossa vida, com suas muitas atividades. Um musicista pode

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conhecer os grandes anjos da música, porque há anjos que vivem para a
música, que se expressam através da música, p ara os quais a música é
como a fala para nós. Mais tarde o senhor saberá mais sobre as ativida-
des deles.
"Para o homem de men talidade espiritualizada, que meditou pro-
fundamente sobre coisas mais altas, há uma infinidade de beatitudes à
espera. Durante sua existência ele teve que se apoiar apenas na fé e em
seu próprio poder de raciocínio. Agora ele pode ter a prova das muitas
teorias que estudou no mundo, e mal se pode imaginar a alegria e a paz
que esse conhecimento traz a um homem assim . Ele esteve lutando nas
trevas, e agora, até certo ponto, en controu a luz.
"O filantropo, que durante a vida teve um pensamento, um objetivo
em vista - ajudar o próximo - tem, talvez, a maior oportunidade de
todas, pois agora está livre para se devotar, para usar seu tempo a ajudar
e a confortar os que necessitam de seus serviços. Se tomar a seu cargo o
trabalho especial de ajudar os que morrem, encontrará trabalho para
cada minuto de sua vida astral. Durante tempos de guerras, a necessida-
de desse trabalho é grande, pois os ignorantes são muitos e os ajudantes
poucos. Os que se dedicam a esse t rabalho, apr oveitando uma oportuni-
dade de ouro, conquistarão um carma muito bom.
"Portanto, eu lhe digo: procure saber sempre mais, não apenas para
ajudar a si próprio, mas para que, mercê desse conhecimento, possa
ficar em condições de auxiliar um irmão angustiado, e para que possa
compartilhar do grande esquema da evolução, e ser, como cada homem
de pensamento deve ser, guia e auxilio para o ignorante ."

- Hoje chego a uma das partes mais agradáveis da minha descrição


do mundo astral, porque devo falar-lhe das crian ças. E, afinal, não são as
crianças que fazem um mundo? Basta passar o Natal numa casa onde
não exista m crianças para se compreender que diferença fazem suas
vozes alegres e seus turbulentos brinquedos na maior de todas as festas .
Nada parece o mesmo: a casa dá a impressão de estar morta e o mundo
parece vazio da verdadeira felicidade . O riso das crianças é a coisa mais
maravilhosa do mundo, a única de que mais sentem falta os que as ado-
raram em seu santuário, no passado, quando percebem que o tempo
passou e que as folganças da sala onde as crianças brincavam se submer-
giram no imenso caldeirão da humanidade adulta. É como se as crianças

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fossem os únicos seres realmente naturais no mundo humano - os
únicos seres que realmente compreendem o prazer.
"A explicação disso está no fato de terem retornado à Terra recente-
mente, e estarem ainda tão próximos da verdadeira vida gloriosa do
mundo-céu, que continuam a ter certo contato com a vida em seu ponto
mais alto, vida que é una com o reino da Natureza, a região das fadas, a
região das belezas incontáveis e jamais sonhadas pelos seres materiais
em que todos parecemos transformados quando crescemos, enegrecidos
pelo pincel da convenção e da ''respeitabílidade". Condição análoga a
essa pode ser observada no reino animal. Mesmo os filhotes do leão são
adoráveis, quando bebês: ao nascer, eles não sabem o que é medo.
Depois de alguns meses, ou um ano, mais ou menos, seu instinto - que
é a parte da alma grupal a que pertencem - se insinua neles e, e ntão, o
medo e o antagonismo em relação à raça humana cresce, e já não po-
dem ser considerados como seguros animais de estimação.
"Em geral, nada é considerado tão triste para uma criança do que ter
sua carreira cortada, em qualquer estágio , mas especialmente quando
está saindo da primeira infância para o que chamamos a "idade do inte-
resse", mais ou menos aos três anos. O período em que uma criança
deixa de ser criança não é determinado pela idade. Algumas perdem
seus modos infantis assim que entram para a escola; outras permane-
cem crianças m esmo depois que ultrapassaram os doze anos. A morte
de uma criança deve parecer sempre desnecessária para os que não
entenderam pelo menos a teoria elementar da evolução, porque é muito
natural que se pergunte por que os pais têm de sofrer dessa maneira, e
que adianta uma vida que termina quando mal havia começado. Contu-
do, os estudantes da evolução compreendem que uma criança é uma
individualidade que desceu ao plano físico a fim de adquirir experiência
- a fim de trabalhar no seu destino. Se morre jovem, ganha pouca
experiência, e não levará muito te mpo para assimilá-la depois que dei-
xar o mundo físico. Assim, o mais provável é que a criança que morreu
cedo logo esteja de volta para uma outra vida. Isso nã o quer dizer que ela
perca alguma coisa, ou que sofra alguma coisa, seja como for, por causa
de sua morte prematura. Se as pessoas comuns ao menos se dessem ao
trabalho de adquirir esse conhecimento, como o mundo seria mais feliz!
"Quando um bebê está para passar ao outro mundo, a cerimô nia do
batismo sempre deve ser realizada. Esse rito torna a criança um membro

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de uma fraternidade sagrada, rodeia-a de uma proteção certa e definida,
e a coloca ao longo de determinada lin ha de vibrações e influências, que
evitam a aproximação do mal.
"Quando as crianças alcançam o mundo astral, têm uma vida mara-
vilhosamente feliz, em virtude da ausência de restrições. Jamais deixam
de ser atendidas, pois há inúmeras mães que morreram, e desejam, com
grande empenho, tomar conta da criança que morre quando ainda bebê .
No plano astral, essas mães conservam o mesmo sentimento materno
que tiveram quando viviam no p lano físico. A pobreza, a falta de alimen-
tação, o sofrimento pelo frio - são coisas que não têm lugar nos pensa-
mentos de uma mãe astral. O sono já não é necessário, portanto há
tempo de sobejo para dar a qualquer criança que adotem. Além do pra-
zer de ver o bebê cuidado e divertido, ela pode começar a educação da
criança, apresentando-lhe as belezas desse mundo, em todas as suas
formas. Esse ensinamento pode deixar marca na criança, e levá-la a
voltar-se para a vida artística, na encarnação seguinte . Assim como as
mães adotivas, que estão sempre disponíveis, há um vasto exército de
ajudantes astrais também prontos a orientar o recém-chegado, através
dos estágios iniciais de sua nova vida.
"Como o adulto, a criança não se transforma ao passar para esse
novo mundo. Há sempre muitos que se mostram ansiosos por ajudá-las
em seus jogos, e há, também, os espíritos da Natureza, que têm grande
participação nos jogos das crianças, no plano astral. Pense numa crian-
ça 5rnaginativa rodeando-se, ainda pela imaginação, com as maravilhas
dos reinos descritos em seus livros de histórias de fadas. Nesse mundo
astral a criança não precisará depender do faz-de-conta. Desde que uma
coisa é imaginada, ela estará ali, claramente, para ser vista, porque a
matéria astral é modelada pelo pensamento e, enquanto a criança pen-
sar em uma coisa, ela se fará presente. Em lugar de sentar-se numa
banheira, com um par de bengalas a fingir de remos, a criança que
quiser remar num rio precisa apenas pensar nesse rio, apenas imaginar
o bote e os remos, e eles estarão ali para seu uso. A criança que gosta de
imitar os heróis de ficção precisa apenas pensar fortemente em si pró-
pria como o herói, e imediatamente se transforma naquilo que, na sua
imaginação, constitui essa personalidade. O plástico corpo astral é mo-
delado nesse exato feitio e, por essa ocasião, a criança se torna inteira-
mente aquilo que está tentando imitar. Torna-se Hermes, co m suas san-

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dálias aladas, ou Jasão com o Argo, ou Robin Hood, o herói da floresta
de Sherwood . O que quer que ela pe nse ser passa a ser, e quando se
cansa de uma personificação, basta que pense em qualquer outro ser, e
o plástico corpo astral obedece a seu comando. É u ma educação mara-
vilhosa para uma criança viver entre os personagens de sua imaginação,
já que aprende muito através desse método, muito mais do que lhe seria
possível aprender nas condições do plano físico.
"Todos conhecem a criança que está sempre a fazer perguntas: com
que freqüência nos vimos esbarrando e m pedra de tropeço, já que nos é
impossível dar urna resposta que possa ser compreendida por um ouvin-
te cujo cérebro não está desenvolvido, pelo intelecto elementar de uma
criança. Vamos, às vezes, ao ponto de ralhar com a criança, desen-
corajando-a quanto a fazer mais perguntas. Não queremos obstar-lhes o
progresso; apenas sentimos que, de vez em quando, nossas respostas
são de tal modo inadequadas que seria prefe rível que as crianças ficas-
se m sem resposta a receberem impressão errada com as que lhes désse-
mos . Quando se pode fazer uso das condições do plano astral, tudo se
modifica. É possível encontrar a resposta a urna pergunta fazendo com
que a imagem corresponde nte flutue diante dos olhos de quem indaga.
Um modelo vivo (porque vive enquanto nosso pensamento se concen-
trar nele) melhora, consideravelmente, uma resposta feita de palavras.
"Pode alguém perguntar: 'As crianças sentem falta dos pais e das
mães, dos amigos e companheiros de brinquedos?' Não, não sentem, e
pela seguinte razão: todas as pessoas, quando dormem, passam horas
no mesmo mundo em que está a criança que morreu. Os pais e mães
que se lamentam porque perderam um filho vêem que esse filho é de
novo visível para eles, desde o momento em que adormecem e saem de
seus corpos físicos. Podem falar com a criança, brincar com ela, conti-
nuar sua educação, etc. Podem seguir, praticamente, do ponto que foi
interrompido na Terra. É uma pena, entretanto, que esses pais de nada
se recordem quando acordam pela manhã. A criança, depois da morte,
é invisível para os pais comuns - para todos os que n ão desenvolveram
a clarividência - enquanto os pais nunca são invisiveis para os filhos.
Eles podem vê-los (a contraparte astral de seus corpos físicos) e, com
freqüência, quando os pais estão chorando a morte de um filho , esse
filho morto está ali a seu lado, tentando, de todas as formas, comunicar-

48
se com eles . Para a criança , os pais parecem muito obtusos e estúp idos
nessas ocasiões, porque a criança não pode compreender que, embora
ela os veja, eles não a podem ver.
"Uma pergunta repetida com freqüêncía é a seguinte: - As crian-
ças crescem, quando estão no plano a stral? - Eis uma pergunta difícil
de responder, porque, se perguntarem isso a uma criança, ela responde-
rá: - Sim, eu cresci muito. -Como lhe disse, o corpo astral não cresce
depois da morte porque, embora a cria nça se desenvolva mentalmente,
e aprenda mais, o corpo realmente se conserva tal como era quando a
criança morreu. O crescimento só é necessário no plano físico: depois
que uma pessoa nasce, o corpo vai crescendo gradualmente, até atingir
a estatura comp leta, a não ser que a pessoa morra, e então o crescimen-
to físico pára automaticamente. Como agora já não existe corpo físico,
ao qual precise o corpo astral adaptar-se, ele cessa de crescer. Quando a
criança diz que cresceu, isso quer dizer que a criança "pensa" que cres-
ceu; o p lástico corpo astral responde imediatamente a esse pensamen-
to, e por algum tempo ela é maior; porém, assim que esse pensamento
desaparece, o corpo retorna a seu tamanho habitual ou real. Nada há de
misterioso nisso. Trata-se, apenas, das leis da Natureza em ação, e a
matéria mais alta responde a essas leis tanto quanto as variedades infe-
riores.
"Vi, certa vez, um dos mais interessantes exemplos de como isso
funciona para pessoas diferentes, num caso em que o marido e a mulher
morreram juntos, num acidente de automóvel. Dez anos antes eles ti-
nham perdido uma filhinha de cínco an os. O homem que estudara ocul-
tismo, esperava ver a filha exatamente com o mesmo aspecto que tinha
quando viva, assim , recebeu-a levantando-a nos braços, da mesma for-
ma que costumava fazer quando chega va à casa, de volta do escritório.
A esposa, entretanto, não tendo de maneira alguma estudado essas ques-
tões, somara, naturalmente, os anos passados desde a morte da filha e
esperava ver uma jovenzinha de quinze anos a esperá-la do outro lado .
Não ficou desapontada . Viu uma jovem alta, com o rosto atraente e os
olhos com que tantas vezes imaginara que a filha teria ao crescer, e
exclamou, ao saudá-la: "Como você cresceu! O ra essa , está realmente
uma mulher! " O marido, sabendo algo das peculiaridades do mundo
astral, da sua matéria plástica, não se sentiu surpreendido nem quis arru-
inar a satisfação dela explicando que o que a esposa estava vendo era,

49
realmente, uma forma-pensamento feita por ela própria, dentro da qual
estava o ego de sua filha, que não tinham visto, a não ser durante o
sono, durante os dez anos passados. Esse exemplo mostra que, embora
seja um fato que as pessoas não crescem em tamanho no plano astral,
ainda assim, para aqueles que não podem aceitar esse fato, ou acham
difícil compreendê-lo, suas ilusões mostram-se bastante satisfatórias, e
ninguém é p rejudicado por elas.
"Antes de terminar meus comentários sobre a vida das crianças no
nível astral, deixe-me dar-lhe um exemplo para mostrar como a morte
prematura de uma criança pode ser, e habitualmente é, consideravel-
mente benéfica para essa criança. Dois jovens se casaram em circuns-
tâncias pobres, e desejavam um filho. No devido tempo tiveram esse
filho, que viveu apenas dois anos. Os país ficaram desesperados de dor
com essa perda, e nada nem ninguém parecia ser capaz de consolá-los.
A vida, que antes dava a impressão de ser quase perfeita, mostrava-se
agora vazia e desolada, e a atmosfera de seu lar se tornou em extremo
depressiva. Com o tempo. passaram a sentir menos agudamente essa
perda, mas a ferida ainda estava lá, e cada um deles fazia o caso pior
para o outro, tratando o assunto como encerrado, para nunca ser men-
cionado - o que apenas significava que ambos, no fundo de seus
corações, pensavam e sofriam ainda mais. Aquilo que ambos tinham
amado, a criança cujo futuro haviam planejado, havia-lhes sido tomada,
e o sofrimento deles era grande, grande sua frustração por terem sido
tratados assim por um criador que diziam ser benevolente.
"Esse desgosto agiu de maneira diferente sobre essas duas pessoas:
enquanto a mulher cuidava de seus deveres domésticos e rezava para
que um dia pudesse conceber outra criança, o homem entregou-se com
toda a alma aos negócios, sentindo, bastante acertadamente, que o tra-
balho duro afastaria sua mente do grande desgosto. Cinco a nos depois
da morte do primeiro filho, a mulher teve outro, e a alegria dos pais foi
completa. Aconteceu, porém, que o novo filho era o mesmo ego qt.J.e
fora levado cinco anos antes. Mediante o árduo trabalho que o desgostoso
pa i tinha reallzado, os recursos materiais da família eram agora flores-
centes, de modo que, quando chegou a ocasião de educar esse segundo
filho, o homem estava em condições de dar-lhe uma educação de pri·
meira classe. Cinco anos antes esse dinheiro não teria existido.
"O resultado líquido daquela morte aparentemente inútil foi levar,

50
antes de mais nada, o marido e a mulher a pagarem muitas das unidades
de seus carmas, através do sofrimento. Em segundo lugar, o filho, que
obtivera o direito a uma boa educação, pelas suas ações numa vida ante-
rior, tinha de ser retirado de seu primeiro corpo, tinha de ficar à espera
durante cinco anos pelo segundo corpo, para então renascer na mesma
família. O ego da criança nada sofreu com todos esses fatos. Ganhou
muito pelas oportunidades então disponíveis quando em seu segundo
corpo. Nascer cinco anos depois nada é no esquema da evolução, mas.
com freqüência, alguns anos fazem muita diferença nas condições exis-
tentes em determinada família no plano físico, e essas condições podem
ter efeitos que alcançam os egos nascidos nesse ambiente .
"Resumindo: em geral, é necessário que a pessoa volte ao lar do
ego, que fica num plano mental mais alto, caso tenha vivido no mundo
físico durante um período padrão de tempo. Para que isso aconteça
deve passar através do mundo astral, viver sua vida ali, depois descartar
seu corpo astral e, em seu corpo mental, consolldar, no plano mental,
todas as experiências mentais e esforços intelectuais que tiveram lugar
em sua última existência. Tendo feito isso, também o corpo mental é
descartado e ele não recebe outros veículos, quer mentais, quer astrais,
até que chegue a ocasião em que deve reencarnar. Menciono isso agora
para que possa compreender que uma vida curta no plano físico muitas
vezes significa que a criança, tendo pouca ou nenhuma experiência a
consolidar depois de tão curta existência física, retorna apenas ao plano
astral, por alguns anos, e recebe, então, um novo corpo físico, retendo
os mesmos corpos mental e astral que tinha atraído a si antes de sua
recente e curta vida no plano físico.
"Como o senhor está começando a sentir, a evolução é um processo
lento. Compreenderíamos isso mais facilmente se pudéssemos ver o es-
quema como um todo, e não corno uma pequena parte, como a maioria
de nós vê de relance, enquanto vive no plano físico.
"Há muita coisa que lhe devo ensinar sobre a vida no plano astral, e
eu lhe darei oportunidade de perguntar quanto quiser em relação aos
pontos que não lhe parecerem muito claros. Antes que me vá, entretan ·
to, proponho tentar uma experiência, para a qual imagino esteja ansio·
so em cooperar. Na noite passada recebi permissão de meu Mestre, que
é um dos grandes adeptos ou homens perfeitos que ajudam a governar
este planeta, para lhe dar a oportunidade de ver, por si mesmo, alguns

51
dos estados sobre que ten ho falado nestes últimos dias. Fo i meu Mestre
quem me mandou vir ter com o senhor, no início.
"O que proponho é que o senhor mesmo faça uma viagem ao plano
astral, e, se fizer exatamente o que eu lhe disser, penso que poderei
ajudá-lo a recordar muito do que vir e fizer durante o tempo em que
estiver fora de seu corpo. Amanhã pela manhã, portanto, eu não o
visitarei, como faço habitualmente. O senhor pode passar a manhã len-
do todas as notas que tomou sobre as minhas palestras destes últimos
seis dias. Refresque sua memória sobre cada pormenor possível, porque
terá que recordar muito do que lhe contei, se quiser beneficiar-se da
oportunidade que proponho lhe dar, na esperança de que essa oportuni-
dade tornará muitas coisas, que agora não estão claras, mais fáceis de
serem entendidas pelo senhor.
"Não deve comer carne nem hoje nem amanhã, e não deve tocar
em álcool. Sei que habitualmente come pouca carne e que raramente
bebe um pouco mais; porém mesmo um pouquinho de álcool aumenta-
rá minha dificuldade, pois terei a tarefa de imprimir em suas células
cerebrais, quando voltar ao corpo físico, a necessidade de recordar o
que esteve fazendo fora de seu corpo. Isso, necessariamente, pode não
ter completo êxito, mas tentaremos e, já que meu Mestre concordou
com o esquema, não tenho dúvida de que me ajudará a levá-lo adiante .
Amanhã à noite deve fazer sua última refeição às 7 horas, ir para o
quarto depois do jantar e estar preparado para deitar-se às 9:45. Tenho
aqui um comprimido que o senhor deve tomar quando for se deitar, pois
ele assegurará que às 10 horas estará dormindo, e a essa hora eu virei.
Antes de se acomodar para dormir, tente imaginar como parece deitado
em sua cama. O método mais simples para fazer isso é imaginar que,
imediatamente acima de sua cama, há um enorme espelho. Se assim
fosse, que faria o senhor quando fosse deitar-se? Esse é o quadro que eu
desejo que tenha em mente ao adormecer, porque isso será o que irá ver
imediatamente depois que se separar de seu corpo físico.
"De início poderá surpreender-se ao ver o que parece ser o senhor
deitado na cama (quando realmente o senhor estará olhando para seu
corpo físico) e isso, instintivamente, pode torná-lo de certa forma ame-
drontado. O resultado desse medo seria um retorno precipitado ao cor-
po que está na cama, e o senhor estaria de novo acordado. Estou avisan-
do, com antecedência, sobre o que o espera, pois desejo evitar isso.

52
Embora o senhor saia de seu corpo todas as noites, de nada se recorda,
pois não tem consciência dessa saída. Agora estou providenciando para
que não haja brecha em sua consciência das coisas, entre o
adormecimento e a compreensão de que se destacou do corpo físico .
Tentarei ajudá-lo a manter essa continuidade de consciência, desde o
momento em que adormecer até o momento em que retorne ao corpo,
pela manhã. Então, não terá dificuldade de recordar e será capaz de
escrever, em pormenor, tudo quanto fez em seu corpo astral durante as
horas em que seu corpo físico permaneceu deitado na cama. Sem essa
continuidade de consciência o senhor pouco ou nada recordará sobre
essas coisas, trazendo apenas de volta um fragmento de um ou mais
acontecimentos, que descreverá como sonhos, provavelmente. A maio-
ria dos sonhos das pessoas são fragmentos do que estiveram fazendo
durante o sono, fragmentos que as células cerebrais deformam com fre-
qüência. Nunca é fácil recordar corretamente todos os pormenores, o
que requer anos de estudo, de concentração e prática, a fim de que se
consiga algo que se pareça com resultados perfe itos. Por isso é que não
posso garantir que irá lembrar-se de alguma coisa, mesmo quando auxi-
liado por meu Mestre. Se, por acaso, for inteiramente vitorioso, não
deve ficar desapontado se descobrir, corno indubitavelmente descobrirá,
que em futuras ocasiões, ao acordar, não será capaz de trazer de volta
coisa alguma.
"Agora vou deixá-lo até que n os encontremos, amanhã à noite.
Depois de amanhã também não o verei, porque desejo que escreva tudo
quanto puder recordar sobre suas experiências astrais. Iremos, então,
discuti-las, quando de novo nos encontrarmos, em carne, daqui a três
dias, à hora habitual. Tenha fé em si próprio, e tudo correrá bem."

53
Capítulo 4

Parte de minhas instruções dizia que eu deveria escrever tudo quanto


pudesse recordar sobre os acontecimentos da noite passada. Isso parece
mais simples do que provou ser, porque posso dizer-lhes, desde jil, que a
experiência teve sucesso em todos os sentidos. Não sei se terei recorda-
do tudo quanto aconteceu - espero que meu professor me diga isso
hoje - mas me lembrei de tanta coisa que precisei disciplinar meus
pensamentos, muito cuidadosamente, para poder escrevê-los.
A noite era escura, sem luar. Fui deitar-me às 9:45, conforme as
instruções que recebera, tomei o comprimido que me fora dado, e con-
centrei-me em imaginar no que veria ao espelho se algum espelho hou-
vesse em cima de minha cama. Tenho um pequeno relógio francês, que
fica ao lado da cama, e que é um grande tesouro para mim, pois custou-
me uma pequena fortuna, na época em que não passava de um nada
endinheirado estudante em Cambridge. Ele toca as horas e os quartos
de horas com uma suave nota argentina, que jamais fez cessar ou inter-
rompeu meu sono. Eu o ouvira tocar um quarto para as dez, hora em
que havia tomado o comprimido. E foi exatamente quando ouvi o pri-
meiro toque argentino que começava a anunciar os quartos que prece-
dem ao toque das dez horas quando me pareceu sentir que algo bastante
incomum acontecia em meu corpo. Algo como que se destacava de
dentro de mim, e senti o que posso descrever como um movimento
deslizante, que, suponho, era eu mesmo escorregando para fora de meu
corpo físico, porque, antes que o rel6gio começasse a bater as dez pan-
cadas, vi-me suspenso no espaço, olhando para meu corpo, exatamente
como me fora dito que iria acontecer - só que eu não estava de pé

54
sobre o piso, mas cerca de uns trinta centímetros acima dele (só mais
tarde, realmente, é que compreendi que isso se passara assim). Q uando
me tornei consciente de que existia fora de meu corpo, meu coração
pareceu palpitar, mas não posso dizer que me sentisse propriamente
amedrontado e, isso é certo, não tinha a menor vontade de me precipi-
tar de volta. Dizer que me sentia surpreendido é descrever a coisa
brandamente. Eu estava excitado, eletrizado, havia uma espécie de
medo, também, medo do desconhecido, medo do incomum .
Para meu espanto , o ambiente estava tão claro como durante o dia!
Foi minha primeira compreensão da luz que existe por toda parte e a
todo tempo no mundo astral e, embora mal reparasse na sua caracterís-
tica, na ocasião, descobri mais tarde que se tratava de uma luz cinza-
azulada. Se puderem imaginar a aparência de um aposento logo depois
que começa a amanhecer - só que muito mais claro - isso lhes dará
uma idéia da aparência de meu quarto então. Ouvi um riso a legre atrás
de mim, que, muito estranhamente, não me assustou. Voltei-me, e lá
estava Charles, parecendo exatamente o mesmo C harles que eu vira
pela última vez. Era evidente que estava se divertindo com minha surpre-
sa e minha expressão de incredulidade, e seu rosto mostrava-se enruga-
do com sorrisos, aquelas mesmas rugas joviais que eu conhecia tão bem,
e que se mostravam como nos dias já passados. Automaticamente, agar-
rni-lhe a mão, e imediatamente senti que seu aperto era firme e tão real
como costumava ser. Meu amigo hindu, em quem eu não havia repara-
do antes, mas que também estava no quarto, disse: "Sim, ele é real, de
fato, como eu lhe disse, e porque o senhor neste momento está usando
o mesmo tipo de corpo que ele está usando, torna-se, natura lmente, tão
real para o senhor como o senhor para ele." Minha alegria ao ver Charles
foi tão grande que suponho ter passado um minuto ou dois apertando-
lhe a mão, pondo minhas mãos em seus ombros, e, com tudo isso,
satisfazendo-me com a idéia de que e le estava de fato ali - "em carne",
eis como eu o teria descrito . Acho difícil reconhecer que, embora o
corpo astral pareça igual ao corpo físico, no que se refere às formas,
não é, contudo, de maneira alguma físico, e não tem carne, órgãos ou
tecidos. Entretanto, Charles era bastante real para mim, e eu comecei a
fazer-lhe mil e uma perguntas, tal como se faz à pessoa que se ama e que
não se vê por algum tempo. Eu queria saber como ele estava, o que
estava fazendo, se era feliz, etc . E quando ele conseguiu pronunciar uma

55
palavra, disse tranqüilamente: - Não se preocupe, estou bem, e me
divirto, como pode ver por si mesmo. - Comentei o fato dele estar
ainda usando uniforme . - Oh! Estou, é? - respondeu ele, e continuou
dizendo que não tinha pensado no que estaria usando. Meu amigo hindu
explicou que eu via Charles vestido de uniforme porque assim ele estava
vestido na última vez em que eu o tinha visto; por isso, sem o saber,
fizera uma forma-pensamento dele usando uniforme, e a plástica maté-
ria astral imediatamente respondera a esse meu pensamento. Disse-me,
também, que ainda quando Charles tivesse pensado no que estava usan-
do antes de me ver, eu não o veria com o tipo de roupa que ele tivesse
imaginado, a não ser que o mencionasse para mim. Eu o veria sempre
vestido conforme eu imaginasse que deveria estar.
Meu amigo hindu perguntou-me, então, o que eu gostaria de fazer.
Charles sugeriu que começássemos por um jantar astral, e perguntou-
me se gostaria de ir ao Trocadero Grill, que era nosso recanto favorito
quando estávamos juntos em Londres. Eu disse que sim, naturalmente ,
imaginando como isso poderia ser feito, mas, tendo visto Charles com
vida - realmente com muita vida-, achei que nada seria impossível. -
Venha, então, vamos lá - disse Charles, começando a sair do quarto .
Fui para abrir a porta e Charles imediatamente começou a caçoar de
mim por isso. Explicou que eu precisava me habituar a passar através de
portas, quando no plano astral, sem me dar ao trabalho de abri-las e,
embora isso me parecesse estrarho, vi que era verdade, porque a porta
não ofereceu qualquer obstáculo à minha passagem. Ficando meu quar-
to de dormir no primeiro andar, ·comecei a descer as escadas, na manei-
ra habitual. Reparei que Charles, que ia à minha frente, não usava os
degraus, mas flutuava uns trinta centímetros acima deles ao descer, e vi
que podia fazer o mesmo. Essa flutuação causava uma sensação estra-
nha a princípio, mas a ausência da força de gravidade, à qual estamos
tão habituados no plano físico, logo mostrou ser uma grande vantagem,
com a qual a gente depressa se habitua.
Saímos com o que parecia ser um passo muito rápido. Eu me con-
servava junto de Charles, e meu amigo hindu ficou a meu lado. Pergun-
tei a Charles como sabia qual o caminho para a Inglaterra, ao que ele
me respondeu que depressa as pessoas se acostumavam a encontrar os
caminhos. Passamos por sobre o porto, viajando dez metros acima do
mar. Olhei em torno, e vi as luzes de Colombo desmaiando na distância,

56
e então, durante alguns segundos, pareceu-me que não passávamos por
coisa alguma. Era difícil distinguir os verdadeiros lugares pelos quais tran-
sitávamos, porque quase ao mesmo tempo que os víamos no horizonte
já o tínhamos deixado para trás. Além desse rato, a sensação de espan-
tosa velocidade mal era notada, porque não havia o vento de frente, de
que temos notícia nas altas velocidades do mundo físico. Não parecia
haver qualquer resistência, e mais tarde descobri que não havia mesmo
nenhuma, porque a matéria astral é tão fina em sua tessitura que passar
por ela com aquilo que parecia ser uma terrível velocidade, comparada
com o que temos aqui, não fazia qualquer diferença.
Num espaço de tempo quase igual ao que usei para descrever a
viagem, chegamos à terra e Charles informou-me de que se tratava da
"Velha Inglaterra". Disse-me que tínhamos feito um caminho mais ou
menos reto, pois não era necessário, naturalmente, fazer desvios, já que
terra ou mar não fazem diferença quando se viaja no estado astral. Quando
alcançamos a Inglaterra, que reconheci ao baixarmos sobre Dever, sen-
tl-me fascinado pela facilidade com que nos movíamos. É difícil descre-
ver em linguagem comum, mas, se forem capazes de imaginar o que
aconteceria se pudessem viajar com a velocidade que quisessem, apenas
expressando um pensamento a respeito, isso lhes daria uma idéia do
processo. Tínhamos subido mais, ao nos aproximarmos da terra, e ago-
ra flutuávamos alguns metros acima das casas mais altas de Londres.
Tínhamos deixado o Ceilão logo depois das 1 O horas da noite, o
que correspondia a 5 horas e 30 minutos da tarde na Inglaterra. Desce-
mos ao nível da rua quando chegamos acima de Hyde Pa rk. Eu sabia
que ainda era dia, porque não havia luzes acesas, mas a luz do mundo
astral seria a mesma, tanto ali como a Leste, onde já era noite. Comen-
tei a esse respeito e disseram-me que para o corpo astral, não tendo
jamais qualquer necessidade de repouso, não há dia nem noite no nível
astral. Esse foi um dos primeiros e interessantes pontos de diferença
entre os dois mundos que me impressionou. Charles sugeriu que eu po-
deria gostar de seguir por Oxford e Regent Streets, para ver como me
!:it::11tirio andondo em meu corpo astral. Ancli'\r pela Oxford Street, onde
eu não tinha estado desde 1939, exatamente antes da eclosão da guer-
ra, foi realmente curioso. A rua estava apinhada de gente, como seria de
se esperar iquela hora do dia. Embora as calçadas estivessem repletas,
isso não parecia constituir qualquer diferença para nós, porque realmen-

57
te caminhávamos através das pessoas que, em seus corpos físicos, vi-
nham em nossa direção. Não é estritamente correto dizer que estáva-
mos inconscientes dessa passagem através delas, porque sentíamos como
se estivéssemos passando por uma pequena nuvem de névoa, quando o
fazíamos. Por um momento ficávamos envolvidos nela, logo depois a
tínhamos atravessado, e tudo em torno ficava claro outra vez. Aquela
névoa de forma alguma impedia nossa caminhada, mas nós a sentía-
mos, do mesmo modo como quando ficávamos em contato com outras
pessoas que usavam seus corpos astrais. Sentíamos esses corpos até
uma leve extensão, embora de forma alguma eles nos prejudicassem.
No mundo, tenho visto mais de uma. pessoa estremecer e, a título de
piada, dizer que alguém estava andando sobre sua sepultura. Sei, agora,
que essa sensação deve ser causada por um corpo físico que entra em
contato com uma entidade astral; embora a matéria astral seja de tessitura
demasiado fina para interferir com o corpo físico que vai passando, dei-
xa-lhe um ligeira impressão.
Pensei que meu amigo hindu deveria parecer bastante incomum
naqueles lugares, com seus trajes orientais, e falei-lhe a esse respeito.
Ele respondeu: - Suponho que não saiba que eu troquei minhas roupas
e, agora, se olhar para mim, verá que estou vestido como os europeus
que vemos em torno de nós. - Olhei-o, e era verdade. Seu turbante
havia desaparecido, e, dado que sua pele fosse quase tão branca quanto
a nossa, ele se parecia muito com os estudantes hindus que são vistos
em Londres freqüentemente. Por ter ele mencionado isso eu o vi tal
como ele se imaginara. Explicou-me, então, que depressa a pessoa se
habitua a mudar de roupa, conforme as circunstâncias tornam desejá-
veis essa mudança. O p lástico corpo astral obedece imediatamente ao
pensamento, no mesmo momento em que ele é formulado .
Eu disse que gostaria de caminhar até Selfridges, por onde passáva-
mos naquele momento. Ninguém fez objeção, e assim entramos e eu
me encaminhei para o balcão dos livros. Sempre me sentira atraído por
livros e, apanhando um dos novos, voltei-lhe as páginas. Ao fazer isso,
reparei que não havia falha na prateleira da qual eu o tirara e, pergun-
tando a razão disso, disseram-me que o que eu tinha nas mãos era uma
forma-pensamento do livro pelo qual me interessara, sendo que o livro
físico ficara na prateleira sem ter sido absolutamente movido dali. Essa
foi uma sensação espantosa! Perambulei pela imensa loja, porque, natu-

58
ralmente, à:juela hora a casa estava fechada para o público, e ouvi, dis-
tintamente, os relógios de. um departamento vizinho baterem seis horas.
Quanta coisa acontecera na meia hora que se passara desde que eu saíra
de meu corpo físico, a seís mil milhas de distância. Meus companheiros
pareciam muitíssimo divertidos com o interesse que eu demonstrava pelas
coisas, mas Charles, obviamente, se divertia com $Ua posição única de
guia, exatamente como nos divertiríamos ao mostrar um país novo a um
amigo, como acontece com freqüênda no "misterioso Oriente", onde
encontramos a maioria dos grandes transatlânticos trazendo amigos de
nossa terra em primeira visita.
Charles disse que desejava mostrar-me os estragos que Londres so·
t frera a través das incursões aéreas. Levou-me a vários lugares, como St.
Paul, por exemplo, onde se fazia bastante visível o que os londrinos
1 tinham sofrido através daquelas terríveis bombas. Era necessário passar
por cima dos edifícios principais para ver bem os estragos, mas , em
1 nossos corpos astra is, não tivemos dificuldade a lguma a esse respeito .
Quando íamos caminhando por uma rua, Charles disse: -Vamos -e,
1 imediatamente, flutuou por sobre as cabeças que compunham aquela
corrente de t ráfego. Achei muito fácil acompanhá-lo, já que expressei
1 imediatamente, em pensamento, o desejo de fazer o mesmo. Encontrei-
me lado a lado com Charles, flutuando airosa, e facilmente, por sobre a
congestionada metrópole de Londres. Charles sugeriu que fôssemos ver
1
nosso velho lar de Warwickshire, que havia muitos anos eu não visitava
e, no que pareceu coisa de apenas segundo, ele me guiara para o lugar
certo. Perguntei-lhe como sabia para onde se dirigir tão facilmente, se
havia relativamente pouco tempo que vivia sob as condições astrais. Ele
me disse que fizera muitos amigos do outro lado, e que, além disso, seu
treinamento como piloto da R.A. F. lhe havia ensinado muito sobre isso
de ir a lugares assim como um corvo voa.
Ver o rio Avon serpenteando seu caminho at ravés da adorável zona
rural do Warwickshire foi agradável, e depressa p ousamos em terra, no
ponto onde se erguia nosso antigo lar. Como reconheci bem o velho
lugar, embora, depois da última vez em que a li estivera, muitas pequenas
casas tivessem brotarlo na vizinhança imediata. A casa ainda parecia a
mesma. Até os gramados da frente e dos fundos davam a impressão de
ser o que er.am quando Charles e eu brincávamos sobre eles, quando
meninos. Fiquei a pensar em quem m oraria ali agora, porque depois· da

59
morte do meu pai a casa fora vendida, já que minha mãe não ficara com
dinheiro suficiente para mantê-la, e eu, o filho mais velho, tinha me
instalado no Oriente. Entrei na casa, pois naquela altura já estava com-
preendendo que uma porta fechada não fazia diferença, e vi pessoas
estranhas ocupando os aposentos que tínhamos amado nos velhos dias.
Penso que foi uma tolice, mas aquelas pessoas me pareceram intrusas e,
com o mobiliário diferente, a atmosfera da casa estava muito modificada.
Não nos demoramos muito e logo retornamos a Londres. Foi, certa-
mente, muito excitante ficar de pé no centro de Picadilly Circus, onde as
floristas costumavam ficar, mas sem a estátua de Eros removida para que
não sofresse danos. A multidão ainda estava ali, os ônibus e os táxis
continuavam em seus itinerários habituais, a única e nítida diferença
eram os homens e as mulheres de uniforme. Na verdade, parecia haver
mais gente fardada do que em trajes civis, o que me fez lembrar que a
Inglaterra não era apenas um país em guerra, mas um pais onde se
esperava que todo homem e toda mulher, desde que válidos, fizessem
sua parte na defesa da pátria bem-amada.
Eram quase 7 horas quando Charles sugeriu que fôssemos jantar no
Trocadero Gri/1. Caminhamos para o salão, onde vimos que a maioria
das mesas pequenas, colocadas ao longo das paredes, já estava tomada.
Meu amigo hindu disse-me, então, que me deixaria ao cuidado de Charles,
enquanto jantássemos, pois tinha outro trabalho a fazer. Viria encon-
trar-se conosco mais tarde. Assegurando-me que Charles estava apto a
me apresentar aquele tipo de divertimento no plano astral, e com um
cordial voto para que tivéssemos um bom jantar, deixou-nos.
Charles explicou-me um dos pontos muito importantes quando se
está fazendo uma refeição no nível astral, num restaurante que realmen-
te existe no plano físico, s€ compararmos com a mesma coisa quando se
trata de um restaurante que foi criado por nós, através da imaginação e
do pensamento. Disse que era sempre pouco sensato sentar-se a uma
mesa que realmente existe no plano físico, porque, sendo nós invisíveis,
as pessoas que chegassem veriam a mesa vazia, mas não nos veriam e,
naturalmente, tomariam posse dela, o que seria ligeiramente inconveni-
ente. Quando se sentassem, não sentiriam nossa presença, mas teriam
a mesma sensação que tínhamos acusado ao passar através da multidão,
nas ruas. Q uando urna pessoa física senta-se a uma cadeira ocupada por
nós em nosso corpo astral, esperamos, naturalmente, sentir algo e,

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embora daí não advenha urna sensação desagradável, essa sensação
também não se mostra inteiramente agradável. Isso podia ser evitado -
disse e le - se produzíssemos pelo pensamento uma mesa para nossa
reunião particular, em espaço não fisicamente ocupado por qualquer
mesa. No mesmo momento fez o que dizia no salão do Trocadero, e
convidou-me a sentar.
Disse-me que, ainda através do pensamento, podia produzir um gar-
çom que a nós pareceria exatamente igual aos outros garçons que se
moviam por ali em seu trabalho normal. Esse garçom, porém, não seria
visto pelos ocupantes físicos do salão. Charles pediu um dry sherry e eu
um whisky and soda, porque Charles me dissera que a proibição que eu
tivera quanto a tomar álcool nos dois dias anteriores à experiência não
era válida ali. Serviram-me a bebida, bem como a de Charles e, para
mim, o sabor foi exatamente o que eu esperava que fosse. Disse-me
Charles que se eu nunca tivesse provado whisky no mundo, não poderia
apreciar-lhe o sabor no nível astral, embora eu, indubitavelmente, sentis-
se no líquido astral o sabor que imaginava existir no whisky. Contou-me
Charles que um dia, quando meu amigo hindu estava-o instruindo sobre
essas coisas, pediu-lhe uma bebida. Nosso hindu encomendou um copo
de água, dizendo a Charles que seria inútíl pedir whisky, sherry ou vodka,
porque jamais os havia provado na vida física, não podendo, portanto,
imaginar o sabor dessas bebidas, o que faria com que todo o prazer fosse
perdido. A mesma coisa acontece com o fumo . Meu amigo hindu jamais
fumara, assim, mesmo que lhe oferecessem um cigarro no nível astral,
ele sempre o recusava, pois, não conhecendo a satisfação produzida
pelo mesmo, não teria tido prazer em criar urna forma-pensamento para
sugar o fumo e expeli-lo novamente. Aquilo me pareceu bastante lógico,
e fiquei satisfeito por ter a experiêncla de beber e fumar, porque posso
gozar desses dois prazeres simples.
Tomamos nossas bebidas e observamos as pessoas. Podíamos, até,
ouvir o zunzum da conversação em torno de nós, e isso confirmava o
que me haviam dito: que cada som físico tem sua réplica astral, e, por
assim dizer, soa com uma nota que pode ser ouvida por aqueles que
usam o corpo astral. Olhando para os vários tipos de pessoas que esta-
vam constantemente entrnndo e saindo, ~u não poderia ter percebido
que naquele momento a Inglaterra estava lutando com as costas contra a
parede, e pela própria sobrevivência . Todos pareciam estar gozando a

61
vida, e havia muito riso intercalado com a conversa, que era contínua,
sem pausa.
Charles chamou um jovem, vestido com a farda da força aérea, e
que acabava de chegar. Cumprimentaram-se com muito e ntusiasmo.
Trazendo-o à nossa mesa, apresentou-o como Roy Chapman, piloto
que fora moita na batalha da Bretanha, no outono anterior. Era um
bom tipo, e quando lhe perguntei que tal achava a vida no mundo astral,
sua resposta foi esclarecedora: - É boa - disse ele - mas tediosa,
depois de algum tempo . No início, naturalmente, é bastante agradável
conseguir tudo o que se quer sem ter de pagar, mas a novidade cansa e,
francamente, eu preferiria estar a inda no velho esquadrão. - Julguei
que aquela era uma oportunidade única de saber coisas, e, assim pen-
sando, perguntei-lhe o que fazia de seu tempo. Respondeu-me que fazia
mais ou menos o que lhe vinha ao espírito, e que naquele momento, por
exemplo, estava esperando uma jovem conhecida que convidara a jan-
tar. Perguntei-lhe se a jovem estava morta ou viva. - Oh! Morta, natu-
ralmente, se você ainda quer usar essa expressão fora de moda. É inútil
marcar encontros com pessoas que ainda vivem no mundo, porque exa-
tamente quando se está no meio de alguma coisa interessante elas têm
de voltar para seus corpos.
Nos poucos minutos que restaram antes que a moça chegasse, eu
soube, por ele, que experimentara todos os jogos habituais e achara-os
bastante aborrecidos. Jogar golfe, por exemplo (e fora homem de baixo
handicap antes de ser morto) era muitíssimo inútil, quando tudo quanto
se tem a fazer é imaginar que se tem um birdie ou um eagle para que a
coisa se concretize. Não h á aquilo que chamamos competição, pois bas-
ta que se faça uma forma-pensamento de derrota do adversário para
que tal coisa aconteça. A mesma coisa acontece com o bilhar. Não tem
graça alguma fazer uma grande tacada, se é possível fazê-la sempre que
se quer. Falta o elemento sorte, e isso rouba todo o encanto dos jogos
que exigem habilidade. Compreendi, ao ouvir isso, que o meu amigo
hindu estava realmente com a razão quando dissera que a vida no plano
astral puJ~ria ser tediosa para aqueles cujos interesses dependiam intei-
ramente das condições do plano físico. Perguntei a Roy se durante sua
existência gostara de música ou de arte, ao que ele respondeu que não.
Tinha dançado, gostara de música de vez em quando, mas não pensara
muito nisso. Pensei que quando se sentisse cansado de encontros com

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amigos e de viver no limite do plano físico, gostaria, eventualmente, de
encontrar outra coisa que o interessasse, senão a vida, de ntro de algum
tempo, iria tornar-se extremamente maçante. Sua amiguinha chegou,
por essa altura, e vi que ele sabia bem como escolhê-las." Era bonita,
realmente bonita, e formavam um par perfeito quando desceram as es-
cadas em direção do Gri// Roam, onde, presumivelmente, tinham com-
binado jantar. Eu disse a Charles que teria gostado de indagar dele quais
tinham sido suas impressões quando fora atirado para as condições as-
trais. Charles respondeu que ele não gostava muito de falar sobre isso.
- Nenhum de nós gosta , sabe? - Fiquei pensando por quê, mas nada
perguntei naquele momento.
Descemos para o Gri/1 Room e escolhemos um lugar junto a um
canto onde não ·havia mesa. Charles fez uma forma-pensamento de
mesa para nós. Chegou um garçom, mal nos havíamos sentado, e per-
guntou-nos o que desejávamos comer. Charles disse-me que pedisse o
que quer que me viesse à fantasia. Devo dizer que não sentia exatamen-
te fome, mas a singular experiência fez com que pedisse Sole à La
Bonne Femme, frango à Maryland, e depois pêssego Melba e uma
xícara de café. Charles pediu dois Bristol Cream Sherries e uma garrafa
de Chambertin 1933, sendo esse um ano que, segundo disse, sabia que
era bom. Perguntei se esses vinhos ainda estavam na lista naquele tem-
po de guerra, ao que Charles respondeu que não sabia, mas que, fosse
como fosse , não importava, porque no plano astral o que quer que se
pedisse era fornecido, houvesse ou não houvesse possibilidade de obter
tal coisa no plano físico. Apreciei meu jantar, sendo a cozinha, natural-
mente, tão perfeita como eu imaginara que deveria ser. Só não podia
me conformar com o fato de estar sentado {aparentemente) no Trocadero,
tendo um jantar perfeitamente normal com o velho Charles, rodeado
pelos tipos de pessoas que eu sabia que ali estariam em quase todas as
noites do ano.
Foi exatamente nesse momento que meus olhos caíram sobre um
velho camarada, que eu não via há anos. A última vez em que nos víra·
mos fnrn a bordo de um navio. em 1935, quando eu voltava ao Ceilão,
depois de licença passada em minha terra, e ele retornava à Malaia.
Caminhei até ele, deixando Charles em nossa mesa. Meu amigo, que
tinha em sua companhia mais três pessoas, estava, era óbvio, divertin-
do-se, pois tagarelava da maneira que lhe era habitual. Bati-lhe nas cos-

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tas, dizendo: - Com os diabos, que está fazendo aqui? - Ele, porém,
não tomou conhecimento algum da minha presença e continuou con·
tando sua história - e estava certamente em boa forma, pois pude
ouvir, palavra por palavra, o que dizia, e seus companheiros tinham
acessos de riso. Achei impossível causar•lhe impressão e, aborrecido,
voltei para minha mesa, onde encontrei Charles grandemente divertido
com o meu desapontamento. - Como, com os diabos, poderia eu sa·
ber se ele era real ou não? - perguntei. Charles respondeu que se
divertia com o meu uso das palavras real e irreal, pois isso não existia
ali. Explicou que de início era difícil perceber, mas que havia urna dife-
rença: o corpo astral que víamos não era claramente desenhado no caso
de um homem que estivesse usando seu corpo físico, enquanto o de um
residente permanente do mundo astral, e também o de um homem que
funcionasse no plano astral durante o sono, tinham desenho muito maís
claro. Havia outra diferença a ser notada, era o quase apagado cordão
sedoso de matéria etérica, que estava sempre ligado aos visitantes tem·
porários, e que nunca parecia ser tão vivo nos habitantes permanentes.
Depressa uma pessoa se habituava a distingui-los através do cordão se·
doso, que não se via com facilidade. Pediu-me que comparasse Roy
Chapman com as outras pessoas que jantavam no Grt/1 Room. Havia,
certamente, uma diferença, pois o contorno do corpo de Roy era, certa-
mente, definido com maior nitidez do que o dos outros. Pode ser que a
razão disso esteja no fato de que quando o corpo astral está sendo usado
como veículo permanente, o ego que o habita não tem existência dupla,
como acontece com a pessoa que ainda vive no nível físico .
Nosso jantar terminou e, ao tomar meu brondy, percebi que o show
ia começar. Compreendi que era importante, para as pessoas que esta-
vam vivendo sob a pressão de uma guerra total, poderem se afastar dos
próprios pensamentos, quanto possível. Ali não parecia, certamente,
haver qualquer sinal de guerra, mas bem se podia notar a tensão sob a
aparente satisfação do momento, porque todos os que estavam presen·
tes compreendiam que o futuro era terrivelmente inseguro e que tudo
poderia acontecer a eles próprios ou aos que amavam, e a qualquer
momento. O show incluía uma espécie de dança com senhoritas bem
pouco vestidas, e durante a dança elas faziam uso de todo o espaço
existente entre as mesas dos que jantavam. Isso aconteceu no lugar onde
nossa mesa astral estava colocada, e mais uma vez tive a estranha sensa·

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ção de pessoas, em seu corpo físico, passando a través do meu corpo
astral.
Depois do show, Charles sugeriu levar-me a um pequeno clube no-
turno, do qual fora sócio antes de ser abatido e morto. Nem mesmo
recordo em que rua estava situado esse clube, mas sei que ficava entre
Leicester Square e Soho. O mesmo processo usado no T rocadero foi
adotado ali: uma mesa foi criada por Charles, para nosso confo rto, bebi-
das foram encomendadas a um garçom, presumivelmente também cria-
do pela imaginação de meu irmão .
Devia ser mais ou menos 10 horas, pelo tempo na Inglaterra, quan-
do a a tmosfera se transformou sem qualquer aviso. O clube noturno
estava apinhado: havia membros das forças armadas e também um ra-
zoável número de civis. Subita mente, as sereias, marcando incursão da
aviação inimiga, soaram. Foi uma experiência interessante ver a manei-
ra disciplinada com que cada qual se movimentou, e a completa ausên -
cia de pânico que prevaleceu enquanto todos os ocupantes do clube
apressavam-se em direção aos abrigos, situados em toda a sorte de es-
tranhos lugares, além aos túneis, que tiveram papel tão importante na
segurança dos londrinos durante as incursões aéreas. Saímos do clube e
fomos até Picadilly. A essa altura escurecera , mas para nós a luz era
aquela mesma, cinza-azulado, que tínhamos ao sair do Ceilão. Já podía-
mos ouvir as bombas caindo e também o "rac-rac" das armas, que pare-
ciam rasga r o ar a cada momento. Houve, então, um intervalo, e depois
ouviu-se o rugido dos aviões de combate de um dos nossos esquadrões,
que entravam em ação.
Foi a essa altura que me encontrei novamente com o meu amigo
hindu, vendo que chegara para junto de nós. Ele sugeriu que fôssemos
ver se podíamos ajudar. Não entendi o que ele queria dizer com isso,
mas , fosse como fosse, segui-o . Imediatamente flutuamos acima dos pré-
dios e nos encontramos sobre Londres, com bombardeiros inimigos e
aviões de combate ingleses em torno de nós. Percebi que Charles já não
estava conosco e mencionei isso, pensando que talvez se tivesse perdido
de nós. Disse-me o hindu que ele semp re desaparecia quando ocorriam
"brigas de cães". pois a lembrança do que lhe acontecera ao ser derruba-
do e morto, recentemente, ainda estava muito vívida em sua memória.
"Provavelmente, vê-lo-emos mais tarde" - disse meu amigo hindu, mas
a verdade é que não o vi depois, embora só agora esteja compreenden·
do isso.

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Deslizamos entre aquele inferno que rugia, com as bombas e as
metralhadoras fazendo-se ouvir durante todo o tempo. Pela primeira vez
eu via o que era realmente a vida de um piloto de combate, e compreen-
di. que algumas das ações irresponsáveis a que se entregavam entre seus
trabalhos no ar, eram apenas o resultado natura l da tensão em que se
viam obrigados a viver quando em ação. Agora eu podia entender muito
bem por que o velho ditado: "Coma, beba e viva alegre, pois amanhã
morreremos" se referia definitivamente a eles. E quem pode censurá-los
se procuravam alívio, de todas as maneiras, durante os breves períodos
em que tinham liberdade para se divertir? Meu amigo acompanhou em
particular o vôo de um avião de combate, que parecia estar no grosso da
luta que se tratava naquele momento, tal corno se soubesse o que ia
acontecer, e dentro de alguns segundos um súbito espoucar de metra-
lhadora atirou aquela máquina a rodopiar para o chão. Seguimos na
mesma velocidade do avião, que ia girando, rodopiando em seu cami-
nho para a terra, e vimos surgirem chamas, saídas do motor, chamas
que aos poucos envolveram todo o avião. Com um estrondo a ngustioso,
o avião alcançou o solo e o piloto foi atirado de sua carlinga, entre os
despojos. Durante alguns momentos aquilo foi um verdadeiro inferno e,
embora as ambulâncias chegassem quase que imediatamente, era óbvio
que nada se poderia fazer pelo infortunado piloto.
- Agora o senhor vai ver como aqueles que têm conhecimento
podem ajudar - disse o amigo hindu. E, quando pousamos no chão,
vimos que embora o corpo do aviador estivesse terrivelmente queimado
e mal reconhecível corno o de um ser humano, o homem real, em seu
corpo astral (presumivelmente) estava de pé ao lado do corpo que jazia
no chão, parecendo apavorado e intensamente tomado de angústia.
Quando meu guia adiantou-se e falou com ele, o moço não pareceu
ouvir ou tomar qualquer conhecimento. Vi o que parecia ser uma cober-
tura de matéria densa tentando enrolar-se sobre a forma astral que esta-
va de pé diante de nós. Parecia, antes, um espesso material elástico, e
rodeava quase que completamente a bem reco1iada forma astral, levan-
do esse p rocesso de envolvimento apenas uns poucos segundos para se
completar. Parecia que aquilo, que eu só poderia descrever como um
espectro, vinha do corpo físico que jazia no chão, e estava sendo mag-
neticamente atraído para o homem de pé, ali perto. Mais tarde. disse-
ram-me exatamente o que era aquilo, e a explicação que me foi dada era

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a de que o duplo etérico, que é forçado a deixar o corpo físico no mo-
mento da morte, enrola-se sobre o corpo astral. em seu esforço para
reter alguma forma de vida, pois a morte do corpo físico significa tam·
bém a morte do duplo etérico, que é parte dele .
Meu amigo hindu fez, então, um esforço decidido para que o moço
S€ livrasse do medo que dele se apoderara, porque eu pude ouvi-lo dizer
que nada havia a temer e que tudo estaria bem. O menino - porque era
muito jovem - parecia estar fasei nado pelo que acontecia em torno
d ele, no nível físico. Viu os homens da ambulância, depois de apagado o
que restara do fogo que lavrara entre os restos de seu avião de combate,
levantarem o corpo que fora seu e , reverentemente, levá-lo até a ambu-
lância que estava à espera. Ví o rapaz vacilar, de vez em quando, à
proporção que as bombas explodiam perto de nós. Ele queria seguir seu
corpo, mas meu amigo dissuadiu-o disso, falando-lhe todo o tempo com
voz suave , tentando íazê-lo compreender que suas angústias haviam ter-
minado. Alguns habitantes permanentes do mundo astral, ali presentes,
e facilmente distinguíveis do pessoal da a mbulância e dos que estavam
ajudando no nível físico, vieram até n6s, indagando se precisávamos de
auxílio. Meu amigo lhes disse que fossem ver outros, porque ele ficaria
para tratar do nosso "caso".
Eu não ouvi, palavm por palavra, o que meu amigo dizia, mas, de-
pois de certo tempo, percebi que um raio de compreensão parecia sur·
gir no rosto do jovem, enquanto a matéria pendurada ao seu corpo
astral começava a destacar-se, terminando por cair ao chão. Explica-
ram-me que isso era devido ao fato de o jovem ter recebido instruções
para libertar-se daquilo através de um esforço da vontade. Depois de
algum tempo toda aquela matéria estava no chão e pareceu evaporar-se ·
em fumaça e pó. Mais tarde, disseram-me que ela se desintegrava muito
rapidamente , porque a matéria etêrica de que se formava era relativa-
mente fina demais, comparada com a parte densa do corpo físico. O
jovem parecia reviver. Sentou-se no chão, pôs a cabeça entre as mãos e
soluçou histericamente . Meu amigo deixou-o chorar durante algum tem-
po, pois, como explicou, o corpo emocional ou astral do jovem tinha
sofrido grave tensão, e as reações normais precisavam ser liberadas. O
jovem, ao que parece, pensava ter fracassado, e mesmo então parecía
não compreender que estava morto, e para sempre fora do inferno que
havia conhecido. "Venha comigo e falaremos desse assunto" - disse

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meu amigo, tomando-o pelo braço, e, sem que o jovem parecesse repa·
rar nisso, nós nos afastamos rapidamente daquele Jugar. Dentro de uns
poucos segundos estávamos distantes, no campo.
Meu amigo levou o jovem para um adorável recanto, próximo a um
bosque, onde havia um pequeno riacho, seguindo o caminho que descia
até o grande rio, mais abaixo, à margem do qual nos sentamos em
silêncio, o que nos pareceu um céu depois do ínferno que tínhamos
acabado de deixar. Meu amigo começou a falar, demolindo, aos poucos,
a sensação remanescente de medo e horror, enquanto o moço ouvia
uma rápida explanação do que acontecera. De início, não queria acredi·
lar que estivesse morto e repetia: ''Como posso estar morto, se me sinto
tão vivo?'' Perguntamos, então, onde morava, e ele nos deu a informa-
ção. "Venha, então, e veremos se seu pai e sua mãe já estão dormindo."
O jovem não podia compreender o que significava tudo aquilo, mas
mostrou a casa em que sua família vivia, e que ficava atrás de Finchley, e
ali encontramos seus pais que se tinham deitado, mas não tinham ador-
mecido. O jovem não pareceu entender que houvesse estranhos cami·
nhando dentro de sua casa e olhando para seus pais, e meu amigo con-
tinuava a falar com ele, como que para distrair-lhe a atenção do que, de
outra forma, ser·lhe-ia mu:to estranho . Depois de algum tempo, primei-
ro seu pai, depois sua mãe, adormeceram, e saindo de seus corpos,
pareceram extremamente alegres ao verem o filho. Meu amigo come-
çou a contar-lhes o que tinha acontecido tentando prepará-los para a
notícia que iriam receber no dia seguinte. De início, naturalmente, fica-
ram horrorizados com o que acontecera mas, ao compreenderem que
seu filho não estava de forma alguma perdido para eles, e que poderiam
vê-lo e ter contato com ele sempre que estivessem dormindo e fora de
seus corpos, muito do desgosto que os ferira como o golpe de um malho
desapareceu.
E uma grande pena que as pessoas não recordem o que viram e
ouviram quando estão Íora de seus corpos, como ocorre habitualmente.
Contudo, posso entender agora por que tantas pessoas têm pressenti-
mentos, antes que as más notícias sejam recebidas, de um acidente ou
morte na familia. Isso se dá porque o fato lhes havia sido contado no
plano astral, e na manhã seguinte alguma ligeira lembrança lhes voltara
à mente, com a consciência individual desperta.
Depois de passar algum tempo com eles, explicando-lhes, tanto qµan-

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to possível, o que a morte realmente significa, meu amigo sugeriu que o
jovem fosse com ele, a fim de que pudesse ser apresentado a uma mu-
lhe r, que já estava trabalhando no nível astral e que muito gostaria de
dizer-lhe como adaptar-se, para viver naquelas condições modificadas.
o"eixamos; · então, os pais do moço, que ainda permaneceram em sua
casa astral conversando sobre o que lhes fora dito. Não se tratava de um
casal muito evoluído, razão por que não se afastavam muito de seus
corpos, que dormiam, pacificamente, beatificamente ignorantes do que
seus donos teriam de enfrentar pela manhã , quando acordassem. Meu
amigo hindu ficou imóvel por um momento, e emitiu o que me pareceu
uma nota peculiar. Não foi um assobio, mas algo parecido. Imediata-
mente depois, uma mulher de cerca de trinta e cinco anos de idade subiu
até nós (saída da névoa, eu diria) respondendo ao chamado. Meu amigo
explicou-me que, para entrar em con tato com alguém, no mundo astral,
era preciso p ensar fortemente na pessoa, e, se a questão fosse muito
urgente, emitir a "nota verdadeira" correspondente, a fim de ajudar o
pensamento. Fiquei sabendo que cada pessoa tem o que é conhecido
como nota verdadeira, que é diferente da nota de qualquer outra pessoa.
O chamado através dessa nota em casos urgentes, traz a pessoa ao local
da eh.amada , no menor espaço de tempo. Ouvindo o chamado que lhe
corresponde, a pessoa procurada é magneticamente atraída para quem
a chamou. A mulher que respondera ao chamado do meu amigo era
uma das muitas "auxiliares astrais", como são chamadas, que se dedica-
ram a ajudar os que vêm do mundo físico atrnvés do processo a que
chamamos morte, e eu agora posso compreender, integralmente , o quan-
to é necessário e maravilhoso esse trabalho. Sem esses voluntários, não
só os que morrem levariam muito mais tempo para se libertar do duplo
etérico que se agarra a eles - e, sem fazerem isso, sua vida no nível
astral não pode ter início apropriado - como não gozariam da vanta-
gem de ter alguém que os instruísse sobre as diferentes condições regu-
lamentares, vantagem que pode ser facilmente comp reendida . Essa mu-
lher foi logo informada sobre todos os fatos do nosso "caso" e, com
afetuosa compreensão, que depressa colocou o jovem à vontade, levou-
o consigo para começar sua educação astral. Meu amigo garantiu-me
que isso acontece sempre. Ninguém é entregue a si próprio para desco-
brir as coisas, pois sempre alguém é designado a fim de realizar essa
tarefa necessária. Dessa maneira, o recém-chegado logo começa a sen-

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tir-se firme, e entra na nova vida que deve substituir a antiga, agora
deixada para trás.
Meu amigo perguntou-me, então, que horas eram e, olhando para
um relógio próximo, vi que os ponteiros marcavam 2 horas. Isso signifi-
cava que quatro horas se haviam passado desde que as sereias das incur-
sões aéreas soaram, portanto deviam ser 6:30 ho ras no Ceilão. Meu
amigo disse que tínhamos pouco mais de uma hora e que eu deveria
voltar para meu corpo às 8 horas, em Colombo. Sugeriu que poderia
me mostrar outros aspectos da vida que pode ser vivida no nivel astral,
por aqueles que não estão presos ao desejo de coisas que só têm ambi-
ente físico. Disse-me, pois, que me conservasse junto dele, e tornamos a
partir. Flutuamos sobre o mar, sem ver terra de nenhum lado. Pergun·
tou-me ele se eu jamais tivera interesse em conhecer o que havia abaixo
da água, e eu confessei, francamente, que nunca havia pensado muito
nisso. Meu guia disse-me, então, que no nível astral era possível entrar
em contato com entidades que pertenciam a uma evolução paralela.
QL1e peixes e pássaros, por exemplo, não progrediam através do reino
humano em seu caminho para a perfeição, mas viajavam ao longo de
outra linha inteiramente d iferente, a da evolução dos devas o u anjos.
Antes de alcançar o padrão representado por um deva, entretanto, ti-
nham de evoluir através de muitos estágios, compreendendo os
elementais, os espíritos da Natureza, e semelhantes, e que, se eu quises-
se entender algo sobre essa evolução, seria melhor começar pelo fundo,
e ir tomando conhecimento deles na seqüência correta .
Propôs levar-me pard baixo da água, avisando-me que, acontecesse
o que acontecesse, eu não deveria me amedrontar, porque isso significa-
ria a volta imediata ao meu corpo físico, sem nada recordar do que tinha
visto e feito durante a noite. Insistiu na necessidade de me livrar do
medo, em tudo o que se ligasse à vida fora das condições físicas, e per·
guntou-me se m e sentia capaz de enfrentar o que acontecesse. Sempre
fui o tipo de pessoa que gosta de tenta r tudo; por isso expressei minha
disposição de ir com ele. Disse-me para compreender que descer para o
fundo da água não teria efeito algum sobre meu corpo astral, porque
esse corpo não precisava respirar, e que, portanto, não havia diferença
alguma para ele estar acima ou debaixo da água.
Descemos até a água e , embora o mar parecesse bastante agitado
na superfície, não fez diferença para nós. A sensação, na água, pouco

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diferia da que tivera em terra. Nào houve sugestão de variação na tem-
peratura, à medida que submergíamos, coisa que fazíamos muito lenta-
mente, para evitar que eu ficasse nervoso, mas não tive qualquer sensa-
ção desagradável. Quando minha cabeça ficou sob a água, a legrou-me
verificar que a luz não se havia modificado. Era, ainda, a mesma luz
cinza-azulada à qual eu estava-me habituando. Em .torno de nós movi-
am-se formas, nas quais reconheci peixes, embora não nas quantidades
que ·teria esperado ver. À proporção que descíamos, o número de pei-
x-es tornou-se menor, e os que eu via eram consideravelmente maiores e
moviam-se muito mais devagar do que os da superfície. Havia, também,
grandes vultos de algo que se parecia com pedras flutuantes, mas, ao
nos aproximarmos, vi que tinham olhos fosforescentes, indicando algu-
ma espécie de vida . Meu guia explicou-me que aquelas entidades esta-
vam realmente vivas, no estágio de passagem do reino dos peixes para
o dos elementaís; que jamais chegavam à superfície nem viam nunca os
seres humanos pois existiam em profundidades bastante fora do alcance
das redes dos pescadores. Depois de muito pouco tempo, tal como com-
preendemos o tempo, alcançamos o fundo do mar, onde tornamos a
caminhar sobre a terra firme. Não que aquilo se assemelhasse à terra,
pois era pedregosa e ondulante. Mas, que visão para meus olhos! Todo
o fundo do mar era um jardim: havia arbustos floridos, flores marítimas
de muitas qualidades, e pedras que rebrilhavam com milhares de cores
diferentes. Aqui e ali eu via cavernas, que não eram escuras, mas, certa-
mente, menos iluminadas do que do lado de fora. E fui levado a uma
delas. Tratava-se do lar de um dos elementais do mar, tão comuns no
fundo do oceano. De início relutei em encarar aquela entidade, que era
do tamanho de um elefante não adulto, e cujos olhos brilhavam na obs-
curidade da caverna com uma luz fosforescente que parecia quase mag-
nética. Disse-me o meu guia que essas criaturas realmente atraíam seu
alimento para e las, sob o aspecto de animais marinhos e peixes, pelo
magnetismo de seus olhos. Eu sentia a atração magnética e, por um
momento, tive um bocadinho de medo. Meu amigo hindu, contudo, que
nunca estava longe de mim, garantiu-me que aquilo não poderia fazer·
me mal algum e que eu não precisava temer. A criatura para a qual
olhávamos, era óbvio, eslava consciente da nossa presença. Disse-me
e le ainda que o que nós estávamos vendo era o seu corpo astral.
Saímos da caverna, e lá estava eu, novamente, fartando-me com as

71
belezas que me rodeavam, quando ouvi um som monótono, soluçante,
que de certa forma parecia música. Ficamos imóveis e, ao aproximar-se
o som, logo vi um grupo de cerca de vinte estranhas criaturas: nem
peixes, nem animais, nem homens. Tinham cabeças de seres humanos,
já que suas feições assemelhavam-se a feições humanas, mas seus cor-
pos estavam inteiramente envolvidos no que parecia ser uma alga mari-
nha flutuante, embora muito mais bela do que tudo quanto eu vira até
ali . Flutuando por perto, logo acima do fundo do oceano, cantavam uma
canção, enquanto algumas dentre elas tocavam uma flauta sobrenatural,
instrumento que emitia um som queixoso, reminiscente do som do ven-
to. O resultado era muito belo, e meu guia informou-me de que se trata-
va de alguns espíritos do mar que moravam nas águas profundas. Eu
poderia ter ficado a ouvir essa música por muito tempo, porque havia
um suave refrão que ia e vinha, sempre repetindo, com notas de certo
modo indistintas, porém mais ou menos mescladas umas às outras num
todo harmonioso. Era, realmente, uma sinfonia do mar que eu desejava
ouvir mais. Disse-me o guia que eu poderia fazer isso facilmente noutra
ocasião em que o desejasse, mas que agora já era tempo de continuar
nosso caminho.
Conservei-me junto a meu guia e depressa emergimos à superfície
do mar e, sem esforço de qualquer espécie, subimos para o ar e continu-
amos nossa viagem. Urna vez mais viajamos, a urria velocidade que de-
veria ser tremenda, a julgar pelos padrões da terra, embora não houves-
se realmente tal sensação, pois, passados alguns minutos, como que
diminuímos o avanço e descemos, qua ndo vi que estávamos em cima do
porto de Colombo. Um momento depois flutuávamos através da janela
do meu quarto, em meu bungalow, de onde tínhamos saído havia me-
nos de dez horas.
Ali, era bem verdade, estava meu corpo, aparentemente adormeci-
do sobre a cama, mas, enquanto eu ainda olhava para ele, reparei que
se movia e virava-se de um lado, ficando de costas. Meu guia, chamou-
me a atenção para o fato, explicando-me que, subconscientemente, o
corpo estava começando a compreender que chegava a hora de acordar, e
que dentro de alguns minutos um S.O.S. seria enviado e que, mesmo que
eu estivesse a milhares de milhas de distância, teria de retomar imediata-
mente., pois esse chamado queria dizer que o corpo físico tinha tido sua
cota apropriada de sono e desejava retomar a seu trabalho no mundo.

72
Perguntei como era possível gara ntir que o cor'po continuasse a dor-
mir por um número específico de horas. Ele respondeu que era difícil
garantir tal coisa, mas que com muito treino e concentração seria possí-
vel disciplinar o corpo para que agisse de acordo com o desejo da pes-
soa. Entretanto, seria necessário muito tempo e muito treinamento para
fazer isso de modo correto. Indaguei se o comprimido que tomara antes
de me deitar, na noite a nterior, tinha a lgo a ver com aquilo, e soube que,
naquele caso, isso era verdade. O comprimido era uma quantidade espe-
cial de calmante, feita com uma fórmula secreta, que não só garantia o
sono da pessoa quase que imediatamente, mas que manteria o corpo
adormecido por um período de dez horas, a não ser que fosse acordado
por um ruído extraordinário ou tocado por um agente externo. Foi-me
recomendado que, se quisesse ter lembrança do que fizera quando fora
de meu corpo, ao retornar à consciência física, seria essencial que eu
treinasse os criados para jamais me acordarem o u fazer qualquer ruído
p róximo de meu quarto, durante o período em que eu desejasse me
conservar adormecido.
Meu amigo hindu disse-me, então, que era tempo de retornar a meu
corpo, e que ele iria empenhar-se por imprimir nas células cerebrais
daquele corpo a necessidade de recorda r o que acontecera durante a
noite, de forma que não houvesse real quebra da consciência no mo-
mento em que acordasse. Disse-me, a inda, que assim que estivesse cons-
ciente, em meu corpo físico, tomasse notas do que fizera durante a noi-
te, e que, logo que tivesse tomado meu banho e me alimentado, não
perdesse tempo e escrevesse, com pormenores, tudo quanto me viesse
à lembrança.
Quase ao mesmo instante em que meu guia acabava de falar, senti
que ia, aos poucos, deslizando para dentro de meu corpo, novamente,
e acordei sem ter sentido qualquer lapso da consciência, tal como ele
esperara. Sentei-me na cama, puxei para junto de mim um bloco e um
lápis que colocara à cabeceira e comecei a tomar notas do que fizeram
comigo, porque percebi que, mesmo com as chamadas que anotara, foi
difícil recordar exatamente o que acontecera quando, mais tarde, escrevi
por inteiro meu relatório. Contudo, verei o quanto minha memória foi
fiel quando mostrar este registro a meu visitante, amanhã, porque ele
disse que voltaria para continuar suas palestras.

73
Capítulo 5

%i inútil. Na noite passada fiz todos os preparativos e concentrei-


me na idéia de que me estava vendo num espelho, mas esta manhã não
me lembrei de nada. Adormeci quase no mesmo instante em que encos-
tei a cabeça no travesseiro, pois acho que estava cansado depois de toda
a concentração da noite anterior para fazer meu relato. Pareceu-me
apenas um espaço muito pequeno de tempo o que transcorreu antes
que eu acordasse, esta manhã, animado e madrugador, depois do des-
canso de uma noite sem sonhos. Sim, nem mesmo um sonho perturbou
meu sono, e devo dizer que estou desapontado, embora possivelmente
tivesse esperado demais. Dentro de uma hora meu amigo hindu estará
aqui, e talvez explique por que falhei na noite passada, de maneira tão
melancólica.
Exatamente às 11 horas, quando estava relendo minhas notas, na
incerteza do que ele iria pensar sobre elas, meu amigo abriu a porta.
Sabia, era óbvio, que eu estava um tantinho excitado, cogitando em ver
se falhara ao recordar muita coisa sobre minha viagem astral, porque
seus ol hos cintilavam ao perguntar-me se o relatório estava pronto. Ele
nunca parecia rir, embora seus olhos sorrissem com freqüência, e não
havia dúvida, absolutamente, de que linha um senso de humor altamen-
te desenvolvido.
Tendo lido minhas notas, felicitou-me por ter-me lembrado muito, e
disse que, tratando-se de uma primeira tentativa, as notas estavam bem
acima da média . Perguntei-lhe se havia esquecido muita coisa, ao que
respondeu que deixara de reparar, certamente, em diversas coisas quan-
do estávamos no fundo do mar, e que também não recordara muito do

74
que acontecera quando tentávamos ajudar o jovem piloto do bombardei-
ro, imediatamente depois que ele fora abatido. Tais omissêes não eram
importantes; o principal era que eu tinha provado a mim mesmo ser
possível recordar o que se faz quando se está fora do corpo, e que o
aperfeiçoamento do processo de ''trazer de volta", no caso, era agora
apenas uma questão de tempo e de concentração.
- Mas por que não pude recordar coisa alguma esta manhã?
Ele sorriu e fez sentir que eu não devia esperar ser bem-sucedido
logo na primeira tentativa, e que devia estar preparado para muitos
desapontamentos, mas que, se estivesse realmente determinado a ven-
cer, ele me ajudaria de todas as formas possíveis. E continuou: - Suas
aventuras na noite anterior à de ontem tornaram minha tarefa de des-
crever-lhe o plano astral muito mais fácil do que antes, porque agora o
senhor sabe, por experiência própria, algo do que eu me havia esforça-
do por lhe explicar só por palavras. O senhor aprendeu, portanto, a
primeira lição do que chamamos sabedoria oculta, o que significa que
não deve nunca acreditar, ingenuamente, em tudo quanto lhe disserem.
Tàmbém não deve descrer, porque isso seria insensato. O único método
a adotar é aceitar a possibilidade das coisas que lhe dizem, e então dis-
por-se a encontrar a forma de ter, por si próprio, as provas do que
ouviu.
- Bem, e o que provamos até agora? É por aqui que eu quero
começar. O senhor teve a prova de que é possível ter experiências fora
de seu corpo físico. Teve a prova de que a morte não é o que pensava
que fosse, pois viu seu jovem irmão Charles e sabe que ele está realmen-
te bem vivo, embora invisível a seus olhos, quando o senhor funciona
em seu corpo físico. Falou com ele, e isso deveria ser prova suficiente de
que ele existe numa região onde pode segui-lo em determinadas ocasi-
ões. Está consciente de que, embora Charles ainda saiba muito pouco
sobre as condições do plano astral, o senhor não pode dizer, honesta-
mente, que ele está sofrendo, nem que a vida dele é infeliz, ou algo que
faria um homem recuar. Portanto, deu um passo no sentido de se liber-
tar do medo da morte, o medo que faz tão profunda impressão em
tantos homens que vivem no mundo. Mesmo através do seu conheci-
mento presente, o senhor sabe que a morte não é a tragédia que tão
freqüentemente se considera ser, e que, em alguns casos, ela bem pode
ser considerada não só um alívio como uma grande bênção. Viu, por si

75
mesmo, que a existência depois da morte é, em grande parte, governa-
da pelo tipo de vida vivida no mundo - e pode compreender que os que
têm inclinações artísticas, ou são interessados em um ou outro ramo
específico da arte, corno a música, a pintura, a literatura ou a filosofia,
ou mesmo aqueles cujo interesse especial é viajar, continuam a atender a
esses desejos após a morte. Por outro lado, o senhor pode compreen-
der, também, que aqueles cujas vidas aqui são puramente materiais, cujos
divertimentos e interesses dependem do corpo físico, que antes de mais
nada são atraídos para o esporte, para a boa vida, para formas de negó-
cios cuja meta seja ganhar dinheiro, vão achar que o tempo lhes pesa
nas mãos, depois da morte, até que compreendam que podem desen-
volver novos interesses.
Perguntei: - Como se pode desenvolver novos interesses depois da
morte?
- Da mesma forma como se poderia desenvolvê-los durante nossa
existência, se tivéssemos lazer suficiente e dinheiro bastante para pagar
as taxas do ensino necessário. No nível astral, e mbora o senhor ainda
não as tenha visto pessoalmente, existem escolas, por causa da grande
necessidade de treinar os habitantes permanentes daquele mundo quan-
to aos interesses de que carecem para a vida que está diante deles . Essas
escolas servem a um duplo propósito: não só ensinam a os alunos tudo
sobre as condições do nível astral, e sobre a melhor maneira de usar as
condições ali existentes para seu prazer e educação, como oferecem
cursos de instrução em todos os assuntos, para cuja realização não se-
jam necessárias as condições físicas .
"A maioria dos verdadeiros musicistas, artistas, filósofos, e os que
foram professores no mundo físico, goza de grande alegria por transmi-
tir parte de seu conhecimento e experiência aos que deles carecem, mas
que estão suficientemente interessados para desejar aprender. A ausên-
cia do fator tempo - a ausência da necessidade de dormir oito horas
nas vinte e quatro do dia - também ajuda consideravelmente. Se peri-
tos em sua matéria derem apenas três ou quatro horas do dia de treina-
mento aos novos estudantes, o tempo empregado nessa tarefa não é de
forma alguma um ônus, porque eles terão ainda o que sobra das vinte e
quatro horas de cada dia para seus próprios projetos. Mas o que real-
mente ocorre é que muitos desses professores e especialistas em sua
arte sentem ta nto prazer em dar forma ao novo material que se ligam

76
voluntariamente a essas escolas, e com freqüência passam mais da me-
tade de seu tempo no nível astral a e nsinar a outros os rudimentos de
sua arte, ou, em alguns casos, a ajudar os que já desenvolveram certa
proficiência a se tornarem adeptos, sob o ensino concentrado de que se
dispõe no plan o astral.
"Não só essas escolas têm tremenda parte na vida do mundo astral,
como influenciam, indubitavelmente, a vida futura de seus alunos. Se,
no nível astra l, um homem desenvolveu o amor por qualquer arte ou
ciência, nasce na sua próxima vida em plano físico com o desejo de
continuar esse estudo, e assim encontramos crianças que mostram, des-
de tenra idade, uma aptidão entusiástica para uma coisa ou outra, que
talvez não seja, sob qualquer aspecto, uma característica de seus pais.
Esse aprendizado em relação a uma arte sempre deve ser encorajado.
Os pais muitas vezes afirmam o contrário pois que eles próprios conse-
guiram triunfar na vida sem esse amadorismo. Contudo, isso constitui
um grande erro e, se os pais percebessem que o gr.ande desejo do filho
é perfeitamente natural, que ele está realmente ansioso por levar adian-
te o que exercitou durante sua descuidosa vida astral, compreenderiam,
é provável , que desejos assim devem ser encorajados e não esmagados,
como com tanta freqüência acontece. Tanto neste mundo, como no
próximo, nós estamos todo o tempo progredindo e tornando nossas
vidas futuras mais felizes e mais completas.
"Os habitantes permanentes descobrem essas escolas de maneira
diferente, e sempre a um estágio em que elas lhes serão mais úteis.
Q uando compreendem, pela primeira vez, que estão vivendo no mundo
astral, é inteiramente inútil mencionar essas coisas a eles, p orque de-
pressa responderão que não desejam voltar de novo à escola. Querem
divertir-se. Durante os primeiros meses a oportunidade de viajar em tor-
no do mundo, de ver todos os paises que não tiveram a chance de visitar
enquanto estavam neste plano, habitualmente os satisfaz.
"O senhor deve se lembrar de que Roy Chapman, o amigo de seu
irmão, confessou que de vez em quando sente tédio. Ele fez todas essas
coisas. Conquistou alguns amigos, naturalmente, e teve o prazer de levá-
los a jantares, a shows, a piqueniques e a coisas assim, mas depois de
algum tempo isso se torna insípido. Durante sua existência Roy foi um
eximia jogador de golfe, mas o golfe não é interessante no mundo as-
tral, como o é aqui. Um homem como Roy cansa-se, sem dúvida, das

77
coisas que esteve fazendo nos últimos seis meses, mais ou menos, e
quando isso acontecer ele não he~itará em expressar seu tédio a outros
que conhecerá naquele mundo. Então, um dia, alguém ao qual ele foi
apresentado irá mencionar diante ele as oportunidades existentes para
aumentar o conhecimento ou desenvolver-se em uma linha particular de
arte ou estudo. De início, ele não mostrará entusiasmo, mas depressa
compreenderá que aprender alguma coisa inteiramente nova preenche-
rá suas longas horas. Por fim, seu interesse despertará, e outra vontade
terá então passado do estágio materialista para a vida que faz da nossa
estadia no nível astral algo que parece demasiadamente curto.
"Há outros para os quais esses novos interesses não têm qualquer
atrativo. Trata-se, habitualmente, de velhos casais, que desenvolveram o
gosto pela vida doméstica. Tudo quanto aspiraram foi ter um lar, um
jardim e viver uma vida tranqüila, entre amigos. Gostavam de ouvir rá-
dio, ele ter t1m aparelho de televisão e de coisas assim. Sua felicidade
dependia de estarem juntos. Eles podem levar esse tipo de vida no nível
astral, sem qualquer dificuldade. Se o homem morre primeiro, perambula
por là, parecendo infeliz e solitário, nas horas em que sua esposa está
acordada, e apresenta-se a seu encontro mal ela sai de seu corpo, quan-
do adormece. Sugerir a esse homem que há escolas onde ele pode apren-
der algo é, habitualmente, perda de tempo. Ele desdenha essa idéia.
Tudo o que deseja é um lar confortável, com sua companheira. Ele se
empenha em descobrir formas e meios de viver da maneira que ele e a
mulher apreciarão, quando se reunirem. Ele aprende que é a coisa mais
simples isso de ter urna casa e um jardim exatamente de acordo com
suas idéias favoritas, restando expressar, em pensamento. o desejo cor-
respondente. Procura o lugar mais bonito disponível e, quando a mulher
chega, constroem a casa de seus sonhos, mobiliando-a exatamente como
teriam gostado de fazê-lo no mundo, se tivessem tido os meios necessá-
rios para isso. Agora, um pensamento produz exatamente as coisas de-
sejadas e, com freqüência, pensam em maravilhosos artefatos que dis-
pensam o trabalho doméstico. As vezes, esses artefatos são vistos por
negociantes, que tomam nota deles, e em sua próxima vida inventam
coisas semelhantes. Esse velho casal tem um estéreo ultramoderno e
cria, em pensamento, o necessário número de criados para atender às
suas ordens. Criam um jardim com qualquer forma de fruto ou de flor
que desejarem, porque ali não há limitações de clima. Recebem os ami-

78
gos, sentem p razer ao mostrar suas invenções e vivem muito felizes no
plano astral. Freqüentemente ligam-se a animais de estimação que tive-
ram na terra, ou adotam outros.
"O beatífico estado do velho casal que acabamos de descrever não é
tão comum corno se pode supor. H omens e mulheres se casam por
várias razões. Às vezes, é a atração física que os atrai e reúne; às vezes é
a fortuna. Mesmo a solidão tem seu papel na reunião dos indivíduos. É
muito raro vermos o que descreveríamos como um par ideal - duas
pessoas cujas visões da vida se encaixam uma n a outra, cuja situação
evolutiva é a mesma, cada qual tendo inteligência suficiente para poder
penetrar no problema do outro. Tais uniões são raras e ocultamente não
se mostram grandemente desejáveis, pois é bom que um homem evolu-
ído se sinta atraído de alguma forma particular por uma companheira
menos evoluída.
"Quando se ouve comentar: -Que pena John ter casado com Mary!
Tão diferentes, não acham? - devemos compreender que, se a pessoa
que fala tivesse mais experiência, saberia que ambos esses jovens estão
destinados a se beneficiar consideravelmente dos poucos anos que pas-
sarem juntos. O resultado imediato dessa união, aparentemente inade-
quada, é, invariavelmente, uma série de dificuldades para ambas as par-
tes: há sempre um choque de interesses. Talvez o homem tenha sido
atraído para a mulher por seus dotes físicos. Depois de algum tempo,
essa "atração" diminui (embora seja improvável que deixe de existir por
completo) e as duas pessoas são levadas de volta ao companheirismo,
como único laço capaz d e mantê-las juntas. O companheirismo, entre-
tanto , não é fácil, quando os gostos e desejos de duas pe_ssoas são dife-
re ntes. No caso em que o homem é o mais evoluído dos dois, seu inte-
resse reside nos livros, na música, no lado sério da vida, enquanto a
mulher deseja ir a qualquer lugar de diversão freqüentado pelos amigos
do momento . Ocorre um choque de idéias e há muitas discussões e
desentendimentos. Se não houver filhos, às vezes o casamento se rom-
pe, somente pela incompatibilidade de temperamentos, mas é uma grande
lástima que tal coisa aconteça, pois que é através da disparidade das
duas pessoas em questão que se ganha muita experiência e conheci-
mento. O homem deve aprender um método de ir buscar a companhei-
ra ao meio do caminho. Quando pensa em meios e modos de fazer isso,
compreende que deve começar por despertar o interesse da sua esposa

79
para o nível educacional - cuidando, ao mesmo tempo, para que ela
não perceba seu esforço nisso, para que a esposa não desenvolva um
complexo de inferioridade . Deve aprender a ser paciente, se, por
inexperiência, ela insiste em coisas que o marido sabe serem insensatas
ou desnecessárias. Ciente do que está errado, ele deve ceder, às vezes,
de forma que ela possa ver os resultados do erro qwe cometeu. A mulher
não deseja ser sempre conduzida, mesmo quando, em seu subconscien-
te, compreende que seu companheiro de vida é mais sensato do que ela.
Se duas pessoas podem passar uma existência juntas, o benefício para
ambas é realmente grande: uma terá a vantagem de ser guiada por uma
inteligência superior e de maior experiência, desenvolvendo desse modo
o carâter, enquanto a outra teve de aprender o valor da paciência, do
tato, da necessidade de ver as coisas sob o ponto de vista alheio, um
ponto de vista que, em virtude da falta de experiência, deve ser mais
limitado que o seu.
"Depois da morte, essas duas pessoas não continuam, necessaria-
mente, a viver juntas. O homem talvez sinta o desejo de passar o tempo
entre mentalidades mais altas do que a sua, enquanto a mulher, que
durante muitos anos, na Terra, fora forçada a víver sob pressão, tentan-
do manter um padrão de vida que para ela sempre representara um
esforço, agora deseja recostar-se e levar as coisas com calma por algum
tempo. Habitualmente, depois de um curto período de relativa inativida-
de, ela sente que as sementes plantadas durante sua existência provo-
cam-lhe, agora, um forle desejo de continuar o desenvolvimento já inici-
ado. Acha que já não obtém completa satisfação com as diversões artifi-
ciais que outrora tanto desejava, e que a levavam a oprimir o marido,
indiferente, para consegui-las. Seu apetite mental foi estimulado, e ela
percebe que lhe é impossível retornar aos padrões do tem po de seu
casamento no plano físico. Essa mulher lhe dirá que não teve uma vida
particularmente feliz, mas que, agora que essa vida terminou, alegra-se
p or ter o Destino decretado que aquela experiência lhe fosse proporcio-
nada.
"Acontece, com freqüência, que duas pessoas, tendo vivido juntas
durante toda uma existência, não to rnam a ter contato uma com a ou-
tra, nem depois da morte nem em vidas futuras . Serviram-se mutuamen-
te, ambas se beneficiaram por terem estado juntas durante um período
de tempo, mas sua visão da vida é demasiado diferente para que sejam

80
naturalmente atraídas uma pela outra. Nesse caso, é possível que o ho-
mem tenha vivido pelo menos cinqüenta a cern vidas mais do que a
mulher. Naturalmente, sua compreensão do vasto "plano" seria maior
do que a dela, seu reservatório de conhecimento (o acúmulo das experi-
ências de vidas passadas) seria maior do que o dela e, .sob todos os
aspectos, ele poderia ser visto com um ser superior. Mas não se esqueça
de que, há cem vidas da presente, ele estava no mesmo ponto em que a
esposa no momento, e beneficiou-se, provavelmente, do fato de ter sido
forçado a passar uma ex.1stência com alguém muito mais desenvolvido
que ele.
"Provavelmente, o senhor já ouviu dizer que todos temos o que é
conhecido como alma gêmea, e que sempre devemos estar à procura
dessa pessoa. É verdade, realmente, que as .almas gêmeas existem, por-
que, de início, quando a força da vida é enviada pelo Poder Divino,
emerge para a vida sob a forma de gêmeos, um masculino, outro femi-
nino. Essas duas formas ,evoluem bem separadamente, cada qual com
sua cota de vidas em corpos de homens e de mulheres, mas, em ocasi-
ões especiais, quando um grande trabalho tem de ser feito, es-sas duas
entidades às vezes são reunidas, porque a inspiração de uma capacita a
outra a levar adiante a gigantesca tarefo que tem de ser realizada. Um
grande homem que alcançou sua meta, diz, muitas vezes, que nunca
poderia ter feito o que fez sem o auxílio, a ponderação e o poder
fortalecedor da mulher. ilsso n'ão quer dizer que eles tenham ·sido almas
gêmeas, mas pode significar exatamente isso e, quando tal coisa aconte-
ce, as duas pessoas parecem agir como uma grande unidade, e não só
pensam os mesmos pensamentos, rnas sentem, instintivamente, o que é
correto para ambos. Trata-se, naturnlmente., da per feita fusão do positi-
vo e do negativo, do macho e da fêmea, na Natureza. Não seria bom
para nós viver sempre com a nossa alma gêmea, porque, sob tais cir-
cunstâncias, tenderíamos a nos tomar muito egoi.stas. Nunca aprenderí-
amos a ver as coisas sob o ponto de vista alheio, nem tratar com idéias
opostas às nossas, nem ceder para realizar algo, em lugar de ficar firme
e nada produzir.
"Esses exemplos dão-lhe uma pequena idéia da maneira pela ql!lal os
egos são assistidos ao longo de sua viagem ,evolul1va . É atraves de difie-ul-
dades, tais como a de viver com pessoas que não .sintonizam .e m todos
os pontos conosco, que aprendemos a verdadeira tolerância. Uma vída

81
agradável e tranqüila não é, necessariamente, a melhor vida. Progredi-
m os muito mais depressa ao longo do caminho da evolução, pelo sofri-
m ento e pelo que amiúde parece ser um método duro e impiedoso.
Cada vida é um dia na escola da evolução, e se temos que levar avante o
propósito para o qual nos encarnamos, não podemos nos permitir des-
perdícios de oportunidades.
"Amanhã eu lhe falarei de algumas coisas sobre os não-humanos
habitantes do mundo astral, depois do que tornarei a levá-lo a uma via-
gem astral, de forma que possa ver, pessoalmente , que os seres huma-
nos astrais ajustam-se ao que pode ser descrito como reações normais
que revestem o indivíduo em questão, no plano físico."

82
Capítu{o 6

.9l.expectativa de ser levado a fazer outra viagem astral com meu


protessor hindu me deixou bastante excitado e, pensando sobre o que
poderia acontecer, perdi parte de meu desapontamento por não ter con-
seguido qualquer resultado quando a sós. Na noite passada concentrei-
me para me ver ao espelho, deitado na cama, tal como fizera na noite
em que fui auxiliado. Quando acordei, pela manhã, senti-me repousado,
lembrei-me de que demorara muito a dormir, mas não consegui lembrar
absolutamente nada do que me acontecera depois que perdi a consciên-
cia. Preciso saber como funciona essa história de trazer de volta as coi-
sas. Sei que não adianta eu me preocupar por não conhecer imediata-
mente os truques do negócio, pois a preocupação mais atrapalha do que
ajuda. Penso que a única coisa que posso fazer é perseverar na concen-
tração, que, me disseram, constitui parte importante do processo, até
conseguir um pequeno início, a partir do qual possa trabalhar.
- É inútil sentir-se desapontado. - Meu amigo estava de pé atrás
de mim, enquanto eu escrevia. Eu não o ouvira abrir a porta. - Isso é
o que acontece em tantos casos. As pessoas vêem um relance da verda-
de e, por não conseguirem fazer imediatamente as coisas que sabem ser
possíveis para outras, ficam desencorajadas e deixam de tentar. Muitas
vezes as pessoas dizem: É evidente que a vida oculta não é para mim. -
Contudo, para conseguir resultados, é preciso apenas ter um pouco de
paciência e de determinação, no sentido de romper a parede que separa
nossa existência mundana da vida que levamos quando estamos ador-
mecidos. Não espere demais, meu amigo. Lembre-se de que há menos
de duas semanas o senhor estava sentado aqui, curvado pelo sofrimen-

83
to, sem sequer ter a certeza de que a morte é a seqüência lógica da vida .
Agora, pelo menos, já sabe alguma coisa, e depressa terá oportunidade
de saber mais.
"O senhor está pensando: - Por que não há mais pessoas cientes
dessas coisas? - Talvez não tenham implorado por conhecimento, por
auxílio, como fez o senhor. Talvez estejam satisfeitas com uma das mui-
tas religiões ortodoxas, que lhes dizem que tenham fé e acreditem que
tudo o que recebem corresponde à vontade de Deus. Todos os aconteci-
mentos, certamente, são a vontade de Deus, mas tudo será mais fácil se
compreendermos por que tudo isso ocorre. Será mais fácil se houver
uma resposta lógica para cada pergunta. Se for possível, igualmente,
que cada pessoa que faz algum esforço tenha prova das coisas por si
mesma, como resultado teremos a inutilidade das declarações baseadas
na fé. A fé é sempre boa, mas o conhecimento é melhor. Devemos ter fé
enquanto adquirimos conhecimento e, aconteça o que acontecer, jamais
devemos desanimar. A evolução é um processo lento, e raramente pode
ser apressado, embora as atividades de uma pessoa possam ser inspira·
das pelo encorajamento e pelo auxílio dado no momento preciso.
"Até aqui o senhor viu apenas um minúsculo setor do mundo astral,
o setor habitualmente ocupado por aqueles que passaram recentemente
a esse mundo através da porta conhecida como morte. Desde que eles
se tenham estabelecido como habitantes do mundo astral, raramente
visitarão esses lugares, embora possam visitá-los, se quiserem. Fará isso
de vez em quando, quando, por exemplo for ao encontro de parentes e
amigos especiais que morrem, e precisam de algum auxílio dos habitan·
tes permanen tes, exatamente do mesmo modo pelo qual pede o auxílio
de amigos que moram em país estrangeiro que o senhor está visitando
como turista ou como novo morador.
"O mundo astral é dividido no que se conhece como esferas, níveis e
subplanos. É necessário saber que ta is esferas existem, ou jamais conse-
guirá compreender corno trabalha a maquinaria desse mundo. A maio-
ria dos professores ilustram esse ponto pedindo aos estudantes que com-
preendam a esfera mais densa do mundo astral corno se se tratasse dos
estados existentes quando estamos de pé sobre o solo. Nessa esfera há
uma reprodução de tudo quanto existe no mundo físico. Onde existe
urna cidade ou um edifício, no mundo físico, há também, na matéria
astral, a réplica ou reflexo dessa cidade ou desse edifício, que podemos

84
ver bem claramente quando funcionamos no nível astral em nosso corpo
astral. Imagine a reprodução astral de Picadilly Circus, em Londres,
que visitou há algumas noites, como representativa da ruidosa esfera
mais baixa. Depois, imagine um mundo semelhante, uns 1.500 metros
acima, digamos, do mundo mais baixo, ao qual podemos nos transpor-
tar num segundo, por um esforço da vontade. Isso corresponde à segun-
da esfera astral, menos densa do que a primeira, mas ainda bastante
materialistica e em afinidade com as condições do plano físico . Se o
senhor estivesse existindo a uns 1.500 metros acima de Londres pode-
ria, ainda, ouvir algo do troar do tráfego daquela cidade, e o ruído que é
sempre parte da vida de uma grande cidade, mas isso seria apenas um
murmúrio, comparado com o ruido que se ouve quando se está no andar
térreo, por assim dizer. Agora, imagine uma terceira esfera de consciên-
cia , já outros 1.500 metros acima da segunda esfera, e o senhor pode
visualizar a probabilidade de que, quando vivermos na terceira esfera do
mundo astral, ficaremos bem distantes do ruído e da azáfama da cidade
de Londres, e que não só nos sentiríamos imunes à sua existência, como
estaríamos mais ou menos inconscientes dessa mesma existência.
Há sete esferas de consciência no mundo astral, cada uma delas
menos material do que a que lhe está "abaixo", e os habitantes perma-
nentes podem passar sua vida astral em qualquer dessas esferas, de acor-
do com seus desejos naturais. Por exemplo: um homem pode passar
algumas semanas na primeira esfera, depois os próximos dois anos na
segunda, passando mais tarde para a terceira e para a quarta, conforme
seus hábitos e desejos se vão tornando menos materiais e mais artísti-
cos, intelectuais ou espirituais. Assim, nunca há possibilidade de haver
excesso de população naquele mundo.
"No mundo físico, a escolha quanto ao lugar onde se viverá é limita-
da. Por causa de seu trabalho, através do qual o homem ganha o dinhei-
ro necessário à sua vida aqui , ele pode ser forçado a viver em lugares que
de outra maneira não escolheria. Muitos são inabitáveis, devido ao clima
ou a outras dificuldades. Os homens não podem viver confortavelmente
nem no Pólo Norte nem no Pólo Sul, dado o frio extremo e outras
limitações, ta is como a falta de sol e de luz do dia durante certas épocas
do ano. Não podem viver nos muitos desertos existentes, devido à falta
de água. Não podem viver na selva espessa, porque ali existem animais
selvagens,· que eles terão de exterminar antes de poder construir uma

85
casa com segurança e nela viver. No mundo astral eles não encontram
essas limitações. O clima, no Pólo Norte como no Pólo Sul, é o mesmo
de toda pa1te, no plano astral. Não há limitações de luz, porque a luz é a
mesma durante as vinte e quatro horas de cada dia. No deserto eles não
precisam de água. Se desejam viver na reprodução astral das selvas,
poderão fazê-lo. Não haverá animais selvagens para atacá-los, porque
assim como o homem aprende que não pode fazer mal a um animal, no
mundo astral, também os animais aprendem que não podem fazer mal
ao homem. Além disso, há sete esferas de consciência para escolher, de
modo que sempre é possível conseguir as condições necessárias para
tornar praticável o tipo de vida desejado, em ambientes que estarão de
acordo com o desenvolvimento emocional, mental e espiritual do ho-
mem. Desde que tenha noção desses diferentes tipos de existência, que
formam a vida que se segue à que temos aqui, será fácil para o senhor
ver que todas as partes do quebra-cabeça se encaixam perfeitamente em
seus lugares, e o Caminho Evolutivo torna-se uma seqüência lógica de
acontecimentos controlados pelas leis da Natureza, tão segura na teoria
como na prática.
"Todos esses fatos são explicados e ensinados nas escolas que exis-
tem em algumas das esferas astrais, e é quase sempre através dessas
escolas, das quais toma conhecimento de uma forma ou de outra, quan-
do chega o devido tempo, que o impulso ou desejo de passar de uma
esfera para a outra vem a nascer. Nessas escolas, a entidade astral vê de
que modo pode transportar-se de um nível para outro - originando-se
essà mudança através de um esforço da vontade feito de uma forma
particular, porque, embora a matéria da qual se compõe uma esfera seja
diferente da matéria que compõe as outras esferas, nossos corpos as-
trais incluem matéria semelhante à de todas as esferas, e é apenas um
problema de tornar ativos os átomos do nosso corpo relativos à esfera
em questão para que possamos funcionar plenamente na escolhida. Mas
um ponto na instrução da entidade astral diz que uma pessoa que funci-
ona na segun da esfera não se pode comunicar, ou ter contato, com
outra que funcione na prlmeira - nem uma pessoa da terceira esfera
com uma da segunda. Se um homem que vive no terceiro nível deseja,
por alguma razão, comunicar-se com uma pessoa que vive no primeiro
deve descer novamente ao primeiro nível, por ação da vontade, que,
conforme eu disse, faz com que os átomos do corpo relativos à primeira

86
esfera se tornem novamente ativos. O mesmo processo é aplicado quando
se "sobe" ou se "desce". A vida expressa nas diferentes esferas é separa-
da e, para todos os fins e propósitos, autocontida, da mesma maneira,
exatamente, com que a vida na Inglaterra é separada e diferente da vida
na Índia. Ambos os países são parte do mundo físico . Todas as esferas
são parte do mundo astral, mas trabalham separadamente e por motivos
definidos.
"A parte mais material do mundo astral - a parte mais densa - é
a esfera que nos circunda imediatamente depois da morte e, enquanto
vivemos nessa parte mais densa do mundo astral, vemos todas as coisas
que estão ao nosso redor como as víamos quando estávamos vivendo no
mundo físico . Digamos que o senhor tivesse vivido toda a sua existência
em Londres. É mais do que provável que, depois da morte, permaneces-
se na reprodução ou reflexo astral de Londres, apenas porque, para
começar, deseja permanecer em contato com alguma coisa que com-
preenda, deseja ver pessoas a seu redor e ter um lar perfeito onde possa
receber os amigos, como antes. Então, um dia, talvez um amigo lhe faça
sentir que a vida numa cidade tem poucas vantagens no mundo astral, e
s ugere que vá conhecer as belezas da zona rural. Pode, facilmente,
visualizar a diferença na atmosfera de uma existência entre os fervilhantes
milhões de uma metrópole e a da relativa paz de uma aldeia no campo,
onde os habitantes são contados às dezenas, e não aos milhões. Esta é a
segunda esfera, que, na falta de melhor descrição, sugeri que fosse con-
siderada como estando a uns 1.500 metros acima da primeira esfera.
Ali encontrará muitas famílias vivendo uma existência feliz, com movi-
mento social, e as coisas costumeiras que correspondem à idéia de uma
perfeita vida no campo.
"O senhor pode viver nessas esferas tanto quanto quiser. Um tipo de
pessoa muito rústica e material é mais feliz na parte mais densa do mun-
do astral, pois essa é a parte mais próxima e mais parecida ao mundo
físico ao qual ela se sente tão ligada, e ali continua a viver sua limitada
existência. Essas não são as esferas nas quais uma pessoa evoluída -
um homem que tem certo ambiente espiritual - seria particularmente
feliz se fosse forçado a permanecer em tais condições por muito tempo.
Não é forçado a isso e, depois de passar pelo período de purgatório, no
qual lhe mostram o resultado das boas e más ações de sua vida passada,
cuja compreensão influenciará seu futuro caráter, começa a sentir o im-

87
pulso de sair de tudo quanto seja semelhante à vida que terminou, e
chega até ele a revelação das imensas possibilidades de experiências
interessantes e proveitosas que o esperam nas esferas mais altas e me·
nos densas do mundo astral. Eventualmente, ele se instala para viver sua
vida astral rodeado de condições que se coadunam com o seu desenvol-
vimento real, e isso pode ocorrer na terceira esfera, onde encontra o
tipo de indivíduo criador - musicistas, artistas, cientistas, etc. - ou na
quarta esfera, onde pode discutir problemas do mundo com homens de
intelecto mais poderoso do que o seu.
"Quando uma entidade astral de o rigem humana alcança essas esfe-
ras, torna-se consciente de que elas são habitadas por outras entidades
que, segundo_ descobre, são de origem não-humana. É importante que o
senhor saiba alguma coisa sobre essas entidades e sobre sua origem,
antes de maior experiência astral. Por isso vou falar-lhe algo sobre elas.
Essas entidades pertencem a urna evolução paralela, chamada de reino
dos devas ou dos anjos. Evoluem de modo semelhante ao do gênero
humano, com a diferença de que, em lugar de se individualizarem como
humanos, vindos do reino animal, essas entidades, que anteriormente
foram vistas e conhecidas como insetos, peixes, pássaros, individuali-
zam-se como elementais, espíritos da natureza, e devas ou anjos. Quan-
do chega a ocasião de um peixe ou um pássaro passar ao estágio seguin-
te de seu desenvolvimento, eles se transformam num elemental, ou num
espírito da natureza, segundo seu tipo no mundo físico.
"O senhor deve-se lembrar de que quando eu o levei ao fundo do
mar, em nossa primeira viagem astral, mostrei-lhe alguns dos elementais
que vivem no fundo do oceano. Originalmente, e ram peixes e, .na via·
gem astral em direção à sua meta de aperfeiçoamento, transformaram-
se de peixes em elementais da mesma maneira pela qual cães, gatos,
cavalos, etc., transformam-se de seus tipos animais em tipos humanos
não-evoluídos que conhecemos no mundo. Os pássaros, por exemplo,
tornam-se espíritos da natureza - às vezes são chamados de fadas -
e tanto esses elementais como esses espíritos da natureza, depois de
muitas e progressivas vidas, alcançam um estágio em que se tornam o
que o mundo descreve como devas ou anjos.
"Bem, há grande diferença entre essas duas evoluções, na medida
em que a evolução deva não mora no mundo físico, depois que o peixe
ou o pássaro progrediram para o estágio de elemental ou espírito da

88
natureza. Eles habitam os mundos astral e mental apenas e, a não ser
pelos elementais mais baixos, ou tipos de espírito da natureza muito
novos e não-evoluídos, não vivem abaixo da terceira esfera do mundo
astral. Por isso é que se sabe tão pouco dessa evolução entre as pessoas
que vivem no mundo físico. Eles mal têm contato com esse mundo, no
que se refere ao indivíduo comum, embora os seres humanos, que de-
senvolveram o adormecido sentido da clarividência, possam, natural-
mente, ver essas criaturas, mesmo no plano físico, porque não há porta
fechada para o clarividente entre os mundos astral e físico da consciên-
cia. Mas, como já disse, o homem comum não tem esse conhecimento,
e habitualmente ridiculariza as histórias que circulam a respeito da exis-
tência dessas entidades.
"E apenas nos países não desenvolvidos, onde os habitantes estão
mais próximos da natureza do que a média, que o "povo pequeno",
como as fadas e os espíritos da natureza são chamados na Irlanda, são
reconhecidos. Ali, embora a maioria das pessoas nunca os tenha visto,
os leprechaunes, os gnomos, os elfos, têm sua existência reconhecida.
Até os dias de hoje, muitos lavradores recusam cultivar determinados
pedaços de terra, que segundo o folclore são propriedade das fadas.
Muitas são as histórias contadas, dizendo que proprietários modernos, e
materialistas, dessas terras, escarnecendo das velhas sagas, tachando-as
de asneiras e superstições, sofreram desgraças que os habitantes do lo-
cal atribuíram ao fato de terem insultado o "pequeno povo". Não me
proponho comentar se essas histórias de "má sorte" são ou não funda-
mentadas em fatos, porque, francamente, seria impossível dar uma opi-
nião geral sobre esse assunto. Cada caso teria de ser investigado separa-
damente, a fim de que se apurasse a verdade, e acontece que fazer essa
investigação não faz parte da minha tarefa presente, Digo-lhe, contudo,
que no plano astral essas entidades não só existem, como tomam parte
importante na vida do mundo astral e, depois da morte, quando alcança-
mos a terceira e as esferas ainda mais altas, não só as veremos pessoal-
mente, como teremos contato com elas, conforme descreverei.
"Quando um homem passa para a quarta esfera, talvez se impressi-
one, de inicio, com a completa ausência do que pode ser descrito como
atividade. Encontrará ali pessoas, naturalmente e, se já não as tiver co-
nhecido na passada vida física, será apresentado a elas da mesma ma-

89
neira pela qual é apresentado no mundo físico. Será bem recebido, como
pessoa de interesses similares aos deles, pelos habitantes permanentes
da esfera, pois estes sabem que o recém-chegado não poderia ter vindo
à quarta esfera a não ser que tivesse o desejo e as qualificações necessá-
rias que o tornam apto a agir ali. Em lugar da atividade física, ele encon-
trará a atividade mental, p orque o interesse principal dos habitantes, ali,
é discutir os problemas evolutivos internacionais - discussões relacio-
nadas com o desenvolvimento da ciência, discussões relacionadas com a
evolução paralela do reino deva e suas grandes diferenças em relação a
nossa evolução e assim por diante - ou a formulação de teorias, que
eles se empenham em testar. Tudo isso pode parecer muito monótono
para o senhor, mas para o indivíduo de tipo intelectual não é monótono
em absoluto. Como é natural, as pessoas que ali se encontram variam
intelectualmente, e os que têm intelecto mais apurado - e são, real-
mente, almas mais velhas e mais experientes - lideram as discussões.
Em muitos casos, membros do reino deva se reúnem à deliberação,
embora a intercomunicação, nesses casos, não seja feita por meio de
palavras, pois, embora n ão vivendo ainda no mundo mental - onde
tudo é governado pelo pensamento - vemos que nos níveis mais altos
do mundo astral a conversação pode ser realizada sem o uso real das
palavras. A vida é tão menos material ali que as possibilidades do inter-
câmbio de pensamentos vêm bastante naturalmente e nem se pensa em
considerar tais coisas como maravilhosas ou extraordinárias.
"O senhor deve ter em mente que os devas que habitam a quarta
esfera do mundo astral também são seres evoluídos - tão diferentes do
lipo inferior de elementais e espíritos da natureza quanto um homem
evoluído é diferente do tipo inferior decoofies que e ncontramos no mundo
físico. A visão mental de um deva é muito diferente da visão mental do
humano. O deva está mais interessado nos processos da Natureza. Suas
vidas estão de tal forma associadas às características naturais - ocea-
nos, montanhas, árvores, flores, chuva e coisas assim - que eles não
parecem ser nem mesmo ligeiramente afetados pelos problemas da vida
que interessam à humanidade, a não ser em casos especiais, quando sua
assistência é desejável. Embora o crescimento e o declínio das nações
não lhes diga respeito, o progresso da vida das plantas e o trabalho
científico de pesquisa, pelo qual a Natureza fornece ao homem o neces-
sário para sua vida física, interessa-os grandemente. Há devas evoluídos,

90
a cujo cargo ficam os diferentes tipos <le árvores, arbustos ou flores . Sob
tais controlad ores, trabalham milhares de assistentes, todos eles pare-
cendo ter deveres especiais. Onde um número excessivo de árvores foi
cortado pelas invasões da chamada civilização, a evolução deva empe-
nh a-se em produzir novas árvores, em substituição das destruídas. Os
experimentos da ciência moderna, com seus esforços para produzir chu-
va artificial, são assuntos de grande interesse para o reino deva e, à sua
própria maneira, esforçam-se para influenciar o homem em suas ativi-
dades de pesquisa, levando-o pelo caminho correto.
"O reino deva expressa-se através da cor, e quem quer que esteja
interessado em jardinagem paisagística verá os resultados maravilhosos
obtidos pelos devas na terceira e quarta esferas do mundo astral. Da
mesma maneira pela qual um jardineiro científico, no mundo físico, se
empenha na produção de flores de cores diversas, através de criteriosos
enxertos e polinizações, os experimentos dos devas também são feitos
assim, e seu conhecimento é tão maior, pelo fato de estarem mais pró-
ximos da Natureza do que sua réplica humana, que os resultados produ-
zidos são muito mais belos. É praticamente impossível descrever com
palavras a beleza das flores produzidas pelo reino deva, porque há mui-
tas centenas de cores, quando ternos apenas dezenas delas, e nem te-
mos nomes para essas pormenorizadas variações do que chamamos
vermelhos, azuis e roxos.
"Os devas também parecem expressar-se em sons, com a intenção
de influenciar as atividades da vida. Falamos, com freqüência, em conse-
guir uma "atmosfera apropriada", e o que queremos com isso , habitual-
mente, é reunir pessoas em harmoniosa disposição de espírito. Os de-
vas expressam-se como evolução de uma forma muito mais ampla, e o
resultado é o que chamamos de música dos devas. Grande número de
devas reúne-se nos bosques e pequenos vales, usando misteriosos instru-
mentos de madeira que produzem os mais belos sons, sempre em per-
feita harmonia. Suas vozes parecem alcançar além, muito além da voz
humana, porém são muito suaves. Não usam palavras, tais como nós as
compreendemos. Cantam, na maioria das vezes, em imensos coros,
mas também há solistas, que de vez em quando cantam, ficando o coro
principal em silêncio enquanto essa passagem é entoada. Os solistas
instalam-se, em geral, em árvores altas, a alguma distância do coro prin-
cipal, e o resultado, para os nossos ouvidos, é simplesmente espantoso.

91
É de todo impossível fazer uma descrição correta desses "concertos"
para alguém que não os tenha ouvido, mas, indubitavelmente, eles pro-
duzem uma atmosfera que, segundo dizem os devas, afeta, em seu todo,
a raça humana. Talvez seja essa a maneira de expressar paz e boa von-
tade para todos os homens , porque, certamente, eles nunca poderiam
compreender as diferenças de opinião, que, no mundo, levam a coisas
ta is como as modernas guerras. -
"O deva não tem propriedades, tal como nós as entendemos, nem
precisa tê-las. Desde seus primeiros dias, como espírito da natureza, ele
não teve necessidade de ganhar dinheiro para se manter, e pode, assim,
ser considerado talvez como mais feliz do que seu reflexo humano.
"Embora esses devas pareçam rir ou divertir-se, da forma pela qual
compreendemos tais coisas, estão sempre muitíssimo dispostos e amis-
tosos quando se trata de auxiliar o homem. De certo modo, não pare-
cem estar interessados nos negócios humanos; contudo, quando há ca-
sos especiais, quando terremotos e erupções vulcânicas se fazem sentir,
eles parecem ter seu trabalho próprio a fazer, porque tudo quanto se
relaciona com a Natureza, a terra, o mar, a flora ou a fauna, é o seu
mundo. Terremotos e erupções vulcânicas são fenômenos naturais que
afetam parte da superfície da Terra. Quando essas tragédias acontecem,
grande número de devas são enviados para ajudar onde puderem. Não
posso dizer-lhe, exatamente, o que eles fazem, mas têm, é certo, uma
parte a representar no esquema·das coisas, e um dia, espero, saberemos
mais do que sabemos hoje sobre o trabalho deles.
"Eles têm , igualmente, uma parte a representar no auxílio às emo-
ções humanas. Conforme eu disse, a doença do corpo é inteiramente
desconhecida sob as condições astrais, mas os abalos emocionais, que
tornam as pessoas extremamente deprimidas, ocorrem porque o mun-
do astral é o mundo da emoção e o corpo astral é o nosso veículo da
consciência emocional. Em tais casos, os devas parecem tratar das pes-
soas deprimidas, devolvendo-lhes a saúde emocional. Consolam as pes-
soas, levando-as a conhecer-lhes a música divina, cujo efeito sobre quem
não se sente muito feliz é realmente marcante. Não é com muita fre-
qüência que se vê alguém realmente infeliz no mundo astral, porque as
condições lá existentes tornam isso muito difícil; mas há casos em que as
pessoas se sentem perturbadas, e o povo deva trabalha, então, como
enfermeiro e médico, e de maneira bastante eficaz.

92
"Dei-lhe matéria suficiente para pensar, antes de levá-lo à sua segun-
da viagem astral, portanto, não o visitarei amanhã, mas voltarei dentro
de três dias. Vou deixar-lhe outro comprimido. Tome-o, como fez antes,
quando for deitar-se, amanhã à noite - e certamente estará adormeci-
do às 10 horas. Virei ter com o senhor no momento em que adormecer.
Não coma carne nem beba álcool de agora até então e, quando acordar
pela manhã, depois de amanhã, escreva imediatamente tudo quanto
recordar. Eu o ajudarei a se lembrar, conforme fiz antes. Hoje, transcre-
va as notas referentes a ·esta conversa. Amanhã, estude todas as suas
notas até o fim e à noite viajaremos juntos em nossos corpos astrais.
Espere-me às 1 1 horas do dia seguinte, quando, penso, terá um registro
completo de suas experiências à minha espera. Deixo-o, agora."

Que manhã! O tempo estava excessivamente quente e úmido, e


meu amigo hindu falara mais tempo do que de costume, embora o que
disse tivesse sido mais interessante ainda do que quanto expusera nos
dias anteriores. Está abrindo uma nova visão da vida no mundo que se
segue a este, visão que, se verdadeira, torna o contato com aquele mun-
do ainda mais interessante do que antes. Não só estou excitado pela
expectativa de uma nova viagem astral, mas, se essa viagem se tornar
tão sensacional como a que fiz na semana passada, será então maravi-
lhosa. Não me recordo de ter visto Charles desde aquela noite memorá-
vel e, seja como for, não me senti preocupado por isso, porque agora sei
que ele está bem. Sua ausência física já não me aflige, e não me sinto
triste agora. Sinto que a qualquer momento posso me encontrar com
ele, se houver grande necessidade, e há, ainda, a sensação, que chega a
ser certeza, de que ele não se afastou de nós, de que ainda continua na
terra dos vivos. O que isso significa para mim é difícil de descrever em
simples palavras, mas já estou começando a desejar uma conversação
com pessoas que estejam tristes pela mesma razão que me entristeceu,
para poder confortá-las e expor algo desse esquema que parece gover-
nar o Universo. Talvez seja essa uma das razões pelas quais fui auxiliado,
pois o anseio de passar essa informação a outros, de poder dar-lhes
provas, tal como o meu amigo hindu pôde fazer comigo, é muito forte
dentro de mim . Talvez um dia eu possa levar à prática esse anseio.
Na noite seguinte, fui ao cinema; o filme era de aventuras e manteve
meu interesse por um par de horas. Deitei-me imediatamente assim que

93
voltei para casa, e tentei o truque de imaginar um espelho sobre a minha
cama antes de me preparar para dormir. Dessa vez tive algum resultado,
pois no momento de perder a consciência lembro-me de me ter encon-
trado de pé no meu quarto e ali, com toda certeza, estava meu corpo
deitado pacificamente na cama. Lembro-me, distintamente, que come-
cei a abrir a porta do meu quarto e de que, no exato momento em que
punha a mão na maçaneta, vi que estava, por assim dizer, a meio cami-
nho da porta, e recordei-me, naquele instante, que portas não eram
obstáculo para o corpo astral. E fui adiante. Deslizei pelas escadas abai-
xo, uns trinta centímetros acima dos degraus, e me recordo disso porque
abaixei a cabeça a fim de não colidir com o ressalto, no ponto em que a
escada faz a cuiva. É evidente que não haveria necessidade de abaixar a
cabeça, mas isso, de minha parte, foi instintivo. Atravessei a porta da
rua e flutuei suavemente na direção do porto e do mar. A partir daí, só
me recordo de estar acordando, esta manhã, à hora habitual. Fiquei
deitado, inteiramente imóvel, pesquisando profundamente em minha
consciência interior, porém nada mais do que alguns poucos pormeno-
res quanto ao início da minha perambulação da noite me vieram à lem-
brança. Não importa. Mesmo isso é alguma coisa, e estou bastante entu-
siasmado por descobrir que, sem auxílio, pude reter a continuidade da
consciência no momento de adormecer, e até recordar o primeiro está-
gio da minha viagem astral.

São nove horas da noite. Terminei meu ligeiro jantar. Vou tomar o
comprimido e me deitar. Que experiências terei desta vez?

94
r

Capítu[o 7

'lJesta vez foi como se eu não tivesse absolutamente adormecido!


Quando compreendi, esta manhã, que estava de novo dentro do meu
corpo, a lembrança de tudo quanto ocorreu estava clara em meu cére-
bro - tal como se eu tivesse estado num teatro e me pedissem para
escrever todos os pormenores da peça. Assim, pude apanhar o bloco e
o lápis e recordar, fielmente , tudo quanto acontecera.
Depois de tomar o comprimido, olhei para meu pequeno relógio
francês, cujos ponteiros apontavam para as 9 horas e 42 minutos. Não
tentei adormecer, mas depois de alguns minutos descobri que tínha des-
lizado para fora do meu corpo, e que estava de pé ao !ado da cama, com
a minha forma adormecida deitada sobre ela. Olhei outra vez, e falta-
vam cinco minutos para as dez. Não havia ninguém ali, e andei em
torno do meu quarto, maravilhado com a simplicidade do que, por oca-
sião da minha primeira viagem astral, me havia impressionado como
extremamente complicado. Não tentei deixar meu quarto, pois lembra-
va-me, muito claramente, que meu amigo hindu dissera que a li estaria às
10 horas. Esperei, portanto, a sua chegada, perfeitamente seguro de
que ele não me faltaria . Quando voltei a olhar para o relógio, eram 10
horas e ainda nada acontecera. Cinco minutos se passaram e eu fiquei a
pensar se tudo aquilo não iria transformar-se numa decepção. Fui fican-
do cada vez mais preocupado, conforme os minutos se amontoavam,
mas recusei-me a fazer experiências por minha conta. E quando ia de
novo olhar para o relógio, ouvi a voz familiar, atrás de mim, dizendo: -
Pensou que eu ia desapontá-lo?
Meu amigo contou-me que se atrasara porque estivera ajudando um

95
amigo particular que morrera naquela manhã. Disse que aquele homem
tinha medo da morte e que, embora tivesse estado doente durante mui-
tos meses, lutara contra ela até o fim . Explicou-me que tal coisa era
inteiramente inútil, pois chegara a sua ocasião e, embora tivesse conser-
vado a vida em seu corpo por algumas semanas, através de sua extrema
força de vontade, por fim a morte prevalecera. A doença de que aquele
homem sofrera durante meses, enfraquecera, afinal, seu corpo físico, e
de tal maneira que se tornou impossível para a matéria etérica permane-
cer dentro dele. Disse-me, ainda, que tinha estado a prestar a uxílio a
esse homem para que se libertasse do veículo etérico, que tentava man-
ter com ele, já que era a coisa que agora mais se aproximava da vida
física - a única vida que ele compreendia. Conseguir que ele fizesse o
esforço de vontade necessário para desprender o duplo etérico do corpo
astral, no qual se enroscara, levara mais tempo do que de costume. -
Ele está bem, agora - disse meu amigo - e deixei-o com alguns aju-
dantes astrais, que provavelmente desejarão permanecer com ele, até
que, através de experiência prática, o homem aprenda algo sobre a Lei.
Perguntei-lhe o que íamos fazer, dessa vez, e a resposta foi que seria
desejável que eu primeiro tentasse passar de uma esfera mais baixa para
as mais altas. Deu-se a grandes trabalhos para explicar-me que, embora
as qualificassem como esferas mais altas, elas não ficavam, realmente,
umas acima das outras, mas em torno de nós, sendo apenas diferentes
_,,- as condições de densidade.
Sugeriu que iniciássemos nossa expedição de Londres; por isso,
pusemo-nos a caminho, como tínhamos feito da outra vez, e logo descí-
amos para o que era terra, evidentemente. Quase que de imediato reco-
n heci que a imensa cidade que estava abaixo de nós era Londres. Os
objetos pelos quais passávamos, em n osso caminho, não eram de forma
alguma claros, e eu apenas podia distinguir a terra do mar - era como
se estivesse vendo um quadro movimentado da paisagem, projetado so-
bre uma tela com muitíssima rapidez. Não havia qualquer esforço em
nosso movimento e , embora tivéssemos gasto o que parecia ser menos
de um minuto, não chegamos de forma alguma ofegantes.
Como acontecera antes, pousamos em terra diante do Hyde Park.
Disse-me o meu amigo que aquele era o melhor lugar para descer, por-
que, embora fôssemos para Picadilly Circus, a descida ali poderia facil-
mente assustar-me, devido ao tremendo tráfego e à possibilidade de pensar

96
- o que seria bastante errado - que talvez viesse a ser atropelado. Se
eu assim me assustasse, meu medo seria transmitido ao meu corpo físi-
co, em Colom bo, e ele imediatamente se esforçaria por atrair de volta o
seu dono . Tendo o medo causado minha precipitada volta, em meu cor-
po astral, à minha forma natural de consciência, eu deveria, conseqüen-
temente, acordar com o coração aos saltos, recordando o que descreve-
ria como um abominável pesadelo - o que talvez nada tivesse de ver
com o que realmente se passara - com a ilusão de que eu havia sido
atropelado. E o medo causado por esse acontecimento imaginário resul-
taria num desordenado batimento do coração, modo pelo qual o medo
geralmente reage no corpo físico. Quando tocamos a terra, vi o ambien-
te familiar que tantas vezes contemplara em dias passados. A tarde mos-
trava-se ensolarada, e havia muitas pessoas andando por ali . Crianças,
com suas mães e pagens, brincavam, como de costume, e não distante
eu podia ver a constante corrente do tráfego, carros, táxis, ônibus, que
passavam, descendo Park Lane em direção de Picadilly e de H yde
Pa rk Com er .
Sugeri que caminhássemos pela Oxford Street e, embora as calça-
das estivessem repletas de compradores retardatários, em seu caminho
para casa, e os empregados das lojas, naquele momento, estivessem
deixando seus empregos, de forma alguma fomos molestados. Como
a ntes, senti o estranho contato fluíd ico, perceptível a cada vez que eu
me via forçado a passar a través de um corpo físico, e pareceu-me muito
d ifícil não pedir desculpas. Meu amigo, que não gostava de aglomera-
ções, flutuava uns dois metros acima da cabeça dos passantes. Logo fiz o
mesmo e fomos pousar outra vez em Picad illy C irc us. - "Talvez o
senhor goste de ver o local de sua última viagem a Londres, e obseivar
se reconhece algumas das pessoas no salão do Trocadero? - indagou
ele. Concordei e para lá caminhamos. Exatamente àquela hora, o vestí-
bulo estava se enchendo das pessoas que vinham esperar os amigos,
com garçons a ndando de cá para lá, recebendo e atendendo pedidos.
Não vi ali ninguém que eu conhecesse, e nem sinal de Charles ou de Roy
Chapman. Fiquei a pensar se este último não se teria cansado da perpé-
tua ronda de refeições e bebidas, pelas quais não tinha de pagar, mas
não fiz perguntas. Meu amigo fez-me um sinal, chamando-me, e eu
compreendi que ele desejava subir as escadas. Tratei de segui-lo sem
perguntas, e depressa estávamos num corredor onde havia muitas por-

97
tas de saída. Entramos em um daqueles aposentos, que se revelou um
quarto de dormir, desocupado. Como é natural, tínhamos passado atra·
vés da porta, o que dispensava o uso da chave.
- Agora - disse ele - é melhor fazermos nosso caminho. Vim
para este quarto a fim de que pudéssemos estar tranqüilos, pois desejo
que compreenda que é muito simples a passagem de uma esfera mais
baixa para outra menos densa, exigindo, apenas, um esforço da vontade
para que se torne imediatamente realizada. Quero que segure minha
mão e deseje apenas fazer o que eu fizer. Não vai sentir nada, mas
perceberá que a cena, a seu redor, vai-se transformando gradualmente.
As paredes, que parecem fechar-nos neste quarto, serão como que der-
retidas; o mobiliário que nos rodeia, lentamente, irá se tornando vago e
enevoado e, durante todo o tempo, o senhor deverá deixar-se levar, de
forma que minha vontade possa dominar a sua. Aconteça o que aconte-
cer, não fique nervoso p orque, se entrar em pânico, acordará imediata-
mente em Colombo. Está pronto, agora?- Respondi afirmativamente,
e não senti medo algum, apenas interesse. Segurei com firmeza a mão
de meu amigo, e tentei, ao máximo, permitir que sua vontade me con-
trolasse. E quase que imediatamente as paredes do quarto tornaram-se
enevoadas e indistintas. O mesmo aconteceu com o mobiliário e, em
menos tempo do que me é necessário para escrevê-lo, estávamos de pé,
ao ar livre, num pequeno campo e, a distância, havia o que parecia ser
uma típica aldeia inglesa. - Ouça agora - disse ele - e ouvirá muito
claramente um ribombo distante . É o ruído da cidade de Londres, e
pode ser ouvido apenas porque estamos somente a um subplano ou
esfera afastados do que é a réplica real e astral da cidade física de Lo~-
dres que o senhor conhece tão bem. Esta é a segunda esfera do mundo
astral e já pode ver que é muito menos material do que a parte mais
densa daquele mundo - a parte para a qual vamos imediatamente de-
pois da mo1te. Viajemos um pouco, e verá o que quero dizer.
Pusemo-nos a can:iinho, de novo flutuando suavement~ um metro,
mais ou menos, acima do solo, até chegarmos à aldeia que tínhamos
visto a distância. Parecia-se muito com uma aldeia comum, pois havia
lojas, dois cinemas, um excelente hotel, que parecia grande demais para
o tamanho da povoação e, nos arredores, pelo menos três edifícios que
eram igrejas, obviamente. Em torno da povoação, estendendo-se para
longe e amplamente na distância, vi as casas mais bonitas. Algumas

98
eram pequenas, outras maiores, mas cada uma delas se mostrava rodeada
de coloridos jardins, nos quais flores de toda a espécie estavam em pro·
fusa florescência. Vi tanto homens como mulheres trabalhando nesses
jardins, mas era evidente que trabalhavam por prazer e não porque eram
forçados a trabalhar. Cães de diferentes raças brincavam pelos grama·
dos, e podíamos ouvir vozes infantis ao passar. A diferença entre aquelas
casas e as casas semelhantes do mundo estava na ausência de garagens.
E reparei que não se viam carros pelas ruas. Meu amigo explicou-me
que ali não havia necessidade de transporte, porque as pessoas podem ir
de um lugar para outro através de métodos muito mais fáceis, pois que
lhes basta expressar em pensamento o desejo de ir seja para onde for e,
imediatamente, flutuam suavemente do ponto em que estão para o des-
tino que desejam alcançar.
Perguntei por que havia lojas, quando o dinheiro não era necessá-
rio, e meu amigo disse-me que as pessoas que encontram sua felicidade
naquele nível gostam de levar uma vida tão próxima quanto possível
daquilo que sempre imaginaram como ideal, quando vivos. -Algumas
gastam dínheiro - disse meu guia -, dinheiro criado pela própria ima-
ginação, e compram alimentos, que preparam, e até comem - tudo na
imaginação - porque é o que desejam. - Mas, com certeza - indaguei
eu - é de todo desnecessário ter lojas, quando um pensamento seria
suficiente para produzir no próprio lar de cada um o que desejassem?-
Essas lojas - foi a resposta - têm sua origem nas mentes dos habitan-
tes, e não existe nenhuma delas no mundo, bem como não existe o
pessoal que nelas serve. Desde que os que aqui residem pensam numa
coísa, ela se torna um fato neste mundo de ilusão. Essas lojas são, todas,
invenções da imaginação, bem como as coisas ali vendidas; mas, en-
quanto as pessoas quiserem ter lojas junto de sí, elas as terão, pois que
as imaginam. - E continuou: - O mesmo se dá com as igrejas. As
pessoas gostam de continuar suas práticas religiosas, embora depois da
morte possam ter descoberto que muitas das afirmativas feitas por seus
padres e pastores não tinham sido inteiramente corretas. Os habitantes
permanentes constroem essas igrejas, ex-padres e ex-ministros da reli-
gião continuam em suas antigas vocações, atraindo seguidores para si,
tal como faziam na vida que terminou. Os cinemas também são muito
populares, mas, embora haja uma interminável variedade deles na pri-
meira esfera, o mesmo não acontece na segunda esfera. Aqui, os cine-

99
mas não são a reprodução astral dos mesmos lugares que estão no mun-
do, mas criações, pelo pensamento , dos habitantes permanentes. Há
sempre ex-produtores de filmes, ou produtores a madores, que criam
novos filmes em sua imaginação, e suas formas-pensamento são produ-
zidas na tela para todos verem. Esses espetáculos, sob vários aspectos,
são melhores do que os que vemos n o mundo, e os habitantes do astral
vêem na pri meira esfera, porque, sob condições astrais, os produtores
p odem dar estupendas asas à imaginação. Não há, aqui, o custo da
produção a considerar. Os teatros também são populares neste nível. Os
que se interessam pelo teatro amador, bem como ex-atores e ex-atrizes,
produzem uma peça depois da outra, para benefício de amigos e conhe-
cidos, e podem fazer isso muito facilmente, pois não há dificuldades em
obter os costumes adequados, os cenários e orquestra, pois essas coisas
são criadas pela imaginação e nada custam.
Há, ainda, algumas pessoas que desejam morar em hotéis. Provavel-
mente, são pessoas que sempre acharam maravilhoso morar em um dos
grandes hotéis, dispendiosos demais para elas, quando estavam no mun-
do. Agora podem fazer isso. Por isso é que aque le hotel parece grande
demais em relação ao tamanho da aldeia. Esse hotel não poderia existir
n uma aldeia comum do mundo, mas aqui não há necessidade de lucros.
As pessoas moram no hotel e têm todo o serviço e a atenção que dese-
jam, apenas na imaginação. Assim são felizes - por algum tempo. -
Mas: isso deve cansar, depois de certo prazo , não é verdade? - inda-
guei.
Sim, cansa - disse ele - , e então as pessoas procuram algo mais
satisfatório na vida, tal como o senhor verá, porque quando aquele seu
desejo particular já não existe elas podem mudar para outra coisa, e
obter o que desejarem. Muitas pessoas são perfeitamente felizes nessa
existência bucólica, em particular aquelas que tiveram vida bastante dura
na existência terrena. Essas pessoas, com freqüência, passam noventa
por cento da existência astral sob essas condições, com amigos, a nimais
de estimação , belas casas e jardins que as satisfazem, e só se transferem
para o mundo me ntal quando são ma is ou menos forçadas a isso pelos
anseios de se us egos, que desejam progredir, adiantando-se pelo Cami-
nho da Evolução.
Meu guia disse-me então que lhe desse novamente a mão e o secun-
dasse no desejo de passa r daquela segunda esfera para a terceira, e eu

100
fiz o que ele pedia. Imediatamente, a cena que nos rodeava começou a
obscurecer-se, e aos poucos foi dando lugar a um ambiente novo. Nossa
vizinhança era agora bastante diferente, porque estávamos de pé, ao ar
livre, rodeados pelo que parecia ser dezenas de pequenos bosques ou
capões. Se puderem imaginar um parque gigantesco, com árvores por
toda a parte, isso irá ajudar a visualização da paisagem. Não há nada
igual àquilo em nosso mundo, mas eu penso que, visto de cima, ter-se-ia
a impressão de se estar sobre uma gigantesca floresta de Sherwood. Em
muitos casos os espaços abertos tinham vários acres de extensão, vari-
ando de uma clareira com talvez uns 4 .000 metros, para espaços aber-
tos cobrindo o que se estimaria um campo de cinqüenta acres. Todas
aquelas clareiras eram muito pitorescas, pois por toda parte havia arbus-
tos floridos, e viam-se narcisas e miosótis florescendo em profusão pela
relva verde. De início, não vimos casas; porém, mais tarde, vi casas
isoladas e muito grandes, parecendo-se também às imensas mansões ou
casas senhoriais encontradas na Inglaterra, e que nos velhos dias eram
habitadas pelos aristocratas ou senhores rurais da região em que se er-
guiam.
Deslizamos por ali e vi que muitos daqueles grupos de espaços aber-
tos eram congregados. Aproximamo-nos de um desses grupos e vimos
que havia ali talvez umas cem pessoas observando um artista que estava
pintando sobre urna tela que media cerca de dezesseis metros por nove .
Aquelas pessoas, era evidente, estavam fascinadas pelo que observa-
vam, pois nenhuma delas tomou conhecimento da nossa presença quando
nos reunimos ao grupo. O artista não estava usando pincéis, mas tinha
na mão uma longa vara, semelhante a uma vara de pescar e, conforme
apontava com ela para as diferentes partes da tela, surgia uma pintura ,
primeiro em tosco esboço, depois em pormenor. À proporção que pin-
tava, o artista falava, de vez em quando, explicando o que estava a criar.
Tornava muito clara a impressão que, desejava, os outros , os que esta-
vam observando, deveriam ter. Em determinada ocasião, a.pagou parte
da pintura - não posso usar outra palavra para o fato, pois ele apontou
a vara e parte da pintura desapareceu - e explicou que sua forma-
pensamento anterior não fora suficientemente pormenorizada para pro-
duzir o efeito que desejara. Pareceu concentrar-se novamente, a vara
moveu-se para cima, para baixo e em diagonal. Novo pormenor que se
mesclou com o resto da pintura tomou forma imediatamente, e a segun -

101
da tentativa reforçou, de pronto, o trecho que e le fizera um minuto an-
tes, mais ou menos. Eu não podia entender muito do que o pintor estava
falando, pois a explicação revestia-se de expressões técnicas, compre-
ensíveis apenas para seus irmãos de arte. Meu guia disse-me que um
artista pinta porque o desejo que o levara a fazer tal coisa no mundo
continua depois da morte. Naquele nível, não precisa de tintas nem de
p incéis, já que tem capacidade para se expressar em cores apenas pela
projeção do pensamento. A fluídica matéria astral responde à forma-
pensamento, e a pintura aparece, como que através de magia, à propor-
ção que o pensamento se desenvolve . Embora a tela fosse enorme, em
comparação com as que temos em nossas galerias do mundo, de forma
alguma era embaraçoso criar um quadro daquele tamanho no mundo
astral, quando, apenas pela concentração num ponto particular na tela,
a pintura que estava na mente do artista ganhava vida. Não posso des-
crever as gloriosas cores com as quais esse quadro era composto, por-
que não temos palavras para descrever as muitas nuanças usadas. Se eu
mencionar que vi pelo menos trinta diferentes tonalidades de uma cor, e
que, se fosse descrever qualquer delas teria de usar a palavra "verme-
lho", compreenderão como é impossível dizer alguma coisa que não seja
senão uma descrição muito incompleta do que vi de modo bastante cla-
ro. Meu guia explicou-me que muitos dos grandes artistas do passado,
que ainda estão no nível astral, vivem naquela esfera e passam a vida
criando, sob a forma de pintura, as idéias que têm em mente. Ao mes-
mo tempo, esses artistas ensinavam a quem quer que gostasse de ouvi-
los e observá-los os métodos adotados na produção dos quadros. Disse-
me, ainda , que um daqueles imensos quadros era feito em poucas horas,
e que, amiúde, o artista, tendo terminado um deles, iniciava imediata-
mente a criação de outro. - Mas o primeiro desbota, assim que o artista
desvia dele a sua atenção? - indaguei. - Não - respondeu meu amigo
- , o quadro permanece tal como o vê agora, enquanto alguém olhar
para ele. Desde que um quadro é criado na matéria astral, permanece
estático para qualquer pessoa vê-lo, enquanto um só pensamento se
concentrar ali. Quando todos os pensamentos lhe forem re tirados, ele
se desintegra aos poucos na vasta atmosfera astral, e fica perdido para
sempre, ou até que um novo pensamento venha a recriá-lo como nova
p intura.
Fiquei a observar até ver o quadro terminado, fascinado pelo talento

102
do criador e pelos resultados obtidos por ele. Quando o artista se afas·
tou, e estava conversando com alguns dos presentes que tinham estado
sentados a seu redor, observando-o, vi que vários daqueles observ.ado·
res, estudantes de arte, era óbvio, começaram a criar algo semelhante
por si mesmos, tomando o quadro-mestre (se assim posso chamá-lo)
como modelo. Fiquei ainda a observar, e imediatamente vi a tremenda
diferença entre seus esforços e os do grande pintor. Meu amigo expli-
cou-me que a razão de tão grande diferença era a falta de conhecimento
do estudante, comparada com o conhecimento do mestre. Os estudan·
tes não tinham capacidade para expressar, em pensamento claro, o que
d esejavam que aparêcesse na tela, e os resultados eram, então, ama·
dorísticos, decididamente. Ficou evidenciado que a tela só mostraria o
que eles pudessem expressar em pensamento, e eu vi, claramente, por
que aquilo se passava assim. Mesmo nas galerias de arte do nosso mun·
do, se contemplamos um quadro, acontece, muitas vezes, podermos
sentir o que o artista empenhou-se em expressar. Tai sensação é mil
vezes reforçada no nível astral e, olhando para a grande pintura, eu
sabia, sem qualquer sombra de dúvida, o que o artista quisera expressar
em cor e forma.
Saímos dali e vimos muitos grupos de pessoas ao redor de indivíduos
que faziam trabalho semelhante, mas como a região era ligeiramente
ondulada, seria praticamente impossível ver dois deles ao mesmo tem-
po. Em um dos vales, corria um arroio de águas lentas, e, sentadas em
sua margem, havia um grupo de pessoas que pareciam nada fazer. Ao
nos aproximarmos, entretanto, percebi que aquele grupo não estava
observando um artista criador, mas produzindo sons que se assemelha-
vam a uma bela sinfonia, tocada por uma das orquestras famosas do
nosso mundo. Nada ouvi enquanto não me aproximei do grupo, e só
então senti que o ar estava repleto da mais bela música que jamais tinha
ouvido. No centro do grupo havia um homem cujo rosto me pareceu
familiar, embora eu soubesse que jamais o conhecera na vida real. Per-
guntei ao meu guia quem era ele, e o hindu murmurou: - É o célebre
Johann Strauss. - Naquele momen to ele estava demonstrando como o
som da água que corria podia ser expresso em música. Lembrei-me de
que aquele Strauss havia composto o "Danúbio Azul", e aquela música
parecia ter muito da cadência existente na tão divulgada mas bonita
valsa. Eu diria que era até mais bonita .

103
Enquanto ali estava, fascinado, eu vi, na margem oposta do arroio,
o que me pareciam figuras etéreas, que, de certa forma, eram parte do
poema sinfônico que eu ouvia. Meu amigo disse que olhasse para aque-
las novas figuras: - São membros da evolução paralela da qual lhe falei,
o reino deva - disse ele. - Mas o que estão fazendo? - perguntei . -
E por que parecem diferentes do grupo que está do nosso lado do ar-
roio? - Explicou-me ele, então, que pareciam diferentes por serem
realmente díferentes. Eram mais etéreos porque, sendo parte de uma
evolução diferente, seus corpos são d iferentes e, embora feitos de maté-
ria astral, são, ao mesmo tempo, menos concretos do que nossos cor-
pos astrais. Disse-me o amigo que aqueles que ali estavam eram alguns
musicistas devas, seres que vivem e se expressam através do som, e que
estavam ajudando o compositor que víamos sentado do nosso lado do
arroio a expressar-se tal como desejava. Exatamente como ajudavam
não sei dizer, porque nunca falavam, mas pareciam concentrar-se no
criador da música e, através de seus pensamentos, capacitá-lo a expres-
sar, cada vez mais detalhadamente, aquilo que se esforçava para criar
em sons. Havia volume no som, e cada nota era ouvida claramente, mas
percebi que, quando nos afastamos a uma distância de talvez cinqüenta
metros, nada mais ouvimos.
É difícil descrever esses membros do reino deva em palavras inteligí-
veis. Suas formas são belas mas, quando se movem, parece que se eva-
poram. Quando ficam novamente imóveis, voltam a tomar forma defini-
da. Penso que a melhor maneira de descrevê-los seria dizer que seus
corpos pareciam feitos de névoa, que só se reunia de forma concreta
quando os indivíduos permaneciam mais ou menos imóveis. Passamos
para a margem oposta, mas, ao nos aproximarmos, aquelas criaturas
pareceram resvalar para longe, tal como animais tímidos. Não nos temi-
am, mas não nos convidavam a qualquer contato, e senti que, se nos
aproximássemos delas com a intenção de com elas nos comunicar (e
como isso seria possível eu então não tinha idéia), as criaturas se desva-
neceriam no ar. Meu amigo hindu disse que essa impressão era, de certa
forma, razoavelmente exata.
Com meu guia fazendo-me sinal para que o seguisse, saímos dali .
Depressa vi que ele se dirigia para uma das grandes casas que me tinham
parecido imensos solares . Ao nos aproximarmos mais, vi que a arquite-
tura era realmente muito bela, com profundas janelas francesas abrindo

104
para o campo circundante . Amplos gramados estendiam-se aos poucos
em declive, para além da casa, que se situava no alto de uma elevação.
Flores e arbustos floridos desabrochavam por toda a parte, e a distância,
talvez uns quinze quilômetros além, o mar poderia ser vislumbrado, se se
obseivasse com atenção. O lugar era delicioso, e eu fiquei a pensar em
quem viveria ali, e com que propósito . Pousamos no solo, sobre o terra-
ço, e entramos pelas amplas portas que levavam a um espaçoso vestíbu-
lo mobiliado como eu esperava que estivesse, mas com uma notável
diferença: naquele vestíbulo havia, realmente, pequenas árvores e plan-
tas, principalmente roseiras, desabrochando no interior da casa com as
raízes enterradas através do piso. Não havia artifício naquilo. Na verda-
de sentia-se que se estava num jardim interior, e o resultado era realmen-
te muito agradável a nossos olhos.
Não parecia haver ninguém ali, nem se ouvia o ruído de possíveis
ocupantes, mas meu guia imediatamente levou-me para uma das portas
do vestíbulo e, ao abri-la, um som de música veio ter a meus ouvidos.
Havia apenas uma pessoa no aposento. Ela estava tocando num grande
piano, de forma a revelar que não se tratava de pequeno expoente da
arte. Não tomou conhecimento de nós mas continuou tocando, e fica-
mos a ouvir, fascinados pelo domínio do musicista sobre seu instrumen·
to. Havia ali a lgumas poltronas convidativas, nas quais nos sentamos, e,
talvez durante um quarto de hora, o pianista continuou a tocar. Ouvindo,
pareceu-me reconhecer naquela música uma semelhança com os Prelú-
dios de Chopin e, num murmúrio, perguntei ao meu amigo quem era o
musicista. - Não o reconhece?- perguntou ele. - É o famoso Chopin,
que ainda expressa sua grande alma por meio do som, exatamente da
mesma maneira que fazia quando estava vivo. Repare, entretanto, que
aqui ele não parece frágil. Entretanto, quando estava no mundo, sofreu
muito, e durante grande parte de sua existência não foi um homem
saudável. Agora tudo isso mudou: aqui a fadiga não o pode perturbar, e
produz cada vez mais urna bela música que, de vez em quando, ele per-
mite que outros musicistas ouçam. Neste nível realizam-se concertos
durante todo o tempo, assim não há qualquer dificuldade para ir a esses
espetáculos, se a pessoa estiver realmente interessada e for capaz de
apreciar o encanto da natureza daquilo que o musicista se empenha em
éxpressar em som. - Olhei para o pianista mais atentamente, e verifi-
quei que não podia achar qualquer semelhança com a figura do grande

105
musicista, cujos retratos tinha visto, mas a minha lembrança de tais re·
tratos era vaga, e talvez não os tivesse estudado muito cuidadosamente.
Depois de algum tempo, ele parou de tocar e voltou-se para nós, sem se
perturbar ou contrariar com a nossa presença . Supôs que fôssemos
amantes da música, e explicou-nos o que tinha tentado expressar. Em-
bora ele usasse alguns te rmos técnicos, fiquei fascinado pelo que ouvi.
Chopin e nfatizou que, em sua opinião, cada som era a descrição de uma
cor ou de um movimento. Seqüências e fusões de acordes eram pinturas
sonóras de belos jardins, e quando as cadenzas aparecem, deveríamos
"sentir", imediatamente, a presença de um arroio de águas lentas, talvez
entre dois jardins lindamente planejados, e tentar ver o quadro que o
musicista se empenhava em expressar. Eu, que me considero musical,
compreendi imediatamente quão pouco sabia da verdadeira arte, e re·
solvi que, depois de minha morte, eu haveria de ser uma daqu elas pesso-
as que tinham se dedicado ao estudo da música em grande estilo . É uma
pena que, no mundo, esses mestres da música, na maioria dos casos,
estejam inteiramente fora do alcance e da oportunidade do homem médio
que precisa ganhar a vida.
Saímos como tínhamos entrado, sem qualquer despedida oficial e,
quando nos afastávamos, Chopin voltou-se para o piano e recomeçou a
tocar. Ao fecharmos a porta, estávamos novamente no vestíbulo, e ne·
nhum som atravessava a porta. Havia apenas o canto dos pássaros,
m uitos dos quais de diversas cores, que adejavam por ali, não só nos
jardins, mas dentro da própria casa. Meu amigo disse-me que a enorme
casa era uma das grandes escolas de arte existentes naquele nível do
mundo astral, e que centenas dos habitantes permanentes de tal mundo
passavam a maior parte do tempo aprendendo a lguma coisa da arte na
qual estivessem particularmente inte ressados. Disse-me que o ensino
estava sempre disponível, porque todos os grandes mestres estão dis-
postos a ensinar os que estão ansiosos por aprender, e que a oportuni-
dade existe a todo o tempo, já que não há noite, nem dia, nem fadiga a
entrar nos cálculos das pessoas.
- Mas, com certeza - indaguei - , as pessoas não estão estudan·
do e p raticando dia e noite, semana após semana, mês após mês, ano
após ano, dessa maneira, estão? - Sim, é o que fazem e, como eu lhe
disse, não se cansam nem as coisas pesam quando estão interessadas e
fascinadas pelo que fazem . Se analisar suas reações no plano físico, verá

106
que o tempo nunca se arrasta quando o senhor está fazendo o que
deseja faze r. Habitualmente, surge a fadiga, e o senhor tem de parar,
embora esteja se deliciando com o que está fazendo. Mas aqui isso não
acontece, já que ninguém se cansa, e não há o te mpo, tal como enten-
demos essa palavra . Não é preciso ir para casa a fim de jantar, não
existem esposas à espera, o senhor não tem deveres ou responsabilida-
de de espécie alguma. Essas limitações não existem no nível astral, de
fo rma que um homem ou uma mulher continuam com o trabalho ou o
lazer que desejem, sem qualquer preocupação quanto ao período de
te mpo que devem gastar nessa forma particular de estudo ou de prazer.
- Meu guia disse-me, então, que tinha um pequeno trabalho a realizar
e, delicadamente, pediu-me licença para me deixar durante certo tem-
po . - Vá para onde quiser - disse ele - , ninguém interfe rirá com o
senhor e sugiro que ande aí pelas dife rentes salas, pois posso assegurar-
lhe que não terá qualquer recepção hostil. Este edifício é muito seme-
lhante aos que existem aqui, e valerá a pena ver mais sobre o que se faz
em tais lugares. Voltarei, quando tiver terminado meu trabalho pa rticu-
lar, e penso que não sentirá tédio enquanto eu estiver afastado.
Pelo lado de fora, eu vira que a casa tinha pelo menos três andares.
Resolvi, portanto, explorar o local, como me fora sugerido . Para come-
çar, fui ter aos aposentos mais baixos. Em um deles encontrei um escul-
tor com seus alunos, exp licando como determinada curva p oderia ser
obtida. Fiquei ali por um momento, ouvindo o que ele dizia, e alguns de
seus discípulos, sem nada falar, sorriam para mim, enquanto eu ouvia, e
e ra evidente que não faziam qua lquer objeção à minha presença. Em
outro aposento, um quarteto tocava . Ainda em outro, um violinista re-
petia e tornava a repetir determinada passagem, com uma partitura
diante de si. Aquilo se parecia muito com uma academia, tal como eu as
vira no mundo, mas com a grande d iferença de não haver ali confusão
nem pressa, e estare m re presentadas todas as formas de arte. Também
ficava bem claro que as pessoas ali presentes, e mbora estuda ndo com
muita seriedade, eram evidentemente felizes, e de forma alguma tensas,
tal como eu vira os estudantes se mostrarem, da última vez em que os
observei na Real Academia de Música da Inglate rra.
Mais tarde subi as escadas e tive uma agradável surpresa. Ao abrir a
porta (e notei, com interesse, que ali abríamos de fato as portas e não
passávamos através delas, como se fazia com as portas do mundo físico)

107
e entrar num daqueles aposentos, vi uma jovem sentada num sofá, junto
de um grande piano. Tinha um trecho de música na mão e estudava-o.
Quando entrei, ela ergueu os olhos e eu imediatamente a reconheci,
pois era Oaphne Hillier, que eu vira pela última vez na Inglaterra, em
1935, quando a encontrei num clube de golfe. Meu adversário naquele
dia conhecia-a intimamente; feitas as apresentações, começamos a con-
versar. Eu a vi muitas vezes durante minha licença, e chegamos a nos
conhecer muitíssimo bem. Várias vezes pensei em pedir-lhe que se ca-
sasse comigo, pois pensava que a amava, mas, fesse como fosse, não fiz
tal coisa. Uma das razões para isso era a falta de dinheiro suficiente para
me casar. Também desejava alcançar o ponto mais alto da minha profis-
são antes de aceitar a responsabilidade de uma esposa. Voltei para o
Ceilão, e durante dois anos nós nos correspondemos regularmente.
Depois, tudo terminou, pois Daphne teve uma pneumonia e, para meu
grande desgosto, a mãe dela me escreveu para comunicar sua morte.
Escrevi uma carta de condolências e, pouco a pouco, fui perdendo con-
tato com a família. E agora ali estava Daphne, diante de mim, parecen-
do muitíssimo viva e com o mesmo aspecto de quando eu a vira pela
última vez, porém com expressão mais feliz. Na realidade, todo o seu
rosto irradiava alegria e contentamento, e alguma daquela alegria, pen-
sei com certa vaidade, vinha do fato de me ter visto.
- Daphne, minha querida, é realmente você?
- Sim, sou eu - disse ela. - Mas o que é que uocê está fazendo
aqui? Não deixou ainda o velho mundo, eu sei. Portanto, o que o trouxe
aqui'?
Tentei explicar-lhe algo do que acontecera e por que eu ali estava.
Oaphne disse que se surpreendera ao ver-me porque, embora a maioria
das pessoas evoluídas andassem pelo plano astral durante o tempo em
que seus corpos estão adormecidos e recuperando-se para o dia seguin·
te, não é comum que pessoas vivas visitem a terceira esfera do mundo
astral. Na maioria dos casos, não sabem como chegar até lá, e poucas
são as que reconhecem a existência dos diferentes níveis. - Mas, queri·
do - disse ela - agora você está aqui e poderá voltar. Assim podere-
mos nos ver muito para o futuro, e há muita coisa que eu lhe posso
mostrar. Embora, enquanto vivi, não tivesse sido pedida em casamento
por você, sei que você me amava, e eu também o amo.
Compreendi, então, que não me parecera absolutamente estranho

108
o fato de ela se ter dirigido a mim chamando-me de querido, pois com
muita freqüência nos tínhamos tratado assim, nos velhos tempos. Em-
bora muitos anos se houvessem passado, tudo voltou, num relance, e eu
tornei a sentir- a mesma a tração por ela. - Isso é maravilhoso - disse
eu - e não será por culpa minha, com certeza, que deixarei de vê-la
muitas vezes no futuro. Talvez você possa me ajudar nisso, pois não sei
se posso vir até aqui por meus próprios meios, embora, desta vez tendo
urn guia para ajudar, isso me parecesse tão fácil. Contei-lhe a respeito de
meus esforços nos dias passados, e como, a lém da minha primeira via-
gem astral, eu ainda não tinha conseguido realizar nada, apesar de ter
tentado fortemente. - Quero recordar, depois, o que fizermos e disser-
mos, mas não sei se o conseguirei.
Quando eu estava dizendo isso, meu amigo hindu entrou no aposen-
to. - Com que então vocês se encontraram - disse ele . - Pensei que
isso iria acontecer, se o deixasse a sós por bastante tempo. Foi bom que
encontrasse Oaphne, já que ela pode ser de grande auxílio para o se-
nhor e, através do amor- que mutuamente se dedicam, muitas coisas
parecem agora possíveis, quando antes davam a impressão de serem
muito difíceis . Uma das coisas é ter o senhor um contato definido neste
nível, no qual se pode concentrar, assim que saia de seu corpo, no mo-
mento em que adormecer. O fato de pensar em Daphne fará com que
ela saiba disso imediatamente, pois o pensamento é uma coisa podero-
sa, e o pensamento concentrado não é limitado pelos diferentes níveis
da matéria. Assim, Daphne - se ela permite que eu a trate por esse
nome -saberá, bastante claramente, quando seus pensamentos se con-
centram nela, da mesma maneira pela qual as pessoas sabem que o
senhor deseja falar com elas, quando as chama ao telefone. Não é fácil
para Daphne ir ao seu encontro, quando o senhor sai de seu corpo e
está na esfera mais baixa deste mundo, mas o seu contato pode-se rea-
lizar na passagem daquela primeira esfera para a terceira esfera, onde
estamos agora, exatamente pela mesma forma pela qual o fato de segu-
rar minha mão atuou como contato para o senhor no momento de
passar da esfera mais baixa para a segunda, e dessa para a terceira
esfera. Verá então que, exercitando a vontade, a lém de ter contato com
a lguém que tenha prática, a dificuldade desaparece.
O hindu continuou: - O senhor não sabe ainda muito sobre a lei do
carma, a lei que, em grande extensão, faz os seus contatos e lhe dá

109
oportunidades que são tão importantes para a sua evolução. Essa lei do
carma, ou lei de causa e efeito, conforme é habitualmente chamada nos
países cristãos, refere-se a cada palavra, pensamento ou ação sua no
nível físico. O simples fato de, naquele nível, o senhor ter tido afeição
por Daphne, afeição que ela retribuiu, embora não tenha terminado
naquela realização a que o mundo chama casamento, sign ifica que os
dois têm um vínculo mútuo, que mais cedo ou mais tarde deve ser traba-
lhado. Há muito o que dizer sobre o fato de se estar amando, pois quan-
do uma pessoa está amando, ou pensa estar, deseja dar e, por um curto
período, não procura obter nada em troca daquilo que dá. Expressando
o caso de maneira diferente: a pessoa transpira algo que, pode dizer-se,
é o que de mais alto pode oferecer. Essa oferta é uma causa que deve
produzir um efeito . Em outras palavras, a lei do carma deve funcionar
em sua forma natural. Um intercâmbio autêntico de amor realiza um
companheirismo ideal, para progredir seja no que for, pois cada qual
está desejoso e ansioso por ajudar o outro de todas as formas possíveis.
Assim, recebo com satisfação esse contato entre os dois, e não me im-
porto de confessar que tinha a esperança de que o conseguiriam. Eu não
podia trazer o senhor até aqui, deliberadamente, porque isso seria inter-
ferir com o trabalho natural da lei do carma que mencionei. Presume-se
q ue estava em seu destino encontrá-la de novo sob estas condições dife-
rentes, e agora depende de ambos obterem vantagens da força de cir-
cunstâncias que tornou este vínculo possível. Como é fascinante o traba-
lho de Deus, do Destino. Se Charles não tivesse sido morto, o senhor
não se sentiria tão infeliz e eu não teria sido designado para ir ajudá-lo .
Agora, através de seus esforços para compreender algo sobre o plano
evolutivo, o senhor teve permissão para reencontrar uma pessoa que
considerava perdida para sempre - ou perdida pelo resto de sua vida
física.
"Não posso garantir que, na manhã seguinte a uma expedição astral
em que tenham estado juntos, o senhor poderá recordar sempre as suas
experiências. O desenvolvimento de uma perfeita memória, cobrindo o
que se faz quando se está fora do corpo físico, ~equer muita prática e,
por enquanto, o senhor é um discípulo muito jovem. Eu o ajudarei a se
lembrar do que vir esta noite e, quando escrever seu registro das ocor-
rências noturnas, compreenderá como é importante levar de volta, para
suas células cerebrais fís icas, o resultado de sua perambulação. Fará,

110
provavelmente, um grande esforço, no futuro; esse esforço, aos poucos,
irá permitind o que tenha a tão essencial continuidade de consciência. O
simples fato de ter encontrado alguém no mundo astral, alguém de quem
gostava tanto no mundo físico, irá encorajá-lo a fazer esforços hercúleos
para dominar suas limitações. Oaphne também p ode auxiliar muito por-
que, tendo vivido neste nível há alguns anos, conh ece o poder do pensa-
mento . Ela sabe, támbém, o que pode e o que não pode ser feito no
nível astral. Se o senhor continuar com seus esforços para recordar o
que faz enquanto está fora de seu corpo físico, à noite, poderá ter urna
segunda existência , por assim dizer, uma vida que o senhor leva apenas
quando seu corpo físico está adormecido.
Daphne; então, entrou na conversa, voltando-se para o meu amigo.
- Mas, Acharya - disse ela-, tal como disse, se posso ajudar muito o
H enry agora, por que não pude estabelecer ligação com ele antes? Ten-
tei tão fortemente, depois que cheguei a este plano, mas logo em meus
p rimeiros dias, quando estava vivendo na primeira esfera deste mundo,
não me pareceu que pudesse impressioná-lo de qualquer maneira. -
Antes que meu amigo pudesse responder, eu interrompi: - Escutem
uma coisa, vocês dois: vocês se conh ecem? Você chamou meu amigo de
Acharya e ele nunca me disse seu nome, embora tenhamos estado mui-
to juntos, nestes últimos dias. O senhor se chama Acharya?
- Sim e não - resp ondeu meu amigo hindu. - Esse nome é, com
certeza, parte do meu nome, e habitualmente chamam-me assim aque-
les que têm contato comigo neste nível. É bastante bom para o nosso
propósito; portanto o senhor também pode me chamar assim, se quiser,
mas depressa compreenderá que os nomes pelos quais as pessoas são
conhecidas no mundo, pelo menos o sobrenome, não são, afinal, tão
importantes. Você, Daphne, não podia entrar em contato com Henry
- percebe, Henry, que. é a primeira vez que menciono seu nome? -
p orque e le ainda não estava acordado, no sentido espiritual ou oculto e,
conseqüentemente, não se recordava de nada que fizera quando fora de
seu corpo, a não ser através de vagos sonhos, que se mostravam extre-
mamente enevoados e incompletos. Assim, qua ndo deixava seu corpo,
ele não tinha um plano concentrado, em pensamento, do que desejava
fazer. Você falava com e le, eu sei, mas, como diz, Henry não parecia tão
interessado como quando conversavam no mundo físico . Quando espe-
rava que ele se lembrasse do que tinham falado algumas noites antes, eis

11 1
que seu ouvinte parecia vago e monótono. Isso era devido ao fato de ele
não estar acordado. Foi preciso uma grande tragédia, tal como a morte
de seu bem-amado irmão Charles, para levá-Jo a clamar por luz, pelo
conhecimento oculto, Foi preciso que houvesse uma crise, porque, atra-
vés dela, surgiu o anseio de conhecimento - e o que um homem real-
mente deseja ele pode ter, contanto que esteja disposto e ansioso pelo
trabalho. "Bate, e te sera aberto", "Busca, e acharás", disse o grande
Mestre, o Cristo, e essas palavras são literalmente verdadeiras. Agora,
porém, precisamos seguir, pois tenho mais coisas para lhe mostrar, an-
tes que chegue a hora de retornar a seu corpo. Talvez você queira vir
conosco, Daphne?
- Quero, sim - disse Daphne -, porque sei que com o seu co-
nhecimento e auxílio posso ir a lugares que ainda não me é possível
visitar com o meu limitado conhecimento.
-Primeiro, olhe para o seu relógio -disse-me Acharya - e veja
quanto tempo se passou desde que deixou seu corpo.
Olhei, e vi que o mostrador do meu relógio se mostrava estranha-
mente enevoado. Tentei imaginar que horas seriam, e cada hora em que
pensava os ponteiros do meu relógio mudavam de posição para sincro-
nizar com o meu pensamento.
- Receio não saber - disse eu-, porque meu relógio parece
mudar a hora a cada pensamento meu.
- Isso é bem verdade - falou Acharya - porque o senhor está
olhando, não para um relógio astral, mas para o relógio que imaginou
estar em seu pulso. Está habituado a usar relógio; assim, automatica-
mente, levanta o pulso a cada vez que deseja saber as horas. O simples
fato de que espera encontrar um relógio em seu pulso faz com que o
relógio apareça pois este é o mundo da ilusão e aquilo em que se pensar
num momento existe naquele momento. Espere aqui, e eu vou certifi-
car-me quanto às horas, naquilo em que elas nos interessam, já que
apenas nos interessa o tempo existente no lugar onde seu corpo está
deitado. Saberei quando deve retornar a seu corpo. A hora marcada em
outras partes do mundo não interessa neste caso.
QL1ando terminou de falar, Acharya pareceu desvanecer-se no ar. Eu
mal me havia recuperado de minha surpresa, e ele jã estava de volta, de
p é, a meu lado. E contin1,.1ou:
- Voltei a seú corpo, adormecido em Colombo, e o relógio de seu
pulso marcava 11 horas e 30 minutos.

112
- Com certeza meu relógio parou - disse eu-, porque parece
que estamos no plano astral há horas, e não apenas há uma hora e
meia. Acharya continuou:
- Depressa compreenderá que o tempo parece diferente no nível
astral, em relação àquele a que está habituado no nível físico . É bem
verdade que só se passou uma hora e trinta minutos, desde que emergiu
do seu corpo físico e iniciamos nossa viagem, e o senhor compreenderá
ainda melhor o que digo, amanhã, quando anotar suas experiências e
perceber o que fez em apenas uma hora e meia de tempo do plano
físico. Deve ter tido, em sua vida física, a experiência de acordar às 6
horas da manhã, sabendo que não precisaria levantar-se antes que se
passasse mais uma hora, pelo menos.
"Voltou-se na cama, tornou a dormir, e teve um longo e complicado
sonho que, em tempo, pareceu ter durado um dia inteiro. Então acor-
dou e seu relógio lhe disse que só tinha estado adormecido durante vinte
minutos. O que eu lhe disse é um fato astral, que deve recordar, pois o
tempo não existe neste nível.
Deixamos, então, a sala de trabalho de Daphne, e estávamos de
novo no corredor. Flutuamos, descendo as escadas, para o vestíbulo
principal. Não parecia haver ninguém ali, embora passássemos por um
h omem que ia para a Academia cuidar de seus estudos, pois trazia um
estojo sob o braço, parecendo tratar-se do estojo de uma flauta . Sorriu,
ao passar por nós, mas nada falou.
Acharya disse que desejava levar-nos a ouvir uma sinfonia especial,
um concerto que o reino deva estava dando na profunda floresta, parte
remota do mundo astral, onde os humanos raramente penetravam.
Contou-nos que obtivera permissão para que eu e ele assistíssimos, e
que não tinha dúvida de que não seria feita objeção à presença de Daphne,
principalmente pelo fato de estar ela dedicando grande parte de sua
existência astral ao estudo da música. Explicou que aquele concerto se-
ria inteiramente diferente de tudo quanto tínhamos ouvido até então,
porque seu objetivo não era apenas o de produzir bela música. Havia o
propósito específico de criar um turbilhão de energia, que pudesse ser
utilizada para influenciar uma conferência particularmente importante
que estava tendo lugar, naquele momento, no mundo físico. Não disse
de que conferência se tratava, mas deu a entender que se tratava de algo
relacionado com a guerra, e que as decisões tomadas nessa conferência

113
teriam grande relação com o eventual resultado da mesma, e também
com a data em que o mundo cessaria de lutar e decidiria tentar resolver
as diferenças através de negociações, em lugar de recorrer a armas e
munições. Explicou que aquela energia podia ser criada em dois dias
através de profunda concentração e por meio do som. Aquela fusão de
acordes, que acontecia porque cada indivíduo participava do processo
de concentração profunda visando um propósito definido, criava um
turbilhão de energia que, quando transmitida ao local da reunião, por
meio do pensamento, influenciava realmente as pessoas que tomavam
parte na conferência. Ele deu, como exemplo, um grupo de pessoas que
estavam irritadas, algumas zangadas e todas mais ou menos exaustas.
Antes da abertura de uma reunião assim, o presidente da assembléia
tomou providência para que todos recebessem uma bebida e pudessem
fumar. Ao mesmo tempo, certificou-se de que cada qual estivesse aco-
modado em cadeira confortável, e que o aposento, caso estivesse fazen-
do frio, fosse aquecido a ponto de as pessoas se sentirem relaxadas. A
reunião teve início, o presidente talvez abrisse os trabalhos contando
uma boa história. Uma segunda rodada de bebidas foi servida, e então
cuidou-se dos pontos sérios da agenda. Qual seria o resultado? As pes-
soas presentes, que pouco antes sentiam-se irritadas e prontas a discor-
dar umas das outras, desenvolveram uma camaradagem que tornou pos-
sível uma discussão sensata e que facilitou o trabalho do presidente. Da
mesma maneira, mas em grau muito maior, a energia gerada pelo esfor-
ço que o reino deva devia fazer naquela noite poderia influenciar um
grupo de homens cujo grande prestigio chegaria a dominar o destino de
milhões de seres humanos. O que eles decidissem iria, realmente, influ-
enciar o futuro da humanidade, justificando tamanho trabalho .
Sem maiores preâmbulos, nos afastamos, então, dali, flutuando uns
cinco metros acima do solo e viajando a uma velocidade de cerca de
setenta e cinco quilômetros por hora. Aquela parte do mundo astral não
parecia ocupada por seres humanos. Não me recordo de ter passado
por qualquer indivíduo, ou grupos de indivíduos, durante nossa travessia
rápida. Reparei que a região era de inexcedível beleza, e que de vez em
quando passávamos por edifícios, de perto ou de longe, edifícios que
pareciam semelhantes ao da Academia, de onde havíamos saído pouco
antes. Havia profusão de flores por tcxia parte, e numerosas árvores
esmaltavam os campos. Aqui e ali eu via trechos densamente arborizados

114
da região, mas estávamos viajando depressa demais para que se pudesse
reparar em algo de significativo. Penso que foi Acharya que falou o
tempo todo e, tanto quanto me recordo, descreveu a região através da
qual estávamos passando. Minha mente, contudo, estava tão repleta das
maravilhas da minha viagem, e do que ainda estava por acontecer, que
não posso recordar nada de interessante para registrar.
Depois de viajarmos durante o que me pareceram uns quinze minu-
tos, vi diante de nós o que dava a impressão de ser uma densa floresta,
e me lembro de que Acharya apontou para aquele ponto de referência,
quando dele nos aproximávamos, como o que marcava o fim de nossa
jornada. Contudo, não tocamos o solo à orla da floresta, mas flutuamos
alguns centímetros acima do topo das áivores, talvez durante uns cinco
ou seis quilômetros, e então - diminuindo nossa velocidade até algo
que se aproximava do passo comum - Acharya conduziu-nos através
de uma abertura entre as árvores, onde observei que havia a clareira
mais bela, aberta na forma tosca de um círculo, com um diâmetro talvez
de uns cinqüenta metros.
Ao descermos ao solo não notamos sinais de atividade, nem vimos
ninguém nem algo que se movesse no espaço aberto diante de nós.
Fomos conduzidos por Acharya a uma imensa árvore, cujas raízes nos
proporcionaram confortável assento, e meu amigo recomendou-nos que
nos sentássemos e que permanecêssemos calados. Talvez seja oportuno
que eu mencione a minha impressão sobre a luz desse espaço aberto ou
clareira. Estávamos densamente rodeados por átvores, tal como numa
selva indiana, árvores cujas copas pareciam espalhar-se, de forma que o
espaço acima era muitíssimo menor do que o do círculo à beira do qual
estávamos acomodados. Conforme falei, no plano astral a luz é cinza-
azulada, muito mais dara do que a rnaís perfeita luz do luar, mas sem o
efeito brilhante, direto, que dá a luz solar. Visualizem essa clareira perfei-
tamente iluminada por inteiro. Se um coelho corresse através do círculo
aberto ninguém poderia deixar de vê-lo, até que tivesse desaparecido na
espessura da selva. Tínhamos, portanto, visão perfeita de tudo quanto
aconteceu, e ao mesmo tempo estávamos rodeados por uma densa flo-
resta, na qual pouca ou nenhuma luz penetrava.
Depois de estar ali sentado por alguns minutos, reparei num grupo
de homenzinhos - pareciam anões - que emergiam da floresta na
ponta esquerda do lugar onde eu me encontrava, e que ali se sentaram,

115
de pernas cruzadas, em semicírculo. Tanto quanto me recordo, havia
cerca de dez deles, e cada um levava um instrumento que parecia um
cruzamento de tímpano com tambor. Vi que estavam vestidos com pe-
quenos trajos de cor marrom, e usavam minúsculos sapatos e barretes
íeitos de um material verde vivo, muito mais brilhante do que a folhagem
das árvores. Suas feições pareciam ser a de homens de meia-idade, vari-
a ndo entre os quarenta e os setenta a nos de idade, a julgar pelos pa-
drões da Terra. Os que viram o filme de Walt Disney, "Branca de Neve e
os Sete Anões", terão uma idéia muito boa da aparência daqueles ho-
menzinhos. Não falavam, nem produziam som algum.
Logo depo is, um grupo de pessoas muito mais altas emergiu da
floresta, tanto h omens como mulheres - uma raça inteiramente dife-
rente. Pareciam estar mais próximos do tipo humano, mas eram positi-
vamente etéreos em sua aparência. As mulheres desse grupo eram jo-
vens, cujas idades podiam variar entre os dezoito e os vinte anos. Ti-
nham todas longos cabelos soltos ou amarrados com uma fita azul ou
verde. Tanto homens como mulheres estavam em absoluto silêncio. Esse
grupo alcançava talvez umas trinta e cinco pessoas, e todas elas traziam
instrumentos, obviamente de caráter musical, porém diferentes dos vio-
linos, violoncelos, clarinetas e flautas que vemos numa orquestra do mundo
ocidental. Não se sentaram, mas arranjaram-se de forma que os que
traziam instrumentos iguais fie.assem mais ou menos juntos, e nquanto
todos formavam um grupo compacto, de pé, a cerca de uns vinte metros
do primeiro grupo de homenzinhos.
Não parecia haver o menor sopro de vento, contudo os ramos das
imensas árvores moviam-se muito levemente . Um silêncio espantoso
prevaleceu durante doís minutos, e então, de repen te, os homenzinhos
começaram a usar seus tambores. Quase simultaneamente, começaram
a cantar, em voz muito baixa, que se confundia com o fundo dos tambo-
res, sem roubar a beleza das notas que saíam das bocas dos homenzi-
nhos. Tratava-se, era evidente, de um canto espiritual, ou mantra, por-
que o próprio ar se saturava com o fluxo de força que, bastante
definidamente, eles estavam tentando criar. Depois de talvez seis versos
daquele canto, o segundo grupo, ou orquestra principal, começou a to-
car. É inteiramente impossível descrever a beleza da música tocada, a
fundir-se com perfeição no fundo constituído pelo delicado tamborilar.
O volume não era grande, mas fascinava, pela beleza e pela pureza. O

116
que estava sendo tocado era uma sinfonia, pois tinha movimentos sepa-
rados e distintos, com um tema p rincipal que era repetido de quando em
quando . Dois movimentos completos tinham sido tocados, e a orquestra
estava em meio de um terceiro movimento quando, de súbito, o que
parecia ser urna voz humana de espantosa beleza soou no ar. Parecia vir
de cima, e eu, imediatamente, levantei os olhos. De início nada pude
ver, e depois de algum tempo Acharya chamou minha atenção para
uma árvore distante , no lado oposto da clareira; bem no topo dela pude
ve r o que parecia ser uma jovem de grande beleza, sentada nos galhos,
com os cabelos flutuando, e fazendo o solo naquela belíssima sinfonia de
som . Era um puro soprano, voz sem grande volume, mas de uma pureza
tal que cada nota feria as cordas do meu coração, e eu tive vontade de
chorar.
Assim continuou por uns dez minutos: a orquestra tocava a lguns
co mpassos, a moça cantava, num solo desacom panhado; mais tarde,
passava ao método comum de ca ntar com acom panhamento de a rques·
tra, construindo aos poucos a energia pela qual a música estava sendo
tocada. Um quarto movimento, que parecia incorporar o espírito dos
três que o haviam p recedido, e inte iramente orquestral, encerrou o es·
petáculo. A sinfonia simplesmente se foi apagando e, subitamente, pu-
de mos sentir que o silêncio que fora tão notável havia retornado. Olhei
para o topo da árvore, onde a cantora estivera, e não a vi mais. Os
grupos que formavam a orquestra, assim como os homenzinhos, per-
maneciam em seus lugares, agora sentados no chão. Saindo da floresta ,
a pareceu um homem, muito velho, de barba caudalosa e vestido com
trajos de cerimônia. Caminhou lenta e calmame nte para o centro da
clareira e, erguendo as mãos em súplica para alguma forma de deidade,
começou o que parecia ser uma invocação, po rque os dois grupos de
musicistas inclinaram a cabeça e ouviram com atenção suas palavras.
Não e ntendi uma só pa lavra do que ele disse, contudo percebi que se
tratava de uma prece, um pedido para que o trabalho terminado naquele
momento tivesse êxito. Tratava-se, igualmente, de um esforço de vonta-
de, porque cada membro de ambos os grupos concentrava-se ao rnáxi·
mo para que o propósito pudesse ser alcançado. Tudo aqu ilo terminou
bastante depressa. Silenciosamente, o ancião desapareceu pela selva.
Então o grupo de musicistas levantou-se e, descendo pela clareira, saiu
do alcance de nossos olhos. Eu estava tão impressionado pelo que tinha

117
ouvido que não me queria mover, e foi mesmo um choque para mim
ouvir Acharya dizer: - Bem, por esta noite acabou. Estou muito interes-
sado em saber quantos pormenores o senhor recordará amanhã pela
manhã .
. Eu ainda me sentia aturdido, por assim dizer, quando me levantei.
Flutuando através da abertura entre as árvores, começamos nossa via-
gem de volta. Acharya deu-nos uma idéia do significado da cerimônia
que acabávamos de testemunhar, mas não tenho idéia muito clara do
que ele disse, porque trazia ainda um redemoinho na mente e só pensa-
va na maravilhosa influêncía espiritual, que parecia ter sido a parte mais
notável do concerto, de princípio ao fim. Recordo, contudo, que ele
descreveu os diferentes músicos. Disse que os homenzinhos eram espíri-
tos da natureza, e que a orquestra se compunha de membros do reino
deva, uma evolução paralela a nosso reino humano. Esses membros, em
seu esquema de evolução, tinham desenvolvimento igual ao de Daphne,
e ao meu próprio, no reino humano. A solista estava em categoria dife-
rente, porque era uma deva altamente evoluída e, para igualá-la nessa
evolução, só os indivíduos extraordinariamente avançados da nossa. O
ancião podia ser descrito como um sacerdote, porque dedicava-se às
funções sacerdotais daquela evolução e evoluía através delas, de manei-
ra muito similar ao que acontece no reino humano.
No devido tempo chegamos à Academia, e paramos no gramado
que ficava diante da entrada, porque Acharya disse que eu tinha neces-
sidade de reter com clareza o desenho daquele edifício em minha mente,
para ocasiões futuras. Perguntei a Daphne como poderia encontrá-la de
novo, dado que conseguisse chegar até aquele edifício por meus própri-
os esforços. Acharya, respondendo por ela, disse que, habitualmente,
eu podia estar certo de encontrar Oaphne no mesmo aposento que ela
ocupava quando da minha chegada, porque, não havendo aglomera-
ções no mundo astral, a maioria das pessoas podia manter um local de
trabalho particular. Contudo, sugeriu a Daphne que ela me mostrasse a
pequena casa de campo em que morava. Oaphne ficou encantada com
a sugestão e nos convidou a ir vê-la. Partiu à frente, flutuando sobre o
topo da Academia, quando, para minha surpresa, vi o que parecia uma
"Cidade Jardim" em miniatura, repousando num vale cerca de uns sete-
centos metros distante, aos fundos do imenso edifício. As casas, embora
pequenas, estavam espalhadas; assim, cada pequeno chalé tinha, pelo

118
menos, uns quatro mil metros quadrados de te rreno. Via-se bem que
cada ocupante havia planejado não só sua própria casa como seu jar-
dim, de acordo com o seu tipo particular de temperamento e gosto. O
resultado era inexcedivelmente belo. Havia casas que pareciam ter sido
transplantadas de um dos belos distritos rurais da Inglaterra; outras fazi-
am lembrar as pequenas a ldeias do sul da França ; outras eram puramen-
te italianas, e reparei que havia a li pelo menos dois edifícios que se
pareciam a templos orientais . Acharya percebeu que eu estava interes-
sado nos diferentes tipos de arquitetu ra, e mostrou-me duas casas com
zimbórios semelhantes aos dos templos maometanos que eu vira, e disse
que pertenciam a pessoas particularmente interessadas em ter um apo-
sento com perfeitas propriedades acústicas.
Embora eu pudesse ficar contemplando aquela maravilhosa paisa-
gem, percebi que Daphne estava ansiosa por nos mostrar seu lar, e
assim, com ela à frente, caminhamos por uma rústica passagem de tal-
vez uns duzentos metros. Ela nos foz atravessar um portão que dava
para o jardim , verdadeiro resplendor de cores. A casa poderia ser descri-
ta como uma casa de sonho, e seu desenho imediatamente me seduziu.
Diante do terraço havia um pequeno gramado, no meio do qual crescia
uma árvore de sombra. Havia várias cadeiras de vime arranjadas sob
seus galhos espalmados, e essas cadeiras pareciam muito confortáveis e
atraentes, com suas brilhantes almofadas de cretone. Senti, imediata-
mente, a vantagem de não haver o perigo da chuva ou dos ladrões, no
mundo astral, de forma que as coisas podiam ser deixadas ao ar livre por
um período indefinido.
Entramos na casa, e Daphne mostrou-nos, antes de mais nada, o
maior dos quatro aposentos de que ela se compunha. Esse aposento
estava mobiliado como sala de estar, com sofás e poltronas estofadas,
mesas de diferentes tipos, outras cadeiras pequen as e um piano de meia-
cauda a um canto. Não havia sinal de ostentação, mas era evidente que
as idéias pessoais da proprietária tinham tido plena expansão, o que no
mundo é amiúde impossível, devido ao custo das coisas que desejaría-
mos tanto possuir. Ali não havia limitações, e estava claro, olhando-se
para aquele aposento, que a dona da casa era pessoa de gosto artístico,
mas sem qualquer desejo de exibição, fosse sob que forma fosse. Havia
várias janelas amplas, estendendo-se quase que por toda a extensão da
sala, e a clara luz astral, que entrava através delas, fazia com que se

119
destacasse a bela fusão de cores no tecido que cobria os sofás e cadeiras,
e o colorido do tapete persa, que se unia tão harmoniosamente com os
esto_fados, cortinas e tapeçarias. Compreendi que seria fácil obter perfei-
ção naquele nível, se a pessoa tivesse as idéias certas. No mundo era
possível que se procurasse durante anos sem encontrar um tapete persa
que se unisse tão perfeitamente com as outras cores usadas na decora-
ção do aposento. As paredes eram de um tom marfim, e se apresenta-
vam nuas, a não ser por um par de gravuras e uma ou duas adoráveis
aquarelas. Era um aposento onde se tinha vontade de ficar_ Parecia um
lar, e não um arranjo para exposição. Só ao atravessar os aposentos era
possível imaginar qual o tipo da pessoa que neles vivia, e pude compre-
ender o anseio de Daphne por nos mostrar a casa.
O aposento que vimos a seguir era um dormitório, um típ ico dormi-
tório de mulher, com um divã a um canto e todos os demais pormenores
de mobiliário que habitualmente se encontram num quarto desse gêne-
ro, perfeitamente decorado. Surpreendeu-me o fato da necessidade de
um dormitório no mundo astral, onde o sono não faz parte da rotina da
vida. Daphne explicou isso, entretanto, perguntando-me se não havia
ocasiões em que eu sentia o desejo de repousar em posição reclinada,
apenas para ler ou pensar, e eu tive de admitir que isso acontecia. Daphne
disse-me, então, que passava muitas horas felizes relaxada em seu divã,
pensando, lendo e fazendo planos para o futuro.
Os outros dois aposentos eram uma biblioteca e uma cozinha. A
biblioteca estava mobiliada com o mesmo conforto e o mesmo gosto
artístico dos outros dois aposentos, as estantes repletas de livros, todos
encadernados em belo couro russo, cobrindo completamente duas pare-
des. Só o contemplar dos volumes deu-me vontade de me sentar e de
verificar o que continham. A cozinha possuía todo o aparelhamento
moderno e, embora eu pensasse que uma cozinha seria desnecessária
ali, Daphne disse que gostava de fazer pequenas refeições para as reuni-
ões que organizava. Acharya tornou a fazer sentir que os hábitos mor-
rem bem lentamente nos seres humanos, e, habitualmente, muitos anos
de existência se passavam no mundo astral, antes que tais hábitos fos-
sem inteiramente erradicados e esquecidos.
Eu gostaria de ter permanecido ali por muito mais tempo, mas po-
dia ver que Acharya estava começando a achar que era tempo de nos
irmos embora. Fiz um último ·pedido, que era passar alguns minutos no

120
jardim. Foi maravilhoso vaguear entre os canteiros floridos, sentindo o
perfume de determinadas flores e descobrindo, em cada caso, que cada
perfume era exatamente igual ao daquelas flores no mundo, talvez um
pouco mais pronunciado. Acharya a essa altura fez um com~mtário, di-
zendo que eu só teria possibilidade de reconhecer determinado perfume
se soubesse o que esperava. Por exemplo, se houvesse ali uma flor que
eu nunca tivesse visto antes e cujo perfume não me fosse familiar, eu só
sentiria o perfume que a aparência da flor me sugerisse, e talvez o verda-
deiro fosse bem diferente daquele que eu imaginara .
Daphne acompanhou-nos até o portão, onde nos despedimos dela.
Assegurei-lhe que, com toda a certeza, iria visitá-la de novo, se pudesse
encontrar o caminho. Flutuamos novamente no ar, sobre o topo da
Academia, descendo ao solo, mais uma vez, no sopé da elevação onde o
edifício se erguia. Acharya disse-me, outra vez, que imprimisse o dese-
nho do edifício em minha imaginação, de forma que pudesse fazer uma
perfeita forma-pensamento dele, a qualquer tempo em que tentasse che-
gar até ali. Fiz isso. Então Acharya disse-me ser tempo de retornar ao
meu corpo físico, em Colombo, e que os movimentos necessários a essa
transferência eram os mesmos que tínhamos usado quando alcançamos
aquela esfera do mundo astral. Explicou-me que não me preocupasse
com aquilo, mas que simplesmente fizesse um esforço de vontade e
. empenho para criar formas-pensamento do gramado que ficava diante
da minha casa, em Colombo. Segurou minha mão, como fizera antes,
dizendo-me, contudo, que só o fazia para me incutir confiança, pois isso
era inteiramente desnecessário. Comecei a me concentrar com todo o
empenho e, ao fazer isso, reparei que o ambiente que me rodeava tor-
nava-se imediatamente enevoado e, embora não houvesse resistência
de vento que se notasse verdadeiramente, tive a impressão de me estar
movendo através do espaço. Fechei os olhos, instintivamente, manten-
do firme na mente a forma-pensamento do meu jardim e, depois de
talvez alguns segundos, cessou a sensação de movimento. Abrindo os
olhos, vi Acharya de pé a meu lado, no meu próprio gramado, do lado
de fora da minha casa de Colombo, sorrindo à minha evidente surpresa.
Entramos imediatamente em minha casa através da porta da frente, sem
abri-la, subimos as escadas e atravessamos a porta do meu quarto, sem
que eu ainda me espantasse pelo fato de nenhuma daquelas portas ofe-
recer resistência. Na verdade, meu corpo, que eu deixara muitas horas

121
antes, continuava adormecído, mas parecia mostrar alguns ligeiros si·
nais de desassossego, que Acharya explicou como reações n ormais de
um corpo quando se aproxima a hora de acordar. Disse que eu acordaria
bem depressa, e enfatizou a necessidade de me pôr a registrar, imediata-
mente, os pormenores do que acontecera na noite que havia terminado.
Colocou a mão logo acima do alto da cabeça do meu corpo, e pareceu
concentrar-se nas células cerebrais, de forma a dar-me a necessária as·
sistência para que eu recordasse. Não me lembro de me haver despedi-
do de Acharya, nem de ele ter deixado o quarto, pois dentro de segun-
dos senti dentro de mim forte urgência de retornar a meu corpo . Com o
movimento resvaladiço, que já notara de outra vez, deslizei de novo para
dentro dele, e de imediato estava bem acordado.
Graças aos céus, as lembranças dos acontecimentos da noite esta-
vam ainda comigo; assim, saltei imediatamente da cama, vesti um rou-
pão e fui para a minha escrivaninha a fim de começar o relato da viagem
que fizera. Faltavam quinze minutos para as seis horas, e achei necessá-
rio acender a luz, pois não havia claridade bastante para escrever ou
usar a máquina. O registro tomou muitíssimo tempo para ser completa-
do, mas eu havia organizado tudo, cuidadosamente, no dia anterior,
para que não fosse interromp ido. Pude terminar em paz e sem qualquer
distra ção vinda do exterior.
Depois que tomei o desjejum, reli todo o meu registro, a fim de me
assegurar de que nada esquecera. Esta noite pretendo fazer uma tentati-
va po r minha conta, na intenção de retornar à terceira esfera, usando
como ponto de referência a Academia onde Daphne trabalha.

Estou realmente excitado, desta vez, pois tenho algo a registrar. Não
que tenha realizado algo maravilhoso, mas, pelo menos, tive algum su-
cesso. Depois de voltar de um passeio, sentia-me fisicamente cansado e
aos poucos fui me preparando para me deitar. Li durante alguns minu-
tos, quando fui para a cama, depois apaguei a luz e preparei-me para
dormir. Lembro-me bem claramente do aspecto do meu corpo deitado
na cama, e já não preciso visualizar-me num espelho hipotético, confor-
me me ensinaram nos p rime iros dias. Não me recordo de ter deslizado
para fora do corpo, mas, com certeza, lá estava eu em meu quarto, com
o corpo deitado na cama, tal como o tinha visto anteriormente. Saí do
quarto através da porta, desci as escadas e, pela porta da frente, fui ter

122
ao gramado onde Acharya e eu tínhamos estado de pé, não havia mui·
tas horas . Só podiam ter passado dez minutos das dez horas, porque
ainda havia gente por ali, caminhando e d irigindo carros pela rua. Com-
preendi que o que eu estava vendo era a reprodução astral dos carros e
daquela gente, e que me encontrava, realmente, na parte mais baixa, ou
na primeira esfera do mundo astral.
Agora, eu ia fazer minha tentativa para sair da primeira esfera e
subir à terceira, onde Daphne vivia. la me concentrar com toda a minha
força de vontade e fazer a forma-pensamento da Academia, que Acharya
me fizera visualizar tão cuidadosamente no inicio da manhã. Fechei os
olhos e usei cada migalha de força de vontade que possuía. E, realmen-
te, a sensação de que me movia sem qualquer resistência ao vento era a
mesma. Mantive a forma-pensamento da Academia muito dara, em
minha mente, desejando alcançar aquele lugar. E, de repente, senti que
a sensação de movimento cessara, e abri os olhos. Graças aos céus, eu
havia conseguido! Ali estava a Academia, no topo da colina, tal como eu
a vira na noite anterior. Minha excitação foi quase impossível de supor-
tar, de tão grande. Realmente devo ter perdido de todo o controle das
minhas faculdades, porque, subitamente, tudo o que havia ao redor, in-
clusive a Academia, tornou-se enevoado e o que posso recordar a seguir
é que acordei na minha cama e no meu corpo físico, em Colombo, com
o coração batendo em ritmo acelerado.
Oh! Deus! Tinha estragado tudo! Cheguei até lá! Alcancei realmente
o lugar almejado e, por causa da minha excitação e da falta de controle,
voltei para onde havia começado, e bem acordado. Devo ter ficado ali
deitado pelo menos umas duas horas, amaldiçoando minha estupidez e
descontrole, e então tornei a sentir sono. Decidira tentar de novo, e
dessa vez manter o controle das minhas facuidades, de forma a não
precisar voltar para o corpo físico, antes que ele tivesse tido sua cota
normal de sono.
Mais uma vez concentrei-me para sair de meu corpo, e ao mesmo
tempo mantive diante de mim a forma-pensamento do edifício da Aca-
demia. Dessa vez a saída do meu corpo Íoi um pouco diferente do que
na primeira ocasião. Não me recordo, de forma algumél, de ter estado
em meu quarto, como pouco antes, naquela mesma noite, mas, para
meu espanto e grande alegria, vi que me encontrava no mesmo lugar do
qual fora tão rudemente a rrastado quando perdera o controle, algumas

123
horas antes_ Dessa vez lembrei-me de que era preciso ter controle e, de
certa forma, me obriguei a permanecer calmo , Sei que me sentei na
grama, sem fazer qualquer esforço para me aproximar da Academia.
Concentrei-me, apenas, e profundamente, em acalmar as batidas do
coração e em permanecer frio e calmo.
Então levantei-me, flutuei até a entrada principal do edifício, subi as
escadas e fui até a porta do aposento que, segundo me lembrava clara-
mente, Daphne estava ocupando na n oite anterior. Dessa vez eu com-
preendia que não havia possibilidade de passar através da porta, da mesma
forma com que se atravessa no plano físico, pois aquele edifício era
composto de matéria astral; portanto, uma porta, ali, era obstáculo para
a passagem de alguém, porque eu também estava em maté ria astral.
Bati à porta e esperei, mas não houve resposta. Tornei a bater, pensan-
do que o ruído não havia sido suficiente para que a ocupante o escutas-
se, mas de novo o silêncio completo reinou e a porta não se abriu.
Depois de um pouco de tempo ·girei cuidadosamente a maçaneta e,
tornado de timidez, espiei para dentro. Vi que o aposento ~ra aquele
onde encontrara Dap hne, na noite anterior. Assim, sem mais insistir,
fechei de novo a porta, flutuei para descer as escadas e sai pela porta da
frente . Levantando-me no ar, passei por sobre o topo do telhado e segui
meu caminho, na esperança de que Dap hne estivesse em sua casa. Des-
ci ao solo antes de alcançar a cidade-jardim, e tornei a contemplar a bela
paisagem. Aquilo, realmente, era uma visão do Paraíso. Não era para
admirar que eu tivesse querido ficar a contemplá-la por mais tempo, na
última noite. Havia ainda mais tipos de casas do que eu havia imagina-
do. Eu me sentia absolutamente eletrizado pelo quadro que se abria di-
ante de mim. E só desejava ser um artista, porque assim, ao retornar a
meu corpo, talvez pudesse reproduzir algo com a lguma semelhança do
que via tão pormenorizadamente.
A cidade-jardim ocupava um vale ondulante, e por todos os lados o
solo ia subindo aos poucos, até alcançar urna fileira de colinas claramen-
te visíveis a distância. Contemplei à vontade os belos jardins, que só
podiam existir num mundo onde não há as limitações de trabalho e
fortuna. Há muito que dizer quanto ao cultivo da imaginação quando da
existência em nosso plano físico, porque embora o devaneio não produ-
za qualquer resultado prático enquanto estamos vivos, mesmo assim a
faculdade de poder imaginar em pormenor, com toda a certeza, se esta-

124
belece no mundo astral. Nela a pessoa apenas tem de ter capacidade
para visualizar algo e pensar fortemente nele para que o pensamento se
transforme imediatamente em fato estabelecido, um fato que permane-
ce exatamente durante o tempo em que, através do pensamento, a pes-
soa desejar que ele continue existindo. Gente feliz, realmente, e passou-
me pelo pensamento que, agora, sabendo um pouco mais sobre o que
podia me esperar ali, não me atormentaria se me dissessem que depres-
sa chegaria a minha vez de deixar o mundo físico. O que eu vira e apren-
dera, levava-me a compreender que a felicidade era sempre possível
para as pessoas que deixavam o mundo, se elas realmente desejassem a
felicidade. Meu último pensamento, antes que inesperada interrupção
ocorresse, foi o de como era fácil formar uma idéia de quase cada um
dos ocupantes daquelas casas. No mundo físico, seria um erro julgar um
homem pelo seu jardim, porque, provavelmente, pouco ou nada ele
teria a ver com sua criação. Ali, não h avia necessidade de jardineiros, e
cada jardim era criação de seu dono . A partir daí, era bastante possível
chegar a uma idéia quanto às características principais da pessoa. Eu
gostaria de ter podido fazer um teste com a minha teoria.
Exatamente nesse momento minha atenção foi atraída por uma fi-
gura vestida de branco que vinha correndo em minha direção, ao longo
da passagem rústica, e que gritava, enquanto corria. Era Daphne, natu-
ralmente, e fazia-se evidente que ela estava muito agitada . - Conseguiu
vir, Henry! Estou tão contente! Nestas últimas horas venho tentando
muitíssimo ajudá-lo e pensei que meus esforços tinham sido inúteis. Ain-
da há pouco senti, uma vez, que você estava perto de mim, e fiquei
quase certa de que conseguira transpor o véu, mas a impressão foi se
desvanecendo e eu já tinha perdido a esperança, quando senti, nova-
mente, que você estava se aproximando. Tive que vir para este lugar,
nem sei por que, e quando vi você ai de pé, num devaneio, mas real-
mente aqui, penso que meu coração deixou de bater por um momento,
de pura alegria.
Olhei para a graciosa figura que estava diante de mim. Parecia ape-
nas um pedacinho de mulher, vestida com um trajo de musselina, que
desenhava seu corpo juvenil em linhas das mais encantadoras, e fiquei
maravilhado com a sua beleza. Seus cabelos castanho-escuros, de refle-
xos dourados a percorrê-los, formavam perfeita moldura para a expres-
são animada de seu belo rosto, cujos o lhos demonstravam um amor tão

125
puro que poucos homens o terão visto no mundo. Tudo quanto era
dig no em mim pareceu vir à tona, e eu senti o velho desejo de proteger,
de defender e manter, que é o verdadeiro sentimento de um homem em
relação à companheira escolhida. Não tinha vontade de falar e, delica-
da, embora firmemente, tomei-a em meus braços e, com muita reverên-
cia, beijei-a no rosto e nos cabelos. Não havia paixão no meu abraço .
Parecia não haver lugar para a paixão, mas um pro fundo e arraigado
desejo d e me aproximar mais daquela menina dos meus sonhos, um
desejo de conhecê-la melhor e, se possível, aumentar a felicidade de que
ela já gozava. Ela retribuiu meus beijos, sem denotar surpresa alguma
pelo que eu fizera. Por um momento seus olhos encheram-se de lágri-
mas, lágrimas que imediatamente tentei enxugar com beijos, quase an-
tes que e las tivessem aparecido. Então, ela desviou o rosto, enquanto
nos voltávamos e, com meu braço em torno de sua cintura, caminhamos
vagarosamente na direção da casa.
Quando lá chegamos, eu a levei até a sala de estar, para junto do
piano. - Toque para mim, querida - eu disse-, sinto que preciso de
música exatamente agora. - Puxei uma cadeira e sentei-me ao lado
dela. Oaphne tocou - não posso recordar o que tocou, mas sei que era
a lgo que representava alegria. Recostei-me, fechei os o lhos em puro
êxtase, e por alguns momentos concebi a paz que ultrapassa a compre-
ensão e que, uma vez sentida, torna as demais sensações vazias e imper-
feitas.
Não sei por quanto lempo falamos, mas eu me recordo de lhe ter
contado sobre meu sofrimento depois que Charles foi morto e de como
Acharya tinha vindo ter comigo, bem como as experiências que tivera
até a noite da véspera, quando, com o auxílio do hindu, eu a encontrara.
Decidimos que, embora estivéssemos divididos pelo fato de vivermos em
diferentes níveis de consciência, o que tornava impossível a vida em
comum tal como é compreendida, criaríamos uma vida de união, com as
coisas ta is como eram, e provaríamos que a morte não era, de forma
alguma, uma barreira para a continuação da felicidade. Sentiamo-nos
ambos seguros de que nossos sentimentos mútuos me capacitariam a
transpor o véu sempre que necessário, e que eu iria ter com ela, embora
ela não pudesse vir ter comigo.
Oaphne contou-me algo sobre as pessoas que viviam no vale. Muitas
delas eram suas am igas, e gostaria que eu as conhecesse. Explicou-me

126
que as pessoas daquele nível se uniam, quando seus interesses eram
semelhantes, mas que não havia casamento no sentido comum da pala-
vra. Conheciam-se umas às outras pelo nome de batismo ou pelo apeli-
do, nunca pelo sobrenome. Deu-me exemplos sobre alguns deles, men-
cionando que urna das moças, sempre feliz e sorridente, era conhecida
como Raio de Sol. Outra, que se vestia sempre de azul, era chamada de
Miosótis, enquanto um homem que fazia de sua vida ali um grande esfor-
ço para ajudar os demais era conhecido corno Doutor. Eu disse que
gostaria muito de conhecer esses seus amigos, mas como iriam eles
receber-me, já que, no senlido comum da palavra, eu não pertencia ao
seu mundo? -Você verá - disse ela - que neste nível só se repara no
lado bom das pessoas, pois há muito poucos ressentimentos mesqui-
nhos, como ternos no mundo. Aqui cada qual pode ter o que outra
pessoa tem, se o desejar, apenas fazendo a forma-pensamento para
tanto. Portanto, não é necessário competir para alcançar os padrões
alheios. As pessoas, aqui, tornam-se elas mesmas, e depressa você com-
preende, quando chega a conhecê-las como realmente são, que o velho
ditado: "Há algum bem no p ior dentre nós e algum mal no melhor den-
tre nós" é uma grande verdade.
Não tenho a menor idéia de quanto tempo passamos nessa conver-
sação, mas recordo-me de ter começado a sentir certa inquietação den-
tro de mim, o que claramente queria dizer que meu corpo tinha tido sua
cota de sono. Mal tive tempo de me despedir de Daphne, quando, sem
qualquer outro aviso, as paredes da sala onde estávamos sentados pare-
ceram desvanecer-se em névoa, que se evaporou instantaneamente, e
de novo tive a sensação de me estar movendo no espaço_. Imediatamen-
te, estava acordado em meu corpo, em Colombo, pois nessa ocasião
não houve brecha intermediária, isto é, não me encontrei em meu quar-
to com o m eu corpo diante de mim, deitado na cama. Eu eslava bem
acordado, o lhando para o relógio . Vi que eram 7 horas e que o sol
brilhava em meu quarto. Levantei-me imediatamente e quase corri até a
escrivaninha para iniciar o registro relativo aos acontecimentos da noite .
E terminei agora. São dez horas e tenho apenas o tempo necessário
para fazer a barba, tomar banho e comer alguma coisa, até a chegada
de Acharya . Penso em qual será a sua reação diante de tudo quanto
tenho para lhe mostrar. Ficará satisfeito com o progresso feito pelo seu
discípulo ou irá dizer-me que tudo aquilo não passou de um instantâneo

127
no fotografar a paisagem, e que é pouco p rovável que eu consiga viajar
sozinho no futuro, e que são necessários muito mais trabalho e estudos
sólidos antes que eu possa viajar sem guia? Saberei disso bem depressa.
A figura de Daphne é ainda muito real. Talvez eu tivesse deixado passar
a minha fe licidade não me tendo casado com ela, na Inglaterra, quando
tive essa oportunidade. Não sei, mas não me arrependo. Sinto que tal-
vez haja um futuro diante de nós, futuro infinitamente mais fascinante e
belo do que qualquer coisa que pudéssemos ter tido neste mundo.

128
Capítu[o 8

'Deviam ser mais ou menos 11 horas. Os últimos dez minutos eu


havia passado junto à escrivaninha, relendo as notas que tomara sobre
os acontecimentos da noite passada, quando, de súbito, a voz·agradável
que eu conheço tão bem interrompeu meu devaneio .
"Bem, Henry, meu amigo, então realizou a lgo que valeu a pena,
finalmente. Agora talvez admita que teve ocasião de obter, p or si mes-
mo, a prova sobre aquelas coisas que, conforme lhe disse em nossas
primeiras conversações, eram fatos para mim."
Era Acharya que entrara no meu quarto com aquela sua maneira
discreta.
- Sim, Acharya, estou disposto a confessar isso. Começo a com-
preender que mesmo as coisas que me disse antes, em conversas passa-
das, e sobre as quais ainda não puda obter provas conclusivas, poderão
ser provadas, indubitavelmente, com maior experiência. Suponho que
esteja bem a par do que aconteceu na noite passada, e não é necessário
que lhe entregue meu registro. Mas gostaria que o lesse, de forma que
pudesse verificar se esqueci alguma coisa importante.
Acharya disse que não só teria grande satisfação em ler meu regis-
tro, como também desejava ver as notas referentes à segunda viagem
astral que tínhamos feito juntos. Acrescentou que falaria um pouco so-
bre esses registros, antes de me fornecer mais ensinamentos. Depois
que terminou de ler, seu rosto demonstrava apreciação pelos meus es-
forços. Era evidente, ele estava muitíssimo satisfeito por me ter sido
possível levar à prática real alguns dos ensinamentos que tão paciente-
mente me dera, durante as últimas semanas. Eu lhe disse quanto lhe

129
devia por sua altruística e tão n ecessária ajuda, mas ele me assegurou
que eu não devia me sentir de forma alguma em dívida para com a sua
pessoa, porque seu trabalho particular, na vida, referia-se a casos como
o meu, e que se sentia bastante recompensado se aqueles aos quais dava
ensinamentos se beneficiassem com eles na vida prática.
Começou, então, a fazer comentários sobre as suas últimas noites, e
eu o ouvi com muitíssima atenção. Eis o que ele d\sse: - Devo explicar,
de início, que eu o levei à terceira esfera do mundo astral via Londres.
Como sabe, isso era inteiramente desnecessário. Fiz aquilo para que o
senhor pudesse compreender que qualquer cidade do mundo à qual pu-
desse ir ter em seu corpo astral se parece com a mesma com que está
familiarizado, embora aquilo que vê não seja físico, mas a reprodução
astral dos lugares físicos, tais como existem na primeira esfera do mun-
do astral. Daqui por diante será melhor que inicie sua viagem aqui de
Colombo. Achará bastante fácil alcançar esferas acima da terceira, que é
aquela onde encontrou Daphne, acionando o mesmo mecanismo. Quan-
do se quer fazer isso, porém, é preciso ter um lugar particular em cada
esfera, que se possa visualizar em pensamento e ao qual nosso corp o
astral será transportado em alguns segundos, confa rme o tempo que
contamos aqui.
"Pensei que talvez se sentisse um tantinho assustado quando o ambi-
ente que o rodeava se tornasse enevoado e o senhor começasse a ter a
sensação de movimento . Devo f~licitá-lo por não le r tido uma falha inici-
al, coisa que, já reparei, às vezes acontece com meus discípulos. Eles se
amedrontam e, quase simultaneamente, acordam em seus corpos físi-
cos, com o coração acelerado pelo efeito do medo. O senhor sentiu
isso, realmente, porque na noite passada retornou a seu corpo físico
durante algum tempo, sem ter tido a intenção de fazer tal coisa, quando
sua excitação o dominou ao tentar o encontro com Daphn e sem minha
assistência .
"Não é necessário que lhe fale muito sobre a segunda esfera do
mundo astral, pois é muito parecida com a primeira, sendo apenas me-
nos povoada e menos ruidosa. Nas duas esferas mais próximas do mun-
do físico, os habitantes permanentes vivem mais ou menos o tipo de
vida que sempre os atraíra no mundo físico. Na maioria dos casos, essas
pessoas não permanecem ali durante todo o tempo de su9 existência
astral. Há exceções, tratando-se de pessoas tão ligadas à existência ma-

130
teria!, que não têm desejo de progredir passando para esferas mais altas
do mundo astral, coisa que são forçadas a fazer depois de um período
que pode ir de dois até cem anos. Chegando o tempo, o ego incita o
veículo que está ocupando a passar através da "segunda morte" para o
mundo mental. Esse método de progresso não é o habitual, e não será o
seu quando chegar a ocasião de passar para o mundo astral. O senhor já
compreendeu, vendo as atividades de algumas pessoas que vivem na
terceira esfera, que a vida ali irá atraí-lo muito mais do que uma ronda de
visitas por restaurantes, teatros ou cinemas.
"Eu pude mostrar-lhe tanto artistas como músicos trabalhando na
terceira esfera, e teria sido bastante fácil para mim mostrar-lhe grandes
engenheiros, artesãos devotados a determinados trabalhos e realmente
todos os tipos de pessoas cujo grande interesse na vida não está ligado a
divertimentos ou a atividades puramente materiais.
"Enquanto estava ouvindo a música tocada pelo grupo liderado por
J ohann Strauss, o senhor viu a lguns membros daquela evolução paralela
chamada reino dos devas. Quando tiver tido experiência de esferas mais
altas do que a terceira, verá que não só eles são muito mais numerosos
ali, como cooperam cada vez mais com os membros da evolução huma-
na, à proporção que nos vamos afastando da vida material. Pode pensar
que a existência deles é preferível à nossa, e que seria melhor evoluir dos
peixes, das borboletas e dos pássaros para o estágio de e lementos da
natureza e, eventualmente, para o estágio dos devas, tal como os que viu
compondo a orquestra que tocou na floresta. Nós não podemos modifi-
car a nossa evolução, a não ser em circunstâncias excepcionais.
"Provavelmente estará cogitando no porquê de ter eu gasto tanto
tempo na Academia, mostrando o trabalho que se faz em edifícios da-
quele tipo . Fiz isso por duas razões: a primeira foi para que o senhor
tomasse conhecimento de que aquela não passava de uma das muitas
escolas que existem no mundo astral, onde as pessoas podem receber
ensinamentos na arte p ela qual estão interessadas - ensinamentos que
as capacitam a nascer, na próxima vida, com o desejo de continuar o
estudo seguindo a mesma orientação, de forma que algumas entre elas
cheguem a ser, finalmente, grandes mestres de sua arte e ajudem o
mundo físico a progredir, tanto em cultura como em sabedoria. Minha
segunda razão, o senhor deve ter adivinhado qual foi. Tendo um quadro
bem claro do edifício da Academia em sua mente, depois que retornasse

131
ao seu corpo físico em Colombo, poderia voltar àquele lugar com bas-
tante facilidade sem qualquer esforço extraordinário. Dali poderia esta-
belecer contato com Daphne e continuar suas experiências no plano
astral. Não esqueça isso para o futuro. Marque com atenção determina-
do edifício ou paisagem em sua mente, e poderá usá-los como formas-
pensamentos nas quais concentrar-se, quando desejar ir ter àquela esfe-
ra particular da consciência.
"Espero que tenha compreendido, muito claramente, a necessidade
de saber de que maneira o tempo afeta sua estadia no nível astral. Des-
crevi com pormenores esse importante ponto, de forma que compreen-
da como investigar, se se apresentar a ocasião.
"Nossa viagem à parte do mundo astral onde a cerimônia estava
sendo celebrada não exige comentário . O senhor se lembrará de que
depois que ali chegamos e nos sentamos ao pé de uma árvore, à beira do
espaço aberto, eu preveni para que ficassem no maior silêncio possível.
Isso porque os membros do reino deva não fazem objeções, realmente,
ao fato de qualquer humano estar presente a seus trabalhos, mas não
gostam de qualquer tipo de interrupção. Terá reparado na intensidade
de propósito que prevaleceu durante toda a cerimônia. Os homenzi-
nhos, ou gnomos, que saíram da floresta no início, e deram começo ao
e spetáculo cantando e batendo em seus tambores, estão num nível mui-
to mais baixo de evolução do que o senhor, ou eu, ou os membros da
orquestra. Uma coisa, entretanto, deve ter sido aparente: todos eles se
concentravam, ao máximo de suas capacidades, no trabalho que realiza-
vam. Não houve frivolidade nem tagarelice, como acontece nos concer-
tos no mundo imediatamente antes do desempenho. Essa é a notável
diferença que eu desejo deixar impressa em sua mente, porque, se qui-
ser compreender os membros da evolução deva e, confio, trabalhar com
eles no devido tempo, deve tomar consciência de que a vida é um assun-
to muito sério para eles, e a frivolidade não entra habitualmente em suas
atividades. Não é que sejam incapazes de rir. Na verdade, é gente extre-
mamente feliz, que parece gozar os simples prazeres da natureza, mas
eles não permitem que influências externas perturbem, seja como for, a
perfeição do trabalho que têm em mãos.
"Para que compreenda o que se segue, devo fazer uma digressão,
por alguns momentos. Provavelmente, já ouviu falar em iniciados, arhats
e adeptos, em nossa evolução. Essas palavras aparecem em livros de

132
ocultismo, mas pouco se escreveu sobre elas. Posso, resumidamente,
dizer-lhe algo neste momento. Conforme um homem evolui ao longo do
caminho que está aberto diante dele, ele fica realmente sob o controle e
a orientação de um grupo de adeptos, homens aperfeiçoados, mas que
eram tal como o senhor é agora, há incontáveis anos atrás. Esses ho-
mens terminaram o curso de vidas a serem vividas no nível físico, pois
aprenderam todas as lições que o mundo físico pode ensinar. Em virtude
do seu desenvolvido amor pela humanidade corno um todo, escolheram
permanecer (com algum sacrifício deles próprios, como compreenderá
mais tarde ) relacionados com este planeta, a fim de ajudá-lo e dar assis-
tência para seu desenvolvimento. Esses adeptos às vezes recebem o nome
de mestres, porque alguns deles tomam como alunos homens que vivem
no mundo e não são ainda perfeitos em nenhum sentido da palavra para
ajudá-los no trabalho que tem de ser feito . Esses alunos recebem muitas
oportunidades de desenvolvimento, oportunidades que não estão aber-
tas para a humanidade em geral, mas pode estar certo de que eles con-
quistaram essas oportunidades. Não se trata de uma questão de favoritis-
mo, isso de terem sido escolhidos entre a massa humana para um traba-
lho especial. Esse trabalho é duro, e habitualmente significa que ta is
homens têm de abrir mão de muitas coisas que fariam no mundo, a fim
de se dedicar exclusivamente a aprender como podem ajudar a humani-
dade, sem rnceber qualquer proveito material em troca desse trabalho. É
serviço altruístico que eles oferecem, e sua única recompensa é terem
permissão para um contato pessoal, quando dormem e usam seus cor-
pos astrais, com aqueles homens perfeitos que concordam em servir.
"Esses discípulos, depois de muitas vidas de trabalho e treinamento
especial, preparam-se para as cerimônias de iniciação. Essas cerimônias
dão-lhes poderes que os tornam diferentes da corrente comum de seres
humanos. Elas ensinam um homem a ler a mente de outros homens,
porque, quando um homem se desenvolveu até esse ponto, ele jamais
usará tal poder para outra coisa a não ser para ajudar outro ser humano.
Aprendem como ter continuidade de consciência em todos os níveis -
tal como estou ensinando o senhor a ter apenas no nível astral e físico,
e isso é ainda um tanto difícil de compreender. Tais homens podem, se
necessário, fazer o que o mundo chama milagres, mas nunca os fazem,
a não ser sob instruções de um dos adeptos que ajudam a governar o
planeta. Há cinco estágios de iniciações, e só quando o quinto é atingido

133
o homem está perfeito, e livre da necessidade de renascer no mundo
físico. Às vezes, as vidas dos iniciados são prolongadas, de forma que
eles vivam para muito além do período normal. Isso só é feito, entretan-
to, com propósitos especiais, ou porque esses homens são necessários
numa região particular do mundo, para usarem uma influência que pode
fazer diferença no que se refere às futuras gerações.
"Durante a cerimônia deva a que esteve presente, o senhor reparou
que a jovem solista da sinfonia permaneceu no topo de uma das árvores
altas, à beira da clareira, e a momento algum aproximou-se dos mem-
bros da orquestra ou desceu ao solo. Há uma razão para isso. Essas
moças são especialmente treinadas para o trabalho que fazem . Vivem
separadas do corpo principal do povo deva, e dedicam-se, de fato, ao
seu trabalho particular. Para isso, têm de desenvolver corpos extrema-
mente sensíveis, e mentes que se possam harmonizar com o objetivo
particular que está sendo tratado. Aquela moça, por exemplo , é um ser
altamente evoluído, uma iniciada em sua evolução e, assim sendo, tem
conhecimento e poderes muito maiores do que o tipo comum de deva
que o senhor encontrará de vez em quando.
''Houve, ainda, o sacerdote que completou a cerimônia e invocou os
Seres que controlam o universo, pedindo auxílio para o trabalho realiza-
do. Ele também é um ser altamen te evoluído, mas nada próximo de um
iniciado, e provavelmente nem mesmo um discípulo dos homens aper-
feiçoados. Sua invocação foi a de um sacerdote, a quem ensinaram a
reunir a força que foi gerada pela música concentrada e os concentrados
pensamentos dos presentes, a fim de transmiti-la, através do poder do
pensamento, à reunião que estava sendo levada a efeito no mundo físi-
co . O senhor talvez não acredite que essas coisas sejam possíveis, nem
há necessidade de que acredite, mas dizer que elas não podem existir é
tão pouco sensato como acreditar somente porque alguém garantiu que
tais e tais coisas são verdadeiras.
"Eu me alegro pela oportunidade que Daphne nos deu de ver sua
pequena casa, po is sabia que a certos momentos ela não está ·ocupando
seu aposento da Academia. Também me alegrei pelo senhor, pois viu
que há muitas pessoas vivendo no vale onde está a casa de Daphne, já
que desejo que conheça e converse com algumas daquelas pessoas. Sua
história e os esforços que está fazendo para viver uma vida fora de seu
corpo ainda vivo no mundo não só serão muito interessantes para aque-

134
las pessoas , como também as ajudará. Algumas não são tão evoluídas
quanto o senhor, e, em vidas passadas, não tiveram as oportunidades de
progredir que o senhor teve, e que o levaram a receber ensinamentos
especiais nesta vida. Dado que teve o privilégio de ser ensinado, deve
sentir-se, também, disposto e ansioso por passar a outros o conhecí-
mento que tem. Sua intenção de publicar os pontos essenciais das mi-
nhas conve rsações e de seus passeios fora do corpo físico, fazendo disso
um livro, é uma boa coisa, mas só ajudará a outros que ainda vivem no
mundo. O que lhe digo agora, e em nossas conversas futuras, não serão
apenas para seus ouvidos, mas para os ouvidos de quem quer que esteja
l:astante interessado para querer entender. Quando eu lhe disser coisas
que devem permanecer secretas, é apenas porque a posse desses co-
nhecimentos tornariam outros aptos a fazer o mal, mas posso assegu-
rar-lhe que nunca ficará em dúvida sobre esses assuntos, quando do
estágio de d esenvolvimento em que ta l tipo de conhecimento lhe poderá
ser dado.
"Isto representa o fim do seu registro cobrindo a segunda viagem
astral, e eu devo felicitá-lo pelos pormenores que conseguiu reter. Sua
determinação em recordar foi a razão de seu sucesso e, se ao menos
compreender que a força de vontade é, amplamente, o "Abre-te Sésamo"
da maioria das nossas dificuldades, continuará a ter êxito para o futuro.
"O único pormenor importante, que o senhor parece ter esquecido,
e que provavelmente não compreendeu na ocasião, foi que durante a
cerimônia na clareira aberta havia várias centen as de membros do reino
deva, flutuando levemente - mais ou menos pairando - imediatamen-
te acima da clareira aberta e talvez uns quinze ou vinte metros além do
topo das átvores circundantes. Não eram simples espectadores, ou uma
congregação, tal como as vemos nas grandes igrejas do mundo, mas,
com certeza, participantes dos mais ativos da cerimônia, através de cujos
esforços, principalmente, a força necessária, da qual falei, foi gerada.
Seria interessante se o senhor os tivesse visto, porque repararia então
que, ao fim da invocação feita pelo sacerdote de longas barbas, eles
pareceram reunir a força para o bem, que havia sido gerada e, imediata-
mente depois, juntos, retiraram-se, presumivelmente para assegurar a
obtenção dos efeitos desejados. Não deixe que esse seu lapso o a'torre-
ça de forma alguma, pois posso assegurar-lhe que se saiu realmente
muito oom.

135
"O a nseio que sentiu para tentar as coisas por si próprio, na no ite
seguinte, foi bastante natural, e quando surgir no futuro anseio seme-
lhante atenda-o imediatamente. O anseio vem do ego, que é o senhor, e
o ego deseja muitíssimo que progrida em con hecimentos desse gênero.
As atividades em níveis mais elevados do que o físico são muito mais
interessantes para um ego do que as diversões artificiais e a rotina das
atividades normais, .p or que temos de passar no mundo físico . O ego
compreende, é natural, que nossas vidas no p lano físico são necessárias
para seu progresso na evolução, mas a meta da sua ambição é sempre a
mesma: que, tão rapidamente quanto possível, o homem se emancipe e
aprenda as lições que as nossas incontáveis existências pretendem nos
ensinar. Fazendo isso, ele bem depressa estará livre da necessidade de
renascer, e apto a ·iniciar uma existência diferente, e muito mais interes-
sante, tal como só é possível par.a alguém que aprendeu todas as lições
que devem ser aprendidas por meio da existência física .
"O senhor pode ver, por si próprio, quanto me é mais fácil explicar-
lhe as coisas, agora, pois tem uma idéia bastante razoável da vida que as
pessoas levam na primeira, segunda e terceira esferas do mundo próxi-
mo a este. A terceira esfera, conforme viu, fornece a maioria das esco-
las para treinamento de estudantes nas diferentes artes, e logo lhe mos-
trarei a quarta esfera, que é, na realidade, uma continuação da terceira.
A primeira e segunda esferas formam um estágio; a terceira e a quarta
são o segundo estágio; a quinta e a sexta, o terceiro estágio; e a sétima
esfera é a fronteira entre os mundos astral e mental.
"Na quarta esfera, encontramos muitos musicistas e artistas, que
trabalham sozinhos e não querem ensinar, ou talvez tenham terminado
seu tempo de ensinar. Encontramos médicos realizando trabalhos de
pesquisa. Muitos dos novos remédios para combater doenças e molésti-
as são descobertos no nível astral. Muitos grupos de estudantes de pes-
quisas se reúnem e trocam idéias. Embora não tenham qualquer cobaia
física com que trabalhar, suas teorias, com o tempo , são aperfeiçoadas e
se impregnam nas células cerebrais e nas mentes de médicos que fazem
trabalho similar no mundo físico. Se indagar de qualquer médico, dedi-
cado à pesquisa neste mundo, se ele, a qualquer tempo, já acordou pela
manhã com o germe de uma idéia - que talvez tivesse exigido meses
para que ele a aperfeiçoasse e pusesse em prática, mas que surge even-
tualmente como um dos novos avanços da ciência médica - ele irá

136
admitir, provavelmente, que tal coisa lhe aconteceu. Há edifícios, tanto
grandes como pequenos, que parecem ser o que descreveríamos como
hospitais psiquiátricos. Embora a vida astral torne possível, para qual-
quer ser humano mental, o sentir-se completamente feliz, ainda há um
grande número de pessoas que sonham com a lua e querem o impossí-
vel. Afligiram-se em vida, e o resultado habitual é uma forma de neurose
mental. O corpo astral não só inclui a reprodução do cérebro humano,
mas inclui, também, dentro dele próprio, um veículo mental comurnente
chamado mente. Um homem pode ser perturbado por sua mente de-
pois da morte. Remorso por ações e palavras precipitadas em sua vida
passada, que ele agora compreende que jamais poderão ser obliteradas
inteiramente, causa-lhe certa cota de sofrimento, intenso ou não, de
acordo com a sensibilidade do indivíduo. Tais casos são tratados, com
freqüência, por médicos que se especializam em perturbações mentais,
com grandes benefícios tanto para o médico como para o paciente.
"Nas quinta e sexta esferas, encontrará maior número ainda de pes·
quisadores, tais como psicanalistas, e especialistas em cérebro, coração
e em outros setores da medicina.
"É muito comum que médicos e especialistas, nos diferentes ramos
da ciência, vivam muitas vidas consecutivas fazendo o mesmo tipo de
trabalho. Pode imaginar quanto é inestimável para esses homens o en-
contro com seus confrades, no nível astral, onde todo o conhecimento é
reunido para o interesse da humanidade. Há grupos de filósofos que
desejam ajudar o mundo a seu modo particular. Consideram que, se o
rumo do pensamento, no mundo, fosse mudado para linhas mais pro-
gressistas do que as guerras e o domínio nacional, a vida seria considera-
velmente mais confortável e mais desejável. Há místicos que acreditam
que a humanidade pode ser melhor auxiliada pela meditação ao longo
de linhas tais como ' Unidade da Vida'. Há outros seres, profundamente
religiosos, que só consideram possível o progresso do homem se ele se
ligar a uma crença religiosa ou a um dogma. Tais homens empenham-se
em produzir uma religião perfeita, tomando pontos da doutrina de todas
as religiões do passado e do presente, e fundindo-os numa nova filoso-
fia. Os devas interessam-se muitíssimo por todo esse trabalho - tal como
verá no devido tempo.
"Nesses níveis, os problemas econômicos do mundo são discutidos e
trabalhados durante meses e anos. Quando certas conclusões chegam à

137
mente desses especialistas, são tentados remédios, através da impressão
dessas conclusões sobre as mentes de seres humanos, que vivem no
mundo e estão em posição de colocar seus conselhos, agindo sobre
nações ou sobre poderosos grupos de reformadores, porque a humani-
dade precisa ser auxiliada quando as crises do mundo são grandes de-
mais e sérias demais para que eles possam resolvê-las por seus próprios
esforços. Em períodos de crise, grandes lideres do mundo parecem er-
guer-se sobre uma culminância e brilhar. Muitas vezes, um homem que
anteriormente nada mais era do que um humilde político, ou líder de
partido, surge e torna-se figura proeminente no mundo político. E o
resultado que todos podem observar é uma sabedoria e liderança muito
acima do que normalmente se poderia esperar de sua parte. Quando a
crise passa e seu grande trabalho termina, esse homem parece voltar
para a obscuridade inicial. Tais homens são escolhidos e ajudados por
um dos grandes Seres que meditam sobre este universo em benefício da
humanidade. Enquanto dura o período em que ficam sob essa proteção,
eles, realmente, são super-homens. Quando a crise termina, porém,
essa proteção é retirada, pois todo homem tem direito a seu livre-arbí-
trio e só pode ser ajudado até certo ponto, jamais além.
"Naqueles níveis h á homens interessados na crescente escassez de
alimentos para uma população que vai subindo aos milhões todos os
anos. Os devas auxiliam-nos em seus problemas, sugerindo novos méto-
dos de cultura. Essas sugestões se introduzem nas mentes dos que vivem
no mundo e são responsáveis por aqueles problemas em suas regiões
particulares. Dessa maneira, novas idéias e métodos vêm à tona, e são
aos poucos adotados pela humanidade. O senhor poderá assistir a algu-
mas das conferências que têm lugar nessas esferas, e ter a prova, por si
mesmo, de que aquilo que lhe digo é realmente verdade. Não é provável,
contudo, que possa permanecer em tais confe rências até que elas che-
guem a uma conclusão, pois com freqüência elas se estendem durante
semanas o u meses, calculados pela nossa idéia de tempo e, naturalmen-
te, o senhor terá que retornar ao seu corpo algumas horas depois de o
ter deixado. Grandes progressos são feitos amiúde nessas conferências,
e as sugestões são levadas a pessoas que vivem no mundo, o que capa-
cita a humanidade a avançar por todos os seus diferentes caminhos.
"Provavelmente o senhor já terá cogitado na razão pela qual o mun-
do progride mais rapidamente durante um século do que em outro. Não

138
se trata do fato de as distâncias terem sido anuladas pela navegação
aérea, ou de coisas tais como a telegrafia sem fio, mas, simplesmente,
porque a humanidade em geral está lenta mas seguramente tornando-se
mais interessada na solução dos problemas existentes, e com essas solu-
ções a massa se beneficia. Em outras palavras, quanto mais evoluídos se
vão tornando, menos e menos egoístas os homens vão ficando, o que
prova que, finalmente, aprenderam al~umas das lições que as vidas no
mundo físico pretendem nos ensinar. E difícil explicar o trabalho do rei-
no deva, porque os métodos usados são muito diferentes dos métodos a
que estamos habituados. Para compreendê-los, é preciso recordar que o
reino deva controla, em grande extensão, a parte da vida a que chama·
mos Natureza. Os mares, os ventos, o uso do sol nas culturas, e coisas
tais como o tempo exato do ano para o plantio das diferentes sementes,
tudo isso é parte do domínio particular dos devas. Eles se reúnem em
discussões com membros da nossa evolução, quando seus conhecimen-
tos e experiências específicos podem ser úteis. Habitualmente, transmi·
tem seus pensamentos através de um processo mental, e não de pala-
vras - mas podem usar a fala, quando lhes parece necessário usá-la. De
vez em quando, no mundo, ouvimos {alar em tornados, em ciclones ou
terremotos, que deixam em sua esteira grande perda de vidas humanas,
devastação e milhares de desabrigados. Talvez tenha então pensado:
por que a Providência permite que tais coisas aconteçam? Mas o senhor
procurou conhecer as possíveis razões dessas tragédias? Não é verdade
que antes dessa devastação, homens e mulheres estavam vivendo na·
queles lugares em condições que fomentam antes o crime do que o pro·
gresso? Uma tragédia, tal como eu a visualizo, poderia facilmente ser
uma forma de acordar um governo inativo para as suas responsabilida·
des e, muitas vezes, um esquema de reconstrução é imediatamente inici-
ado, de forma que os que permaneceram vivos possam ser instalados
sob condições consideravelmente mais favoráveis do que as anteriores.
Os devas controlam esses ciclones e terremotos, e eu sei, por experiên-
cia própria, que sua compaixão por um gênero humano que, através de
sua cegueira, torna tais desastres necessários, é realmente grande. Eles
designam elevado número de sua gente para ir ao encontro dos infelizes
que perdem suas vidas nesses desastres quando passam para o mundo
astral, e fazem tudo quanto podem para acalmar seu medo e ajudá-los a
se aclimatarem às suas novas condições. O mesmo acontece quando há

139
guerras, e inúmeras almas são arrancadas de seus corpos pelas armas
modernas. O número de ajudantes astrais da nossa evolução é insufici-
ente para enfrentar a taxa de mortalidade que acompanha um exército
em avanço contra pesada oposição, de forma que os membros da evo-
lução deva tomam seus lugares, lado a lado com os homens, a fim de
fazerem o possível para ajudar os muitos que estão aterrorizados no
momento qa passagem . É verdade, realmente, que há momentos em
que homens e anjos (devas) caminham unidos, cada qual servindo a Deus
com o máximo de seu ser.
"Devo falar-lhe agora um pouquinho sobre a vida que é vivida na
sétima e última esfera do mundo astral. A primeira coisa que o impres-
siona, quando visita esse lugar, é a completa ausência de qualquer espé-
cie de edifício. Não há, absolutamente, qualquer sinal de habitação hu-
mana, mas descobrirá que há residentes permanentes vivendo nesse
nível, embora façam tudo quanto podem para desencorajar o contato
quando os humanos se aproximam. Tais homens são do parecer que seu
progresso na evolução só pode ser realizado mediante um recolhimento
completo, pela reclusão e por uma vida de silêncio. No mundo físico
foram santos, e viveram separados do gênero humano, em lugares fora
dos caminhos, na raiz ou no topo de solitárias montanhas, onde os
humanos raramente penetram. Esses homens passaram toda a sua vida
em meditação, jejuando e vivendo o que o mundo descreve como exis-
tência ascética. Eles continuam a ser os mesmos, depois da morte, e, no
devido tempo, fazem seu caminho até a sétima esfera do mundo astral,
onde continuam sua vida de meditação. Encontrará homens que duran-
te a vida terrena foram monges ou frades, membros de congregações
que impunham silêncio absoluto e uma vida à parte dos outros seres
humanos normais. Esses homens habituaram-se de tal maneira a viver
dentro de si mesmos, orando durante longos períodos pelo progresso da
humanidade, que depois da morte encontram consolo na continuação
da mesma existência que tiveram durante muitos anos sobre a Terra. No
nível astral não há necessidade de que essas pessoas procurem uma
caverna ou construam casas onde possam viver. Nem alimento nem
acomodação são necessários à sua existência, porque vivem ao ar livre,
habitualmente em bosques ou em lugares retirados, onde podem mais
provavelmente estar a sós, sem serem perturbados.
"Além dos humanos que vivem nesse nível, encontrará ali um núme-

140
ro incontável de membros altamente evoluídos do reino deva, que traba-
lham mas não têm contato algum com os membros da nossa evolução.
"Também encontrará seres humanos cuja estadia no nível astral ter-
minou, e que devem passar pela sétima esfera a fim de alcan çar o mun-
do mental, a través do qual passam, em sua viagem de volta, à parte mais
alta de si mesmos, o ego, que tem seu hábitat natural nas mais altas
esfe ras do mundo mental - o chamado nível causal. Esses humanos são
habitualmente acompanhados até a sétima esfera por guias, homens
como eles, porém mais evoluídos e almas mais velhas. O tràbalho parti-
cular desses guias é explicar, com pormenores, o que representa "a se-
gunda morte" . A passagem do mundo astral para o mundo mental é
inteiramente indolor. Trata-se, apenas, de deixar cair outro envoltório.
O guia trata de erradicar qualquer receio que possa surgir nas mentes
dessas pessoas porque, embora todos já tenhamos feito a mesma via-
gem muitas vezes, depois de completada cada encarnação física, não
nos recordamos das viagens a nteriores, porque para cada nova
encarnação física temos novos corpos, mental, astral e físico, que não
levam com eles lembranças detalhadas das vidas anteriores. A passagem
do mundo astral para o mundo mental é algo que fica fora do controle
do indivíduo médio e, quando chega essa ocasião, e le é forçado a deixar
seu corpo astral pela simples razão de que não tem mais experiências a
ganhar nesse nível. Deve, então, passar para o mundo mental, a fim de
consolidar o trabalho mental que realizou durante sua existência física e
aumentar seu reservatório de conhecimentos, contido dentro do átomo
permanente que representa todas as suas existências físicas. Tendo re-
cebido todas as informações necessárias que lhe podem ser dadas sobre
o problema de sua passagem, o homem vai aos poucos adormecendo e
acorda quase que imediatamente no mundo mental, tendo, durante esse
breve período de sono, se descartado para sempre de seu corpo astral.
Amigos o esperam no mundo mental, exatamente da mesma maneira
com que foi esperado na passagem do mundo físico para o mundo as-
tral. Começa um tipo de vida inteiramente novo, que, no caso do ho-
mem comum, é habitualmente muito mais curta do que a vida que teve
no mundo astral, embora sua duração seja mais longa para os homens
evoluídos.
"O corpo astral, deixado para trás pelo indivídúo que passou, leva
algum tempo para se desintegrar e retornar à massa geral da matéria

141
astral. Durante o período da desintegração, o corpo retém uma parecença
com a pessoa que anteriormente o ocupou. O senhor precisa compre-
ender que se trata apenas de uma casca; contudo, possuindo a natureza
fluídica da matéria astral, pode move r-se por ali e, para uma pessoa
inexperiente, parece conservar uma aparência de vida. Vi pessoas que
tinham visitado a sétima esfera durante sua existência no plano físico
ficarem confusas ao perceber que não podiam conversar com algw11as
daquelas cascas que encontravam a flutuar. Uma casca não é um cadá-
ver, porque, en,bora não tenha qualquer ligação com o homem real, isto
é, com o ego que o despiu, ainda assim contém um pouquinho de vida.
Realmente, até que a desintegração se complete, a casca deve pensar
em si mesma como num homem, pois é um fragmento, uma sombra do
homem que se foi. Nas sessões espiritistas, vemos às vezes manifesta-
ções de vários tipos, quando os que ali estão, em lugar de fazerem con-
ta lo com o próprio homem, apenas têm contato com a casca. E isso
pode acontecer quando o homem de há muito está morto. Assim, um
amigo ou irmã parece voltar, e fala com os presentes, sem, contudo, e
sob vários aspectos, parecer tão intelectual quanto foi. Parece haver
degenerado. Isso é impossível: um homem não degenera, antes progri-
de do outro lado da morte, de sorte que quando quer que se entre em
contato com um caso assim podemos estar certos de que ali não está o
homem real, absolutamente, mas apenas aquele fragmento, aquela cas-
ca que ele deixou para trás. Embora uma casca seja inanimada, é bas-
tante possível que outras criaturas entrem nela, tomando-a como um
corpo temporário e fazendo o papel do homem anterior. Isso acontece
com freqüência com os seres humanos astrais, que gostam de fazer pi-
lhérias, e por espíritos de natureza brincalhona, que podem apoderar-se
de uma dessas cascas, vesti-las como se veste um sobretudo, e fazer
disso uma espécie de baile de máscaras. O homem que se mascarou
dentro da casca, com toda a certeza, dará "provas" de sua identidade,
pois o que quer que entre no cérebro do ocupante anterior, durante sua
existência, terá passado para a sua reprodução astral, e permanecerá ali
para uso de qualquer entidade que se mascare com aquele corpo. Em
muitos casos, uma certeza pode ser adquirida por um pesquisador com
clarividência suficiente para ver o que há atrás da casca; mas quem esti-
ver pesquisando deve usar de muita cautela, pois mesmo uma casca, de
onde os fragmentos de um homem desapareceram, pode ser galvaniza-

142
da para a atividade, dentro da aura de um médium. O senh or poderá
entrar em conta to com cascas, algum dia, no futuro . De uma coisa pode
esta r certo: elas não são de modo algum perigosas, e não lhe poderão
fazer qualquer mal.
"Isso conclui minha conversa, po r hoje. O senhor compreendeu,
sem dúvida , que ela completa o resumo de meu levantamento sobre a
vida nas diferentes esferas do mundo que se segue a este. Quero que
prepare uma lista de perguntas para que eu responda amanhã pela ma-
nhã . Depois disso, quando tiver passado vários dias fazendo experiên-
cias por sua própria conta, eu vire i novamente visitá-lo e d izer-lhe algo
sobre a vida, tal como é vivida no mundo mental. Não terei condições de
lhe dar sobre esse mundo ta ntos pormenores como me foi possível dar-
lhe sobre o mundo astral, p orque é muito mais difícil fornecer analogias
qua nto ao que se passa no mundo mental para compará-las com coisas
similares que tê m lugar no mundo físico. A vida, a li, é muito d iferente da
que temos aqui, pois tudo tem a ver com o pensamento . Aqui temos
mesas, cadeiras e edifícios_ No mundo astral os pensamentos são mesas,
cadeiras e edifícios - na realidade ali nada existe a não ser pensamento
- de forma que o senhor pode muito bem compreender minha dificul-
dade. Provave lmente, irei levá-lo a fazer uma curta visita também ao
pla no mental, na esperança de que seja capaz de recordar a lgo do que
tiver percebido, mais do q ue LJisto ali~ porém, no futuro falarei um pou-
co mais sobre isso.
"Voltarei novamente a manhã, à hora de costume, e espero, então
que sua lista de perguntas esteja pron ta ."

!
j

1
1
143
Capítu[o9

Tive uma noite de sono maravilhosa. Acordei esta manhã à hora


habitual, muito repousado, mas sem lembrança alguma do que aconte-
cera na noite anterior. Minha lista de perguntas está pronta, e espero
que Acharya não a julgue demasi9 do longa.
Estava lendo minhas perguntas quando a porta se abriu e Acharya
cumprimentou-me, dizendo: "Não precisa se desculpar pela quantidade
de perguntas que fez. Não o .animei a fazer perguntas regularmente,
porque sabia que muita coisa se tornaria clara para o senhor através das
experiências pessoais no nível astral. E excesso de interrupções não aju-
dam a quem fala, nem a quem ouve. Farei o que puder, da melhor ma-
neira que puder para responder suas perguntas em linguagem que escla-
reça as suas dificuldades."
P. - Em suas palestras, o senhor jamais mencionou algo sobre o
Céu convencional, o Céu ao qual a grande massa de cristãos aspira .
Esse lugar existe ou está apenas na imaginação dos padres e ministros
da religião, que insistem em sua existência?
A. - Não há, certamente, um lugar como o Céu, mas há um estado
de consciência que é, muitas vezes, classificado como céu pelas pessoas
que vivem em tais condições. Algumas pessoas argumentam que o esta-
do de consciência é encontrado nos estágios mais a ltos do mundo astral,
enquanto outras insistem que tal coisa existe apenas no p lano mental.
Outras pessoas argumentam que há uma diferença entre o que é chama-
do Paraíso e o que é chamado Céu. Deve lembrar-se de que Cristo,
falando com o ladrão arrependido, disse, ao que se conta: "Ainda hoje
estarás comigo no Paraíso." Paraíso era o nome que os gregos davam às

144
regiões mais altas no plano astral. E ensinavam que o Céu era encontra-
do no mundo mental, depois que o homem tinha deixado o mundo
astral, em sua viagem de volta para o lar da alma, ou ego. Nesses altos
níveis, alguns homens se rodeiam com as formas-pensamento; de Serafins
e Querubins em estrita concordância com as antigas escrituras dos
hebreus. Isso é perfeitamente real para eles e não faz mal a ninguém. Se
estão contentes por pensar que há realidade nisso, por que afligi-los?
Muitos deles chegam a fazer farmas-pensamento de Deus ou de São
Pedro, e nada do que lhes pudessem dizer os convenceria de que estão
vivendo num estado de ilusão. Chegará um dia em que terão de desen-
volver seu intelecto um pouco mais, e então irão começar a tentar certi-
ficar-se do que é fato e do que é ilusão.
"Reparo que, embora tenha indagado sobre o Céu convencional, o
senhor não mencionou o lnferno convencional. Isso existe tanto quanto
o Céu, mas não costumamos encontrar pessoas, no mundo astral, fa-
zendo formas-pensamento de um Inferno convencional e vivendo sob
tais condições, pois ninguém faz tanta autocrítica a ponto de chegar a
ter certeza de que o Inferno é o lugar que merece. A maioria das pessoas
que vivem rodeadas pelas formas-pensamento de sua idéia de um Céu
convencional sentem-se muitíssimo felizes por existirem em tais circuns-
tâncias, pois acham que mereceram o direito de estar ali, ou que foram
extremamente afortunadas por viverem num lugar para o qual não têm
muita certeza de estarem qualificadas. Um céu convencional, criado por
pessoas que vivem no nível mental, é bastante diferente - embora sirva
para o mesmo propósito no que diz respeito às pessoas que com ele se
relacionam."
P. - O senhor disse, em sua última palestra, que explicaria a dife-
rença existente entre a vida animal no mundo astral e a vida ali vivida
por um ser humano. Qual é a diferença?
A. - Há uma diferença considerável entre a vida de um animal no
mundo astral e a de um ser humano. No caso do primeiro, dificilmente
ele habita esferas daquele mundo mais altas do que a terceira, porque a
vida que um homem leva nas esferas mais altas tem pouco interesse
para um animal, e só em casos excepcionais um ser humano leva consi-
go um animal predileto quando passa para esferas mais altas. Um ani-
mal tem, isso é certo, uma curta estadia no nível astral, depois de cada
vida física que viveu, mas, habitualmente, tal vida não dura mais do que

145
de dez a quinze anos, no máximo_ Quando chega a ocasião em que uma
alma grupal, à qual o animal pertence, reencarna em novos corpos de
animais, as entidades animais que estavam vivendo existências separa-
das no nível astral são de novo atraídas para a alma grupal, e suas iden-
tidades separadas deixam de existir. A alma grupal, quando suas várias
partes retornam a ela, é colorida pela experiência dessas várias partes, e
a força da vida de que cada grupo é feito torna a dividir-se em seções,
cada seção habitando uma nova entidade animal, em cujos novos cor-
pos adquirem-se novas experiências. Conforme já lhe expliquei, isso
tem continuação até que a alma grupal esteja pronta para se individuali-
zar como ser humano.
"Esses poucos anos que um animal passa no mundo astral são sem-
pre felizes - mesmo nos raros casos em que um cão morre de tristeza
pelo fato de ter sido abandonado pelo dono ou deixado com estranhos
quando esse dono se viu forçado a fazer uma longa viagem. Um animal
assim consegue depressa um novo lar. No mundo astral nunca se vê um
cão a pedir comida, ao passo que, como aliás o senhor mesmo pôde
observar, há muitos humanos que continuam a comer e a beber depois
da morte, apenas por terem adquirido esse hábito. Um cão ou um gato
só comem quando têm fome, e raramente por avidez. Como no plano
astral eles não têm fome, nunca pedem alimento. Um cão de caça foi
treinado, durante a vida, para caçar. Depois da morte continua a fazer o
mesmo. Seu instinto é procurar a presa e, sendo essa procura, por .si só,
um pensamento, a caça imediatamente aparece e o cão mais que de-
pressa se põe a caçá-la. Se chega ou não a alcançá-la, não tem muita
importância pois a caça não passa de uma forma-pensamento e não
pode ser morta no sentido comum da palavra. Contudo, o cão diverte-se
com a corrida e sua vida continua a ser feliz.
"O cavalo que durante a existência foi animal favorito de um apreci-
ador de cavalos, depressa encontra um novo dono com amor idêntico
pela sua raça, e a mesma rotina continua para benefício e prazer tanto
çlo cavalo como do cavaleiro. Em alguns casos, depois qµe· o animal
favorito morre, seu dono pensa muitíssimo nele ao adormecer. O animal
sente 'o chamado', e às vezes consegue ter contato com seu antigo
dono e passa algumas horas em sua companhia_ Infelizmente, isso: não é
desejável, porque o cavalo ou o cão sentem a perda de seu dono, quan-
do ess.e dono retorna a seu corpo físico, depois que se completa o perí-

146
odo de sono. É mais bondoso, portanto, permitir que eles se apeguem a
seus novos donos ou donas. Há casos raros em que a afeição entre um
ser humano e seu animal de estimação é tão forte, que a alma grupal da
qual o animal faz parte fica, a seu modo, ligada a esse ser humano. Isso
só pode acontecer quando se aproxima o fim do período da alma grupal,
quando ela está dividida apenas em duas partes, à espera do tempo em
que se deve individualizar como ser humano. Tendo o ser humano feito
tanto por essa alma grupal, ajudando-a a erradicar os últimos vestígios
de medo nos animais a ele ligados, toda a alma grupal, composta de dois
cães ou de dois gatos, por exemplo, tem duas ou três vidas consecutivas
na mesma casa . Dessa mane ira, o prazo em que deve ocorrer a
individualização é consideravelmente encurtado. Eu poderia falar-lhe de
exemplos autênticos desse fato, mas meu tempo é limitado .
"O período que um animal passa no mundo astral é demasiado curto
para que as condições que ali prevalecem possam influenciar profunda-
mente a evolução da alma grupal; portanto, quando esse período termi-
na, os animais desaparecem dos lares aos quais se haviam ligado, para
retornar às suas a lmas grupais, a fim de terem novas encarnações no
mundo físico, onde adquire m mais experiência."
P. - Por que Charles não veio ter conosco quando de nossa segun-
da viagem astral? Não está mais interessado em mim, dado que tem uma
vida nova tão diferente e mais eletrizante do que a física, ou não pode se
reunir a nós sem assistência?
A - Agrada-me muito que tenha levantado essas questões, pois,
embora me tome algum tempo para lhe responder o que deseja saber, é
muitíssimo necessário que se esclareça o porquê de as oportunidades de
movimento astral variarem para visitantes temporários e para residentes
permanentes. Enquanto a vida física continua, o corpo astral é um cor-
po auxiliar, mas é usado por nós durante nossas horas de sono, para
atividades no mundo astral. Esse corpo, composto de matéria astral, tem
partículas que se relaciona~ com todas as diferentes esferas do mundo
astral e, enquanto temos nosso corpo físico, essas particulas se acham
misturadas umas às outras. Podemos viajar por qualquer esfera do mun-
do astral, para cima e para baixo, apenas exercendo nossa força de
vontade e, de acordo com a esfera a que pretendemos ir, essas partículas
do nosso corpo astral se tornam ativas e tornam possível a viagem dese-
jada. Para tornar isso perfeitamente claro, quando estamos estagiando

147
na primeira esfera, nessa ocasião as partículas referentes a essa esfera
estão em atividade; mas quando se passa, por exemplo, da primeira
esfera para a quarta, isso significa que as partículas da quarta esfera se
tornam ativas, ao passo que as partículas relacionadas com as outras
esferas continuam adormecidas, enquanto nossas atividades se exerce-
rem na quarta esfera.
"Enquanto temos o corpo físico, esse processo continua; mas quan-
do o corpo físico, no momento da morte, é largado, o corpo astral, que
era antes massa de partículas em movimento, todas interligadas, se reo r-
ganiza de forma completamente diversa. Para que o senhor compreen-
da isso pe rfeitamente, tente visualizar o corpo astral, depois da morte,
como um ovóide, semelhante a uma laranja, dotada de um núcleo envol-
to em sete peles separadas e distintas. O núcleo representa o átomo
permanente que se relaciona com todas as diferentes esferas, tanto do
mundo astral como do mundo mental. As sete peles são compostas de
matéria relativa às sete diferentes esferas que existem no nível astral, das
quais o senhor conhece algo. No momento da morte, o corpo astral
acomoda a matéria da qual é composto, de forma que a pele externa, ou
mais densa, é feita de átomos semelhantes aos necessários para que se
possa fun cionar na primeira esfera, a mais densa daquele mundo. Quan-
do, após um período de tempo, deixamos a primeira esfera e passamos
à segunda, descartamos a pele externa, e ficam os átomos relativos à
segunda esfera daquele mundo; esses átomos então se tornam ativos, na
parte externa de nosso corpo. O mesmo acontece quando passamos
para as esferas mais altas. Ao passar, deixamos a pele externa, que
estivemos usando, e ficamos com a que estava imediatamente abaixo, e
que se torna de pronto ativa e nos capacita a estar amplamente consci-
entes na esfera para a qual passamos. Se desejarmos passar novamente
para uma esfera mais baixa, digamos que da quarta para a primeira
esfera, é necessário - para o residente permanente - apelar para os
átomos contidos dentro do núcleo da laranja - o átomo permanente -
a fim de efetuar a mudança . Isso requer esforço de vontade muito maior
do que aquele que se exige do residente temporário, pois que ele deve
atrair de novo para seu corpo astral uma nova pele, relativa à matéria
astral em cuja esfera deseja funcionar.
"Charles não nos acompanhou em nossa segunda viagem astral
porque eu não o convidei; ele não sabia, portanto, que essa viagem

148
estava programada. O senhor pode compreender agora que, se eu tives-
se levado Charles em nossa viagem, seria necessário que eu lhe explicas-
se, com pormenores, o mecanismo que devia ser empregado para
capacitá-lo a regressar à primeira esfera onde ainda está vivendo. Não é
porque Charles esteja considerando a vida no nível astral muito cheia de
ocupações que o senhor não o tem visto nestes últimos dias, mas sim-
plesmente porque o indivíduo comum, que vive no mundo astral, não
anseia por contatos com as pessoas que vivem em nosso mundo, da
mesma maneira pela qual o senhor desejou ter contato com Charles
imediatamente depois de sua morte . O senhor pergunta se Charles po-
deria reunir-se a nós sem assistência, e é mais do que certo que poderia,
contanto que pensasse nisso com firmeza suficiente para que seu desejo
fosse conhecido por nós. Ele poderia, por exemplo, esperar em seu
quarto todas as noites, se quisesse, pelo momento em que o senhor
deixa seu corpo físico. Então, poderia dizer-lhe do seu desejo de o acom-
panhar onde quer que fosse . Charles não mostrou uma firme tendência
nesse sentido e por isso o senhor não teve contato com ele, ultimamen-
te. Caso isso o preocupe, deixe-me assegurar-lhe que Charles, no mo-
mento, está ocupado com uma temporária atração por uma integrante
do sexo oposto que morreu recentemente. Sente-se muito feliz ao ser-
vir-lhe de guia, dando-lhe provas de tudo o que sabe a respeito das con-
dições a que presentemente ela chegou. Minha sugestão ao senhor é
que o deixe em paz por enquanto, pois penso que mais tarde irá ligar-se
de novo com Charles, para benefício mútuo."
P. - O senhor não mencionou por que certas pessoas nascem de-
feituosas e outras cegas. Ainda há os surdos-mudos. Há alguma razão
para isso?
A. - Há por certo uma razão, e os poucos comentários que fiz
sobre a lei do carma, ou da causa e efeito, deveriam ter respondido a
essa pergunta. É essencial que o senhor se convença, com bastante cla-
reza, de que todas essas tragédias são produzidas apenas pelo indivíduo
a elas relacionado, através de suas ações em vidas passadas. Urna crian-
ça nasce defeituosa, às vezes, porque numa vida passada causou sofri-
mento extremo a um ser humano ou a um animal. Um homem pode,
numa cólera produzida por embriaguez, bater tão cruelmente numa cri-
ança que as pancadas produzam urna deformidade física que a ciência
médica não pode curnr. Isso, indubitavelmente, fará com que esse ho-

149
mem nasça defeituoso na próxima vida, e seja forçado a sofrer da mes-
ma maneira . As pessoas às vezes nascem surdas e mudas porque, numa
vida anterior, tiveram a infelicidade de serem pais de uma criança surda-
muda e, em lugar de tornar felizes as condições da família para essa
criança, mostraram desapontamento por ter um filho anormal, culpan-
do disso a pobre criatura, que não se podia defende r, fazendo portanto a
vida da criança muito pior do que seria necessário que fosse . Mesmo
pessoas evoluídas, que sabem a razão pela qual crianças nascem defeitu-
osas ou anormais em qualquer sentido, às vezes deixam de compreen-
der que ter filhos anormais é uma oportunidade inexcedivelmente boa
para os pais produzirem bom carma, tratando esses filhos com benevo-
lência e compreensão. Pode argumentar que a justiça hoje é muito dife-
rente da do passado, mas as ações imprudentes das nossas vidas passa-
das devem ser pagas, mesmo que nessas passadas encarnações o ho -
mem fosse menos sen sível à dor do que o é hoje, e se habituasse a um
tratamento muito mais rude. Não se esqueça de que é a intenção que
decide sobre a quantidade de sofrimento.
"Conseqüências cármicas semelhantes seguem-se à crueldade emo-
cional e mental. Muito freqüentemente se vê uma mãe, viúva, colocando
obstáculos ao casamento de um filho, apenas porque deseja, egoisti-
camente, manter o rapaz no círculo da família. A mãe argumenta que o
casamento seria inconveniente pela diminuição da renda familiar, ou
que ela é frágil demais para ficar sozinha, e assim o rapaz, levado pelo
senso do dever, abandona a oportunidade de fazer um casamento feliz e ,
despido de egoísmo, dedica sua vida a cuidar da mãe egoísta. Nem sem-
pre ele compreende que a mãe está sendo egoísta, embora o fato seja
claro para toda gente. O resultado cármico desse egoísmo é que só se
pode considerar como justo o fato de, numa vida futura, essa mulher se
apaixonar por alguém e esse alguém vir a morrer, ou a ser morto, antes
que o casamento se realize. Depois de muitos anos, recuperando-sedes-
sa perda, essa mulher encontra outra pessoa que se apaixona por ela.
Parece não haver razões para que as coisas não corram bem, nessa
ocasião, mas o Destino de novo dá uma cartada no jogo da vida: ambos
contraem uma doença incurável impossibilitando o casamento em ques-
tão. Como as pessoas não sabem p or que tais coisas sucedem, inclinam-
se a pensar que a criatura visada está servindo de brinquedo nas mãos de
um Criador sem bondade; mas e<;se não é o caso, porque não podemos

150
sofrer de fo rma alguma, a não ser que tenhamos produzido uma causa
para esse sofrimento."
P. - Por que certas pessoas nascem sob "boa estrela", com muito
dinheiro, boa saúde, e todas as vantagens aparentes, quando outras nas-
cem em favelas, sem qualquer van tagem natural, e muitas vezes com
doenças herdadas de seus pais?
A. - O ambiente em que cada ser humano nasce é feito por ele
próprio, numa encarnação anterior, também de acordo com a lei do
carma. Quando um homem nasce com o que o senhor chama de "boa
estrela", com muito dinheiro e saúde perfeita, o mundo acha, natural-
mente, que ele foi abençoado pela Divina Providência. Mas essa oportu-
nidade de uma vida suave está apenas de acordo com aquele que a
merece. O homem que nasce em favelas , com muitas limitações, e tal-
vez com moléstias hereditárias, é considerado sem sorte, mas eu lhe
posso assegurar que também ele ganhou o que merece. Para encontrar
um exemplo quanto a um homem que ganhou o direito de nascer "com
uma colher de prata na boca", basta que olhe entre as pessoas pobres
do mundo, e vai encontrar esse exemplo. Quantas vezes o senhor viu
mostras de generosidade por parte de uma pessoa que não foi abenço-
ada com muitos dos bens deste mundo, mas que, apesar disso, se dá ao
trabalho de prestar assistência aos ainda menos afortunados? Essa pes-
soa, em geral, é explorada por indivíduos sem escrúpulos. Ações gene-
rosas, como as que tais pessoas realizam, ganham para elas o direito de
nascer em circunstâncias muito diferentes, quando de futuras existênci-
as, e raramente elas perdem a oportunidade que uma grande fortuna
propicia, porque continuam a ajudar o próximo como fizeram no passa-
do, com benefício para elas próprias e para o mundo. Se essas oportu-
nidades forem desperdiçadas, então o homem produz mau carma, em
lugar de bom, e teria sido melhor para ele nascer em circunstâncias
menos favoráveis, do ponto de vista terreno.
"Não é, necessariamente, uma grande falta de sorte um homem
nascer em circunstâncias humildes. Em tais casos, ele tem oportunida-
des de ultrapassar as limitações de seu ambien te, através dos próprios
esforços . Vemos, amiúde, tais homens dominarem os obstáculos de seu
nascimento e conseguirem êxito, ch egando a tomar o lugar de líderes de
sua geração. É preciso ter coragem para fazer isso; contudo, os esforços
feitos não só melhoram o caráter do homem, mas o capacitam a produ-

151
zir muito bom carma nessa encarnação. Seus esforços e sua recusa a se
inibir por essas limitações naturais garantirão, habitualmente, na vida
que se seguir, um ambiente muito mais favorável."
P. - Pode explicar por que algumas raças nascem com a pele escu-
ra e outras com a pele branca? Um homem de pe~e branca é sempre
mais evoluído do que um homem de pele escura? E boa coisa o casa-
mento entre indivíduos de raças diferentes? Um homem branco torna a
nascer numa raça escura, tendo antes habitado um corpo branco?
A. - Do ponto de vista espiritual, não há razão para supor que a
pele branca seja necessariamente melhor do que a pele escura. A cor da
pele de um homem não denota sua posição na escala evolutiva, e é
quase sempre devida ao clima que prevalece no país onde ele nasce. A
questão da nação de nascimento é habitualmente decidida para o ho-
mem embora o ego tenha certa possibilidade de escolha. Antes que se
inicie o retorno à vida física, o ego vê quais as características especiais
de que carece e, tendo cada nação suas características próprias, expres-
sadas por praticamente todos os seus membros, um ego nasce, amiúde,
como filho de uma família que faz parte da nação de cujas virtudes pre-
dominantes e caract~rísticas esse ego carece, a fim de que elas possam
ser incorporadas à sua estrutura futura .
"Há muitos milhares de anos, as partes deste planeta habitadas por
homens eram as regiões onde agora encontramos povos indígenas de
pele escura. Embora a Austrália seja hoje um país de homens brancos,
os aborígines da Austrália eram negros. Na África do Sul, os habitantes
primitivos eram pessoas de pele escura e apesar de haver ainda grande
número de pessoas de pele escura vivas, a África do Sul de hoje é con-
trolada pelos brancos. Todos nós, em nossas mais antigas encarnações,
ocupamos corpos de pele escura. Com o progresso das civilizações, os
países agora conhecidos como Ocidente foram sendo habitados, e para
que essas regiões se desenvolvessem tão rapidamente quanto possível,
os homens perfeitos, que supervisionam a ascensão e declínio das na-
ções , trataram de fazer com que alguns dos egos mais avançados do
mundo nascessem como filhos dos pioneiros, que foram os primeiros
habitantes dos povos ocidentais. Sendo o clima desses países geralmen-
te muito mais frio do que o dos países do Oriente, o sol teve menor
efeito sobre as peles daqueles indivíduos, e o resultado foi o surgimento
da raça branca. O progresso, hoje, emana, em sua maior parte, das

152
nações ocidentais e, por causa disso, é desejável que os homens mais
experientes do mundo, as almas velhas, nasçam em corpos ocidentais.
A Grã-Bretanha foi uma nação líder em todo o século passado, ou mais;
por isso, recebeu a devida cota de egos adiantados; mas agora a Améri-
ca está tomando a si a responsabilidade dessa difícil posição. Não é o
acaso, certamente, o que decide se um homem deve nascer inglês, ame-
ricano do norte, alemão ou chinês.
"Deve ser óbvio para o senhor que todos os homens de pele branca
não são mais evoluídos do que todos os homens de pele escura. Cada
nação do mundo requer certo número de egos evoluídos e experientes
para liderá-la e ajudar seu progresso na evolução, de forma que sempre
nasce certo número de almas velhas em cada nação. Não quero dizer
com isso que as almas velhas tenham de nascer sempre em corpos que
conhecemos como de aborígines da Austrália. Isso seria impossível, por-
que esses aborígines não constituem uma nação, mas uma raça que está
morrendo e, assim, as únicas entidades que habitam esses corpos são as
que foram, originalmente, membros dessa raça, que não haviam progre-
dido tão depressa ou tanto quanto os outros membros originais da mes-
ma, que haviam passado para outras raças há já muito tempo. Ponha a
Índia em confronto com isso: naquele país, o senhor encontra milhões
de seres não evoluídos, mas encontra também grande número de inte-
lectuais, e muito homens extremamente espiritualizados. A Índia sem-
pre foi um país muito preocupado com seu desenvolvimento espiritual.
Acredite: esse país tem uma cultura antiga, com um papel muito impor-
tante no que diz respeito ao progresso do mundo nos séculos vindouros.
É necessário, obviamente, que uma região assim dê nascimento a egos
capazes de guiar o futuro de seus incontáveis milhões, de forma que, em
anos futuros, ela possa desempenhar a parte que lhe está destinada.
"Quanto a saber se indivíduos de raças diferentes devem casar-se,
esta é uma questão de solução difícil. Às vezes pode acontecer que pes-
soas nascidas em nações diferentes tenham estado vinculadas uma à
outra em vidas passadas, através do casamento, por exemplo. Quando
essas pessoas se encontram nesta vida, como membros de nações dife-
rentes, a atração que os reuniu no passado pode ser ainda tão forte
quanto antes foi. Em alguns casos pode ser vantajoso para tais pessoas
um novo casamento . Só invesligando as experiências passadas de cada
um seria possível dar uma opinião válida. Acho que não é muito para se

153
desejar que um homem branco case com uma mulher de cor, ou vice-
versa, porque os hábitos e cultura das diferentes raças não se mesclam
bem. Esses casamentos, portanto, não trazem vantagem para qualquer
dos cônjuges. O resultado podem ser filhos mestiços, que vêm a sofrer
por isso.
"Um homem nascido num corpo branco não retornará à Terra, ne-
cessariamente, como membro da população branca, em sua próxima
encarnação. Isso também é uma questão de carma e de muitas outras
círcunstâncic1s, de modo que não se pode dar uma resposta generalizada
a uma pergunta <lesse tipo. No caso do homem branco que, por senti-
mento de superioridade, explora outros membros da raça humana ape-
nas porque essas pessoas têm a pele escura, a lei de causa e efeito
entrará em ação. Provavelmente esse homem será forçado a nascer
numa raça de cor em sua próxima encarnação, de forma que possa
aprender as lições de tolerância e compreensão, sentimentos dos quais
evidentemente carecerá numa existência ulterior."
P. - O senhor não falou no que sucede a uma pessoa que comete o
suicídio. Esse ato é um grande crime?
A. - Tirar a vida de si próprio não é apenas um crime, mas um ato
extremamente insensato. Não resolvemos nossas dificuldades fugindo
delas. Isso apenas irá adiar-lhes a solução para uma vida futura. Alguém
poderia argumentar que as circunstâncias que tem de enfrentar são
motivos para o suicídio; contudo, essas circunstâncias foram julgadas
necessárias para seu progresso na evolução, e ele terá que passar por
elas, mais cedo ou mais tarde. Do mesmo modo pelo qual uma criança
que falta à escola repelirá o ano escolar até que compreenda que, para
se qualificar num nível superior, deve conseguir pelo menos um mínimo
de média em todas as disciplinas, o homem que comete suicídio tem de
voltar ao mundo. Em sua próxima vida, uma série de circunstâncias se
juntarão de novo, para formar os mesmos obstáculos e dificuldades de
que desejou escapar. Deve, então, enfrentá-las e dominá-las, pois, se
fugir mais uma vez, estará apenas retardando sua própria evolução e,
enquanto não fizer face a esses obstáculos, ultrapassando-os e apren-
dendo as lições que eles pretendem ensinar, esse homem nunca será
capaz de dar mais um passo sequer no caminho que leva à perfeição.
Habitualmente, ao gesto suicida segue-se um remorso extremo e, dentro
de um espaço de tempo muito curto, depois de sua chegada ao mundo

154
astral, a maioria dos suicidas daria qualquer coisa para anular o ato im-
pensado. In felizmente, eles não podem voltar, mas devem aguardar até
que chegue a época de sua próxima encarnação. E não lhes deixam
quaisquer dúvidas de que em sua próxima existência terão de enfrentar
de novo as mesmas dificuldades.
"Pelo fato de um homem sofrer tanto pelo remorso, e porque daria
tudo para voltar a seu corpo físico, mesmo que fosse para fazer face às
conseqüências, ele muitas vezes se recusa ao esforço de vontade neces-
sário para se livrar de seu veículo etérico, que, como o senhor se deve
lembrar, enrola-se em torno do corpo astral no momento da morte. Por
causa desse veículo etérico pendente dele, esse homem se torna o que é
conhecido como "ligado à terra", por tanto tempo quanto dure sua obs-
tinação em não se livrar dele. Sendo um suicida, ele não recebe o mes-
mo auxílio afetuoso dos ajudantes astrais, auxílio que, como o senhor
viu, é altruisticamente dado a todos os que passam para o próximo mun-
do de maneira normal. Desse modo, ele pode permanecer "ligado à
terra" pela ignorância, sendo incapaz de funcion ar apropriadamente em
qualquer desses mundos, o físico e o astral, e sentindo a profunda soli-
dão que essas circunstâncias propiciam. Depois de um período de tem-
po que lhe parece uma eternidade , através de uma mudança ocorrida
em sua mente, atrairá para si alguém que o auxilie, depois do que pode
começar a viver sob condições astrais.
'' As condições excessivamente desagradáveis existentes nessa região
de ninguém, tornam às vezes um homem tão amargo contra seu Cria-
dor e a humanidade em geral, que ele passa a perambular pelo lugar
onde tirou a própria vida, tentando influenciar outras pessoas a fazerem
o mesmo. A razão desse comportamento é a terrível solidão de seu
estado presente. Esse homem sente que, se puder persuadir outros a
fazerem o que ele fez, não ficará inteiramente só em sua angústia. Em
raras ocasiões ele consegue êxito nesse seu esforço, e o resultado cármico
desse ato significa que ele terá que sofrer imensame nte em sua próxíma
existência. Suicídio nunca é urna libertação, mas apenas um adiamento,
e não há circunstâncias no mundo que sejam tão más a ponto de leva-
rem um homem a recorrer a esse método para escapar de tais circuns-
tâncias."
P. - Se há um deus ou uma deidade controlando nossas vidas, por-
que ele permite as guerras, particularmente quando a maioria dos seres
humanos deseja a paz?

155
A. - Por que o senhor sugere que as guerras são feitas, ou permiti-
das, por um Criador? As guerras, de modo definitivo, são o resultado das
ações do homem e de suas tendências a9ressivas. Haverá guerras en-
quanto houver nações separadas no mundo, e enquanto algumas na-
ções desejarem governar para explorar outras nações. Há um carma
nacional, tal como há um carma individual, e os grupos de pessoas que
se têm agrupados como nação específica, interferindo na vida de outra
nação, devem suportar as conseqüências dessas ações, tenham sido elas
boas ou más. Em muitos casos, uma nação argumentará que tem as
melhores inte nções para com os povos que conquistou; mas a história
quase sempre é prova de que urna nação conquistada nunca se acomoda
sob o tacão de um conquistador, nem pode evoluir tão depressa como se
fosse deixada em paz para trabalhar pela sua própria salvação.
"Guerras engendram guerras, e isso será assim até que a humanida-
de compreenda que todos os membros da raça humana são membros da
mesma família e devem ser tratados com solidariedade e compreensão,
recebendo auxilio como a coisa mais natural do mundo. No devido tem-
po, não haverá mais nações separadas, porque todos os homens viverão
juntos, em harmonia, cada grupo permutando com o outro as coisas de
sua especialidade, o mesmo acontecendo com os artigos manufaturados
que seu treinamento permitiu aperfeiçoar. A essa altura, as diversas na-
ções serão simples estados de uma nação mundial, e homens sábios,
retirados de cada grupo, governarão e legislarão para o bem de todos. É
verdade que a grande maioria dos homens deseja a paz, mas, infeliz-
mente, a paz e a guerra são decididas por aqueles que acontece estarem
no poder n o momento. A responsabilidade de qualquer nação ou de
qualquer grupo de homens é realmente grande, e raramente, se é que
chega a acontecer, uma guerra pode ser justificada, sejam quais forem
os argumentos que possam ser apresentados na tentativa de provar que
não havia outra coisa a fazer. O mundo muito brevemente terá consciên-
cia de que mesmo as nações que vencem as guerras modernas, no fim
perdem. Depois de uma guerra, as condições que prevalecem rio mundo
são de tal modo difíceis, que qualquer vantagem aparentemente ganha é
ultrapassada pelos problemas do após-guerra que as nações são força-
das a enfrentar. Não pense, nunca, que as guerras são desejadas pelos
poden~s qu e controlam a Criação. Esses homens que alcançaram a per-
feição fazem tudo quanto podem para levar a humanidade pelos cami-

156
nhos da paz e do progresso, mas seus esforços são limitados, porque aos
homens foi outorgado o livre-arbítrio. Essa é a herança peculiar que lhes
é devida, como membros que são do reino humano."
P. - Quando as pessoas são muito evoluídas, obtêm automatica-
mente a continuidade de consciência que as capacita a recordar o que
fazem quando adormecem e deixam seus corpos?
A. - Minha resposta depende do que o senhor considera uma pes-
soa evoluída. O homem médio tem de quinhen tas a seiscentas encar-
nações em diferentes corpos, durante o tempo que decorre entre sua
primeira e sua última vida como ser humano, quando, então , passa pela
quinta iniciação e se toma um adepto. Embora sejam necessárias cerca
de seiscentas vidas para que se aprenda todas as lições que este mundo
tem a ensinar, é apenas durante as últimas cinqüenta vidas, mais ou
menos, que um homem desenvolve a visão do oculto, e aprende a usar
as faculdades latentes em todos os homens, tais como a intuição, a cla-
rividência e o poder de, conscientemente, sair de seu corpo quando
disso houver necessidade. Falando de modo geral, podemos supor que
um homem evoluído tenha desenvolvido essas faculdades. Contudo, é
possível que alguém não totalmente evoluído receba a oportunidade de
se desenvolver por essa linha particular; seu próprio caso pode servir de
ilustração ao que digo . O senhor provavelmente tem mais umas cin-
qüenta encarnações pela frente, antes de alcançar o estágio do homem
perfeito, mas, como tinha grande necessidade, o senhor recebeu ensi-
namento especial e, em troca, espero que mostrará sua gratidão passan-
do esse conhecimento a outros menos afortunados que o senhor. Se
continuar a trabalhar como está trabalhando agora, verá que sua lem-
bra nça do que se passa quando está fora de seu corpo irá se tornando
cada vez mais clara, e seu conhecimento da vida para além da sepultura
o tornará apto a progredir muito mais rapidamente do que é habitual.
Ao mesmo tempo, isso lhe trará muita paz e alegria mental. Não imagi-
ne que, tendo desenvolvido essa faculdade, o senhor se tenha tornado
diferente ou superior a muitos outros que, provavelmente, receberiam
com satisfação uma oportunidade igual. O orgulho sempre constitui um
perigo, porque ele sempre é responsável pela retirada do auxílio dado a
uma pessoa, resultando, para a mesma, numa volta ao Abismo do Desa-
lento.
P. - Nascemos em número igual de vezes como homem e como
mulher ou o sexo é apenas ocasional?

157
A. - Sua última pergunta é de fácil resposta. Não, o sexo não é
apenas ocasional, e não nascemos em número igual de vezes como
homem e como mulher. Só é possível adquirir determinadas característi-
cas quando em corpo feminino, e outras quando em corpo masculino.
Quando alcançarmos a perfeição, teremos todas desenvolvidas, em ex-
tensão mínima, as virtudes que se somam para o ideal de um homem
perfeito, e muito mais do que o mínimo em algumas virtudes. Um ho-
mem que se desenvolve através da ação tem, naturalmente, um caráter
diverso daquele que se desenvolve levando uma vida santa, através da
capacidade de meditar durante longo tempo, no empenho de auxiliar o
próximo. Todos os tipos de seres aperfeiçoados são necessários, e mui-
tas são as formas que tomamos para realizar nosso destino . Se uma
pessoa carece da coragem e da capacidade de tornar decisões sólidas e,
assim, governar fielmente seus concidadãos, isso quer dizer que, prova-
velmente, essa pessoa poderá ter que nascer num corpo masculino du-
rante duas ou três vidas consecutivas, de forma que tenha ampla oportu-
nidade para o desenvolvimento do que necessita . Se, por outro lado, um
indivíduo carece do chamado instinto maternal (ou mesmo paternal) e
também foi incapaz de devotamento e capacidade de amor altruísta por
alguém, mesmo quando esse amor tenha sido desdenhado, isso signifi-
ca, provavelmente, que uma ou duas vidas num corpo de m ulher seriam
desejáveis, de forma que essas lições possam ser aprendidas. Teorica-
mente, uma pessoa deveria habitar o mesmo número de corpos mascu-
linos e femininos no tota l de suas vidas, mas na prática a coisa não se
passa desse modo, porque as pessoas se desenvolvem mais facilmente
num tipo de corpo do que no outro. No devido tempo, quando um ho-
mem alcança a perfeição, terá que apresentar todas as notáveis qualida-
des de ambos os sexos razoavelmente desenvolvidas. Quando o senhor
tiver oportunidade de encontrar a lguns desses homens aperfeiçoados,
verá que o que lhe digo é realmente uma verdade.
Acharya continuou: -Chegamos assim ao fim de suas perguntas e,
depois que tiver traduzido suas notas taquigráficas, relend o-as, espero
que considere que as respostas que lhe dei tenham esclarecido os pontos
apresentados. Se eu fosse o senhor, iria deitar-me cedo hoje . Teve um
dia cansativo. E não se deve dar ao trabalho de concentrar-se a ntes de
adormecer para recordar, amanhã de manhã, o que fizer esta noite. Não
tornarei a visitá-lo durante uma semana, pelo menos, de forma que terá

158
bastante oportunidade de fazer experiências por si mesmo e, como lhe
disse ontem, se tiver alguma dificuldade, estarei por perto a fim de ajudá-
lo. A paz fique consigo, meu filho. Retiro-me, agora ."

Eu poderia fazer uma longa descrição de tudo o que aconteceu na


semana seguinte, mas prefiro fazer um resumo dos pontos p rincipais.
Logo na primeira noite consegui fazer meu caminho até a casa de
Daphne, onde a encontrei recebendo amigos. Fui apresentado e tive
interessantes conversas com muitos deles sobre fatos atuais do mundo
- a cujo respeito verifiquei que estavam muito bem informados. Muitos
filmes foram exibidos para mim, mostrando os jardins que rodeavam as
casas daquele vale. Esses jardins eram muito mais bonitos do que qual-
quer dos que eu já havia visto. Quando apareciam jardins, que de forma
alguma eram desenhados, eu via espíritos da natureza, minúsculos seres,
que não podiam ter mais do que seis ou sete centímetros de altura,
julgando-os em proporção com as flores que eu conhecia, e que dança-
vam de ntro e fora do filme . Quando pousavam numa flor, o caule estre-
mecia de leve, tal como o faria sob uma grande borboleta ou abelha.
Eram, realmente, perfeitas réplicas das fadas descritas nos livros que as
crianças de todas as idades amam - com uma importante d iferença: a
completa ausência de asas. Isso pode ser compreendido, porque,
logicamente , as asas são inteiramente desnecessárias no nível em que
existem os espíritos da natureza.
Na segunda noite saí do meu corpo, pretendendo visitar a terceira
esfera mais uma vez, porém, quando me encontrei pairando sobre a
1 minha cama, na qual meu corpo estava deitado, a primeira coisa que
ouvi foi a voz de Charles, falando comigo em sua característica gíria do
í exército. Dizia: - Já era tempo de você me procurar. Estive aqui pelo
menos três vezes depois daquela noite em que você e seu amigo hindu
! foram a Londres comigo. E todas as vezes seu velho corpo aí estava,
mas você tinha dado o fora . Eu não sabia por onde andava transando,~
por isso não pude segui-lo. Desta vez resolvi chegar bem cedo, para que
1 você não me escapasse. - Meu querido Charles - disse eu - sinto
terrivelmente . Não sabia que você andou me procurando, porque tenho
1 estado muitíssimo ocupado e realmente muito interessado em tudo quanto
tenho visto. - E que tal irmos lá para cima, para o quarto da torrezinha,
1 que era o seu predileto, conforme me recordo - disse Charles - e

! 159

1
então conversar longamente, tal como nos velhos tempos? - Boa idéia,
meu velho, vamos lá. - Assim, subimos para o meu retiro particular,
onde tagarelamos sobre os velhos tempos, e eu lhe contei mais ou me-
nos quanto me havia acontecido até aquele dia.
Charles disse: - Estou extremamente alegre por você ter tido a
sorte de conhecer Acharya, porque me afligia muito, depois que morri,
ver quanto estava angustiado e infeliz. Tentei o mais que pude falar com
você, mas não conseguia fazer com que me ouvisse. E tínhamos sido tão
bons camaradas nos velhos tempos, embora eu sempre o achasse um
coroa, já que era muito mais velho do que eu. Agradeço tudo que fez por
mim desde o tempo em que começou a me ensinar futebol e me deu as
primeiras lições de como segurar o bastão de baseba/1. Que coisa engra-
çada é a vida! Minha idéia era mais ou menos divertir-me, tirar da vida o
melhor que pudesse e, possivelmente, mais tarde, casar-me com alguma
boa moça e constituir família. Quando conheci Acharya, ele me impres-
sionou com o fato de que um homem não se modifica depois da morte.
As condições sob as quais vive é que são diferentes. Verifiquei que isso é
absolutamente verdade.
- Sim - respondi-, soube por Acharya que você não estava
sendo exatamente infeliz. Ele me disse que você se ligou a uma moça
que deixou o mundo recentemente. É verdade?
Ele terá corado, ou eu imaginei isso?
- Sim, é bem verdade - falou Charles. - Acho que o tempo
passa quando se tem urna jovem para acompanhar a gente nos passeios
por aí. No caso dela, penso que lisonjeia a minha vaidade; ela acha que
eu sou um tipo bacana, só porque sei um pouco mais do que ela. Essa
moça não foi muito feliz no mundo, e penso que isso de andar por aí,
vendo shows e indo a restaurantes é emocionante, durante certo tempo.
- Oh! Charles! - disse eu. - Há uma coisa que desejo perguntar. Há
alguma relação sexual em seu nível, depois que perdeu seu corpo físico?
- Dessa vez tenho certeza de que ele corou, mas respondeu: - Bem,
sim, há, de certa forma, e penso que a maioria se regala com isso, mas
não é a mesma coisa, se comparada ao plano físico. Chega-se a urnas
tantas coisas da mesma maneira, e como, provavelmente, eu teria sen-
tido certo acanhamento quanto a falar sobre meus casos secretos de
amor, se você me tivesse perguntado a respeito antes da minha morte,
também me sinto assim para falar dessas coisas agora.

160
Eu disse: - Não tive a intenção de falar de seu caso pessoal, e só
estou interessado em reunir o máximo de informações sobre as diferen·
ças entre as condições dos planos físico e astral, e sobre os vários níveis
desse último. Já lhe contei da minha ida até Daphne, em um dos níveis
mais elevados, onde ela já está estudando música. Eu amava muito
Daphne, quando ela estava viva, e lhe teria pedido que se casasse comi-
go, assim que pudesse manter uma esposa. Embora nós nunca tivésse·
mos experimentado as relações físicas do casamento, sinto que as asso-
ciações platônicas que teremos agora, naqueles níveis mais a ltos, não só
durarão durante toda a nossa existência astral, mas serão de grande
benefício para nós em nossas próximas encarnações. Que tal você vir
comigo uma noite e deixar que eu lhe apresente Daphne? - Sim, eu
gostaria - disse Charles. Sugeri, então, a noite de quinta-feira, com o
que Charles concordou.
Meu irmão contou-me que havia feito contato, recentemente, com
nosso pai que morrera alguns anos antes. Pela descrição que fez com-
preendi que nosso pai estava vivendo na segunda esfera. Charles descre-
veu como o havia encontrado, rodeado de suas roseiras - assim eu o
conhecera n os dias da minha infância - , dizendo que quando esteve
com e le pela última vez meu pai se mostrara aflito, porque o scotch-
terrier que se havia ligado a ele havia desaparecido, e ele temia que o
cão se tivesse perdido. Expliquei a Charles o que tinha realmente acon-
tecido, mas ele pouco interesse demonstrou. Continuamos a conversar,
até que a sensação peculiar de inquietação se apoderou de mim. Mal tive
tempo de dizer a Charles que não se esquecesse da noite de quinta-feira,
e imediatamente acordei em minha cama, sem lembrança de como ti-
nha ido parar lá.
Foi na noite de quarta-feira que tive a mais perturbadora das experi·
ências - um pesadelo n o qual Daphne tomou parte. Parecia que Daphne
e eu estávamos numa caverna escura. Por alguma razão, não podíamos
escapar de um odioso ser que se assemelhava a um gorila, e que estava
sentado no chão, perto de nós, olhando furiosamente para Daphne,
que, era óbvio, atraía-o de alguma horrível maneira. Sei que no meu
sonho eu queria p roteger Daphne, mas o gorila era de tal tamanho e
força que eu sabia não ter chances contra ele. A criatura parecia divertir-
se grandemente com nossos esforços para fugir, porque emitia berros
selvagens e risadas roucas, enquanto corríamos de cá para lá, er:r.i torno

161
da caverna, tentando encontrar uma saída. Mesmo no sonho, o suor
corria da minha fronte, e eu tentava pensar em Acharya, na esperança
de que ele fosse nos acudir. Nada, porém, aconteceu, e parecíamos
entregues ao nosso destino. Depois de algum tempo, o gorila pôs-se de
pé e avan çou para Oaphne, agarrando-a com seus horríveis e compri-
dos braços peludos, para arrastá-la até a outra extremidade da caverna.
Daphne gritava e defendia-se o quanto podia e, desesperado, atire i-me
contra a criatura. Embora não tivesse armas , esforcei-me por levar as
mãos a seu pescoço, na esperança de que voltasse sua atenção para
mim. Ainda agora, posso sentir o hálito fétido daquele bruto, porque em
meio da luta acordei em minha casa, suando profusamente, com as
roupas da cama enroladas em meu corpo. Não tenho a menor idéia do
que significa tudo isso. Verificarei com Daphne logo que possível, na
esperança de que ela saiba algo a respeito.
Quinta-feira foi a noite em que comecei minha carreira como aju-
dante astral. Tratava-se da noite que estava marcada para levar Charles
à terce ira esfera. Charles atrasou-se e, ao chegar, estava muito agitado,
porque, segundo disse, um seu camarada, Bill Fletcher, tinha acabado
de ser derrubado e morto numa incursão sobre Londres. Pediu-me que
fosse com ele para ajudar, e imediatamente nos pusemos a caminho até
aquela cidade. Charles sabia onde devia procurar Bill, e nossa assistência
fo i recebida com satisfação por três ajudantes astra is dedicados, mas
inexperientes. Depois de mais ou menos duas horas de trabalho por
parte de todos nós, Bill foi persuadido a fazer um esforço de vontade
para se libertar de seu corpo etérico e, imediatamente, to rnou-se uma
pessoa bastante diferente. Charles e eu tomamos conta dele, conduzin-
do-o para a casa onde morava e onde fizemos o possível a fim de preparar
sua jovem esposa para as notícias que iria receber na manhã seguinte.
Tendo Charles resolvido permanecer com Bill, dizendo que sabia
bem demais o que o pobre diabo estava sofrendo, voltei ao local da
incursão, para ver se poderia prestar alguma assistência. Uma ambulân-
cia passou por mim, e eu resolvi segui-la. Dirigia-se para um dos grandes
hospita is de Londres, e a maca, onde uma jovenzinha esta va estendida,
foi cuidadosamente levada para dentro do edifício . A mesma moça, em
seu corpo astral, ia caminhando m uito aflita bem junto da maca. Depois
do exame, o corpo da moça foi levado para uma das enfermarias, já
repleta de outros feridos. Sem qualquer afobação ou pressa, e com uma

162
eficiência que muitíssimo me fascinou, a moça foi colocada numa cama,
e foram preparadas as coisas necessárias para uma transfusão de san-
gue. Ela estava tentando, desesperadamente, comunicar-se com os mé-
dicos e enfermeiras que cuidavam de seu corpo inconsciente, mas de-
pois de alguns minutos ouviu o que eu tinha a lhe falar. Disse-lhe que
ficaria boa, porque, intuitivamente, senti que isso ia acontecer. Disse-
lhe, ainda, que a ajudaria se se mantivesse calma e obseivasse o trata-
mento, usando, ao mesmo tempo, sua força de vontade para auxiliar os
esforços dos médicos e das enfermeiras. Não sei, agora, por que lhe
sugeri isso. Eu não tinha a mais ligeira idéia de que tal coisa pudesse ou
não ajudá-la, mas essa idéia me veio à mente e falei o que .sentia.
Eu podia ver, com muita clareza, a delgada linha de matéria etérica
estendida entre seu corpo astral e sua forma física, deitada no leito do
hospital; sabia, portanto, que a moça não estava morta e tinha certeza
de que ela não morreria. Fiquei conversando com a jovem durante todo
o resto da minha noite e, depois que ela me contou que a casa em que
morava era vizinha da outra que recebera diretamente a explosão, e que
realmente se sentia muito aflita quanto ao que acontecera com sua mãe
idosa, comecei a lhe proporcionar um pouquinho do conhecimento que
recentemente me fora dado .
Havia outros auxiliares movendo-se pela enfermaria, e um deles,
que eu não tinha visto antes, mas que me disse chamar-se Jim, feli-
citou-me pelo meu esforço, dizendo que apreciaria muito que houvesse
mais gente com o necessário conhecimento para ajudar em tais emer·
gências.

T ive uma experiência tão única durante a noite de sexta-feira, que


tenho que descrever essas atividades noturnas com alguns pormenores.
Encontrei Daphne em sua sala, na Academia. Uma das primeiras coisas
que indaguei dela foi sobre sua parte no pesadelo - mas ela me garantiu
que não estivera presente. Decidimos tentar a passagem para a esfera
seguinte - a quarta - por nós mesmos, mas tínhamos de e nfrentar o
problema de nenhum dos dois ter um ponto de referência ali, para
visualizar. Sentamo-nos do lado de fora e nos concentramos. Tentei ver
um hospital de doentes mentais, tal como Acharya havia mencionado,
mas nada aconteceu. Desejava ter Acharya ali, para nos ajudar, e devo
ter feito uma forma-pensamento dele, porque, depois que nosso próxi-

163
mo esforço falhou, ouvi uma risadinha atrás de mim - e ali estava meu
amigo hindu. Disse que nos ajudaria e nos daria pontos de referência de
cada esfera, pontos que deveríamos memorizar. Demos as mãos a
Acharya e quando abri os olhos vislumbrei a paisagem que ali estava e
que não pode ser correiamente descrita, pois era o mais belo vale que
jamais vi. Em parte era arborizado, e o chão estava ·espessamente cober-
to de urzes de várias cores, das que se vê em pleno desenvolvimento na
África do Sul, porém macias ao toque. Misturadas a elas, as flores silves-
tres desabrochavam em profusão. Lado a lado, vi prímulas, miosótis,
narcises, campânulas, tulipas, rosas silvestres e papoulas do vermelho
mais intenso que se possa imaginar. Tenho a certeza de que não faltava
qualquer variedade de flor silvestre, porque no terreno próximo, como
no mais distante, havia um verdadeiro tapete de cores, cuja beleza era
de tirar o fôlego a quem o contemplasse. - Pensei que vocês iriam
gostar deste ponto de referência -disse Acharya - pois é chamado de
"Vale Maravilhoso". Poderia ser descrito como o berço do reino deva,
porque é o vale para onde os membros dessa evolução retornam, depois
de terminado qualquer trabalho que lhes seja indicado. Sugiro que exa-
minem o vale em alguma ocasião futura - silenciosa e delicadamente,
porque os devas têm seus próprios métodos de manter a distância os
filisteus que existem entre os homens. Constroem uma espessa parede
de matéria astral, que torna impossível a visão a qualquer ser humano,
mesmo que tal ser soubesse da existência deste lugar. Tais paredes ser-
vem, neste nível, aos mesmos propósitos reservados às paredes de tijo-
los do· mundo físico.
Mais uma vez juntamos as mãos e expressamos o desejo de nos ver
no próximo nível - o quínto. Abrindo os olhos, pareceu-me fantástico
ver que estávamos de pé, ao ar livre, numa planície que se assemelharia
a um deserto, não houvesse ali relva em lugar de areia . A distância,
erguia-se uma cidade imensa, com muitas agulhas e torres, rodeada por
enorme muralha. Sobre a cidade brilhava algo da natureza do sol, pois
havia um fulgor sobre todos os edifícios, levando-os a cintilar como se
fossem ele ouro. - Aquela, meus amigos, é a Cidade Dourada - disse
nosso guia - e eu os aconselho a que a visitem e estudem. Encontrarão
ali tudo quanto foi pensado ou im;;iginado como possível de existir no
Céu ortodoxo, tal como o descrevem os padres e os ministros ligados ao
credo cristão. Toda a cidade é uma imensa forma-pensamento, e vocês

164
a encontrarão repleta de formas-pensamento de Deus, do Pai, de Cris-
to, de seus doze discípulos e de muitos santos que figuram nos ensina-
mentos da Igreja.
De novo nos demos as mãos, e expressamos o desejo de passar
para a sexta esfera. Um segundo depois estávamos à beira de um lago,
rodeado por uma a lta parede de pedra . A distância, à nossa esquerda,
via-se uma abertura muito pequena . Eu gostaria de saber qual a sua fina-
lidade. - Fixem uma imagem bem clara deste lugar - aconselhou
Acharya. - Este lago é usado principalmente pelos membros da raça
humana que desejam absoluto silêncio para seu trabalho particular. Há
uma seita no mundo que evolui unicamente através de exercícios de
meditação. Seus membros aprendem, durante a vida, que este lugar
existe, da mesma forma como os cristãos aprendem que há um lugar
chamado Céu. Os pequenos barcos que estão vendo são usados pelos
homens que vêm ter aqui, porque, quando estão sobre a água, é impos-
sível que um barco seja alcançado por outro. Isso é devido a algumas
correntes subaquáticas, que levam os barcos a derivar em torno de todo
o lago. Para voltar a seu ponto de partida, um barco leva vinte e quatro
horas (de acordo com as horas da Terra) e os exercícios de meditação
feitos por essas pessoas levam exatamente esse tempo para se comple-
tarem. Vejo que repararam na pequena abertura da esquerda que leva a
um lago semelhante, porém menor, e também rodeado de altos roche-
dos. Esse lago foi produzido por uma pessoa que aqui estagiou. Um dia
ela foi interrompida em suas meditações, por seres humanos que usa-
vam o lago ao mesmo tempo que ela. A forma-pensamento que fez foi
tão forte, que produziu um lago só para seu uso. Estou falando com
vocês quase que num cochicho. Se falasse com minha voz habitual, vocês
a ouviriam retumbando ao redor do lago, como um trovão. Os que vivem
nestas proximidades conhecem esse aspecto incomum, e têm cuidado
para não produzir qualquer som. Por causa dessa peculiaridade, o lago é
chamado de "Águas do Perpétuo Silêncio". Agora, devo deixá-los. Não
terão dificuldade para voltar sem a minha assistência .
Tal como ele dissera, Daphne e eu não tivemos dificuldade para
retraçar nossos passos, mas quando chegamos à quarta esfera, e mais
urna vez vimos o "Vale Maravilhoso", decidimos permanecer ali por al-
gum tempo. Reparamos que havia sinais de grande atividade no vale,
como se .alguma espécie de cerimônia estivesse sendo preparada. Ti-

165
nha-se a impressão de que milhares dos habitantes do lugar se reuniam
ali. Sentamo-nos para assistir. Nossa presença foi notada por alguns
"funcionários", e quando um deles veio ter conosco, esperávamos que
viesse pedir que nos retirássemos - principalmente pelo fato de Acharya
nos ter advertido de que os membros da nossa evolução nem sempre
eram bem-vindos. O homem que, de forma lenta e nobre, flutuava em
nossa direção, tinha uma cabeça inteligente, muito bonita, e uma digni-
dade espiritual que nos levou a nos levantarmos, instintivamente, quan-
do ele se aproximou. Suas roupas nos eram estranhas; pareciam-se às
de um mandarim chinês. As cores do longo casaco eram delicadas, en-
quanto os bordados reproduziam, claramente, muitas das flores silvestres
que se abriam no vale. A expressão de seu rosto não parecia prever
problemas para nós; assim, retribuímos o sorriso, esperando que essa
atitude o tranqüilizasse. O que se seguiu foi um tanto misterioso, pois se
travou uma conversação sem que uma só palavra fosse articulada. Per-
guntas e respostas seguiram-se umas às outras, muito mais rapidamente
do que teria sido possível se nosso meio de expressão fossem palavras.
Percebi que nos perguntava se poderia fazer alguma coisa por nós.
Eu lhe disse, apenas permitindo que o pensamento se formasse em mi-
nha mente, que Daphne era uma habitante do mundo astral, enquanto
e u a inda vivia em meu corpo físico, e que ali estava enquanto esse corpo
físico dormia. Ele pàreceu entender perfeitamente, e disse que fora ins-
truído pelo "Chefe" para conduzir-nos até ele. Fizemos sentir que tínha-
mos muita satisfação em acompan há-lo, e imediatamente n os movemos
em direção da arena central. Quando nos aproximávamos, vimos que as
pessoas estavam sentadas em circulo, em torno de uma ampla área aberta.
Flores silvestres tinham sido tecidas como uma grinalda para manter
afastada a multidão, e eu não pude deixar de comparar a beleza daquela
"cerca" com as que temos no mundo. Bem ao centro do círculo, fora
erguido um tablado, todo feito de grandes blocos de musgo verde, com
pilares a cada canto, fa rmados de flores de vários tamanhos e cores,
entretecidas.
Até o toldo acima do tablado era feito de delicados fetos, semelhan-
tes a nossas avencas. O conjunto formava um quadro belíssimo. O mus-
go do piso do tablado tinha sido colocado de modo a formar numerosos
assentos, com encostos. Esses assentos pareciam tão confortáveis que
imediatamente tivemos vontade de nos sentar ali. Na fre nte estavam

166
dois grandes assentos, quase dois tronos e , embora também eles fossem
feitos de musgo, eram mais ornados do que os outros.
Enquanto esperávamos que o "Chefe" aparecesse, nosso guia con-
tou-nos algo sobre o que ia acontecer. O que ele disse, em suma, foi que
as pessoas ali reunidas iam testemunhar uma cerimônia de graduação.
Explicou que quando chegava a época em que um grupo de espíritos da
natureza passava para o estágio seguinte de sua evolução, tornando-se
devas, esses espíritos da natureza tinham de dar provas de sua proficiên-
cia numa daquelas reuniões. Desde que satisfizessem um "Conselho de
Examinadores", passavam de espíritos da natureza a devas, com um
número maior de deveres regulares. Disse que os egos evoluíam ao lon-
go de três linhas especiais de trabalho: (1) a linha do Poder, trabalhando
com Música e Cor; (2) a orientação do Reino Vegetal, que tirava suas
modificações e progresso das experiências feitas no nível astral pelos
membros da evolução deva; (3) e o trabalho em conexão com o Reino
Humano. Expl icou que os espíritos da natur eza se mesclavam
freqüentemente com os seres humanos, particularmente com as crian-
ças. Brincavam muitas vezes com aquelas que vinham ao mundo astral
muito pequenas ainda, e ensinavam-lhes como fazer uso da plástica
matéria astral, para que pudessem viver suas histórias de fadas com toda
a verdade, modificando-se à vontade, de forma a representarem qual-
quer figura por tanto tempo quanto quisessem e enquanto os pensa-
mentos dos que tomavam parte perdurassem. Ele fez-me sentir que aquela
esfera do mundo astral é para o reino deva o que o reino físico é para o
reino humano. Entre suas vidas, os pássaros retornam a essa quarta
esfera, da mesma maneira pela qual os humanos habitam a sexta e séti-
ma esferas, quando estão aguardando seu retorno ao mundo. Pássaros,
bem como peixes, borboletas, e outras criaturas aladas, transfa rmam-se,
eventualmente, em espíritos da natureza; e são parte da evolução deva.
Nunca se tornam parte da nossa evolução humana.
A essa altura, um grupo emergiu de um bosque próximo. Se eu tives-
se um dia imaginado que a história do "Tapete Mágico" poderia adquirir
vida, ali estava o caso! O grupo consistia de duas figuras centrais, ambas
sentadas, de pernas cruzadas, no que só poderia ser descrito como um
tapete cerimonial, flutuando cerca de um metro acima do solo. De cada
uma das pontas dianteiras, guirlandas de flores eram suspensas pelos
bicos de numerosos pássaros de todas as cores imagináveis e, enquanto

167
*Pgs 168-169 faltando*
\

O arauto anunciou sua entrada com a corneta de prata. Os examinado-


1
res, agrupados ao redor do Chefe e do Grão-Sacerdote, reuniram-se
como que para conferir o que tinham visto e, depois de alguns momen-
1
tos, o examinador-chefe ficou de pé diante do Chefe, e obteve seu con-
sentimento para que os espíritos da natureza fossem promovidos à cate-
goria de devas. 1
Então, o Grão-Sacerdote levantou-se, inclinou-se diante do Chefe e,
solenemente, caminhou para a arena, onde os espíritos da natureza
aguardavam . Pela primeira vez foram usadas palavras. O Grão-Sacerdo-
!
te ergueu as mãos acima da cabeça, e entoou uma invocação na mesma
língua desconhecida que eu ouvira na clareira da terceira esfera. O arau-
to entregou-lhe, então, uma grande espada, cuja lamina brilhava, fulgu-
rantemente, à clara luz astral. Levantando-a para o céu, disse mais algu-
mas palavras e, lentamente, caminhou para o primeiro dos espíritos da
natureza, os quais estavam em longa fila diante dele. Colocou a espada
sobre a cabeça do primeiro e disse duas palavras, que me pareceram
significar: "Deus esteja contigo" (embora eu não saiba por que pensei tal
coisa). E, enquanto eu olhava, a forma do espírito da natureza, que
parecia ser a de um velhinho, transformou-se na de uma jovem. Ames-
ma coisa aconteceu com todos os graduados. Alguns espíritos da nature-
za masculinos tornaram-se devas masculinos, enquanto outros muda-
vam de sexo. Todas as criaturas recentemente criadas tinham aparência
jovem.
Eu ia agradecer ao Chefe a maravilhosa oportunidade que nos fora
oferecida, quando, sem aviso prévio, senti meu corpo a chamar-me, e
me vi acordado na minha cama em Colombo.

No sábado seguinte, à noite, quando saí do meu corpo, encontrei


Jim, o ajudante astral que conhecera no hospital de Londres, à minha
espera. Viera pedir minha ajuda. Declarou que ficara muito impressio-
nado com a forma pela qual eu tinha tratado do caso da moça - cujo
nome era Mary - na quinta-feira à noite, e sen tiu que eu poderia pres-
tar mais algum auxílio. A moça soubera, por um visitante indiscreto, que
sua mãe fora morta na incursão, e ficara tão angustiada que ninguém
conseguia coisa alguma dela. Como havia uma irmã mais nova, Irene,
de sete anos, seria uma tragédia se Mary também morresse. Fiquei mui-
tíssimo satisfeito por essa oportunidade de pôr em prática o que apren-

170
dera recentemente. Quando cheguei à enfermaria, vi o corpo de Mary,
tomado pela febre, agitando-se na cama, enquanto a própria moça ca-
minhava de cá para lá pela sala, metaforicamente arrancando os cabe-
los. Recebeu-me com satisfação e, à proporção que eu lhe falava branda-
mente, ela se foi tranqüilizando. Fiz a forma-pensamento de um confor-
tável sofá e, sentando-nos ali, dei à moça toda a ajuda que pude, através
do conhecimento que me fora transmitido por Acharya. Levei a conver-
sação para Irene, e fiz sentir o que a menina sofreria se tanto a mãe
como a irmã estivessem mortas. Assegurei a Mary- com uma autorida-
de que não possuía - que ela poderia viver, por um esforço da vontade
e que, se assim o fizesse, ainda lhe restaria a possibilidade de se encon-
trar com a mãe durante o sono. Perguntou-me se eu a auxiliaria, ao que
respondi afirmativamente, chamando a mim, dessa forma, uma parcela
de responsabilidade. E disse-lhe que voltaria na noite seguinte.
Na noite de domingo Mary estava à minha espera e bastante calma.
Sugeri-lhe que procurássemos sua mãe. Mostrei-lhe como era fácil viajar
sob as condições astrais, e depressa esse método de locomoção não só
a interessou como a intrigou. Mary levou-me até o bloco de apartamen-
tos em que havia morado. Encontramos Irene no apartamento de um
1
vizinho e, ao lado de sua cama, estava a mãe, esforçando-se por conso-
lar a criança em prantos, que não a podia ver. De início, a mãe pensou
! que Mary também estivesse morta, mas, quando compreendeu não ser
esse o caso, e que ela poderia tomar conta de Irene, acalmou-se. Deixei
1 as três conversando, depois de combinar que me encontraria mais tarde
com elas, e voltei ao hospital. Vi J im e seus companheiros trabalhando,
1 e tomei nota de seus métodos. Quando Mary, a mãe e Irene chegaram,
passei o resto da noite tentando ajudá-las, da mesma maneira pela qual
1 Acharya me havia ajudado. A mãe não era pessoa muito evoluída - e o
1
soubera por um ajudante astral que tinha precisado de dois dias para
persuadi-la a fazer o esforço de vontade necessário para se desfazer do
1
corpo etérico. Por fim, ela pareceu compreender que o vínculo com sua
família não estava destruído, e que poderia ainda ver as filhas, à noite.
1 Isso fez com que se sentisse muito mais feliz. Penso que se sentirá con-
tente com as condições da primeira esfera, durante algum tempo. Meu
1 último movimento, antes de voltar para meu corpo, foi usar toda a força
de vontade que possuía para imprimir sobre Irene a idéia de que, acorda·
da, ela devia recordar-se de algumas das coisas que tinha ouvido durante
1
o sono.
1 17 1

1
Capítu[olO

.52l.charya chegou quando o relógio marcava 11 horas, CDnÍ01 n 1e eu


esperava . Antes de mais nada, pediu-me que lhe desse o registro das
,ninhas experiências durante a semana que se passara. Leu-o todo,
muito cuidadosamente, antes de começar a falar. À medida que lia, sua
expressão mostrava uma apreciação cada vez maior pelos m eus esfor-
ços, e não me surpreendi, de forma alguma, quando ele disse: - Devo,
realmente, felicitá-lo pelo que fez durante estas sete noites. O fato de eu
ler deixado que trabalhasse por sua própria conta durante esse estágio
inicial do treinamento foi um risco, mas os resultados provaram que c:u
não estava errado ao pensar que o senhor já se encontrava pronto para
assumir certa responsabilidaêle, embora sua instrução tenha sido feita
1,um tempo relaliv!:)mente curto. Sinto-me realmente feliz po r ter sido
escolhido como instnimento para aliviar a angústia que era tão extrema-
mente aparente quando nos vimos pela primeira vez.
''Muito pouca coisa, sobre suas experiências da última segunda-feira
â noite, requer algum comentário. Um filme colorido é freqüentemente
utilizado pelos habitantes permanentes do mundo astral com o propósi-
to de mostrar fotos de lugares especiais que desejam exibir aos amigos,
de forma que não tenham de sobrecarregar suas memórias, indevi-
damente, com as cenas que desejam mostrar. Usar a reprodução astral
de um filme fotográfico é ainda um método mais simples e, contanto
que o operador tenha recebido o conhecimento técnico, os resultados
são idênticos aos de um espetáculo similar feito no mundo.
"Estou satisfeito por ter o senhor compreendido que é extremamen·
te improvável que Charles· deseje, durante um considerável espaço de
lempo, deixar a parte do mundo astral em que agora está viv~ndo.

172
"Depois, temos sua experiência de quarta-feira à noite, quando tudo
quanto recordou tomou a forma de pesadelo. Já indagou a Daphne se
ela se recordava de ter tido parte em seu sonho e e la garantiu-lhe que,
tanto quanto sabia, não teve qualquer parte nele - e pode estar seguro
de que tal declaração foi correta, pois em sua vida astral não há períodos
de perda de consciência. Assim ela está sempre certa do que faz. A fim
de que o senhor compreenda minha explicação do ocorrido, quero que
volte a mente para uma conversa anterior. Nessa conversa eu lhe disse
que os homens perfeitos, ou Mestres, dão instruções a discípulos, em
certas circunstâncias. Há dois graus de discípulos: um chamado Probatório,
e o outro Aceito . A única diferença entre os dois é que, uma vez aceito
por um Mestre, o discípulo, por assim dizer, é recebido entre o pessoal
permanente e utilizado para esse trabalho, não só na vida presente,
como depois da mo1ie e nas vidas futuras. Um discípulo em estágio
probatório é posto em experiência, e só depois de ter servido nessa
condição, possivelmente durante muitas vidas, é levado a um contato
muito maior com o Mestre que se encontra entre discípulos aceitos. A
compulsão nunca é usada, pois. nem mesmo os Mestres têm autoridade
para interferir com o livre-arbítrio que é dado a cada homem no mo-
mento de sua individualização; mas, antes que o ser humano possa ser
utilizado para o trabalho oculto por esses grandes Seres, deve mostrar
que erradicou por completo a emoção do medo da sua constituição, e
deve provar que está sempre disposto a sacrificar-se pelo interesse de
seu trabalho. É necessário que o estudante passe pelos cinco testes as-
trais - que são habitualmente recordados por ele sob a forma de so-
nhos ou pesadelos. Recebi autorização para lhe dizer que sua determina·
ção de dominar as dificuldades do entendimento das condições do plano
astral foi notada por um desses Mestres, e é possível que, na plenitude
do tempo, o senhor receba a oportunidade de se1vir à Fraternidade Bran-
ca, à qual Ele pertence - e isso significa que, provavelmente, será rece-
bido como discípulo probatório. O sonho que teve na quarta-feira à noi-
te foi, realmente, um teste astral - pelo qual o senhor passou com
bastante êxito. O teste propunha-se a provar que, embora evidentemen-
te atemorizado pela criatura semelhante a um gorila, de fato uma forma-
pensamento criada pelo Mestre em questão, o senhor estava disposto a
se esquecer de si próprio e a fazer, se necessário fosse, o supremo sacri-
fício, a fin:i de proteger o que era apenas uma forma-pensamento de

173
Daphne, mas que representava intensa realidade a seus olhos. Se tivesse
se recusado a fazer esse esforço para salvá-la, o senhor teria retornado a
seu corpo um pouco mais cedo do que retornou, com a mesma lem-
brança de um pesadelo, mas nesse caso teria falhado, e provaria ao
Mestre, que o estava observando na ocasião, estar incapacitado e insufi-
cientemente adiantado na evolução, para o p ropósito que ele tinha em
mente. No curso dos próximos anos, o senhor talvez descubra que re-
corda outros sonhos e esses sonhos serão, também, testes astrais. Terá
que passar por eles antes de se qualificar para o trabalho que lhe será
proposto. Como personalidade, sabe muito pouco sobre essas coisas,
mas o que é verdadeiramente o senhor, o ego, sabe muito bem o que
está acontecendo e, pelo que sei, está muitíssimo interessado em vencer
e em ser usado para auxiliar a humanidade.
"Devido ao interesse que demonstrou pela instrução que lhe trans-
miti, vou dar-lhe uma tosca idéia do que terá de realizar, antes que se
possa qualificar para esse trabalho . Deve saber como se locomover por
toda parte, de forma rápida e eficiente, nos diferentes planos do mundo
astral. Terá que saber tudo sobre as mais baixas entidades astrais, inclu-
indo aquelas que têm corpos etéricos tal como os elementais que viu no
fundo do mar - e deve ser treinado de forma que o efeito hipnótico dos
olhos dessas criaturas não tenha efeito sobre a sua pessoa. Há um teste
de fogo, que toma o aspecto de um violento incêndio numa floresta,
através da qual o senhor deve caminhar sem medo e sem apressar o
passo. Isso parece fácil, mas na ocasião não o é. O terrível calor, que
sentirá em seu corpo astral da mesma forma com que seria sentido um
fogo físico de autênticas dimensões, poderá aterrorizá-lo e levá-lo a pen-
sar que será destruído se tentar a passagem através dele. Desde que
compreenda que, estando em seu corpo astral, não pode ser atingido,
caminhará calmamente pelo fogo e o teste será bem-sucedido. Há o
teste da água, que o ensina a viajar sob as águas do mar; verá então com
surpresa quantos iniciantes falham nesse teste. Eles sucumbem a uma
sensação de afogamento, devida inteiramente à imaginação, mas que
nem por isso deixa de produzir medo. Isso os traz de volta a seus corpos
físicos, e eles acordam, compreendendo que tiveram um mau sonho. O
senhor terá de satisfazer o Mestre que estiver interessado em sua pes-
soa, mostrando que pode conhecer a diferença entre um habitante per-
manente no mundo astral e o que está passando ali suas horas de sono .

174
Terá de provar que desenvolveu uma compreensão benevolente que o
capacita a trabalhar em conjunto com os membros da evolução deva -
a cooperação com eles costuma ser necessária nesse trabalho. O senhor
terá de distinguir a diferença entre a forma-pensamento de uma pessoa
em particular e essa própria pessoa, porque, se o Mestre o enviar com
uma mensagem a ser entregue a alguém que: vive em esfera do mundo
astral diferente daquela em que ele está funcionando no momento, o
senhor poderia ser abordado por urna entidade antagônica ao Mestre e
que, com o propósito de enganá-lo, tornasse a aparência da pessoa que
está procurando ( realmente, uma forma-pensamento parecida com ela).
E o senhor entregaria a mensagem, supondo tratar-se da pessoa real.
Isso poderia ter sérias repercussões sobre o trabalho que o Mestre estará
fazendo na ocasião. Esses disfarces são muito comuns no plano astral e
o senhor deve ser treinado para usar certos sinais de poder, que o capa-
citarão a provar, de forma conclusiva, se a pessoa em questão é ou não
genuína. Provavelmente, o senhor já terá ouvido falar em vampiros. Eles
de fato existem, mas, por felicidade, são pouco comuns. Vivem sob
condicões similares às dos suicidas. Ambos estão ligados à Terra, e o
senhor deve saber, não só como ajudá-los, mas como livrá-los de sua
escravização. Penso que já lhe disse o suficiente para mostrar-lhe que
ainda tem muito que aprender.
"Passemos agora às suas aventuras da noite de sexta-feira, quando
encontrou alguma diíiculdade em passar para níveis mais altos, sem ter
pontos de referência nos quais concentrar-se. Eu estava me mantendo
em contato com o senhor mentalmente, pois sabia que talvez fizesse
uma tentativa assim numa noite qualquer, quando eu o deixasse livre
para realizar experiências por si mesmo. Conforme descobriu, é bastan-
te simples ir a qualquer parte do mundo astral, contanto que se tenha um
ponto de referência especial para esse propósito. Espero que não seja
necessário, no futuro, vir em seu socorro num caso desses. Eu não lhe
dei um ponto de referên cia da sétima esfera, pois ali pouco há que possa
interessá-lo, e não é desejável que venha a ter desnecessário contato
com as cascas que existem presentemente naquele nível.
"O senhor, realmen te, teve muita sorte ao testemunhar a cerimônia
de graduação (pois vejo que foi esse o nome que deu ao fato} na qual
certos espíritos da natureza foram transformados em membros subalter-
nos do reino deva. Os espíritos da natureza, naturalmente, constituem

175
parte da evolução deva, embora haja uma tremenda diferença entre um
espírito da natureza e um deva. Não é possível dar-lhe um exemplo
paralelo em nossa evolução. Muito poucas pessoas, vivam elas no plano
astral ou no plano físico, tiveram o privilégio de ver o que viu naquela
noite, e estou muitíssimo satisfeito pelo fato de o senhor, na volta de sua
viagem a níveis mais altos, ter parado durante algum tempo na quarta
esfera .
"Não houve interferência minha nessa oportunidade, que lhe foi
dada nas noites de sábado e domingo, de pôr em prática alguns dos
ensinamentos que tive o privilégio de lhe dar; portanto, posso dizer-lhe,
sem hesitação, que seu trabalho não só foi extremamente valioso, mas
realmente muito bem-feito. Oferecendo um pouco de seu conhecimento
à jovem Mary, tomou, naturalmente, certas responsabilidades, e tam -
bém é mais que possível que o ajudante astral, que o senhor chama de
J im, lhe peça outras vezes o auxílio, quando sua organização estiver
sobrecarregada de trabalho. Isso não só lhe dará grandes oportunidades
de servir, o que sempre produz bom carma, mas verá que seu interesse e
compreensão por seu próximo se desdobrarão milhares de vezes através
desses trabalhos. A técnica que empregou em relação a Mary e a sua
família foi inteiramente correta. Não deve desapontar-se pelo fato de
Mary não ter reagido a seu ensinamento nem provado ser discípula tão
eficiente quanto o senhor o foi em relação a mim, pois, como já lhe
disse repetidas vezes, é a in tençâo que importa, e não o resultado. Seus
esforços, no desejo de que a menina Irene se recordasse, ao acordar na
manhã seguinte, de a lgo do que lhe dissera durante o sono, tiveram
completo sucesso, e hoje ela está se sentindo de modo muito diferente
e m relação à perda que sofreu. Deixo à sua decisão uma nova visita a
essa família, quando considerar necessário, porque agora ela é de res-
ponsabilidade sua, e só será assistida por oulros se o senhor falhar em
lhe dar a assistência que, por seu próprio e livre-arbítrio, lhe prometeu.
"Devo falar-lhe, agora, sobre o mundo mental. Eu lhe disse que,
depois de certo período de tempo, é preciso que todos nós abandone-
mos nosso corpo astral e deixemos o mundo astral pelo mental. O pe-
ríodo de tempo varia de acordo com nosso estágio de evolução. Um
homem com cerca de cinqüenta vidas passará muito mais tempo no
mundo astral e menor espaço de tempo no mundo mental do que o que
viveu quinhentas vidas em diferentes corpos e ambientes, quando teve

176
oportunidades para estudos intelectuais. Em uma das minhas palestras,
comparei os corpos em que funcionamos com um homem vestido com
suas roupas intimas, depois com um terno, a seguir com um sobretudo.
Quando ocorre a morte no nível físico, isso corresponde à retirada do
sobretudo (o corpo físico); quando o mesmo ocorre no nível asrral, isso
corresponde à retirada do terno (o corpo astral), o que deixa o homem
em suas roupas íntimas (o corpo mental), veículo com que ele entra no
mundo mental.
"Conforme eu disse, o corpo mental é o primeiro corpo que o ego
atrai em tomo de si em sua descida do nível causal. É feito de matéria
ainda mais fina do que a matéria astral. Na verdade, ê uma forma-pensa-
mento do indivíduo. Como o senhor ainda não poderia apreender uma
descrição daquelas delgadas e enevoadas formas que parecem carecer
de qualquer densidade, eu lhe darei uma comparação física do corpo
mental de um ser humano não evoluído, digamos, de alguém que tivesse
lido cerca de cinqüenta encarnações, relacionando-os com um cesto de
vime visto em dois estágios de sua fabricação - o primeiro estágio e o
artigo jâ terminado. Nos primeiros estágios, vemos delinear-se um cesto
que ainda não passa de alguns pedaços de taquara fixados numa base.
Posteriormente, são tecidas todas as aberturas, e o artigo terminado é o
resultado de muitas centenas de varetas de vime, todas separadas umas
das outras, embora pareçam à primeira vista um todo. Cada uma dessas
varetas pode ser vista como a representação de um assunto particular do
desenvolvimento mental mais ou menos dominado por esse indivíduo.
"No momento em que uma pessoa termina sua vida no mundo as-
tral, passa para a sétima esfera desse mundo. Quando chega a ocasião
de sair dali, fica sonolenta, perde a consciência e acorda quase queime-
diatamente no mundo mental. Depois da morte física, quando um ho-
mem toma inteira consciência do mundo astral, sua primeira sensação é
de bem-estar e de boa saúde. Quando, depois de sua morte astral, ele
toma inteira consciência do mundo mental, sua primeira sensação é de
profunda beatitude e de sentimento de paz para com a humanidade . Nos
primeiros estágios, ele pode não compreender que passou para o plano
mental, porque está se sentindo tão contente e feliz ali que só deseja que
o deixem tranqüilo durante algum tempo. Na devida ocasião, compreen-
de que houve modificação em seu ambiente, e mais urna vez tem de ser
instruído, por aqueles que o esperam para lhe dar as boas-vindas, quan-

177
to à diferença existente entre as condições sob as quais deve agora viver,
e as que se relacionavam com o mundo que acabou de deixar.
"O mundo mental é o mundo do pensamento. Os pensamentos são
as únicas realidades. São coisas, tanto quanto mesas e cadeiras são coi-
sas - da mesma maneira pela qual o corpo mental é composto de
matéria mais fina do que o corpo astral. É realmente impossível conse-
gui-lo, mas, se pudéssemos levar parte da nossa matéria astral ou física
para o mundo do pensamento, essa matéria não existiria para aqueles
que estão ali. Essas coisas seriam, mais ou menos, o que as formas-
pensamento são no mundo físico. Estão todo o tempo em torno de nós,
e não podemos vê-las. Contudo, influenciam nossas mentes. Minha maior
dificuldade em lhe explicar quais são as condições do mundo mental
reside no fato de não haver palavras que nos capacitem a descrever,
com pormenores, as condições de consciência inteiramente estranhas à
compreensão no plano físico. Na plano mental, não vemos as outras
pessoas como indivíduos, nem como reproduções astrais das formas
físicas, mas como formas-pensamento do indivíduo em questão, e essas
formas-pensamento estão de acordo com o desenvolvimento mental do
individuo .
"O homem que alua no nível mental pode ser comparado a um
aparelho telegráfico que tanto recebe como transmite. O número de
comprimentos de onda que ele pode usar, para receber ou transmitir,
depende inteiramente do número de assuntos com os quais esteja fami-
liarizado. Pode receber no seu aparelho os pensamentos de outros,
contanto que saiba sintonizar os respectivos comprimentos de onda -
em outras palavras, se el€ tem algum conhecimento do assunto de que
se compõem esses pensamentos - e pode levar adiante uma conversa
sobre esse assunto, porque responderá às formas-pensamento que rece-
be, transmitindo seus próprios pensamentos, que então serão captados
por outras pessoas, com idênticos interesses e conhecimentos.
"' No nível astral, o senhor viu os gigantes intelectuais criando bela
música, pinturas, etc., e ensinando a outros sua arte e ciência. Quando
passam do mundo astral para o mundo mental, eles continuam a ajudar
os outros, que estão percorrendo o caminho já feito por eles; mas, no
mundo men~al, seu ~nsino toma a forma de conferências técnicas e
teóricas, enviadas como corrente perpétua de pensamento. Todos esses
pensamentos podem ser captados por quem quer que esteja interessado

178
no mesmo assunto. Desses pensamentos, só podemos apreender a quan-
tidade equivalente à que, através de nossas atividades intelectuais passa-
das, estamos aptos a compreender. As partes do pensamento que ficam
para além da nossa compreensão não ficam registradas e não são apre-
endidas por nós, porque nosso aparelho receptor é limitado por nossa
compreensão. Se nunca estudamos assllntos como .matemática e quími-
ca, não teremos possibilidade de responder aos pensamentos relativos a
eles, e que podem estar nos rodeando, oferecidos por pessoas bem ver·
sadas nessas ciências. No nível mental, a vida é muito mais interessante
para o intelectual do que para o homem de inteligência limi tada. Veja o
caso de uma pessoa que, durante a existência, estudou um assunto em
particular. Ela poderá, então, entrar em conta.to com outros intelectuais,
mestres no referido assunto, apenas pelo sentimento e visão das for-
mas-pensamento expressas por esses mestres. Não sendo mais limitado
por um cérebro inadequado, ela compreenderia, muito claramente, não
s6 todas as muitas coisas que compreendeu perfeitamente em seu nível
físico, como muit() do que em sua vida física apenas pode compreender
em princípio, sem se aprofundar.
"O homem continua a desenvolver-se mentalmente durante consi-
derável perioJo ele tempo, não só para sua grande satisfação, mas tam-
bém para seu grande benefício em vidas futuras , porque, através <lo tra-
balho feito, e em conseqüência do mesmo, ganha o direito de receber,
em sua próxima encarnação física, um cérebro capaz de absorver o
conhecimento integral que consolidou dura.nte sua estadia no mundo
mental. Quando eu lhe disser que homens de intelecto altamente evolu-
ído passaram, como se sabe, um tempo equivalente a dois ou três mil
anos no nível mental, o senhor talvez admita que para pessoas assim a
vida não pode ser considerada monótona. Por outro lado, o tempo que
uma pessoa não evoluída passa nesse nível é realmente muito curto
quase sempre, porque essa pessoa tem pouca coisa a consolidar, e certa-
mente sua vida ali não é nem de longe tão agradável e interessante
quanto as vidas de seus irmãos mais intelectualizados. Essa pessoa não
compreende as próprias limitações, de forma que não sofre, mesmo
quando se trata de homem com a inteligência mais limitada que se possa
imaginar. Quando os egos que estão na Cidade Dourada passam para o
múndo mental, ainda têm em mente um pensamento fundamental, que
é a idéia de Céu. Seus professores de religião lhes ensinaram que, uma

179
vez 'recebidos no Céu', a li ficariam para sempre. Estão bem seguros de
que foram recebidos, porque andaram vivendo em condições que pára
eles estão de acordo com as promessas de eterna beatitude que aguarda-
vam. Esperam permanecer eternamente num mundo celestial e, sendo
essa sua crença dominante, a ilusão do Céu, tal como sempre o imagi-
naram, é criada por eles, e nela vivem, permutando seus pensamentos
com os pensamentos de outros, enviados por pessoas controladas pelas
mesmas ilusões. Assim, toda a sua vida mental é vivida dentro de uma
gigantesca forma-pensamento. Embora sejam perfeitamente felizes, eles
não costumam beneficiar-se muito com essas condições, como acontece
com aqueles que usam o mundo mental não só para consolidar suas
próprias atividades mentais como, também, para aumentar o conheci-
mento intelectual que possuíam antes de alcançar essa esfera da
conscientização. As pessoas que vivem rodeadas pela idéia de Céu, mos-
tram-se radiantemente felizes e perfeitamente contentes; sendo assim,
ninguém pode afirmar que elas estão em piores condições do que as
outras que viajaram por caminhos diferentes.
"No mundo mental encontramos, novamente, sete esferas de cons-
ciência, correspondentes às do nível astral; mas nesse mundo não há
qualquer dificuldade para se passar de uma esfera para outra - quer ela
esteja acima ou abaixo. Na prática, contudo, o senhor verá que os habi-
tantes permanentes de fato movem-se muito pouco. O homem médio
encontra ali seu lar natural, isto é, a esfera que mais lhe convém· e na
qual terá maior felicidade, em qualquer das quatro primeiras esferas. Só
os indivíduos de notável inteligência vão além da quarta esfera. Habitual-
mente, um homem passa do mundo astral para o mundo mental, ajuda-
do por aqueles auxiliares que lhe vão ao encontro, acha seu caminho
quase que imediatamente para aquela particular esfera de consciência
que se coaduna com seu desenvolvimento, e permanece ali, até que
chegue a ocasião de abandonar o corpo mental e passar um rápido
período no nível causal, que é o lar permanente do ego.
"Antes que eu lhe fale mais sobre esse assunto, proponho levá-lo, na
noite de quarta-feira, até a segunda esfera do mundo mental, a fim de
que possa ter uma compreensão mais clara do que estou tentando dizer-
Jhe. Então o senhor compreenderá não só minhas dificuldades presen-
tes como, talvez, achará que, se tentar registrar as atividades dessa via-
gem, não encontrará palavras adequadas para expressar o que viu. Eu

180
tornarei a visitá-lo na manhã de sexta-feira, e isso lhe dará três noites
para continuar seus experimentos no mundo astral, embora eu o advirta,
muito seriamente, de que não saia essa no ite com qualquer intenção
específica, mas que dê repouso a seu cérebro . Reserve a noite de quarta-
feira para mim." - Acharya, então, se ausentou e eu permaneci senta-
do à minha escrivaninha, bastante atordoado com todas essas novas
i nforrnações.

Na primeira noite dormi calmamente, e acordei muito descansado,


sem recordar nada do que se teria passado durante o sono.
Na noite seguinte consegui encontrar Daphne com muita facilidade.
Ela não tinha tido dificuldade em retornar à sua casa do Vale Maravilho-
so; portanto, era de se presumir que houvesse adquirido suficiente força
de vontade p ara capacitá-la a se locomover livremente de uma esfera
para outra . Disse-me que, depois que eu parti, houve uma exibição de
dança, inacreditavelmente bela, na qual os devas, os espíritos da nature-
za e até os pássaros tinham tomado parte. Quando se despediu do Che-
fe, ele lhe disse que ela seria bem-vinda a qualquer tempo em que voltas-
se a visitar o Vale.
Perguntei se ela se interessaria por ver mais de perto a Cidade Dou-
rada . Como se mostrasse encantada com a idéia, ali mesmo nos demos
as mãos e alcançamos o ponto de referência na quinta esfera, num
espaço de tempo muito pequeno - p arando, no caminho, no Vale Ma-
ravilhoso. As pesadas portas que pareciam fe itas de ouro estavam fecha-
das, mas não trancadas, e nos foram abertas por um idoso cavalheiro,
que poderia passar pelo mítico São Pedro. Perguntou-nos ele o que
pretendíamos e nós lhe explicamos quem éramos, dizendo que a curio-
sidade era o objetivo principal de nossa visita. Ele não pareceu fazer
objeções, e o fereceu um guia para nos mostrar os arredores.
As ruas pareciam pavimentadas com ouro puro, e as numerosas
árvores, enfileiradas ao longo delas, carregavam-se de pedras preciosas.
Essas formas-pensamento de diamantes, esmeraldas, rubis, pérolas, etc.
eram muito belas, mas o efeito parecia-se mais a uma interminável fileira
de árvores de Natal. Reparei que havia pelo menos uma igreja em cada
rua, e fomos levados para uma delas ; o guia declarou ser esta uma das
menores igrejas católico-romanas. O santuário era uma peça de arquite-
tura muito bela. enquanto o altar principal poderia ter sido esculpido

181
numa pérola gigantesca. Um músico que tocava órgão não era um ex-
poente comum de sua arte. O guia nos convidou a visitar igrejas de
outras denominações. Perguntei se as diferentes denominações continu-
avam separadas. Ele disse-nos que no mundo do Céu as diferentes seitas
levavam vidas separadas e ministravam seus ens inamentos específicos,
mas que nunca_havia desarmonia, porque todos compreendiam que,
por trás de todas as doutrinas, a verdade era a mesma, e que só as
formas de expressão mostravam-se diferentes. Respondendo a uma per-
gunta que fiz, declarou-me que De us re inava, supremo, e que de vez em
quando visitava a Cidade Dourada. Ele não era visto pelos habitantes
comuns, mas Sua voz era ouvida, vinda aparentemente de uma nuvem
que o rodeava . Declarou que Cristo e seus doze Apóstolos ainda cami-
nhavam pelas ruas, ensinando e pregando à multidão. Perguntei se ele
não pretendera re ferir-se aos onze apóstolos, pois Judas seguramente
não seria admitido no mu ndo do Céu. Assegurou-me, entretanto, que
J udas pagara pelo seu crime sofrendo terrível remorso e criando para si
próprio um verdadeiro inferno. Seu arrependimento fora notado e ele
tivera permissão para se reunir aos discípulos, seus companh eiros. Visi-
tamos um anfiteatro, onde deveriam estar umas três mil pessoas reuni-
das, todas vestidas de bra nco , ouvindo um coro que cantava com acom-
panhamento de harpas e de um órgão de·notas argentinas. Pareciam-
se, essas pessoas, aos anjos das Escrituras, mas não vimos nenhuma
delas sentada sobre nuvens, tocando harpa .
Voltamos até a casa de Oaphne , onde conversamos sobre nossas
experiências. Mais tarde, estivemos com alguns de seus amigos.
Na noite de quarta-feira eu estava à espera de Acharya e ele entrou
no meu quarto exatamente às 1 O horas. Cumprimentou-me, dizendo:
- Se está pronto, vamos nos pôr a caminho. - E saímos.
Viajamos pelo mesmo roteiro anterior; passamos pela aldeia da se-
gunda esfera, a Academia da terceira, o Vale Maravilhoso da quarta, a
Cidade Dourada da quinta e o lago da sexta. Nesse último pon to, eu tive
tempo de ver que dois dos barquinhos estavam sendo usados, um do
lad o oposto do lago, e o segundo, próximo da abertura que dava para o
lago pequeno. T ive que fixar a vista antes de perceber algum movimen-
to, tal a lentidão com que eles se deslocavam. Esse local era, realmente,
o refúgio ideal para quem estivesse à procura de solidão. Como eu ainda
não havia visitado a sétima esfera e não tinha ponto de referência em

182
que me fixar, Acharya disse-me que segurasse a sua mão. Quando o
ambiente tornou a fazer-se claro, vi que estávamos no mais alto ponto
de uma cadeia de montanhas que Acharya disse chamar-se "Vista para o
Mundo", pois dali as pessoas podiam ver o mundo circundante, mundo
n o qual deveriam viver até sua próxima encarnação. Embora a zona
rural fosse razoavelmente bem arborizada, com muitas flores desabro·
chando, não havia .edifícios em parte alguma, e o local tinha uma apa-
rência desolada. Disse-me meu amigo que uma porção de ascetas e ho·
mens virtuosos passavam grande parte de suas vidas sob essas condi-
ções. Fiquei satisfeito pelo fato de não ser o misticismo a minha linha
preferida. Notei que havia duas pessoas, que pareciam ser um homem e
uma mulher, _flutuando suavemente ao longo do vale. Perguntei a Acharya
quem seriam eles; e meu amigo respondeu: "Vamos ver." Flutuamos em
sua direção. Quando os alcançamos, eles não diminuíram a marcha, que
e ra um pouco mais rápida do que a de um passo a pé, e quando Acharya
lhes dirigiu a palavra, eles não responderam. Eu também fiz uma per-
gunta à mulher, que voltou o rosto em minha direção, mas o lhou através
de mim serp dizer palavra. Seus olhos pareciam vazios e seu rosto não
expressava animação . Flutuavam, ambos, fazendo um caminho que me
pareceu circular. Meu guia disse-me que se tratava de cascas deixadas
por dois indivíduos que haviam passado para o mundo mental.
Foi então que Acharya explicou que, a fim de viajar para o mundo
mental, deveríamos deixar para trás nossos veículos astrais. Para ter
certeza de que eles seriam corretamente cuidados e não cairiam sob a
posse de qualquer entidade astral, Acharya propôs que os deixássemos
sob a guarda de dois de seus amigos, nos quais podia confiar. Concen -
trou-se profundamente e, depois de cerca de um minuto, disse-me que
eles estavam a caminho para vir ao nosso encontro. Quase que imedia-
tamente, dois europeus, de aparência altamente intelectual e espiritual ,
flutuavam em nossa direção. Dep ois que trocamos cumprimentos ,
Acharya disse-lhes o que desejávamos que fizessem . Disseram-me que
me deitasse de costas, com as mãos cruzadas sob a cabeça. Acharya fez
o mesmo, porém com a mão direita sobre a minha testa. Disse-me que
relaxasse e que tentasse tornar a mente vazia.
Conforme Acharya havia predito, estou considerando quase impos-
sível descrever em palavras o que é o mundo mental. Parecia que dois ou
três minutos se tinham passado desde o momento em que me haviam

183
mandado relaxar, quando percebi que Acharya estava falando comigo,
embora não estivesse usando palavras nem produzindo qualquer som.
Abri os olhos e descobri que prevalecia uma espantosa imobilidade. Pa-
recíamos suspensos no espaço, mas circundados por toda sorte de obje-
tos enevoados, que podiam ou não podiam ser edifícios, paisagens e
pessoas. Alguns desses objetos eram coloridos, mas nada parecia apre-
sentar-se claramente. Todos eles, mesmo as formas que poderiam ser de
homens, davam a impressão de modificar-se constantemente. Eu não os
via com meus olhos, realmente, mas "sentia-os" de forma bastante dife-
rente de tudo quanto experimentara até então. Podia ver as formas·
pensamento que flutuavam atrás de mim, bem como podia ver as que
estavam diante de mim; desse modo não tinha necessidade de me voltar
e encarar um quadro em particular a fim de ver que tal era. Tudo muito
misterioso e, se não estivesse em tão excelente companhia, eu teria
ficado l!m tantinho assustado. A essa altura, Acharya estava me envian-
do pensamentos, que eu recebia tão claramente como se ele me falasse,
e era óbvio que ele recebia minhas respostas, assim que eu as exp ressa-
va em minha mente . Disse-me ele que aquela era a mais baixa esfera do
mundo mental, povoada, em sua maior parte, por entidades de desen-
volvimento mental muito pequeno. Mostrou-me as formas-pensamento
de várias pessoas que viviam naquele nível. Eram criaturas fugazes, sem
qualquer aparência de solidez. Muitas mal poderiam ser descritas como
formas concretas, pois eram pouco mais do que fumaça ou nuvem, com
aparência de forma humana, mas que, devido à sua carência de de nsida-
de, não retinham os mesmos contornos por todo o espaço de tempo. Já
vi formas parecidas se delinearem; quando observava a fumaça lançada
pelo fogo, fumaça que instantaneamente se desvanece pela chaminé
acima. Sob essas condições do plano mental, Acharya apare ntava ser
muito maior do que nos mundos físico ou astral, e surgia bem recortado
e muito mais sólido do que qualquer das entidades cujas formas flutua-
vam diante dos meus olhos. Sua aparência naquele ambiente capacitou-
me a apreciar a comparação que ele fizera: o corpo mental de um ho-
mem não evoluído e o cesto em início de fabricação, e o corpo mental
do homem mais evoluído e o cesto já terminado.
Acharya me disse que me conservasse junto dele . Colocou a mão
no meu ombro - embora eu não lhe sentisse o toque - e disse que
agora íamos passar para a segunda esfera. Sem que eu tivesse qualquer

184
sensação de movimento, tal como se dera antes, o cenário se transfor-
mou, como poderia acontecer na tela de um cinema. Nosso novo ambi-
ente não se mostrava muito diferenle daquele que tínhamos deixado,.
com a diferença de que as formas que ali flutuavam tinham contornos
mais claros.
Acharya disse-me que escolhesse um assunto sobre o qual desejasse
conversar com um dos habitantes permanentes, para o que eu deveria
enviar pensamentos ao éter, pedindo que alguém interessado naquele
mesmo assunto entrasse em contato comigo. Sem pensar muito, esco-
lhi, como assunto, as religiões comparadas. Imediatamente, através de
formas-pensamento, a resposta veio na forma de uma pergunta sobre a
que religião eu pertencia. Meu pensamento respondeu que era a católi-
co-romana, embora eu não fosse muito pratican te. O pensamento-res-
posta disse que todas as religiões tinham seus usos, dado o fato de capa-
citarem pessoas que não podiam manter-se sozinhas a ter algo em que
se apoiar e, na maioria dos casos, atuavam como guias em decisões que
as pessoas deviam tomar durante a existência. Cada religião tivera início
com um propósito específico, mas, basicamente, as verdades eram to-
das as mesmas.
Esse pensamento explicou que a tônica do Cristianismo era o amor,
e que, de acordo com sua filosofia, o homem só poderia evoluir através
do amor por seu próximo e sendo tolerante para com as opiniões e
ações dos outros homens. A religião iniciada pelo Senhor Buda era ape-
n as uma filosofia, tão bela como a pregada por Cristo - sendo a sabedo-
ria a tônica do budismo. Conforme seus ensinamentos, a coisa mais
importante na vida é agir de acordo com a lei do carma, através da qual
o homem sofre ou recebe benefícios segundo suas ações, pensamentos e
palavras. A tendência dessa religião é eliminar a emoção. A grande reli-
gião conhecida como H,nduísmo, que foi revivida por Shri Krishna há
cerca de dois mil anos, teve como tônica a limpeza e a conduta discipli-
nada. Seus membros ortodoxos faziam abluções especiais, a determina-
dos intervalos. O Islamismo, fundado por Maomé, tem como tônica a
coragem e, de fato, seus seguidores não carecem dessa virtude em par-
ticular. O Zoroastrismo, religião dos parses, foi evoluindo gradualmente,
através das muitas encarnações de Zoroastro. O fogo era seu símbolo
sagrado e sempre foi considerado elemento de purificação. A tônica
dessa religião é a pureza . Seus membros chegavam a ponto de dizer que

185
o fogo não d evia ser profanado para acender c igarros ou cachimbos.
Meu interlocutor criticava o proselitismo sob qualquer forma, e reco-
mendou-me que nunca tentasse modificar a fé de uma pessoa, a não ser
que estivesse perfeitamente segu ro de que essa pessoa estava procuran-
do algo novo e havia perdido o interesse pela religião sob a qual tinha
nascido. Disse, ainda, que jamais pudera compreender um ateu, porque
ninguém poderia estar seguro de que não havia vidas passadas ou futu-
ras, mas que simpatizava com os agnósticos, que eram pessoas hones-
tas, apenas desejosas de serem convencidas, caso encontrassem argu-
mentos que as satisfizessem . Era uma pena essas pessoas não compre-
enderem que a maioria das doutrinas religiosas relacionadas com as con-
dições não-físicas jamais poderiam ser provadas através de experimen-
tos no plano físico.
Eu gostaria de ter discutido sobre outros assuntos, mas meu guia
disse-me que terminasse a conversação , pois a que tivera já era suficien-
te para uma noite e talvez muito mais do que poderia reter quando na
consciência física .
Perguntei se havia música naquele plano e Acharya respondeu inda-
gando qual era minha sinfonia predileta. Disse-lhe que era a Sinfonia
Coral de Beethoven, a Quinta, e ele me aconselhou a fazer a forma-
pensamento do movimento preferido pois eu iria ter uma surpresa, pro-
vavelmente. Pensei, é claro, no belo movimento coral e, no mesmo ins-
tante em que pensava, ouvi a música de que ta nto gostava, e que parecia
vir de toda parte, a nosso redor. Extasiado, ouvi até as notas finais que
encerravam o belo trabalho. Acho que jamais esquecere i essa música. A
interpretação era muito mais perfeita do que qualquer coisa que eu pu-
desse ler imaginado sob as condições do mundo. A pureza das vozes e a
perfeição dos músicos estavam além de tudo quanto eu poderia ter con-
cebido como possível.
Acharya disse-me que não adiantava tentar re ter qualquer ponto de
referência, pois seria impossível para mim voltar a visitar o mu ndo men-
tal no meu presente estágio de desenvolvimento. Preparamo-nos para
regressar, da mesma forma pela qual tínhamos vindo e, depo is de um
momento, como que acordei em me1,1 ~arpo astral, ainda deitado, na
posição em que partira, com os dois auxiliares astra is "de guarda". Am-
bos sorriam ao ver a consternação do meu rosto, mas eu ainda me
sentia extremamente perplexo diante de tudo quanto tinha visto . Então,

186
despediram-se, cumprimentando-nos polidamente, e se afastaram . Logo
depois, acordei em minha cama e vi que eram 3 horas e um quarto .
Levantei-me, e registrei o que ainda estava claro em minha mente.
Na noite seguinte, antes de adormecer, resolvi que iria ver como ia
Mary, mas, ao sair de meu corpo, vi que Charles estava no meu quarto.
Ele não tinha planos para sugerir. Assim eu lhe perguntei se gostaria de
ir comigo à enfermaria do hospital de Londres, pensando que a experi-
ência lhe seria útil. Ele con cordou, e n os pusemos a caminho. Chegando
à enfermaria, e ncontramos Mary bem acordada. Tentei sugerir a Charles
que, enquanto esperávamos que a moça saísse de seu corpo, podería-
mos ir até a terceira esfera e visitar Daphne. A proposta não o interes-
sou, em absoluto; por isso ficamos rodando pelas enfermarias até que,
voltando, encontramos Mary, que adormecera e se destacara de seu
corpo.
Disse-me a jovem que as coisas tinham andado bem melhores para
ela desde que me vira pela última vez e que Irene recordara, mais do que
e la própria, muito do que eu dissera naquela ocasião. Mary estava pas-
sando as noites no velho lar, com a mãe e a irmã, mas não se lembrava
de muita coisa do que se passava. Disse-lhe que, futuramente, a qualquer
momenlo em que desejasse meu auxílio, pensasse com firmeza em mim
e eu me esforçaria por atender.
O único comentário de Charles sobre o caso foi o de que Mary era
muito bonita ! Sugeriu que passássemos junlos o reslo da noite, condu-
zindo-me e le para uma "chispada", pois sempre desejara mostrar que,
pelo menos numa coisa, era ma is experiente do que eu. Concordei, e
e le produziu a forma-pensamento de um Pussmoth de dois lugares, no
qual levou-me por sobre toda a Austrália, explicando o mecanismo do
avião durante o caminho. Enquanto estávamos a inda sobre aquele con-
tinente, senti o chamado, já então familiar e, deixando o avião em pleno
vôo, vi-me de volta a meu corpo, em Colombo.

187
Capítu{o 11

J2lcharya chegou dez minutos antes da hora habitual, e nquanto eu


estava terminando o desjejum. Eu levara um tempo enorme para datilo-
grafar os detalhes do que havia acontecido durante a semana, e não
ousara barbear-me ou mesmo tomar banho antes de terminar o traba-
lho, não fossem desaparecer as lembranças das atividades da última noi-
te , perdendo-se, assim, parte delas. Ele não pareceu se incomodar por
não me encontrar pronto para recebê-lo. Desculpou-se por vir adianta-
do, sentou-se no tapete, no lugar de sempre, perguntou-me se podia ler
as notas que eu havia tomado. Entreguei-lhe as páginas datilografadas,
com os pormenores das minhas experiências desde que ele me visitara,
na última segunda-feira, e perguntei-lhe por que desejava vê-las, já que
eu tinha certeza de que ele sabia muito bem tudo quanto eu estivera
fazendo.
Acharya respondeu: - Sim, estive em contato com o senhor pois
recebi permissão para me vincular consigo pelo pensamento durante o
período em que for responsável pelo seu ensino. Depois disso, o vínculo
entre seu corpo mental e o meu romper-se-á de imediato, pois não te-
mos permissão para ver dentro da mente alheia, a não ser em circuns-
tâncias muito especiais, semelhantes às que se relacionam com nossa
amizade durante as duas semanas passadas. Cada homem é responsá-
vel, diante de si próprio, e diante do Criador por aquilo que faz e, como
sabe, é recompensado, ou tem de sofrer, de acordo com os pensamen-
tos expressos e as ações realizadas. Pedi para ler suas notas, porque
desejo saber qua nto se lembrou de tudo o que fez e, sem ler seu registro,
não posso ter essa informação.

188
Leu, com cuidado, até o fim , e continuou: "Seu relatório relativo à
noite de terça-feira está bastante bom, porque recordou muito do que
aconteceu durante sua visita à Cidade Dourada. Contudo, o senhor se
esqueceu de algo indispensável: não mencionou que seu guia levou-os
aos arredores da cidade e mostrou-lhes um aglomerado de pessoas que
ouviam uma forma-pensamento criada por elas, representando Cristo a
lhes dirigir a palavra. Tanto o senhor como Daphne ouviram, durante
um pequeno espaço de tempo, o que estava sendo dito. O senhor co-
mentou com seu guia que tudo quanto aquele Cristo estava dizendo acha-
va-se registrado nos diferentes evangelhos do Novo Testamento . Isso,
em si mesmo, teria sido prova suficiente de que não era o grande Ser,
conhecido como Cristo, quem estava falando, mas apenas a expressão
daquele fundador da fé cristã, que era parte dos pensam'entos e das
mentes de Seus mais fiéis seguidores. Estou certo de que, se fosse o
Cristo quem alí estivesse - Ele a inda vive e ainda controla o desenvolvi-
mento espiritual deste planeta - a impressão do que dissesse não teria
se apagado tão facilmente de sua memória. Pergunte a Daphne sobre
esse caso, quando a vir. Ela por certo há de se lembrar.
Estou satisfeito com a descrição que fez da experiência da noite de
quarta-feira, pois está melhor do que eu esperava. Avisei-o sobre as
d ificuldades que encontraria para encontrar palavras que expressassem
as atividades mentais, mas penso que todos quantos lerem seu registro
compreenderão um tanto do que tentou descrever. Estou satisfeito, cer-
tamente, por ver que compreendeu a maior parte do que tentei lhe dizer
quando da minha última palestra.
"Suas peregrinações da noite passada pedem poucos comentários
de minha parte. Têm seu valor, entretanto, porque agora o senhor com-
preende que precisa considerar a opinião das outras pessoas e, muitas
vezes, acomodar-se a elas, tanto no plano físico como no plano astral.
Tenho certeza de que Mary, sua protegida, chamará pelo senhor num
futuro muito próximo, e sei que se esforçará por assisti-la nos muitos
problemas que terá de enfrentar. Será uma excelente experiência para o
sen hor.
"Hoje faço minha última palestra, e devo primeiro falar-lhe da 'ter-
ceira morte' e do que acontece ao ego depois que ele descartou seu
veículo remanescente de consciência, o chamado corpo mental, e vive,
durante certo período, envolvido pelo único veículo permanente que

189
possui - o corpo causal . Quero que ouça isso· com muito cuidado,
porque muitos c~studantes parecem considerar difícil a apreciação destas
informacõcc;.
A lercei1,, ll1<J1te ,~ 1nuito semelhante à passagem do mundo astral
pa ra o mundo mental, porque o homem aos poucos vai perdendo a
consciência, e, lendo deslizado para fora do corpo mental, encontra-se
no que é o seu corpo causal. O corpo causal é assim chamado porque só
age no que é denominado nível causal, formado pela sexta e sétima
esferas do mundo mental. É conhecido como o veículo permanente do
homem, porque o homem o possui desde que se individualizou, saindo
do reino animal e tornando-se uma entidade humana separada.
"O nível causal é o lar natural do ego; ali ele permanece durante os
períodos a que chamamos de encarnações, quando parte dele próprio
está se manifestando em níveis mais baixos de consciência e ganhando
a experiência indispensável para libertar o ego da necessidade de renas-
cer e tornar ~ renascer em diferentes corpos físicos.
"O corpo causal se modifica a cada vida, apenas pela adição da
experiência que o homem acumulou durante sua última encarnação;
por este motivo, às vezes nos referimos a ele como reservatório de
conhecimento. Um homem evoluído pode abrir esse reservatório à von-
tade, e dele retirar, para o nível físico, as experiências de suas vidas
passadas. Isso o livra da necessidade de ter de aprender certas coisas
cada vez que tem um novo cérebro físico, porque, em si mesmo, o cére-
bro não tem lembrança de experiências passadas. Por essa razão, o
homem evoluído tem grande vantagem sobre o irmão menos evoluído
- mas cada um de nós estará em posição igual quando alcançar esses
estágios de desenvolvimento. A lição mais importante que temos a apren-
der é que só através de nosso próprio esforço podemos progredir.
"Se esses assuntos fossem compreendidos e ensinados com a devida
adequação por aqueles que dizem ser auxiliares da humanidade, dar-se-
ia mais atenção aos mesmos. Poucos dentre nós estão em condições de
conceber o fato de que a personalidade discernível no nível físico é
apenas m inúsculo parte do homem real - o ego - e que esse ego, ou
individualidade, ultrapassa e guia essa personalidade com o máximo de
sua potência, dentro dos limites permitidos pelo livre-arbítrio, outorgado
a todos os''homens quando alcançam o padrão de entidade humana.
"No nível causai, o passado, o presente e o futuro são na realidade

190
uma só coisa. Deixe-me dar-lhe Üm exemplo do plano físico, para ilus-
trar o que acabo de dizer. Imagine, por um momento, um rio que se
torce e se curva a cada cem metros. Um homem estacionado no convés
· de um barco fluvial, o qua l fosse lançando nuvens de fumaça pelo itine-
rário a ser feito, poderia ver apenas o trecho do rio em que o barco
navega no momento. O trecho que fica para além da curva, à retaguar-
da, é invisível para ele; o mesmo acontece com o curso do rio que fica
além da próxima curva para a qual o barco vai sendo agora guiado.
Suponhamos que outro homem esteja fazendo o mesmo caminho num
helicóptero. Esse homem veria todo o curso do rio numa longa exten-
são: tanto o caminho percorrido pelo barco quanto o ainda a percorrer,
assim como o lugar em que está no momento em que o observa. Para
esse homem, a paisagem pela qual passou o barco é tão visível quanto a
paisagem que os olhos dos passageiros vêem naquele momento, ou que
verão em futuro próximo. Para ele não há passado nem futuro: tudo de
fato é presente. O homem não evoluído e o homem evoluido asseme-
lham-se ao passageiro do barco e ao do helicóptero.
"No nível causal, o ego vê um registro comple to de sua vida passada,
numa série de quadros, mais ou menos como os episódios num projetor
de filmes . Esses quadros mostram-lhe, exatamente, onde acertou e onde
e rrou, em suas vidas passadas. Mostram também o que sua próxima vida
pretende fazer por ele e que modificações em seu caráter devem ser
conquistadas antes que um progresso ulterior possa ser obtido. O ho-
mem não evoluído vê tudo isso, mas, devido à sua limitada inteligência,
não apreende sua significação da mesma forma como o faz a pessoa
intelectualizada. Ele se parece ao passageiro do barco fluvial. Por outro
lado, o homem evoluído., tal como o homem que viaja de helicóptero, vê
imediatamente por que cometeu erros na vida passada, e não apenas o
resultado desses erros. Resolve que não falhará da mesma maneira em
sua próxima vida. Assim, as lições aprendidas através desses quadros
passam a fazer parte da estrutura de seú átomo permanente - esse
reservatório de conhecimentos que contém a essência de suas experiên-
cias em todas as suas vidas anteriores. E quando, numa vida futura, che-
ga o tempo em que deve tomar decisões de problemas semelhantes, a
voz da consciência, que é o aviso a ele enviado pelo ego, falando do
plano onde ~xiste o reservatório de conhecimentos, gárante-lh~ que er-
ros idênticos não serão cometidos uma segunda vez. Compreende en-

19 1
Ião por que é bom que ele renasça num determinado grupo de pessoas,
ou numa nação, pois através desse nascimento ele pode conseguir o
l
ambiente de que necessita. Por essa razão, jamais há falta de coopera-
ção de sua parte, quando lhe mostram vida futura. Sabe muitíssimo bem
que a vida arranjada para ele é a que melhor convém, como garantia de
seu mnior progresso. Obter isso no mais curto espaço de tempo possível
é o que lodo ego deseja.
"Embora todos nós gozemos o tempo vivido no nível "egóico", te-
mos que deixá-lo novamente, em obediência à lei de evolução. Todos
nós desejamos sair, quando chega a nossa vez, pois sentimos dentro de
nós o anseio de maiores expressões e experiências. Sabemos que o
progresso, em nossa evolução, só pode ser adquirido através de
incontáveis vidas, vividas no mundo físico. Compreendemos que não
podemos responder integralmente às vibrações que governam o mundo
causal enquanto não tivermos evoluído para um estágio em que não
mais nos será necessário renascer. Esse tempo chega quando tivermos
aprendido todas as lições que a vida no plano físico nos pode ensinar;
então nossa atenção é atraída para outras esferas de atividade, muito
além dos níveis físico e astral. Os egos que alcançam esse estágio de
perfeita qualidade humana resolvem, às vezes, por sua própria iniciati-
va, permanecer em contato com os níveis mais baixos, apenas em razão
de seu grande amor pela raça humana e pelo desejo de ajudar a huma-
nidade em sua evolução. Ainda bem que existem essas grandes almas,
porque, de outra forma, o progresso da humanidade seria muito mais
lento do que o é presentemente.
"Minha descrição do método de descida para o renascimento não
deve, agora, parecer-lhe difícil de entender, se recordar minha analogia
anterior. O ego despido deve vestir-se mais uma vez - em outras pala-
vras, recebe três novos corpos, através dos quais pode funcionar nos
planos de consciência relativos a eles. O primeiro corpo que ele deve
receber é feito de matéria mental (suas roupas íntimas) e, a fim de conse-
guir isso, ele volta sua atenção para o átomo permanente, no qual, con-
forme recordará, reteve as moléculas correspondentes a todas as esferas
que existem no nível mental. Tomando o átomo mental, ele o vivifica, e
começa a atrair em torno de si outros átomos mentais, tirados da maté-
ria que existe no nível mental, da mesma forma por que um cristal, ao
cair numa solução, fará com que outros cristais se farmem ao seu redor.

192
A matéria atraída toma a forma de seu último corpo mental - aquele
que abandonou ao fim de seu estágio no nível mental - com uma pe-
quena diferença: é um veículo mental de consciência melhor do que o
anterior, porque inclui os resultados de seus esforços mentais na
encarnação passada. Ele retorna para essa vida nova com um corpo
mental que contém todo o conhecimento que construiu em suas vidas
passadas, mas ainda não tem qualquer conhecimento a respeito dos
assuntos que até então deixou de estudar. Isso mostra por que, neste
mundo, os homens diferem tanto uns dos outros. Seus intelectos são
diferentes, porque possuem diferentes graus de corpo mental. Portanto,
um homem possuidor de intelecto excelente, adquirido através de expe-
riências de muitas vidas, jamais se deve aproveitar de outro com menos
experiência do que ele próprio. Sua tarefa é ajudar, e não embaraçar
seus irmãos mais novos.
"Depois de criar para si mesmo um novo corpo mental, ele dá mais
um passo à frente . Volta sua atenção para o átomo astral, e vivifica-o.
Esse átomo, imediatamente, reúne em torno de si outra matéria astral,
exatamente da mesma qualidade que ele tinha em seu último corpo as-
tral, quando o abandonou. Isso significa que todo o progresso emocional
que ele obteve em sua última vida está incluído em seu novo corpo astral
(seu terno) que irá servi-lo nessa nova existência. Esse novo corpo con-
tém em si os resultados do trabalho por ele realizado durante os anos em
que viveu sob as condições do plano astral. Por exemplo: se estudou
música de uma forma profunda terá um anseio, em sua próxima vida
física, para dedicar-se à música, ou por profissão ou por distração, e o
desenvolvimento desse talento musical lhe será muito fácil. O novo cor-
po astral é muito mais sensível do que o antigo, isto é, tem capacidade
para registrar emoções mais fortemente do que o corpo que o precedeu.
"Também se faz necessário um corpo físico (seu sobretudo). Esse é
adquirido através do nascimento normal numa família deste mundo. O
corpo não é necessariamente de tipo melhor do que o da última
en carnação, e depende muito do que o ego terá de aprender em sua
nova vida. Assim, o corpo dado é o de que ele necessita naquele mo-
mento. A primeira decisão a ser tomada relaciona-se com as modifica-
ções de caráter que devem ser realizadas. A resposta a essa necessidade
decide vários assuntos, o primeiro dos quais é o da nação na qual o ego
irá renascer - pois cada nação tem suas qualidades específicas. Já que

193
o senhor é inglês, tomaremos sua nação como exemplo. A dedicação ao
dever é, talvez, a mais notável qualidade do caráter britânico. Se o ego
que vai reencarnar se recusou, em sua vida anterior, a enfrentar dificul-
dades - e pode até ter sido tão covarde a ponto de chegar a cometer
suicídio em uma de suas vidas passadas - ele carece, obviamente, das
fortes qualidades que fazem parte da nação britânica, de modo que uma
vida como membro naquele grupo de famílias, indubitavelmente, irá in-
troduzir no caráter desse indivíduo o de que ele necessita no momento.
Ao fim dessa vida, seu caráter terá sofrido considerável transformação .
Depois de tomada a decisão quanto ao país no qual o ego irá nascer,
torna-se necessária a escolha de uma família conveniente, naquela na-
ção, e isso é assunto complicado, cujos pormenores requerem muita
atenção. Trata-se de uma solução que jamais é deixada ao sabor do
acaso. Embora existam dezenas de famílias que lhe poderiam dar o am-
biente de que necessita, pode-se tornar impossível que esse ego seja
considerado para muitas delas, em conseqüência de suas ações no pas-
sado terem sido tais que não mereça o privilégio de nascer em circuns-
tâncias tão desejáveis. Escolhe-se uma família através da qual ele entre
em contato com algumas das vinculações pessoais que teve no passado.
Essas vinculações são feitas pelo amor, o ódio, o casamento, o parentes-
co, sendo pai de um filho ilegítimo, abandonando a mulher em má situ-
ação, e assim por diante. Qualquer desses carmas deverá ser trabalhado.
A questão da hereditariedade é outra decisão que tem de ser tomada, e
considera-se que o ego deve ter saúde ou sofrer doenças, se deverá ser
simpático ou não, e qual o tipo de cérebro apropriado. Os pais são
considerados pessoalmente para se avaliar se são adequados, o mesmo
se dando com seus próprios pais e respectivos cônjuges. Avalia-se que o
ego deve nascer de uma mãe que deseja um filho, e lhe dará, portanto,
tudo quanto estiver a seu alcance para proporcionar-lhe um adequado
início de vida, ou se de pais que o tratarão como um ego à parte, consi-
derando suas aptidões quando criança, como a que se revela pelo anseio
de estudar música - que pode ter adquirido em sua última visita astral
ou se nascerá de pais que o frustrarão, não se preocupando com esses
anseios e interferindo em seus movimentos, mesmo depois que se torne
adulto, ou, ainda, de pessoas que mostrarão tolerância em relação a
religiões ou de pessoas que façam exatamente o contrário.
"Feitos esses arranjos, e escolhido um adequado momento astroló-

194
gico, a criança nasce. Agora, é tare fa do ego vencer os obstáculos do
nascimento e do ambiente em que foi colocado. Às vezes, homens que
foram anteriormente líde res de uma nação, nascem em lares pobres e
frustrados. O homem que consegue vencer os obstáculos colocados em
seu caminho se associará com uma família de altos princípios, em cir-
cunstâncias desejáveis, quando seu caso é novamente considerado para
uma vida ulterior no mundo físico.
"Antes de concluir, devo tocar no assunto vital da educação da crian-
ça. A partir do que lhe tenho dito, o senhor pode compreender que um
ego pode ser grandemente ajudado ou prejudicado em sua evolução
pela atitude que os pais adotem em relação a ele. Relativamente, há tão
poucas pessoas a,tentas às necessidades das crianças, que agora se vai
tornando difícil encontrar famílias convenientes para essa tarefa de guiar
egos adiantados em suas viagens.
"Para que possa avaliar a extrema importância da educação das cri-
anças, mencionarei primeiro alguns fatos indisp ensáveis, relativos ao
desenvolvimento humano .
"O desenvolvimento do homem é dividido em períodos de sete anos,
cada qual marcado pelo a parecimento de um novo poder ou qualidade.
Essas etapas estão intimamente ligadas às atividades desenvolvedoras
das glândulas endócrinas no corpo físico. O que se chama "nascimento"
é, realmente, apenas o nascimento do corpo físico visível, que chega ao
seu alto estado de eficiência em prazo mais curto do que os corpos
invisíveis do ego. O feto vive dentro do útero protetor da mãe durante a
gestação. Da mesma ma neira, os veículos sutis - os corpos etérico,
astral e mental, cuja comp reensão parcial me esforcei por lhe transmitir
n estas palestras - vivem dentro dos envoltórios protetores de éter, da
matéria de desejo e da matéria de mente, de ntro do útero do Universo
ou da Natureza, até que estejam suficientemente maduros p ara enfren-
tar as condições do mundo . O desenvolvimento físico no útero não pode
ser apressado , da mesma maneira n ão se tenta apressar o desen volvi-
mento dos corpos não-físicos enquanto ainda estão protegidos dentro
do útero da Natureza. Só devem ter permissão para progredir quando a
criança receb e uma orientação adequada. Os pais, portanto, devem pre-
parar-se para serem guias, conselheiros e amigos de seus filhos, até que
e les atinjam a idade de vinte e um anos, ocasião em que seus corpos
mentais se encontram em condições de se dirigirem a si próprios. En-

195
tão, para que a criança se torne um adulto possuidor de autoconfiança,
todo o controle paterno deve cessar. Dali por diante os país só devem
dar conselhos quando forem solicitados, já que têm maior experiência.
Manter um adulto preso "à barra da saia" é coisa que fazem freqüen-
temente, sob um outro pretexto, os pais egoístas, com o prejuízo pró-
prio e o dos fílhos.
"Os primeiros três períodos setenais do desenvolvimento do homem
são marcados pelo nascimento, ou pela complementação do corpo etérico
aos sete anos, a época da segunda dentição; o corpo astral e mental aos
catorze anos, e a época da puberdade; enquanto o corpo mental, que
completa o homem, não entra em atividade integral até a idade de vinte
e um anos. Na criança recém-nascida, só estão ativas as qualidades ne-
gativas desses corpos e, antes que ela possa fazer uso integral de seus
diferentes veículos, as qualidades positivas de cada um deles devem ama-
durecer. Duran te os primeiros sete anos de vida, as forças que atuam ao
longo do pólo negativo do éter estão ativas; por isso as crianças dessa
idade, como médiuns, têm clarividência do mesmo caráter negativo. Por
essa razão, é bastante comum as crian ças terem companheiros de brin-
quedo invisíveis para os adultos. Mais tarde, da mesma maneira, as for-
ças que trabalham no corpo de desejo dão uma capacidade passiva para
a sensação, até que as qualidades positivas se desenvolvam. As emoções
também se manifestam livremente por essa altura, e são de qualidade
fugaz, jamais duradouras. Os a nos entre os catorze e os vinte, quando a
natureza de d esejo é turbulenta e descontrolada, são, talvez, os mais
difíceis que os pais têm a enfrentar, pois que nessa época devem usar da
mais completa tolerância e compreensão. As crianças são ext remamen-
te sensíveis às forças que trabalham junto ao pólo negativo da mente.
Essa é a razão pela qual se mostram tão imitadoras e ensináveis, e é
preciso tratar com e las de modo compreensivo, até que as qualidades
positivas se manifestem. Assim que isso acontece, o ego está pronto e
ansioso por ficar só, o que lhe deve ser permitido. Cometerá erros -
todos nós os cometemos - e essa é uma das formas mais importantes
de aprender nossas lições.
"Nos dias primitivos, quando o homem apareceu sobre a Terra, re-
cebeu pouca assistência por parte de seus pais, que, por sua vez, tinham
experiência insuficiente da evolução para que pudessem dar auxílio a
outrem . Nas condições atuais, entretanto, as coisas são diferentes, tanto

196
que a paternidade deveria ser vista como ciência, cujo estudo é necessá·
rio para todos. Os pais, adeptos do controle da natalidade e que têm
apenas dois ou três filhos para cuidar, que dispõem do tempo necessário
para estudar e que se sentem preparados para fazer isso, podem adquirir
para si próprios o conhecimento através do qual se tornem guias conve-
nientes para as crianças. Os pais devem compreender que as crianças
não são brinquedos que lhes foram dados para fazerem delas o que
quiserem, mas que são o seu próximo, seres confiados a seus cuidados e
orientação, pelos Poderes Existentes. A adequação da orientação dada
a esses seres é uma das mais importantes tarefas que a humanidade é
chamada a realizar. Sob a lei do carma, os pais são considerados res-
ponsáveis pela maneira com que fazem seu trabalho, e sua própria via-
gem junto ao caminho da evolução pode ser apressada ou retardada em
conseqüência disso.
"Todas as jovens normais sonham com o casamento, o lar e seus
próprios filhos. Isso é bom porque é de primordial importância que uma
criancinha seja criada em lar onde é amada e desejada. Para que sejam
donas de casa eficientes e boas, entretanto, as moças devem, antes do
c asamento, dar atenção a assuntos referentes à ordem de sua casa e à
rotina doméstica; ao uso do dinheiro, de forma a valorizá-lo ao máximo,
à seleção, preparação e cozimento de alimentos nutritivos; devem com-
preender a importância do sono e do repouso suficientes; os benefícios
derivados do ar fresco e do sol, e a importância da cultura, tanto física
quando mental. Mas, para serem boas mães, precisam estudar ainda
mais profundamente, pois começarão a pesquisar sobre alguns dos mis-
térios da Natureza. Nesse estudo, não deveriam estar sós, pois as res-
ponsabilidades da família precisam ser compartilhadas igualmente pelos
pais e pelas mães. Cada qual tem sua parte a fazer e uma contribuição a
dar na educação dos filhos. Uma paternidade sensata só pode ser prati-
cada por pais que tenham, pelo menos, algum estudo sobre o desenvol-
vimento humano, e que estejam dispostos a fazer sacrifícios pessoais.
Para realizar adequadamente as tarefas que lhes cabem, os pais devem
estar preparados a ensinar pelo seu próprio exemplo, porque não há
quem goste mais de imitar do que uma criança - na realidade, a imita-
ção é o método principal do crescimento. - Desse modo, os pais de-
vem esforçar-se para jamais fazerem o que não desejam ver copiado.
"Na orientação do desenvolvimento emocional de uma criança há

197
dois assuntos que devem ser livremente discutidos no lar, desde os mais
tenros anos: um é o sexo e o outro é a religião. Em sua preparação para
a paternidade os pais terão estudado a biologia relativa aos reinos vege-
tal, animal e humano; portanto, não terão dificuldade em dizer a uma
criança quais os princípios da reprodução nós diferentes reinos, de acor-
do com sua idade e entendimento. Para os muito novos, eles podem
inventar fascinantes histórias de fadas relacionadas com o reino vegetal.
Podem mostrar às crianças os pistilos das flores, que compararão às
moças, e os estames das flores, que compararão aos rapazes. Podem
mostrar-lhes o pólen nas anteras e os reservatórios de pólen nas patas
das abelhas.
Da mesma maneira, a religião deve ser tratada de forma comum .
Não se pode esperar que uma criança compreenda as doutrinas e dogmas
das diferentes religiões. Isso pode esperar até que ela atinja a idade de
pensar por si mesma. A instrução religiosa, aplicável na época em que
estamos e na que está para vir, é encontrada na vida e nos ensinamentos
de Cristo, durante sua estada na Terra, no corpo de Jesus, na vida e nos
ensinamentos do Senhor Buda e de outros Fundadores de Religiões. Se
todos nós nada mais conhecêssemos ou apreciássemos além disso, terí-
amos esplêndidos padrões sob os quais viver. Portanto, que o ensino da
religião aos jovens seja o dos grandes dramas da vida desses Mestres -
vidas que foram sublimes lições acerca das possibilidades do homem. Tal
como nas instruções sobre o sexo, estas devem ser apresentadas numa
forma adequada ao estágio de compreensão da criança , através de uma
Bíblia, de histórias escritas em linguagem simples e, acima de tudo, pelo
exemplo dos pais. Se os pais conhecem e põem em prática o Sermão
da Montanha, seus filhos mostrarão aqueles "padrões de reação à vida"
que lhes servirão de sólido alicerce para a compreensão do Amor Uni-
versal e da Universal Fraternidade.
"Os pais que adquiriram tolerância e compreensão ensinando a si
próprios ver através dos olhos dos filhos, abordam as coisas desse ponto
de vista, tocam com seus dedos, indagam com suas mentes e estarão,
quando sua tarefa de educadores junto dos filhos estiver terminada, na
melhor posição para chegar a conhecer a si próprios e para ajudar o
próximo com tolerância e sensatez, o que deve ser sua tarefa nesse
período de seu desenvolvimento - tarefa que, por sua vez, faz vir à tona
as qualidades positivas de sua estrutura espiritual.

198
"Pude dar-lhe apenas um rápido esboço da importância da orienta-
ção paterna e dos exemplos na educação das crianças. Pelo tempo que
tenho à minha disposição, não me é possível entrar mais profundamen-
te na questão dos métodos dessa educação. Tudo quanto posso fazer é
enfatizar que nunca, em tempo algum, houve tão grande necessidade
dessa educação do que no mundo de hoje . Se os pais continuarem a
fugir às suas responsabilidades, se não quiserem sacrificar seus "praze-
res", a fim de assumir a tarefa da paternidade, e se continuarem a existir
tantos lares desfeitos como existem agora, lares nos quais o amor e a
compreensão necessários para essa tarefa já não estão presentes, então
é preciso que se determine se a educação de crianças, por grupos de
idade, feita em instituições, por pessoas treinadas e compreensivas, não
seria, talvez, a solução mais sensata para esse problema. Trata-se, pelo
menos, de um campo de pesquisa que terá de ser explorado. É natural,
existem argumentos que podem ser trazidos em defesa de ambos os
sistemas, mas, se a decisão for favorável à educação no lar, então é
positivamente necessário que se dêem alguns passos no sentido de que
os pais sejam mais instruídos e mais sensatos.
"Satisfaz-me o fato de que o senhor está ciente de que não nos
encontramos no mundo por acidente. O senhor compreendeu quantas
vidas são necessárias no plano físico se quisermos ganhar experiência
suficiente para nos libertarmos dos contínuos nascimentos e mortes.
Teve a prova, por si mesmo, de que a morte, temida por tantos, neste
mundo, é uma simples passagem de um estado de consciência para
outro, e que essa passagem não deve ser temida por ninguém, embora,
às vezes, seja precedida de muita dor física. Está ciente·de que as desi-
gualdades da vida não são causadas pelo fato de um Divino Criador
favorecer mais a uns do que a outros, mas que essas desigualdades são
d evidas aos diferentes estágios em que o homem se encontra naquele
momento de seu caminho para a perfeição, ou são causadas por ações
insensatas por parte dos indivíduos, em existências anteriores. Estou
certo de que compreende que nenhum trabalho realizado neste nível é
perdido, pois ao fim de cada e ncarnação levamos nossa colheita, que se
tornará parte do átomo permanente, nosso reservatório de conheci-
mentos.
"Hoje, depois que eu o deixar, o senhor será uma vez mais o único
árbitro de seu destino. Espero que continue a manter o vínculo reatado

199
entre o senhor e Daphne, pórque pode ajudá-la em muitas coisas, e ela
também pode ajudá-lo. Estão, ambos, destinados a trabalhar juntos numa
vida futura e, quanto mais vierem a entender um ao outro agora, mais
progresso conseguirão quando chegar o tempo em que tornarão a viver
juntos sob as condições do plano físico. É possível até que, antes de
passar para o próximo nível, o senhor venha a encontrar alguém deste
mundo, alguém por quem se sentirá atraído e com quem desejará casar-
se. Se isso realmente acontecer, explique a Daphne o que deseja fazer,
porque a decepção tem suas repercussões, mesmo no caso de uma pes-
soa que vive no plano astral em relação à outra que viva no plano físico .
A decepção quase nunca é sensata, pois cria dificuldades que, para se-
rem erradicadas, podem exigir muitas existências.
"Acho que não continuará a se preocupar com Charles. Como o seu
ego é mais velho que o dele, seria difícil para seu irmão segui-lo ao longo
do caminho que o senhor imagina ser mais apropriado para ele, mas
ainda pode ajudá-lo e, provavelmente, estará ligado a ele numa vida
futura, pois o amor cria vínculos muito fortes. Não esqueça as responsa-
bilidades que assumiu em relação a Mary, pois, embora eu creia que não
serão de forma alguma pesadas, ainda assim não devem ser neglígen·
ciadas, pois que aceitou essa oportunidade. O auxiliar astral a quem o
senhor chama de Jim pode ser muito útil para o senhor, e o senhor para
ele; cultive, portanto, essa amizade sempre que se lhe ofereça a oportu-
nidade. Lembre-se de que o conhecimento que lhe foi dado não o foi
para seu uso exclusivo. O senhor tem uma responsabilidade para com os
menos afortunados do que o senhor, e confio sinceramente em que não
se esquecerá disso. Todo o conhecimento verdadeiro deve ser comparti-
lhado, e não apenas mantido para benefício especial de seu possuidor. E
eu lhe asseguro que não só se sentirá mais feliz compartilhando com
outros o seu conhecimento, como também eles se beneficiarão com sua
assistência. Verá que muitos daqueles aos quais oferecerá esse pão do
conhecimento irão recusar-se a aceitá-lo . Essas pessoas ainda não estão
preparadas para o conhecimento que lhes oferece, mas isso não o deve
deter quanto a lhes dar oportunidade de ouvir o que tem a dizer.
"Agora chegou o momento de lhe dizer adeus. lsso não quer dizer
que jamais nos tornemos a encontrar, pois o vínculo que se formou
entre nós, durante estas últimas semanas, verá seu resultado inevitável.
Um vínculo, uma vez formado, raramente é rompido de todo. Depois

200
que eu o deixar, já não saberei o que estará fazendo, tal como me foi
permitido saber durante este curto período a fim de ajudá-lo em sua
instrução, mas não tenho dúvidas de que o progresso que fez será man-
tido. Se, no futuro, achar que precisa de mim, a qualquer tempo, faça
uma forma-pensamento bem forte, que me represente, e envie seu de-
sejo de contato para o éter que o circunda. Posso não estar em condi-
ções de responder a seu chamado de imediato, mas pode ter certeza de
que o recebi, e de que entrarei em contato com o senhor assim que o
trabalho que tiver em mãos o permita. Apreciei muitíssimo a compreen-
são que demonstrou nas ocasiões em que minhas palavras poderiam ser
interpretadas como crítica ao senhor e a outros que estão n o mundo.
Acredite-me: não era essa a minha intenção .
"Um dos grandes filósofos disse certa vez: - Quando o discípulo
está pronto, o Mestre está sempre ali. - Isso é uma verdade, pois sejam
quais forem suas dificuldades o senhor nunca estará inteiramente a sós.
Eles não abandonam os que trabalham em seu nome. Seus esforços
colocaram-no em conta com alguns dos grandes Seres que se empe-
nham em guiar-lhe os passos pelos caminhos mais apropriados para seu
progresso . Sua reação ao auxílio dado por eles levou-o a um contato
mais próximo. Eles conhecem as limitações e dificuldades do senhor, e
só querem que demonstre o desejo de receber o auxílio que lhe podem
dar, e a assistência deles estará imediatamente à sua disposição.
"Que a Paz, pela qual tão pacientemente eles trabalham, possa estar
com o senhor e com todos os que procuram aliviar a carga da humani-
dade. Adeus , até que, ao tempo determinado por Deus, tornemos a nos
encontrar."

201
'Epífogo

'llm mês se passou desde que terminei de transcrever as notas que


fiz a respeito da última palestra de Acharya, e mesmo agora encontro
dificuldade para me convencer de que ele não tornará a me visitar. Eu já
estava me habituando a esperar por aqueles encontros diários, de uma
forma que não teria acreditado possível há dois meses. Sinto-me extre-
mamente feliz ao ver que a cada manhã posso recordar muito do que fiz
durante a noite, pois de início não sabia se minha capacidade para me
lembrar do que fazia à noite não iria desaparecer depois que foi rompido
o vínculo mental com Acharya. Há algumas noites visitei Daphne e inda-
guei sobre os trechos que eu esquecera quando de nossa visita à Cidade
Dourada. Conforme Acharya havia presumido corretamente, ela selem-
brava do caso do Cristo que parecia dirigir-se ao povo, tão claramente
quanto se lembrava do resto do que se tinha passado naquela noite .
Decidi, portanto, que nas noites em que fizesse experimentos em com-
panhia de Daphne, verificaria depois, com ela, o que se passara. Já fiz
vários amigos entre as pessoas que vivem no mesmo vale onde Daphne
mora, e que não fazem objeção, certamente, à minha volta de vez em
quando, embora não possa, no momento, tornar-me membro perma-
nente de sua comunidade.
Há duas noites decidi, por minha conta, ir até a sexta esfera, porque
de há muito tenho sentido o desejo de empreender uma viagem num
daqueles barquinhos que ficam atracados às margens do lago. Ao che-
gar, vi que havia dois barcos vazios e um terceiro que conduzia um via-
jante solitário, que já havia feito quase que a metade do circuito. Tomei
um dos barcos remanescentes e, quando o soltei de sua amarração, ele

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tomou caminho, sem qualquer esforço de minha parte, vagando em
'Epífogo torno do lago, em direção contrária à dos ponteiros do relógio, sem
nunca se afastar das margens por mais de cinqüenta metros, tal como
me havia dito que iria acontecer. Empenhei-me em praticar a medita-
ção, e vi que, embora nunca tivesse tido muito sucesso no mundo, qu~n-
do se tratava de tal processo, as condições prevalecentes naquele mvel
do mundo astral tornavam as coisas muito mais fáceis. Tentei me con-
centrar na idéia da Paz entre os homens que agora estão guiando os
destinos das nações - e me pareceu que esse desejo de paz é tão impor-
ta nte para nós quanto para nossos inimigos. Nunca saberei se meus
esforços conseguiram fazer algum bem, mas, enfim, fiz uso dos poderes
do pensamento, que produzem resultados tão interessantes nestes altos
Um mês se passou desde que terminei de transcrever as notas que níveis. No fim de cerca de oito horas, senti compulsão para voltar e, sem
fiz a respeito da última palestra de Acharya, e mesmo agora encontro nenhum esforço aparente de minha parte, fui imediatamente forçado a
dificuldade para me convencer de que ele não tornará a me visitar. Eu já deixar o barco e a voltar para o plano fís ico. Desde então fiquei curioso
estava me habituando a esperar por aqueles encontros diários, de uma por saber o que teria acontecido ao barco; se ainda continua a vagar ao
forma que não teria acreditado possível há dois meses. Sinto-me extre- redor do lago ou se a corrente deixa de ter qualquer efeito sobre ele uma
mamente feliz ao ver que a cada manhã posso recordar muito do que fiz vez terminado o seu curso.
durante a noite, pois de início não sabia se minha capacidade para me Encontrei-me várias vezes com Mary durante o mês passado, pois a
lembrar do que fazia à noite não iria desaparecer depois que foi rompido profecia de meu amigo, afirmando que ela tornaria a ch~mar por :1:i~
o vínculo mental com Acharya. Há algumas noites visitei Daphne e inda- em futuro próximo, se tornou realidade quinze dias depois que a v1s1te1
guei sobre os trechos que eu esquecera quando de nossa visita à Cidade no hospital pela última vez. Fiz o melhor que pude para dar a Mary o
Dourada. Conforme Acharya havia presumido corretamente, ela selem- conselho de que necessitava e, felizmente, a menina Irene esteve pre-
brava do caso do Cristo que parecia dirigir-se ao povo, tão claramente sente durante a maior parte de nossa conversa. Irene é muito mais sen-
quanto se lembrava do resto do que se tinha passado naquela noite. sível do que Mary. Por isso, acho que é bem provável que ela se lembre
Decidi, portanto, que nas noites em que fizesse experimentos em com- de muito do que eu disse e que será capaz de repeti-lo a Mary, quando
panhia de Daphne, verificaria depois, com ela, o que se passara. Já fiz ela acordar pela manhã.
vários amigos entre as pessoas que vivem no mesmo vale onde Daphne Numa destas noites Jim tornou a me requisitar para ajudá-lo por
mora, e que não fazem objeção, certamente, à minha volta de vez em ocasião de outros acidentes. Trata-se de um trabalho muito fascinante e,
quando, embora não possa, no momento, tornar-me membro perma- embora eu imaginasse que o modo de lidar com casos nos quais homens
nente de sua comunidade. ainda jovens são arremessados de modo tão abrupto para fora de seus
Há duas noites decidi, por minha conta, ir até a sexta esfera, porque corpos fossem todos iguais, descobri que a técnica de a~xílio va~ia de
de há muito tenho sentido o desejo de empreender uma viagem num indivíduo para indivíduo. Aos poucos fui aprendendo a agir e eu disse a
daqueles barquinhos que ficam atracados às margens do lago. Ao che- Jim que ele poderia me chamar sempre que eles estivessem sobrecarre-
gar, vi que havia dois barcos vazios e um terceiro que conduzia um via- gados. Acho que este é mais um modo de mostrar minha consideração
jante solitário, que já havia feito quase que a metade do circuito. Tomei pela ajuda que me foi prestada, e eu acolherei com alegria tanto esta
um dos barcos remanescentes e, quando o soltei de sua amarração, ele como qualquer outra oportunidade que se me apresente.

202 203
Não me encontrei mais com Charles e não tenho meios de entrar
em contato com ele, a não ser mandando-lhe um S.O.S. quando houver
necessidade. Presumivelmente, ele estará prosseguindo em sua rota, com
sua vida normal no mundo astral, e espero sínceramente que não só ele
seja feliz naquele mundo, mas que, com o passar do tempo, eu também
esteja apto a ajudá-lo de a lguma forma. É interessante notar que a causa
de meu sofrimento mais extremado, que culminou com a visita de
Acharya, pareça ser agora menos importante do que os outros vínculos
que fíz. Isso mostra quanto um pouco de conhecimento pode mudar
completamente os pontos de vista de uma pessoa.
Esta minha existência dupla me mantém muito ocupado e realmen-
te muito interessado. Às vezes sinto que a vida que vivo fora de meu
corpo é de fato a real, e que minha vida no mundo nem de longe tem a
mesma importância. Devo evitar que isso aconteça, senão vou me tor-
nar um sonhador e perder de vista o quanto é importante aprender as
lições que esta vida tem para me ensinar.
É de fato impossível expressar toda a minha gratidão pelos grandes
Seres que governam este planeta. O p lano total de seu governo mostra-
se tão lógico, que cada passo dado por nós parece ser a conclusão natu-
ral do passo ante rior, e é difícil imaginar como as coisas poderiam ser
diferentes. O que não posso compreender é por que as informações que
me foram dadas não são mais divulgadas no mundo. Às vezes sinto um
grande desejo de ver meu amigo Acharya, mas combato esse ímpeto de
chamá-lo. Que vida maravilhosa a desse homem! Às vezes fico a pensar
se um dia tere i possibilidade de ser usado para propósitos semelhantes.
Se meu desejo se tornar realidade, espero servir a meu Mestre, seja ele
quem for, com a mesma fidelidade demonstrada por Acharya . Não me
esqueço de que me foi recomendado que compartilhasse o conhecimen-
to que adquiri, passando-o a outros, demonstrando dessa maneira mi-
nha consideração pelo auxílio que me foi dado . Continuarei a regis-
trar m in has experiências e, se achar que são interessantes para o u-
tros, poderei com certeza considerar a possibilidade de publicar uma
série delas.
Minha tarefa de registrar as coisas estranhas que me aconteceram
durante as últimas semanas chegou ao fim . Se os que lerem esse registro
irão aceitar esses acontecimentos como verdadeiros ou não, isso não é
de minha conta. Estou satisfeito por tê-los registrado. Meu dever foi

204
cumprido. Estou bastante seguro de que os que tiverem ouvidos para
ouvir tirarão algum benefício destas anotações.
Não nos esqueçamos da promessa que nos foi feita pelo maior de
todos os Mestres, quando disse: "Animai-uos, pois os que guardam os
destinos do mundo não dormem ."

205
DESPERTANDO
SEUS PODERES PSÍQUICOS
Henry Reed
"Existe um momento na terra em que as
pessoas, em todos os lugares, procuram
saber mais a respeito da mente e da alma."
Edgar Caycc
• O que significa ter poderes psíquicos ativos?
• Qual a origem desses poderes?
• ExisLern maneiras seguras e efelivas de desenvolver essas capaci-
dades?
• O que sentimos quando percebemos que somos dotados desses po-
deres?
• Quais são os usos positivos e práticos de nossos poderes psíquicos?

Neste livro prático e singular, o leitor encontrará respostas para


essas perguntas e muito mais. Seu autor extrai do trabalho de Edgar
Cayce - um homem que encarou de freme os desafios que se apresentam
aos que são dotados de poderes psíquicos incomuns - toda uma riqueza
e experiência a serem compartilhadas entre todos os que querem conhecer
melhor suas capacidades iinteriores latentes.
Em Despertando seus Poderes Psíquicos, Henry Reed - autor
conhecido por suas pesquisas sobre sonhos - analisa o trabalho de Cayce
e o relaciona com o de grandes pensadores, incluindo Carl Jung, Lawren-
ce Leshan e Rupert Sheldrake, para nos ajudar a compreender a origem
e o propósito de nossos poderes psíquicos, a reconhecer nossas capacida-
des inatas e a desenvolver esses poderes transformando-os em energias
inteligentes capazes de modificar a nossa vida.

COLEÇÃO ºEDGAR CAYCE"

SONHOS - Respostas desta Noite para as Dúvidas de Amanhã - Mark Thurslon


O CRESCIMENTO ATRAVÉS DA CRISE PESSOAL - Harmon. Hartzell Bro e
J=Avis Bro
REENCARNAÇÃO - Reivindicando o seu Passado, Criando o seu Futuro - Lynn.
Elwell Sparrow
DESPERTANOO SEUS PODERES PSÍQUICOS - Henry Reed

EDITORA PENSAMENTO
52 LIÇÕ ES DE C ATEC ISMO ESI' TRITA

Elise 11 Rigonaiti

Escrito c111 linglfa,e.cm sim /1Ít's I! com pell(Lim1do de formei


metódica ponlo.r ('SJt·nâaiJ da doulri/l{t espírita, l'Sle !foro H' des
tina expreHamc•nte "º urn dos ,rlu11os dos cursoJ' de catecis111r,
mantidos pelos ce11tros espírit11s. Na "Notn ao Professor" com
que se abre o [)Olume, Eliscu Rigom11ti, que é nutor de vários
o/firas úteis e oportt111vJ livros de divulr,ação do Espiritismo,
mostra aos inslr utoreJ Jc- c,1/eâ.fnm como utilizar c/icaz.mente
estas j} LIÇôE.'i: "O, al1111os farão a leilura da. lição. Depois
da leitura é sempre indispensável que o professor coment e, dara
e brilhantemente, " lição lida. Em seguida /ará com que crida
nlunu responda ~ t1mt1 das perguntas que acompanham a lição.
Pelas respost as, o professo,· /ict1rá orientado se houve algum
ponto que os alemos 11ão compreenderam e tratará de dar as ex-
· µtirações necessárias. Da 7íl.'' lição ,·111 dian te. n /11'0/('JSO/' l'S dm·cí
temas, tirando-o.r das liçõf'J estudadas para que os al1111ns os de
senvolvam , por e SCl'Ít O, em casa. Essl!s t emas sl!ráo corrigidos
/wfo professor e de1 1ofoido.r tJ<H ,d1111os c:0111 " nota d" 11plirnçr111."

EDITOB A PENSA MENT O


KARMA:
A ORIGEM DA DOR

Celina Fioravanti

Estudar o karma é uma tarefa interessante, embora contenha desa-


fios, pois é impossível fazê-lo sem pensar no nosso karma. Marido e mu-
lher, filhos e pais, trabalho, doenças: quando os problemas experimenta-
dos por essas ligações são ou não são de natureza kármica?
A autora deste livro, Celina Fioravantí, analisa a questão do karma
de forma objetiva. Ainda que o karma seja a causa de muito sofrimento,
ele representa uma oportunidade de aprendizado única, que não deve ser
desperdiçada. Com uma visão positiva, que induz sempre à avaliação e à
solução das dores que todos experimentam ao se verem envolvidos em si-
tuações kánnicas, a obra apresenta uma união entre o modo oriental e o
ocidental de entender o karma.
Com a leitura de Karma: A Origem da Dor, o leitor tem a possibili-
dade de aprender como escapar dos efeitos do karma, trabalhando para
eliminar suas dívidas espirituais e evoluindo, enquanto reajusta sua carga
de dificuldades.
* * *
De Cetina Fioravanti a Editora Pensamento já publicou: Uma Par-
cela de Deus, Causas Espirituais da Depressão, Contato com Guias Es-
pirituais, A Cura pelos Fluidos e Os Curadores do füpírito.

EDITORA PENSAMENTO
Leia também:

A MORTE:
UM AMANHECER
E lísabeth Kübler-Ross

Quando o asslmto é morte, o ato de morrer ou a


vida depois da morte, imediatamente nos vem à me-
mória o nome da dra. Elisabelh Kübler-Ross, a maior
e mais conhecida especialista no assunto em todo o
mundo.
Este seu livro reúne, pela primeira vez, os textos
que escreveu tendo como fundamento os anos em
que trabalhou junto a pessoas que estavam para
morrer. Com elas. aprendeu muito sobre o signifi-
cado da vida e sobre a vida depois da morte. O que
aprendeu e pesquisou juntou-se às próprias idéias e
sentimentos sobre esse terna, tão polêmico quanto
fascinante .
Basicõmente, de todo esse conhecimcmto, fica a
certeza de q ue a experiência da morte é quase idên-
ticc1 à do nascimento. É como nascer para uma exis-
tência diferente, e isso pode ser feito com muita
simplicidade.
Outro foto incontestável é que morrer. assim
como nascer, é um processo normal pelo qual lodos
os seres hllmanos lerão de passar um dia. E nada
melhor do que ler este livro - A Morte: Um Ama-
nhecer - para perder de vez o medo da morte e
descobrir tudo o que acontece durante o ato de
morrer e logo depois.

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04270-000 - Silo Paulo, SP
Fone: (11) 6166-9000-(11) 6166-9008
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hltp://www.pcnsamcnto-cultrix.com.br

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