Creatina, Função Energética, Metabolismo e Suplementação
Creatina, Função Energética, Metabolismo e Suplementação
Creatina, Função Energética, Metabolismo e Suplementação
SUPLEMENTAÇÃO NO ESPORTE1
RESUMO
O trabalho teve como objetivo a realização de uma revisão bibliográfica a respeito do fenômeno de consumo da creatina
pelos atletas para aperfeiçoar o treinamento físico; procurou-se verificar a necessidade ou não do seu uso e as conseqüências
dessa prática. Para alcançar este objetivo, foi necessário estudar as relações entre os sistemas energéticos musculares bem
como a sua regulação. Foi preciso, também, avaliar o ciclo da creatina, sua origem endógena, sua metabolização e sua
conversão em creatina fosfato. Usamos a metodologia bibliográfica para coletar informações sobre o assunto em questão,
utilizando livros e artigos de revistas especializadas. Esta pesquisa nos levou às seguintes conclusões: a suplementação de
creatina na dieta leva ao aumento dos níveis de fosfocreatina muscular em humanos, entretanto novos experimentos terão que
ser realizados, uma vez que a suplementação com creatina interfere na regulação de vias metabólicas.
Palavras-chave: creatina, metabolismo, suplementação.
1
Trabalho realizado a partir de monografia de conclusão de curso intitulada Sistemas energéticos musculares, ciclo
biológico da creatina, uso da creatina como suplemento alimentar, defendida na Universidade Estadual de Maringá, no
curso de Educação Física, em 1999.
*
Professor Especialista, pós-graduado pela Universidade Norte do Paraná, Técnico Desportivo do Município de Maringá.
**
Professora Doutora do Departamento de Bioquímica, Universidade Estadual de Maringá.
concentração creatina
Creatina
se elevar para cerca de 800µM com o uso de 160
Creatina +Carboidrato
140
5g/hora, e para 1000µM com o uso de 5g a cada
(mM/Kg))
120
2 horas (HARRIS; SÖDERLUND; HULTMAN, 100
80
1992).
60
Estudos em humanos, em animais de 40
laboratório e em culturas de células resultam em 20
0
dados que indicam que há uma regulação dos CP C CT
níveis de creatina intramuscular que Figura 1 - CP: creatina fosfato; C: creatina livre; CT:
fisiologicamente independe da concentração creatina total (GREEN et al. 1997).
plasmática da creatina. Isso ocorre por um
sistema de down regulation desencadeado por A crença de que o uso de creatina como
alterações da concentração plasmática de suplemento alimentar aumenta a massa muscular
creatina, que resulta em diminuição da atividade em poucos dias pode ser falsa, pois o processo
e do número de transportadores, como os de hipertrofia depende da produção de muitos
carboidratos. outros componentes celulares que só irão ser
Autores como Wyss e Wallimann (1994), produzidos se os fatores genéticos e hormonais
Odland et al. (1994), Balson et al. (1993) estiverem relacionados. Uma possível retenção
Bergstrom e Hultman (1966) observaram hídrica causada pela suplementação dietética de
grandes elevações abruptas nos níveis de creatina pode levar à falsa idéia de rápida
creatina plasmática, em geral, estudos de 5 dias hipertrofia muscular (ODOOM; KEMP;
de duração podem acarretar em aumento das KADDA, 1996).
concentrações de creatina intramuscular dentro Quanto à avaliação da performance, estudos
demonstram que a suplementação de creatina 5g,
de uma faixa limite de até 150 – 160 mmol/kg de
quatro vezes ao dia, por 5 dias, não interfere em
músculo seco; no entanto, cronicamente, como
exercícios físicos de alta intensidade e de curta
estudos de suplementação por 40 dias ou de 48
duração, demonstrando que os parâmetros que
horas em culturas de células, os processos de
avaliam esse tipo de exercício não se alteram,
retroalimentação da biossíntese endógena e de
assim como não interfere na fadiga ou no pico
down regulation dos transportadores musculares
de força em indivíduos treinados e não
conseguem normalizar as concentrações de treinados (COOKE; GRANDJEAN; BARNES,
creatina para próximas às fisiológicas. Outros 1995).
autores, como Loike et al. (1988), contestam a Entretanto, outros autores, como Harris;
possibilidade de elevação aguda da creatina Söderlund; Hultman (1992), relatam aumento do
intramuscular, demonstrando não haver elevação trabalho muscular total, assim como das
da fosfocreatina intramuscular após concentrações intramusculares de creatina
suplementação oral com creatina, em curto utilizando o mesmo esquema de suplementação
espaço de tempo. de creatina por 5 dias; mas mesmo esses autores
A ingestão de creatina num prazo de menor não conseguiram correlação significante entre o
de 7 dias é acompanhada por rápidos aumentos aumento da produção de trabalho e os níveis de
da massa muscular. No entanto, esse aumento fosfocreatina intramuscular.
“mágico” de peso pode ser explicado pela Diferenças entre as fibras musculares tipo I
retenção hídrica intracelular. Estudos e tipo II também foram detectadas como a
comprovam essa hipótese, demonstrando que se possível causa dos resultados conflitantes entre
observa um declínio do volume urinário após o os estudos publicados, ou diferenças individuais
início da suplementação oral de creatina entre indivíduos participantes de um mesmo
(MUJIKA; PADILLA, 1997). estudo. Achados sugerem que a suplementação
com creatina poderia resultar em um aumento de benefício limitado; entretanto, isso não quer
concentração de fosfocreatina nas fibras tipo II e dizer que falta eficácia. Espera-se apenas auxílio
esse fenômeno poderia estar relacionado ao na execução de exercícios de repetição de alta
aumento da performance no exercício com o intensidade e durante esportes de competição
tempo de experimento mais prolongado com necessidades de esforços de arranque, como
(ENGELHARDADT et al., 1998). futebol e atletismo. O efeito é restrito a um curto
Mujika; Padilla (1997), após revisar vários espaço de tempo, pois trabalhos com
artigos, sugerem que um aumento da creatina suplementação superior a 30 dias demonstram
plasmática poderia ser mantido com uma que os níveis de creatina e de fosfocreatina
ingestão diária de 2g de creatina. Porém, o retornam aos valores fisiológicos logo após o
músculo esquelético humano tem um limite de descontinuamento da suplementação (CASEY et
concentração total de creatina de cerca de 150 – al., 1996).
160 mmol/kg de músculo seco. Assim, Em geral, em dados coletados junto aos
indivíduos não treinados poderiam ter algum rótulos do produto, a dose mais utilizada é a
benefício com elevação dos níveis de creatina etapa de carga que dura 5 dias, sendo utilizado
intramuscular, visto que suas fibras musculares 20 gramas do produto, dividas em 4x5g; após
possuem concentrações menores de creatina, essa etapa de carga, são utilizadas de 5 a10
estando, assim, mais distantes dos limites gramas diárias.
máximos apontados. No entanto, atletas com
fibras musculares hipertrofiadas já possuem um
aumento fisiológico da creatina presente nas CONSIDERAÇÕES FINAIS
fibras musculares; nesse caso, a revisão de
diversos estudos sugere que não existe ganho Em todos os trabalhos analisados, a
algum com a suplementação de creatina oral, suplementação de creatina não influenciou o
pois o atleta já alcançou um limiar intracelular. consumo e a absorção de oxigênio, as trocas
Entretanto isso pode ser o indício de que a respiratórias, o sistema cardiovascular, a quantia
manutenção de altos níveis de concentracão do de ATP intracelular e a produção muscular de
produto pode levar ao melhor rendimento, como lactato. Todavia são esses os dados mais
podemos observar no experimento de Volek et importantes para a manutenção de um exercício
al. (1999), a seguir. acima de 2 minutos de duração. Assim, a
Efeitos da Suplementação de creatina nas suplementação com creatina pode não alterar a
fibras musculares: performance da resistência ao exercício, nem
modificar a resposta metabólica e a utilização
- N=19 homens treinados
da via glicolítica, durante esse tipo de exercício.
- creatina ou placebo 25g/dia 1 sem. 5g/dia por Uma análise dos processos de regulação
11 se; fisiológica da creatina permite ainda concluir
- treinamento de resistência/força por 12 que existem várias possibilidades de regulação
semanas; do metabolismo da creatina. Sendo que altas
- maior (CT) e ganho de força no grupo que taxas de biossíntese de creatina são observadas
ingeriu creatina. em jovens saudáveis em período de crescimento.
Em condições de balanço hormonal e de
Tabela 2 - Efeitos da suplementação aguda anabolismo equilibradas, mesmo com uma
Creatina (%) Placebo (%)
alimentação sem suplementação de creatina, o
organismo é capaz de suprir 100% das
Massa corporal 6.3 3.6
necessidades fisiológicas desse composto em
Massa magra 6.3 3.1 uma dieta saudável.
Fibra Tipo I 35 11 De acordo com os diversos autores
Fibra Tipo IIa 36 15 analisados, a creatina pode, hipoteticamente,
Fibra Tipo IIb 29 8 causar aumento de síntese protéica, aumento de
retenção hídrica, aumento de ressíntese de
Mesmo os indivíduos sedentários, com uso creatina fosfato, podendo levar, talvez, a uma
agudo da suplementação de creatina, teriam um hipertrofia muscular.
ABSTRACT
The purpose of this work is to review the literature regarding creatine ingestion by athletes and physical activity enthusiasts,
discussing its necessity and, if possible, predicting some consequences. In order to achieve this purpose it was necessary to
study the relationship between the muscles energetic system and their regulation. It was also proved necessary to investigate
the creatine cycle, its endogenous origin, its metabolizing and conversion into creatine-phosphate. A bibliography was used
to collect information about the subject. The research lead to the following conclusions: diet supplementation with creatine
leads to increased phosphocreatine levels in human muscles. However, new in vivo experiments are most desirable, because it
is already known that creatine interferes with the regulation of some metabolic pathways.
Key words: creatine, metabolism, supplementation.
VOLEK, P. et al. The effect of oral creatine WYSS, M.; WALLIMANN, T. I-4 creatine metabolims and
supplementation of muscle Med Sci Sports Exercise, the consequences of creatine depletion in muscle.
Madison, v.31, no. 8, p.1147-1156,1999. Molecular and Cellular Biochemistry, Holanda, no.
133/134, p. 51-66, 1994.
WALLIMANN, T. et al. Intracellular compartmentation,
structure and function of creatine kinase isoenzymes in Recebido em 30/03 /01
tissues with high and fluctuating energy demands: the Revisado em 25/04/01
‘phosphocreatine circuit’ for cellular energy homeostasis. Aceito em 28/05/01
Biochem J, Londres, no. 281, p. 21-40, 1992.
Endereço para correspondência: Emerson Gimenes Bernardo da Silva. Rua Ewert E. A. Nogueira, 140.
CEP:87020560 Maringá-PR. fone 0(xx)44-2462863 E-mail: [email protected]
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2614712.