Ensaio de Rhetórica-Fr. Sebastião de S. António

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808.

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ARTES SCIENTIA

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ENSAIO
DE

RHETORICA ,
CONFORME O METHODO E DOUTRINA
DE

QUINTILIANO ,
E AS REFLEXões
DOS

A U T H O RES
1 MAIS CELEBRES ,
QUE TRATARAM DESTA MATERIA ,
POR

Fr. SEBASTIAO
DE SANTO ANTONIO ,
da Provincia da Arrabida.

Dado á luz por Joao Bertrand , Mercador


de Livros.

LISBO A.
NA OFFICINA LUISIANA :
Anno M. DCC. LXXIX .
Con licença do Real Meja Cenforia.
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AUTHOR deſta Obra decla


O ra, que nao a eſcreveo com

tençao de que fahiſle a público ;

mas unicamente para por meio


della inſtruir certas Peſſoas , que

fe quizeram ſervir delle para


efte miniſterio ; e por iſſo ficou
tað ſuccinta : e como lhe faltou

o tempo , repor outra parte con

Liderou que facilmente nao po


deria no Tratado dos Tropos ,

e das Figuras, propôr melhores

exemplares na Lingua Portu

gueža , do que aquelles que ſe


acham no Eſpelho da Eloquen

cia , que já corre impreſſo ; at


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tendendo a utilidade dos ſeus

Diſcipulos , os tranſcreveo quali

do meſmo modo com que ſe


acham no díto Original : e por

que eſte Livro he raro , para

que todos ſe poſſam aproveitar


delles '
, conſente fe imprimam

juntamente com eſte Enſaio "; O


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qual fahe á luz por ter moſtrado

a experiencia a grande utilida

de que delle : tiráram : aquellas


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EN
Pag. 1

ENSAIO

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RHETORICA.

S. 1.

Da Eſencia , Fim , Attributos , Maw


teria, e Origem da Rhetorica.

HETORICA , no ſenti
mento de Quintiliano , he
R huma Arte , ou Sciencia
que enſina a dizer bem as
couſas que ſe dizem : Rbe
toricen elſe bene dicendi Scientiam ( a ).
Cicero diz , que he huma parte da
Sciencia civil , á que chama Eloquencia
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( a ) Lib. 2. c . 15;
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SIGUERIS PENINSULAT NAM


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ENSAIO
DE

RHETORICA ,

CONFORME O METHODO E DOUTRINA


DE

QUINTILIANO ,
E AS REFLexoes
DOS !

A U T H O R E S
MAIS CELEBRES ,
QUE TRATARAM DESTA MATERIA ,
POR

Fr. SEBASTIAO
DE SANTO ANTONIO ,
da Provincia da Arrabida.

Dado á luz por Joao Bertrand , Mercador


de Livros.

eta

LISBO A.
NA OFFICINA LUISIANA:
Anno M. DCC. LXXIX .

Com licença do Real Meja Cenforia.


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PROLOGO .

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AUTHOR deſta Obra decla


O ra, que nao a eſcreveo com

tençao de que ſahiſle a público ;

mas unicamente para por meio


della inſtruir, certas Peſſoas , que

fe quizeram ſervir delle para

efte miniſterio ; e por iſſo ficou


tað ſuccinta : e como lhe faltou

o tempo , e por outra parte con

Giderou que facilmente nao po


deria no Tratado dos Tropos ,

e das Figuras , propôr melhores


exemplares na Lingua Portu

gueža , do que aquelles que ſe


acham no Eſpelho da Eloquen
at
cia , que já corre impreſlo ;
ten
iv PAŘOLO GO.

tendendo a utilidade dos ſeus

Diſcipulos, os tranſcreveo quaſi

do meſmo modo com que ſe


acham no díto Original : e por

que eſte Livro he raro , para

que todos ſe poſſam aproveitar

delles ', conſente fe imprimam

juntamente com eſte Enſaio "; o


qual fahe á luz pór ter moſtrado

a experiencia a grande utilida

de que delle: tiráram aquellas

Peſſoas para quein foi efeti


1
pto .

A. M. Siinting

EN
Pag. 1

ENSAIO

DE

RHETORICA.

S. 1.

Da Eſencia , Fim , Attributos , Mac


teria, e Origem da Rhetorica.

HETORICA , no ſenti
mento de Quintiliano , he
R huma Arte , ou Sciencia
que enfina a dizer bem as
couſas que ſe didem : Rhe
toricen elſe bene dicendi Scientiam ( a ).
Cicero diz , que he huma parte da
Sciencia civil , a que chama Eloquencia
A 2r
( a ) Lib . 2. c. 15;

an
7 EN SAIO
artificiofa : Civilis quædam ratio eft ,
que moltis ,du magnis ex rebus cona
ftat. Ejus quædam magna a ampla
pars eft , artificiofa eloquentia , quam
Rhetoricam vocant ( a ) .
Hum Author moderno , ſuppon
do ſer a Eloquencia hum talento de in
ſtruir , de agradar , e de mover ; e que
fe inſtrue com ſolidez das razões ; que
ſe agrada pela graça do eftylo , e que
fe move excitando os affeétos , e tri
umphando das paixões do animo ; fup
Arte
pondo tudo iſto , diz , que eſta
nað he outra couſa mais , que huma col
lecçao de regras , as quaes feryem de
guia a eſte ſublime talento , que a natu
reza coſtuma conceder a certas almas
privilegiadas .
Qualquer deſtas definições he boa
clara , ſe for, bem entendida. A de
Quintiliano ; porque ſomente diz bem
às couſas , quem diz com verdade
com graça , e com efficacia. A de Cicero
porque ſem conhecer os defeitos que
podem cometter-ſe na Oraçao , e,as per
feições que eſta deve ter , e iſto por hu
ma
( a ) De Iny, 1. 1 .
DE RHETORICA 3
ma longa obſervaçao , nað ferd facil di
zer ſem erro : e eſtas obſervações jun
3 tas , he
que formam a Arte , a que cha
mamos Rhetorica , como logo diremos.
A ultima explicaçað , em fim , tambem he
boa , e clara ; porque na ſubſtancia vem
a dizer iſto meſmo.
Conforme a definiçaõ de Quintilia
€ no o fim da Rhetorica he dizer hein
é o que ſe diz , como elle meſmo conclue :
Nam ſ eft ipſa bene dicendi ſcientia ,
- finis ejus , & fummum , eft bene dice
re ( a )
Cicero diſtingue na Rhetorica o fin
€ do officio . Diz que o officio he dizer
com propriedade para perſuadir , e que
5 o fim he perſuadir dizendo : Officium
autem ipſius facultatis videtur effe ,
dicere appoſite ad perſuaſionem : finis ,
perſuaderedi &tione. Ambos vem a dizer
o meſmo ; porque certamente quem fa
be dizer bem , ſabe perſuadir ; e a per
ſuaſa6 he o fim principal da Rhetorica ,
pois para elle ſe encaminha a Oraçao.
da
duvidar quem gað tiver conhecimento
A 2 do
( a ) Ibid .
1

4 E N S A LO
do ſeu officio , e do ſeu fim .. Que coufa
mais util , que encaminhar o entendi
mento para que nað erre no modo de
achar e ordenar ſeus penſamentos , en
finar o homem a fazer com graça
energia fenſiveis os meſmos penſamen
tos , e triumphar das paixões do animo
em abono da juſtiça , e da verdade , em
beneficio do bem particular , e público ?
Nem contra iſto vale poder-ſe uſar para
mao fim deſta Arte ; porque certamente
nað ha couſa tað fanta , de que nao te
nham abuſado ou uſado mal os ho
mens .
Da nobreza defta Arte nos dá Cice
ro huma clara idéa , com hum diſcurſo ,
que fórma tað engenhoſo , como ſeu.
Suppõe que os homens, ſendo inferio
res aos brutos em muitas operações , a
todos os brutos excedem os homens em

poder fallar. Donde infere ſer eſta a ope


raçað fenſivel mais nobre do homem .
E daqui deduz ſer muito nobre a Elo
quencia ; porque faz com que hum ho
mem fallando bem , poſſa exceder aos ou
tros homens na ſua maior excellencia .
Seja -me licito repetir as formaes pala
yras
DE RHETORICA , 5
vras do texto , que ainda tem mais gra
ça , e maior energia : Ac mibi quidem
de videntur homines , cum multis rebus
en bumiliores , e infirmiores fint , hac re
maxime beftiis præftare , quod loqui pof
en funt. Quare preclarum mihi quiddam
mc videtur adeptus is , qui , qua re , bomi
en nes befliis præftent , ea in re , hominio
? bus ipfis antecellant ( a )
Materia da Rhetorica ſao todas
at aquellas couſas que ſe podem dizer
se eloquentemente , a fim de perſuadir os
homens : Ego ... materiam eje Rheto
rices judico , omnes res , quæcumque 1
ce ei ad dicendum ſubje &tæ erunt. De for
te , que na ſentença de Quintiliano , re
EU ferindo - ſe a Socrates , e a Platao , a ma
O teria da Rhetorica nao conſiſte nas pa
.
lavras , mas ſim nas couſas : Non in
verbis eſe materiam , fed in rebus. Ci
cero diz quaſi o meſmo , e ainda com
1 maior clareza : Verum enim Oratori,
D que ſunt in bominum vitæ ( quando
1 quidem in ea verſatur Orator , atque ea
er ei ſubjecta materia ) omnia quæfita ,
so audita , lecta , diſputatæ , traftata ,
agi.
3 ( . ) Ibid. fupra.
6 ENSAIO
agitata effe debent.
A'cerca da origem da Rhetorica he
admiravel a ſentença de Quintiliano.
Diz que a natureza dera principio ao di
zer ; e ao dizer bem , e com arte , a
obſervaçao. O que explica bem clara
mente com o exemplo da Medicina .
Aſſim como os homens das obſervações
que fizeram ſobre quaes eram as couſas
que faziam bem ou mal á ſaüde formá
ram a Medicina ; do meſmo modo obferi.
vando o que era proprio , ou improprio
para perſuadir , tambem deſtas obferva
ções formáram a Rhetorica.
Donde ſe infere , que eſte eſtudo he
muito util,e como alguns nað julgam
quaſi neceſſario ; porque nenhum ho
niem ſó per fi póde obſervar tanto , e
fazer tantas reflexões , como fizeram
em todos os feculos , muitos e gran
des homens , que eſcreveram deſta ma
teria . E tambem fe deduz , que eſta Ar
të nað differe da natural obſervaçað e
reflexao do entendimento , fenað em
ſer , como fica dito ; huma collecçao
das obſervações e reflexões , que tem
feito os homens , poftas em ordem , e
tes
DE R # É TORICA. n
reduzidas a humas regras geraes , ou par
ticulares, conforme a materia,as circuma
20 ftancias , é o fim da Oraçað , e do Ora
d dor:
S. ' II

18. Das Partes da Rhetorica .


bas
İnco fað as partes da Rhetorica :
lá. C Inventar berperince she corporal
r Memoria , Pronunciaçao , ou Acçao .
io Chamam - ſe partes
partes ,, porque de todas de
a vé tratar , e todas fao neceſarias para
dizer bem , e perſuadir. Para ſe dizer
le bem , e perſuadir , he' neceſſario achär

9 couſas que ſe poſſam dizer 'uteis e pro


prias para eſte fim . Eſtas meſmas cou
)
e fas , que ſe acharem , fénað eſtiverem
no ſeu lugar , e com boa ordem , 'nað
cauſaráð tað bóm effeito. Aindaque
eſtejam no ſeu lugač , e bem ordenadas ,
ſenaó as differem com graça , com ener
gia , em bom eſtylo , e com decente
71 ornato , nao poderáð perſuadir com tan
1 ta efficacia. Para que nada diſto ſe per
I he preciſo conſervá - lo na memoria
e que eſta na occaſiao o ſubminiſtre
2
com
8 ENSAIO
com fidelidade. He preciſo, em fim , que
a pronunciaçao acompanhe com pro
priedade o que ſe diz , e que o geſto
com decencia infinue aflim as couſas que
ſe dizem, como os proprios affectos.
Quintiliano neſta materia nað con
corda em tudo com Cicero : as defini
ções , porém , com que o meſmo Cicero
explica todas eſtas couſas', fað dignas !
de ſaber - ſe , e muito pouco ha que ſe
lhes poſla tirar. Devem recommendar
ſe á memoria : Inventio of excogita
tio rerum verarum , aut veriſimilium
que cauſam probabilem reddant. Dis
poſitio eft rerum inventarum in ordi
nem diſtributio. Elocutio ef idoneos
rum verborum , & fententiarum ad ina
ventionem accommodatio. Memoria en
firma animi rerum , ac verborum ad
inventionem perceptio . Pronuntiatio
eſ ex rerum , ac verborum dignitate
vocis , do corporis moderatio.

S. III.
DE RHETORICA .
Te
S. : III.
to
jue Dos Generos a que ſe reduzein
todas as caufas.
1
til Ao eſtes tres , Demonſtrativo , De
210 S
Demonſtrativo pertence louyar , ou vi
le tuperar : Quo laus.,,aut vituperatie
continetur , como diz o noſſo Meſtre.
ca Ao genero Deliberativo pertence per:
ſuadir , ou diſſuadir . Ao genero Judi,
cial pertence accuſar, ou defender. Nem
Eja haverá cauſa que fé nað poſſa reduzir
eſtas : Cetere Species in bæc tria in .
La cidunt genere : nec invenietur ex his
ulle , in qua non laudare , aut vitu
perare , aut diffuadere , aut ſuadere ,
intendere quid , vel depellere debea
mus , diz o meſmo Quintiliano.

§. IV .
10 ENS
AIO

. IIII.

Das Claſſes ás quaes fe reduz tu


do quanto pode entrar na
Oraçao.

Ttendendo ás partes materiaes


de que fe forma a Oraçað , o que
nella entra , bu ſaố couſas , où pala
vras : Omnis autem Oratio conſtat , aut
ex his, que ſignificantur , aut ex his ',
que ſignificant , id eft , rebus', convers
bis. Por couſas ſe devem entender pen
famentos , argumentos , fentenças , e
tudo quanto ſe coſtuma ſignificar por
palavras .
Attendendo ao fim do Órador
tudo quanto pode entrar na Oraçað ,
ou he para inſtruir , ou para recrear ,
ou para mover : Tria ſunt item , que
preſtare debet Orator , ut doceat , mo
veat , delečtet De forte , que em to
da e qualquer Oraçao entrain couſas ,
e palavras ; e tambem em qualquer
póde o Orador inſtruir , deleitar , e
mover ; poſtoque algum deftes gene
TOS
DE RHETORICA .
ros mais particularmente pertença a
humas , que a outras Orações.

S. V.

Das Glaſſes a que ſe reduzem as


queſtões.
nes
we S queſtões , ou ſão Infinitas ; ifto
A he , ſem determinar peſſoa , cou.
ſa , ou circumſtancia em particular ; ou
ſao Finitas ; iſto he , que determinam
em particular , ou peſſoa , ou couſa , ou
circumſtancias. Por uſarmos do meſmo
exemplo com que ſe explica Quinti
liano : An uxor ducenda , he queſtao
indefinida : An Catoni ducenda , he que
itað determinada .
Quaſi ſempre a queſtað determi
nada fuppõe a indefinida , como uni
verſal , que lhe precede , é.debaixo da
qual ſe contém , como ſe obſerva no
mencionado exemplo . Se em geral nað
fora licito caſar , em particular o nað
feria a Cataố . A queſtað indefinida
he a que os Gregos chamam Theſis , e a
finita Hypotheſis.
Hu
12 ENSAIO

Huma , e outra , ou pódem ſer pu


ramente eſpeculativas , ou practicas. Ou
ſe pode tratar huma queſtão unicamente
para ſaber , ou tambem para obrar.
A Oraçao quaſi ſempre tem por fim as
acções humanas , as quaes confiftem na
practica. Por eſta razaố deve o Orador
empregar - ſe menos na Theſe , do que !
na Hypotheſe ; porque eſta pertence 1
mais ao obrar , aquella ao ſaber.

S. VI.

Que couſa Jeja Eſtado da cauſa ,


e ſuas eſpecies.

Stado da cauſa he o que princi


E
dor , e ſe propõe á expectaçao dos
Juizes , ou dos ouvintes : Id , quod &
Orator præcipuè fibi obtinendum , con
Judex (pe &tandum maximè intelligit,
Tres podem ſer , conforme Quin
tiliano , os Eſtados das cauſas. An ſit ,
Quid fit , Quale ſit . Ou ſe pode tra
tar da exiſtencia de alguma couſa , ou
da ſua eſſencia , ou das qualidades de
que
DE RHETORICA . 13
to
que ſe reveſte. Por qualidade ſe deve
lu
entender tudo quanto , além da eſſen
te
cia , diz reſpeito á meſma couſa. Se
..
gundo a ordem natural , primeiro ſe
1S
deve averiguar ſe huma couſa exiſte ;
na
depois , quaes ſejam as partes porque
Or fe conftitue'; ultimamente , quaes fejain
je os ſeus attributos .
re Cicero ſobre eſta materia ſeguio
outro rumo . Quintiliano , porém , por.
que achou melhor eſta ſentença , o deſ
ampara neſta parte , e dá por deſculpa
huma razað digna de ſe recommendar á
memoria : Etenim Supervacuus foret in
Nudiis longior labor ; ſi nibil liceret me
lius invenire præteritis.

S. VII.
-
Do Genaro Demonſrativo.

A phraſto , deixou- ſe perſuadir de.


que eſte genero era totalmente alheio
dos negocios publicos. Quintiliano , po
rém , o convence , e prova com algumas
razões o contrário . Primeira ; porque
al,
14 ENSAIO
alguns louvores funebres foram recita .
dos por authoridade pública , para
com elles premiarem o merecimento dos
Heroes defuntos , e deſte modo per
ſuadirem á imitaçað das ſuas virtudes os
ouvintes . Segunda ; porque o louvor
que ſe dá ás teftimunhas , e pelo con
trário o vituperio com que ſe tratam ,
he hu in documento attendivel nas cau
fas. Terceira ; porque os louvores que
fe coſtumam dàr a qualquer das partes ,
a fazem recommendavel aos Juīzes.
Donde ſe infere tambem , que os gene
ros , em parte , dependem huns dos
outros .
O principal officio do Qrador
neſte genero , he amplificar e ornar
as couſas , ou para as engrandecer , ou
para as diminuir. Sem embargo , porém ,
de tudo iſto , também neſte genero pó
de ter lugar a prova ; pois algumas
vezes dependem della , affim o louvor ,
como o vituperio. De forte, que o Ora
dor deve uſar da prova , todas as vezés :
que neceſſitar della , com a cautela de
fer menos extenſa neſte genero.

Em quanto ás peſſoas , ou coufas ;


a
DE RHETORICA. 15
a quem ſe pode dar louvor , em pri
meiro lugar , ſe deve contar Deos Opti
mo Maximo : em ſegundo , os Santos :
em terceiro , os Heroes : em ultimo ,
S os Homens grandes em arinas , e le
1 tras, as acções dignas de recomienda
çao , as Cidades grandes , os Lugares
famoſos, as fumptuofas fábricas ; tu.
I do , en fim , quanto he digno de admin
e raçað , e de memoria . O fim de todo
o louvor , fallando do fim principal ,
he premiar a virtude , para que ſe imi
te. Tudo quanto fica dito do louvor ,
ſe deve entender , pelo contrário , do
vituperio , que tem por fim o aborre
cimento do vício.
As Orações que pertencem a eſte
genero , faó as ſeguintes : Em primeiro
lugar o Panegyrico , a que tambem cha
mam Elogio , no qual ſe moſtra a fine
gular e admiravel caracter do Heroe ,
que nelle pertende louvar- ſe. Em fea
gundo lugar as que ſe vaš ſeguindo : a
Genethliaca , en o nafcimento de algu
ma Peſſoa grande : a Epithalamica , na
celebraçao de algumas vodas : a Epini
cia , na triumpho de alguin vencedor : a
Eu
16 ENSAIO
Euchariſtica , em acçao de graças por
algum ſingular beneficio : a Paranyme
phica , na chegada de algum Eſpoſo de
alta esphera : a Salutatoria , na chega
da de algum Principe : - a Votiva ,no
cumprimento de algum voto : a Saü
doſa , na deſpedida de alguma Peſſoa 1
grande , e amada de todos : a Gratula
toria , pela reſtauraçað ou reparaçao
de algum bem grande, e verdadeira
mente eſtimavel : a Phrenodíaca , por
occaſiaõ de alguma deſgraça pública :
a Conſecratoria , na Dedicaçao de al
gum Templo , na Sagraçaõ de algum
Prelado , ou na Unçaõ de algum Mo
narcha .
As fontes donde ſe podem tirar
alliin o louvor , como o vituperio , faó
as meſmas , das quaes ſe coſtumam ti
rar os argumentos ; como faó a patria
os progenitores, o tempo , a idade , o
fexo , os dotes affim do animo , como
do corpo , os coſtumes as compa
nhias , as inclinações , e todas as mais cir
cumſtancias de que ſe reveſte a peſſoa ,
ou coufa , de que ſe trata . Deſta ma
teria , porém , trataremos mais largamen
te ,
DE8 RHETORICA . ig
re , quando fallarmos dos lugares ; dos
quaes , cortio difle nos , ſe tiram as pro
: vás , nas quaes a Confirmaçao conſiſte.

S. VIII.
1
2 Do Genero Deliberativo.

T cipalmente neſte genero ; a materia,


of our queſtaó , ſobre à qual ſe deve tomar
: reſoluçað ; as peſſoas que devem res
- folver o que ſe propõe ; è apeſ:
. foa que perſuade. Em quanto á ma
teria que pode entrar em queſtað ,
tudo quanto he util , ou honeſto , po
ar de ſervir de materia neſte genero : com
ó mais clareza , fóınente o que he util , e
honeſto , deve ſervir nelte genero de
materia . Ninguem prudentemente poë
o de deliberar ou perſuadir o que nao
50 pertence a alguma deſtas duas claſſes:
Pelo que pertence a qualidade da
meſma materia , tanto o certo ; como o
duvidoſo , ſe pode perſuadir ; com eſta
differença porém , que na materia dua
vidota ſe perſuade huma das partes ;
B Ou
1
18 ENSAIO
ou nað tomar partido entre ellas , apon
tando os meios , e movendo á eleiçao
delles , e á execuçao do fim pertendi
materia certa ,
do pelo Orador : na
ſomente ſe perſuadem os meios , a
eleiçaõ delles , e a execuçað do que ſe
conclue, Os argumentos proprios de
ſte genero , faó tudo quanto pode ſervir
para o fim de perſuadir ou diſfuadir
ſem engano , e com decencia , *!
Pelo que toca ás peſſoas , a quem
fe- deve perſuadir , fao muito attendi.
veis , o genio , o caracter , a capaci.
dade , a ſciencia , os coſtumes , e as in
clinações , para os faber levar , e pera
Tuadir. Nem em todos fazem os mefs
mos argumentos igual effeito. Em cera
tas materias , ſao mais faceis de perfus
adircos labios, que os ignorantes , os
velhos , que os moços ; os da plebe ,
que as peſſoasilluſtres ; e pelo contrás
rio. Donde fe infere , que quando a
Orador pertender perſuadir a todos ;
iſto he , a pelloas de todos os eſtados ,
deve ufar de : argumentos que poſſam
convencer a todos ; ou , cabendo na Oras
cao , de argumentos de todo o genero .
Per
DE RHETORICA .
ig
Pelo que diz ordem á peſſoa que
perfuade , ou lhe pode valer de muito a
5 razao , ou à authoridade , ou ambas
teftas coufas. A authoridade funda -ſe no
naſcimento , fia virtude , na ſciencia , no
el poder , na reputacao , e na fortuna , que
d he iſto meſmo. A razaố conſiſte ha ju
Ti ftiça da caufa , e na força dos argumen
and tos. Quem tiver authoridade , neceſſita
rá menos da razað e mais ‫ ;ز‬quem nað
el a tiver. Donde ſe inferë , que ſómente
ad fe devem allegar, para perſuadir , as fena
ac tenças e os exemplos de peſſoas ; nas
i quaes concorram as referidas qualidades:
ne Quintiliano põe em dúvida , fé
n o Exor dio pertence a eſte genero , e éx ?
* clue delle a Narraçao . Eu , porém , vene
If rando tað grande Meſtre , julgo eſtas
.“ queſtões de pouca utilidade . Conciliar
x a benevolencia dos ouvintes , e a ſua at
as tençað, ſempre he util ; e pode aconte
i cer, que a Narraçao em muitas occafióes
os feja útil para que o auditorio melhor co
nheça a materia de que ſe trata . Eu to
3 nho por huma regra certa , e inaltera
or vel , que ö Orador 'dete uſar de tudo
e quanto julgar util e de efficacia para per
Det в 2 fua
ENSAIO

fuadir o que pertende , ou para diſfua


dir o que julga nao ſer honeſto , ou util .
Do eitylo que mais propriamente per
tence a eſte genero , diremos em ſeu lu
gar.
A eſte genero ſe reduzem as Orações
ſeguintes : a Admonitoria , por cauſa
de alguma fatalidade , que ſe deve re
mediar , ou acautelar : a Conſolatoria ,
para que ſe nao percam o animo e a con
Itancia em algum funeſto acontecimento :
a Conciliatoria , que tem por fim con
cordar os animos , os pareceres , e os
votos de todos : a Inſtructiva , a qual,
na promulgaçað das leis , as explica,
e moſtra fer utile neceſſaria a ſua ob
ſervancia : a Catechiſtica , que declara
e expõe os fundamentos da Religiao , pa
ra perſuadir a firmeza da Fé , e attrahir
os animos para a verdadeira crença si a
Polemica , em fim , que em alguma con
troverſia ſobre algum dogma , mo
ftra e perſuade o verdadeiro partido
que ſe deve ſeguir. 26

4 "
§ . IX.
DE RHETORICA . 21
12

S. IX .

Do Genero Judicial.

a Ous ſao os Officios que perten


cem principalmente a eſte genero ,
Accuſar , e Defender. Toda a cauſa ,
i na qual ſe' achar ſer hum deſtes o ſeu
CCM fim , pertence a eſte genero .
1t0
Para tratar, como convém , de qual
01 quer cauſa deſtas , em que tanto ſe arrif
[ ca , como ſao a honra , a liberdade , a
na reputaçao , a fazenda , a vida , enſina
ia Quintiliano , que he preciſo conſiderar
ó bem as couſas ſeguintes : que genero de
la cauſa he a de que ſe trata : que ſe perten
de nella averiguar : que he o que pode
ab nella ſervir de proveito , ou de prejui
zo : depois o que neceſſita de prova , ou
201 de refutacao : além diſto , porque mo
do ſe deve narrar o que ſe pertende pro
yar , de ſorte que ſirva de preparaçao
para que poſſam convencer com clareza
as provas : ultimamente , como ſe deve
conciliar a vontade e pia affeiçao do
Juiz , reflectindo nas ſuas paixões , e
prin
32 ENSATO

principalmente naquella que mais pre


domina no ſeu animo .
Deſta natural obſervaçað deduz
Quintiliano ferem cinco as partes for
maes da Oraçao, e ſobre eſte número dife
puta , como tambem duvidam muitos
ſe deve augmentar- ſe eſte número , e ſe
a Diviſão , e Propoſiçao , fað partes di
verfas, Afſentando,porém , na pouca uti
lidade que deſtas queſtõcs , puramente
eſpeculativas, ſe tira , trataremos das
partes formaes da Oraçao na ſua divis
fao mais prudente ; iſto he , que me
lhor nos parece para formar o juizo que
he neceſſario neſta materia , e ſeguire
mos as definições de Cicero , por ſerem
mais claras , excepto a reſpeito da Pro
poſiçao, de que expreſſamente nao fal
la Cicero,
S. X.

) Das Partes formaes da Oraçað.

S partes formaes da Oraçað , fað


as feguintes : Exordio , Narraçao,
Propoſiçao , Diviſaõ , Confirmaçað , Rea
futaçao , Concluſao , ou Peroraçaó. Ex
or-
DE RHETORICA. 23
ordium , eſt oratio animum auditoris ido
nee comparans ad reliquam dictionem :
u Narratio , eft rerum gefidrum , aut ut
FO geſtarum expofitio. Propofitio videtur
& omnis confirmationis initium . Partitio ,
eft quæ rerum diftributam continet ex
i poſitionem . Confirmatio , eff per quam
d argumentando, nofiræ caufæ fidem , do
auctoritatem , da firmamentum adjun
e git oratio. Reprehenfio , eft per quam
da argumentando adverſariorum confirma
vi tio diluitur , aut infirmatur , aut alle
ne vatur. Conclufio , eft exitus , dudeter
gu minatio totius orationis ( a ). Todas as
re demais partes formaes , que ſe poſſam
conſiderar além deſtas , facilmente ſe
el
ro poderáð reduzir a ellas.
Ed
S. XI.

Do Exordio.

> >
O qual chamam os Gregos Proæmi.
ilm , tem por fim proprio conciliar a be
bout nevolencia , attençað , e docilidade dos
ouvintes. Na

( a ) Quintil ,
24 ENSAIO
Na ſentença de alguns Authores,
por oito mados diverſos ſe póde formar
o Exordio . Por declaraçao, pelo intrin
feco da cauſa , por abundancia , por
exemplo , por opiniad , por contra
riedade , por adjuntos , e exabrupto ;
que faó outros tantos generos em que
• Exordio ſe divide .
Por declaraçað , expondo o que
fe julga neceſario para clareza e perfei
ta intelligencia da cauſa , dando ſempre
a entender , que eſta neceſſidade naſce da
parte do Orador , para melhor ſe poder
explicar , e nað da parte dos ouvintes >
que ſeria offendê-los ſe os julgaſſemos
menos capazes de perceber as difficul.
dades da cauſa .
Pelo intrinſeco da caufa , quando
tudo quanto no meſmo Exordio diz o
Orador, ſe refere á caufa , ou á Ora
çað , ou como principio , ou como ef
feito , ou como parte , ou como cir
cumſtancia infeparavel..
Por abundancia , quando fem affe
Etaçað moftra o Orador , que poden
do dizer muito ſobre a materia de que
trata , fe reduz a determinados pontos ,
por
de RHETORIC A. 25
por nao abuſar da benevolencia e atten
çaõ dos ouvintes ; ou pela brevidade
do tempo .
pa Por exemplo , quando principia o
Orador moſtrando, ou nað fer aprimeira
101 vez , que ſe trata com feliz exito de fe
melhante materia , ou que ſe patrocina ?
réo de ſemelhante delicto, ou que o meſ.
mo Orador ſe veja obrigado a fallar por
er femelhante modo.
IK Por opiniaó , quando prevendo o
da Orador o juizo que o ſeu auditorio po
et derá formar acerca de alguma couſa pera,
tencente á cauſa , ou o louva , e approva,
s,
Os fe o conſidera favoravel ; ou o códemna ,
1 e refuta , ſe o teme contrário . O que ſe
deve fazer fem acrimonia , pois com
0 ella ſe irritam os animos .
] Por contrariedade , quando ſe mo
ftra em razões breves o contrário do que
fe pertende perſuadir , e refutando eſtas
melmas razões , ſe propõe o perten
dido affumpto .
Por adjuntos , quando ſe tira mo
tivo para fallar , ou da qualidade da pef
ſoa do Juiz , ou dos ouvintes, ou da pro
pria peſſoa, ou do lugar em que ſe acha ,
ou
26 ENSAIO :
ou do tempo em que falla , ou de at
gum ſucceſſo preſente , ou de qualquer
circumſtancia antecedente, concomitante ,
ou conſequente. Deſte modo de exordic
ar ſe acham innumeraveis exemplos nos
Authores : he muito proprio , e natural.
Exabrupto , ou como de repente ,
e fem conſideraçao , quando o Orador
fedá no princípio a conhecer , como ar
rebatado de alguma paixao forte , que o
inflamma. Coltumam ſervir neſte genero
todas as figuras vehementes , como fað
Apoſtrophe , Interrogaçað , Increpacao ,
Admiraçao , Exclamaçað , e femelhantes .
Deſte genero de Exordio ſe deve uſar
raras vezes . Só tem lugar quando ou o
objecto ou as circumſtancias pedem af
fectos arrebatados , e fortes. Donde ſe
infere , que todo o Exordio , ou he mo
derado , e que ſuppoe confideraçao ; ou
repentino , arrebatado , e que dá a en >
tender que a paixao nao deo tempo
para reflectir nelle.
Cicero attendendo ao fim proprio
do Exordio de conciliar a benevolencia ,
attençao , e docilidade do auditorio
faz outra diviſao , da qual tambem fe
lem
DE RHETOXICA. 27
lembra Quintiliano. Primeiramente re.
duz as couſas a cinco generos : Hone
tuthe ſto , Admiravel , Humilde , Duvidoſo ,
Eſcuro .
103 Em ſegundo lugar explica eſtes ges
male neros do ſeguinte modo : Honeſto chas
te ma a tudo quanto por ſi meſmo he ca
do paz , ſem o ſoccorro da Oração , de
af ganhar e attrahir o animo dos ouvintes.
; Admiravel , o que os ouvintes nað ef
en peram , o que nao crem , e de que ſe
at acham alienados. Humilde, o que he ,
ở ou por ſi meſmo , ou da parte dos ou
cs vintes pouco attendivel . Duvidoſo , o
fa que pode cauſar dúvida , ou a reſpeito da
00 fua exiſtencia , ou da ſua honeſtidade.
of Eſcuro , o que ſomente com trabalho
ſe pode conhecer , e ſe acha complica
Do do com ' muito difficeis negocios .
Em terceiro e ultimo lugar en fina
o meſmo Cicero a exordiar em cada
0 hum deſtes generos do modo ſeguinte.
No genero honeſto , ou pela narraçao ,
ou por alguma lei , ou por alguma ra
zaõ firme e ſolida da meſına Oraçað.
E poſtoque neſte genero pareça eſcu
fado o Exordio , porque fuppomos in
cli ,
28 EN'S A I'O "?
clinado o animo dos ouvintes , ſempre
he util , pois o inclina , e attrahe ainda
mais .
No genero admiravel ſe deve pro
ceder com diftincçað. Se os ouvintes nao
eſtiverem totalinente alienados , e com
inclinaçað ao contrário , ſe deve con
ciliar a benevolencia claramente . Se eſti
verem totalmente alienados e inclinas
dos para a parte contrária , ſe deve ufar
de artificio , e diffimulaçao . Pedir paz a
quem ſe acha poſſuido de ira , he au .
gmentar o odio ſe claramente ſe pertêde.
/ No genero humilde ſe deve conci
liar attençao, desfazêdo todas as razões,
que podem dar motivo ao deſprezo.
No genero duvidoſo ſe deve primeiro
ou determinar de certo a queſtað , ou
moſtrar que he honeſta a cauſa. No ge
nero , em fim , eſcuro , ſe deve exordiar,
declarando por tal modo, e com tal arte ,
a materia , que os ouvintes fiquem ca
pazes de entender tudo quanto a eſte reſ.
peito diſſer o Orador; fem que porém
percebam que o Orador os'fuppõe com
neceſſidade da tal declaraçao .
Aléın deſta diviſao , aſſim Cicero ,
CO
DE RHETORICA: 29
como Quintiliano fazem outra muita
attendivel. Dividem o Exordio em prin
cípio , e infinuaçao. Principium , eſt
oratio perſpicue , protinus perficiens
auditorem benevolum , aut docilem , aut
attentum . Infinuatio , ef oratio quae
dam diſimulatione , & circuitione obo
Jcure. Jubiens auditoris animum .
Nao he facil determinar as occa
14
12: fiões todas em que ſe deve uſar do prin
cípio , ou da inſinuaçao : a verdadeira
regra he o diſcernimento proprio do.
е. Orador, o qual deve ufar da infipuaçao
quando conhecer que aproveitará mais
para o leu fim , que o princípio .
Se alguma regra pode haver em
0.
50 particular , he a ſeguinte: Quando con
liderarmos que os ouvintes eſtaó mais
11
inclinados a parte contrária , ſerá muito
util uſar da infinuaçao ; pois ſó com dif
ſimulaçao, e artificio , os poderemos tra
S
zer ao noſſo partido , ou desfazendo ina
Tenſivelméte os fundamentos contrarios ,
ou louvando as ſuas peſſoas , ou di
minuindo o horror que pode cauſar á
parte que defendemos , ou deſcobrindo
a preoccupaçao de que podem eſtar pofa
fui
30 :ENSATO
fuïdos ; ou em fim , recommendando a
peſſoa , ſe nað he muito recommenda
vel a cauſa , ou louvando a cauſa , ſe o
nað he a peſſoa ; pois como diz Quinti
liano : Illud in univerfum præceptum
fit , ut ab iis , que lædunt ,i ad ea ,
que profunt , refugiamur. '.
Fallando do fim do Exordio , por
quatro modos: fe pode conciliar a bene
volencia dos ouvintes. Ou recommen
dando a propria peſſoa do Orador ; ifto
ke , a noſſa boa - fé , o noſſo zelo , o
ainor que temos a juſtiça , e também
desfazendo qualquer ſuſpeita que poſſa
haver contra nos ; e ultimamente fuppli
cando humildemente o favor dos Juizes,
cifto com modeftia .
65 Ou abatendo a pefloa do contrá
rio , moſtrando com algum facto a ſua
groffaria , a lua ſoberba , a ſua malicia ,
para que os Juízes o aborreçam : ou in
finuando que tem mais confiança no ſeu
poder , nas ſuas riquezas , nos ſeus ami
gos, e parentes , e no ſeu valimento , do
que na juſtiça da meſma cauſa , para que
os Juizes o deſejem opprimir. Ou tam
bem moftrando a fua inutilidade , e os
fe
DE RHETORIC A.
feus maos coſtumes , para que o deſpre:
zem. Efte modo de adquirir a benevos
lençia , nao ſerá facil concordá- lo com a
chriſtandade , e por iſſo he mais para ſe
conhecer , que para ſe ufar.
Ou tambem ſe pode conciliar a bea
nevolencia dos ouvintes lauvando a pers
ſoa dos Juizes , ou recommendando a
meſma cauſa. A peſſoa dos Juizes , ou
ouvintes , referindo as ſuas acções illu
0 ftres , as ſuas boas qualidades , e ſegua
o fando - os de que eſperamos muito da luas
rectidað , e da imparcialidade. A mefma
à caufa , exaltando o noſo partido , e abaa
tendo o contrário ; ifto he , dando a ens
tender , que fobejando -nos as razões ; e z
juſtiça, falta tudo ao contrário ; e promete
tendo - o aſſim moſtrar .
O melhor modo de conciliar attene
çao nos ouvintes , he infinuar , que fab
grandes , qu novas , ou de fumma ima
portancia , ou que parecem incriveis , as
couſas que havemos dizer : como tamo
bem ſe ao auditoria fegurarmos a bre
vidade com que havemos tratar da
caufa , e orar nella . Val muito finalmen
te para conciliar a docilidade dos ouvin
tes ,
ENS A 16 !!!
tes , expôr breve, e claramente , como
em ſumma , a cauſa de que havemos
tratar , declarando bem o ponto em que
fubftancialmente conſiſte toda a contro
verſia.
> Muitas outras regras fe acham nos
-
Authores para conſeguir a benevolencia,
attençao , e docilidade dos ouvintes
que deixamos , por julgarmos ſerem
fufficientes as q deixamos eſcriptas. Fa
remos, porém , mençaõ de que valmuito
para conſeguir a pia affeiçaõ dos Juízes
a favor de alguma parte , contra a qual
fe acham difpoftos , ou expôr a deſgraça
e pouca fortuna em que de preſente fe
acha o réo , ou a que pode experimentar
feo nao favorecerem , que he o meſmo
que mover os Juizes a commiſeraçao.
A reſpeito do eſtylo do Exordio , os
que melhor falláram deſta materia que
rem que ſeja nem affectado , nem def
prezado , mas conforme a materia de
que fe trata . Nos Panegyricos , e Elogi
os funebres , deve ſer mais pompofo .
Cicero quer o eſtylo do Exordio que
feja polido , conſiderado.," com ſenten
ças ornado , e com palavras proprias ,
DE RHETORICA . 33
e tudo acommodado á cauſa de que fe
trata z e dá a razao ; pois val de muito no
princípio fazer-ſe recommendavel o Ora
dor pela ſua eloquencia aos ouvintes :
Principia autem dicendi ſemper cum
0 acurata , do acuta i da inſtruct a ren
tentiis ; apta verbis , tum vero cau
Jarum propria eße debent. Prima eft
21 enim quaſi cognitio , & commendatio
orationis in principio , que continuò
in eum , qui audit , permulcere , atque
ce allicere debet ( a ).
a Alguns Auctores pertendêram que
o Exordio foſſe a parte da Oraçao mais
nobre , mais forte , e mais fublime
ta fundados em gerą ſemelhante ao fron
mi teſpicio de qualquer fábrica ., que ſema
pre na architectura excede as outras par
tes : mas os que ſeguem o contrário rel
o
je pondem , que o Exordio he o caminho ,
ele ou atrio , por onde ſe paſſa para a Ora
de çao ; e nos Palacios nað he eſta a parte
mais fumptuoſa. Quintiliano lhe cha
ma , ante ingreffum rei , de qua dicen
dum ſit ; e Cicero confirma admiravel
mente eſta ſentença : Neque eft dubium ,
С
quiz
fy
( a ) De Orat, lib . 2 .
ENSA IOli
34
quin exordium dicendi , vebement , do
pregnax non fæpe , efe debeat : e mais
abaixo dá a razao : Nibil eft denique in
natura rerum omnium , quodſe univer.
Jum profundet , quod totum repenti:
evolet. Sic omnia , quæ fiunt , quæqu
aguntursacerrime , lenioribus principii:
natura ipſa prætexuit ( a ) .
A regra, porém , mais firme nella
materia , he accommodar o Exordio á na
tureza da cauſa , e das circumſtancias
podem eſtas ſer taes , que lhes ſeja pro
prio hum Exordio muito ſublime ,
muito ornado ; o que tudo ſe deduzd
doutrina do meſmo Cicero : Omne all
tem principium , aut rei totius q
-agetur ſignificationem habere debebit,
aut aditum ad caufam , do munitio
alem , aut quoddam ornamentum , Ó
dignitatem . Sed oportet ut ædibus, & 1
-templis veſtibula do aditus , fic in cau
fis principia proportione rerum prepo
-nere. Itaque in parvis, atque frequen
-tibus caufis ab ipſa re eft exordiri Jep!
-commodius ( b ) . E aſſim o pede a mel
ma razaố ; porque o Orador deve , po
den
( a ) De Orat . Lib. 26 ( 6 ) De Orat. Lib .2.
DE RHETORICA. 35
dendo fer , nað enfraquecer na Oraçað
até chegar á Peroraçað , onde, deve ſer
" mais vehemente ; o que poderia acon
-11
tecer, e aconteceria, ſe o Exordio admit
P'tiſſe ſempre tanta eloquencia .
LA
De toda eſta doutrina ſe infere
que o Exordio , como diz Cicero , deve
ſer ornado com ſentenças, e gravidade de
ſtylo , para que por elle fe faça logo
a
10 princípio recommendavel o Orador
hos ouvintes : e por outra parte nað de
- Pre ſer demaſiadamente ornado , e arti
icioſo ; para que os Juizes nað deſconfi
Ukm de que o Orador com arte os quer
Elybrigar , e ſupprir a juſtiça da cauſa . E
poſto pareça ſer difficil parar no meio
deſtes dous extremos , nao he tanto co
mo ſe julga ; pois facilmente evitare
imos eſtes dous riſcos , ſe por tal modo
Coubermos dizer , que os ouvintes ſe
perſuadam de que fallamos com cuida
do , mas nao com malicia . Faz muito
para o que fica dito outra regra , que
tambem dá Cicero (a ) ; e vem a ſer , que
ſe nao devem no Exordio excitar com
vehemencia os affectos da animo dos,
C2 ous
( a ) Lib. 2. de Orat.
IO
SA
EN
36
ouvintes , mas ſómente principiar a mo
1
vê- los , para no fim da Oraçao os mo
ver com vehemencia. Coino tambem
ſe nað deve explicar tudo no Exordio
mas fómente o que ſe julgar preciſo,
para que os ouvintes poſſam entender
og reſta para ſe propor na Oraçao .
Pelos vicios , ou defeitos , que de
vemos evitar no Exordio conhecere!
mos as ſuas qualidades . Nað deve fer
o Exordio atrevido , nem conſtar de på
lavras que o moſtrem : Principia il
recunda , diz Cicero , non elatis incen
ja verbis ( a ) ; mas fin modeſto , fe
rio , e grave ; pois ſó deſte modo i
póde conciliar benevolencia .
Nað deve fer vulgar ; iſto he , que
poſſa ſervir , e accommodar -ſe a diverſa
cauſas; porque ſomente ſendo proprio,
poderá conciliar attençað nos ouvintes,
Nað deve ſer commum , que poſſa fer
vir tanto para huma parte da caufa,
como para a contrária. Nað deve ſer
cominutavel ; ' iſto he', que levcinente
niudado , fe poſſa delle valer a parte
contrária na meſma cauſa. Nao deve ſer
lon
( a ) Ad Marc . Brut.
DE RHETORIC A. 37
21 longo , e mais extenſo em ſentenças ,
palavras , do que he juſto ; pois dei
mbtará a perder a attençað é benevo
lencia dos ouvintes . Nao deve ſer alheio
ord
eci do genero da cauſa , e do fim que
ter eſta pede : ifto he , nað deve fazer o
o que a meſma cauſa nað pede ; como
ue por exemplo , ſe pede attençað , nað de
leci je pertender benevolencia ; e pelo con
e trário : nað deve uſar de principio
v
de quando a cauſa pede infinuaçao. Naš
2 deve ſer ſeparado , mas de modo que
ini pareça parte da meſma Oraçað . - Nao de

0, ve ſer contra os preceitos : iſto he , nao


deve ſer tal, que nem com elle ſe con
odo
cilie a benevolencia , nem attençao ,
nem.docilidade.
Para ſe acharem com facilidade os
ive
Exordios , e ferem proprios da cauſa ,
che preciſo , como adverte Quintiliano
711
TE reflectir nas ſeguintes couſas : a cauſa
que tratamos ; diante de quem a trata
cal
ve mos ; em favor de quem ; ou contra
quem dizemos ; em que tempo ; em
que lugar ; em que eſtado ſe acham as
5
couſas ; qual ſeja a vulgar opiniaó , al
eye
fim ſobre a queſtað , como a reſpeito
das
38 EN SATO
das peſſoas do Orador , do Juiz , e
das partes ; qual ſeja o parecer e in
clinaçað do Juiz mais provavelmente;
que deſejamos, em fim , ou que pedimos.
Se meditarmos maduramente neftas
couſas , nað ſerá difficil achar Exor
dio , e com propriedade. Tambem de
vemos aſſentar como em regra univer
fal, e firme , que aquelle Exordio he o
melhor , que applicadas as coufas qu
nelle ſe dizem a qualquer outra parte
nao ſeriam tað proprias , nem em fer
lugar lembram outras , quemelhor pa
Tecam .
Tambem devemos mais advertir,
que tudo quanto ſe differ no Exordio,
fe deve dizer com menos apparato , com
Inaior brevidade , e mais ſuccintamente
do que ſe coſtuma na Oraçað ; e que to
das as regras de conciliar benevolencia,
attençao , e docilidade , ' e de evitar de
feitos que neſte lugar ſe apontam , fer
vem para o reſto da Oraçað.
Poftoque o Exordio tenha na ex
ecuçað o primeiro lugar , na intençað
deve ter o'ultimo ; de ſorte , que Cice
ro julga que aſſim fe poderá exordiar
di

1
DE RHETORICA . 39
dignamente. Depois de tratar da ordem
com que o Orador deve conſiderar no
| mais de que ha de ufar na Oraçad , con
1 elue do modo ſeguinte : Hifce omni
bus rebuts conſideratis , tum denique id ,
I quod primum eft dicendum , poftremum
i foleo cogitare , quo utar exordio . Nam :
is fi aliquando id primum invenire : volui ,
hi nullum mibi occurrit , nifi aut exilé ,
i aut nugatorium , aut vulgare , atque
rt commune ( a ) . Devemos aproveitar-nos
da experiencia de tað grande Meſtre.
ao no Exordio deve
: 1 afts ? A pronunciaç
fer clara , diſtincta e
, perceptivel , mas
Tu tenue , e moderada. O geſto deve fer mo
defto ,e grave. No Exordio ex abrupto
ő póde tudo ſer mais forte , e vehemente.
del Sempre eſtá bem ao . Orador noftrar com
algum temor , que reſpeita o auditorio ,
od e nao confia demaſiadamente em ſi pro
i prio ; com tanto que nao decline para
pufillanimidade. Seria grande defeito, ſe
acaſo no princípio ſe perturbaſſe na pro
nunciaçað , ou na memoria : daria pou
cas eſperanças aos ouvintes , e nao le
Fia bem reputado.
Quin
( a ) De Orat. Lib . 2 .
40 ENSAIO
Quintiliano parece que admitte als
guma differença entre o Proemio , eo
Exordio . Diz , que o princípio ſem que
efteja ornado com alguma ſentença , he
Proemio ; e que ornado com ella , " he
Exordio : mas eſta queſtað he de nome,
puramente eſpeculativa , e de nenhu
ma utilidade. Eu entendo , que Proe
mio ſe pode accommodar ao princípio de
qualquer Obra , é que Exordio ſe co
ſtuma chamar o princípio de qualquer
Oraçað .
Fallando em ultimo lugar da Tran .
fiçao ; ifto he , do modo com que fe
deve paſſar do Exordio para o reſto da
Oraçao , quizeram alguns Auctores per
ſuadir , que ſempre ſe devia neſta occa
fiað , e neſte lugar uſar de alguma fen
tença. Quintiliano, porém , julga ſer iſto
huma affectaçað pueril , e aponta a fe
guinte regra ; que nem he bom paſſar
ſem conſideraçao , e de repente ; nem
com tanta conlideraçao , que caufe con
fufað , e eſcuridade. Eu julgo que nos
quer epſinar , que a Tranſiçað ſeja natu
sal, clara , e ſem affectaçao , nem dema:
fiado eſtudo
Se
DE RHETORIC A. 41
! Se do Exordio ſe pertender paſſar
Ć para a Expoſiçað ,e eſta for dilatada , fes
C rá muito proprio preparar o animo dos
ouvintes , como de Cicero refere o mel,
3
mo. Quintiliano : Paulo longius exor
dium rei demonſtr.ande petam ; quod
mb quæſo , judices , nè maleſtè patiamini.
Pri Principiis enim cognitis , multò facilius
0 extrema intelligetis. Donde ſe infere ;
e que nem ſempre ſe deve paſſar por fen:
tença , e que alguma vez ſe pode uſar
ju
della.
$. XII. 17
ra
6
де Da Narraçao.

E a Narraçað , como diz Cicero ,


p!
OCE HE o aſſento , e alicerſe , em que
for ſe funda a fé que ſe pertende na cau
-i fa , e ſobre a qual ſe eſtriba tudo quanto
fe diz na Oraçaõ ; e por iſſo ſe deve tra
all tar della com a maior exacçað , e obſer-,
ne var neſta parte todos os preceitos ģe
CO raes que das outras partes da Oraçað fo
eſcrevem : Quoniam narratio eft rerum
att explicatio , & quedam quafi Jedes , ad
fundamentum conſtituenda fidei , eá
Junt in ea fervanda naxime i que
etum
42 ENSAIO

etiam in reliquis ferè dicendi parti


bus ( a ).
Alguns diſſeram que a Narraçao
tem lugar em todas as caufas ; outros
que em nenhuma : ambas eſtas opiniões
fao exceſſivas : ha cauſas , nas quaes pó
de ſer eſcuſada a Narraçao , como lao
aquellas cauſas em que ſe trata de di
1 reito , e nað do facto ; ou quando o
meſmo facto he de todos fabido , e com
todas as ſuas circumſtancias. Quando, po
rém , ou o facto ſe ignora , ou ſe nað co
nhece bem ; ou podem nað lembrar to
das as ſuas circumſtancias ; ou he preci
ſo expôr alguma couſa para preparar o
animo dos Juïzes; he a Narraçað nécef
ſaria : Maximè naturale eft , do fieri
frequentiffimè folet , ut præparato per
bæc , que fupradicta ſunt ,judice , res
de qua pronuntiaturus eft , Indicetur.
- Nem contra eſta doutrina faz que
o Juiz ſe deva ſempre fuppôr informa
do plenamente da caufa ; ou ſeja a que
ſtao dejure , ou de facto ; pois : como en
fina Quintiliano , nem fempre ſe uſa da
Narraçað para que o Juiz conheça', mas
tam
(a Cicer, de Partit . Orat .
DE RHETORIC A.
tambem para que mais convenha no que
-ſe pertende tratar : Neque enim narra
aci tio in boc reperta eft , ut tantum.co.
gnofcat judex , Jed aliquanto magis ut
confentiat. Donde ſe infere , que deve
anos ufar da Narraçað todas as vezes
que julgarmos ſer , ou neceſaria , og
util .
A huma de duas claſſes fe reduz to
lo
COI da a Narraçað ; ou pertence immedia
PC tamente a cauſa , ou pertence ás cic
сі cumſtancias da meſma cauſa : ou fe pó
de , por exemplo , narrar o homicidio ,
rec ou alguma circumſtancia delle , a qual ſe
ari ignorava , ou ſe julgava unicamente im
portante para a meſma caufa. A eſta fe
ece
gunda claffe ſe reduzem todas aquellas

pe narrações menos propriamente taes , de


que tratam os Eſcriptores , e de :que fe
12
acham alguns exemplos , como fað as
tu
qui expoſições de que ſe uſa para explicar
ma alguma Lei , ou alguma queſtað ; e tam
zum bem algumas deſcripções agradaveis ;
ei que ſervem para conciliar o agrado dos
ad ouvintes , poſto naó pertençamn ao in
ma trinſeco da cauſa .
A reſpeito das circumſtancias ou
attric
44 1 ENSAIO
attributos que deve ter a Narraçað para
ſer perfeita , ſe obſerva nos Auctores al
guma variedade. Quintiliano ſe conten
ta com que a Narraçað ſeja clara , bre
ve , e crivel ; e ſuſtenta com razões que
a eſtas tres qualidades ſe reduzem todas
as outras. Cicero nos Topicos perten
de que a Narraçað ſeja de facil intelli
gencia , breve , evidente , crivel ,
mo
derada , e que tenha dignidade. Tam
bem , em fim , ha quem defeja que a Nar
raçað ſeja pompofa , e magnífica. Por
deixarmos queſtões , ou teimas , dire
mos ſobre cada hum deftes attributos o
que julgarmos por mais util .
Deve a Narraçað fer clara , que he
o meſmo que de facil intelligencia :
nem diſto le deve dar razaố , por ſer a
clareza inſeparavel da Eloquencia ; e
muito mais neſta parte , ſendo como aci
ma diſfemos , donde pende toda a fé ,
em que ſe eſtriba a meſma cauſa. Para
ſer clara devemos nella ufar de pala
vras proprias , que tenham ſignificaçao ,
e que ſejam polidas , fugindo de pala
vras groſſeiras , exquiſitas , e deſuſadas.
Deve ſer breve ; pois o contrário
cau
DE RHETORICA . 45
2 caufará deſcommodo e enfado aos ou
vintes , e nao poderemos conciliar aquel
la attençao que ſe deſeja. Para que a
TI Narraçað ſeja breve , devemos obſervar
D as ſeguintes regras : Primeira : nað prin
013 cipiar de longe , mas ſim do que he pro
prio da caufa ; pois fendo de longe ſe
Eli diftrahe o animo dos ouvintes . Segun
no da : nað dizer couſa alguma que nao
pertença a meſma cauſa ; pois tudo quan
al to lhe nao pertence , nem lhe diz reſpei
Po to, he fuperfluo. Terceira regra : cortar
re tudo aquillo que de nenhum modo con
S1 duz parao conhecimento e utilidade da
caufa ; porque nað he folido , e fica ſen
do ſuperfluo : Nos autem brevitatem
in hoc ponimus, non zi minus , ſed nè
plus dicatur, quam oporteat : diz Quin
tiliano .
Deſta doutrina ſe infere , que de
vemos evitar repetições deſneceſſarias ,
abundancia de palavras , e de epithetos ,
ſem que ſe pode paſſar , e couſas ſeme
Ihantes . O que , porém , julgarmos neceſ
lario , ou para maior clareza , ou para
maior utilidade da cauſa , ou porque
.
0 affim o pede a materia de que trata
mos ,
46 ENSAIO
mos , de tudo iſto devemos uſar em a
Narraçað ; pois devemos fugir de tudo
quanto pode fazer eſcura ou incrivel
a Narraçao ; e algunas vezes cahem ne
ftes : erros os que ſem diſcernimento
attendem ſó á brevidade ; pois , como
diz o meſmo. Quintiliano : Satius eſt
aliquid narrationi ſuperele , quam de
elle : e n'outro lugar : nam ſuperva
cua cum tedio dicuntur neceſaria
cum periculo ſubtrabuntur. !
7. Suppoſta pois eſta neceſſidade em
que o Orador ſe pode achar de ſer mais
extenſo do que deſejava quando narra ,
ſe pode valer das ſeguintes regras para
disfarçar eſte neceſſario defeito , e nað
caufar faſtio aos ouvintes . Primeira re
gra : reſervando para dizer depois al
gumas das couſas que devia narrar ,
e fazendo dellas expreſſa mençaõ : por
exeinplo : Quas cauſas occidendi ha
buerit , quos afTumſerit confcios, quem
admodum diſpoſuerit inſidias , proba
tionis loco dicam ( a ). Segunda regra :
preterindo e deixando na ordem do
dizer algumas couſas : por exemplo :
Mga
( 4 ) Cicero
DE RHETORICA . 47
Moritur Fulcirius : multa enim , quæ
2
bo ſunt in re , quia remota ſunt a cauſa
prætermittam . Terceira regra : dividin
cel
do o que ſe deve dizer em varias par
es
tes : por exemplo : Dicam quæ alta fint
IC
nc ante ipſum rei contractum ; dicam que
in re ipſa ; dicam quæ poftea : mais pa
el
recem tres narrações , que huma ſó .
Les
Quarta regra : dando no meio alguma
- ſatisfaçað , e uſando de algum apoftro
ja
phe : por exemplo : Audiftis quæ an
te acta ſunt ; accipite nunc que in le
n
quuntur. Quinta regra : uſando no fim
is
de alguma figura , ou advertencia , que,
2, venha a dizer que aconteceo mais do
ra
que fica dito : por exemplo : Adhuc ,
6
Cafar , Q.Ligarius omni culpa caret ;
domo ell egrellus non modo nullum ad
1.
bellum , Jed nè ad minimam quidem
belli fufpicionem .
I Deve ſer a Narraçao crivel; pois 1
fem verdade , vern pode haver verdadei
ra eloquencia , nem credito ; e pelo que
pertence a materia , de que tratamos ,
he o meſmo que fer evidente. Será cri
vel a Narraçao , lę obſervarinos o ſer
guinte : Em primeiro lugar , fe confula
tar.
IO
48 ENSA
tando o noſlo animo , e reflectindo mas
duramente nas couſas , nada diſſermos
que nað ſeja natural , e conforme a mef
ma razað . Em ſegundo lugar , ſe apro
priarmos aos factos as cauſas, e as ra
zões delles ; pois tudo quanto nað he
proprio ', ſe faz incrivel . Em terceiro
lugar , ſe moſtrarmos que a peſſoa de
que ſe trata , por ſeus coſtumes , ou pai
xões, era capaz de cómetter o crime, ou
acçao , que ſe lhe attribue : por exem
plo : o cobiçoſo he capaz de furto , o
fuxuriofo do adulterio , o temerario do
homicidio. Em quarto lugar , le contar
mos as couſas com tal ordem , que hu
mas ſe vað ſeguindo as outras demodo ,
que ouvidas as primeiras , todos eſpe
rem ouvir as que ſe lhes ſeguem . Em
quinto lugar , ſe narrarmos com huma
fimplicidade tað nobre , e livre de affe
ctaçao , que nað poſſa haver à mais le
1
ve ſuſpeita de engano , ou de artificio :
e niſto conſiſte fer- a Narraçað modera
da ; pois aléin de ſer erro geral , como
fica dito a reſpeito do Exordio , moſtrar
o Orador que uſa deſagacidade ; toda a
arte , como diz Quintiliano , deixa de
DE RHETORICA. 49
o fer , quando apparece : Cum definat
árs effe , cum apparet. A reſpeito da
magnificencia , pompa , e dignidade da
Narraçað , que deva ſer digna he certo ,
pois deve ſer propria , com palavras po
Iidas, e que guarde a decencia , e decoro
?? da Oraçað. Que ſeja magnífica he juſto,
!! quando a materia o pedir , e nao em ou
pa tras circumſtancias ; pois como adverte
si o meſmo Quintiliano : Non magis pro
e prium narrationis eft magnifice dicere ,
* , quam miſerabiliter , invidioſè , gravia
i ter , dulciter , urbanè. Que poſſa algu
si ma vez ſer pompoſa , Cicero o enſina
h
e practica; e he muito admiravel o exem
de plo do meſino Cicero , que refere Quin
fotiliano , narrando Cicero a reſpeito das
E vodas de Saſlia : exclama em a Narraçao
wi deſte modo : O mulieris fcelusincredi
bile , & præter hanc unam in omni via
ita inauditum ! O libidinem effrenatam ,
je da indomitam ! O audaciani ſingularem !
Non timuife, fi minus vim deorum, bo
minumque famam , at illam ipſam no
1 Etem , facesque illas ruptiales ? Non lic
di men cubili ? Non cubile filiæ ? Non pao.
3 rietes denique ipſos , ſuperiorum teſes
1. nuptiarum ? D Dona
50 EN SAIO
Donde ſe infere , que tambem em
a Narraçað ſe pódem mover os affectos
do animo , ſe pode uſar de figuras for.
tes , de ſentenças , e do mais ornato
de que ſe uſa na Oraçao , com tanto que

nað ſeja improprio da materia de que


ſe trata : antes, como adverte Quintilia
no , as imagens fimplices , nobres ,
com energia , movem grandemente ,
diſpõe o animo dos Juízes para a com
paixao. Nem eſte ornato fe oppõe á bre
vidade da Narraçao ; pois eſte attributo'
unicamente ſe oppõe ao que he ſuper
fluo , deſneceſſario , e de nenhuma uti
lidade .
O eſtylo da Narraçao deve ſer claro,
o mais que puder ſer ſimples , alheio do
eſtylo da hiſtoria , e concebido em ter
mos de vulgar intelligencia : Narratio
nes , diz Cicero , credibiles , nec bilo
rico , Jed prope quotidiano ſermone ex:
plicate dilucidè ( a ) . Por eſta razaó
fe nað deve uſar de ſentenças , por fe
rem contra a brevidade , e contra a fim
plicidade : nem a eſta regra ſe oppõe po.
der admittir a Narraçað ornato , e figu
ras

( ) Ad Brut . pag. 43 .
DE RHETORICA. 51
ras fortes ; pois ſendo util uſar dellas ,
ſeria defeito le nao as tiveſſe.
Poſtoque a reſpeito do lugar pro
prio da Narraçað tambem tenha havido
opiniões diverſas ; com tudo , ordinaria
mente fallando , é ſeguindo o coſtume,
o ſeu lugar he depois do Exordio.
s Em a Narraçað nað ſe deve uſar
de provas claramente , e com formalida
de de argumento ; mas ſomente moſtran
do , como fica dito , a indole , o coſtu
me , a paixao , de que pode naſcer o cri
ime , ou a acçað , e iſto ſómente indican
do , è nað argumentando ; pois o con
trário ſe oppõe á brevidade.
Tudo quanto ſe diſſer em a Narra
çað , deve ſer conforme ao que depois ſe
ħouver de dizer na Oraçað ; pois como
diz Quintiliano : Non eſt autem ſatis in
narratione uti coloribus , niſi per totam
a £ tionem conſentiant : cum præfertim
quorundam probatio fola fit in aſeve
ratione , d perſeverantia .
Quando o Orador narrar , deve ter
diante dos olhos a paixao , a que por fim
quer mover os ouvintes : ſe á piedade ,
deve ſer a Narraçao triſte : ſe a benevo
Dz len
ENSAIO

lencia , alegre : ſe á ira , eſpantofa ,


cruel ; e aſſiin nos demais caſos : mas
com propriedade , e diſſimulaçao .
Os caſos em que o Orador fe de
ve eſcuſar da Narraçao , fað os ſeguintes
que aponta Cicero ( a ) ; ou quando pa
he favoravel ao partido que ſeguimos
ou quando de nada aproveita ; ou qui
do vemos que nað he aquelle o feuk
gar ; ou quando o nao podemos fazer,
como pede a cauſa.
No caſo de nos ſer , ou contrári
ou pouco favoravela Narraçað , enſinas
melmo Cicero o ſeguinte artificio : Da
vemos dividir a materia , e a pedaçost
fazendo mençað della pelo progreito a
cauſa , e a cada huma deſtas partes , fep:
radamente , ir acodindo com os arg':
mentos , razões , e reflexões , que por
ſam defarmá-la da força que poſſa 14
1 para com os Juīzes , o que explica con
o exemplo da Medicina com grande ele
gancia : Ut vulneri preſto medicamen
tum fit , & odium fiatim defenfio miti
get .
Ultimamente poſtoque Cicero di
84
( e ) De Invent . pag. 22 .
DE RHETORICA. 53
ga o ſeguinte : Suavis autem narratio
eft , quæ habet admirationes , expect a
tiones , exitus inopinatos , interpofitos
motus animorum , colloquia perfona
rum , dolores , iracundias , metus , le
titias , cupiditates ( a ) ; daqui nað ſe
infere que o Orador deva fingir eſtes
affectos ;; nem que ſe devem narrar , ſe a
cauſa e a occafiad o nað pedirem .
fi
S. XIII.

enf Da Propoſiçað.
D

poliçað o princípio de toda a Cófir


maçað , iſto ſe deve entender em quanto
o ſeu lugar he no fim ou quafi fim do
Exordio . Huns lhe chamaram Expoſi
de
çað , outros Promeſſa , porque ultima
ol
mente expõe , ou nella ſe promette tra
a
tar de hum , ou de mais pontos . Confor
ade
me o que fica dito, a Propofiçao expref
fa o eſtado da cauſa , ou o aſſumpto.
Temos dous exemplos,hum de De
00 moſthenes , outro de Cicero . O primei
ro ,
( a ) De Part. Orat.
54 EN SA I O
ro , contra Ariſtocrates, acaba o Exordio
deſte modo : Utile eft me tria vobis , qua
promiſi demonſtrare. O ſegundo , a fa
vor de Quincio , do modo ſeguinte
Oſtendam primum , caufam non fuiße
Cur a Prætore poſtulares, ut bonaQuin
Etii poſi deres : deinde ex edi& to te poni
dere non potuiſſe : poftremno , non polfe
diſſe. Queſo , C. Aquili , vosque , qui
ajlis in concilio , ut quid pollicitus fik
memoriæ mandetis.
O officio da Propofiçao , e o fer
fim , como ſe infere do que fica dito , he
V
pôr diante dos olhos dos ouvintes o
ponto principal do que ſe pertende tra
tar , para que nunca delle ſe eſqueçam,
para mais conciliar a ſua attençað , e
tambem nas cauſas eſcuras para maior
clareza , e n'outras para mover e exci
tar mais o animo dos meſmos ouvintes
q poderiam eſtar applicados totalmente
Narraçao
Ou ſe coſtuma uſar de huma fo Pro
1 poſiçað , ou de muitas : alguns pertendê
ram determinar eſte número . Quintilia
no, porém , dá neſte particular huma re
grą admiravel ; e vem a fer , ufar ſóinen
DE RHETORICA. 55
te daquellas que fað neceſſarias para ex
pôr o aſſumpto , poſto ſe poſſam multi
plicar quanto quizer o Orador : Multi
i plicari bæcin quantumlibet pofunt,fed
erem oftendiſe Jatis eft.
As qualidades que deve ter a Pro
poſiçao , ſao as ſeguintes : verdade , cla
reza , brevidade , fingularidade , unida
de , e arte. Deve ſer verdadeira , e clara ,
pelas razões que já diſlemos ; pois ſem
verdade , e clareza , nað póde haver elo
o quencia . Deve ſer breve ; pois como em
toda a Oraçað a devem os ouvintes ter
ſempre diante dos olhos , quanto mais
breve for , mais facilmente a conſerva
ráo na memoria .
Deve a Propoſiçao ſer ſingular; iſto
he, nem devemos prometter provar cou
fas de todos ſabidas , e já muitas vezes
1 repetidas , nem as devemos propôr com
E termos vulgares. Sempre a Propofiçao
deve ter nobreza , ou nas couſas , ou
nas palavras : huma Propoſiçaõ vulgar ,
nað concilia attençað nos ouvintes. Da
qui nað fe infere , que devemos affaſtar
nos da verdade ; pois nað fer a Propoſi.
çað verdadeira , he o maior de todos
OS
56 EN'S A LO
os defeitos , ficando como regra , que
antes vulgar , que falfa , ou inveroſimil,
Deve a Propofiçað fer huma , affim
como o he a Oraçað ; pois na unidade
conſiſte o maior esforço da eloquencia ;
nem ha outro meio de conſervar atten .
cao. Dizer ſobre huma ſó couſa muito ,
he ſer propriamente eloquente : nem ifto .
fe oppoe ao que fica dito , que podemos
uſar de muitas Propoſições ; pois eſta
unidade, ou póde fer de penſamento , ou
de fim ; com tanto , que as Propofições
de que uſarmos , ſe encaminhem ao mef
mo fim ; ficam todas neſte reſpeito ſendo
huma ſó Propoſiçao .
O exemplo acima referido de Ci
cero , he a melhor explicaçað deſta dou
trina . Poſtoque uſe de tres Propoſições ,
o ſeu fim he unico ; pois he moſtrar que
ſeu adverſario nunca tivera titulo , nem
para pertender , nem para poſſuir os
bens de Quincio: Oftendam primum cau
fam non fuiffe cura Prætore poſtulares,
ut bona Quin tii poflideres : deinde ex
edięłoʻte poffidere non potuiſſe : poftre
mo , non pofidiſſe .
Donde ſe infere , que guardando -ſe,
ou
DE RHETORICA. 57
4 ou unidade de raza , ou unidade de ine
i io , ou unidade de fim , aindaque fejam
mais de huma as Propoſições, ficam fen
di do huma ſó : na unidade de razao ſe
di inclue a unidade de genero . Como ſeria
# dizer , ou prometter moſtrar , que tudo
a quanto huma das partes pertendia , era
mi injuſto , aindaque ſe declaraſſem várias
er pertenções.
Nos Panegyricos nem todos obſer 1
yam eſta unidade. O modo ordinario de
os eſcrever , he referindo por ſua or
1 dem as acções do Heroe . Como , por
rém, tambem ha exemplos , e de grandes
Auctores , do contrário , tenho por me
sel lhor o partido dos que tambem neſte ge
de pero de Orações obſervam a unidade .
ch Póde- ſe facilmente obſervar por
unidade de fim , moſtrando , que as ac
TO
ções do pertendido Heroe todas ſe en
caminháram , ou ao bem público , ou a
conſervar a gloria da Naçao , ou outro
qualquer fim heroico : em ſegundo lu
gar, por unidade de virtude , moſtrando
que o ſeu ſingular caracter fora o amor
das Sciencias , e ordenar para eſta virtu
de as demais
Den
IO
SA
58 EN
Deve ultimamente a Propofiçao ter
arte : conſiſte eſta em conſiderar o Ora
dor ſe a Propoſiçaõ ſerá ou nao ſerá
ingrata aos ouvintes. Se vir que ſerá do
ſeu agrado , deve ſabê- la expreſſar bem ,
para deſte modo grangear ainda mais a
ſua docilidade. Se reflectir em que lhe
ſerá deſagradavel , ou deve ufar de ex
preſſões que a poſſam mitigar , ou ma
nifeſtar outra Propoſiçao menos princi
pal , que nað pareça deſagradavel, e que
vá infenſivelmente entroncar -ſe com a
principal Propoſiçaõ , que pertende pro
var .
Sem embargo de tudo quanto fica
dito , pode de tal forte eſtar diſpoſto
o Exordio , e ſer tal a Narraçaó , que
nað ſeja neceſſario , ao Orador uſar ex
preſſamente da Propofiçað , como enfina
!
Quintiliano : Ea non ſemper uti neceffe
eft. Aliquando enim ſine propofitione
quoque aliqua fatis manifeſtum eft,
quid in quæftione verſetur.

S. XIV .
DE RHETORICA . 59

S. XIV .

Da Diviſao.

21 a
vamente oppoſtas. Fenelon , Voltai.
be re , e outros Auctores, totalmente ſe de
claráram contra a Diviſao ; e as razões ,
ris em que ſe fundam , fað as ſeguiptes: Pri
er meira : quando o Orador nað ufa da Di
03 viſað , tudo quanto le diz parece novo ;
e a novidade concilía goſto e attençað
er
nos ouvintes . Segunda : Os Juizes po
deráð deſconfiar do Orador , e acaute
lar-ſe , ſe logo ao princípio conhecerem
po
ſeus intentos , principalmente ſe a Pro
it poſiçaõ for dura , e deſagradavel ; o que
nke nað acontecerá , ſenað houver Diviſao ,
e ſe declarar o que ſe pertende quando
os Juizes eſtiverem preparados , e o Ora
dor lhes ſouber excitar os affectos do
animo . Terceira : porque o genio do
Orador deve eſtar livre , e deſembaraça
do , para poder caminhar para onde o
arrebatar o fogo da imaginaçað , e o im
peto das paixões , de que procede o mais
fu
1
60 ENSAIO
ſublime ; e a Diviſad prende , e ata , e
tem como em eſcravidao o meſmo Ora
dor.
Hea Divifað patrocinada pelo uſo
e auctoridade de quaſi todos osAntigos:
os melhores Oradores , aſſim Gregos ,
como Latinos, u fáram della ; e a enſiná
nam todos quantos deſta Arte eſcreve
ram . Tem por fi as razões ſeguintes:
Primeira ; porque a Diviſao concorre
grandemente para que ſe conheça me,
Thor a cauſa : he como humadeclaraçað
da mefma caufa . Segunda ; porque os
Juizes ouvindo a Diviſað ficam mais
attentos; e ſe he propria , ſe tornam
mais dóceis. Terceira ; porque ſerve de
muito , tanto aos Juizes , como ao Ora
dor , para conſervarem ſempre na me.
moria a ſubſtancia da cauſa , ou o eſtado
da meſma cauſa ; os Juizes obſervando ,
ſe o Orador ſatisfaz ao que promette; e o
meſmo Orador guiando -ſe pela Diviſao ,
para caminhar com ſegurança , e unifor
midade . Quarta e ultima razað ; porque
a Diviſao moſtra como he o fin da Ora
çað, e faz com os ouvintes o eſperem , e
ſe nað enfaſtiem , temendo que ſeja de
ma
DE RHETORICA : 68
inafiadamente comprida ; o que explica.
: Quintiliano com hum exemplo admira
vel : Neque enim id ſolum efficit , ut
clariore fiantquæ dicuntur , rebus ve
50 Jut ex turba extractis , do in confpe
EN Etu judicum pofitis : fed reficit quoque
id audientem certo ſingularium partium
ER fine: non aliter , quam facientibus iter
te multum detrahunt fatigationis notata
20 infcriptis lapidibus spatia nihil

enim longum videri neceffe eft , in quo ,


& quid ultimum fit , certumeſ .
Sem embargo , porém , deſta varie
dade , julgo que os Modernos ſe deixá
ram enganar neſta materia , tendo para fi
red que os Antigos requeriam a Diviſao ,
como parte neceſſaria em toda a Oraçao ;
e tambem me parece que os Antigos naó
diſtribuíram a Diviſao nas ſuas verda

de deiras claſſes. Prova -ſe o primeiro , por


sel que o meſmo Quintiliano expreſſamen
jó te enſina , que nem ſempre ſe deve uſar
OF da Diviſao ; e aſſigna as occafióes , que
fað os argumentos da opiniaõ dos Mo
QUE
dernos : hum dos caſos he , quando nas
for conducente para maior clareza ; e dá
a razaố : Quia pleraque gratiora ſunt,
na
1
62 ENSAIO
ſi inventa ſubito , nec domo allata , fed
inter dicendum ex re ipſa nata videan
tur. O ſegundo caſo q aſſigna , he quan
do a Propofiçað for dura , de que já fal
lámos no paragrapho antecedente; e dá a
razao ſeguinte : Nam eft nonnumquam
dura propoſitio , quam Judex , fi provi
det , non aliter reformidat , quam qui
ferrum Medici , priuſquam curetur af
pexit. O terceiro caſo he , quando o Ora
dor prevê que lhe he neceſſario arreba
tar e mover' os Juizes , para os tornar
dóceis para o que pertende ; o qual caſo
coincide com o antecedente ; e dá outra
razao admiravel : Non enim Oratoris
eft dicere folum , fed plus eloquentia cir
ca movendum valet . Cuisfei contraria
eft maxime tenuis illa , & fcrupulofa
in partes lecte diviſionis diligentia , co
tempore , quo cognoſcenti judicium co
namur`auferre. O quarto caſo he, quan.
do na cauſa ha hum ponto para diſputar
tad importante , e unico , que tudo o
mais nao merece attençao comparado
com elle : In omni partitione eft utique
aliquid potenzilimim , quod cum uudi
vit judex , cetera , tanquam ſuperva
cua ,
DE RHETORICA . 63

F2 cua , gravari folet. Donde ſe infere


claramente , que os argumentos dos Mo
dernos , fað os caſos exceptuados pelos
Antigos , nos quaes ſe deve nað ufar da
Divilao , e que ficam ſervindo de regra
aſſim como ſe acham neſta confutaçao ;
ficando nos outros caſos como em ſua
OM
IA força , os fundamentos dos Antigos .
Nem tem maior pezo a ultima re
flexað em contrário ; porque ſe o Ora
dor tem talento , e fabe da Arte , ainda
-1 que divída , cuida em deixar campo lis
ca yre , para ſe dilatar quanto lhe pedir o
genio , e a paixao ; o que melhor ſe ena
tenderá com o que vamos a dizer.
A duas claſſes ſe pode reduzir a Di.
viſaố : ou ſe divide a cauſa em partes ,
ou em razões , e argumentos : a primeira

id Diviſað he propria , a ſegunda he vicioſa.


Temos hum exemplo da primeira claſſe ,
e propria Diviſao em Cicero pro Lege
Manilia : Primum mihi videtur de ge
nere belli , deinde de magnitudine , ium
il
de Iingeratore deligendo eſſe dicendum .
edi
Exemplo de huma Diviſao impropria fe
ria , fe orando contra alguma Lei, ſe pro
metteſſe moſtrar que era injuſta por ſer
cons
64 ENSAIO
contrária á razað , contrária ao coſtume
de todas as gentes , e de peſſimas conſe
quěcias para o Eſtado ;pois eſtes ſao os ar
gumentos com que ſe devería moſtrar
a injuſtiça da tal Lei . E porque os Anti
gos nað fizeram claramente eſta Divifað ,
e muitos Oradores entraram a uſar das
Diviſões deſte ſegundo genero , ou claſſe,
por iſſo alguns Modernos ſe enfurecêram
contra todas as Diviſões ; pois as deſte
ſegundo genero tiram toda a novidade ,
atam o Orador , e quaſi fazem a fumma
de toda a Oraçað.
Aſlentando, pois , que a Diviſao em
alguns caſos he util , em outros deſne
ceſſaria , e algumas vezes defeituoſa , e
notadas todas eſtas excepções , como fica
dito , reſta tratar das circumſtancias que
devem acompanhar a Divifað , para nað
ſer defeituoſa ; e faó as ſeguintes: Deve
fer breve , deve ſer adequada, e deve con
ftar de partes , as menos que puder fer.
Para fer breve , he preciſo que fe
nao divída em parte alguma , que nao
feja necellaria para maior clareza , e in
telligencia da cauſa. Para ſer adequada ,
he neceſſario que as partes em que fe
di
DE RHETORICA . 65
divide a cauſa , nað ſeparadamente , mas
todas juntas , comprehendam a ineſma
cauſa , nem a excedam , nem por ella ſe
jam excedidas . Para conſtar de partes , as
menos que puder ſer , he preciſo que
entre humas e outras partes haja tal di
que humas ſe nao confundain
ftincçao ,, que
1 com as outras , e todas ſejam preciſas
para ſe dar a conhecer a meſma cauſa.
Para melhor intelligencia , e para
pôr em practica o que fica dito , ſe devem
notar as reflexões leguintes : Primeira :
devemos pôr cuidado em que a ſegunda
parte da Diviſað ſe faça crivel pela pri
meira , e della ſe deduza , e aſſim a ter
ceira , ſe acaſo a houver. Segunda refle
xao : poſtoque nað ſeja determinado o
O número das partes em que a Propoſiçao
ſe pode dividir, pois ha couſas que pe
dem mais diviſao , que outras ; com tu
D
do , devemos dividir o menos á puder
a
mos , como fica dito ; pois confórme no
ta Quintiliano , os q dividem em muitas
je partes
, nað fazem muitas couſas; fazem
as couſas menores do que podiam e de
viam ſer ; o que declina em confuſao ,
e de nenhum modo em clareza : Nec tam
E plusa
66 ENSAIO
plura faciunt , quam minora : deina
cum fecerunt mille particulas , in ear
dem incidunt obfcuritatem , contra : quar
partitio inventa eft.
Terceira reflexa ) : toda aquella D
vilao , em que huma das partes for tal
que fiquem ſendo fuperfluas , e de ne
nhuma utilidade as demais partes ; a ta
Divifað he defeituoſa . Quarta reflexað
fe as partes da Diviſao forem muitas
devemos ordená- las bem , e tratá-la
com a meſma ordem ; pois o contrário
gera confuſao : fe porém forem duas fo
mente as partes da Diviſaố , nað ſerá de
feito invertê - las; pois neſte caſo naők
perigo de confufað.
Reflexað ultima e regra geral. De
vemos na Diviſao obfervar todos os pre
ceitos geraes ; clareza , ornato , eſco
lha de palavras , e fobre tudo nað ufa
della ſem o fim proprio do Orador , que
he para melhor perſuadir o que perter:
de na fua Oraçað.
Poſtoque a Diviſað , de que acima
fallámos, das razões, e argumentos, per
tença propriamente á Confirmaçao ; com
tudo , viſto termos feito della neſte lu
gar
DE RHETORICA.
67
gar expreſſa mençað , diremos a eſte reś
peito o que parece mais conforme ao
bom goſto , e á doutrina que ſeguimos.
Fallando , pois , deſta Diviſao , im
porta muito naó a manifeſtar , porque
do contrário ſe ha de neceſſariamente ſe
éguir ficar a Oraçað deſengraçada', del
unida , e nað merecer tanto a attençao
dos ouvintes.
He muito util que o Orador men
talmente divída tudo quanto pertende
que entre na Oraçað , para melhor o fa
Biber depois ordenar : mas deve occultar ,
quanto lhe for poſſivel , eſta ordem
spois , como fica dito ,logo neſſe caſo appa
rece a arte , e por illo meſmo
iſſo meſm o deixa de
lo ſer ; pois a verdadeira arte conſiste en
odizer tudo com a maior diffimulaçao ,
le tal , que pareça inſpirado pela nature
aó za .
1 S. XV .
pe
Da Confirmaçað , e Confutaçað
em geral.

Oftoque a Confirmaçað , e Confu

tes diverſas ; com tudo, dellas ſe for


E 2 ma
68 ENSAIO
ma o mais forte e ſubſtancial da caufa .
a que os Antigos chamam contenda
pois a Confirmaçao moſtra a verdade do
aſſumpto , e a Confutaçað deſtroe os ar
gumentos em contrário : e por iſſo a eſta
chamam Ariſtoteles , e Cicero , o credi
to e fé da Oraçao , é Quintiliano lhe cha
ma prova . E na verdade ſó pode cor
ciliar credito quem prova o que perter
de , e quem desfaz os argumentos en
contrário . Donde ſe infere , que nao ſe
deve chamar Oraçað aquella em que o
Orador nao prova o que promette , e naó
reſponde a todas as dúvidas que pod:
ter , ou que podem oppôr á verdade de
feu affumpto. E por iſſo tambem delu
doutrina ſe deduz, que a falta de prova,
he a maior falta que pode ter a Oraça.
Os argumentos , ou fað artificiaes,
ou ſem arte. Sem arte ſe chamaın aquel
les que nao dependen do Orador , ele
tomam de fóra da caufa , a que tambem
dað o nome de externos. Artificiaes ; OS
que dependem do Orador , e ſe chamam
intrinfecos á meſma caufa ; porque ſe

tiram , ou da ſua eſſencia , ou das ſuas


qualidades , ou das ſuas circumſtancias.
Pro
DE RHETORIC A. 69
a Provas extrinſecas , e que nað de
1 pendem da arte , fað os caſos julgados
ad em ſemelhante materia , e tudo o mais 1

a em que , ou geralmente aſſentam os ho


i mens , ou em particular alguma Naçað ,
( a que chamam os Antigos , Prejuizos :
2o Rumor , e a Fama , que formam o
de conſenſo público a reſpeito de qualquer
pë couſa : os Tormentos ; iſto he , a con
Ea fiſſaó que neſtes faz o réo da culpa , ou
I do que ſe pertende ſaber delle : as Eſcri
9 pturas públicas , e authenticas , em qual
i quer materia : os Juramentos , ou votos ,
e ou promeſſas : os Ditos das teſtimunhas ,
2. legitimamente perguntadas : os Indicios
1 finalmente , os quaes , ou fað leves , ou
311 vehementes. Pelas Eſcripturas ſe podem
O tambem entender as Leis , ou ſejam Di
id vinas , ou Humanas ; ou Civís , ou Ca
24 nonicas . Deftes argumentos deixaremios
de tratar , por ſerem , como diſſemos ,
in independentes da arte .
ES Provas intrinſecas , e dependentes
. da arte , fað aquellas que ſe tirain dos
lugares , a que os Antigos chamam Rhe
toricos e dos quaes trataremos diſtin
ctamente. Eſtas provas ſe podem ' pro
pôr
O
70 ENSAI
pôr por varios modos : elta diverſa dita
pofiçao ſe reduz as ſeguintes claſſes :
Syllogiſmo, Inducçað , Enthymema,
Epicherema , Dilemma , e Exemplo ; de
que tambem trataremos diſtincta e ſepa
radamente .
Como ao Orador nað ſómente per
tence convencer o entendimento dos ou
vintes , mas tambem , e. principalment:
perſuadi-los , e movê-los, para que po
nham por obra o que ſe lhes propõe ;
nað baita provar , he preciſo amplifica:'
as meſmas provas , fazê-las ſenſiveis , e
excitar as paixões do animo dos meſmos
ouvintes ,
Amplificar he , ou engrandecer ou
abater alguma couſa. Eſta amplificaçaố
ſe pode fazer por dous modos ; ou por
palavras , ou por couſas, Por coufas fe
póde amplificar por cinco modos : por
Congerie , por Incremento, por Compa
raçao , por Raciocinaçao , por Diminuï
çað , de que tambem trataremos diſtin
ctamente .
Os preceitos, affim da Confirmaçao,
como da Refutaçao , neſta generalidade,
fað os ſeguintes : Primeiro : quando o
Ora
DE RHETORICA .
Orador falla em primeiro lugar , deve
primeiramente confirmar , e depois re
futar ; porque eſta he a ordem natural
0. das couſas ; excepto quando vê que os
ouvintes eſtað inclinados á parte contrá
ria ; pois ſem os capacitar , neſte caſo ,
e desfazendo os argumentos que favore
cem o adverſario , nao podem perſuadir
tað efficazmente as provas. Quando , po
u rém , o Orador falla em ſegundo lugar ,
ce depois de outro ter fallado ; deve pri
pimeiro confutar, e depois confirmar; pois
mei além de ſer eſta a ordem mais natural,
mel aſſim o pede a meſma razaõ acima refe
rida; excepto quando obſervar o Ora
dor , que o ſeu contrário nað póde per
ia ſuadir os ouvintes ; pois neſte caſo pó
de ſeguir na Oraçaõ a ordem que lhe pa
(1 recer mais propria. Aſſim o executou
Cicero nas Orações pro Lucio Mure
217 na , pro Lucio Sila , pro Marco Celio ,
pro Tito Anio M lone , e n'outras , nas
& quaes anticipou a Confutaçað á Confir
maçað .
Segundo preceito. Os argumentos ,
nem ſe devem condenſar , nem confun
dir : devem ſer collocados com ordem ,
ob
0
ENSAIO
72
obſervando entre huns , e outros , algu.
ma ſeparaçao ; de ſorte que ſe evite a
confuſað , e toda a eſcuridade. Sobre
eſta ordem , a ſentença de Cicero , e do
Antigos , he a ſeguinte : os argumento:
mais firmes , querem que o ſeu luga
ſeja no princípio , e no fim da contenda,
e que os menos firmes tenham o ſeu lu
1 gar no meio. O ſeu fundamento he o
ſeguinte : Firmes no principio , pari
que os ouvintes logo formem bom con
ceito da juſtiça da caufa : firmes no fim
porque eſtes ſao os que mais lembram
e no fim he que o Orador pertender
umphar dos ouvintes : menos firmesi
meio , porque eſtes ſao os que menc
lembram , e ſe fortificam por huns,
por outros .
Entre os argumentos firmes hun
tem maior firmeza , que outros : quaes.
deſtes ſe devam guardar para o fim , pó
de ſer queſtað . Eu ſigo a opiniao de qu
ſe reſervem para o fim os mais firmes
e os mais fenſiveis . Entre os argumen
tos ha huns que ſervem fimplesmente
para provar , outros para amplificar : os
que ſervem para amplificar , nunca de
vem
DE RHETORICA . 73
2 vem preceder aos que ſervem para pro
var.
Terceiro preceito : Quando confu
tarmos , devenios em primeiro lugar
desfazer os argumentos mais firmes do
o contrário , para logo no princípio lhe
tirarmos a fé , ſe tiver merecido alguma.
Quarto preceito : Nao devemos uſar
10 de prova , que o contrário poſſa de al
gum modo voltar contra nós ; e devemos
)
esforçar -nos , quanto nos for poſſivel,
DO por trazer para o noſſo partido os ſeus
ombi meſmos argumentos. Eſte he o maior
ndo esforço do Orador , e tambem o maior
riſco ; pois aſſim como bem executado
eſte preceito , he hum triumpho ; ſe o
nað executa bem , ſe torna o meſmo Ora
dor ridiculo.
Quinto preceito : Nunca ſe deve
provar , ſenað o que for duvidoſo . O
:!
I. que he certo , lembra-ſe ; propõe-ſe ,
id nað ſe prova : porque uſar para eſte fim
for de prova , ou he tirar-lhe a fé , ou mno
ſtrar que ſuſpeitamos ignorancia nos ou
vintes : póde-le , porém ', amplificar ,
SI
pois deſte modo ſe faz inais ſenſivel.
ca
Sexto preceito : Nunca devemos
ci
uſar
1
74 ÉNS A IO
uſar de argumento , nem falſo , nem fu
til , nem cavilofo , nem de tal modo pro
vavel , que poſſa facilmente confutar- ſe.
O que he falſo , tira o credito á cauſa :
o fútil , nað lhe dá firmeza : o caviloſo ,
caufa deſconfiança nos ouvintes : o pro
vavel , que he de facil confutaçað , en
fraquece toda a prova .
Septimo preceito : Na Confirmaçað
nem tudo ſe deve provar com argumen
tos , nem deftes ſe deve formar huma
longa e continuada cadêa . Devem - ſe
tambem mover os affectos do animo,
e iſto ſe faz por fentenças , por ampli
ficações , por digreſſões , e por figuras
proprias , de que fallaremos em ſeu lu
gar : huma Oraçað toda chêa de argu
mentos , mais he hum Tratado de Phi

lofophia , que hum Diſcurſo eloquente :


poderá convencer , mas nas póde agra
dar , e por iſlo menos propria para per
ſuadir .
Oitavo preceito : Nað fe deve na
Confutaçað diſſimular nada do que pode
allegar o contrário , pois ſe lhe nað lem
brar a elle , póde lembrar aos ouvintes :
nem tampouco ſe deve intentar reſpon
der
DE RHETORICA . 75
i der ao que nao tem boa reſpoſta ; pois
7 neſte caſo , melhor he diſſimular , que
i reſponder mal .
Nono preceito : Os argumentos de
La vem confutar -ſe com força , com vive
ľza , com eloquencia ; mas ſempre com
decoro , ſem ſatyra , ſem injúria , e ſem
puerilidade ; tanto por credito do Ora
medor , como por attençao e reſpeito aos
ouvintes. Cicero teve neſta materia al
le gum defeito . Algum deſaffogo ſe deve
e permittir ao zelo , e á propria imagina
i gað ; mas ſem offender a virtude .

mi Decimo preceito : Devem - ſe con


gu futar as dúvidas com clareza : ha humas

eu. que fe oppõe ao eſtado da cauſa , outras


an aos argumentos : aquellas que ſe oppõe
el ao eſtado da caufa , pedem maior confu
Pok taçað , e ſeu lugar diftincto : as que fe
oppõe aos argumentos , requerem me
nor confutaça ) , e logo ſe devem ſeguir
.pl
ao argumento a que pertencem .
Últimamente ſe deve advertir , que
el
a Confutaçao ſe póde formar de muitos
Da
modos : humnas vezes moſtrando , que
o contrário uſou de couſas falſas por
TE
verdadeiras : outras vezes concedendo
ao
76 ENSAIO
ao contrário o que provou , e moſtran
do que das ſuas provas ſe nað deduz o
que elle pertende : outras vezes oppon
do a cada huma das provas do meſmo
contrário , ou outra , ou muitas razões
mais fortes : outras vezes , em fim , mo
ſtrando a pouca attençao que merecem
as dúvidas e argumentos do contrário .

S. XVI.
1
Dos Lugares intrinſecos , ou Pro
va artificial em comum .

Eſta materia ha pareceres extrema

res deſprezam eſte Tratado , como inu


til , enfadonho , e cheio de confuſað ,
perſuadindo - ſe de que tudo ſe conſegue
meditando na cauſa , e reflectindo nos
bons Authores. Outros eſcrevem gran
des volumes , fem nunca acabarem , per
fuadidos ğ niſto conſiſte ſer eloquente.
Nao devemos ſeguir huns , nem
outros .Nað devemos ſeguir os primei
ros ; porque aléin de tratarem deſta ma
teria Ariſtoteles , e Cicero , que he o que
ba
DE · RHETORICA . 77
baſtava ; os meſmos que ſeguem eſte
Pyrrhoniſmo, a fi proprios ſe conven
cem , e contradizem ; como ſe moſtra
claramente na reflexað ſeguinte :
Julgam ſer ſufficiente , e ſomente
neceſſario ler os bons Authores , refle
etir no modo com que elles argumentá
ram , e prováram os ſeus allumptos,
depois de ſe ter meditado bem a inatea
ria. Para iſto ſe fazer com utilidade , nað
podem negar , que ſerá conveniente que
ſe apontem as reflexões feitas ſobre as
M
obras dos meſmos Authores , e todas as
mais perfeições que nelles ſe forem no
THI tando ; porque deſte modo ſerá mais
LIB util o eſtudo , e aſſim o practicaram os
li que pertendêram aproveitar-ſe bem da
leitura dos livros. E iſto meſmo fizeram
ul
os que tratam deſta materia : dao- nos
fe
por junto o que pouco a pouco foram .
J?
obſervando com eſta regra , e acliáram
gen nos bons Oradores .
, Nao , devemos ſeguir os que tra
tam deſta materia ſem nunca acabar ; por
B
que nað he juſto opprimir a memoria
com preceitos demaſiados : nada mais do
que he ſufficiente. He juſto. fiar alguma
OG COU
O
78 ENSAI
couſa da propria capacidade de quem
aprende , e dar o mais tempo , que pu
der ſer , á compoſiçað ; pois na practica
ſe aperfeiçoam todas as Artes.
Suppoſta eſta reflexa ) , e deixando
queſtões ſobre o número dos referidos
lugares , em que nao ha pouca varieda
de , aquelles de que havemos tratar , ſaố
dezeleis ; convéin a faber : Definiçao ,
Notaçao de nome , Numeraçao de par
tes , Conjugados , Genero , Eſpecie ,' Se
melhança , Desſemelhança , Oppoſiçao,
Adjunctos, Antecedentes , Conſequen
tes , Repugnantes , Caufas , Effeitos ,
Comparaçað ; dos quaes diſtinctamente
faremos mençað nos ſeguintes paragra
phos .
S. XVII .

Da Definiçao.

Efiniçao , em rigor Logico , he


D aquella Oraçao com que damos
a conhecer qualquer ſogeito por huma
razað generica , na qual convém com
outros, e por huma ražað eſpecífica, e na
qual ſe diſtingue de outro qualquer : a
eſtas duas razões , ou predicados, ſe
cha
DE RHETORICA. 79
chama eſſencia . Por exemplo : O bo
mem he animal racional. Convém por
fer animal com os brutos , e delles fe di
ftingue em ſer racional . Eſta definiçað ſe
chama metaphyſica ; porque deſcreve o
homem por humas faculdades que nao
fað objecto dos fentidos , poſto o ſejam
os ſeus effeitos. Outro exemplo : O bo
mem be hum compoſto de corpo e al
ma . Esta definiçað he phyſica : o cor
po , por ſi meſmo , he objecto dos ſenti
dos , e alma tambem mediatamente nas
fuas operações .
Rhetoricamente fallando , a Defini
he çað nað ſe toma em tanto rigor : he o
meſmo que deſcripça ) : definir qual

quer couſa , he deſcrevê-la bem para que


fe conheça , ou deſcrevê - la a propoſito
para o fim do Orador.
O exemplo que Cicero aponta de
argumentar pela Definiçao , he o ſeguin
te : Jus civile eft , equitas conftituta
iis , qui ejufdem civitatis funt , ad res
111
fuas obtinendas: ejus autem æquitatis
utilis eft cognitio :utilis eft ergo juris
civilis ſcientia ( a . ). Eſte exemplo de
Ci.

( a .) In Topica pag. 5 .
80 ENSAIO
Cicero he muito ſimples , e muito pou
co rhetorico . Veja- ſe a definiçað do Po
vo Romano do meſmo , na Oraçao pro
Domo , num . 9o . da ediçaõ de París ad
uſum Delphini , de que nos ſervimos,
num . 90. , que he admiravel.
As leis da Definiçað fað as ſeguin
tes : 1. Deve conſtar de genero , e diffe
rença ; porque a Definiçao nað he
qualquer explicaçao : he huma explica.!
çað tal , que dá huma idea do que he
eſſencialmente a couſa definida ; ou ao,
menos que moſtra o que he a meſma
couſa a reſpeito do fe pertende , com
diſtincçað , e ſem que ſe equivoque com
outra. Donde fe infere , que a metapho
ra , ou periphraſe , nað he Definiçað .
52. A Definiçaõ deve ſer clara , e
nað conſtar de palavras ſuperfluas , air
daque ſeja magnífica , e pompoſa. A ra..
zao deſtă lei funda- ſe nos preceitos ge
raes da Eloquencia , já muitas vezes re
petidos .
3. As Definições , propriamente fal.
lando , nao devem fer negativas : em ter
mos mais claros : nao define bem , quem
diz o que alguin ſogeito nað he ; mas ſim
quem
DE RHETORICA . 81
quem explica as partes , que o formam ,
ou conſtituem ; excepto naquellas couſas,
que excedem ., ou a experiencia , ou a
komprelien fað humana ; das quaes algu
nas ſe conhecem mais pelo que nað fað ,
lo que pela ſua eſſencia .

§. XVIII.

Da Notaçaõ de Nome .
gu
Oftoque a etyinologia nað ſeja en
P tre os lugares,
, de que tratamos ,
de grande importancia ; com tudo , tam
pem delle ſe pode tirar algum argumen
0 , nao fazendo myſterio do número das
Cetras , nem das fyllabas , nem tampouco
das letras principaes , e de outros fins
para que podem ſervir , e ainda menos
los anagrammas que delles ſe podem
ompôr ; pois tudo iſto fað puerilidades
ndignas de hum Orador ſerio ; mas ſim
e delle uſarmos com gravidade . Por ex
emplo : ha nomes que faó famoſos pe
mos Heroes que os tomaram , Alexandre,
Pompeo , e ſemelhantes. Poderá hum
Orador para perſuadir o valor a quem
F affin
9
82 ENSAYO
affim ſe chamar, lembrar -lhe o ſeu nome
Do nome de Portuguez nos podemos
valer para perſuadir honra aos nollos
Compatriotas ; do que ſignifica o non :
de Juiz , para perſuadir inteireza a qued
ſentencêa ; e aſſim nos demais : e ſó com
eſta gravidade ſe deve uſar deſte lugar.

S. XIX.

Da Numeraçaõ das partes.

Ira - ſe argumento deſte lugar , quar


T do numeradas as partes de que
conſtitue qualquer ſogeito , ou os fe
attributos , ou as ſuas circumſtancia
por ellas , ou affirmamos ou negamos 1
guma couſa do meſmo fogeito . Se hur
ſoldado nem tiver valor, nem prudenci
nem experiencia , nem inſtrucçao , nes
fegredo, nem honra , nem generoſidade
que fað as qualidades que deve ter hus,
General, nað he capaz de exercer eſte en
prego; e pelo cótrário , ſe tiver todas eſta
circumſtancias. He admiravel o argu
iento de Cicero a favor de Pompeo n:
Oraçað pxo Lege Manilia, num . 28. , no
qua
DE RHETORICA .
83
qual conclue affirmativamente ſer Pom .
peo o mais digno do cargo de Impera
dor.
S. XX .

Dos Conjugados.

Sa- ſe deſte lugar quando entre vo


U , do
princípio , ſe argumenta de huns para
outros. Valor , valoroſo, e valoroſamen
te , naſcem do meſmo princípio , porque
ſe derivam de valor os dous vocabulos
que ſe lhe ſeguem . Poderia formar - ſe
delles o argumento do ſeguinte modo :
Se o valor be buma virtude tað louva
vel ; que maior bonra , que ſer valoroſo,
e haver -le valoroſamente nas occafi
ões ? Outro exemplo : Quen be dota
do de tanto valor , neceſſariamente ba
via ſer valoroſo no combate , e derramar
valoroſamente o ſangue em defeza da
Patria. Neſte lugar deve haver cuidado,
para que nað decline em puerilidade .
He , porém , hum daquelles , de que ex
preſſamente tratou Cicero . Nao he ne
ceſſario que ſe uſe de todos os tres vo
F 2 ça
84 " EN'S AIO
cabulos acima referidos ; antes ſerá mer
lhor unicamente de dous .

S. XXI .

Do Genero.
Or Genero , na inateria de que trz
tamos , ſe deve entender tudo quan:
to ſe pode affirmar de couſas diverlas
eſpecie. Por exemplo : dinheiro he gera
ro para dinheiro de contado , e dinheim
que ſe deve ; pois hum e outro hed
nheiro : quem deixar a qualquer pelle
todo o dinheiro que poſſue , naó ló
deixa hun , mas outro ; e eſte he oe
emplo com que Cicero explica eſte luga
Quoniam argentum omne mulieri legal
tum eft, non poteft ea pecunia , quia **
merata domi reli &ta eli , non elle legal
( a ) . De fórte , que tudo quanto fed
como es
do Genero , ſe diz da Eſpecie ,
fi na o me fm o Ci ce ro : Fo rm a en im aga
m
nere nunqua , quoad fuum nomen rett
net', numquàm ſejungitur : numerals
artem pecunia nomen argenti retinet,
legata igitur videtur .
$

( a ) In Topic . pag. 7 .
Ď E RhetoRICA . 85

S. XXII.:

si Da Eſpecie.

Elo que fica dito , a Eſpecie he infe


P rior ao Genero : tudo quanto ſe diz
do Genero , ſe pode dizer da Eſpecie :
mas nem tudo quanto ſe pode affirmar
da Eſpecie , fe póde affirmar do Genero .
Ser huma mulher caſada , he como Ge
nero para ſer Mái de familias, ou nað o
fer ; iſto he , para ter ou nað ter filhos
do inatrimonio ; e cada huma deſtas cir
cumſtancias , he como Eſpecie a reſpei
to daquelle Genero. Se alguem deixaffe
hum legado a huma mulher no caſo de
ter filhos do matrimonio ; nao teria di
reito ao legado, ſómente por cafar : ſeria
preciſo , para o poſſuir , chegar a ter fi
Thos ; porque o direito ao tal legado lhe
reſultava da Eſpecie ; ifto he , de fer Mãi
de familiasi, e nao do.Genero ; ifto he ,
de fer caſada. He o exemplo com que .
Cicero explica eſte lugar : Si ita Fabie
pecunii legata eſt a viro , ſi ei viro ma
terfamilias elet: ſi ea in manuun non
CI 1.c0n
86 .!!ENS A IO :
convenerat , nihil debetur ( a ). Donde
ſe infere , que tudo quanto compete ao
Genero , compete á Eſpecie ; mas nem
tudo quanto compete á Eſpecie , com
pete ao Genero .

S. XXIII.

Da Semelbança .

ſerve mais de illuftra


A Semelhança ferve mais de illuftra
cao , que de prova . O exemple
com que Cicero explica o modo de'as
gumentar por eſte lugar , he o ſeguinte
Si edes ea corruerunt , vitium ve feci
runt , quarum ufusfructus legatus eß.
bæres reſtituere non debet , necreficere
non magis quam ſervum reſtituere ; fiis
cujus uſusfructus legatus eft, deperiſi
( b ). Para neſte lugar ter força o argu
mento , he preciſo que a ſemelhança la
ja propria , e nað remota ; e que ſejad :
facil intelligencia , fem que neceflite de
explicaçao .

$
( a ) In Topici ( 6 ) Ibid .
DE RHETORICA. 87

§. XXIV.

Da Desſemelbança.
avri
Sa-ſe
U cipios desſemelhantes argumenta
mor diverſos effeitos. Para moſtrar que
hum homem fraco nað ſeria capaz de
acometter outro que o nað foſſe , pode
riainos argumentar do modo ſeguinte :
Alim como o valoroſo deſpreza os maio
res perigos , que riſco ba que nað tema
bun cobarde ? Os ſeusniemos defeitos
efcufam eſte homem do crime que fe lhe
imputa . He preciſo que a desſemelhan
ça ſeja a reſpeito do meſimo princípio , a
que diž ordem a acçao , que ſe pertende
deſculpar', ou provar.

ist B. XXV .

Da Oppoſiçao. 3

Samos deſte lugar moſtrando que


U o
fc affirma do ſeu oppoſto , ou que hum
oppo
88 ENSAYO
oppoſto ſe nað deve confundir com o
outro . O uſo e o abuſo fað oppoſtos ; e
ſuppoſta eſta oppoſiçað , nos explica Ci
cero eſte lugar com o ſeguinte exemplo :
Non debet ea mulier , cui vir bonorum
fiorum uſumfructum legavit , cellis z
nariis do oteariis plenis reliétis , puta
te id ad fe pertinere , ufus enim , non
abuſus legatus eft.
1.1 .
§ . XXVI.

Da Repugnancia.

Epugnantes faó aquellas couſas


R nao ſomente fað oppoſtas, e contra
rias , mas totalmente diverfas , e incor.
poſſiveis ; como fað o ſer, e o nað fer ;
e as trevas ; e couſas deſte genere
Ufanios deſte lugar quando moſtramos
que a acçao , que he propria de huma
couſa repugnante , nao podia naſcer da
outra a que a caufa referida repugna . Por
exemplo : Se eſte homem neſſe tempo naš
exiſtia em Roma , como podia naquella
Cidade cometter tal crime? Outro : Em
noite tað tenebroſa , como fe podiam di
Stir
DE RHETORICA . 89
fiiniguir ; e ver , quaes os matadores',
quacs os innocentes ? O ver com as tré
vas , he repugbante.

S. . XXVII .

Dos Adjunctos.

S Adjunctos , ou Circumſtancias,
O ſað aquellas couſas que dizem ors
dem a qualquer ſogeito , ou couſa, como
ſað as ſeguintes : a Patria , a Familia , D
Naſcimento , o Sexo , os Dotes do ani
mo, as Paixões, Inclinações , Coſtumes ,
os Dotes do corpo ou Imperfeições , 0
Lugar , o Tempo , a Educaçao , as Ac
ções públicas , a Morte , e couſas feme
ihantes.
Pode-ſe argumentar dos lugares re
feridos pelos modos ſeguintes. Da Pa
tria : Quemenos ſe podiu efperar de bu4il
Africano , aſuto, enganador , ſuperſti
cioſo , e barbaro ? Eſtes ſão os defeitos
que em geral attribuem a eſta Naçao . )
Da Familia : Elle criine, Senhores ,
parece bereditario neſta famiiia : quaſi
todos os ſeuszafcendentes , ou forain por
elle
90 ENS ALO !
élle condemnados , ou ſe viram obriga
dos a defender -ſe de ſeus accusadores.
Do Naſcimento : O prazer de to
da a Naçaó no feliz naſcimento deſte
Principe , asfelicidades , e circumftan
cias glorioſas , q acompanháram aquelle
dia , que outra couſa podiam ſer , Jenaó
os mais certos vaticinios da noſa ven
tura ? Devem - ſe referir as ditas felici.
dades , e circumſtancias. Eſte lugar fer
vé mais para ſe uſar delle na amplifica
çao , do que na prova :
Do Sexo : De huma mulher , ſem
buma prova legal , e clara , nað ſë de
ve preſumir ſemelhante atrocidade : ſó
bu homem , e o mais cruel, teria animo
para manchar a mão no ſangue daquel
les innocentes.
Dos Dotes do animo : Só quem nao
conbécer us virtudes de que he dotado
bun talſogeito , ſe poderá perſuadir de
que era capaz de cometter bum tað
atros delicto. De cada huma das virtu
des ſe tira argumento para o defender do
crime oppofto .
Das Paixões : Hum komem , que
ſem grande motivo , e quaſi por coſtume,
fe
DE RHETORICA . 01
orina fe abraza em ira ; como ſe poderia con
o ter em taes circumſtancias , perfuadido,
aindaque falſamente , de que Thé falts
ki vam ao reſpeito , que ſempre pertendeo
6 de todos a ſua ſoberba ?
211 Das Inclinações : Quem ſempre foi
inclinado aos theatros ; nað moſtrando
i como naõ prova , que neſta occaſiaõ ſe
fe achava em outro lugar ; he verofimil
ar que ſeachasſe no meſmotheatro , e foſſe
o complice , com os ſeus amigos, do crime
de que os .accufam .
Dos Coſtumes : Quem tem por co
Nume jogar , e quaſi ſempre perde ; e não
tem bens que cheguein para tanto ; be
- preciſo muito para ſelivrar do furto , de
lo que tað fortes indicios o accuſam .
Dos Dotes do corpo : Huma peſ
foa de tanta agilidade , je houvelle com
mettido eſe crime fem teſtimuxbas
tendo tempo para ilfo , houvera fugido ,
1 e nað efperaria que o viel em achar per
to domeſmo morto .
Das Imperfeições do meſmo cor
po : Hum logeito de conſtituiçað taó de
bil, de viſta tað curta , e quaſi efiropeą
do , naõſe deve crer , nao ſendo louco ,
quc
+
92 ENS A I'O " I
que brigaſje ,Jem para iſo, huma, e mui
tas vezes , o provocarem .
: Do Lugar : Como ſe havia de atre
ver a profanar o Teinplo, quen em qual
quer outro lugar , 110 theatro , nas pra
ças piiblicas , be o exemplo da ſeriedade,
e das mais virtudes ?
Do Tempo : Se eſta morte foſſe
feita de calo penſado ; bum bomem tas
entendido , eſcolheria para romper neſte
abfurdo o męio dia , a bora em que a luz
bé mais intenſa , em que a Cidade se
acha nas praças, e ruas mais povoadas?
Našlė lembraria de que a noite encobre
grandes atrocidades
Da Educaçao : Que importa que
tenha a honra de fer nofoCompåtrio
ta ; ſe foi educado entre burburos, e por
buns progenitores , que ſe parecem com
elle nos coſtumes ?
Das Acções públicas : Quem ſo
no campo , com a eſpada na mão; rodea
do de inimigos , defendeo valoroſo e hon
ra da Patria , não podia cometter tað 1
grande vileza .
Da Morte : Ouem deo a vida com
tanto brio pela verdade , deixou bum te
Sti
DE RHETORICA .
93
!1 fimunbo o mais authentico da ſua bon
ra , contra todas as calumnias , de que
o baviam pertendido carregar ſeus ini,
migos.
S. XXVIII .

Dos Antecedentes, e Conſequentes.

28
A coufás , a que , eou neceſſariainente
94 ou de ordinario ſe coſtumam ſeguir ou
26 tras . Conſequentes ſe dizem aquellas
AA couſas que le coſtumam ſeguir de outras.
De huma penetrante ferida que chegue
the
ao coraçað , ſe coſtuma ſeguir a morte :
ferida he o antecedente, a morte o con
fequente ; e de hum ſe argumenta para o
outro . Cicero pro Murena argumenta
do antecedente para o conſequente , do
31
modo ſeguinte : Nemo ferè ſaltat sobria .
315 , niſi forte inſanit : neque in ſolitu
dine , neque in convivio moderato at
que honeſto : tempeſivi convivii , amani
loci , muttarum deliciarunı comes eſt
extrema ſoltatio. Tu inibi arripis id 2
quod neceſſe eſt, omnium vitiorum eiſe
poftremum ; relinquis illa , quibus re
3120
94 EN SÁ Io
motis hoc vitium omnino effe non potefl.
Nullim turpe.convivium & c. O mel
mo Cicero na Philippica 7. argumenta
do conſequente para o antecedente deſte
modo : Luculentam tamen ipſe plagam
accepit , ut declarat cicatrix .

S. XXIX .

Da Caufa , e do Effeito.

Or Caufa ſe deve entender aquelle


P principio, de que procede , ou pode
proceder algum Effeito ; ou ſeja dando
lhe o fer , ou ſeja ſendo motivo ou fim
de exiſtir o tal Effeito . Eſtas couſas , ou
ſao neceſſarias , ou contingentes. As pri
meiras ſempre produzem o ſeu Effeito :
as ſegundas , nem ſempre. Por eſte moti
.vo das Cauſas contingentes para os Effei
tos , e dos Effeitos que podem naſcer de
Cauſas diverſas , nem ſempre val a con
ſequencia. O modo de argumentar por
eſte lugar , he o ſeguinte : Hune ſogeito
de tantos cabedaes , e generolo , nao po
dia commetter ſeinelhante crime : 0 fur
to , 011 he effeito da ambiçað , ou da ne
cer
DE RHETORIC A.
95
oceſſidade. Do Effeito para a Cauſa ſe ar
3 : gumenta aſlim : 0 ſeru meſmo modo de
vida o accufa. Só póde viver com opu
:: Bencia quem tem riqueza : e quando eſta 1
Ha nem he adquirida pela induſtria , nem
berdada , nem havida por acaſo ; que po
deſer , Jengo injuſtamente extorquida ,
e alcançada ?

S. XXX .

10! Da Comparaçao.

ba Samos deſte lugar quando argu


U mentamos com duas couſas que

S, entre ſi convém em alguma razao , ou


circumſtancia ; e ſe pode argumentar de
tres modos : ou de mais para menos , ou

T! de menos para mais , ou pela meſma ra


zao . A Comparaçao , ou ſe pode fazer
entre peſſoas, ou entre acções, ou quaes
quer outras couſas. Comparemos per
ſoas , e arguinentemos de mais para me
nos : Se até Principes cometterain cri
mes deſte genero , que inuito be je pre
ſuma , havendo tað vehementes indi
cios , de hum bonieni da plebe? Exemplo
de
1
96 ENSAIO
de menos para mais : Se nenbum homen
particular ſe atreveo jámnis , nao por
medo do caligo , mas por pejo , e horror
que naturalınente cauſa o cómetter tar
abominavel delitto ; como ha quem o pol.
fa preſumir enn hu in Principe ? Exemplo
de igual razað : Nao coſtuma defender
a ninguen defie crimne a qualidade : 03
Principes, e os vaſallos , todos ſaó
ho nens : ſe en huns , e outros , nao ba
virtude', facilmente a paixao vence &
1 juſtiça .
Comparemos as acções a reſpeito do
meſmo ſogeito. Exemplo de mais para
menos : S'e teve atrevimento para infa
mar hum Conful , que muito pertendelle
tirar o credito ahum Tribuno ? Exemplo
de menos para mais : Se fugio vergonho
Jalmente de outro komer , como nao fll
giriit , em occafiaó de rilco , de hum ex
ército ? Exemplo de igual razañ : Se to
das as v230s (ille poide , como ſe prova ,
cómetteo delictos deſte genero , que ſe pó
de allegari2 ſeul favor na occaſiaó pre
fente , tendo contriz ſi tað bem fundadas
CoIlecturas ? Quaesquer outros lugares ,
facilmente fe reduzemn aos referidos.
DE RHETORICA: 97

S. XXXI.

T Do. Syllogiſmo.

Ste modo de provar , ou ſe pode


FA conſiderar dialectica , ou rhetori
camente. Conſiderado no ſentido lo

gico , conſta de tres Propoſições ; ma


E34 ior, menor , e conſequencia ; qualquer
EX das quaes , negada que ſeja , ou na lup
poſiçaõ de que a podem negar, ſe co
eittItuma provar em outro Syllogiſmo. Con
fiderado , porén , o Syllogiſmo no uſo
rhetorico , conſta de cinco partes : a pri
meira ſe chama Propoſiçað ; a ſegunda ,
Prova , ou razao da meſma ; a terceira
Aſſumpçað , a qual correſponde á menor
do Syllogiſmo dialectico ; a quarta Pro
va , ou razao da meſına menor , ou da
Aſſumpçað ; a quinta Complexað , que
ro he o meſmo que Concluſao.
Para meexplicar com alguma clare
za , feja -me licito dilatar -me mais do
que coſtumo. Exemplo do Syllogiſmo
no rigor dialectico : quelle homem que
. naõjabe domar as paixões, Rein os appe..
G
98 ENSAIO
tites , he capaz de todas as vilezas : eſte
homem nunca ſoube domar as paixões ,
nem os appetites : era por tanto capaz
de cometter o furto de que be accuſado.
Para ſe provar a maior ou primeira
Propoſiçaõ em rigor logico , ſe faria em
outro Syllogiſmo do modo ſeguinte:
Nao ha couſa mais forte que huma pai
Xað que nunca foi domada : as paixões
que nao ſao domadas, de ordinario arra
fiam o homem a todas as vilezas : logo
aquelle bomem que nao ſabe domar as
paixões , nem os appetites , be capaz de
todas as vilezas.
Para ſe provar a menor, ou a ſegun
da Propoſiçaõ do primeiro Syllogiſmo,
tambem em rigor logico , ſe faria tam
bem em Syllogiſmo diſtincto , do mo
do ſeguinte : Hum homem que viveo to
da a vida com público eſcandalo , engol
fado em todos os vicios, nunca ſoube do
mar, nem as paixões , nem os appetites:
efte homem viveo toda a vida, com públi
co eſcandalo , engolfado em todos os via
cios: eſte homem por tanto nunca ſoube
domar as paixões , nem os appetites.
Para ſe proyar a Conſequencia no
mel
DE RHETORIC A. 99
meſmo rigor logico , ſe faria do modo •
$ ſeguinte: Se quem našſabe domar as pai
xões, e os appetites , be capaz de todas
as vilezas ; c eſte bomem , como eſtá con
s cedido , nunca ſoube domar , nem as paia
xões , nem os appetites ; bem ſe deduz,
Fu que era capaz de todas as vilezas. Des
ſte modo argumenta quem obſerva o ri
gor dialectico , e aſſim vai formando hu
ma cadêa de Syllogifmos longa , e enfa
; donha, que poſto convença , he deſagra
davel , e por iſſo menos propria para
* perſuadir e mover os affectos do animo.
Exemplo do Syllogiſmo Oratorio
i concebido nos termos acima referidos :
Todo o homem que nao ſabe domar as
paixões , e os appetites , he capaz de to
das as vilezas , pois nað ha couſa mais
forte , que buma paixao que nunca
foi domada ; e eſtasde ordinario arra
fram o homem és acções mais indignasi
eſte homem nunca ſoube doinar as pai
xões , e os appetites , pois toda a vida
viveo com público eſcandalo , engolfado
em todos os vicios : que muito be", pois ,
que bum homem , coſtuinado a vile .
zas , cometteſe o vil crime do furto ,
G 2 de
ENS A 10

. de que be accuſado ? No qual exemplo ,


como eſtá claro , á primeira Propoliçað
ſe vai logo ſeguindo a ſua prova , e do
meſmo modo á menor , ou Aſſumpçao ,
que tambem immediatamente ſe prova :
e do meſmo modo ſe obſerva , como a
Complexað ajunta , para concluir o que
fica provado.
Efte ſegundo exemplo ainda nað
tem toda aquella graça que pode ter ,
pois no meſmo Syllogiſmo podem caber
várias figuras , é a meſma Propofiçað
póde admittir muitas provas , como ſe
moſtra no melmo exemplo acima referi
do; o qual ſe pode ornar do modo le
guinte : Que vilezas ſe naš devem eſ
perar de hum animo , no qual tem pleo
no e diſpotico dominio as paixões mais
violentas, e os appetites mais defer
denados ? de bum animo , que nunca te
ve valor para lhes refiftir , antes ſe dei.
xou levar ſempre de ſeu impeto , e arre.
batado impulſo ; impulſo tað forte , que
Jenaõ be reprimido , Je torna cada ves
mais invencivel , e precipitado ? E que
prova mais clara de que bum animo vj.
ve neſta eſcravidað , que a facilidade
com
de RHETORICA . Tor
com que ſe entrega a todos os vicios ,
i fem que o temor do caſtigo , nem a pera
da då honra , e reputaçað , que tanto
mig eſtimam os homens , pola reprimir aca
por gões tao criminoſas ? Se pois eſe ho
comem foi ſempre victima deſeus appeti
sites , nem bouve eſcandalo a naõ déſe ao
mundo ; já nas praças públicas, fei
to alvo da irriſió do povo ; já 1203
theatros , offendendo a modeftia , e como
o poſtura, a que todo o homem de bem
pa he obrigado ; ji nos convites exces
COM dendo Jempre os limites da ſobriedade ;
. e chegando , nao poucas vezes , a per .
de der o uſo da raza ) , e dos ſentidos
bumas vezes encarcerado por dividas,
* Jem a menor neceſidade contrabidas
si outras vezes , como perturbador da
į paz , e do focego público , deſterrado ;
84 muitas , em fim , accuſado de taes deli .
Etos , que ſenað fora a protecção , que
nunca falta nos malvados , feriam fuf
i ficientes para o levara bum affrontofo
patibulo : fe eſte , torno a dizer , foi
ſempre o procedimento deſte homem ,
3 como be fama pública , e pelos ditos
das teſtimunhas ſe convence ; fuppofias
102 ENSAIO
as demais conjecturas , e conjecturas
as mais bem fundadas ; como o pode
deſculpar. a . enormidade e vileza do
meſmo crime ? Por iſſo meſmo, que he
vil , e enorme , era muito proprio deſte
homem . Que differença querem que ha
ja entre o Cidadão honrado , eo homem
eſcandaloſo , deſcarado , e infolente ?
Bc. Headmiravel o exemplo de Cice
ro pro Rof. Am. num . 37 .
Para que o Syllogiſmo Oratorio fe
ja perfeito , ſe devem obſervar os pre
ceitos ſeguintes : I. He preciſo ver , ſe
reduzido aos termos fimplices , e dia
lecticos , convence , ou nao convence .
2. He neceflario que a Concluſao , ou
Complexaó , ſe inclua nas Propoſições
antecedentes. 3. Todas
Todas as
as provas , aſſim
da primeira Propoſiçaõ , conio da Af
ſumpçaộ , devem ſer claras , e que nað
neceſſitem de prova ; pois o contrário
gera confuſao , e nao convence. Adver
te- ſe , que nað he defeito Oratorio in
verter, quando he preciſo , a ordem das
Propoſições do Syllogiſmo.

B.
DE RHETORICA . 103

S. XXXII .

Da Inducçao.
Di
Onſiſte eſte modo de argumentar,
Com em propôr algumas Propoſições
E certas , e que o contrário , ou os Jur
( zes , neceſſariamente devem conceder ;
e deduzir ultimamente o que ſe per
tende confirmar. Cicero' explica eſte lu
gar com o ſeguinte exemplo : Si , ju
21 dices , id , quod Epaminondas ait legis
fcriptorem ſenfiſé , adſcribat ad legem ,
8 Baddat exceptionem hanc , extra quam
fi quis reipublicæ cauſa exercitum non
tradiderit,patiemini? Non opinor. Quod
Si vosmetipſi, quod a veſtra religione ,
da fapientia remotiffimum eft , iſius bo
E noris cauſa , hanc eandem exceptionem
1 in juſu populi , ad legem adſcribi ju
beatis , populus Thebanus id patietur
fieri ? Profecto non patietur. Quod era
go adfcribi ad legem nefas eft , id ſea
qui , quaſi adſcriptum ſit , reétum ne
vobis: videtur ?. novi veftram intellia
gentiam ., 1 non poteft ita videri, judi
ces,
104 ENSAIO

ces. Quod ſi litteris · corrigi neque ab


illo , neque a vobis Scriptoris voluntas
poteft ; videte nè multò indigniusfit , id
re , l judicio veſtro ; mutari , quod
nè verbo quidem commutari poteft. Efte
exemplo he admiravel. Epaminondas,
Imperador dos Thebanos , nað entre
gou o exército ao Pretor , que pela Lei
The devia ſucceder ; e retendo o gover.
no por poucos dias contra a Lei , ven
ceo aos Lacedemonios , e ſe eſcuſava
com a excepçao de que a Lei le nao
devia entender no caſo de ſer util á Re
publica demorar a ſua execuçao. O accu
fador , porém o convencia do crime da
deſobediencia com a Inducçað referida.
Bem entendido eſte exemplo , facilmen
te por elle ſe podem formar os argu
mentos neſte genero .
Neſte genero de
prova ; ſe devem
s obſervar as regras ſeguintes : 1. He ne
ceſſario que todas as Propofições , das
quaes pertendermos provar por Induc
çað alguma couſa , ſejam innegaveis ;
ou em ſi meſmas , pela ſua verdade , ou
ao menos a reſpeito dos ouvintes , na
preſença dos quaes oramos ; porque de
OU
DE RHETORICA . IOS.
outro modo nada poderemos concluir ;
ſerá preciſo provar primeiro o anter
À cedente , o que deſmancha o argumento :
pode acontecer que alguma Propofi
çaó , para ficar clara , neceſſite de algu
M ma explicaçao , ou prova ; mas deve- ſe
16 apontar , e fer tal , que iſto baſte pa .
ra ſe conhecer a ſua força. 2. regra . Dea
ve haver huma tal ſemelhança entre as
couſas de que ſe forma a Inducçao , que
a ultima ſe poſſa tirar por conſequencia
de todas as outras ; pois nað havendo ſe
melhança , já nað milita a meſma razad ,
e nað póde concluir o argumento . 3. re
IC gra. Para que a Inducçað faça effeito no
animo dos ouvintes , deve ſer formada
de tal modo , que ſe nað conheça ſenao
. no fim a conſequencia que das Propofi
ções antecedentes fe pertende deduzir ;
to porque eſta novidade, junta com a ver
dade do que fica dito nas Propoſições an
tecedentes , fere coin golpe nað eſpera
do ,, e penetrantemente . Eſta regra he de
er execuçað difficil : della , porém , ſe po
de obſervar alguma ſemelhança , ainda
=;
que pouca , no ſeguinte exemplo :
Eſte bomein nað he tað valoroſo ,
que
106 ENSAIO
que nunca temeo os inimigos , e ſempre
deſprezou a morte ? Ajimo publica
quem o defende. Nað he taö bem repu
tado, que todos o eſtimam , e ſeguem a
feu partido? Neſta boa reputaçað ſe eſtri
ba a maior parte da ſua defeza. Naš
eſtima tanto a honra , que nað be capaz
de fofrer a mais leve injúria? Elle mef
mo ha de eſtimar ſe forme eſte conceito.
Pois que indicios mais vehementes , além
das outras provas , de que be réo defle
homicidio ? Quem mais proprio para ſe
arriſcar com outro homem , que bum ani.
mo tað esforçado ? Quem mais capaz de
nao olhar para o'ultinio fupplicio , que
aquelle , que en tað pouco eſtima a pro
pria vida ? Que eſperança nað dá aos
criminolos. ovalimento ? Em que excel
fas nao rompe , quem tanto idolatra na
propria bonra ? & C..

S. XXXIII.

Do Enthymema.
Samos deſte modo de argumentar ,
U quando ou de hum unico antece
dente , ou de muitos antecedentes , ſe ti
ra
DE RHETORICA. 107
À sa huna conſequencia ; ſe o antecedente
he por ſi meſmo claro, ou na opiniaó dos
31 ouvintes verdadeiro , fem outra prova ,
e com ella ſe pode haver alguma dúvida.
11 He admiravel o ſeguinte exemplo de Ci
. cero pro Flacco n . 5. Damnatus eft is ,
qui Catilinam ſigna patriæ inferentem
interemit : quid eft caufa , cur non is ,
qui Catilinam ex urbe repulit , perti
mi meſcat? Rapitur ad pænam , qui indi
D cia communis exiții cepit : curſibi con
1 fidat is , qui ta proferenda & patefaci
enda curavit ? -Socii conſiliorum , mini

- ſtri , comitesque vexantur : quid aucto


res , quid duces , quid principes ſibi ex
pectent ?
O Enthymema ſomente ſe diſtingue
do Syllogiſmo Oratorio em cõſtar de an
tecedente , e conſequente , e nað ter me
11
nor , ou Aſſumpçað : no mais ſegue as
leis do referido Syllogiſmo Oratorio.

S. XXXIV .

Do Argumento Sorites.

Eſte modo de argumentaſ coſtu


A.inam dar tambem o nome Gruda
tio ,
1

108 ENSAIO
tio : fórma- ſe quando por meio deſta fic
gura , como por degraos , fe vem a con
cluir ultimamente o que ſe pertende :
tem grande analogia na ſubſtancia com a
Inducçao ; mas he no modo , differente ,
como ſe vê no ſeguinte exemplo : Onde
ſe nno caſtigam os crimes , nað ba temor
da juſtiça : Jem eſte freio , ſaố quafi in
domareis as paixões humanas : poftas
em liberdade , nað ha mal que ſe nað
devo recear de ſeu arrebatado impeto : 4
noja , a experiencia de todos os ſeculos ,
tenifeito, comoſabeis , evidente eſta ver
dade: vede , Senbores , quanto importa
a huma Republica , que nenhum crime
fique fem caſtigo : e ſeeſte be dos mais
atrozes , que ſe deve eſperar de vós,
ſenað juſtiça ?
Efte modo de argumentar he mui
to proprio para ſe uſar delle na Perora
çao; pois , como ſe vê , aperta , e conven
ce , trazendo á memoria diverſas couſas,
ou já referidas , ou que le poderiam al
legar inais extenſamente. Perderá gran
de parte da ſua elegancia , ſe o formar
mos , repetindo duas vezes a meſma pa
lavra , ou ſentença , como ſeria fe dif
ſef
DE RHETORICA . 109
feſlemos : Onde Je nað caſtigam os cri.
IN mes , nuo ba temor da juſtiça : onde naó.
ha temor da juſtiça , ſão quaſi indoma
veis as paixões humanas , &c. Por iſſo
tti fe deve uſar de periphraſe , como fica
executado .
:1
11
S. XXXV .

Do Epicberema.

rd Ste modo de provar , a que Cice.


E ro chama Ratiocinatio , outros Au
thores Aggreſſio , e Quintiliano Evi
0 dens probatio , conſiſte em uſar de hu
ma ſó Propoſiçao , na qual ſe incluem
muitas , e tudo tað evidente , que ſe
nað póde negar , e de que ſe poderia for
mar huma prova , a qual conftaſſe de
muitas partes: como, por exemplo , para
defender do parricidio a hum moço ,
quem ſeu pai dava toda a liberdade ,
Or dava groſſas ſomas de dinheiro , e tra
I
balhava por lhe alcançar as maiores hon
ras , ſe poderia formar e ſeguinte argu
mento : Quem ſe pode perſuadir , de que
bum filho ſe esquecefe das obrigações
da
IIO EN SAIÒ
da natureza , para coin húm pai , que
Só o era para o fazer cada vez mais bem
affortunado ? Neſte exemplo ſe vê , que
fe incluem muitas Propoſições , de que
ſe poderia formar mais longa prova ; as
quaes ſe eſcuſam , porque ſe confide
ram de todos ſabidas ; e eſta he a lei de
ſte modo de argumentar : todas as cou
fas , de que implicitamente conſta o Epi
cherema , devem ſer certas , e de todos
ſabidas. O ſeu lugar mais proprio deſte
modo de argumentar , be no fim da Con
firmaçao , ou da Confutaçað.

S. XXXVI.

Do Dilemma .

Ste modo de argumentar , a que


E chamam vulgarmente argumento bi
corne , e em Portuguez ļlimado alter
pativa , fórma-ſe , quando fe ufa de du
as partes ; qualquer das quaes , ou ne
gada , ou concedida , fe convence o que
fe pertende ; iſto he ; fica convencido o
;
bomem cómesteo eſte pomicidio em 114
gar
1 DI RHETORICA. III
gar tao público , como nem þuma ſó te
ſtimunha de viſta produzem contra elle?
E ſe nað ba quem tal viſſe ein Jemelbă .
te lugar , que maior indicio da fila in

nočencia ? Cicero na Oraçað Poft redi
tum in Senatu , num . 32. e 33. , dando a
razao de ſe nað defender , ula deſte mo
do de argumentar admiravelmente : Po
tui, potui , P.C. multis auctoribus
fortiſſimis viris , me vi , armisque de
fendere ; nec mibi ille ipſe animus idem
meus , vobis non incognitus , defuit.
Sed videbam , fi viciſem præſentem ad
verſarium , nimium multos mibi alios
elle vincendos : fi vi&tus elem , multis
bonis do pro me, @ mecum , etiam poft
me ele pereundum ; tribunitiique ſan
guinis ultores eſſe prafentes, mee more
tis pænas judicio , do poſteritati refer
vari nolui , cum conful communem ſa
lutem ſine ferro defendiſſem , mean pri
vatis armis defendere ; bonosque viros
lugere malui meas fortunas , quam ſu
is deſperare , ac ſi ſolus eſfém interfe
' &tus , mihi turpe : ſi cum multis , rei
publicæ funeftum fore videbatur, &c.
Toda a força deſte modo de argu
men
IIZ ENSAIO
mentar conſiſte em que por ambas as
H
partes deſta alternativa ſe convença o que
ſe pertende com igual força. Serve na
Confirmaçao , e tem maior energia pa
ra confutar.

$. XXXVII.
1

Do Exemplo.

Ste modo de argumentar differe da


E ,
antecedentes ſe tira huma confequen
cia , por cauſa de ſemelhança , que ha
entre os antecedentes ,e a conſequen
cia : e quando ſe argumenta com Exem
plo , hum unico Exemplo he fufficiente ,
e deve entre o antecedente , e a confe
quencia , haver a maior femelhança que
for poſſivel. He muito proprio para nos
dar huma perfeita e clara idéa deſte mo
do de argumentar o exemplo de Cice
ro Orat. 1. in Catilinam , num . 31. Ut
Sepe bomines ægri morbo gravi, cum
& fiu febrique jačtantur, fi æquam geli
dambiberint ,primo relevari videntur ,
deinde multò gravius, vehementiusque
affic
DE RHETORICA: II3
Affliétaitur :'yic bic morbus , qui eſt inz
republica relevatus iftius pæna , vehe
mentius vivis reliquiis ingraveſcet.
O meſmo Cicero Orat . pro Roſc.
Amer . num . 50. nos dá outro exemplo
admiravel : Ne til , Eruci , acculator
effes ridiculus , fi illis temporibus nco
tus elles cum ab aratro arceſ ebantur ,
qui conſules fierent. Etenim qui pre
elle agro colendo flagitium putes, pro
feito illum Attilium , quem ſua manil
Spargentem Jemen , qui mili erant ,
Convenerunt , bomineri! turpilimum ,
atque inhoneſtiſ[117112712 judicares. At
hercule ,,maiores noftri longe aliter ,
dov . de illo , & de ceteris talibus viris
exiſtimabant. Itaque ex minima, te
nuiſſimaque republica , maximain ', dow
florentiſſimam nobis reliquerunt, Gc.
3

S. XXXVIII.

Da ſentença de Cicero ſobre os


modos de argumentar.

duas claſes , Inducçao , e Racio


cinaçao. Da Inducçað diſle o inelino ,
H que
114 ENSAIO

que temos eſcripto. Explicou , porém ,


a Raciocinaçao por modo diverſo , re
duzindo-a ás ſeguintes claſſes : Racioci
naçaõ de cinco partes , de quatro par
tes, de tres partes , e de duas ; de forte ,
que a tudo dá o nome de Raciocinaçaó,
e ſó diſtingue humas das outras pelas
mais ou menos partes de que ſe coin
põe ; o que julgo fez por fe affaſtar do
methodo dialectico ., Na realidade , po
rém , he o meſmo que fica dito..

S. XXXIX .

Da Amplificaças
ð em geral.

Mplificar nað he outra couſa mais,


A que engrandecer ou abater alguma
couſa , a fim de perſuadir melhor o que
ſe pertende , que por iſſo certo Author
chamou á Amplificaçað Ars , que er
parvis magna, & ex magnis pārva fi
eri poſſunt. Nao he propriamente pro
var , ou confutar ; he augmentar qual
quer deſtas couſas , e fazê - la mais clara ,
mais ſenſivel, mais pompoſa , e mais
capaz de inover os affectos do animo.
A
DE RHETORICA . 115
1 A duas claſles le reduz toda a Am
plificaçað ; Amplificaçað por palavras,
se Amplificaçao por couſas. Amplificar
- por palavras , conſiſte em accommodar
e ao ſubſtantivo , ou ao fogeito de que ſe
ICO falla , adjectivos , e epithetos, que pof
ſam engrandecer , ou abater; ou repeti
ções de palavras , que tenham o meſmo
effeito. Amplificar por couſas , conſiſte
em uſar de lentenças , de argumentos ,
de comparações , e tudo quanto póde
ſervir para qualquer dos fins acima re
feridos.
$. XL.

Da Amplificaçao por palavras.

Or quatro modos ſe pode ampli- ,


P ficar por palavras. Primeiro : acco
modando ao fogeito , ou acçao , de que
ſe trata , epithetos , ou adverbios , que
9
o engrandecam , ou abatam . Segundo :
uſando de palavras , ou ſuperlativos ,
21 ou compoſtas , ou abſtractas , em lugar
5C de palavras poſitivas , fimplices , e de
terminadas . Terceiro : uſando de pala
vras translatas , ou hyperbolicas , em
H 2 lu
116 ENSAIO

lugar das proprias , e ſimplices. Quar


to : uſando de repetições , ſynonimias ,
periphraſes, fimiles, e emphaſe, as quaes
animam grandemente o que ſe diz.
Nao ſe apontanı por agora exem
plos de todos eſtes modos de amplificar,
porque havemos de tratar dos Tropos,
e das Figuras extenſamente, e ſeria repe
tir muitas deſtas couſas. Para ſe for
mar por agora idéa da amplificaçað po:
palavras , fað ſufficientes os dous exem
plos que eſcrevemos , ambos de Cice
ro. Pro M. Cælio diz aſlim : Si vid .
liberè, proterva petulanter , dives effx.
Je, libidinoſa meretricio modo vivere,
adulterum ego putarem , fi quis hans
paulo liberius ſalutaffet ? In Verr. am .
plifica do modo ſeguinte : Non enix
furem , fed raptorem ; 1101 adulterum ,
ſed expugnatorem pudicitiæ : non fa
crilegum, ſed boſtem ſacrorum religio.
numque : non ſicurium , fed crudelil
mum carnificem civium' , Sociorumanı
111 veflrum judicium adduximus. Nos
quaes exemplos claramente ſe vê quan:
to ſervem para amplificar os epithetos ,
e os adverbios ,
DE RHETORICA.
117

S. XLI.

Da Amplificação por couſas.

E cinco modos ſe pode amplifi


car por couſas ; por Congerie , por
Incremento , por comparaçao , por me
io de Raciocipaçað , e por Diminuiçao.
Por Congerie , quando uſamos , ou de
muitas ſentenças, ou de muitas propofi
ções , como diz Cicero pro Ligario :
Quid enim tuus ille , Tubero , deftri.
Etus in acie Pharſalia gladius agebat,
cujus latus mucro ille petebat ? Quis
e fenfus erat armorum tuorun ? Que tua
mens ? Oculi ? Manus ? Ardor animi?
Quid cupiebas ?
Por Incremento , quando vamos ar
gumentando de menos para mais CO
mo ſe obſerva no ſeguinte exemplo do
melino Cicero in Verr. 7. Facinus eft
vinciri civem Romanum , fcelus verbe
rare , propè parricidium necare : quid
dicam in crucein tollere ?
Por Comparaçao , quando com ca
fos ſemelhantes confirmamos o que per
ten
118 ENSAIO
tendemos perſuadir. Cicero in Catil . 1 .
diz aſſim : P. Scipio Pontifex maximus,
T. Graccbum mediocriter labefactan
tem ſtatum Reipublicæ privatus inter
fecit : Catilinam , orbem terræ cæde,
atque incendiis , vaſtare cupientem ,
nos conſules perferemus ?
Por meio da Raciocinaçao , como
fez Cicero pro L. Muræna, n. 46. Qua
re ergo expertus, du petendi , & de
fendendi , & accifandi moleftiam , fic
intellexi ; in petendo fudium efle acer
rimum , in defendendo officium , in accu
fando laborem . Itaque fic fatuo , fieri
nullo modo poffe , ut idem accufatio.
nem , & petitionem conſulatus diliger
ter adornet atque inftruat. Unum Jupi
nere pauci poffunt , utrumque neno
Tu , cum de curriculo petitionis defit
xiſſes, animunque' ad accufandum
tranfuliſes , exiſtinnſti teutrique ne
gotio ſatisfacere poſe? Vebementer er
raſi. Quis enim dies fuit , poftea quam
in ifam accufandi denuntiationem in
greſus es , quem tu non totum in ifta
ratione conſumpſeris ? & c. Amplificara
prova por meio de Raciocinaçao , he
fa .
+ DE RHETORICA. 119

E fazer a meſma prova ainda mais convin


cente , e perſuaſiya , por meio do Difa
curſo ."
Amplificar finalmente por Dimi
nuiçao , he ir cada vez mais diminuindo
o crime, ou aquella razaố em que ſe
funda o contrário : como por exemplo ,
ſe alguem defendeſſe o ſeu conſtituinte
de hum crime, que diziam fer de leſa
Mageſtade , poderia amplificar ', depois
de ter moſtrado que nað era crime de
ſte genero ; poderia moſtrar demais , que
nem crime era de nenhum genero , pois

- nem era contra o Principe , nem contra


o Eſtado , nem contra Lei alguma ex
preſſa.
Além deſtes cinco modos que ficam
apontados , que fað os mais famoſos ,
ſe pode amplificar por todos os luga
res intrinſecos , de que tratámos ; por
todos os lugares extrinfecos , que ficam
apontados ; e por todos os Tropos , e
Figuras, de que havemos de tratar. Em
fim , por tudo quanto pode concorrer
para fazer mais convincente , mais ſen .
fivel , e mais perſuaſivo o que perten
demos perſuadir. A regra da Ampli
fi
120 ENSAIO

ficaçao , além das geraes , he , que tu


do de que uſarinos para amplificar , ſeja
proprio , ou para augmentar a força da
Oraçað engrandecendo , ou abatendo ;
pois ſem eſte augmento nað póde hayer
Amplificaçao .

S. XLII.

De modo com que ſe deve uſar dos Aro


, e
para outras provas .

Slim como ſeria deſagradavel paố


A ufar em lium Diſcurſo , ſenao da
meſma figura, e encher a meſma Ora
çao , ou de interrogações , ou de apo
ſtrophes ; do meſmo modo ſerá , ſe nun
ca nos valermos ſenam do Syllogiſmo ,
ou do Enthymema ' ; pois na variedade
conſiſte tambem a formoſura da Elo
quencia.
Por tanto he juſto ſe naš uſe fem
pre do meſmo modo de argumentar ,
variando , quanto couber no poſſivel,
e o permittir a materia ; argumentan
do já por Syllogiſmo , já por Induc
çað ;
DE RHETORICA . I21
¢ çað ;humas vezes por meio de Raciocin
naçao , outras por Dilemma , outras por
Enthymema , outras por Epicherema,
e accommodando a cada hum deſtes; mo ,
dos as provas que forem inais pro
prias , para ſe propôrem pelos referi
dos modos .
O tranſito , como já diſſemos fal
lando do Exordio , nað deve ſer dema
fiadamente eſtudado, e muito menos que
line o pareça : algumas : vezes le paſſa ' de
huma para outra prova , por ſentença ;
outras vezes por apoſtrophe :: outras por
admiraçað ; e aflim por meio de qual
quer outra figura , como ſe pode obſere
el yar na Oraçao de Çiçero pro Archia Pos
eta e ein todas as ourşaş. Deve',: po
rém , 6 Orador pôr algum cuidado em
que eſte tranſito nað ſeja ſempre o mefs
mo ; ifto he, que ſe nao uſe nelle ſenia
pre da meſma figura ..., "
Para eſte fim importa muito refle,
( tir nomodo com que os bons Orado.
res nelte particular ſe houveram nas, {u
31 as Orações , e reparar pas formulas de
que ufáram ; pois nao ſe podem pro
pôr regras certas neſta materia , por ſe
rem
122 ENSAIO
rem muito diverſas as cauſas , e tambem
diverſas as provas , e as circumſtancias ;
e feria enfadonho eſcrever os exemplos,

4 que facilmente nota quem ſabe nas Ora


ções deCicero diſtinguir huma de outra
prova .
S. XLIII.

Da Peroraçao.

E que Cicero chama Concluſão , ou ,


Exito ; alguns Cúmulo , e outros Epilo
go. Conſta de duas partes : huna diz
ordem a couſas , outra aos affectos. A
primeira conſiſte em huma repetiçao ou
enumeraçao do que fica dito ; ifto he ,
das provas' , e reflexões ; e tem por fim
exeitar a memoria dos ouvintes , e pôr
toda a cauſa juntamente diante de ſeus
olhos , para que aſſim > com todas as
razões á viſta , poſſam julgar conforme
da
o ineſma cauſa . fe

gunda parte da Peroraçao conſiſte em


mover os affectos dos Juizes , de forte ,
que cedam á força das razões propo
ftas , e ſe determinem a ſeguir o partido
que pertende o Orador.
Cie
DE RHETORICA. 123
Cicero , como reſpeitando unica
mente o Genero Judicial , diz , que eſta 1
fegunda parte , ou tem por fim mover a
indignaçað ,ou a miſericordia, ou a am
i bos eſtes affectos ; a indignaçao para
com a parte contrária , ea miſericordia
a favor da parte por quem advogamos.
Outro Eſcriptor , porém , mais moder
no , determina os affectos , que ſe de:
vem mover , pelos Generos , do ſeguin.
te modo : No Genero Demonſtrativo ,
fe alguem ſe louva , ſe devem mover os
ouvintes á emulaçað , admiraçað , e amor:
to ſe alguem ſe vitupera, a deſprezo , aboré
cai recimento , e dereitaçað. No Genero: Det
liberativo , ou tao zelo da patria , ou à
eſperança do premio ou felicidade futu ,
ra , ou á fatisfaçað da injúria , ou ao
į
temor de algum perigo provavel , ou
inminente. No Genero ,finalmente , Judi
cial , podem concorrer todos os affectos;
amor, odio, deteſtaçað , e todos os mais
poftoque principalmente a indignaçao ,
como enfina Cicero , era mifericordia -
be
As virtudes da Peroraçao , geral
OT mente fallando , fað duas ; iſto he , deve
ſer breve , e deve ſer forte : breve pela
re
ENSAIO
124
regra geral, e pela particular ; pois ſe
deve ultimamente conſervar na meino
ria , por ſer a recopilaçao de toda a cau .
fa : forte de modo , que deixe ficar eſti
mulos taes no animo dos Jurzes , que
ultimamente os determine.
„Pelo que pertence a primeira par
te da Peroraçao , a qual , como fica di
to , conſiſte na repetiçað ou enumera
çaõ das provas , e mais reflexões, expen .
didas por toda a Oraçao , fe devem ob
fervar as ſeguintes regras : Primeira re
gra. Eſta repetiçaõ de provas ; e refle
xões ; . deve ſer breviſſima ; porque o
meſmo ſerá haver demora , que tornar
fe em huma pequena Oraçað o epilogo,
e cauſar deſagrado nos ouvintes.
O Segunda regra. Deve- ſe eſcolher de
enda huma das provas, unicamente o que
hê mais grave ,mais forte , mais convin
çente , e de maior pezo, porque ſó de
fte modo fe pode obſervar'a regra ante
cedente ; e o mais forte he o que mais
lembra , e fe conſerva mais na memoria.
1 Terceira regra. Tudo quanto ſe
repetir , ſe deve dizer com tanta arte ,
com tanta energia , e com tal ornato , e
ya
DE RHETORIC A. 125
1 variedade de figuras , de phraſes , e de
ſentenças , que ſendo o meſmo que fi
. ca dito , o nao pareça ; pois ſe parecer
: o meſmo , nað ſó ficará ſendo odiofa
i eſta repetiçaõ aos ouvintes ; mas até ſerá
indecoroſa , porque lhes daremos a en
tender claramente , que deſconfiamos da
fua memoria .
Quarta regra. No Genero Judicial
l ſe devem repetir as provas , e a confuta
çaõ dos argumentos contrarios , compa
rando huns argumentos com outros ,
com a variedade , e arte , que acima no
M támos . Na perfeita execuçao deſte pre
ceito conſiſte o maior primor da Eloqué
cia ; pelo que pertence a eſta ultima par
te da Oraçao .
Pelo que diz ordem á ſegunda par

el te da Peroraçao , a qual conſiſte em mo


ver os affectos , ſe devem obſervar as
regras ſeguintes : Primeira. Neſte lugar
ſe deve esforçar o Orador , e reſervar pa
ra aqui a maior força da Eloquencia ,
como enſina Quintiliano : At bic , fi uf
qu211 , totos eloquentiæ aperire fontes
licet ; pois no fim ſe conſegue comple
tamente o triumpho. O que ſe deve en
ten
126 ENSAIO
tender ſem prejuizo da brevidade ; po
Itoque neſta parte ſe nað deve obſervar
com tanto rigor , como na primeira ;
iſto he , na repetiçaõ ou recapitulaçao
dos argumentos . Éſte he o lugar mais
proprio das figuras mais fortes , e mais
lenſiveis da Eloquencia , das razões mais
preciſas , das reflexões mais ſólidas , e
do mais fublime , e maravilhoſo , que
póde entrar na Oraçað.
Segunda regra . Tanto que o Ora
dor conhecer que os animos dos ouvin
tes ſe acham sõmovidos , nað ſe deve
demorar mais na Peroraçao ; para que
nao aconteça mudarem de affecto ; pois
além da inconſtancia do coraçao humano,
do affecto da commiſeraçao o adverte
Cicero ( a ), depois de o haver adverti
do outro Éfcriptor antigo : Commotis
autem animis , diutius in conqueſtione
morari non oportebit ; quemadinodur
enim dixit Rhetor Appollonius , lacrj.
ma nihil citius arefcit ..
Cicero aponta , tratando deſta ma
teria , innuineraveis lugares ; dos quaes
ſe podem tirar meios para excitar os
affe
( a ) De Invent.
DE RHETORICA . 127
affectos do animo dos Juīzes , principal
mente a indignaçað , e a miſericordia ;
os quaes nao eſcrevemos por nað ſer
mais extenſos ; e tambem porque o mef
mo Cicero nos adverte , que de todos
os lugares que ſervem para tirar os ar
gumientos , de que ja tratámos , fe póde
uſar para mover a indignaçað , e por
conſequencia aos mais affectos : In hoc.
genere illud primum intelligi volumus,

0 pole omnibus ex locis iis , quos in con 1


firmandi preceptis poſuimus , tractari
indignationem ( a ) .
Além das outras Orações de Cice
ro , veja - ſe a que recitou pro Archia Po
):
eta ; na Peroraçað da qual ſe podem no
tar executados todos eſtes preceitos. Aca
ba repetindo com brevidade , e nobre
za , todos os argumentos de que havia
uſado , e fazendo huma pathetica depre
caçað a favor da ſua parte aos Juizes, pa
ra os mover a miſericordia , uſando de
palavras e phraſes magníficas, de me
ios os mais fenſiveis, e de proteſtações
da rectidao dos meſmos Juïzes as mais
decorofas.

f.
( a ) De Invent .
128 ENSAIO

S. XLIV.

Da Memoria , Pronunciaçao , e
Geſto .

Uma das couſas de que mais ne


HΗ ceſſita hum Orador , he a memo
ria. Por meio deſta conſegue que tudo
quanto diz pareça pronunciado de re
pente , e fem eſtudo ; ó que ſerve de
grande credito ao meſmo Orador , e á
cauſa ; pois motra que a verdade , e a
juſtiça , lhe eſtað naturalmente , é fem
artificio , ſubminiſtrando quanto allega.
Eſta excellencia , e neceſſidade , de
ram motivo a que alguns Eſcriptores
intentaſſem dar -nos huma , como arte
de memoria , diſcorrendo ſobre a ſua na.
tureza , e apontando meios , nað ſó pa
ra facilitar , conſervar , e augmentar
efta nobre potencia , mas até para re
mediar todos os ſeus defeitos.
Eu, porém , como diz Quintiliano ,
allento em que toda eſta arte ſe reduz
ao exercicio , e ao trabalho. Aprender
muito , meditar muito , e ſe for poſſi
vel,
DE RHETORICA . 129
vél , todos os dias , e ſei interrupçaó
confideravel , he o mais poderoſo reine
dio da memoria : Siquis autem inam ,
maximamque à me artem memoria que
rat , exercitatio eft , do labor , multa
edifcere , multa cogitare , , ſi fieri po
teft , quotidie potentiſſimum eſt. Por tan
Ito , fomente apontarei algumas reflexões ,
e que me parecem de alguma utilidade ne
jfta materia .
Primeira reflexao . Conduz muito
para depofitar huma Oraçao na meno
ria , huma total attençao ao que ſe le ,
l ou medita , nað applicando o entendi
mento a outros objectos ; e tambem a
1, ferenidade do animo, ſem que outros
cuidados ou paixões o perturbem .
Segunda. Aproveita de muito , to
mar de memoria a Oração por partes , c
nað toda junta ; porque he muito util nað
carregar a menoria de huma vez com
tanto pezo : e ſerá bem que eſtas partes
nað ſejam muito pequenas , de ſorte que
façam grande número ; pois nelte caſo
M le poderáó confundir humas com outras.
Donde ſe infere o quanto a diviſa ) con
duz para eſte fim .
I Ter
130 ENSAIO
1 Terceira . Quanto mais bem com .
pofta for a Oraçao, tanto mais facilmen.
te ſe tomará de memoria ; pois aſſim co
mo , no parecer de Quintiliano , mais for
cilmente aprendemos os verſos , que a
proſa , o meſino acontecerá entre a Ora
çað bem deduzida , e a mal atada .
Quarta. Quando o Orador repetir
Oraçao , deve apontar os lugares en
que tropeçou a memoria , e neſtes he qu
deve pôr maior cuidado , notando- os r.
Oraçað , e tambem mentalmente.
o Or
Quinta. Importa muito que
dor ſe nað ligue de ſorte ás palavras ,
que ſe lhe faltar huma, fiquc fufpenlea
antes deve coſtumar - ſe a ſubſtituir com F

outra alguma palavra que lhe eſqueça


pois nað ſendo veroſimil que eſqueças
os argumentos , as reflexões , e as fer
tenças , ſe o Orador adquirir eſta faci
dade de ſubſtituir as palavras , he more
mente impoſſivel que ſe perturbe.
hoy 0
Sexta. Em algumas occaſiões
elt
acertado que o Orador moſtre que
conſiderando o que diz quando ora ;wa
mo na reſpoſta de algum argumento ,o
quando exclama admirado , e circumlar
cias
DE RHETORICA .
131
cias ſemelhantes ; pois eſta perſuaſað he
de grande credito , por ſer maior esfor
ço dizer de repente , que coin anticipa
cao : le neceíTario , porém , que eſta
paula ſeja breviſſima , e ſem affectaçao.
Septima e ultima reflexaó. He ne
eſſario qo Orador, na occafiaõ de orar
ponha de parte o mais que lhe for poſ
civel o temor , e que ſe encha de confi
nça de que ha de ſer bem fuccedido ;
vois o medo perturba o animo , e por
onſequencia a memoria .
JC Nað he de menos importancia a
jronunciaçao. Quintiliano ſe perſuadio
e que nað ha prova tað firme , que nað
erca parte das ſuas forças , fenað for
ronunciada e afleverada pelo Orador :
Quare nec probatio ulla , que modo
enit ab Oratore , tanı firma eft , 11 non
erdat vires ſuas , niſi adjuvetur oſe
eratione dicentis.
Igual he a ſua efficacia para mover
s affectos do animo ' , o que explica ad
hiravelmente o meſmo Quintiliano com
experiencia do Theatro ; pois ſe neſte
in que ſe trata de couſas vías , e fingi
as , tem força a pronunciaçao para mo
I 2 ver
ENSAIO
132
ver aos mais fortes affectos , quanto me
lhor o fará no Foro , em . que temosda
noſſa parte o credito , e a realidade ?
1
Quod ſi in rebus , quas fictas elle ſci
mus , dow inanes , tantum pronuntiatio
poteſt , ut iram , lacrymas ; Sollicitudi
nem afferat , quanto plus valeat necej
fe eft , ubi & credimus ?
Eſtas razões , com a propria exr
riencia , ſao mais que fufficientes par
nos perſuadirem de quanto importa
hum Orador ſaber pronunciar bem o
que tem para dizer. E poftoque par
eſte fim feja neceſſario que a nature:
concorra com huma voz fãa , firme,
clara , e ſuave , e que aproveite mun
ouvir' bons Oradores ; nem por iſſo :
fic
devem deſprezar as reflexões que
ram neſ ta mat eri a os bon s Eſc rip tor es ;
pois quando nað ſirvam para formar ne
îte genero hum perfeito 'Orador , ferri
ráð para ſe poder aperfeiçoar aquel :
Orador , a quem o Author da naturez!
favoreceo com maior liberalidade , 11
para evitar nos menos favorecidos a
guns defeitos. As reflexões que ache
inelhores , e mais uteis , tað as ſeguinte
Ps :
de RHETORICA . 133
Primeira . Sem que a voz ſeja facil ,
grande , flexivel , firme , ſuave , conſtan
te , clara , propria para cortar os ares ,
e capaz de ſe introduzir nos ouvidos fem
aſpereza , nað póde haver pronuncia
çað perfeita. Eſte dote , porém , he da
-natureza .
Segunda . Deve ſer clara , intelligi
vel , e accommodada ao que fe diz . Se
Cað for clara , e intelligivel , nað póde
conciliar credito : ſenað for accommo
Oilada ao que ſe diz , nað póde mover os
(ffectos correſpondentes ás melinas cou
as de que ſe trata.
Terceira. Os meios mais proprios
Wara conſeguir eſte importante fiin , con
pviſte em duas couſas ; ouvir bons Orado
des , como fica dito ; e ter hum continuo
Exercicio de orar , emendando os propri
os defeitos.
Quarta. Devem - ſe pronunciar as
palavras inteiras , e nað ſupprimir as ul
simas fyllabas ; pois o contrário faz lan
cuida a pronunciaçað , e lhe tira a fir
coeza.
Quinta. Deve- ſe fazer pauſa onde
onvém , e como convém ; alguma n : s
vir
134 ENSAIO
virgulas , mais nos dous pontos , ainda
mais nos pontos , e no fim do periodo ;
nelte menos do que no fim da prova , e
aſſim com a devida proporçao.
Sexta. Deve ſer certa , e proporcio
nada : certa , para que nao aconteça dar
erros na ſyllaba , pronunciando como ſe
foram longas as ſyllabas breves ; e pelo
contrário ; pois he grande eſte defeito
proporcionada , para que nao aconteça
pronunciar em tom grave as couſas ſub
millas , e humildes ; e froxamente as
couſas ſublimes , e grandes .
Septima . Em conſequencia da re
flexað antecedente devemos evitar o uni
ſono da voz : nem tudo devemos pronun.
ciar com clamores , nem tudo ſubiniſſa
mente : a voz ſe deve accommodar , co
mo fica dito , ás couſas , e aos affectos.
Oitava . Nada he mais inſoffrivel,
que orar cantando , como diz Quintilia
no : Quid enim minuts Oratori convenit,
quam modulatio ſcenica , & nonnum
quam ebriorum , aut comiſantium li.
centie limilis ?
Nona . A voz nað deve puxar-ſe
por ella além das proprias forças , e di
0
DE RHETORICA . 135
o meſmo Quintiliano a ſeguinte raza ) :
1
Nam & fuffocata fæpe , da maiore ni
ſu , minus clare ej , do interim eliſa in
u illum ſonum erumpit , cui greci ab im
maturo galloruin cantu nomen dede
frunt.
Decima . Em recitar nem deve ha
C
ver demaſiada preſſa, nem demaſiado va
it
gar . O primeiro vício confunde as pa
i lavras , parte dellas ſe nað pronuncia , e
e faz com que ſe nað poſſain expriınir os
affectos : o ſegundo vício , faz como
: adormecer os ouvintes, e o meſmo Ora
dor.

Undecima. Sempre deve o Orador


i conter - ſe quanto lhe for poſſivel , e nao
tomar a reſpiraçað , ſena ) , ou no fim
da ſentença , ou do periodo , ou de al
gum dos membros do meſmo periodo ;
porque o contrário corta e faz defen
graçado o que ſe diz .
Duodecima. Para q a voz ſe accom
mode ao que ſe diz , deve ſer forte , af
pera , chea , opprimila , e como toman
I do a reſpiraçao a miudo , quando ſe per
téder expreſſar o affecto da ira : no odio,
o algum tanto mais branda : na liſonja
1 con
O
136 ENSAI

confirao , petiçað , e fatisfaçaó , bran


da , e fubmiſla : na perſuaſaó , admoeſta
çao , promeſa , e conſolaçaó , grave :
no medo , e pejo , comprimida : na re
prehentað , forte : na diſputa , inteira , e
igual : na commiſeraçað , flexivel, la
cryinoſa , e nað muito perceptivel : na
digrellað , diffuſa , firme , e clara : na ex
poliças , e colloquios, recta , e media
1.a , entre aguda , e grave .
Para conhecer o quanto ſeja re
cómendavel o geſto do Orador ; que a
poſtura , e as acções , e o ſemblante acom
panbem as vozes , e os affectos; ſerá ſuf
ficiente reflectir em que os mudos ſem
vozes , e por acções , ſe explicam ; 05
brutos pelos ſeusmovimentos nos dað a
conhecer as ſuas paixões ; os homens
por eſtes ſignaes conhecem os ſentimen
tos luns dos outros , e até as inclina
cões : as pinturas até pelo geſto parece
citað fallando , e motram o affecto do
que repreſentam . Como , porém , ne
fta materia nað he facil apontar regras
firmes , pois ſó obíervando os movimen
tos e geſto dos que ſabem exprimir os
feus affectos , ſe podle alcançar eſta per
fei
DE RHETORICA . 137
b feiçao ; deſcobrirei os defeitos que eſcre
vêram e notárain os Authores , e dos
quaes deve fugir o Orador ; e farei algu
mas reflexões > que tenho encontrado.
Primeira reflexað. Aſim Cicero ,
como Quintiliano , dao grande valor
aos olhos para mover , e perſuadir , e
apontam algumas regras . He certo que
fao diverſos os movimentos deſte Senti
do , e que por elles ſe explicam os affe
ctos do animo : a melhor regra, porém ,
he obſervar no trato das gentes , c nas
diverſas occaſiões , como as peſſoas , em
X
que predominam as paixões , e os affe
ctos , fe explicam , é movem os meſmos
CS
ollos; o que nao ſerá difficil de obſervar.
Segunda reflexao. Sei que o Ora
dor ſe reviſta do affecto , ou paixao , que
che
pertende expreſlar , nem pode compôr ,
como diremos em ſeu lugar , nem recitar
coin propriedade; pois os affectos pro
prios ſao os verdadeiros principios da
Eloquencia , affiin pelo que pertence á
compoſiçao , como á acçao .
Terceira reflexað . Nem tudo quan
te he licito ao Repreſentante ou Actor
em hum Theatro , he ao Orador licito :
а
IO
138 ENSA
a Oraçað pede outra modeſtia , e outra
gravidade. O Orador nað repreſenta peſ
foa diverſa , aindaque falle em nome e
favor de outrem .
Osmais notaveis defeitos , que ſe
devem evitar , fað os ſeguintes . Primei
ro , o contínuo movimento do ſemblan
te , porque he contra a gravidade . Se
gundo , concertar o cabello , pelo mel
mo motivo. Terceiro , mover demaſia
damente as ſobrancelhas , ou nao as
mover jámais : o primeiro , denota pou
co aſſento : o ſegundo , froxidaó. Quar
to , lamber ou morder os beiços , he
couſa indigna. Quinto , ter a cabeça de
maſiadamente -levantada , ou demaſiada
anente abatida : o primeiro , denota arro
gancia : o ſegundo , pejo , e vergonha.
Sexto , nenhuma acçað tremula convém
ao Orador ; pois ou he affectada , ou im
propria . Septimo , levantar as mãos aci
ma dos olhos , ou levá-las muito abaixo
do peito . Oitavo , fazer acções com a
mão eſquerda ſomente , poſto ſe poſſam
fazer unicamente com a direita. Nono ,
tocar alguma parte do corpo com as
mãos , ou com os dedos . Decimo , vol
tar
DE RHETORIC A. 139
tar - ſe frequentemente com o corpo de
huma para outra parte. Undecimo, acco
1 modar mais as acções ás palavras , que
ao ſentido e ſignificaçao das meſmas pa
lavras .
Donde ſe deduz , que o geſto do
Orador deve ſer grave , modeſto , pro
prio , e decoroſo ;e aſſim neſte , como na
1 pronunciaçao , conſiſte og chamam Ac
ção , que ultimamente conſtitue o mel
mo Orador perfeito.

S. XLV.

Da Elocuçao em geral.

A ou para dizer melhor , definida , he:


que propriamente conſtitue o Orador.
Saber achar as couſas , e ainda dizê -las
coin ordem , nað he facil, mas pode cona
ſeguí-lo quem tiver juïzo , economia
prudencia : dizer , porém , com elegan
cia , com graça , com pureza , com ſua
vidade , e com ornato , ſo quem he bom
Orador .
Donde ſe deduz , que tudo quanto

140 ENSAIO

półe concorrer para eſte fim , pertence


á Elocuçað . Sem embargo , porém , de
fta generalidade , a tres claſſes principal
mente ſe reduz tudo quanto pertence à
meſma Elocuçaó , que ſað propriamen
te as ſuas partes , e faó as ſeguintes : Ele
gancia , Compoſiçað , e Dignidade , ou
Ornato. A ' Elegancia pertencem a pure
za da lingua , a clareza da locuçað, a do
cilidade do eſtylo , o número Oratorio ,
e tudo quanto pode fazeragradavel, e ca
paz de perſuadir . A ' Compoſiçað per
tencen a compoſiçao do periodo , a imi
taçao e boa eſcolha dos Authores , a me
ditaçað ſobre a materia , e ſobre o modo
com que ſe devem dizer as couſas , eo
que pode concorrer para que a Oraçað
tenlia credito , e cauſe os ſeus effeitos.
A'Dignidade , ou Ornato , pertencem
os Tropos , c as Figuras , de que tratare
mos em primeiro lugar .

.
PE RHETORIC A. 141

§. XLVI .

Dos Tropos , e das Figuras em geral.

nað he outra couſa mais , que


T huma translaçað do proprio ſigni
ficado , para ſignificar outra couſa diltin
eta , que por iſſo Cicero chama aos Tro
pos Immutationes ; e outro Author lhe
dá a ſeguinte definiçað : Verbi , vel fen
tentiæ inverſio á propria ſignificatio
ne in aliam , aut virtute mutatio .
Os Tropos faó onze . Sete confiftem
em palavras , e faó os ſeguintes : Meta
phora , Synecdoche , Metonymia , An
tonomaſia , Onomatopéia , Catachrelis ,
Metalepſis. Quatro con ſiſtem em fen 1
tenças , e fað : Allegoria , Periphraſe ;
Hyperbaton , Hyperbole .
As Figuras diſtinguem - le dos Tro
pos , em que eſtes tem por fim cauſar
Tómente mudança nas palavras , e fen
tenças ; as Figuras , porém ', tem por
officio ſoccorrer as palavras , e'as len
tençás , tirando-as do lugar humilde ,
em que ſe achavam , para outro mais no
bre ;
142 ENSAIO
bre , e mais elevado , ou reveſtindo - as da
mageltade que de antes naố tinham , co
mo ſe vê no ſeguinte exemplo :
Ella teſtimunha a eſte reſpeito dif
ſe couſas repugnantes , e coätradicto
rias : note- ſe a froxidað . Agora por Fi
gura de palavra , a que chamam Repeti
çaõ : Ella , ela meſma teſtimunha , a

e ,
mais energia . Ultimamente por Figura
de ſentença , a q chamain Interrogaçao:
Etia , ella melina teſtiinunha , não tem
dito a ejte reſpeito couſas repugnantes ,
e contradiktorias ? Note-ſe a differença.
As Figuras , humas faó de palavras,
outras' de lentenças. As de palavras ſe
podem formar de tres modos ; ou por
accreſcentamento , ou por diminuiçao ,
ou por ſemelhança das inefinas palavras .
As Figuras de ſentenças ſe reduzem a
tres claſſes : Humas ſao mais proprias
para inftruir, outras para conciliar agra
do ou deleitar , e outras para mover os
affectos do animo , das quaes todas tra
tareinos diſtinctrinente. Antes , porém ,
ſeja -nos licito fazer as reflexões ſeguin
tes : Pria
DE RHETORICA . 143
Primeira reflexao. A'cerca do nú
mero , afim dos Tropos , como das
Figuras , nað fað do meſmo parecer to
dos os Authores . Os de melhor crítica
reprovam parte aſlıın de huns , como
das outras. Como , porém , no fim de
cada explicaçað fazemos conta de elcre
yer e notar o ſeu uſo , e o ſeu preſtimo ,
melhor nos parece tratar de todas ; pois
além de fer trabalho unicamente peno
ſo a quem eſcreve , o que for de pouca
utilidade para o uſo , nað o ſerá para o
conhecimento .
Segunda reflexao. A Oraçað naó
deve abundar em Figuras ; porque além
de ſe conhecer , neſſe caſo , muita arte ' ,
perderáð as meſmas Figuras a eſtima
çað , e ſe confundiráo, humas com ou.
tras, ſem que ſe poſſa ver e admirar a
ſua belleza . Pela meſma razao ſe nað de
ve repetir na meſma Oraçað muitas ve
zes a meſma figura.
Terceira reflexao . Como o fim do
ornato , he fazer mais elegante o que fe
diz , todas as vezes que os conceitos ,
ou penfamentos explicados por termos
fimplices , tiverem elegancia , e força ,
ou
144 ENSAIO
ou para inſtruir , ou para deleitar , ou
para mover ; nao devemos cuidar em al
gum ornato ; porque qualquer , neſte
caſo , deitará a perder o que ſe differ.
Quarta reflexað. Nað ha Oraçað ,
ordinariamente fallando , em que o Ora
dor nað pertenda inſtruir , deleitar , e
mover ; antes neſta meſma variedade
conſiſte a formoſura da Eloquencia . Tu
do canfa , fe he ſempre o meſmo. Por
iſſo julgo muito util a divitað das Figu
ras , dizendo reſpeito a eſtes tres fins, e
que eſta diviſað le conſerve na memoria,
para ſe ufar della na practica.
Ultima reflexao . Aliim no uſo dos
Tropos , como das Figuras , ſe devem
obſervar as regras geraes da brevidade ,
clareza , e as mais de que temos fallado.

§. XLVII.

* Dos Tropos que confiflem em palavras.


on peu
METAPHOR A.

E transferir ou mudar o nome do


H o
feu proprio ſignificado , applican
do- o a outra coula , a qual tein femelhan
ça
DE RHETORICA. 145
ça com o meſmo ſignificado , ou em fi
propria , ou em alguma das ſuas circum
Itancias : Transiatio nominis , aut ver
bi ad fignificandum aliud , cui aut pro
prium deef , aut translatum proprio
melius eft.
Por exemplo , chamar a hum monte
ſoberbo , dizer que hum guerreiro pa
recia hum leað no combate , que o orna
to he a luz da Oraçao , que hum homem
eſtá abrazado em íra , que a inveja co
me o coraçao , que a hum Orador lhe fa
hein pela boca rios de eloquencia , lao
outras tantas Metaphoras , ou Transla
to's .
Cicero 1 , in Catil . n . 15. uſa da ſe
guinte Metaphora , tirada dos Gladiado
res : Quot ego tuas petitiones ita con
jeztas , ut vitari pole non viderena
tur ; parva quadam declinatione , co
llt aiunt , corpore effugi? E n'outro lu
gar : Quid enim tuis ille , Tubero ,
deſtrictus in acie Pharſalica gladius
agebat ? Cujus latus ille mucro pete
bat ? Qui feni's erat armorum tuoruin?
A Metaphora deve ſer clara , pois
o contrário he enigma : nao deve ſer inui
K to
146 ENSAIO
to encarecida ; ifto he , com ella , nem ſe
devem as couſas exaltar nem abater de 1
maſiadamente ; porque iſto he fugir da e
verdade , e degenera em affectaçað.He 9
n
muito proprio eſte Tropo para ornara
Oraçað feſtiva. Deve-ſe u får deile com ei
muita prudencia , e ſomente nas leguin
tes circumſtancias : ou quando a could
de que fallamos nað tem termos para fe }
do
poder explicar proprios ; ou quan o
Translato explica melhor , que o pro la
prio nome , ou verbo ; ou quando perten a
1
demos evitar alguma palavra menos de
coroſa. d

SYNECDOCH E.

a i
Onſiſte em uſar do todo par fign
C ficar a parte ; como por exemplo :

E teve atrevimeto paraperder o reſpeito


ao Senado ? em vez de dizer . a hum S
nador Romano. Ou uſando da parte te
para ſignificar o todo : aquelle corazim
iniquo ; em lugar de dizer , aquelle bou For
mem iniquo. Ou tomando o genero por la
la eſpecie : ſoberbo bruto ; em lugar de do
dizer , ſoberbo cavallo. Ou a cauſa pel pio
lo effeito : delicioſa arvore ; em lugar por
DE RHETORICA , 147
de dizer , delicioso frućto. Ou o ſingu
lar pelo plural : o Portuguez bonrado ;
em lugar de dizer , os Portuguezes hon
rados. Ou o plural pelo ſingular : os De
mofikenes , os Ciceros , os Quintilianos ;
em vez de dizer , Cicero , Demoſthenes,
Quintiliano . Ou o material pelo que
delle ſe formou : aquelle ferro cruel; em
lugar de dizer , aquella eſpada cruel,
Ou o Author pela obra : lede Virgilio ,
lede Horacio ; em lugar de dizer , lede
as obras de Virgilio , lede as obras de
Horacio. Tem elte Tropo o meſmo uſo
da Metaphora , e a ſeu reſpeito ſe devem
obſcrvar as meſmas cautelas .

METON YMIA .

1.
E quaſi em nada differe do anteceden
la
te : a ſua definiçað he a ſeguinte : Verbi
mutatio ununi nominians vice alterius.
Forma- ſe dosmodos ſeguintes , e já pe
la maior parte acima referidos ; toman
do o Author pela obra , o Pintor pela
pintura , o efeito pela caufa , ? peſte
por quem he cauſa della , o fubitantivo
K 2
pe.
148 E Û SA'YO
pelo adjectivo , a ingratidao pelo in.
grato , o princípio pelo que delle ſe for
mou , a terra pelo homem , o officio
por, quem o exercita , a ſentinella pelos
foldados , o inſtrumento por quem uſa
delle , a eſpada pelo homicida , a pen
na pelo Eſcriptor, a lingua pelo que fal
la , o continente pela couſa contida , o
navio pelas mercadorias , a Cidade pe
los habitadores , as caſas pelas familias,
o poſſuidor pela couſa poſſuïda, os ricos
pelas riquezas , a couſa poſſuïda pelo
poſluïdor , a vida por quem a poſſuža,
o ſignal em fim pela couſa ſignificada ,
a palma pela victoria .

ANTONOMASIA .

a que
E mam pronominação,e quehequa
fihuma eſpecie de Metaphora , forma.
fe , ou quando apropriamos hum nome
que pertence a muitos , a hum ſogeito
particular , porque entre todos ſe di
ftinguio naquella virtude , ou excellen
cia , ou faculdade , que denota o ineſmo
nome ; ou quando applicamos o nome
de
DE RHETORICA . 149
de algum ſogeito célebre em alguma fa
culdade , ou excellencia , a muitos que
o ſouberam imitar. Porque Virgilio ſe
diſtinguio tanto na Poeſia , lhe dað o no
me de Poeta , ſem que para conhecermos
que delle ſe falla , ſeja preciſo uſar de
outro algum termo : e porque algum
Orador chegou a grande perfeiçao , The
deram o nome de Cicero Portuguez. Do
que fica dito ſe deduz a prudencia , e re
flexao , com que ſe deve uſar deſte Tro
po. O meſmo que ſe uſa para louvar , e
engrandecer , ſe uſa para vituperar , e
deprimir : Nero ſe pode chamar a hum
hoinem cruel , Lucifer a hum ſoberbo
e aflim no demais .

ONOMATOPÉIA.

Onſiſte em formar hum nome para


C.
0 applicar a alguin ſogeito , tirado
ou da imitaçað dos coſtumes , ou da pro
fiſſao da doutrina de outrem , ou do ſom
e movimento do meſmo ſogeito : No
minis fi &tio , vel per imitationem mo
rum , vel doctrine , aut Sonitus vocis,
Por iinitaçaõ de coltumes chamamos
Chris
150 ENSAIO
Chriſtãos aos que fað diſcipulos de
Chriſto . Por imitaçað ou profiſſað de
doutrina chamainos Platonicos aos que
ſeguem o ſyſtema de Platað. Por imita
taçaõ de fom coſtumamos dizer , o zunir
da abelha ,orugir do leað , o miar do
gato , o huivar do lobo , o grunhir do
porco , o balir da ovelha , o ſilvar da co
tra , o grafnar do pato , o fuſilar das
armas, o trape zape das eſpadas; e cou
fas ſemelhantes: Tambem ſe pode dizer
de hum teimoſo : Ouanto mais o conven .
ciam , inais ladrava. Neſte Tropo nað
devemos inventar palavras de novo ,
pois podem cauſar diſſonancia. Devemos
ufar delle raras vezes , e ſomente ob
ſervando as leis da Metaphora .

CATACH RESIS .

E luma abuſao de nome : Abuſio,


qila aliquibus vocabulis proinde
nc propriis , abutiniur. Chamam a eſte
Tropo Metaphora baſurda , e por iſſo
rariſſimas vezes ſe pode uſar della . Por
exemplo , chamar a hum caminho gran
de , ein vez de comprido ; e pequeno a
Ou
DE RHETORICA . 151
outro , em lugar de breve . Se diſſermos,
em circumſtancias proprias , e em ſentido
compoſto , o que ſomente he verdadeiro
enr ſentido diviſo , nað ſerá deſagrada
vel , como feria dizer : Quando Deos
quer mollrar o ſeu poder, nao ha cego que
nað veja , Surdo que nað ouça , mudo
que nao falle , coxo que nað ande , en
fermo que nað logre ſaúde , infeliz que
nað ſeja bem affortunado.

METAL EPSIS.

St nominato ad
E Seitenanfumptio ex uno nominato
ad
aliud
per quosdam gradus . Temos o ſeguin
te exemplo em Virgilio : Pof aliquot
mea regna videns, mirabor ariſtas. Pe
las eſpigas ſe vem no conhecimento das
ſearas, pelas ſearas dos Eitios , e pelos
Eltios dos annos . Tenho que dejembol
far comvoſco muito dinheiro , poderia
hum negociante dizer a outro , para lhe
ſegurar , que vinha de animo de lhe
comprar muita fazenda. He coufa dif
ficil conſervar neſte Tropo clareza ,
por iſſo nað ſe deve uſar delle , fenao
Tariffiinas vezes .
' S.
152 ENSAIO

S. XLVIII.

Dos Tropos que ſe formam de Sens


i
tenças.

ALLEGORIA .

Að he outra couſa mais., que hu


NA ma Metaphora continuada . Coſtu
ma-ſe definir do modo ſeguinte : Sermo ,
per quem aliud verbis dicitur , aliud
ſenſi intelligitur. Conſiſte em dizer ,
ſeguindo e continuando o ſentido do
principal Translato, que vein a fer , con
tinuar a primeira e meſma Metaphora.
Temos em Cicero hum exemplo admi
ravel. Pro P. Quinctio n . 8. falla dos ar
gumentos contrarios na Metaphora de
lanças , e dos effeitos que eſtas fazem
nos corpos , e diz aſſiin : Nam quid
hoc iniquius , aut indignius , C. Aquil
li , dici, aut commemorari poteft , quam
mne , qui caput alterius , famam , for
tunasque defendam , priore loco cauſam
dicere? Cum preſertim Q. Hortenſius ,
qui in hoc judicio partes accuſatoris ob
tis
DE RHETORIC A. 153
tinet , contra me ſit di &turus : cuifum
dicendi na:
mam copiam , facultatemque
tura largita eft. Itu fit, ut ego , qui te
la depellere , do vulneribus mederi de
beam , tum id facere cogar , cum etiam
telum adverſarius nullum jecerit : ika
lis autem id tempus impugnandi detur ,
cum d vitandi illorum impetus pote
OF ſtas adempta erit ; etfi , qua in re , id
quod parati funtfacere , falſum crimen ,
& quafi venenatum aliquod telum jecê
rint , medicine faciendæ locus non erit.
No qual exemplo , como ſe vê , ſempre
vai ſeguindo a primaria Metaphora ;
11 pois o contrário ſeria erro .
No uſo deſte Tropo , que deve ſer
raro , pois o contrário faz a Oraçaõ affe
ctada , ſe devem obſervar as regras' fer
guintes: Primeira , ter ſempre diante dos
olhos o que por ella ſe pertende in ſinu
ar , para nao cahir em fuperfluïdade
ou impropriedade. Segunda , evitar tor
da a eſcuridade , e formá-la de modo que
feja de facil intelligencia.
t

!
Pe
054 ENSAIO

PERIPHRASE.

E o meſino que Circumlocutio .


H Define - ſe do modo ſeguinte : Ser
mo pluribus explicans verbis , quod
paucioribus exprimi poterat. Exemplo:
Nos vicios mais abominaveis , que até
nomeá-los offende a modeſtia, neſtes foi
ſempre mais eſcandaloſo ; em lugar de
dizer , na luxuria , e no furto. Deve-le
uſar deſte Tropo de ſorte , que nað fa
ça o eſtylo redundante . Serve para evi
tar a indecencia dos termos , como ſe
vê no exemplo acima . , Uſa -ſe tambem
ecer o penſamento ,
delle para ennobrecer
quando eſte nað tein de fi nobreza , e a
pode adquirir pela expreſſað ; como por
exemplo : Pam alvo , e mimoſo , qual
nunca olhos viram ; em lugar de dizer,
pam alvo , inolle , e bem fabricado. Serve
tambem para ſupprir a pobreza da lingua
quando queremos expreſſar alguma cou
fa que nao tem nome proprio ; como
por exemplo , em vez de exinanir , que
he palavra alatinada , podemos dizer ,
reduzir quaſi a nada , ou abater.Je ao
eſta
DE RHETORICA . 155
ejado mais humilde ; e couſas ſemelhan
tes. Serve ultimamente para formar, ſen
do neceſſario , cheio o periodo , quan
do com os termos fimplices , ou expref
ſões fingelas , obſervarmos que fica fro
xo : Aquelles deſtemidos Argonautas ,
em lugar de dizer , aquelles navegantes.

HYPERBATON.

E o meſmo que transpoſiçað : Ef


Η
H conſtructio verborum ordinem per
mutans. Forina- ſe quando para fazer
mais elegante o eſtylo , ſe põe ou o
verbo , ou o adjectivo , ou outra qual
quer parte da Oraçað , fóra de ſeu lu
gar. Por exemplo : Que homem mais
ao intereſſe , que á honra inclinado , me
rece credito , quando ſe prova que hou
veram Suggeſtões , e promeſas ? Deſte
Tropo , como fica dito , ſomente ſe po
de uſar , quando por meio delle , fica
mais elegante o eſtylo .

Hr .
56 ENSAIO

HY PER B 0 L E.

Onſiſte em hum encarecimento ;


C que ſe aparta algum tanto da ver
dade : Sermo fupra fidem rem augens ,
vel minuens . Donde ſe deduz , que eſte
Tropo ſe forma por dous modos s , ou

. por augmento , ou por diminuiçao . Por


augmento , como ſe vê neſte exemplo :
Como podia deixar -ſe corromper de tað
leve intereſe hum homem , quie por ſuas
acções deo a conhecer , que o mundo to
do era pouco para encher e abalar ſeu
coraçao conſtante , e generoſo ? Por di
minuiçaõ , como no ſeguinte : Nenhuma
vileză me lembra , de que nað ſeja ca
paz , quem huma ves perdeo a honra.
Outro mais proprio : Parecia , Senho
res , hum cadaver , ſem falla , ſem mo
vimento ;, ſem eſpirito , quando lhe lan
çárani em roſto oproprio deli &to.
Seneca , fallando do uſo deſte Tro.
po , diz , que o nað formamos para que
ſe cheguem a crer couſas incriveis , mas
fim quafi incriveis , feguindo o modo
ordinario de fallar a reſpeito de couſas
ad .
DE RHETORICA. 157
admiraveis : Neque enim adhibetur , ut
intelligatur , quod dicitur ; ſed ut exa
cellus aliquis animo concipiatur , ac per
incredibibile intelligatur penè incredi
bile ( a ) . Eſta reflexaó de Seneca he mui
to attendivel , e por iſſo achamos na Er
criptura algumas Hyperboles , que ſó
entendidas neſte ſentido , ſe compade
cem com a verdade da meſma Eſcriptu
ra . Entre todas he célebre a do cap . 13.
do Geneſis: Faciamque ſemen tuum fi
cult pulverem terræ ; que Santo Ago
tinho explica com doutrina ſemelhante
á de Seneca. Do que tudo fe infere , que
por iſſo ſe uſa deſte Tropo ; porque ſe
nað acham termos , que juſtamente ex
pliquem o que ſe pertende perſuadir ,
e por eſte motivo ſe declina para o ex
ceſſo .
Sem embargo de tudo iſto , deve
mos advertir , que a Hyperbole he hum
exceſſo além da verdade , ou para di.
zer melhor , da realidade , e que nunca
1
hum juïzo ſerio ſahe fóra deſtes limites ,
ſem ter paixao que o preoccupe ; como
por exemplo , vemos hum Palacio ſum
plus
( a ) Lib . 7. de Beneficiis , cap. 13 .
158 ENSAIO

ptuofo , e de architectura nunca viſta ,


podemos dizer , que he hum milagre da
Arte : vemos hum incendio fóra do ors
dinario , podemos dizer , que parecia
arder o mundo todo ; porque neltes ca
ſos , por tal modo nos conſideramos
preoccupados pela admiraçao , que poſto
digamos o que nað he , dizemos o que
ſentimos , e de repente nos vem á ima
ginaçað. O meſmo que acontece na ad
miraçað , ſuccede nas outras paixões.
De forte, q a Hyperbole para ſer juſta ,
deve luppôr, em quem a profere , pai
Xað predoininante; e no objecto , excel
lencia que poſſa arrebatar de algum mo
do o animo ; ou eſta excellencia ſeja tal
na realidade , ou ſeja concebida pelo im
peto da meſma paixao , ou de qualquer
outra . Neſta materia tem mais liberdade
os Poetas , que os Oradores ; pois a fic
çað he propria da Poeſia : a Oraçað ad
mitte raras vezes cite exceſſo .

IRONIA .

Omiſte em dizer o contrário do que


he, e ſe entende para confutar e defe
prezar alguma peſſoa , ou ſentença : Ser
mo ,
DE RHETORICA. 159
mo , aut actio irridens , vel inſultans ,
oppofitum exprimens ejus , quod verba
vel gefa ſignificant. Cicero pro Quin
ctio , n . 19., fallando de Nevio , diz
aſſim por ironia : Tum iſte vir optimus.
( vereor ne ſe derideri putet , quod ite
rum jam dico , optimus ) qui hunc in
si fummas anguſtias adduétum putaret ,
i dr. Juvenal na Satyra 15. traz hum ex
emplo admiravel para eſcarnecer a ſu
perſtiçaõ dos Egypcios , que até adora
vam como deoſes as meſmas plantas : 0
Janētas gentes, quibus hæc nafcuntur
in hortis , numina ! Eſta era a ſantinba
dos eſcrupulos , diz certo Author da
Samaritana , quando Chriſto lhe lançou
em roſto ſeus enormes peçcados . Al
guns Eſcriptores reprovam eſte Tropo :
2
nað ſe póde negar , porém , que os me
lhores Oradores , e Poetas, uſáram delle.
1
Deve - ſe uſar delle com muita modera
çað , attendendo ao lugar , aos ouvintes ,
e á materia de que ſe trata . Serve para
condemnar , e reprehender ſenſivelmen
te , e com deſprezo : na Confutaçað po
1
derá ter ſeu valor , e tambem em algu
mas Narrações .
S.
160 EN SAIO

. XLIX .

Das Figuras de palavras queſe for


mam por accreſcentamento.

REPETIÇA Ó .

cada propoſiçað ſe repete a meſma


palavra . Cicero pro Plancio: Nulla con
tentiones, nulla libertas populi in man
dandis magiftratibus , nulla expecta.
tio fuffragiorum , O meſmo pro Archia
Poeta : Pleni omnes funt libri , plene
Sapientum voces , plena exemplorum ve
tuſas. Serve eſta figura , e nobremente ,
para louvar , ou vituperar.

CONVERSA .

Orma -ſe pelo contrario , quando


F no fin de cada propoſiçao , ou peri
odo , fe repete a meſma palavra . Cicero
pro Quinctio : Ad vadimonium non ve
nit . Quis ? Propinquus. Si res iſia gra
vilima ſuaſponte videretur , tamen ejus
atro
DE RHETORIC A. 161
atrocitas neceſſitudinis. nomne levare
tur. Ad vadimoniui non venit. Quis ?
Socius etiam gravius aliquid ei debe
res concedere , qui cum te , aut volun
tas congregaſet , aut fortuna conjun
xiffet. Ad vadirxonium non venit . Quir ?
Is qui tibi preſto ſemper venit. Ou tam
bem , e com mais propriedade : Quem
deitou a perder toda a gloria e Javedo
ria de Salomaó ? O amor deſordenado ,
e impuro. Quem de todo quebrou as for
- ças de bum Sanſað invencivel , e gene
goſo ? () amor deſordenado , e impro ,
& c. Eſta Figura tem admiravel preſtimo
para perſuadir , e encarecer , ou ampli
ficar.
COMPLEX A .

E Figuras antecedentes , e por iſſo ſeas


fórma repetindo huma meſma palavra
no princípio , e outra tambem no fim da
propoſiçao , ou do periodo. Cicero pro
Lege Agraria : Quis legem tulic ? Rul
luis. Qui majorem populi partein ſuf
fragiis privavit ? Rullus. Quis co
mitiis præfuit? Idem Rullus. Ad Heren
L nic
162 E NSA LO
Lố
nium lib. 4. n . 20 : Qui ſunt , qui fæi
?
dera Sæpe ruperuntCarthaginenfes .
Quiſunt , qui crudele bellum in Italia
gellerunt ? Carthaginenfes ? Qui funt,
qui Italiam deformaverunt ? Cartha
ginenfes. Qui ſunt , qui fibi poftulant
ignofci? Carthaginenſes. Videte ergo,
quid conveniat eos impetrare. Efta Figy
ra tem grande efficacia para apertar o
contrário , para reprehender , para ad
moeſtar , e para mover os affectos do
animo.

REPLICAÇ A 8 .
‫܀ܬ‬

Orma - ſe , quando ſe repete a meſ.


F
do periodo , ou da ſentença , ou tambem
no princípio do precedente , e no fim do
ſeguinte periodo. Cicero pro Marcello :
Vidiinus tuam vi&toriam præliorum ex.
itu terminatam : gladium vagina van
chuhe in urbe non vidimus: In Verr.:
Multi', da graves dolores inventi pa
rentibus , eu propinquis multi. Erta Fi.
gura bern executada , he de grande effi.
çaçia.
CON
DE RHETORICA. 163

CONDUPLICAGA Ó .

Onſiſte em repetir a meſma pala


no fim da
C vra ,,
e 110 princípio da ſequente ; ou tomando
O nome no meſmo caſo , e o verbo no
mefimo tempo , .ou em diverſos , ou
ainda interpolta outra palavra . Cicero
pro Plancio : . Erit tamen tibi fortaſſe
de nobis aliquid , aliquid. de C.Ma
rio audiendiim . Pro Pofthum . Gabinius
illud quoque conſilio fuit , fuit..certè
( 110 : quæcumque mens illa fuit , Gabia
nii fuit : ſive ille , ut ipfe diccbat , glo .
riam ; five ,ut tzt vis, pecuniam quilis
vit .; queſivit fibi. Pro Roſcio : Inju ,
giam novofcelere cöftatam putant opor
tere defendi : dejendere ipfi propter ini
quitatem temporum non audent. Philipp .
il : Doletis tres exercitus populi Ro .
mani interfe &tos ? Interfecit Antonius.
Aufforitas bujus, ordinis. afflicticeſ ?
Afflixit Antonii!S ., Etta Figura rambein
he de grande efficacia , aflim para loua
yar , como para vituperar.

L2 RE
164 ENSA for

REDUPLICA ÇA .

periodo ſe repete a meſma palavra;


ou ſentença. Cicero pro Milone : Ex
citate , excitate eum ri poteftis , ab
inferis. Verr. 7. Crux , crux , inquam ,
infelici, da érumnofó , qui nunquan
ifiam poteſtatem viderat , comparaba
tur. 1. in Cat.: Vivis , do vivis , non al
deponendam , ſed ad confirmandam ax.
daciam . Pro Lege Manil. Ab illo tem .
pore annum jun tertium regnat ,
ita regnat , ut , dc . Cómove os aff
ctos com grande vehemencia . Eſta re
petiçað no meio do periodo , tem gran
de formoſura : Ide por diante pois ,
glorioſo vencedor ; ide por diante .

SYNONYM I A.

F petem algumas palavras , ou propo


fições , que ſignificam o meſmo , ou
quaſi o melino ; como por exemplo:
Quando os inimigos ſe retiram , quat
dc
DE RHETORICA : 165
do abandonam o campo , quando fogem
quando nos deixam cheios de gloria , e
ricos de deſpojos , quem ha que nað ſe
ja valoroſo ? Etta Figura tem dignida
de"; ferve aſſim para engrandecer , como
para vituperar e abater o que ſe per
tende.
CONJUNÇA 6.

Orma -ſe , quando no meſmo pe


riodo com alguma conjunçað ſe vað
atando muitas e diverſas couſas ; como
por exemplo : Nað houve artificio de
que naš uſaſſe para violentar aquelle
innocente mancebo ; com as promeſſas ,
com as ameaças , com os conſelhos , com
as Suggeſtões , com as dadivas ; é até
com os caſtigos nao deſcançou até o nað
violentar a que ſeguiſe jeu temerario
e ſediciolo partido. Outro : Tirou - o da
pobreza , trouxe-o para caſa , e o veßio ,
e o poz à ſua meſa , e lhe confiou todo é
ſeu coraçao , co enriqueceo , e o honrou ,
e lhe deixou por ultimo todas as ſuas
riquezas. Eſta Figura tem grande ener
gia para encarecer , e tambem para de
primir.
GRA
166 ENSA LO

GRADATIO.

Orma - ſe , quando ſe vai ſubindo de


F humas para >
petindo as meſinas palavras , ou que fi
gnifiquem o meſmo , como já diſſemos,
e entaó com maior elegancia. Diſtingue.
ſe da Conduplicaçao , em que ſe forma
ſempre , como por degraos fubindo ; co
mo por exemplo: Deſta mal ſoffridades
igualdade naſceram os delgoltos ; dos
deſ goſtos as diſcordias ; das diſcordiai
as parcialidades; das parcialidades 4
diviſao de Roma , as guerras civís,
ſuo ruina. Deſta Figura , fem que 25
meſinas palavras fejam ſubſtituidas por
meio de Periphrale , ſe deve uſar com
moderaçãő , pois he muito conhecidoo
feu artificio , e por iſlo menos nobre.

$
DE RHETORICA. 167

S. L.

Das Figuras de palavras que ſe


formam por diminuiçao.

INTELLIGENCIA .

Orma- ſe , quando fe omitte algu


F ma palavras que pelo que ſe vai
dizendo , facilmente ſe entende ; como
por'exemplo : Valoroſo ; e tanta covar
dia ! Honrado ; e tanta vileza ! Em lu
gar de dizer : He valoroſo ; e fugio na
occaſiao da peleja ! He honrado ; e nað
teve pejo de fugir dos inimigos ! Outro
exemplo : Se olho para huma parte ,
hum exército de inimigos o mais pode
roſo : ſe me volto para outra , tudo juo
montanhas asmais inacceſſiveis: em lu
gar de dizer : vejo hiun exército , vejo
que tudo ſao montanhas , exc . Eſta Fi
gura ſerve de grande ornato na Oraçao,
e he muito grave : be neceſſario , por
rém , que os ouvintes facilmente pol
ſam ſubſtituir, a palavra que ſe ornitce ;
pois de outro modo ſerá enigma.
DIS

1
7

168 ENSAI

DISSOLUÇ A 0.

Orma - ſe , quando fem conjunçao


alguma dizemos ou muitas pala
vras , ou muitas ſentenças ; como por
exemplo : ' Corni eſta " unica " acção hn
rou a ſua pe Toa , a ſua familia , a pa
tria , o mundo , en mielina humanidade.
Outro : Sahio - lhe ao encontro , acomet.
teo-n , lançou - o aos pés , tirou- lhe a vi
dn . Outro : Perſeguido , fugitivo, de.
flerrado; bandido ; ſempre leal , ſem
pre venerador do ſeu Rei . Eſta Figura
he admiravel nas imagens , e narra
ções , e move os affectos com vehemen
cia ; além de ſer muito propria para am
plificar .
ADJUNÇ A .

eſtao dependendo muitas partes do


meſimo periodo; como por exemplo :
Tudo ſe acha plenamente provádo , pe
tos documentos que em ſeu poder le
achår i ,ſeus intentos depravados , pa
la propriü conillaó , o rancor que por
mzi
DE RHETORIC A. 169
muitos annos havia conſervado en feit
peito, pelos ditos em fim das tellimu
nhas o proprio delikto . Eſta Figura em
todos os generos tem ſeu preftimo , ſe
uſarmos della com moderaçao , gravi
1 dade , e clareza , de ſorte que cta depen
dencia do 'meſmo verbo ſeja de facil in
1 telligencia.

DISJUNGA .
1

Orma- ſe , quando em todos os


th membros do periodo ſe põe algum
1 verbo , ou o meſmo', ou diverſo. Ex
emplo do primeiro modo : Se nas le
ftimunbas nnó houver verdade , pade
cerá a irinocencia : ſe nos quizes nav
bouver rećtidað , triumphari o crime :
ſe nos Principes nao houver piedade ,
acabar -le -ha a miſericordia , & c. Ex
emplo do ſegundo modo : Dei- lhe parte
da chegada dos inimigos , informa- o de
ſeu grande poder e forças , põe- lhe dinn
te dos olhos o miſeriivel eſtado em que
je acha a Praça , pondera o riſco cile
pode ter qualquer 'demora, novamente
o aviſa de que já ſe preparam para o
af
170 EN SAIO
alſ alto , Segura- lhe que já eſtað perto
de arrumar as eſcadas, diz -lhe que o
temor occupa já os corações de todos ;
nada , porém , he ſufficiente para def
pertar a ſua inacçao ,fica em repouſo ,
como ſenao houvera o menor perigo, &c .
Eſta Figura he muito propria para evi
tar metaphoras , e fazer as narrações
breves , e por iſſo a reduzimos a eſta
claſſe.

COMMIXTI O.

Orma -ſe , quando ſe unem no mo


F do de dizer duas couſas oppoftas ;

como por exemplo : Ou vencer com glo


ria , ou morrer coin ignominia. Eſta Fi
gura ſem embargo de ter artificio cla
ro , com tudo , ufada com moderaçao ,
he adıniravel para evitar razões com
pridas , e conforına-ſe muito com o mga
do ordinario de fallar.

$.
DE RHETORIC A. 171

$. LI.

Das Figuras que ſe formam por ſe


melhança , ou desfemeibança.

ANOM -MIN AYÇA .

Sta Figura , que ſe conhece me


Ei Ihor pelo nome de Paranomaſia, fóra
ma -fc , quando no meſmo membro do
periodo , ou muito perto huma da un
tra ſe encontram duas palavras , que
KI ſendo quaſi o meſmo na pronúncia ,
tem o ſignificado diverſo ; como por ex
emplo : O que diz eſte delinquente
nao be confilſað , he confufað. Em muia
tas Cidades toma o navio porto á porta
de ſeu dono . Eſta Figura he pueril ; fó
com muita moderaçao ſe poderá ular
della em cſtylo flórido , e jocoſo.

SIMUL CA DENTE .

Orma-ſe , quando os nomes de al


guma Oraçaõ tem a meſma caden
cia ; como por exemplo : Eſtamos , Se
nho
ENSA I O
nbores , em bum ſeculo , em que nao ſe
encontra entendimento ſem malicia , co
raçað ſem fixgimento , animo ſem vile
za: nað apparece com vergonha a fim
plicidade : faz oſtentaçað de ſer viſto o
vicio : os homens ſó cuidam em ſe en
ganar ; ſó lhes lembra como ſe podem
deſtruir , como ſe podem arruinar . Eſta
Figura , uſada deſte modo , tem ſeu lu
gar na Oraçao . Se , porém , houver a
meſma cadencia que ha no verſo , he
muito pueril , e ſe deve evitar.

SIMULDESINENTE.

Orma-ſe, quando no final dos mem


F , ,
ſe obſerva quaſi a meſma cadencia ; por
exemplo : Quantas vezes lhe nao pro
teſtáram , que ſe retiraſſe , que nao per
Sififfe , que nao acometteſſe , que se
modernſe? Eſta Figura tem a meſma
crítica : fem cadencia de verſo he licito
uſar - ſe della : com a tal cadencia , deve
evitar - ſe.

COM
DE RHETORICA . 173
CN
9 COMPAR .
5

.Figura fignifica igualdade :for


E Sta > pea
riodo conftam de igual * ou quaſi igual
número de ſyllabas; como por exemplo :
Cante-lhe ao homem o rouxinol, mas na
o Jia gaiola : diga- lbe ditos o papagaio ,
mas na ſua cadèa : vá com elle a caça
ro o acor , mas nas ſuas piozes : faça- the
bufónarias e bugio , mas no ſeu cepe.
Com tanta igualdade , e canta extenſao ,
faz o eſtylo affectado : ſenað for a igual
dade tanta , pode uſar-ſe della , para
inſtruir , e tem ſua clareza.
prieg usio m .sagot 21)
ic
2.
ai CONTRAPOSIÇ A Ó .

E , chamam
Antitheſis , fórma-ſe quando ſe ufa
de palavras de oppoſto ſignificado ; co
mo por exeinplo : Que importa que eſte
homem folje Jeu ininigo ? Nao dičtam
As Leis da Religiaó , da borra , e da
generoſidade , que deveinos correſpon
der as injúrias com beneficios , cami
AMIOT
ENSAIOA
474
amor ao odio ; ás ingratidões com fac
vores ? Uſada deſte modo , e com pru
dencia , pode ter ſeu uſo : de outro , he
muito pueril , e affectada.

. : COMM U T AÇACÓ

tença le deduz outra oppofta ; co


mo por exemplo : Os lugares nao je
dar aos bomeis para ſe utilizarem dél
les ; mas fim para que poſtos nos em
pregos « firuam doiiilidades e patria ,
& dos outros homens. Outros Nuo pa
ka dominar , mas para ſervir , foram in,
ſituidos os miniſterias. Dutro ; As de
mais creaturas foram creadas para o
homem , e naša horiem para as demais
creaturas. Elta Figura executada com
moderaçao , tem agudeza , e explica bem
o que ſe pertendę .
io eS16
CORR E C G A D

Orma - le , : quando ſe molèra que.


FO
Ter cmendar o que já ſe diſſe > ou
fe principiou a dizer ; conuio por exem
plo :
DE RHETORICA.. 175
a plo : Ab infiéis e cobardes Portugue
zes ! Se he' que merece o nome de Portu *
guez dem
, cabe em ſemelhantes vile
zas. Outro : ' He por ventura , Senko
res , eſta à primeira vez , que chega e
volſos pés pedindo juſtiça , ſem que lhe
ajira ? E ainda ha quiem chegue à fi
ar-ſe daquelle homem : não digo bem ,
ob daquelle enganador ', daquelle fenien
tido ? Outro :Aquelles ventiirojos, ou
EX para diger melhor , aquelles de graças
dos , que nao ba fortuna que nãõ prox
curem , e nao conſigam ; ha por ventura
felicidade que farte ſeus corações ambie
cioſos , e que os polja focegår de todo ?
Efa Figura bem executada , he admira ,
.
vel , porque dá grande força ao que ſe
diz , e gera clareza.

DUBITAÇA Ó .

Orma- ſe ,
F dizer com maior energia , ſe mo
ftra duvidoſo. Exemplo : Nemo effénym ,
qui invidiæ fine vejtro , ac fine talium
virorum ſubſidio poßio reſiſtere , equi
dem quod ad me attinet y cuộ ne per
tan
176 ENSAIO
tam neſcio. Negem fuiſje illam infami
am judicii corrupti ? Negem illam rem
agitatam in concionibus Fachatam in
judiciis ? Commemorat am in Senatu ?
Evellam ex animis hominum tantan
opinionem ? Tam penitus infitam ? Tam
zetuſlam ? Non eft nofiri ingenii : ve
ftri auxilii eft , judices! Hujus innocen
tie ſic in bac calamitoja fama quaſ
in aliqua perniciofiffima flama , atque
in comnuni incendio ſubvenire . Cicero
pro A. Cluentio , n . 4.
Outro exemplo : Que direi da in
folencia com que eſte bomem ſe atreveo
publicamente a injuriar o Magiſtrado?
Que direi das blaspbernias que proferio
contra o , Principe ? Que direi , em fim ,
das intrigas com que procurori fazer
complices do ſeu deli&to os Cidadãos
mais honrados ,maiş religioſos , e de ma
ior fidelidade ? Mas que hei de dizer ?
Nada digo ; e ſó me admiro , que por
tanto tempo fe haja ſoffrido hum mei
bro taó podre , e tað perniciofo - Repu
blica !

Elta Figura coinmove grandemen


te o auditorio : tem o ſeu mais pro
. prio
DE RHETORICA. 177
prio lugar na maior força do dizer , e
he de notavel efficacia para convencer ,
e deſenganar: porém aflim eſta , como
outras de grande artificio , nað ſe devem
repetir na meſma Oraçað.

$. LII.

Das Figuras que ſervem para in


Jiruir.

DEFINIÇA O.

Oſtoque eſta Figura pertença aos lu


gares intrinſecos , como fica dito ;
P
com tudo , pelo que toca ao preſente ,
entað ſe fórma , quando para maior cla
reza , e ornato , le explica com decen
cia e exacçað aquella couſa de que ſe
trata ; e neſta exacçað ſe diverſifica da
deſcripçað , de que le ha de tratar depois ;
poſtoque , geralmente fallando , huma é
outra le tomem de ordinario pelo mef
mo. Exemplo : Qui funt igitur rea
pulſi ? Non ut opinor , ii , qui aliquard
do 2011orem , vitio civitatis , 1.092 [ 160,9
non funt affecuti. Nam id qilidem mul
is M tis
7
178 E'N SAIO
tis fæpe optimis civibus , atque hone
fillimis viris accidit. Repulſi ſunt ii ,
quos ad omnia progredientes , quos mu
nera contra leges gladiatoria parentes ,
quos apertifſimè largientes , non folum
alieni , fed etiam fui vicini trivules,
urbani , ruſtici repulerunt. Hi ne ho
nore augeantur , inonemur. Debet elle
gratuin , quod prædicunt : ſed tamen
huic malo populus Romanus ipfe , nul
lo haruſpicum admonitu , fua fponte
proſpexit. Deteriores dc. Cicer. De
Haruſp. Reſponſ. n . 56. Outro : Val
fallos unicamente ſe podem chamar
aquelles , que reſpeitam , que obede
cem , e que amam no ſeu Principe.
He preciſo que a Definiçao , como tam .
bem fica dito , nao fique em dúvida ,
feja inais clara que a meſma couſa que
ſe define.

DISTRIBUIÇ A .

Orma-le , quando ſe numeram mi.


F udamente as partes de algum com
poſto , ou as circumſtancias de qualquer
peſſoa , ou coula ', que por iſſo he quaſi
0
DE RHETORICA . 179
O meſmo que a numeraçao das partes .
Cicero pro L. Muræna n . 88 : Si bunc
vejlris Jententiis ajjlixeritis , quo fe
miſer vertet ? Demumne ? Ut eam im
ginem clariſini viri , parentis fui,
e quein paucis ante diebus laureatain in
Jua gratulatione conſpexit , eandem de
forinut am ignominia , legentenique via
deat ? An ad matrem , qu £ mijera 110.
do conjulem ofculata filium fuum ,
40 nunc cruciatur , & folicita eft, ne eun
dem paulo post[ poliatum omnidignite
quid ego matrem ,
TO. te confpiciat ? Sed
aut domum appello ? Quem nova pæ
na legis , de domo , da parente , co
omnium fuorum conſuetudine confpe
Pr
& tuque privat ? Ibic igitur in exiliiun
miſer? Quo ? Ad orientis tie partes.',
20
in quibus annos multos legatus fuit , com
d exercitus duxit , dow res maximas gel
fit ? At habet magnum dolorem , unde
cuin honore decelleris , eodem cum igno
minia reverti . Ar ſe in Conturiari par .
tein terrarum abdet, 11t in Gallia
Ti Tranſalpina , quem nuper ſuming cum
imperio libentijjime viderit , eundem
lugentem , merentem , exulem videat?
M 2 112
18 ENSAIO
In ea porro provincia , quo anime C.
Murænam fratrem fuum afpiciet ? Qui
hujus dolor ? Qui illius memor erit ?
Quæ utriuſque lamentatio ? Quanta
autem perturbatio fortunæ atque fer
mouis , quod , quibus in locis paucis
ante diebus fa &tum ele conſulein Mu
renam nuntii litteræque celebraſſent,
at unde hoſpites atque amici grat16.
latum Romani concurrerint , repente ed
accedat ipſe nuntius Sua calamita
tis , doc.
Eſta Figura , poſtoque neſte lugar
ſirva adıniravelmente para mover , a lua
diſpoſiçaõ he muito propria para inſtru
ir , principalmente quando ſe nað acha
complicada com outra Figura ; como
por exemplo : Quæ res in civitate dua
plurimuni poffunt , ea contra nos am
bæ faciunt in hoc tempore , ſumma gram
tia , & eloquentia : quarum alteram ,
C. Aquili ; vereor ; alteram metuo. Elo
quentia C. Hortenſii ne me dicendo inr
pediat , 11011 nihil commoveor : gratia
Sexti Nævine P. Quinctio noceat , id
verò non mediocriter pertimefco. Pro P.
Q.n. 1. Outro : As Leis , ou ſe obſer.
want
DE RHETORICA. 18.1
vam , ou ſe deſprezam : obſervadas yer
vem de freio à liberdade ; transgredi
das ſervem de protecçað aos vicios. Eſta
Figural ſerve como dizemos , para
X inſtruir .

INTERPRETAÇ A 8 .

Orma -ſe , quando o Orador expli


F ca e dá o verdadeiro ſentido de al

gumas palavras , ou acções ', de que po


deriam duvidar os ouvintes , inoſtran .
do tambem o meſino Orador ao prin
cípio a meſma dúvida , e com effeito
77 explicando'; como por exemplo : Eque
pertende eſte bomem perſuadir , quando
nos diz que he neobré , e de ſangue iba
luftre ? Que nenhuma peſſoa deſta claf
14ſe pode cómetter ſemelhante delitto ?
Naó , Senhores : elle nao pode eſque
1
cer-ſe de que hun leu aſcendente , e
W nað muito longe de nos , foi deſterrado
meſma culpa. Pois que he o que
=; pela
diz com eſta allegaçao da ſua fidal
guia ? Eu o digo : que nañ tem com que
Je defenda , e que por iſo recorre a ſe
melhantes argumentos. Outro : Efa Lei ,
Se
182 ENSAIO

Senhores , com que allega a parte como


trária , he ſanta , he pia , he digna de
buma Republica ſábia , e experimen
tada ; inas o fim porque foi. eſtabelecida,
já ſe deſvaneceo de todo: vos bem sabeis
que ceſtou ba tempo conſideravel a ſua
obſervancia , e que por conſeguinte se
não deve preſentemente julgar alguem
comprehendido nella .

CON GERIE.
1

Orma - ſe , como fica dito , quando


F se
ſe pertende , para deſte modo ficarem os
ouvintes mais bem inftruïdos na mate
ria de que ſe trata , e neſtas preciſas cir
cumſtancias lic que pertence a eſte lugar;
como por exemplo : Diſpenſar na Lei,
Sesibores , nað be niſericordi a , be injk
ſtiça ; nað he piedade , be tyrannia : 4
honra da Naçaó nað ſe pode conſervat
ſem virtude : o focegopúblico totalmen
te ſe defroe pelo crime : os homens po
stos em liberdade , correm deſenfreada
mente pelo caminbo da diſſoluçao , !
cabem nos maiores precipicios : nem ſi
ve ref
DE RHETORIC A. 183
reſpeita Deos, nein quem faz ſuas ve
zes ; aſſim o moftra e moffrou ſempre
a experiencia : nos todos Samos teſti
munhas deſta verdade. Conſiderai , tos
peço , fuppoflas eſtas inevitaveis é fu
nieſtas.confequencias , de quanto pezo
Jeja a materia de que tratamos.

PREMONIÇ A .

Sta Figura ,, he o meſmo


E occupatio, ou preoccupatio , fórma
ſe quando o Orador prevê o que pode
reſponder a parte contrária , e fazendo
i diſto mençao , ou lhe reſponde em pro
Ý prios termos , ou
deſpreza ſemelhante
argumento , ou femelhante deſculpa ;
ou finalmente deixa a deciſað aos ouvin
tes , quando conhece que todos eſtao no
meſmo que ten para fi o Orador. Cice
ll ro in Verr. lib. 5. n . 11. 12 : Quid boc

loco, potes dicere , homo amentiſſime !


Niſi.id quod egonon quaro : quod deni,
que in re tail nefaria , tametſi dubitari
non poteft, tamen nè fi dubitetur qui
dem , queri oporteat : quid aut quan .
#tum , aut quomodo acceperis : remitto
ti
1 7
184 , ' E'N ' ¢ A 10
tibi hoc totum , atque ifta te cura libero:
neque enim metuo , nè hoc cuiquam per
fuadeatur , 11t , ad quod facinus nemo
præter, te ulla pecunia adduci potre
rit , id tu gratis ſuſcipere conatus sis .
Verum de ifta furandi , prædandique
ratione nihil dico : de bac imperatoria
jam tua laude diſputo. Outro : Parece
me efar ouvindo clamar em altas vozes
contra mirn , porque o meu zelo pela jul
Niça me obriga ' a pór na volj a preſença ,
Senhores meus , o peſſimo procediments
deſte homem : porém comofallo em pri
meiro lugar, é temo a ſiia aſtucia , na
quéro depois ter de que posa arrepen.
der -me : além de que , ſó bum honiem co
mo efle , podia commetter femelhante
delicto : ſó quem the conhecer as in
clinações , os coſtumes , o caracter ,
naõ admirará de que tiveſſe ouſadia pio
ya pór en pražtica tal- atrocidade. Ov
tro : Neire ine digim, que o perſuadiran ,
que o enganaram , que o levaram qual
de rallos para o lugar do homicidio :
buma pe for de tanta experiencia , de
tanta malicia, tao prompto , tað perſex
tido , ſe obra mal , be por vontade pro
pria.
DE RHETORICA. 185
pria. Além de que , pode haver maior
perfuafao para nao commetter deli &tos ,
que a Lei, & hönra , a juſtiça , a humaa
nidade ? Efa Figura tem grande pre
ftimo , principalmente na Confirınacao ,
na Confutaçað , e ainda no fim do Dil
curſo .
COMMUNICA ÇA 6 .

Sta Figura , que também ſe chama


Dialogilinus , entao le forma quan
do o Orador , por modo de dialogo ,
falla comfigo meſmo , ou com os ou
vintes , ou com a parte contrária ; è com
perguntas , e reſpoſtas , vai explicando ,
ou provando , ou perſuadindo o que
pertende . Cicero pro L. Muræna , n . 67:
Quare , ut ad id , quod inſtitui , rever .
tar , tolle mibi e caufa nonen Cato
nis : remove' , ac pretermitte auctori.
tatem , qu £ ii2 judiciis aut nihil valen
Sgie , atit ad falutem debet rolere : 001
gredere inecum criminibus ipſis. Quid
accufas, Cato ? Quid nffers in judici
tem ? Quid erguis ? Amuitum accufas ?
Non defendo. Me reprebeudis quod ideme
defendam , quod lege punierim ? Punivi
ambi.
-186 ENSAIO “

ambitum , non innocentiam : ambitum


vero ipſum vel tecum accufabo , ſi vo
Jes. Dixiſti Senatus confultuin , mere
ferente eil'e factum . Si mercede corri
pri obviam candidatis illent , la con
dueti Jeftarentur , ſi gladiatoribus vul
go locus tributim , L item prandia,
ſi vulgo eflent data ; contra legem cal
purniam factum videri. Ergo ita Sena.
tus judicat contra , legem fa ta bæc
videri , fi facta fint : decernit, quod ni
bil opus ej , dum candidatis morem ge
rit. Nam factum fit , necne vehemen.
ter quæritur : fi factum ſit , quin contra
legem fit, dubitare, nemo poteft. Eſ
igitur ridiculum , quod eft dubium , id
relinquere incertum : quod nemini du
bium potefl ele id judicare . Atque id
decernitur omnibus pofulaniibus can
didatis : ut ex S.C. neque cujus inter.
lit , neque contra quem fitin, intelligi
pollit. Quare doces à L. Murena illa
elte coinmill: tim egomet tihi coiitra
Irgem.comila e la concedans, & c. Eſta
Figura tem admiravel efficacia para con
vencer .

CON
DA RHETORICA . 187

CONCESS Aő .

Orma-ſe, quando ſe concede á par


te contraria alguma couſa. do que
pertende , para melhor a convencer . Ci
cero pro S.Roſcio Amerino , n.73 . agi.
tur de parricidio: quod fine multis caul
fis ſuſcipi ston poteſ apud homines. priu .
dentiſſimos agitur : qui intelligunt ne
minem , ne minimum quidem malefi
cium fine caulja admittere. Eſto : cauf
Jam proferre non potes, Tametfi ftatim
viciffe debeo ; tamen de meo jure dece
danı : 0 :tibi , quod in alia caufa 91 on
concederem , in bac concedam , fretus
bujus rinnocentia . Non quæro abs te ,
quare patrem S.Roſcius occiderit: quæ
ro quomodo occiderit ? Ita quæro abs te,
C. Eruci , quomodo: fic tecuniag am ,
ut in eo loco vel reſpondendi , vel intera
pellandi tibi poteftatem faciam , ucl eti
am , ſi quid voles, interrogandi . 01:0
modó occidit ? Ipſe perculit , on aliis
occidendum dedit ? Si ipſum arguis ,
Rome non fuit : ſi per alios fecille dicis ,
quæro ; Sirvosne, an liberos ? Quos ho.
788 EN SAIA
mines ? Indidem ne Ameria ? An horce
ex urbe ſicarios ? Si Ameria : qui ſunt
bi ? Cur non nominantur ? Si Roma :
unde eos noverat' Rofcius , qui Roman
multis annis ilon venit , neque unquam
plus triduo fuit ? Ubi eos convenit ?
Qui eum locietus eft? Quomodo per
fuafit ? Pretium dedit ? Cui dedit ?'Per
quem dedit ? Unde , aut quantum de
dit : Nonne his veſtigiis ad caput ma
leficii perveniri folet ? Et fimul tibi in
mentem veniat facito , quemadmodum
vitam hujufce depinxeris ,& c. Neſte er
emplo tambem ſe obſerva o dialogiſ
mo. Eſta Figura he muito nobre , e
tem a ineſina efficacia , eo mefmo pre
ftimo , que a antecedente. O primor de
ſta Figura confifte , em que de quanto
concede ao contrário , ou ſe nað figa o
que elle pertende , ou ſe poſſa deduzir
o que nos pertendemios , ou o contrá
rio do
quc elle quer.

Objecçao.

dor , ou ,duvida contra ſi proprio ,


ou propõe a dúvida que lhe podem
oppôr ,
DE RITORICA. r89
oppor , e elle meſmo reſponde ; como
por exemplo : Primeiro que tudo quero
allegar o maior argumento que ten a
ſeu favor efie delinquente : nao posto
negar , Senbores , que naſceo de Pais 10
bres , e honrados ; que foipor elles edu
cado com vigilancia , e boa doutrina ;
que Joube correſponder ao paternal cui
dado : por muitos annos deo gloria , em
1 muitos e diverſos empregos , aos paren
1 tes , e á patria : foram premiados ſeus
relevantes ſerviços , e Jeu diftinétome
recimento muito attendido : nada diſo
i polo negar : outra vez o proteſto : mas
ol be por ventura a primeira vez que ſe
chegafle a corromper hum Cidadão até
alli benemerito ? Nao be efle trille Juc
10
ceſſo bum dos effeitos mais funeſtos que
Se devem temer 9 e que por tantas ve
zes tem moftrado a experiencia Jerem
DU proprios da nolja inconfiancia ? Neſta I
occaſiao nað ſe trata ſena) do que foi.
Os factos publicos, e notorios , nao le
desfazem por conjecturas , neni por indi
cios. E que delićto mais bem provado
no
do que eſte ? & c . Outro : Nem me di
gam , que todas as teſlimunhas, por
odi ,
190 ENSAIO

odio antigo , ou por ſórdido intereſſe ,


Je confpir irain contra eſte homem. Só
quem nao tiver zelo da juſtiça , ſe dei
narii perſuadir deſta ſuſpeita. Teſtimua
nhas de tantu reputaçaó, de tanta hon
ral , por nenbim mnotivo coſtumam fab
tar i verdade , doc. Eſta Figura he de
grande preſtimo para dizer com força,
e clareza.

SustenT A Ç A .

, que
E
dilaçao , ou lulpenlað , fórma - e ,
quando o Orador tem por algum tempo
tulpenfo o auditorio , lem que lhe lein
bre aquella ſentença para que vê le pre
para o Orador ; como por exemplo , fal
jando de hum General que morreo na
batalha, para ſignificar o quanto era bem
quiſto e amado de ſeus ſoldados , ſe po
deriz dizer aſlim : Mas que be iſto , qile
de repente acontece ? Perturbam - ſe os
vencedores , quando já eflaó quaſi del
burntados os inimigos ! Naó vað ein
feu leguimento , não os acabam de de
fruir , paru jer completo o triumpbo!
Dejo
DE RHETORICA . 191
Deſperdiçam as poucas horas que reſium
de luz , e que eran ſufficientes para fa
zer mais gloriofa a victoria ! Canſou
Je por ventura jamais de vencer é de
triumpbar algum ſoldado ? O campo dos
vencedores em ſilencio ! Deftempera
s dos os bellicos inſtrumentos ! Sem ba
- ver quem ſe aproveite dos deſpojos mi
litares ! Os meſmos deſtroçados inimi..
gos , obſervando de longe o que acon-' -
tece , ſe admiram deſta novidade. Mas
eſte be o verdadeiro premio da virtude :
bavia acabado a vida aquelle genero
So guerreiro , ferido de búma bala : nað
puderam , nem o ardor militar , nemo
goſlo daquelle dia', nem o intereſſe par
ticular , e público , triumphar do ſentis
mento que en todo hum exercito , e.tao
numerolo , caufou aquella morte , & c.
Hum Author Portuguez ,fallando da con
verſao de Saulo , diz aflim : Ponde - vos
á viſta de Damaſco , vereis toldar -ſeo
Ceo , bramir os ventos , eſcurecer -le e
accender- ſe as nuvens , tudo relampa
gos , tudo trovóes , tudo raios. Que
he iſo ? He que deſce Chriſto do Gena
converter 6 A reduzir a Saulo. Eſta
si
Fi ,
192 ENSAIO

Figura he muito pompoſa, e por iſſode


vemos uſar della rariſſimas vezes , e
porque tem muito conhecido artificio.
İNunca ſerá licito na ineſma Oraçao ular
della inais de huma vez : cabe melhor no
Genero Demonſtrativo , que n'outro
qualquer : nað ſe deve ter por tempo de
maſiado fufpenfo o auditorio ', porque
degenera em affectaçao , e caufa faftio.
E le no fim , o Orador ſahir com algu
ma couſa trivial , ſe tornará todo o fau
fto da meſma Figura em puerilidade.

PRETERIG A 6.

Orma- ſe, quando o Orador dizo


F mais aque pode dizer - ſe , poſtrando
que o nað pertende dizer , ou por falta
de tempo , ou pela circem tancia do lu
gar em que le acha , ou por ſerem cou
ſas de todos ſabidas , ou por ſer liniita
do ; iito le , determinado o ſeu affum
pto ; ou porque ſab couſas taes , que
para as dizer dignamente , nao tem a
preciſa eloquencia , ou por nað offen
der a modeſtia de quem as ouve , ou
por outro qualquer juſto motivo ,
ul
DI RHETORICA. 193
di ultimainente porque nað ſerve o que
pa ſe podia dizer para a cauſa . Acham - ſe
em Cicero muitos e admiraveis exem .
plos deſta Figura. Pelo ultimo motivo
napontado na Oraçao pro P. Quinctio n .
2:13. diz aſlin : Verum bis de rebus, non
necejje habeo dicere eu, qılæ ine P. Quin ,
DeEtius cupit commemorare : tametſi cauf
Sa poſtulat, tamen quia poftulat , non
wflagitat , præteribo. Abſolutainente fal
clando pro Roſcio Amerino n : 75 . Qua in
re prætereo illud , quod mibi maximo
argumento ad hujus innocentiam potem
rat ele in ruſticis moribus , in victu
“ irido , in hac borrida incultaque vita
cadaſtiuſmodi maleficia gigni non folere . Ut
0.0210 % oinnem frugem , neque arborem in
pani agro reperire porſis : fic non omne
uporn
acinus in omni vitā nafcitur. In urbe
ICIAS
uxuries creatur : ex luxuria exiſtat
Tères,
svaritia neceſe ef : ex avaritia erum
that audacia : inde omnia ſcelera ac maa
l'eficia gignuntur. Vita autem bæc rule
lica , quam tu agreſtem vocas , parſi
36 noniæ , diligentiæ ,juſtitiæ magiſtra eſt.
jó Verum hec miffa facio. Illud quero, doc.
24. In Catil. n. 14. Prætermitto ruinas
N for
ENSAIO
194
fortunarum tuarum , quas ornnes imi
pendere tibi proximis Idibus ſenties. Ad
illa venio , quæ non ad privatam igno
miniam vitiorum tuorum , non ad do
meſticam tuam difficultatem ac turpi
tudinem ; Jed ad Jummam reipublicæ,
atquè ad omnium noftrum vitam ſalu
temque pertinent. Poteſine tibi hujus
vité hæc lux , Catilina ! Aut bujus
cæli fpiritus eſe jucundus , cum ſcias
borum eſſeneminem , qui neſciat te pri
die Kal. Januarii Lepido do Tullo
Conf . Stetiſe in comitio cum telo ? Ma
num , conſulum , & principum civitatis
interficiendorum cauſa, paravile? Sce
leri , .ac furori tuo non mentem ali
quam , aut timorem . tuuni, ſed fortu.
wam reipublicae obftitiſſe ? Ac jam ills
mitto : neque enim ſunt obfcura , as:
nosi multo poftea commiſſa , & c. Ela
Figura. he de grande preſtimo , aſſim no
Genero Judicial, como moftram os ex
emplos acima , como tambem no Dea
liberativo , e principalmente no exor.
nativo ; pois com ella ſe podem dizer em
breve as acções , que nað ſeria poſſivel
referir por extenſo . He neceſario qu?!
DE RHETORIC A. 195
tudo quanto ſe diz por meio deſta Figu
ra , fe diga por termos , e phraſes, e pa
lavras as mais eſcolhidas ; breves , no
bres , e ſignificantes ; pois aſſim a ex
tenfaó , como a baixeza , deita a perder
toda a pompa deſta Figura : as formulas
de dizer , far as ſeguintes : Que 11añ di
ria eu defte Heroe , ſe o conſideraj] e co
3110 bomem particular , e nao publico ?
Que prudente economia nos intereſes
da ſua caſa , da lua familia , da lua
peltoa ? &c. Outra : Que acçað ha de
juſtiça , de valor , de grandeza , de bila
manidade , que nao practicalfe em todo
o tempo de ſua glorioſa vida ? Aqui
ſe devem narrar as taes acções pelo mo
do que fica apontado , e depois acabar :
Mas eu nað pertendo lembrar o que
todos tem preſente na memoria , o que
certamente ba de paſar de pais para
filbos por tradiçaõ conſtante , o quie en
outros muitos Heroes ſe adinira : o meis
argumento he eſcrever o que alguns
ignoram , o que encobrio i gue mode
fia , o 911€ einl fin lbe fórm o ſeu glo
rioſo e particillar caracter , e o di liz
gue na mejina virtude dos outros' bo
N2 mien
196 ENSAIO
mens , doc. Deve - ſe advertir ultimamen:
te , que eſta Figura nao cabe mais de hu
ma vez namelina Oraçao , principalmen
te ſenað for muito breve .

CONHECIMENTO .

ſa claramente , que eſtá conhecen.


do os penſamentos ou a opiniaõ dos ou
vintes , ou do contrário : em pouco dif.
fere da Premoniçao ; como por exem
plo : Bem conbeço , Senhores , que eſtais
jerſuadidos mais do intereſſe público
que ainda de minhas razões ; mas que
ro por ultimo lembrar - vos a reflexar
Jeguinte , &c . Outro : Nað me caus
novidade o que a meu reſpeito poder
atrever-fe a pôr na volj a preſença di
meus contrarios : ' eu meſmo , ſem qu:
elles o accufalem , o confeſ ára. D:
zem que levo intereſe , e grande , nifi
cauſa : 118ő o nego . Que maior interela
ſe para hun bomein de bem , que a juli
ça ? Que maior honra , que defendi
bum innocente , dc.

IGNO
DE RHETORICA : 197

IGNORANCIA.
2012

Orma-ſe , quando o Orador para


F , 9

TOignora o que acontece , ou os termos


com que deve fallar na materia , ou o

rajuizo
de que deve formar ; coino por exem
plo : Eſte o faéto , e confeffo ingenud.
dái
mente , que nao tenho palavras com
que explique o borror que me cauſa Je
mnelbante atrocidade , doc. Outro : Cox
oprello que nao porto entender o que en
contrário ſe allega , buc. Outro : Com
Mer tað público eſte facto, eu ſou o que
esitenbo delle monos noticia ; e lem embar
-ko diſo , nao me po to perſuadir de que
si l'al aconteceſo : 0 pouco oue ſei , me er
elitbe de borror, & c . Delta Figura deve
-ſe
przfar com muita moderaçað , e nað fingir
gnorancia em couſas de pouco porte ,
de todos ſabidas ; porque nað degene
e ou em affectaçao , ou em puerilida:
ile. Naó he loftrivel repetidas vezes na
neſma Oraçao .

S.
198 ENSAIO

S. LIU .

Das Figuras de ſentenças , que mais


propriamente fervem para deleitar.

APOSTROPHE.

E Converfio , fórma- ſe quando o Ora


dor volta o diſcurſo , ou para fi pro
prio , ou para os ouvintes , ou para a
parte contrária , ou para qualquer cov
fa , ou preſente , ou auſente , ou anima
da , ou inanimada. Poſtoque eſta Figu
ra ſe ache neſta claſſe entre as que fer
vem para inſtruir , tem grande preſtimo
para mover. Humas vezes falla o Ori
dor com huma peſſoa unicamente , OL
tras vezes com muitas , e ſe chama Apo
ſtrophe dobrado. Acham -ſe em Cicero
muitos e admiraveis exemplos delta F :
gura . Na Oraçað por domo ad Pont. 1 .
113. , depois de moſtrar que uſáram do
buſto de huma meretriz para ſignificar
dcofa da liberdade , diz aſlim : Hanc d
ain quisque violare audeat , imagineit
1124
DE RHETORICA 199
meretricis , ornamentum ſepulchri , à
fure fublatam , à ſacrilego collocatam .
Hæc me domo mea pellet ? Hec ultrix
affli &t e civitatis , reipublicæ ſpoliis or
rabitur ? Hec erit in eo monumento ,
quod pofitum eft , ut eſet indicium
opprelli Senatus ad memoriam ſempiter
sam turpitudinis ? 0 2. Catule ( paa
tremne appellem , an filiun ? Recen
tior memoria filii eſt ; d cum rebus
meis geſis conjunctior ) tantumne te
fefellit , cum mihi ſumma du quotidie
majora premia in republica fore puta
bas ? Negabas fas eſſe , duos confules
eſſe in bac civitate inimicos reipublice.
Duo ſunt inventi , qui Senatum tribuno
furenti conſtrictum traderent : qui pro
mepatres conſcriptos deprecari , & po
pulo ſupplices elle , ediétis atque impe
rio vetarent : qnibus Spectantibus , do
mus. mea diſturbaretur , diriperetur :
qui denique ambuſtas fortunarum me
arum reliquias , ſuas in domos compor
į tari juberent. Venio runc ad patrein.
Tu Q. Catule , M.Fulvii domnuni, CINE
is fratrisſui ſócer fuiſſet monumentum
manubiarım tuarum ele voluifti , ut
ejus ,
200 ENSAIO
ejus , qui perniciofa reipublicè confi.
lia cepilet , omnis memoria funditus
ex oculis hominum , at mentibus tol.
Beretur .... dow videte kominis intolera.
bilem audaciam cum projeta quædain
do effrenata cupiditate, br . Veja-ſe o
meſmo Cicero pro Quinct. n . 4.2. in
Verr. n . 33. 3. Ver. n . 81. Ver. 6. n . 18.
& n . 79. Ver. 7. n . 122. & n . 270. Pro
Mur. n. 78. & n . 81. Eſta Figura he ad
miravel , e tambem ſerve para mover os
affectus : quaſi ſempre ſe uſa della com
plicada com outras Figuras , como ad
miraçao , repetiçao , dialogiſmo , e le
melhantes : faz grande effeito quando ſe
falla com couſas inanimadas , e tem o
ſeu lugar na força do dizer , e tambem
na Peroraçað : lem embargo , porém 1
de tudo iſto , toda a ſua formolura ſe
tornará em affectaçao , ſe uſarmos del
la muitas vezes na Oraçað , e ſem que
a materia o eſteja pedindo.

DESCRIPÇA Ó.

, com
pompa , e ornato, alguma peſſoa,
ou couſa. Cicero pro Lege Manilia , o.
30.
DE RHETORICA . 201
16
30., faz huma pompola deſcripçað das
virtudes de Pompeo : Jam vero virtuti
Cn. Pompeii que poteft par ratio immeni
ri ? Quid efi , qiiod quiſquam aut di
Es gnum illo , aut vobis novum , aut cui
I quam inauditum pofit afferre ? Non
enim ille ſunt folie virtutes Imperato
rie ; quæ vulgo exiſtiniantur , labor inz
negotiis , fortitudo į periculis, indul
fria in agendo , celeritas in conficiendo,
i conſiliuın in providendo : quæ tanta
& funt in hoc uno , quanta in omnibus
reliquis Imperatoribus , quos aut vi
dimis aut audivimus , non fuerint.
TIC
6 Teſtis eſ Italia , quam ille ipſe viktor
L. Sulla hujus virtute, du conſilio con
es felus eſ liberatam : teris eft Sicilia,
f quam multis undique cin &tam pericul
mia lis , non terrore belli , fed celeritate
TO confilii explicavit : teſtis eſt Africa ,
que magnis opprefin hoftium copiis ,
eorum ipſorum Sanguine redundavit :
teftis en Gallia , per quam legionibus
noſtris in Hiſpaniam iter Collorin
internecione patefactum ell : teſis eſt
Hiſpania , quæ Sepiffime plurimos ho
fuperatos , pofiratosque conſ
pes ab boc
pe
202 ENSAIO
pexit : teftis eſt iterum , do sæpius Itä
lia , quæ , cum ſervili bello tetro , peri
culofoque premeretur, ab hoc auxilium
abſente expetivit : quod bellum , & c.
E aflim vai continuando cada vez com
maior pompa. Neſte exemplo ſe admi
ram muitas Figuras , e com grande ele
gancia . Hum dos noſſos Authores traz
a ſeguinte deſcripçað: Via -ſe a deoſa ( a )
todă ornada , e enriquecida de joias ,
que mais pareciam roubadas á nature
za , que imitadas da arte : nos dedos ,
annéis de diamantes; nos braços, brace
letes de rubins ; na garganta , affoga
dor de grandes pérolas ; 110 toucado,
grinalda de eſmeraldas ; nas orelhas,
ckuveiros de aljofar ; no peito , bum
camafeo em figura de Cupido , cercado
de huma rofa de jacinthos , com os ais
da meſma flor por raios ; as alparcas fe
meadas de todo o genero de pedraria ; as
roupas recamadas de ouro , e tomadas
airoſamente em hun cintilho de ſapphi
ras. O meſino Author em outro lugar ,
diz aſliin : Alia be aquella Regiao com
po
( a ) Falla de Venus pintada por hum diſcipu
lo de Zeuxis.
DE RHETORIC AZ 203
poſta de muitas , da qual nunca ſahi
11 ram ſeus habitadores , nem deram en
strada a outros ; porque para a vida 2,
e para o regalo , tem dentro em ſi tudo
o que pode deſejar , ſem o receber de fó
ra. Aſia he aquella primeira fonte , ou
mãi de todas as Sciencias , onde nað ſó
as profeſ áram e enſinaram os Chalde
os , mas contra as in júrias de ambos
os diluvios , que conheceram , as deixa
rain efcriptas , e immortaes , em duas
3 columnas ; huma invencivel á agua ,
outra ao fogo. Alia ſao aquelles vaftif
fimos e poderoſisſimos Imperios , onde
# rein iram os Ninos , as Semiramis , os
Xerxes , os Sennacheribes , os Arpha
xades , os Aſſueros , os Darios , os
Balthazares , os Nabucodonoſores , e os
mais altos e ricos membros da ſua fil
e mola eſatua . Aſia Saó aquellas terras
populoſiſſimas , nas quaes , com fábri
cas monſtruolas , ſe edificaram as Ni
nives , e Babylonias , e depois dellas
as Sulas, e as Ecbatairas , que ſe na
grandeza as ilað igualárain , na rique
za , ni opulencia , e na architectura
as vencerain com exceſso o tentoso qua
si
204 ENSAIO
si incrivel. Aſia he a patria , que o foi
do primeiro Pai do genero humano , 011–
de o meling Author do Univerſo foi a
Agricultor que plantou o Paraiſo ; de
que fuó teſtimunhas , maiores que toda
a excepça) , os dous rios Tigres , e E1
phrates, que da meſma fonte naſceram ,
que longamente cortam e regam ſeus
campos , e que aos ſeus , e nao a outros
mares , vao pagar o tributo. E para que
á viſti di grandeza que agora direi,
Jejami pequenas todas as outras , Alice
be aquella terra , que para nafcer , vi
ver , e morrer , eſcolheo o Filho de Deos
feito hoinein , &c. Eſta deſcripçað he ad
miravel , mas comprida. Veja a deſcri
pçao de Fr. Luis de Souſa da Serra de
Montejunto , e do Convento de Bemfi
ca ; poltoque para entrarem em Oraçao,
deinalidainente extenſas. Efta Figura ,
quando della ſe uſa com proporçao ao
que ſe diz , he admiravel para conci
liar agrado , e ainda louvar , para vitu
perar , e para convencer . He preciſo ,
porén , uſar de termos proprios ; iſto
he, de teimos inilitares , para deſcrever
huina batalha ; de nautica , para deſ
cre
r
DA RHETORICA . 205
! crever hum navio , huma tormenta ; de
architectura , para deſcrever hum edifi
cio , e aſſim no demais ; pois o con
trário he indigno de hum Orador. Tam
bem ſe deve advertir , que a deſcripçao
W ſirva de credito , e engrandeça de algum
modo a materia ; e niſto he Fr. Luis de
Souſa inimitavel ; pois tudo quanto ca
1 hio debaixo da ſua penna , foi bem
affortunado. Ultimamente as deſcrip
ções devem vir a propoſito , c nao por
! capricho ; e na meſma Oraçað mal po
in dem caber muitas , e nenos ſendo com
de pridas .

HYPOTY POSIS.

e
E Sta Figura ,que Cicero chamaa tam
que
0
muitos dað o nome de Demonſtraçao , e
outros de Imagem , . fórma- ſe , quando
o Orador exprime tað vivamente o que
11 pertende , que parece quaſi que ſe eſtá
vendo . Em Cicero acham - ſe exemplos
admiraveis. In Verr. Lib . 2. 1. 108.Vi
detis illum Jub crifpo capillo nigrum ,
qui eo vultu nos intuetur , ut fibi ipfé
petic
206 ENSAIO
peracutus effe videatur ? Qui tabulas

ienet ? Qui /cribit ? Quimonet ? Qui


proximus eſt ? Is efC . Claudius , qui
in Sicilia jequeſter illius , doc. In Verr.
lib . 5. n . 160. Ipſe inflammatus fcelere ,
du jurore , in forum venit : ardebant
oculi : toto ex ore crudelitas emica
bat : expe &tabant omnes , quò tandem
progreffurus , aut quidnam ačturus
el'et , cum repente hominem proripi,
atque in foro medio nudari , ac deli
gari, & virgas expediri jubet . Cla
mabat ille miſer , le civem ele Roma
num , municipem confanum : meruijſe
Se cuin L. Pretio Splendidiſſimo equite
Romano , qni Panormi negotiaretur ,
ex quo bec Verres ſcire pollet : tun
ifte ſe comperille ait, eum ſpeculandi
cauſa in Siciliam ab ducibus fugitivo
rum elle milum :cujus rei neque in.
dex , neque veſtigium aliquod , neque
Suſpicio cuiquam efl'et ulli. Deinde ju
bet undique bominem proripi, vebe
mentifimeque verberari: cedebatur vir .
gis iiz medio foro Meland civis Roma
nus , Judices ! Cum interea nullus ge
mitus , nulla vox alia iftius miſeri in
ter 1
DE RHETORICA : 207
7 ter dolorem , crepitumque plagarum au
diebatur , nifi hæc , civis Romanusfum .
Hac le commemoratione civitatis omnia
verbera depulfurum , cruciatumque à
corpore deje &turum arbitrabatur. Is 11012
modo hoc non perfecit , ut virgarum tim
deprecaretur: ſed cum imploraret ( e
i pius , ufurparetque nomen civitatis ;
crux , crux , inquam , infelici , & ærlb
mnolo , qui nunquam iftam poteftatem ,
viderat , comparabatur. O homen dul
ce libertatis ! O jus eximium noſtre
civitatis ! O lex Porcia , legesque Sem
proniæ ! O graviter defiderata , & ali

! quando reddita plebi Romane Tribuni


tia poteſtas ! Huscine tandem omnia re
ċederunt, ut cives Romanus , in Provin
cia populi Romani , in oppido fæderato
rum , ab eo , qui beneficio populi Roma
ni faſces , & Secures haberet , deliga
tus in foro virgis cæderetur ? Quid , cum
candentesque laminæ , cæterique
ignes,
cruciatus admovebantur ? Si te illius
acerba imploratio , & vox miſerabilis
non inhibebat , ne civium quidem Ro
enanorum , qui tum aderant , fietit , do
gemitu maximo commovebarë ? 112 cru
се
208 EN SALO
cem tu agere aufis es quemquam, qui
Je civem Romanum eſſe diceret ? Nólui
tam veheinenter agere hoc prima actio
ne , Judices ! Nolui. Eſte exemplo he dos
melhores retalhos de Eloquencia que ſe
acham em Cicero. Além da Figura de
que trata inos , de que outras nað eltá
ornado? Depois diſto , tudo quanto le
pode trazer para aqui, parecerá frio,
fenað for do meſmo Author , tudo deſa
engraçado. Sem embargo , porém , de
ſte conhecimento , ſempre apontarei al
guns exemplos de hum noſſo Eſcri
ptor de boa nota : Vedes aquelle bo
mem robuſto , e agigantado, que com
1 aſpecto ferozmente iriſte , tolquiados os
cabellos , cavados os olbos , e corren
do ſangue , atado dentro em bum carce
re a dilas fortes cadeas , anda moendo
en hıma atafona ? Pois be Sanlað , d.
Outro : Viftes já a bum Medico tomai
o pullo ao enfermo, e arqueando as for
brancelhas, com geſtos de admiração ,
fazer o conpajo com a cabeça aos gola
pes do meſmo pulfo ? Com eſta Figara
ſe pode exprimir o que já paſſou , o que
preſentemente acontece , e o que ſe jul
de RHETORIC A. 109

ga pode acontecer para o futuro , uſan


do de fórınulas diverſas ; como por: ex
emplo : Purece=ine 412 ju ejlou yendo as
funejis. confequencias deſte cafo. Pas
rece -ine qise eſiou ouvindo os diſcurſos
dos Senadores , eo run or da plete. Tee
mbo tuo vivo na imaginaçaõ aquelle fuc
ceſo , como le o ellicer :: vendo com os
que
21 proprios ollos , & c. He preciſo todo o
cuidado neſta Figura , em que os ter
mos ſejam proprios , e que ſe pinte com
as ſuas proprias côres a imagem que ſe
pertende propôr aos ouvintes. Tain
bem nao deve abundar a Oraçao em ima
gens , porque neſſe caſo perderáð todo
o ſeu valor.

20
PROSOP OP É I A , ..
11%

Sta Figura , que he das mais faino


E fas , val oneſmo
matfe quando o Orador finge , ou que
falla com alguma .pe Soa que ou mó ex
iite , ou altaí aufente ; ou, com alguma
couſa que nao pode ouvir , ou que al
guna deſtas pulas , . 0u coulas , falda
lan çoino Orador , ou com o trem ad
210 ENSAIO
Herén . lib . 4. n . 66 : Quod ſi L. ille
Brüttes reviviſcat , do hic 'ante pedes
veſtros adfit , nou bac utatur oratione?
Ego Reges ejeci, vos tyrannos intro
ducitis ? Ego libertatem , que non erat,
peperi : vos partam ſervare non vultis ?
Ego capitis mei periculo patriam libe
ravi : vos liberi , Jine periculo , elle non
curatis ? Cicero 1. in Catil . , fallando da
patria : Quæ tecum , Catilina , fic agit,
& quodammodo tacita loquitur : nul
liim jam tot annos facinus extitit , ni
ji parte ! Nulluni flagitium fine te!
Tibi uni multorum civium neces , tibi
vexatio , direptioque fociorum , inps.
nita fuit , ac libera ! Tu non folum
ad negligendas leges ,, ac quæftiones,
verumetiam ad evertendas, perfringen.
dasque valuiſi ! No meſmo lugar ci
tado, diz affim : "Etenim fi mecum på
tria , quæ mihi vita mea multo eft cha:
rior fi cunéta Italia : fi omnis Rel
publica loquatur : M. Tulli quid agis?
Tunc eum , quem elle boſleni comperi
fi ; quem ducem belli futurum vides ;
quer expećtari Imperatorem in caftr :
Lerium jentis ; autiorem fceleris ; prim.
DE RHETORICA . 219
cipem conjurationis , evocatorem ſervo- i
rum , dy civium perditorum ; exire pa
tieris , ut abs te non emiſſus ex urbe ,
fed immiſſus in urbem elle videatur ?
O meſmo Cicero pro Milone : Vos , Al.
bani tumuli atque luci , vos , inquam ,
imploro , atque obteftor , vosque Alba
norum ooruite ar z , ſacrorum populi
Romani focie do æquales, quas ille preo
ceps amentia , celis poſtratisque lan
Etiſimis lucis , fubftruétionil inſanis
mõlibus opprefferat, &c . Outro : Aquel
le meſmo cadaver , ainda 'enfanguenz
tado.; aquella meſma terra , que ainda
conſerva o meſmo ſangue freſco ; os
UBE Altares , as paredes daquelle Templo ,
no qual ſe cómetteo tam execrando las
crilegio , tudo , Senbores , los eſtá pe
dindo juſtiça , e vingança. Outro de
hum noſſo Eſcriptor : Hervazinba do
campo , que agradecimentos ao Sol fao
eltes ? Naš vedes tantas arvores , e tan
tas plantas , que recebem do Sol tanto
mais ; que' vós ? Pois porque ibe ha'a
1 veis vos de for a mais agradecida da
tadasx Porque me méço dentro da mi.
nha espera : conheça que forberva ,e
02 ucha
212 ENSAIO ?
acho que ninguem devès mais ao Sol ,
que eu ; porque me fez gigante das
tervas , & c. Elta Figura nað fómente
ferve para inſtruir , mas tambem para
lou var , para vituperar , para reprehet
der , para perſuadir , e para mover a
ira , ou a commiferaçað. Como he hu
,
della muitas
This
oreileri IDOLO PÉIA.. !

Orma-ſe , quando o Orador intro


Alduz a fallar o que nao tem corpo ,
nem , vozes , como ſe foſſe corpo , e ac
ções corporeas. O melhor exemplo que
encontrei neſte género , he o ſeguinte :
Inclinara Deps on Ceos , e aviſinhar-ſe
ba mais a terra , para . caftigar ſeus
kabitadores : debaixo dos pés terá bun
redemoirsbo de nieven's negras, eſcuras,e
caliginos as : das ventas Wes fakiráð
fimos elpellar desire, de indignaçao ,
de furor 3 do boras , como de fornalba ,
exbutara bum -voicam de fogo tragador,
que tudo accenda em brozas , e coti
vert en arvoesi atroara os ouvi.
dos ,
DE RHETORICA. 213
*1 dos attonitos com os brados medonhos
da ſua voz , que faños trovões : cegará
a viſta com o fuzilar dos relampagos ale
ternadamente accefos , abrindo -ſe , e
. tornando -ſe a fechar o Ceo , temeroſa ,
D mente fendido : difparari finalmente as
TO ſuas féttas , que fað os raios';ie corifo
ed abater-fé-bað os inontes , retuni
bario os valles , affındar-ſe-hao até
aos abufonos os mares , deſcobrir -fe-ha
o centro da terra , e apparecer að re +
voltos os fundamentos do mundo ; e .
Eſta Figura em pouco differe da ante
do cedente.
mi
E T HO P ÝI A.
TO

E mo que as antecedentes : forma-fe ,


quando ſe exprimnem ao vivo os coſtu
mes , acções , ou ſentimentos de quala
quer peſſoa. Cicero pro L. Muræna ,
n . 49. Etenim te inquirere videbant ,
triſtein ipfum : mælos amicos , obfervit.
tiones , teftificationes , feduétiones te .
film , ſeceſionein fubfcriptoră animad
vertebant : quibus rebus certe ip i can.
didatorum vultus obfcuriores videri
So
214 E NSAÍO
Jolent: Catilinam ingerea alacremata
qile lætuin , Ripatum choro juventu.
tis, vallatuin judicibus atque ficcariis ,
in flatuin chin ſpe militum , tum colle
gül mei , quemadmodum decebat ipſe,
promifſis , circumfluente colonorum Ara
retinoruin , do Ferulanorum exercitu .
Onam turbam dilimillimo ex genere ,

diſtinguebant homines perculfi Sullani


temporis calamitate . Vultus erat ipſi
us plenus furoris , oculi fceleris , fermo
arrogantie , ſic , ut ei jam exploratus ,
,
O meſino Cicero Orat. poſt redi
tum in Senatu , n . 12. Cum vero in circo
Flamiuio non à tribuno pleb. conful in
concionem ; fed à latrone archipirata
productus elet ; primum proceſit , qua
auctoritate vir ! Vini , fomni, fiupri ple
9141.5 , madenti coma , compoſito capillo,
gravišus oculis , fuentibus buccis,
prelin voce , da temulenta , douc. Falla
de Gabinio . Hum dos noſſos Authores
diz do modo ſeguinte : Vedes aquelle
mancebo inacilento e penſativo , que
roto , e quaſi deſpido , com buma corne
ta pendente 40 honbro , arrimado ſobre
baint
DE RHETORICA . 215
hum cajado , eſtá guardando bum re
banho vil do gado mais alcoraro ? dc.
Eſta Figura tein o meſmo prcitimo, e
pede a meſma cautela , e o meſmo cui
dado que as antecedentes.
3

DIGRESS A .

Oftoque alguns Authores perten


P
ao número das Figuras, e julguem ſer
huma das partes da Oraçao ; com tudo
como tambem ſerve de ornato e nao
tem lugar certo na Oraçao , e bem pó
de eſta ſer perfeira ſem ella , a eſte tra
Utado propriamente pertence. A ſeguin
Cl
te definiçao , que he de Fabio , explica
o que ella he com toda a clareza : ' Ali
ene rei , ſed ad utilitatem cauffie per
tinentis , extra ordinem procuryenis tra
Etatio . Cicero pro L.Muræna , n . 31. fal
lando da cxcellencia da Arte Militar ,
para reſponder ao que ſeus contrarios
allegam , diz aſſim : Verum be , Cato ,
nimium nos noſtris verbismagna facere
demonſtrat , & oblitos ele , bellum ita
lud omne Micbridaticum cum mulier .
C1
216 ENSAIO : 1
cuilis effe geflum . Quod ego longe fe.
C!! s exiſiimo , Judites ; deque eo panca
differain . Neque enim caulja in boc com.
tirrettir . Nam ſi omnia vella , quæ cum
Crecis geljimnes, contemnenda fint:
dirideari de Rege Pyrrho triumphs
M.Curii : de Philippo T. Flaminii : di
Orolis M. Furii : de Rege Perle I.
Pauli : de Pſeudophilippo Q. Metela :
de Corinthiis L. Mummii , doc. Eallim
vai relatando outros e varios triumphos
até o número 34. onde conclue do mo
do ſeguinte : Ac fi miki:nunc de rebus
gelis cj6 516 tri exercitus Imperatorisa
Gate dicendum , plurima c maxiina pre
lizconlinenor are pojem . Sed non id agi
viliis , öc ,
As regras dá Digreſſaó , além das
geracs , ſzõ as ſeguintes : Deve fer util
å ciuta : deve ſer mais breve quando fe
uſa della no principio , ou no fiin da Ora
çað , que quando ſe põe no meio : nun
co deve fer com tanta extenſað , como
delia ufam os Poetas ?: fe for util fer
extenfa , deve cortar -fe , ou para dizer
melhor , dividir - ſe no meio , como fica
dito da Narraçað : deve o Orador tor
nar
DE RHETORICA . 217
pok nar ao ſeu propofito com fórmulas pro
prias , ſe a Digreſſað for-extenſa , que fa
ça lembrar do ponto em que havia fica
loud do : terve para deleitar , e amplificar.
( * !!!
S. LIV .

Das Figuras de ſentenças , que ſer


Tem mais propriamente para mo
ver os affectos.

Clue INTERROGAÇ A .

Orhia -ſe , quando ſe pergunta nao


F fómente o que ſe ignora , mas tam
bem o que fe fabe. Cicero pro Li Flac
co, n . 8315 Ita fcitote, Judices , elle ce
tera : qund nit Lucceius, Lucius Flac
t cum ſibi dare cupille ; lit , fide ſe ab
Pre !
duceret Yeſtertium vicies , & cum ' cu
accufas avaritie , quem dices fefertia
fine
ieto ilin vicies voluifc pierdere? Nam quid.
emebat, cum te emebat ? Ut ad fe tranfia
20
res ? Quain partein Citule tibi dare
[
mis. Al ut annuntiares conſilia Le
lii ? Qui tefes ab eo prodirent ? Quid ?
Nos 1101 videbamisi: babitare 4372 ?
Quis
218 ENSAIO

Quis boc neſcit ! Tabulas in Lalii po


teſtate fuiße , num dubium eft ? An ne
vehementer , ne cupiofe accufares ? &c.
Nos exemplos allegados do meſmo Cia
cero , ſe acha practicada por muitas ' ve
zes eſta Figura. Serve para convencer
e mover com efficacia.

S 2 BJ E CC A .

Onſiſte em reſponder a pergunta ,


COM
,
. ein perguntar , e reſponder. Cicero pro
Roſeio Amerino , n . 144 ; Per deos im
mortales , quæ ifta tanta crudelitas eft?
Que tan fera , immani sque, natura ?
Quis unquam pr.edo fuit, tan nefari
145 ? Quis pirata tam barbarus ? Ut
cum integram predan fine fanguine
babere pollet , cruenta ſpolia detrahere
mallet ? Scis nunc nihil habere , nibil
audere , nihil pole , nibil unquam con
tra rem tua?n cogitoſe : dr Damen oppise
gnas euin , quem neque metuere potes ,
neque odiffe debes , nec quidquam babe
re jam reliqui vides , quod ei detrahere
poſis. Nifi hoc indignum putas , quod
ve
DE RHETORICA. 219
veflituli federe in judicio vides , quen
tu è patrimonio tamquam è naufragio
nudum expulifti : quaſi verò neſcias
bune to ali do veſtiri à Cecilia , Belea
arici filia , Nepotis.forore , Spectatiſi
ma fæmina : que cum patrem clurilli
mum , ampliſſimos patruos , crnatiſſi
inuni fratrem haberet ; tamen cum eiſet
mulier , virtute perfecit , 10 quanto bo
nore ipfa ex illorum dignitate aſicerca
tur , 11011 minora illis ornamenta ex un
laude redderet , & c . Etta Figura con
vence o movecom efficacia ; mas he pre
cilo que a reſpoita fatisfaça cabalmente
å pergunta .

EXCLAM A Ç A O.

tar ou -abater alguma couſa para exal


mos
ver o auditorio ao louvor ; ifto he , ao
amor , ou odio , ou a outra paixao ; e le
fórma ſempre com ſignal de admiraçao .
Cicero pro Sylla , n . 90 : O miſerum drome
infelicem illum diem , quo Conſul onmi
bus centuriis P. Sulla renuntiattis elt !

1 falfam ſpem ! O volucrem fortunam !


0
1
220 ENSAIO

O cecam cupiditatem ! O prepofteram


gratulationem ! Ouam cita illa omnia
ex letitia do voluptate ad luctum do
lacrymas reciderunt ! Ut qui paulo ana
te Conſul deſignatüs fuiffet , retines
ret repente nullum veſtigium priſtine
dignitatis , dc. Eſta Figura , que he
das mais graves , nað ſe deve practicar,
ſenað em caſos que fejam dignos da paie
xao que ſe pertenide excitar a deve for
mar - ſe de terinos graves , eſcolhidos
e proprios . Cicero uſa della inuitas ve
ves na Peroraçað , que he o ſeu lugar
entre todos mais proprio.

ACCLA M A Ç A 7 .

E o meſmo que Epiphonema :


H fórma- ſe , quando o Orador em
huma breve fentença , ou compréhende
o que tem diro , ou repete alguma mae
xima que novamente ſe prováí com o
meſmo de que ſe tem fallado ou def
cobre o fin e os intentos occultos de
alguma peſToa , ou ainda da meſina Pro
videncia. Cicero in Verr : Una atque ea
d - in nox crat , qua prctor amoris tur
pilimi flanma , ac cialis populi Romas
ni
DE : RHETORICA . 221
ni incendio conflagrabat. O meſmo pro
Milone : Pudicitianz.ellm eriperet mi
liti tribunus militaris in exercitu C.
Marii , propinquis ejus Imperataris;
ab eo interfectus eft , cui vim inferebat.
Facere enim .probus adoleſcens pericula
iofè , quam turpiter perpeti maluit . He
celebre o Epiphonema de Virgilio na
Eneida , Liv. I. v. 37 : Tante molis erat
Romanam condere gentera. Depois de
narrar o . laſtimoſo fim de algum marce..
bo de vida livre' , e diffoluta , ſe poderia
acabar do modo ſeguinte : Nefie's abyf
mos je coſtuma por ultimo precipitar
huma mocidade cego , é deſenfreada.
Eſta Figura he de grande porte . Póde - fe
forniar por varios e diverſos modos , e
por muitos lugares ; ifto le , por excla
maçao , por interrogaçao , por oppoſtos,
por repugnantes , e allim pelos demais.
Nao ſerá acertado uſar della muitas ve
zes na meſma Oraçao , porque he mui
to conhecido o 'feu artificio. O ſeu prio
.
fentença aguda ; e le for ial , que os ou
vintes facilmente naða eijcrem , ſendo
fólida ; ainda ſerá melior.
De
222 ENSA I O. ;

DEP Á E.CA ÇA .

Orma-ſe , quando rogamos , ou pe


F dimos alguma couſa , ou a Deos, ou
aos homens. Cicero pro A. Cluentio , n.
200 : Quare fudices , fi fcelus odifis :
probibete aditum matris à filii fangui
ne : date pareriti bune incredibilem do
Lorem ex ſalute . , ex victoria liberum :
patimini matrem , ne orbata filio lete
tur , vićtam potius veflra equitate dif
cedere. Sin autem , id quod vefira natih
ka poſtulat , pudorem , bonitatem , vir
tutemque diligetis ; levate bunc ali
quando ſupplicem vefiruni , judices !
Tot annos in falſa invidia , periculisque
verſatum : qui nunc primuin poft illam
flammam aliorum facto do cupiditate
excitatam , ípe veſtris equitatis erige
me animum , bo paulin reſpirare a me
tu cæpit : cui poſita ſunt in vobis omnia,
quem fervation effe plurimi cupiunt ,
ſervare ſoli vos póteſis, Orüt vos Avi
tus , Judices ! Et flens obſecrat ne le
+ invidie, quæ in judiciis valere non de .
bet ; nèmatri , cujus votad preces à
Ve
DE RHETORICA .
veflris mentibus repudiare debetis ; ne
oppiniaco bomini nefario, condemnato
jam , da mortuo , condonetis , &c. O
meſmo Cicero pro Muræna , n . 87. No
lite , per deos immortales , Judices, hac
eum re , qua fe boneſtiorem fore putavit,
etiam cæteris ante partis boneſlatibus ,
atque omni dignitate fortunaque pri
vare. Atque ita vos Murena , Judices,
orat atque obfecrat , fi injufle neminem
lefit , ſi nullius aures voluntatemve
violavit , ſi nemini , ut leviſime dicant,
odio nec domi , nec militicjuit , ſit apud
vos modeſtiæ locus , fit demiſis kominia
*
bus perfugium , fit auxilium pudori ,
da. Ó meſmo in Verr. Lib . 1. 11. 183.
faz huma deprecacao contra o meſmo
Verres a todos os deoſes , a qual prin
-
cipia : Nunc te , 71pites optim , maxi
me ! He das couſas mais eloquentes ,
que elcreveo o melino Ci
•pompoſas , que
cero. Eſta Figura he admiravel para con
ciliar docilidade , e cómiferaçað. O ſeu
lugar mais proprio ; poftoque tambem
caiba no Diſcurſo , he a Peroraçao.

6 .
224 ENSAIO

DESEJO .
i

implicitamente fea inclúa o Delejo ,


ou clarainente ſe manifeſte ; com tudo ,
para maior clareza dizemos " , que eſta
Figura fe fórma quando ardentemente
pletejamos alguma couſa ' , po manifelta
mos. Cicero pro Muræna , n . 84 : Dii
faxint , ut meus collega, vir fortiffimis,
boc Catilina nefariun latrocinitiin ar
mutus opprimat, dc. Na melina Ora
çao , n . 88 : Si (quod fupiter omen aver
tat !.).hunc veftris ſententiis afflixeri
tis , quò Je miſer vertit ? Outro : Quem
me dera , Senhores , que todos os povos
me ouvijſein , para que todos fonbeſſen
Até onde pode chegar a temeridade de
bum Cidadão pelimo, quando ſe deixa
corromper pelo attractivo da fordido in
terelle ! Mas que digo ? Que deſiredito
ſeria o noto , Je a todos chegalje a 'no
ticia , de que entre nós naſcera e le cre
ára eſte abominavel monftro de cobiça ,
e de infidelidade! Ouvi-me ſomente vo's,
Senhores, para que uſando da voſ'a re
DE RHETORICA . 225
Etidað , da vojfa ſeveridade , e do voja
zelo , extirpeis de todo eſta deshonra
da Naçaó , e da patria. Fique entre nós
Sepultado o crime , e o caſtigo , &c. Eſta
Figura he dei grande efficacia para en
carecer , e ainplificar . Pede que a mate
sia ſeja grave , e de conſequencia.

IMPRECAÇA.

E totalmente oppoſta á Figura:an


НЕ.
tecedente , pois tem ſempre por
objecto o mal que a outrein fe deſeja ;
iſto he , o caſtigo ; como por exemplo :
E ainda vive efle perverſo! Ainda ſe
conſente fobre a terra ! Ainda ſe con
ferva em nolla companbia ! Ainda ve
a luz do dia ! Ainda goza do ar beni
gno que reſpiramos ! E nað la quem
execute o caſtigo , ea morte , que mere
i ce ! Vingai , ó Ceos , os innocentes
que opprimio a ſua tyrannia. Lançai
ſobre eſte monſtro de inaldade todos os
voſſos raios ; e com eſpanto dos mor
taes , e confuſaõ dos malvados , redų .
zi a cinzas eſte inſolente , & c . Eſta Fi
gura cauſa grande terror nos animos dos
P QU
226 ENSAIO
ouvintes,para que aborreçam o vício : he
neceſſario , porém , que a materia feja tað
grave , que eſteja pedindo eſte excello .

EXECRAÇ A Ó .

Orma- ſe , quando fe pertende dete


F ftar o vício . Cicero fallando das bo
das de Saflia : O mulieris ſcelus incredi
bile , & præter hanc unam , in omni vie
ta inauditum 1. 0. libidinem effrenatam
do indomitam . ! O qudaciam fingula
xem ! pwc. Ad Herenn . lib . 4. n . 12 .:
Oferos animos ! O crudeles cogitatio
nes ! O derelictos bomines ab bumani
tate ! Qui agere aufi funt , aut cogita
ře potuerunt. Quo pacto boſtes , recul
fis majorum ſepulchris , de je tis seni
bus , ovantes irrulerunt in civitatem :
quomodo Deum templis Spoliatis , opti
matibus trucidatis , aliis arreptis in
fervitutem , matribus familias , doin
genuis ſub boſtilem libidinem fubje tis ,
urbs acerbilimo concidet incendio con
fagrata : qui fe non putant , id, quod
voluerint , ad exitum perduxiffe , niſi
Janetilima patriæ miferandum fcelera
ts
DE RHETORIC A. 227
i ti viderent cinerem . Nequeo verbis cos
fequi , Judices , isidignitatem rei : fed
negligentius id fero , quia vos mei non
indigetis. Neſta Figura ſe deve obſervar
a meſina moderaçao que na anteceden
te ; porque ſemelhantes Figuras em ca
fos triviacs , perdem toda a efficacia , e
magnificencia
1
j
COM MIN A Ç A .

Sta Figura differe da In


Eprecacao. Forma- ſe quando o Ora
dor ameaça os ouvintes , ou a peſſoa
e os atemoriza com
11 com quem falla
deſgraças , e caſtigos futuros ; como
por exemplo : E quereis , Senhores ,
sy
experimentar as temeroſas conſequenci
V as de huma guerra injuſta ? Nao temeis
que o ſangue de voſos Compatriotas cla.
Ine da terra vinganças do Ceo contra
quem for cauſa de ſe derramar contra a's
leis da juſtiça , e da humanidade ? Del
graçados de vos , ſe de algum moda
concorrerdes pariz tað lamentavel inje
licidade ! Parece -me que ji vejo cami
mbarem com apreſados paſſos os conta
P2 gios ,
228 ENSAIO
gios , os homicidios , os terreniotos,e as
elicrilidades , os incendios , as tempe
Dades , a fome , a pobreza , e a deshon
ra , para caftigar ſemelhante in juſtiça ,
dc. Serve para para diſfuadir , e cauſar
terror . Segue a meſma regra das antece
dentes .

LA MENTAÇ A o .

P Ropriamente fallando ,he huma ex


i que tem por fim mover
a lagrimas os ouvintes em caſo digno de
láſtiina , como por exemplo : Que del.
graça mais lamentável , que a defie in
feliz , le acafo ao merecer a voſa pie
dode ! Que pena ver arruinada en hun
191flante unico > buma fortuna , g90 .
geada em toda a vida com trabalhos im
menfos , e increcimoritos os mais rele
vantes ! Q1!e dor conſiderar o dejanpa
ro de luma familia tao numerofa , 9:2
jempre viveo com eſtimaçao , è opulen.
cia ! Quein terii coração para ver :
triſte conforte banhada em lagrimas
Os 11:9 ocentes filles junto a ella , feri
do os ares coin ais , e JuJpiros , e toda
*
DE RHETORICA. 229
finalmente mendigando de porta em por
ta , para conſervar a vida , em quanto
naő acabar com ella a ſaudade , a ver
gonha , e a pobreza ! Honradó velho 2
Pai deſconſolado ; de que te aproveitá
ram o cuidado com que educaje eſte fi
Ibo , e os diſtinętes ſerviços que fizeſte
a patria ? Que velhice mais deſgraça
dá , que a tua ! Eu acabo , Senhores ,
quando jámais em tað rectos Juízes fo
ram as lagrimas ſeparaveis da miſeri
cordia . Ele ſignal , em animos tao ſin
1 ceros , e inflexiveis , he buin ſignal ail
thentico do meu triumpho . Ela Figu
ra he muito propria para conciliar com
miſeraçao , e pode ſervir para mover a
odio contra quem deſſe cauſa a alguma
1 desgraça.

INCREPAÇ A O.

Orma- ſe quando com aſpereza ſe re


F prehende alguem . Alguns a confun
dem com a Invectiva ; porém Voſſio,nas
ſuas Inſtituições Oratorias , he de pare
cer que differem , em que a Increpaçað ,
ou Reprehenfaó , naſce de bom animo ,
ENSAIO
230
e tem por fim a emenda ; e a Invectiva
naſce de animo ſiniſtro , e tem por fim a
confufaõ de outrem . Da Increpaçað ſe
acham em Cicero innumeraveis exem
plos. O da Oraçað 1. in L. Catil. n . 15 .
he ſufficiente por agora : Potepine tibi
hujus vite hec lux , Catilina ! dut bu
jus celi / piritus efle jucundus CU171
ſcias korum effe neminem , qui neſciat
te pridie Kal. Januarii Lepido & Tullo
Coll. Netiſſe in comitio cilin telo ? Ma
rum , conſul11m , principum civita
tis interficiendorum caufa , paraville ?
Oc.

LICENÇA .

F decoro , ou para ſuavizar aquella


aſpereza com que pertende dizer alguma
verdade , ou reprehender algum coſtu
me ; pede licença aos ouvintes ; como
por exemplo : Dai -me licença , Senho
res , para que na voſſa preſença deſaffo
gue meu peito > e diga livremente o
9112 Siello neſta materia. Ella guerra,
que ſe intenta declarar contra tað arti
gos
DE RHETORICA . 231
gos Alliados , dá ſuſpeitas do mundo de
qué em nos ha falta defé , e de conſtan
cia , Or. As formulas das quaes ſe uſa
neſta Figura , fað de ordinario as ſeguin
tes : Seja -mc licito fallar neſta impor
tante materia ſem rebuço. Nao be dele
jo de contradizer ; be o zelo da patria
que me obriga a fallar com tanta clare
za . Aqui devia callar -me em attençao
1 a voſas peſſoas , mas o voljo bem pé
za mais que a minba condeſcendencia ,
dc.

RETICENCIA.

Orma- ſe quando , ou ſe interrom


F pe o diſcurſo , ou ſe manifeſta dei
xar por dizer alguma couſa , para com
1 eſte ſilencio ſe encarecer mais o que ſe vai
dizendo . Temos hum exemplo admira
vel em hum noſſo Eſcriptor : O ruſtico
veſte como ruftico , e falla bomo ruſtico :
0 mas hum Religioſo , refrir como Reli
gioſo , e fallar como . Naó o quero
dizer por reverencia de lugar , & c.
Outro , depois de ter encarecido algum
crime , acabar do modo ſeguinte : Ob
go per
232 EN SAIO
e
perverſidad nunca ouvida ! Nað he ifto
meſmo que fer Mas nao he juſto o
diga : he grande o reſpeito que tenbo ,
Senbores , a voſſas peljoas, Qc. Outro
em caſo de tratar de alguma materia de
peſimas e ſabidas conſequéncias ; depois
de a tratar pelo que em fi he, ſe poderia
finalizar do inodo ſeguintes As peliimas
conſequencias que de fi póde dar refoltb
çað ſemelhante , vos as Jabeis , nao be
preciſo que eu as lembre.

EMPH A SE.

Orma- ſe quando para conſtituir


ou fazer mais nobre e mageſtoſo o
que ſe diz , ſe reforça a ſentença, ou com
repetiçaõ da meſma palavra , ou epithe
tos magnificos , e de grande ſignificaçao ;
como por exemplo : A patriu , apa
tria > á quem devemos a honra , ari
queza , e a gloria , que poſſuimos , be
que nos manda oferecer e arriſcar a
vida ein ſila defenſa . Outro : Eu mef
mo , aindrqile humilde , aindaque porte
co esforçado, teria valor para moſtrar
que era Portuguez a quem pertendeſe
des
DE RHETORICA . 233
deslufirar as noſas Quinas. Outro :
Forte atrevimento ! Na preſença de hū
Miniſtro , quefaz as vezes do Princi
pe , que ſe adorna com a vara da juſti
ça , que he digno de reſpeito pela ſua
peloa , e pelo ſeu miniſterio , fallar com
Temelhante liberdade ! buc . Outro : Ale
xandre , aquelle famoſo Conquiſtador
do mundo ; que coda a terra emmudeceo
na ſua preſença ; que nao houve , nem
riqueza , nem gloria , nem mageſtade
que pudeſe encher ſeus coraçað dilata.
do , & c . Eſta Figura tem ſeu lugar en
todas as occaſides em que ſe pertende
dizer com eſtylo magnífico , e ſe acha
complicada com todas as outras Figuras.
He neceſſario , porém , naó uſar della
ſempre , porque ſe torna em affe &taçao,
e puerilidade. A regra mais certa a ref
peito do ſeu uſo, he a ſeguinte : ou quan
do o que ſe diz he grande, ou quan
do ſe pertende , e he neceſſario , ou exal
tar , ou abater alguma peſſoa , ou cou
M fa ; pois eſta Figura tanto ſerve para lou
var , como para vituperar.

F I M.

1
LGO CON SADEC
235
IN DE X

DO QUE SE CONTEM
neſte Livro .

$ . I.
D AElencia ,Fim ,Attribu
tos , Materia , e Origem da
Rhetorica . Pag. I.
$ . II . Das Partes da Rhetorica . 7.
S. III. Dos Generos a que ſe reduzem
todas as cauſas. 9.
§. IV . Das Claljes ás quaes ſe reduz
tudo quanto pode entrar na Oraçað.
10 .
S. V. Das Claſes a que ſe reduzem as
quefióes. II .
e
§ . VI. Qu cou ſa a
ſej Eſt ado da caufa ,
s
e ſuaeſpe cies. 12 .
S. VII . Do Genero Demonſtrativo. 13 .
6. VIII . Do Genero Deliberativo . 17 .
S. IX. Do Genero Judicial. 21 .
S. X. Das Partes formaes da Oraçao.
22 .
S. XI. Do Exordio . 23 .
$ . XII. Da Narraçað. 41 .
$ . XIII . Da Propoſiçað. 53 .
XIV . Da Diviſao. 59
S.
236 IN D E X.
S. XV. Da Confirmaçaõ , e Confuta
çaí em geral. 67 .
s. 'XVI. Dos Lugares intrinſecos , 04
Prova artificial em commum .
76 .
S. XVII. Da Definiçao. 78 .
S. XVIII . Da Notaçao de Nome . 81 .
§. XIX. Du Numeraçao das partes. 82 .
§. XX. Dos Conjugados. 83 .
8. XXI. Do Genero. 84 .
Š . XXII . Da Eſpecie. 85:
S. XXIII . Da Semelhança. 86 .
Š . XXIV. Da Desſemelhança. 87 .
$ . XXV. Da Oppoſiçao. ibid .
8. XXVI . Da Repugnancia. 88.
XXVII. Dos Adjunétos. 89 .
S. XXVIII. Dos Antecedentes , e Con
ſeguintes. 93 .
S. XXIX . Da Caufa , e do Effeito. 94 .
§ . XXX . Da Comparaçao. 95 .
§ . XXXI . Do Syllogifino. 97.
5. XXXII. Da Induccaó. IO3
Š . XXXIII. Do Enthymema. 106.
$ . XXXIV . Do Argumento Sorites.
107 .
$ . XXXV. Do Epicherema. 109 .
8. XXXVI . Do Dilemma, ΙΙΟ ,
Š . XXXVII . Do Exemplo. I I2 .
S.
INDE X. 237
$. XXXVIII. Da ſentença de Cicero
ſobre os modos de argumentar. II .
§ . XXXIX. Da Amplificaçao em geral.
II4

S. XL . Do Amplificaçao por palavras.


115 .
$. XLI. Da Amplificação por coufas.
117 .
S. XLII . Do modo com que ſe deve uſar
dos Argumentos, e do tranſito de hias
. para outras provas . 120 .
$ . XLIII . Da Peroraçao . 122 .
S. XLIV . Da Memoria, Pronunciaçað,
e Gefto. 128 .

. XLV. Da Elocuçað em Geral. 139 .


el Š . XLVI. Dos Tropos , e das Figuras
em geral. 141 .
S. XL VI I . Do s Tr op os e
qu con ſiſ tem
em pa la vr as. 144 .
ibid .
Metaphora.
Synecdoche. 146 .
li Meto ny mi a . 147 .
Antonomaſia. 148 .
Onomatopéia . 149 .
Catachreſis. 150 .
Metalepſis. 151 .
§. XLVIII . Dos Tropos que ſe formam
de
INDEX .
238
de ſente nças. 152 .
Allegoria . ibid.
Periphraſe. I54 .
Hyperbaton. 155.
Hyperbole. 156 .
Ironia. 158.
S. XLIX. Das Figuras de palavras
que ſe formam por accreſcentamento.
160 .
Repetiçao. ibid.
ibid .
Converſao.
Complexaó. ( 61 .
Replicação. 162,
Conduplicaçað. 163 .
Reduplicação. 16 4.
Synonymia. ibid.
Conjunçao. 165 .
Gradatio . 165 .
S. L. Das Figuras de palavras que ſe
1 67 .
/ formam por diminuição.
Intelligencia. ibid .
168 .
Diſoluçao.
Adjunçao. ibid .
Disjunçao. 169 .
Comunivtio . 170 .
$ . LI . Das Figuras que ſe formam por
Semelhança ,ou desſemelhança . 171 .
An
INDEX 239
Annominaçao. 171 .
Simulcadente . ibid .

Simuldefinente. 172 .
Compar . 173.
Contrapoſiçað. ibid .
Cominutaçao. 174 )
Correcçao. ibid.
çað .
rubita 175 .
S. LII . Das Figuras que ſervem para
inftruir. 177.
Definiçao. ibid .
Diſtribuiçaó. 178 .
Interpretaçao. 181 .
Congerie. 182.
Preinoriçað. 183 .
Communicaҫай, 185 .
Concejao. 187 .
Objecçao. 188.
Suſtentaçao. 1901 .
Preteriçað. 129 .
Conbeciinento. 196.
Ignorancia. 197 .
S. LIII. Das Figuras de ſentenças que
mais propriamente ſervem para delei
1 tar . 198 .
1 ibid .
Apoſtrophe.
Deſcripcao. 200.
Ну
INDE X.
240
· Hypotypoſis. 2052
· Proſopopéia. 209 .
2 12 .
· Idolopéia.
Etbopeia. 213
Digreſjao. 215.
$ . LIV. Das Figuras de ſentenças, que
ſervem mais propriamente para mover
os affectos. 217.
Interrogaçao. ibid.
218 .
Subjecçao.
· Exclamaçao. 219 .
• Acclamaçaó. 220.
222 .
Deprecacao.
Deſejo. 224
· Imprecaçað. 225.
226 .
Execraçao.
227.
Comminaçao..
228.
Lamentaçao.
Increpação. 229.
· Licença. 230.
Reticencia. 231 .
Emphaſe. 232 .

Fiin do Index .
}
1
-

3
量。
1
3 9015 05989 7309

M
A

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