Ensaio de Rhetórica-Fr. Sebastião de S. António
Ensaio de Rhetórica-Fr. Sebastião de S. António
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ENSAIO
DE
RHETORICA ,
CONFORME O METHODO E DOUTRINA
DE
QUINTILIANO ,
E AS REFLEXões
DOS
A U T H O RES
1 MAIS CELEBRES ,
QUE TRATARAM DESTA MATERIA ,
POR
Fr. SEBASTIAO
DE SANTO ANTONIO ,
da Provincia da Arrabida.
LISBO A.
NA OFFICINA LUISIANA :
Anno M. DCC. LXXIX .
Con licença do Real Meja Cenforia.
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Pag. 1
ENSAIO
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RHETORICA.
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mento de Quintiliano , he
R huma Arte , ou Sciencia
que enſina a dizer bem as
couſas que ſe dizem : Rbe
toricen elſe bene dicendi Scientiam ( a ).
Cicero diz , que he huma parte da
Sciencia civil , á que chama Eloquencia
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DE
RHETORICA ,
QUINTILIANO ,
E AS REFLexoes
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MAIS CELEBRES ,
QUE TRATARAM DESTA MATERIA ,
POR
Fr. SEBASTIAO
DE SANTO ANTONIO ,
da Provincia da Arrabida.
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NA OFFICINA LUISIANA:
Anno M. DCC. LXXIX .
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ENSAIO
DE
RHETORICA.
S. 1.
HETORICA , no ſenti
mento de Quintiliano , he
R huma Arte , ou Sciencia
que enfina a dizer bem as
couſas que ſe didem : Rhe
toricen elſe bene dicendi Scientiam ( a ).
Cicero diz , que he huma parte da
Sciencia civil , a que chama Eloquencia
A 2r
( a ) Lib . 2. c. 15;
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7 EN SAIO
artificiofa : Civilis quædam ratio eft ,
que moltis ,du magnis ex rebus cona
ftat. Ejus quædam magna a ampla
pars eft , artificiofa eloquentia , quam
Rhetoricam vocant ( a ) .
Hum Author moderno , ſuppon
do ſer a Eloquencia hum talento de in
ſtruir , de agradar , e de mover ; e que
fe inſtrue com ſolidez das razões ; que
ſe agrada pela graça do eftylo , e que
fe move excitando os affeétos , e tri
umphando das paixões do animo ; fup
Arte
pondo tudo iſto , diz , que eſta
nað he outra couſa mais , que huma col
lecçao de regras , as quaes feryem de
guia a eſte ſublime talento , que a natu
reza coſtuma conceder a certas almas
privilegiadas .
Qualquer deſtas definições he boa
clara , ſe for, bem entendida. A de
Quintiliano ; porque ſomente diz bem
às couſas , quem diz com verdade
com graça , e com efficacia. A de Cicero
porque ſem conhecer os defeitos que
podem cometter-ſe na Oraçao , e,as per
feições que eſta deve ter , e iſto por hu
ma
( a ) De Iny, 1. 1 .
DE RHETORICA 3
ma longa obſervaçao , nað ferd facil di
zer ſem erro : e eſtas obſervações jun
3 tas , he
que formam a Arte , a que cha
mamos Rhetorica , como logo diremos.
A ultima explicaçað , em fim , tambem he
boa , e clara ; porque na ſubſtancia vem
a dizer iſto meſmo.
Conforme a definiçaõ de Quintilia
€ no o fim da Rhetorica he dizer hein
é o que ſe diz , como elle meſmo conclue :
Nam ſ eft ipſa bene dicendi ſcientia ,
- finis ejus , & fummum , eft bene dice
re ( a )
Cicero diſtingue na Rhetorica o fin
€ do officio . Diz que o officio he dizer
com propriedade para perſuadir , e que
5 o fim he perſuadir dizendo : Officium
autem ipſius facultatis videtur effe ,
dicere appoſite ad perſuaſionem : finis ,
perſuaderedi &tione. Ambos vem a dizer
o meſmo ; porque certamente quem fa
be dizer bem , ſabe perſuadir ; e a per
ſuaſa6 he o fim principal da Rhetorica ,
pois para elle ſe encaminha a Oraçao.
da
duvidar quem gað tiver conhecimento
A 2 do
( a ) Ibid .
1
4 E N S A LO
do ſeu officio , e do ſeu fim .. Que coufa
mais util , que encaminhar o entendi
mento para que nað erre no modo de
achar e ordenar ſeus penſamentos , en
finar o homem a fazer com graça
energia fenſiveis os meſmos penſamen
tos , e triumphar das paixões do animo
em abono da juſtiça , e da verdade , em
beneficio do bem particular , e público ?
Nem contra iſto vale poder-ſe uſar para
mao fim deſta Arte ; porque certamente
nað ha couſa tað fanta , de que nao te
nham abuſado ou uſado mal os ho
mens .
Da nobreza defta Arte nos dá Cice
ro huma clara idéa , com hum diſcurſo ,
que fórma tað engenhoſo , como ſeu.
Suppõe que os homens, ſendo inferio
res aos brutos em muitas operações , a
todos os brutos excedem os homens em
S. III.
DE RHETORICA .
Te
S. : III.
to
jue Dos Generos a que ſe reduzein
todas as caufas.
1
til Ao eſtes tres , Demonſtrativo , De
210 S
Demonſtrativo pertence louyar , ou vi
le tuperar : Quo laus.,,aut vituperatie
continetur , como diz o noſſo Meſtre.
ca Ao genero Deliberativo pertence per:
ſuadir , ou diſſuadir . Ao genero Judi,
cial pertence accuſar, ou defender. Nem
Eja haverá cauſa que fé nað poſſa reduzir
eſtas : Cetere Species in bæc tria in .
La cidunt genere : nec invenietur ex his
ulle , in qua non laudare , aut vitu
perare , aut diffuadere , aut ſuadere ,
intendere quid , vel depellere debea
mus , diz o meſmo Quintiliano.
§. IV .
10 ENS
AIO
. IIII.
S. V.
S. VI.
S. VII.
-
Do Genaro Demonſrativo.
S. VIII.
1
2 Do Genero Deliberativo.
4 "
§ . IX.
DE RHETORICA . 21
12
S. IX .
Do Genero Judicial.
Do Exordio.
> >
O qual chamam os Gregos Proæmi.
ilm , tem por fim proprio conciliar a be
bout nevolencia , attençað , e docilidade dos
ouvintes. Na
( a ) Quintil ,
24 ENSAIO
Na ſentença de alguns Authores,
por oito mados diverſos ſe póde formar
o Exordio . Por declaraçao, pelo intrin
feco da cauſa , por abundancia , por
exemplo , por opiniad , por contra
riedade , por adjuntos , e exabrupto ;
que faó outros tantos generos em que
• Exordio ſe divide .
Por declaraçað , expondo o que
fe julga neceſario para clareza e perfei
ta intelligencia da cauſa , dando ſempre
a entender , que eſta neceſſidade naſce da
parte do Orador , para melhor ſe poder
explicar , e nað da parte dos ouvintes >
que ſeria offendê-los ſe os julgaſſemos
menos capazes de perceber as difficul.
dades da cauſa .
Pelo intrinſeco da caufa , quando
tudo quanto no meſmo Exordio diz o
Orador, ſe refere á caufa , ou á Ora
çað , ou como principio , ou como ef
feito , ou como parte , ou como cir
cumſtancia infeparavel..
Por abundancia , quando fem affe
Etaçað moftra o Orador , que poden
do dizer muito ſobre a materia de que
trata , fe reduz a determinados pontos ,
por
de RHETORIC A. 25
por nao abuſar da benevolencia e atten
çaõ dos ouvintes ; ou pela brevidade
do tempo .
pa Por exemplo , quando principia o
Orador moſtrando, ou nað fer aprimeira
101 vez , que ſe trata com feliz exito de fe
melhante materia , ou que ſe patrocina ?
réo de ſemelhante delicto, ou que o meſ.
mo Orador ſe veja obrigado a fallar por
er femelhante modo.
IK Por opiniaó , quando prevendo o
da Orador o juizo que o ſeu auditorio po
et derá formar acerca de alguma couſa pera,
tencente á cauſa , ou o louva , e approva,
s,
Os fe o conſidera favoravel ; ou o códemna ,
1 e refuta , ſe o teme contrário . O que ſe
deve fazer fem acrimonia , pois com
0 ella ſe irritam os animos .
] Por contrariedade , quando ſe mo
ftra em razões breves o contrário do que
fe pertende perſuadir , e refutando eſtas
melmas razões , ſe propõe o perten
dido affumpto .
Por adjuntos , quando ſe tira mo
tivo para fallar , ou da qualidade da pef
ſoa do Juiz , ou dos ouvintes, ou da pro
pria peſſoa, ou do lugar em que ſe acha ,
ou
26 ENSAIO :
ou do tempo em que falla , ou de at
gum ſucceſſo preſente , ou de qualquer
circumſtancia antecedente, concomitante ,
ou conſequente. Deſte modo de exordic
ar ſe acham innumeraveis exemplos nos
Authores : he muito proprio , e natural.
Exabrupto , ou como de repente ,
e fem conſideraçao , quando o Orador
fedá no princípio a conhecer , como ar
rebatado de alguma paixao forte , que o
inflamma. Coltumam ſervir neſte genero
todas as figuras vehementes , como fað
Apoſtrophe , Interrogaçað , Increpacao ,
Admiraçao , Exclamaçað , e femelhantes .
Deſte genero de Exordio ſe deve uſar
raras vezes . Só tem lugar quando ou o
objecto ou as circumſtancias pedem af
fectos arrebatados , e fortes. Donde ſe
infere , que todo o Exordio , ou he mo
derado , e que ſuppoe confideraçao ; ou
repentino , arrebatado , e que dá a en >
tender que a paixao nao deo tempo
para reflectir nelle.
Cicero attendendo ao fim proprio
do Exordio de conciliar a benevolencia ,
attençao , e docilidade do auditorio
faz outra diviſao , da qual tambem fe
lem
DE RHETOXICA. 27
lembra Quintiliano. Primeiramente re.
duz as couſas a cinco generos : Hone
tuthe ſto , Admiravel , Humilde , Duvidoſo ,
Eſcuro .
103 Em ſegundo lugar explica eſtes ges
male neros do ſeguinte modo : Honeſto chas
te ma a tudo quanto por ſi meſmo he ca
do paz , ſem o ſoccorro da Oração , de
af ganhar e attrahir o animo dos ouvintes.
; Admiravel , o que os ouvintes nað ef
en peram , o que nao crem , e de que ſe
at acham alienados. Humilde, o que he ,
ở ou por ſi meſmo , ou da parte dos ou
cs vintes pouco attendivel . Duvidoſo , o
fa que pode cauſar dúvida , ou a reſpeito da
00 fua exiſtencia , ou da ſua honeſtidade.
of Eſcuro , o que ſomente com trabalho
ſe pode conhecer , e ſe acha complica
Do do com ' muito difficeis negocios .
Em terceiro e ultimo lugar en fina
o meſmo Cicero a exordiar em cada
0 hum deſtes generos do modo ſeguinte.
No genero honeſto , ou pela narraçao ,
ou por alguma lei , ou por alguma ra
zaõ firme e ſolida da meſına Oraçað.
E poſtoque neſte genero pareça eſcu
fado o Exordio , porque fuppomos in
cli ,
28 EN'S A I'O "?
clinado o animo dos ouvintes , ſempre
he util , pois o inclina , e attrahe ainda
mais .
No genero admiravel ſe deve pro
ceder com diftincçað. Se os ouvintes nao
eſtiverem totalinente alienados , e com
inclinaçað ao contrário , ſe deve con
ciliar a benevolencia claramente . Se eſti
verem totalmente alienados e inclinas
dos para a parte contrária , ſe deve ufar
de artificio , e diffimulaçao . Pedir paz a
quem ſe acha poſſuido de ira , he au .
gmentar o odio ſe claramente ſe pertêde.
/ No genero humilde ſe deve conci
liar attençao, desfazêdo todas as razões,
que podem dar motivo ao deſprezo.
No genero duvidoſo ſe deve primeiro
ou determinar de certo a queſtað , ou
moſtrar que he honeſta a cauſa. No ge
nero , em fim , eſcuro , ſe deve exordiar,
declarando por tal modo, e com tal arte ,
a materia , que os ouvintes fiquem ca
pazes de entender tudo quanto a eſte reſ.
peito diſſer o Orador; fem que porém
percebam que o Orador os'fuppõe com
neceſſidade da tal declaraçao .
Aléın deſta diviſao , aſſim Cicero ,
CO
DE RHETORICA: 29
como Quintiliano fazem outra muita
attendivel. Dividem o Exordio em prin
cípio , e infinuaçao. Principium , eſt
oratio perſpicue , protinus perficiens
auditorem benevolum , aut docilem , aut
attentum . Infinuatio , ef oratio quae
dam diſimulatione , & circuitione obo
Jcure. Jubiens auditoris animum .
Nao he facil determinar as occa
14
12: fiões todas em que ſe deve uſar do prin
cípio , ou da inſinuaçao : a verdadeira
regra he o diſcernimento proprio do.
е. Orador, o qual deve ufar da infipuaçao
quando conhecer que aproveitará mais
para o leu fim , que o princípio .
Se alguma regra pode haver em
0.
50 particular , he a ſeguinte: Quando con
liderarmos que os ouvintes eſtaó mais
11
inclinados a parte contrária , ſerá muito
util uſar da infinuaçao ; pois ſó com dif
ſimulaçao, e artificio , os poderemos tra
S
zer ao noſſo partido , ou desfazendo ina
Tenſivelméte os fundamentos contrarios ,
ou louvando as ſuas peſſoas , ou di
minuindo o horror que pode cauſar á
parte que defendemos , ou deſcobrindo
a preoccupaçao de que podem eſtar pofa
fui
30 :ENSATO
fuïdos ; ou em fim , recommendando a
peſſoa , ſe nað he muito recommenda
vel a cauſa , ou louvando a cauſa , ſe o
nað he a peſſoa ; pois como diz Quinti
liano : Illud in univerfum præceptum
fit , ut ab iis , que lædunt ,i ad ea ,
que profunt , refugiamur. '.
Fallando do fim do Exordio , por
quatro modos: fe pode conciliar a bene
volencia dos ouvintes. Ou recommen
dando a propria peſſoa do Orador ; ifto
ke , a noſſa boa - fé , o noſſo zelo , o
ainor que temos a juſtiça , e também
desfazendo qualquer ſuſpeita que poſſa
haver contra nos ; e ultimamente fuppli
cando humildemente o favor dos Juizes,
cifto com modeftia .
65 Ou abatendo a pefloa do contrá
rio , moſtrando com algum facto a ſua
groffaria , a lua ſoberba , a ſua malicia ,
para que os Juízes o aborreçam : ou in
finuando que tem mais confiança no ſeu
poder , nas ſuas riquezas , nos ſeus ami
gos, e parentes , e no ſeu valimento , do
que na juſtiça da meſma cauſa , para que
os Juizes o deſejem opprimir. Ou tam
bem moftrando a fua inutilidade , e os
fe
DE RHETORIC A.
feus maos coſtumes , para que o deſpre:
zem. Efte modo de adquirir a benevos
lençia , nao ſerá facil concordá- lo com a
chriſtandade , e por iſſo he mais para ſe
conhecer , que para ſe ufar.
Ou tambem ſe pode conciliar a bea
nevolencia dos ouvintes lauvando a pers
ſoa dos Juizes , ou recommendando a
meſma cauſa. A peſſoa dos Juizes , ou
ouvintes , referindo as ſuas acções illu
0 ftres , as ſuas boas qualidades , e ſegua
o fando - os de que eſperamos muito da luas
rectidað , e da imparcialidade. A mefma
à caufa , exaltando o noſo partido , e abaa
tendo o contrário ; ifto he , dando a ens
tender , que fobejando -nos as razões ; e z
juſtiça, falta tudo ao contrário ; e promete
tendo - o aſſim moſtrar .
O melhor modo de conciliar attene
çao nos ouvintes , he infinuar , que fab
grandes , qu novas , ou de fumma ima
portancia , ou que parecem incriveis , as
couſas que havemos dizer : como tamo
bem ſe ao auditoria fegurarmos a bre
vidade com que havemos tratar da
caufa , e orar nella . Val muito finalmen
te para conciliar a docilidade dos ouvin
tes ,
ENS A 16 !!!
tes , expôr breve, e claramente , como
em ſumma , a cauſa de que havemos
tratar , declarando bem o ponto em que
fubftancialmente conſiſte toda a contro
verſia.
> Muitas outras regras fe acham nos
-
Authores para conſeguir a benevolencia,
attençao , e docilidade dos ouvintes
que deixamos , por julgarmos ſerem
fufficientes as q deixamos eſcriptas. Fa
remos, porém , mençaõ de que valmuito
para conſeguir a pia affeiçaõ dos Juízes
a favor de alguma parte , contra a qual
fe acham difpoftos , ou expôr a deſgraça
e pouca fortuna em que de preſente fe
acha o réo , ou a que pode experimentar
feo nao favorecerem , que he o meſmo
que mover os Juizes a commiſeraçao.
A reſpeito do eſtylo do Exordio , os
que melhor falláram deſta materia que
rem que ſeja nem affectado , nem def
prezado , mas conforme a materia de
que fe trata . Nos Panegyricos , e Elogi
os funebres , deve ſer mais pompofo .
Cicero quer o eſtylo do Exordio que
feja polido , conſiderado.," com ſenten
ças ornado , e com palavras proprias ,
DE RHETORICA . 33
e tudo acommodado á cauſa de que fe
trata z e dá a razao ; pois val de muito no
princípio fazer-ſe recommendavel o Ora
dor pela ſua eloquencia aos ouvintes :
Principia autem dicendi ſemper cum
0 acurata , do acuta i da inſtruct a ren
tentiis ; apta verbis , tum vero cau
Jarum propria eße debent. Prima eft
21 enim quaſi cognitio , & commendatio
orationis in principio , que continuò
in eum , qui audit , permulcere , atque
ce allicere debet ( a ).
a Alguns Auctores pertendêram que
o Exordio foſſe a parte da Oraçao mais
nobre , mais forte , e mais fublime
ta fundados em gerą ſemelhante ao fron
mi teſpicio de qualquer fábrica ., que ſema
pre na architectura excede as outras par
tes : mas os que ſeguem o contrário rel
o
je pondem , que o Exordio he o caminho ,
ele ou atrio , por onde ſe paſſa para a Ora
de çao ; e nos Palacios nað he eſta a parte
mais fumptuoſa. Quintiliano lhe cha
ma , ante ingreffum rei , de qua dicen
dum ſit ; e Cicero confirma admiravel
mente eſta ſentença : Neque eft dubium ,
С
quiz
fy
( a ) De Orat, lib . 2 .
ENSA IOli
34
quin exordium dicendi , vebement , do
pregnax non fæpe , efe debeat : e mais
abaixo dá a razao : Nibil eft denique in
natura rerum omnium , quodſe univer.
Jum profundet , quod totum repenti:
evolet. Sic omnia , quæ fiunt , quæqu
aguntursacerrime , lenioribus principii:
natura ipſa prætexuit ( a ) .
A regra, porém , mais firme nella
materia , he accommodar o Exordio á na
tureza da cauſa , e das circumſtancias
podem eſtas ſer taes , que lhes ſeja pro
prio hum Exordio muito ſublime ,
muito ornado ; o que tudo ſe deduzd
doutrina do meſmo Cicero : Omne all
tem principium , aut rei totius q
-agetur ſignificationem habere debebit,
aut aditum ad caufam , do munitio
alem , aut quoddam ornamentum , Ó
dignitatem . Sed oportet ut ædibus, & 1
-templis veſtibula do aditus , fic in cau
fis principia proportione rerum prepo
-nere. Itaque in parvis, atque frequen
-tibus caufis ab ipſa re eft exordiri Jep!
-commodius ( b ) . E aſſim o pede a mel
ma razaố ; porque o Orador deve , po
den
( a ) De Orat . Lib. 26 ( 6 ) De Orat. Lib .2.
DE RHETORICA. 35
dendo fer , nað enfraquecer na Oraçað
até chegar á Peroraçað , onde, deve ſer
" mais vehemente ; o que poderia acon
-11
tecer, e aconteceria, ſe o Exordio admit
P'tiſſe ſempre tanta eloquencia .
LA
De toda eſta doutrina ſe infere
que o Exordio , como diz Cicero , deve
ſer ornado com ſentenças, e gravidade de
ſtylo , para que por elle fe faça logo
a
10 princípio recommendavel o Orador
hos ouvintes : e por outra parte nað de
- Pre ſer demaſiadamente ornado , e arti
icioſo ; para que os Juizes nað deſconfi
Ukm de que o Orador com arte os quer
Elybrigar , e ſupprir a juſtiça da cauſa . E
poſto pareça ſer difficil parar no meio
deſtes dous extremos , nao he tanto co
mo ſe julga ; pois facilmente evitare
imos eſtes dous riſcos , ſe por tal modo
Coubermos dizer , que os ouvintes ſe
perſuadam de que fallamos com cuida
do , mas nao com malicia . Faz muito
para o que fica dito outra regra , que
tambem dá Cicero (a ) ; e vem a ſer , que
ſe nao devem no Exordio excitar com
vehemencia os affectos da animo dos,
C2 ous
( a ) Lib. 2. de Orat.
IO
SA
EN
36
ouvintes , mas ſómente principiar a mo
1
vê- los , para no fim da Oraçao os mo
ver com vehemencia. Coino tambem
ſe nað deve explicar tudo no Exordio
mas fómente o que ſe julgar preciſo,
para que os ouvintes poſſam entender
og reſta para ſe propor na Oraçao .
Pelos vicios , ou defeitos , que de
vemos evitar no Exordio conhecere!
mos as ſuas qualidades . Nað deve fer
o Exordio atrevido , nem conſtar de på
lavras que o moſtrem : Principia il
recunda , diz Cicero , non elatis incen
ja verbis ( a ) ; mas fin modeſto , fe
rio , e grave ; pois ſó deſte modo i
póde conciliar benevolencia .
Nað deve fer vulgar ; iſto he , que
poſſa ſervir , e accommodar -ſe a diverſa
cauſas; porque ſomente ſendo proprio,
poderá conciliar attençað nos ouvintes,
Nað deve ſer commum , que poſſa fer
vir tanto para huma parte da caufa,
como para a contrária. Nað deve ſer
cominutavel ; ' iſto he', que levcinente
niudado , fe poſſa delle valer a parte
contrária na meſma cauſa. Nao deve ſer
lon
( a ) Ad Marc . Brut.
DE RHETORIC A. 37
21 longo , e mais extenſo em ſentenças ,
palavras , do que he juſto ; pois dei
mbtará a perder a attençað é benevo
lencia dos ouvintes . Nao deve ſer alheio
ord
eci do genero da cauſa , e do fim que
ter eſta pede : ifto he , nað deve fazer o
o que a meſma cauſa nað pede ; como
ue por exemplo , ſe pede attençað , nað de
leci je pertender benevolencia ; e pelo con
e trário : nað deve uſar de principio
v
de quando a cauſa pede infinuaçao. Naš
2 deve ſer ſeparado , mas de modo que
ini pareça parte da meſma Oraçað . - Nao de
1
DE RHETORICA . 39
dignamente. Depois de tratar da ordem
com que o Orador deve conſiderar no
| mais de que ha de ufar na Oraçad , con
1 elue do modo ſeguinte : Hifce omni
bus rebuts conſideratis , tum denique id ,
I quod primum eft dicendum , poftremum
i foleo cogitare , quo utar exordio . Nam :
is fi aliquando id primum invenire : volui ,
hi nullum mibi occurrit , nifi aut exilé ,
i aut nugatorium , aut vulgare , atque
rt commune ( a ) . Devemos aproveitar-nos
da experiencia de tað grande Meſtre.
ao no Exordio deve
: 1 afts ? A pronunciaç
fer clara , diſtincta e
, perceptivel , mas
Tu tenue , e moderada. O geſto deve fer mo
defto ,e grave. No Exordio ex abrupto
ő póde tudo ſer mais forte , e vehemente.
del Sempre eſtá bem ao . Orador noftrar com
algum temor , que reſpeita o auditorio ,
od e nao confia demaſiadamente em ſi pro
i prio ; com tanto que nao decline para
pufillanimidade. Seria grande defeito, ſe
acaſo no princípio ſe perturbaſſe na pro
nunciaçað , ou na memoria : daria pou
cas eſperanças aos ouvintes , e nao le
Fia bem reputado.
Quin
( a ) De Orat. Lib . 2 .
40 ENSAIO
Quintiliano parece que admitte als
guma differença entre o Proemio , eo
Exordio . Diz , que o princípio ſem que
efteja ornado com alguma ſentença , he
Proemio ; e que ornado com ella , " he
Exordio : mas eſta queſtað he de nome,
puramente eſpeculativa , e de nenhu
ma utilidade. Eu entendo , que Proe
mio ſe pode accommodar ao princípio de
qualquer Obra , é que Exordio ſe co
ſtuma chamar o princípio de qualquer
Oraçað .
Fallando em ultimo lugar da Tran .
fiçao ; ifto he , do modo com que fe
deve paſſar do Exordio para o reſto da
Oraçao , quizeram alguns Auctores per
ſuadir , que ſempre ſe devia neſta occa
fiað , e neſte lugar uſar de alguma fen
tença. Quintiliano, porém , julga ſer iſto
huma affectaçað pueril , e aponta a fe
guinte regra ; que nem he bom paſſar
ſem conſideraçao , e de repente ; nem
com tanta conlideraçao , que caufe con
fufað , e eſcuridade. Eu julgo que nos
quer epſinar , que a Tranſiçað ſeja natu
sal, clara , e ſem affectaçao , nem dema:
fiado eſtudo
Se
DE RHETORIC A. 41
! Se do Exordio ſe pertender paſſar
Ć para a Expoſiçað ,e eſta for dilatada , fes
C rá muito proprio preparar o animo dos
ouvintes , como de Cicero refere o mel,
3
mo. Quintiliano : Paulo longius exor
dium rei demonſtr.ande petam ; quod
mb quæſo , judices , nè maleſtè patiamini.
Pri Principiis enim cognitis , multò facilius
0 extrema intelligetis. Donde ſe infere ;
e que nem ſempre ſe deve paſſar por fen:
tença , e que alguma vez ſe pode uſar
ju
della.
$. XII. 17
ra
6
де Da Narraçao.
( ) Ad Brut . pag. 43 .
DE RHETORICA. 51
ras fortes ; pois ſendo util uſar dellas ,
ſeria defeito le nao as tiveſſe.
Poſtoque a reſpeito do lugar pro
prio da Narraçað tambem tenha havido
opiniões diverſas ; com tudo , ordinaria
mente fallando , é ſeguindo o coſtume,
o ſeu lugar he depois do Exordio.
s Em a Narraçað nað ſe deve uſar
de provas claramente , e com formalida
de de argumento ; mas ſomente moſtran
do , como fica dito , a indole , o coſtu
me , a paixao , de que pode naſcer o cri
ime , ou a acçað , e iſto ſómente indican
do , è nað argumentando ; pois o con
trário ſe oppõe á brevidade.
Tudo quanto ſe diſſer em a Narra
çað , deve ſer conforme ao que depois ſe
ħouver de dizer na Oraçað ; pois como
diz Quintiliano : Non eſt autem ſatis in
narratione uti coloribus , niſi per totam
a £ tionem conſentiant : cum præfertim
quorundam probatio fola fit in aſeve
ratione , d perſeverantia .
Quando o Orador narrar , deve ter
diante dos olhos a paixao , a que por fim
quer mover os ouvintes : ſe á piedade ,
deve ſer a Narraçao triſte : ſe a benevo
Dz len
ENSAIO
enf Da Propoſiçað.
D
S. XIV .
DE RHETORICA . 59
S. XIV .
Da Diviſao.
21 a
vamente oppoſtas. Fenelon , Voltai.
be re , e outros Auctores, totalmente ſe de
claráram contra a Diviſao ; e as razões ,
ris em que ſe fundam , fað as ſeguiptes: Pri
er meira : quando o Orador nað ufa da Di
03 viſað , tudo quanto le diz parece novo ;
e a novidade concilía goſto e attençað
er
nos ouvintes . Segunda : Os Juizes po
deráð deſconfiar do Orador , e acaute
lar-ſe , ſe logo ao princípio conhecerem
po
ſeus intentos , principalmente ſe a Pro
it poſiçaõ for dura , e deſagradavel ; o que
nke nað acontecerá , ſenað houver Diviſao ,
e ſe declarar o que ſe pertende quando
os Juizes eſtiverem preparados , e o Ora
dor lhes ſouber excitar os affectos do
animo . Terceira : porque o genio do
Orador deve eſtar livre , e deſembaraça
do , para poder caminhar para onde o
arrebatar o fogo da imaginaçað , e o im
peto das paixões , de que procede o mais
fu
1
60 ENSAIO
ſublime ; e a Diviſad prende , e ata , e
tem como em eſcravidao o meſmo Ora
dor.
Hea Divifað patrocinada pelo uſo
e auctoridade de quaſi todos osAntigos:
os melhores Oradores , aſſim Gregos ,
como Latinos, u fáram della ; e a enſiná
nam todos quantos deſta Arte eſcreve
ram . Tem por fi as razões ſeguintes:
Primeira ; porque a Diviſao concorre
grandemente para que ſe conheça me,
Thor a cauſa : he como humadeclaraçað
da mefma caufa . Segunda ; porque os
Juizes ouvindo a Diviſað ficam mais
attentos; e ſe he propria , ſe tornam
mais dóceis. Terceira ; porque ſerve de
muito , tanto aos Juizes , como ao Ora
dor , para conſervarem ſempre na me.
moria a ſubſtancia da cauſa , ou o eſtado
da meſma cauſa ; os Juizes obſervando ,
ſe o Orador ſatisfaz ao que promette; e o
meſmo Orador guiando -ſe pela Diviſao ,
para caminhar com ſegurança , e unifor
midade . Quarta e ultima razað ; porque
a Diviſao moſtra como he o fin da Ora
çað, e faz com os ouvintes o eſperem , e
ſe nað enfaſtiem , temendo que ſeja de
ma
DE RHETORICA : 68
inafiadamente comprida ; o que explica.
: Quintiliano com hum exemplo admira
vel : Neque enim id ſolum efficit , ut
clariore fiantquæ dicuntur , rebus ve
50 Jut ex turba extractis , do in confpe
EN Etu judicum pofitis : fed reficit quoque
id audientem certo ſingularium partium
ER fine: non aliter , quam facientibus iter
te multum detrahunt fatigationis notata
20 infcriptis lapidibus spatia nihil
S. XVI.
1
Dos Lugares intrinſecos , ou Pro
va artificial em comum .
Da Definiçao.
( a .) In Topica pag. 5 .
80 ENSAIO
Cicero he muito ſimples , e muito pou
co rhetorico . Veja- ſe a definiçað do Po
vo Romano do meſmo , na Oraçao pro
Domo , num . 9o . da ediçaõ de París ad
uſum Delphini , de que nos ſervimos,
num . 90. , que he admiravel.
As leis da Definiçað fað as ſeguin
tes : 1. Deve conſtar de genero , e diffe
rença ; porque a Definiçao nað he
qualquer explicaçao : he huma explica.!
çað tal , que dá huma idea do que he
eſſencialmente a couſa definida ; ou ao,
menos que moſtra o que he a meſma
couſa a reſpeito do fe pertende , com
diſtincçað , e ſem que ſe equivoque com
outra. Donde fe infere , que a metapho
ra , ou periphraſe , nað he Definiçað .
52. A Definiçaõ deve ſer clara , e
nað conſtar de palavras ſuperfluas , air
daque ſeja magnífica , e pompoſa. A ra..
zao deſtă lei funda- ſe nos preceitos ge
raes da Eloquencia , já muitas vezes re
petidos .
3. As Definições , propriamente fal.
lando , nao devem fer negativas : em ter
mos mais claros : nao define bem , quem
diz o que alguin ſogeito nað he ; mas ſim
quem
DE RHETORICA . 81
quem explica as partes , que o formam ,
ou conſtituem ; excepto naquellas couſas,
que excedem ., ou a experiencia , ou a
komprelien fað humana ; das quaes algu
nas ſe conhecem mais pelo que nað fað ,
lo que pela ſua eſſencia .
§. XVIII.
Da Notaçaõ de Nome .
gu
Oftoque a etyinologia nað ſeja en
P tre os lugares,
, de que tratamos ,
de grande importancia ; com tudo , tam
pem delle ſe pode tirar algum argumen
0 , nao fazendo myſterio do número das
Cetras , nem das fyllabas , nem tampouco
das letras principaes , e de outros fins
para que podem ſervir , e ainda menos
los anagrammas que delles ſe podem
ompôr ; pois tudo iſto fað puerilidades
ndignas de hum Orador ſerio ; mas ſim
e delle uſarmos com gravidade . Por ex
emplo : ha nomes que faó famoſos pe
mos Heroes que os tomaram , Alexandre,
Pompeo , e ſemelhantes. Poderá hum
Orador para perſuadir o valor a quem
F affin
9
82 ENSAYO
affim ſe chamar, lembrar -lhe o ſeu nome
Do nome de Portuguez nos podemos
valer para perſuadir honra aos nollos
Compatriotas ; do que ſignifica o non :
de Juiz , para perſuadir inteireza a qued
ſentencêa ; e aſſim nos demais : e ſó com
eſta gravidade ſe deve uſar deſte lugar.
S. XIX.
Dos Conjugados.
S. XXI .
Do Genero.
Or Genero , na inateria de que trz
tamos , ſe deve entender tudo quan:
to ſe pode affirmar de couſas diverlas
eſpecie. Por exemplo : dinheiro he gera
ro para dinheiro de contado , e dinheim
que ſe deve ; pois hum e outro hed
nheiro : quem deixar a qualquer pelle
todo o dinheiro que poſſue , naó ló
deixa hun , mas outro ; e eſte he oe
emplo com que Cicero explica eſte luga
Quoniam argentum omne mulieri legal
tum eft, non poteft ea pecunia , quia **
merata domi reli &ta eli , non elle legal
( a ) . De fórte , que tudo quanto fed
como es
do Genero , ſe diz da Eſpecie ,
fi na o me fm o Ci ce ro : Fo rm a en im aga
m
nere nunqua , quoad fuum nomen rett
net', numquàm ſejungitur : numerals
artem pecunia nomen argenti retinet,
legata igitur videtur .
$
( a ) In Topic . pag. 7 .
Ď E RhetoRICA . 85
S. XXII.:
si Da Eſpecie.
S. XXIII.
Da Semelbança .
$
( a ) In Topici ( 6 ) Ibid .
DE RHETORICA. 87
§. XXIV.
Da Desſemelbança.
avri
Sa-ſe
U cipios desſemelhantes argumenta
mor diverſos effeitos. Para moſtrar que
hum homem fraco nað ſeria capaz de
acometter outro que o nað foſſe , pode
riainos argumentar do modo ſeguinte :
Alim como o valoroſo deſpreza os maio
res perigos , que riſco ba que nað tema
bun cobarde ? Os ſeusniemos defeitos
efcufam eſte homem do crime que fe lhe
imputa . He preciſo que a desſemelhan
ça ſeja a reſpeito do meſimo princípio , a
que diž ordem a acçao , que ſe pertende
deſculpar', ou provar.
ist B. XXV .
Da Oppoſiçao. 3
Da Repugnancia.
S. . XXVII .
Dos Adjunctos.
S Adjunctos , ou Circumſtancias,
O ſað aquellas couſas que dizem ors
dem a qualquer ſogeito , ou couſa, como
ſað as ſeguintes : a Patria , a Familia , D
Naſcimento , o Sexo , os Dotes do ani
mo, as Paixões, Inclinações , Coſtumes ,
os Dotes do corpo ou Imperfeições , 0
Lugar , o Tempo , a Educaçao , as Ac
ções públicas , a Morte , e couſas feme
ihantes.
Pode-ſe argumentar dos lugares re
feridos pelos modos ſeguintes. Da Pa
tria : Quemenos ſe podiu efperar de bu4il
Africano , aſuto, enganador , ſuperſti
cioſo , e barbaro ? Eſtes ſão os defeitos
que em geral attribuem a eſta Naçao . )
Da Familia : Elle criine, Senhores ,
parece bereditario neſta famiiia : quaſi
todos os ſeuszafcendentes , ou forain por
elle
90 ENS ALO !
élle condemnados , ou ſe viram obriga
dos a defender -ſe de ſeus accusadores.
Do Naſcimento : O prazer de to
da a Naçaó no feliz naſcimento deſte
Principe , asfelicidades , e circumftan
cias glorioſas , q acompanháram aquelle
dia , que outra couſa podiam ſer , Jenaó
os mais certos vaticinios da noſa ven
tura ? Devem - ſe referir as ditas felici.
dades , e circumſtancias. Eſte lugar fer
vé mais para ſe uſar delle na amplifica
çao , do que na prova :
Do Sexo : De huma mulher , ſem
buma prova legal , e clara , nað ſë de
ve preſumir ſemelhante atrocidade : ſó
bu homem , e o mais cruel, teria animo
para manchar a mão no ſangue daquel
les innocentes.
Dos Dotes do animo : Só quem nao
conbécer us virtudes de que he dotado
bun talſogeito , ſe poderá perſuadir de
que era capaz de cometter bum tað
atros delicto. De cada huma das virtu
des ſe tira argumento para o defender do
crime oppofto .
Das Paixões : Hum komem , que
ſem grande motivo , e quaſi por coſtume,
fe
DE RHETORICA . 01
orina fe abraza em ira ; como ſe poderia con
o ter em taes circumſtancias , perfuadido,
aindaque falſamente , de que Thé falts
ki vam ao reſpeito , que ſempre pertendeo
6 de todos a ſua ſoberba ?
211 Das Inclinações : Quem ſempre foi
inclinado aos theatros ; nað moſtrando
i como naõ prova , que neſta occaſiaõ ſe
fe achava em outro lugar ; he verofimil
ar que ſeachasſe no meſmotheatro , e foſſe
o complice , com os ſeus amigos, do crime
de que os .accufam .
Dos Coſtumes : Quem tem por co
Nume jogar , e quaſi ſempre perde ; e não
tem bens que cheguein para tanto ; be
- preciſo muito para ſelivrar do furto , de
lo que tað fortes indicios o accuſam .
Dos Dotes do corpo : Huma peſ
foa de tanta agilidade , je houvelle com
mettido eſe crime fem teſtimuxbas
tendo tempo para ilfo , houvera fugido ,
1 e nað efperaria que o viel em achar per
to domeſmo morto .
Das Imperfeições do meſmo cor
po : Hum logeito de conſtituiçað taó de
bil, de viſta tað curta , e quaſi efiropeą
do , naõſe deve crer , nao ſendo louco ,
quc
+
92 ENS A I'O " I
que brigaſje ,Jem para iſo, huma, e mui
tas vezes , o provocarem .
: Do Lugar : Como ſe havia de atre
ver a profanar o Teinplo, quen em qual
quer outro lugar , 110 theatro , nas pra
ças piiblicas , be o exemplo da ſeriedade,
e das mais virtudes ?
Do Tempo : Se eſta morte foſſe
feita de calo penſado ; bum bomem tas
entendido , eſcolheria para romper neſte
abfurdo o męio dia , a bora em que a luz
bé mais intenſa , em que a Cidade se
acha nas praças, e ruas mais povoadas?
Našlė lembraria de que a noite encobre
grandes atrocidades
Da Educaçao : Que importa que
tenha a honra de fer nofoCompåtrio
ta ; ſe foi educado entre burburos, e por
buns progenitores , que ſe parecem com
elle nos coſtumes ?
Das Acções públicas : Quem ſo
no campo , com a eſpada na mão; rodea
do de inimigos , defendeo valoroſo e hon
ra da Patria , não podia cometter tað 1
grande vileza .
Da Morte : Ouem deo a vida com
tanto brio pela verdade , deixou bum te
Sti
DE RHETORICA .
93
!1 fimunbo o mais authentico da ſua bon
ra , contra todas as calumnias , de que
o baviam pertendido carregar ſeus ini,
migos.
S. XXVIII .
28
A coufás , a que , eou neceſſariainente
94 ou de ordinario ſe coſtumam ſeguir ou
26 tras . Conſequentes ſe dizem aquellas
AA couſas que le coſtumam ſeguir de outras.
De huma penetrante ferida que chegue
the
ao coraçað , ſe coſtuma ſeguir a morte :
ferida he o antecedente, a morte o con
fequente ; e de hum ſe argumenta para o
outro . Cicero pro Murena argumenta
do antecedente para o conſequente , do
31
modo ſeguinte : Nemo ferè ſaltat sobria .
315 , niſi forte inſanit : neque in ſolitu
dine , neque in convivio moderato at
que honeſto : tempeſivi convivii , amani
loci , muttarum deliciarunı comes eſt
extrema ſoltatio. Tu inibi arripis id 2
quod neceſſe eſt, omnium vitiorum eiſe
poftremum ; relinquis illa , quibus re
3120
94 EN SÁ Io
motis hoc vitium omnino effe non potefl.
Nullim turpe.convivium & c. O mel
mo Cicero na Philippica 7. argumenta
do conſequente para o antecedente deſte
modo : Luculentam tamen ipſe plagam
accepit , ut declarat cicatrix .
S. XXIX .
Da Caufa , e do Effeito.
S. XXX .
10! Da Comparaçao.
S. XXXI.
T Do. Syllogiſmo.
B.
DE RHETORICA . 103
S. XXXII .
Da Inducçao.
Di
Onſiſte eſte modo de argumentar,
Com em propôr algumas Propoſições
E certas , e que o contrário , ou os Jur
( zes , neceſſariamente devem conceder ;
e deduzir ultimamente o que ſe per
tende confirmar. Cicero' explica eſte lu
gar com o ſeguinte exemplo : Si , ju
21 dices , id , quod Epaminondas ait legis
fcriptorem ſenfiſé , adſcribat ad legem ,
8 Baddat exceptionem hanc , extra quam
fi quis reipublicæ cauſa exercitum non
tradiderit,patiemini? Non opinor. Quod
Si vosmetipſi, quod a veſtra religione ,
da fapientia remotiffimum eft , iſius bo
E noris cauſa , hanc eandem exceptionem
1 in juſu populi , ad legem adſcribi ju
beatis , populus Thebanus id patietur
fieri ? Profecto non patietur. Quod era
go adfcribi ad legem nefas eft , id ſea
qui , quaſi adſcriptum ſit , reétum ne
vobis: videtur ?. novi veftram intellia
gentiam ., 1 non poteft ita videri, judi
ces,
104 ENSAIO
S. XXXIII.
Do Enthymema.
Samos deſte modo de argumentar ,
U quando ou de hum unico antece
dente , ou de muitos antecedentes , ſe ti
ra
DE RHETORICA. 107
À sa huna conſequencia ; ſe o antecedente
he por ſi meſmo claro, ou na opiniaó dos
31 ouvintes verdadeiro , fem outra prova ,
e com ella ſe pode haver alguma dúvida.
11 He admiravel o ſeguinte exemplo de Ci
. cero pro Flacco n . 5. Damnatus eft is ,
qui Catilinam ſigna patriæ inferentem
interemit : quid eft caufa , cur non is ,
qui Catilinam ex urbe repulit , perti
mi meſcat? Rapitur ad pænam , qui indi
D cia communis exiții cepit : curſibi con
1 fidat is , qui ta proferenda & patefaci
enda curavit ? -Socii conſiliorum , mini
S. XXXIV .
Do Argumento Sorites.
108 ENSAIO
tio : fórma- ſe quando por meio deſta fic
gura , como por degraos , fe vem a con
cluir ultimamente o que ſe pertende :
tem grande analogia na ſubſtancia com a
Inducçao ; mas he no modo , differente ,
como ſe vê no ſeguinte exemplo : Onde
ſe nno caſtigam os crimes , nað ba temor
da juſtiça : Jem eſte freio , ſaố quafi in
domareis as paixões humanas : poftas
em liberdade , nað ha mal que ſe nað
devo recear de ſeu arrebatado impeto : 4
noja , a experiencia de todos os ſeculos ,
tenifeito, comoſabeis , evidente eſta ver
dade: vede , Senbores , quanto importa
a huma Republica , que nenhum crime
fique fem caſtigo : e ſeeſte be dos mais
atrozes , que ſe deve eſperar de vós,
ſenað juſtiça ?
Efte modo de argumentar he mui
to proprio para ſe uſar delle na Perora
çao; pois , como ſe vê , aperta , e conven
ce , trazendo á memoria diverſas couſas,
ou já referidas , ou que le poderiam al
legar inais extenſamente. Perderá gran
de parte da ſua elegancia , ſe o formar
mos , repetindo duas vezes a meſma pa
lavra , ou ſentença , como ſeria fe dif
ſef
DE RHETORICA . 109
feſlemos : Onde Je nað caſtigam os cri.
IN mes , nuo ba temor da juſtiça : onde naó.
ha temor da juſtiça , ſão quaſi indoma
veis as paixões humanas , &c. Por iſſo
tti fe deve uſar de periphraſe , como fica
executado .
:1
11
S. XXXV .
Do Epicberema.
S. XXXVI.
Do Dilemma .
$. XXXVII.
1
Do Exemplo.
S. XXXVIII.
S. XXXIX .
Da Amplificaças
ð em geral.
S. XLI.
S. XLII.
Da Peroraçao.
f.
( a ) De Invent .
128 ENSAIO
S. XLIV.
Da Memoria , Pronunciaçao , e
Geſto .
S. XLV.
Da Elocuçao em geral.
.
PE RHETORIC A. 141
§. XLVI .
e ,
mais energia . Ultimamente por Figura
de ſentença , a q chamain Interrogaçao:
Etia , ella melina teſtiinunha , não tem
dito a ejte reſpeito couſas repugnantes ,
e contradiktorias ? Note-ſe a differença.
As Figuras , humas faó de palavras,
outras' de lentenças. As de palavras ſe
podem formar de tres modos ; ou por
accreſcentamento , ou por diminuiçao ,
ou por ſemelhança das inefinas palavras .
As Figuras de ſentenças ſe reduzem a
tres claſſes : Humas ſao mais proprias
para inftruir, outras para conciliar agra
do ou deleitar , e outras para mover os
affectos do animo , das quaes todas tra
tareinos diſtinctrinente. Antes , porém ,
ſeja -nos licito fazer as reflexões ſeguin
tes : Pria
DE RHETORICA . 143
Primeira reflexao. A'cerca do nú
mero , afim dos Tropos , como das
Figuras , nað fað do meſmo parecer to
dos os Authores . Os de melhor crítica
reprovam parte aſlıın de huns , como
das outras. Como , porém , no fim de
cada explicaçað fazemos conta de elcre
yer e notar o ſeu uſo , e o ſeu preſtimo ,
melhor nos parece tratar de todas ; pois
além de fer trabalho unicamente peno
ſo a quem eſcreve , o que for de pouca
utilidade para o uſo , nað o ſerá para o
conhecimento .
Segunda reflexao. A Oraçað naó
deve abundar em Figuras ; porque além
de ſe conhecer , neſſe caſo , muita arte ' ,
perderáð as meſmas Figuras a eſtima
çað , e ſe confundiráo, humas com ou.
tras, ſem que ſe poſſa ver e admirar a
ſua belleza . Pela meſma razao ſe nað de
ve repetir na meſma Oraçað muitas ve
zes a meſma figura.
Terceira reflexao . Como o fim do
ornato , he fazer mais elegante o que fe
diz , todas as vezes que os conceitos ,
ou penfamentos explicados por termos
fimplices , tiverem elegancia , e força ,
ou
144 ENSAIO
ou para inſtruir , ou para deleitar , ou
para mover ; nao devemos cuidar em al
gum ornato ; porque qualquer , neſte
caſo , deitará a perder o que ſe differ.
Quarta reflexað. Nað ha Oraçað ,
ordinariamente fallando , em que o Ora
dor nað pertenda inſtruir , deleitar , e
mover ; antes neſta meſma variedade
conſiſte a formoſura da Eloquencia . Tu
do canfa , fe he ſempre o meſmo. Por
iſſo julgo muito util a divitað das Figu
ras , dizendo reſpeito a eſtes tres fins, e
que eſta diviſað le conſerve na memoria,
para ſe ufar della na practica.
Ultima reflexao . Aliim no uſo dos
Tropos , como das Figuras , ſe devem
obſervar as regras geraes da brevidade ,
clareza , e as mais de que temos fallado.
§. XLVII.
SYNECDOCH E.
a i
Onſiſte em uſar do todo par fign
C ficar a parte ; como por exemplo :
METON YMIA .
1.
E quaſi em nada differe do anteceden
la
te : a ſua definiçað he a ſeguinte : Verbi
mutatio ununi nominians vice alterius.
Forma- ſe dosmodos ſeguintes , e já pe
la maior parte acima referidos ; toman
do o Author pela obra , o Pintor pela
pintura , o efeito pela caufa , ? peſte
por quem he cauſa della , o fubitantivo
K 2
pe.
148 E Û SA'YO
pelo adjectivo , a ingratidao pelo in.
grato , o princípio pelo que delle ſe for
mou , a terra pelo homem , o officio
por, quem o exercita , a ſentinella pelos
foldados , o inſtrumento por quem uſa
delle , a eſpada pelo homicida , a pen
na pelo Eſcriptor, a lingua pelo que fal
la , o continente pela couſa contida , o
navio pelas mercadorias , a Cidade pe
los habitadores , as caſas pelas familias,
o poſſuidor pela couſa poſſuïda, os ricos
pelas riquezas , a couſa poſſuïda pelo
poſluïdor , a vida por quem a poſſuža,
o ſignal em fim pela couſa ſignificada ,
a palma pela victoria .
ANTONOMASIA .
a que
E mam pronominação,e quehequa
fihuma eſpecie de Metaphora , forma.
fe , ou quando apropriamos hum nome
que pertence a muitos , a hum ſogeito
particular , porque entre todos ſe di
ftinguio naquella virtude , ou excellen
cia , ou faculdade , que denota o ineſmo
nome ; ou quando applicamos o nome
de
DE RHETORICA . 149
de algum ſogeito célebre em alguma fa
culdade , ou excellencia , a muitos que
o ſouberam imitar. Porque Virgilio ſe
diſtinguio tanto na Poeſia , lhe dað o no
me de Poeta , ſem que para conhecermos
que delle ſe falla , ſeja preciſo uſar de
outro algum termo : e porque algum
Orador chegou a grande perfeiçao , The
deram o nome de Cicero Portuguez. Do
que fica dito ſe deduz a prudencia , e re
flexao , com que ſe deve uſar deſte Tro
po. O meſmo que ſe uſa para louvar , e
engrandecer , ſe uſa para vituperar , e
deprimir : Nero ſe pode chamar a hum
hoinem cruel , Lucifer a hum ſoberbo
e aflim no demais .
ONOMATOPÉIA.
CATACH RESIS .
METAL EPSIS.
St nominato ad
E Seitenanfumptio ex uno nominato
ad
aliud
per quosdam gradus . Temos o ſeguin
te exemplo em Virgilio : Pof aliquot
mea regna videns, mirabor ariſtas. Pe
las eſpigas ſe vem no conhecimento das
ſearas, pelas ſearas dos Eitios , e pelos
Eltios dos annos . Tenho que dejembol
far comvoſco muito dinheiro , poderia
hum negociante dizer a outro , para lhe
ſegurar , que vinha de animo de lhe
comprar muita fazenda. He coufa dif
ficil conſervar neſte Tropo clareza ,
por iſſo nað ſe deve uſar delle , fenao
Tariffiinas vezes .
' S.
152 ENSAIO
S. XLVIII.
ALLEGORIA .
!
Pe
054 ENSAIO
PERIPHRASE.
HYPERBATON.
Hr .
56 ENSAIO
HY PER B 0 L E.
IRONIA .
. XLIX .
REPETIÇA Ó .
CONVERSA .
REPLICAÇ A 8 .
܀ܬ
CONDUPLICAGA Ó .
L2 RE
164 ENSA for
REDUPLICA ÇA .
SYNONYM I A.
GRADATIO.
$
DE RHETORICA. 167
S. L.
INTELLIGENCIA .
1
7
168 ENSAI
DISSOLUÇ A 0.
DISJUNGA .
1
COMMIXTI O.
$.
DE RHETORIC A. 171
$. LI.
SIMUL CA DENTE .
SIMULDESINENTE.
COM
DE RHETORICA . 173
CN
9 COMPAR .
5
E , chamam
Antitheſis , fórma-ſe quando ſe ufa
de palavras de oppoſto ſignificado ; co
mo por exeinplo : Que importa que eſte
homem folje Jeu ininigo ? Nao dičtam
As Leis da Religiaó , da borra , e da
generoſidade , que deveinos correſpon
der as injúrias com beneficios , cami
AMIOT
ENSAIOA
474
amor ao odio ; ás ingratidões com fac
vores ? Uſada deſte modo , e com pru
dencia , pode ter ſeu uſo : de outro , he
muito pueril , e affectada.
. : COMM U T AÇACÓ
DUBITAÇA Ó .
Orma- ſe ,
F dizer com maior energia , ſe mo
ftra duvidoſo. Exemplo : Nemo effénym ,
qui invidiæ fine vejtro , ac fine talium
virorum ſubſidio poßio reſiſtere , equi
dem quod ad me attinet y cuộ ne per
tan
176 ENSAIO
tam neſcio. Negem fuiſje illam infami
am judicii corrupti ? Negem illam rem
agitatam in concionibus Fachatam in
judiciis ? Commemorat am in Senatu ?
Evellam ex animis hominum tantan
opinionem ? Tam penitus infitam ? Tam
zetuſlam ? Non eft nofiri ingenii : ve
ftri auxilii eft , judices! Hujus innocen
tie ſic in bac calamitoja fama quaſ
in aliqua perniciofiffima flama , atque
in comnuni incendio ſubvenire . Cicero
pro A. Cluentio , n . 4.
Outro exemplo : Que direi da in
folencia com que eſte bomem ſe atreveo
publicamente a injuriar o Magiſtrado?
Que direi das blaspbernias que proferio
contra o , Principe ? Que direi , em fim ,
das intrigas com que procurori fazer
complices do ſeu deli&to os Cidadãos
mais honrados ,maiş religioſos , e de ma
ior fidelidade ? Mas que hei de dizer ?
Nada digo ; e ſó me admiro , que por
tanto tempo fe haja ſoffrido hum mei
bro taó podre , e tað perniciofo - Repu
blica !
$. LII.
DEFINIÇA O.
DISTRIBUIÇ A .
INTERPRETAÇ A 8 .
CON GERIE.
1
PREMONIÇ A .
CON
DA RHETORICA . 187
CONCESS Aő .
Objecçao.
SustenT A Ç A .
, que
E
dilaçao , ou lulpenlað , fórma - e ,
quando o Orador tem por algum tempo
tulpenfo o auditorio , lem que lhe lein
bre aquella ſentença para que vê le pre
para o Orador ; como por exemplo , fal
jando de hum General que morreo na
batalha, para ſignificar o quanto era bem
quiſto e amado de ſeus ſoldados , ſe po
deriz dizer aſlim : Mas que be iſto , qile
de repente acontece ? Perturbam - ſe os
vencedores , quando já eflaó quaſi del
burntados os inimigos ! Naó vað ein
feu leguimento , não os acabam de de
fruir , paru jer completo o triumpbo!
Dejo
DE RHETORICA . 191
Deſperdiçam as poucas horas que reſium
de luz , e que eran ſufficientes para fa
zer mais gloriofa a victoria ! Canſou
Je por ventura jamais de vencer é de
triumpbar algum ſoldado ? O campo dos
vencedores em ſilencio ! Deftempera
s dos os bellicos inſtrumentos ! Sem ba
- ver quem ſe aproveite dos deſpojos mi
litares ! Os meſmos deſtroçados inimi..
gos , obſervando de longe o que acon-' -
tece , ſe admiram deſta novidade. Mas
eſte be o verdadeiro premio da virtude :
bavia acabado a vida aquelle genero
So guerreiro , ferido de búma bala : nað
puderam , nem o ardor militar , nemo
goſlo daquelle dia', nem o intereſſe par
ticular , e público , triumphar do ſentis
mento que en todo hum exercito , e.tao
numerolo , caufou aquella morte , & c.
Hum Author Portuguez ,fallando da con
verſao de Saulo , diz aflim : Ponde - vos
á viſta de Damaſco , vereis toldar -ſeo
Ceo , bramir os ventos , eſcurecer -le e
accender- ſe as nuvens , tudo relampa
gos , tudo trovóes , tudo raios. Que
he iſo ? He que deſce Chriſto do Gena
converter 6 A reduzir a Saulo. Eſta
si
Fi ,
192 ENSAIO
PRETERIG A 6.
CONHECIMENTO .
IGNO
DE RHETORICA : 197
IGNORANCIA.
2012
rajuizo
de que deve formar ; coino por exem
plo : Eſte o faéto , e confeffo ingenud.
dái
mente , que nao tenho palavras com
que explique o borror que me cauſa Je
mnelbante atrocidade , doc. Outro : Cox
oprello que nao porto entender o que en
contrário ſe allega , buc. Outro : Com
Mer tað público eſte facto, eu ſou o que
esitenbo delle monos noticia ; e lem embar
-ko diſo , nao me po to perſuadir de que
si l'al aconteceſo : 0 pouco oue ſei , me er
elitbe de borror, & c . Delta Figura deve
-ſe
przfar com muita moderaçað , e nað fingir
gnorancia em couſas de pouco porte ,
de todos ſabidas ; porque nað degene
e ou em affectaçao , ou em puerilida:
ile. Naó he loftrivel repetidas vezes na
neſma Oraçao .
S.
198 ENSAIO
S. LIU .
APOSTROPHE.
DESCRIPÇA Ó.
, com
pompa , e ornato, alguma peſſoa,
ou couſa. Cicero pro Lege Manilia , o.
30.
DE RHETORICA . 201
16
30., faz huma pompola deſcripçað das
virtudes de Pompeo : Jam vero virtuti
Cn. Pompeii que poteft par ratio immeni
ri ? Quid efi , qiiod quiſquam aut di
Es gnum illo , aut vobis novum , aut cui
I quam inauditum pofit afferre ? Non
enim ille ſunt folie virtutes Imperato
rie ; quæ vulgo exiſtiniantur , labor inz
negotiis , fortitudo į periculis, indul
fria in agendo , celeritas in conficiendo,
i conſiliuın in providendo : quæ tanta
& funt in hoc uno , quanta in omnibus
reliquis Imperatoribus , quos aut vi
dimis aut audivimus , non fuerint.
TIC
6 Teſtis eſ Italia , quam ille ipſe viktor
L. Sulla hujus virtute, du conſilio con
es felus eſ liberatam : teris eft Sicilia,
f quam multis undique cin &tam pericul
mia lis , non terrore belli , fed celeritate
TO confilii explicavit : teſtis eſt Africa ,
que magnis opprefin hoftium copiis ,
eorum ipſorum Sanguine redundavit :
teftis en Gallia , per quam legionibus
noſtris in Hiſpaniam iter Collorin
internecione patefactum ell : teſis eſt
Hiſpania , quæ Sepiffime plurimos ho
fuperatos , pofiratosque conſ
pes ab boc
pe
202 ENSAIO
pexit : teftis eſt iterum , do sæpius Itä
lia , quæ , cum ſervili bello tetro , peri
culofoque premeretur, ab hoc auxilium
abſente expetivit : quod bellum , & c.
E aflim vai continuando cada vez com
maior pompa. Neſte exemplo ſe admi
ram muitas Figuras , e com grande ele
gancia . Hum dos noſſos Authores traz
a ſeguinte deſcripçað: Via -ſe a deoſa ( a )
todă ornada , e enriquecida de joias ,
que mais pareciam roubadas á nature
za , que imitadas da arte : nos dedos ,
annéis de diamantes; nos braços, brace
letes de rubins ; na garganta , affoga
dor de grandes pérolas ; 110 toucado,
grinalda de eſmeraldas ; nas orelhas,
ckuveiros de aljofar ; no peito , bum
camafeo em figura de Cupido , cercado
de huma rofa de jacinthos , com os ais
da meſma flor por raios ; as alparcas fe
meadas de todo o genero de pedraria ; as
roupas recamadas de ouro , e tomadas
airoſamente em hun cintilho de ſapphi
ras. O meſino Author em outro lugar ,
diz aſliin : Alia be aquella Regiao com
po
( a ) Falla de Venus pintada por hum diſcipu
lo de Zeuxis.
DE RHETORIC AZ 203
poſta de muitas , da qual nunca ſahi
11 ram ſeus habitadores , nem deram en
strada a outros ; porque para a vida 2,
e para o regalo , tem dentro em ſi tudo
o que pode deſejar , ſem o receber de fó
ra. Aſia he aquella primeira fonte , ou
mãi de todas as Sciencias , onde nað ſó
as profeſ áram e enſinaram os Chalde
os , mas contra as in júrias de ambos
os diluvios , que conheceram , as deixa
rain efcriptas , e immortaes , em duas
3 columnas ; huma invencivel á agua ,
outra ao fogo. Alia ſao aquelles vaftif
fimos e poderoſisſimos Imperios , onde
# rein iram os Ninos , as Semiramis , os
Xerxes , os Sennacheribes , os Arpha
xades , os Aſſueros , os Darios , os
Balthazares , os Nabucodonoſores , e os
mais altos e ricos membros da ſua fil
e mola eſatua . Aſia Saó aquellas terras
populoſiſſimas , nas quaes , com fábri
cas monſtruolas , ſe edificaram as Ni
nives , e Babylonias , e depois dellas
as Sulas, e as Ecbatairas , que ſe na
grandeza as ilað igualárain , na rique
za , ni opulencia , e na architectura
as vencerain com exceſso o tentoso qua
si
204 ENSAIO
si incrivel. Aſia he a patria , que o foi
do primeiro Pai do genero humano , 011–
de o meling Author do Univerſo foi a
Agricultor que plantou o Paraiſo ; de
que fuó teſtimunhas , maiores que toda
a excepça) , os dous rios Tigres , e E1
phrates, que da meſma fonte naſceram ,
que longamente cortam e regam ſeus
campos , e que aos ſeus , e nao a outros
mares , vao pagar o tributo. E para que
á viſti di grandeza que agora direi,
Jejami pequenas todas as outras , Alice
be aquella terra , que para nafcer , vi
ver , e morrer , eſcolheo o Filho de Deos
feito hoinein , &c. Eſta deſcripçað he ad
miravel , mas comprida. Veja a deſcri
pçao de Fr. Luis de Souſa da Serra de
Montejunto , e do Convento de Bemfi
ca ; poltoque para entrarem em Oraçao,
deinalidainente extenſas. Efta Figura ,
quando della ſe uſa com proporçao ao
que ſe diz , he admiravel para conci
liar agrado , e ainda louvar , para vitu
perar , e para convencer . He preciſo ,
porén , uſar de termos proprios ; iſto
he, de teimos inilitares , para deſcrever
huina batalha ; de nautica , para deſ
cre
r
DA RHETORICA . 205
! crever hum navio , huma tormenta ; de
architectura , para deſcrever hum edifi
cio , e aſſim no demais ; pois o con
trário he indigno de hum Orador. Tam
bem ſe deve advertir , que a deſcripçao
W ſirva de credito , e engrandeça de algum
modo a materia ; e niſto he Fr. Luis de
Souſa inimitavel ; pois tudo quanto ca
1 hio debaixo da ſua penna , foi bem
affortunado. Ultimamente as deſcrip
ções devem vir a propoſito , c nao por
! capricho ; e na meſma Oraçað mal po
in dem caber muitas , e nenos ſendo com
de pridas .
HYPOTY POSIS.
e
E Sta Figura ,que Cicero chamaa tam
que
0
muitos dað o nome de Demonſtraçao , e
outros de Imagem , . fórma- ſe , quando
o Orador exprime tað vivamente o que
11 pertende , que parece quaſi que ſe eſtá
vendo . Em Cicero acham - ſe exemplos
admiraveis. In Verr. Lib . 2. 1. 108.Vi
detis illum Jub crifpo capillo nigrum ,
qui eo vultu nos intuetur , ut fibi ipfé
petic
206 ENSAIO
peracutus effe videatur ? Qui tabulas
20
PROSOP OP É I A , ..
11%
DIGRESS A .
Clue INTERROGAÇ A .
S 2 BJ E CC A .
EXCLAM A Ç A O.
ACCLA M A Ç A 7 .
DEP Á E.CA ÇA .
6 .
224 ENSAIO
DESEJO .
i
IMPRECAÇA.
EXECRAÇ A Ó .
LA MENTAÇ A o .
INCREPAÇ A O.
LICENÇA .
RETICENCIA.
EMPH A SE.
F I M.
1
LGO CON SADEC
235
IN DE X
DO QUE SE CONTEM
neſte Livro .
$ . I.
D AElencia ,Fim ,Attribu
tos , Materia , e Origem da
Rhetorica . Pag. I.
$ . II . Das Partes da Rhetorica . 7.
S. III. Dos Generos a que ſe reduzem
todas as cauſas. 9.
§. IV . Das Claljes ás quaes ſe reduz
tudo quanto pode entrar na Oraçað.
10 .
S. V. Das Claſes a que ſe reduzem as
quefióes. II .
e
§ . VI. Qu cou ſa a
ſej Eſt ado da caufa ,
s
e ſuaeſpe cies. 12 .
S. VII . Do Genero Demonſtrativo. 13 .
6. VIII . Do Genero Deliberativo . 17 .
S. IX. Do Genero Judicial. 21 .
S. X. Das Partes formaes da Oraçao.
22 .
S. XI. Do Exordio . 23 .
$ . XII. Da Narraçað. 41 .
$ . XIII . Da Propoſiçað. 53 .
XIV . Da Diviſao. 59
S.
236 IN D E X.
S. XV. Da Confirmaçaõ , e Confuta
çaí em geral. 67 .
s. 'XVI. Dos Lugares intrinſecos , 04
Prova artificial em commum .
76 .
S. XVII. Da Definiçao. 78 .
S. XVIII . Da Notaçao de Nome . 81 .
§. XIX. Du Numeraçao das partes. 82 .
§. XX. Dos Conjugados. 83 .
8. XXI. Do Genero. 84 .
Š . XXII . Da Eſpecie. 85:
S. XXIII . Da Semelhança. 86 .
Š . XXIV. Da Desſemelhança. 87 .
$ . XXV. Da Oppoſiçao. ibid .
8. XXVI . Da Repugnancia. 88.
XXVII. Dos Adjunétos. 89 .
S. XXVIII. Dos Antecedentes , e Con
ſeguintes. 93 .
S. XXIX . Da Caufa , e do Effeito. 94 .
§ . XXX . Da Comparaçao. 95 .
§ . XXXI . Do Syllogifino. 97.
5. XXXII. Da Induccaó. IO3
Š . XXXIII. Do Enthymema. 106.
$ . XXXIV . Do Argumento Sorites.
107 .
$ . XXXV. Do Epicherema. 109 .
8. XXXVI . Do Dilemma, ΙΙΟ ,
Š . XXXVII . Do Exemplo. I I2 .
S.
INDE X. 237
$. XXXVIII. Da ſentença de Cicero
ſobre os modos de argumentar. II .
§ . XXXIX. Da Amplificaçao em geral.
II4
Simuldefinente. 172 .
Compar . 173.
Contrapoſiçað. ibid .
Cominutaçao. 174 )
Correcçao. ibid.
çað .
rubita 175 .
S. LII . Das Figuras que ſervem para
inftruir. 177.
Definiçao. ibid .
Diſtribuiçaó. 178 .
Interpretaçao. 181 .
Congerie. 182.
Preinoriçað. 183 .
Communicaҫай, 185 .
Concejao. 187 .
Objecçao. 188.
Suſtentaçao. 1901 .
Preteriçað. 129 .
Conbeciinento. 196.
Ignorancia. 197 .
S. LIII. Das Figuras de ſentenças que
mais propriamente ſervem para delei
1 tar . 198 .
1 ibid .
Apoſtrophe.
Deſcripcao. 200.
Ну
INDE X.
240
· Hypotypoſis. 2052
· Proſopopéia. 209 .
2 12 .
· Idolopéia.
Etbopeia. 213
Digreſjao. 215.
$ . LIV. Das Figuras de ſentenças, que
ſervem mais propriamente para mover
os affectos. 217.
Interrogaçao. ibid.
218 .
Subjecçao.
· Exclamaçao. 219 .
• Acclamaçaó. 220.
222 .
Deprecacao.
Deſejo. 224
· Imprecaçað. 225.
226 .
Execraçao.
227.
Comminaçao..
228.
Lamentaçao.
Increpação. 229.
· Licença. 230.
Reticencia. 231 .
Emphaſe. 232 .
Fiin do Index .
}
1
-
3
量。
1
3 9015 05989 7309
M
A